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Tromboembolismo Pulmonar. Quadro Clínico e Diagnóstico

Rui Póvoa
São Paulo, SP

O tromboembolismo pulmonar (TEP) é uma síndrome Os politraumatizados apresentam incidência de TEP


clínica e fisiopatológica que resulta da oclusão da circula- em torno de 15%. Queimaduras extensas estão associadas
ção arterial pulmonar por um ou mais êmbolos. a fenômenos tromboembólicos devidos a alterações do
Os eventos tromboembólicos estão relacionados, em endotélio vascular, passagem de tromboplastina tecidual
mais de 90% dos casos, com êmbolos originados em sítios para a circulação, desidratação e imobilidade. Os anticon-
de trombose venosa profunda (TVP), principalmente dos cepcionais orais com alto teor de estrógeno são responsá-
vasos da coxa e pelve. Raramente, os êmbolos podem ser veis por 1,6 a 7,2% dos casos de TVP 5.
procedentes das veias renais, membros superiores ou do É freqüente a associação de TEP com neoplasias ma-
ventrículo direito (VD). lignas principalmente naqueles com tumores de pâncreas,
No final do século XIX, Virchow descreveu três con- próstata, pulmão e mama. A doença tromboembólica pode
dições capazes de iniciar o processo de trombogênese: le- ser o primeiro sintoma clínico do tumor. Episódios de trom-
são do endotélio venoso, alterações dos mecanismos boflebite migratória e recorrente relacionados com a neo-
plasmáticos da coagulação e estase sangüínea. A estase ve- plasias foram inicialmente descritos por Trousseau 6.
nosa é o principal fator na gênese da TVP.
Os principais fatores de risco para TVP são: idade (au- Quadro clínico
mento exponencial >50 anos), imobilização, história pré-
via de TEP, anestesia (risco maior na anestesia geral do que O quadro clínico é variável e dependerá das condições
regional), gravidez (aumento de risco no período pós-par- cardiopulmonares prévias do paciente, tamanho do êmbo-
to), neoplasias (TVP ou TEP podem ser manifestações de lo, número de episódios embólicos e da resposta neuro-
neoplasia presente ou preceder o seu aparecimento por humoral.
anos), estados de hipercoagulabilidade (deficiência de Os principais sinais e sintomas de portadores de TEP
antitrombina III, deficiência de proteína C ou S) anticorpo agudo estão na tabela I.
antifosfolípide, excesso de inibidor do ativador do Hemoptise, dor e atrito pleural, febre, flebite e taqui-
plasminogênio tecidual, policitemias, cirurgias, trauma cardia ocorrem com freqüência. A tríade dor torácica,
tecidual (ativação da coagulação e trauma direto sobre os hemoptise e doença venosa periférica é encontrada em ape-
vasos), obesidade, varizes dos membros inferiores e anti- nas 13% dos casos. Em pacientes com doença cardiopul-
concepcionais 1-4. monar prévia, obstrução menor de 50% da vasculatura pul-
A imobilização prolongada devido a condições de in- monar pode precipitar cor pulmonale agudo semelhante ao
capacidade temporária, como por exemplo o período pós- quadro clínico observado em pacientes com embolia maci-
operatório, portadores de fraturas principalmente aquelas ça.
que acometem os ossos dos membros inferiores e pelve ou, Nos pacientes com TEP agudo e maciço (área arteri-
então, associada a doenças crônicas e debilitantes é a cau- al pulmonar acometida em mais de 50%), pode ocorrer sín-
sa mais freqüente de TEP. A imobilização impede a ativi- cope e colapso cardiovascular, devido a súbita redução do
dade muscular, prejudicando o retorno venoso. A rede ve- débito cardíaco e do fluxo sangüíneo cerebral. Cerca de
nosa dos músculos sóleo e gastrocnêmio constitui o local de 30% desses pacientes evoluem com instabilidade hemodi-
maior lentidão de fluxo, originando, assim, grande parte nâmica. A presença de dor retroesternal está presente em
dos trombos. 30% dos casos, provavelmente relacionada a hipoperfusão
As cardiopatias constituem importante fator de risco
no desenvolvimento do TEP. Os mais freqüentemente aco- Tabela I - Principais sintomas e sinais do TEP agudo
metidos são aqueles com insuficiência cardíaca grau
funcional III e IV da NYHA (New York Heart Association) Sintomas % Sinais %

e os portadores de fibrilação atrial. Dor torácica 88 Taquipnéia (>16/min) 92


Dispnéia 84 Estertores 48
Dor pleurítica 74 Hiperfonese P2 53
Apreensão 59 Taquicardia (>100bpm) 44
Tosse 53 Febre (>37,8oC) 43
Istituto Scientifico Ospedale S. Luca, Fondazione Centri Auxologico Italiano, Milano;
Hemoptise 30 Flebite 32
Centro di Fisiologia Clinica e Ipertensione, Ospedale Maggiore e Universitá di Milano;
Diaforese 36 Cianose 19
Cattedra di Medicina Interna, Ospedale S. Gerardo, Monza e Universitá di Milano
Síncope 13
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TEP. Quadro clínico e diagnóstico volume 67, (nº 3), 1996

coronariana, podendo, também, ser originada do pericárdio Tabela II - PaO2 (mmHg) em ar ambiente no TEP agudo
parietal, da distensão súbita da artéria pulmonar ou, ainda,
PaO2 <59 60-69 70-79 80-89 >90
de isquemia da parede do VD. Os sinais clínicos do TEP
Pacientes (%) 25 27 22 14 12
agudo e maciço devem-se principalmente a falência aguda
do VD, baixo débito cardíaco e distúrbio da relação venti-
lação/perfusão. Cianose, taquicardia, pressão venosa cen-
tral elevada e ritmo de galope audível no bordo esternal es- vio para a esquerda. A velocidade de hemossedimentação
querdo são encontrados em 75% dos casos. está elevada em 40% dos pacientes.
A hipoxemia é achado freqüente, mas inespecífico, em A radiografia do torax é freqüentemente considerada
portadores de TEP sem doença cardiopulmonar prévia. A ta- normal. No entanto, a oclusão de ramos segmentares ou
bela II mostra a distribuição da PaO2 no TEP, observando-se lobares da artéria pulmonar pode causar relativa
níveis >80mmHg em aproximadamente 26% dos casos. As hipertransparência da região irrigada por estes vasos (sinal
principais causas de hipoxemia são a presença de espaço morto de Westermark).
alveolar, vaso e broncoconstrição reflexa e deficiência de pro- As alterações radiológicas são geralmente inespe-
dução de surfactante, com conseqüente colapso alveolar. A cíficas: diminuição do volume pulmonar no lado embo-
presença de áreas hipoperfundidas, mas com ventilação nor- lizado (devido a atelectasias e elevação da hemicúpula dia-
mal, causa desequilíbrio na relação ventilação/perfusão (efeito fragmática), atelectasias segmentares e derrame pleural. A
espaço morto), além disso, pode haver desvio de fluxo configuração clássica é a presença de área triangular de
sangüíneo para áreas não embolizadas, promovendo predomí- condensação pulmonar de densidade homogênea e com
nio da perfusão sobre a ventilação (efeito shunt). A constrição ápice voltado para o hilo (sinal de Hampton), sugestiva de
de ductos alveolares pode reduzir o volume pulmonar com ele- infarto pulmonar 9,10. Neste caso, o tempo médio de resolu-
vação da cúpula diafragmática e atelectasias 7. ção da imagem radiológica é de cerca de três semanas, en-
Os principais diagnósticos diferenciais do TEP são: quanto que as de condensação causadas por quadros
infarto agudo do miocárdio (IAM), pneumonia, insuficiên- pneumônicos desaparecem em 7 a 10 dias.
cia cardíaca, asma brônquica, doença pulmonar obstrutiva Apesar da pequena especificidade do exame, a radio-
crônica, neoplasia torácica, fratura de costela, grafia do tórax é útil no diagnóstico diferencial do TEP com
pneumotorax, dor de origem músculo-esquelética e pneumonias, asma brônquica, pnemotórax, etc. O aumento
bacteremia (liberação de mediadores causando hipoxemia do espaço morto acima de 40% associado a espirometria
e hipotensão) 8. normal sugere TEP.
O eletrocardiograma tem-se mostrado decepcionante, O ecocardiograma é exame não-invasivo que pode
do ponto de vista diagnóstico. O aspecto mais característico mostrar sinais indiretos de TEP, tais como aumento das câ-
é a transitoriedade das alterações observadas. Assim, em maras direitas, desvio do septo ventricular da direita para
pacientes sem doença cardiopulmonar prévia, o apareci- a esquerda (efeito Berheim reverso), insuficiência
mento de sobrecarga aguda do VD correlaciona-se com as tricúspide, redução das câmaras esquerdas, áreas de
alterações hemodinâmicas. Classicamente, temos desvio hipocinesia do VD, presença de trombos nos ramos arteri-
do eixo do do complexo QRS para a direita, além do apare- ais principais ou intracavitários. Permite quantificar a gra-
cimento de onda S em D I, onda Q em DIII e inversão da onda vidade da hipertensão pulmonar, sendo de valia tanto no
T em DIII (S1Q3T3 ou sinal de McGuin e White). Outras al- diagnóstico quanto na avaliação da resposta ao tratamen-
terações podem estar presentes como infra ou supradesni- to com trombolíticos. É também utilizado no diagnóstico
velamentos do segmento ST, inversão da onda T na pare- diferencial do IAM, derrame pericárdico e pleural e na dis-
de anterior, distúrbio de condução do ramo direito e secção da aorta.
arritmias supra e/ou ventriculares. O ecodoppler vascular é exame não-invasivo capaz de
A gasometria arterial em ar ambiente pode revelar a detectar a presença de trombos no sistema venoso profun-
presença de hipoxemia e hipocarbia secundária a hiperven- do, vasos ilíacos e veia cava 11.
tilação. Nos pacientes com TEP grave, pode haver hipoxe- O diagnóstico através da cintilografia pulmonar ven-
mia acentuada (PaO2<50mmHg) (tab. II). tilação/perfusão é realizado na presença de mismatch, ou
A tríade de Wacker, ou seja, elevação da seja: defeitos de perfusão correspondentes a áreas de ven-
desidrogenase láctica (DHL) e da bilirrubina com níveis de tilação normal. Na cintigrafia de perfusão infundem-se
transaminase glutamo-oxalacética (TGO) normal é obser- 250.000 a 500.0000 macroagregados de albumina marca-
vada em apenas 4% dos pacientes. O aumento do DHL, dos com tecnécio-99m por via endovenosa, promovendo
freqüentemente observado nos portadores de TEP, deve-se bloqueio de, aproximadamente, 0,2% dos vasos pulmona-
principalmente à liberação do DHL em tecidos res pré-capilares, sem causar repercussão hemodinâmica.
extrapulmonares, pois, há aumento maior do isômero hepá- Imagens cintigráficas do pulmão são captadas em seis po-
tico em relação ao pulmonar. sições: anterior, posterior, lateral direita e esquerda, oblí-
Os leucócitos raramente excedem 15.000/mm3, estan- qua posterior direita e esquerda. Cintigrafia de perfusão
do geralmente em torno de 10.000/mm3 com discreto des- normal, praticamente, exclui o diagnóstico de TEP. No
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volume 67, (nº 3), 1996 TEP. Quadro clínico e diagnóstico

entanto, exame anormal não é específico, podendo ocorrer, alta probabilidade quando houver áreas de hipoperfusão
por exemplo, em portadores de doença pulmonar obstrutiva em múltiplos segmentos ou lobos pulmonares com venti-
crônica e asma brônquica. Para incrementar a lação normal, em portador de radiografia do tórax sem
especificidade do exame, introduziu-se a imagem de ven- anormalidades nos campos pulmonares correspondentes.
tilação (realizada com partículas de aerossol marcadas com A arteriografia pulmonar é exame invasivo, onde o
tecnécio-99m ou xenônio 133) de forma a diferenciar a do- achado de trombo intraluminal faz o diagnóstico de certe-
ença embólica de defeitos de perfusão, que ocorrem secun- za de TEP. Injeções seletivas ou superseletivas podem ser
dariamente aos distúrbios de ventilação. necessárias. No entanto, trombos em vasos <2mm de diâ-
Segundo critérios do PIOPED 12, o diagnóstico é de metro podem não ser visibilizados.

Referências

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