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RESTRIÇÃO DE MOVIMENTO DE

COLUNA
NOVAS DIRETRIZES 2021
RMC (Restrição do Movimento da Coluna): quais as
“novas diretrizes”?
Confira este passo a passo detalhado sobre a mais recente
imobilização de vítimas de trauma
Os casos de trauma grave no país já são vistos como problema de saúde pública. As vítimas são, em sua
maioria, independentes e repentinamente mudam para um cenário de dependência física, emocional e até mesmo
financeira. Existe uma classificação vasta de traumas na Urgência e Emergência, porém hoje nossa visão será
voltada ao trauma raquimedular (TRM), tendo em vista que nossa discussão será sobre as “novas evidências”
para restrição do movimento da coluna. Os mecanismos de trauma mais comuns, que resultam em TRM, são as
quedas e os acidentes automobilísticos; e os indivíduos acometidos, geralmente, sofrem outros traumas
associados, como lesão cérebro traumática de tórax e de abdome.

O perfil da população envolvida em lesão medular traumática é do sexo masculino, majoritariamente, e


com faixa etária de 20 a 40 anos. A incidência no Brasil ainda é desconhecida, uma vez que não requer
notificação e consequentemente existem poucos dados ou trabalhos que envolvem o assunto. Nesse sentido,
estima-se que ocorram 10.000 novos casos por ano de lesão medular, sendo predominante a causa traumática.
Os americanos sugerem 40 casos por milhão por ano de lesões medulares. Apesar desse número parecer
relativamente pequeno, não representam nem de longe a alta morbimortalidade dessas lesões.

Assistência tradicional à vítimas de trauma

Há mais de 50 anos, o país utiliza a prancha e colar cervical como forma de imobilização de vítimas de
trauma grave, associados ao imobilizador de cabeça e seus tirantes. A justificativa da utilização desse aparato
se baseia na premissa de que a imobilização da cervical evita lesões secundárias neurológicas causadas pela
instabilidade da coluna durante todo o processo (incluindo extração, transporte e avaliação). Porém, as sequelas
geradas em vítima imobilizada, sem justificativa pautada no mecanismo de trauma ou sinais clínicos, geraram
desconforto na medicina moderna, que resultou em alguns estudos.

Tendo como base que a forma tradicional de imobilização pode gerar e vem gerando iatrogenias, este
precisa ser revisado. Podemos citar como iatrogenias: desconforto, dor, estresse, atraso no tratamento, tempo
investido, possível elevação da pressão intracraniana (PIC), aumento do risco de aspiração, risco de lesões por
pressão, redução de permeabilidade de via aérea e declínio na eficácia respiratória.

RMC: o que é e por que o novo método

É importante ressaltar que nem as “novas evidências” e nem o método tradicional fornecem verdadeira
imobilização, apenas limitam ou minimizam o movimento. Por isso, considera-se mais adequado nomear o
procedimento como “Restrição do Movimento da Coluna vertebral (RMC). Digo novas entre aspas porque essas
evidências vêm chegando ao Brasil desde 2017, em alguns simpósios e congressos, mas no exterior as
discussões já estão bem avançadas e implementadas. O assunto se difundiu em larga escala, quando abordado
no Congresso Nacional da Associação Brasileira de Medicina de Emergência (ABRAMEDE) que ocorreu em
2018, na cidade de Fortaleza – CE.

Vivemos atualmente uma falta real de consenso entre como e quando restringir o movimento da coluna,
mas algumas características são inquestionáveis e o princípio mantém-se o mesmo, com movimento minimalista
e ausência de danos. O Brasil é um país de várias realidades, onde o serviço de atendimento às vítimas de trauma
é prestado por vários profissionais diferentes (enfermeiro, médico, técnico de enfermagem, resgatista,
socorrista, condutor-socorrista, bombeiros civil e militar, entre outros) e em várias instituições, cada qual com
seus protocolos e preferências.

As evidências mudam a cada dia, precisamos nos adequar às mudanças do presente e do futuro, mas sem
esquecer que houve uma evolução na assistência com algo que no passado foi visto como a melhor opção,
podendo ser aproveitado em sua totalidade ou parcialidade. Os pés no chão restringem o amadorismo e a
impulsividade, pois todas as atualizações geram consequências que só saberemos após passado algum tempo da
implementação. As preferências podem ser moldadas, mas o princípio precisa ser mantido. Os profissionais
precisam ser instrumentalizados de acordo com a realidade do local onde trabalham, levando em consideração
seus recursos, no que diz respeito a equipamento e contingente, sem esquecer da rigidez do princípio.

Explicando a abordagem seletiva

A imobilização tradicional vem perdendo espaço para uma abordagem seletiva. Segundo alguns estudos,
a própria musculatura para vertebral tem a função de restringir o movimento da coluna instável, mas para ser
utilizado esse método, a vítima precisa estar consciente, orientada e alerta. O profissional auxilia a vítima,
apenas limitando a amplitude do movimento e buscando a posição neutra. Podemos fazer um paralelo com o
tão conhecido torcicolo. Quem, além da própria pessoa com torcicolo, conseguiria fazer o movimento no seu
pescoço, com o mínimo de dor possível? Somente ele mesmo. Assim funciona a abordagem seletiva, podendo
ser realizada associada com o uso do colar cervical para funcionar como um obstáculo adicional e limitador do
movimento do pescoço.

A RMC precisa ser aplicada em todos os momentos do atendimento, desde a abordagem inicial até a
passagem ao leito hospitalar, incluindo extração/extricação, transporte e transferência. A cabeça, o pescoço e a
coluna precisam estar sempre alinhados à posição neutra, podendo ser feito de forma manual ou com uso de
equipamentos disponíveis. A prancha rígida que era utilizada durante todo atendimento, atualmente é indicada
apenas para extração/extricação, devendo ser retirada o mais rápido possível e podendo chegar ao máximo de
30 minutos. Enquanto para o transporte, estão indicadas a maca à vácuo (hoje, restrito a alguns serviços) e a
própria maca retrátil da ambulância.

Quando devo utilizar a RMC?

Entendido que a restrição do movimento da coluna atualmente é a forma mais viável para a assistência
ao paciente com trauma, agora você deve estar se perguntando: “Como defino se a vítima precisa ou não da
RMC?”. E aí vai a resposta: existem alguns critérios de inclusão que aumentam a suspeição para aplicar a
restrição. Veja o quadro abaixo:
OBS.: Trauma penetrante, em qualquer idade, não tem indicação à restrição da coluna.

É muito comum na cena do acidente as vítimas serem encontradas deambulando e autoextraídas. Essas
eram imobilizadas com a técnica de “pranchamento em pé” que, atualmente, com o advento da RMC, não é
mais recomendada. Nas novas diretrizes, esses pacientes devem ser encaminhados à maca da viatura, com
restrição do movimento da coluna e auxiliados a sentar-se e posteriormente a deitar-se, com auxílio dos
profissionais.

Devo destacar ainda que a vítima não pode subir ou descer escadas, devendo andar apenas em base
plana. E caso seja indicada a restrição da coluna, a vítima não pode levantar-se do chão sozinha e sem objeto de
extração/extricação. Por sua vez, levando em consideração a demora e a falsa impressão de restrição, o Kendrick
Extrication Device (KED), não é aconselhável para uso em adultos, vejam bem, não é ACONSELHÁVEL.
Algumas literaturas o indicam, sendo assim, o profissional deve estar atualizado para decidir a melhor opção
para a vítima.

Imobilização com KED APH/IESPE – Juiz de Fora

Imobilização completa e tradicional APH/IESPE – Juiz de Fora


Imobilização em pé APH/IESPE – Juiz de Fora

Segundo as diretrizes sul-africanas, a RMC deve seguir uma sequência de opções para imobilização e transporte
da vítima. Como primeira opção é citado o recurso de maca scoop e maca a vácuo; não havendo esse recurso, é
sugerido o uso de maca simples com imobilizador lateral de cabeça, caso seja necessário. E, por fim, é analisada
a prancha rígida como uma ferramenta valiosa para mobilização do paciente, mas não como instrumento de
transporte.

Da esquerda para a direita: maca a vácuo, maca retrátil e maca scoop.

Como fazer a autoextricação controlada?

Estudos realizados entre 2009 e 2015 confirmaram que a técnica de autoextração controlada, se comparada com
as técnicas tradicionais, é a forma mais eficaz quando se trata de não movimentar a coluna. Mas precisamos de
cautela, não vamos, a partir de agora, sugerir que todas as vítimas de trauma levantem e andem; precisamos
avaliar alguns pré-requisitos para que o indivíduo se enquadre nessa técnica. Para tal, a vítima precisa estar:

• Consciente,
• Sem sinais de intoxicação,
• Obedecendo a comandos,
• Hemodinamicamente estável,
• Sem fraturas e/ou contusões importantes,
• Sentada em veículo de passeio,
• Com os quatro pneus no solo
• Com acesso direto à saída.

Dixon M, et al (2014), sugere que a técnica seja realizada em 7 (sete) passos que seguem:

1. Você entende o que estou pedindo a você? Tente manter a cabeça o mais parada possível. E caso sinta
qualquer desconforto ou sensação estranha no corpo, pare o movimento.
2. Devagar, você vai colocar seu pé esquerdo no chão, fora do carro.
3. Apoie-se no volante e se puxe para frente.
4. Mantenha mão direita no volante e ponha sua mão esquerda no banco, atrás de você.
5. Devagar vire seu corpo para o lado de fora, seu pé direito deve acompanhar o movimento e você deve
se manter sentado.
6. Com os dois pés no chão, levante-se com auxílio dos braços para se equilibrar.
7. Dê dois passos afastando-se do carro.

Para melhor visualização, abaixo serão demonstradas as técnicas para abordagem da vítima de trauma e
também como e quando retirar a prancha rígida.

ABORDAGEM EM PÉ

1) Abordagem da vítima e estabilização da coluna cervical pelo primeiro socorrista.

Passo 1 – Abordagem em pé

2) Aferição do colar cervical.

Passo 2 – Abordagem em pé

3) Aferição do colar cervical.


Passo 3 – Abordagem em pé

4) Colar cervical no antebraço do primeiro socorrista.

Passo 4 – Abordagem em pé

5) Estabilização manual da coluna cervical pelo segundo socorrista.

Passo 5 – Abordagem em pé
6) Colocação do colar cervical.

Passo 6 – Abordagem em pé

7) Colocação do colar cervical.

Passo 7 – Abordagem em pé

8) Com auxílio dos socorristas e orientado a movimentar a cabeça o mínimo possível, caminhar até a
maca.
Passo 8 – Abordagem em pé

9) Vítima senta-se na maca com auxílio dos socorristas.

Passo 9 – Abordagem em pé

10) Socorristas realizam rotação controlada.


Passo 10 – Abordagem em pé

11) Rotação controlada até a vítima ficar em decúbito dorsal na maca.

Passo 11 – Abordagem em pé

ABORDAGEM SENTADO

1) Primeiro socorrista realiza estabilização da coluna cervical.


Passo 1 – Abordagem sentado

2) Segundo socorrista mensura colar cervical.

Passo 2 – Abordagem sentado

3) Colar cervical no antebraço do primeiro socorrista.


Passo 3 – Abordagem sentado

4) Estabilização da coluna cervical pelo segundo socorrista e colocação do colar cervical.

Passo 4 – Abordagem sentado

5) Colocação do colar cervical.


Passo 5 – Abordagem sentado

6) Socorristas auxiliam a vítima a assumir a posição ortostática, sendo orientado a manter a cabeça mais parada
possível.

Passo 7 – Abordagem sentado

8) Com auxílio dos socorristas, a vítima caminha até a maca.


Passo 8 – Abordagem sentado

9) Socorristas auxiliam a vítima a sentar na maca.

Passo 9 – Abordagem sentado

10) Socorristas realizam rotação controlada da vítima.


Passo 10 – Abordagem sentado

11) Rotação controlada até assumir decúbito dorsal.

Passo 11 – Abordagem sentado

SELF EXTRICATION – AUTOEXTRAÇÃO (vítima condutor)

1) Abordagem pelo campo de visão da vítima, solicitando que mantenha a cabeça o mais parada possível.
Passo 1 – Autoextração

2) Estabilização da coluna cervical.

Passo 2 – Autoextração

3) Mensuração de colar cervical.


Passo 3 – Autoextração

4) Colocação de colar cervical.

Passo 4 – Autoextração

5) Orientação para que, a qualquer sinal de dor ou sensação diferente pelo corpo, pare o movimento.
Passo 5 – Autoextração

6) Vítima é orientada que coloque o pé esquerdo fora do carro, vagarosamente.

Passo 6 – Autoextração

7) Orientação para utilizar o volante como apoio para se puxar para frente.
Passo 7 – Autoextração

8) Orientação para manter mão direita no volante e a mão esquerda no canto do banco atrás da vítima.

Passo 8 – Autoextração

9) Orientação para virar o corpo lentamente, pé direito acompanhando o movimento e para manter-se sentada.
Passo 9 – Autoextração

10) Com ambos os pés no chão, é orientada a assumir a posição ortostática com auxílio dos socorristas, dar dois
passos para frente e caminhar até a maca.

TRANSPORTE LONGO (ACIMA DE 30 MINUTOS)

1) Vítima encaminhada à maca.

2) Rolamento 90° em bloco com estabilização manual de cervical.

Passo 2 – Transporte longo

3) Retirada da prancha na maca, se transporte superior a 30 minutos, caso esse tempo seja inferior à retirada a
ser realizada na unidade de destino.
Passo 3 – Transporte longo

4) Mantenha vítima em decúbito dorsal sem a prancha.

Passo 4 – Transporte longo

Não sendo possível aplicar a autoextração, porque a vítima não corresponde aos critérios de inclusão, podemos
utilizar outras técnicas de extração, 0°, 20°, 30°, 60° ou 90°, que variam de acordo com a posição no carro. Veja
a imagem abaixo:
Assunto muito interessante esse, não é mesmo? Devemos sim nos preocupar com essas atualizações, mas
precisamos lembrar que, de maneira concomitante, nossa vítima precisa ser avaliada e assistida, evitando sua
deterioração. Como fazer tudo ao mesmo tempo? A resposta ficará como assunto para um próximo encontro!
Senão, falta o gostinho de quero mais.

Bibliografia
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