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ORGANIZADORES

Aline Biggi Maciel Del Conte


Guilherme Barroso L. de Freitas
TRAUMA E EMERGÊNCIA
Teoria e Prática
Edição IV

ORGANIZADORES

Aline Biggi Maciel Del Conte


Guilherme Barroso L. de Freitas

2022
2022 by Editora Pasteur
Copyright © Editora Pasteur

Editor Chefe:

Dr Guilherme Barroso Langoni de Freitas

Corpo Editorial:

Dr. Alaercio Aparecido de Oliveira Dr Guilherme Barroso Langoni de Freitas


(Faculdade INSPIRAR, UNINTER, CEPROMEC e Força Aérea Brasileira) (Universidade Federal do Piauí - PI)
Dra. Aldenora Maria Ximenes Rodrigues Dra. Hanan Khaled Sleiman
MSc. Aline de Oliveira Brandão (Faculdade Guairacá - PR)
(Universidade Federal de Minas Gerais - MG) MSc. Juliane Cristina de Almeida Paganini
MSc. Bárbara Mendes Paz (Universidade Estadual do Centro-Oeste - PR)
(Universidade Estadual do Centro-Oeste - PR) Dra. Kátia da Conceição Machado
Dr. Daniel Brustolin Ludwig (Universidade Federal do Piauí - PI)
(Universidade Estadual do Centro-Oeste - PR) Dr. Lucas Villas Boas Hoelz
Dr. Durinézio José de Almeida (FIOCRUZ - RJ)
(Universidade Estadual de Maringá - PR) MSc. Lyslian Joelma Alves Moreira
Dr. Everton Dias D’Andréa (Faculdade Inspirar - PR)
(University of Arizona/USA) Dra. Márcia Astrês Fernandes
Dr. Fábio Solon Tajra (Universidade Federal do Piauí - PI)
(Universidade Federal do Piauí - PI) Dr. Otávio Luiz Gusso Maioli
Francisco Tiago dos Santos Silva Júnior (Instituto Federal do Espírito Santo - ES)
(Universidade Federal do Piauí - PI) Dr. Paulo Alex Bezerra Sales
Dra. Gabriela Dantas Carvalho MSc. Raul Sousa Andreza
Dr. Geison Eduardo Cambri MSc. Renan Monteiro do Nascimento
MSc. Guilherme Augusto G. Martins Dra. Teresa Leal
(Universidade Estadual do Centro-Oeste - PR)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Editora Pasteur, PR, Brasil)

FR862c FREITAS, Guilherme Barroso Langoni de.


Trauma e Emergência / Guilherme Barroso Langoni de
Freitas- Irati: Pasteur, 2022.
1 livro digital; 415p.; ed. IV; il.

Modo de acesso: Internet


ISBN 978-65-815-4919-0
https://doi.org/10.29327/562435
1. Medicina 2. Pronto Atendimento 3. Trauma
I. Título.

CDD 610
CDU 616/617
PREFÁCIO
A ciência e aprendizado sobre situações de
trauma e emergência evoluíram nas últimas déca-
das. Esse crescimento levou a um maior profissio-
nalismo e ao aumento de desfechos de sucesso no
atendimento ao paciente. A educação e treina-
mento passaram a ser o pilar do fortalecimento da
área. Porém, o conhecimento é dinâmico, requer
esforço e busca incessante para melhora contínua
nos resultados. A educação do profissional que
atende vítimas de traumas e em situações de emer-
gência precisa encontrar o equilíbrio entre teoria e
prática. Por conseguinte, a Editora Pasteur desen-
volveu esta série, em sua segunda edição, para ser-
vir como guia de estudo aos amantes da área. Es-
peramos que tenha uma leitura agradável e possa
desfrutar do conhecimento repassado pelos autores
convidados.

Guilherme Barroso L de Freitas


Dr. Prof. Dpto. Bioquímica e Farmacologia,
Universidade Federal do Piauí (UFPI)
Diretor Científico do Grupo Pasteur
CAPÍTULO 1 1
MANEJO DE PACIENTES POLITRAUMATIZADOS: UMA REVISÃO
BIBLIOGRÁFICA

CAPÍTULO 2 9
NOÇÕES DE SUPORTE AVANÇADO DE VIDA NO TRAUMA E PRIMEIRO
ATENDIMENTO AO POLITRAUMATIZADO

CAPÍTULO 3 15
PACIENTE POLITRAUMATIZADO: UM DESAFIO A SE VENCER

CAPÍTULO 4 26
AVALIAÇÃO INICIAL E ABORDAGEM AO POLITRAUMATIZADO

CAPÍTULO 5 35
CIRURGIA DE CONTROLE DE DANOS EM PACIENTES COM TRAUMA
GRAVE

CAPÍTULO 6 46
TRAUMA RAQUIMEDULAR: DIFERENÇA ENTRE ABORDAGEM ADULTA
E PEDIÁTRICA

CAPÍTULO 7 54
ABORDAGEM AO TRAUMA DE FACE: RECONHECIMENTO E
TERAPÊUTICA

CAPÍTULO 8 65
TRAUMATISMO FACIAL - UMA REVISÃO INTEGRATIVA

CAPÍTULO 9 70
REPARAÇÃO TECIDUAL COM ÊNFASE EM TRAUMA DE FACE –
REPARAÇÃO ÓSSEA, TECIDOS MOLES E TECIDO NERVOSO
CAPÍTULO 10 79
PROTOCOLO DE URGÊNCIA E EMERGÊNCIA NA RECUPERAÇÃO DE
PACIENTES COM TRAUMA DE FACE

CAPÍTULO 11 87
RECONSTRUÇÃO DE FACE NO TRAUMA: UMA VISÃO GERAL

CAPÍTULO 12 99
HEMATOMA RETROBULBAR: UMA REVISÃO DE LITERATURA

CAPÍTULO 13 107
A INCIDÊNCIA DA ENDOFTALMITE EM CASOS DE TRAUMA OCULAR:
UMA REVISÃO INTEGRATIVA

CAPÍTULO 14 115
ANÁLISE DO PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DOS PACIENTES VÍTIMAS DE
TRAUMA TORÁCICO

CAPÍTULO 15 124
HÉRNIA DIAFRAGMÁTICA TRAUMÁTICA: REVISÃO DE LITERATURA

CAPÍTULO 16 130
ABORDAGEM CLÍNICA E CIRÚRGICA PARA HÉRNIA TRAUMÁTICA DO
DIAFRÁGMA

CAPÍTULO 17 139
TROMBOSE VENOSA PROFUNDA COM EVOLUÇÃO PARA EMBOLIA
PULMONAR: UMA REVISÃO DE LITERATURA

CAPÍTULO 18 147
TRAUMA CARDÍACO PENETRANTE: RELATO DE CASO

CAPÍTULO 19 154
INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO: IMPLICAÇÕES, CONDUTA E
TRATAMENTO
CAPÍTULO 20 163
INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO ASSOCIADO AO TRAUMA FECHADO

CAPÍTULO 21 169
PERICARDITE: BREVE ESTUDO SOBRE A INFLAMAÇÃO DO
PERICÁRDIO

CAPÍTULO 22 176
RUPTURA DE ANEURISMA DE AORTA ABDOMINAL: UMA REVISÃO DE
LITERATURA

CAPÍTULO 23 184
HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA VARICOSA

CAPÍTULO 24 190
EMERGÊNCIAS ONCOLÓGICAS
REVISÃO DE LITERATURA

CAPÍTULO 25 201
TORÇÃO TESTICULAR NA EMERGÊNCIA: REVISÃO DE LITERATURA

CAPÍTULO 26 207
LESÕES URETERAIS: ABORDAGEM DESSE DIAGNÓSTICO RARO

CAPÍTULO 27 213
ARTRITE INFECCIOSA NA EMERGÊNCIA – DO DIAGNÓSTICO AO
TRATAMENTO

CAPÍTULO 28 222
HIPERCALCEMIA NA EMERGÊNCIA: DO DIAGNÓSTICO AO
TRATAMENTO

CAPÍTULO 29 236
MANEJO DO TRATAMENTO CIRÚRGICO DE QUEIMADURAS
CAPÍTULO 30 246
NUTRIÇÃO E METABOLISMO DO PACIENTE PEDIÁTRICO QUEIMADO:
UMA REVISÃO DE LITERATURA

CAPÍTULO 31 251
INCIDÊNCIA DE ACIDENTES COM QUEIMADURAS EM CRIANÇAS NA
FASE PRÉ ESCOLAR À FASE ESCOLAR

CAPÍTULO 32 261
CONCEITOS GERAIS NA ABORDAGEM DO TRAUMA NO PACIENTE
PEDIÁTRICO

CAPÍTULO 33 276
ERITRODERMIA E REAÇÕES CUTÂNEAS GRAVES NA EMERGÊNCIA

CAPÍTULO 34 292
MECANISMOS PRÓ CICATRICIAIS DO ALOE VERA NA PELE

CAPÍTULO 35 303
SINDROME DE STEVENS JOHNSON POR USO DE
ANTICONVULSIVANTES

CAPÍTULO 36 308
EMERGÊNCIA OBSTÉTRICA ASSOCIADA A GESTAÇÃO DE ALTO RISCO

CAPÍTULO 37 313
FATORES DE RISCO PARA PARTOS DE EMERGÊNCIA NO BRASIL E
SUAS SEQUELAS

CAPÍTULO 38 319
IDENTIFICAÇÃO DAS CAUSAS QUE LEVAM AO PARTO DE
EMERGÊNCIA

CAPÍTULO 39 326
O MANEJO DO INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO NA GESTANTE
CAPÍTULO 40 335
ÁCIDO TRANEXÂMICO NO TRAUMA

CAPÍTULO 41 340
ANÁLISE QUANTITATIVA DAS INTERNAÇÕES POR FRATURA DE
FÊMUR NA POPULAÇÃO GERIÁTRICA NOS ÚLTIMOS 5 ANOS

CAPÍTULO 42 348
EPILEPSIA PÓS-TRAUMÁTICA

CAPÍTULO 43 353
ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS E MANEJO DA OVERDOSE

CAPÍTULO 44 360
INTOXICAÇÃO POR INGESTÃO DE PAPELOTES DE COCAÍNA:
UM RELATO DE CASO

CAPÍTULO 45 370
OS CUIDADOS PALIATIVOS NA TERMINALIDADE DA VIDA E SUAS
IMPLICAÇÕES BIOÉTICAS

CAPÍTULO 46 385
COORDENAÇÃO ACADÊMICA EM SIMULADO DE ACIDENTE
RODOVIÁRIO: RELATO DE EXPERIÊNCIA

CAPÍTULO 47 391
FATORES PREDITORES DE ACIDENTES DE TRABALHO EM
PROFISSIONAIS DE ENFERMAGEM NA UNIDADE DE TERAPIA
INTENSIVA
CAPÍTULO 1

MANEJO DE PACIENTES
POLITRAUMATIZADOS: UMA
REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Palavras-chave: Politrauma; Atendimento Pré-Hospitalar ; Golden Hour

DIOGENES GUSTAVO VILA BARBOSA DA ROCHA¹

1
Discente – Medicina da Universidade Brasil

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INTRODUÇÃO

O Brasil é caracterizado por conviver com ao traumatizado, programa de educação continu-


uma tripla carga de doenças, na qual é preciso ada para atendimento pré-hospitalar de emer-
lidar com a existência concomitante de doenças gência e trauma, como uma sequência a ser se-
crônicas e comorbidades, doenças infecciosas e guida no atendimento à vítima do trauma, para
carenciais, assim como as de causas externas, que sejam evitados os piores desfechos. Antes
como os acidentes de trânsito e ferimentos por de tudo, deve-se garantir a segurança do local e
armas de fogo (MENDES, 2010). Dentro da or- da equipe, e é sabido que a primeira hora do
topedia e traumatologia, as causas externas se trauma é a mais importante, sendo chamada de
destacam, visto que são responsáveis pela mai- “golden hour”. Com isso, foi na edição de 2018
oria das internações relacionadas a traumas e que o mnemônico ganhou a letra X, uma vez
politraumas, as quais são de grande que foi constatado que as grandes hemorragias,
preocupação, não apenas devido a capacidade caracterizadas por exsanguinação, careciam de
de evolução grave, chegando até mesmo ao uma maior atenção devido a possibilidade de
óbito, mas também por imputar incapacidades evolução a choque hipovolêmico, uma preocu-
físicas e/ou mentais, que podem ou não ser per- pante complicação, sobretudo na primeira hora.
manentes. Nesse contexto, é possível compre- Posteriormente, se tem a letra A, do inglês, air-
ender o impacto social e econômico do trauma ways diz respeito a perviabilidade das vias aé-
e politrauma, que atinge a população economi- reas com controle da coluna cervical, a fim de
camente ativa do Brasil, sobretudo a parcela evitar a hipóxia. Na sequência, temos a letra B,
masculina de faixa etária entre 20 a 40 anos do inglês, breathing, em que serão analisadas a
(MARTINS & MATOS, 2013). Diante disso, respiração e a ventilação, e através de um bom
vê-se a necessidade da instituição do adequado exame físico, descartar, por exemplo, a pre-
manejo de traumas e politraumas aos profissio- sença de um pneumotórax hipertensivo que
nais de saúde. também se constitui como causa de mortalidade
A condução do politrauma pode ser dividida em pacientes politraumatizados. A quarta etapa,
em duas fases, a fase pré-hospitalar e a fase hos- a letra C, do inglês circulation contempla a cir-
pitalar. Na fase pré-hospitalar, deve-se realizar culação, mais especificamente procura-se por
o resgate, triagem, estabilização e transferência sinais de hemorragias que não fazem exsangui-
do paciente. Já na fase hospitalar, se tem a con- nação, e de choque, estabelecendo, por exem-
tinuidade do serviço oferecido na fase pré-hos- plo, a fluidoterapia como tratamento. Na letra
pitalar, de maneira ainda mais apropriada, de- D, do inglês, disability, serão investigadas dis-
vido a oferta de sala de animação, laboratórios, funções neurológicas, através da consagrada
bem como serviços de imagem que o ambiente Escala de Coma de Glasgow e com isso, anali-
hospitalar proporciona (MUNJIN, 2016). sar lesões graves e até mesmo evitar lesões se-
No atendimento pré-hospitalar, popular- cundárias através da manutenção da boa perfu-
mente conhecido como APH, o mnemônico são para um adequado fluxo cerebral. Por fim,
XABCDE se consagrou, através do PHTLS®, na letra E, do inglês exposure, deve-se expor o
Prehospital Trauma Life Suport, traduzido para paciente, retirando suas roupas para avaliar pos-
o português como Atendimento pré-hospitalar síveis lesões e sinais que possam ter passado
despercebidos durante as outras fases e realizar

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o controle de hipotermia, que consiste em uma MÉTODO
condição grave do paciente politraumatizado
(GOMÉZ, 2019; SAMPAIO et al., 2019). A metodologia empregada é de caráter ana-
Partindo para o ambiente hospitalar, deve- lítico por meio de uma revisão de literatura. Os
se garantir que a avaliação do paciente seja re- dados extraídos na pesquisa foram a partir dos
alizada baseando-se em em evidências, utili- US National Library of Medicine (PubMed)
zando as tecnologias leveduras, como os guide- com os descritores: “emergency”, “poly-
lines, com a ajuda da tecnologia dura, em que trauma”, “advanced trauma life support”, de
são usados recursos de imagem, mas acima de acordo com os Descritores em Ciências da
tudo, valendo-se da tecnologia leve, envol- Saúde (DeCS). Para efetuar o cruzamento des-
vendo uma uma anamnese e exame físico, in- tes foi utilizado o operador booleano AND. Fo-
cluindo inspeção, palpação, percussão e aus- ram encontrados 7.843 artigos e após critérios
culta, para que o paciente, mesmo nessas de inclusão e exclusão, 12 artigos foram utiliza-
situações de urgências, possa receber um aten- dos. Os utilizados para a inclusão: artigos em
inglês, português ou espanhol, entre janeiro de
dimento e estadiamento adequados. (MERHY,
2018 e janeiro de 2022, que estivessem dispo-
1997). Na sequência, muitas vezes será neces-
níveis na íntegra e para acesso online grátis. Ex-
sária a realização de procedimentos cirúrgicos
cluíram-se, os estudos que não abordassem o
para o tratamento dos traumas, e nesse aspecto,
conceito relevante para o alcance do objetivo;
além dos protocolos que variam de acordo com
estudos repetidos; seguindo critérios de quali-
o tipo de trauma, cabe também destacar a cirur-
dade metodológica.
gia de controle de danos, (damage control), que
consiste no controle cirúrgico não definitivo,
RESULTADOS E DISCUSSÃO
para que ocorra preservação do paciente poli-
traumatizado que apresenta uma necessidade de
Os politraumas já são bem definidos como
readequação de suas reservas fisiológicas, e as-
um grave problema de saúde pública pela lite-
sim evitar choque hemorrágico irreversível, ratura. Isso ocorre devido aos índices de morta-
bem como a progressão para a “tríade letal”, lidade, sobretudo na população economica-
constituída por acidose metabólica, hipotermia mente ativa, (Gráfico 1.1), e também aos de
e coagulopatia. Esse método avalia a relação morbidade, envolvendo as deficiências motoras
risco e benefício de uma cirurgia definitiva, em e mentais, permanentes ou não, que, significa-
que o paciente muitas vezes tem a probabili- mente, sobrecarregam o SUS (Sistema Único
dade de vir a óbito em decorrência da tríade le- de Saúde). Dentro desse contexto, então, surge
tal durante a cirurgia definitiva do que pela falta a necessidade de um bom atendimento médico,
dela (MELO et al., 2019) antes mesmo de se chegar ao ambiente hospita-
lar, sobretudo na primeira hora pós-trauma, isso
O objetivo deste estudo foi evidenciar, atra-
porque ela é crucial para evitar óbitos, como
vés da bibliografia disponível, a complexidade
mostra o Gráfico 1.1, e para lograr êxito nesse
do politrauma e a necessidade da imple-
objetivo, o conhecimento de protocolos, já bem
mentação de protocolos bem estabelecidos no estabelecidos na medicina, como o consagrado
manejo, a fim de se obter o melhor desfecho “XABCDE” do trauma, que em 2018, ganhou o
possível para os pacientes.

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“X”, como o primeiro passo a ser seguido, de- base nas preferencias do médico e nas necessi-
vido às exsanguinação ser causa de piores des- dades do paciente.
fechos já na primeira hora. (PHTLS, 2018). Uma segunda intervenção cirúrgica é co-
Como causas do grande número de traumas ve- mum, uma vez que os tecidos moles lesionados
mos os acidentes de trânsito que, impulsionados no politrauma se apresentam edemaciados, ou
pelo crescimento da motorização e somados à seja, num primeiro instante, a abordagem cirúr-
formas perigosas de direção, permanecem gica serve para contenção de danos, as interven-
como preocupação, sendo a redução dos índices ções realizadas posteriormente objetivam re-
de acidentes um propósito traçado pela Organi- parar os tecidos que sofreram com o politrauma.
zação Mundial de Saúde. (OMS, 2018). A Tabela 1.1 quantifica o número de óbitos em
acidente de transporte no estado mais populoso
Gráfico 1.1 Distribuição das mortes no trauma e motorizado do país, São Paulo, que serve
grave como base para inferir o panorama nacional, en-
tre os anos de 2015 a 2019. Na sequência, com
a Tabela 1.2, pode-se analisar que a faixa etária
de 15 a 29 anos, que compreende a população
economicamente ativa do Brasil, tem seu desta-
que no cenário total de mortes no país. Quando
se soma os dados da Tabela 1.3 torna-se claro
que homens jovens são os que mais vêm à óbito
no país. Além disso, nota-se que desde 2019, no
cenário nacional, vem se discutindo a flexibili-
zação sobre o porte de arma, o que corrobora
para que os índices relacionados ao trauma por
Fonte: Gomez, 2019. arma de fogo continuem se mantendo em nú-
meros altos. Reconhecidamente, o estado do
Com relação as abordagens para o trata-
Rio de Janeiro é o mais violento no Brasil, e
mento, somente na sala de emergência conse-
dentro de uma população de aproximadamente
gue-se fazer uma análise mais detalhada das le-
17 milhões, é possível analisar, pela Tabela
sões, não se recomenda abordagens que visam
1.4, a importância das mortes por arma de fogo,
desinfectar as lesões expostas no ambiente do
que mantém o mesmo panorama de afetar, so-
pronto socorro, uma vez que a lavagem dessas
bretudo quando envolve homicídios, os ho-
lesões deve ser feita de forma exaustiva em am-
mens, como mostra a Tabela 1.5 (IPEA, 2021).
biente estéril utilizando mais de 5000 mL de so-
Dentro do ambiente hospitalar, o atendimento
lução fisiológica, objetivando a correta aborda-
deve seguir protocolos a depender o trauma so-
gem no manejo do politraumatizado e visando
frido, como mostram os Fluxogramas 1A, 1B,
evitar uma maior infecção, a antibioticoterapia
1C e 1D (SECRETARIA DE SAÚDE DO
é de suma importância e deve ser feita de ma-
ESTA-DO ESPÍRITO SANTO, 2018).
neira profilática , o fármaco é escolhido com

Tabela: 1.1 Mortes em acidentes de transportes no estado de São Paulo

Fonte: Atlas da violência, 2021.

4 | Página
Tabela 1.2 Morte entre 15-29 anos no estado de São Paulo

Fonte: Atlas da violência, 2021.

Tabela 1.3 Morte em homens no estado de São Paulo

Fonte: Atlas da violência, 2021.

Tabela 1.4 Mortes por armas de fogo no estado do Rio de Janeiro

Fonte: Atlas da violência, 2021.

Tabela 1.5 Homicídio de homens por arma de fogo no estado do Rio de Janeiro

Fonte: Atlas da violência, 2021.

Fluxograma 1.A Algoritmo de atendimento ao trauma abdominal fechado

Fonte: Secretaria de Saúde do estado do Espírito Santo, 2018.

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Fluxograma 1.B Algoritmo de atendimento ao traumatismo cranioencefálico

Fonte: Secretaria de Saúde do estado do Espírito Santo, 2018.

Fluxograma 1.C Algoritmo de atendimento ao trauma de tórax

Fonte: Secretaria de Saúde do estado do Espírito Santo, 2018.

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Fluxograma 1.D Algoritmo de atendimento a fratura pélvica com instabilidade hemodinâmica

Fonte: Secretaria de Saúde do estado do Espírito Santo, 2018.

CONCLUSÃO que além de lesões ortopédicas, lesões em par-


tes moles são frequentes, necessitando inter-
Os politraumas são o resultado de mecanis- venção do cirurgião geral. O prognóstico de-
mos acidentais de elevada energia cinética para pende do nível de comprometimento dos teci-
a sua ocorrência. Além de fraturas expostas, le- dos acometidos, da agilidade no tratamento do
sões em partes moles são frequentes e, favore- politrauma dentre outros fatores.
cem a infecção devido a exposição com o meio É indiscutível que a faixa etária referente
externo. aos politraumatizados diz respeito a pessoas do
A abordagem inicial para o manejo do poli- sexo masculino e economicamente ativos. Ho-
traumatizado deve ser feita no local do trauma, mens que prestam serviço, acometidos por aci-
seguindo os princípios do PHTLS, entretanto, dentes durante o trabalho ou no seu regresso
grandes intervenções não devem ser feitas, para casa.
deve-se somente imobilizar e estabilizar a ví- Todavia, é fato que um bom atendimento
tima, até que seja remanejada para o ambiente pré-hospitalar bem como seguir os protocolos
hospitalar e, lá receba o atendimento adequado. do atendimento ao politraumatizado reduz sig-
Na maioria dos casos de politrauma a abor- nificativamente os danos oriundos desses inci-
dagem cirúrgica é multidisciplinar, uma vez dentes.

7 | Página
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GOMÉZ, G. B. Manejo del shock hipovolémico en paci- MUNJIN, M. Management of multiple trauma patients.
entes politraumatizados. Trabalho de Conclusão de AOSpine International, 2016. Disponivel em:<
Curso (Graduação em Enfermagem) - Universidade de https://aosla.com.br/ftp/edudatabase/openfi-
Cantábria, Cantábria, 2019. les/Management_of_multiple_trauma_patient_new.pdf>
Acesso em: 08 fev. 2022.
IPEA - INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA
APLICADA. Atlas da violência 2021. Fórum Brasileiro PHTLS. Atendimento Pré-hospitalizado ao Traumati-
De Segurança Pública, 2021. Disponível em: < zado. 9ªed. Jones & Bartlett Learning; 2018.
https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/> Acesso em 08
fev. 2022. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Relatório
Mundial sobre a Situação da Segurança no Trânsito 2018.
MARTINS, C. B. G. & MATOS, K. F. Mortalidade por Genebra, 2018. Disponível em:
causas acidentais na população infanto-juvenil. Revista <https://www.who.int/publica-
Baiana de Enfermagem, v. 27, n. 2, 2013. tions/i/item/9789241565684> Acesso em: 10 fev. 2022

MELO, B. O. et al. Os principais avanços da abordagem SAMPAIO, J. A. M. A. et al. A importância do atendi-


por controle de danos no manejo do paciente politrauma- mento pré-hospitalar para o paciente politraumatizado no
tizado. Em: Trauma e Emergência, v.1, p.164-167. Bra- Brasil: Uma Revisão Integrativa. Revista Multidiscipli-
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MENDES, E. As redes de atenção à saúde. Revista Ciên- SECRETARIA DE SAÚDE DO ESTADO DO ESPÍ-
cia & Saúde Coletiva, v. 15, n. 5, p. 2297-2305, 2010. RITO SANTO. Atendimento de Urgência ao Paciente
Vítima de Trauma - Diretrizes Clínicas. Brasil, 2018.
MERHY, E. E. O ato de cuidar: a alma dos serviços de Disponível em: <https://saude.es.gov.br/Me-
saúde. In: BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de dia/sesa/Consulta%20P%C3%BAbli-
Gestão do Trabalho e Educação na Saúde. Departamento ca/Diretriz%20Trauma%2013%2008%20_2_.pdf>
de Gestão da Educação na Saúde. Ver-SUS Brasil: ca- Acesso em: 15 fev. 2022.
derno de textos. Brasília: Ministério da Saúde, p.108-
137, 2004.

8 | Página
CAPÍTULO 2
NOÇÕES DE SUPORTE AVANÇADO
DE VIDA NO TRAUMA E
PRIMEIRO ATENDIMENTO AO
POLITRAUMATIZADO
Palavras-chave: Suporte Básico de Vida no Trauma; Atendimento Pré-Hospitalar ;
Manejo

ALMIRA OLIVEIRA PEREIRA¹


JULIA MARIA BENITES DE JESUS²
AISE CLEISE MOTA MASCARENHAS²
LORENA RODRIGUES SOUZA²
GIRLANE PEREIRA OLIVEIRA¹
JÉSSICA DE OLIVEIRA TEIXEIRA²
LUANA SOUZA CARNEIRO²
PRISCILA ALVES TORREÃO²
MAYLANNE FREITAS DOS SANTOS²
THAMILES RODRIGUES DOS SANTOS²
MARINA SOUZA DE OLIVEIRA LINS²
MANUELA VALVERDE FERNANDES²
NATALY FERREIRA DE JESUS PINTO²
JENER GONÇALVES DE FARIAS³
ANTONIO VARELA CANCIO4

1
Cirurgiã-dentista – Universidade Estadual de Feira de Santana
2
Discente – Odontologia da Universidade Estadual de Feira de Santana
3
Docente - Departamento de Saúde da Universidade Estadual de Feira de Santana e Doutor em
Estomatologia
4
Doutor em Biotecnologia da Universidade Estadual de Feira de Santana e Especialista e
Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial pela Faculdade de Odontologia da Universidade
de Pernambuco

9 | Página
INTRODUÇÃO Objetivou nesse trabalho realizar uma revi-
são da literatura sobre o SBVT, noções sobre o
O trauma acarreta mudanças sistêmicas e (ATLS) e primeiro atendimento ao politrauma-
funcionais, sendo um dos principais motivos de tizado (pré e intra-hospitalar), com o intuito de
morbidade e mortalidade no mundo. O cuidado difundir esse conhecimento aos demais profis-
aos pacientes que sofriam traumas antes da dé- sionais.
cada de 80, nos Estados Unidos, ocorria de
forma instintiva, sem nenhuma normatização, o MÉTODO
que levava ao elevado número de mortes desses
pacientes. Somente após uma reunião, no ano Trata-se de uma revisão narrativa por meio
de 1976, entre Nebraska State Committee on de uma busca eletrônica nas bases de dados
Trauma (COT) do American O College of PubMed, BVS (Biblioteca Virtual em Saúde) e
Surgeons (ACS) e o Southeast Nebraska Emer- Scielo, pesquisando artigos publicados entre os
gency Medical Services, que propuseram a or- anos de 2017 a 2021, nas línguas inglesas, por-
ganização de um treinamento em suporte tuguesa e espanhola. A ferramenta de busca
avançado à vida no trauma, idealizaram um Google Scholar também foi utilizada devido a
conjunto de palestras e experiências práticas a sua metodologia de busca que favorecer um
fim de habilitar os profissionais ao tratamento amplo espectro de pesquisa, uma vez que o
ao politraumatizado, sendo essa a matriz para a string é pesquisado não só no título e no re-
formação do atual curso de Treinamento Avan- sumo, mas também no corpo do texto. Foram
çado de Vida no Trauma (ATLS) (FONSECA utilizados os descritores “advanced trauma life
et al., 2015; ATLS, 2018). support care”, “trauma”, “management. Os ter-
Nesse mesmo período, modificações ocor- mos foram interrelacionados utilizando os ope-
reram no sistema de serviços médicos de emer- radores booleanos “AND” e “OR”. Sendo ar-
gência, gerando assim novos modelos, com re- ranjados da seguinte forma: (advanced trauma
lação aos equipamentos presentes nas ambulân- life support care or “advanced trauma life
cias e o treinamento fornecido para os socorris- suppor”) AND (trauma or “wounds and inju-
tas e acarretando o início do Suporte Básico de ries”) AND (manegement). Vale ressaltar que
Vida no Trauma (SBVT). Dessa maneira, che- além dos artigos selecionados para a revisão, os
garam ao consenso que o atendimento pré-hos- autores utilizaram como embasamento teórico a
pitalar era de grande valor no tratamento e ma- nova edição publicada no ano de 2018, do Ad-
nutenção da vida dos pacientes traumatizados vance Trauma Life Support for Doctors, da
(FONSECA et al., 2015; ATLS, 2018). American College of Surgeons, manual interna-
A concepção do treinamento ATLS assim cional para manejo do politraumatizado.
como do SBVT, ocasionou uma dispersão das
noções de tratamento, expandindo a terapêu- RESULTADOS E DISCUSSÃO
tica além dos Estados Unidos, ocasionando a
implementação desse sistema e estendendo a Mortes decorrentes de lesões traumáticas
construção de centros de intervenção no trauma são consideradas um problema de saúde mun-
para outros países (FONSECA et al., 2015; dial, pois em sua maioria poderiam ser evitadas
ATLS, 2018). com um atendimento prévio desses pacientes.

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Segundo a Organização Mundial de Saúde dividido de acordo com dois estados que o trau-
(OMS) são esperadas um aumento de 28% de matizado possa se encontrar. Quando o mesmo
mortes em todo mundo decorrentes de lesões ainda apresenta pulso, o socorrista deve abrir as
traumáticas entre os anos de 2004 e 2030, regis- vias aéreas e, com o auxílio de uma bolsa valva-
trando, em 2016, 4,9 milhões de mortes máscara, ofertar oxigênio através de insuflação
(WORLD HEALTH ORGANIZATI-ON, da mesma, realizando a cada 5 - 6 segundos
2020; WORLD HEALTH ORGANIZA-TION, uma nova insuflação e verificar a presença do
2019; DIJKINK et al., 2017). pulso a cada dois minutos. A outra situação é
Afim de minimizar esse número alarmante quando encontra-se um paciente irresponsivo
de mortalidade, no ano de 1978 foi elaborado ao estimulo e à checagem de pulso central (ca-
pela American O College of Surgeons (ACS) o rotídeo) o mesmo se encontra ausente, deve-se
curso de ATLS, com a principal premissa de in- iniciar de imediato o protocolo de RCP (MI-
corporar um programa educacional para os pro- NISTÉRIO DA SAÚDE, 2016; SANTOS et al.,
fissionais, no intuito de treiná-los para o atendi- 2021).
mento pré e intra-hospitalar de pacientes com Durante a fase pré-hospitalar, os profissio-
lesões traumáticas e até politraumáticas, obje- nais visam agilizar o cuidado em campo e con-
tivando fazer com que as primeiras horas cru- ceder informações cruciais para a equipe hospi-
cias após o trauma sejam oportunas para me- talar. A principal finalidade desse atendimento
lhora desses (ATLS, 2018; GALVAGNO JR et é a manutenção das vias aéreas, controle de san-
al., 2018). gramento e por consequente choque, imobili-
Na mesma linha de cuidados, o SBVT esta- zação e transporte para o local mais apropriado
beleceu diretrizes no intuito de normatizar os de tratamento, com o intuito de preservar a
serviços de emergências, a fim de enaltecer a homeostasia do organismo (ATLS, 2018;
importância do atendimento pré-hospitalar e SANTOS et al., 2021).
mudando a forma como os socorristas eram A utilização do protocolo de atendimento
treinados. A partir de então, houve ênfase na do SBVT visa desenvolver um esquema de tri-
criação de centros de traumas e métodos norma- agem dos pacientes, tendo como primeira etapa
tizados para o tratamento dos politraumatizados a verificação dos sinais vitais e nível de
(ATLS, 2018). consciência do paciente, averiguando a escala
Dessa maneira, de acordo com o atendi- de Glasgow (<13), pressão sistólica < 90
mento pré-hospitalar, podemos definir o SBVT mmHG e ritmo respiratório> 29 ipm. Se o paci-
como cuidados não invasivos que são ofereci- ente apresentar-se dentro desses limites, o
dos pelos profissionais socorristas de urgências, mesmo deve ser encaminhado para o centro de
treinados no intuito de proporcionar o melhor trauma mais próximo, não sendo necessário ser
atendimento primário aos feridos e, com conse- submetido às etapas subsequentes dessa tria-
quente, transporte desses para os centros de gem. Como já dito, se o paciente não apresentar
traumas mais próximos (DIJKINK et al., 2017). sinais vitais, o mesmo deve ser submetido,
Um dos cuidados não invasivos oferecidos ainda em campo, a uma avaliação mais criteri-
no Suporte Básico de Vida é o protocolo de res- osa, buscando lesões que tenham maior poten-
suscitação cardiopulmonar (RCP) e ressus- cial de mortalidade, como traumas em crânio,
citação cardiovascular ofertado quando o paci- queimaduras de 2º e 3º grau e pacientes ditos
ente está em parada respiratória. O protocolo é como casos especiais (com idade após 55 anos,

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gravidas e crianças). Após essa verificação mi- corpos estranhos. Quando há presença de obs-
nuciosa, o mesmo deve ser encaminhado para truções é recomendado realizar a manobra de
centros de trauma ou hospitais com suporte de elevação do mento, a fim de favorecer a passa-
atendimento. Vale ressalva que esse encami- gem de ar pelas vias aéreas. A grande ressalva
nhamento deve ser realizado segundo um pro- nesses procedimentos iniciais é a preservação
tocolo específico, o qual busca a manutenção do da estabilidade da coluna cervical, não permi-
lesionado nos meios de transporte (ambulân- tindo que a mesma esteja hiperestendida ou hi-
cias, transporte aéreo e outros) (ATLS, 2018; perfletida. Nas situações em que o paciente por
OLIVEIRA et al., 2021). si só não consiga manter suas vias aéreas, é im-
Após essas manobras iniciais do SBVT, os prescindível que o profissional estabeleça uma
pacientes, ao chegarem aos centros de traumas via cirurgicamente, através de intubação endo-
ou hospitais com suporte, serão submetidos aos traqueal, cricotireodostomia ou traqueostomia
protocolos de atendimentos do ATLS. Nesse (ATLS, 2018; DIJKINK et al., 2017;
momento, o planejamento prévio para o recebi- RODRIGUES et al., 2017).
mento desses pacientes é de grande importân- Na fase B, deve-se analisar a frequência res-
cia, pois a transferência da equipe pré-hospita- piratória, inspeção dos movimentos torá-cicos,
lar para o hospital receptor deve ocorrer de presença ou não de cianose, uma vez que so-
forma tranquila e sistemática (DIJKINK et al., mente a permeabilidade das vias aéreas não ga-
2017; ATLS, 2018). rante uma ventilação adequada. A ventilação é
Em eventos com grande número de feridos, dita adequada quando os níveis de CO2 estão
o hospital / centro de trauma deve realizar em entre 30-35 mmHg. As principais lesões que ge-
primeiro momento um processo de triagem, ba- ram desvios nesse nível de CO2 são pneumotó-
seado no ABC do trauma (via aérea com rax simples, hemotórax simples, costelas fratu-
proteção da coluna cervical, respiração e circu- radas, tórax instável e contusão pulmonar, ca-
lação com controle de hemorragia). Além disso, bendo nota que é recomendado oferecer a todos
gravidade da lesão e recursos disponíveis de- os pacientes politraumatizados oxigênio suple-
vem ser levados em consideração (ATLS, 2018; mentar, seja por máscaras de oxigênio seja por
SANTOS et al., 2021). O mnemônico ABCDE intubação (ATLS, 2018; DIJKINK et al, 2017;
tem como definição: A (via aérea com proteção RODRIGUES et al., 2017; GALVAGNO JR et
da coluna cervical), B (ventilação e respiração), al., 2018).
C (circulação com controle da hemorragia), D O comprometimento circulatório do paci-
(disfunção, estado neurológico) e E (exposição/ ente traumatizado ainda é visto como um
controle do ambiente) (DIJKINK et al., 2017; grande problema no atendimento, pois o cho-
ATLS, 2018; SAKURAI et al., 2021). que é considerado uma das principais causas de
Primeiro avalia-se a manutenção das vias mortalidade. Assim, os principais fatores a se-
aéreas com proteção da coluna cervical. No rem analisados são volume sanguíneo, débito
caso de vítimas que se apresentam conscientes, cardíaco e hemorragias. Esses podendo ser ins-
o profissional sempre deve aproximar-se pela pecionados através do pulso, mudança na colo-
frente, a fim de manter estabilizado o pescoço ração de pele e consciência, e, na presença de
das mesmas. Numa avaliação primária inves- hemorragias, sua origem deve ser rapidamente
tiga-se a presença ou não de obstruções aéreas, localizada com o objetivo de controlá-la atrás
incluindo inspeção e aspiração na presença de

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de compressão manual ou torniquetes. As prin- abertura dos olhos denota a atividade cerebral,
cipais localizações anatômicas de ocorrência de sendo que a cada categoria é concedida uma
hemorragias são tórax, abdome, retroperitônio, pontuação que varia de 3 a 15 e quanto mais
bacia e ossos longos (ATLS, 2018; GAL- elevada, maior consciência do paciente e pon-
VAGNO JR et al., 2018; RODRIGUES et al., tuação menores que 8 denotam estados de coma
2017; FRINK et al., 2017). (ATLS, 2018; DIJKINK et al., 2017; GAL-
Na investigação do nível de consciência são VAGNO JR et al., 2018; RODRIGUES et al.,
avaliados o tamanho e reatividade das pupilas, 2017).
sinais de lateralização e o nível de lesão da me- Por fim, na fase E busca-se a análise da ex-
dula espinhal. Para isso o principal método uti- tensão das lesões e controle do ambiente. O pro-
lizado é a Escala de Coma de Glasgow que fissional visa prevenção de hipotermia, através
busca quantificar a gravidade da lesão (Quadro de cobertores quentes e aquecimento dos flui-
2.1). dos intravenosos antes de infundi-los, além de
manter o ambiente aquecido (ATLS, 2018;
Quadro 2.1 Escala de coma de Glasgow
DIJKINK et al., 2017; GALVAGNO JR et al.,
ÁREA DE AVALIAÇÃO ESCORE 2018; RODRIGUES et al., 2017).
ABERTURA OCULAR
Espontânea 4
A estimulo verbal 3 CONCLUSÃO
A estímulo doloroso 2
Sem resposta 1
O trauma é uma problemática de saúde pú-
RESPOSTA VERBAL
blica mundial. Apesar do elevado número de
Orientado 5
Confuso 4 mortos decorrentes de ferimentos traumáticos,
Palavras inapropriadas 3 o ATLS é a abordagem mais recomendada na
Sons incompreensíveis 2 atualidade. Nosso estudo corrobora com a lite-
Sem resposta 1 ratura quanto a importância de um atendimento
MELHOR RESPOSTA
rápido e sistematizado, o qual tem aumentado a
MOTORA
Obedece comandos 6 sobrevida dos pacientes politraumatizados. É
Localiza dor 5 imprescindível o conhecimento de sua meto-
Flexão normal (retirada) 4 dologia por parte de todos os profissionais de
Flexão anormal (decorticação) 3 saúde, a fim de aprimorar seus atendimentos e
Extensão (descerebração) 2
com isso reduzir os efeitos gerados pelas lesões
Sem resposta (flacixez) 1
Fonte: Advanced Trauma Life Support, 2018 e preservação da vida de seus pacientes. Com
isso, sugere-se que as equipes de saúde perma-
Nessa escala três variáveis são analisadas. neçam atualizadas em seus treinamentos de
A resposta motora é utilizada para avaliar o ní- ATLS e SBVT, a fim de sempre melhorar o ma-
vel de função do Sistema Nervoso Central nejo do politraumatizado.
(SNC), a resposta verbal é o indicativo da capa-
cidade do SNC de integrar informações e a

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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American College of Surgeons. 10a. Ed 2018. 2021.
DIJKINK, S. et al. Trauma systems around the world. RODRIGUES, M. de S. et al. Utilização do ABCDE no
Journal of Trauma and Acute Care Surgery, v. 83, n. 5, p. atendimento do traumatizado. Revista de Medicina, v.
917-925, 2017. 96, n. 4, p. 278-280, 2017.
FONSECA, R. et al. Trauma bucomaxilofacial. 4. ed. Rio SAKURAI, A. et al. ABCD Approach At The #7119
de Janeiro: Elsevier; 2015. Center, Telephone Triage System in Tokyo, Japan; A
Retrospective Cohort Study. Research Square, p. 1-13,
FRINK, M. et al. Multiple Trauma and Emergency Room 2021.
Management. Deutsches Aerzteblatt Online, v. 114, p.
497-503, 2017. SANTOS, G. A. et al. Clinical approaches associated
with the initial care of multiple trauma patients:
GALVAGNO JUNIOR, S. M. et al. Advanced trauma Literature review. Research, Society and Development,
life support update 2019: management and applications v. 10, n. 1, p. e7210111530, 2021.
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Clinical, v. 1, n. 37, p. 13-32, 2018. WORLD HEALTH ORGANIZATION, Mortality and
global health estimates. 2019 Disponível
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para o SAMU 192 - Serviço de Atendimento Móvel de y-and-global-health-estimates/GHO/mortality-and-
Urgência. Brasília. 2a edição, 2016. Disponível em: global-health-estimates>. Acesso em: 17 de fevereiro de
<https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/protocolo_ 2022.
suporte_avancado_vida.pdf>. Acesso em: 17 de
fevereiro de 2022. WORLD HEALTH ORGANIZATION, The top 10
causes of death. 2020 Disponível em:
OLIVEIRA, C. H. M. C. de et al. Características dos <https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/the-
atendimentos às vítimas de trauma admitidas em um top-10-causes-of-death>. Acesso em: 17 de fevereiro de
pronto socorro via transporte aéreo. Revista de 2022

14 | Página
CAPÍTULO 3
PACIENTE POLITRAUMATIZADO:
UM DESAFIO A SE VENCER
Palavras-chave: Politrauma; Atendimento Pré-Hospitalar; Atendimento Hospitalar

SÉRGIO GABRIELL DE OLIVEIRA MOURA¹


CELINA KALENA ALBUQUERQUE AMORIM AYRES¹
MARIANA AKEMY LOPES IUASSE2
HENRIQUE COSTA DINIZ1
BERNARDO MALHEIROS TESSARI1
THAYANE FOGAÇA DE MEDEIROS²
VINICIUS MORAIS DE SOUSA²
ANDERSON ALVES BRANDÃO²
INGRID OLIVEIRA CAMARGO²
SAYRO LOUIS FIGUERÊDO FONTES²
BRUNA COSTA ALVES¹

1
Discente - Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Goiás
2
Discente –Medicina do Centro Universitário Alfredo Nasser

15 | Página
INTRODUÇÃO mento, ocorre algumas horas após o trauma, ge-
ralmente está associado a danos potencial-
O trauma é considerado um fator determi- mente fatais, mas que podem ser reversíveis di-
nante na saúde mundial, pois segundo a Orga- ante de uma abordagem sistemática e eficaz e,
nização Mundial de Saúde (OMS), diari- diante disso, é caracterizado como “Golden
amente 16.000 pessoas morrem em decorrência Hour” visto sua importância no salvamento
de traumatismo, sendo que as principais destes pacientes. Por último, o terceiro mo-
situações que levam à essa condição são os aci- mento acontece no horário do óbito, ocorre dias
dentes de trânsito (24,9 %), a queda da própria ou semanas após o trauma, e sua mortalidade
altura (24,7 e as agressões físicas (18,4 %) associa-se principalmente à falência de múl-ti-
(SANTOS et al., 2021). plos órgãos ou sepse (CESTARI et al., 2015).
Nesse contexto, o Brasil ocupa a terceira Diante disto, é fundamental o conhecimento
posição no ranking de morte na população por acerca da abordagem dos PTZ, de modo a redu-
trauma, sendo que a faixa etária mais acometida zir a morbimortalidade nesses pacientes. Faz-se
é de 01 a 40 anos (BELÉM & NOGUEIRA, necessário aos profissionais médicos compre-
2019). Nota-se, portanto, que a vasta ocorrência ender os protocolos e o gerenciamento de poli-
desses incidentes afeta a saúde pública do país, traumas desenvolvidos. Dentre estes protoco-
considerando a magnitude e relevância do pro- los, destaca-se o Atendimento Pré-Hospitalar
blema, onde um paciente politraumatizado (APH), um atendimento que engloba ações pré-
(PTZ) irá demandar para o Estado, estrutura, as- vias à chegada ao hospital ou unidade especia-
sistência, suprimentos e tecnologias (SANTOS lizada, Prehospital Trauma Life Support
et al., 2021). (PHTLS), “Atendimento pré-hospitalar ao trau-
Define-se como paciente politraumatizado matizado”, por meio da aplicação e adoção dos
(PZT) aquele que apresenta lesões graves e princípios de Suporte Avançado de Vida em
múltiplas, que acometem principalmente ca- Trauma (ATLS) pelos socorristas e profissio-
beça, tórax, abdômen, trato urinário, pelve ou nais da saúde. Esta metodologia pauta-se no en-
coluna e extremidades (BELÉM & NOGUEI- sino de anatomia, fisiologia, avaliação e cui-
RA, 2019). O estado de saúde desses pacientes dado ao paciente, via aérea, respiração, venti-
está intimamente relacionado com uma equipe lação e oxigenação, circulação, hemorragia e
de saúde que lhe dará suporte de vida, desde o choque. Esta ferramenta tornou-se o padrão
atendimento pré-hospitalar até o intra-hospi- ouro na educação pré-hospitalar em trauma
talar (SANTOS et al., 2021). Os pacientes que (MARSDEN & TUMA, 2020).
são vítimas de traumas apresentam um impacto Mediante o exposto, a avaliação inicial do
significativo no âmbito social, já que as lesões politraumatizado e a aplicação de protocolos e
sofridas mudam ou limitam o curso de suas metodologias de abordagem são ferramentas de
vidas (MARSDEN & TUMA, 2020). extrema importância que corroboram na maior
A mortalidade entre estes pacientes apre- sobrevida destas vítimas, sobretudo após lesão
senta incidência em três momentos distintos, o grave e hemorragia massiva. Deste modo, o
primeiro momento, refere-se ao óbito imediato presente estudo tem por objetivo, avaliar as
ao trauma, em segundos ou minutos após, de- abordagens clínicas associadas ao atendimento
vido a severidade das lesões. O segundo mo- do paciente politraumatizado.

16 | Página
MÉTODO forma descritiva, divididos em categorias temá-
ticas abordando: atendimento pré-hospitalar,
Trata-se de uma revisão narrativa de litera- evolução do histórico e diretrizes. Bem como na
tura que objetiva descrever o desenvolvimento realização de normas para o atendimento hospi-
de determinado assunto, sob o ponto de vista talar.
teórico, através de materiais que outrora foram
publicados sobre o tema em questão, mediante RESULTADOS E DISCUSSÃO
análise e interpretação da literatura, de forma
ampla com foco na descrição e discussão do 1. Definição
tema proposto. A pesquisa foi realizada no pe- 1.1 Histórico
ríodo de fevereiro e março de 2022, nas bases A definição e classificação de “politrauma”
de dados Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), evoluiu ao longo das últimas décadas. A pri-
da Literatura Latino Americana e do Caribe em meira definição formal foi na literatura inglesa
Ciências de Saúde (LILACS), National Institu- em 1975, em que um PTZ foi definido como
tes of health’s Library of Medicine (PubMed) e tendo duas ou mais lesões significativas. Em
da Scientific Eletronic Libray Online (SciELO). 1984, acrescentaram o conceito de "lesões'',
Foram utilizados os descritores como “poli- com politrauma definido como duas ou mais le-
trauma” e “politraumatismo” a fim de encontrar sões, em que pelo menos uma lesão ou a soma
os artigos pertinentes ao assunto abordado.
de todas as lesões representam risco de vida
Deste modo o presente estudo iniciou com para a definição original. Desde então, foram
a escolha do tema, em seguida a definição de propostas definições fisiológicas de politrauma,
um problema relevante a ser investigado e final- predominantemente baseadas no Injury Seve-
mente a delimitação técnica, uma vez que é ne- rity Score (ISS) com modificações. Há muito
cessário determinar a extensão e a compreensão tempo, o ISS >15 tem sido usado como
da pesquisa de acordo com o foco do estudo. definição de politrauma. O Abbreviated Injury
Na primeira fase foram encontrados 32 arti-
Score (AIS) especifica o envolvimento de mais
gos, posteriormente submetidos aos critérios de de uma região do corpo da ISS - adquirida em
seleção. Os critérios de inclusão foram: artigos aceitação com politrauma como lesão com AIS
nos idiomas inglês espanhol e português; publi- >2 em pelo menos dois. As regiões do corpo da
cados, indexados, disponíveis de livre acesso ISS permitiram capturar a maior porcentagem
nos últimos 10 anos e que abordavam as temá- de piores resultados. Assim, apesar das defi-
ticas propostas para esta pesquisa, estudos do ciências bem descritas, o AIS e o ISS continua-
tipo revisão e disponibilizados na íntegra. Os ram a ser as escalas mais relevantes para avaliar
critérios de exclusão foram: artigos duplicados, a gravidade da lesão. Dessa forma, no intuito de
disponibilizados na forma de resumo, que não fornecer uma avaliação objetiva para incluir
abordavam diretamente a proposta estudada e elementos anatômicos e fisiológicos do poli-
que não atendiam aos demais critérios de inclu- traumatismo, um painel internacional de espe-
são. cialistas de todo o mundo iniciou um passo ao
Após os critérios de seleção restaram 19 ar- desenvolver uma definição melhorada e supor-
tigos que, de fato foram incluídos na revisão, e tada por banco de dados para o paciente poli-
submetidos à leitura minuciosa para a coleta de traumatizado que agora é chamado de “Defi-
dados. Os resultados foram apresentados em nição de Berlim” (UPADHYAYA et al., 2020).

17 | Página
1.2 Definição de Berlim em PTZ. Contudo, a prioridade continua sendo
De acordo com a nova, e mais recente, “De- a identificação e estabilização de lesões poten-
finição de Berlim”, o Politrauma é definido cialmente fatais (UPADHYAYA, et al., 2020).
como “uma lesão significativa de 3 ou mais
pontos em 2 ou mais regiões do corpo com uma 3. Importância do atendimento pré-hos-
ou mais variáveis de cinco parâmetros fisioló- pitalar
gicos, nomeadamente idade, consciência, hipo- 3.1. Função do APH
tensão, coagulopatia e acidose". (UPADHY- Há uma associação entre tempos de cena
AYA et al., 2020). mais longos e aumento da mortalidade, o que
mostra que a sobrevida do PTZ depende de um
2. Evolução do atendimento ao paciente APH bem feito. Assim, o controle precoce da
politraumatizado hemorragia, ressuscitação e coagulação tem
O processo evolutivo do manejo do PTZ
grande potencial para melhorar os resultados
mostra como a abordagem melhorou, além dos
estudos, que com o passar dos anos mostraram em pacientes com trauma. No entanto, o trata-
novos cuidados fundamentais para melhorar a mento desses pacientes sempre dependerá de
taxa de sobrevida do paciente (JUSTE et al., fatores locais, regionais e diferenças internaci-
2021).
onais em relação ao mecanismo de trauma, ge-
Em 1989 houve o desenvolvimento do
ografia, organização do sistema de trauma (pré)
Early Total Care (ETC), posteriormente em
hospitalar e população de pacientes e recursos.
2000 foi postulado o Damage control orthopa-
edics (DCO), passando pelo Early Appropriate (GEERAEDTS et al., 2009).
Care (EAC) em 2013, Safe Definitive Surgery A avaliação e o tratamento do traumatizado
(SDS) em 2015 e pelo Prompt individualized grave iniciam-se no ambiente pré-hospitalar,
safe management (PRISM) em 2017. momento em que a ativação precoce dos proto-
(UPADHYAYA et al., 2020). colos pode diminuir a mortalidade e necessida-
No PRISM iniciou a ideia da individuali- des de transfusão, com base na melhoria da co-
zação do paciente, levando em conta diversos agulopatia aguda do paciente traumatizado. Por
fatores de risco e entendendo que cada paciente outro lado, a transferência de pacientes com le-
responde de maneira diferente ao mesmo grau sões traumáticas graves para centros de trauma
de lesão, pois cada paciente tem uma constitu- específicos, influencia positivamente na re-
ição genética diferente. Soma-se a esses fatores dução da mortalidade (JUSTE et al., 2021).
o fato de o serviço de trauma depender de
provisões e recursos, incluindo mão de obra, 3.2. Parar o Sangramento
que diferem de país para país (GIANNOUDIS O tratamento de pacientes com sangra-
et al., 2017). mento visa dois objetivos principais: parar o
Em meio a tantas atualizações e novas sangramento e restauração do volume de san-
noções de manejo ao paciente, chegou-se ao gue. Um terceiro objetivo que pode ser acres-
método mnemônico ABCDE do trauma, em centado é a restauração da coagulação para atin-
que temos o manejo sequencial de Via Aérea, gir a hemostasia final. O uso de torniquetes para
Respiração, Circulação, Deficiência e Expo- controlar a perda de sangue externa em lesão de
sição, abordagem de gestão do ATLS, que au- extremidade, tem sido controverso, pois com o
menta a eficiência e a qualidade do atendimento uso imprudente e/ou prolongado pode causar

18 | Página
paralisia dos membros por isquemia ou lesão 3.4. Translado
direta do nervo. No entanto, pode-se observar O transporte deve ser feito de maneira ágil
que dentro das forças armadas pré-hospitalar, o e profissional. O acidentado deve estar perma-
torniquete é um meio conhecido para parar o nentemente atendido e vigiado e nunca deve fi-
sangramento porque sua técnica de aplicação é car sozinho. A contaminação grosseira de algu-
muito menos exigente e o tempo consumindo é mas feridas pode ser eliminada, cobrindo-as
menor do que a aplicação de uma bandagem com curativos estéreis ou outros curativos lim-
compressiva adequada, em condições de campo pos. Se, durante o translado, o paciente apresen-
de batalha. (GEERAEDTS et al., 2009). tar deterioração hemodinâmica significativa e a
Em PTZ com sangramento contínuo, o ob- distância ou tempo de transporte forem muito
jetivo do atendimento pré-hospitalar é entregar prolongados, deve ser considerada a conve-
o paciente a uma unidade para cuidados defini- niência de inserir um ou dois acessos venosos
tivos, dentro da menor quantidade de tempo por com um cateter calibre 14 ou 16 e iniciar o soro.
transporte rápido e minimizar a terapia necessá- Se o paciente apresentar vômitos, deve ser gi-
ria para manter os sinais vitais adequados. A or- rado em bloco, com ou sem as tábuas de imobi-
dem e os meios de tratamento de pacientes com lização vertebral, para evitar a aspiração deste
sangramento podem diferir entre pacientes na material para a via aérea superior. As condições
fase pré-hospitalar, como por exemplo, em pa- de imobilização das extremidades devem ser
cientes com processo de sangramento externo, observadas de forma contínua. As seguintes
A (via aérea), B (respiração), C (circulação) pa- modificações devem ser observadas e corrigi-
radigma pode ser alterado em C, A, B, como em das de maneira permanente: posição, tração e
casos de pesado sangramento externo, de feri- batimentos dos pulsos. Se forem usadas talas in-
mentos por bala em alta velocidade e de explo- fláveis de imobilização, a pressão do inflado
são, em que as lesões podem causar deterio- deve ser acompanhada constantemente, lem-
ração rápida e morte. (FECHER et al., 2021). brando que esta varia ao passar de um ambiente
quente para um frio ou na altura de montanhas
3.3. Imobilização ou do helicóptero em relação ao nível do mar
Dentro do APH, é fundamental seguir uma (ATLS, 2014).
sequência específica para que o paciente tenha
maior chance de sobrevida. Nessa ótica, todos 3.5. Transfusão pré-hospitalar
os pacientes traumatizados com lesão medular No atendimento pré-hospitalar ao paciente
cervical ou com mecanismo de lesão, que tenha com sangramento, principalmente quando o pa-
potencial para causar lesão na coluna cervical, ciente está preso, e/ou tem uma via aérea con-
devem ser imobilizados no local e durante o comitante ou problema respiratório e a unidade
transporte, por meio de um dos vários métodos de cuidados definitivos não está por perto, a ad-
disponíveis. A imobilização apropriada pode ministração de fluidos intravenosos para ressus-
reduzir a chance de déficit neurológico perma- citação e/ou medicação (analgesia, sedativos e
nente ou perda adicional da função neurológica. relaxantes musculares) é indicada. Todavia,
Por isso, para a correta imobilização do paci- ressuscitação fluida aumenta a pressão arterial,
ente é fundamental que haja uma capacitação reverte a vasoconstrição, desaloja o trombo pre-
adequada dos profissionais dos serviços de coce, aumenta a perda de sangue e causa coa-
emergência. (ADIB-HAJBAGHERY et al., 2014). gulopatia dilucional e acidose metabólica em

19 | Página
estudos experimentais. Além disso, há evidên- um sistema que já demonstra atividade fibrino-
cias que mostram aumento da mortalidade em lítica diminuída, pode aumentar a mortalidade
pacientes com ressuscitação volêmica no cam- quando administrado a pacientes que mantêm
po, em combinação com tempos de cena mais níveis baixos, mas ainda fisiológicos de fibrinó-
longos (ADIB-HAJBAGHERY et al., 2014). lise, ou o TXA pode precipitar esse processo.
Devido à necessidade de individualização Assim, a inibição da fibrinólise em pacientes
do paciente em estados avançados de choque gravemente feridos requer consideração cuida-
hemorrágico, pacientes submetidos à transfusão dosa, reconhecendo que em certas circunstân-
de baixo título com sangue O- tiveram melhora cias, o TXA pode afetar adversamente a sobre-
hemodinâmica acarretando em uma redução na vida. Assim, a administração não seletiva de
mortalidade precoce em comparação aos paci- TXA a pacientes com trauma não é indicada
entes que não foram transfundidos (FECHER et (BRITO, 2021).
al., 2021). Embora o TXA seja considerado principal-
A ressuscitação pré-hospitalar está em mente um inibidor da fibrinólise, sugere-se que
constante evolução. Nesse sentido, a ressusci- a administração precoce de TXA também blo-
tação com produto sanguíneo é particular- queia a degradação do glicocálice mediada por
mente benéfica em longos tempos de transporte proteases, evitando assim a endoteliopatia e de-
para prevenir o início e progressão da ATC. A feitos hemostáticos associados (BRITO, 2021).
ressuscitação com cristalóide não é preferencial
para choque hemorrágico, a menos que produ- 4. Atendimento Intra-Hospitalar (AIH)
tos sanguíneos não estejam disponíveis e o pa- 4.1. Conceitos Gerais
ciente esteja em choque. Nessa situação, devem O atendimento a uma vítima de trauma deve
ser administrados apenas cristaloides suficien- contemplar todos os passos do atendimento ao
tes para manter a perfusão do órgão. O ácido politraumatizado. A sistematização proposta
tranexâmico (TXA) deve ser administrado pelo Atlas do Colégio Americano de Cirurgiões
como ressuscitação adjuvante no campo para é de fundamental importância, pois garante
pacientes com choque hemorrágico ou trauma pronto diagnóstico e tratamento com um ganho
cranioencefálico (TCE). Os médicos das forças de tempo fundamental (RODRIGUES et al.,
especiais de hoje carregam LTOWB (sangue to- 2017).
tal do grupo O de baixo título), plaquetas arma-
zenadas a frio, plasma liofilizado e TXA para 4.2. Triagem
otimizar a ressuscitação pré-hospitalar (BRI- A triagem envolve a classificação dos doen-
TO, 2021) tes de acordo com o tipo de tratamento neces-
sário e os recursos disponíveis. O tratamento
3.6. Administração empírica de ácido prestado deve ser baseado nas prioridades
tranexâmico (TXA) ABC.
No PTZ, diferentes estados de fibrinólise, A triagem também se aplica à classificação
além da hiperfibrinólise, podem ser identifica- dos doentes no local e à escolha do hospital para
dos, incluindo a inibição da fibrinólise e o des- o qual o doente deverá ser transportado, sendo
ligamento da fibrinólise, representando uma de responsabilidade da equipe pré-hospitalar e
inibição além dos níveis fisiológicos. A inibi- de seu diretor médico assegurar que o doente
ção adicional pelo ácido tranexâmico (TXA) de seja transportado para o hospital apropriado

20 | Página
(ATLS, 2014). são sinais de obstrução de vias aéreas. Baixo ní-
vel de consciência também é uma possível
4.3. Ressuscitação causa de obstrução, geralmente pela queda da
O mnemônico ABCDE foi padronizado de língua. As manobras mais utilizadas nessa fase
acordo com as lesões de maior mortalidade. O são a elevação do mento (chin lift) e anteriori-
seu significado é: A (airways) – vias aéreas com zação da mandíbula (jaw thrust) (Figura 3.1).
controle da coluna cervical; B (breathing) – res- É preciso ter cuidado para não causar extensão
piração e ventilação; C (circulation) – cervical nas vítimas com suspeita de lesão me-
circulação com controle da hemorragia; D (di- dular. Quando se tem equipamentos adequados,
sability) – estado neurológico; E (exposure) – é recomendado aspirar os corpos estranhos da
exposição e controle da temperatura. O via aérea. No ambiente hospitalar, corpos estra-
ABCDE é aplicado no exame primário do aten- nhos de visualização direta são aspirados com
dimento inicial ao PTZ e é utilizado para detec- fórceps de Magill (RODRIGUES et al., 2017).
tar lesões de risco iminente de morte. Ele tam-
bém pode ser retomado no exame secundário, Figura 3.1 A: Manobra de Tração da Mandí-
bula para estabelecer uma Via Aérea (jaw
durante a monitorização dos sinais vitais
thrust); B Manobra de Elevação do Mento para
(RODRIGUES et al., 2017). Estabelecer uma Via Aérea (chin lift)

A: Airways
Realiza-se a proteção da coluna cervical.
Em vítimas conscientes, a equipe de socorro
deve se aproximar da vítima pela frente, para
evitar que mova a cabeça para os lados durante
o olhar, podendo causar lesões medulares. Um
membro da equipe deve estabilizar a coluna
cervical manualmente ou com um colar. Se o
pescoço estiver em uma posição viciosa, deve-
se imobilizar nessa posição. Em vítimas incons-
cientes em que não é possível reposicionar a
cabeça, a estabilização deve ser feita na posição
original. Nesse sentido, a imobilização deve ser
de toda a coluna, não se limitando à coluna cer-
vical. Para isso, uma prancha rígida deve ser
utilizada. Os acidentes nos seguintes cenários Fonte: ATLS, 2014.

têm riscos potenciais de lesão de medula: mer-


gulho em água, queda de cavalo e acidentes de Quando essas medidas de desobstrução não
trânsito. Por isso, deve-se realizar a avaliação são efetivas, três procedimentos podem ser rea-
das vias aéreas. O socorrista aborda a vítima lizados: intubação endotraqueal, cricotireoi-
perguntando seu nome. Se ele responder, isso dostomia e traqueostomia. A intubação endo-
sugere que as vias aéreas estão pérvias. Voz al- traqueal é o padrão ouro para proteção de vias
terada, estridor, roncos e esforço respiratório aéreas no ambiente pré-hospitalar. As princi-

21 | Página
pais indicações para este procedimento são: es- se ter cautela com a diluição dos fatores de co-
tresse respiratório, Escala de Coma de Glasgow agulação devido a esse procedimento. Em casos
menor ou igual a 8 e parada cardíaca (RODRI- de fratura de pelve, dispositivos pneumáticos
GUES et al., 2017). podem ser utilizados. Esses equipamentos de-
vem ser inflados em 60-80 mmHg, compri-
B: Breathing mindo abdome, pelve e membros inferiores
Analisar se a respiração está adequada. (RODRIGUES et al., 2017).
A frequência respiratória, inspeção dos mo-
vimentos torácicos, cianose, desvio de traquéia D: Disability
e observação da musculatura acessória são pa- Tem como objetivo principal minimizar as
râmetros analisados nessa fase. Vítimas com hi- chances de lesão secundária pela manutenção
poventilação e frequência respiratória menor da perfusão adequada do tecido cerebral.
que 10 inspirações por minuto devem ser moni- A análise do nível de consciência, tamanho
toradas. Uma ventilação adequada deve manter e reatividade das pupilas, presença de hérnia ce-
as pressões parciais de CO2 entre 30-35 mmHg. rebral, sinais de lateralização e o nível de lesão
Se disponíveis, estetoscópio e o oxímetro de medular são medidas realizadas. Existem duas
pulso são equipamentos que ajudam na abor- formas de verificar o nível de consciência: o
dagem à vítima nesse estágio. Uma vez inade- AVPU e a Escala de Coma de Glasgow.
quada à respiração, deve-se prestar suporte ven- No AVPU, tem-se: A – alerta; V – respon-
tilatório. Nos casos de pneumotórax hiperten- sivo à voz; P – responsivo à dor e U – irrespon-
sivo, o procedimento a ser realizado é a des- sivo. ECG entre 13 - 15, 9 -12 e 3 - 8 sugerem
compressão imediata do tórax, inserindo um normalidade, dano moderado e estado neuroló-
jelco calibroso no segundo espaço intercostal gico severo, respectivamente. Vítimas com
na linha hemiclavicular, seguido de drenagem Glasgow entre 3-8 precisam ser entubados. A
de tórax no quarto espaço intercostal, na linha queda no nível de consciência pode sugerir re-
axilar média (RODRIGUES et al., 2017) dução da perfusão cerebral, sendo toda queda
de consciência considerada oriunda do sistema
C: Circulation nervoso central até que o contrário seja pro-
A circulação e a pesquisa por hemorragia vado. Alteração nesse nível requer reavaliação
são os principais parâmetros de análise. do A e B do mnemônico. Entretanto, nesse es-
A maioria das hemorragias é estancada pela tágio de avaliação, o abuso de drogas e a hipo-
compressão direta do foco. Quando essa me- glicemia devem ser considerados, tendo em
dida não é suficiente, o torniquete é uma opção. vista que também podem alterar o nível de
A frequência de pulso e enchimento capilar po- consciência. (RODRIGUES et al., 2017).
dem ser determinados. Mudanças na coloração
da pele, sudorese e diminuição do estado de E: Exposure
consciência podem sugerir perfusão compro- A análise da extensão das lesões e o con-
metida. A ausculta pode ser realizada nessa trole do ambiente com prevenção da hipotermia
fase. Deve-se ter cuidado com a hipovolemia. são as principais medidas realizadas.
Nesses casos, a medida recomendada é obter O socorrista deve analisar sinais de trauma,
dois acessos venosos periféricos e infundir, ini- sangramento, manchas na pele, entre outros.
cialmente, 2 L de cristaloides. Entretanto, deve-

22 | Página
Além disso, deve-se despir a vítima para detec- mostraram que um SI > 1,0 foi associado a uma
tar ou excluir novas lesões. Nessa fase, deve-se taxa de mortalidade de 40 %. Posteriormente,
medir a temperatura da vítima. Além disso, o foi feita uma tentativa de ajustar ainda mais a
ambiente de exposição deve possuir uma tem- ponto de corte para melhorar a sensibilidade e
peratura adequada para evitar que a vítima per- especificidade do índice (JUSTE et al., 2021).
ca calor. Depois do atendimento, a vítima deve
ser coberta com cobertores aquecidos. Os 5.2. Escala de Coma de Glasglow
cristalóides e infusões intravenosas também de- A Escala de Coma de Glasgow define o ní-
vem estar aquecidos (RODRIGUES et al., vel de consciência mediante a observação do
2017).
comportamento, baseando-se em um valor nu-
mérico. É o sistema de pontuação mais utilizado
5. Scores
internacionalmente para avaliação de pacientes
Os sistemas de pontuação de trauma tentam
comatosos em cuidados intensivos. Nesse con-
traduzir a gravidade da lesão em um número.
texto, a Escala de Coma de Glasgow avalia a
As pontuações permitem que os médicos tradu-
reatividade do paciente mediante a observação
zam diferentes gravidades dos ferimentos em
de três parâmetros: abertura ocular, reação mo-
uma linguagem comum. Caracterizações quan-
tora e resposta verbal. Assim, a aplicação da Es-
titativas de lesões são essenciais para a pesquisa
cala de Coma de Glasgow é aparentemente sim-
e avaliação significativa do resultado do
ples e deve ser feita com base no exame do pa-
paciente, melhoria da qualidade, e programas
ciente 6 horas após o trauma. O intervalo de 6
de prevenção. O desenvolvimento de índices
horas foi recomendado por seus autores, tendo
acerca da gravidade do trauma tem sido a prin-
em vista que durante as primeiras horas pós-
cipal tarefa dos investigadores de trauma. Nesse
trauma muitos pacientes são sedados para se-
contexto, existem muitos sistemas de pontua-
rem intubados, ou para alívio da dor, o que pode
ção publicados para a classificação de pacientes
interferir na pontuação obtida e na avaliação
traumatizados. Esse grande número de sistemas
global do nível de consciência (OLIVEIRA et
de pontuação indica não só a necessidade de tais
al., 2014).
sistemas de pontuação, mas também a suas de-
ficiências para atender a todos os requisitos
5.3. Trauma Injury Severity Score (TRISS)
(HOSSEINPOUR et al., 2020).
Sistemas que levam em conta a anatomia
5.1. Índice de choque (SI) como o Abbreviated Injury Scale (AIS) e o In-
O Índice de Choque (SI) é uma ferramenta jury Severity Score (ISS) são métodos que per-
útil simples e rápida para auxiliar na avaliação mitem apenas avaliar a gravidade dos PTZ. No
de pacientes politraumatizados em choque. O entanto, sistemas considerados fisiológicos
SI é definido como a razão entre a frequência como o Revised Trauma Score (RTS) conse-
cardíaca (FC) e pressão arterial sistólica (PAS). guem prever a probabilidade de sobrevivência
Valores de SI > 0,9 geralmente indicam um es- do paciente. Em meio a sistemas fisiológicos e
tado de choque descompensado, e estão associ- anatômicos, é possível identificar os considera-
ados a maiores taxas de mortalidade. Por esse dos mistos, como o Trauma Injury Severity
motivo, tem sido considerado um bom indica- Score (TRISS), que se tornam vantajosos, no
dor de mortalidade. Os primeiros autores que sentido em que avaliam a gravidade e estabele-
descreveram a SI foram Allgower e Burri, que

23 | Página
cem um prognóstico para os PTZ. Nesse sen- aprimoramento, sendo o ABCDE o mais utili-
tido, apesar de relacionarem o prognóstico des- zado nestes casos, visando um atendimento de
ses pacientes com a resposta inflamatória, tais alta resolubilidade e individualização das ne-
scores são amplamente utilizados de forma que cessidades terapêuticas de cada paciente avali-
o TRISS se mostra como o mais completo e se ado, considerando sempre a multifatorialidade
torna o melhor método para avaliação de prog- que circunda a atenção ao paciente que sofreu o
nóstico em PTZ à admissão na sala de trauma trauma.
(SOUZA et al., 2020). Portanto, fica explícito que o atendimento
O TRISS compreende o Revised Trauma ao PTZ é sistematizado e estruturado na fase
Score (RTS) e índices Injury Severity Score pré-hospitalar e intra-hospitalar, apresentando
(ISS), bem como os tipos de trauma (contuso ou como resultado um aumento da taxa de sobre-
penetrante) e a idade do paciente. Embora o vida do paciente principalmente no APH, para
TRISS seja amplamente utilizado, apresenta li- que esse tenha condições de transporte ao AIH.
mitações que envolvem, principalmente, o RTS Além disso, levando em conta a sobrevida do
e o ISS. Atualmente, o RTS é difícil de calcular PTZ e o potencial de melhorar os resultados,
devido ao aumento no número de intubações re- fica evidente que o bom resultado do APH de-
alizadas em ambiente pré-hospitalar, interven- pende muito de uma boa execução do controle
ção que impossibilita a determinação da ECG e precoce de hemorragia, da ressuscitação e da
frequência respiratória (RR) na admissão hos- coagulação.
pitalar, que são necessários para o cálculo do No APH, podem ser usados vários
RTS. Além disso, o RR é um parâmetro fisioló- SCORES, escalas e tipos de avaliação ao PTZ,
gico que requer tempo para medir durante o sendo cada uma utilizada de uma maneira e si-
atendimento de emergência ao paciente trau- tuação específica, tratando o paciente de forma
matizado. Sua faixa normal é muito ampla e va- rigorosa e individualizada.
lores anormais podem não estar diretamente re- Além disso, a ação conjunta entre as equi-
lacionados a déficits de função respiratória. A pes multiprofissionais deve ser precisamente
saturação periférica de oxigênio (SpO2) ganhou executada para que seja reduzido, ao máximo, a
um lugar como parâmetro respiratório em situ- taxa de morbidade e o número de óbitos em
ações de emergência, pois permite a avaliação pacientes politraumatizados, tanto no APH
da qualidade da perfusão tecidual em pacientes quanto no AIH. Logo, almejando o progresso e
traumatizados e é rápida e fácil de medir. o constante aprimoramento, espera-se que estu-
(DOMINGUES et al., 2018). dos e consensos futuros busquem cada vez mais
expor indicadores positivos envolvendo o aten-
CONCLUSÃO dimento ao PTZ, de modo a torná-lo mais pre-
ciso e aprimorado a cada cenário de atendi-
Conforme visto, o manejo do paciente poli- mento, refletindo diretamente na diminuição da
traumatizado está em constante reavaliação e mortalidade e o aumento na qualidade do ma-
nejo pré-hospitalar ao politraumatizado.

24 | Página
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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GEERAEDTS, L. M. G. et al. Exsanguination in trauma: 4, 2020
A review of diagnostics and treatment options. Injury, v.

25 | Página
CAPÍTULO 4
AVALIAÇÃO INICIAL E
ABORDAGEM AO
POLITRAUMATIZADO
Palavras-chave: Cuidado Avançado de Apoio à Vida do Trauma; Trauma
múltiplo; Politrauma

JESAMAR CORREIA MATOS FILHO¹


JOSÉ EDUARDO DE OLIVEIRA MIRANDA1
MIKAIO DE SOUSA JUCÁ1
LUCAS GURGEL FELIZARDO1
FRANCISCO VITTOR MIRANDA E ARAÚJO1
MANOEL CÍCERO VIANA DE LIMA1
MARIA CLARA DE FREITAS ALBANO1
MADELINE MEDEIROS OLIVEIRA1
PEDRO SCHMITT MARTINS PAIVA MATOS1
MARIA HELENA DO SANTOS MACEDO1
ANA LETÍCIA LOPES SALES1
PEDRO FERREIRA FERRO NETO1
ANA BEATRIZ SOUSA SANTOS1

1
Discente – Medicina do Centro Universitário Christus

26 | Página
INTRODUÇÃO relevância acadêmica, e dados disponibilizados
no site do Ministério da Infraestrutura, no in-
As lesões traumáticas podem variar desde tuito de ter um panorama geral sobre acidentes
lesões pequenas e isoladas até lesões comple- de trânsito.
xas. Vários sistemas de órgãos podem estar en- Os autores realizaram a pesquisa com o
volvidos. Todos os pacientes de trauma reque- objetivo de aperfeiçoar as análises da litera-
rem uma abordagem sistemática para maximi- tura, que ocorreu da seguinte maneira: 1) Orga-
zar os resultados e reduzir o risco de danos não nização das condutas iniciais; 2) Revisão do
detectados (ALI, 2021). As principais causas de manejo no politraumatizado; 3) Seleção de arti-
trauma são os acidentes automobilísticos, as gos seguindo as condutas mais atuais. Todo o
agressões, as quedas de altura e os acidentes es- estudo foi feito por base em uma revisão de li-
portivos. A mortalidade causada por trauma teratura, com a finalidade de analisar os resul-
equivale a aproximadamente 10 % das causas tados dos artigos, para elaborar as melhores
de morte, e a Organização Mundial de Saúde condutas ao paciente politraumatizado
(OMS) prevê que esse número irá aumentar até
o ano de 2030. É considerada a terceira causa RESULTADOS E DISCUSSÃO
de morte mais prevalente do mundo. No Brasil,
é a principal causa de óbito na faixa etária de 5 CONDUTAS INICIAIS
a 39 anos, desde 1980 e segundo o Ministério
da Infraestrutura (MIF), ocorreram cerca de Preparação da equipe hospitalar antes da
632.764 mil acidentes automobilísticos em chegada do paciente
2021, com uma média anual de 5.5 óbitos/100 Sempre que possível, serviços médicos de
mil habitantes (BRASIL, 2022). Diante do ex- emergência devem notificar o hospital receptor
posto, o presente estudo tem por objetivo reali- de que um paciente com múltiplos traumas está
zar uma revisão das fases do manejo inicial ao a caminho. Isso fornece ao hospital o tempo ne-
paciente politraumatizado visando uma rápida cessário para preparar a equipe para receber o
avaliação primária, a reanimação das funções paciente grave.
vitais e reduzindo o risco de lesões ocultas. Informações recebidas pelo hospital:
➔ sexo e idade;
MÉTODO ➔ mecanismo de lesão;
➔ sinais vitais;
Realizou-se uma pesquisa de revisão a res- ➔ lesões aparentes.
peito do manejo inicial de pacientes adultos Receber essas informações com antecedên-
com trauma. Para tal, foi utilizado como banco cia permite à equipe do hospital receptor que
de dados vinculados à saúde: UpToDate, Scielo tome as seguintes decisões:
e Pubmed. Para descritores foram utilizados os ➔ notificar pessoal adicional;
termos: “Advanced Trauma Life Support ➔ assegurar que os recursos estão dispo-
Care”, “Multiple Trauma and Polytrauma”. níveis;
Para a descrição do tema, foram seleciona- ➔ prepara-se para procedimentos previs-
dos 5 artigos, sendo a maioria deles publicados tos;
a partir de 2017, 6 livros, todos eles de grande ➔ prepara-se para transfusão sanguínea.

27 | Página
Tais informações são de suma importância ● C (Circulation): avaliação da circula-
pois ajudam os médicos a terem um panorama ção e controle de hemorragias;
geral e se concentrem nas lesões mais prová- ● D (Disability): avaliação neurológica
veis. de base em busca de distúrbios;
É de suma importância a equipe estar pre- ● E (Exposure): controle de ambiente/
parada para doenças transmitidas por sangue. exposição do paciente.
Isso requer a constante presença de equipamen-
tos de proteção, tais como luvas, aventais, más- A (via aérea): Manter a via aérea pérvia e
caras e proteção para os olhos. Protetores de estabilização da coluna cervical com colar. Tem
chumbo são necessários caso haja procedimen- como objetivo manter uma boa oxigenação
tos que envolvam radiação, como raios x. sanguínea e minimizar as lesões ocultas na co-
(SARANI et al., 2022). luna cervical. Uma das principais causas de
óbito imediatamente após o trauma é a obs-
Triagem trução das vias aéreas, podendo ser causada
A triagem envolve a classificação dos doen- pela língua, um corpo estranho, material aspi-
tes de acordo com o tipo de tratamento necessá- rado, fratura de face, mandíbula e ou fraturas de
rio e os recursos disponíveis no hospital. traqueia/laringe, edema de tecido ou hematoma
Em incidentes em que o número de pacien- em expansão (ALI, 2021).
tes e a seriedade das lesões por eles apresenta- Em caso de dúvida, sobre a viabilidade da
das não excedem a habilidade de atendimento via aérea, geralmente é melhor intubar preco-
do hospital, os doentes mais graves serão aten- cemente, especialmente em pacientes com ins-
didos primeiro. Já em eventos em que a quanti- tabilidade hemodinâmica ou naqueles com le-
dade de doentes excede a habilidade de atendi- são significativa na face ou pescoço, o que pode
mento do hospital e da equipe (múltiplas víti- causar edema e distorção das vias aéreas (ALI,
mas ou vítimas em massa), os doentes com 2021; ATLS, 2018).
maior possibilidade de sobrevivência serão Uma vez estabelecida a via aérea, é impor-
atendidos primeiro (SARANI et al., 2022). tante garantir sua proteção, evitando sua possí-
vel extubação ou obstrução.
Avaliação primária
Uma abordagem rápida, simples e organi- B (respiração): Avaliação da respiração e
zada é necessária no manejo de um paciente ventilação, tem como objetivo manter oxige-
gravemente ferido. A pesquisa primária publi- nação adequada. Para tal, faça ao paciente uma
cada no Advanced Trauma Life Support ™ pergunta simples (por exemplo, "Qual é o seu
(ATLS ™) fornece tal abordagem. A sequên- nome?"). Respostas claras e precisas validam o
cia de cuidados no doente traumatizado que in- pensamento do paciente, a fala e a capacidade
dicam risco de morte é o ABCDE, que signi- de proteger as vias aéreas pelo menos proviso-
fica: riamente (GUIMARÃES, et al., 2017).
● A (Airway): avaliação de via aérea e Verifique o rosto, pescoço, tórax e abdô-
proteção da coluna; men para sinais de dificuldade respiratória, in-
● B (Breathing): avaliação da ventilação cluindo taquipneia, uso muscular assistido ou
e respiração; assimétrico, padrões respiratórios anormais e

28 | Página
estridor. Verifique se há ruptura orofaríngea, le- femoral ou carotídeo. O procedimento é mais
são dentária ou língua, sangue, vômito ou eficaz para vítimas de ferimentos por arma
secreções acumuladas. Observe se não há obs- branca no tórax que apresentam pulsos ou ou-
truções na colocação do laringoscópio e do tubo tros sinais de vida testemunhados (por exemplo,
traqueal. Inspecione e palpe a frente do pescoço movimento voluntário) inicialmente. Rara-
para ver se há lacerações, sangramento, crepi- mente é benéfico em pacientes com trauma fe-
tações, inchaço ou outros sinais de lesão. A chado ou quando realizado em instalações sem
palpação do pescoço também permite a iden- pronto acesso a cuidados cirúrgicos adequados
tificação de marcadores para cricotireotomia. (MARTINS, 2017).
Em pacientes inconscientes, a via aérea deve ser
protegida imediatamente após a retirada de D (disfunção neurológica): A avaliação
qualquer obstrução (por exemplo, corpo estra- neurológica estabelece o nível de consciência
nho, vômito, deslocamento da língua) (ALI, do doente, o tamanho e reatividade das pupilas,
2021; ATLS, 2018). sinais de lateralização e o nível de lesão da me-
dula espinhal.
C (circulação): Uma vez que as vias aéreas A Escala de Coma de Glasgow (Tabela 4.1)
e a respiração estejam estabilizadas, realize é um método rápido e simples para determinar
uma avaliação inicial do estado circulatório do o nível de consciência e que permite prever a
paciente palpando os pulsos centrais. Se um evolução do doente (particularmente a melhor
pulso carotídeo ou femoral for verificado e ne- resposta motora).
nhuma lesão externa exsanguinante óbvia for O rebaixamento do nível de consciência
observada, a circulação pode ser momentanea- pode representar diminuição da oxigenação
mente considerada intacta. A conclusão da pes- e/ou da perfusão cerebral ou ser resultado de um
quisa primária não deve ser atrasada pela deter- trauma direto ao cérebro necessitando de mais
minação de uma pressão arterial exata. En- exames (Tabela 4.2). A alteração do nível de
quanto a circulação é avaliada, dois cateteres in- consciência implica na necessidade imediata de
travenosos (IV) de calibre 16 G (ou maior) são reavaliação de ventilação, oxigenação e perfu-
colocados, mais frequentemente na fossa ante- são. Hipoglicemia, álcool, narcóticos ou outras
cubital de cada braço, e o sangue é coletado drogas também podem alterar o nível de cons-
para testes, particularmente para tipagem san- ciência do doente. No entanto, se excluídos os
guínea e prova cruzada. A hemorragia com problemas mencionados, toda alteração do ní-
risco de vida deve ser controlada. Uma combi- vel de consciência deve ser considerada origi-
nação de pressão manual, compressão proximal nária de um trauma ao sistema nervoso central,
com torniquete ou manguito de pressão arterial até que se prove o contrário. A lesão cerebral
manual e elevação é normalmente suficiente primária resulta do efeito estrutural do trauma
para controlar a hemorragia arterial externa. sobre o cérebro. A prevenção da lesão cerebral
Quando estes não forem bem-sucedidos, agen- secundária, por meio da manutenção de oxige-
tes hemostáticos podem ser usados, se disponí- nação e perfusão adequadas, são os principais
veis. O sangramento venoso é contro-lado com objetivos do atendimento inicial (MARTINS,
pressão direta (ATLS, 2018). 2017).
A toracotomia de emergência pode ser ne-
cessária para pacientes com trauma sem pulso

29 | Página
Tabela 4.1 Tabela da Escala de Coma de Glasgow

Variáveis Escore
Espontânea 4
À voz 3
Abertura ocular
À dor 2
Nenhuma 1
Orientada 5
Confusa 4
Resposta verbal Palavras inapropriadas 3
Palavras incompreensíveis 2
Nenhuma 1
Obedece comandos 6
Localiza dor 5
Movimento de retirada 4
Resposta motora
Flexão anormal 3
Extensão anormal 2
Nenhuma 1
Fonte: Adaptado de Young, 2020.

Tabela 4.2 Tabela de exames complementares em alteração do nível de consciência

● Glicemia capilar (primeira medida)


● Ureia, creatinina e eletrólitos (principalmente sódio, cálcio e magnésio)
● Transaminases hepáticas, bilirrubinas, coagulograma (principalmente o INR) e enzimas canaliculares
● Exames toxicológicos
● Eletrocardiograma (ECG)
● Radiografia de tórax: screening infeccioso com hemograma, radiografia de tórax e urina 1
● Gasometria arterial, eventualmente com mensuração do monóxido de carbono
● Considerar a avaliação de função tireoidiana e adrenal
Fonte: MARTINS, 2017.

E (exposição): No final da avaliação primá- do doente e não o com-forto da equipe de aten-


ria, o paciente deve ser totalmente despido, usu- dimento (GUIMARÃES et al., 2017).
almente cortando as roupas para facilitar o
exame e a avaliação, e ter cautela para não acar- MEDIDAS AUXILIARES
retar em hipotermia. O intuito é a busca de ou- As medidas auxiliares ajudarão no diagnós-
tras lesões que tenham passado despercebidas tico, identificação de lesões e monitorização do
durante o restante da avaliação. Aqui também paciente. Exames de imagem, desde radio-
deve ser examinado o dorso do paciente, se grafias de tórax e pelve, tomografias computa-
ainda não realizado, com rolamento em bloco e dorizadas, urografias excretoras, arteriografias
estabilização da coluna cervical. O mais im- até ultrassonografia transesofágica podem ser
prescindível é garantir a temperatura corporal necessárias. Gasometria arterial, hemograma,

30 | Página
sorotipagem e prova cruzada, lactato e até mes- Sendo um exame crânio-caudal, a primeira
mo B-HCG são exames complementares no parte a ser examinada é o couro cabeludo, em
paciente politraumatizado (SARANI et al., seguida os ossos da face e crânio, olhos, pupi-
2022). las, pálpebras e por fim, orelha, nariz e boca
(GUIMARÃES et al., 2017).
AVALIAÇÃO SECUNDÁRIA Pescoço: neste, é indispensável a imobili-
A avaliação secundária, para o paciente po- zação do pescoço até a sua total avaliação, por
litraumatizado, deve ser realizada somente após conta de possíveis lesões estáveis na coluna cer-
a avaliação primária e quando o paciente estiver vical. Inspeção, palpação e ausculta com obje-
apresentando melhora clínica. Para tal, é feita tivo de buscar por lacerações, contusões, abra-
uma avaliação clínica e física completa, da ca- sões, deformidades, enfisema subcutâneo, cre-
beça aos pés do paciente, acompanhado da uma pitações, dor, sopros, entre outros achados
reavaliação das funções vitais. Ademais, uma (GUIMARÃES et al., 2017).
avaliação minuciosa de cada região do corpo, Tórax: Por ter características elásticas, com
deve ser realizada para minimizar a possibili- muita flexibilidade e força, o tórax pode absor-
dade de erros na conduta clínica (MARTINS, ver grande parte da energia do trauma. Ao
2017). exame, inspeção, palpação, percussão, ausculta
Em um ambiente pré-hospitalar, a avali- pulmonar e cardíaca para buscar por deformi-
ação secundária pode ser feita em outro mo- dades, contusões, áreas de movimento parado-
mento, caso o paciente se encontre em estado xal, saliências, crepitações ósseas, dor, hiper-
crítico, necessitando de transporte imediato timpanismo, presença de ruídos adventícios ou
após avaliação primária. murmúrio vesicular diminuído, presença de
A fim de buscar mais informações sobre o sopros, abafamento de bulhas entre outros acha-
paciente, uma breve anamnese é feita para dos.
obtenção de informações sobre alergias, medi- Abdome: Ao exame de abdômen, a sua
camentos em uso, passado médico, líquidos e identificação rápida e tratamento adequado, se-
alimentos ingeridos e o mecanismo do trauma. guido de reavaliações são de extrema impor-
Tais informações podem ser colhidas pela tância para a condução do caso. Para os exames
equipe médica no local do acidente com o auxí- de abdômen, é realizada uma divisão da estru-
lio de um familiar ou testemunhas, por exem- tura anatômica em 4 quadrantes, onde em cada
plo. Na presença de qualquer alteração, a soli- um destes, deve ser realizada a inspeção, pal-
citação de exames pode ser realizada. A equipe pação e ausculta, com o objetivo de procurar
pré-hospitalar é de suma importância para a por abrasões, equimoses, contusões, lacerações,
conduta e o desfecho do paciente (MARTINS, dor à palpação ou descompressão, rigidez, pre-
2017). sença ou ausência de ruídos hidroaéreos entre
outros achados (GUIMARÃES et al., 2017).
HISTÓRICO DO PACIENTE: EXAME Pelve e Períneo: Em politraumatizados, a
FÍSICO GERAL pelve é uma estrutura muito acometida por le-
Cabeça: ao exame da cabeça, inspeção e sões hemorrágicas e fraturas internas que, caso
palpação desta e do rosto do paciente, a fim de não tratadas, podem levar a deterioração do pa-
buscar por lacerações, contusões, assimetrias, ciente em poucas horas. O exame do períneo
defeitos ósseos, hemorragias entre outros.

31 | Página
ajudará no diagnóstico ou na hipótese diagnós- neurocirurgião ou ortopedista. A exclusão de
tica da equipe. Exame de inspeção, palpação, lesão medular é de suma importância para a
toque retal e avaliação da vagina são utilizados conduta do paciente politraumatizado. O exame
para a procura de abrasões, lacerações, equi- consiste em uma avaliação do nível de
moses, instabilidade ou crepitações, hemorra- consciência, avaliação das pupilas em tamanho,
gia retal, tônus do esfíncter, posição da próstata, simetria e reflexo, avaliação motora dos mem-
presença de sangue e lacerações entre outros bros e avaliação sensitiva das extremidades
achados (GUI-MARÃES et al., 2017). (MARTINS, 2017).
Dorso: Para este exame, o paciente deve es-
tar em posição supinada lateralizado. São reali- REAVALIAÇÃO E MONITORIZA-
zados inspeção, palpação e ausculta pulmonar à ÇÃO
procura de equimoses, ferimentos, contusões, Todo doente politraumatizado deve ser rea-
crepitações ósseas, dor, enfisema subcutâneo e valiado constantemente, pois a qualquer mo-
hemorragias entre outros achados (GUIMA- mento, pode haver uma deterioração dos acha-
RÃES et al., 2017). dos já registrados (ZAHANG et al., 2020).
Extremidades: Inicia-se nas cinturas esca- Conforme as lesões com risco à vida são tra-
pular e pélvica em direção a porção mais distal tadas, outras lesões igualmente ameaçadoras à
do membro avaliado. Cada osso e articulação vida, ainda que de menor gravidade, podem tor-
devem ser avaliados individualmente. A imo- nar-se aparentes. Doenças clínicas antecedentes
bilização deverá ser realizada se houver qual- podem também tornar-se evidentes e abalar se-
quer suspeita de fratura até confirmação radio- riamente o prognóstico do paciente (CAR-
lógica. Logo após a imobilização, checar pulso VALHO et al., 2016).
e sensibilidade da extremidade. Deve-se tam- A monitoração contínua dos sinais vitais e
bém considerar a possibilidade de síndrome do débito urinário é primordial. Para um en-
compartimental no paciente, vítima de trauma fermo adulto é desejável a manutenção de um
(GUIMARÃES et al., 2017). débito urinário de 0,5 mL/kg/h. Nos doentes pe-
Inspeção: Deformidades ósseas e articula- diátricos, acima de 1 ano, é conveniente manter
res, desalinhamentos, equimoses, hematomas, o débito de 1 mL/kg/h. Devem ser empregados
lacerações, fraturas expostas, hemorragias ou também a medida dos gases arteriais e instru-
lesões penetrantes (GUIMARÃES et al., 2017). mentos para a monitoração cardíaca
Palpação: Crepitações, sensibilidade, dor (CARVALHO et al., 2016).
ou movimento incomum, palpação dos pulsos
periféricos e avaliação da função dos nervos TRATAMENTO DEFINITIVO
motores e sensitivos (GUIMARÃES et al., A transferência deve ser considerada toda
2017). vez que as necessidades de tratamento do do-
Exame neurológico: Neste momento, é ne- ente excederem a capacidade da instituição que
cessário a realização de um novo exame de ní- o recebeu. Cirurgia definitiva precoce pode ser
vel de consciência utilizando a Escala de Coma usada de forma segura e com benefícios reais
de Glasgow, a resposta pupilar e executando a para muitos pacientes politraumatizados. O re-
avaliação sensorial e motora das extremidades. conhecimento e o controle precoce da hemorra-
Cada alteração de déficit neurológico deve ser gia, além da agressiva ressuscitação para con-
computada e em seguida, a solicitação de um trole da acidose, são fundamentais na redução

32 | Página
da mortalidade e morbidade (GUIMARÃES et
al, 2017).
A conduta ortopédica depende essencial- CONCLUSÃO
mente das condições fisiológicas do paciente:
• Extrema: deve-se encaminhar Unidade As horas mais cruciais para um paciente po-
de Terapia Intensiva (UTI) e utilizar distrator e litraumatizado são as primeiras horas e é por
fixadores; elas que o atendimento se torna mais impor-
tante. Condutas aplicadas tardiamente produ-
• Instável: priorizar pelo controle de da-
zem uma reação em cadeia que impossibilita
nos ortopédico;
um melhor cuidado ao paciente. Sistemas de
• Limítrofe: caso for preciso, controlar
saúde em todo o mundo tentam ao máximo re-
hemorragia, em seguida recomenda-se reali-
duzir o intervalo de tempo entre o acidente e o
zar uma reavaliação, se o resultado for incerto
primeiro atendimento. A utilização da sequên-
deve-se optar por controle de danos ortopédi-
cia ABCDE se mostra como a melhor aborda-
cos. gem inicial, verificando todos os pontos cruci-
• Estável: realizar desenvolvimento pro- ais da primeira hora como as vias aéreas, venti-
fissional contínuo (GUIMARÃES et al, lação, circulação, neurológicas e exposição do
2017). paciente. O desenho de um método horizontal
de atendimento e avaliação de um paciente com
trauma grave produz um impacto positivo em
termos de tempo de atendimento, mortalidade e
morbidade.

33 | Página
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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UpToDate. 2021. Disponível em:
https://www.uptodate.com/contents/initial-management- MARTINS, H.S. Medicina de Emergência- abordagem
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ATLS - Advanced Trauma Life Support for Doctors. inpatient-management-of-the-adult-trauma-
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BRASIL. Registro Nacional de Acidentes e Estatísticas 2. Acesso em: 15 mar. 2022.
de Trânsito. Ministério da Infraestrutura.2021.
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GUIMARÃES, H.P. et al. Manual de Medicina de 0adultos.&source=search_result&selectedTitle=1~150&
Emergência. 14. ed. São Paulo: Atheneu; 2017. usage_type=default&display_rank=. Acesso em: 12.fev.
2022.
GUIMARÃES, H.P. et al. Manual de Medicina

34 | Página
CAPÍTULO 5
CIRURGIA DE CONTROLE DE
DANOS EM PACIENTES COM
TRAUMA GRAVE
Palavras-chave: Inovações em Cirurgia; Cirurgia Geral; Urgência e
Emergência

ADRIANA ZELENSKI¹
ALINE BERTOLETTI¹
ANA LUIZA SILVEIRA LARRUBIA¹
ANA BEATRIZ ALVES DE SOUZA¹
BRUNO BUENO FARIAS SANTOS¹
DAVI FANTINATO RIBEIRO¹
EDUARDA AMBROSI¹
GIULIA CAROLINA PRETTO CARVALHO¹
KARINA ARAGÃO FERRAZ¹
LEONARDO CESAR SUITA FORNARI¹
LIANA ANDREZA DIAS DA CUNHA¹
MILENA YUMI COMETTI OZAKI¹
RAFAELLA CASTILHO DA SILVA TELLES¹

1
Discente - Medicina na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Mato Grosso
(UFMT-Cuiabá)

35 | Página
INTRODUÇÃO diminuir a resposta inflamatória cirúrgica e a
ressuscitação volêmica mantendo a reação do
O trauma é a causa principal de mortes de paciente abaixo do limiar da exaustão fisioló-
pessoas entre 1 a 44 anos, e dentre os fatores gica (CHEN et al., 2019).
que levam à morte evitável, a hemorragia é a As indicações mais relevantes para CCD
principal responsável, causando cerca de 40 % são focadas em fatores do paciente, sobretudo
dos óbitos. Diante disso, a abordagem rápida em relação a sua reserva fisiológica, a gravi-
dos pacientes com ferimentos e comprometi- dade da lesão traumática e aos parâmetros fisi-
mento fisiológico graves é de suma importância ológicos do paciente que possam alimentar a
para a diminuição da mortalidade (BENZ & tríade letal do trauma e em fatores terapêuticos,
BALOGH, 2017). em que o paciente necessita de uma restauração
A cirurgia de controle de danos (CCD) ba- fisiológica antes do tratamento definitivo do
seia-se na terminologia naval dos Estados Uni- trauma (MALGRAS et al., 2017).
dos, no qual para salvar os seus navios, é neces- O objetivo deste estudo foi elucidar os co-
sária uma abordagem seriada das partes danifi- nhecimentos sobre CCD nos pacientes trauma-
cadas para chegar ao porto e fazer o reparo de- tizados abordando seus conceitos, indicações,
finitivo. Do mesmo modo, a CCD é uma estra- fases e benefícios. Além disso, mostrar a im-
tégia terapêutica para pacientes com trauma portância da CCD na diminuição da mortali-
grave, que consiste em uma abordagem cirúr- dade decorrente do estresse traumático inicial.
gica, em etapas, da lesão, com rápido controle
hemorrágico e de contaminação e restauração MÉTODO
fisiológica hemodinâmica do paciente em UTI,
até o reparo cirúrgico definitivo da lesão Trata-se de uma revisão integrativa reali-
(MALGRAS et al., 2017). zada no período de janeiro a março de 2022, por
O termo CCD foi descrito pela primeira vez meio de pesquisas nas bases de dados PubMed
em 1993 por Rotondo et al. (1993) para descre- e Uptodate. Foram utilizados os descritores:
ver a abordagem, dividida em três fases, de pa- “controle de danos” e “cirurgia e trauma” (da-
cientes com trauma abdominal grave com risco mage control, surgery and trauma). Desta
iminente de morte. Atualmente, a CCD se es- busca foram encontrados 396 artigos, posterior-
tende além dos traumas abdominais para os mente submetidos aos critérios de seleção.
traumas torácicos e ortopédicos, visando me- Os critérios de inclusão foram: artigos nos
lhorar a sobrevida dos indivíduos politraumati- idiomas português e inglês, publicados no perí-
zados (BENZ & BALOGH, 2017). odo de 2017 a 2022 e que abordavam as temá-
O trauma acarreta em um estresse traumá- ticas propostas para esta pesquisa, estudos do
tico ao metabolismo, iniciando uma resposta in- tipo revisão, revisão sistemática, ensaios clíni-
flamatória sistêmica e uma resposta anti-infla- cos e meta-análises disponibilizados na íntegra.
matória compensatória. Esse estresse traumá- Os critérios de exclusão foram: artigos du-
tico pode ser fatal ao paciente caso exceda o li- plicados, disponibilizados na forma de resumo,
miar fisiológico, pois ocasiona a tríade letal que não abordavam diretamente a proposta es-
traumática, que é composta por hipotermia, aci- tudada e que não atendiam aos demais critérios
dose e coagulopatia (MALGRAS et al., 2017). de inclusão.
Assim, o controle de danos, tem como objetivo

36 | Página
Após os critérios de seleção restaram 70 ar- gia de controle de danos” foi relatado pela pri-
tigos os quais foram submetidos à leitura minu- meira vez em 1983, quando uma laparotomia
ciosa para a coleta de dados, a qual resultou na para ressecção intestinal foi interrompida de-
seleção de 21 artigos com relevância para o de- vido a uma hemorragia. Nessa situação, os in-
senvolvimento desta revisão. Os resultados fo- testinos foram deixados em descontinuidade, o
ram apresentados de forma descritiva, divididos abdome foi embalado aberto e, após ressusci-
em categorias temáticas abordando os princí- tação na unidade de terapia intensiva, foi
pios do controle de danos a fim de discutir seus realizado o reparo intestinal e o fechamento da
contextos e terminologias, as fases do cuidado cavidade (SARANI & MARTIN, 2021).
e sua eficácia, suas indicações, o controle de da- II- Fases de Cuidado: Fase 0: Controle
nos pré-operatório, a cirurgia de controle de da- pré-cirúrgico. Envolve transporte rápido e tria-
nos e suas variações (laparotomia, toracotomia gem do paciente para o tratamento;
e ortopédica), a fase de ressuscitação, o reparo Fase 1: CCD visando conter hemorragias,
definitivo e o fechamento tardio. evitar disseminação de infecção e manter fluxo
sanguíneo adequado para órgãos vitais e extre-
RESULTADOS E DISCUSSÃO midades. Tudo isso em tempo limitado para mi-
nimizar hipotermia, acidemia e alterações da
PRINCÍPIOS DO CONTROLE DE DA- coagulação;
NOS Fase 2: Ressuscitação na unidade de cuida-
I- Contexto e terminologias: A (CCD) está
dos intensivos, com reposição de volemia e
inserida no contexto de abordagem a pacientes
mantendo o paciente aquecido;
gravemente feridos, que demandam inter-
Fase 3: Reparo definitivo das lesões, que
venção cirúrgica imediata para controlar con-
depende do estado fisiológico do paciente e que
dições que coloquem a vida desse indivíduo em
pode demandar abordagem em etapas para que
risco. Entretanto, esses pacientes não costumam
cada uma das lesões seja tratada;
apresentar reservas fisiológicas suficientes para
Fase 4: Fechamento das feridas abdomi-
tolerar um procedimento longo. Dessa forma, a
nais e de outros tecidos moles, se presentes. A
cirurgia de contenção de danos apresenta-se
cirurgia reconstrutiva costuma ser necessária
como uma alternativa adequada, visto que trata-
nesse caso e é realizada após recuperação com-
se de um procedimento abreviado no cenário do
pleta das lesões (QUINTERO et al., 2021).
trauma, e as estratégias terapêuticas emprega-
É interessante citar que quando a CCD foi
das visam, primariamente, a restauração fisioló-
descrita pela primeira vez, em 1993, era divi-
gica do paciente antes do reparo anatômico. A
dida em apenas 3 fases, sendo que o estágio I
abordagem centrada no controle de danos é
consistia no controle de sangramento e/ou con-
dividida em fases distintas, que objetivam
taminação; o estágio II em ressuscitação e res-
manter o paciente estável, controlar hemorra-
tauração fisiológica e estágio III em exploração
gias, limitar a contaminação e manter o fluxo
cirúrgica, tratamento e fechamento definitivo
sanguíneo adequado, de modo que o paciente
(QUINTERO et al., 2021).
consiga tolerar o tratamento (MALGRAS et al.,
III- Eficácia: Embora a cirurgia de controle
2017).
de danos tenha se tornado um padrão no atendi-
O que é conhecido atualmente como “cirur-
mento ao trauma, é importante frisar que esta

37 | Página
prática é baseada em informações estabeleci- Por outro lado, é extremamente importante
das, principalmente a partir de estudos de caso verificar, também, antes de indicar a abordagem
e observacionais, com ausência de níveis mais cirúrgica, a disponibilidade de vagas de UTI,
altos de evidência (BENZ & BALOGH, 2017). uma vez que esse é o local onde a vítima reali-
Porém, a abordagem de controle de danos, em zará sua recuperação até a cirurgia definitiva,
comparação com técnicas mais antigas, mostra bem como garantir que haverá uma equipe téc-
reduções significativas na morbidade e morta- nica qualificada e centros cirúrgicos equipados,
lidade (SARANI & MARTIN, 2021). a fim de assegurar uma supervisão contínua e
de qualidade para esse paciente (BENZ &
INDICAÇÕES BALOGH, 2017).
Por mais que a necessidade de sua reali-
zação em determinadas situações seja ampla- O CONTROLE DE DANOS PRÉ-OPE-
mente conhecida, ainda não há um consenso RATÓRIO
absoluto de quais critérios definirão se um pa- O processo de controle de danos inclui tam-
ciente precisará, ou não, de abordagem cirúr- bém o cuidado com o paciente em campo, seu
gica de controle de danos. Entretanto, é de ex- transporte e sua avaliação inicial no serviço de
trema importância que o cirurgião esteja atento emergência, ou seja, a abordagem pré-cirurgia.
e pronto para tomar essa decisão de forma rá- Grande parte das mortes ocorrem antes da hos-
pida, pois o surgimento de sinais e sintomas que pitalização, principalmente por hemorragia.
indiquem alterações fisiológicas e a neces- Contudo, as medidas tomadas neste momento
sidade de intervenção, costumam surgir com não devem atrasar a chegada do paciente ao
uma situação limítrofe já instalada, o que pode, hospital para tratamento definitivo. Assim,
facilmente, fazer com que o momento ideal para deve-se focar no tratamento de lesões que resul-
realização do "damage control" seja perdido tam em óbito rapidamente, como pneumotórax
(SARANI & MARTIN, 2021). hipertensivo e sangramentos, de modo a evitar
Nesse sentido, alguns critérios já definidos atrasos no transporte ao hospital para o trata-
auxiliam no momento da escolha do cirurgião. mento definitivo. Ademais, o controle de danos
Dentre eles, os principais são os que compõem pré-cirurgia envolve também o controle da
a "tríade da morte": 1) hipotermia (temperatura hipotermia e a reposição controlada de volume,
corporal fica menor do que 34°C), 2) coagulo- evitando-se complicações como a síndrome do
patia (tempo de protrombina (TP) e tempo de desconforto respiratório agudo (MALGRAS et
tromboplastina parcial ativada (TTPa) em ní- al., 2017).
veis anormais, ausência de coágulos visíveis Com a chegada do paciente ao serviço de
durante a operação ou sangramento difuso de emergência, deve-se prosseguir com exame fí-
tecidos lesados), 3) pela acidose metabólica sico, capaz de determinar as características da
(pH < 7,2) (ROBERTS et al., 2021). lesão, e exames laboratoriais, que auxiliam na
Além disso, alguns autores incluem a avali- avaliação da resposta fisiológica a essa lesão
ação da dificuldade de se acessar os grandes va- (SARANI & MARTIN., 2021).
sos do mecanismo do trauma, da magnitude das
lesões, da probabilidade de hemorragia letal e CIRURGIA DE CONTROLE DE DA-
de lesões em órgãos específicos, como fígado, NOS
pâncreas e intestinos (ROBERTS et al., 2021). Como comentado, a abordagem cirúrgica de

38 | Página
controle de danos é feita em etapas para os pa- Mesmo que inicialmente a abordagem ci-
cientes feridos que apresentam grave compro- rúrgica de controle de danos tenha sido pro-
metimento fisiológico e que requerem uma a- posta para pacientes com ferimentos abdomi-
bordagem cirúrgica para tal. Estima-se que nais por meio da laparotomia, hoje ela se es-
cerca de 10 % dos pacientes do atendimento ao tende a todas as disciplinas cirúrgicas. O pre-
trauma necessitarão de uma intervenção cirúr- sente trabalho trará um enfoque mais detalhado
gica de controle de danos, já que há uma signi- na laparotomia, toracotomia e contenção de
ficativa melhora dos gravemente feridos e/ou danos ortopédicos, sendo que são as abordagens
em choque hipovolêmico (SARANI & mais comumente realizadas, frisando que a
MARTIN, 2021). CCD não se limita somente a elas (BENZ &
Os maiores objetivos da CCD são, primeiro, BALOGH, 2017).
interromper a hemorragia e segundo, limitar a I-Laparotomia de Controle de Danos: A
contaminação, principalmente em lesões do laparotomia no controle de danos (LCD) é uti-
trato gastrointestinal. A duração da primeira in- lizada como estratégia importante para o con-
tervenção deve ser menor que 90 minutos, ide- trole da hemorragia, da contaminação e na pre-
almente menor que 30 minutos, a fim de preve- venção da síndrome compartimental, aconteci-
nir problemas subsequentes como hipotermia, mentos estes, recorrentes no trauma. Todas es-
coagulopatias ou acidemia, o que aumentaria sas ações visam facilitar os procedimentos
em muito a morbimortalidade. Após a primeira subsequentes à ressuscitação.
e rápida intervenção, o paciente deve ter sua fi- Tal cirurgia é essencialmente explorató-ria,
siologia restaurada e estado hemodinâmico es- e exige do cirurgião agilidade na sua execução.
tabili-zado antes da abordagem definitiva ser No seu primeiro momento, é realizada a incisão
feita, caso necessária (SARANI & MARTIN, em linha média na pele, subcutâneo e fáscia,
2021). preservando o peritônio, até que toda equipe,
Esquematicamente, a abordagem cirúrgica principalmente, a anestésica, esteja preparada
de controle de danos pode ser separada em 5 fa- para perda de sangue passível de ocorrer com a
ses: abertura da cavidade (SKOVSEN et al., 2018).
1) identificação da injúria do paciente de Imediatamente após a abertura do peritô-
acordo com suas características e apresentação nio, deve-se visualizar e embalar, com com-
fisiopatológica; pressas, o abdome em seus quatro quadrantes.
2) primeira e breve abordagem cirúrgica a A ordem de embalamento deve ser do qua-
fim de conter a hemorragia e a contaminação; drante com sangramento em maior volume para
3) ainda na sala de cirurgia, uma reavali- o de menor volume. O abdome é explorado a
ação dinâmica dos parâmetros do paciente; partir do quadrante com menor sangramento,
4) restauração fisiológica continuada e su- retirando-se as compressas deliberadamente,
porte de órgãos vitais na UTI com otimização concomitante a hemostasia. Todo sangramento
hemodinâmica e correção da acidose, hipoter- ativo deve ser controlado antes de abordar qual-
mia e coagulopatias; quer contaminação. O controle da hemorragia
5) após a estabilização do paciente, a abor- ocorre a partir da ressecção de órgãos não es-
dagem cirúrgica definitiva é feita, caso neces- senciais, como o baço, e compressão daqueles
sária. essenciais, como o fígado, seguidas da ligadura
ou desvio dos vasos intra-abdominais trans-

39 | Página
seccionados. Preconiza-se o desvio de vasos gia definitiva. (SKOVSEN et al., 2018). Res-
terminais ou essenciais em detrimento a li- salta-se a importância da Tomografia Compu-
gadura, principalmente para adequada restau- tadorizada no diagnóstico e tratamento de paci-
ração da perfusão (SKOVSEN et al., 2018). entes com lesões traumáticas instáveis, que fo-
Com o controle hemostático, deve-se conter ram submetidos a uma LCD, uma vez que pos-
a contaminação através do reparo ou ressecção sibilita o reconhecimento de corpos estranhos,
de vísceras ocas. Lesões gástricas ou de baixo a distúrbios anatômicos, lesões insuspeitas e he-
médio grau nos intestinos, podem ser reparadas morragias contínuas (ALEXANDER et al.,
com rafia ou grampeadores; já as de alto grau 2019).
de intestino são comumente ressecadas. Em Apesar de apresentar-se eficaz não apenas
caso de ressecção, deve-se optar pela descon- no controle das hemorragias e contaminações,
tinuidade do intestino, otimizando o tempo de mas também na redução de coagulopatias, hi-
cirurgia e evitando possíveis complicações da potermia e acidose associadas ao trauma, as ins-
anastomose, entre elas, a deiscência, a qual se tituições de saúde devem se atentar as compli-
destaca no cenário do trauma (SKOVSEN et cações da LCD, que incluem principalmente o
al., 2018). aumento da incidência de abdomes abertos, hér-
Por fim, o fechamento abdominal temporá- nias abdominais e fístulas enterocutâneas, além
rio apresenta-se como importante estratégia dos altos custos hospitalares. Percebe-se que a
para prevenção da síndrome compartimental, LCD é uma prática cada vez mais onipresente
servindo de ponte até o manejo definitivo. Des- no trauma, mas isso não significa que seja uma
taca-se, nesse momento da laparotomia, o uso intervenção benigna. Portanto, sua prática
de curativo de pressão negativa, uma vez que requer critérios aprimorados para estratificar
permite o efluxo de fluido peritoneal, possibili- adequadamente quais as suas indicações, de tal
tando este ser contabilizado na ressuscitação forma que diminua a morbidade e a sobrecarga
com fluidos. Além disso, esses curativos propi- dos sistemas de saúde (WATSON et al., 2017).
ciam uma melhor aproximação das bordas fas- II-Toracotomia de Controle de Danos: A
ciais, o que facilita a abertura e fechamento da Toracotomia de Controle de Danos (TCD) é
cavidade, caso haja necessidade de outras lapa- uma abordagem sistematizada de um problema
rotomias. É importante destacar que o manejo complexo envolvendo o tórax do paciente trau-
ideal do fechamento cirúrgico abdominal per- matizado. Aqui o foco é direcionado ao paci-
manece controverso. O fechamento bem suce- ente em detrimento da lesão, ou seja, a TCD
dido é influenciado por diversos fatores, como objetiva o controle rápido da hemorragia e a
inflação peritoneal, volume intra-abdominal, manutenção da oxigenação do paciente, que são
aderências e retração das bordas da ferida. as maiores ameaças à vida, sendo o resto consi-
(RODRÍGUEZ et al., 2021). derado secundário (MOLNAR, 2019).
A LCD pode ser repetida se o paciente per- Assim como na laparotomia, os dois prin-
manecer instável hemodinamicamente e apre- cipais inimigos da manutenção da fisiologia
sentar possibilidade de lesão não detectada an- normal são hemorragias e infecções por perfu-
teriormente. Os parâmetros vitais são corrigi- ração de víscera oca. No trauma torácico, os
dos após a laparotomia em uma unidade de te- dois eventos mais preocupantes são exsangui-
rapia intensiva (UTI) e só depois ocorre a cirur- nação e/ou ocupação do espaço e eventos pul-
monares compressivos. Assim, o procedimento

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é realizado visando a correção imediata destas pode permitir hemostasia suficiente para fazer
afecções, nunca ultrapassando o tempo total uma avaliação lesional primária. Feita essa
estabelecido de 90 minutos (MOLNAR, 2019). avaliação, o cirurgião deve priorizar as lesões
Existem algumas indicações específicas que necessitam de um reparo definitivo e as que
para a TCD, são elas: podem vir a se beneficiar de um procedimento
1) continuação de uma Toracotomia de Res- de temporização, como o de tamponamento
suscitação inicial que resultou na retomada da (AVARO et al., 2017).
atividade hemodinâmica; Portanto, na realização da TCD, inicial-
2) hemorragia intratorácica em curso evi- mente deve-se distinguir se a lesão necessita de
denciada por hemotórax persistente após drena- reparo definitivo imediato ou se pode se bene-
gem torácica associada à instabilidade hemodi- ficiar de procedimentos provisórios de tempori-
nâmica; zação. A atenção deve ser redobrada ao tempo
3) pneumotórax persistente mesmo após de cirurgia, sendo que procedimentos mais de-
drenagem e com sinais de hipoxemia (AVA- morados podem expor o paciente já fragilizado
RO et al., 2017). à riscos que podem vir a ser fatais. Por fim, o
A abordagem cirúrgica no contexto de ponto mais importante é a exploração sistemá-
emergência é sempre anterior e com o paciente tica do hemopericárdio em busca de feridas car-
em decúbito dorsal, o que facilita o acesso do díacas, mesmo que o paciente esteja estável he-
cirurgião às cavidades pleurais, ao mediastino modinamicamente (AVARO et al., 2017).
e, caso seja necessário, ao abdome. O paciente III-Cirurgia de Controle de Danos Orto-
deve ser mantido aquecido e a técnica de exclu- pédica: A Cirurgia de Controle de Danos Orto-
são pulmonar (ventilação com um único pul- pédica (CCDO) é uma estratégia terapêutica
mão), embora facilite a cirurgia, não deve atra- que prioriza a restauração fisiológica do paci-
sar a dinâmica. Assim, o paciente pode ser man- ente em detrimento do reparo musculoesquelé-
tido em intubação orotraqueal com adminis- tico definitivo (KALINTE-RAKIS et al.,
tração de oxigênio a 100 % e feitos episódios de 2019). Podendo ser indicada tanto para múlti-
apneia sob demanda, já que com essa fração plos traumas com estado clínico insuficiente
inspirada, ele conseguirá tolerar alguns minutos para uma cirurgia corretiva complexa, como
em apneia, mas sempre articulando com a para fraturas isoladas, desde que essas tenham
equipe anestésica a fim de que o pulmão a ser o envolvimento de lesões severas de tecidos
operado esteja desinsuflado (AVARO et al., moles, lesões vasculares, fraturas expostas com
2017). contaminação bacteriana evidente, perda óssea
É útil que seja feita uma avaliação inicial sustentada ou envolvimento de articulações
sistemática e dinâmica das principais lesões na complexas (PFEIFER et al., 2021).
seguinte ordem: hemopericárdio, hemorragia Paralelo a isso, baseado em evidências clí-
do mediastino supacardíaco, hemorragia do nicas, a estabilização definitiva precoce de
hilo pulmonar, hemorragia do parênquima pul- qualquer fratura não se provou necessária e é
monar, lesão diafragmática, hemorragia da pa- potencialmente danosa. Ademais, existe o
rede torácica e feridas esofágicas. Vale ressaltar efeito prejudicial da “teoria de segundo golpe”,
que os pulmões estão ligados ao coração direito, na qual qualquer procedimento cirúrgico de
assim, uma simples compressão do parênquima correção invasivo ou prolongado faria um se-
pulmonar junto com a interrupção da ventilação

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gundo recrutamento da resposta endócrina, me- RESSUSCITAÇÃO E CONTROLE DE
tabólica e imunológica que poderia resultar em DANOS
uma disfunção de múltiplos órgãos (KALIN- Os princípios da fase de ressuscitação do
TERAKIS et al., 2019). controle de danos começam já na fase pré-hos-
A CCDO segue a mesma divisão de está- pitalar ou ainda na fase de atendimento do
gios característico de outras cirurgias de con- pronto-socorro. A ressuscitação tem como
tenção de danos: objetivo tentar limitar a perda de sangue secun-
1) Estabilização temporária da lesão, por dária e impedir o desenvolvimento da coagulo-
meio de fixador externo ou descompressão de patia. O uso dessa abordagem tem sido demons-
cavidade; trado para melhorar a mortalidade, facilitar o
2) Ressuscitação e correção homeostática fechamento abdominal de modo mais precoce,
do paciente em tratamento intensivo; diminuir os custos de saúde e diminuir o tempo
3) Estabilização definitiva da fratura de permanência. As principais finalidades do
(KALINTERAKIS et al., 2019). atendimento na UTI são: continuar a ressusci-
Dessa forma, tanto o primeiro procedimento tação do fluido, aquecer o paciente e obter
de estabilização temporária, o qual é indivi- quaisquer outros exames ou imagens que
dualizado, quanto a técnica adequada para a possam ser necessários para definir melhor a
estrutura lesada, devem ser o menos invasivo extensão total das lesões. Todas essas medidas,
possível, para minimizar a resposta imune em quando somadas com um manejo adequado das
comparação a uma estabilização definitiva. E vias aéreas e da ventilação do paciente, vão
por fim, há bem estabelecida uma janela de auxiliar na entrega de oxigênio tecidual (LEIB-
oportunidade para o procedimento seguinte, a NER et al., 2020).
qual é por volta do 4º dia pós estabilização tem- A terapia de fluidos intravenosos é admi-
porária devido ao menor impacto de um se- nistrada para alcançar a euvolemia. Estudos de
gundo trauma (KALINTE-RAKIS et al., 2019). hemorragia grave após lesão, demonstraram o
A CCDO também abrange as fraturas de benefício de sobrevivência de uma razão de
pelve e devido a sua associação com lesões de 1:1:1 de plasma, glóbulos vermelhos embala-
alta energia, há um pior prognóstico para os ca- dos e plaquetas. Isso se deve, em grande parte,
sos de fratura de pelve. A CCDO de pelve é à mitigação da coagulopatia do trauma pela
uma possibilidade, seguindo uma análise de es- administração precoce de plasma congelado
tado hemodinâmico, dano anatômico e lesões fresco e plaquetas. A transfusão de sangue inte-
relacionadas. Indicada somente em casos de gral durante hemorragia grave está sendo estu-
maior gravidade e que envolvam qualquer lesão dada como alternativa (LEIBNER et al., 2020).
instável do anel pélvico com desintegração O uso de soro fisiológico hipertônico como
associada da instabilidade do elemento poste- fluido de manutenção de baixo volume também
rior, especialmente quando há instabilidade he- foi investigado. Um estudo sugere que essa es-
modinâmica, a qual o tamponamento pré-peri- tratégia pode minimizar a sobrecarga total de
toneal tem se apresentado eficaz no controle da sódio corporal (ou seja, edema e anasarca) re-
sultando em uma maior taxa de fechamento fas-
hemorragia (KALINTE-RAKIS et al., 2019;
cial abdominal funcional durante a terceira fase
MEJIA et al., 2020).
(RIBEIRO-JUNIOR et al., 2021; SMITH et al.,
2017).

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A prevenção e/ou correção da hipotermia é meio temporário de manter o fluxo sanguíneo
um componente imperativo da ressuscitação do de artérias ou de veias gravemente lesionadas
controle de danos. A hipotermia contribui para são removidos e os vasos são reparados (podem
a tríade letal do trauma, em conjunto com o ser substituídos por enxertos de interposição ou
agravamento da acidose e da coagulopatia, cri- desviados) (RODRÍGUEZ et al., 2021).
ando um ciclo vicioso de prejuízos. Todos os Apenas então, quando possível, a fáscia
fluidos que entram no paciente devem ser aque- abdominal e os defeitos dos tecidos moles são
cidos. O ambiente, gás do ventilador, mantas de fechados. O fechamento primário da fáscia
ar forçadas e almofadas de água também devem pode não ser possível após laparotomia para re-
ser aquecidos (RIBEIRO-JUNIOR et al., 2021; paro definitivo de lesões abdominais, sendo um
SMITH et al., 2017). possível resultado o manejo do abdome aberto,
com a programação do fechamento abdominal
REPARO DEFINITIVO temporário continuado até o fechamento gra-
O pré-requisito para a reoperação para o re- dual final da fáscia ou quando outra cobertura
paro definitivo, idealmente, é o restabeleci- puder ser realizada (CIRO-CCHI et al., 2021).
mento dos parâmetros fisiológicos normais, De acordo com múltiplos relatos, a retirada
como: temperatura corporal acima de 36°C, dé- de gazes e compressas deve ocorrer entre 24 e
ficit de base > 5 mEq/L, nível de lactato normal, 72 horas após a abordagem inicial. Uma reope-
débito urinário > 50 mL/h, ausência de distúr- ração, dentro das 24 primeiras horas, oferece
bios de coagulação e ventilação bem-sucedida risco de ressangramento e de estadia prolon-
com FiO2 < 50. Geralmente a reoperação co- gada na UTI para a recuperação. Ao mesmo
meça dentro de 24 a 48 horas após intervenção tempo, a retirada tardia desses objetos aumenta
inicial. Este reparo geralmente requer a assis- a chance de complicações por infecção
tência de outros serviços cirúrgicos e pode exi- (RODRÍGUEZ et al., 2021)
gir várias operações separadas, cujo momento No caso de lesões intestinais, caso ocorra a
precisa ser debatido entre o serviço de trauma, contaminação do peritônio por conteúdo fecal,
o serviço de anestesia e os outros profissionais deverá ser implantado um esquema de antibio-
envolvidos (MOLNAR, 2019). ticoterapia abrangendo bactérias aeróbicas e
O caráter temporário e, às vezes, improvi- anaeróbicas, caso não haja sinais de conta-
sado dos procedimentos da CCD, torna a docu- minações, apenas uma dose profilática pré-
mentação extremamente importante tendo em operatória é necessária. Ademais, recomenda-
vista que corpos estranhos podem ter sido dei- se a utilização de uma sonda nasogástrica, a
xados intencionalmente na cavidade corpórea. qual tem um efeito de descompressão da bexiga
Além disso, é necessário informar os procedi- e pode servir para alimentação enteral no
mentos realizados e não realizados. A falta de período pós operatório (WEGNER, 2018).
informação pode culminar na morte do paciente Uma anastomose intestinal diferida pode
(MALGRAS et al., 2017). ser utilizada para reduzir o tempo de cirurgia e
Durante o reparo, ocorre a remoção das ga- o risco de vazamento, prevenindo maior conta-
zes e compressas colocadas para controle de he- minação peritoneal e possibilitando uma re-
morragias intensas; estruturas anatômicas em construção do trato intestinal após a estabi-
descontinuidade são anastomosadas ou externa- lização do paciente. Para a reoperação, deve-se
lizadas; shunts que foram colocados como um levar em consideração que a disfunção do trato

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gastrointestinal é o mecanismo potencial que (SARANI & MARTIN, 2021).
leva à translocação bacteriana e à sepse. No en- Um exemplo é um quadro de abdome infec-
tanto, o manejo adiado de lesões intestinais des- tado, decorrente de perfuração abdominal com
trutivas ou múltiplas é seguro e pode ser alcan- contaminação da cavidade e formação de
çado com sucesso pelo reparo da anastomose. abcesso, em que é mais indicado deixar a pa-
Esse mecanismo reduz a necessidade de osto- rede abdominal aberta, após a realização de
mia e a morbidade e sequelas associadas. A avaliação de risco/benefício, e fazer um cura-
anastomose definitiva deve ocorrer entre 24 e tivo temporário para depois realizar o fecha-
48 horas, tendo como base para a escolha no mento da fáscia, o que está associado a um me-
momento da abordagem, uma análise metódica nor risco de infecção pós-operatória e maior
das condições fisiológicas e hemodinâmicas do taxa de sucesso no procedimento (MARTIN &
SARANI, 2021)
paciente, além das variáveis locais (MAL-
Isso acontece porque o fechamento deve ser
GRAS et al., 2017).
adiado até que não haja mais contaminação,
O tempo ideal para reparação dos shunts
além da redução de edema e inflamação. O
vasculares é muito variável entre os estudos. A
tempo para isso ocorrer varia dentre os procedi-
convergência encontra-se na janela temporal
mentos ao qual o paciente foi submetido e o lo-
entre 2 e 52 horas após a abordagem inicial, sem
cal da ferida. Um exemplo é a cranioplastia re-
a necessidade de anticoagulantes. Entretanto, o
alizada após craniectomia descompressiva de-
manejo definitivo precoce da lesão vascular
vido a um quadro de edema cerebral, a qual só
deve ser uma prioridade e o período mais se- deve ser realizada após a redução deste, o que
guro para a retirada do shunt vascular seria as leva, geralmente, seis a oito semanas
primeiras 6 horas após a cirurgia inicial (MARTIN & SARANI, 2021).
(MALGRAS et al., 2017).
Para o fechamento da parede abdominal, o CONCLUSÃO
consenso é de incluir o uso de estratégias como
terapias de pressão negativa ou tração fascial A rápida abordagem de pacientes com feri-
dinâmica para evitar a retração tecidual, e de mentos graves e comprometimento fisiológico
um fechamento precoce, preferivelmente entre faz com que a CCD seja responsável por uma
5 ou 7 dias após a primeira operação (MAL- diminuição importante da mortalidade em trau-
GRAS et al., 2017). mas graves. A CCD tem também um papel
importante na redução da resposta inflamatória
FECHAMENTO TARDIO DA FERIDA ao trauma e na ressuscitação volêmica, a fim de
A fase final, ou fase 4 do tratamento, é o fe- proteger o paciente do estado de exaustão fisio-
chamento de feridas abdominais, cavidade torá- lógica. Em comparação com técnicas mais an-
cica ou cobertura de outros tecidos moles de lo- tigas, a CCD mostra reduções significativas na
cais como estruturas ósseas ou neuro-vascula- morbidade e mortalidade dos casos. No entanto,
res, que não puderam ser obtidas durante a fase essa prática ainda carece de altos níveis de evi-
de reparo definitivo. Com isso, requerem cirur- dência, sendo apresentados apenas estudos de
gia reconstrutiva complexa, a qual é postergada caso e observacionais sobre a abordagem da
até haver recuperação completa das lesões CCD.

44 | Página
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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PFEIFER, R. et al. Indications and interventions of v.89, p. 118-127, 2018.

45 | Página
CAPÍTULO 6
TRAUMA RAQUIMEDULAR:
DIFERENÇA ENTRE ABORDAGEM
ADULTA E PEDIÁTRICA
Palavras-chave: Trauma raquimedular; Lesão medular em crianças; Abordagem
ao paciente politraumatizado

DIOGO VARELA MAIA1


ALINE RABELO RODRIGUES2
ANA MONIZE RIBEIRO FONSECA3
CAROLINA CARMONA PINHEIRO MACHADO4
CINTIA MORAIS VIEIRA2
DANIELLY MAXIMINO DA ROCHA5
GABRIEL BAGAROLO PETRONILHO5
GABRIEL RAMOS MACEDO MORAES2
GEORGE AUGUSTO BARROS E MATOS2
GIOVANA ROCHA QUEIROZ2
GIOVANNA BENHUR DE BORBA2
JOÃO VICTOR CARVALHO DA PAZ6
KASSYA ALVES DE ANICÉSIO2
PAULA HORRANA ALMEIDA ALVES2
VALDECIR BOENO SPENAZATO JÚNIOR7
1
Docente – Departamento de Neurocirurgia do Instituto Doutor José Frota de Fortaleza
2
Discente – Graduando em Medicina da Universidade Federal Jataí
3
Discente – Graduando em Medicina da Universidade Tiradentes
4
Discente – Graduando em Medicina da Universidade de Fortaleza
5
Discente – Graduando em Medicina do Centro Universitário Fundação Assis Gurgacz
6
Discente – Graduando em Medicina da Universidade CEUMA
7
Discente – Graduando em Medicina da Universidade do Vale do Sapucaí

46 | Página
INTRODUÇÃO O perfil epidemiológico do trauma raqui-
medular (TRM) é bastante variável em termos
O trauma raquimedular (TRM) é uma agres- de etiologia. Entretanto, em relação ao sexo e à
são à medula espinhal que pode ocasionar da- faixa etária, é mais comum em homens
nos neurológicos, tais como alterações da fun- (81,21%) entre 20 a 40 anos. A lesão mais co-
ção motora, sensitiva e autônoma. Tal insulto mum é a completa com 52,28 % e 25 % dos
ao sistema nervoso central é uma importante pacientes com lesão medular (LM) tem algum
causa global de morbidade e mortalidade e se- insulto cerebral leve (CIRINO et al., 2018).
gue uma tendência de aumento em frequência Segundo o ATLS (2018), 55 % das lesões
(HOFER & SCHWAB, 2019). Acidentes auto- medulares são na região cervical, 15 % na
mobilísticos, queda de altura, acidente por mer- torácica, 15 % na toracolombar e 15 % na lom-
gulho em água rasa e ferimentos por armas de bossacra.
fogo têm sido as principais causas de TRM. Em Os pacientes pediátricos correspondem a
geral, os déficits funcionais e alterações em 5% das LM, e destas, 70 % são na cervical e
longo prazo, variam de acordo com a área da concomitante com alguma lesão encefálica,
coluna vertebral que foi afetada, com as seque- corroborando com a alta taxa de mortalidade e
las mais limitantes ocorrendo em decréscimo da a diminuição da qualidade de vida (RAVIN-
coluna cervical para a lombar (PHTLS, 2020). DRA & BROCKMEYER, 2017).
Traumas medulares são classificados em le- O objetivo deste estudo foi atualizar e cons-
sões completas e incompletas. A primeira afeta cientizar sobre a distinção de abordagens e cui-
ambos os lados do corpo e resulta na perda total dados entre pacientes adultos e pediátricos di-
de todas as funções, incluindo movimentos e ante um TRM.
sensibilidade no nível ou abaixo do nível da le-
são. Já nas lesões incompletas ocorre lesão me- MÉTODO
dular sem perda completa da função neuroló-
gica. Movimento, sensibilidade, ou ambos são
Para esse capítulo foi realizada uma revisão
preservados, mas podem ser assimétricos nestes de literatura nas bases de dados PubMed, Sci-
pacientes (PHTLS, 2020). elo, LILACS, MedLine e Google Acadêmico,
Lesão raquimedular geralmente resulta em utilizando os descritores “traumatismo ra-
incapacidade significativa em longo prazo, pois quimedular”, “abordagem do trauma raquime-
causa déficit funcional dos membros superiores dular” e “trauma raquimedular pediátrico”, fil-
e inferiores, do intestino, da bexiga e da função trando somente os artigos disponíveis em texto
sexual (KARSY & HAWRYLUK, 2019). Ade- completo e publicados até 2021, sem distinção
mais, o acometimento conjunto de raízes nervo- de língua. Foram excluídos estudos que não
sas e dos nervos periféricos aumenta o risco de possuíam como enfoque a abordagem ao TRM,
potenciais complicações, dentre elas: choque trabalhos repetidos, editoriais e comentários.
medular, choque neurogênico, trombose venosa Os livros “Tratado de Neurocirurgia” (2016),
profunda, bexiga neurogênica, intestino neu- “Manual de Neurocirurgia” (2017), “ATLS”
rogênico, espasticidade, úlceras por pressão, (2018), “PHTLS” (2020), “CURRENT Emer-
pneumonia, alterações psicossociais e outras in- gências Pediátricas: Diagnóstico e Trata-
fecções (SOUSA et al., 2013). mento” (2016), “Textbook of Pediatric Neuro-
surgery” (2017); e os protocolos do Ministério

47 | Página
da Saúde “Diretrizes de Atenção à Pessoa com marcado pela tríade hipotensão, bradicardia e
Lesão Medular” (2013) e “Protocolo de Suporte vasodilatação e, sempre considerar uma lesão
Avançado de Vida” (2014) foram julgados re- medular até que seja provado o contrário. Após
levantes e incluídos na escrita do capítulo. estabilização, o paciente com TRM deve ser
transferido de forma rápida para centros que
RESULTADOS E DISCUSSÃO ofereçam os cuidados adequados para esse tipo
de lesão (PHTLS, 2020; ARRIAGADA et al.,
TRAUMA RAQUIMEDULAR NO 2020).
ADULTO Dentro da unidade hospitalar, o paciente é
• Abordagem Inicial encaminhado para a sala de emergência, onde é
O manejo inicial do TRM começa logo no retirado em bloco da prancha, acomodado na
local do acidente com o atendimento pré- maca, reavaliado e conduzido de forma ade-
hospitalar, em que é feito o XABCDE do quada por especialistas. Na reavaliação, são uti-
trauma, ou seja, o X relativo às exsanguinações, lizados os Padrões Internacionais para Classifi-
o A (Airway) referente às vias aéreas, o B cação Neurológica de Lesão da Medular da
(Breathing) relativo a respiração, o C (Circula- ISCoS (International Spinal Cord Society)
tion) relativo a circulação, o D (Disability) (Figura 6.1) que analisa a função sensitiva por
relacionado ao estado neurológico e o E (Expo- estímulo dos dermátomos e a função motora pe-
sure) relativo a exposição do corpo do paciente. los miótomos. Em seguida procede-se à avalia-
Em um primeiro momento, é preciso obter a ção radiológica com radiografia simples, tomo-
segurança da cena e de quem está prestando os grafia computadorizada (TC) e, em alguns ca-
devidos cuidados pré-hospitalares, e então sos, ressonância magnética (RM) (RYKEN et
fornecer uma avaliação primária. Diante de um al, 2013).
paciente com suspeita de lesão medular, é
preciso fazer a sua estabilização externa, de Figura 6.1 Padrões Internacionais para Classi-
ficação Neurológica de Lesão da Medular.
modo que a cabeça seja elevada para uma
posição neutra até o momento de colocar o
colar. É importante verificar a capacidade
motora do paciente, a resposta a estímulos, a
circulação nos membros, examinar o pescoço,
medir e colocar o colar cervical adequado
(PHTLS, 2020).
O paciente deve ser colocado em uma
prancha ou em um dispositivo que impeça sua
movimentação; sua cabeça precisa ser amorte-
cida, os braços e pernas imobilizados e estabili-
zada a coluna sobre a prancha. Importante
sempre movimentar o paciente em bloco.
Atenção ainda para a possibilidade de lesões Fonte: Badawy, 2016
secundárias e de acometimento neurológico
mais extenso. Além disso, é preciso ter cuidado A radiografia permite confirmar e identifi-
com a possibilidade de um choque neurogênico, car o nível da lesão na grande maioria dos ca-

48 | Página
sos, sendo recomendada em duas projeções: an- colete, a fim de avaliar o alinhamento da coluna
teroposterior (AP) e lateral. A TC consta com e recuperação da lesão (PRANDINI et al.,
reconstrução 3D óssea, que permite detalhar a 2002; BOSCO et al., 2004).
lesão. Já a RM é utilizada em casos secundários, O tratamento em longo prazo é direcionado
raro em âmbito de emergência, por seu alto à reabilitação física dos membros acometidos
custo e pouca disponibilidade (RYKEN et al, neurologicamente, suporte clínico para compli-
2013). cações comuns que ocorrem na imobilização ou
fraqueza prolongada, como úlceras de estresse
• Manejo e tratamento do adulto e prevenção da trombose venosa profunda
o Tratamento de urgência (TVP). A reabilitação é multiprofissional com a
Após a abordagem inicial, o próximo passo participação de fonoaudiólogos para ajudar nas
é a neuroproteção, visando o manejo hemo- dificuldades de deglutição e fala que ocorrem
dinâmico para manter ou melhorar a perfusão nas lesões cervicais altas, bem como fisiotera-
do tecido neural. Assim, é feita a correção da peutas para o fortalecimento muscular, exercí-
hipotensão arterial o mais rápido possível, cios de alongamento, treinamento de marcha e
mantendo uma pressão arterial média (PAM) terapeutas ocupacionais que focam no redesen-
entre 85 e 90 mmHg nos primeiros 7 dias após volvimento das habilidades motoras, programas
o trauma (RYKEN et al., 2013). Na possibili- de controle de bexiga e intestino, higiene, entre
dade de Choque Neurogênico, a reposição outros. Outros profissionais incluem psicólo-
volêmica isolada pode não restaurar os níveis gos, enfermeiros, assistentes sociais, nutri-
pressóricos, sendo necessária a utilização de cionistas, educadores físicos e conselheiros vo-
drogas vasoativas, após exclusão de outras cacionais (PRANDINI et al., 2002; BOSCO et
fontes de sangramento (BRASIL, 2014). As al., 2004).
fraturas toracolombares são tratadas inicial-
mente com repouso no leito e mudança em o Tratamento cirúrgico
bloco de decúbito até o tratamento cirúrgico Os casos cirúrgicos são tratados após
definitivo (BRASIL, 2013). Aproximadamente classificação (usualmente da AO Spine) com a
10 % dos pacientes com TRM em um nível técnica adequada, após estabilização clínica do
cervical terão também lesão em outro nível não paciente. As descompressões de urgência são
contíguo (ATLS, 2018). reservadas aos quadros de déficit parcial que
apresentem piora progressiva, geralmente
o Tratamento conservador avaliada pela Escala de Deficiência da ASIA
Os pacientes que apresentam fraturas (American Spinal Injury Association) (Tabela
estáveis e sem déficit neurológico são tratados 6. 1) (BRASIL, 2013).
conservadoramente. O tratamento conservador
deve incluir repouso no leito com o uso de anal- TRAUMA RAQUIMEDULAR PEDIÁ-
gésicos e relaxantes musculares não opióides. TRICO
Com a melhora da dor, o paciente poderá sentar • Abordagem inicial
e se locomover utilizando um colete para sus- Segundo o ATLS (2018), a abordagem ini-
tentação por tempo determinado pelo especi- cial da criança é a mesma do adulto com a res-
alista. Este determinará o acompanhamento salva das diferenças anatômicas em crianças de
radiológico antes, durante e após a retirada do até 12 anos de idade e, como já dito, a maior
prevalência em lesões cervicais. As crianças

49 | Página
possuem a cabeça mais pesada e maior em posição neutra para prevenir qualquer dano
relação ao tronco, a musculatura cervical é mais futuro, assim como no adulto. Porém, há a
fraca, há maior flexibilidade ligamentar nessa questão do ratio cabeça-tronco aumentado, que
área, como também ossificação incompleta dos requer maior atenção do médico no posiciona-
processos odontoides e ausência do processo mento da cabeça, fazendo-se necessário com-
uncinado da vértebra em crianças < 10 anos. pensação da flexão normal na criança elevando-
Com isso, o paciente pediátrico tem menor pro- se o tronco, principalmente em menores de 8
pensão a sofrer injúria medular e maior para le- anos (RAVINDRA & BROCKMEYER, 2017).
sões ligamentares (BADAWY, 2016). Entre- Essa imobilização da criança, que deve ser
tanto, as lesões de cervical superior (occipital- mantida desde a cena de acidente até que a
C2) são muitas vezes acompanhadas de trauma- criança seja totalmente assistida no serviço de
tismo cranioencefálico e possuem maior taxa de emergência, pode contar com o colar cervical,
mortalidade, pois podem provocar parada car- blocos, bolsas e fitas, além da prancha, para
diopulmonar por proximidade bulbar (SIQUE- manter a segurança e estabilidade (COPLEY et
IRA, 2016). al., 2019).
Em relação à imobilização do paciente
pediátrico é necessário que este fique em

Tabela 6.1 Escala de Deficiência da American Spinal Injury Association

Não existe função motora ou sensitiva nos segmentos medulares abaixo da lesão,
A: Lesão Completa
incluindo os segmentos sacrais.
B: Lesão Sensitiva
Sensibilidade preservada, sem função motora abaixo do nível neurológico.
Incompleta
Função motora preservada abaixo do nível da lesão com a maior parte dos
C: Lesão Motora
músculos-chave abaixo do nível neurológico apresentando um grau de força menor
Incompleta
que 3.
D: Lesão Motora Função motora preservada abaixo do nível da lesão com grau de força muscular
Incompleta maior ou igual a 3.
E: Função Normal Função motora e sensitiva preservadas.
Fonte: Adaptado de Advanced Trauma Life Support, 2018.

• Manejo e tratamento pediátrico cípios cardinais no manejo de qualquer paciente


traumatizado. Na criança, apneia, parada car-
Todas as crianças com lesão na medula diorrespiratória ou hipotensão grave podem
espinhal devem ser transferidas para um centro resultar da maior incidência de lesões na região
de trauma pediátrico o mais breve possível e, cervical alta (MORTAZAVI et al., 2011).
independentemente do grau de comprometi- Segundo o ATLS (2018), se há dúvida sobre a
mento neurológico, devem ser conduzidas como integridade da coluna cervical ou da medula
um politraumatizado, uma vez que 43 % dos espinhal, deve-se assumir que existe uma lesão
pacientes com lesão da medula espinal também instável e limitar o movimento da coluna. O
têm outras lesões traumáticas associadas. O ATLS sugere, ainda, que uma pequena flexão
estabelecimento de uma via aérea, ventilação cervical ou elevação do tronco em uma pole-
adequada e suporte cardiovascular são prin- gada, pode diferenciar uma lesão espinhal de um

50 | Página
desfecho mais simples, como uma pseudosub- ou lesão medular detectada em outros exames
luxação. de imagem, assim como naqueles pacientes com
persistência de dor axial mesmo sem evidência
• Exames de Imagem de lesões na radiografia simples e tomografia,
O ATLS (2018) traz que a radiografia sim- pela possibilidade de lesão ligamentar. Durante
ples deve ser usada como modalidades de tria- a realização do exame, algumas crianças, sobre-
gem de rotina para avaliação da coluna cervical tudo as mais jovens, podem precisar de aneste-
pediátrica, ficando a TC e a RM em segundo sias ou sedações leves para prevenir artefatos de
plano. A TC expõe o paciente pediátrico a índi- movimento (GOPINATHAN et al., 2018;
ces maiores de radiação, aumentando as chances COPLEY et al., 2019).
de complicações em longo prazo advindas dessa Muitos TRM pediátricos da coluna podem
exposição (COPLEY et al., 2019). Porém, a re- ser tratados com imobilização por sistemas, ou
alização de TC em pacientes pediátricos é indi- órteses cervicais rígidos ou macios como: Halo
cada quando há suspeita de deslocação do tipo vest, colar duro, Minerva, entre outros.
atlanto-occipital, sendo norteada por nível I de (DAMASCENO et al., 2010). O sistema macio
evidência (ROZZELLE et al., 2013). A RM é a não imobiliza; sua função é prioritariamente
melhor modalidade de exame de imagem para lembrar o paciente de reduzir seus movimentos.
identificar danos ligamentares e medulares, os Já os rígidos são de fixação e, em pacientes pe-
quais podem passar despercebidos pela TC. É diátricos, é mais propenso complicações, como
particularmente útil quando a criança está em infecção no local do pino, afrouxamento do
obnubilação ou não apresenta resposta verbal e pino, perfuração da dura-máter, lesão de nervos
em casos em que não há clareza a respeito de cranianos e cicatrizes. Além disso, há um efeito
lesão medular ou cervical em até 72 horas psicossocial sobre a criança por causa do uso
(BOOTH, 2012). A RM demanda muito tempo desses dispositivos (GREENBERG, 2017).
na aquisição de imagens e não é apropriada para
pacientes instáveis ou durante a fase de ressus- • Tratamento cirúrgico
citação e estabilização. A abordagem cirúrgica de descompressão
A busca por lesões associadas, tanto preco- medular é efetiva na redução de danos secundá-
ces quanto tardias, deve ser sistematizada e feita rios do TRM, mais especificamente por edema
repetidas vezes durante o atendimento. É pre- e isquemia. Geralmente, a descompressão de
ciso atentar-se ao fato de que as crianças podem
urgência é realizada após a estabilização de pa-
ter Lesão Medular Sem Evidência de Anormali-
cientes com ressecções incompletas da medula
dade Radiológica (LMSEAR, do inglês
com compressão extrínseca. Os princípios ge-
“SCIWORA”: Spinal Cord Injury Without Ra-
rais do tratamento cirúrgico de pacientes com
diological Alterations) em maior frequência que
TRM são: descompressão do sistema nervoso,
os adultos (PANG, 1989). A suspeita de
medula e raízes; alinhamento da coluna verte-
LMSEAR deve permanecer até mesmo em caso
bral para permitir estabilização; estabilização da
de fortes dores na região inferior da coluna ou
coluna vertebral para permitir o apoio do paci-
membros, e presença de disfunções neurológi-
cas transitórias, destacando a necessidade de ente e reduzir deformidades; início da reabi-
fazer RM em todos os pacientes que tiveram sin- litação o mais precoce possível (BENZEL,
tomas ou déficits neurológicos ao exame físico 1993). A cirurgia precoce permite mobilização

51 | Página
precoce e reabilitação. Esses pacientes devem ser abordados pronta-
A fixação interna cirúrgica pode ser neces- mente por uma equipe capacitada e transferidos
sária. Esta proporciona estabilidade e proteção aos centros especializados para avaliação neuro-
para a medula espinhal em longo prazo. As indi- lógica funcional da medula.
cações incluem deformidades não redutíveis, le- As etapas iniciais incluem seguir o proto-
sões instáveis que requerem estabilização, de- colo ATLS mais recente e avaliar o paciente
formidade progressiva e descompressão da es- quanto a potenciais lesões secundárias. As le-
trutura neural. Com os avanços nos sistemas e sões medulares e suas sequelas são tratadas por
técnicas de fixação, novas propostas cirúrgicas uma equipe multiprofissional que inclui cirur-
foram introduzidas para resolução dos TRM giões de trauma, médicos de emergência, enfer-
(MORTAZAVI et al., 2011). meiros, neurologistas, neurocirurgiões, cirur-
giões ortopédicos, médicos de cuidados in-
tensivos, fisioterapeutas, psicólogos e terapêu-
• Tratamento conservador
tas ocupacionais.
O tratamento conservador é semelhante ao
Em relação às crianças, sabe-se de suas
do adulto, levando em consideração o tipo de
peculiaridades no manejo, mas o tratamento é o
lesão, nível, déficit neurológico e necessidade
mesmo do adulto. A evolução clínica nestes
de intervenção cirúrgica. De forma geral, as
pacientes é significativamente melhor do que
crianças têm melhores resultados de recupe- para os adultos, mesmo com o tempo de recu-
ração neurológica do que os adultos com lesão peração prolongado. Aqueles com apresen-
medular (WANG et al., 2004). tação de déficits neurológicos graves, podem ter
déficits residuais mesmo após a recuperação
CONCLUSÃO completa. Danos cerebrais podem ser causados
por danos secundários à lesão medular e podem
O politraumatismo e a violência são as ser evitáveis.
principais causas de TRM em adultos e crianças.

52 | Página
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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53 | Página
CAPÍTULO 7
ABORDAGEM AO TRAUMA DE
FACE: RECONHECIMENTO E
TERAPÊUTICA
Palavras-chave: Traumatismos faciais; Lesões faciais; Fraturas
Maxilomandibulares; Trauma Psicológico

PAULO VITOR CARVALHO DUTRA ¹


ALINE OTONI MESQUITA1
CAROLINA BRAGANÇA E SILVA1
ESTHER CARDOSO DOS SANTOS SOUZA1
GABRIEL BARCELOS DE FREITAS2
GUSTAVO HENRIQUE RASSI MAHAMED DAHER3
GUSTAVO URZÊDA VITÓRIA1
IARGRAM LEITE PEREIRA1
LAYNE MENDONÇA SCHMITT1
LUÍS GUILHERME RASSI MAHAMED DAHER4
MARÍLIA LOIOLA CARDOZO1
PEDRO HUMBERTO GUIMARÃES ALVES1
WEBERTON DORÁSIO SOBRINHO2
YANA MAÍLLA PAMPLONA COSTA1

1
Discente – Medicina na Universidade de Anápolis
2
Discente – Medicina na Universidade de Rio Verde - Campus Goianésia
3
Discente – Medicina na Pontífica Universidade Católica de Goiás – Goiânia
4
Discente – Medicina na Universidade Federal de Goiás – Campus Goiânia

54 | Página
INTRODUÇÃO contra acidentes com automóveis, mostrou-se
minimizar possíveis traumas de face. Ademais,
O trauma de face é entendido como algum pode-se, ainda, citar a violência como principal
tipo de agressão decorrente na região facial, causa de fratura de face (ZAMBONI et al.,
compreendendo situações que se associam a 2017).
complicações tanto em regiões ósseas, po- Ao avaliar o trauma facial dentro do setor
dendo ocasionar fraturas, como também em es- de emergência, é importante que o profissional
truturas adjacentes, podendo citar tanto tecido de saúde esteja alerta sobre as complicações do
gorduroso, tecido muscular, e estruturas inter- trauma, sendo necessário a avaliação de vias
nas, valendo ressaltar que essa região facial, en- aéreas, a respiração do paciente, como também
contra-se em alta exposição a possíveis traumas a circulação, valendo ressaltar a gravidade que
(LUZ et al., 2017). Macedo e colaboradores pode ocorrer com complicação de via aérea, de
(2008), relatam em seu estudo, que a Orga- tecidos internos do crânio e também da coluna
nização Mundial de Saúde (OMS), refere que o cervical (CHUKWULEBE et al., 2019).
trauma de face é uma das causas mais relevan- Na abordagem desse tipo de trauma, um
tes de morte e morbidade no mundo. exame muito importante é a tomografia compu-
Ao citar possíveis causas, há uma maior tadorizada multidetectores. Tal exame de ima-
predominância desse tema em uma população gem influencia na avaliação de fraturas e de
de faixa etária jovem e do gênero masculino. O partes moles decorridas do trauma facial, auxi-
fator associado à questão de trauma de face está liando para uma avaliação mais correta do qua-
a prevalência da violência. Por outro lado, ao dro do paciente, como também se haverá neces-
avaliar uma faixa etária em outro extremo, sidade de abordagem cirúrgica (RO-SELLÓ et
como no caso de idosos, um dos principais me- al., 2020). Ainda, Macedo e colaboradores
canismos associados a esse tema são as quedas (2008), ressaltam que o procedimento cirúrgico
(MOURA et al., 2016). Além disso, segundo demonstra melhores resultados se realizados
CHUKWULEBE e colaboradores (2019), cerca precocemente, tendo como objetivo, a volta do
de 400 000 consultas no Pronto – Socorro, nos paciente às atividades do cotidiano.
EUA, são por fraturas faciais sendo uma das Uma associação de diversas disciplinas
principais causas as colisões em acidentes auto- dentro da área da saúde, constituem a aborda-
mobilísticos. Um estudo promovido por Silva e gem do trauma facial. Alterações neurológicas,
colaboradores (2011), demonstrou que dos 194 oftalmológicas e ósseas podem estar presentes,
casos de traumas faciais em Fortaleza – CE, necessitando assim de uma associação multi-
cerca de 80,4 % foram homens, com uma média disciplinar. Além disso, o trauma de região de
de idades de 30 – 35 anos. Além disso, os trau- face não está apenas retido em complicações es-
mas relacionados a acidentes de trânsito foram truturais, podendo estar relacionada a compli-
prevalentes, tendo como principal os acidentes cações emocionais para o indivíduo (SILVA et
com motociclistas, seguido de violência inter- al., 2011). Desse modo, o objetivo desse estudo
pessoal. foi analisar e compreender como as diversas
Dentro ainda das possíveis causas, a pre- especialidades atuam para detectar e tratar os
sença de acidentes com automóveis também traumas de face.
está presente. Sendo assim, a vigilância mais
severa no intuito de fornecer maior segurança

55 | Página
MÉTODO No que concerne a faixa etária, foi possível
perceber que os estudos selecionados defende-
ram a faixa etária mais acometida sendo entre
Trata-se de uma revisão integrativa, de na-
19 e 40 anos, com média de 30 anos para o sexo
tureza exploratória, com o objetivo de reunir
masculino e 40 anos para o sexo feminino. Em
evidências sobre a traumatologia de face, des-
crianças e adolescentes as quedas foram o
crevendo as análises, sínteses e avaliações dos
agente etiológico mais prevalente. A faixa etá-
resultados.
ria de maior acome-timento foi de 1 a 4 anos.
Foi feita uma seleção, estudo e apreciação
Houve prevalência entre o sexo masculino, e a
de um conjunto selecionado de 18 artigos, em lesão coronária dentária ocorreu na maioria das
línguas inglesa e portuguesa, publicados entre crianças. Além disso, foi possível notar que as
os anos de 2004 e 202. Utilizando como bases fraturas faciais pediátricas ocorrem mais comu-
de dados, a Biblioteca Eletrônica Científica On- mente ao ar livre durante os meses de verão, e
line (Scielo), o Sistema de Análise e Recupera- as lesões mais frequentemente associadas são
ção de Literatura Médica Online (Medline), a de natureza neurológica. No que concerne aos
Literatura Latino-Americana e do Caribe em adolescentes, percebeu-se que a mandíbula é a
Ciências da Saúde (LILACS). Os Descritores estrutura mais comumente fraturada, enquanto
em Ciências da Saúde (DECS foram: “trauma- crianças de 0 a 11 anos apresentam mais comu-
tismos faciais” e “lesões faciais”. mente fraturas orbitárias.
Em crianças muito pequenas, a protrusão
RESULTADOS E DISCUSSÃO frontal do crânio e a retrusão relativa da face
geram maior risco de fratura de crânio do que
Utilizando os descritores “traumatismos fa- de fratura facial por trauma frontal contuso; o
ciais” e “lesões faciais”, foram encontrados um crânio absorve toda a força do impacto inicial,
total de 109 artigos nas bases de dados Lilacs, “protegendo” assim o rosto. Com o aumento da
Scielo e PubMed. Considerando os critérios de idade e do desenvolvimento fisiológico, a face
inclusão, 21 foram selecionados nas bases de sofre uma projeção para baixo e para frente,
dados. Os estudos empíricos foram analisados com o terço médio da face e a mandíbula se
em função dos seguintes aspectos: sexo, faixa tornando mais proeminentes. A proporção crâ-
etária, local e causas do trauma facial. Com re- nio-face é de 8:1 no nascimento e 2,5:1 na idade
lação ao sexo, apenas 2 artigos relataram asso- adulta: o tamanho do crânio quadruplica do nas-
ciação negativa para o sexo masculino, como cimento à idade adulta, enquanto a face sofre
sendo o principal acometido em acidentes com um aumento de 12 vezes. As crianças têm maior
fraturas faciais. Os demais artigos associaram resistência a fraturas faciais e maior suscetibili-
positivamente o sexo masculino com os trau- dade a fraturas em galho verde do que os adul-
mas faciais. Vale ainda mencionar que alguns tos, em parte por causa da estrutura óssea no es-
dos estudos selecionados apontaram como prin- queleto facial pediátrico (Figura 7.1). A abun-
cipal fator etiológico para os traumas faciais a dância de cartilagem e osso esponjoso, baixa
agressão física. Para outros autores, o principal mineralização e córtex subdesenvolvido, jun-
agente etiológico foram os acidentes de trân- tamente com as linhas de sutura mais flexíveis
sito, sendo os mais prevalentes aqueles envol- e junção corticomedular indistinta, conferem
maior elasticidade e flexibilidade ao esqueleto
vendo motocicletas e carros de passeio.
facial pediátrico. A espessa camada de tecido
56 | Página
adiposo que cobre grande parte do esqueleto também ajudam a proteger esses ossos
facial pediátrico e as almofadas de gordura que (MUKHERJEE & MUKHERJEE, 2012).
circundam os maxilares superiores e inferiores

Figura 7.1 Fratura mandibular em galho verde

Legenda: Seta branca apontando local da fratura. Fonte: Braun et al., 2017

Quando crianças com fraturas faciais são di- resultar em comprometimento do crescimento
vididas em cortes de idade com base em está- ósseo e diferenças faciais permanentes se a
gios de desenvolvimento, diferentes padrões de criança for mais jovem no momento da lesão,
lesão foram revelados. Para todas as crianças de tiver lesões mais graves e precisar de cirurgia
0 a 18 anos, as fraturas faciais são mais comuns mais extensa. As fraturas faciais centrais podem
em homens do que em mulheres, e a frequência resultar em hipoplasia maxilar, complicações
de fraturas pediátricas aumenta com a idade. As periorbitárias e telecanto (BRAUN et al.,
fraturas faciais pediátricas ocorrem mais 2017).
comumente entre 12 e 18 anos de idade, quando Para crianças, é aconselhável tratar de for-
os adolescentes ganham mais independência, ma conservadora para evitar distúrbios de cres-
começam a dirigir e a praticar esportes de cimento, usando manipulação mínima. O trata-
contato. As fraturas nessa faixa etária são mais mento deve ser não invasivo, sempre que possí-
comumente causadas por violência, seguidas vel e, quando a cirurgia for necessária, o proce-
por lesões relacionadas ao esporte. Por fim, foi dimento menos invasivo e os dispositivos me-
capaz de notar que o trauma pediátrico grave do nos intrusivos (por exemplo, o menor número
terço médio da face tem maior probabilidade de

57 | Página
de placas) devem ser usados. A intervenção ci- face. Essa alteração na imagem corporal reduz
rúrgica bucomaxilofacial é indicada apenas a autoestima dessas pessoas e aumenta suas
para o reparo de fraturas severamente desviadas chances de desenvolver transtorno de estresse
e cominutivas que possam causar comprometi- pós-traumático (TSPT) em até 7 semanas após
mento funcional, deformidade estética ou am- o trauma. Dentre 50 pacientes avaliados pela
bos. Fraturas não deslocadas, minimamente Escala de Depressão e Ansiedade Hospitalar e
deslocadas e em galho verde geralmente são pela Escala de Impacto de Eventos, 27 % apre-
tratadas de forma conservadora (MUKHERJEE sentaram maior chance de desenvolverem
& MUKHERJEE, 2012). TSPT. Além disso, 95 % da amostra teme pelo
Tratando-se da faixa etária geriátrica, o futuro de suas famílias devido a sua desfigura-
trauma de face é uma importante causa de mor- ção, e 26 % acreditam que sua desfiguração
bimortalidade em idosos, podendo ser conside- culminará na perda de seu emprego. Observa-
rado como uma das lesões mais fatais, devido a se que o aumento do consumo de álcool, pro-
sua proporcionalidade agressiva. Comumente, blemas conjugais e desemprego são problemá-
a trama óssea, com o aumento da idade, dimi- ticas comuns em até 9 meses pós trauma facial.
nui, as trabéculas tornam-se mais delgadas e au- Indivíduos com fratura de mandíbula costumam
mentam as lacunas de reabsorção, culminando desenvolver, em um período de 3 meses, o
na perda das estruturas de suporte do osso alve- sofrimento psicológico, a depressão e a ansi-
olar. Junto ao osso alveolar encontra-se o ce- edade. Dentre os indivíduos que possuem maior
mento, que também passa pelo mesmo processo risco de desenvolverem um problema psicoló-
de desgaste, com alterações habituais a outros gico pós-trauma facial estão os com doença psi-
tecidos do corpo, tais como a osteoporose. Com quiátrica pregressa, sem apoio familiar, com
a reabsorção diminuída, proporcionada pelo au- culpa do sobrevivente, com assuntos relaciona-
mento da idade, o osso resulta em uma porosi- dos ao litígio, dependentes da etiologia do
dade maior devido a redução da mineralização. trauma, com situação socioeconômica desfavo-
Dessa forma, o trauma de face em pessoas ido- rável e com outros membros da família envol-
sas é motivo de relevante preocupação, pois, vidos no evento traumático (SAHNI, 2018).
além do sofrimento em si, tem-se, na maioria No intuito de evitar grandes deformidades e
dos casos, a presença de comorbidades fisioló- maiores repercussões psicológicas, lesões faci-
gicas inerentes ao envelhecimento, as quais in- ais devem ser manuseadas com bastante cau-
terferem na escolha do tratamento para as fratu- tela. No entanto, quando a vida é ameaçada pela
ras faciais. Existe ainda a elevada presença de magnitude da lesão, a reconstrução cuidadosa
doenças sistêmicas de pessoas nessa faixa etá- de trauma facial grave pode e deve ser tempo-
ria, o que pode afetar a cicatrização, aumen- rariamente afastada enquanto a condição física
tando, assim, a taxa de morbidade e compli- geral está estabilizada. A deformidade é aceita
cações que levam a um maior tempo de intern- como um mal necessário, com a percepção de
ação (SILVA et al., 2019). que a reconstrução pode ser feita em data pos-
Ainda sobre o estado psicológico do indiví- terior. Vale ressaltar que as lesões dos tecidos
duo, o trauma facial, independentemente de sua moles são classificadas em escoriações, contu-
causa e extensão, acaba afetando esse aspecto sões, lacerações, mordidas, queimaduras de vá-
individual devido à resposta social negativa rios graus e feridas avulsivas. Os ferimentos dos
gerada pela alteração, mesmo que mínima, da tecidos moles da face assumem um papel de

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destaque no atendimento a pacientes politrau- lência e as quedas. O grupo mais afetado de in-
matizados nas emergências, já que podem com- divíduos possui idade no intervalo de 20 a 29
prometer definitivamente a vida do paciente, anos. Esse acometimento predomina em ho-
deixando sequelas, marginalizando o indivíduo mens na proporção de 4:1. Os traumas faciais
do convívio social e profissional (BARBOSA correspondem a 35-45 % de todos os traumas
et al., 2020; MOURA et al., 2017). no geral. Essas fraturas costumam ocorrer mais
Além das complicações sociais e psicoló- nos finais de semana e nos feriados. As motoci-
gicas, o trauma de face pode provocar compli- cletas geram o maior número de casos de fratu-
cações respiratórias no paciente, provocando ras faciais que necessitam de cirurgia, seguidas
desconforto respiratório por obstrução, que va- pela agressão física, pelos esportes, por armas
ria de acordo com localidade e intensidade do de fogo e finalmente pelas quedas. Mais da me-
trauma. Percebe-se, portanto, que o trauma de tade dos casos ocorreram em indivíduos embri-
face pode vir a se tornar uma emergência (LUZ agados ou que não utilizaram capacetes em suas
et al., 2017). Ademais, os traumas de face vêm motocicletas. Em ordem de ocorrência das ci-
representando um campo de preocupação fo- rurgias, temos primeiro a redução ou fixação da
noaudiológica, uma vez que interferem no de- mandíbula, depois do nariz, do zigomático, de
sempenho do sistema estomatognático e, con- múltiplas fraturas, da maxila e do osso frontal
sequentemente, na eficiência das funções reali- (PITA NETO et al., 2018).
zadas. As principais alterações no sistema es- O gênero masculino representou 86,6 % das
tomatognático geram comprometimento na fraturas faciais e o gênero feminino 13,4 %,
função mastigatória, alteração na preensão dos tendo uma proporção de 6:1. A faixa etária mais
lábios, diminuição da pressão intraoral, altera- afetada foi a de 21-30 anos com 30,6 % dos ca-
ção da deglutição, em alguns casos, redução da sos, seguidos pela faixa de 31-40 anos com
sensibilidade gustativa dos dois terços anterio- 28,4% dos casos. Com relação a etiologia,
res da língua e instabilidade na articulação da 38,8% dos casos ocorreram por violência,
fala e da expressão facial (JESUS & BERNAR- 14,2% em acidentes automobilísticos, 13,4 %
DES, 2012). O tratamento fonoaudiológico es- em acidentes de motocicletas, 9 % ocorreram
pecífico para traumas de face mostrou-se efici- por queda, 6,7 % por atropelamentos, 5,2 % em
ente para a reabilitação de pacientes, elimi- esportes, 5,2 % por acidentes de trabalho, 4,5 %
nando as queixas principais, minimizando si- em acidentes com arma de fogo e 3 % em
nais clínicos observados e sequelas inerentes acidentes de ciclistas. Pacientes que tiveram
aos traumas, promovendo reabilitação miofun- trauma facial por esportes são mais jovens que
cional ou adaptações funcionais e viabilizando, os que tiveram o mesmo acometimento em um
assim, o funcionamento do sistema estomatog- acidente de trabalho ou queda. Das fraturas,
nático (BIANCHINI et al., 2004). percebeu-se que 44,5 % ocorreram no com-
Fraturas envolvendo o complexo maxilo-fa- plexo zigomático, 42,5 % na mandíbula, 52%
cial possuem uma incidência, etiologia, apre- no maxilar, 4,5 % nos ossos nasais, 3,3% no
sentação clínica e componentes influenciados arco zigomático. Nenhum dos tipos de fraturas
por variáveis como a economia, cultura e fato- apresentou prevalência maior por gênero. Ho-
res sociodemográficos. As causas mais comuns mens apresentaram mais fraturas decorrentes de
são os acidentes de trânsito, seguido pela vio- violência (42,2 %) e mulheres apresentaram
mais fraturas decorrentes de quedas (27,8 %) e

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atropelamentos (22,2 %) (ZAMBONI et al., racterísticas que podem afetar o manejo de fra-
2017). turas em laudos radiológicos de trauma facial
Com relação ao manejo em pacientes com (ROSELLÓ et al., 2020).
trauma facial, a tomografia computadorizada Ainda sobre o manejo, proteger as vias aé-
multidetectores é o exame de imagem de pri- reas é a principal tarefa de qualquer paciente
meira escolha, pois pode detectar e caracterizar com trauma, mas pode ser especialmente árdua
até pequenas fraturas e suas complicações asso- com trauma facial. A pré-oxigenação com más-
ciadas com rapidez e precisão. Ajuda no geren- cara de válvula bolsa pode ser difícil com fratu-
ciamento clínico e no planejamento cirúrgico, ras faciais instáveis, e a inserção de tubos naso-
portanto, os radiologistas devem comunicar faríngeos/orofaríngeos para minimizar a aspi-
suas descobertas aos cirurgiões de maneira efi- ração é geralmente contraindicada. A colatera-
caz. Nas fraturas de Le Fort, há uma brecha en- lização extensa entre ramos das artérias caróti-
tre as placas pterigóides e a maxila posterior. das interna e externa pode levar a hemorragia
Essas fraturas são classificadas em três padrões extensa que pode dificultar a visualização das
básicos que podem ser combinados e associa- vias aéreas. Há muitas maneiras pelas quais o
dos a diversas complicações. Concebido trauma facial pode impedir insidiosamente a via
quando o trauma de baixa velocidade era pre- aérea: (1) fraturas maxilares deslocadas poste-
dominante, o sistema de classificação de Le riormente bloqueando a via aérea nasal; (2)
Fort tornou-se menos relevante, dando mais im- perda do ponto de inserção anterior da língua
portância aos segmentos portadores de oclusão com fratura mandibular bloqueando a orofa-
maxilar. A classificação de naso-órbito-etmoi- ringe; (3) dentes e fragmentos de tecidos moles
dal depende da extensão da lesão na inserção do bloqueando a via aérea; (4) hemorragia nasofa-
tendão cantal medial, com possíveis compli- ríngea/orofaríngea; (5) inchaço dos tecidos mo-
cações como ruptura do ducto nasofrontal. As les; e (6) trauma laríngeo/traqueal associado. A
fraturas deslocadas do complexo zigomático- revisão de intubação de emergência da Eastern
maxilar frequentemente alargam o ângulo da Association for the Surgery of Trauma de 2012
parede lateral da órbita, resultando em aumento pode ser consultada para o manejo das vias aé-
do volume orbitário e, às vezes, em enoftalmia. reas do trauma facial. Os pacientes devem ser
A cominuição ou angulação severa pode levar a prontamente avaliados quanto a dificuldades
uma ampla exposição cirúrgica. Nas fraturas com ventilação com válvula de bolsa, laringos-
orbitárias, o aprisionamento dos músculos retos copia, ou via aérea cirúrgica usando uma ferra-
inferiores pode levar à diplopia, por isso é im- menta estruturada, como o mnemônico
portante avaliar seu posicionamento e morfolo- LEMON (Look externally, Evaluate the 3-3-2
gia. As fraturas orbitárias também podem resul- rule, Mallampati, Obstruction, Neck Mobility).
tar em lesões no globo ou no nervo infraorbitá- A equipe de vias aéreas mais experiente deve
rio. As fraturas do seio frontal que se estendem ser chamada para aqueles estratificados com
pela parede posterior do seio podem criar uma vias aéreas difíceis. A intubação orotraqueal
comunicação com a fossa craniana anterior, re- com laringoscopia direta e indução em sequên-
sultando em vazamento de líquido cefalorra- cia rápida é o método de intubação de emergên-
quidiano e sangramento intracraniano. É essen- cia de escolha, mas a visualização das cordas
cial categorizar padrões de fratura e destacar ca- vocais pode ser prejudicada com lesões faciais.

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A videolaringoscopia é uma alternativa atra- do nariz é considerada de alto risco para expo-
ente, com taxas de sucesso de intubação mais sição e aerossolização de secreções nasais.
altas relatadas por provedores de vias aéreas Forte consideração deve ser dada ao tratamento
menos experientes. Embora seja a última opção tardio de todas as fraturas nasais. Uma exceção
de acesso às vias aéreas na maioria dos casos, a seria a drenagem de um hematoma septal. Se
cricotireoidostomia cirúrgica é a principal esco- um consultor optar por tratar uma fratura nasal
lha para pacientes com trauma facial extenso ou drenar um hematoma, deve-se considerar
(CHOI et al., 2020). fortemente evitar o uso de medicamentos em
Mais especificamente, lesões em estruturas aerossol para vasoconstrição intranasal e anes-
críticas como o nervo facial (ou outros nervos tesia. Anestésico local tópico com vasoconstri-
cranianos), pálpebras, sistema lacrimal e nariz tor (por exemplo, cocaína a 4%, solução de oxi-
requerem consulta com a equipe de trauma bu- metazolina-tetracaína ou outro) em compressas
comaxilofacial. Grandes lesões complexas, in- colocadas por via intranasal seria preferível.
cluindo avulsões, também atenderam a esses Deve-se considerar o tratamento dessas fraturas
critérios. Lesões palpebrais e lacrimais exigirão da forma mais conservadora possível. O risco
que o globo seja investigado quanto a lesões. A de exposição da equipe de saúde deve ser pon-
maioria das lacerações intraorais não precisa ser derado contra o risco de uma má oclusão facil-
fechada. O cuidado local da ferida com soro mente corrigida. Como a maioria dessas fratu-
fisiológico ou clorexidina duas vezes ao dia du- ras, se tratadas na sala de cirurgia, exigiria intu-
rante uma semana será suficiente para a grande bação nasal, elas são consideradas de risco
maioria dessas lesões. Potenciais lesões no sis- muito alto de exposição dos profissionais de
tema de ductos salivares podem precisar ser in- saúde a aerossóis. O tratamento rápido, da mai-
vestigadas pela equipe de trauma bucomaxilo- oria das fraturas, pode ser realizado com
facial. Feridas complexas da língua são mais fixação intermaxilar usando parafusos de
propensas a exigir consideração para fecha- fixação intermaxilar ou técnicas de fiação in-
mento (EDWARDS et al., 2020). terdental. Estes devem ser realizados no pronto-
As fraturas do complexo zigomático-maxi- socorro sempre que possível sob anestesia local
lar não precisam ser tratadas no quadro agudo. com parafusos sem broca (EDWARDS et al.,
Forte consideração deve ser dada ao tratamento 2020).
tardio dessas fraturas, mesmo quando resulte Com relação a apresentação clínica e ma-
em comprometimento estético. As fraturas or- nejo inicial, os pacientes com fratura do osso
bitárias podem ser tratadas tardiamente. A mai- frontal, devem passar por uma avaliação rápida
oria das fraturas de órbita não precisa de inter- do seu estado mental. A maioria fica inconsci-
venção cirúrgica. As exceções ao gerencia- ente, mas, dentre os conscientes, observa-se que
mento atrasado seriam: (a) fraturas de alçapão sensibilidade à palpação e edema sobre o osso
com aprisionamento de conteúdo orbital; e (b) frontal são as anormalidades mais comuns.
hematomas/edema levando à perda de visão por Além disso, pacientes devem ser avaliados para
síndrome da fissura orbital superior ou sín- a rinorréia do líquido cefalorraquidiano (LCR).
drome do ápice orbitário. A cantotomia à beira Danos a placa cribriforme podem se manifestar
do leito com cantólise pode ser urgentemente como gotejamento pós-nasal ou pelo sabor de
necessária. Nas fraturas nasais, a manipulação algo doce na boca. Nas fraturas orbitárias, o
exame mais importante após o trauma ocular

61 | Página
envolve uma avaliação da acuidade visual. As quando necessário. O cuidado deve ser tomado
lesões relatadas podem incluir globo rompido, para evitar desvio ou piora de qualquer posici-
hematoma retrobulbar, hifema, recessão do ân- onamento de fratura. Nas fraturas mandibula-
gulo da câmara anterior, deslocamento do cris- res, os pacientes relatam dor exacerbada pelo
talino, glaucoma secundário, hemorragia vítrea, movimento da mandíbula, disfagia e/ou alinha-
ruptura ou descolamento da coroide /retiniana e mento anormal de sua mordida. É importante
commotio retinae. Esses indivíduos devem ser inspecionar a mandíbula para assimetria, crepi-
aconselhados a espirrar com a boca aberta, evi- tação, desníveis e lacerações. O sangramento
tar assoar o nariz e abster-se de tossir ou mano- oral deve ser tratado fazendo o paciente morder
bras de Valsalva. Os pacientes podem aplicar uma gaze. Se o dentista suspeita de ruptura com
gelo no local afetado por 48 horas, usar descon- fratura mandibular, fratura do rebordo alveolar
gestionantes nasais e analgésicos. Nas fraturas ou laceração, estas são consideradas fraturas
nasais, durante as primeiras horas (antes do iní- expostas. Assim, o fechamento inicial da ferida
cio do edema significativo), é possível que haja deve ser adiado. Antibióticos para cobrir micró-
necessidade de avaliação clínica completa do bios orais devem ser administrados. Manter a
local da lesão e realização de uma redução fe- boca do indivíduo fechada pode diminuir o
chada da fratura. Externamente, o clínico deve risco de deslocamento da fratura. Com esses
procurar qualquer deformidade, deslocamento e passos iniciais, o clínico está tentando evitar
lacerações. A palpação do nariz para desal- muitas das sequelas de fraturas mandibulares,
inhamento, crepitação e sensibilidade são os incluindo infecção, ruptura de dentes raízes,
mais certos sinais de fratura. Internamente, am- abscesso dentário, necrose pulpar, má oclusão,
bas as vias nasais devem ser avaliadas para consolidação viciosa e pseudoartrose
epistaxe, hematoma septal e rinorreia liquórica. (CHUKWULEBE et al., 2019).
Internamente, ambas as vias nasais devem ser
avaliadas para epistaxe, hematoma septal e ri- CONCLUSÃO
norreia liquórica. O manejo inicial das fraturas
nasais envolve primeiro o tratamento de um O trauma facial é uma realidade presente no
hematoma septal ou epistaxe, se presente. Uma serviço de emergência de um grande centro de
vez tratadas essas sequelas, uma redução da fra- referência de trauma, e acomete todas as idades.
tura fechada pode ser realizada. Nas fraturas As causas estão diretamente relacionadas com
maxilofaciais, temos que a maxila suporta os idade e tipo de trauma. Conclui-se, portanto,
músculos constritores e palatinos da faringe, o que os traumas faciais acometem, preferencial-
deslocamento inferior pode resultar em com- mente, homens adultos, jovens sendo mais de-
prometimento das vias aéreas (CHUKWU- correntes de violência interpessoal e acidentes
LEBE et al., 2019). automobilísticos. A faixa etária mais atingida
As fraturas zigomáticas podem afetar os foi de 21 a 30 anos, principalmente por essa po-
músculos extraoculares e, portanto, a visão do pulação estar mais exposta aos fatores de risco
paciente. Embora a rinorreia liquórica seja rara, para o trauma. Os locais mais acometidos pelo
pode acompanhar fraturas maxilofaciais. Le- trauma na face foram a mandíbula e os ossos
sões que resultem em sangramento significativo nasais. O consumo de bebidas alcoólicas e/ou
devem ser controladas com pressão suave e ele- drogas foi um fator associado a todas as catego-
vação da cabeça, protegendo a coluna cervical rias que ocasionaram traumatismos.

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No que se refere ao tratamento da lesão em interpessoal. A divulgação contínua de dados
tecidos moles da face por trauma é desafiador relacionados à epidemiologia dos traumas fa-
para o cirurgião, mas, se os princípios de sín- ciais é de extrema importância, devido à ten-
tese tecidual forem devidamente realizados, o dência de mudança na frequência dos mecanis-
reparo tecidual bem como a reprodução da mos causadores, permitindo a elaboração de no-
forma e da função anterior ao trauma serão al- vas formas de prevenção e tratamento dessas le-
cançados com sucesso. sões, cuja complexidade é reconhecida na lite-
Concluímos ainda que a incidência de fratu- ratura, envolvendo, necessariamente, atuações
ras faciais pode ser reduzida por medidas edu- multidisciplinares. Por fim, a otimização do
cativas através das políticas de saúde pública, design interno dos domicílios e uma assistência
como o uso rotineiro do cinto de segurança e do constante de familiares ou responsáveis são vá-
capacete; pelo menor consumo de álcool, dro- lidos principalmente para os idosos, cujo prin-
gas e por estratégias para lidar com situações cipal mecanismo de trauma de face e demais
hostis, no intuito de evitar a crescente violência partes do corpo é a queda.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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[Apresentado no III Seminário Científico da FACIG; 491–497, 2017.
2017 Nov 9 - 10; Manhuaçu, BR].

64 | Página
CAPÍTULO 8
TRAUMATISMO FACIAL - UMA
REVISÃO INTEGRATIVA
Palavras-chave: Traumatismo Facial; Epidemiologia; Diagnóstico; Sintomas

GABRIELA STANO SIMÕES¹


GABRIELI LUIZA VANZ¹
GIOVANA FIALKOWSKI¹
GUSTAVO DIAS MOTA RAMOS¹
LUÍSA HELENA BELLOLI BREVIGLIERI¹
MARIA JÚLIA DA GAMA FORTUNATO ZILIANI¹
MAYARA MENDES DE CARVALHO¹
TERCIO DE CAMPOS ²

1
Discente - Medicina Universidade Anhembi Morumbi
2
Docente - Doutorado em Cirurgia na Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas Da
Santa Casa De São Paulo

65 | Página
INTRODUÇÃO descritores: “traumatismo facial”, “epidemio-
logia”, “sintomas” e “diagnóstico”. Com isso,
Traumatismo facial é definido como lesões foram analisados artigos com texto completo,
físicas, resultantes de acidentes, que podem afe- nos idiomas português e inglês. Os critérios de
tar tecidos moles como pele, tecido adiposo, te- exclusão foram textos fora da data de
cido muscular, tecido nervoso, tecido ósseo, publicação e em outros idiomas, restando ape-
dentes e em casos extremos pode acarretar da- nas 11 publicações científicas para este traba-
nos cerebrais. As possíveis consequências de lho. Após realizada a eliminação por títulos não
um trauma na região da face são: paralisia fa- correspondentes ao objetivo deste estudo, fo-
cial, dificuldade de respiração, problemas ou ram escolhidas 10 publicações para a composi-
perda de visão, deformidades e perda da sensi- ção da pesquisa, as quais foram submetidas à
bilidade, além disso pode gerar consequências leitura minuciosa para a coleta de dados e pos-
emocionais graves (WULKAN, et al., 2005). teriormente analisados e apresentados nas de-
Através de diversos estudos, foi possível mais seções deste capítulo, como em resultados
constatar que o trauma de face acomete de e discussão. Além disso, também foi utilizado
forma mais frequente, pacientes jovens adultos, livros, revistas e sites para detalhar as informa-
com faixa etária entre 20 e 39 anos, do sexo ções acerca desse assunto.
masculino, em decorrência de agressões físicas,
sendo traumas bucomaxilofaciais (os quais le- RESULTADOS E DISCUSSÃO
vam a lesões orbitais, zigomáticas, nasais, ma-
xilares, mandibulares e dentárias), os de maior O trauma facial resulta em uma elevada taxa
incidência. Por outro lado, os traumas de menor de morbimortalidade, pois além de atingir a es-
tética do paciente, ele pode afetar a funcionali-
incidência descritos pela literatura, são ocasio-
dade das estruturas que compõem a cabeça e o
nados por queimaduras. Com isso, é evidente a
pescoço, dificultando a ação dos principais sen-
necessidade de uma abordagem multidiscipli-
tidos do corpo humano (visão, olfato, paladar,
nar para diagnosticar de forma ágil e tratar de
audição e tato). Há uma divergência entre auto-
maneira específica (BEZERRA, et al., 2017)
res sobre quais são as estruturas mais comuns a
O objetivo deste estudo foi realizar uma re-
serem atingidas. Alguns autores relatam que as
visão integrativa sobre o traumatismo facial,
fraturas de terço inferior (região mandibular e
com o propósito de analisar a definição, epide-
região perioral) são consideradas as fraturas
miologia, modo de apresentação, diagnóstico e
mais comuns, porém as fraturas mais graves são
tratamento acerca dessa temática.
as do terço médio (olho, pálpebras, nariz e ma-
çãs do rosto). A outra parte dos autores defen-
MÉTODO dem que as fraturas nasais são as mais preva-
lentes (BORTOLI et al., 2014).
Trata-se de uma revisão integrativa reali- Estudos apontam que os tipos de lesões do
zada no período de fevereiro de 2022, por meio trauma facial possuem relação direta com a
de pesquisas nas bases de dados: PubMed, idade do indivíduo que sofreu a ocorrência,
PubMed Central, Scielo, Jornal Brasileiro de como por exemplo, traumas faciais desencade-
Otorrinolaringologia e Revista da Associação ados por queda são mais típicos em crianças e
Médica Brasileira-RAMB. Foram utilizados os traumas faciais por acidentes automobilísticos

66 | Página
são mais comuns em jovens. Tanto o sexo femi- Os sangramentos de origem facial rara-
nino, quanto o masculino estão sujeitos ao mente ocasionam quadros de choque hipovolê-
trauma facial, porém, os homens são os que mico, visto que o volume de sangue geralmente
mais procuram ajuda médica para tratar as con- é limitado. No entanto, traumas complexos em
sequências. (BORTOLI et al., 2014). terço médio da face, que comprometem vasos
Os estudos mostram que o modo de apre- maxilares internos ou de grandes vasos, são ca-
sentação do trauma é compreendido por sinto- pazes de provocar quadros como esse
mas como: dor na região da face, edema, san- (GOLDENBERG et al., 2007).
gramento, mancha, hematoma, e os pacientes Os sangramentos de grande intensidade de-
podem apresentar dificuldades para movimen- vem ser controlados, juntamente com uma ava-
tar a mandíbula, alteração da oclusão dentária e liação do grau de consciência do paciente. Após
perda da sensibilidade. Dessa forma, os efeitos isso, é realizada a estabilização do paciente e a
do traumatismo facial são diversos e depen- história clínica detalhada do trauma. Posterior-
dentes de fatores como a energia, vetor de im- mente é feito o exame físico, que inclui a inspe-
pacto e duração do trauma, ou seja, ferimentos ção da face, para buscar sinais de contusões,
que variam de leves, como lesões no tecido abrasões, edemas, lacerações (MEURER &
mole, a de maior gravidade, os quais podem SANTOS, 2013).
ocasionar fratura dentária, avulsão completa e Para avaliar o nível de consciência do paci-
lesões neurológicas (MOURA et al., 2016). ente, pode ser utilizada a Escala de Coma de
A localização das lesões, são importantes Glasgow. Essa escala permite avaliar três crité-
para o manejo do diagnóstico e tratamento. rios: abertura ocular, resposta verbal e resposta
Dessa forma, as fraturas de terço inferior e do motora, pontuando entre 3 até 15 pontos no to-
terço médio são consideradas as mais graves. tal. É fundamental que esse exame seja repetido
Ademais, em muitos casos de trauma facial, com frequência. (PEREIRA, 2012).
ocorre uma associação ao trauma crânioence- Diante do exposto, após a palpação minuci-
fálico, o que dificulta o tratamento e pode gerar osa da região traumatizada, é indicado exames
lesões neurológicas, temporárias ou permanen- radiológicos, como tomografia computadori-
tes (BAGHERI et al., 2006). zada, para confirmar o diagnóstico (MEURER
Com base nos dados científicos, o diagnós- & SANTOS, 2013).
tico é feito pela avaliação primária. No atendi- O tratamento de uma injúria facial envolve
mento ao paciente com trauma, é essencial que a limpeza do local, escolha do anestésico, a qual
a área afetada seja limpa, primeiramente, e o é feita de acordo com a localização, mecanismo
profissional aspire sangue e secreções, reti- de lesão, nível de conforto e local de adminis-
rando resquícios de objetos e dentes do local. tração de bloqueio. Além disso, a restauração
Além disso, deve-se observar se houve uma da estrutura envolve técnicas de suturas especí-
queda da língua e examinar as mucosas, pre- ficas para cada área lesionada, como exemplo o
sença de fraturas faciais e traqueolaríngeas. uso de grampos para fechamento de lacerações
Neste momento, deve-se garantir que as vias aé- em camadas superficiais, uso de enxertos ou re-
reas do paciente estejam desobstruídas e a ven- talhos para o tecido nasal e reimplante em casos
tilação esteja adequada. (BORGES et al., de extração total do couro cabeludo. Assim, o
2005).
tratamento e acompanhamento da lesão de for-

67 | Página
ma eficaz requer uma equipe multidisciplinar, A procura pelo atendimento médico imediato
contendo especializações como trauma, oftal- pode evitar diversos problemas futuros para o
mologia, cirurgia plástica e neurocirurgia paciente, entre eles a perda de audição, visão,
(FRANK, 2013). paladar e olfato. A dificuldade do tratamento
vai depender de qual é a região afetada e a gra-
CONCLUSÃO vidade do trauma. Além disso, após o trata-
mento, o acompanhamento com uma equipe
Infere-se, pois, que o traumatismo facial multidisciplinar irá ser essencial para uma me-
pode afetar o indivíduo em diversos fatores, lhora mais rápida e assertiva.
como por exemplo a parte estética e funcional.

68 | Página
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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69 | Página
CAPÍTULO 9
REPARAÇÃO TECIDUAL COM
ÊNFASE EM TRAUMA DE FACE –
REPARAÇÃO ÓSSEA, TECIDOS
MOLES E TECIDO NERVOSO
Palavras-chave: Cicatrização; Ossos faciais; Traumatismo de face

JÉSSICA DE OLIVEIRA TEIXEIRA¹


LORENA RODRIGUES SOUZA¹
MAYLANNE FREITAS DOS SANTOS¹
FLÁVIA CRUZ COSTA LOPES¹
PRISCILA ALVES TORREÃO¹
LUANA SOUZA CARNEIRO¹
AISE CLEISE MOTA MASCARENHAS¹
JULIA MARIA BENITES DE JESUS¹
MANUELA VALVERDE FERNANDES¹
NATALY FERREIRA DE JESUS PINTO¹
MARINA SOUZA DE OLIVEIRA LINS¹
ALMIRA OLIVEIRA PEREIRA²
GIRLANE PEREIRA OLIVEIRA²
JENER GONÇALVES DE FARIAS³
ANTÔNO VARELA CÂNCIO4

1
Discente – Odontologia da Universidade Estadual de Feira de Santana
2
Cirurgiã-dentista – Universidade Estadual de Feira de Santana
3
Docente titular do Departamento de Saúde da Universidade Estadual de Feira de Santana
4
Doutor em Biotecnologia da Universidade Estadual de Feira de Santana e Especialista em
Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial pela Faculdade de Odontologia da Universidade de
Pernambuco

70 | Página
INTRODUÇÃO MÉTODO

A cabeça e a face comumente são lesiona- Trata-se de uma revisão narrativa realizada
das em acidentes domésticos, industriais, ativi- no período de agosto a outubro de 2021, por
dades esportivas, mordidas por cães e humanos, meio de pesquisas nas bases de dados PubMed
lesões de guerra e lacerações com objetos cor- e SciELO. Foram utilizados os descritores
tantes, correspondendo a cerca de 70 % de to- “bone regeneration”, “tissue repair”, “facial
dos os acidentes automobilísticos, domésticos e bones”, “fracture healing”. Foram utilizados
assaltos (PRADO & SALIM, 2018). também livros-textos de Cirurgia Bucomaxilo-
Os objetivos do tratamento de uma fratura facial e Patologia Básica.
são o restabelecimento da forma do osso fratu- Os critérios de inclusão foram artigos nos
rado, sua função, alívio da dor e a prevenção de idiomas inglês e português; publicados no perí-
sequelas tardias pela má união óssea ou con- odo de 2018 a 2020 e que abordavam as temá-
solidação em outra posição. Para que uma fra- ticas propostas para esta pesquisa, disponibili-
tura facial seja estabilizada, podemos utilizar zados na íntegra. Os critérios de exclusão fo-
métodos de contenção e imobilização provisó- ram: artigos duplicados, disponibilizados na
rios ou definitivos (PRADO & SALIM, 2018), forma de resumo, que não abordavam direta-
normalmente realizados com cirurgias abertas mente a proposta estudada e que não atendiam
em ambiente hospitalar e sob anestesia geral aos demais critérios de inclusão.
(FONSECA, 2018). Após os critérios de seleção os artigos fo-
A correta realização do procedimento de re- ram submetidos à leitura minuciosa para a co-
dução da fratura é uma etapa importante no tra- leta de dados. Os resultados foram apresentados
tamento do paciente para a regeneração do te- de forma descritiva, divididos em categorias
cido lesionado (POGREL et al, 2016). A rege- temáticas abordando: a reparação óssea, a repa-
neração tecidual ocorre de forma semelhante ração de tecidos moles e a reparação de tecido
entre os tecidos. Nos vertebrados, as células so- nervoso.
frem turnover contínuo para garantir a homeos-
tasia. A reparação ou cicatrização tecidual se dá RESULTADOS E DISCUSSÃO
através de um processo semelhante em maior
velocidade. A reparação difere da regeneração
Reparação em tecido ósseo
pelo produto final, onde a primeira produz um
A cicatrização óssea pode ser amplamente
tecido fibrótico, enquanto a segunda irá produ-
caracterizada de duas maneiras: a primária e a
zir células semelhantes às originais, ambas com
secundária. A primária, também chamada de ci-
o objetivo de restaurar função (KUMAR et al,
catrização óssea direta, se dá pela deposição de
2018).
matriz óssea, ou osteóide, pelos osteoblastos,
Pela importância de se levar em considera-
que se calcifica para chegar ao estado de osso
ção a reparação tecidual nos traumas de face,
lamelar maduro organizado. Já a secundária se
este trabalho teve por objetivo revisar a litera- dá de maneira indireta, uma vez que o osso se
tura especializada acerca das reparações das fe- forma a partir de uma cartilagem pré-formada,
ridas em tecidos moles, nervosos e ósseos. por um processo conhecido como ossificação
endocondral, e ocorre quando existe um espaço

71 | Página
significativo ou movimentação interfragmentar SECA, 2018), como demonstrado na Figura
(FONSECA, 2018). Portanto, os ossos faciais 9.2.
cicatrizam prioritariamente por ossificação
direta do mesênquima, diferentemente de ou- Figura 9.2 A. Cicatrização por contato, com fi-
tros ossos do esqueleto (CHUNG et al., 2019). xação rígida. B. Cicatrização com mínimo gap.
Há três estágios principais de cicatrização
quando um osso é fraturado: fase inflamatória,
reparadora e de remodelação, como mostrado
na Figura 9.1. A fase inflamatória inicia-se
logo após a fratura, onde há a formação de um
hematoma; na segunda fase, a reparadora, há a
formação do calo ósseo, onde suas células po-
dem ser substituídas por osso trabecular, resta-
belecendo a parte da força do osso antes da fra-
tura; e a última fase, a de remodela-mento,
ocorre quando os osteoblastos depositam o osso
compacto, de modo que a forma e a força do
osso original são recuperadas (PRADO &
SALIM, 2018).

Figura 9.1 A. Fase inflamatória: hematoma. B.


Fase reparadora: calo ósseo. C. Fase de remo-
delamento Fonte: Fonseca, 2015.

O bloqueio maxilomandibular e a fixação


maxilomandibular (FMM) com parafusos e ar-
cos são exemplos de imobilização óssea, sendo
consideradas como etapas críticas no manejo
dos traumas faciais e cirurgia maxilofacial para
corrigir e manter a oclusão durante a cicatriza-
ção do osso (ASLAM-PERVEZ et al., 2020), e
secundariamente para reduzir as fraturas
Fonte: Fonseca, 2015. (BATBAYAR et al., 2019). Pode ser usada
tanto como uma técnica intraoperatória para
Para o sucesso da cicatrização é necessário ajudar na redução aberta com fixação interna
um suprimento sanguíneo. Esse é fornecido, em (RAFI) ou em redução fechada para estabiliza-
sua maioria, pelo periósteo, já que a vasculari- ção de fraturas (PATHAZ et al., 2019).
zação medular está geralmente prejudicada pela Inicialmente, a técnica mais utilizada para o
fratura (CHOI et al., 2019). Além disso, para bloqueio maxilomandibular era o uso de barras
uma cicatrização favorável dos ossos da face, é de Erich, entretanto algumas desvantagens fo-
necessário a fixação rígida e imobilização dos ram relatadas na literatura, entre elas risco de
segmentos da fratura com um mínimo gap ou segurança para o cirurgião e os usuários por
espaço entre eles, menor que 100 µm (FON-
72 | Página
causa de ferimentos com os fios de aço, o tempo e sua vida não mais em perigo. Assim são rea-
de colocação e o comprometimento geral da lizados exames clínicos e de imagem, como ra-
saúde oral (FONSECA, 2018; ASLAM- diografia e tomografias, para diagnóstico de
PERVEZ et al., 2019). Atualmente, os parafu- possíveis corpos estranhos, fraturas ou lesões
sos de fixação óssea podem ser usados como al- associadas (PRADO & SALIM, 2018).
ternativa, já que são mais rápidos de colocar e As feridas de tecido mole podem ser classi-
mais versáteis (ASLAM-PERVEZ et al., 2019). ficadas em feridas por lacerações, que são as
Contudo, deve-se fugir das raízes dentárias e to- mais frequentes e variam de cortes superficiais
mar cuidado com as estruturas anatômicas de pequena extensão até feridas profundas e
(FONSECA, 2018). complexas; feridas contusas, por abrasão, pene-
No entanto, a RAFI no tratamento contem- trantes, por avulsão, por arma de fogo, por mor-
porâneo de trauma bucomaxilofacial tem se tor- dedura de animais, por queimaduras, ou ainda,
nado a modalidade de tratamento de escolha de- uma associação dessas (PRADO & SALIM,
vido a maior eficiência na obtenção de união ós- 2018).
sea, com placas de reconstrução de aço inoxi- O reparo de uma ferida cutânea é um pro-
dável ou miniplacas de titânio (IQBAL et al., cesso que envolve a regeneração do epitélio e a
2020). Além disso, segundo Choi et al. (2019), formação de cicatriz de tecido conjuntivo. De-
as miniplacas, devido ao seu pequeno tamanho pendendo da natureza e do tamanho da ferida, o
e maleabilidade, podem facilitar a redução ana- reparo pode ocorrer por primeira ou segunda in-
tômica precisa de múltiplos fragmentos, per- tenção (KUMAR et al, 2018).
mitir a preservação de suprimento sanguíneo O primeiro tipo de cicatrização é o mais
periosteal suficiente e ainda restaurar a oclusão. simples e envolve o reparo de uma incisão ci-
As RAFI já se mostraram ser o tratamento rúrgica limpa e não infectada a partir da aproxi-
ideal em fraturas de ângulo da mandíbula mação direta dos bordos por suturas cirúrgicas,
(BILAL et al., 2020) e em fraturas mandibula- assim, uma pequena cicatriz é formada com
res cominutivas, como nas lesões por arma de contração mínima da ferida. O estreito espaço
fogo (IQBAL et al., 2020). A cicatrização óssea da incisão é preenchido por um coágulo sanguí-
primária precoce e fixação interna com placas neo contendo fibrina que é rapidamente inva-
reconstrutoras, fornecem estabilidade, previsi- dido pelo tecido de granulação e coberto por um
bilidade e resultados econômicos. Além disso, novo epitélio (KUMAR et al, 2018). De ma-
as RAFI são mais aceitáveis para os pacientes e neira ideal, as lacerações na região maxilofacial
permitem uma restauração precoce da função, são reparadas a fim de que a cicatrização ocorra
além de apresentarem menos riscos de contra- por união primária, já que ocorre mais rapida-
turas de feridas, infecção e deformidades pós- mente e com formação mínima de cicatriz
operatórias (IQBAL et al., 2020). (POGREL et al., 2016).
Apesar de terem sido propostas muitas ma-
Reparação em tecido mole neiras diferentes de fechar feridas, tais como
O tratamento das lesões de tecidos moles faciais colagem, colocação de fitas adesivas e uso de
é comumente realizado nas emergências dos grampos, na região bucomaxilofacial a sutura
hospitais, entretanto esse só é iniciado após a ainda é o método de fechamento de feridas mais
condição geral do paciente estiver estabilizada utilizado (POGREL et al, 2016). Além de man-

73 | Página
ter as bordas das feridas aproximadas, facili- A sutura deve ser iniciada por pontos de re-
tando a reparação tecidual, as suturas funcio- paros anatômicos, como a comissura labial, a
nam auxiliando na hemostasia pela coaptação asa do nariz ou o canto do olho. Já feridas que
dos pequenos vasos, prevenindo infecções e im- não apresentem pontos de referência devem re-
pedindo o aparecimento de espaço morto entre ceber uma sutura guia no meio da linha de ex-
os tecidos a serem suturados (PRADO & cisão, depois na parte média de cada metade, e
SALIM, 2018). assim sucessivamente, até o fechamento final
Durante a sutura, os ferimentos devem ser (PRADO & SALIM, 2018).
reparados em camadas para proporcionar o ali- Para uma boa cicatrização, antes do fecha-
nhamento anatômico e prevenir o espaço morto, mento das feridas com sutura, é necessário que
assim como demonstrado na Figura 9.3A a hemostasia esteja assegurada, além da neces-
(FONSECA, 2018). Deve-se tomar cuidado no sidade de remoção de corpos estranhos, com
reparo e reposicionamento da musculatura, te- uma cureta delicada ou com uma lâmina de bis-
cido gorduroso e ductos de glândulas salivares. turi, para evitar infecção e cicatrizes desfigu-
As camadas profundas de músculo e tecido sub- rantes (POGREL et al., 2016). A limpeza das
cutâneo são fechadas por pontos interrompidos, feridas pode ser realizada com a irrigação, com
submersos com fio reabsorvível 3-0 ou 4-0 o auxílio de uma seringa contendo solução sa-
(PRADO & SALIM, 2018), tomando cuidado lina ou uma solução degermante à base de clo-
para se eliminarem todos os espaços, ou, caso rexidina ou iodo (PRADO & SALIM, 2018),
contrário, o músculo será retraído, com um he- assim como pode-se realizar a excisão de teci-
matoma preenchendo a abertura e, eventual- dos necróticos por meio do desbridamento para
mente, organizando-se para formar uma cicatriz facilitar a cicatrização após a sutura (POGREL
rebaixada (FONSECA, 2018), como na Figura et al., 2016).
9.3B. Quando a perda de células e de tecido é mais
O fechamento da pele deve ser realizado extensa, como nas grandes lacerações, o pro-
com uma agulha cortante, com fio nylon 6-0, cesso de reparo torna-se mais complexo e en-
através de pontos interrompidos, feitos a mes- volve uma combinação de regeneração e cica-
ma distância e profundidade em ambas as trização, caracterizando um reparo por segunda
margens da ferida e de modo a produzir ligeira intenção. Nesse tipo de reparo, a reação infla-
eversão dos bordos cutâneos (FONSECA, matória é mais intensa porque grandes perdas
2018), prevenindo os efeitos antiestéticos da de tecido possuem volume maior de restos ne-
contração das cicatrizes (POGREL et al., cróticos, exsudato e fibrina que devem ser re-
2016). movidos. Há também uma formação abundante
de tecido de granulação para preencher os espa-
Figura 9.3 A. sutura em planos. B. Formação ços e fornecer suporte para a reepitelização, re-
de “espaço morto”. sultando assim uma maior massa de tecido ci-
catricial (KUMAR et al., 2018), que é seguida
por uma contração da cicatriz e pode, às vezes,
ser aceito na mucosa oral, mas deve ser evitado
na pele por causa do comprometimento estético
(POGREL et al., 2016).
Fonte: Prado & Salim, 2018.

74 | Página
Reparação em tecido nervoso Já axonotmese ocorre quando axônios indi-
O trauma e a cirurgia maxilofacial para cor- viduais são danificados dentro do nervo, mas o
reção de lesões faciais podem resultar em dis- epineuro fica preservado (FONSECA, 2018).
túrbios dos ramos periféricos nos arredores da Um trauma forte, esmagamento do nervo ou ex-
lesão traumática. Geralmente, a incidência de trema tração dele podem produzir esse tipo de
defeito neurossensorial tem sido relata em 70,9 lesão. Como graus variáveis de desmielinização
%, com os casos de lesão direta com 100% de e lesão axonal estão presentes, a regeneração
defeito neurológico (FONSECA, 2018). espontânea pode, mas não sempre, ocorrer com
As lesões dos nervos podem ser categoriza- uma resolução de disfunção do nervo de 2 a 6
das em três tipos, de acordo com a classifi- meses (HUPP et al, 2015) após a redução de
cação de Seddon (FONSECA, 2018), como fraturas com alinhamento dos segmentos e re-
apresentado na Figura 9.4. moção dos segmentos ósseos soltos que inva-
Neuropraxia é a forma menos severa da le- dem a área do nervo (FONSECA, 2018).
são do nervo periférico e se caracteriza como Neurotmese é o tipo mais severo de lesão e
uma contusão de um nervo em que se mantêm envolve uma completa perda continuidade pela
a continuidade da bainha epineural e dos axô- transecção do nervo. Este tipo de dano pode ser
nios (HUPP et al., 2015). É uma interrupção produzido por fraturas mal deslocadas, rompi-
transitória da condução nervosa, algumas vezes mento por balas ou faca ou por transecção ia-
descrita como hematomas do nervo (FON- trogênica. O prognóstico para a recuperação es-
SECA, 2018), que podem ser causadas por pontânea de nervos que sofreram neurotmese é
trauma ou tração (alongamento) de um nervo, raro (HUPP et al., 2015), portanto, necessitam
inflamação ao redor, ou isquemia local. de intervenção cirúrgica para obtenção de me-
lhores resultados (FONSECA, 2018).
Figura 9.4 Classificação de Seddon. A. Neuro- Outra classificação alternativa é a de Sun-
praxia. B. Axonotmese. C. Neurotmese. derland, mostrada na Figura 9.5. Nessa classi-
ficação, a lesão de primeiro grau é semelhante
à neuropraxia e envolve o bloqueio da condu-
ção nervosa. Já as lesões de segundo ao quarto
grau são semelhantes à axonotmese: as lesões
de segundo grau apresentam fibras nervosas da-
nificadas, mas sem lesão do endoneuro; já as de
terceiro grau há o envolvimento do endoneuro,
mas sem lesão ao perineuro; enquanto nas de
quarto grau há danos perineurais dentro de um
perineuro intacto. As lesões de quinto grau são
transecções nervosas completas, semelhantes às
Fonte: Fonseca, 2018.
lesões do tipo neurotmese. As intervenções
cirúrgicas são recomendadas para lesões de
Como não houve perda da continuidade quarto e quinto graus (FONSECA, 2018).
axonal, acontece a recuperação total da função
do nervo geralmente em poucas semanas ou
meses (HUPP et al., 2015).

75 | Página
Figura 9.5 Classificação de Sunderland. do nervo (FONSECA, 2018). Esse tipo de de-
generação ocorre nas lesões mais graves, como
as neurotmese e axonotmese (HUPP et al.,
2015).

Figura 9.6 Respostas nervosas periféricas nor-


mais e anormais à lesão.
Fonte: Fonseca, 2018.

O processo de cicatrização ocorre com de-


generação seguida de regeneração (FON-
SECA, 2018). Podem ocorrer dois tipos de de-
generação. A primeira é a desmielinização seg-
mentar (Figura 9.6A), que pode ocorrer após
lesões neuropráxicas (HUPP et al., 2015), em
que a bainha de mielina se dissolve em segmen-
tos isolados, com relativa preservação estrutu-
ral dos axônios (KUMAR et al., 2018), resul-
tando numa diminuição da velocidade de con-
dução e pode impedir a transmissão de alguns
impulsos nervosos. Os sintomas incluem pares-
Fonte: Hupp et al (2015).
tesia (sensação alterada espontânea e subjetiva
em que o paciente não sente dor), disestesia
A regeneração do nervo periférico pode co-
(sensação alterada espontânea e subjetiva em
meçar quase imediatamente após a lesão,
que o paciente sente desconforto), hiperestesia
quando o corpo do nervo proximal sobrevive
(sensibilidade excessiva de um nervo à estimu-
(FONSECA, 2018). Normalmente, o coto pro-
lação) e hipoestesia (diminuição da sensibili-
ximal do nervo envia um grupo de novas fibras
dade de um nervo à estimulação) (HUPP et al.,
chamado “cone de crescimento”, que crescem
2015).
na direção do tubo da célula de Schwann rema-
A degeneração walleriana (Figura 9.6B) é
nescente. O crescimento avança a uma taxa de
o segundo tipo de degeneração, e ocorre quando
1 a 1,5 mm por dia e continua até que o local
há trauma do nervo e os axônios sofrem desin-
inervado pelo nervo seja atingido ou o cresci-
tegração completa da porção distal e da pe-
mento seja bloqueado pelo tecido conjuntivo fi-
quena porção da extremidade proximal perto do
broso ou osso. Durante a regeneração, novas
local da lesão, com perda secundária de mielina
bainhas de mielina podem se formar com o au-
(KUMAR et al., 2018) e, portanto, ocorre perda
mento de diâmetro dos axônios. Enquanto os
de toda a condução nervosa distal ao coto axo-
contatos funcionais são feitos, o paciente vai
nal proximal.
experimentando sensações alteradas na área
A degeneração neural termina de modo que
anteriormente anestesiada, que tomam a forma
o resultado final é de tubos endoneurais vazios,
de parestesias ou disestesias (HUPP et al.,
que atuam como condutos para a regeneração
2015).
Se houver interrupção ou sequenciamento
76 | Página
desfavorável dos eventos de regeneração, o re-
sultado será de falha da reinervação dos recep-
tores alvos e, possivelmente, formação de neu-
roma (Figura 9.6F) (FONSECA, 2018), que
constitui uma massa de neurofibras aleatoria-
mente orientados, formada pelo encontro do
cone de crescimento com uma massa de tecido
conjuntivo (HUPP et al., 2015), como mostrado
na Figura 9.7, e podem ainda ser dolorosos ou
assintomáticos, dependendo da sensibilidade
tanto para estímulos mecânicos quanto para ati- Fonte: Fonseca, 2018.
vação do sistema simpático por manipulação
química ou fisiológica (FONSECA, 2018). CONCLUSÃO
As lesões nervosas que podem ser repara-
das cirurgicamente incluem as resultantes de Assim, os achados dessa revisão de litera-
compressão nas quais a descompressão possa tura trazem que a cicatrização óssea pode ser do
resultar em cura e ruptura parcial ou completa tipo primária ou secundária, contudo, os ossos
do nervo (POGREL et al., 2016). faciais cicatrizam prioritariamente por cicatri-
A cirurgia deve ser realizada o quanto antes zação primária. Além disso, há três estágios no
e poucos meses após a lesão. Quanto mais se processo de cicatrização: a fase inflamatória, a
espera, maior pode ser a chance de degeneração reparadora e a de remodelação.
do segmento distal do nervo e de formação de Já a reparação em tecido mole pode ocorrer
neuroma no segmento proximal, o que tornaria por primeira ou segunda intenção, sendo o pri-
necessária uma excisão e complicaria qualquer meiro tipo o mais simples e o preferível, já que
procedimento de reparação (POGREL et al., ocorre mais rapidamente e com formação mí-
2016). nima de cicatriz.
Por sua vez, a regeneração em tecido ner-
Figura 9.7 A. Neuroma. B. Exemplo clínico de voso só ocorre após a degeneração. Essa últi-
um neuroma do nervo alveolar inferior. ma pode ocorrer de dois tipos, dependendo do
grau do trauma ao nervo, quando esse preserva
a estrutura dos axônios, é chamada de desmie-
linização segmentar, já quando uma porção do
axônio se desintegra, é chamada de degenera-
ção walleriana.

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Janeiro: Elsevier; 2015.

78 | Página
CAPÍTULO 10
PROTOCOLO DE URGÊNCIA E
EMERGÊNCIA NA RECUPERAÇÃO
DE PACIENTES COM TRAUMA DE
FACE
Palavras-chave: Urgência, Traumatologia, Emergência

SOPHIA PORTO DE CASTRO¹


CÁSSIO FILHO CYSNEIROS DE ASSIS¹
LUIZ HENRIQUE PARANHOS DE SOUSA ROSA ¹
EDUARDO MACEDO SOUSA¹
JÚLIA DE OLIVEIRA SOUZA TEIXEIRA¹
CAÍQUE SEABRA GARCIA DE MENEZES FIGUEIREDO¹
LARA PEDRIEL BARRETO¹
VICTORIA SERVIDONI DA SILVA¹
THALLYS HENRIQUE MARQUES NOGUEIRA¹
VITOR SILVA EVANGELISTA¹
JOÃO VICTOR BENEVUTO DE QUEIROZ E ATAIDES¹
CATHARINA CUNHA MEDONÇA¹
BRUNNA VERUSKA DE PAULA FARIA¹
SEBASTIÃO LEONARDO SILVA LEITE²

1
Discente – Pontifícia Universidade Católica de Goiás
2
Docente – Pontifícia Universidade Católica de Goiás

79 | Página
INTRODUÇÃO pode vir de práticas esportivas, acidentes de
trânsito, (principalmente envolvendo moto-
De acordo com a OMS (Organização Mun- cicletas e uso inadequado de equipamento de
dial de Saúde) e o CDC (Centro de Controle e proteção, como o capacete), além da violência
Prevenção de Doenças), o trauma mata mais de por agressão física, inclusive decorrente do uso
9 pessoas por minuto, representando 18 % dos de armas de fogo e armas brancas (MARTINS,
custos das doenças do mundo (ATLS, 2018). et al., 2020; MULLER, et al., 2021)
Por essa alta incidência, observa-se que o as- O controle de danos, um conceito ampla-
sunto sobressai do âmbito biológico e influi mente utilizado no estudo do trauma, e a com-
também nos aspectos sociais, econômicos indi- preensão da causa, gravidade, risco de fatali-
viduais e comunitários, além de onerar os cus- dade, avaliação da capacidade de restabeleci-
tos financeiros para a saúde pública. É preciso mento das funções e da estética e tempo decor-
avaliar que o crescimento urbano e as suas for- rido dos traumas faciais, pode contribuir para o
mas de locomoção em meios automobilísticos estabelecimento de um protocolo de urgência e
mais perigosos para o trauma facial (a exemplo emergência nas prioridades clínicas, visando
das motocicletas) além do consumo de álcool e um tratamento eficaz e de maior prevenção de
drogas, (que alteram o estado vígil da consci- adversidades (ZAMBONI et al., 2017)
ência), tornaram-se um fator de risco para trau- Dito isso, esse estudo busca revisar e com-
mas em geral, deixando claro essas associações preender a incidência de politraumatizados
desde a causa primária do trauma, o seu trata- acometidos em face e traçar um padrão de gê-
mento e a recuperação desses pacientes nero, localização e intensidade das lesões, pois
(ZAMBONI, et al., 2017). a partir dessa determinação é possível estabele-
O trauma de face gera, além do problema da cer um protocolo de manejo e tratamento que
lesão em si, outros problemas em potencial vise tanto a estabilização do paciente e de suas
como os relacionados a fatores psicológicos, es- funções vitais, quanto o reparo funcional e es-
téticos e financeiros. Observa-se ainda que este tético das lesões, além de evitar infecções e es-
tipo de trauma pode ser influenciado por fatores tabelecer formas que previnam esse tipo de
como estado socioeconômico, área geográfica e trauma.
práticas sociais, idade, sexo, etiologia e a fre-
quência das lesões faciais. Devido a sua alta in- MÉTODO
cidência este quadro é considerado um grande
problema de saúde pública (ZAMBONI, et al., Trata-se de uma revisão sistemática da lite-
2017; MULLER, et al., 2021). Somados esses ratura por meio de pesquisas na base de dados
fatores com o impacto econômico dos traumas Scielo, realizadas no primeiro semestre de
de face para os serviços de saúde, é incabível a 2022, utilizando os descritores ''Face'' AND
ausência de um protocolo padrão de atendi- ''Trauma''. Dessa busca foram encontrados um
mento para uma abordagem sistemática perante total de 16 artigos, os quaisquer posteriormente
essa apresentação específica do trauma. foram submetidos aos critérios de seleção.
Para isso o entendimento da etiologia deste Foi incluída no trabalho a literatura compre-
quadro ajuda a delinear as ações mais adequa- endida no período de 2017 a 2021, em língua
das a cada caso, não somente terapêuticas como inglesa ou portuguesa com temática concor-
também preventivas, já que a origem da lesão dante com o proposto no tema, além de estudos

80 | Página
do tipo revisão e meta-análise, integrais. Já os os tipos mais frequentes foram: no complexo
critérios de exclusão foram artigos anteriores ao zigomático, na mandíbula, no osso maxilar, nos
ano de 2017, escritos em idiomas diversos, es- ossos nasais e no arco zigomático. Nota-se
tudos realizados com neonatos, infantes e aque- também que os indivíduos mais acometidos por
les que não se enquadraram no objetivo pro- estes traumas são os que possuem menor nível
posto, duplicados ou em formato de resumo. educacional e desconhecem as causas traumáti-
Após os critérios de seleção, restaram um cas. Fato preocupante é que a agressão física,
total de 5 artigos, devidamente referenciados e no Brasil, vem mostrando uma participação
concordantes com o tema, gerando resultados crescente nos fatores etiológicos de trauma fa-
que foram apresentados na forma de redação, cial devido ao aumento da violência urbana, que
abordando as discussões que englobam os prin- pode estar associada aos conflitos socioeconô-
cipais pontos do capítulo, além de informações micos e emocionais, aos quais muitos jovens
anatômicas, estruturais e epidemiológicas fun- são submetidos. O trauma não é um problema
damentais para a compreensão do tema. meramente médico, mas também é social e eco-
nômico na medida em que influi, por exemplo,
RESULTADOS E DISCUSSÃO na perda de salário, na incapacidade perma-
nente ou provisória e na reintegração social
Identificação (MILORO et al., 2016).
Dos óbitos causados por traumas 25 a 30%
poderiam ser evitados caso houvesse uma abor- Sistematização
dagem sistematizada (FONSECA et al., 2015) Em primeiro lugar, o trauma de face é muito
Faz-se necessário compreender a causa e a gra- comum e mesmo com alta incidência, ainda não
vidade das lesões maxilo-faciais, uma vez que há protocolo padrão para esse atendimento.
podem contribuir para o estabelecimento de Logo, esse trabalho visa sugerir um “guideline”
prioridades clínicas e de investigação para o ou protocolo operacional padrão, com a finali-
tratamento e prevenção eficazes destas lesões. dade de reduzir danos até a mortalidade de in-
Etiologicamente, a agressão interpessoal é divíduos (MILORO et al., 2016).
apontada como a principal causa dos traumas Para essa sistematização, é de extrema ne-
faciais, seguida por acidentes automobilísticos, cessidade que ela seja objetiva, pragmática,
(destacando os motociclísticos), quedas, atro- com objetivo de visualizar rapidamente a gravi-
pelamentos, acidentes esportivos, acidentes de dade das lesões, se as mesmas apresentam risco
trabalho, ferimentos por arma de fogo e aci- à vida e avaliar os sinais vitais do paciente,
dentes ciclísticos. Já estatisticamente, a maior dando prioridade às lesões mais graves, porém
incidência dos traumas de face situa-se na faixa não se esquecendo das não urgentes. São consi-
etária entre 21 e 30 anos e o sexo mais aco- deradas lesões graves (ou emergenciais) aque-
metido é o masculino, embora o tipo da fratura las que ameaçam a vida, geralmente com com-
não seja influenciado pela etiologia ou pelo prometimento das vias aéreas, ventilação ou
sexo. Por outro lado, acerca do agente etioló- circulação sanguínea. Já as lesões urgentes são
gico, parece haver associação com o sexo: en- consideradas como aquelas que não apresentam
quanto os homens são mais acometidos por ameaça imediata à vida, porém com grande
agressões, as mulheres são mais vulneráveis a risco de comprometimento funcional e/ou es-
atropelamentos e quedas. Das fraturas faciais, tético. As lesões não urgentes, que são as mais

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comuns, são consideradas aquelas com menor Logo, para o paciente vítima de trauma de
comprometimento funcional ou estético e que face. seguimos a mesma ordenação com algu-
podem precisar de manejo cirúrgico ou somente mas especificidades, sobretudo na manutenção
clínico (MILORO et al., 2016). da via aérea e no tratamento definitivo nas le-
Em suma, no primeiro momento dessa ava- sões de face.
liação, é fundamental avaliar a gravidade, fun- A avaliação da via aérea é a primeira etapa
ções vitais, anatomia envolvida e mecanismo de na avaliação primária, uma vez que é neces-sá-
trauma, sendo este último fundamental para ria a entrada de ar e oxigênio no corpo, pois a
prever lesões que ainda não trouxeram mudan- baixa oferta no sangue gera disfunção e lesão
ças significativas nas funções vitais do paciente tecidual, principalmente para o cérebro e
(MILORO et al.,2016) coração, sendo então a causa mais precoce de
morte e de lesões secundárias. Portanto, garan-
Avaliação tir uma via aérea pérvia se torna essencial para
A American College of Surgeons imple- prevenção da hipoxemia e sobrevida do paci-
mentou um protocolo de avaliação sistemati- ente. A via aérea pode estar acometida, apresen-
zada em pacientes vítimas de trauma, conhe- tando obstrução total ou parcial, de início súbito
cido como ATLS (Advanced Trauma Life ou insidioso (ATLS, 2018).
Support ou Suporte Avançado de Vida no Durante a avaliação da via aérea, ao conver-
Trauma). Para tanto, no paciente com trauma de sar com o paciente e o mesmo apresentar res-
face, devemos seguir os procedimentos da ava- posta verbal clara ou audível, com frases intei-
liação primária e secundária, e assim, o conse- ras e orientada, infere-se que além da via aérea
quente tratamento definitivo, no melhor mo- estar pérvia, a função ventilatória está minima-
mento indicado. mente satisfatória e a perfusão e função cere-
• Avaliação primária brais estão minimamente adequadas (ATLS,
Os pacientes vítimas de trauma são e devem 2018).
ser tratados de forma sistematizada. A Tendo isso em vista, observa-se que o paci-
avaliação primária, trata-se de uma análise mais ente acometido de um trauma de face necessita
rápida e eficiente, com foco em lesões com de uma abordagem mais agressiva e minuciosa
risco à vida e na reanimação necessária, a fim da via aérea, já que fraturas faciais podem au-
de estabilizar o paciente. Para isso, no ambiente mentar secreções, provocar edema e avulsões
intra-hospitalar, é utilizado o mnemônico dentárias, como fatores comprometedores da
ABCDE, onde: permeabilidade da via aérea. As fraturas de
• A: garantir via aérea pérvia e proteção mandíbula por sua vez, são causas recorrentes
cervical quando indicada; de perda do suporte estrutural da via aérea, po-
• B: garantir boa ventilação e respiração; dendo ser causa de obstrução quando em
• C: garantir controle hemorrágico e bom posição supina. Em virtude disso, a manutenção
funcionamento da circulação; de uma via aérea definitiva torna-se de extrema
• D: garantir preservação do estado neu- importância e deve ser sempre avaliada no pa-
rológico e se possível prevenindo lesões secun- ciente vítima de trauma de face (ATLS, 2018).
dárias; Antes de realizar a tentativa de intubação
• E: exposição do paciente e controle do endotraqueal, é necessário fazer uma avaliação
ambiente (ATLS, 2018) da via aérea do paciente para estipular qualquer

82 | Página
eventual dificuldade, usando o mnemônico sões de hematomas e de equimoses, como he-
LEMOM. Portanto, os traumas maxilofaciais matoma periorbitário, hematoma retroauricular,
ou mandibulares graves podem ser fatores que hiposfagma, epistaxe e otorragia. Identificar se
dificultadores do procedimento (ATLS, 2018). o contorno facial está preservado ou não é
Fraturas de face, seio frontal e placa cribri- fundamental, além de pesquisar edema e enfi-
forme são contraindicações relativas à intu- sema subcutâneo e observar possíveis sinais de
bação nasotraqueal. Já para a intubação oro- fratura de ossos gnáticos ao deparar-se com um
traqueal, pode-se ter como contraindicação re- paciente traumatizado que possui mordida
lativa os traumas de face graves, onde não se aberta anterior ou mordida cruzada (ATLS,
consegue proceder à laringoscopia com conse- 2018).
quente visualização minimamente satisfatória No exame ocular, destaca-se o estudo do
das estruturas laríngeas, o que pode tornar invi- movimento extrínseco dos olhos, os quais po-
ável a realização do procedimento (ATLS, dem ser avaliados por meio de posições como
2018). supraversão, dextroversão, infraversão ou levo-
• Avaliação secundária versão; há de se identificar a condição das pál-
A avaliação secundária é feita após as me- pebras do paciente, se há inversão das margens
didas de reanimação e melhora das funções vi- palpebrais (paciente entrópio ou ectrópio) e
tais do paciente. Essa avaliação é feita a partir quemoses. No contexto de trauma, é fundamen-
de uma história clínica e um exame físico rigo- tal pesquisar um possível telecanto traumático,
roso, sendo cada região do corpo examinada. além de distopia, enoftalmia, exoftalmia, pupi-
Uma vez se tratando do exame da face, deve-se las anisocóricas ou isocóricas (MILORO et
sempre proceder à palpação de todas as estrutu- al.,2016).
ras ósseas, se possível, a avaliação da oclusão, A importância do reflexo pupilar ser feito,
exame intraoral e de partes moles, além da ava-
se dá pela possibilidade de avaliar a via afe-
liação dos pares de nervos cranianos (ATLS,
rente, que é sensitiva e diz respeito ao nervo
2018).
óptico, e a via eferente, a qual é motora e diz
Deve-se ter atenção à algumas fraturas que
respeito ao nervo oculomotor. Paralisia nervosa
podem ser de difícil identificação, tais como
pode estar presente. Exemplificando isso, a au-
fraturas nasais, zigomáticas não cominutivas e
sência de fechamento palpebral ou eversão da
de órbita (ATLS, 2018).
pálpebra sugere dano no nervo facial, assim
Após estabilização do paciente e trata-
mento das lesões potencialmente fatais, fica como uma constante abdução, movimentos de
permitido o encaminhamento para o trata- inferiorização ocular, midríase e ausência de
mento definitivo dessas lesões que não sejam atividade pupilar podem determinar acometi-
emergenciais (ATLS, 2018). mento do nervo óculomotor (MILORO et al.,
Exame Físico 2016).
Em se tratando de trauma, atentar-se ao Na palpação, vale destacar as fraturas mais
exame físico é de grande valia, uma vez que é o comuns no trauma. No terço superior da face,
momento de avaliar o paciente propriamente palpa-se o osso frontal à procura de retrações,
dito. Na inspeção, destaca-se a investigação de as quais podem significar fraturas, além de pal-
ferimentos, especialmente lacerações e abra- par os rebordos orbitários (superior, lateral, in-
ferior e medial) investigando possíveis fraturas

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na presença de crepitações ou degraus. No terço lesões, minimizando risco de infecção e cicatri-
médio da face, avalia-se, pela palpação, se há zes; (MILORO et al., 2016).
projeção preservada do osso zigomático ou al- Com o objetivo de redução da incidência
guma limitação de abertura no arco zigomático. dessas fraturas, primeiro é necessário uma cri-
Observa-se ainda se há ocorrência de crepi- teriosa identificação delas; a fixação estável dos
tações. Na maxila, há de se identificar pro- segmentos para reparação óssea, com uso de
blemas na movimentação, determinando possí- placas e parafusos; a imobilização dos seg-
veis oclusões dentárias, como também neces- mentos, com uso de técnica mais atraumática
sita-se investigar fraturas nasais, pela per- possível, importante para manter a melhor con-
cepção de desvio no osso nasal ao realizar dição fisiológica para a regeneração óssea, de
palpação do dorso e das laterais do nariz, por maneira a impedir que os micromovimentos du-
rante o processo de cicatrização formem tecido
meio de um toque bidigital. Em relação ao terço
conjuntivo fibroso e consequente pseudoar-
inferior, avalia-se especialmente a mandíbula,
trose; e o retorno da função o mais breve possí-
observando contorno, mobilidade, desvios e
vel, principalmente quando envolve os ossos zi-
presença e crepitações (MILORO et al., 2016).
gomáticos, utilizados na mastigação, pelo res-
tabelecimento da oclusão dentária. Isso envolve
Exames Complementares
um reparo ósseo primário e na estabilidade ade-
O exame padrão ouro para a suspeita de
quada dos ossos da face.
trauma de face é a tomografia computadori-
Como o tratamento objetiva o restabeleci-
zada de face sem contraste, porém em muitos
mento das funções vitais do paciente e recupe-
locais esse exame não disponível. Na ausência
ração das lesões, deverá manter-se para o paci-
desse exame, solicita-se a radiografia, com a
ente uma nutrição adequada. Pensando-se em
possibilidade de diversas incidências: Póstero-
minimizar a dificuldade de alimentação dessas
Anterior (PA); perfil; Waters (mentonaso), que
vítimas, eventualmente a dieta precisará ser de
possibilita observar os rebordos orbitários;
consistência pastosa ou até mesmo líquida. O
Hirtz (axial ou submentovértice), para melhor
paciente deve ser medicado com anti-inflama-
avaliação do arco zigomático; ossos próprios
tório e, se necessário, a administração de um
nasais, para visualização da região nasal; late-
corticoide, de maneira a evitar edema que com-
rais oblíqua de mandíbula, para avaliar fraturas
prometa as vias aéreas ou que comprima estru-
de corpo e ângulo mandibular; towne reversa,
turas nervosas importantes, como o nervo óp-
para maior precisão ao avaliar a mandíbula e
tico no caso de fraturas que comprometam a ca-
panorâmica, sendo a mais comum na odontolo-
vidade orbitária (SANTOS & MEURER,
gia (MILO-RO et al., 2016).
2013).

Tratamento
CONCLUSÃO
Sobre o tratamento definitivo, após a iden-
tificação das lesões do paciente, da reso-lução
Observa-se a necessidade de compreender a
das condições que implicam em risco à vida e
causa e a gravidade das lesões maxilo-faciais
da obtenção dos exames comple-mentares, vem
com objetivo de estabelecer uma sequência ló-
o momento da sua realização. Ele é realizado
gica de prioridade clínica (lesão graves/emer-
com o objetivo de reparo funcional e estético de
genciais, urgentes e não urgentes) e suas respec-

84 | Página
tivas investigações para tratamento/prevenção tômicas envolvidas.
adequados ao paciente. Dentre as etiologias do Assim, a primeira avaliação sistemática do
trauma de face, as três principais causas identi- trauma facial pode ser feita pelo mnemônico
ficadas foram agressão interpessoal, acidentes ABCDE do trauma, visto que esse, tem como
automobilísticos e acidentes motociclísticos. prioridade a identificação rápida e padronizada
Outros fatores que devem ser levados em de lesões com risco à vida, bem como a estabi-
consideração são o sexo, idade e localização do lização do paciente. Uma abordagem secundá-
trauma, sendo os principais grupos acometidos ria com mais detalhes deve ser feita posterior-
respectivamente: sexo masculino, idade entre mente, avaliando as demais regiões do corpo
21-30 anos e traumas faciais no complexo através do exame físico.
zigomático, mandíbula, osso maxilar e nasal. Após a estabilização do paciente e solici-
Inicialmente ao avaliar uma situação de tação de exames de imagem como tomografia
trauma de face deve-se ter em mente a identifi- computadoriza e radiografia, para melhor pers-
cação da gravidade do quadro, ou seja, se existe pectiva sobre a localização e extensão das le-
comprometimento de vias aéreas, se a venti- sões, pode ser finalmente iniciado ao trata-
lação está insuficiente e a existência de choque mento definitivo, de acordo com a individuali-
circulatório, como também os sinais vitais, dade de cada caso.
mecanismo da lesão e possíveis estruturas ana-

85 | Página
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ATLS – Advanced Trauma Life Support for Doctors. 10. sample of patients from southern Brazil. Revista do Co-
ed. Chicago: Committee on Trauma; 2018. légio Brasileiro de Cirurgiões, v. 48, 2021.
MARTINS, N. et al. Facial trauma and background level: SANTOS, A.M.B. & MEURER, E. Trauma de face:
a study on the population’s perspective. Revista CEFAC, eventos agudos na atenção básica. UFSC, 2013. Disponí-
v. 22, 2020. vel em: https://ares.una-
sus.gov.br/acervo/handle/ARES/886
MILORO, M. et al. Princípios de cirurgia bucomaxilofa-
cial de Peterson. 3. ed. São Paulo: Santos Editora; 2016. ZAMBONI, R. A. et al. Epidemiological study of facial
fractures at the Oral and Maxillofacial Surgery Service,
MULLER, V. A. et al. Functional recovery time after fa- Santa Casa de Misericordia Hospital Complex, Porto
cial fractures: characteristics and associated factors in a Alegre - RS – Brazil. Revista do Colégio Brasileiro de
Cirurgiões, v 44. p. 491-7 2017

86 | Página
CAPÍTULO 11
RECONSTRUÇÃO DE FACE NO
TRAUMA: UMA VISÃO GERAL
Palavras-chave: Cirurgia Plástica; Traumatismos Maxilofaciais; Procedimentos
Cirúrgicos Reconstrutivos

LETÍCIA DE PAULA CARVALHO SILVA¹


ANA RITA DA SILVA NUNES¹
BRUNA LEÃO LEMOS CÂMARA¹
JOÃO LUCAS DUAILIBE DE GUSMÃO LOBATO¹
NATÁLIA CARVALHO FONSÊCA¹
THIAGO DUTRA MENDONÇA¹
ISABELA VITÓRIA DE ARAÚJO COSTA MELO¹
LUCAS DE PAULA NASCIMENTO BARROS¹
BRENNO RANIÉRE DA SILVA ARAÚJO¹
LUIZA OLIVEIRA SILVA¹
LUA LIMA SILVA¹
MARIA FERNANDA DANTAS DE MORAES¹
ANA CAROLINA BRAGA AIRES¹
AMANDA CAMPOS DE GODOI AMARO¹
GIZELE DE OLIVEIRA SANTOS SILVA¹

1
Discente - Medicina da Universidade Federal do Maranhão

87 | Página
INTRODUÇÃO as principais condutas e procedimentos cirúr-
gicos no contexto do trauma de face.
O trauma de face tem grande incidência e
apresenta diversos mecanismos de lesões, o que MÉTODO
o caracteriza como um problema de grande re-
levância para a saúde pública. Esse tipo de Trata-se de uma revisão sistemática reali-
trauma pode se apresentar com alta morbidade, zada no período de janeiro a fevereiro de 2022,
perda funcional e sequelas estéticas, além do por meio de pesquisas de artigos publicados nas
alto custo para o sistema de saúde, decorrente bases de dados Scielo, PubMed e Medline, bem
dos cuidados dos quais os pacientes traumati- como os livros: Anatomia orientada para a clí-
zados necessitam (RAPOSO et al., 2013). nica, de Keith L. Moore; O Exame Neuroló-
Ademais, o trauma facial possui diversas gico, de William Campbell; Eventos Agudos
etiologias, com maior ou menor predominância Na Atenção Básica: Trauma De Face, de Aira
de cada uma delas, relacionada a fatores como Maria Bonfim Santos e Eduardo Meurer;
violência, idade, sexo e classe social (MOURA PHTLS Atendimento Pré-hospitalizado ao
et al., 2016). O manejo do trauma maxilofacial Traumatizado, 8ª edição; e o ATLS Advanced
demanda o tratamento de fraturas ósseas, Trauma Life Support, 10ª edição. Os descritores
trauma dentoalveolar e feridas de tecido mole, utilizados foram “reconstrução”, “lesão” e
bem como o tratamento de lesões associadas. “face”. Foram encontrados 712 artigos nessa
Por isso o atendimento multidisciplinar é fun- busca, os quais foram submetidos aos parâme-
damental para o diagnóstico e tratamento das tros de inclusão. Os parâmetros usados foram:
lesões faciais e envolve principalmente as áreas artigos nos idiomas português, inglês e espa-
de especialidades do trauma, oftalmologia, ci- nhol, expostos publicamente entre 1997 e 2021
rurgia plástica, cirurgia maxilofacial e neuroci- e com abordagem de temáticas relacionadas à
rurgia. Vale ressaltar ainda que, na maior parte proposta de pesquisa, trabalhos do tipo revisão
desses casos, as fraturas ocorrem principal- e livros renomados a respeito do tema, disponí-
mente nas regiões de mandíbula, complexo veis integralmente. Os critérios de exclusão uti-
maxilozigomático e nariz (MOURA et al., lizados foram: artigos dispostos na forma de re-
2016). sumo, duplicados, desatualizados, que não
De forma didática, esse tipo de trauma pode abordavam de modo satisfatório o tema estu-
ser dividido anatomicamente em fraturas que dado e que não cumpriam inteiramente os pa-
acometem o terço superior (osso frontal e re- râmetros de inclusão.
gião supraorbital), terço médio (ossos nasais, Após a seleção dos artigos, restaram 65 pu-
maxila, cavidade orbitária e complexo zigomá- blicações, as quais foram inteiramente lidas, de
tico) e terço inferior (mandíbula). Atualmente, forma minuciosa, para a coleta de dados. As
sistemas de fixação interna rígida são usados conclusões foram demonstradas de modo des-
para tratar essas fraturas, por meio de aborda- critivo, fragmentados em grupos temáticos, dis-
gem cirúrgica, com resultados satisfatórios correndo sobre a epidemiologia, o protocolo do
tanto estéticos como funcionais (YANG et al., ATLS, a anatomia da face, passando por feri-
2012). mentos simples, lacerações com perda de te-
Este estudo tem como objetivo realizar uma cido, bem como laceração de estruturas impor-
revisão de literatura acerca da epidemiologia e tantes. Além disso, lesões craniofaciais como

88 | Página
fraturas dos maxilares e órbita, finalizando com mento no número de mulheres vítimas de trau-
cirurgias de reconstrução da face, possíveis mas faciais, principalmente devido ao maior en-
complicações e o pós-operatório. volvimento em atividades físicas, habilitação
para dirigir e o aumento da violência nas gran-
RESULTADOS E DISCUSSÃO des cidades (MOTTA, 2009). Adiciona-se
ainda que a faixa etária mais acometida é a que
Epidemiologia compreende indivíduos de 19 e 25 anos, devido
O trauma é um dos principais problemas de à maior exposição desses pacientes aos fatores
saúde pública em todos os países, acometendo de risco (MASSUIA et al., 2014).
cerca de 60 milhões de pessoas todos os anos e Dentre os locais mais acometidos das fratu-
contribuindo para uma a cada seis internações ras faciais, encontramos a mandíbula e o nariz
hospitalares (BATISTA et al., 2006). O trauma- como os mais prevalentes, seguido do zigoma e
tismo facial destaca-se como um dos mais im- órbita (MASSUIA et al., 2014). Destaca-se que
portantes, devido, principalmente, às conse- a mandíbula é a mais acometida em acidentes
quências emocionais, dificuldades funcionais e por automóveis e motocicletas. (MASSUIA et
deformidades permanentes (NETO et al., al., 2014). Já em relação ao acometimento de
2014). nariz, acredita-se que a razão seja em decorrên-
Ressalta-se que o trauma facial se encontra cia da posição central que ele ocupa na face, o
entre os diagnósticos mais frequentes nos paci- que aumenta sua vulnerabilidade, sendo a
entes de um pronto socorro geral, represen- agressão física a principal causa de trauma
tando 7,4 % - 8,7 % dos atendimentos de emer- nesta região (PEREIRA et al., 2008).
gência (MOTTA, 2009). Ademais, devido à
grande vulnerabilidade dessa região, a maioria Protocolo ATLS (Advanced Trauma Life
dos casos de traumas graves apresentam lesões Support)
faciais associadas (NETO et al., 2014). O tratamento dos doentes traumatizados
Quanto às causas dos traumas de face, estu- deve incluir uma avaliação rápida das lesões e
dos apontam que algumas das principais são os a instituição de terapia de preservação da vida.
acidentes com motocicletas (19,57 %), automó- Desse modo, a sistematização da abordagem ao
veis (16,3 %) e agressão física (31,52 %) no paciente é essencial para otimização do tempo
Brasil (MASSUIA et al., 2014). A diminuição e precisão das medidas a serem adotadas. Este
dos casos por acidentes em rodovias se explica processo constitui o ABCDE dos cuidados do
devido à adoção de diversas medidas de segu-
doente traumatizado e identifica as condições
rança no trânsito nos últimos anos, como bar-
que implicam em risco de morte através da se-
reiras eletrônicas de velocidade, uso obrigatório
guinte sequência: A - via aérea com proteção da
de cinto de segurança e capacetes (NETO et al.,
coluna cervical; B - ventilação e respiração; C -
2014). Além disso, as quedas da própria altura
circulação com controle da hemorragia; D - dis-
em crianças e idosos também se apresentam
função, avaliação do estado neurológico; E - ex-
como uma importante causa de traumas faciais
posição/controle do ambiente (AMERICAN
(PEREIRA et al., 2008).
COLLEGE OF SURGEONS, 2018).
Epidemiologicamente, o grupo mais afe-
tado são os homens (76 %), apesar do cresci-

89 | Página
Via aérea e ventilação o potencial de dificuldade da intubação e con-
A compreensão do tipo de trauma é manda- siste nas seguintes avaliações (AMERICAN
tória para proporcionar um manejo adequado da COLLEGE OF SURGEONS, 2018):
via aérea. Traumas de terço médio facial podem ● L: (look externally) olhe externamente:
ocasionar fraturas e luxações que comprome- procurar por características que são conhecidas
tem a nasofaringe e a orofaringe. Fraturas faci- por causar intubação ou ventilação difícil.
ais podem ser associadas a hemorragia, edema, Exemplo: trauma facial;
aumento de secreções e avulsões dentárias que ● E: (evaluate) avalie a regra 3-3-2: para
aumentam a dificuldade para manutenção da permitir o alinhamento dos eixos faríngeos, la-
permeabilidade da via aérea. Fraturas da man- ríngeo e oral e, portanto, uma fácil intubação,
díbula, principalmente fraturas bilaterais do observar as seguintes relações:
corpo, podem levar à perda do suporte estrutu- A distância entre os dentes incisivos deve
ral da via aérea, e pode ocorrer obstrução ser de pelo menos 3 dedos (3), a distância entre
quando em posição supina. Doentes que não o osso hióide e o mento deve ser de pelo menos
permanecem em decúbito dorsal podem ter di- 3 dedos (3) e a distância entre a proeminência
ficuldades em manter a via aérea pérvia ou eli- tireóidea e o assoalho da boca deve ser de pelo
minar secreções. Além disso, por comprometi- menos 2 dedos (2).
mento de tônus muscular, anestesia geral, se- ● M: mallampati: certificar-se de que a hi-
dação e relaxamento muscular podem obstruir pofaringe seja adequadamente visualizada atra-
a via aérea. Ressalta-se ainda que intubação vés da classificação de Mallampati, a qual pode
endotraqueal pode ser necessária para manter a ser visualizada na Figura 11.1.
permeabilidade da via aérea (AMERI-CAN
COLLEGE OF SURGEONS, 2018). Figura 11.1 Classificação de Mallampati
É fundamental também a realização de uma
oroscopia, com rápida limpeza da cavidade oral
e da orofaringe, e a cânula de Guedel pode ser
uma opção para manter a orofaringe desobstru-
ída e permeável. A oximetria de pulso e a me-
dida do CO2 expirado são essenciais para a ava-
liação da permeabilidade da via aérea e da qua-
lidade da ventilação, e devem ser feitas de
modo rápido e preciso. Ademais, doentes com
Fonte: ATLS, 2018.
fraturas faciais podem apresentar fraturas de
placa crivosa associadas, e a introdução de son-
● O: obstrução: qualquer condição que le-
das através do nariz pode resultar na passagem
ve à obstrução da via aérea tornará a laringos-
da sonda para o interior da caixa craniana
copia e a ventilação difíceis;
(AMERICAN COLLEGE OF SURGEONS,
● N: (neck mobility) mobilidade cervical:
2018).
os doentes que necessitem de restrição do mo-
Traumas maxilofaciais ou mandibular gra-
vimento da coluna cervical obviamente não
ves indicam possíveis dificuldades nas mano-
apresentam movimento do pescoço e, portanto,
bras de via aérea. Para esses casos, o mnemô-
são mais difíceis de serem intubados.
nico LEMON é uma ferramenta útil para avaliar

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A prioridade inicial no manejo da via aérea grande calibre devem ser obtidos para admi-
é garantir a oxigenação contínua, enquanto res- nistrar fluido, sangue e plasma. Nos casos de
tringe-se o movimento da coluna cervical. Tal choque hipovolêmico, inicia-se terapia com flu-
manejo é realizado a partir da elevação do idos IV com soluções cristalóides, que devem
mento ou da mandíbula e por inserção de cânula ser aquecidas. Se não houver resposta à terapia
naso ou orofaríngea. Em casos de impossibili- inicial com cristalóide, a transfusão de sangue
dade da inserção do tubo, pode-se tentar venti- deve ser realizada (AMERICAN COLLEGE
lação via bolsa-válvula-máscara ou outro dispo- OF SURGEONS, 2018).
sitivo extraglótico. A cricotireoidostomia pode
ser realizada em caso de falha das medidas ini- Avaliação secundária
ciais (AMERICAN COLLEGE OF SURGE- Ao exame da face, deve-se realizar a pal-
ONS, 2018). pação de todas as estruturas ósseas, avaliação
da oclusão, exame intraoral e avaliação das
Circulação partes moles. O trauma maxilofacial que não
A hemorragia constitui importante causa de apresenta via aérea obstruída ou sangramento
mortes evitáveis após o trauma. Sua identifi- importante deve ser tratado somente após
cação e controle rápido para iniciar a reani- estabilização do doente e as lesões com risco de
mação são etapas fundamentais da avaliação e morte terem sido tratadas. Doentes com fraturas
do tratamento dos doentes. Os elementos clíni- de terço médio da face também podem ter uma
cos que agregam informações importantes em fratura da placa crivosa. Para esses doentes, a
instantes são o nível de consciência, perfusão de sonda gástrica deve ser inserida por via oral
pele e o pulso, que quando alterados podem in- (AMERICAN COLLEGE OF SURGEONS,
dicar hipovolemia: rebaixamento do nível de 2018).
consciência, pele acinzentada e extremidades Para minimizar a formação de edema e fa-
pálidas, além de pulso rápido e fino (AMERI- cilitar o exame oftalmológico, deve-se elevar a
CAN COLLEGE OF SURGEONS, 2018). cabeceira da cama (posição de Trendelemberg
As lesões extensas de partes moles e as fra- invertida quando há suspeitas de lesão na co-
turas comprometem o estado dinâmico do do- luna). Deve-se também manter um alto índice
ente traumatizado a partir da perda sanguínea e de suspeita quanto à identificação de fraturas, e
pelo edema que ocorre nas partes moles trauma- obter imagens quando necessário, além de rea-
tizadas (AMERICAN COLLEGE OF SURGE- valiar com frequência os doentes (AMERICAN
ONS, 2018). O uso de tampões, pinçamento de COLLEGE OF SURGEONS, 2018).
vasos e suturas são opções para conter o sangra-
mento nos casos de trauma facial, visto que esta Avaliação neurológica e exposição ambi-
é uma região altamente vascularizada, princi- ental
palmente pelos ramos da carótida externa A avaliação rápida do estado neurológico
(SANTOS & MEURER, 2013). permite avaliar a oxigenação, ventilação e per-
O controle definitivo do sangramento é es- fusão por meio da Escala de Coma de Glasgow,
sencial, assim como a reposição volêmica ade- que determina o nível de consciência e a reação
quada. Deve-se estabelecer o acesso vascular; pupilar do doente, de modo que sejam feitas as
tipicamente dois acessos venosos periféricos de intervenções necessárias para evitar lesão cere-

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bral secundária, haja vista que mudanças no ní- visceral, o nervo intermédio (MOORE, 2011).
vel de consciência devem inicialmente ser pen- Como pode ser observado na Figura
sadas como resultado de lesão no sistema ner- 11.2, o nervo entra na glândula parótida, divi-
voso central (AMERICAN COLLEGE OF dindo-se em cinco ramos, dos quais três são zo-
SURGEONS, 2018). nas de perigo: cervical, temporal, marginal
Durante a avaliação inicial, o doente deve mandibular, zigomático e bucal. As áreas de pe-
ser despido para facilitar a realização de um rigo na face se encontram nos locais onde os ra-
exame completo e logo em seguida deve ser mos do NC VII tornam-se mais superficiais.
aquecido com cobertores térmicos para evitar
hipotermia. A temperatura da sala de emergên- Figura 11.2 Divisão dos ramos do nervo facial
cia deve ser aumentada e os fluidos cristaloides
devem ser aquecidos previamente à adminis-
tração (AMERICAN COLLEGE OF SURGE-
ONS, 2018).

Aspectos anatômicos da face


A face é a superfície anterior da cabeça, da
fronte ao queixo e de uma orelha à outra, tendo
seu formato básico determinados pelos ossos
subjacentes. A região facial, parte do viscero-
crânio, é composta pelos ossos nasais, conchas
nasais inferiores, ossos lacrimais, vômer, maxi- Fonte: CAMPBELL, 2014.
las, palatinos, zigomáticos e mandíbula
(MOORE, 2011). O ramo frontal se torna mais superficial à
Os músculos da mímica facial podem ser di- medida que cursa cefalicamente na têmpora, os
vididos em: esfíncter palpebral, esfíncter das ramos zigomáticos são mais vulneráveis na re-
narinas e esfíncter da boca. O músculo orbicu- gião imediatamente lateral e inferior à eminên-
lar do olho realiza o fechamento ativo das pál- cia zignomática, e o ramo cervical têm maior
pebras; enquanto sua abertura é feita pelo mús- risco de lesão na região dos ligamentos masse-
culo levantador da pálpebra superior. Os mús- téricos (MOORE, 2011).
culos responsáveis pela dilatação das narinas O suprimento sanguíneo da cabeça e pes-
são o abaixador do septo nasal e a parte alar do coço é feito através das artérias subclávia e as
músculo nasal; já a contração é feita pela parte carótidas interna e externa. Já a drenagem
transversa do músculo nasal. Além disso, o bhveias facial, supratroclear e supraorbital,
músculo bucinador e orbicular da boca permi- temporal superficial, jugular externa, jugular
tem a contração dos lábios e bochechas anterior e veia sentinela (MOORE, 2011).
(MOORE, 2011).
O nervo facial (VII), principal responsável Ferimentos simples da face
pela motricidade dos músculos da mímica fa- As feridas consideradas simples são aquelas
cial, emerge da junção da ponte com o bulbo cuja cicatrização evolui espontaneamente, pas-
como duas divisões: uma raiz motora, o nervo sando pelas fases de inflamação, proliferação
facial propriamente dito, e uma raiz sensitiva e celular e remodelação tecidual (SMANIOTTO

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et al., 2012). de parte das etiologias desse tipo de lesão, uma
No atendimento ao paciente politraumati- vez que esse nervo se exterioriza do crânio pelo
zado, é quase certo que haverá a identificação forame estilomastóideo (POETA et al., 2019).
de lesão dos tecidos moles, como pele, gordura As lesões de nervos periféricos podem ser
e músculos, já que essas lesões assumem desta- divididas em três classificações: neuropraxia,
que no atendimento emergencial e pedem axonotmese e neurotmese. Na neuropraxia, há
atenção cuidadosa na abordagem, pois a abor- contusão nervosa com bloqueio transitório da
dagem inadequada pode afetar a qualidade de condução nervosa. Na axonotmese, os axônios
vida e a convivência social do paciente são rompidos. Já na neurotmese, há transecção
(SMANIOTTO et al., 2012). total do nervo. Nas duas primeiras classifica-
Inicialmente, realiza-se uma avaliação mi- ções, há recuperação espontânea, enquanto na
nuciosa, identificando a extensão da lesão, o es- terceira um procedimento cirúrgico de reparo é
tado geral do paciente e possíveis fraturas. Pos- necessário (POETA et al., 2019).
teriormente, prossegue-se com a limpeza cor- A sutura entre o coto proximal e distal do
reta do ferimento, que garante a boa cicatriz- nervo lesionado sem que haja tensão é o trata-
zação e evita infecções. Após a limpeza, deve- mento de primeira escolha para a cirurgia de re-
se realizar o desbridamento, se houver necessi- construção. Quando não é possível realizar a su-
dade, e só então realizar a sutura da laceração tura sem tensão, utilizam-se enxertos de inter-
(VALDERRAMA, 2006). posição. O enxerto autólogo é atualmente pa-
A sutura requer alguns cuidados especiais e drão ouro no reparo do defeito de nervos; mais
o uso de material adequado. Para minimizar as comumente, o nervo sural é utilizado como do-
tensões superficiais, a reaproximação dos teci- ador nesta técnica (JONES et al., 2016).
dos durante a sutura deve acontecer por planos Alternativamente ao enxerto autólogo, tem-
anatômicos, para que seja restabelecida a se utilizado tubos condutores entre os cotos dos
função dos músculos da expressão facial e evi- nervos para direcionar e favorecer a regenera-
tar a formação de espaços mortos (VALDER- ção. Esta técnica tem por vantagens evitar a for-
RAMA, 2006). mação de neuromas no sítio doador e não está
limitada à quantidade de tecido doador disponí-
Lacerações de estruturas profundas vel. No entanto, ainda não há material ideal para
As lacerações de face com perda de tecidos a realização desta técnica (JONES et al., 2016).
profundos têm severas consequências fisioló- Nos traumas faciais, são frequentes as le-
gicas e psicológicas para o paciente. Danos a sões da região medial das pálpebras, onde estão
nervos, glândulas lacrimais e salivares causam situadas as estruturas das vias lacrimais. A lesão
distúrbios funcionais no lacrimejamento, ali- traumática dos canalículos lacrimais deve ser
mentação e mímica facial, além do prejuízo es- corrigida nas primeiras 72 horas. Inicialmente,
tético que pode levar a quadros de ansiedade e deve-se localizar as porções proximal e distal
depressão (POETA et al., 2019). do canalículo lesado (FONSECA et al., 2015).
As lesões no nervo facial e suas ramifica- Para a reconstrução do canalículo, é feita
ções podem resultar em paralisia facial, assi- primeiramente a sutura dos planos profundos,
metrias, prejuízo na degustação e nas expres- depois introdução e fixação do molde para o ca-
sões, entre outras complicações. Os traumas nal lacrimal, e por fim a sutura do tecido subcu-
que fraturam o osso temporal representam gran- tâneo, conjuntivo e pele. Em casos de lesão do

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saco lacrimal e do ducto lacrimonasal, tenta-se Fraturas no terço médio da face incluem fra-
a sondagem de toda a via lacrimal com sonda turas que afetam a maxila, o zigoma, os ossos
de Crawford. Caso a sondagem não seja bem nasais e podem ocorrer de formas isoladas ou
sucedida, realiza-se a dacriocistorrinostomia combinadas. Foram classificadas em: Le Fort I,
(FONSECA et al., 2015). Le Fort II, Le Fort III, fratura do complexo
Já as lesões traumáticas nos ductos salivares naso-orbitoetmoidal, fratura do complexo zi-
são comumente causadas por objetos pontiagu- gomáticomaxilar e fratura do arco zigomático
dos e perfurocortantes e com frequente obs- (SANTOS & MEURER, 2013).
trução do ducto por corpo estranho. A recons- A fratura Le Fort I geralmente é provocada
trução dos ductos salivares por técnica cirúrgica por impacto horizontal. Há a ruptura da sutura
deve ser feita sempre que possível. Lesões na entre a maxila e o processo pterigóide do osso
porção distal do ducto são mais facilmente esfenóide, separando também a maxila das es-
identificáveis e favorecem o sucesso desta téc- truturas nasais e zigomática. Na fratura Le Fort
nica cirúrgica (FAVERET, 2015). II, há a separação da maxila e do complexo na-
sal da órbita, e, na Le Fort III, há a separação do
Fraturas craniofaciais complexo naso-orbitoetmoidal, os zigomas e a
Dentre os inúmeros fatores etiológicos dos maxila do crânio (SANTOS & MEURER,
traumas faciais, podemos destacar os casos de 2013).
acidentes automobilísticos, nos quais as lesões Ocorre fratura naso-orbitoetmoidal quando
faciais e oculares decorrem do choque da face há o envolvimento da estrutura nasal, da maxila
contra o parabrisa ou painel, o que seria facil- e órbita. Como características clínicas, o paci-
mente evitado por meio do uso do cinto de se- ente apresenta achatamento do terço médio da
gurança (KUHNEN et al., 2006). face, aumento da distância intercantal, possibi-
As fraturas de órbita podem ser do tipo lidade de haver diplopia ou dificuldade de mo-
“blow-out”, que representam a explosão do as- vimentação do globo ocular devido ao aprisio-
soalho desta. Este tipo de fratura não é a mais namento dos músculos por fragmentos ósseos
frequentes, mas é de importante diagnóstico e (SANTOS & MEURER, 2013).
tratamento pela sua relação com o globo ocular As fraturas de crânio podem ocorrer na ca-
(KUHNEN et al., 2006). lota ou na base do crânio. Os sinais clínicos de
Existe uma classificação para fraturas de as- fratura de base de crânio incluem a equimose
soalho de órbita que se subdivide em tipo I cen- periorbital (olhos de guaxinim), a equimose re-
tral (confinada acima do complexo naso-etmoi- troauricular (sinal de Battle), fístula liquórica
dal, passando pelo osso frontal e o terço medial através do nariz (rinorreia) ou do ouvido (otor-
da margem orbital superior), tipo II unilateral reia) e disfunção dos sétimo e oitavo nervos cra-
(envolve toda margem supra-orbital e parede la- nianos (paralisia facial e perda de audição), que
teral da órbita, se estendendo até a porção esca- podem ocorrer imediatamente ou poucos dias
mosa do osso temporal e lateralmente ao osso após a lesão inicial (AMERICAN COLLEGE
frontal) e tipo III bilateral (envolve todo com- OF SURGEONS, 2018).
plexo naso-etmoidal, margem e parede orbital Os tipos de fratura de crânio podem ser: fra-
superiores e ambos os lados do osso frontal) turas lineares não deprimida, que são observa-
(BURSTEIN, 1997). das nos exames radiológicos, não requerem tra-

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tamento específico e a conduta deve ser direci- Partindo para a reconstrução da orelha, vá-
onada para a lesão cerebral associada; fraturas rias técnicas podem ser empregadas para o re-
de crânio com afundamento; fraturas abertas de paro da mesma, porém a solução pode estar
crânio, que são aquelas que apresentam co- centrada na utilização de retalhos cutâneos ou
municação direta entre a laceração do couro condrocutâneos que demonstraram resultados
cabeludo e o parênquima cerebral em conse- satisfatórios em perdas parciais de orelha no
quência do rompimento da dura; além da fratura pós-trauma. Para o tratamento dessa área, deve-
de base de crânio, que muitas vezes não se apre- mos fazer a aproximação das bordas da ferida,
senta ao exame radiológico, mas o diagnóstico mas, muitas das vezes, essa técnica não pode ser
é dado pelos achados clínicos (PHTLS, 2017). utilizada. Dessa forma, a escolha da técnica
deve ser baseada na extensão da lesão, nos teci-
Cirurgia de reconstrução da face dos remanescentes e na perda ou não do arca-
No que tange a reconstrução de pálpebras, o bouço cartilaginoso (OTTAT, 2015).
objetivo dessa prática é a recriação da auto-es- Em casos com perda acima de 2,5 cm de te-
tima do paciente e manutenção da sua função cido cartilaginoso, opta-se por um retalho cutâ-
biológica, dispondo de uma cobertura satisfa- neo feito de forma retangular, com uma incisão
tória para o globo ocular, providência de uma que deve ser feita à borda do defeito e o desco-
mecânica de fechamento adequada e preser- lamento continua na pele retroauricular, pas-
vação do filme lacrimal (FONSECA et al., sando pela região mastoidea até a linha de im-
2015). plantação do cabelo. Nesses casos, com o in-
Pontos importantes para uma satisfatória re- tuito de diminuir a tensão do retalho, que pode
construção palpebral seriam um bom exame do acometer essa região, seria interessante o uso do
olho e órbita, procurando por lesões e corpos mononylon 4.0 para fixar a concha à região
estranhos que possam estar presentes, além de mastóide (OTTAT, 2015).
providenciar o desbridamento de feridas quan- A sutura é feita com mononylon 5.0 e em
do necessário (FONSECA et al., 2015). extremidade distal do retalho é usado o mono-
Para um reparo cirúrgico satisfatório, deve- nylon 6.0, os curativos são realizados com mol-
se usar sutura não absorvível, quando a margem des de algodão embebido com soro fisiológico
palpebral for danificada. Em caso de perda no relevo da orelha e uma proteção com gaze e
substancial de tecido, enxertos locais de pele e um curativo acolchoado para uma proteção
retalhos podem ser necessários para uma me- contralateral. Em casos menores do que 2,5 cm
lhor ação corretiva (FONSECA et al., 2015). e em casos que aconteceu um defeito apenas na
A devida atenção deve ser dada à pálpebra borda da hélice, devemos fazer uso de um reta-
superior para a prevenção de ptose. Os múscu- lho condrocutaneo supero-inferior, com uma
los elevador e reto do globo ocular devem ser incisão no limite entre as áreas da escafa e da
avaliados com muita cautela, a fim de garantir hélice, paralela ao defeito a ser restaurado. É
sua integridade. Nesse contexto, lacerações a feito um deslocamento medial sob a cartilagem
essa área devem ser devidamente suturadas a conchal para facilitar o avanço dos retalhos até
fim de evitar ptose, já a reparação será mais di- cobrir a área desejada, suturando com o mono-
fícil em uma cirurgia secundária (FONSECA et nylon 5.0 e finalizando com curativo acolcho-
al., 2015). ado para uma proteção contralateral (OTTAT,
2015).

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A cirurgia de reconstrução do nariz é de di- bial é funcional, principalmente com a preser-
fícil execução pela topografia central e proemi- vação do músculo orbicular dos lábios e inerva-
nente na face. Além disso, o cuidado com a re- ção sensitiva. Com o correto funcionamento,
gião doadora é fundamental, haja vista que a não haverá vazamento de líquidos, abrirá corre-
pele varia quanto à cor, textura, espessura e tamente e será possível sua higiene. A técnica
idade. Alguns desafios da execução cirúrgica adequada varia de sutura simples, para peque-
são a reconstrução da ponta e septo nasal, os nas alterações (até ⅓ do lábio), ou procedimen-
quais, uma vez mal construídos, podem acarre- tos mais complexos para áreas maiores de ⅓, a
tar em obstrução aérea significativa (MOURA exemplo dos retalhos de Gillies, nasogeniano e
et al., 2016). da mucosa nasal (FAVERET, 2015).
A técnica utilizada na reconstrução nasal A fim de que a reconstrução labial seja ade-
dependerá da região afetada e do tamanho do quada, deve-se respeitar alguns pontos impor-
defeito. O fechamento primário é bastante utili- tantes, como a preferência por retalhos locais,
zado, mas retalhos bilobados, glabelares, enxer- possibilitando melhor combinação entre cor,
tos e fechamento por terceira intenção também textura e espessura. Além disso, é necessário
são utilizados. Uma das possíveis intervenções respeitar os limites topográficos e procedimen-
para reconstrução nasal total é o uso de retalho tos estéticos, posicionar as suturas nos sulcos
frontal bilateral e enxerto de cartilagem auricu- faciais, manter simetria entre lábio superior e
lar bilateral em bloco. A exemplo dessa inter- inferior e alinhar a zona de transição entre pele
venção, há a chamada “técnica em sanduíche”, e vermelhão (FAVERET, 2015).
que consiste de dois retalhos frontais permea- Para o reparo do lábio superior, o fecha-
dos pelas cartilagens auriculares. O primeiro re- mento primário deve ser realizado apenas nos
talho formará o novo teto das fossas nasais, com pequenos defeitos, utilizando pouco dos reta-
cartilagem em formato tridimensional, funcio- lhos locais, visto que podem distorcer o filtro,
nando como suporte da nova estrutura nasal. O “arco de cupido”, linha cutaneomucosa e sulco
segundo retalho é responsável pela cobertura nasogeniano. Para defeitos maiores, o método
exterior (MOURA et al., 2016). de escolha é o retalho cutâneo de avançamento,
O acometimento nasal também pode ser o qual é avançado no sentido do defeito, o que
classificado como complexo, isto é, quando é realizado por excisão de uma porção ao redor
afeta simultaneamente mucosa, suporte carti- da asa nasal ou por incisão ao longo da borda
laginoso e pele nasal. A reconstrução varia de do vermelhão. Os retalhos de transposição peri-
acordo com localização e tamanho da área afe- labiais também são alternativas na reconstrução
tada. A reconstrução da mucosa pode ser feita de defeitos de espessura parcial do lábio
com retalho septal condromucoso contralateral, superior. Tais retalhos recrutam também mais
uncoso ipsilateral ou retalho cutâneo malar em tecido do que os de avançamento. Já para os
cambalhota. Por sua vez, o suporte cartilagi- pequenos defeitos do lábio inferior, a excisão
noso pode ser feito com enxerto de cartilagem em V seguida de síntese primária é o método
septal e conchal, já o tecido cutâneo, com reta- preferencial de escolha. No entanto, para defei-
lho paramediano frontal (QUINTAS et al., tos grandes, maiores do que ⅓, os retalhos lo-
2013). cais são preferência. Dentre eles, destacam-se
O principal objetivo com a reconstrução la- os retalhos de rotação e avançamento através da
comissura labial, a exemplo dos retalhos de

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Gillies e Karapandzic, e os retalhos de transfe- de cirurgias de reconstrução facial possui como
rência labial, como os de Abbé e Estlander possíveis distúrbios o edema facial excessivo,
(FAVERET, 2015). sangramentos, náuseas, vômitos, febre, pro-
dução exacerbada de seroma, contração da feri-
Possíveis complicações e pós-operatório da, instabilidade e falha na integração do en-
As complicações cirúrgicas e o pós-opera- xerto, necrose cutânea, cicatrização hipertró-
tório dependem de fatores intrínsecos ao paci- fica, fibrose tecidual, deiscência da sutura, assi-
ente, como a fisiologia, metabolismo e homeos- metria facial, sequelas funcionais, alopécia, fís-
tasia; fatores relacionados à situação de saúde, tulas salivares ou liquóricas, meningites e sialo-
por exemplo, trauma, lesão, gravidade e exten- cele parotídea, sendo as últimas mais específi-
são; fatores estruturais, como estrutura hospita- cas desse tipo de procedimento (SILVA et al.,
lar e experiência da equipe. Conforme dados da 2018).
Organização Mundial da Saúde, as desordens A presença ou ausência de complicações
no pós-operatório acontecem em 25 % dos pa- está diretamente relacionada ao prognóstico do
cientes internados (BRASIL, 2009). Nesse sen- paciente, de modo que o aparecimento de tais
tido, é imprescindível a aplicação de protocolos problemáticas está diretamente ligado à taxa de
e checklist de segurança para evitar erros e con- mortalidade, reoperações e pior qualidade de
tratempos referentes às ações cirúrgicas, po- vida do paciente (SOUSA et al., 2020).
dendo reduzir em até 75 % infecções de sítio
cirúrgico, problema comum no país (PRATES CONCLUSÃO
et al., 2018).
Dentre as complicações cirúrgicas mais co- Os resultados deste estudo evidenciam o
muns, estão presentes as falhas na expansão dos trauma de face como um significativo problema
tecidos; fracasso do implante; infecções, princi- de saúde pública, na medida em que constitui
palmente respiratórias no caso de cirurgias de importante fator de morbimortalidade, além de
face; exposição do implante; granuloma; perda envolver repercussões psicossociais e custos di-
retos e indiretos com assistência hospitalar, re-
do retalho; tromboses venosas; problemas anes-
abilitação e perda da capacidade produtiva. Di-
tésicos, problemas com a estrutura da sala de ci-
ante disso, esse capítulo reforça a relevância da
rurgia, como incêndios ou aparelhos disfunci-
abordagem multidisciplinar adequada do trau-
onais e questões iatrogênicas, como estenose.
ma e reconstrução da face, em que o reco-
Em relação aos problemas cirúrgicos específi-
nhecimento da lesão e o emprego de protocolos
cos de procedimentos relacionados à face, po-
e técnicas cirúrgicas precisam ser alinhados a
dem ocorrer desordens como parestesia, parali- uma abordagem holística do paciente, a fim de
sia facial, perda de folículos pilosos, sofrimento garantir um cuidado integral e melhor prog-
tecidual e hemorragias (MENDES et al., 2021). nóstico.
O pós-operatório é o momento no qual tem Espera-se que esse capítulo contribua para a
como objetivos o alívio da dor, restauração do disseminação e discussão do tema, estimulando
equilíbrio fisiológico, cicatrização da lesão ci- novas pesquisas na área, visto sua considerável
rúrgica e a assistência geral à recuperação do prevalência e consequências. O conhecimento
paciente, sendo necessária a reavaliação cons- da importância de uma intervenção precoce e
tante do paciente para ação imediata em caso de satisfatória desse trauma é essencial para redu-
complicações. Dessa maneira, o pós-operatório zir complicações e otimizar o atendimento.

97 | Página
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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98 | Página
CAPÍTULO 12
HEMATOMA RETROBULBAR:
UMA REVISÃO DE LITERATURA
Palavras-chave: Hematoma retrobulbar; Cantotomia lateral; Cantólise inferior

LARISSA MONTENEGRO DE MELO E SILVA¹


ANA LARA TEIXEIRA FERNANDES VIEIRA¹
DANIEL CÂNDIDO ARAUJO DE SOUSA¹
DÉBORA DE FREITAS BRASIL¹
JADY NATACHA DE MEDEIROS ALVES¹
LAIZA ANDREZA DA SILVA MORAES¹
LARYSSA ELLEN MOURA DE ANDRADE¹
LETÍCIA EVANGELISTA FEIJÃO¹
LORENA SEVERIANO VIEIRA¹
LUCAS DE CASTRO PEDREIRA¹
MATEUS FERNANDO SILVEIRA DE ARAUJO¹
RACHEL BARBOZA DE ALENCAR¹
THAINÁ CACAU PINHEIRO NUNES¹
VIRNA RODRIGUES SIMÕES¹
YANA CAVALCANTE DE ARAÚJO¹

1
Discente - Odontologia da Universidade de Fortaleza

99 | Página
INTRODUÇÃO e se não for tratada rapidamente, pode gerar da-
nos permanentes à visão, como a amaurose. Já
A cavidade orbital tem uma forma piriforme a amaurose pode ser parcial ou total, isto é, o
com base anterior, circunscrita pelo rebordo e indivíduo perde definitivamente a visão, seja de
ápice posterior. Os ossos que formam a órbita forma parcial ou total, podendo variar de caso
são: o esfenóide, etmóide, frontal, a maxila, zi- para caso. Além destes, há também como um
gomático, lacrimal e palatino (LEWIS & dos sinais e sintomas principais do hematoma
PERRY et al., 2007). A órbita tem a forma retrobulbar a diplopia, caracterizada pela visão
aproximada de uma pirâmide quadrangular, dupla. Também é muito comum pacientes apre-
onde a base é formada pelos ossos frontal, zigo- sentarem proptose ocular após o trauma, que
mático e maxilar. No ápice entre o corpo do es- resulta na protrusão do globo ocular. Na lin-
fenóide e sua asa maior e menor, pode ser en- guagem popular, é também chamada de “olhos
contrado o canal óptico e a fissura orbitária. Já salientes”. Por fim, faz-se presente como um
a fissura orbitária inferior encontra-se entre a dos sinais e sintomas principais a oftalmople-
asa maior do esfenóide e o maxilar (TRAMON- gia, podendo ser definida como a paralisia de
TIN, 2017). um ou mais músculos do olho (TRAMONTIN,
O hematoma retrobulbar é uma complica- 2017).
ção não tão rara de trauma periorbital, caracte- Devido à natureza emergente de hemorragia
rizado pelo aumento da pressão intra-orbitária, retrobulbar, estudos de imagem, para confirmar
decorrente da compressão do nervo óptico. O o diagnóstico, não são indicados, pois atrasarão
mecanismo exato que provoca dano aos nervos o tratamento. Estudos de imagem podem ser
e seus ramos ainda está sendo analisado e estu- indicados em casos incomuns de hemorragia
dado. O aumento da pressão intra-orbitária ou retrobulbar ou em casos associados com trau-
vasoespasmo da artéria da retina podem produ- ma. Nesses âmbitos, a tomografia computado-
zir isquemia na artéria da retina, isquemia da ar- rizada (TC) é a primeira escolha por conta do
téria ciliar e congestão venosa levando à isque- seu rápido tempo de aquisição e melhor vi-
mia do nervo óptico. Alguns autores reportam sualização da anatomia óssea (ALLEN et al.,
que a variação no grau de oftalmoplegia e 2010; GERBINO et al., 2005; LEE et al., 2006;
função visual sugerem que outros fatores, tais LEWIS & PERRY et al., 2007; PERRY et al.,
como diâmetro do nervo e a origem e local do 2008).
hematoma podem também ter um papel deter- Em relação a ressonância magnética, esta
minante (VASALLO et al., 2002; pode proporcionar uma melhor visualização
WINTERTON et al., 2007). dos tecidos moles da órbita, mas seu tempo de
O hematoma retrobulbar gera diversos si- aquisição é lento e impede seu uso rotineiro no
nais e sintomas, como a dor, principalmente. diagnóstico de hemorragia retrobulbar (LEWIS
Entre suas principais características estão: di- & PERRY et al., 2007). Outros trabalhos da li-
minuição da acuidade visual, amaurose parcial teratura relatam que ao diagnosticar clinica-
ou total, diplopia, proptose ocular, oftalmople- mente um hematoma retrobulbar não deve-se
gia e dor (TRAMONTIN, 2017). perder tempo, e a manobra de drenagem precisa
A diminuição da acuidade visual está ligada ser feita imediatamente (MACHADO et al.,
à diminuição da capacidade funcional da visão, 2006; WINTERTON et al., 2007). Shek et al.
(2006) relataram que o tempo de realização da

100 | Página
ressonância e a espera dos resultados da mesma destes, também foi utilizado como meio de pes-
pode resultar na perda da visão permanente. Por quisa o livro “Fraturas Orbitárias”, Hammer
isso, o hematoma retrobulbar é considerado (2005). Já como critério de inclusão, os artigos
uma emergência. deveriam tratar a respeito do hematoma re-
Após o diagnóstico confirmado, é necessá- trobulbar, assim como seus sinais, sintomas e
rio realizar urgentemente a cirurgia de descom- tratamentos, além da anatomia da órbita para
pressão do nervo, a fim de evitar danos defini- que todo o processo fosse claramente compre-
tivos à visão. O tratamento cirúrgico mais co- endido. Todavia, como critérios de exclusão,
mum e indicado nesses casos é a cantotomia la- foram eliminados artigos duplicados, disponi-
teral e a cantólise inferior. O procedimento con- bilizados na forma de resumo, que não aborda-
siste em preparar a área cantal lateral que é co- vam diretamente a proposta estudada e que não
berta por campos estéreis. Devido à natureza atendiam aos demais critérios de inclusão. As-
emergente da situação, alguns autores recomen- sim, ao final das pesquisas, foram escolhidos 8
dam apenas irrigação simples com solução sa- artigos no total, os quais, após uma leitura mi-
lina normal (TRA-MONTIN, 2017). Já o fecha- nuciosa, foram submetidos à coleta de dados.
mento da cantotomia deve ser feito dias após o Os resultados foram apresentados em tabelas, e
procedimento, dando tempo de diminuição do de forma descritiva, com enfoque nos pontos
edema (VASALLO et al., 2002). mencionados pelos autores
O objetivo desse estudo foi realizar uma re-
visão de literatura acerca do hematoma re- RESULTADOS E DISCUSSÃO
trobulbar, seus sinais, sintomas, formas de di-
agnóstico e formas de tratamento. Além disso, Segundo Gerbino et al. (2005), o hematoma
é válido ressaltar que o hematoma retrobulbar é retrobulbar é ocasionado após à artéria infraor-
considerado uma emergência, ou seja, necessita bital sofrer algum dano ou alguma de suas ra-
de rápido tratamento, para que danos perma- mificações. Através dos estudos de Ochoa et al.
nentes não sejam gerados à órbita. (1996), o público masculino foi eleito com
maior predominância e sua etiologia predomina
MÉTODO agressões e acidentes automobilísticos. A in-
cidência certa do hematoma retrobulbar após
Trata-se de uma revisão de literatura narra- trauma é difícil de determinar, uma vez que na
tiva, onde artigos científicos foram seleciona- literatura se determinam muitas causas diferen-
dos a partir de um levantamento bibliográfico tes. A causa que parece ser mais comum é a
nas bases de dados Medline, PubMed e Google anestesia retrobulbar, com uma incidência de
Acadêmico. Para tanto, a busca foi realizada em até 3 % (ALLEN et al., 2010). Já os estudos de
dois idiomas diferentes, sendo eles, português e Lewis & Perry et al. (2007), mostram uma inci-
inglês, onde foram selecionados 16 artigos no dência de hemorragia retrobulbar coexistente
total, publicados entre 2000 e 2020. Ademais, a em acidentes com fraturas orbitárias de apenas
estratégia de busca utilizada foi através dos des- 0,45-0,6 %. No entanto, em pacientes com
critores “Hematoma Retrobulbar”, “Orbi-tal perda aguda de visão no contexto de hemorra-
Compartment Syndrome”, “Retrobulbar He- gia retrobulbar traumática, o potencial para ce-
morrhage” e “Retrobulbar Hematoma”. Além gueira permanente é alta (44-52 %)
(ZACHARIADES et al., 1996; ANSARI et al.,

101 | Página
2005). Segundo Allen et al. (2010), concluem função visual sugerem que outros fatores, tais
que a evidência atual do hematoma retrobulbar como diâmetro do nervo e a origem e local do
após trauma pode não ser tão alta quanto repor- hematoma podem também ter um papel de-
tada na literatura, já que pode ser resultado de terminante (VASALLO et al., 2002; WINTER-
erros na hora do diagnóstico. TON et al., 2007).
Os sinais e sintomas do hematoma retro- A diminuição da acuidade visual está rela-
bulbar relatados com mais frequência foram: di- cionada à diminuição da capacidade funcional
minuição da acuidade visual, dor, oftalmople- da visão, e necessita de rápido tratamento, para
gia, proptose ocular, amaurose parcial ou total que danos permanentes não sejam gerados à vi-
e diplopia. Entretanto, segundo o estudo de são. Já a oftalmoplegia é caracterizada pela pa-
Korinth et al. (2002), os principais sintomas ralisia total de um ou mais músculos da órbita.
apresentados foram: motilidade extra-ocular A proptose ocular, que também apresenta uma
restrita, funções pupilares anormais e acuidade certa frequência nos casos de hematoma re-
visual. Popat et al. (2007), observaram que os trobulbar, é tida como a protrusão do globo ocu-
sinais e sintomas recorrentes nos pacientes re- lar. Além destes, há, também, a amaurose, que
feriam-se a dor, proptose do globo ocular, dimi- pode ser parcial ou total. Isto é, o paciente em
nuição da acuidade visual, diplopia, hipos- questão perde definitivamente a capacidade
fagma, elevação da pressão intraocular, edema funcional da visão, podendo ser em um ou nos
periorbitário, quemose e oftalmoplegia. Atra- dois olhos, havendo variação de caso para caso.
vés dos estudos de Brito et al. (2020), conclui- Por fim, a diplopia também faz-se presente
se que a oftalmoplegia tem diferentes origens, (TRAMONTIN, 2017).
sendo um dos relatados a fratura do assoalho da Na Tabela 12.1 foram apresentados os re-
órbita, tratado cirurgicamente com a recons- sultados da pesquisa, separados em principais
trução do assoalho, resolvendo as queixas do achados e resultados por parte dos autores,
oftalmoplegia e diplopia. Alguns autores repor- como mostra a seguir.
tam que a variação no grau de oftalmoplegia e

Tabela 12.1 Resultados dos autores a respeito do tratamento do hematoma retrobulbar

AUTOR PRINCIPAIS ACHADOS RESULTADOS

Os autores citam que a cantoto-


Considera que é a liberação
mia expõe o tendão cantal late-
da pressão orbitária através
ral, permitindo a secção cirúr-
da descompressão orbital.
gica por cantólise, causando
Constatou que o método mais
BALLARD et al. (2009) frouxidão da pálpebra inferior e
comum envolve a realização de
proporcionando aumento no es-
uma cantotomia e cantólise do
paço do compartimento orbital
tendão que prende a pálpebra
para aliviar as forças compressi-
lateral.
vas na maioria dos casos.

102 | Página
A principal vantagem do blo-
queio peribulbar é a redução das
complicações hemorrágicas, em- Os autores declaram
bora, equimoses, perfurações do que, ao contrário do
globo ocular, injeção intraocular, bloqueio retrobulbar,
DAVIS & O’ CONNOR. (1989)
efeito sistêmico do AL, paralisia o bloqueio peribulbar
transitória do músculo retrolate- fornece um menor
ral e hematoma retrobulbar te- risco de complicações.
nham sido
citados.

Angioma cavernoso Os autores citam a des-


apontado como causa de compressão do hematoma
um caso de hematoma retrobulbar nas primeiras
retrobulbar. Principais 48 horas como alternativa
KORINTH et al. (2002)
sintomas apresentados de tratamento, promo-
foram: motilidade extraocular res- vendo a diminuição da
trita, funções pupilares anormais e pressão intra-orbitária e
acuidade visual. melhora dos sintomas.

O objetivo do tratamento é o Constatou-se que a oftalmople-


reestabelecimento da parte gia tem diferentes origens,
óssea, muscular e nervosa sendo um dos relatados a fra-
da área ocular, devolvendo sua tura do assoalho da órbita, tra-
BRITO et al. (2020)
integridade completa, ou o tado cirurgicamente sendo feito
mais próximo dela. Para isso, a reconstrução do assoalho, re-
faz-se necessário um correto solvendo as queixas do oftal-
diagnóstico e tratamento. moplegia e diplopia.
O comprometimento da acui-
Os autores citam que os aces-
dade visual no hematoma re-
sos palpebrais permitem um
trobulbar parece estar relaci-
tratamento eficaz do hema-
onado ao aumento da pressão
toma. O aspecto mais crítico no
intra-orbitária. Devido à ana-
tratamento é a rapidez para di-
GERBINO et al. (2005) tomia da órbita e a sua estru-
agnosticar e realizar a aborda-
tura óssea inflexível, o au-
gem cirúrgica, pois qualquer
mento do conteúdo dela, por
atraso entre a aparição dos sin-
menor que este possa ser,
tomas e a descompressão pode
pode resultar e um aumento
levar a uma sequela funcional.
da pressão orbitária.
Constatou que o hematoma Os autores descrevem medidas
retrobulbar pode ser causado simples que podem ser realiza-
por trauma na região da ór- das, incluindo a elevação da
bita, cirurgias ao redor do cabeça, compressas de gelo tó-
POPAT et al. (2007)
globo ocular, cirurgias de picas e evitar a utilização de
blefaroplastias, operações en- curativos compressivos que
doscópicas nos seios faciais e possam aumentar a pressão in-
infecções retrobulbares. traocular.

103 | Página
Os autores avaliam que o trata-
Alegou que os principais sinais e mento está baseado na preferên-
sintomas são dor, proptose do cia do cirurgião, no aumento da
globo ocular, diminuição da acui- proptose ocular e na pressão in-
HAN et al. (2008) dade visual, diplopia, hipos- traocular. Assim, sugere a reali-
fagma, aumento da pressão in- zação da cantotomia lateral com
traocular, edema periorbitário, cantólise ou a descompressão or-
quemose, oftalmoplegia. bitária na presença de uma pres-
são intraocular alta.

Foi evidenciado que metade dos


Concluiu-se que a evidência do pacientes avaliados com diagnós-
hematoma retrobulbar após tico presuntivo de hematoma re-
trauma pode não ser tão alta trobulbar o diagnóstico foi confir-
quanto reportada na literatura, já mado. Na maioria dos casos se
ALLEN et al. (2010)
que pode ser resultado de erros na teve a suspeita pela presença de
hora de diagnosticar. O diagnós- proptose, mas só exame de ima-
tico pode ser confirmado pela TC gem, como a TC, ou a própria
da órbita ou com ultrassom. drenagem do hematoma podem
confirmar o diagnóstico.

Para realizar o tratamento adequado, é im- mento cantal lateral. A porção inferior do liga-
portante reconhecer os sinais e sintomas da he- mento pode ser facilmente palpável e, com a
morragia retrobulbar aguda no cenário do ponta da tesoura apontando na direção ínfero-
trauma. O tratamento inicial do hematoma re- posterior à borda lateral da órbita, o feixe infe-
trobulbar é realizado com medidas conserva- rior do ligamento cantal lateral é seccionado.
doras, sendo estas terapias fármacológicas, uti- Mesmo com a cirurgia de descompressão ape-
lizando manitol, acetazolamida e corticosterói- nas uma pequena quantidade de sangue é dre-
des. Caso a terapia farmacológica não seja efi- nado. A simples liberação da pressão é sufici-
caz, a intervenção cirúrgica é realizada. As ci- ente para restaurar a visão ou impedir o au-
rurgias exploratórias e de reparo tem se tornado mento da perda visual. Através dos estudos de
cada vez mais populares (IKEDA et al., 1999). Vasallo et al. (2002), mesmo com a descom-
Através dos estudos de Ballard et al. (2009), o pressão orbitária, apenas uma pequena quanti-
método mais comum de descompressão orbital dade de sangue é obtida com a drenagem do
é através da cantotomia lateral, que expõe o ten- hematoma, não havendo necessidade de esva-
dão cantal lateral, e da cantólise inferior, que ziar o conteúdo da órbita, visto que a simples
secciona o ligamento cantal lateral. O procedi- liberação da pressão causada pelo hematoma é
mento é feito através de anestesia local. Insere- suficiente para restaurar a visão ou impedir o
se uma pinça reta horizontalmente no canto do aumento da perda visual. Segundo Korinth et
olho para comprimir os tecidos e reduzir o san- al. (2002), a descompressão do hematoma re-
gramento. A pinça é removida e, nesse mesmo trobulbar nas primeiras 48 horas como alterna-
tecido que foi pinçado anteriormente, é reali- tiva de tratamento é a melhor opção, promo-
zada uma incisão de, aproximadamente, 1 cm. vendo a diminuição da pressão intra-orbitária e
Essa can-totomia inicial disseca pele e múscu- melhora dos sinto-mas. De acordo com Ballard
los. Ou seja, a cantotomia é o corte do canto la- et al. (2009), a cantotomia lateral e a cantólise
teral do olho. Já a cantólise é a secção do liga- são realizadas com pouca frequência nos depar-
tamentos de emergência, e embora a incidência
104 | Página
geral possa ser baixa, quando presente, é uma nico é a tomografia computadorizada. Sua sin-
condição em que os resultados visuais pode- tomatologia pode ser observada principalmente
riam ser salvos por profissionais de outras áreas pela dor, mas características como a diminuição
da saúde, que sejam bem treinados no manuseio da acuidade visual, amaurose parcial ou total,
confortável do tecido vivo. Por conseguinte, diplopia, proptose ocular e oftalmoplegia são
Popat et al. (2007), descrevem medidas simples consideradas para avaliar o caso. Nos casos, o
que podem ser realizadas, incluindo a elevação gênero masculino é o de maior predominância.
da cabeça, compressas de gelo tópicas e evitar A terapia farmacológica é a primeira via de tra-
a utilização de curativos compressivos que pos- tamento e mais conservadora, caso a mesma
sam aumentar a pressão intraocular, enquanto não seja eficaz, segue para uma intervenção ci-
Han et al. (2008), avaliam que o tratamento está rúrgica. A cantotomia lateral e a cantólise infe-
baseado na preferência do cirurgião, no au- rior são os procedimentos mais comuns para in-
mento da proptose ocular e na pressão intra- tervir no quadro clínico com objetivo maior de
ocular, sugerindo a realização da cantotomia la- diminuir a pressão intra-orbitária. Estas condu-
teral com cantólise ou a descompressão orbitá- tas cirúrgicas são responsáveis por diminuir o
ria na presença de uma pressão intra-ocular alta, edema, restaurar a visão e diminuir potencial-
se o paciente apresenta o efeito pupilar aferente mente a chance da perda definitiva da capaci-
ou quando o exame oftalmológico não mostra a dade funcional da visão. Segundo Vasallo et al.
pulsação da artéria da retina. (2002), mesmo com a descompressão orbitária,
Davis & O’ Connor (1989) relataram que ao apenas uma pequena quantidade de sangue é
contrário do bloqueio retrobulbar, o bloqueio obtida com a drenagem do hematoma; não ha-
peribulbar é uma opção de tratamento que ofe- vendo necessidade de esvaziar o conteúdo da
rece menos complicações. Em um estudo reali- órbita. A simples liberação da pressão causada
zado com o bloqueio peribulbar, a resposta ao pelo hematoma é suficiente para restaurar a vi-
tratamento mostrou-se eficaz e o tempo de re- são ou impedir o aumento da perda visual. Já o
gressão concordou com os achados na litera- fechamento da cantotomia é recomendado que
tura. Além disso, a falta de sequelas se mostrou seja feito somente após alguns dias após o pro-
devido a inexistência da compressão ocular. O cedimento, dando tempo de diminuição do
bloqueio peribulbar deve ser evitado em caso de edema. A atuação cirúrgica procede com a aná-
pacientes que estejam sobre efeitos de anticoa- lise de um conjunto de fatores que determinam
gulantes (SILVA et al., 1994). um bom prognóstico para a situação clínica do
paciente. Por se tratar de uma condição com-
CONCLUSÃO plexa, com divergentes cenários, o hematoma
retrobulbar, precisa ser avaliado particular-
O hematoma retrobulbar fundamental- mente em cada ocorrência. O aumento da prop-
mente deve ser analisado como emergência e tose ocular, a pressão intraocular, o histórico
em seguida, instituído um tratamento para evi- médico e até mesmo a preferência do cirurgião
tar complicações irreversíveis ao paciente. Di- entre analisar resultados tomográficos para o
ante dos estudos analisados, revisando a litera- diagnóstico concreto ou intervenções mais ime-
tura acerca do assunto, o hematoma retrobulbar diatas devido ao caráter emergencial do trauma,
é uma complicação não tão rara de trauma peri- são aspectos considerados para definir a melhor
orbital e o padrão ouro para o diagnóstico clí- procedência do caso.

105 | Página
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106 | Página
CAPÍTULO 13
A INCIDÊNCIA DA
ENDOFTALMITE EM CASOS DE
TRAUMA OCULAR: UMA REVISÃO
INTEGRATIVA
Palavras-chave: Cegueira; Visão; Infecção

ALBERTO FABIANO MAIA TAVARES NETO1


AMANDA EMANUELA MACHADO FERREIRA2
BEATRIZ DA SILVA CARNEIRO2
BRUNA MADRUGA MELQUÍADES DE ARAÚJO3
HAROLDO DE LUCENA BEZERRA4
MICHELLY FERNANDES BEZERRA2
RAISSA GOUVEIA DE LUCENA BEZERRA2
ROSEANE DE AQUINO MODESTO RODRIGUES5

1
Discente - Medicina da Faculdade de Medicina Nova Esperança
2
Discente – Medicina da Faculdade Ciências Médicas da Paraíba
3
Discente - Medicina do Centro Universitário UNIFACISA
4
Docente – Universidade Federal da Paraíba
5
Docente – Faculdade Ciências Médicas da Paraíba

107 | Página
INTRODUÇÃO a 60 % da incidência de endoftalmite pós-
traumática pediátrica (TEPP), onde crianças ≤
O trauma ocular é uma causa importante de 5 anos correm um risco particularmente alto de
perda da visão em todo o mundo e, de acordo exposição à eventos potencialmente traumáti-
com a Organização Mundial da Saúde (OMS), cos, devido à sua dependência de cuidadores. A
tem uma incidência global anual de aproxima- negligência do tutor e algumas condições com-
damente 55 milhões de casos. Portanto, é con- portamentais, como transtorno de déficit de
siderado como uma das principais causas de atenção e hiperatividade, são fatores de risco
baixa acuidade visual e cegueira evitável. A adicionais.
maior parte dos traumas oculares se devem a
acidentes de trânsito e acometem mais frequen- O trauma ocular pediátrico está frequente-
temente os homens jovens, sendo essa a princi- mente envolvido no segmento posterior do
olho, acompanhado de múltiplos danos
pal causa de morbidade ocular nessa faixa etária teciduais, danos irreversíveis à função vi-
e gênero. “Dentre todos os tipos de traumas sual, o que traz grande dificuldade ao tra-
oculares, os abertos apresentam o pior prognós- tamento (SUN et al., 2020).

tico visual” (DEUD et al., 2021).


Segundo Sefidan et al. (2022), a endoftal- Considerando as características da en-
mite pós-traumática ocorre em 4 a 16 % de doftalmite relacionada ao trauma ocular aberto
lesões de globo aberto, representando 25 a 30% na faixa pediátrica, Sen et al. (2021) afirmam
de todos os casos de endoftalmite. A endoftal- que a causalidade do trauma, espectro micro-
mite, após lesões de globo aberto, é incomum, biológico e tempo de apresentação diferem dos
mas seu potencial prejuiizo à visão torna-o uma adultos, entretanto a literatura acerca desse
entidade de grande significância. Comparada tema permanece escassa devido ao fato da mai-
com endoftalmite pós-operatória, a incidência oria das decisões clínicas tomadas se basearem
de endoftalmite pós-traumática é 10 vezes em deduções de estudos que não se restringiram
maior e seu prognóstico é pior devido a orga- à população pediá-trica.
nismos mais virulentos e danos concomitantes. De acordo com Bowling (2016), a endoftal-
Conforme Sen et al. (2021), no cenário de mite pós trauma penetrante com retenção de
trauma ocular aberto, estudos na população corpo estranho desenvolve-se em cerca de 1 em
adulta encontraram que a retenção do corpo es- cada 10 casos e dentre os fatores de risco tem-
tranho intraocular (CEIO), feridas insalubres e se a demora no tratamento primário, CEIO e po-
intervenção tardia estão associadas ao aumento sição e extensão da laceração. Os sintomas con-
do risco de endoftalmite pós-traumática e o re- sistem em dor, vermelhidão e perda da visão.
paro da ferida nas primeiras 24 horas do trauma Os sinais variam de acordo com a gravidade,
é uma medida de suma importância para reduzir sendo eles o edema palpebral, quemose, hipere-
o risco de desenvolver endoftalmite. mia conjuntival e secreção, turvação da córnea,
Sun et al. (2020) reiteram que a incidência exsudato fibrinoso e hipópío. Também é co-
do trauma ocular pediátrico em países em de- mum um relativo defeito pupilar aferente.
senvolvimento, é de 1 em 1.000 casos e, na No que tange a respeito dos agentes etioló-
China, sua taxa de cegueira varia entre 22,4 % gicos, Bowling (2016) afirma que comumente
e 35,9 %. Venkatesh et al. (2019) atestam al- isolados em culturas positivas, aproximada-
guns estudos que mostraram a variação de 8% mente 90 % dos casos são o Staphylococcus

108 | Página
spp. e Bacillus spp. Venkatesh et al. (2019 apud contí-nuo, ex: abscesso hepático).
RISHI et al., 2016; ALFARO; et al, 1995) cer- Destarte, Lupia et al. (2021) relatam que o
tifica que Enterococcus fecalis e Streptococcus tratamento terapêutico e fundamentalmente o
spp. foram os agentes etiológicos mais comuns prognóstico são muito influenciados pelo tipo
identificados em crianças. de microrganismo patogênico envolvido, a na-
tureza da lesão, a presença de CEIO e a região
O S. pneumoniae reside de forma assin- em que ocorre o trauma ocular.
tomática em portadores saudáveis e nor-
malmente coloniza o trato respiratório,
seios da face e cavidade nasal. No entanto, Portanto, é fundamental que todos os casos
em indivíduos com sistema imunológico de amostras positivas para técnicas de cul-
comprometido, como adultos idosos e cri- tura sejam adequadamente apoiados por
anças pequenas, a bactéria pode se tornar resultados clínicos (LUPIA et al., 2021).
patogênica e se espalhar para outros locais
para causar doença (CHEN, 2021). O uso profilático amplamente praticado de
antibióticos intravítreos e sistêmicos pode
diminuir a taxa de endoftalmite pós-trau-
Conforme Durand (2017), achados especí- mática em olhos com lesão de globo
ficos podem sugerir o patógeno. As infecções aberto. Em grandes séries de pacientes
com lesões de globo aberto, o fechamento
por Bacillus são fulminantes e às vezes associ-
precoce da ferida e o uso de levofloxacino
adas a um abscesso corneano em anel, enquanto sistêmico foram associados a um risco de
os casos de endoftalmite por Clostridium po- endoftalmite muito baixo (RELHAN et al.,
2018).
dem apresentar bolhas de gás na câmara ante-
rior e um hipópio marrom-esverdeado. As prin- Dessa forma, desenvolveu-se este estudo
cipais causas de endoftalmite pós-traumática com o objetivo de demonstrar a grande rele-
incluem estafilococos coagulase-negativos, vância de casos de endoftalmite em trauma ocu-
espécies de Bacillus, estreptococos, Gram baci- lar, bem como evidenciar as graves complica-
los negativos (por exemplo, Pseudomonas e ções e resultados visuais.
Klebsiella) e fungos.
Em relação a patogênese da doença, a in- MÉTODO
fecção intraocular aguda é um evento grave e,
assim como afirma Bowling (2016), as toxinas O presente estudo consiste em uma revisão
produzidas pelas bactérias infecciosas e a res- integrativa da literatura científica nacional e in-
posta inflamatória do hospedeiro causam danos ternacional. A busca foi realizada na Biblioteca
rápidos e irreversíveis dos fotorreceptores, e es- Virtual de Saúde (BVS) e nas bases de dados
ses efeitos podem continuar por muito tempo, Scientific Eletronic Library Online (SciELO),
mesmo após o conteúdo ocular ter se tornado Literatura Latino-Americana e do Caribe em
estéril. Durand (2017) destaca que a probabili- Ciências da Saúde (LILACS) e na United States
dade de um paciente desenvolver endoftalmite National Library of Medicine (PubMed) em fe-
depende de fatores do hospedeiro, tamanho do vereiro de 2022.
inóculo e fatores do patógeno, bem como a Foram utilizados os descritores “trauma”,
fonte de patógenos na endoftalmite exógena é a “eye” e “endophthalmitis”, indexados pelo Des-
superfície ocular (na endoftalmite endógena, a critores em Ciências da Saúde (DeCs/ MeSH) e
fonte de infecção é um foco transitório, ex: ca- mediados pelo operador booleano "AND". Os
teter venoso central permanente ou um foco

109 | Página
artigos foram selecionados com base na estraté- tendo em vista que os comportamentos estereo-
gia PICO, onde P- população; I- intervenção; C- tipicamente associados ao gênero masculino
controle e O- outcome/ desfecho, em que cada têm influência sobre os homens empregados em
letra representa um aspecto levantado para ocupação associada à maior risco de trauma
questão norteadora: “Qual a incidência de casos (DEUD et al., 2021). Outrossim, a literatura
de endoftalmite em pacientes que sofreram um relata casos de endoftalmite causada por
trauma ocular?”. mordida ocular e veneno de cobra liberada por
Concomitante a isto, para organização da cuspe. A córnea é a parte transparente do olho
busca e a escrita da revisão, foi seguido os pro- que cobre a maior parte do segmento anterior.
cedimentos recomendados pelo Preferred Re- A lesão da córnea geralmente causa visão turva
porting Items for Systematic Reviews and Meta- e até mesmo perda de visão. Na oftalmia por
Analyses (PRISMA). Como critérios de inclu- cuspe de veneno, a córnea é o primeiro tecido
são adotou-se: artigos originais, com texto com- exposto ao veneno. Edema corneano, infla-
pleto, publicados entre os anos de 2017 e 2022, mação conjuntival e uveíte são os diag-nósticos
disponibilizados em inglês ou português. Fo- comuns de oftalmia por saliva (CHANG et al.,
ram excluidos artigos duplicados, recomen- 2020).
dações, carta ao editor e estudos que não abor- Vários fatores de risco foram relatados para
dassem o assunto proposto. Ainda, para fins a ocorrência de endoftalmite após lesões de
conceituais, utilizamos como referência o livro globo aberto, incluindo a presença de reparo
Bowling, Oftalmologia Clínica: Uma Abor- primário tardio, lesão contaminada pelo solo e
dagem Sistemática. cultura intraocular positiva de um organismo
virulento. Embora o reparo primário possa ser
RESULTADOS E DISCUSSÃO retardado por 12-24 h, a cirurgia é recomendada
como o procedimento mais rápido possível para
A endoftalmite traumática é uma condição diminuir o risco de endoftalmite. O papel do
oftalmológica devastadora e urgente que pode prolapso tecidual no desenvolvimento da en-
resultar em perda severa da visão. A endoftal- doftalmite é controverso (SEFIDAN et al.,
mite é uma complicação que pode ocorrer após 2022).
lesões de globo aberto, pois as bactérias podem Os sinais clínicos consistem em injeção
entrar diretamente no olho, e o manejo é um de- conjuntival, infiltrados, edema, opacidades e
safio para o cirurgião (THEVI & ABAS, 2017). precipitados endoteliais na córnea. Além disso,
As lesões do globo aberto são uma das cau- pode ser possível detectar alargamento da câ-
sas mais comuns de cegueira monocular em mara anterior, células, fibrina ou hipópio, pu-
muitos países. O impacto deste evento traumá- pila alterada, infiltrados vítreos, periflebite, he-
tico na qualidade de vida e saúde dos pacientes morragias retinianas, manchas de Roth ou
é considerável (TABATABAEI et al., 2021). O redução ou até perda de visualização do fundo.
perfil das vítimas de trauma de globo aberto de- A ultrassonografia pode ser de grande ajuda em
monstrou prevalência de homens (83,2 %) com casos com visualização posterior reduzida, no
idade média de 35,6 anos e predomínio de lesão entanto, às vezes também pode ser enganoso e
por penetração (70 %). Além disso, observou- sua disponibilidade local limitada não deve le-
se a predominância de homens em idade laboral var a um atraso no início do tratamento se hou-
como fator de risco para esse tipo de trauma, ver suspeita clínica suficiente (ZAPP et al.,

110 | Página
2018). Além disto, o diagnóstico de endoftal- do trauma ao reparo da ferida. A identificação
mite traumática foi confirmado pela presença do microrganismo causador é um passo impor-
de exsudatos no segmento anterior e/ou poste- tante no manejo da endoftalmite infecciosa.
rior após história de lesão ocular contusa ou pe- (VENKATESH et al., 2019).
netrante (VENKATESH et al., 2019). O trauma ocular pediátrico está frequente-
Antibióticos subconjuntivais, irrigação con- mente envolvido no segmento posterior do
juntival, excisão adequada do vítreo periférico olho, acompanhado de múltiplos danos tecidu-
e tampão de ar também podem contribuir para ais, danos irreversíveis à função visual, o que
prevenir o aparecimento de endoftalmite pós- traz grande dificuldade ao tratamento. A vitrec-
operatória (LIN et al., 2018). tomia pars plana minimamente invasiva de 23
Há muita discussão sobre trauma ocular em gauge (25G-PPV) é um método eficaz para o
adultos do sexo masculino. No entanto, a inci- tratamento do trauma ocular pediátrico do seg-
dência na área pediátrica está aumentando dia a mento posterior. O 25G-PPV mostra benefícios
dia. O trauma ocular é a principal causa de da- em feridas pequenas, tempo de operação curto,
nos à visão infantil, que não só afeta grave- reação pós-operatória leve, estrutura anatômica
mente o desenvolvimento visual e a saúde física rápida e rápida recuperação da função visual
e mental da criança, como também causa gran- (SUN et al., 2020).
de prejuízo à família e à sociedade. A taxa de O tratamento cirúrgico da endoftalmite con-
incidência de trauma ocular pediátrico em paí- siste em uma punção vítrea com ou sem vitrec-
ses em desenvolvimento é de 1 em 1.000 tomia pars plana, microscopia e cultura do ví-
pessoas (SUN et al., 2020). treo não diluído, teste de suscetibilidade antimi-
Estudos anteriores encontraram que a taxa crobiana de isolados bacterianos, antibióticos
de incidência de trauma ocular pediátrico foi intravítreos (vancomicina 1 mg/0,1 mL + cefta-
maior em áreas rurais do que em áreas urbanas. zidima 2,25 mg/ 0,1 mL) com ou sem dexame-
Além disso, as condições médicas e de saúde tasona (400 μg/0,1 mL). O tratamento também
nas áreas rurais são relativamente precárias, e inclui antibióticos tópicos intensivos (cipro-
os olhos feridos muitas vezes se complicam floxacino 0,3 % 1 hora) e corticosteroide (ace-
com infecção, e a proporção de endoftalmite in- tato de prednisolona 1 % 1 hora) e ciprofloxa-
fecciosa é maior. O trauma do segmento poste- cino oral (750 mg 2 vezes ao dia por 7 a 10
rior ocular geralmente é acompanhado de lesão dias). A infecção fúngica quando confirmada
do cristalino e requer tamponamento com óleo por microscopia positiva e cultura positiva da
de silicone. Lesões excessivas e múltiplas le- amostra vítrea, é tratada com anfotericina B in-
sões cirúrgicas danificam muito a integridade travítrea (5 μg/0,1 mL) ou voriconazol intraví-
da estrutura do tecido ocular (SUN et al., 2020). treo (50 μg/0. 1 mL) administrada juntamente
Nas crianças, além dos sinais e sintomas clí- com cetoconazol/ itraconazol sistêmico (200
nicos serem diferentes dos adultos, elas também mg duas vezes ao dia por 15 dias). Nos casos
não se queixam de dor ou problemas visuais e, com visão turva devido ao envolvimento da
portanto, correm o risco de atrasar a consulta córnea, uma punção vítrea deve ser realizada
médica. O espectro de microrganismos causa- em substituição vitrectomia (DAVE et al.,
dores na endoftalmite pós-traumática pediátrica 2020).
varia dependendo da localização rural ou ur- A vitrectomia pode reduzir a ocorrência de
bana, ambiente, tipo de lesão e tempo de atraso descolamento de retina e reduzir grandemente a

111 | Página
taxa de perda de trauma ocular, removendo a movimentos extraoculares. A difusão do
estrutura fibrosa da qual as células proliferati- plasma para a cavidade vítrea não é alta o sufi-
vas dependem, e removendo sangue e vários fa- ciente para garantir a eficácia clínica de antibió-
tores de crescimento no corpo vítreo. No en- ticos hidrofílicos, como glicosamidas e beta-
tanto, o momento da cirurgia é muito impor- lactâmicos, sistemicamente, para que a admi-
tante. O princípio do tratamento para pacientes nistração intravítrea seja a escolha preferida
com lesão do globo ocular rompido é suturar a (THEVI & ABAS, 2017).
ferida imediatamente e restaurar a integridade Não há evidências fortes ou diretrizes defi-
do globo ocular o mais rápido possível. Em nidas que comprove o uso de forma profilática
caso de hemorragia supracoroidal, a vitrecto- de antibióticos, mesmo utilizadas por diferentes
mia é considerada cerca de 14 dias após a lesão vias de administração, incluindo sistêmica,
(SUN et al., 2020). subconjuntival e tópica. As fluoroquinolonas
Existem inúmeras controvérsias em relação são os antibióticos mais comumente usados
ao manejo do segmento posterior em lesões em para profilaxia. Vancomicina e ceftazidima in-
globo aberto. O uso de antibióticos intraveno- travenosas podem ser úteis em casos de alto
sos profiláticos é empírico. A maioria dos cirur- risco. Além disso, a instilação a cada hora de
giões oftalmológicos teme complicações asso- colírios fortificados de vancomicina e ceftazi-
ciadas à injeção intravítrea e, portanto, seu uso dima tópicas pode aumentar o efeito da antibi-
tem sido defendido apenas em casos de alto oticoterapia. A administração rotineira de anti-
risco de lesões em globo aberto (THEVI & bióticos intravítreos profiláticos não é univer-
ABAS, 2017). salmente aceita devido ao risco de toxicidade
Barreiras estáticas e dinâmicas das estrutu- retiniana e complicações associadas à injeção,
ras oculares limitam a penetração de antibióti- especialmente na presença de descolamento de
cos sistêmicos e tópicos, e níveis satisfatórios coróide ou retina. No entanto, há relatos de que
só podem atingir o vítreo por meio de injeções a injeção intravítrea de antibiótico reduz o risco
intravítreas. Medicamentos instilados topica- de endoftalmite. Especialmente em olhos com
mente são diluídos pelo filme lacrimal, cau- corpo estranho intraocular contaminado por
sando perda de drogas significativas no fluxo sujidade, recomenda-se a injeção intravítrea de
lacrimal. Outros antibióticos de baixo peso mo- vancomicina e ceftazidima ou amicacina. Na
lecular também sofrem absorção sistêmica dos suspeita de endoftalmite fúngica, deve-se con-
capilares conjuntivais e das superfícies da mu- siderar a administração sistêmica de fluconazol
cosa nasolacrimal, levando a uma queda adici- ou voriconazol e injeção intravítrea de an-
onal na biodisponibilidade. O epitélio da córnea fotericina B ou voriconazol. (SEFIDAN et al.,
também tem junções apertadas, levando à má 2022).
penetração de drogas paracelulares, especi-
almente para drogas iônicas. Drogas adminis- CONCLUSÃO
tradas sistemicamente facilmente ganham aces-
so ao espaço extravascular coróide, mas depois O presente estudo constatou a seriedade do
disso, a distribuição para o espaço intraocular trauma ocular, em especial as de globo aberto,
via retina é limitada pelo endotélio da retina. A pela perspectiva de evolução para a endoftal-
droga se difunde livremente na cavidade vítrea mite. O perfil dos pacientes demonstrou maior
e atinge a superfície da retina, facilitada por incidência em homens, com idade laboral como

112 | Página
fator de risco para esse tipo de trauma, tendo como objetivo evitar a perda irreversível da vi-
idade média de 35,6 anos e com predomínio de são, através de intervenções medicamentosas,
lesões por penetração. Em crianças, evidenciou sendo a principal os esquemas de terapia anti-
ser mais prevalente em meninos com mais de microbiana, ou cirúrgicas, onde temos a punção
quatro anos, onde frequentemente o segmento vítrea com ou sem vitrectomia pars plana, a
posterior do olho é envolvido, geralmente qual pode reduzir a ocorrência de descolamento
acompanhado de lesão do cristalino. de retina. A vitrectomia precoce e o voriconzol
O diagnóstico precoce e tratamento tem intravítreo obtiveram excelentes resultados

113 | Página
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114 | Página
CAPÍTULO 14
ANÁLISE DO PERFIL
EPIDEMIOLÓGICO DOS
PACIENTES VÍTIMAS DE TRAUMA
TORÁCICO
Palavras-chave: Traumatismo torácico; Hemotórax; Pneumotórax

VITORIA SOUZA CAVALCANTE¹


GIOVANA MILLA OLIVEIRA SANTOS¹
NATALY CARDOSO DE SOUSA¹
RAYLENE GOMES XAVIER¹
MELYSSA LOPES MACIEL DE OLIVEIRA2
ALINE DE QUEIROZ ALVES3
ANA CAROLINA MONTENEGRO SOUSA3
DÉBORA QUÉZIA DOS SANTOS MOURA3
DIOVANA AMAZONAS DANUTA ANDRADE DA SILVA3
KEMELLY FERREIRA DA SILVA3
SARAH ALBUQUERQUE BEZERRA3
SUHÃ ONO SANTOS3
THAYS NASCIMENTO FERREIRA3

1
Discente – Medicina da Universidade Estadual do Amazonas
2
Discente – Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
3
Discente – Medicina da Universidade Nilton Lins

115 | Página
INTRODUÇÃO tratamento mais utilizadas nas salas de emer-
gência.
O trauma torácico constitui um fator de
morbimortalidade no mundo contemporâneo, MÉTODO
sendo considerado a terceira causa de morte da
população, tornando-se um problema de saúde Trata-se de uma revisão integrativa de lite-
pública. Trata-se de algo que afeta principal- ratura, realizada no período de fevereiro a
mente indivíduos do sexo masculino, abaixo março de 2022 por meio de pesquisas nas bases
dos 40 anos, devido acidentes de trânsito, feri- de dados: PubMed, LILACS e MEDLINE. A
mentos por arma branca ou de fogo - resultando escolha dos descritores foi realizada por meio
em trauma aberto ou fechado. Por conseguinte, da consulta ao DeCs (Descritores em Ciências
é necessário o manejo adequado conforme os da Saúde).
princípios do ATLS (Suporte de Vida Avan- Os termos utilizados nesta pesquisa foram:
çado no Trauma) para evitar um óbito iminente “traumatismo torácico”; “hemotórax”; “pneu-
(BROSKA et al., 2017). motórax”; “drenagem” e “epidemiologia”.
O tempo é um fator de importância para o Desta busca foram encontrados aproximada-
paciente politraumatizado que está chegando na
mente 256 trabalhos distribuídos entre as bases
emergência. Quanto mais rápido os profissio-
(PubMed = 73, Medline = 79, LILACS = 104),
nais realizarem os primeiros socorros, com ava-
posteriormente submetidos aos critérios de se-
liação de história clínica e exame físico, menor
leção.
são os danos para o indivíduo. Dentre os trau-
Os critérios de inclusão foram: artigos nos
mas, a lesão contusa é mais comum e exige um
idiomas português e inglês; publicados no perí-
cuidado maior por envolver fraturas esqueléti-
odo de 2017 a 2022 e que abordam as temáticas
cas que podem ocasionar a laceração de vísce-
propostas para esta pesquisa, estudos do tipo re-
ras. A depender da gravidade, apesar da drena-
gem torácica ser o método mais utilizado, pode visão bibliográfica, estudo retrospectivo, relato
ser necessário procedimentos cirúrgicos em ca- de caso, estudo observacional prospectivo e es-
sos mais graves (BESHAY et al., 2020). tudo prognóstico.
Os ferimentos que envolvem risco imi- Os critérios de exclusão foram: artigos que
nente são: pneumotórax hipertensivo, pneumo- não abordavam diretamente a proposta estu-
tórax aberto, hemotórax maciço e tampona- dada, artigos com baixa evidência científica, ar-
mento cardíaco. Assim, pode ser necessário in- tigos inacessíveis e que não atendiam aos de-
tubação do paciente, estabilização hemodinâ- mais critérios de inclusão.
mica e posteriormente realização de exames de Após os critérios de seleção atingiu-se o nú-
imagem, como Raio-X e, se for preciso, Tomo- mero de 60 artigos, os quais foram submetidos
grafia Computadorizada (TC), sendo esse úl- à leitura minuciosa para a coleta de dados. Os
timo um método mais sensível (BROS-KA et resultados foram apresentados de forma descri-
al., 2017; ZANETTE et al., 2019). tiva, divididos em categorias temáticas abor-
O objetivo deste estudo é analisar os índi- dando: perfil epidemiológico, mecanismos, le-
ces envolvendo trauma torácico, por apresen- sões associadas, diagnóstico e tratamento.
tar-se com alta mortalidade, além de observar o
perfil dos indivíduos acometidos e as formas de

116 | Página
RESULTADOS E DISCUSSÃO Essa disposição está exposta no Gráfico 14.2.
A maioria dos estudos selecionados foram pu-
Após a análise dos critérios de inclusão e blicados em periódicos relacionados às áreas de
exclusão, a revisão reuniu 60 artigos. Estes fo- cirurgia médica, medicina de emergência, me-
ram organizados (Gráfico 14.1) e classificados dicina cardiovascular e trauma.
de acordo com o tema principal abordado em
seu escopo, mas dentre eles há alguns que abor- Perfil epidemiológico
dam mais de um tema simultaneamente. O per- O trauma constitui a principal causa de
fil epidemiológico dos pacientes atendidos por morte em pacientes jovens (<40 anos) e dentre
trauma torácico foi discutido em 18 dos artigos esse grupo, temos os pacientes vítimas de
pesquisados e 17 abordaram as intervenções te- trauma torácico, os quais representam entre 25-
rapêuticas mais utilizadas e compararam a efi- 35 % dos óbitos por trauma. No que tange aos
cácia das mesmas. Os métodos diagnósticos artigos selecionados, observou-se que a inci-
reuniram 7 artigos. A apresentação das lesões dência de trauma torácico foi maior em pacien-
associadas ao trauma foi discutida em 14 arti- tes jovens, predominantemente do sexo mascu-
gos e 4 relataram os principais mecanismos das lino, com admissão nos hospitais em sua maio-
lesões. ria no período noturno. (GONZALEZ et al.,
Ao analisar as metodologias empregadas 2018).
em cada artigo, 27 destes trataram-se de estudos Segundo um estudo que traçou o perfil dos
observacionais retrospectivos, 10 utilizaram os pacientes, vítimas de trauma torácico em 3 dé-
estudos observacionais prospectivos; 10 o re- cadas, de 1981 a 2010, 90 % dos traumati-zados
lato de caso, 4 a revisão sistemática e 3 o ensaio eram homens com idade inferior a 40 anos.
clínico randomizado. Os outros 5 artigos em-
pregaram metodologias de pesquisa variadas.

Gráfico 14.1 Abordagem temática dos artigos

117 | Página
Gráfico 14.2 Metodologia dos estudos selecionados

Observou-se ainda, no mesmo estudo, que Ao analisar os 18 artigos que abordam o


desse quantitativo 60,5 % eram vítimas de perfil do paciente, vítima de trauma torácico, al-
trauma penetrante e dentre esses 58,7 % sofre- gumas características variaram a depender da
ram lesão por arma branca. Já em outro levan- região e país analisados. O período de maior ad-
tamento que analisou 119 pessoas em um hos- missão hospitalar, a média de idades e tipo de
pital de Foz do Rio Itajaí (SC), constatou-se que traumatismo torácico mais comum, foram os
70,5 % dos pacientes eram homens, com idade principais tópicos a sofrerem divergências.
média de 39,8 anos. Além disso, em 89 % dos Ainda assim, podemos afirmar que em todos ar-
casos observou-se trauma do tipo fechado tigos as variáveis sexo e período de vida foram
(GONZALEZ et al., 2018; ZANETTE et al., constantes, com os homens jovens represen-
2019). tando a maior parcela dos traumatizados.
Quanto aos achados no trauma torácico, ve-
rificou-se que o pneumotórax foi a associação Mecanismo do trauma
mais frequente. Segundo Broska et al. (2017), De acordo com Parreira et al. (2017), os me-
40,8 % dos pacientes submetidos a drenagem de canismos de trauma são classificados naqueles
tórax, tinham como indicação do procedimento que envolvem acidentes automobilísticos,
o pneumotórax. No estudo em questão, que agressões físicas e quedas, sendo aqueles de
abordou o tratamento por drenagem de tórax, maior frequência e gravidade de lesões relacio-
foi possível constatar que 80,8 % dos pacientes nados aos atropelamentos e quedas de altura. Os
observados no período foram drenados, sendo autores apontam ainda que as lesões traumáti-
que 16,6 % dessas drenagens evoluíram com cas mais graves em região torácica ocorreram
complicações, em sua maioria por mal posicio- em acidentes automobilísticos, seguidos por
namento. queda de altura e atropelamento, fato explicado

118 | Página
pela troca direta de energia entre a vítima e o das e lesões por esmagamento. Os traumas pe-
agente agressor. Para Beshay et al. (2020), em netrantes correspondem à um terço de todos os
seu estudo prospectivo, os acidentes de trânsito traumas torácicos (BARAM & KAKA-MAD,
correspondem a 57 % dos mecanismos de 2019). O trauma torácico é a terceira causa de
trauma, sendo desses, os acidentes de carro res- morte mais comum, perdendo apenas para
ponsáveis por sua maioria, seguidos de aciden- trauma cranioencefálico e abdominal (BE-
tes de moto e pedestres feridos. No entanto, des- SHAY et al., 2020). A taxa de mortalidade
tacam as quedas como responsáveis por 23,9% nesse tipo de trauma é de cerca de 10 %, aumen-
das lesões. Em caso de pacientes com trauma tando para 36,3 % quando ocorre fratura de cos-
torácico bilateral os acidentes de trânsito foram tela (BARAM & KAKAMAD, 2019).
responsáveis 63,6 % dos traumas, seguidos de A compressão sobre os mecanismos de trau-
ferimento por arma branca com 30,28 %, feri- ma corrobora com as possíveis lesões advindas
mentos por projéteis com cerca de 5 % e queda do mesmo, possibilitando melhor prognóstico
de altura variando de 3 a 7 % (BARAM & KA- das vítimas a partir de investigações diagnós-
KAMAD, 2019). ticas mais direcionadas, especialmente em se
Em diferentes mecanismos de trauma, a tratando de traumas fechados (PARREIRA et
maioria dos pacientes apresentou trauma torá- al., 2017). Embora este autor apresente
cico fechado, além da maior taxa de mortali- acidentes automobilísticos, quedas de altura e
dade (BARAM & KAKAMAD, 2019; atropelamento como os mecanismos de trauma
BESHAY et al., 2020). Beshay et al. (2020) torácico mais comuns e graves, outros tipos de
destacam as lesões fechadas como aquelas que trauma podem ser mais frequentemente vistos
podem causar fraturas e deslocamentos de es- para esses casos. Motociclistas apresentam
truturas esqueléticas, que podem ocasionar la- lesões que acometem especialmente os mem-
ceração de vísceras. Já as lesões penetrantes, bros inferiores. Quedas de altura podem
nas quais ocorre laceração das estruturas anatô- ocasionar lesões raquimedulares e fraturas de
micas na região lesionada pelo objeto perfuro- pelve, bem como as quedas de mesmo nível,
cortante, teriam potencial danoso mais limitado mais comum em idosos, podem levar à lesões
à região afetada, bem como à profundidade da crânioencefálicas bem mais frequentemente.
lesão. Um estudo observacional prospectivo, Além disso, lesões em região craniana foram
realizado por Sikander et al. (2020), com paci- mais comumente afetadas em casos de vítimas
entes de 60 anos ou mais admitidos com trauma de agressão física. Nessa perspectiva, a relação
torácico fechado em um Departamento de Ci- de acidentes automobilísticos e trauma em
rurgia Torácica do Paquistão, pode concluir que região torácica é provavelmente explicada pelo
para essa população, as quedas foram responsá- impacto e desaceleração diretos sobre o tórax
veis por 40 % dos mecanismos traumáticos, en- (PARREIRA et al., 2017).
quanto acidentes de trânsito representaram
56,3% dos casos para os pacientes investigados. Lesões associadas
Nesse sentido, Beshay et al. (2020) aponta O ATLS preconiza que o atendimento a pa-
lesões torácicas contusas como mais comuns cientes vítimas de trauma torácico deve buscar
que as lesões penetrantes, tendo como princi- a presença de sinais que indiquem possíveis le-
pais causas os acidentes automobilísticos, que- sões em decorrência da lesão, e divide essas le-

119 | Página
sões em relação ao potencial risco de vida ge- e o hemotórax são as lesões mais frequente-
rado pelas sequelas. A classificação dos tipos de mente encontradas em traumas torácicos contu-
lesões associadas são: lesão com risco iminente sos e penetrantes respectiva-mente. Em contra-
de vida e com risco potencial. partida, no estudo feito por Broska et al. (2017),
Em relação ao primeiro tipo, as lesões de- o achado identificado de forma mais recorrente
vem ser reconhecidas e tratadas de forma ime- nos traumas torácicos contusos foi o pneumotó-
diata na avaliação primária, a qual compreende rax, e o hemotórax manteve-se como a lesão as-
o primeiro contato com o politraumatizado atra- sociada mais frequente de traumas penetrantes.
vés do exame de padrão ABCDE: airway (vias As lesões associadas extratorácicas estão
aéreas), breathing (ventilação), circulation (cir- presentes em um número significativo de trau-
culação), disability (avaliação neurológica) e mas torácicos, no estudo feito por Broska et al.
exposure (exposição). As manifestações que es- (2017) indicou que 66,2 % dos pacientes, víti-
tão enquadradas nesse tipo são: tórax instável, mas de trauma torácico, possuíam outras lesões,
obstrução da via aérea, pneumotórax híperten- a maior parte em membros superiores e inferio-
sivo e aberto, tórax instável, hemotórax maciço res, crânio-encefálicos e abdominais.
e tamponamento cardíaco, enquanto as causas Em suma, as lesões com acometimento to-
que são riscos potenciais são abordadas em uma rácico estão mais associadas a acidentes auto-
avaliação secundária, podendo contar com o au- mobilísticos em veículos de quatro rodas, en-
xílio de exames de imagem para ajudar a indicar quanto que as vítimas de atropelamento, aci-
o diagnóstico. As manifestações dessa classifi- dentes de motocicletas, agressão física e quedas
cação são: pneumotórax simples, hemotórax, possuíam um acometimento maior em lesões
contusão pulmonar, laceração traqueobrônqui- não torácicas.
ca, traumatismo contuso do coração, ruptura
traumática de aorta e diafragma, além dos Diagnóstico
ferimentos transfixantes do mediastino. As le- Para fazer o diagnóstico correto, é muito
sões torácicas mais registradas nas literaturas importante fazer a avaliação clínica com o in-
selecionadas são as contusões pulmonares, he- tuito de distinguir a simetria e profundidade da
motórax, fraturas de costelas e pneumotórax lesão, fazer a ausculta pulmonar e a inspeção da
(BESHAY et al., 2020). parede do tórax. Por conseguinte, é necessário
Entre as lesões mencionadas, a contusão cumprir todos os passos do paciente politrau-
pulmonar é uma das maiores causas de morte matizado proposto pelo ATLS, podendo assim
no trauma contuso. Esse fato pode ser expli- obter um diagnóstico rápido e preciso. A equipe
cado pelas alterações prejudiciais geradas no que atende as vítimas de trauma penetrante,
processo de hematose. Além disso, há a ati- com ferimentos transfixantes do tórax, em área
vação das respostas imunes sistêmicas e locais de Ziedler, devem buscar ativamente o diag-
que se relacionam com o desenvolvimento da nóstico de lesão cardíaca, mesmo que estejam
Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo assintomáticos. A reavaliação clínica, monito-
(SDRA) (BARAM & KAKAMAD, 2019). ramento constante e o uso dos métodos diag-
De acordo com os achados registrados nos nósticos não invasivos, como a ultrassonografia
estudos de Zanette et al. (2019), foi demons- na sala de trauma (FAST), pode auxiliar na
trado que entre todas as lesões torácicas associ- indicação cirúrgica (OLIVEIRA et al., 2018).
adas, citadas anteriormente, a fratura de costela

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Existem várias modalidades do trauma torá- liação é feita por meio de critérios clínicos du-
cico, incluindo contusão miocárdica, que pode rante o atendimento inicial da vítima. Se os cri-
existir a possibilidade de suspeita da síndrome térios não forem positivos a tomografia compu-
coronariana aguda por uma dor torácica pós– tado-rizada pode ser retirada com segurança.
trauma e elevação do intervalo entre despolari- Esse método de instrumento tem como benefí-
zação e repolarização ventricular (segmento cio a diminuição de tomografias computadori-
ST). Nesse caso, faz-se necessário a realização zadas de tórax desnecessárias, entre 25 e 37 %
de eletrocardiograma e coleta de marcadores de (REICHARDT et al., 2020).
necrose miocárdica e indicação de cineangio- Vale salientar, a importância de um diag-
coronariografia para descartar esta hipótese e, nóstico preciso e ágil para os pacientes com
obter um melhor diagnóstico e tratamento ime- trauma torácico, sendo um meio crítico de in-
diato (SILVA et al., 2018). formações objetivas para tomadas de decisões
Além dos exames já citados, existem os cabíveis, de como conduzir o atendimento para
exames de diagnósticos solicitados para paci- um bom funcionamento da saúde do paciente.
entes politraumatizados, como a radiografia de
tórax simples, visto que, na radiografia de tórax Tratamento
pode ser detectado fraturas de costelas, ou ou- O tratamento para as principais consequên-
tros ossos do tórax, pneumotórax, pneumome- cias do trauma torácico depende do mecanismo
diastino, pneumopericárdio e enfisema subcu- do trauma, sendo imprescindível um cuidado
tâneo, o que são alterações sugestivas de lesão médico atento, principalmente no que tange ao
da árvore traqueobrônquica. O exame de bron- cuidado com a Síndrome da Resposta Inflama-
coscopia pode ser uma escolha para indicações tória Sistêmica (SIRS). Na maioria dos casos,
iniciais como: hemoptise, enfisema subcutâneo, há necessidade de procedimentos mais invasi-
fuga aérea sem melhora, pneumotórax persis- vos, como cirurgia, os quais são mais comuns
tente e pneumomediastino No exame realizado
.
depois de 24 horas, seguidos pelos casos de
logo após o trauma, podem ser descobertas rup- emergência que devem ser feitos antes de 4 ho-
turas completa ou parcial da traquéia, laceração ras (GONZÁLEZ et al.,2019).
traqueal, ruptura completa ou parcial do brôn- Nessa perspectiva, muitos dos pacientes
quio, laceração brônquica, ou ainda pode apre- com trauma torácico necessitam de suporte ven-
sentar apenas sinal que sugere a presença de le- tilatório e internação na Unidade de Terapia In-
são traqueal e/ou brônquica (REYES et al., tensiva (UTI) por períodos mais longos, mesmo
2017). com os protocolos de ventilação não invasivos
Estudo recente publicado na PLOS Medi- e protetores pulmonares. De forma contrária
cine, mostrou o desenvolvimento de dois instru- aos pacientes tratados por métodos conservado-
mentos de decisão clínica: (IDCs) – NEXUS res, os tratados cirurgicamente apresentaram
TC de tórax-All, que possui sensibilidade para uma redução significativa no tempo de intuba-
as lesões torácicas e o NEXUS TC de tórax-Ma- ção e internação, riscos de falência de múltiplos
jor, que tem grande sensibilidade para signifi- órgãos, insuficiência pulmonar e mortalidade.
cância clínica, com o intuito de descartar a exis- Ademais, é importante ressaltar que lesões ou
tência de lesões torácicas significativas em pa- comorbidades associadas com os riscos de mor-
cientes com trauma torácico fechado. Essa ava- talidade podem impedir que o paciente passe
por tratamento cirúrgico, apresentando maior

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risco quando tratados conservadoramente benzodiazepínicos para pacientes ventilados de
(EBERBACH et al., 2021). forma mecânica (DELETOMBE et al., 2019).
A drenagem de tórax é a forma mais utili- Nesse contexto, pacientes politraumatiza-
zada para tratar uma lesão de tórax, devido ao dos com trauma torácico, apresentaram tempo
trauma ocasionar pneumotórax ou hemotórax. de internação na UTI e dias de ventilação me-
Essa técnica garante a expansão adequada do cânica estendidos significativa-mente quando
pulmão que estava sendo comprimido por san- comparados com pacientes sem trauma torácico
gue ou ar. Para critério de realização é necessá- (DEMAÇI et al., 2021).
rio avaliar os sintomas do paciente, tamanho do
pneumotórax e fazer raio-x de tórax (HUAN et CONCLUSÃO
al., 2021).
Porém, em 2021, Hung et al. ao compara- Considerando sua alta prevalência no
rem a abordagem cirúrgica e a intervenção con- mundo, o trauma torácico está associado à alta
servadora (somente observação, suporte de morbimortalidade e incapacidade a longo
oxigênio, cateter e inserção de tubo torácico) prazo, acometendo em sua maioria pacientes
em pneumotórax espontâneo primário juvenil, adultos jovens, do sexo masculino, vítimas de
constataram que a abordagem cirúrgica como acidente automobilístico. Somado a isso,
tratamento de primeira escolha pode levar a obteve-se o trauma fechado como a categoria
uma diminuição na taxa de recorrência do pneu- mais comum nesses casos, apontando necessi-
motórax. Entretanto, ao comparar 292 pacientes dade de drenagem durante a intervenção. À
que fizeram uso de dreno torácico versus 73 vista disso, o presente estudo confirma também
submetidos a cirurgia, foi constatado uma taxa o pneumotórax como lesão associada mais fre-
de recorrência similar para ambos os proce- quente, bem como a prevalência de lesões torá-
dimentos, não havendo heterogeneidade signi- cicas em acidentes automobilísticos envol-
ficativa para os dois grupos. vendo veículos de quatro rodas. Em contrapar-
Em pacientes adultos, não foram encontra- tida, vítimas de atropelamento, circunstâncias
das pesquisas do tipo comparativa para ambos abrangendo acidentes com motocicletas, agres-
os tipos de tratamento (intervenção cirúrgica ou são física e quedas evidenciaram maior acome-
intervenção conservadora), prevalecendo-se timento de lesões não torácicas. É importante
desse modo, as condutas até então preconizadas citar que houve divergência em relação ao pe-
pelo Suporte Básico de Vida (BLS) e Suporte ríodo de maior admissão hospitalar, variando
de Vida Avançado no Trauma (ATLS) (HUNG conforme o país e região. No que tange ao di-
et al., 2021). agnóstico, os procedimentos realizados seguem
Em casos em que a Ventilação Não-Inva- o padrão do ATLS incluindo equipamentos
siva (VNI) é necessária, o uso de dexmedetomi- como o FAST. Já em relação ao tratamento, ex-
dina melhora a tolerância à VNI, promove um pressivos números de casos recorrem a proce-
nível de sedação mais profundo, além de redu- dimentos invasivos, como a cirurgia, sendo a
zir o desconforto respiratório. Somado a isso, drenagem o método mais empregado para tratar
diretrizes recentes sugerem que dexmedetomi- as lesões torácicas.
dina possui uso preferencial se comparado com

122 | Página
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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HUNG, C.-S. et al. Systematic review and meta-analysis

123 | Página
CAPÍTULO 15
HÉRNIA DIAFRAGMÁTICA
TRAUMÁTICA: REVISÃO DE
LITERATURA
Palavras-chave: Abdome Agudo; Obstrução Intestinal; Hérnia Diafragmática

ANA RITA DA SILVA NUNES¹


ARISTÓTELES PASSOS ARAÚJO NETO¹
BRUNO LOBÃO FERNANDES¹
DENISE MARIA MATOS OLIVEIRA¹
DIANA SAMPAIO ERICEIRA¹
JOÃO GABRIEL QUEIROZ SAMINESES¹
LEONARDO DOMINGUES GOMES¹
LEONARDO SILVA DOS SANTOS¹
LUÍS GABRIEL CAMPOS PIRES¹
ROBERTA CUTRIM RIBEIRO¹
THIAGO DUTRA MENDONÇA¹
LEOBRUNO REVIL TORRES FERREIRA2
MÁRCIA CRISTINA SUNNAYANH COSTA SILVA LAUANDE2
BENITO JÚNIOR SANTOS DA COSTA3
THAISA PESTANA SOUSA4

Discente - Medicina na Universidade Federal do Maranhão (UFMA)


Discente – Medicina na Universidade Ceuma
Cirurgião Geral - Formado pelo Hospital Universitário Presidente Dutra (HUUFMA)
Cirurgiã Geral - Formada pelo Hospital Universitário de Juiz de Fora (UFJF)

124 | Página
INTRODUÇÃO por meio de pesquisas, artigos e livros publica-
dos nas bases de dados Scielo, Pubmed e
A hérnia diafragmática traumática ocorre Medline. Os descritores utilizados foram “hér-
quando existe a passagem do conteúdo abdo- nia”, “hérnia diafragmática” e “hérnia diafrag-
minal para dentro da cavidade torácica através mática traumática”. Foram encontrados 240
de uma abertura na parede do diafragma em de- artigos nessa busca, os quais foram submetidos
corrência de uma ação cinética em decorrência aos parâmetros de inclusão.
de um impacto. Deste modo, as lesões podem Os parâmetros usados foram: artigos escri-
ocorrer devido traumas contusos, quando o au- tos em português e inglês, expostos publica-
mento súbito da pressão intra-abdominal é mente nos últimos anos e com abordagem de
transmitido às cúpulas diafragmáticas, como temáticas relacionadas à proposta de pesquisa,
em acidentes automobilísticos e contusões ou trabalhos do tipo revisão e livros renomados a
traumas penetrantes, mais frequentes e geral- respeito do tema, disponíveis integralmente.
mente causados por arma branca ou projéteis de Dentre os critérios de exclusão tem-se: artigos
arma de fogo (KALIL, 2016). dispostos na forma de resumo, duplicados, de-
O trauma fechado que provoca a hérnia di- satualizados, que não abordavam de modo sa-
afragmática tem ocorrido com frequência, tisfatório o tema estudado e que não cumpriam
como consequência do aumento do número de inteiramente os parâmetros de inclusão.
colisões automobilísticas e acidentes de traba- Após a seleção dos artigos, restaram 20 pu-
lho. Esse tipo de hérnia é considerado sinal de blicações, as quais foram inteiramente lidas, de
trauma grave. O diagnóstico é frequentemente forma minuciosa, para a coleta de dados. As
difícil e feito, muitas vezes, durante procedi- conclusões foram fragmentadas em grupos te-
mentos cirúrgicos por outros motivos. O envol- máticos, discorrendo sobre os conceitos inici-
vimento do hemidiafragma esquerdo aparece ais, dados epidemiológicos, etiologia, classifi-
em 75 % dos casos publicados (PANDO- cação, quadro clínico, diagnóstico, tratamento e
SERRANO, 2000). complicações pós-operatórias.
O objetivo deste estudo foi levantar infor-
mações, de caráter bibliográfico, buscando RESULTADOS E DISCUSSÃO
compreender os motivos que levam a ocorrên-
cia da hérnia diafragmática, como diagnosticar, Conceito e Etiologia
quais os tipos de tratamento e como será a recu- A hérnia diafragmática surge quando o dia-
peração do paciente no pós-operatório, deba- fragma cede a pressão intra-abdominal e co-
tendo assuntos como: a dificuldade de pre- meça a permitir a entrada do conteúdo visceral
venção ao acometimento desse tipo de hérnia, dentro da caixa torácica, já que sua principal
seus sintomas e a dificuldade de diagnóstico por função além de auxiliar na respiração é a de se-
parte dos médicos. parar os órgãos do tórax e do abdômen. Sendo
assim, as lesões traumáticas do diafragma, onde
MÉTODO se englobam a rotura, as lacerações e as contu-
sões diafragmáticas podem ocorrer em casos de
Trata-se de uma revisão sistemática reali- trauma toracoabdominal e, numa elevada per-
zada no período de janeiro a fevereiro de 2022 centagem associam-se a lesões de outros órgãos
(CARMO, 2020).

125 | Página
De acordo com os dados estatísticos envol- hérnia diafragmática, não apresenta sinais cla-
vendo esse tipo de lesão no diafragma, o lado ros ou muito exacerbados (COSTA et al.,
esquerdo aparece em 75 % dos casos publica- 2019). Existem relatos de pacientes que se man-
dos, enquanto o lado direito possui menor quan- têm assintomáticos por longos períodos, es-
tidade de casos devido a presente solidez do fí- tando descritos casos na literatura mundial de
gado. Embora a ruptura do diafragma e deslo- até 50 anos, chegando, por vezes, a não lembrar
camento de órgãos abdominais para dentro da da ocorrência de trauma prévio (SINGH et al.,
cavidade torácica seja rara, o conteúdo da hér- 2000).
nia diafragmática traumática intrapericárdica Quando sintomáticos, as manifestações são
pode ser o epíplon, cólon transverso, estômago, apresentadas em região torácica e/ou abdomi-
jejuno e o lobo esquerdo do fígado. Nos casos nal. Entre 38 % e 59 % desses pacientes têm
de hérnias de diagnóstico atrasado, os pacientes achados físicos devido às lesões associadas, po-
podem apresentar dor, queixas respiratórias ou dendo apresentar hemotórax, pneumotórax ou
gastrointestinais; em poucas situações o quadro peritonismo (NAGY & BARRETT, 1996).
clínico inclui instabilidade hemodinâmica Ainda, há casos com manifestações muito ines-
(PANDO-SERRANO, 2000). pecíficas, como dor abdominal difusa, dor torá-
cica e vômitos (CARMO, 2020).
Classificação No exame físico, o paciente pode manifes-
As hérnias diafragmáticas traumáticas po- tar dificuldade respiratória e diminuição dos
dem ser classificadas em três fases, segundo sons respiratórios do lado afetado, devido à
Mitre Kalil: “Aguda”: quando a lesão é identi- pressão do conteúdo herniário sobre os pulmões
ficada e tratada logo após o evento traumático; e árvore traqueobrônquica. Ocorre também a
“Latente”, em que o paciente pode apresentar possibilidade de apresentar ausculta de ruídos
sintomas gastrointestinais ou respiratórios me- hidroaéreos no tórax e movimento paradoxal do
ses ou anos após o trauma e “Tardia”, caracte- abdome com a respiração (CARMO, 2020;
rizada pelas complicações da HDT, como obs- GAINE et al., 2013).
truções e estrangulamentos de vísceras ocas” Alguns mnemônicos são descritos na litera-
(KALIL, 2016). tura, como a tríade de Brochardt, a qual o paci-
Ainda que o diagnóstico possa ser difícil na ente pode apresentar náuseas, dor abdominal e
fase aguda do trauma, as lesões diafragmáticas impossibilidade de progredir com a intubação
devem ser sempre investigadas, uma vez que a nasogástrica (CAMERON & MIRVIS, 1996); e
evolução para a fase crônica está associada à o sinal de Gibson, que caracteriza-se como ab-
presença de complicações e aumento da morta- dome escavado mostrando assimetria dos hi-
lidade. Em qualquer fase a ser estudada, o tra- pocôndrios, pouco relatado nos pacientes com
tamento da hérnia diafragmática ainda é essen- hérnia diafragmática (STEINMAN et al.,
cialmente cirúrgico. As lesões diafragmáticas 1993).
devido aos ferimentos torácicos, habitualmente
são diagnosticadas tardiamente (KALIL, 2016). Diagnóstico

Quadro Clínico Os dados obtidos do exame físico, por se-


Na maioria dos casos, quando o paciente ví- rem inespecíficos, raramente definem o diag-
tima de trauma adentra o pronto-socorro com

126 | Página
nóstico conciso da hérnia diafragmática trau- sing que é caracterizado pela ponta livre do
mática. Dessa forma, como poucos pacientes diafragma rasgado que se enrola para baixo em
apresentam sinais e sintomas que possibilitem o direção ao centro do corpo e a ausência de
diagnóstico clínico na fase aguda, alguns po- visualização do diafragma que é encontrado
dem evoluir com manifestações tardias, como frequentemente em lesões de grandes dimen-
obstrução intestinal, encarceramento e estran- sões, associando-se a herniação do conteúdo
gulamento, podendo levar ao óbito (KALIL, abdominal (DESIR & GHAYE, 2012;
2016). BONATTI et al., 2016).
A radiografia simples de tórax pode ser con- No diagnóstico diferencial é importante
siderada padrão-ouro no diagnóstico, na maio- descartar a possibilidade de defeitos pré-exis-
ria dos casos, devido ao sinal de elevação de ní- tentes no diafragma ou da presença de hérnias
vel da bulha gástrica ou presença de alças intes- diafragmáticas congênitas, comparando, sem-
tinais em cavidade torácica, sendo esses os prin- pre que possível, com exames de imagens pré-
cipais sinais da presença de hérnia diafragmá- existentes (CARMO, 2020). Ademais, é essen-
tica, especialmente quando associado a clínica cial descartar possibilidades como evenração
clássica de dispneia, dor em andar superior do diafragmática sem rotura muscular ou hérnias
abdome e murmúrio vesicular diminuído em do hiato esofágico, os quais podem criar dúvi-
hemitórax ipsilateral à lesão (ATIF & KHA- das diagnósticas e levar a falsos positivos
LID, 2016; FURÁK & ATHANASSIADI, (DESIR & GHAYE, 2012).
2019).
Ademais, a radiografia pode apresentar ou- Tratamento
tros sinais sugestivos, como irregularidades no Devido ao contínuo movimento do dia-
contorno do diafragma e desvio do mediastino fragma e a possibilidade de expansão da lesão,
na ausência de causa pulmonar ou pleural e ate- a reparação espontânea das roturas diafragmá-
lectasia do lobo inferior (FURÁK & ticas não é expectável. Dessa forma, a conduta
ATHANASSIADI, 2019; BONATTI et al., cirúrgica é considerada padrão ouro no trata-
2016). É importante, sempre que possível, a re- mento deste tipo de lesões, sendo determinadas
petição da radiografia de tórax, pois em alguns a partir das lesões associadas encontradas nos
casos, a hérnia pode apenas ser visualizada após pacientes (CARMO, 2020; FURÁK &
resolução das lesões pulmonares associadas ou ATHANASSIADI, 2019).
após extubação do doente (ALTHANI et al., Dentre as lesões associadas, considerando a
2018; DESIR & GHAYE, 2012). grande energia cinética necessária para produ-
Outros estudos referem a tomografia com- zir lesão diafragmática em traumas contusos,
putadorizada com contraste como exame de pri- são encontradas em até 95 % dos casos. Entre
meira escolha, devido a sensibilidade de 61- elas, encontram-se principalmente lesões em
87% e uma especificidade de 72-100 % baço e fígado (25 %), traumatismo cranioence-
(PANDA et al., 2014), podendo apresentar fálico, fraturas de bacia (40 a 55 %) e dos mem-
alguns sinais como o defeito segmentar do bros (BROWN & RICHARDSON, 1985;
diafragma encontrado em cerca de 96 % dos SHARMA, 1989). Há ainda relatos de lesões
casos, correspondendo a uma perda focal da em aorta torácica (3% a 10 %) nos pacientes
continuidade do diafragma (BONATTI et al., com lesões diafragmáticas do lado direito
2016). Há ainda outros sinais, como Dangling (BOULANGER et al., 1993).

127 | Página
Dessa forma, quando os pacientes apresen- pneumotórax e empiema. Outros estudos rela-
tam lesões intra-abdominais ou encontram-se tam complicações em cavidade abdominal ou
hemodinamicamente instáveis, a laparotomia é nos órgãos herniados, como abscessos, isque-
o procedimento de escolha (BONATTI et al., mia vascular, obstrução intestinal ou deiscência
2016); enquanto que quando as hérnias diafrag- de anastomoses, além de possíveis recorrências
máticas pós-traumáticas são encontradas isola- da hérnia (AL-THANI et al., 2018;
das, a abordagem mais utilizada é a toracotomia ABDELSHAFY& KHALIFA, 2018; AHMAD
(AHMAD et al., 2013). Entretanto, ambas são et al., 2013).
úteis para exploração diagnóstica quando há dú-
vidas no estudo de imagens, apesar de ser um CONCLUSÃO
método invasivo (ALTHANI et al., 2018).
Comumente, o procedimento mais realiza- Considerando-se que as hérnias diafragmá-
do é a redução da hérnia, seguido da reparação ticas pós-traumáticas não apresentam sinais cla-
da lesão diafragmática. Por vezes, torna-se ne- ros e específicos durante a chegada do paciente
cessária a ressecção de órgãos ou partes deles no pronto-socorro, podendo até mesmo ser as-
com realização de anastomoses (AHMAD et sintomática e perdurar durante anos com o pa-
al., 2013). Essa reparação pode ser feita através ciente, é essencial a difusão do conhecimento
de suturas não absorvíveis contínuas ou inter- sobre os pequenos sinais sugestivos e possibili-
rompidas, sendo que um dreno torácico deve ser dade diagnósticas para um reconhecimento pre-
colocado na cavidade pleural afetada coce e melhor conduta ao paciente afetado. Evi-
(BONATTI et al., 2016). tando assim, que o mesmo possa evoluir para
As complicações pós-operatórias mais des- complicações em fases tardias, como obstrução
critas na literatura são referentes a cavidade to- intestinal, encarceramento e estrangulamento
rácica, sendo possível encontrar pneumonia, das alças intestinais, trazendo riscos de vida ao
paciente

128 | Página
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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úde, v.22, n.22, p.663, 2019. v.48, p.82-86, 1993.

129 | Página
CAPÍTULO 16
ABORDAGEM CLÍNICA E
CIRÚRGICA PARA HÉRNIA
TRAUMÁTICA DO DIAFRÁGMA
Palavras-chave: Hérnia diafragmática; Trauma; Tratamento cirúrgico

ANA CAROLINA GASPAROTTO¹


ANNA CLARA FRANCISCO DE SOUSA1
BRUNO COUTO SILVEIRA1
BRUNO LACERDA ESTEVES1
FELIPE SANTANA OLIVEIRA1
HELOYSA HELENA ROSSI BONANI1
JOÃO VITOR ATIBAIA FRAGUAS1
LETICIA ALVES MADEIRA1
MARCELO RÔMERO REZENDE FILHO1
MARIA CLARA LARA REIS1
MELISSA AVILA MACHADO1
MILENA CAMILA ROCHA1
RAFAEL BRAGA CORREA BONFIM1
ROMMEL DE SOUSA CARNEIRO2
SABRINA VISCONDE LOPES E MOURA1

Discente – Medicina da Universidade José do Rosário Velano


1
2
Docente – Médico-cirurgião da Universidade José do Rosário Velano

130 | Página
INTRODUÇÃO MÉTODO

O diafragma é um músculo essencial para o O presente estudo consiste em uma revisão


processo da respiração. A sua ruptura pode re- de literatura integrativa, realizada no período de
sultar em processos patológicos como atelecta- 09 de fevereiro de 2022 à 06 de março do
sias, desvios mediastinais, insuficiência respi- mesmo ano, por membros da Liga de Cirurgia
ratória e hérnias diafragmáticas (LUGARI- Cardíaca e Torácica da Unifenas, campus Alfe-
NHO-MONTEIRO et al., 2018). A hérnia dia- nas (LACCT). Foram utilizados artigos de revi-
fragmática, por sua vez, é descrita quando há a são de literatura, ensaios clínicos, relatos de
evisceração transdiafragmática de conteúdo casos, estudos randomizados e metanálises, os
abdominal no tórax, seja por meio de um orifí- quais foram encontrados nas bases de dados
cio patológico ou não do diafragma, originado PubMed e SciELO, sendo que os descritores
de forma traumática ou não (GUTIÉRREZ & utilizados na busca foram: “hérnia diafragmá-
PI, 2021). tica traumática”, “cirurgia”, “correção cirúr-
Ainda é pertinente salientar que traumas di- gica”, “tratamento”, “epidemiologia”, “HDT
afragmáticos e suas lesões tendem a se agravar incidência”, “classificação HDT”, “traumatic
devido à falta de especificidade sintomatoló- diaphragmatic hernia”, “HDT relato de caso”,
gica e a consequentes atrasos diagnósticos, “HDT lesões”, “HDT complicações”.
porquanto intensificam o risco de hérnias de Os critérios de inclusão dos artigos utiliza-
órgãos abdominais à cavidade torácica, especi- dos para integrar esse estudo foram: artigos pu-
almente do lado esquerdo (GUTIÉRREZ & PI, blicados nos últimos 6 anos (de janeiro de 2017
2021; GARCIA et al., 2018). a março de 2022) e artigos publicados em revis-
Em decorrência da herniação de órgãos ab- tas científicas de Qualis C ou superior, escritos
dominais para a cavidade torácica, alterações nos idiomas inglês, português ou espanhol. Já
fisiológicas importantes do funcionamento dos os critérios de exclusão foram: artigos que não
órgãos afetados ocasionam sintomas cardio- atendiam ao tema proposto, artigos publicados
vasculares, como arritmias, e respiratórios, co- há mais de 6 anos (anteriores a janeiro de 2017),
mo dispneias ou síndromes restritivas respi- artigos publicados em revistas não científicas
ratórias graves. No entanto, a sintomatologia, ou em revistas de qualidade inferior ao Qualis
no geral, varia de acordo com o tempo de evo- C.
lução da lesão e com sua localização, sendo Foram encontrados 43 artigos sobre o tema
pouco específica (LUGARINHO-MONTEIRO proposto. Após a seleção, 19 artigos que se en-
et al., 2018). caixavam nos critérios descritos, foram subme-
Com isso em vista, o objetivo desse estudo tidos a uma leitura sistemática e minuciosa,
é acentuar a importância dos conhecimentos re- sendo feita a coleta dos dados necessários para
ferentes à hérnia traumática do diafragma e s a confecção do estudo. Os resultados encontra-
suas intercorrências, ao caracterizar as condutas dos foram apresentados e discutidos para o me-
clínicas e cirúrgicas necessárias aos diagnósti- lhor entendimento da abordagem clínica e cirúr-
cos e tratamentos precoces. Desse modo, pre- gica da hérnia traumática diafragmática e des-
tende evitar complicações associadas a ela, vi- crição das atualizações encontradas sobre o
sando um melhor prognóstico ao paciente. tema.

131 | Página
RESULTADO E DISCUSSÃO porção torácica e o teto da porção abdominal.
Entretanto, a lesão traumática do diafragma
Epidemiologia compromete essa importante função ao fragi-
A hérnia traumática diafragmática afeta lizá-lo, possibilitando a ocorrência de HDT
cerca de 0,05 % da população geral, sendo ho- com passagem de vísceras, principalmente, có-
mens de 30 a 45 anos os principais acometidos. lon, estômago, baço, omento maior e alças in-
Geralmente é mais comum a lesão do lado es- testinais (GUTIÉRREZ & PI, 2021).
querdo do diafragma, provavelmente por conta A lesão diafragmática pode ser causada por
de uma fraqueza embriológica deste lado ou por trauma torácico ou abdominal, sendo direto ou
proteção do fígado no lado direito (ROSSI; et indireto e acometendo mais o lado esquerdo. O
al. 2021). trauma direto ocorre por instrumentos perfu-
As lesões traumáticas no diafragma podem rantes ou projéteis que atravessam o músculo
ser causadas por trauma perfurante, contuso ou comunicando as cavidades independente do
de origem iatrogênica. Na maioria dos casos sentido, sendo caracterizado por lacerações me-
(75%) a Hérnia Traumática Diafragmática nores. O indireto é causado por aumento súbito
(HTD) decorre de traumas contusos e os aci- da pressão intra-abdominal superando a resis-
dentes automobilísticos são os principais res- tência do diafragma e culminando na sua rup-
ponsáveis, sendo eles capazes de gerar grandes tura contundente exibindo rasgos radiais no te-
lacerações diafragmáticas. Já lesões causadas cido (GUTIÉRREZ & PI, 2021).
por trauma penetrante, como por arma de fogo A ruptura frênica pode possuir três fases: a
ou arma branca, geram por vezes ferimentos de primeira fase, aguda, ocorre a lesão muscular;
pequena magnitude que, inclusive, não chegam já na segunda fase acontece herniação transitó-
a ser verdadeiras hérnias diafragmáticas ria dos órgãos abdominais para a cavidade torá-
(ROSSI et al. 2021). cica, apresentando sintomas inespecíficos. Por
Outros estudos relatam que o trauma fe- último, há a terceira fase, que é quando se evi-
chado toracoabdominal leva a ruptura diafrag- dencia sinais e sintomas de complicações obs-
mática em cerca de 5 % dos casos. Na maioria trutivas de vísceras abdominais (HEREDIA et
das vezes, os órgãos abdominais que sofrem al., 2020; LERENDEGUI et al., 2018). Essa
herniação com maior frequência são o estô- herniação pode ser explicada pelo gradiente de
mago, o omento, cólons e fígado (ROSSI et al. pressão entre as cavidades torácica e abdomi-
2021). nal. Normalmente, a diferença de pressão entre
essas porções é de 7 a 20 cm de H2O, e com a
Fisiopatologia manobra de Valsalva pode chegar a 100 cm de
O diafragma é um músculo estriado esque- H2O, quando a pressão interpleural é menor. No
lético que apresenta periferia com ventre mus- trauma contuso, a pressão abdominal eleva-se
cular e centro tendíneo composto por hiato eso- em até 10 vezes, conduzindo abruptamente a
fágico, hiato aórtico e forame da veia cava infe- energia cinética através das cúpulas diafragmá-
rior. Além de ser o principal músculo responsá- ticas causando a hérnia durante ou após a lesão
vel pelos movimentos respiratórios e manu- (VAILLANT et al., 2019).
tenção da pressão nas cavidades abdominal e Dessa forma, é importante ressaltar que o
torácica, destaca-se sua função estrutural, sepa- diagnóstico precoce é imprescindível para um
rando essas cavidades, sendo o assoalho da bom prognóstico das HDT’s, a fim de evitar

132 | Página
complicações como estrangulamento de alças et al., 2018). Ao exame físico pode-se notar au-
intestinais, isquemia e, posteriormente, necrose sência de murmúrio vesicular em hemitórax
dos tecidos afetados, presença de abdômen comprometido, presença de ruídos hidroaéreos
agudo hemorrágico e perfurativo, sepse e pos- no hemitórax afetado com timpanismo à per-
sível óbito (BRITO & IRAIZOZ, 2021; cussão, desvio da área cardíaca para direita,
CHAPARRO-SANTACRUZ et al., 2021). pneumotórax e hemotórax, em alguns casos.
Contudo, em grande parte dos casos, os pacien- Tais achados clínicos somados à exames de
tes se apresentam assintomáticos ou oligossin- imagem são fundamentais para o diagnóstico
tomáticos por meses a anos, o que dificulta o precoce e, consequentemente, para o melhor
diagnóstico inicial (GARCIA et al., 2018). Esse prognóstico do paciente (GUTIÉRREZ & PI,
fato pode ser explicado pela hipótese de que, no 2021; HEREDIA et al., 2020).
primeiro momento, o trauma primário gera a
desvitalização do músculo, seguido por um se- Classificação
gundo momento em que a inflamação local As lesões de hérnias traumáticas do dia-
acaba enfraquecendo-o o suficiente para que se fragma podem ser classificadas em graus de I a
consolide a hérnia diafragmática, favorecendo V, que vão desde contusão muscular até lace-
o diagnóstico tardio, quando os sintomas se rações maiores de 10 cm com perda uma teci-
tornam presentes, e aumentando a possibilidade dual significativa. (FIGUEIREDO et al., 2018).
de complicações (LERENDEGUI et al., 2018). A classificação internacional mais utili-
Em relação aos casos sintomáticos, o paci- zada para descrição da lesão é a do Organ In-
ente pode apresentar sintomas inespecíficos jury Scaling da Associação Americana de Ci-
como dispnéia, taquipnéia, dor torácica, taqui- rurgia do Trauma (Tabela 16.1) (FIGUE-
cardia, disfagia, instabilidade hemodinâmica, IREDO et al., 2018).
desconforto e dor em andar superior do abdô-
men (BELTRÁN et al., 2018; LERENDEGUI

Tabela 16.1. Classificação da Organ Injury Scalling para Trauma Diafragmático


Grau Descrição da Lesão Abreviated Injury Scale (AIS)
I Contusão 3
II Laceração <= 2cm 3
II Laceração de 2 a 10cm 3
2
VI Laceração > 10cm com perda de tecido <= 25cm 3
2
V Laceração com perda tecidual maior que 25cm 3
Avançar um grau para lesões bilaterais
Fonte: Adaptado de FIGUEIREDO et al., 2018.

Em relação a localização da hérnia, alguns pacientes com hérnias do lado direito apresen-
estudos sugerem que as hérnias do lado direito tam maior mortalidade pré-hospitalar. As hér-
são menos comuns devido ao efeito protetor no nias bilaterais são muito raras (LU et al., 2016).
fígado. Além disso, até 90 % dos relatos de ca- As hérnias diafragmáticas são entidades ra-
sos de hérnias diafragmáticas tardias apresenta- ras que são caracterizadas pela passagem de
vam defeitos do lado esquerdo. Isso sugere que parte do conteúdo abdominal para o interior da

133 | Página
cavidade torácica, devido a um defeito no dia- ente pode levar a complicações durante proce-
fragma que pode ser congênito ou causado por dimentos, como em tentativas de drenagem de
uma ruptura após um trauma abdominal pene- tórax pela suspeita de hemotórax ou quilotórax,
trante ou contuso (ROSSI et al., 2021). que acarretam lesão em vísceras ocas durante a
inserção do tubo de drenagem (BLITZ &
Abordagem Diagnóstica LOUIE, 2009).
O diagnóstico da hérnia traumática do dia- A hérnia traumática do diafragma pode ser
fragma pode ser dividido em três etapas de de difícil diagnóstico pela falta de precisão em
acordo com o intervalo de tempo que decorre seus sintomas, sendo os principais: dor abdo-
até ser estabelecido seu diagnóstico - hérnias do minal difusa; dor torácica; vómitos; dificul-
tipo 1: diagnóstico feito imediatamente após o dade respiratória pela compressão realizada
trauma; hérnias do tipo 2: diagnóstico realizado pelo conteúdo herniário sobre os pulmões; aus-
no período de recuperação; hérnias do tipo 3: o culta de ruídos hidroaéreos no tórax; e o movi-
diagnóstico apenas é feito quando o paciente se mento paradoxal do abdómen com a respiração.
apresenta com isquemia ou perfuração dos ór- Na presença de hérnia pericárdio-diafragmá-
gãos herniados (CARMO, 2020). tica, os pacientes podem apresentar desconforto
Um dos principais fatores que podem ser torácico, tamponamento cardíaco, palpitações e
um empecilho no diagnóstico e no tratamento choque cardiogênico e, pelo diafragma dividir a
da hérnia diafragmática é o seu quadro evolu- cavidade torácica e abdominal, os sintomas
tivo, o qual pode se estender por anos se o paci- digestivos, respiratórios e cardíacos podem
ente não apresentar sintomatologia, o que, por apresentar-se em conjunto. A ausência de um
sua vez, exige um alto nível de suspeição e um método padrão ouro nesse tipo de trauma tam-
exame minucioso para diagnosticar esse trau- bém é um fator que complica a resolução do
ma. Nesse sentido, a hérnia pode apresentar três quadro, pelo fato dos exames de imagem tam-
fases: a fase aguda, correspondente ao período bém apresentarem um papel limitado no diag-
de tempo entre o trauma inicial e a aparente nóstico da hérnia (CARMO, 2020).
recuperação das outras lesões associadas; uma Inicialmente, por ter uma ampla acessibili-
fase latente, em que o quadro do paciente pode dade e rapidez, a radiografia de tórax pode ser
ser assintomático ou portar uma sintomatologia realizada para detectar esse trauma, porém na
pouco precisa que pode incluir dor epigástrica, maioria das vezes os resultados são inalterados
náuseas, vômitos e episódios de obstrução ou apresentam mudanças que são pouco especí-
intestinal e a fase crônica ou obstrutiva, aquela ficas para esse caso. Além da radiografia, a to-
onde ocorrem as complicações associadas à mografia computadorizada (TC) é muito utili-
herniação das vísceras abdominais, tais como zada e mostra-se essencial para análise diagnós-
encarceramento, estrangulamento e sintomas tica, principalmente em situações crônicas, por
obstrutivos, entre outras. É preciso ter cuidado ter altas taxas de sensibilidade e especificidade.
com o paciente em fase aguda, já que não Na realização da TC para o diagnóstico de hér-
apresenta sintomas claros ou muito exacer- nia diafragmática, há alguns sinais que devem
bados na maioria dos casos, podendo evoluir ser levados em consideração: descontinuidade
para encarceramento (fase latente) e estrangula- do diafragma, constrição focal da porção de
mento (fase crônica). O descuido com o paci- alça intestinal, estômago herniado (sinal do co-
lar), visualização de sonda nasogástrica na base

134 | Página
do hemitórax acometido, hérnia intratorácica de (CARMO, 2020).
conteúdo abdominal, sendo este último o sinal A correção e tratamento da hérnia diafrag-
mais fidedigno. A ressonância magnética e o ul- mática é exclusivamente cirúrgico, indepen-
trassom também podem ser usados como ferra- dentemente da fase em que se encontra, poden-
menta para diagnosticar esse trauma, porém, do incluir uma toracotomia ou laparotomia. A
não apresentam vantagens em relação à tomo- última é indicada para pacientes em que haja a
grafia, tornando esses exames de imagem ferra- necessidade de uma exploração cirúrgica, com
mentas auxiliares na análise diagnóstica o intuito de identificar lesões em órgãos lo-
(CARMO, 2020). calizados no abdome. Em alguns casos, é pos-
Na tomografia, existem achados imagioló- sível realizar a laparotomia, cuja vantagem é
gicos que podem ser interpretados e divididos uma melhor exploração da cavidade torácica de
em sinais diretos e sinais indiretos (resultantes forma menos invasiva e com menor tempo de
de falta da separação entre a cavidade torácica pós-operatório (COBOS et al., 2020).
e abdominal). Tais sinais permitem diagnosti- Por outro lado, a toracotomia é interessante
car a hérnia traumática do diafragma mediante em casos de rupturas isoladas e nos momentos
a esses critérios. Os principais sinais diretos em que os diagnósticos não são precoces, uma
são: defeito na continuidade do contorno do di- vez que pode haver uma devida separação de
afragma; dangling sign e ausência total de visu- adesões formadas na cavidade abdominal e pa-
alização do diafragma. Os sinais indiretos são: rede torácica. Com isso, o tratamento é feito
hérnia abdominal através de rotura do dia- através de uma rafia diafragmática utilizando
fragma; sinal do colar (collar sign); sinal do um fio não absorvível. Sendo assim, o principal
dromedário (hump sign); band sign sinal; vís- objetivo da correção cirúrgica é reestabelecer a
cera-dependente (dependent viscera sign); ór- sustentação do diafragma, através da plicatura
gãos abdominais localizados perifericamente muscular ou por meio da adição de tela sintética
em relação ao diafragma ou pulmões; elevação de propileno no local da sutura (BARKER-
de órgãos abdominais; lesão contida em ambos ANTONIO et al., 2021).
os lados do diafragma; sinais indiretos resultan- As complicações do pós-operatório ocor-
tes de falta da separação entre a cavidade torá- rem, independentemente da abordagem esco-
cica e abdominal; líquido peritoneal rodeando lhida para a realização da cirurgia, e não se pode
órgãos torácicos; órgãos abdominais ao redor concluir qual levará ao maior número de com-
de fluido ou órgãos torácicos com pneumotórax plicações (BARKER-ANTONIO et al., 2021).
e/ou hemotórax (CARMO, 2020). A mortalidade estimada para esses pacientes é
em torno de 30 a 68 %, ocasionadas por estas
Tratamento complicações, principalmente pelo encarcera-
A priori, o tratamento de uma ruptura dia- mento de vísceras abdominais que, por conse-
fragmática deve ser rápido, visto que o índice guinte, levará ao empima, o qual pode ser evita-
de mortalidade é alto. Isso ocorre, porque es- do quando abordado precocemente com laparo-
trangulações e perfurações de órgãos abdomi- tomia. A herniação também pode levar a com-
nais herniados são resultados das diferenças de pressão pulmonar, gerando quadros de insufi-
pressões causadas pelo trauma acidental na ca- ciência respiratória e paralisia diafragmática
vidade. Ademais, não é esperado que uma lesão (CARMO, 2020).
desse grau seja cicatrizada de forma espontânea

135 | Página
Lesões Associadas e Complicações complicações, que podem ocorrer com os ór-
A hérnia traumática do diafragma apre- gãos abdominais que adentram na cavidade to-
senta grande frequência de lesões associadas. rácica, como, por exemplo, a estrangulação des-
Durante o trauma, o mecanismo fisiopatológico ses, e isso é fatal para os pacientes (DENG et
se dá por uma mudança repentina de pressão al., 2021).
intra-abdominal, a qual contribui tanto para A HDT pode causar uma oclusão intestinal
uma lesão primordial diafragmática quanto para por conta do aperto que esse órgão sofre no tó-
uma herniação de órgãos abdominais para a ca- rax e, caso ocorra associada à isso perfuração e
vidade torácica. O acometimento do lado es- sepse, a taxa de mortalidade fica em torno de 50
querdo do diafragma é mais comum. Isto é oca- a 80 %. Esse tipo de hérnia, não costuma afetar
sionado por uma fraqueza embriológica ou por os adultos, sendo por isso seu diagnóstico tar-
uma proteção do fígado (ROSSI et al., 2021). dio. Entretanto, se houver uma desordem vas-
A possibilidade de lesão tem como proto- cular associada, seu risco de óbito é maior, não
colo ser suspeitada após um trauma de rápida devendo esperar para que as complicações da
desaceleração ou lesões por esmagamento. HDT ocorram (BRITO & IRAIZOZ, 2020).
Quando é mencionado essa forma de trauma, Em poucos casos, a HDT é diagnosticada
deve-se atentar aos órgãos abdominais mais fre- após um trauma. Na grande maioria das vezes,
quentemente herniados através do defeito dia- quem passou pela situação pode vir a ter diver-
fragmático. Estes órgãos são o estômago, os có- sas complicações, muito tempo após o ocorrido,
lons, o omento e o fígado (VELHO et al., como pneumonia, isquemia entérica, perfu-
2021). ração das vísceras, rotura do baço. Desse modo,
As complicações decorrentes da hérnia é muito importante que seja investigado minu-
traumática do diafragma ocorrem principal- ciosamente as suspeitas de HDT nas vítimas de
mente na fase crônica, onde as queixas gastro- trauma para evitar que complicações ocorram,
intestinais causadas pelo encarceramento das uma vez que a taxa de morbidade e mortalidade
vísceras intra-abdominais são mais comuns que nesses casos é de 31%, sendo por isso indicada
os sintomas respiratórios. Entre as compli- a cirurgia corretiva, a qual é sempre a melhor
cações mais usuais pode-se citar a hemorragia e escolha para tratar. Em alguns casos específicos
a obstrução, podendo evoluir com insuficiência em que o paciente não pode realizar o
cardiorrespiratória progressiva, instabilidade procedimento cirúrgico, seu risco de óbito é de
hemodinâmica grave e isquemia de vísceras 100 % (TESSELY et al., 2020).
(MORAIS et al., 2021).
CONCLUSÃO
Morbidade e Mortalidade
As hérnias diafragmáticas traumáticas estão A ruptura traumática do diafragma é capaz
muito associadas aos acidentes, sejam eles au- de resultar hérnias diafragmáticas, ou seja,
tomobilísticos, armas brancas e de fogo e, desse eviscerações transdiafragmáticas do conteúdo
modo, há uma taxa de mortalidade e morbidade abdominal. O evento descrito, apesar de pou-
muito elevada. O diagnóstico tardio da HDT co- quíssimo frequente, carrega consigo grande po-
loca os pacientes em um risco elevado de mor- tencial fatídico, uma vez que sua taxa de morta-
bidade e mortalidade por conta de algumas lidade é de 31 %. Não obstante, o prognóstico

136 | Página
se agrava quando o paciente com HDT não re- exame minucioso para diagnosticar esse
cebe o tratamento cirúrgico, progredindo para trauma.
óbito em 100 % dos casos. Considerando o ex- A negligência do diagnóstico da HDF pos-
posto, urge a necessidade da atenção médica suí graves consequências, uma vez que, a não
para a possibilidade desse tipo de lesão, princi- realização do tratamento cirúrgico, eleva a por-
palmente em pacientes traumatizados, vítimas centagem da mortalidade para 100 %. Dessa
de acidentes automobilísticos. forma, a escolha do método cirúrgico tem em
No entanto, a abordagem diagnóstica é de conta a estabilidade do doente e a concomitân-
extrema complexidade devido à inespecifici- cia de outras lesões e complicações. A redução
dade dos sintomas, das limitações dos exames do conteúdo herniário seguida de frenorrafia
de imagem e da ausência de um padrão ouro com suturas não-absorvíveis continuas ou inter-
para o diagnóstico. Em somatória, o quadro rompidas são o método preferencial de repa-
evolutivo da HDT pode se estender por anos se ração destas lesões. Portanto, é imprescindível
o paciente não apresentar sintomatologia ou se a capacitação dos profissionais acerca do mane-
passar por um período de latência, o que, por jo clínico e cirúrgico dos pacientes com HDT.
sua vez, exige um alto nível de suspeição e um

137 | Página
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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138 | Página
CAPÍTULO 17
TROMBOSE VENOSA PROFUNDA
COM EVOLUÇÃO PARA EMBOLIA
PULMONAR: UMA REVISÃO DE
LITERATURA
Palavras-chave: Eventos embólicos; Vascular; Agregação plaquetária

JULIA SILVA SARKIS1


MAIARA MALLMANN DE FREITAS1
BRUNA GIDIEL PAIM1
MELISSA NADAL DUARTE1
ANNA LYA ASSMANN DA MOTTA²
ISADORA DE CASTRO FISCHER1
VITÓRIA BONZANINI BERNARDI³
VALMIR DAL MASS JÚNIOR1
ANDRÉ LUÍS ARGENTON ZORTÉA1
MYLENA STURZA GOETHEL1
FILIPI MIGUEL PIETROSKI ⁴

1
Discente – Medicina da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA)
2
Discente – Residência no serviço de Cirurgia Geral do Hospital Universitário de Canoas
3
Discente- Medicina da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC)
4
Discente- Medicina da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Ale

139 | Página
INTRODUÇÃO Os principais fatores de risco são idade, obesi-
dade, malignidade, cirurgia, trauma, imobili-
A trombose venosa profunda (TVP) é uma zação, gravidez e terapia hormonal com es-
doença crônica multifatorial que se caracteriza trogênio. Estudos estimam que a incidência ge-
pela formação de trombos dentro de veias pro- ral de TEV é de 1 a 2 por 1.000 pessoas por ano
fundas, com obstrução parcial ou total do lúmen na população geral, se elevando para 8 por
no vaso, acometendo em 80 a 95 % dos casos 1.000 pessoas por ano em indivíduos com mais
veias de membros inferiores. A ocorrência de de 85 anos. (HALEY, 2017). Outro dado impor-
embolia pulmonar assintomática em pacientes tante é que cerca de 60 % dos eventos de TEV
com TVP excede 70%, incluindo casos de trom- ocorrem em hospitais e lares de idosos. Um
bose venosa distal (SILVA, et al., 2020). A terço desses pacientes apresentam recorrência
ausência ou escassa presença de sintomas agu- em 10 anos (WINTER et al., 2017). O risco de
dos torna a Embolia Pulmonar (EP) uma doença recorrência depende, em grande parte, da pre-
de difícil diagnóstico e, portanto, levanta ques- sença ou ausência de fatores de risco pró-
tionamentos quanto ao tratamento mais ade- trombóticos no momento do primeiro TEV. Um
quado para seu manejo. primeiro episódio de TEV sintomático em asso-
Portanto, o objetivo desse estudo foi reali- ciação com um fator de risco transitório (como
zar uma junção de materiais sobre a evolução por exemplo, uma cirurgia) tende a ter um risco
da trombose venosa profunda em embolia pul- muito menor de recorrência do que um episó-
monar. dio com TEV não provocado (PALARETI et
al., 2019).
MATERIAL E MÉTODOS A TVP consiste na formação de trombos
nas veias profundas, mais comumente nas gran-
Trata-se de uma revisão integrativa de lite- des veias das pernas ou da pelve. Está associada
ratura, na qual foram pesquisados artigos nas à morbidade significativa que varia desde in-
bases de dados PubMed, Scopus e Medline. Fo- chaço doloroso nas pernas, dor no peito, falta de
ram selecionados artigos de 2017 a 2022, como ar e até morte (WINTER et al., 2017). A TVP
foco principal de assunto a evolução em paci- está fortemente associada a EP, sendo que há
entes com quadro de trombose venosa profunda 50% de chance de pacientes com TVP proximal
para embolia pulmonar. não tratada desenvolverem EP sintomática em
3 meses. Metade dos pacientes com TVP terá
complicações à longo prazo, que incluem sín-
RESULTADO E DISCUSSÃO
drome pós-trombótica, úlceras venosas, TEV
Epidemiologia recorrente, síndrome pós-embolia pulmonar,
O tromboembolismo venoso (TEV) inclui o hipertensão pulmonar tromboembólica crônica
diagnóstico de TVP e o diagnóstico de EP, e é e síndrome pós- trombótica (SPT) (WILBUR &
mundialmente a terceira síndrome cardiovas- SHIAN, 2017). A EP geralmente é causada por
cular aguda mais frequente (HALEY, 2017). É material de trombo desprendido em 95 % dos
uma doença multifatorial desencadeada por fa- casos de TVP da extremidade inferior, indu-
tores de risco clínicos, por predisposições ad- zindo a eventos embólicos espontâneos, às ve-
quiridas ou por fatores hereditários à trombose. zes recorrentes (BARTHOLOMEW, 2017). No
entanto, em uma proporção não desprezível de

140 | Página
pacientes com EP, a presença de trombose ve- mado, ele vai crescendo com a deposição de no-
nosa periférica ou abdominal não pode ser de- vas camadas de plaquetas e fibrina. Se a fi-
tectada mesmo após testes precisos e sensíveis. brinólise desse trombo for ineficaz, o trombo
A EP é potencialmente fatal e cerca de 25 % dos residual pode complicar para uma TEP
pacientes, na sua primeira manifestação, é a (FERREIRA & SOUZA 2018).
morte súbita. Além disso, é uma doença bas- O tromboembolismo pulmonar ocorre de-
tante prevalente mundialmente. No Brasil, a EP vido à formação de um trombo originado no sis-
foi responsável por 42.411 internações hos- tema venoso profundo. Com a diminuição da
pitalares no período de 2015 a 2019, com des- circulação sanguínea, esse trombo se desprende
taque para região sudeste com 54,7 % das inter- das veias e circulam na corrente sanguínea,
nações e para região nordeste com maior taxa onde são levados até as artérias pulmonares
de letalidade hospitalar - 25,38 %. Nos Estados (GOMES, 2020).
Unidos, a prevalência de EP é entre 3,4 % e Trombos de menores proporções, geral-
14,8 %, com estimativa de 50 a 100 mil óbitos mente não costumam causar embolia, no en-
por EP (SILVA, 2020). tanto, aqueles de maiores proporções podem
obstruir as artérias que irrigam os pulmões, cau-
Patogenia e Fisiopatologia sando assim uma descompensação hemo-
Como já mencionado anteriormente, Vir- dinâmica e pulmonar. Uma vez que o fluxo san-
chow (1821) foi um renascentista que estudou a guíneo para o pulmão é obstruído, os trombos
fisiopatologia da TVP e sua consequente pro- aumentam rapidamente a resistência pulmonar
pagação trombótica, definindo os três fatores e a pressão das artérias pulmonares, sobrecarre-
primordiais como desencadeadores da TVP: a gando assim, o ventrículo direito. Com o baixo
estase sanguínea (diminuição do fluxo san- débito cardíaco do ventrículo direito e a falta de
guíneo), a lesão da camada íntima da parede dos oxigenação, o paciente começa a entrar em um
vasos sanguíneos e a alteração do sistema de co- quadro de hipoxemia. Dessa forma, não ocorre
agulação, construindo a Tríade de Virchow. TEP sem que tenha a formação e propagação de
Tais fatores atuam interligados como um trombos, estando inteiramente associado à TVP
conjunto de processos dinâmicos, e não de (FERREIRA & SOUZA 2018).
forma autônoma e estática com relação causa-
efeito bem definida. Todos os fatores de risco Fatores de risco
para TEV e TEP têm base em um ou mais ele- • Trombose venosa profunda
mentos da tríade. São os fatores de risco que Os principais fatores de risco ligados dire-
proporcionam condições básicas para formação tamente à formação dos trombos são: estase
de trombos (FERREIRA & SOUZA 2018). sanguínea, lesão endotelial e estados de hiper-
Ainda não foram descobertos processos coagulabilidade – também conhecidos pela Trí-
exatos que dão início à trombose venosa. Se, ade de Virchow (LOPES, 2020). Portanto,
como caso inicial tivermos, por exemplo, uma constituem-se como fatores de risco para TVP:
agregação plaquetária em torno de uma válvula ● Idade avançada;
venosa, isso levará a estimulação dos fatores de ● Histórico de imobilização ou hospital-
coagulação, resultando na formação zação prolongada;
de um trombo. Uma vez que ele estiver for- ● Trauma ou cirurgia recente;
● Obesidade;

141 | Página
● Histórico prévio de tromboembolismo; cação de risco do escore de Wells não é sufici-
● Sintomas constitucionais sugestivos de ente para descartar TVP (SILVEIRA, 2015).
malignidade – câncer; Embora modalidades alternativas de exames de
● Uso de anticoncepcionais orais ou tera- imagens estejam disponíveis, como por exem-
pia de reposição hormonal; plo, tomografia computadorizada ou venografia
● Gestação e período pós-parto; por ressonância magnética, elas raramente são
● Acidente vascular encefálico com he- necessárias e, geralmente não são incluídas nas
miplegia ou imobilização; estratégias descritas neste tópico.
● Idade maior que 65 anos; A partir da probabilidade pré-teste calcu-
● Histórico familiar de tromboembolis- lada, procedem-se os exames complementares.
mo; O escore de Wells modificado acrescenta mais
● Insuficiência Cardíaca; 1 ponto para o histórico de TVP prévia docu-
● Doença inflamatória intestinal. mentada e é o melhor escore para ser utilizado
A idade avançada sugere ser o pior e mais em conjunto com o D-dímeros. Na suspeita de
determinante fator de risco para um primeiro tromboembolismo pulmonar, solicitar radio-
evento de trombose, uma vez que sua incidên- grafia de tórax, eletrocardiograma e considerar
cia aumenta de forma proporcional à ela gasometria arterial e ecocardiograma (LOPES,
(LOPES, 2020). 2020).
Os exames laboratoriais preconizados em
• Tromboembolismo pulmonar (TEP) todos os casos suspeitos, incluem hemograma
O TEP é causado pela obstrução aguda das completo, eletrólitos, função renal, função he-
artérias pulmonares por um trombo ou êmbolo, pática, coagulograma - tempo de protrombina
que na maioria dos casos são formados nas (TAP) e tempo de tromboplastina ativa (PTT).
veias profundas das pernas - explicando sua D-dímeros são solicitados em casos de baixa a
correlação com a TVP. Dessa forma, alterações média probabilidade (KEARON & BAUER,
na Tríade de Virchow constituem seus princi- 2018).
pais fatores de risco (LOPES, 2020): D-dímeros: exame extremamente sensível
● Cirurgias extensas; com alto valor preditivo negativo. Ou seja, na
● Anticoncepcionais; presença de exame negativo, exclui-se o diag-
● Traumas; nóstico de trombose venosa profunda e trom-
● Câncer; boembolismo pulmonar. Por outro lado, um D-
● Gravidez a termo; dímero positivo não confirma o diagnóstico,
● Partos. dada sua baixa especificidade, sendo indicada
ultrassonografia com Doppler do membro infe-
Diagnóstico rior suspeito de trombose. O D-dímero quanti-
A abordagem diagnóstica para pacientes tativo, ou seja, expresso em algarismos, cos-
com suspeita de TVP e/ou tromboembolismo tuma ser considerado negativo com valores
pulmonar consiste na avaliação clínica, esti- abaixo de 500 nanogramas/mL LIM et al.,
mando a probabilidade do diagnóstico de TVP 2018).
conforme o cálculo do escore de Wells, aliada à A pontuação de Wells foi melhor validada
análise de D-dímeros. Dessa forma, a estratifi- em um estudo prospectivo de 593 pacientes
com suspeita de TVP (WELLS et al., 1997). Os

142 | Página
componentes incluídos no escore de Wells são apresentados no Quadro 17.1.

Quadro 17.1 Probabilidade pré-teste de trombose venosa profunda – Escore de Wells

Características clínicas Escore

Câncer ativo (em tratamento ou nos últimos seis meses ou paliativo) 1

Paralisia, paresia ou imobilização recente 1

Acamado há mais de 3 semanas ou cirurgia de grande porte, dentro de 4 semanas 1

Sensibilidade localizada ao longo da distribuição do sistema venoso profundo 1

Inchaço da perna inteira 1

Inchaço maior que 3 cm comparada a perna assintomática 1

Inchaço da panturrilha maior que 3 cm comparada a perna assintomática (medida abaixo 1


a tuberosidade tibial)

Veias superficiais colaterais (não varicosas) 1

Diagnóstico alternativo ou menos provável de TVP -2

Interpretação nenhum teste adicional é necessário; caso o


• Alta probabilidade: 3 ou mais pontos. exame seja inconclusivo, pode-se realizar uma
• Moderada probabilidade: 1 ou 2 pon- venografia ou repetir o exame em uma semana.
tos. Caso haja suspeita, o ultrassom, pode se
• Baixa probabilidade: 0 pontos estender para as veias ilíacas (KEARON &
Se baixa probabilidade (0 ponto): Solici- BAUER, 2018).
tar D-dímero; Se média ou alta probabilidades de TEP:
Se média probabilidade (1 a 2 pontos): Solicitar exame de imagem conforme disponi-
Solicitar D-dí-mero. Se D-dímero negativo (< bilidade, entre cintilografia de ventilação-per-
500 nanogramas/mL), encerra a investigação; fusão pulmonar (V/Q), angiotomografia de ar-
caso o exame venha positivo, deve-se solicitar térias pulmonares, angiografia pulmonar (pa-
a ultrassonografia com Doppler do membro in- drão-ouro). Pacientes de alto risco para TEP
ferior suspeito de trombose. Caso haja alguma com cintilografia e/ou angioTC negativas de-
condição que também eleve o D-dímero (infarto vem ser submetidos à angiografia pulmonar
agudo do miocárdio, gravidez, sepse, trauma), (KEARON & BAUER, 2018).
o paciente pode ser submetido diretamente ao
Doppler (KEARON & BA-UER, 2018). Tratamento
Se alta probabilidades de TVP (3 a 8 pon- A TVP é uma das doenças mais estudadas
tos): Solicitar ultrassonografia com Doppler do nos últimos anos, tendo sido realizados inúme-
membro inferior suspeito. Em pacientes com ros ensaios clínicos e metanálises avaliando os
alta probabilidade de ultrassonografia negativa, diversos aspectos da doença, principalmente no

143 | Página
que diz respeito a tratamento e profilaxia, su- uma dosagem menor (20 mg 1 vez/dia) (EURO-
gerindo o emprego de novos anticoagulantes PEAN SOCIETY FOR VASCULAR SUR-
(EUROPEAN SOCIETY FOR VASCULAR GERY, 2021).
SURGERY, 2021).
O tratamento anticoagulante da TVP tem Tratamento convencional
como finalidade aliviar os sintomas agudos da O tratamento anticoagulante convencional
doença, bloquear a extensão do trombo em for- deve ser iniciado sempre com HNF intravenosa
mação e evitar sua recidiva, diminuindo o risco ou subcutânea (SC), com HBPM ou fon-
de ocorrência de embolia pulmonar, e preve- daparinux subcutâneos que têm ação imediata,
nindo o desenvolvimento ou, pelo menos, dimi- tornando o sangue hipo- ou incoagulável logo
nuindo a gravidade de sua complicação tardia, após sua administração. Esses medicamentos
a síndrome pós trombótica (SPT). A abordagem são sempre administrados por via parenteral.
inicial de pacientes com suspeita de EP deve se No tratamento da trombose venosa estabeleci-
concentrar na estabilização do paciente en- da, a dosagem da HNF deve ser alta, variando
quanto a avaliação clínica e os testes diagnósti- de 30.000 a 40.000 unidades diárias ou mais,
cos definitivos estão em andamento. A anticoa- dependendo dos exames laboratoriais (MAF-
gulação deve ser iniciada mesmo antes da con- FEI et al., 2019).
firmação do diagnóstico de EP, se o risco-be-
nefício em relação à suspeita de EP e risco de Profilaxia
sangramento parecer favorável. Uma vez con- A profilaxia da TVP está relacionada com
firmado o diagnóstico, a estratificação de risco os escores de risco e a definição do risco em que
é crucial (EUROPEAN SOCIETY FOR VAS- o paciente se encontra:
CULAR SURGERY, 2021). • Baixo risco: pacientes que não possuem
A tendência atual é de se dividir o trata- fatores de risco para TEV é indicada somente
mento da TVP em três fases: inicial, correspon- deambulação;
dendo aos primeiros 5 a 7 dias; tratamento pro- • Moderado/alto risco: pacientes com
longado, correspondendo aos 3 meses seguintes pelo menos um fator de risco para TEV, mas
e tratamento estendido, cuja duração depende- sem risco de sangramento espontâneo, é reco-
ria da análise de cada caso. Nessas três fases, o mendado o uso de profilaxia farmacológica
tratamento anticoagulante é obrigatório, a não Enoxaparina 40 mg/dia, para pacientes com in-
ser nos casos em que exista contraindicação suficiência renal é utilizado a heparina não fra-
para seu uso. Na fase inicial de tratamento, tra- cionada (HNF) 5.000 UI 12/12 h;
dicionalmente, usa se um anticoagulante injetá- • Alto risco de sangramento: para paci-
vel, heparina não fracionada (HNF), heparina entes com risco de sangramento ou a anticoagu-
de baixo peso molecular (HBPM) ou fondapa- lação é contraindicada, a compressão pneumá-
rinux, por 5 a 10 dias, juntamente com um cu- tica intermitente é o método utilizado. A profi-
marínico por via oral que é mantido nas fases laxia deve permanecer até a alta hospitalar do
seguintes. Na situação especial, de se usar como paciente (GOLDMAN & AUSIELLO, 2018).
tratamento único o novo anticoagulante oral ri-
varoxabana, a fase inicial se estenderia aos pri- CONCLUSÃO
meiros 21 dias administrando uma dose maior
(15 mg 2 vezes/dia) e nas duas fases seguintes
O elevado índice de morbidade e mortali-

144 | Página
dade causado pela trombose venosa profunda é conhecimentos em epidemiologia, fisiopato-
um sinal de alarme diante das doenças vascula- logia, métodos diagnósticos, além da profilaxia
res. Desse modo, é fundamental a tomada de de- e tratamento disponíveis, será possível conduzir
cisão rápida e eficiente sobre a suspeição e um melhor prognóstico para o paciente.
abordagem clínica desse quadro. A partir dos

145 | Página
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Centro Universitário de Brasília; Brasília – DF, 2018.
LOPES, C.M. Redbook Revalida: Tudo que você precisa

146 | Página
CAPÍTULO 18
TRAUMA CARDÍACO
PENETRANTE: RELATO DE CASO
Palavras-chave: Trauma cardíaco penetrante; Trauma; Trauma torácico; Zona
de Ziedler

SEBASTIÃO DUTRA DE MORAIS JÚNIOR¹


NÉLIO NELSON GONÇALVES DE MORAIS2
ISAQUE LUIS DE FREITAS3
MARIANA OLIVEIRA LEITÃO3
VANESSA BEZERRA DOS SANTOS3
ANA CAROLINA ARAÚJO DOS SANTOS MARTINS DE
ANDRADE4
ANNA CAROLINA PARAGUASSU DA SILVA4
CLARA VICTÓRIA RAIBOLT DE FREITAS5

1
Cirurgião Geral do Hospital Municipal Salgado Filho (HMSF)
2
Residente em Cirurgia Geral do Hospital Municipal Salgado Filho (HMSF)
3
Discente - Medicina da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)
4
Discente - Medicina da Universidade do Grande Rio (UNIGRANRIO)
5
Discente - Medicina da Universidade Iguaçu (UNIG)

147 | Página
INTRODUÇÃO o reconhecimento de sua gravidade e da ade-
quada tomada de decisão frente à um trauma to-
O tratamento do trauma cardíaco pene- rácico penetrante nesta região.
trante sempre foi um grande desafio na Medi-
cina. Em 1882, o cirurgião austríaco Theodore Figura 18.1 Zona de Ziedler ou cardiac box
Bilroth defendia que “o cirurgião que tentar su-
turar uma ferida do coração irá perder o respeito
dos seus colegas de cirurgia”. Em 1897, ocorreu
o primeiro relato de toracotomia com cardior-
rafia de ventrículo direito realizada pelo cirur-
gião alemão Ludwig Rehn (BRAILE &
GODOY, 2012).
No âmbito nacional, há relato de cardiorra-
fia realizada por Sylvio Brauner no ano de
1927, em uma criança de 9 anos vítima de lesão
penetrante de tórax por estilhaço de metal
(ARAUJO, 2019).
No contexto epidemiológico brasileiro, a Fonte: AGUIAR et al., 2020.
população jovem morre predominantemente de
trauma e das complicações inerentes deste (MI- No presente artigo, é reportado o caso de um
NISTÉRIO DA SAÚDE, 2021). Apesar da paciente, vítima de agressão por arma de fogo
queda de homicídios registrada no primeiro tri- na Zona de Zidler, admitido no Hospital Muni-
mestre de 2021 (cerca de 11 %), o número de cipal Salgado Filho submetido à toracotomia
óbitos permanece elevado, com destaque para com cardiorrafia de ventrículo direito e rafia de
os praticados com arma de fogo (G1, 2021). língula pulmonar.
As agressões por arma de fogo, estatistica- O objetivo desse capítulo é realizar uma re-
mente, acometem em sua maioria o tórax, oca- visão da literatura e apresentar o manejo do
sionando lesão perfurante e danos a estruturas caso de trauma cardíaco penetrante com o in-
importantes desta topografia. Quando acome- tuito de orientar outros profissionais ao se de-
tem a Zona de Ziedler, a morbimortalidade pararem com situação semelhante.
eleva-se consideravelmente, caso a conduta
adequada não seja tomada. A Zona de Zidler, MÉTODO
também chamada de “cardiac box”, é uma área
anatômica tridimensional delimitada no tórax, Trata-se de uma revisão de literatura com
na qual apresenta maior risco de lesão cardíaca relato de caso. As informações relacionadas ao
subjacente, quando acometida por trauma torá- caso clínico foram obtidas por meio de revisão
cico penetrante (Figura 18.1) (BELLISTER et do prontuário, entrevista com paciente e regis-
al., 2017). tro fotográfico dos exames de imagem.
Desta forma, tratando-se de um grande cen- A busca por referencial teórico ocorreu nas
tro urbano como o Rio de Janeiro e seus eleva- plataformas digitais: Scielo, LILACS e Pub-
dos índices de violência, é de suma importância Med, bem como em livros científicos recentes
da área relativa ao tema. Foram utilizados os
148 | Página
descritores: “trauma torácico”; “trauma car- sem orifício de saída identificado.
díaco”; “trauma cardíaco penetrante”. Desta Enquanto a equipe de atendimento realiza-
busca foram encontrados 168 artigos, posterior- va a punção do acesso venoso periférico com
mente submetidos aos critérios de seleção. jelco nº 14, foi realizado curativo em 3 pontas
Os critérios de inclusão foram: artigos nos no orifício torácico, seguido de toracostomia
idiomas português, inglês e espanhol; publica- com introdução de dreno tubular número 28
dos no período de 2018 a 2022 e que abordavam French no 5º espaço intercostal, entre a linha
as temáticas propostas para esta pesquisa, dis- anterior e média de hemitórax esquerdo, aco-
ponibilizados na íntegra, como relato de caso, plado a um sistema tubular em selo d ́água. Afe-
artigo de revisão, revisão sistemática, metaná- riu-se a saída imediata de 800 ml de sangue
lise e estudo clínico randomizado. Os critérios após o procedimento e realizada a síntese do
de exclusão foram: artigos duplicados, disponi- orifício de entrada do projétil com fio de nylon
bilizados na forma de resumo, que não aborda- nº 3.0 (Figura 18.2).
vam diretamente a proposta estudada e que não
atendiam aos demais critérios de inclusão. Figura 18.2 Lesão penetrante em região para-
Após os critérios de seleção restaram 10 ar- esternal esquerda após sutura
tigos que foram submetidos à leitura minuciosa
para a coleta de dados. Os resultados foram
apresentados de forma descritiva ao longo da
apresentação do caso.

RESULTADO E DISCUSSÃO

Descrição do relato
Paciente masculino, negro, 23 anos, magro,
estatura média, foi admitido na Sala de Trauma
do Hospital Municipal Salgado Filho, vítima de
agressão por arma de fogo. Sem relato de acom-
panhantes do tempo do trauma até a chegada à Em paralelo, foi realizada reanimação vo-
unidade hospitalar. lêmica inicial de 1.000 mL de Ringer Lacta-to,
Apresentava-se hemodinamicamente instá- administrados 1 grama de Ácido Tranexâmico,
vel, semiconsciente, taquipneico, com pulsos 1 grama de Cefazolina e 2 gramas de Dipirona,
radiais filiformes bilateralmente, respiração por via endovenosa.
agônica, turgência jugular, frequência cardíaca O paciente evoluiu com melhora do estado
de 120 bpm, com PA 80 x 60 mmHg e saturação hemodinâmico e neurológico após conduta
arterial de oxigênio 92 % em ar ambiente. imediata da equipe de socorro. Divergindo da
À exposição, apresentava 3 orifícios ocasi- admissão, o mesmo encontrava-se alerta, com
onados pelos projéteis. Dois deles com entrada escala de coma de Glasgow 15, embora tenha
em face anterior de braço direito e saída em face se mantido taquipneico, com pulsos radiais am-
posterior. E um orifício de entrada na região an- plos e palpáveis bilateralmente, frequência car-
terior do tórax, paraesternal esquerda (Zona de díaca de 95 bpm, com PA 100 x 60 mmHg e
Ziedler) de aproximadamente 3 cm de extensão saturação arterial de oxigênio 100 %, máscara

149 | Página
reservatório a 4 L/min. Figura 18.4 Tomografia de tórax sem contraste
Foi realizada uma Avaliação Focalizada evidenciando projétil alojado em topografia de
com Sonografia para Trauma, o FAST (Focu- ventrículo direito.
sed Assessment with Sonography for Trauma),
que evidenciou uma pequena quantidade de lí-
quido em saco pericárdico, porém sem sinais
clínicos de tamponamento pericárdico (Figura
18.3).

Figura 18.3 Imagem ilustrativa demons-trando


lâmina líquida em espaço pericárdico.
Prosseguiu-se com a pericardiotomia e reti-
rada de moderada quantidade de coágulos evi-
denciando-se assim orifício de aproximada-
mente 1,0 cm provocado pelo projétil em face
antero lateral direita do ventrículo direito com
saída de sangue do interior da câmara cardíaca.
Foi realizado o controle hemostático deste óstio
com uma pinça de Babcock e realizada uma su-
tura contínua com fio monofilamentado 2-0 de
polipropileno (Figura 18.5).
Após tal tempo cirúrgico, o paciente evo-
Fonte: PADOVAN, 2020.
luiu com melhora da instabilidade hemodinâ-
mica. Realizou-se em seguida a rafia lesão
Em virtude da manutenção da estabilidade transfixante de língula pulmonar com fio multi-
hemodinâmica, optou-se por prosseguir o aten- filamentado absorvível de ácido poliglicólico 3-
dimento com tomografia computadorizada de 0 e posicionado novo dreno de tórax, nº 28
tórax, sem contraste. Nele, foram evidenciados French acoplado a um sistema em selo d’água.
fragmentos do projétil em região subcutânea Não houve ressutura do saco pericárdico.
paraesternal esquerda e outro no interior da câ- Durante a cirurgia, o paciente recebeu três
mara do ventrículo direito (Figura 18.4). unidades de concentrado de hemácias e 1 bolsa
Foi realizada uma toracotomia anterolateral de plasma fresco congelado. Em seguida o
esquerda e durante a diérese, o paciente evoluiu mesmo foi transferido à Unidade de Terapia In-
com o segundo achado semiológico que tensiva acoplado à ventilação mecânica e em
compõe a tríade de Beck: a turgência jugular. uso de noradrenalina, midazolam e fentanil.
Ao inventário da cavidade torácica, foram evi- Não foi identificado o projétil visto no exame
denciadas lesão transfixante de lingula pulmo- de imagem, em topografia de ventrículo direito,
nar e saco pericárdico túrgido com pequena durante o ato cirúrgico.
quantidade de coágulo, exteriorizando-se do
óstio provocado neste pelo projétil.

150 | Página
Figura 18.5 Seta azul indicando região de su- a um sistema em selo d'água e em uso de anti-
tura em orifício de entrada provocado pelo pro- coagulantes em dose plena e sem registro de
jétil em ventrículo direito. nova admissão no HMSF até a data de publica-
ção deste relato de caso.

Figura 18.6 Reconstrução em 3D de tomogra-


fia evidenciando permanência de projétil alo-
jado em topografia de ventrículo direito (seta
azul).

Sob os cuidados da Unidade de Terapia In-


tensiva, o paciente realizou ecocardiograma
transtorácico demonstrou função de ventrículos
direito e esquerdo de função e volume normais.
Sem descrição de corpo estranho por operador
O trauma de tórax penetrante por si só já re-
de exame. Recebeu 1 bolsa e plasma fresco
presenta um grande desafio ao cirurgião que
congelado e não foi necessária a infusão de
atende em hospital de trauma de grandes cen-
novas unidades de concentrados de hemácias.
tros urbanos. A lesão cardíaca penetrante faz
O paciente evoluiu, estabilidade clínica sa-
com que esse desafio seja ainda maior, haja
tisfatória, sendo desacoplado da ventilação me-
vista a elevada letalidade dessas lesões quando
cânica no 3º dia de pós-operatório e transferido
postergadas ou não identificadas. Desta forma,
à enfermaria no 5º dia da abordagem cirúrgica.
a sistemática avaliação e tomada de conduta ba-
Em paralelo, aguardava avaliação externa de
seada no ATLS torna-se necessária para que o
serviço de cirurgia cardíaca para avaliar a ne-
tratamento ideal seja instituído (SABISTON,
cessidade de nova abordagem cirúrgica para re-
2019).
tirada de projétil, evidenciado após nova tomo-
Entretanto, antes mesmo de se pensar na in-
grafia computadorizada de tórax no 2º dia de
tervenção cirúrgica para a resolução da molés-
pós-operatório (Figura 18.6).
tia cardíaca, medidas iniciais que promovam a
No 10º dia de pós-operatório, o paciente
estabilização inicial do paciente e afastem con-
evadiu-se da unidade hospitalar não tendo seu
dições ameaçadores à vida, a partir do momento
tratamento concluído. Encontrava-se ainda com
da admissão, são fundamentais para um melhor
dreno tubular em hemitórax esquerdo acoplado
desfecho. Um exame primário eficaz, seguido
das complementações do exame secundário fo-

151 | Página
ram fundamentais para o desfecho positivo do CONCLUSÃO
paciente descrito neste trabalho.
Ponto importante a ser destacado, foi o rá- O trauma torácico penetrante, por si só já
pido reconhecimento da vigência de pneumo- possui um elevado índice de morbimortalidade,
tórax hipertensivo na admissão do paciente ba- principalmente quando sua gravidade não é
seado nos achados do exame físico. O curativo reconhecida rapidamente. Quando tratamos de
trauma cardíaco penetrante a atenção deve ser
em três pontas em conjunto com a drenagem to-
redobrada haja vista o rápido desfecho negativo
rácica do hemitórax acometido e acoplamento
que esse paciente pode vir a ter em horas.
em sistema tubular em selo d´água propiciou no
Desta forma a sistematização no atendi-
ganho de estabilidade hemodinâmica do paci-
mento do paciente baseado no ATLS para rá-
ente para as avaliações subsequentes.
pida identificação dessas lesões torna-se funda-
Outro ponto a se destacar, foram as infu- mental para que a conduta correta seja tomada
sões de Ácido Tranexâmico, já indicados para a tempo.
uso desde a 10ª edição do ATLS, ocasionando Identificar e resolucionar condições que tra-
em melhor desfecho para pacientes com sangra- rão risco imediato de vida ao paciente são fun-
mento grave e na hidratação venosa proposta damentais para que as lesões subsequentes se-
obedecendo à chamada hipotensão permissiva jam evidenciadas e tratadas adequadamente. E,
proposta pelo mesmo (ATLS, 2018; LUZ et al., embora nem sempre haja a disponibilidade tec-
2012). nológica ou técnica complementar que elevem
Em contraste com a hidratação venosa a acurácia em diagnosticar estas lesões, o exa-
abundante que vigorava outrora, a hipotensão me físico deve sempre dar o veredito final sobre
permissiva é capaz de manter, manter a perfu- a decisão de abordar ou não cirurgicamente este
são dos órgãos e oxigenação dos tecidos com paciente.
níveis pressóricos abaixo do normal, a fim de A toracotomia não deve ser postergada na
que o paciente não volte a sangrar com a restau- suspeita e lesão cardíaca, uma vez que a cardi-
orrafia pode ser decisiva no tratamento do paci-
ração volêmica para o local da injuria.
ente em caso de uma lesão simples, como no
Em conjunto, a importante função do FAST
caso descrito, diferentes das lesões complexas
na sala de trauma tornou capaz o reconheci-
do coração que possuem um prognostico mais
mento da lâmina pericárdica que a posteriori
sombrio.
evoluiria para tamponamento pericárdico, caso Portanto, o trauma cardíaco penetrante deve
a conduta ativa não tivesse sido tomada. A im- ser rapidamente reconhecido e abordado para
portância do USG na sala de trauma permite di- realização de sua rafia com fio inabsorvível e
agnósticos mais ágeis, embora tenha a desvan- interrupção do choque hipovolêmico e consecu-
tagem da nem sempre estar disponível e neces- tivamente obstrutivo. A maioria dos autores
sidade de operador treinado. prefere o fio de polipropileno para realização
Portanto, caso o atendimento sistemático desta sutura.
proposto pelo ATLS e seu exame primário e se- Desta forma, a conduta tomada associada
cundário não tivessem sido executados com aos cuidados subsequentes realizados pela Uni-
êxito, a morbimortalidade do paciente aumen- dade de Terapia Intensiva do hospital, foram
taria de forma considerável. preponderantes para o desfecho positivo desse
caso.

152 | Página
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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de Janeiro: Elsevier; 2019.

153 | Página
CAPÍTULO 19
INFARTO AGUDO DO
MIOCÁRDIO: IMPLICAÇÕES,
CONDUTA E TRATAMENTO
Palavras-chave: Infarto Agudo do Miocárdio; Fatores de Risco; Diagnóstico;
Tratamento; Prevenção

DANIEL RODRIGUES SILVA FILHO¹


VINICIUS MORAIS DE SOUSA¹
YURI ARAÚJO MONTEIRO¹
JOÃO GUILHERME DE SOUZA RAMOS¹
INGRID OLIVEIRA CAMARGO¹
THAYANE FOGAÇA DE MEDEIROS¹
NATHÁLIA VIEIRA DA SILVA MORAES¹
SAYRO LOUIS FIGUERÊDO FONTES¹
LUCAS RADI CRUVINEL¹
ANDERSON ALVES BRANDÃO¹
JOÃO VICTOR MOURA DOS SANTOS¹
PEDRO IVO PALACIOS FREITAS¹
MARINALDO SOARES LEITE²

¹ Discentes - Medicina do Centro Universitário Alfredo Nasser. Membros da Liga Acadêmica de


Medicina Intensiva e Emergência (LIAMIE)
² Docente - Médico especialista em Cardiologia e Terapia Intensiva. Orientador da Liga
Acadêmica de Medicina Intensiva e Emergência (LIAMIE)

154 | Página
INTRODUÇÃO e funcionalidade estrutural. Essas mudanças
podem ser influenciadas pelo tipo de doença, a
O Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) é maneira como se manifesta e o significado que
considerado uma Síndrome Isquêmica Miocár- o doente e a família atribuem à condição crô-
dica Instável (SIMI). Sua principal etiologia é a nica (SCHNEIDER et al., 2008).
ruptura ou deterioração de uma placa ateroscle- Outrossim, algumas condições aumentam o
rótica com a formação de um trombo ou êm- risco de ocorrência de doenças cardíacas isquê-
bolo, o que leva à diminuição da irrigação vas- micas e estas doenças podem estar atribuídas a
cular ou isquemia total do vaso, ocasionando fatores de risco amplamente conhecidos. Sendo
morte celular e necrose. Nesse sentido, é impor- assim, os fatores de risco modificáveis sobre os
tante ressaltar que é um desafio aos profissi- quais o paciente e a equipe de saúde podem
onais de saúde identificar precocemente a placa atuar são a dislipidemia, diabetes, tabagismo,
vulnerável antes das manifestações clínicas, en- sedentarismo, hipertensão, obesidade, estresse;
tretanto, medidas preventivas são necessárias e os fatores de risco não modificáveis são sexo,
para evitar esta situação (SOUZA et al., 2012). idade, raça, história familiar positiva de doença
A interrupção ou diminuição súbita do fluxo arterial coronariana (MARTINS et al., 2011).
sanguíneo por um tempo curto ou prolongado Nesse sentido, o conhecimento e o controle
são suficientes para causar a morte das células dos fatores de risco para a ocorrência das
cardíacas. A morte tecidual cardíaca pode ser doenças cardiovasculares são fundamentais
diagnosticada por meio do eletrocardiograma para a diminuição da ocorrência de doenças is-
(ECG), e quando níveis sanguíneos de marca- quêmicas. As equipes de saúde necessitam estar
dores biológicos sensíveis e específicos como a atentas aos fatores de risco que os usuários
troponina cardíaca e a creatinoquinase fração apresentam, bem como mapear aqueles com
MB (CK-MB) se encontram elevados (BOR- maior risco e ficarem em alerta em relação às
GES et al., 2013). características clínicas de um quadro de IAM
As patologias que acometem o coração, in- (KOLANKIEWICZ et al., 2015).
cluindo o IAM, representam um grave pro- Logo, diante do exposto, este estudo tem
blema de saúde pública no Brasil e no atual como objetivo, através de uma revisão de lite-
mundo globalizado, apresentando altas taxas ratura, compreender o IAM, bem como analisar
epidemiológicas de incidência e mortalidade. O a conduta e o tratamento adequado diante de um
índice de mortalidade por essas doenças encon- quadro clínico de IAM.
tra-se entre os maiores em todo o mundo
(SANTOS et al., 2018). MÉTODO
Ademais, o adoecimento do coração pode
provocar no paciente e na sua família sofri- Trata-se de uma revisão da literatura, do
mento emocional pelo medo da morte, da inva- tipo narrativa, que objetiva descrever o desen-
lidez e do desconhecido, frente aos sinais e sin- volvimento, tratamento e prevenção do Infarto
tomas que a doença pode provocar. Torna-se Agudo do Miocárdio, sob o ponto de vista teó-
necessário que o sistema familiar se organize, rico, através de materiais que já foram publica-
por meio de negociações internas, as quais têm dos sobre o tema em questão, mediante análise
a finalidade de redefinição para a troca de pa- e interpretação da literatura. A revisão foi reali-
péis para garantir os cuidados, sua manutenção zada no período de fevereiro a março de 2022,

155 | Página
por meio de pesquisas nas bases de dados Bibli- RESULTADOS E DISCUSSÃO
oteca Virtual em Saúde (BVS), Literatura La-
tino Americana e do Caribe em Ciências de Definição do IAM e os principais fatores
Saúde (LILACS), National Institutes of de risco
health’s Library of Medicine (PubMed) e A expressão infarto do miocárdio tem como
Scientific Eletronic Libray Online (SciELO). significado a morte de cardiomiócitos causada
Foram utilizados os descritores “infarto agudo por isquemia prolongada. Geralmente, essa is-
do miocárdio”, “diagnóstico”, “tratamento”, quemia é causada por um trombo e/ou êmbolo.
“fatores de risco” e “prevenção” a fim de en- A maior parte dos eventos é causada por rotura
contrar os artigos pertinentes ao assunto abor- súbita e formação de trombo sobre placas vul-
dado. neráveis, inflamadas, ricas em lipídios e com
Para a realização de uma revisão narrativa é capa fibrosa delgada. Uma porção menor está
necessário seguir uma sequência ordenada de associada à erosão da placa de ateroma, for-
passos a fim de se obter um estudo organizado, mando um êmbolo que é arrastado pela corrente
racional e eficiente. Deste modo, o presente es- sanguínea até parar num vaso de menor calibre
tudo iniciou com a escolha do tema, em seguida e o obstruir (SILVA & SILVA, 2018).
a definição de um problema relevante que me- As doenças cardiovasculares (DCV) são as
reça ser investigado e finalmente a delimitação principais causas de morte e de morbidade e in-
técnica, uma vez que é necessário determinar a capacitação, principalmente entre os países do
extensão e a compreensão da pesquisa de acor- ocidente. Entre essas doenças cardiovasculares,
do com o foco do estudo. a aterosclerose constitui-se em sério problema
Em primeira fase foram encontrados alguns de saúde pública, assumindo contornos de uma
artigos, posteriormente submetidos aos critérios epidemia. Ademais, em relação aos fatores que
de seleção. Os critérios de inclusão foram: arti- predispõe a um maior risco do desenvolvimento
gos nos idiomas inglês e português, publicados, da aterosclerose, pode-se citar a faixa etária, o
indexados, disponíveis de livre acesso nos sexo masculino, a hereditariedade, a hipercoles-
últimos 20 anos e que abordavam as temáticas terolemia, a hipertensão arterial sistêmica
propostas para esta pesquisa e estudos do tipo (HAS) e a diabetes (SILVA & SILVA, 2018).
revisão disponibilizados na íntegra. Os critérios Além disso, na maioria dos países os pro-
de exclusão foram: artigos duplicados, disponi- blemas cardiovasculares são os principais vi-
bilizados na forma de resumo, que não aborda- lões que aumentam significativamente a morta-
vam diretamente a proposta estudada e que não lidade entre os homens e mulheres na faixa etá-
atendiam aos demais critérios de inclusão. ria reprodutiva. Todavia, mesmo havendo uma
Após os critérios de seleção, foram seleci- redução das estatísticas, no Brasil, ainda temos
onados os artigos que de fato foram incluídos um número elevado de complicações cardíacas.
na revisão e submetidos à leitura minuciosa O número de óbitos por doenças cardiovascu-
para a coleta de dados. Os resultados encontra- lares aumentou 7 % somente nos primeiros seis
dos estão apresentados em forma de texto e dis- meses do ano de 2021. De maneira geral, foram
cutidos segundo a literatura pertinente, possi- mais de 150 mil óbitos registrados em 2021, de
bilitando ao leitor a avaliação da aplicabilidade acordo com dados divulgados pela Associação
da revisão de literatura elaborada. dos Registradores de Pessoas Naturais do Brasil
(Arpen-Brasil) (NEVES, 2021).

156 | Página
Sinais e sintomas associados ao IAM aflição, ansiedade, síncope e confusão mental
A avaliação dos sinais e sintomas de um (PASSINHO et al., 2018).
quadro de IAM é de extrema importância, visto
que a conduta deve ser tomada de forma imedi- Diagnóstico do IAM
ata. Assim, a correta avaliação permite com que O diagnóstico do IAM é clínico, porém,
o paciente receba uma prioridade clínica que para confirmação diagnóstica é necessário a
visa assegurar uma atenção médica de acordo presença de dois dos seguintes critérios: achado
com o tempo de resposta determinado pela gra- clínico compatível com síndrome coronariana
vidade (BASSETTI et al., 2018). aguda (angina), achados eletrocardiográficos
Geralmente, os primeiros sintomas a serem presentes durante avaliação seriada e que sejam
observados são: dor torácica, sinais de insufi- sugestivos de infarto do miocárdio e, por fim, a
ciência ventricular esquerda, palpitações, dis- elevação e queda dos marcadores bioquímicos
pneia e estase jugular, devido ao cumprimento de dano miocárdico (PIEGAS et al., 2015).
dos protocolos de atendimento nos prontos so- Ao que se refere à clínica do paciente, é de
corros (BASSETTI et al., 2018). suma importância a presença de sinais e sinto-
Além disso, a síndrome do IAM pode apre- mas isquêmicos como angina, pressão torácica
sentar uma variedade enorme de manifestações e/ou sensação de esmagamento no tórax, que
clínicas, porém algumas tem grande destaque perduram por um período superior ou igual a 30
devido à maior frequência nos casos notificados minutos. Ademais, pode-se identificar sudo-
em todo o mundo. Dentre esses, destaca-se a rese, taquicardia, dispneia e hipotensão decor-
dor precordial opressiva, com irradiação para os rente da descarga adrenérgica secundária a dor.
membros superiores, face, dorso ou epigástrio. Durante a avaliação do aparelho cardiovascu-
De forma mais exata, essa irradiação, na maio- lar, a presença de 3° e/ou 4° bulha cardíaca, so-
ria das vezes, ocorre para pescoço, mandíbula, pros de regurgitação mitral e o desdobramento
dentes, braços, ombros e região epigástrica. anormal da 2° bulha podem estar presentes
Essa característica deve-se a uma origem co- (PIEGAS et al., 2015).
mum de neurônios sensoriais da medula espinal Por outro lado, o ECG atua como uma fer-
que inervam o miocárdio e essas demais regiões ramenta fundamental ao diagnóstico do IAM.
(PASSINHO et al., 2018). Esta ferramenta deve ser iniciada ainda de
Na maioria das vezes, essa dor é acompa- forma rápida na admissão do paciente, ainda
nhada de dispneia, náuseas, vômitos e sudorese nos primeiros dez minutos, e deve-se manter
fria. Em relação à dispneia, comumente ela é uma monitorização contínua e seriada por um
consequência da disfunção ventricular es- período de 12 a 24 horas. As arritmias cardíacas
querda, que pode ser evidenciada devido à pre- e os distúrbios de condução são frequentes nas
sença de crepitações (ou estertores) pulmona- primeiras horas do IAM. Além disso, elevação
res, mais comuns no lobo direito e nas bases do do segmento ST no ECG de um paciente que
pulmão esquerdo (PASSINHO et al., 2018). apresenta a dor torácica típica do IAM, a proba-
Os sinais de arritmia, como bradicardia e ta- bilidade de ocorrência de Infarto do Miocárdio
quicardia, aparecem com certa frequência e são é superior a 90 %. Outros achados, como uma
consequência da lesão no sistema nervoso oca- depressão do segmento ST, inversão da onda T
sionada pela isquemia miocárdica. Outras ma- e bloqueio de ramo, são menos específicos e,
nifestações que costumam aparecer são: fadiga, contudo, também podem sustentar um diag-

157 | Página
nóstico de IAM (NICOLAU et al., 2014). emergência capacitada, pois o prognóstico des-
Entretanto, o uso de marcados bioquímicos tes dependem da terapia utilizada e a precoci-
enzimáticos como a creatinina quinase (CK), a dade destas intervenções terapêuticas. De modo
isoenzima cretina quinase - faixa miocárdica a reduzir a morbimortalidade destes pacientes,
(CK-MB) são encontrados em altas concentra- diversos protocolos foram estabelecidos, con-
ções nas células do miocárdio, sendo emprega- forme as orientações da Diretriz da Sociedade
dos no diagnóstico do IM durante os estágios Brasileira de Cardiologia.
iniciais. Contudo, apesar de ser um marcador Inicialmente estes pacientes devem receber
ainda muito utilizado na prática clínica, possui tratamento sintomático com alívio da hipoxe-
diversas limitações conhecidas, principalmente mia, da dor e da ansiedade. Pacientes com IAM
devido ao fato de elevar-se após dano em outros com supra do segmento ST, frequentemente de-
tecidos não cardíacos (PIEGAS et al., 2015). senvolvem alterações na relação ventilação-
A mioglobina é uma proteína da heme, de perfusão decorrentes da alta pressão diastólica
baixo peso molecular, encontrada no miocár- do ventrículo esquerdo. Sendo assim, são paci-
dio. A vantagem diagnóstica proporcionada entes que podem apresentar saturação < 94% ou
pela detecção dessa proteína reside em sua libe- manifestar com hipoxemia clínica, benefici-
ração mais rápida a partir do miocárdio. Mesmo ando-se com o uso de cateter nasal ou de más-
sendo um marcador cárdico-específico, é fun- cara com suplementação de oxigênio com
damental nas primeiras horas do infarto miocár- oferta de 2 a 4 litros/min (PIEGAS et al., 2015).
dico. Por fim, faz-se uso da troponina que é um Durante a internação, a realização da gaso-
marcador cardíaco-específico do IAM. O au- metria arterial é fundamental no acompanha-
mento dos níveis séricos de troponina ocorre mento da eficácia terapêutica. O controle da dor
logo após a lesão da célula miocárdica. Níveis é geralmente obtido quando se restabelece a
perfusão do miocárdio, contudo, é fundamental
elevados de troponina cardíaca, no momento da
não postergar esse alívio, devendo utilizar anal-
admissão, atuam como fator preditivo da ocor-
gésicos como o sulfato de morfina endove-
rência de eventos cardíacos subsequentes
noso. Deve-se evitar a administração de anti-in-
(PIEGAS et al. 2004).
flamatório não esteroides e de inibidores seleti-
Deste modo, pode-se concluir que o diag-
vos da COX-2 devido a altas chances de com-
nóstico do infarto agudo do miocárdio é clínico,
plicações e de reinfarto (PIEGAS et al., 2015).
sendo de extrema importância o conhecimento
Para o controle do quadro de ansiedade des-
dos achados clínicos presentes nas síndromes
ses pacientes, pode-se escolher um ambiente
coronariana agudas. Por outro lado, o apoio dos mais calmo e acolhedor e, mesmo não sendo a
exames complementares é primordial na dife- realidade das emergências hospitalares, é pos-
renciação dos diferentes tipos de IAM e na de- sível analisar esta possibilidade, tendo em vista
terminação diagnóstica e também prognóstica que a administração de ansiolíticos é contra-in-
(PIEGAS et al. 2004). dicada (MEDEIROS et al., 2018).
Outro passo indispensável no manejo dos
Manejo do paciente com IAM pacientes com IAM é o uso de antiplaquetários,
O paciente com diagnóstico de IAM deve principalmente o ácido acetilsalicílico, devido
ser admitido em uma unidade de urgência e aos benefícios e ao baixo perfil de contra-indi-

158 | Página
cações (alergias, úlceras pépticas ativas, hepa- DA, 2020).
topatia grave e discrasia sanguínea). Deve ser Por fim, a terapia de escolha aos pacientes
administrado e mastigado os comprimidos na com IAM é a intervenção coronária percutânea
dose de 160 a 325 mg para facilitar sua absor- (ICP), que compreende um método de revascu-
ção. Contudo, outras medicações antiplaquetá- larização do tecido infartado. Ela pode ser uma
rias podem ser utilizadas, como clopidogrel, intervenção primária, quando disponíveis nos
ticagrelor, prassugrel entre outras drogas. Po- grandes centros, ou secundária ao uso de fibri-
rém no cenário brasileiro o AAS (Ácido Acetil- nolíticos em locais onde devem aguardar trans-
Salicílico) é uma droga acessível e de fácil dis- ferência para realização da ICP. De modo geral,
ponibilidade (PIEGAS et al., 2015). o manejo dos pacientes com IAM requer o uso
Ademais, os pacientes com IAM devem re- de diferentes medicações, porém, as terapias de
ceber terapia trombolítica, sendo disponível no reperfusão são primordiais no tratamento des-
mercado o uso das heparinas, podendo ser a he- ses pacientes. Assim sendo, o manejo rápido e
parina fracionada (HNF) ou a heparina de baixo controle dos sintomas e das complicações
peso molecular (HBPM). Esta terapia está asso- torna-se papel fundamental dos centros de ur-
ciada a restauração rápida do fluxo sanguíneo gência e emergência (AIMOLI & MIRANDA,
normal em uma artéria coronária obstruída, 2020).
bem como à menor taxa de reoclusão e a um
menor risco de complicações hemorrágicas Tratamento do IAM
graves (MEDEIROS et al., 2018). O tratamento baseia-se em monitorar o
Os betabloqueadores são fármacos que re- ECG e repouso no leito. Para além disso, é im-
duzem a frequência cardíaca, a pressão arterial portante e necessário a abordagem farmacoterá-
e o inotropismo, atuando sinergicamente no pica e a suplementação de oxigênio.
sentido de diminuir o consumo de oxigênio pelo Na abordagem farmacoterápica, deve-se le-
miocárdio. var em consideração que a hiperatividade do
A terapia com estatinas no início do trata- sistema nervoso simpático fará com que o mio-
mento do IAM está sendo investigada. As evi- cárdio necessite de mais oxigênio; a descarga
dências atualmente existentes indicam que esta adrenérgica provocada causará ansiedade e dor
terapia pode ser benéfica, devendo ser iniciado nesse paciente. Para isso, prefere-se o sulfato de
ainda nas primeiras 24 horas do início dos sin- morfina IV de 2 a 4 mg, diluído de 5 a 15 mi-
tomas, de modo a reduzir os níveis do perfil nutos (PIEGAS et al., 2015). Também há a in-
lipídico (AIMOLI & MIRANDA, 2020). dicação de nitroglicerina sublingual para alívio
A utilização de agentes fibrinolíticos, como do desconforto, seguida por terapia intravenosa
a alteplase, possui indicação direta para os ca- (O’GARA et al., 2012; AMSTERDAM et al.,
sos de supradesnivelamento persistente do seg- 2014).
mento ST em pelo menos duas derivações Nesse sentido, há benefício, eficácia e segu-
contí-guas ou de um novo ou presumivelmente rança comprovados na terapêutica do IAM no
novo bloqueio de ramo esquerdo. Seu benefício que tange o uso de antiplaquetários, especial-
é evidenciado principalmente nas primeiras ho- mente o AAS. Esse medicamento deve ser ad-
ras do infarto. Todavia, deve-se atentar às con- ministrado, no primeiro contato, a todos os pa-
traindicações absolutas e relativas da adminis- cientes com IAM o mais rápido possível, em
tração desses fármacos (AIMOLI & MIRAN-

159 | Página
uma dose de 162 a 365 mg. A dose de manuten- segmento ST (STEMI), o tratamento nas últi-
ção diária, após a dose inicial, deve ser mantida mas três décadas, objetiva fazer a reperfusão do
indefinidamente, sendo de 81 a 325mg de AAS miocárdio isquêmico em tempo hábil nas pri-
(O’GARA et al., 2012; AMSTERDAM et al., meiras horas de sintomas (O’GARA et al.,
2014). 2012). Quanto mais rápido o início por meio de
Associado ao AAS, é recomendado aos pa- agentes fibrinolíticos da reperfusão, melhores
cientes de maior risco um inibidor oral P2Y12 são os benefícios (PIEGAS et al., 2015). Após
(clopidrogel, prasugrel ou ticagrelor) (O’GA- a administração deles, a abordagem preferida é
RA et al., 2012; AMSTERDAM et al., 2014). a ICP imediata, por meio de angioplastia e stent,
O Prasugrel deve ser preferido quando o IAM principalmente, fundamentado na utilização do
não apresenta elevação das ondas T, na dose de cateter balão como ICP primária e o stent coro-
ataque de 60 mg, seguida de uma dose de nário, o dispositivo para finalizar tal ICP
manutenção de 10 mg uma vez ao dia (PIEGAS (PIEGAS et al., 2015; O’GARA et al., 2012).
et al., 2015). A ICP tem menos mortes precoces, menos he-
Já o Ticagrelor deve ser preferido, e é mais morragias intracranianas e menor possibilidade
eficaz, em doentes que não tem uma história de reinfarto.
que os coloquem como alto risco para sangra- Porém, é válido ressaltar que o uso rotineiro
mento, em especial caso os pacientes com IAM de aspiração de trombos durante a ICP não é in-
estiveram em programação de ICP primária dicado atualmente (ANDERSON & MOR-
(AMSTERDAM et al., 2014). A posologia de ROW, 2017); e o anticoagulante paren-teral,
ataque é de 180 mg, seguida por dose de manu- para pacientes com síndrome coronária aguda,
tenção de 90 mg, duas vezes ao dia (PIEGAS et é recomendado (AMSTERDAM et al., 2014).
al., 2015). Mas, os fatores de risco que o doente apresenta
Já os beta-bloqueadores, reduzem a fre- e a duração dessa terapia são mais importantes
quência cardíaca e a pressão arterial, visando, do que escolher se será usada a heparina não
portanto, reduzir o que o miocárdio consome de fracionada, a enoxaparina ou o fondaparinux.
oxigênio. Geralmente, são administrados por Até que a ICP seja realizada, os anticoagulantes
via oral, 24 horas depois da admissão do paci- devem ser prescritos por no mínimo 2 dias e no
ente e sendo evitados naqueles que tenham fa- máximo 8 dias, até que a ICP seja realizada e
tores de risco para choque cardiogênico eles sejam descontinuados (O’GARA et al.,
(ANDERSON & MORROW, 2017). 2012; AMSTERDAM et al., 2014).
Os Inibidores da Enzima Conversora de An- Por fim, a suplementação de oxigênio por
giotensina (IECA) são iniciados oralmente de meio de suporte ventilatório precoce se faz ne-
maneira precoce (até no máximo 24 horas) após cessário em pacientes que produzam hipoxe-
a admissão do paciente, caso não existam con- mia grave (< 90%) ou que apresentem proble-
traindicações, e mantidos por um período de 4 mas respiratórios, apesar de, emergencial-
a 6 semanas (PIEGAS et al., 2015), principal- mente, ser administrada na maioria dos pacien-
mente se o infarto for no miocárdio anterior, se tes (PIEGAS et al., 2015; O’GARA et al., 2012;
houver insuficiência cardíaca ou se houver dis- AMSTERDAM et al., 2014).
função ventricular (O’GARA et al., 2012;
AMSTERDAM et al., 2014). Prevenções contra o IAM
Em casos de IAM em que há elevação do É fundamental compreender as causas que

160 | Página
provocam o IAM para conseguir se prevenir. risco cardiovascular. Dessa maneira, diretrizes
Infelizmente, questões genéticas não podem ser brasileiras e americanas orientam sobre a prá-
alteradas, mas felizmente, as questões compor- tica regular de exercício físico de 150 minutos
tamentais e de estilo de vida podem, e represen- semanais de impacto conservador e 75 minutos
tam grande problema. Isso porque mesmo uma de uma prática de grande impacto (PIEGAS et
pessoa com propensões e histórico familiar, al., 2015; MOTTILLO et al., 2010). Com isso,
mas que mantém um estilo de vida saudável, há grande melhora do paciente, uma vez que há
tem menos chances de ter um ataque do que a perda de gordura corporal, bem como a me-
uma pessoa em situação oposta (AQUINO, lhora do sono, humor, pressão arterial, glicemia
s.d.). e qualidade de vida (MOTTILLO et al., 2010;
Em relação a prevenção primária do IAM GUYTON & HALL, 2017).
cuidar da alimentação é extremamente impor-
tante. Uma alimentação balanceada com muitos CONCLUSÃO
vegetais, proporções adequadas de proteínas e
carboidratos e pouca gordura é o primeiro passo Portanto, de acordo com este estudo de ver-
para um coração saudável. Alimentos muito isão narrativa da literatura, pode-se considerar
gordurosos aumentam o nível de colesterol e que o IAM é uma doença de fácil diagnóstico,
colaboram para o acúmulo da gordura no corpo, mas se não tratada a tempo tem um alto índice
podendo gerar um quadro de aterosclerose de mortalidade. Ademais, conclui-se que o
(AQUINO, s.d.). diagnóstico do IAM é clínico, por outro lado, a
Fazer atividades físicas por pelo menos 30 assistência dos exames complementares mos-
minutos diariamente é uma excelente prática trou-se primordial na diferenciação dos diferen-
para prevenir doenças cardiovasculares. Os tes tipos de IAM e na determinação diagnóstica
exercícios ajudam a ganhar resistência, fortale- do quadro em que se encontra o paciente.
cem os músculos, inclusive o coração, quei- Ainda, foi possível identificar que o uso de
mam gordura e aumentam níveis de hormônios antiplaquetários e a terapia trombolítica são in-
que causam a sensação de felicidade e calma dispensáveis no manejo dos pacientes com
(AQUINO, s.d.). IAM. Além disso, o uso do AAS revelou-se ser
Em relação a prevenção secundária de um imprescindível devido aos benefícios e ao baixo
novo evento cardíaco, vários estudos e diretri- perfil de contraindicações, sendo ainda um re-
zes convergem para mudanças no estilo de vida médio de baixo custo no país.
e opções farmacológicas, no intuito de retirar os Por fim, depreende-se que a gravidade do
fatores causadores do IAM (PIEGAS et al., IAM irá depender principalmente da extensão
2015). Além disso, a alimentação balanceada da região atingida e de todos os fatores de riscos
somada as boas práticas do estilo de vida têm associados. Nota-se, portanto, que será de suma
grande relevância na busca pela diminuição da importância a mudança de hábitos de vida o
probabilidade de um novo evento isquêmico mais precoce possível, mudança essa que, na
cardíaco (PIEGAS et al., 2015). maioria dos casos, irá colaborar para um bom
Nessa ótica, a incorporação das práticas de prognóstico e ainda diminuir os riscos de um
exercícios físicos corrobora na diminuição do possível novo quadro de IAM.

161 | Página
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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162 | Página
CAPÍTULO 20
INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO
ASSOCIADO AO TRAUMA
FECHADO
Palavras-chave: Trauma; Infarto do Miocárdio; Dor torácica

ANA FLAVIA SILVA SOUZA¹


ARTHUR LINS MELO¹
EMANUELLI DA SILVA MONÇÃO SOARES¹
JÉSSICA DO NASCIMENTO FERREIRA¹
MARIANA GROPPA BORGES¹
NATÁLIA COSAC CARVALHO¹
RAISSA DE SOUZA BARBOSA¹
ROBERTA PEREIRA DE AGUIAR¹
CINTIA DUARTE CORRÊA DA COSTA 2

1
Discente - Medicina da Universidade Estácio de Sá campus Angra dos Reis
2
Docente - Medicina da Universidade Estácio de Sá campus Angra dos Reis

163 | Página
INTRODUÇÃO em homens com idade em cerca de 18 anos, sem
comorbidades e acima de 46 com fatores de
O infarto agudo do miocárdio (IAM) é uma risco (CULHANE et al., 2021).
das principais causas de morte por causas car- Dessa forma, ainda que o infarto agudo do
diovasculares. A definição de IAM implica a miocárdio após a ocorrência de um trauma de
presença de lesão miocárdica aguda em um tórax, seja um desfecho aparentemente inco-
contexto clínico de isquemia miocárdica: sinto- mum, é importante considerar tal possibili-
mas sugestivos de isquemia miocárdica aguda; dade, visto que muitas vezes a lesão cardíaca
nova alteração isquêmica no eletrocardiograma não é identificada ou sequer suspeita (LI et al.,
(ECG), nova onda Q patológica no ECG; exame 2019). O reconhecimento precoce da lesão mi-
de imagem evidenciando nova alteração de ocárdica torna-se difícil devido a um quadro
contratilidade ou perda de miocárdio viável muitas vezes inespecífico advindo do trauma
consistente com etiologia isquêmica e identifi- ocorrido, onde a dor torácica pode ser facil-
cação de trombo intracoronário por angiografia mente confundida entre diversas entidades
ou necrópsia (NICOLAU et al., 2021). (JANELLA et al., 2006), sendo, inclusive, rela-
O trauma é considerado uma entidade na cionada apenas à contusão sofrida. No entanto,
qual há um remodelamento entre o corpo e o como o trauma é tipicamente considerado como
meio ambiente, que pode levar a lesões internas um distúrbio dos jovens, talvez por esse motivo,
ou externas. O trauma fechado pode ocorrer por a isquemia cardíaca em pacientes traumatizados
uma força do corpo exercida sobre uma super- não seja bem estudada (CULHANE et al., 2021).
fície (PARREIRA et al., 2017). Em sua grande Além disso, é válido salientar que a ocor-
parte, os traumas fechados são automobilísti- rência do IAM independe da intensidade do
cos, podendo ocorrer de outras formas como trauma, visto que traumas contusos ocasiona-
agressões e traumas esportivos, que podem dos durante práticas de esportes também estão
ocorrer pelo mecanismo da força. Existem três relacionados à ocorrência de IAM, inclusive
mecanismos que podem ser citados: força de com supradesnivelamento do segmento ST
constrição, sendo a lesão do órgão sobre a su- (LOLAY & ABDEL-LATIF, 2016).
perfície óssea; força tangencial, a qual traciona Levando em consideração o exposto, o
o órgão mais do que o limite saudável e, força objetivo deste estudo é ressaltar a importância
de compressão súbita, que causa a explosão de de se considerar a possibilidade de um IAM em
órgão ocos (CARVALHO, 2022). um paciente politraumatizado, no intuito de
O IAM secundário ao trauma de tórax é uma identificação precoce da entidade, sem que
causa não aterosclerótica, raramente descrita na possa ocorrer complicações e até mesmo desfe-
literatura como uma das complicações nas le- chos negativos advindos do diagnóstico não
sões cardíacas relacionadas ao trauma, sendo efetuado ou concluído de forma inadequada,
essa relação mais encontrada em relatos de ca- bem como evidenciar a melhor forma de mane-
sos (LIMA et al., 2009). No entanto, ainda que jar o paciente, principalmente naqueles em que
pouco descrito, é possível que ocorra um IAM evidencie fatores de risco pré-existentes, tais
secundário, inclusive no trauma penetrante, em- como: doença coronariana pré-existente, an-
bora haja mais relato no trauma fechado de tó- gina, histórico de IAM prévio, doença cerebro-
rax e nos traumas abdominais, pélvicos e dor- vascular, doença renal crônica, insuficiência
sais. Também é correto dizer que é mais comum cardíaca congestiva e diabetes.

164 | Página
agulabilidade, anomalias coronarianas congêni-
MÉTODO tas, dissecção coronariana, espasticidade da ar-
téria coronária, vasculite, radiação mediastinal
Trata-se de uma revisão integrativa reali- e trauma torácico fechado (JANELLA et al.,
zada no período de fevereiro a março de 2022, 2006).
por meio de pesquisas nas bases de dados: Existe correlação entre trauma e IAM, ha-
PubMed e Scielo. Foram utilizados os descrito- vendo diversos mecanismos de lesões coroná-
res: “Trauma”; “Infarto do Miocárdio” e “dor rias após lesão torácica fechada. Uma análise de
torácica”. Desta busca foram encontrados 57 ar- aproximadamente 20 casos completos revelou a
tigos, posteriormente submetidos aos critérios dissecção de artéria como maior causa de IAM
de seleção. com supradesnivelamento de segmento ST no
Os critérios de inclusão foram: artigos nos trauma fechado, seguida pelas causas: ruptura
idiomas português e inglês publicados no perí- aguda da placa ou trombose, contusão cardíaca
odo de 2002 a 2022 e que abordavam direta e e fístula artério-ventricular (NASSER et al.,
indiretamente as temáticas propostas para esta 2021).
pesquisa, estudos do tipo revisão, relato de caso Assim, movimentos de aceleração, dessa-
e meta-análise, disponibilizados na íntegra. Os celeração e compressão do tórax inerentes ao
critérios de exclusão foram: artigos duplicados, trauma, podem gerar: força de cisalhamento
disponibilizados na forma de resumo, que não aplicada às artérias coronárias causando rup-
abordavam a proposta estudada e que não aten- tura da íntima levando à trombose intraluminal;
diam aos demais critérios de inclusão. fissura de uma placa aterosclerótica com deslo-
Após os critérios de seleção restaram 12 ar- camento do material da placa; embolia para as
tigos, os quais foram submetidos à leitura mi- artérias coronárias; ruptura vascular e espasmo
nuciosa para a coleta de dados. Os resultados vascular no local da lesão (JANELLA et al.,
foram apresentados de forma descritiva com 2006; LOLAY & ABDEL-LATIF, 2016).
base na âncora teórica. Vale ressaltar, que em traumas torácicos fe-
chados, onde há uma grande força de contusão
RESULTADOS E DISCUSSÃO sobre o tórax do indivíduo, a artéria mais comu-
mente afetada é a Artéria Coronariana Es-
Considerado um tema de relevância para a querda. Isso ocorre devido a sua posição anatô-
sociedade, entendemos que mesmo sendo mui- mica, pois essa se localiza superficialmente na
to frequente na emergência, o IAM normal- parte anterior do coração, estando assim, mais
mente não é descrito em artigos como condição desprotegida de impactos externos. É válido
associada ao trauma. As poucas informações citar que lesões abdominais com força ascen-
encontradas na literatura são relatos de casos dente podem afetar os vasos inferiores (NASS-
revisados (JANELLA et al., 2006). ER et al., 2021). Nesse mecanismo, podemos
Embora a aterosclerose coronariana seja a mencionar a presença de um hematoma retro-
causa mais prevalente de IAM, 20 % desses, em peritoneal, que em expansão, associado a alte-
adultos, são de causas não ateroscleróticas, rações inflamatórias, pode ocasionar uma com-
como embolia coronariana, estados de hiperco- pressão do duodeno o que, por sua vez, gera
uma distensão gástrica resultando, por fim, em
uma compressão cardíaca. Isso acarreta uma

165 | Página
compressão de veia cava inferior gerando sinais (KUMAR et al., 2021; VAZ et al., 2019).
clínicos de um IAM e tamponamento cardíaco De acordo com a literatura, menos de 15%
(BRUN et al., 2021). dos pacientes com IAM pós-traumático foram
Quando ocorrem danos nas artérias coro- submetidos à angiografia coronária dentro do
nárias, o IAM pode ocorrer imediatamente ou primeiro dia após o trauma. O que se observa,
até mesmo algumas horas após a ocorrência do em contrapartida, é a grande necessidade dessa
trauma, ainda que em pacientes sem alterações técnica para o diagnóstico e orientação do trata-
cardiovasculares prévias, podendo evoluir com mento. As terapias de reperfusão mostraram-se
insuficiência cardíaca posteriormente (LIMA et benéficas para tratar oclusão completa de vasos
al., 2008). após uma agressão à coronária. Uma vez que,
De fato, alguns pacientes podem apresentar sem tratamento específico, uma oclusão coro-
sintomas típicos de um IAM, enquanto outros nariana pode levar à disfunção ventricular, in-
não demonstram manifestações clínicas que suficiência cardíaca e a um pior prognóstico.
direcionem para um reconhecimento precoce, Assim, são recomendadas para IAM associado
uma vez que a dor em região precordial pode ao trauma, a intervenção coronária percutânea e
facilmente ser confundida devido ao trauma. a cirurgia de revascularização do miocárdio. No
Esse fato dificulta o diagnóstico e conduta rá- entanto, os trombolíticos são preteridos diante
pida e adequada para o caso, podendo, o atraso dos potenciais agravos, tais como sangramen-
para o manejo do IAM, agravar o quadro do pa- tos, que podem gerar frente a uma dissecção ou
ciente (NASSER et al., 2021; KUMAR et al., a um dilaceramento arterial resultantes do
2021). trauma (LAI et al., 2006; LIMA et al., 2008).
Nos atendimentos de pacientes, seja poli-
traumatizado ou que tenha sofrido trauma con- CONCLUSÃO
tuso durante práticas de esporte, com uma clí-
nica suspeita e, principalmente, nos indivíduos Como pode-se observar, a dor torácica é um
previamente diagnosticados e ou tratados para sintoma comum ao trauma, sobretudo, quando
doença arterial coronariana, deve-se prosseguir falamos sobre trauma torácico fechado. Por ser
com uma avaliação cardíaca completa. Recur- uma manifestação comum e muitas vezes asso-
sos complementares como ECG, enzimas car- ciada à cinética do trauma, esse sintoma não é
díacas e ecocardiograma transtorácico analisado ou investigado adequadamente. Por
(ECOTT) devem ser utilizados sempre que pos- isso, temos a lesão cardíaca contundente como
sível para buscar a lesão miocárdica. Ademais, lesão mais negligenciada no trauma, podendo
os relatos de casos trazem a necessidade de levar à morte desses pacientes.
considerarmos os pacientes de traumas toráci- Assim, a partir de nossa investigação, é pos-
cos fechados como suspeitos para IAM sível manejarmos melhor o paciente, através de
(LOLAY & ABDEL-LATIF, 2016). monitorização cardíaca adequada, realização de
Alguns estudos também demonstram a uti- exames laboratoriais para complementar a sus-
lização do teste de Troponina I de alta sensibi- peita diagnóstica, bem como a avaliação clínica
lidade (ensaio hs-TnI) no auxílio diagnóstico, minuciosa. Ademais, independente da intensi-
pois este reduz o tempo de diagnóstico de seis dade do trauma sofrido, o IAM deve ser consi-
em até três horas, porém é importante que em derado de forma precoce nos diagnósticos dife-
conjunto haja uma análise clínica do enfermo

166 | Página
renciais de vítimas de traumas torácicos fecha- tizados. Por isso, julgamos necessário a reali-
dos. zação de um estudo do tipo meta-análise sobre
Apesar dos resultados encontrados e apre- a temática, para que seja possível alinhar
sentados, é válido ressaltar a escassez na litera- estatisticamente a prevalência de IAM no
tura sobre um assunto, o qual deve ser do co- trauma, e assim, ser possível o estabelecimento
nhecimento dos profissionais da área de saúde de protocolos uniformizados para o manejo
para o correto manejo em pacientes politrauma- deste incidente.

167 | Página
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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trauma: A case report. Medicine (Baltimore), v. 98, n. 4, 2019.
p. 14103, 2019,

168 | Página
CAPÍTULO 21
PERICARDITE: BREVE ESTUDO
SOBRE A INFLAMAÇÃO DO
PERICÁRDIO
Palavras-chave: Emergências Cardiológicas; Tamponamento Cardíaco;
Supraelevação de segmento ST; Dor Torácica Pleurítica; Troponina

ARIANE MAGGI COELHO SCHWANCK1


CAMILA REIDEl1
ÉRICA FELISBINO BRISTOT1
FERNANDA PIZZAMIGLIO1
IARA SCHARDOSIN BAYMA DE MENEZES1
PAULO CESAR FIANI BACILA NETO1

1
Discente – Curso de Medicina da Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC)

169 | Página
INTRODUÇÃO Deste modo, 1662 artigos sobre o assunto foram
encontrados e submetidos aos critérios de inclu-
A pericardite trata-se de um processo infla- são e exclusão.
matório agudo do pericárdio (FORTE et al., Os critérios de inclusão deste estudo se ba-
2016), relativamente comum na prática clínica searam em: artigos nos idiomas português e in-
(TROUGHTON et al., 2004) e geralmente tem glês publicados no período de 2002 a 2020 e
curso benigno e autolimitado (MONTERA et que abordavam o tema proposto. Os critérios de
al., 2013). Pode se manifestar isoladamente ou exclusão foram: artigos que não continham di-
ser consequência de uma doença sistêmica retamente a proposta deste estudo e que não
(LANGE & HILLIS, 2004). atendiam aos demais critérios de inclusão.
Ela pode ser dividida em aguda, crônica, Após os critérios de seleção restaram 20 ar-
constritiva ou recorrente, que ocorre geral- tigos, os quais foram submetidos à leitura para
mente dois anos após um quadro de pericardite a coleta de dados. Os resultados foram apresen-
resolvida (MONTERA et al., 2013). tados de forma descritiva, divididos em catego-
A pericardite ocorre em qualquer categoria rias temáticas abordando: a etiologia, os acha-
de doença, sendo ela comum ou não. Para evitar dos clínicos, o diagnóstico, as complicações e o
falhas terapêuticas, a pericardite não deve ser tratamento da doença.
confundida com outras síndromes. O espectro Além da inclusão de artigos no presente es-
etiológico e clínico muda frequentemente, além tudo, foi utilizado o livro conceituado Medicina
disso, algumas suposições e descrições clássi- de Emergência: abordagem prática, da litera-
cas de certas publicações estão desatualizadas tura brasileira e largamente utilizado na prática
(SPODICK, 2003). clínica pelos autores.
Em relação a sua epidemiologia, os dados
ainda são incertos, porém estudos mostram que RESULTADOS E DISCUSSÃO
5 % de pacientes com quadro de dor torácica,
no qual foi afastado infarto coronariano agudo, Etiologia
foram diagnosticados com pericardite. A forma A causa da pericardite varia de acordo com
aguda da doença é a mais diagnosticada, sendo o quadro epidemiológico, com a população e
mais comum no sexo masculino (PEREZ- com o cenário clínico do local em questão
BRANDÃO et al., 2019). (IMAZIO et al., 2015). Elas podem ser infecci-
O objetivo deste estudo foi realizar uma osas ou não infecciosas, sendo que a maioria
breve revisão clínica sobre pericardite, seu di- dos casos são virais, principalmente em cri-
agnóstico e tratamento. anças. Já as pericardites bacterianas geralmente
estão associadas a algum processo piogênico,
como pneumonia, empiema, pós-operatório de
MÉTODO
cirurgia cardíaca e cursam com um quadro mais
grave (LIBBY, 2007).
Este estudo caracteriza-se como uma revi-
A insuficiência renal é uma das causas co-
são integrativa, na qual foram realizadas pes-
mum da doença, podendo ter relação com der-
quisas no banco de dados PubMed, no decorrer
rame pericárdico (MONTERA et al., 2013). Em
de março de 2022. Para tal, utilizou-se os des-
outros casos, a pericardite pode ocorrer após in-
critores: “pericarditis e, “acute pericarditis”.
farto agudo do miocárdio, após trauma no tórax,

170 | Página
por um resultado de invasão neoplásica, após ir- de localização retroesternal, inicialmente sú-
radiação torácica, entre outras causas (LANGE bita, e naturalmente pleurítica, encontrada em
& HILLIS, 2004), sendo apresentadas na Ta- até 95 % dos pacientes que se apresentam com
bela 21.1. a doença (LANGE & HILLIS, 2004; SNYDER
et al., 2014). Tipicamente melhora ao sentar-se
Tabela 21.1. Etiologias da pericardite com flexão anterior de tronco e piora com a
tosse, em posição supina e com inspiração
Infecciosas
forçada. Em alguns casos, irradia-se para o om-
Viral (coksackie, herpes, enterovírus, citomegalo-
vírus, varicela, etc)
bro, pescoço e mandíbula, mimetizando dor
Bacteriana (pneumococo, meningococo, cardíaca de origem isquêmica (FORTE et al.,
hemophilus, chlamydia, micobactéria, etc) 2016; SNYDER et al., 2014). Outros achados
Fúngica (cândida, histoplasma) comuns na pericardite aguda, decorrentes da in-
Parasitária (toxoplasma, entamoeba hystolitica, flamação das camadas do pericárdio, incluem
etc)
sensação de atrito pericárdico, em até um terço
Doenças do sistema autoimune
Lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatoide, dos pacientes e efusão cardíaca leve em até 60%
febre reumática, esclerodermia, espondilite dos pacientes (IMAZIO et al., 2015).
anquilosante, esclerose sistêmica, dermatomiosite, Algumas alterações eletrocardiográficas
poliarterite nodosa, púrpura trombocitopênica, sín- cursam com a pericardite. Cerca de 60 % dos
drome pós-cardiotomia, pós-infarto do miocárdio,
pacientes apresentam estas alterações, que de-
etc.
Doenças de órgãos adjacentes
correm da inflamação do epicárdio e miocárdio
Miocardites, infarto do miocárdio, dissecção de adjacente, sem participação do pericárdio pari-
aorta, infarto pulmonar, pneumonia, empiema, do- etal, pois este é eletricamente silencioso
enças do esôfago, síndromes paraneoplásicas (CHIABRANDO et al., 2020; SNYDER et al.,
Doenças metabólicas 2014). Tipicamente, a pericardite apresenta-se
Insuficiência renal, diálise, mixedema, doença de
com supradesnivelamento de segmento ST com
Addison, cetoacidose diabética
Doenças neoplásicas
concavidade virada para cima, infradesnive-
Primárias: mesotelioma, sarcoma, fibrose, lipoma lamento de segmento PR e ausência de inversão
Secundárias: neoplasias de pulmão, de mama, de de onda T. Quando a razão da elevação da onda
estômago, de cólon, leucemia, linfoma, melanoma, ST para a amplitude da onda T (em milímetros)
sarcoma excede 0.25 em V6, provavelmente há presença
Trauma
de pericardite (SNYDER et al., 2014).
Direto: ferimento penetrante de tórax, perfuração
de esôfago, corpo estranho Na pericardite recorrente, os sinais e sinto-
Indireto: irradiação mediastinal, trauma de toráx mas e achados eletrocardiográficos iniciais são
não penetrante aqueles da pericardite aguda (IMAZIO et al.,
Outras situações 2017). Na recorrência da pericardite, pode ocor-
Síndrome de injúria pericárdica e miocárdica, do- rer evolução para tamponamento cardíaco, que
ença inflamatória de Bowel, síndrome de Loffler,
é clinicamente expresso por dispneia, ortop-
síndrome de Stevens-Johnson, gravidez, pancrea-
tite aguda, etc neia, hepatomegalia e turgência jugular. É uma
Idiopática emergência clínica, e o paciente pode evoluir
Fonte: Adaptado de MONTERA et al., 2013. para sinais de baixo débito cardíaco, hipotensão
Achados Clínicos e parada cardiorrespiratória (FORTE et al.,
A típica dor peitoral da pericardite aguda é 2016).

171 | Página
de doença cardíaca conhecida, indica um der-
Diagnóstico rame pericárdico de pelo menos 250 mL
O diagnóstico requer pelo menos dois dos (SNYDER et al., 2014).
seguintes critérios: dor torácica pleurítica aguda Na pericardite idiopática aguda não com-
e característica, atrito pericárdico, alterações plicada, a contagem de leucócitos é modesta-
sugestivas no eletrocardiograma e a presença de mente elevada, sendo que uma contagem de
derrame pericárdico novo ou agravado (SNY- leucócitos superior a cerca de 13.000 por milí-
DER et al., 2014). metros cúbicos sugere uma causa específica
Além da história, exame físico e eletrocar- (LEWINTER, 2014). A anemia, normalmente,
diograma, a avaliação inclui alguns exames não está presente em pacientes com pericardite
complementares, entre eles, a radiografia de tó- idiopática; sua presença sugere um distúrbio
rax e os estudos laboratoriais para apoiar o di- subjacente que pode envolver o pericárdio
agnóstico, como hemograma completo, painel (LEWINTER, 2014).
metabólico básico, níveis de troponina-I e crea- O ecocardiograma não é rotineiramente in-
tina quinase, níveis séricos de proteína-C rea- dicado para pacientes com suspeita ou para a
tiva (PCR) e velocidade de hemossedimentação confirmação de pericardite. O mais importante
(SNYDER et al., 2014). é a detecção de um derrame pericárdico, que
Para avaliar o comprometimento miocár- pode causar ou ameaçar causar tamponamento
dico, a dosagem de troponina e de enzimas car- cardíaco sem aumentar a silhueta cardíaca na
díacas é útil. Nos pacientes diagnosticados com radiografia de tórax (LEWINTER, 2014).
pericardite, a troponina é usada para indicar Embora não seja rotineiramente indicada, a
dano ao miocárdio, sendo um indicador sensí- ressonância magnética cardíaca ou a tomografia
vel e específico (FORTE et al., 2016). computadorizada podem ser úteis, porque o
Os níveis plasmáticos de troponina-I cardí- espessamento pericárdico e a captação pericár-
aca estão elevados em aproximadamente 30 % dica de gadolínio aumentada na ressonância
a 50 % dos pacientes com pericardite aguda magnética, ou ambos, apoiam o diagnóstico
com ou sem elevação na fração MB da creatina (LEWINTER, 2014).
quinase sérica. O aumento dos níveis de tropo- A pericardiocentese é indicada em pacien-
nina-I cardíaca é transitório, geralmente desa- tes com tamponamento pericárdico e naqueles
parece dentro de sete a 14 dias após a apresen- com pericardite purulenta ou neoplásica conhe-
tação (SNYDER et al., 2014). cida ou suspeita (SÁ et al., 2009).
A PCR mostra um nível elevado em cerca
de 75 % dos casos, que normalmente norma- Complicações
liza-se dentro de 1 a 2 semanas (IMAZIO et al., A complicação mais frequente encontrada
2011). A elevação persistente da PCR pode in- em pacientes com diagnóstico de pericardite,
dicar inflamação contínua e necessidade de te- trata-se da recorrência do quadro, que é obser-
rapia prolongada (SNYDER et al., 2014). vada em média, até 30 % dos pacientes
A radiografia de tórax é realizada principal- (TROUGHTON et al., 2004), sob a manifes-
mente para descartar anormalidades nos pul- tação de dor torácica, alterações de marcadores
mões ou no mediastino, principalmente der- inflamatórios e elevações difusas de segmento
rame pericárdico. Cardiomegalia, na ausência ST ao eletrocardiograma (KHANDAKER et
al., 2010).

172 | Página
A recidiva de pericardite pode ser classifi- os agentes mais utilizados são o ibuprofeno, a
cada em duas formas: intermitente e incessante. indometacina e o ácido acetilsalicílico. O ibu-
É definida como intermitente, a recorrência de profeno tem sido mais utilizado na América do
dor torácica típica de pericardite após um inter- Norte, enquanto o ácido acetilsalicílico tende a
valo assintomático, geralmente de mais de seis ser preferido na Europa (LEWINTER, 2014).
semanas. Já a forma incessante consiste no rea- Concomitante ao uso de AINEs, os pacientes
parecimento de sintomas imediatamente após devem receber um inibidor da bomba de pró-
término do tratamento realizado (KLOOS, tons para proteção gastrointestinal (MAISCH et
2015). al., 2004).
Existe, em cerca de 15 % dos pacientes, a Em contrapartida, a colchicina pode ser uti-
chance de o quadro de pericardite culminar em lizada de forma isolada ou em combinação com
um AINE no tratamento da pericardite aguda,
tamponamento cardíaco (KHANDAKER et al.,
sendo preferível para pacientes com pericardite
2010), a complicação com maior potencial de
recorrente em relação ao AINE (LANGE &
letalidade quando não manejada adequada-
HILLIS, 2004).
mente (FARAND, 2010). Sendo causada pelo
Como último recurso, o tratamento sistê-
rápido acúmulo de fluidos em espaço pericár-
mico com glicocorticoides pode ser instau-
dico, o aumento da pressão extracardíaca dimi-
rado, principalmente em pacientes com doenças
nui o volume de enchimento intracardíaco, re-
do tecido conjuntivo ou com pericardite recor-
sultando em baixo débito e hipotensão
rente severamente sintomatica que não res-
(LITTLE & FREEMAN, 2006). ponda aos AINEs e à colchicina (MAISCH et
Outra complicação, no entanto, rara, é a pe- al., 2002).
ricardite constritiva, originada do espessamen-
to pericárdico somado de fibrose e aderências CONCLUSÃO
compressivas em átrios e ventrículos que
dificultam o enchimento das câmaras cardíacas A pericardite como processo inflamatório
(KHANDAKER et al., 2010). agudo do pericárdio é uma enfermidade relati-
A alta pressão de enchimento ventricular vamente comum na prática clínica. A sua etio-
leva a redução de débito cardíaco e estes paci- logia é variável, sendo a viral a mais frequente.
entes podem apresentar insuficiência cardíaca O achado clínico característico é dor retroester-
direita. Sinais dessa insuficiência cardíaca in- nal de início súbito. Uma das complicações
cluem turgência jugular, congestão hepá-tica, mais conhecidas é o tamponamento cardíaco,
ascite e edema periférico e necessitam do ma- que ocorre principalmente nos casos de recor-
nejo adequado a fim de evitar desfechos de pi- rência.
ora significativa da função cardíaca (TROU- Essencialmente, o diagnóstico da pericar-
GHTON et al., 2004). dite consiste na identificação da clínica típica
da doença, alterações eletrocardiográficas com-
patíveis e presença de derrame pericárdico ou
Tratamento
outro agravo. Em algumas situações, faz-se ne-
A primeira linha do tratamento da pericar-
cessário a utilização de outros exames comple-
dite aguda consiste em anti-inflamatórios não
mentares para confirmação diagnóstica. O tra-
esteroidais (AINEs) (TROUGHTON et al.,
tamento de primeira linha baseia-se na
2004). Dentro dessa classe de medicamentos,
173 | Página
utilização de AINE, eventualmente pode ser a eleição de exames complementares mais es-
utilizada colchicina em associação ou glicocor- pecíficos que possam diferenciar com maior se-
ticoide sistêmico. gurança a pericardite de diagnósticos diferenci-
Novos estudos com enfoque na epidemia- ais como o infarto agudo do miocárdio e, assim,
ologia são necessários para melhor compreen- conduzir adequadamente o tratamento.
são do comportamento da doença, assim como

174 | Página
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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175 | Página
CAPÍTULO 22
RUPTURA DE ANEURISMA DE
AORTA ABDOMINAL: UMA
REVISÃO DE LITERATURA
Palavras-chave: Doença aneurismática; Emergência vascular; Complicações;

MYLENA STURZA GOETHEL¹


MELISSA NADAL DUARTE¹
ANDRÉ LUÍS ARGENTON ZORTÉA¹
VALMIR DAL MASS JUNIOR ¹
BRUNA GIDIEL PAIM¹
JULIA SILVA SARKIS¹
MAIARA MALLMANN DE FREITAS¹
ISADORA DE CASTRO FISCHER¹
VITÓRIA BONZANINI BERNARDI2
ANNA LYA ASSMANN DE MOTTA³
FILIPI MIGUEL PIETROSKI ⁴

1
Discente – Medicina da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA)
2
Discente – Residência no serviço de Cirurgia Geral do Hospital Universitário de Canoas
3
Discente - Medicina da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC)
4
Discente - Medicina da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre

176 | Página
INTRODUÇÃO indivíduos devidamente selecionados. Con-
tudo, as complicações desenvolvidas pelos
Aneurisma arterial é uma dilatação vascu- aneurismas permanecem um desafio de com-
lar, localizada ou difusa, com diâmetro trans- bate para o sistema de saúde pública no Brasil e
verso > 50 % do diâmetro original do vaso. Os no mundo. Por isso, atualmente, as técnicas ci-
aneurismas de aorta abdominal (AAA) são os rúrgicas via endo-vascular ou por reparo aberto
mais comuns, com uma prevalência entre 1,3 % buscam constante aprimoramento e melhores
e 12,5 % em homens, e de até 5,2 % em mulhe- resultados para atender uma parcela cada vez
res (KRUMHOLZ et al., 2008) que podem ser mais idosa da população (SABISTON et al.,
classificados em quatro tipos: infrarrenais (85% 2019).
dos casos), justarrenais, parar-renais e para- O objetivo dessa revisão, portanto, é buscar
viscerais. Esses, podem ainda ser do tipo sacu- informações relevantes e atualizadas, englo-
lar ou fusiforme, Figura 22.1. bando opções de intervenções, dessa emergên-
cia vascular.
Figura 22.1 Imagem da classificação dos ane-
urismas de aorta abdominal com base em sua MATERIAL E MÉTODOS
relação com os rins e artérias viscerais.
Trata-se de uma revisão de literatura, reali-
zada no período de fevereiro de 2022. A busca
por referencial teórico ocorreu nas plataformas
digitais: Scielo, UpToDate, Medscape e
PubMed, bem como em livros científicos recen-
tes da área, relativo ao tema. Foram utilizados
os descritores: “aneurisma de aorta abdominal”
e “ruptura de aneurisma de aorta abdominal”.
Fonte: CALERO & ILLIG, 2016
Desta busca foram encontrados 56 artigos, pos-
teriormente submetidos aos critérios de seleção.
Nesse contexto, a mais temida compli-
Os critérios de inclusão foram: artigos nos
cação dessa patologia é a sua ruptura. Um aneu-
idiomas inglês, português e espanhol; publica-
risma é definido como rompido quando o san-
dos no período de 2006 a 2022 e que abordavam
gramento está presente fora de sua parede. O
as temáticas propostas para esta pesquisa e es-
paciente queixa-se de dor abdominal aguda e
tudos do tipo (revisão, meta-análise), disponibi-
intensa, de início súbito, e esse quadro está di-
lizados na íntegra. Os critérios de exclusão fo-
retamente relacionado a fatores como taba-
ram: artigos duplicados, disponibilizados na
gismo, idade avançada, doença cardíaca grave,
forma de resumo, que não abordavam direta-
acidente vascular cerebral prévio e transplante
mente a proposta estudada, fontes de dados pes-
renal ou cardíaco (DILLAVOU et al., 2006). soais, e que não atendiam aos demais critérios
A mortalidade dos pacientes vítimas da rup- de inclusão.
tura de aneurisma de aorta abdominal continua
alta, mas caiu consideravelmente nos últimos
RESULTADOS E DISCUSSÃO
20 anos, devido a uma variedade de fatores, en-
tre eles a realização periódica de exame de tria-
O AAA é uma doença com prevalência em
gem em pacientes de risco e reparo eletivo em
177 | Página
adultos do sexo masculino, com idade superior mostra contrário à prevalência geral para a for-
a 50 anos (COELHO et al., 2016). A principal mação de AAA entre os sexos (HELLAWELL
complicação dessa patologia é a ruptura da et al., 2021). Além disso, o estudo de Coelho et
aorta que está relacionado com aproximada- al. (2017) demonstrou que 21 % dos pacientes
mente 150.000 a 200.000 mil mortes por ano no masculinos com AAA sofrem rotura antes de
mundo (GOLLEDGE, 2019) onde 50 % dos pa- atingirem o limiar de idade para rastreio. Nesse
cientes com ruptura de aneurisma de aorta ab- sentido, o estudo aponta diferentes idades para
dominal chegam ao hospital para tratamento e rastreio e diferentes mudanças de desfechos
dos quais entre 30 a 50 % morrerão no hospital para ruptura. Com idade de rastreamento redu-
(JEFFREY & THOMPSON, 2022). Dessa zida para 60 anos, a taxa de ruptura reduziria
forma, é razoável supor que a ruptura de AAA para 55 %, ao passo que se a idade fosse de 55
é considerada uma emergência médica abso- anos, a percentagem de roturas reduziria para
luta, que necessita de manejo rápido e especia- 91 %.
lizado (MAKALOSKI et al., 2018). As diferenças entre os sexos também são
percebidas no atendimento de emergência hos-
Fatores de riscos pitalar para pacientes com ruptura de AAA. O
Segundo (COELHO et al., 2016), os quatro estudo de Abel et al. (2019) aponta que as mu-
principais fatores de risco mais prevalentes as- lheres são as que mais morrem no hospital sem
sociados à ruptura de AAA são: hipertensão ar- nenhum reparo e são o grupo com maior taxa de
terial, dislipidemia, tabagismo e doença arterial mortalidade hospitalar pós-operatória após o re-
periférica. A hipertensão esteve presente em paro de aneurisma endovascular (EVAR). Em
80% do grupo em análise, seguido de dislipi- relação a permanência hospitalar, permanência
demia com aproximadamente 63 % e tabagismo em cuidados intensivos e taxas de readmissão,
em 40 %. O fator de risco menos expressivo foi as mulheres também tiveram maior prevalên-
doença arterial periférica, o qual esteve pre- cia.
sente em aproximadamente 18 % dos paci- O diabetes mellitus (DM) é uma doença me-
entes. tabólica considerada como fator de risco para
O tabagismo é um fator de risco presente diversas doenças. Todavia, segundo apontado
tanto nos casos de formação, quanto de ruptura por Assis & Duque. (2020), a mesma tendência
de AAA. No entanto, apresenta efeitos diferen- não se mantém para a expansão do AAA, sendo
tes nessas duas situações. Segundo Altobelli et o DM considerado um fator protetivo, visto que
al. (2018), o hábito de fumar é o principal fator está relacionado ao retardo do crescimento do
de risco para a formação de AAA, acometendo aneurisma aórtico. A mesma tendência é obser-
também pacientes jovens e com hábito ininter- vada em relação a ruptura dos AAAs, cresci-
rupto de longa data. Já em relação ao efeito so- mento e necessidade de reintervenção após pro-
bre a ruptura de AAA, o tabagismo encontra-se cedimento endovascular (RAFFORT et al.,
em terceiro plano entre os fatores de risco 2018). O DM causa um efeito negativo no
(COELHO et al., 2016). AAA, isso porque a hiperglicemia presente no
Em relação ao rompimento de AAA, a taxa DM aumenta a produção do colágeno, assim
de ruptura é 4 vezes maior para mulheres do que como também causa a diminuição dos níveis de
para homens hipertensos, aspecto esse que se metaloproteinases resultando em um aumento
na espessura da aorta nos pacientes diabéticos

178 | Página
(CLIMENT et al., 2018). síncope, quase síncope e apresentações uroló-
Além dos fatores de risco que aumentam as gicas – devido a compressão direta ou irritação
chances de complicações dos aneurismas, a ex- do ureter - podem estar associados (LECH &
pansão rápida do mesmo pode ser uma facilita- SWAMINATHAN, 2017).
dora do risco de ruptura. É definida como um O diagnóstico do AAA deve considerar to-
aumento no diâmetro máximo da aorta ≥ 5 mm dos os aspectos já citados anteriormente e os
em um período de seis meses ou > 10 mm em achados de exames de imagem característicos.
um ano, usando o mesmo método radiográfico O ultrassom é o método de avaliação não inva-
de medição, que pode ser ultrassonográfico, to- sivo, seguro e preciso, preferível para o paci-
mográfico e assim por diante (DALMAN & ente instável e acamado. Possui uma sensibili-
MALL, 2022). dade e especificidade de quase 100 % para a de-
É válido lembrar que podemos classificar os tecção de AAAs, sendo um método ágil para
aneurismas conforme seu tamanho: Tabela detecção de ruptura peritoneal. Já a tomografia
22.1 computadorizada de abdome (TC-A) é o padrão
ouro para avaliação de ruptura aórtica iminente
Tabela 22.1 Tabela de classificação do tama- e aguda em pacientes hemodinamicamente es-
nho dos aneurismas. táveis. Importante para a detecção de líquido li-
vre intra-abdominal e para determinar ruptura
Classificação Tamanho
através extravasamento de contraste intrave-
Dos aneurismas (diâmetro)
Pequenos <4,0cm
noso - indicativo de sangramento ativo e rup-
tura de AAA. Ademais, é um método de exame
Médios Entre 4cm e 5,5cm
que também orienta os cirurgiões acerca de qual
Grandes ≥ 5,5 cm
abordagem cirúrgica será escolhida (reparo
Muito grandes ≥ 6,0 cm
aberto ou endovascular). Por fim, a ressonância
magnética e angiografia por ressonância mag-
Assim, o risco de ruptura de um aneurisma
nética são citadas como favoráveis pela não ne-
está diretamente relacionado ao seu diâmetro,
cessidade de uso de avaliação limitadas devido
com risco aumentado em diâmetros superiores
ao tempo necessário para obter e interpretar o
a 5,5 cm.
exame (LECH & SWAMINATHAN).

Aspectos diagnósticos Abordagens terapêuticas


A apresentação clínica do AAA é bastante Existem dois tipos principais de ruptura de
variável, desde sintomatologia geral e comum AAA: ruptura livre e coberta. A primeira com-
em outras patologias até quadros assintomá-ti- siste no vazamento livre de sangue no espaço
cos (95 % dos pacientes antes de eventos agu- retroperitoneal, sendo geralmente fatal. Já o se-
dos). A apresentação clínica da ruptura de AAA gundo tipo é caracterizado pela parada espontâ-
pode incluir dor abdominal, em flancos e/ou nea do sangramento no espaço retroperitoneal,
dorso. O quadro álgico pode ser seme-lhante a possuindo mais chances de sobrevivência do
cólicas renais, sendo um diagnóstico diferencial paciente (MAKALOSKI et al., 2018).
importante de ser lembrado em pacientes com A redução da mortalidade por ruptura de
fatores de risco. Além disso, sintomas como aneurisma de aorta está intimamente relaciona-
da com um manejo rápido e sistemático. Além

179 | Página
do controle dos fatores associados com o au- anteriormente mencionados, e mudança de es-
mento da mortalidade após o reparo cirúrgico, tilo de vida também fazem parte do manejo de
que são: hipotensão com pressão sistólica < 80 pacientes com dilatação aórtica (CHAIKOF et
mmHg, idade avançada (> 80 anos), parada al., 2018).
cardíaca, perda de consciência, creatinina > 1.3 Atualmente, o que mais se discute em ter-
à admissão, doença cardíaca isquêmica, sexo mos de abordagem terapêutica em pacientes
feminino, hemoglobina < 9 à admissão. com ruptura de aneurisma é a opção endo-vas-
Segundo Makaloski et al. (2018), a ruptura cular versus cirurgia convencional. Quando o
de AAA é uma emergência médica absoluta. reparo eletivo do AAA é indicado, a escolha en-
Assim que diagnosticada essa condição, o paci- tre o reparo aberto e endovascular do AAA é
ente deve ser imediatamente encaminhado para baseada em fatores anatômicos e na preferência
um serviço hospitalar com recursos adequados. do paciente e do cirurgião. Embora o reparo en-
O estudo apresenta uma redução de 14 % no dovascular eletivo do AAA esteja associado a
desfecho da mortalidade para os serviços que taxas mais baixas de morbidade e mortalidade
possuem um protocolo estabelecido para o ma- perioperatória, em 30 dias, em comparação com
nejo desse tipo de emergência. o reparo aberto eletivo (< 2 versus aproxima-
O paciente que é admitido em um hospital damente 5 %), os resultados a longo prazo são
de emergência que não apresenta serviço de semelhantes. O reparo endovascular também é
emergência para intervenções vasculares deve preferível em idosos ou pessoas com maior
ser transferido para centro com infraestrutura risco cirúrgico e que apresentem anatomia fa-
adequada. O manejo inicial do paciente com vorável: colo infarrenal ≥ 15mm, ilíacas co-
ruptura de AAA consiste no diagnóstico, avali- muns ≥ 20mm, livre de oclusão, calcificações
ação da aptidão para transferência, encaminha- ou trombo (DALMAN, 2019).
mento para equipe especialista vascular, trans- A cirurgia aberta é indicada para pacientes
porte para hospital receptor e finalmente, ma- jovens e de baixo risco cirúrgico. Consiste na
nejo especializado (MELL et al., 2017). substituição da porção da aorta afetada pelo
Além disso, o manejo durante o transporte aneurisma por uma prótese, através de uma in-
do paciente com ruptura de AAA consiste em cisão abdominal mediana ou retroperitoneal.
etapa importante para o desfecho. A hipotensão Existem duas técnicas: transperitoneal e retro-
permissiva (pressão de 70 a 90 mm Hg), es- peritoneal. A técnica tansperitoneal é a mais uti-
tabelecimento de dois acessos intravenosos pe- lizada, na qual o cirurgião acessa a aorta por
riféricos de grande diâmetro e monitoramento meio da mobilização superior do omento e có-
dos sinais vitais são ações gerais feitas no trans- lon transverso, somada à retração do intestino
lado entre o serviço de emergência primário e o delgado para a direita, seguida da colocação da
serviço de emergência especializado no manejo prótese de Dacron ou PTFE de 16 ou 18 mm. A
final do paciente (MELL et al., 2017). artéria mesentérica inferior pode ser reimplan-
tada no próprio enxerto ou ligada. A técnica re-
Manejo troperitoneal é indicada em pacientes com ci-
Além do estabelecimento de uma relação de rurgia abdominal prévia, radioterapia, rim em
confiança entre médico e paciente para que o ferradura ou ascite (DALMAN & MELL, 2022)
atendimento e acompanhamento sejam feitos de Para pacientes assintomáticos, o reparo ele-
forma efetiva, o controle dos fatores de risco, tivo do aneurisma é o manejo mais eficaz para

180 | Página
prevenir a ruptura. Nesses pacientes, o risco de Tabela 22.2 Tabela de recomendação para tria-
ruptura do AAA geralmente excede o risco as- gem ultrassonográfica
sociado ao reparo eletivo do AAA quando o
Período de tempo para
diâmetro do aneurisma excede 5,5 cm, conside- Tamanho do AAA
realização de exame
(diâmetro em cm)
rados pacientes de alto risco (DALMAN & (triagem)
MELL, 2022). >2,5 e <3,0 Após 10 anos
Outros fatores, como a idade do paciente, a taxa 3,0 a 3,9 Intervalos de 3 anos
de expansão do aneurisma e a presença de do- 4,0 a 4,9 Intervalos de 12 meses
ença arterial periférica ou aneurisma periférico 5,0 a 5,4 Intervalos de 6 meses
coexistentes, também são importantes a serem
considerados ao determinar quando proceder No entanto, um intervalo mais frequente
com o reparo eletivo do AAA. Portanto, para (por exemplo, a cada seis meses) pode ser usado
pacientes com AAA assintomáticos – que são a dependendo das características do aneurisma ou
maioria – e que não têm indicação de correção fatores relacionados ao paciente. Nesse modelo
eletiva, o tratamento clínico visa reduzir o risco de intervenção, o paciente pode ter as impre-
de eventos cardiovasculares futuros e limitar a cisões inerentes associadas às medidas da aorta
taxa de expansão aórtica (DALMAN & MELL, usando ultrassom e tomografia computador-
2022). izada (TC), possibilidade de perda de se-
O acompanhamento e a vigilância indivi- guimento dos doentes e riscos concomitantes
dualizada são importantes nos casos em que o diminuídos. E o controle da ansiedade e manu-
reparo eletivo não é adotado. A reavaliação clí- tenção de vínculo melhor controlado (DAL-
nica periódica deve ser priorizada para os paci- MAN & MELL, 2022).
entes com AAA de pequeno e médio porte, as- No geral, para todos os métodos de diagnós-
sim como aqueles com alto risco de ruptura. tico de AAA (ou seja, triagem, exame físico,
Essa reavaliação deve buscar possíveis novos imagem incidental), a probabilidade de necessi-
sintomas, monitoramento da pressão arterial, dade de reparo cirúrgico devido ao diâmetro
reavaliação de expectativas e planos terapêuti- inicial do aneurisma ou aumento durante um
cos futuros (DALMAN & MELL, 2022). período de vigilância é de aproximadamente
Em relação aos exames de imagem usados 70%. Tendo isso em vista, é de fundamental
no acompanhamento dos pacientes, a ultrasso- importância que as recomendações de trata-
nografia tem assumido um papel cada vez mais mento e acompanhamento aqui citadas sejam
importante. Por ser uma técnica de baixo custo praticadas. (CHAIKOF et al., 2018).
e amplamente difundida, a Society for Vascular
Surgery (SVS) aconselha a realização desses CONCLUSÃO
exames como mostra a Tabela 22.2.
Esse modelo ainda não é um consenso entre A ruptura de aneurisma de aorta abdominal
as autoridades científicas, tendo alguns estudos é uma emergência médica e sua mortalidade é
defendido o acompanhamento anual para aneu- de alta prevalência. A sobrevivência desses pa-
rismas < 5,5 cm. cientes está relacionada a um bom preparo do
serviço de atendimento, tanto em recursos
como em protocolos estabelecidos. Associado

181 | Página
ao bom manejo do paciente está o controle dos pois esse pode optar pelo reparo eletivo aberto
fatores de risco mais expressivos, como hiper- ou endovascular, reduzindo os riscos de rup-
tensão arterial, dislipidemia, tabagismo e do- tura. O acompanhamento via ultrassonografia
ença arterial periférica, sendo o primeiro o mais em pacientes que optam por não realizar o pro-
impactante no número de casos. cedimento é chave para detectar possíveis sinais
O diagnóstico precoce da presença de AAA de alerta, sendo o intervalo entre os exames de-
é fator relevante para o tratamento do paciente, pendente do tamanho do aneurisma.

182 | Página
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183 | Página
CAPÍTULO 23
HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA
VARICOSA
Palavras-chave: Varizes esofágicas; Hemorragia gastrointestinal; Hematemese

ANNA PAULA SILVA FERNANDES¹


ALLAN CALDAS DE SOUZA¹
JÉSSICA RODRIGUES DE ALMEIDA¹
SARA BORGES OLIVEIRA¹
ISABELLA AMARAL MELO¹
ANA CLARA OLIVEIRA DOMINGUES¹
ISABELLA DE OLIVEIRA SOUZA¹
GIOVANA RODRIGUES COELHO¹
JORDANA BORGES CORTEZ¹
ELISA BORGES CORTEZ¹
ÁGATHA MARQUES DOS SANTOS¹
DAYANNA MOREIRA DE SOUSA¹
ISADORA PEREIRA BRITO¹
JAKELLINY RODRIGUES DE SOUSA¹
STEFANY MONTEIRO PEIXOTO¹

1
Discente - Medicina da Universidade de Rio Verde

184 | Página
INTRODUÇÃO MÉTODO

A hemorragia digestiva é divida em hemor- Trata-se de uma revisão bibliográfica do


ragia digestiva alta (HDA) e hemorragia diges- tipo integrativa, com intuito descritivo de estu-
dos nacionais e internacionais que esclareçam
tiva baixa (HDB). Essa nomenclatura considera
os principais achados da HDA varicosa.
como parâmetro de divisão o local de origem do
Para alcançar os objetivos desta pesquisa,
sangramento no trato gastrointestinal. A HDA
realizou-se, no mês de março de 2022, pesqui-
sugere um sangramento ocasionado por lesões
sas nas bases de dados Google Scholar,
no trato gastrointestinal (esôfago, estômago e
PubMed, SciELO e MEDLINE dos últimos 5
duodeno), anterior ao ângulo de Treitz. A HDB
anos, assim como no livro de Medicina de
refere-se a um sangramento distante ao ângulo
Emergência da USP, 15ª Edição de 2021. Os ar-
de Treitz (intestino delgado, intestino grosso,
tigos selecionados são coerentes com a temática
reto e ânus) (FILHO et al., 2022).
abordada e foram utilizados para escolha dos
A HDA é divida em varicosa e não varicosa
mesmos os seguintes descritores em Saúde
(MARTINS et al., 2019). A HDA do tipo vari-
(DeSC): “varizes esofágicas”, “hemorragia gas-
cosa é uma emergência médica e tem alta mor-
trointestinal”, “hematemese” “melena” e “san-
talidade (FILHO et al., 2022). Ela pode ser ci-
gramento intestinal”.
tada com uma complicação da hipertensão por-
Dessa maneira, houve limitações de se-
tal, que tem principal causa de etiologia a cir-
leção, para coligir apenas artigos que tratavam
rose. O paciente pode apresentar quadro clínico da temática de HDA varicosa. Ademais, além
de hematêmese ou melena e de forma mais rara de restrição quanto aos idiomas português, es-
no caso de grandes hemorragias súbitas de en- panhol e inglês, houve um recorte temporal do
terorragia (MARTINS et al., 2019). Dessa período de março de 2018 à março de 2022, de
forma, com intuito de diminuir a mortalidade artigos.
causada por essa doença, é necessário um diag- Como critério de inclusão, foram conside-
nóstico preciso. rados estudos transversais, estudos de casos e
Esse capítulo teve como objetivo caracteri- revisões integrativas. De outro modo, os crité-
zar a HDA e a HDB, salientar o mecanismo fi- rios de exclusão foram os artigos duplicados,
siopatológico envolvido no desenvolvimento disponibilizados na forma de resumo, que não
da HDA varicosa e destacar os principais sinais abordavam diretamente a proposta estudada e
e sintomas associados a essa doença. Ademais, que não atendiam aos demais critérios de inclu-
teve com intuito, também, elucidar os exames são.
complementares utilizados na investigação eti-
ológica e diagnóstica da HDA varicosa, apre- RESULTADOS E DISCUSSÃO
sentar as modalidades de tratamento utilizado
nessa doença e orientar o método de prevenção A HDA do tipo varicosa advém do rompi-
preconizado. Desse modo, o estudo descreveu mento de varizes esofágicas (FILHO et al.,
essa doença como sendo uma afecção de caráter 2022). A ruptura dessas varizes presentes no
emergencial que necessita de tratamento pre- esôfago pode ocorrer devido ao alcoolismo, eti-
coce e manejo adequado devido a alta mortali- ologia viral, criptogênica e infecções parasitá-
dade entre os pacientes acometidos por ela. rias. O paciente pode apresentar sintomas de he-
matêmese, melena (fezes enegrecidas com odor

185 | Página
fétido) e enterorragia (MARTINS et al., 2019). EDA, como por exemplo, enteroscopia e cáp-
sula endoscópica, mas ainda são poucos valida-
Exames complementares dos (VELASCO et al., 2021).
Os exames complementares auxiliam no di-
agnóstico etiológico e tem como finalidade ve- Estratificação de risco
rificar a presença ou não de hemorragia e loca- Os pacientes devem ser estratificados em
lizar a origem desta. São recomendados para to- relação ao risco de ressangramento. Para isso,
dos os pacientes: hemograma com hematócrito existem escores de avaliação com base em
e hemoglobina seriados, coagulograma, função achados clínicos e endoscópicos (FILHO et al.,
renal e hepática e eletrólitos (MARTINS et al., 2022).
2019). Os métodos utilizados são: Escore de
O exame de escolha para o diagnóstico de Glasgow Blatchford simplificado, que é calcu-
HDA é a Endoscopia Digestiva Alta (EDA), e lado com base em parâmetros clínicos isolada-
deve ser feito assim que o paciente estiver está- mente, que são: hemoglobina (Hb), frequência
vel e o mais precoce possível, dentro de aproxi- cardíaca, pressão arterial sistólica, uréia e au-
madamente, 24 horas do episódio hemorrágico. sência de história hepática ou cardíaca e melena
Em casos de instabilidade hemodinâmica, ou síncope, os quais são importantes pois pre-
recomenda-se que a EDA seja feita em 12 horas dizem a necessidade de endoscopia. Pacientes
(MARTINS et al., 2019). com escore ≤ 1 apresentam baixo risco e esco-
Caso o sangramento esteja sido interrom- res ≥ 12 apresentam alto risco de evolução des-
pido ou a visualização esteja prejudicada no favorável. O escore de Blatchford de forma
momento da EDA, é recomendável que em 24 simplificada é recomendável para avaliar risco
horas o exame seja repetido (VELASCO et al., de sangramento em pacientes com varizes eso-
2021). fágicas, assim como, ele auxilia por meio dessa
O uso precoce da EDA contribui para a classificação para indicação da melhor conduta
identificação da etiologia, para a aplicação pre- terapêutica em cada caso. Se a pontuação esti-
coce de tratamento, permite a alta de pacientes ver entre 0-1, os pacientes não precisam ser
com baixo risco de ressangramento, reduz inter- hospitalizados, mas necessitam de endoscopia
nação hospitalar desnecessária e, consequente- digestiva ambulatorial, idealmente em até 1 se-
mente, reduz a probabilidade de recidivas mana. Pode ser considerado 0 se Hb ≥ 13 g/dL
(SALTZMAN, 2022). em homens e ≥ 12 g/dL em mulheres, pressão
Em casos de EDA em que não identifica o arterial sistólica ≥ 110 mmHg, FC < 100 bpm,
sítio de sangramento, a indicação é a cintilo- Ureia < 40 mg/dL, sem melena ou síncope na
grafia com mapeamento de hemácias marcadas chegada no departamento de emergência e, sem
por tecnécio - exame capaz de detectar taxas de história de cirrose ou insuficiência cardíaca. Já
sangramento de até 0,1 mL/min. Outra opção é o Escore de Rockall, utiliza critérios endoscó-
a arteriografia, que consegue detectar sangra- picos associados a critérios clínicos na predição
mentos como 0,5 mL/min. A arteriografia pode da necessidade de qualquer intervenção cirúr-
diagnosticar EDA negativa ou em sangramen- gica ou endoscópica. É um dos mais importan-
tos importantes com visibilidade prejudicada na tes instrumentos para predizer risco em paci-
EDA. Há outras opções de exames quando não entes com HDA, e deve ser realizado pré e pós
há identificação do sítio de sangramento na endoscopia e, a soma dos valores desses dois
momentos, revela a taxa de recidiva. O Escore

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de Rockall varia de 0 a 11, sendo que 0 repre- com sangramento por varizes esofágicas, inde-
senta a menor taxa. Caso a soma do escore pré pendente do uso da terapêutica medicamentosa
e pós EDA for superior a 8, a mortalidade ultra- (VELASCO et al., 2021). Nesse contexto, reco-
passa 40 %; entre 0 e 2 têm mortalidade < 0,2 menda-se a realização desse procedimento de
%. Seus parâmetros são idade, frequência car- caráter diagnóstico e terapêutico dentro das pri-
díaca, pressão arterial sistólica, alterações he- meiras 24 horas, assim que o indivíduo esteja
modinâmicas, comorbidades e características estável, tendo como objetivo a resolução de
endoscópicas. Outras variáveis de risco de mor- forma eficaz do quadro clínico (LAINE et al.,
talidade e ressangramento são estado geral 2019).
ruim, comorbidades, Hb inicial < 10g/dL, he- Caso ocorra falência da terapêutica, o
matêmese, melena ou sangue vivo no toque re- exame endoscópico pode ser repetido; se não
tal, sangue no aspirado gástrico, sepse, choque, houver melhora, a próxima opção seria o uso do
injúria renal aguda, relação entre o tempo de TIPS (derivação portossistêmica transjugular)
protrombina do doente e um valor padrão do e, caso o mesmo não esteja disponível ou a he-
tempo de protrombina > 1,5 ou outras coagulo- morragia é persistente ou tem-se ressangra-
patias, plaquetopenia < 100.000 céls/mm3 e au- mento precoce, considera-se o shunt cirúrgico
mento de transaminases associado (VELASCO como uma outra modalidade terapêutica
et al., 2021). (VELASCO et al., 2021).
O uso do balão de Sengstaken-Blakemore é
Tratamento uma outra maneira de realizar o tratamento do
A abordagem inicial dos pacientes com san- sangramento varicoso, e esse deve ser usado
gramento decorrente de varizes esofágicas seria apenas de forma temporária, sendo indicado
a estabilização hemodinâmica. Neste sentido, para indivíduos com sangramentos maciços.
para pacientes com sangramento ativo varicoso Nesse sentido, recomenda-se a utilização do
ou que estão instáveis hemodinamicamente, mesmo por no máximo 24 horas até o trata-
estaria indicada a internação em unidade de te- mento definitivo. As possíveis complicações de
rapia intensiva e caso haja a presença de sinais seu uso são: broncoaspiração, necrose e per-
de choque ou mesmo com alteração hemodinâ- furação esofágica (RODRIGUES et al., 2021).
mica em ortostase, recomenda-se a ressusci- Além disso, o uso de antibióticos nos paci-
tação volêmica pelo uso de cristalóides (MAR- entes com HDA por varizes esofágicas estaria
TINS et al., 2019). indicado, tendo em vista a redução das compli-
Além disso, é recomendado nesses casos de cações, sangramentos e mortalidade (CABE-
sangramento agudo o uso de drogas vasoativas ZAS et al., 2019).
como somatostatina, octreotide, terlipressina
por até 5 dias, sendo que, a terlipressina parece Prevenção
ser a melhor escolha, tendo em vista a possibi- Em relação à prevenção primária de sangra-
lidade de estar associada a redução da mortali- mento de varizes esofágicas, vale ressaltar que
dade (VELASCO et al., 2021). trata-se de um aspecto de suma importância, de-
No entanto, a endoscopia de emergência por vido a diminuição da mortalidade. Pacientes
ligadura elástica ou pelo uso de adesivos teci- diagnosticados com úlceras pépticas devem ser
duais, seria o melhor método para tratamento testados para H. pylori e tratados se houver in-
dos sangramentos das varizes e, dessa forma, fecção. Ademais, em pacientes acima de 60
ela deve ser realizada em todos os pacientes

187 | Página
anos que forem usar corticoides ou anti-infla- tanto, os pacientes que têm ressangramento de-
matórios não esteroidais, é recomendado o uso vem ser submetidos à colocação percutânea de
de inibidores de bomba de próton (CECIL, um shunt intra-hepático transjugular portossis-
2018). têmico, ou estabelecimento cirúrgico de uma
É controversa a profilaxia do aparecimento derivação (VELASCO et al., 2021).
de varizes esofágicas, por isso as recomen- Por fim, a classificação de Child é uma boa
dações de diretrizes são contrárias ao uso de opção para estratificar pacientes de acordo com
betabloqueadores para a prevenção pré-pri- a gravidade. Sendo assim, os pacientes com
mária. Já em pacientes cirróticos, sem varizes Child A só teriam indicação de terapia medica-
esofágicas em EDA, a conduta é repetir a mentosa, enquanto os pacientes com classe
endoscopia em 3 anos. Entretanto, em pacientes Child B ou C necessitariam de uma abordagem
com varizes de baixo risco, os betabloqueado- mais agressiva e até mesmo, serem indicados
res não seletivos podem atrasar o crescimento para a lista de transplante (VELASCO et al.,
de varizes e, assim, ajudar na prevenção do san- 2021).
gramento. Em pacientes com varizes de fino ca-
libre que estão associados com um alto risco de CONCLUSÃO
hemorragia, os betabloqueadores não seletivos
são recomendados. O nadolol, atualmente, em As varizes esofágicas são veias dilatadas e
dose de 40 mg ao dia, é a medicação betablo- tortuosas as quais sofreram modificação de sua
queadora considerada de escolha (VELASCO arquitetura, sobretudo, devido a um quadro de
et al., 2021). hipertensão portal. A ruptura dessas varizes,
Em pacientes com varizes de grosso ou mé- ocasionando uma HDA, é uma emergência mé-
dio calibre, tanto os betabloqueadores não sele- dica a qual deve ser manejada inicialmente,
tivos como a ligadura endoscópica são eficazes. tendo em vista a estabilização hemodinâmica
Contudo, as vantagens de betabloqueadores não do paciente, associado à realização de técnicas
seletivos são seu baixo custo e utilidade em endoscópicas e visando a cessação do sangra-
prevenir outras complicações como o apareci- mento. Além disso, evidencia-se a importância
mento de ascite. Porém, existem algumas des- da realização da prevenção primária e secundá-
vantagens desses agentes, como os efeitos cola- ria do sangramento, sejam essas por meio do
terais e as contra indicações (PILAY uso de betabloqueadores não seletivos e/ou a li-
RODRÍGUEZ, 2018). gadura endoscópica, para evitar o ressangra-
Existem também, estudos sobre a eficácia mento, que pode ter evolução para situações clí-
do carvedilol em doses baixas (6,25 a 12,5 mg nicas graves, como o choque. Nesse contexto,
por dia), que foi comparado com a ligadura en- destacam-se os métodos para estratificação de
doscópica de varizes. No entanto, o uso de ni- risco, para melhor indicação dos pacientes com
tratos, embora associado com diminuição de pior prognóstico. Dessa forma, o manejo cor-
riscos de sangramento, não é indicado, pois au- reto e rápido dessa condição, associado a reali-
menta a mortalidade (VELASCO et al., 2021). zação de medidas profiláticas é de elevada im-
Ademais, para a profilaxia secundária de portância, tendo em vista a redução da morbi-
sangramentos por varizes esofágicas, é neces- dade e mortalidade dos pacientes com sangra-
sário o uso combinado de ligadura endoscó- mento varicoso.
pica e betabloqueadores não seletivos. Entre-

188 | Página
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA

CABEZAS, G. et al. Hemorragia digestiva alta. ARS agosto 2016-agosto 2017. 2018. Trabalho de Conclusão
MEDICA Revista de Ciencias Médicas, v. 44, n. 3, p. 24- de Curso (Graduação em Medicina) - Universidad de
34, 2019. Guayaquil. Facultad de Ciencias Médicas; Guayaquil –
Equador
FILHO, S. R. F. S. et al. Fatores de risco e prevenção
primária da hemorragia digestiva alta: revisão integra- RODRIGUES, I.M.A. et al. Análise do tempo para reali-
tiva. Research, Society and Development, v. 11, n. 3, p. zação de endoscopia digestiva alta de urgência. Brazilian
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LAINE, L. et al. ACG clinical guideline: upper gastroin-
testinal and ulcer bleeding. Official Journal of the Amer- SALTZMAN JR. Approach to acute upper gastrointesti-
ican College of Gastroenterology, v. 116, n. 5, p. 899- nal bleeding in adults. UpToDate. 2022. Disponível em:
917, 2021. https://www.uptodate.com/contents/approach-to-acute-
upper-gastrointestinal-bleeding-in-adults/print. Acesso
MARTINS, A. A. L. et al. Hemorragia digestiva alta di- em: 29 mar. 2022.
agnóstico e tratamento: uma revisão de literatura. Pará
Research Medical Journal, v. 3, n. 2, p. 0-0, 2019. VELASCO, I. T. et al. Medicina de emergência - abor-
dagem prática. 15ª Ed. Barueri: Manole; 2021. p.1091-
PILAY RODRÍGUEZ, K.R. Riesgo de sangrado esofago 1103.
gastroduodenal en pacientes cirróticos estudio a reali-
zarse en el Hospital Universitario de Guayaquil período

189 | Página
CAPÍTULO 24

EMERGÊNCIAS ONCOLÓGICAS
REVISÃO DE LITERATURA
Palavras-chave: Tratamento imediato, Neoplasias malignas, Medicina de
emergência

IGOR STEVAN VIEIRA MATOSO¹

1
Discente - Centro Universitário de Belo Horizonte- UNIBH

190 | Página
INTRODUÇÃO seguida foi realizada a leitura dos títulos e
resumos e, dessa maneira, foram selecionados
O câncer é um dos principais problemas de 30 artigos, os quais foram lidos na íntegra e, a
saúde pública no mundo. De acordo com uma partir deles, realizada a presente revisão.
estimativa feita no ano de 2018, ocorreram mais
de 18 milhões de casos de câncer e cerca de 9,6 RESULTADOS E DISCUSSÃO
milhões de óbitos. Para o Brasil, é esperado,
entre os anos de 2020 - 2022, que ocorrerão No processo de adoecimento da população
mais 610 mil novos casos de câncer (INSTITU- mundial, o câncer ocupa uma posição de des-
TO NACIONAL DE CÂNCER, 2020). taque, sendo responsável por um elevado índice
Devido a agressividade de algumas neopla- de mortalidade e um número exorbitante de in-
sias malignas e de alguns tratamentos, pacientes ternações, justificando a importância do médico
com câncer estão sob risco de uma grande vari- no diagnóstico e manejo de emergências rela-
edade de emergências médicas e, com o au- cionadas com neoplasias malignas (FARES et
mento na melhora de sobrevida desses pacien- al., 2013).
tes, essa situação vem se tornando cada vez As emergências oncológicas podem ser di-
mais comum (SILVA, 2018). Diversos estudos vididas em 3 tipos:
relatam que uma parcela considerável de paci- Metabólicas
entes que fazem tratamento oncológicos já pre- Hipercalcemia;
cisaram de atendimento imediato (BRASIL, Síndrome da lise tumoral;
2014). Hiponatremia por SIADH (Síndrome de
Diante disso, essa revisão tem como obje- secreção inapropriada de hormônio antidiuré-
tivo apresentar os fatores etiológico, sinais, sin- tico);
tomas, diagnósticos e tratamento das principais Acidose lática.
emergências oncológicas. Mecânicas
Tamponamento pericárdico;
MÉTODO Derrame pleural;
Síndrome da veia cava superior;
Trata-se de uma revisão de literatura reali- Síndrome da compressão medular;
zada nas seguintes etapas: desenvolvimento da Síndrome da hiperviscosidade;
pergunta PICO; busca dos estudos nas bases de Obstrução intestinal.
dados; avaliação dos estudos; síntese dos resul- Relacionados ao tratamento
tados e apresentação da revisão. Mucosite;
Foram encontrados 340 artigos científicos Neutropenia febril;
publicados nas plataformas SciELO, PubMed, Trombocitopenia;
LILACS e MEDLINE, utilizando os descrito- Efeitos tóxicos dos quimioterápicos
res: Tratamento imediato, Neoplasias malignas, (SILVA, 2019).
Medicina de emergência. Os 58 artigos mais A seguir será feito o detalhamento das pa-
relevantes e condizentes com o tema foram tologias citadas acima divididos em fatores eti-
selecionados para leitura e escrita da presente ológicos, sinais, sintomas, diagnósticos e trata-
revisão. Primeiro foi avaliado se existiam arti- mento.
gos duplicados, o que não foi encontrado. Em

191 | Página
Emergências oncológicas metabólicas • Síndrome da lise tumoral
• Hipercalcemia Fatores etiológicos: A síndrome da lise tu-
Fatores etiológicos: A hipercalcemia é bas- moral (SLT) geralmente ocorre em pacientes
tante frequente. Cerca de 20 a 30 % dos pacien- com tumores hematológicos, após o início da
tes com câncer podem apresentar essa quimioterapia, principalmente linfomas não
condição, a qual implica em um mau prognós- Hodgkin, linfoma de Burkitt e leucemia aguda.
tico (SILVA, 2021). Logo após começar o tratamento quimioterá-
A hipercalcemia consiste em uma liberação pico, devido a um rápido turnover celular, o que
elevada de potássio intracelular, tendo como desencadeia uma elevada liberação intracelular
principal etiologia a hipercalcemia humoral por na corrente sanguínea, principalmente fósforo,
malignidade (HHM), que está relacionada a potássio e ácidos nucleicos que serão me-
liberação do hormônio da paratireóide (PTHrP) tabolizados em hipoxantina, xantina e ácido
pelas células tumorais (aproximadamente 80 % úrico, o que pode acarretar em um distúrbio ele-
dos casos). A hipercalcemia tem outras duas trolítico e metabólico. A SLT é caracterizada
causas conhecidas que são a doença óssea me- como emergência oncológica pois a sobrecarga
tastática e a produção, pelas células tumorais, de excreção pode gerar lesão renal aguda, arrit-
de 1,25 OH-Vitamina D (SILVA, 2021). mias cardíacas, convulsões e disfunção neuro-
Sinais e sintomas: São vários os sintomas muscular que podem aumentar a morbidade e
ocasionados pela hiperglicemia, entre eles es- mortalidade dos pacientes oncológicos
tão: perda de peso, anorexia, polidipsia, náu- (MUGHAL, 2008).
seas, vômitos, poliúria, azotemia, insuficiência Sinais e sintomas: Os sintomas estão rela-
renal e constipação. Se não tratada poderá evo- cionados com a neoplasia base, com isso pode
luir para fraqueza muscular, torpor, convulsão variar de acordo com o tipo e localização do tu-
e coma (FARIAS, 2005). mor. A sintomatologia mais comum inclui: náu-
Diagnóstico: Geralmente o diagnóstico é seas, vômitos, diarreia, anorexia, letargia,
feito por exames laboratoriais que irão medir a hematúria; insuficiência cardíaca, arritmias,
dosagem do cálcio sérico e de paratormônio, convulsões, tetania (GANDRA et al., 2017).
juntamente com a avaliação da sintomatologia. Diagnóstico: O diagnóstico é clínico-labo-
Tratamento: Como essa condição geral- ratorial. Clinicamente caracteriza por hiperfos-
mente leva a uma desidratação, a primeira linha fatemia, hipercalcemia, hiperuricemia, hiperca-
do tratamento está relacionada a uma hidratação lemia e insuficiência renal aguda. Essas mani-
vigorosa com soluções salinas, pois além de festações são mais frequentes entre 48 a 72 ho-
restabelecer a volemia, a hidratação irá elevar o ras após o início do tratamento da neoplasia. Na
fluxo renal e também aumentar a excreção de forma laboratorial o diagnóstico é feito utili-
cálcio. Para controlar o balanço hídrico, após o zando os critérios de Cairo e Bishop represen-
restabelecimento da volemia, diuréticos de alça tado na Tabela 24.1 (MOTA, 2018).
devem ser iniciados (FARIAS, 2005). Tratamento: O melhor manejo da SLT é a
Para o controle da hipercalcemia, a medida prevenção, a qual baseia-se na redução da pro-
mais eficaz está relacionada com a adminis- dução de ácido úrico através da administração
tração de bisfosfonatos: pamidronato e zoledro- de alopurinol associado a hiper-hidratação sem
nato (FARIAS, 2005). alcalinização da urina. Nos pacientes que já es-

192 | Página
tão hidratados, mas que permanecem oligúri- que se atinja uma diurese adequada (MOTA,
cos, pode associar-se um diurético de alça, para 2018).

Tabela 24.1 Valores de referência para diagnóstico


Elemento Valor Mudança da linha de base
Ácido úrico ≥ 8 mg/dl aumento de 25 %
Potássio ≥ 6 mEq/L aumento de 25 %
Fósforo ≥ 6,5 mg/dL aumento de 25 %
Cálcio 7 mg/dL aumento de 25 %
Fonte: Adaptado de Cairo, 2004.

• Hiponatremia por SIADH Hiponatremia leve: Restringir a ingesta hí-


Fatores etiológicos: Nos pacientes com vo- drica, assim a tendência é a elevação da concen-
lemia normal, o principal causador de hipona- tração de sódio em torno de 2 a 4 mEq/L por
tremia é a SIADH. Uma produção ectópica de dia.
substâncias semelhantes ao ADH pode ocasio- Em pacientes com hiponatremia de insta-
nar uma liberação de arginina e vasopressina lação rápida e persistente os níveis de sódio
causando a SIADH (NAVES, 2003). necessitam de correção de emergência.
Sinais e sintomas: Os sinais e sintomas irão Em pacientes em que a restrição hídrica não
depender do grau e da velocidade com que a hi- fez o devido efeito, pode-se utilizar a demeclo-
ponatremia se instala. Pacientes com níveis de ciclina, um potente inibidor da ação do ADH na
sódio entre 125 e 135 mEq/L, geralmente são dose de 900 a 1200 mg/dia CARVALHO et al.,
assintomáticos. Quando o nível encontra-se 2017).
abaixo de 124 mEq/L, o paciente pode apresen-
tar: náuseas, vômito, anorexia, fraqueza geral. • Acidose lática
Níveis abaixo de 120 mEq/L podem ocorrer Fatores etiológicos: A acidose metabólica
crise convulsiva, fraqueza e fadiga (NAVES, é uma das complicações mais raras e comple-
2003). xas. As hipóteses dessa emergência são o au-
Diagnóstico: Para realizar o diagnóstico de mento da produção de lactato pelo tumor e tam-
SIADH, a osmolalidade urinária deve exceder bém pela menor depuração pelo fígado. Essa
100 mOsm/Kg quando a osmolalidade plasmá- compli-cação pode estar presente em pacientes
tica efetiva é baixa. A presença de euvolemia com múltiplas metástases hepáticas (FARES et
clínica é essencial no diagnóstico; sódio uriná- al., 2013).
rio geralmente ficam acima de 40 mEq/L e Sinais e sintomas: Os principais sintomas
baixa concentração de ácido úrico plasmático. são clínicos como: náuseas, vômitos, dor abdo-
Esses são alguns parâmetros para diagnosticar minal, diarreia, alteração do nível de consciên-
a SIADH (NAVES, 2003). cia, desidratação, hipotensão e choque (FARES
Tratamento: O principal objetivo do trata- et al., 2013).
mento é aumentar a concentração sérica do só- Diagnóstico: Além da avaliação clínica, os
dio. exames mostram aumento de lactato sérico, pH
arterial em valores inferiores a 7.25 e, usual-

193 | Página
mente um ânion gap maior que 22 mEq/L et al., 2018).
(FARES et al., 2013). Tratamento: A decisão de drenar um der-
Tratamento: O principal objetivo é al- rame e de como proceder, depende da situação
cançar a correção do pH e a manutenção de clínica. A drenagem de emergência deve ser
bicarbonato de sódio sérico por meio da admi- efetuada caso houver evidência clínica de tam-
nistração de bicarbonato de sódio endovenoso ponamento via pericardiocentese ou pericárdio-
(FARES et al., 2013). tomia cirúrgica. A drenagem também é reco-
Com relação às emergências oncológicas mendada quando exitir o derrame pericárdico
mecânicas: associado a disfunção ventricular esquerda e na
presença de derrame loculado ao nível das
• Tamponamento pericárdico câmeras esquerdas (DOMINGUES, 2012).
Fatores etiológicos: As causas mais co-
muns de tamponamento pericárdico são tumo- • Derrame pleural
res torácicos adjacentes (câncer de pulmão, esô- Fatores etiológicos: No Brasil, neoplasias
fago e mama) e tratamento do câncer, principal- estão entre as principais causas de derrame
mente quando a radioterapia é realizada na área pleural. Essa patologia está relacionada a um
mediastinal, pois pode ocasionar fibrose peri- acúmulo anormal de líquido no espaço pleural.
cárdica e pericardite e, assim aumentar o risco Esse espaço consiste em uma membrana fina e
de tamponamento cardíaco (DOMINGUES, delicada que recobre o pulmão (HASHIZUME,
2012). 2018).
O tamponamento cardíaco é a descompen- Sinais e sintomas: A compressão e redução
sação da compressão cardíaca secundária à acu- da área funcional dos pulmões, pelo líquido,
mulação de líquido no espaço pericárdico, com pode ocasionar dispnéia, tosse, dor torácica
aumento da pressão intrapericárdica. Esse acú- ventilatório-dependente, hemoptise ou febre
mulo de líquido no espaço pericárdico resulta (HASHI-ZUME, 2018).
em uma compressão do coração impedindo a Tratamento: A retirada do líquido é feita
expansão dos ventrículos e o enchimento car- através da punção no espaço entre as costelas.
díaco durante a diástole, provocando um co- Em pacientes com derrame pleural neoplásico é
lapso circulatório (VELASCO et al., 2018). recomendado toracocentese de alívio. Em casos
Sinais e sintomas: O sintoma mais evidente refratários à quimioterapia e com necessidade
é a taquicardia, porém pode ser observado tam- de toracocentese de alívio de repetição, deve-se
bém ansiedade, angústia, dispneia, ortopneia e considerar pleurodese (HASHIZUME, 2018).
dor torácica, tosse, rouquidão, singultos, náusea
e disfagia (VELASCO et al., 2018). • Síndrome da veia cava superior
As principais manifestações clínicas são ba- Fatores etiológicos: A síndrome da veia
seadas na Tríade de Beck: Hipotensão arterial + cava superior (SVCS) é um grupo de sintomas
Turgência Jugular Patológica + Hipofonese de causados pelo bloqueio parcial da veia cava su-
bulhas cardíacas (VELASCO et al., 2018). perior. As principais causas da SVCS são as ne-
Diagnóstico: O diagnóstico baseia-se, prin- oplasias malignas de pulmão e linfoma não
cipalmente, na suspeita clínica sendo corrobo- Hodgkin (FARES et al., 2013).
rado por evidências de comprometimento Sinais e sintomas: Os sintomas mais co-
hemodinâmico na ecocardiografia (VELASCO muns são: dispnéia, tosse, edema da face ou

194 | Página
membros superiores, cianose e peltora. Os si- Sinais e sintomas: Os sinais e sintomas
nais menos comuns incluem síndrome de ocorrem à medida que há maior compressão
Horner, disfonia, alteração nos murmúrios car- medular e das raízes nervosas. Os principais
díacos, dor torácica, disfagia, cefaleia e tontura sintomas relacionados à metástase vertebral são
(FARES et al., 2013). dor axial, dor na coluna torácica média e alta,
Os pacientes que sofrem de dispneia pro- dor progressiva, dor que piora na manobra de
gressiva, geralmente tem uma linha de progres- valsalva e dor noturna (VELASCO et al.,
são de sintomas, iniciando com ortopneia e 2018).
tosse que se agravam em posição prona; em Os sintomas sugestivos de comprometi-
pouco tempo ficam capazes de respirar apenas mento neurológico são: quedas frequentes, dis-
em posição ereta; ocorre edema progressivo da túrbios do equilíbrio e marcha, déficit da força,
face, pescoço e membros superiores, seguido de alteração da sensibilidade, incontinência uriná-
uma coloração cianótica característica da pele ria e piora em atividades que exigem controle
que se intensifica no decúbito. Conforme a motor fino (FARES et al., 2013).
pressão venosa intracraniana aumenta tem-se o Diagnóstico: Em mais de 80 % dos casos,
aparecimento de cefaléia, vertigem, confusão alterações são encontradas na radiografia sim-
mental, estupor e podendo chegar até em perda ples da coluna. A ressonância magnética da co-
de consciência (FARES et al., 2013). luna define o local da compressão e facilita o
Diagnóstico: A obstrução da veia cava deve planejamento do tratamento (FARES et al.,
ser confirmada radiologicamente. É extrema- 2013).
mente importante, para a escolha da terapêutica Tratamento: Pacientes com suspeita de
compressão medular devem receber tratamento
ideal, a confirmação histológica a qual, ge-
imediato. Aqueles que apresentam dor mecâ-
ralmente, é realizada por biópsia (FARES et al.,
nica intensa ou sinais de comprometimento
2013).
neurológico devem ficar em repouso no leito
Tratamento: Pacientes com sinais de
até que a estabilidade da coluna seja avaliada
alarme devem ser manejados para emergência e
adequadamente. É importante fazer a mudança
serem tratados imediatamente com stent endo-
de decúbito em bloco para prevenir formação
vascular ou radioterapia. As SVCS de etiologia
de úlceras de pressão. Para atrasar uma piora
neoplásicas devem ser tratadas com estabele-
neurológica, caso não haja restrições, deve-se
cimento do tratamento para a doença oncoló-
instituir a corticoterapia, onde recomenda-se o
gica. Para o alívio da sintomatologia é indicado
uso de uma dose de ataque de 10 a 16 mg endo-
repouso, elevação da cabeça e oxigenoterapia
venosa seguida de 4 mg a cada 6 horas, até que
(FARES et al., 2013).
o tratamento definitivo seja planejado (BUR-
LÁ, 2002).
• Síndrome da compressão medular
Os tratamentos definitivos podem ser:
Fatores etiológicos: A compressão medu-
➢ Tratamento radioterápico;
lar é definida como a constrição do saco dural e
➢ Tratamento cirúrgico;
de seu conteúdo (medula espinal ou cauda
➢ Laminectomia sem fixação;
equina) por uma massa tumoral extradural. A
➢ Vertebrectomia total em bloco;
principal causa está relacionada ao câncer e
➢ Radioterapia pós-operatória;
também a metástases hematogênicas para os
➢ Descompressão circunferencial e esta-
corpos vertebrais (VELASCO et al., 2018).
bilização (BURLÁ, 2002).
195 | Página
• Síndrome da hiperviscosidade principais causas são as neoplasias, principal-
Fatores etiológicos: A síndrome da hiper- mente as intestinais (VIDAL, 2005).
viscosidade pode ser resultado de deformidade Sinais e sintomas: Os principais sintomas
no setor eritrocítico ou aumento patológico das são dores abdominais, distensão abdominal,
proteínas séricas, glóbulos brancos, vermelhos vômitos, náuseas, ruídos hidroaéreos e
e plaquetas, o que acarreta no aumento da vis- palpação dolorosa. Nas obstruções mecânicas
cosidade causando, assim, efeitos adversos na altas, os vômitos são frequentes e são constitu-
perfusão tecidual. As principais causas hemato- ídos de material estagnado e de aspectos bilioso
lógicas são leucemia, mieloma múltiplo e ma- (VIDAL, 2005).
croglobulinemia de Waldenstrom (BRASIL, Diagnóstico: A radiografia do abdômen é
2015). fundamental para a confirmação diagnóstica. O
Sinais e sintomas: Geralmente os sinais e contraste pode ser usado se não houver contra-
sintomas não são específicos e são decorrentes indicação e é usado para avaliar se trata-se de
de alterações da coagulação, principalmente obstrução parcial ou total. Há outros exames
sangramentos de mucosas. Pode acarretar alte- como a angiografia e a ultrassonografia que
rações neurológicas como cefaléia, tonturas, permitem avaliar o grau e tipo de desequilíbrio
borramento visual, cefaleia, vertigem, nis- metabólico, que é essencial para definição de
tagmo, tontura, zumbido, surdez súbita, diplo- uma melhor terapêutica (VIDAL, 2005).
pia, ataxia, confusão, alteração de consciência, Sintomas clínicos são: febre, taquicardia,
acidente vascular cerebral e coma (ZANON, peritonite e choque. Achados laboratoriais:
2020). Leucocitose, hiperamilasemia e acidose. Acha-
Diagnóstico: O diagnóstico sindrômico é dos de imagem: distensão, pneumoperitônio, ar
clínico-laboratorial. Em pacientes com sinto- retal e pneumatose (VIDAL, 2005).
mas compatíveis pode ser feito o hemograma Tratamento: Primeiramente a terapêutica
com evidência de leucometria > 100.000/uL ou consiste na reposição de líquidos e eletrólitos,
gap de proteínas totais (ZANON, 2020). seguido da descompressão do gastrointestinal
Tratamento: A maneira mais rápida e efi- com sonda nasogástrica (SNG) e intervenção
caz de reduzir a viscosidade é a plasmaferese ou cirúrgica. Todos os pacientes com obstrução in-
leucaférese. Em caso de indisponibilidade da testinal devem ser operados (VIDAL, 2005).
plasmaférese pode ser feita a flebotomia. O tra- Para finalizar, abaixo são descritos os fato-
tamento definitivo varia de acordo com o diag- res fisiológicos, sinais e sintomas, diagnóstico
nóstico e envolve agentes quimioterápicos, e tratamento das emergências oncológicas re-
como alquilates e os análogos nucleosídeos, lacionadas ao tratamento.
além do suporte químico (FARES et al., 2013).
• Mucosite
• Obstrução intestinal Fatores etiológicos: Os mecanismos exatos
Fatores etiológicos: A obstrução intestinal pelo quais as drogas quimioterápicas citotóxi-
é a obstrução parcial ou completa na propulsão cas e a radioterapia provocam a mucosite ainda
do conteúdo gastroentero-cólico em direção ao não foram completamente descobertos, porém
reto, impossibilitando ou dificultando a elimi- algumas evidências indicam que os agentes
nação fisiológica desse conteúdo. Uma das usados no tratamento, por atuarem nas células

196 | Página
tumorais que são de divisão rápida, também da- cél/microL ou < 1.000cél/miroL e, devido a
nificam as células epiteliais do conjuntivo da isso, a probabilidade de infecções aumenta
mucosa da gastrintestinal e da mucosa bucal (FERREIRA et al., 2017).
causando inflamação e ulceração do epitélio Sinais e sintomas: A neutropenia por si só
(MENEZES et al., 2014). não apresenta sintomas específicos, os sintomas
Sinais e sintomas: Nas formas mais leves, são resultado das infecções existentes. Com
é observado lesões atróficas, eritematosas, na isso, os sintomas mais comuns são: febre, dor
qual a mucosa permanece intacta. Devido a de garganta, dor abdominal, diarreia e transpi-
isso, o paciente pode ter uma redução na sensi- ração (BELLESSO et al., 2010).
bilidade bucal o que é facilmente revertido Diagnóstico: “Os pacientes recebem o
(MENEZES et al., 2014). diagnóstico de neutropenia febril quando sua
Já nos casos mais severos, a mucosite acar- temperatura for mais de 38ºC e apresentar uma
reta no desenvolvimento de ulcerações que pe- contagem de neutrófilos <500 cél/microL ou
netram na submucosa e causam dores severas, <1.000 cél/microL com previsão de queda para
aumentando a chance de perda de peso, pois me-nos de 500 cél/microL nas próximas 48h”
possuem maiores dificuldades para deglutição (FARES et al., 2013).
e, algumas vezes, necessitam de gastrotomia Tratamento: De acordo com Ferreira et al.
para conseguirem se alimentar (MENEZES et (2017) o tratamento consiste em:
al., 2014). 1. Antibioticoterapia de Amplo Espectro
Diagnóstico: O diagnóstico baseia-se nas (Iniciar na primeira hora da admissão)
manifestações clínicas, sendo de extrema im- - Cefepime 2 g 8/8 h;
portância estabelecer um correto diagnóstico - Vancomicina 1 g 12/12 h se: uso pro-
diferencial para um melhor tratamento (MENE- filático de quinolonas, consolidação pulmonar,
ZES et al., 2014). cateter venoso central, instabilidade hemodinâ-
Tratamento: Ainda não existem muitas te- mica, colonização por Staphylococcus Oxa-R
rapias que são eficazes contra a mucosite. Di- ou Pneumococo resistente a penicilina, hemo-
ante disso, os primeiros cuidados são paliativos cultura em andamento com crescimento de coco
e consistem na prevenção de infecções, onde gram positivo e mucosite grave;
grande parte dos pacientes necessitam de anal- - Metronidazol 500 mg 8/8 h se: sus-
gésicos sistêmicos e tópicos. Um dos principais peita de infecção por anaeróbio como gengivite
tratamentos profiláticos recomendado é a ma- necrotizante, celulite perianal, infecções do
nutenção da higiene oral, durante e após a radi- trato GI e mucosite grave;
ação (MENEZES et al., 2014). - Amicacina 15 mg/Kg/dia se: instabili-
dade hemodinâmica com internação ou culturas
• Neutropenia febril prévias com gram negativos multirresistentes
Fatores etiológicos: A neutropenia, em pa- (MDR);
cientes em tratamento antineoplásico, é causada 2. Antifúngico
devido aos danos constantes que o tratamento - Se suspeita candidíase oral, esofágica,
perineal, iniciar Fluconazol 400 mg/dia.
causa na hematopoiese e à mucosa do trato gas-
- Se evidência de infecção fúngica na to-
trointestinal. A neutropenia febril consiste na
mografia computadorizada (TC) de seios da
junção de febre axilar isolada maior ou igual a
38 ºC e uma contagem de neutrófilos < 500

197 | Página
face ou tórax dos pacientes de alto risco, discu- agudo, a próxima sessão de quimioterapia pode
tir indicação de antifúngico com Comissão de ser adiada ou reduzida. Em casos muito críticos
controle de infecção hospitalar (CCIH): Vori- podem ser administrados medicamentos que
conazol 400 mg 12/12 h VO (dose ataque) ou ajudam na produção de plaquetas e até mesmo
Anfotericina B Lipossomal 3 a 5 mg/Kg/dia. realizar a transfusão de plaquetas (GUERRA,
- Se suspeita de Rinossinusite Fúngica 2002).
Invasiva, solicitar avaliação da equipe da Algumas medidas profiláticas consistem na
Otorrinolaringologia. prevenção de sangramentos. A exemplo disso
3. Antiviral tem a orientação de evitar o uso de fio dental,
- Se suspeita de lesões herpéticas em não se barbear com lâminas cortantes e evitar
pele ou mucosas, iniciar Aciclovir 10 mg/kg de atividades físicas que possam causar contusões
8/8 h. e hematomas (GUERRA,2002).
4. Discutir com equipe da Hematologia e
Oncologia a necessidade de uso de filgrastima • Efeitos tóxicos dos quimioterápicos
(FERREIRA et al., 2017). Efeitos etiológicos: Os agentes antineoplá-
sicos atuam contra células de rápida prolife-
• Trombocitopenia ração que apresentam alta atividade mitótica e
Fatores etiológicos: A trombocitopenia é ciclos celulares curtos, porém eles não distin-
decorrente da diminuição de produção, pela guem os tecidos tumorais dos cancerosos.
medula óssea, de plaquetas, células normais da Devido a isso, tecidos que apresentam essas ca-
medula e aumento da destruição e sequestro es- racterísticas também são afetados por esses
plênico. É mais comum em leucemias ou linfo- agentes causando diversos efeitos colaterais
mas, mas também acontecem em câncer de (ALMEIDA, 2005).
próstata ou mama que se disseminam para me- Sinais e sintomas: Efeitos precoces: podem
dula (GUERRA, 2002). ocorrer náuseas, vômitos, mal-estar, artralgias,
Sinais e sintomas: Geralmente os sintomas agitação e flebites.
só são percebidos quando o nível de plaquetas Efeitos mais tardios: miocardiopatias escle-
está em um valor muito baixo. As principais rodermia alopecia, pneumonite, imunos-supres-
sintomatologias são: sangramento de forma são, anemia, fadiga, hiperpigmentação e muco-
inesperada, manchas vermelhas ou roxas sob a site, infertilidade, sequelas no sistema nervoso
pele, hematoquezia, dor de cabeça, vertigem, central e fibrose (ALMEIDA, 2005).
dores nas articulações ou músculos e fraqueza Diagnóstico: O diagnóstico é feito através
(ONCOGUIA, 2013). da avaliação dos sintomas do paciente.
Diagnóstico: Pacientes com câncer ou que Tratamento: Uma das principais profila-
estão em tratamento oncológico devem realizar xias está relacionadas aos cuidados para mini-
exames de sangue em intervalos regulares. O mizar ou evitar esses sintomas; incluir atenção
principal diagnóstico é a contagem de plaquetas redobrada para a alimentação do paciente é
de uma amostra de sangue (GUERRA, 2002). fundamental. Outro fator essencial é o apoio
Tratamento: Pacientes que apresentam a psicológico. Para cada sintomatologia é neces-
trombocitopenia causada por tratamentos onco- sário um tratamento diferente que será decidido
lógicos, geralmente, tem resolutividade do caso avaliando a situação de cada paciente (AL-
após o término da terapia e, se o estado está MEIDA, 2005).

198 | Página
CONCLUSÃO Com isso os pacientes que enfrentam essa
doença ficam a mercê de tratamentos desatua-
Apesar do câncer ser considerado um dos lizados e que não apresentam uma eficácia efe-
principais problemas de saúde pública, o pre- tiva, gerando mais sofrimento para os pacien-
sente estudo demonstrou que é escassa a quan- tes. Dessa forma é de extrema importância o
tidade de publicações referentes à emergências desenvolvimento de diversos estudos nessa
oncológicas, o que acaba por gerar déficits no área, pois só assim, será possível o engrandeci-
estudo da etiologia e no desenvolvimento de mento das profilaxias e dos tratamentos para
tratamentos e profilaxias. emergências oncológicas

199 | Página
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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200 | Página
CAPÍTULO 25
TORÇÃO TESTICULAR NA
EMERGÊNCIA: REVISÃO DE
LITERATURA
Palavras-chave: Torção do Cordão Espermático; Escroto; Urologia

ANA RITA DA SILVA NUNES¹


THIAGO DUTRA MENDONÇA¹
YASMIN PRISCILA PORTES MEIRA²
BENITO JÚNIOR SANTOS DA COSTA3

1
Discente - Medicina na Universidade Federal do Maranhão (UFMA)
2
Médica – Formada pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA)
3
Cirurgião Geral - Residente do Programa de Residência Médica em Urologia do Hospital
Universitário Presidente Dutra da Universidade Federal do Maranhão

201 | Página
INTRODUÇÃO ção do cordão espermático”, “escroto” e “uro-
logia”. Foram encontrados 220 artigos nessa
A torção testicular foi descrita pela pri- busca, os quais foram submetidos aos critérios
meira vez na literatura em 1840 por Dela- de seleção.
Siauve (OBI et al., 2020). Entende-se hoje que Os parâmetros usados para inclusão foram:
ocorre uma interrupção do suprimento sanguí- artigos escritos em português e inglês, expostos
neo testicular causada pela rotação espontânea publicamente entre 2004 e 2020 e com aborda-
do cordão espermático (BOET-TCHER et al., gem de temáticas relacionadas à proposta de
2012; WANG, 2012; NETO et al., 2017; pesquisa, trabalhos do tipo revisão e livros re-
KEAYS & ROSENBERG, 2019). Fatores pre- nomados a respeito do tema, disponíveis inte-
cipitantes documentados incluem clima frio, es- gralmente. Os critérios de exclusão foram arti-
forço físico, trauma, sono e atividade sexual gos dispostos na forma de resumo, duplicados,
(OBI et al., 2020). desatualizados, que não abordavam de modo
Pode ocorrer em qualquer idade, porém satisfatório o tema estudado e que não cum-
sabe-se que a distribuição da idade ocorre prin- priam inteiramente os parâmetros de inclusão.
cipalmente em 2 picos: um no período perinatal Após a seleção dos artigos, restaram 16 pu-
e o outro nos primeiros anos da adolescência blicações, as quais foram inteiramente lidas, de
(KUMAR et al., 2020). Entretanto, outro es- forma minuciosa, para a coleta de dados, bus-
tudo, evidenciou um novo pico entre 20-25 anos cando informações, como conceitos essenciais,
(OBI et al., 2020). dados epidemiológicos, quadro clínico, di-
A torção testicular é responsável por 25-35 agnóstico e tratamento sobre torção testicular.
% dos casos de escroto agudo pediátrico
(WANG, 2012), e ocorre anualmente em 1 a RESULTADOS E DISCUSSÃO
cada 4.000 homens com idade < 25 anos
(AMATO et al., 2014; KARAGUZEL et al., A torção é caracterizada pela obstrução do
2014; KEAYS & ROSENBERG, 2019). retorno venoso, com subsequente equalização
Esse estudo visa levantar informações, de das pressões venosa e arterial comprometendo
caráter bibliográfico, buscando compreender os o fluxo arterial, resultando em isquemia testicu-
mecanismos envolvidos no desenvolvimento da lar (RINGDAHL & TEAGUE, 2006).
torção testicular, apresentação clínica, tipos de O testículo é especialmente suscetível a le-
diagnóstico e tratamento envolvido na torção são isquêmica porque o suprimento sanguíneo
testicular. é terminal, ou seja, as artérias nos testículos não
formam anastomoses e porque a túnica albugí-
nea é uma concha inelástica, o que limita a ex-
MÉTODO
pansão compensatória do testículo durante o
trauma (KARAGUZEL et al., 2014).
Trata-se de uma revisão sistemática reali-
O tipo de torção testicular foi classificado
zada no período de janeiro a fevereiro de 2022
em 3 grupos de acordo com a anatomia da tú-
por meio de pesquisas, artigos e livros publica-
nica vaginal e a relação entre testículo e epidí-
dos nas bases de dados Scielo, Pubmed e
dimo (Figura 25.1) (FAVORITO et al., 2004).
Medline. Os descritores utilizados foram “tor-
O mecanismo de torção extravaginal resulta da
torção proximal da túnica vaginal. Ocorre no

202 | Página
período perinatal, durante a descida do testículo quio, que é o ligamento que une o testículo ao
e antes da acomodação da túnica vaginal no es- epidídimo. Nos casos de disjunção epididimal
croto, permitindo assim que túnica e testículo ou epidídimo alongado, condições muito fre-
girem sobre o seu pedículo vascular quentes no criptorquismo, o mesórquio é longo
(FREGONESI & REIS, 2010). e pode contribuir para a torção testicular
(FAVORITO et al., 2004). Quando o testículo
Figura 25.1 Classificação dos tipos de torção torce, geralmente torce na direção de lateral
testicular.
para medial. A faixa de torção vai de 90° a 180°
- torção incompleta - a 540° a 720° - torção
completa (LAVALLEE & CASH, 2005).
Embora a torção testicular possa ocorrer em
um testículo normal, foi demonstrado que há
uma maior predisposição à torção em testículos
com certas anomalias anatômicas, como defor-
Fonte: Favorito, 2004.
mação transversal, deformidade em badalo, in-
versão polar, testículo não descido, mesórquio
Outro mecanismo de torção é o intravagi-
(OBI et al., 2020), além de torção intermitente
nal, que ocorre além do período perinatal por
prévia (KEAYS & ROSENBERG, 2019).
causa da fixação anormal do testículo e do epi-
dídimo dentro da túnica vaginal. Normal- A maioria dos pacientes descreve o início
mente, a túnica adere no epidídimo e na super- súbito de dor e sensibilidade testicular unilate-
fície posterior do testículo, o que os fixa ao es- ral (LAVALLEE & CASH, 2005; SHARP et
croto e os impede de torcer (FREGONESI & al., 2013), muitas vezes seguida de edema es-
REIS, 2010). crotal. Cerca de 50 % dos pacientes com torção
A torção testicular é uma anomalia resul- queixam-se de náuseas e vômitos, cerca de 25
tante de alterações na implantação da túnica va- % queixam-se de febre. A maioria dos pacien-
ginal ou disjunção do epidídimo. Normalmente, tes não apresenta sintomas de disúria, corri-
o testículo está unido à túnica vaginal e, se a tú- mento peniano, frequência ou urgência com
nica for implantada muito alta, o testículo pode torção (LAVALLEE & CASH, 2005).
apresentar mobilidade excessiva - testículo em A avaliação inicial inclui uma história com-
badalo de sino (Figura 25.2) (FAVORITO et pleta, seguida de um exame detalhado da pele
al., 2004). escrotal, testículos, epidídimo, medula, área
inguinal e abdome (KUMAR et al., 2020). Ao
Figura 25.2 Testículo em balado de sino exame, pode ser visto ausência de reflexo cre-
Fonte: Sharp, 2013
mastérico ipsilateral, posição horizontal ou alta
do testículo afetado e alterações da pele escro-
tal, os quais têm sido considerados sinais predi-
tivos de torção testicular (SHARP et al., 2013;
KUMAR et al., 2020).
Clinicamente, orquiepididimite, edema es-
crotal idiopático, trauma, hérnia encarcerada,
hidrocele aguda, hematocele, varicocele e tu-
O último mecanismo está ligado ao mesór- mores podem mimetizar torção testicular

203 | Página
(LAVALLEE & CASH, 2005; RINGDAHL & ultrassonografia é a ausência de fluxo sanguí-
TEAGUE, 2006; KROGER-JARVIS & neo testicular ou sinal de redemoinho - torção
GILLESPIE, 2016; KEAYS & ROSEN-BERG, do cordão espermático – evidenciado na Figura
2019; KUMAR et al., 2020). 25.3 (KEAYS & ROSENBERG, 2019). A apa-
Os dois fatores mais importantes que exa- rência morfológica do testículo na ultrassono-
cerbam o grau de dano testicular são a duração grafia depende da duração da isquemia paren-
da torção e o grau de torção do cordão espermá- quimatosa. Na fase inicial, geralmente há um
tico (KARAGUZEL et al., 2014). Alguns estu- aumento progressivo de volume e uma hipoe-
dos mostraram que o infarto testicular começa cogenicidade bastante difusa. Mais tarde, sur-
nas duas primeiras horas do início da torção do gem heterogeneidades que são consideradas
cordão espermático, o dano irreversível ocorre como danos irreversíveis do parênquima
após seis horas e o infarto completo se desen- (GUNTHER & RUBBEN, 2012).
volve após 24 horas. Logo, se o diagnóstico de
torção testicular puder ser feito clinicamente, o Figura 25.3 Aspectos ultrassonográficos da
paciente deve ser levado de emergência para torção testicular
exploração cirúrgica (LAVALLEE & CASH,
2005; SHARP et al., 2013).
Para ajudar no diagnóstico clínico, o risco
de torção testicular pode ser avaliado com a
pontuação TWIST (Testicular Workup for
Ischemia and Suspected Torsion). A pontuação Fonte: Sweet, 2020.
é a seguinte: inchaço testicular (2 pontos), tes-
tículo duro (2 pontos), reflexo cremastérico au- A cintilografia testicular com radionuclí-
sente (1 ponto), náuseas e vômitos (1 ponto) e deos com 99 mTc também pode ser realizada,
testículo alto (1 ponto). Uma pontuação de 0 é mas é mais demorada e não está disponível em
preditiva de não torção, e uma pontuação de 6 todas as instituições. As varreduras de nucleo-
ou 7 é altamente preditiva de torção testicular tídeos têm sensibilidade e especificidade de
(KEAYS & ROSENBERG, 2019; SWEET et 98% e 100 %, respectivamente (LAVALLEE &
al., 2020). CASH, 2005; RINGDAHL & TEAGUE,
Os resultados laboratoriais geralmente não 2006).
são úteis no diagnóstico de torção. Se a história A apresentação precoce e a intervenção ci-
e o exame forem ambíguos, a ultrassonografia rúrgica imediata em casos de torção testicular
com Doppler colorido de alta frequência é a es- são importantes para prevenir a perda do testí-
colha de imagem preferida (LAVALLEE & culo (OBI et al., 2021). As taxas de sucesso em
CASH, 2005; KUMAR et al., 2020). A sensibi- pacientes com torção testicular mostraram ser
lidade está entre 86 % e 100 % e a especifici- 90 %, 50 % e menos de 10 % naqueles que pro-
dade é de 97 % a 100 % (LAVALLEE & curam atendimento médico em 6, 12 e 24 horas
CASH, 2005; GUNTHER & RUBBEN, 2012; após o início da dor, respectivamente (NETO et
SHARP et al., 2013; KEAYS & al., 2017; RINGDAHL & TEAGUE, 2006;
ROSENBERG, 2019). SHARP et al., 2013; OBI et al., 2021).
O sinal característico de torção testicular na No entanto, alguns estudos mostraram que
em certas situações, como intermitência, torção

204 | Página
incompleta, distorção espontânea e presença de dopexia bilateral é baseada no fato de que ano-
um cordão espesso, os testículos podem ser pre- malias anatômicas frequentemente existem no
servados apesar da apresentação tardia (OBI et lado contralateral e há risco de torção subse-
al., 2021). quente no testículo contralateral (LAVALLEE
Uma vez confirmado o diagnóstico de & CASH, 2005; RIGNDAHL & TEAGUE,
torção testicular, a rápida restauração do fluxo 2006; KEAYS & ROSENBERG, 2019; OBI et
sanguíneo para o testículo é fundamental. A dis- al., 2021).
torção manual pode proporcionar um trata-
mento rápido e não invasivo. O médico fica aos CONCLUSÃO
pés do paciente em decúbito dorsal e gira o tes-
tículo afetado para longe da linha média, como Considerando-se que a torção testicular é
se estivesse abrindo um livro Embora a uma das principais urgências urológicas des-
distorção bem-sucedida confirme o diagnóstico critas na literatura e que o tempo de início da
de torção testicular e alivie o problema agudo, apresentação clínica, ao diagnóstico correto até
a orquidopexia eletiva ainda é recomendada o manejo médico é um dos fatores primordiais
(LAVALLEE & CASH, 2005; RINGDAHL & para preservação dos testículos, é fundamental
TEAGUE, 2006). a difusão de conhecimentos acerca do tema.
O tratamento recomendado para a torção Contribuindo para a disseminação do conheci-
testicular é a exploração escrotal, a distorção e mento na formação médica acerca dos princi-
a fixação cirúrgica da túnica albugínea de testí- pais sinais e sintomas, formas diagnósticas e
culos viáveis à fáscia dartos bilateralmente intervenções para retorno do fluxo sanguíneo,
(OBI et al., 2021). A recomendação para orqui- trazendo uma melhor qualidade de vida ao pa-
ciente acometido.

205 | Página
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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206 | Página
CAPÍTULO 26
LESÕES URETERAIS:
ABORDAGEM DESSE
DIAGNÓSTICO RARO
Palavras-chave: Ureter; Lesões; Cirurgia

MARLON ALVES DE MESQUITA¹


EDÚ SANTFER BONITO¹
FELIPE AUGUSTO GARCIA AIRES¹
JOÃO CÉSAR CORRÊA TEODORO¹
TIAGO DE SANTANA MELO¹
MATHEUS SILVA ALCÂNTARA¹
EDUARDO MACIEL NARVAES2

1
Discente - Medicina da Universidade Federal de Rondonópolis - UFR
2
Docente - Departamento de Cirurgia e Urologia da Universidade Federal de Rondonópolis - UFR

207 | Página
INTRODUÇÃO pontos importantes, atualizações e lacunas que
permanecem em aberto.
O ureter é um conduto tubular que conecta
a pelve dos rins e a bexiga urinária bilateral- MÉTODO
mente. Este, possui localização retroperitoneal
e um trajeto abdominal, pélvico e intramural. Esta revisão narrativa de literatura foi reali-
Nesse sentido, devido à grande proximidade zada em janeiro de 2022, utilizando, como ba-
com importantes estruturas da pelve e do ab- ses de dados, a Biblioteca Virtual em Saúde
dome, é notória a relação entre tais lesões e epi- (BVS), a LILACS e a PubMed para pesquisa de
sódios de iatrogenia, compondo 75 % das lesões publicações científicas. Foram utilizados os
de ureter, sendo a principal causa de injúrias seguintes descritores: “Ureter”, “Lesões” e “Ci-
neste órgão (GILD et al., 2018). rurgia”, bem como suas variações na língua in-
Entre as etiologias iatrogênicas, os proce- glesa, filtrando somente os trabalhos publica-
dimentos ginecológicos são os mais comuns e dos nos últimos cinco anos (2017 a 2022).
causam entre 52 a 82 % das lesões ureterais, se- Foram encontrados 263 artigos, dos quais,
guidos de cirurgia geral e cirurgia urológica foram incluídos artigos nos idiomas inglês, por-
(DING et al., 2021). Outrossim, apesar de ser tuguês e espanhol que incluíram o texto com-
um evento raro, a lesão ureteral iatrogênica tem pleto e abordavam sobre trauma de ureter e le-
consequências relevantes, as quais levam ao au- sões de ureter. Foram excluídos os artigos repe-
mento da mortalidade pós-operatória, da mor- tidos em diferentes bases de dados, que não
bidade e da permanência hospitalar prolon- apresentavam informações sobre o objetivo
gada, além de elevar os custos de saúde proposto e/ou não se enquadravam nos critérios
(DOUISSARD et al., 2019). acima descrito. Os 33 artigos restantes foram
Ademais, o trauma de ureter também pode utilizados nesta revisão.
ser causado por lesões externas, geralmente de-
correntes de ferimentos penetrantes, dentre RESULTADOS E DISCUSSÃO
eles, destaca-se como agente principal a lesão
por arma de fogo. Logo, em casos de trauma-
Com base na análise dos artigos seleciona-
tismos penetrantes intra-abdominais, deve-se
dos, compreende-se que a lesão ureteral é uma
considerar a possibilidade de lesão ureteral
complicação incomum, mas relevantes nas ci-
(AMBANI et al., 2019).
rurgias abdominopélvicas. A intervenção mais
Dentre as lesões ureterais identificadas, so-
frequentemente associada a essa lesão é a gine-
mente 15 a 30 % são diagnosticadas ainda no
cológica, com cerca de 52 a 82 % dos casos,
intraoperatório. Este fato, contribui para a ele-
dada a proximidade do ureter ao ovário e a arte-
vada morbidade das injúrias ureterais. Desse
ria uterina. A injúria também ocorre frequen-te-
modo, os ureteres sempre devem ser totalmente
mente em cirurgias colorretais e nas ureteros-
avaliados, intraoperatório, durante cirurgias em
copias (TRACEY et al., 2021).
que estiverem suscetíveis a lesões (YELLINEK
Comumente, a injúria por histerectomia
et al., 2018).
ocorre à nível da borda pélvica, próximo aos li-
Nessa perspectiva, o objetivo desse trabalho
gamentos cardinais, antes da inserção desses li-
foi reunir as publicações científicas mais recen-
tes sobre o tema “Trauma de Ureter” e destacar

208 | Página
gamentos na bexiga. Assim, supõe-se que a le- da via e do tipo das lesões ureterais o diagnós-
são ureteral pode suceder no decurso da dis- tico geralmente não é realizado adequadamente
secção dos ligamentos cardinais ou durante o no transoperatório, o que pode resultar em com-
fechamento do manguito vaginal, no decorrer plicações graves a curto e longo prazo.
da Histerectomia Total Laparoscópica
(CHANG et al., 2020). Ademais, a taxa de in- Sinais, sintomas e diagnóstico
cidência, na histerectomia, varia de 0,3 % a O diagnóstico da lesão ureteral pode ser re-
1,8% dos casos e está associada a um risco 4 alizado no intraoperatório, porém, pela dificul-
vezes maior quando a via cirúrgica é laparoscó- dade de identificação, o diagnóstico pós-opera-
pica (BLACKWELL et al., 2018). tório é mais frequente. Desta forma, cerca de
Outra intervenção frequentemente associ- 50-70 % dos casos de IIU não são reconhecidos
ada a lesão ureteral iatrogênica, no inglês Iatro- durante o procedimento primário. Esses casos
genic Ureteral Injuries (IIU), mencionada nos apresentam taxas significativamente mais altas
artigos analisados, é a cirurgia colorretal, tendo de sepse, fístulas urinárias e insuficiência renal,
sua incidência, após esse procedimento, vari- além de uma taxa de mortalidade 40 % maior.
ando de 0,2 a 1,5 %. Nestes casos, os traumas Ademais, mesmo em casos que a lesão é reco-
ureterais estão relacionados, sobretudo, a res- nhecida durante o procedimento inicial e tratada
secção abdominoperineal e do sigmoide. Logo, adequadamente, a IIU tem uma taxa de compli-
o conhecimento dos marcos anatômicos e a dis- cações relacionadas ao ureter de mais de 30 %,
secação meticulosa, no intraoperatório, são fun- sendo a estenose ureteral a mais comum das
damentais para minimizar o risco de injúria. complicações pós reparo (até 80 %). Esta, pode
Nessa perspectiva, como as abordagens lápa- evoluir para hidronefrose grave e em alguns ca-
roscópicas e robóticas tornam-se gradativa- sos necessitar de nefrectomia (DOUISSARD et
mente mais comuns para ressecções colorretais, al., 2019).
técnicas alternativas têm sido utilizadas para a Os sinais e sintomas clínicos da lesão urete-
identificação ureteral, como o uso de stents pro- ral geralmente são inespecíficos. Apesar disso,
filáticos. Contudo, ainda não está claro se essas pacientes que se apresentam, logo após a cirur-
técnicas que auxiliam na identificação do ureter gia, com complicações sugestivas de lesão ure-
tem um real benefício na prevenção do trauma teral demandam maior atenção. Essas compli-
(SHAHAIT et al., 2021). cações podem ser: dor em flanco, hematúria,
Embora a IIU possa ocorrer em qualquer febre, dor abdominal, drenagem incisional ou
segmento do ureter, o terço distal é o local mais vaginal, náusea, êmese, incontinência urinária e
frequente de lesão (91 %) e o terço médio e pro- outros sinais sépticos. Os sinais reveladores que
ximal raramente são afetados (7 % e 2 %, res- chamam atenção para lesões ureterais, após ci-
pectivamente). Os mecanismos mais comuns de rurgias ginecológicas, são essencialmente perda
lesões incluem o trauma direto (transecção, li- urinária e dor lombar. Raramente o acidente é
gadura de sutura, lesão por esmagamento e co- revelado por anúria ou por uma massa pélvica
agulação) ou trauma indireto, que é afetado por (testemunhando um urinoma) ou ainda por
isquemia relativa devido a instrumentos de hematúria. Nesses casos, a perda urinária pela
grandes calibres, desvascularização e lesão tér- vagina é o sinal revelador mais frequente,
mica (GILD et al., 2018). Em conclusão, os ar- seguido pela dor lombar (RIDHA et al., 2018).
tigos discutidos demonstram que independente A radiologia desempenha um papel impor-

209 | Página
tante, tanto no diagnóstico da lesão quanto na experiência do centro (DURMAZ, 2019).
orientação e na realização do tratamento, sendo Contusões menores no ureter podem ser tra-
a pielografia retrógrada o exame padrão-ouro. tadas com observação ou com a inserção de
Os achados radiológicos sugestivos dos trauma- stent ureteral. Grandes lacerações, ressecção ou
tismos de ureter são: coleção de fluidos livres, lesão térmica exigirão anastomose, com fios ab-
urinoma, hematoma, extravasamento de con- sorvíveis a fim de evitar a formação de cálculo
traste, hidronefrose e bloqueio de fluxo ureteral ureteral, com desbridamento do tecido proxi-
(TURGUT et al., 2019). Ademais, a tomografia mal e distal saudável. As lesões de ureter distal,
computadorizada realizada com contraste intra- tem como opções de reparo ureteroureterosto-
venoso e com escapamento tardio permite ava- mia, ureterocistostomia e o reimplante ureteral
liação das injúrias ureterais. A realização de com psoas hitch. As lesões de ureter médio po-
cortes mais tardios é obrigatória para o diagnós- dem ser reparadas por ureterostomia, psoas
tico. hitch ou retalho de Boari. Nas lesões de ureter
A ultrassonografia, por ser um exame não proximal a ureterostomia sem tensão é a opção
invasivo, tornou-se a exploração de primeira li- de preferência, em casos de lesões graves e
nha para lesões ureterais: mostra uma dilatação muito extensas a nefrectomia pode ser conside-
do trato excretor e permite avaliar o índice pa- rada (YELLINEK et al., 2018)
renquimatoso; sendo útil em casos de insufi-
ciência renal, em Urografia Intravenosa (UIV). CONCLUSÃO
Este, demonstrou ser um exame essencial para
estabelecer o diagnóstico positivo de lesões Por mais que o trauma ureteral seja uma
ureterais, pois permite especificar o impacto do condição relativamente rara, a injuria iatrogê-
trauma ureteral no trato urinário superior, ava- nica de ureter deve receber atenção especial,
liar o estado do rim contralateral e especificar a dado que, uma vez que a lesão ocorre, ela pode
sede do trauma ureteral. Por fim, é preciso lem- representar um grande desafio diagonóstico
brar que a maioria das lesões dos ureteres são para os urologistas, ginecologistas e cirurgiões
ocultas e as medidas diagnósticas no pós-ope- gerais. Nota-se que a vulnerabilidade do ureter
ratório imediato nem sempre tornam possível está diretamente relacionada com seu sítio ana-
estabelecer um diagnóstico (por exemplo, por tômico, dado que seu trajeto propicia a proxi-
meio de um dano térmico, uma estenose pode midade com outras estruturas vitais. Desta
se desenvolver em semanas ou vários meses) forma, a lesão de ureter é um risco em diferen-
(VOROBEV et al., 2021). tes localizações anatômicas durante as diferen-
tes fases de procedimentos cirurgicos potencial-
Tratamento mente iatrogênicos.
O tratamento consiste em restaurar a conti- Além disso, o diagnóstico e o tratamento
nuidade ureteral. É importante ressaltar que não das lesões do trato urinário estão em constante
há consenso sobre o melhor método de inter- evolução. Destaca-se que o esclarecimento de
venção para garantir a integridade do ureter. profissionais da área da saúde acerca dos riscos
Sob esse prisma, a escolha dos procedimentos da lesão ureteral é crucial para o diagnóstico e
cirúrgicos depende de fatores que são: o tempo tratamento precoces. Desta forma. estes fatores
de diagnóstico, a etiologia, característica da le- estão diretamente relacionados a um melhor
são, a condição hemodinâmica do paciente e a prognóstico.

210 | Página
Por fim, a partir dos artigos selecionados que a medida preventiva mais eficaz é uma ope-
podemos concluir que o trauma iatrogênico do ração com técnica minuciosa e com um bom co-
ureter continua sendo a causa mais comum de nhecimento anatomico.
lesão ureteral embora permaneça com baixa in-
cidência. Por conseguinte, podemos concluir

211 | Página
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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212 | Página
CAPÍTULO 27
ARTRITE INFECCIOSA NA
EMERGÊNCIA – DO
DIAGNÓSTICO AO TRATAMENTO
Palavras-chave: Monoartrite aguda; Artrite infecciosa; Artrite piogênica;
Infecção osteoarticular

INGRID SAKIMOTO GARCIA¹


BRUNO AMORIM DE SOUZA¹
GABRIELA PENAFORTE DE SOUZA¹
PAULA GOMES LOPES TELLES¹
ANNA LUISA SANTOS BERRIEL¹
EDSON FILIPE HOFFMAN DE BARROS¹
JOÃO HENRIQUE DOS SANTOS RANGEL¹
BRUNO BORDALLO CORRÊA2

1
Discente – Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense
2
Médico – Departamento de Clínica Médica/Emergência, Hospital Universitário Antônio Pedro,
Universidade Federal Fluminense

213 | Página
INTRODUÇÃO idiomas Português, Inglês e Espanhol; publica-
dos no período de 2002 a 2012 e que abordavam
A artrite séptica consiste na infecção bacte- as temáticas propostas para esta pesquisa,
riana ou por outros patógenos como parasitas estudos do tipo ensaio clínico, meta-análise, es-
ou fungos, do espaço articular, que pode levar à tudo clínico randomizado controlado, revisão e
rápida destruição da articulação se não tratada revisão sistemática, disponibilizados na íntegra.
(LONG et al., 2019). Essa condição pode ser Os critérios de exclusão foram: artigos du-
classificada em artrite séptica gonocócica, mais plicados, disponibilizados na forma de resumo,
comum em pacientes jovens e com vida sexu- que não abordavam diretamente a proposta es-
almente ativa, e não gonocócica, mais preva- tudada e que não atendiam aos demais critérios
lente na população idosa. (GARCÍA-DE LA de inclusão, além de estudos experimentais com
TORRE, 2003). animais ou de artrite séptica em animais.
A artrite séptica não gonocócica é causada, Após os critérios de seleção restaram 25 ar-
na maioria das vezes, por espécies de tigos, os quais foram submetidos à leitura mi-
Staphylococcus. Trata-se de uma emergência nuciosa para a coleta de dados. Os resultados
médica que deve ser prontamente identificada e foram apresentados de forma descritiva, dividi-
manejada, visto que o diagnóstico tardio pode dos em categorias temáticas abordando: intro-
levar a disfunção permanente da articulação dução, epidemiologia, agentes etiológicos, fa-
acometida e sepse (HOROWITZ et al., 2011). tores de risco, apresentação clínica, diagnóstico
O objetivo desse capítulo é descrever as ma- e tratamento.
nifestações clínicas da artrite séptica, bem
como seu diagnóstico e tratamento, a fim de ha- RESULTADOS E DISCUSSÃO
bilitar o leitor para rápido reconhecimento e
manejo dessa condição. A artrite séptica é uma emergência médica
de grande importância. Apesar de pouco preva-
MÉTODO lente, sua incidência tem aumentado na última
década (ROSS, 2005).
Trata-se de uma revisão integrativa reali- A rápida identificação da artrite séptica for-
zada no período de janeiro a março de 2022, por nece maiores chances de recuperação e menor
meio de pesquisas nas bases de dados: PubMed, probabilidade de complicações como perda ir-
Scielo e LILACS. Foram utilizados os descri- reversível da função articular e morte
tores: (septic arthritis) OR (infectious arthritis) (HOROWITZ et al., 2011).
NOT ((children) OR (pediatric)) no PubMed,
(ti:(septic arthritis)) OR (ti:(infectious arthri- Epidemiologia
tis)) no SciELO e septic AND arthritis or A incidência da artrite séptica é bastante va-
infectious AND arthritis and not pediatric OR riável e depende da população estudada. Nos úl-
children no LILACS. Desta busca foram encon- timos anos, vem se notando um aumento da in-
trados 273 artigos, sendo 162 do PubMed, 23 cidência nos Estados Unidos (ROSS, 2005). Es-
do SciELO e 88 do LILACS, posteriormente tima-se 4 a 10 casos por 100.000 pessoas na Eu-
submetidos aos critérios de seleção. ropa Ocidental (MATHEWS et al., 2010). A in-
Os critérios de inclusão foram: artigos nos cidência é maior em pacientes com fatores de

214 | Página
risco, como nos portadores de artrite reumató- 21 a 50 % dos casos de artrite séptica sejam cau-
ide, cuja estimativa é de 70 casos por 100.000 sados por MRSA. No Brasil, uma série de casos
pessoas por ano (HASSAN et al., 2017). mostrou que 36 % dos casos de artrite séptica
A ocorrência da artrite séptica também de- foram causados por MRSA, número maior que
pende de outros fatores, como a realização pré- na Europa, onde esse agente causador é menos
via de artroscopia e cirurgias ortopédicas. A in- frequente (ROSS, 2017). As infecções por
cidência após um procedimento de artroscopia MRSA apresentam taxas de mortalidade maior
varia de 0,04 % nos casos em que o exame foi que àquelas causadas por Staphylococcus
realizado no punho a 3,9 % nos casos de artros- aureus sensível à meticilina (MSSA), podendo
copia de tornozelos (VOSS et al., 2021). A pre- levar à inflamação crônica com dano articular
valência de artrite séptica não gonocócica em irreversível, além de amputação e sepse, mesmo
pacientes com artrite monoarticular admitidos após tratamento com procedimentos cirúrgicos
na emergência é de 27 % (CARPENTER et al., e antibióticoterapia prolongada (WANG &
2011). WANG, 2021).
A perda irreversível da função articular O segundo agente mais prevalente depois
ocorre em cerca de 50 % dos pacientes que do S. aureus são as espécies de Streptococcus,
apresentam artrite séptica. Além de alta morbi- principalmente o Streptococcus pyogenes, que
dade, essa entidade apresenta elevada mortali- está frequentemente associado a trauma, do-
dade, que é estimada na literatura entre 10 a 50 enças cutâneas crônicas e doenças autoimunes.
% dos casos (GARCÍA-DE LA TORRE, 2003). (SHIRTLIFT & MADER, 2002; COLAVITE
& SARTORI, 2014).
Agentes etiológicos Os bacilos gram-negativos são agentes eti-
A artrite séptica pode ser causada por uma ológicos menos frequentes, representando ape-
grande variedade de bactérias, a depender das nas 10 a 22 % dos casos. As espécies mais pre-
características do hospedeiro e seus fatores de valentes de bacilos gram-negativos são a Sal-
risco e da virulência da própria bactéria monella sp., a Pseudomonas aeruginosa e a
(SHIRTLIFF & MADER, 2002). Escherichia coli. Pacientes que abusam de dro-
O grupo de microrganismos que mais causa gas intravenosas, nos extremos da idade e imu-
artrite séptica são os cocos gram positivos. O nocomprometidos são mais propensos a desen-
agente etiológico mais comumente encontrado volver artrite séptica causada por bacilos gram-
nas culturas de líquido sinovial são as espécies negativos. (ORNELLAS-AGUIRRE, 2016;
de Staphylococcus, sendo o Staphylococcus au- SHIRTLIFT & MADER, 2002).
reus, o mais prevalente, representando 37 a 52 A Neisseria gonorrhoeae é o agente etioló-
% de todos os casos de artrite séptica. A preva- gico da artrite séptica gonocócica, sendo a mais
lência do S. aureus é ainda mais importante em prevalente artrite infecciosa nos Estados Uni-
pacientes com artrite reumatóide e diabetes dos. As taxas de incidência de gonorreia vêm
(TARKOWSKI, 2006; COLAVITE & SAR- aumentando, especialmente entre homens que
TORI, 2014; ROSS, 2017). fazem sexo com homens, o que pode explicar o
Um agente que vem se mostrando cada vez aumento nas taxas de infecção disseminada e
mais prevalente na artrite séptica é o artrite séptica gonocócica (SHIRTLIFT &
Staphylococcus aureus resistente à meticilina MADER, 2002).
(MRSA). Nos Estados Unidos, estima-se que Outros agentes, mais raros, incluem

215 | Página
Streptococcus agalactiae, Streptococcus Apresentação clínica
pneumoniae, Proteus mirabilis, Klebsiella, Classicamente, o paciente com artrite sép-
Enterobacter, Haemophilus influenzae e tica apresenta uma articulação dolorosa com ru-
Neisseria meningitidis. (TARKOWSKI, 2006; bor, calor, edema e limitação do movimento
ORNELLAS-AGUIRRE, 2016). (Figura 27.1). Febre está presente em 90 % dos
pacientes, sendo alta em até 37 % dos casos.
Fatores de risco Como existem diversos diagnósticos diferenci-
Os fatores de risco envolvidos no desen- ais para casos de monoartrite aguda como celu-
volvimento de artrite séptica podem ser de ori- lite, necrose avascular, artrite reumatoide, ar-
gem sistêmica ou local. Esses fatores agem au- trites por depósito de cristais, entre outros, e
mentando o risco de bacteremia ou diminuindo uma grande variedade de agentes etiológicos, a
a capacidade do sistema imune eliminar os pa- história clínica, fatores de risco devem ser
tógenos da articulação (GARCÍA DE LA observados, sendo a artrocentese e a análise do
TORRE, 2003). líquido sinovial um exame indispensável.
Os fatores sistêmicos incluem idade (ROSS, 2005; LONG et al., 2019).
avançada - usualmente acima de 60 anos -, sexo
masculino, história de bacteremia recente, dia- Figura 27.1 Apresentação típica da artrite sép-
tica no punho
betes, cirrose, doença renal crônica, alcoolismo,
abuso de drogas ilícitas intravenosas, infecção
pelo vírus HIV, malignidade, procedimentos
dentários ou tatuagens recentes. (BALATO et
al., 2017; ELSISSY et al., 2020; SAHA et al.,
2021).
Fatores locais também podem estar envol-
vidos, como as artropatias, sendo a artrite reu-
matoide a mais frequentemente associada ao
desenvolvimento da artrite séptica. A arquite-
tura anormal da articulação é a principal Legenda: Edema, eritema e dor sem trauma antecedente
condição predisponente para artrite séptica em estão presentes. Fonte: Jennings & Ilyas, 2018.
pacientes que apresentam gota, artrite reuma-
As características do líquido sinovial, como
tóide, artropatia de Charcot, entre outras. Esse
o aspecto macroscópico, a celularidade e a pes-
maior risco em pacientes com artrite reuma-
quisa de cristais, bem como a coloração pelo
tóide pode ser explicado pela menor atividade
método de gram são usados para avaliar a pro-
bactericida do líquido sinovial e pelo defeito na
babilidade de artrite séptica mesmo antes do re-
fagocitose por parte de polimorfonucleares
sultado das culturas do líquido (MARGA-
(SHARFF et al., 2013). Outros fatores locais
RETTEN et al., 2007).
podem predispor ao maior risco de artrite sép-
A articulação mais acometida pela artrite
tica, como cirurgias recentes na articulação,
séptica é o joelho, representando 45 % dos ca-
próteses articulares e injeções intra-articulares
sos, seguido de outras grandes articulações
de corticosteroides (MARGARETTEN et al.,
como quadril (15 %), tornozelo (9 %), cotovelo
2007; BALATO et al., 2017; HELITO et al.,
(8 %), punho (6 %) e ombro (6 %) (ROSS,
2014).
2005).
216 | Página
Já na artrite gonocócica, os sintomas mais mento de marcadores inflamatórios, como ve-
comuns são poliartrite migratória e assimé- locidade de hemossedimentação (VHS) e prote-
trica, com acometimento de, em média, quatro ína C-reativa (PCR). A análise do líquido sino-
articulações, tenossinovite e febre. Além disso, vial costuma revelar contagens de leucócitos
costumam aparecer pústulas (usualmente de 2 a superiores a 50.000 (MATHEWS et al., 2010;
10), principalmente nos membros e tronco. CHAN et al., 2020; JENNINGS & ILYAS,
Sendo a tríade de artrite, dermatite e tenossino- 2018).
vite clássica da doença. (GARCÍA-DE LA Os marcadores inflamatórios, especial-
TORRE, 2003; ROSS, 2005). mente o VHS, são muito utilizados no diagnós-
Os sintomas em pacientes imunocompro- tico de infecções, mas seu papel na artrite sép-
metidos podem ser discretos e inespecíficos. tica é controverso, visto que em pacientes que
Além disso, a contagem de leucócitos e o per- possuem condições reumatológicas ou hemato-
centual de neutrófilos podem ser mais baixos do lógicas de base, já possuem o VHS aumentado,
que o esperado para pacientes imunocompe- limitando o uso desse marcador (JENNINGS &
tentes e os marcadores de infecção séricos po- ILYAS, 2018).
dem não estar alterados. Por isso, esse grupo A PCR também é um marcador inflamatório
deve receber atenção especial na investigação, pouco específico, mas em pacientes com artrite
e sinais e sintomas menos expressivos devem séptica seus valores são frequentemente
ser levados em consideração (WANG & elevados. Importante salientar que valores nor-
TAMBYAH, 2015). mais de PCR e VHS não excluem o diagnóstico
de artrite séptica (WANG & TAMBYAH,
Diagnóstico 2015; CHAN et al., 2020).
O diagnóstico é essencialmente clínico, de- A hemocultura deve ser realizada antes de
pendendo da integração de informações cole- se iniciar a antibioticoterapia para aumentar as
tadas na história e exame físico. No entanto, a chances de se encontrar o agente etiológico,
investigação laboratorial e por imagem podem permitindo descalonamento da terapia antimi-
auxiliar no diagnóstico (WANG & TAM- crobiana quando possível (CHAN et al., 2020).
BYAH, 2015). Sempre que possível deve ser Na maioria dos casos, a artrite séptica se de-
realizada a coleta do líquido sinovial para cul- senvolve a partir de uma disseminação hemato-
tura, bem como deve ser realizada a lavagem gênica do agente etiológico, por isso a hemo-
articular, seja por artrocenteses seriadas, ar- cultura pode ser útil para indicar um tratamento
troscopia ou mesmo lavagem mecânico cirúr- naqueles pacientes em que a cultura do líquido
gica. O diagnóstico deve ser realizado o mais sinovial é negativa (MATHEWS et al., 2010;
rápido possível, visando minimizar a mortali- CHAN et al., 2020).
dade e o risco de lesão irreversível da articu- Os níveis de procalcitonina parecem de-
lação acometida. sempenhar um papel importante no diagnóstico
de artrite séptica. Isso porque a mensuração
Investigação laboratorial desses níveis é capaz de diferenciar a artrite
Dentre os achados laboratoriais destacam- séptica de outros tipos de artrite aguda
se leucocitose neutrofílica (porém trata-se de (MATHEWS et al., 2010).
parâmetro pouco sensível e específico) e au- Com a análise do líquido sinovial podemos
extrair informações valiosas para o diagnóstico.

217 | Página
Um líquido turvo com diminuição da viscosi- agente etiológico por meio de cultura é a possi-
dade é um forte indicativo de infecção. O lí- bilidade de realização do teste de sensibilidade
quido sinovial normal tem consistência viscosa a antibióticos (WANG & TAMBYAH, 2015).
semelhante a clara de ovo, quando a contagem Uma alternativa à cultura são os métodos
de leucócitos está elevada, a liberação de pro- moleculares como o RT-PCR, que vem sendo
teases acaba por reduzir a viscosidade do lí- utilizado para detectar artrites gonocócicas e
quido, tornando-o mais fluido (SHIRTLIFF & pneumocócicas com boa sensibilidade e especi-
MADER, 2002). ficidade (WANG & TAMBYAH, 2015;
A contagem de leucócitos aumentada, SHIRTLIFF & MADER, 2002).
acima de 50.000, com um percentual de apro-
ximadamente 90% de polimorfonucleares, pos- Diagnóstico por imagem
sui um elevado valor preditivo positivo antes do Os exames de imagem, como radiografia,
resultado da cultura. Níveis diminuídos de gli- ultrassonografia (USG), tomografia computa-
cose e altos níveis de lactato são sinais inespe- dorizada (TC) e ressonância magnética (RM),
cíficos de artrite séptica já níveis normais forta- são úteis para visualizar a extensão da infla-
lecem a hipótese de artrite viral (GARCÍA-DE mação e da destruição tecidual, além de servir
LA TORRE, 2003). para o estudo das estruturas ósseas e tecidos
Outro fator importante na investigação é a moles antes da aspiração do líquido sinovial.
pesquisa de cristais na amostra, utilizando mi- No entanto, não são servem para diferenciar a
croscópio com luz polarizada, para que sejam artrite séptica de outras formas de artrite aguda
identificados cristais de urato monossódico, (MATHEWS et al., 2010; CHAN et al., 2020).
pirofosfato de cálcio, fosfato básico de cálcio Usualmente, o primeiro exame de imagem
ou hidroxiapatita. No entanto, a presença de a ser solicitado é a radiografia convencional,
cristais não impede que haja infecção bacteri- por ser de fácil acesso e baixo custo. Ela per-
ana concomitantemente, portanto, não exclui mite a avaliação da progressão da doença, bem
artrite séptica (GARCÍA-DE LA TORRE, como da resposta terapêutica. Apesar disso, a
2003). radiografia simples é pouco sensível nos está-
A cultura do líquido sinovial é considerada gios iniciais da doença, sendo assim, uma radi-
o padrão ouro no diagnóstico da artrite séptica, ografia normal não exclui o diagnóstico. Os
positiva em 90 % dos casos de artrite séptica primeiros achados incluem derrame e edema de
não gonocócica. Para que sejam evitados resul- tecidos moles vistos na radiografia convencio-
tados falso-positivos, a coleta deve ser feita de nal. Esses são achados subjetivos, por isso a
maneira estéril e deve ser inoculado imediata- comparação com a articulação contralateral ou
mente em frasco de cultura. A fim de aumentar adjacente pode ser útil (LEARCH, 2003).
a sensibilidade da cultura, a artrocentese diag- A USG, TC e RM podem ser úteis para ava-
nóstica deve ser realizada preferencialmente liar as alterações dos tecidos moles circundan-
antes do início da antibioticoterapia. Além tes. Especialmente a USG pode ser utilizado
disso, vale ressaltar que alguns microrganis- para localizar o fluido sinovial e permitir a ar-
mos, como Neisseria gonorrhoeae, micobacté- trocentese guiada (LEARCH, 2003).
rias e fungos, precisam de meios seletivos para Conforme a inflamação progride, é possí-
crescer. Uma das vantagens do isolamento do vel observar erosões marginais nas áreas nuas
da articulação (Figura 27.2). Na TC, na RM e

218 | Página
no USG é possível ver essas erosões mais pre- (MATHEWS et al., 2008).
cocemente (LEARCH, 2003). Caso a bacterioscopia do líquido sinovial
apresente cocos GRAM positivos, o trata-
Figura 27.2 Radiografia do ombro direito em mento empírico pode ser feito com cefazolina
AP ou oxacilina para infecções adquiridas na co-
munidade. Contudo, caso haja fatores de risco
para infecção por MRSA, como realização de
hemodiálise, diabetes, hospitalização recente,
encarceramento ou institucionalização, o trata-
mento deve ser iniciado com vancomicina.
(GARCÍA-DE LA TORRE, 2003; SHARFF et
al., 2013).
Para pacientes com monoartrite aguda, vida
sexual ativa e alto risco de contaminação por in-
Legenda: A seta mostra a erosão causada por artrite sép- fecções sexualmente transmissíveis (ISTs),
tica da articulação glenoumeral. Fonte: Learch, 2003.
apresentando bactérias GRAM negati-vas, deve
Tratamento ser utilizado ceftriaxone com azitromicina ou
Quando há suspeita de artrite séptica, a an- doxiciclina empiricamente devido à grande sus-
tibioticoterapia deve ser iniciada o mais rápido peita de artrite gonocócica e a possibilidade de
possível. Amostras do líquido sinovial da arti- coinfecção por Chlamydia. (SHARFF et al.,
culação afetada e de sangue do paciente devem 2013; ELSISSY et al., 2020).
ser colhidas para cultura, desde que não atrase Pacientes imunossuprimidos ou usuários de
o início da administração do antibiótico empí- drogas injetáveis devem ser inicialmente trata-
rico (ELSISSY et al., 2020). dos com vancomicina mais um cefalosporina de
Devido ao grande potencial de destruição terceira geração, como ceftriaxona ou cefta-
articular, é indicado o uso de uma combinação zidima (HASSAN et al., 2017).
de drogas como uma cefalosporina de 3ª ge- A antibioticoterapia deve ser sempre re-
ração com ação antipseudomonas como cefta- vista após o resultado da cultura, podendo ser
zidime e um agente com ação para MRSA como necessária a mudança para uma droga mais efi-
a vancomicina. Esse esquema deve ser reali- caz no tratamento para o microorganismo espe-
zado em casos mais críticos e com grandes ris- cífico ou mesmo descalonamento de cobertura
cos de sequela. A Tabela 27.1 mostra o es- (LONG et al., 2019).
quema de antibioticoterapia empírica (LONG et Além do tratamento farmacológico, a dre-
al., 2019). nagem diária com agulha possui diversas van-
O tratamento inicial deve levar em consi- tagens para pacientes sem indicação cirúrgica
deração a coloração de GRAM da bacteriosco- ou alto risco para anestesia e que respondem
pia do líquido sinovial, fatores de risco e fatores bem a antibioticoterapia (HASSAN et al.,
de resistência microbiana encontrados na região 2017).

219 | Página
Tabela 27.1 Tratamento empírico da artrite séptica

Bacterioscopia e coloração de GRAM Antibiótico empírico


Cocos GRAM positivo Vancomicina 15-20mg/kg EV q 8h
Diplococos GRAM negativo Ceftriaxona 1g EV q 24h + Azitromicina 1g VO
Ceftazidime 2g IV q8h OU piperacilina tazobactam 4,5g IV q
Bastões GRAM negativo
6h
Fonte: Adaptado de Sharff et al., 2013.

A artrocentese pode ser feita à beira do leito que sejam coletadas diversas amostras de tecido
e utilizada para acompanhar a evolução da do- para análise microbiológica, incluindo cultura
ença por meio da contagem de células brancas para aeróbios e anaeróbios (HASSAN et al.,
e cultura. A drenagem diária ajuda a diminuir a 2004).
dor, edema, febre e contagem de leucócitos
tanto do líquido sinovial quanto sistêmica. A CONCLUSÃO
maior desvantagem dessa técnica é não ser ca-
paz de debridar de maneira eficiente algumas Conforme evidenciado neste capítulo, além
articulações, como o quadril, por ser de difícil de anamnese e exame físico em busca de fatores
acesso (HASSAN et al., 2017). de risco e sinais e sintomas que sugiram alguma
Caso a artrocentese não seja possível ou efi- etiologia auxiliando na escolha do tratamento
caz, com piora do quadro clínico, pode ser ne- empírico, a artrocentese diagnóstica com aná-
cessária uma artroscopia ou um artrotomia. lise do líquido sinovial e cultura são essenciais
Esses procedimentos são mais comuns na arti- para o manejo do quadro.
culação do joelho, quadril e ombros pois possi- Conclui-se, portanto, que a artrite séptica é
bilitam uma melhor visualização e fácil acesso uma emergência médica, causada por diversos
a irrigação. Por serem mais invasivos, permi- agentes etiológicos, com necessidade de identi-
tem um melhor debridamento da articulação, ficação e tratamento precoce. O rápido reconhe-
principalmente quando a demora em iniciar o cimento dos sintomas e intervenção assertiva
tratamento acarreta destruição óssea e cartilagi- são essenciais para diminuir a mortalidade e
nosa, sendo necessária a retirada de tecido ne- morbidade desta doença.
crótico. Além disso, essas técnicas permitem

220 | Página
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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221 | Página
CAPÍTULO 28
HIPERCALCEMIA NA
EMERGÊNCIA: DO DIAGNÓSTICO
AO TRATAMENTO
Palavras-chave: Hipercalcemia; Paratireoide; Malignidade

GIOVANNA DA SILVA GUIMARÃES ¹


ISABELLA GOMES CARVALHO DE SOUZA¹
GIOVANNA APARECIDA BALARINI LIMA2

1
Discente - Medicina da Universidade Federal Fluminense
2
Docente – Departamento de Medicina Clínica da Universidade Federal Fluminense

222 | Página
INTRODUÇÃO para o paciente comatoso. A base para o manejo
de emergência é a hidratação vigorosa com flu-
A hipercalcemia é um distúrbio metabólico idos intravenosos. Contudo, nos casos de hiper-
comumente encontrado nas emergências e é calcemia grave, os bisfosfonatos são usados
responsável por cerca de 0,6 % das internações como adjuvantes por promoverem a inibição da
hospitalares, configurando uma frequente ques- reabsorção óssea (MAIER & LEVINE, 2015)
tão na assistência à saúde. A maioria dos paci- Assim, o objetivo deste estudo é abordar os
entes apresenta hipercalcemia leve a moderada aspectos clínicos e o manejo da hipercalcemia
e não necessitará de internação. No entanto, a na emergência, desde o diagnóstico ao trata-
hipercalcemia grave necessita ser rapidamente mento.
reconhecida e tratada para diminuir o risco de
disfunção de órgãos e mortalidade (CARRICK MÉTODO
& COSTNER, 2018).
As principais causas de hipercalcemia são o Este capítulo consiste em uma revisão bibli-
hiperparatireoidismo primário e a hipercalce- ográfica realizada no mês de fevereiro de 2022,
mia da malignidade, somando mais de 90 % dos a partir da busca de artigos na base de dados
casos. Causas menos comuns de hipercalcemia Public/Publisher MEDLINE (PubMed).
são: medicamentosas (ex: tiazídicos, vitamina De acordo com o objetivo deste capítulo, fo-
A ou D, suplementos de cálcio, lítio), doenças ram utilizados os descritores "hypercalcemia" e
granulomatosas (ex: sarcoidose, tuberculose), "emergency". Para a busca nas bases de dados
tireotoxicose, imobilização, hipercalcemia hi- adotou-se a seguinte estratégia: (hypercalce-
pocalciúrica familiar e doença de Addison mia) AND (emergency). Os critérios de inclu-
(CARRICK & COSTNER, 2018). são na amostra foram: estudos primários e se-
Os pacientes podem apresentar um espectro cundários indexados na base digital PubMed
de sintomas que variam de assintomáticos a com o texto disponibilizado online; idiomas
quadros graves com confusão mental e coma. O português, inglês e espanhol; publicações reali-
grau de hipercalcemia correlaciona-se com a zadas no período entre 2002 e 2022; idade
gravidade dos sintomas e os níveis de cálcio são adulta (a partir de 19 anos) e artigos que abor-
usados para classificar a hipercalcemia como dassem a hipercalcemia, a fisiopatologia e o
leve, moderada ou grave. Uma vez identifica- manejo da hipercalcemia na emergência. Já os
dos níveis séricos elevados de cálcio, é neces- critérios de exclusão foram: artigos que não
sário confirmar se a hipercalcemia é verdadeira, abordassem diretamente a temática proposta;
pois pode ser alterada pelos níveis séricos de relatos de caso e ensaios clínicos.
albumina e pH. Exames como dosagem de Após a aplicação dos critérios de elegibili-
paratormônio (PTH) e níveis séricos de fósforo dade, totalizaram 10 produções. A partir disso,
são indispensáveis para a investigação diagnós- foram selecionados, pela leitura completa dos
tica (CARRICK & COSTNER, 2018). textos, aqueles que estavam em conformidade
O tratamento varia de acordo com a gravi- com os critérios de inclusão e exclusão. Ao fi-
dade da hipercalcemia, podendo exigir apenas nal dessa análise, 7 artigos foram escolhidos
investigação ambulatorial para hipercalcemia para esta revisão. Utilizando suas referências
assintomática até internação em Unidade de Te- como base, foram adicionados outros 10 artigos
rapia Intensiva com abordagem especializada para a discussão do tema. No total, 17 artigos

223 | Página
foram incluídos na realização deste trabalho, os rada pela glândula tireoide, diminui tanto o cál-
quais foram submetidos à leitura minuciosa cio quanto o fosfato.
para a coleta de dados. Os resultados foram
apresentados em quadros, figuras e de forma Figura 28.1 Esquema do metabolismo do cál-
descritiva, divididos em categorias temáticas cio
abordando: metabolismo do cálcio; epide-
miologia e etiologia; manifestações clínicas; di-
agnóstico e abordagem da hipercalcemia. Além
disso, utilizou-se os seguintes livros como refe-
ren-cial teórico: “Primer on the Metabolic Bone
Diseases and Disorders of Mineral Meta-
bolism” e “Williams Textbook of Endocri-no-
logy”.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Metabolismo do cálcio
O conhecimento acerca dos mecanismos fi-
Fisiologia da Homeostase do cálcio
siológicos envolvidos na manutenção da nor-
Cerca de 99 % do cálcio corporal total en-
mocalcemia e da fisiopatologia da hipercalce-
contra-se armazenado no tecido ósseo, o qual
mia é essencial para fazer um diagnóstico
fornece, além do suporte às estruturas do corpo,
oportuno e instituir prontamente o tratamento
uma reserva de cálcio que pode ser mobilizada
de acordo com a gravidade e com a etiologia da
e intercambiada com os demais tecidos. Apesar
hipercalcemia (MAIER & LEVINE, 2015).
de somente uma pequena fração do cálcio estar
Dessa forma, a Figura 28.1 apresenta de
presente nos fluidos intra e extracelulares, a ma-
maneira resumida a manutenção da normocal-
nutenção da concentração fisiológica normal
cemia. A vitamina D estimula a reabsorção ós-
desse íon fora do tecido esquelético é essencial
sea e a absorção de cálcio do intestino delgado.
para o funcionamento adequado do organismo.
O paratormônio (PTH) estimula indiretamente
Nesse sentido, o cálcio é indispensável para a
a absorção de cálcio através do intestino del-
realização de diversas funções, como propaga-
gado por meio de seu efeito no metabolismo da
ção de potenciais de ação, contração muscular,
vitamina D. O PTH também aumenta a
transporte de neurotransmissores e hormônios,
reabsorção óssea, estimula a reabsorção tubular
ativação de fatores de coagulação, além de re-
distal de cálcio e inibe a reabsorção tubular
gular inúmeras enzimas dependentes de cálcio
proximal e distal de fósforo. A calcitonina inibe
(MAIER & LEVINE, 2015).
a reabsorção óssea, sendo o transporte de sódio
O balanço do cálcio corporal deve se adap-
responsável pela maior parte da reabsorção de
tar a alterações causadas pelo crescimento, ges-
cálcio no túbulo proximal. Como resultado,
tação, lactação, menopausa e envelhecimento.
tanto o PTH quanto a vitamina D aumentam os
Os principais componentes que determinam as
níveis de cálcio e diminuem os níveis de fos-
concentrações plasmáticas de cálcio são a in-
fato. Por outro lado, a calcitonina, que é libe-

224 | Página
gestão alimentar, absorção intestinal, arma- lham. Isso pode ocorrer devido a diversos fato-
zenamento e reabsorção óssea, excreção uriná- res, tais como aumento da produção e secreção
ria e o balanço entre a forma livre e ligada do de PTH pelas glândulas paratireoides, maligni-
cátion (MELMED et al., 2019). dade associada à secreção da proteína relacio-
O intestino, os ossos e os rins atuam de nada ao PTH (PTHrP, do inglês PTH related
forma conjunta para manter a homeostase do protein), PTH, 1,25(OH)2D ou outros media-
cálcio, por meio dos efeitos gerados pela 1,25- dores. Pode ocorrer, também, hipercalcemia
diidroxivitamina D (1,25(OH)2D), pelo PTH e mediada por vitamina D sem haver associação
pelo fator de crescimento fibroblasto (FGF23, com neoplasia. Outras causas menos comuns
do inglês fibroblast growth fator 23). Outros fa- desse distúrbio metabólico são atividade au-
tores envolvidos nessa regulação são os hormô- mentada do PTH e/ou PTHrP na ausência de au-
nios esteroides sexuais, glicocorticoides, hor- mento de PTH/PTHrP circulante, anormalida-
mônios de crescimento e tireoidianos, assim des endócrinas, como tireotoxicose, anorma-
como mudanças no balanço iônico, níveis de al- lidades iônicas, como intoxicação por alumínio,
bumina e pH do sangue. Cabe ressaltar que ou uso de certos medicamentos ou vitaminas,
aproximadamente 45 % do cálcio transportado como vitamina A (GOLTZMAN, 2021).
está ligado a proteínas plasmáticas, principal- A PTHrP é produzida por certos tipos de cé-
mente à albumina; cerca de 10 % formam com- lulas cancerígenas, como aquelas relacionadas
plexo com outros íons, tais como fosfato, bicar- a câncer renal, câncer de ovário, câncer de en-
bonato e citrato; e os demais 45 % são transpor- dométrio, linfoma associado ao vírus da leuce-
tados na sua forma livre e, portanto, ativa mia/linfoma de células T humanas tipo 1, cân-
(GOLTZMAN, 2021; MATIKAINEN et al., cer de mama e, mais comumente, câncer de cé-
2021). lulas escamosas da cabeça e pescoço, esôfago,
O aumento na concentração de íons como colo do útero ou pulmão. No entanto, qualquer
fosfato, bicarbonato e citrato é responsável pela tumor pode causar a condição conhecida como
diminuição da fração de cálcio livre, uma vez hipercalcemia da malignidade. O PTHrP liga-se
que eles atuam como quelantes do cálcio. De ao receptor do PTH e mimetiza os efeitos bio-
modo semelhante, o aumento do pH sérico re- lógicos do PTH nos ossos e nos rins, causando
duz a concentração de cálcio livre por aumentar aumento da reabsorção óssea e aumento da re-
a afinidade da albumina pelo íon. Em contrapo- tenção renal de cálcio (ALFARAJ et al., 2018).
sição, a acidose aumenta a fração de cálcio livre Quanto aos distúrbios genéticos, mutações
por diminuir a afinidade da albumina ao cátion, inativadoras do receptor sensível ao cálcio le-
além de atuar estimulando a excreção urinária vam tanto à hipercalcemia quanto à hipocalci-
de cálcio e a atividade osteoclástica, garantindo úria, sendo essa a base genética do distúrbio au-
maior reabsorção óssea para manter os níveis de tossômico dominante conhecido como hiper-
cálcio circulantes (MATI-KAINEN et al., calcemia hipocalciúrica familiar (VARGHESE
2021). et al. 2011).

Fisiopatologia da hipercalcemia Epidemiologia e etiologia


A hipercalcemia ocorre quando os proces- A hipercalcemia é um distúrbio comum na
sos reguladores da homeostase do cálcio fa- população em geral, ocorrendo em 1 a cada

225 | Página
1000 pacientes, sendo a malignidade responsá- útero) e adenocarcinomas de mama, rim,
vel por 20 a 30 % dos casos. A hipercalcemia próstata e bexiga. Já a hipercalcemia devido à
constitui aproximadamente 0,6 % das admis- osteólise local responde por cerca de 20 % dos
sões hospitalares, o que demonstra a sua rele- casos de HAM e é mais comumente observada
vância clínica (CARRICK & COSTNER, em mieloma múltiplo, câncer de mama e
2018). neoplasias hematológicas (leucemia e linfoma).
O hiperparatireoidismo primário é consi- Ademais, a superprodução de calcitriol res-
derado a principal causa de hipercalcemia, afe- ponde por cerca de 1 % dos casos de HAM e re-
tando, predominantemente, a população idosa presenta o mecanismo chave no desenvolvi-
(≥65 anos) e mulheres em uma proporção duas mento de hipercalcemia associada a algumas
a três vezes maior em relação aos homens. Esse formas de malignidade e a doenças granuloma-
distúrbio endócrino é relativamente comum, tosas. Esse mecanismo pode ser explicado pela
ocorrendo em uma frequência de 1 a 7 casos a superexpressão da 1-α-hidroxilase pelas células
cada 1000 adultos. Outras causas relacionadas malignas e granulomas, o que gera aumento da
são a malignidade, endocrinopatias (tireotoxi- conversão do calcidiol na forma ativa da
cose, doença de Addison, feocromocitoma), do- vitamina D, o calcitriol, levando a uma maior
enças granulomatosas (ex: sarcoidose, tuber- absorção intestinal de cálcio, hipercalciúria e
culose), imobilização e medicamentos (ex: hipercalcemia. Por fim, o hiperparatireoidismo
diuréticos tiazídicos, lítio e, raramente, intoxi- ectópico autêntico é uma causa rara de hipercal-
cação por vitamina D ou suplementação de cál- cemia, com poucos casos descritos na literatura
cio) (MINISOLA et al., 2015). É importante (HU, 2021).
destacar que o hiperparatireoidismo primário e Os diuréticos tiazídicos, por sua vez, são co-
a hipercalcemia da malignidade somam mais de mumente prescritos e podem aumentar a reab-
90 % dos casos de hipercalcemia (ALFARAJ et sorção renal de cálcio, resultando em hipocalci-
al., 2018). úria e, eventualmente, níveis séricos elevados
Em pacientes ambulatoriais, o hiperparati- de cálcio. Até 8 % das pessoas desenvolvem hi-
reoidismo primário é responsável pela grande percalcemia enquanto tomam tiazídicos
maioria dos quadros de hipercalcemia. A hiper- (WERMERS et al., 2007).
calcemia associada à malignidade (HAM) Quanto aos distúrbios endócrinos, a hiper-
ocorre em um quarto dos pacientes com câncer calcemia é relativamente comum em pessoas
e compreende mais de um terço dos casos de com hipertireoidismo e provavelmente está re-
hipercalcemia que chegam ao departamento de lacionada ao aumento da reabsorção óssea esti-
emergência (ALFARAJ et al., 2018). mulada por um excesso de hormônios tireoidi-
A HAM é a síndrome paraneoplásica mais anos. Em alguns feocromocitomas, há secreção
comum no paciente com câncer e está associada de PTHrP ou estímulo direto da reabsorção ós-
a dois mecanismos principais: a secreção da sea. A hipercalcemia não é um achado comum
PTHrP pelo tumor e a osteólise local mediada na crise Addisoniana, mas pode ocorrer quando
por citocinas. A hipercalcemia, devido à se- existe um distúrbio subjacente, como tubercu-
creção de PTHrp pelo tumor, responde por 80% lose. A redução do volume de fluido extracelu-
dos casos da HAM e está tipicamente associada lar associada à hiperalbuminemia relativa pode
com câncer de origem em células escamosas levar à hipercalcemia factícia (HORWITZ et
(ex: pulmão, cabeça e pescoço, esôfago, colo de al., 2013).

226 | Página
A hipercalcemia por imobilização surge da tes com hiperparatireoidismo primário. Sinto-
supressão da formação óssea e aumento da re- mas mais graves, incluindo letargia, confusão,
absorção óssea, com consequente perda de cál- estupor e coma podem ocorrer em pacientes
cio do esqueleto e hipercalcemia. A hipercalce- com hipercalcemia grave (cálcio > 14 mg/dL)
mia por imobilização é geralmente observada de qualquer causa. Esses sintomas são mais pro-
quando há uma causa concomitante de alta re- váveis de ocorrer em indivíduos mais idosos e
modelação óssea, como em pessoas mais jo- naqueles com aumento agudo dos níveis de
vens. No entanto, a hipercalcemia pode se de- cálcio (INZUCCHI, 2004).
senvolver em casos de imobilização prolon-
gada por diferentes causas, como doença de Quadro 28.1 Causas - diagnóstico diferencial
Parkinson ou cuidados intensivos prolongados da hipercalcemia
para grandes queimaduras (MINISOLA et al.,
2015). Causas Principais exemplos
O Quadro 28.1 demonstra as principais Hiperparatireoidismo primá-
rio (adenoma, hiperplasia ou
causas de hipercalcemia. carcinoma)
Relacionadas ao
Hiperparatireoidismo terciá-
PTH
Manifestações Clínicas rio
Hipercalcemia hipocalciúrica
Os pacientes podem apresentar um espectro familiar
de sintomas que variam de assintomáticos a Hipercalcemia da maligni-
quadros graves com confusão mental e coma. O dade mediada por PTHrp
(cânceres escamosos de pul-
grau de hipercalcemia correlaciona-se com a mão, cabeça e pescoço, esô-
gravidade dos sintomas e os níveis de cálcio são Malignidade fago, colo de útero e adeno-
carcinomas de mama, rim,
usados para classificar a hipercalcemia como
próstata e bexiga)
leve, moderada ou grave (HU, 2021; INZUC- Osteólise local (mieloma
CHI, 2004). múltiplo, metástases ósseas)
Doenças granulomatosas
Em pacientes que apresentam hipercalce- Relacionada à Vi-
(sarcoidose, tuberculose, lin-
mia leve (10,5 a 11,9 mg/dL) a moderada (12,0 tamina D
foma)
a 13,9 mg/dL), os sintomas costumam ser: Vitamina A, diuréticos tiazí-
Medicamentosas dicos, lítio, intoxicação por
constipação, náuseas e vômitos, anorexia, poli- vitamina D
úria e polidipsia. A hipercalcemia grave (>14,0 Tireotoxicose, crise Addiso-
mg/dL) causa sintomas mais angustiantes, in- Miscelânea niana, imobilização, doença
de Paget
cluindo confusão, coma, sintomas neurológicos Legenda: PTH: paratormônio, PTHrp: proteína relaci-
e, às vezes, arritmias cardíacas letais. O Qua- onada ao PTH. Fonte: Adaptado de Alfaraj., 2018.
dro 28.2 demonstra os sinais e sintomas de
acordo com a gravidade da hipercalcemia Com relação ao comprometimento renal, os
(SKOCH & SINCLAIR, 2020). sintomas mais comuns são a poliúria e a poli-
Os distúrbios neuropsiquiátricos, como an- dipsia, decorrentes de um diabetes insípido ne-
siedade, depressão e disfunção cognitiva são os frogênico, e a nefrolitíase, decorrente da hiper-
sintomas mais comuns e têm sido associados à calciúria. Outros efeitos renais incluem desidra-
hipercalcemia leve, principalmente em pacien- tação e nefrocalcinose (ALFARAJ et al., 2018).

227 | Página
Quadro 28.2 Manifestações clínicas da hipercalcemia (de acordo com gravidade)
Leve [Ca+2] 10,5 - 11,9 Moderada
Grave [Ca+2] > 14 mg/dL
mg/dL [Ca+2] 12 - 13,9 mg/dL
Neuropsiquiátrico Ansiedade, depressão Disfunção cognitiva Letargia, confusão, estu-
por, coma
Gastrointestinal Anorexia, náusea, constipa- Anorexia, náusea, consti- Pancreatite
ção pação
Renal Poliúria Desidratação Desidratação, insuficiência
renal
Cardíaco Redução do intervalo QT Redução do intervalo QT Bradiarritmias, taquicardia
ventricular
Musculoesquelético Nenhum Fraqueza Fraqueza
Fonte: Adaptado de Alfaraj, 2018.

Considerando as manifestações gastroin- de cálcio e apresentam mais sintomas de hiper-


testinais, são muito comuns as náuseas, dor ab- calcemia do que indivíduos com hiperparatire-
dominal, anorexia e constipação; raramente, oidismo primário. Embora a hipercalcemia em
úlcera péptica ou pancreatite chegam a ocorrer pacientes ambulatoriais seja comumente cau-
(LEGRAND, 2011). sada pelo hiperparatireoidismo primário e a ma-
Em relação às manifestações cardíacas, a lignidade seja mais frequentemente responsável
hipercalcemia aguda encurta diretamente o po- pela hipercalcemia em pacientes hospitali-
tencial de ação miocárdico, que se reflete em zados, outras causas potenciais de hipercalce-
um intervalo QT encurtado. Não parece haver mia devem ser consideradas (MAIER &
nenhum efeito clinicamente importante na con- LEVINE, 2015).
dução cardíaca ou na prevalência de arritmias O grau de hipercalcemia também pode ser
supraventriculares ou ventriculares em casos de útil no diagnóstico: valores acima de 13 mg/dL
hipercalcemia leve a moderada. Entretanto, são comuns em pacientes com hipercalcemia
anormalidades de condução cardíaca podem associada à malignidade, sendo mais raros no
acontecer em pacientes com hipercalcemia gra- hiperparatireoidismo primário, embora possam
ve, especialmente bradiarritmias (DIERCKS et ocorrer (MAIER & LEVINE, 2015).
al., 2004).
1. Laboratório
Diagnóstico
1.1 Dosagem de cálcio
Dentre as causas de hipercalcemia, hiper-
Após a detecção de um cálcio sérico ele-
paratireoidismo primário e malignidade são as
vado, o próximo passo é confirmar se esta ele-
mais comuns (ALFARAJ et al., 2018). Por-
vação é verdadeira. Primeiro, é essencial verifi-
tanto, a abordagem diagnóstica da hipercalce-
car se o nível sérico de albumina está normal.
mia normalmente envolve a distinção entre os
Isso é necessário porque o nível de cálcio sérico
dois, o que geralmente não é difícil. A malig-
(cálcio ligado e não ligado) é muito afetado pelo
nidade é, com frequência, evidente clinica-
nível de albumina do paciente (CARRICK &
mente no momento que causa hipercalcemia, e
COSTNER, 2018). A concentração sérica de
os pacientes com hipercalcemia de maligni-
cálcio total em adultos geralmente varia entre
dade geralmente têm concentrações mais altas
8,6-10,4 mg/dL. No entanto, uma vez que 40 a

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45 % do cálcio no soro está ligado à proteína, medida que o pH aumenta, indicando uma liga-
principalmente albumina, a concentração sérica ção mais forte deste íon com as proteínas em
de cálcio total mudará em paralelo à um ambiente mais alcalino. Quando houver
concentração de albumina e pode não refletir suspeita de alterações importantes no pH, reco-
com precisão a concentração de cálcio ioni- menda-se a dosagem do cálcio sérico total
zado, que é fisiologicamente importante (WANG et al., 2002).
(MATIKAINEN et al., 2021). Dessa forma, um
paciente com albumina baixa que tem um nível 1.2 Outras dosagens laboratoriais
sérico de cálcio total na faixa da normalidade O objetivo inicial da avaliação laboratorial
pode estar hipercalcêmico. é a diferenciação da hipercalcemia mediada por
A confirmação da hipercalcemia na pre- PTH, como no hiperparatireoidismo primário,
sença de hipoalbuminemia pode ser feita apli- daquelas não mediadas por esse hormônio,
cando-se a fórmula para cálcio corrigido como a hipercalcemia da malignidade, a into-
(CRC), mostrada no Quadro 28.3. A dosagem xicação por vitamina D e doenças granuloma-
do cálcio sérico iônico também pode ser usada tosas.
para confirmar o nível de cálcio livre, o que é Sendo assim, após confirmação da hipercal-
importante em pacientes críticos, os quais co- cemia, o próximo passo para investigação da
mumente apresentam hipoalbuminemia etiologia é a dosagem do PTH sérico. Hipercal-
(CARRICK & COSTNER, 2018). O intervalo cemia associada a níveis elevados de PTH nor-
normal de concentração do cálcio iônico no malmente está relacionada ao hiperparatireoi-
soro varia um pouco entre laboratórios, mas dismo primário. Contudo, é importante notar
geralmente encontra-se entre 4,7-5,2 mg/dL que 10 % dos pacientes com hiperparatireoi-
(1,17-1,30 mmol/L) (MINISOLA et al, 2015). dismo primário apresentam níveis de PTH no
limite superior do valor de referência, que é de
Quadro 28.3 Fórmula para correção do cálcio 10-65 pg/mL. Apesar da presença de níveis
pela albumina “normais” do hormônio, esse valor de PTH
Cálculo do cálcio corrigido: cálcio sérico + ainda é considerado inapropriadamente elevado
0.8 (4 - albumina sérica) diante da hipercalcemia. Nessa circunstância, o
diagnóstico de hipercalcemia hipocalciúrica
Fonte: Adaptado de Malangone, 2015 e Maier, 2015.
familiar também deve ser considerado, devendo
O cálcio não ligado (ou seja, ionizado ou li- ser solicitada a dosagem do cálcio urinário de
vre) é aquele prontamente disponível para ati- 24 horas ou a relação cálcio/creatinina para
var os processos celulares. No entanto, a dosa- avaliar o nível de excreção de cálcio pelo rim e
gem do cálcio sérico total é mais solicitada na diferenciar ambas as causas (MELMED et al.,
prática clínica porque a dosagem do cálcio iô- 2019).
nico é mais trabalhosa e dispendiosa do que o Em contrapartida, níveis baixos de PTH ou
cálcio total. Além disso, cabe ressaltar que as no limite inferior do valor de referência (< 20
mudanças no pH sanguíneo podem alterar a pg/mL) levantam a suspeita de causas de hiper-
constante de equilíbrio dos complexos de cálcio calcemia não mediadas pelo PTH. Nesse caso,
ionizado e albumina, havendo redução da liga- deve-se solicitar a dosagem de PTHrP, caso dis-
ção na acidose e elevação na alcalose. Assim, ponível, e de metabólitos da vitamina D para
as concentrações de cálcio iônico diminuem à
229 | Página
verificar a presença de hipercalcemia da malig- 2022).
nidade ou de intoxicação por vita-mina D (HU, A gravidade da hipercalcemia, assim como
2021). a velocidade de aumento dos níveis de cálcio,
Outros exames laboratoriais que podem au- determina a apresentação clínica e a urgência de
xiliar na definição da etiologia da hipercalcemia se instituir o tratamento (SHANE &
são a dosagem de fósforo sérico e a excreção BERENSON, 2022).
urinária de cálcio. O hiperparatireoidismo e a A base para o manejo de emergência é a hi-
hipercalcemia da malignidade causada pelo dratação vigorosa com fluidos intravenosos, o
PTHrP podem estar associados à hipofosfate- que promove reposição volêmica e excreção de
mia franca ou a níveis séricos no limite inferior cálcio. No entanto, nos casos de hipercalcemia
do valor de referência, o que é resultado da grave, a hidratação isoladamente não é sufici-
inibição da reabsorção de fosfato nos túbulos ente e pode levar à sobrecarga de volume, sendo
proximais a nível renal. Por outro lado, a com- necessário o uso de estratégias terapêuticas
centração sérica de fósforo encontra-se normal adjuvantes (SHANE & BERENSON, 2022).
ou elevada em doenças granulomatosas, intoxi-
cação por vitamina D, imobilização, tireotoxi- Hipercalcemia leve (cálcio total corrigido
cose, síndrome do leite-álcali e doença óssea para albumina <12 mg/dL)
metastática (MAIER & LEVINE, 2015). Pacientes com hipercalcemia assintomática
ou sintomas leves não requerem tratamento
1.3 Eletrocardiograma (ECG) imediato. No entanto, devem ser evitados fato-
A hipercalcemia pode estar relacionada a al- res potencialmente agravantes da hipercalce-
terações no ECG. Vários achados eletrocardi- mia, tais como uso de diuréticos tiazídicos, car-
ográficos foram descritos, incluindo intervalo bonato de lítio, imobilização /repouso prolon-
QT encurtado, prolongamento dos intervalos gado, desidratação, consumo > 1000 mg/dia de
PR e QRS, onda T achatada ou invertida, além cálcio na dieta, dentre outros. Somado a isso, a
de presença de onda J seguindo o complexo hidratação adequada é recomendada para mini-
QRS. A elevação do segmento ST de modo se- mizar o risco de nefrolitíase. O tratamento, nes-
melhante ao infarto agudo do miocárdio tam- tes casos, deve ser direcionado para a etiologia
bém pode estar presente no ECG, ocorrendo da hipercalcemia (CARRICK & COSTNER,
mais comumente nas derivações precordiais 2018; MAIER & LEVINE, 2015).
anteriores (DIERCKS et al., 2004; DURANT
& SINGH, 2017). Hipercalcemia moderada (cálcio total
corrigido para albumina entre 12 e 14
Tratamento mg/dL)
O tratamento da hipercalcemia deve promo- Pacientes assintomáticos ou com sintomas
ver a queda dos níveis séricos de cálcio e, se leves e hipercalcemia crônica moderada po-
possível, tratar a causa subjacente. As opções dem não necessitar de terapia imediata. Con-
disponíveis de tratamento promovem redução tudo, devem seguir as mesmas recomendações
dos níveis séricos de cálcio através do aumento de pacientes com hipercalcemia leve (SHANE
da sua excreção urinária, inibição da reabsorção & BERENSON, 2022).
óssea ou inibição da absorção intestinal de cál- No caso de aumento agudo do cálcio séri-
cio (Quadro 28.4) (SHANE & BERENSON, co, os pacientes tendem a ser mais sintomáticos,

230 | Página
apresentando alterações importantes das uso de bisfosfonatos, de modo semelhante aos
funções sensoriais (ex: letargia, estupor), o que quadros de hipercalcemia grave (SKOCH &
requer terapia mais agressiva. Nesses pacientes, SINCLAIR, 2020).
normalmente o tratamento é baseado na hidra-
tação venosa com solução salina isotônica e no

Quadro 28.4. Medicamentos utilizados no tratamento da hipercalcemia

Mecanismo de
Medicamento Dose Efeitos adversos Contraindicações
ação
1-2 litros em bolus
Reposição volê-
seguido de 200- Cautela se insufici-
mica
250 mL/h, man- Potencial sobrecarga de ência renal avan-
Salina isotônica Aumento da ex-
tendo débito uri- volume çada ou insuficiên-
creção urinária de
nário de 100-150 cia cardíaca
cálcio
mL/h
Diminuição da re-
absorção óssea Náusea
4 UI/kg, IM ou Alergia à calcito-
Calcitonina* Aumento da ex- Flushing
SC, 12/12h nina de salmão
creção urinária de Hipersensibilidade
cálcio
Ácido zoledrô-
Evitar o uso se cle-
nico: 4 mg, infu-
arance de creatinina
são venosa em 15- Nefrotoxicidade
< 30 mL/min, ape-
Bisfosfonatos Diminuição da re- 30 min Hipocalcemia
sar de haver relatos
absorção óssea OU Hipofosfatemia
de uso em pacien-
Pamidronato: 60- Sintomas gripais
tes com creatinina
90 mg, infusão ve-
> 4,5 mg/dL
nosa em 2-6h
Diminuição da re- Fadiga Osteonecrose de
Denosumabe 60 ou 120 mg, SC
absorção óssea Náusea mandíbula
Diminuição da
absorção intestinal
Cautela em casos
de cálcio Hiperglicemia
Prednisona, 20-40 de diabetes melli-
Corticóide Diminuição da Alterações do humor
mg/dia tus, hipertensão ar-
síntese de Hipertensão
terial
1,25(OH)2 vita-
mina D3
Legenda: *não disponível no Brasil. IM: intramuscular, SC: subcutâneo. Fonte: Adaptado de Maier, 2015; Minisola,
2015; e Hu, 2021.

Hipercalcemia grave (cálcio total corri- mento de emergência inclui hidratação intrave-
gido para albumina >14 mg/dL) nosa agressiva com 3-4 litros de solução salina
A internação hospitalar é mandatória para a 0,9 % diariamente, ou 1-2 litros em bolus de
pacientes com hipercalcemia grave. O trata- solução salina a 0,9 %, seguido de 200-250 mL
de solução salina por hora, mantendo um débito

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urinário de 100-150 mL/h. Apesar de reduzir os e a solução salina para pacientes com hipercal-
níveis séricos de cálcio em 1 a 2 mg/dL, a hi- cemia moderada ou grave (MELMED et al.,
dratação deve ser, na maioria dos casos, associ- 2019). Por isso, eles se tornaram os agentes pre-
ada a outras medidas terapêuticas. Cabe desta- feridos para o manejo da hipercalcemia grave,
car que é necessário cuidado para evitar sobre- considerando que diversas etiologias causam
carga volêmica em pacientes com insuficiência reabsorção óssea excessiva, incluindo hipercal-
cardíaca e renal. Nestes casos, é importante cemia associada à malignidade (MINISOLA et
avaliar os eletrólitos séricos e acompanhar o al., 2015). Seu efeito máximo ocorre em dois a
eletrocardiograma durante o tratamento. quatro dias e a resposta pode durar de uma a três
(CHAKHTOURA et al., 2021; MINISOLA et semanas. Dentre os medicamentos da classe dos
al., 2015) bisfosfonatos, o ácido zoledrônico (4 mg, IV,
Os diuréticos de alça, como a furosemida, infundido em 15 a 30 minutos) é preferível ao
que teoricamente poderiam aumentar a excre- pamidronato (60 a 90 mg, IV, infusão contínua
ção de cálcio, podem piorar os distúrbios ele- em 2-6 horas) por apresentar maior facilidade
trolíticos e a depleção de volume quando admi- de administração e eficácia superior ao pami-
nistrados em altas doses. Mesmo em situações dronato na reversão da hipercalcemia associada
que cursem com sobrecarga de volume, os diu- à malignidade (MAJOR, 2001;
réticos de alça devem ser utilizados com cautela CHAKHTOURA et al., 2021)
(MINISOLA et al., 2015). Com relação ao uso do ácido zoledrônico,
Uma vez que o principal mecanismo res- existe um risco de piora da função renal, sendo
ponsável pela hipercalcemia grave é o aumento recomendado não ultrapassar a dose de 4 mg e
da reabsorção óssea, os bisfosfonatos são o tra- não encurtar o tempo indicado para a infusão
tamento de escolha. No entanto, como seu venosa. Além disso, é recomendado manter o
efeito máximo acontece apenas após dois a qua- paciente adequadamente hidratado e com dé-
tro dias, eles são frequentemente administrados bito urinário de 2 litros/dia. A função renal deve
em conjunto com a calcitonina, que reduz os ser monitorada em todos os pacientes em uso de
níveis de cálcio mais rapidamente. Sendo as- ácido zoledrônico e seu uso deve ser evitado se
sim, a calcitonina pode ser um adjuvante útil o clearance de creatinina for < 30 mL/min, ape-
particularmente no cenário de sintomatologia sar de haver relatos de uso em pacientes com
grave, funcionando como uma ponte até o iní- creatinina > 4,5 mg/dL (MAJOR et al., 2001;
cio do efeito dos bisfosfonatos. Na dose de 4 MINISOLA et al., 2015). Retratamento com 4
UI/kg a cada 12 horas por via subcutânea, pode mg pode ser administrado após um mínimo de
diminuir rapidamente o nível de cálcio em 1 a 2 7 dias se o cálcio sérico não normalizar ou per-
mg/dL. (MAIER & LEVINE, 2015; SKOCH & manecer elevado após a primeira dose. Os prin-
SINCLAIR, 2020) Apesar de ter início de ação cipais efeitos adversos dos bisfosfonatos veno-
dentro de duas horas após a administração, seu sos são as reações de fase aguda, febre, artral-
efeito é curto e a tolerância à droga geralmente gia, náusea, fadiga, anemia, vômito e dispneia,
se desenvolve dentro de dois dias (MINISOLA que geralmente se resolvem em 24-48 horas.
et al., 2015). Cabe ressaltar que a calcitonina (CHAKHTOURA et al., 2021)
não está disponível para uso no Brasil. Para pacientes com hipercalcemia grave e
Os bisfosfonatos são compostos com baixa sintomática refratária ao ácido zoledrônico ou
toxicidade e são mais potentes que a calcitonina nos quais os bisfosfonatos são contraindicados

232 | Página
(por exemplo, devido à insuficiência renal tes com hiperparatireoidismo primário. Sinto-
grave), o denosumabe pode ser administrado mas mais graves, incluindo letargia, confusão,
concomitantemente à calcitonina. O denosu- estupor e coma podem ocorrer em pacientes
mabe, ao contrário dos bisfosfonatos, não é eli- com hipercalcemia grave (cálcio > 14 mg/dL)
minado pelo rim e, como consequência, não há de qualquer causa. Esses sintomas são mais
restrição de seu uso em pacientes com doença prováveis de ocorrer em indivíduos mais idosos
renal crônica, para os quais os bisfosfonatos são e naqueles com aumento agudo dos níveis de
usados com cautela ou contraindicados (HU, cálcio (INZUCCHI, 2004).
2021). Com relação ao comprometimento renal, os
Os corticosteroides são particularmente va- sintomas mais comuns são a poliúria e a poli-
liosos na hipercalcemia associada ao câncer de dipsia, decorrentes de um diabetes insípido ne-
mama, mieloma múltiplo, linfoma, doença gra- frogênico, e a nefrolitíase, decorrente da hiper-
nulomatosa ou toxicidade da vitamina D calciúria. Outros efeitos renais incluem desidra-
(MAIER & LEVINE, 2015). Os corticosteroi- tação e nefrocalcinose (ALFARAJ et al, 2018).
des diminuem os níveis de cálcio em parte, di-
minuindo a absorção intestinal do íon por meio CONCLUSÃO
da diminuição da síntese de 1,25-diidroxi vita-
mina D e do aumento da excreção urinária de As causas mais comuns de hipercalcemia
cálcio em alguns, criando um balanço negativo são o hiperparatireoidismo e a hipercalcemia da
de cálcio e reduzindo, assim, a hipercalcemia. malignidade. A rapidez da instalação e a gravi-
A prednisona é geralmente administrada por via dade da elevação do cálcio determinam a ex-
oral na dose de 20-40 mg por dia. Os efeitos são pressão clínica dos sintomas. Uma vez identifi-
observados dentro de 24-72 horas após o início cada, é necessário confirmar se a hipercalcemia
do tratamento (MINISOLA et al., 2015). Seu é verdadeira. O tratamento varia de acordo com
uso foi suplantado por medicamentos mais efi- as manifestações clínicas e a gravidade da hi-
cazes e com menos efeitos adversos indesejá- percalcemia. A base para o manejo de emergên-
veis. As complicações potenciais da terapia em cia é a hidratação vigorosa com fluidos intrave-
curto prazo são hiperglicemia, hipertensão, psi- nosos. Contudo, nos casos de hipercalcemia
cose, miopatia proximal e osteonecrose grave, os bisfosfonatos são usados como adju-
(MAIER & LEVINE, 2015). vantes por promoverem a inibição da reabsor-
A hemodiálise (assim como a diálise perito- ção óssea. Apesar de não disponível no Brasil,
neal) é uma opção de tratamento em casos de a calcitonina é uma opção para redução rápida
falha do tratamento padrão ou quando os níveis dos níveis de cálcio e funciona como ponte até
de cálcio são tão altos que ameaçam a vida. acontecerem os efeitos dos bisfosfonatos. A fu-
Ademais, pacientes já em hemodiálise ou com rosemida tem uso limitado à reversão de sobre-
insuficiência renal grave podem se beneficiar carga de volume e, mesmo nesse caso, deve ser
deste procedimento (MINISOLA et al., 2015). usada com cautela. O denosumabe pode ser uti-
Os distúrbios neuropsiquiátricos, como an- lizado em casos de hipercalcemia grave refratá-
siedade, depressão e disfunção cognitiva são os ria aos bisfosfonatos. Os corticosteroides são
sintomas mais comuns e têm sido associados à utilizados nos casos de hipercalcemia relacio-
hipercalcemia leve, principalmente em pacien-

233 | Página
nada à superprodução ou intoxicação por vita- determinar a etiologia da hipercalcemia para
mina D e a hemodiálise deve ser considerada oferecer o tratamento em longo prazo, após a
em pacientes com doença renal terminal e com estabilização inicial na emergência.
hipercalcemia refratária. Por fim, é necessário

234 | Página
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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235 | Página
CAPÍTULO 29
MANEJO DO TRATAMENTO
CIRÚRGICO DE QUEIMADURAS
Palavras-chave: Queimaduras; Ferimentos e Lesões; Cirurgia Plástica

BRUNA LEÃO LEMOS CÂMARA¹


ANA RITA DA SILVA NUNES¹
LETÍCIA DE PAULA CARVALHO SILVA¹
NATÁLIA TEIXEIRA FROTA¹
ISABELA VITÓRIA DE ARAÚJO COSTA MELO¹
LETÍCIA FREITAS DE AQUINO¹
LUCAS DE PAULA NASCIMENTO BARROS¹
VINICIUS FREIRE PEREIRA¹
MARIA FERNANDA DANTAS DE MORAES¹
MARIA LUIZA VIEIRA DOS SANTOS¹
ISABELLE SANTOS SOARES FONSECA¹
AMANDA CAMPOS DE GODOI AMARO¹
JÚLIA FARIAS DE MELO¹
AGNES DANIELLE FARIAS PRAZERES¹
BRENNO RANIÉRE DA SILVA ARAÚJO¹

1
Discente - Medicina na Universidade Federal do Maranhão (UFMA)

236 | Página
INTRODUÇÃO de áreas que limitam a mobilidade. Na fase tar-
dia, realiza-se o tratamento após a maturação da
A queimadura é definida como destruição cicatriz, incluindo procedimentos, como fe-
parcial ou total da pele e de seus anexos, cau- chamento primário, excisão e enxerto de pele,
sada por trauma térmico, elétrico, químico ou substitutos de pele, expansores de tecido e re-
radioativo (BATISTA et al., 2011). São trau- talhos (POSSAMAI et al., 2018).
mas que cursam com importante repercussão Na maioria das queimaduras, o tratamento
social, econômica e de saúde pública. A quei- cirúrgico consiste na técnica de excisão tan-
madura se mostra uma das principais causas de gencial, seguida de enxertia de pele. Apenas em
morbidade e mortalidade, sendo considerada caso de queimaduras mais profundas e expo-
um trauma de grande complexidade e difícil sição de estruturas especializadas é que há
tratamento (ZORITA, 2011). necessidade de se realizar cobertura cutânea
Os pacientes vítimas de queimaduras po- com retalhos cirúrgicos (FERREIRA et al.,
dem ter diversas regiões acometidas simulta- 2010a).
neamente, independentemente de sua causa. Este estudo tem como objetivo esclarecer o
Quanto mais nobre a região atingida, mais manejo do tratamento cirúrgico de queimaduras
grave é o quadro clínico inicial e pior ainda sua a partir do detalhamento de seus princípios,
evolução (AVELAR, 2009). A gravidade e fases e técnicas com base em dados da litera-
prognóstico das queimaduras são determinados tura.
pela avaliação do agente causal, profundidade,
extensão da superfície corporal queimada, MÉTODO
localização, idade, doenças preexistentes e
lesões associadas (LEÃO et al., 2011). Consiste em uma revisão sistemática con-
O tratamento dessas lesões, incluindo a ne- feccionada no período de janeiro a fevereiro de
cessidade ou não de internação hospitalar, é ori- 2022, por meio de pesquisas de artigos publica-
entado com base nos fatores que definem a gra- dos nas bases de dados Pub-Med e Scientific
vidade e prognóstico das queimaduras. Na Electronic Library Online (Scielo) acerca do
emergência, após ressuscitação e estabilização tema “manejo do tratamento cirúrgico de quei-
do paciente, o manejo da ferida causada pela maduras”. Os descritores utilizados foram
queimadura se torna a próxima prioridade “Queimaduras”, “Ferimentos e Lesões” e “Ci-
(SHELLEY et al., 2018). rurgia Plástica”.
O tempo do manejo cirúrgico é categori- Com base na pesquisa realizada foram defi-
zado como imediato, essencial e tardio. Na fase nidos os subtemas mais relevantes a serem de-
urgente, são realizados procedimentos para de- senvolvidos. Encontrou-se 783 artigos nessa
finição da área queimada e cobertura dessas le- busca, os quais foram submetidos aos parâme-
sões, como o desbridamento cirúrgico, escaro- tros de inclusão. Os parâmetros usados foram:
tomia e fasciotomia (LEON-VILLAPALOS & artigos nos idiomas português, inglês e espa-
DZIEWULSKY 2011). nhol, publicados entre 2001 e 2021, e com abor-
Na fase essencial são executadas ações para dagem de temáticas relacionadas à proposta de
melhorar a reabilitação e funções não vitais, pesquisa. Quanto aos critérios de exclusão, fo-
como procedimentos para diminuir as retrações ram utilizados: artigos dispostos na forma de re-
sumo, duplicados, desatualizados, que não

237 | Página
abordavam satisfatoriamente o tema estudado e perfusão tecidual (LIMA, 2022).
que não cumpriam inteiramente os parâmetros Esse manejo cirúrgico depende da priori-
de inclusão. dade do tratamento, que levam em conside-
Posteriormente à seleção dos artigos, resta- ração o tamanho, a profundidade, a localização
ram 67 publicações, que foram lidas integral- e as lesões associadas, sendo elencadas como:
mente, de modo minucioso, para a coleta de da- Urgente (Fase Aguda); Essencial e Desejável
dos. Os resultados foram apresentados de forma (Tardia) (POSSAMAI et al., 2018; ANDREI,
descritiva, divididos em categorias temáticas 2018).
relacionadas ao tema: Manejo Cirúrgico, Prio-
ridades Cirúrgicas, Escarotomia, Fasciotomia, Urgente (Fase Aguda)
Desbridamento Cirúrgico, Zetaplastia, Enxertia Compreende os procedimentos realizados
de Pele, Expansor de Pele, Matriz de Regene- durante a fase aguda da queimadura e que visam
ração Dérmica e outras técnicas. à definição da área queimada e cobertura física
da lesão (ANDREI, 2018). Para a garantia da
RESULTADOS E DISCUSSÃO homeostase do indivíduo (minimizando as per-
das líquidas e térmicas), a excisão da escara e o
A terapia de pacientes queimados sempre uso de enxertos autólogos, sintéticos ou bioló-
foi um desafio global, tanto pela complexidade gicos em pacientes sem lesão inalatória provou
das lesões quanto pela necessidade de cuidados redução da mortalidade e do tempo de
intensivos e multidisciplinares na área. Uma fe- internação hospitalar nesses pacientes
rida complexa aumenta as taxas de morbidade e (MIROSHNY-CHENKO et al., 2021). Exem-
mortalidade, aumenta os custos gerais de trata- plos de condutas cirúrgicas urgentes são: Libe-
mento (insumos e recursos humanos), e conduz ração de feixes neurovasculares; Liberação da
para internações mais longas (CARBONI et al., pálpebra (prevenir ectrópio); Liberação da mi-
2019). crostomia (evitar retrações exacerbadas da
Desse modo, deter-se de conhecimentos fi- boca) (SINKEVICIENE & RIMDEIKA, 2020).
siopatológicos auxilia em maiores informa- A fase aguda se define como 72 h após a injúria
ções acerca de procedimentos e de materiais e é um período crítico para complicações sistê-
idealizados na terapêutica, com o objetivo de micas, fazendo parte do tratamento a escaroto-
reduzir prejuízos e, consequentemente, tentar mia, fasciotomia e desbridamento (ANDREI,
restaurar a lesão. No entanto, vale informar que 2018).
não existe um tratamento “ideal” para casos de
queimaduras, mas sim uma gama de terapias 1. Escarotomia
que se encaixam a cada situação (VANA et al., A escarotomia consiste na retirada do tecido
2020). desvitalizado formado após a agressão gerada
Durante o tratamento do queimado, depois pela queimadura (SILVA et al., 2015). É indi-
da estabilização do paciente, prioriza-se o ma- cada para queimaduras de segundo e terceiro
nejo cirúrgico da ferida. Dessa forma, o obje- graus e consiste na incisão da escara. Ela é con-
tivo da terapêutica cirúrgica é restituir funcional siderada um procedimento de urgência e sua ne-
e esteticamente o segmento acome-tido, a partir cessidade deve ser muito bem avaliada, a fim de
da remoção precoce de tecido necrótico, da co- não realizá-la desnecessariamente (SOCIE-
bertura da área ferida e da monitorização de

238 | Página
DADE BRASILEIRA DE CIRURGIA PLÁS- atingindo-se o subcutâneo. A pele queimada de
TICA, 2008). terceiro grau é insensível, mas pode ocorrer dor
Para a avaliação da necessidade da escaro- e desconforto significativo com a incisão atin-
tomia é indispensável uma observação, a cada gindo o subcutâneo. A analgesia proporcional à
hora, da cor da pele, sensação, reabastecimento dor deve ser administrada por via venosa (SO-
capilar e pulsos periféricos, mas, principal- CIEDADE BRASILEIRA DE CIRURGIA
mente, por um acompanhamento rigoroso da PLÁSTICA, 2008).
oximetria no segundo dedo da mão (“indica-
dor”) ou pé. Esse membro apresenta a porção 2. Fasciotomia
terminal do fluxo das artérias radial e ulnar, A fasciotomia é uma intervenção cirúrgica
através de suas artérias digitais. Dessa forma, a utilizada no tratamento, em especial, da sín-
oximetria superior a 90 % indica que existe drome compartimental, evidente em queima-
fluxo sanguíneo suficiente para o dedo e, con- duras extensas e profundas, como as elétricas e
sequentemente, para todas as estruturas proxi- circunferenciais (CONE & INABA., 2017).
mais, no caso de uma queimadura térmica (SO- Essa operação facilita a avaliação da extensão e
CIEDADE BRASILEIRA DE CIRURGIA profundidade das lesões e da necrose tecidual,
PLÁSTICA, 2008). sendo decisiva na sobrevivência e condição de
Também se deve monitorar as incursões vida do paciente (GOMES et al., 2001).
respiratórias, e em caso de diminuição da am- Segundo Piccolo (2008), essa intervenção é
plitude do movimento torácico ou abdominal feita pela incisão de todas as camadas da pele,
que prejudique a respiração (com evidências epiderme, derme e hipoderme, e da fáscia mus-
clínicas ou laboratoriais), o procedimento é in- cular no local em questão, como objetivo de
dicado (SOCIEDADE BRASILEIRA DE CI- descomprimir e aliviar a dor decorrente do
RURGIA PLÁSTICA, 2008). baixo suprimento sanguíneo, acúmulo de lí-
Com relação à técnica cirúrgica, a escaro- quido na área e compressão dos nervos.
tomia do pescoço ou do tórax pode ser neces- Há métodos variados para realização da fas-
sária para fornecer ao paciente uma ventilação ciotomia, por exemplo, o tradicional e o mini-
adequada, pois a retração causada pela queima- mamente invasivo. Nesse primeiro, tal ope-
dura de toda profundidade pode limitar esta ração é feita pelo corte de todas as estruturas até
função (POSSAMAI et al., 2018). a fáscia e com grande extensão, sendo quase o
Já as escarotomias das extremidades podem comprimento inteiro do membro ou região afe-
ser necessárias em queimaduras que envolvam tada, e por isso, possui maior tempo de recu-
toda profundidade da pele e circunferência dos peração, risco de infecção e lesão de estruturas
membros, se o edema causar constrição e isque- durante o procedimento e seu prognóstico
mia distal. Embora existam parâmetros para (BLAIR et al., 2016). Já o segundo, mais con-
guiar o tempo ideal para realizar a escarotomia, servador da estrutura, permite cortes menores e
a maioria das decisões se baseia no contexto clí- tem como objetivo intervir de modo mais pre-
nico que o paciente se encontra, na presença de ciso possível, evitando ao máximo a incisão das
feridas constritivas e isquemia distal (POSSA- outras estruturas, o que oferece menores riscos
MAI et al., 2018). infecciosos e hemorrágicos, melhor cicatri-
A técnica realizada de maneira correta re- zação e prognóstico (MAFFULLI et al., 2016).
quer a incisão da pele em toda a sua espessura, A liberação da aponeurose muscular deve

239 | Página
ser feita pelo menos em 90 % na área afetada Essencial / Desejáveis (Tardias)
para que a pressão basal seja atingida, de modo A fase essencial compreende os procedi-
que, em uma liberação parcial ou menor que a mentos realizados visando à melhora da reabi-
recomendada, há o retorno dos sintomas em litação das funções vitais do paciente (NA-
cerca de mais de 40 % dos pacientes (POZZI et DREI, 2018). Tais procedimentos compreen-
al., 2014). dem áreas de: Retrações de áreas que limitam a
mobilidade (articulações maiores, mãos); Re-
3. Desbridamento Cirúrgico trações do pescoço (sem indicativo de sinéquia)
O desbridamento cirúrgico consiste na re- (SINKEVICIENE & RIM-DEIKA, 2020).
moção de corpos estranhos, tecidos mortos, Já a fase tardia compreende os procedi-
desvitalizados ou contaminados originários ou mentos realizados visando à reconstrução cirúr-
adjacentes ao leito da ferida, ajudando a reduzir gica (ANDREI, 2018). Os procedimentos tar-
o número de microrganismos, toxinas e outras dios são importantes para minimizar os imbró-
substâncias que aumentam o risco de infecção e glios sociais e profissionais que o indivíduo
impedem que o processo de epitelização acon- pode vir a enfrentar devido às cicatrizes das
teça, inibindo a cicatrização (SOBEST, s.d.). queimaduras (MIROSHNY-CHENKO et al.,
Indicado em casos de queimaduras de es- 2021). São realizados após a maturação da ci-
pessura parcial profunda ou espessura total, catriz e compreendem: Reconstruções de áreas
desde que o paciente esteja hemodinamica- passivas (tórax, extremidades); Reconstruções
mente estável, o método instrumental cirúrgico Estéticas (face, mamas) (SINKEVICIENE &
é realizado sob anestesia, no centro cirúrgico e RIMDEIKA, 2020).
por um cirurgião experiente, com excisão e res-
secção de toda a área necrótica, incluindo a 1. Retalho Local/Zetaplastia
margem viável da ferida (ISBI PRACTICE A zetaplastia é um dos procedimentos mais
GUIDELINES COMMITTEE, 2016). Dentre utilizados para o tratamento cirúrgico de seque-
as desvantagens desse método, incluem-se o las de queimaduras, como as cicatrizes hipertró-
custo elevado e os riscos anestésico, sangra- ficas e quelóides, principalmente pela sua capa-
mento e infecção (SOBEST, s.d.). cidade de promover um alongamento de cicatri-
É a técnica mais rápida e efetiva de retirada zes lineares, usando o tecido adjacente. Quando
do tecido necrótico, especialmente quando há corretamente executada, essa técnica promove
necessidade de intervenção urgen-te, e é associ- um impacto benéfico na fisiologia da cicatriz
ado aos melhores resultados de cicatrização de (MÉLEGA et al., 2011).
feridas e redução do tempo de internação hos- Nessa técnica, há a transposição de dois re-
pitalar quando a excisão é feita em conjunto talhos em forma de triângulo para provocar um
com autoenxerto precoce, realizado na primeira alongamento da cicatriz e ajustá-la às linhas de
semana ou no máximo dez dias após o trauma força da pele. Geralmente esse procedimento é
(ISBI PRACTICE GUIDELINES COMMIT- indicado para produzir um ganho na extensão
TEE, 2016). O tecido queimado é retirado de da cicatriz, o que pode ser útil na correção de
forma tangencial e sequencial, e a ferida pode bridas; para mudar a direção da cicatriz que
ser coberta com autoenxerto, aloenxerto, ou cruza linhas de força da pele (sobretudo na
tecido sintético substituto (POSSAMAI, 2018). face); para produzir uma quebra de linearidade
da cicatriz na prevenção de de contraturas, o

240 | Página
que a torna menos aparente (Figura 29.1). químicos para se estabelecer. Com isso, a en-
(MÉLEGA et al., 2011). xertia cutânea é muito útil para o fechamento e
proteção de feridas extensas, no entanto, depen-
Figura 29.1 Zetaplastia. A: marcação cirúrgica dem de um leito vascularizado na área receptora
em cicatriz com contratura; B: elevação dos re- para a sua integração (VANA, 2020).
talhos; C: Cicatriz depois de transposição dos Em termos de origem, os enxertos podem
retalhos e sutura
ser doados pelo próprio indivíduo (autoenxer-
tos), por indivíduos da mesma espécie (aloen-
xertos) ou de outras espécies (heteroenxertos),
sendo que os dois últimos são indicados quando
não há áreas doadoras suficientes no paciente
(em casos de queimaduras nos quais há perda
maior que 30 % da superfície corporal). Com
isso, os aloenxertos e heteroenxertos são usados
Fonte: Mélega et al., 2011. como curativos biológicos ou cobertura provi-
sória, para proporcionar proteção de perdas hí-
Vale ressaltar que os retalhos devem ser dricas e proteicas, melhoria das condições da le-
produzidos com o menor grau de desloca- são para a colocação do autoenxerto, dimi-
mento possível, com o alongamento obtido de- nuição da dor e da colonização bacteriana e fa-
pendente do ângulo usado para confeccionar os cilitação do movimento da zona afetada
triângulos. Quando se usa triângulos de 30, 45 (CARVALHO, 2015).
e 60 graus, há um alongamento longitudinal da Vale lembrar que no tratamento de seque-
cicatriz de 25 %, 50 % e 75 %, respectivamente. las de queimaduras são utilizados sempre en-
Nos casos de lesões de grandes dimensões, múl- xertos em lâminas. Tal técnica cirúrgica apre-
tiplas zetaplastias podem ser usadas, assim senta diversas vantagens em relação ao enxerto
como nos casos onde o tecido circunjacente não em malha, como, por exemplo: melhor resul-
comporte o desenho de grandes retalhos. A ze- tado funcional e estético, tanto em textura
taplastia não está livre de complicações: podem quanto em pigmentação, menor taxa de cicatri-
ocorrer necrose dos retalhos utilizados, forma- zes patológicas (cicatrizes hipertróficas e que-
ção de uma cicatriz mais visível ou pode surgir loidianas) e menor quantidade de cicatrizes, as
uma “orelha-de-cachorro”, causada pelo alon- quais ocorrem somente nas emendas. Ademais,
gamento excessivo da cicatriz, resultado de para enxertia em áreas queimadas de face, deve-
mau planejamento cirúrgico (MÉLEGA et al., se utilizar preferencialmente o enxerto de couro
2011). cabeludo, caso seja acessível e haja dis-
ponibilidade (VANA, 2020)
2. Enxertia de Pele Quanto à espessura, os enxertos de pele po-
O enxerto de pele consiste em uma lâmina dem ser divididos em enxertos de espessura
cutânea (com espessura parcial ou total), total- parcial e de espessura total. Enxertos de pele
mente desassociada a sua origem, e subordi- parcial contêm a epiderme e parte da derme,
nada ao desenvolvimento de um suprimento que pode variar de espessura. Esse é o tipo de
sanguíneo e de um processo biológico depen- enxerto mais utilizado para o tratamento de mé-
dente de mecanismos celulares e mediadores

241 | Página
dios e grandes queimados. Quanto a seu for- pele normal. Entretanto, eles também apresen-
mato, podem ser utilizados como pequenos tam menor facilidade de se integrar à área re-
fragmentos (enxertos em selo), expandidos ceptora, necessitando de leitos ricamente vas-
através da criação de fenestrações (enxertos em cularizados. Quanto à recuperação da área doa-
malha) ou tiras (enxertos em lâmina), as quais dora, geralmente é rápida e deixa apenas uma
são utilizadas em lesões por queimaduras cicatriz linear (FERREIRA et al., 2010b).
(FERREIRA et al., 2010b).
Além disso, os enxertos de pele parcial são 3. Expansor de Pele
geralmente retirados com aparelhos especiais Os expansores de tecido são um dos proce-
(dermátomo ou faca de Blair) de áreas doado- dimentos utilizados para restaurar funções e
ras, tais como: couro cabeludo, abdome, coxas melhorar o aspecto estético de determinada re-
e costas, sendo posteriormente fixados apenas gião acometida por trauma ou queimadura, bem
com curativos ou bandagens. Dentre suas van- como é amplamente realizado em reconstruções
tagens, eles apresentam maior facilidade de se mamárias. Esta técnica tem como vantagem
integrar na área receptora, cobrem grandes su- principal devolver de forma mais similar a cor,
perfícies, podem ser expandidos e cobrir áreas espessura e a textura do tecido debilitado, pois
maiores com a utilização de menos enxertos. faz uso de tecidos doadores vizinhos, sem que
No entanto, eles também sofrem maior con- estes sofram prejuízo, o que reduz a formação
tração secundária, ficam mais frágeis e res- de novas cicatrizes, comum nos demais
secados, necessitando de constante hidratação processos de reconstrução (PITANGUY et al.,
(FERREIRA et al., 2010b) 2000).
Já os enxertos de pele total contêm epider- A técnica pode consistir na implantação de
me e toda a derme. São raramente utilizados no um ou mais expansores, balões feitos de sili-
tratamento das queimaduras em sua fase aguda cone, com válvulas acopladas em posição cefá-
e costumam ser usados em pequenas lesões de lica, que serão infundidas por solução salina
áreas nobres, como face (principalmente na re- para promover o enchimento. Em técnicas mais
gião palpebral), mãos e dedos. Geralmente pos- atuais, estes expansores possuem válvulas
suem a forma de um fuso, sendo obtidos através remotas que são conectadas a tubos flexíveis de
da exérese de fuso de pele e sutura das regiões enchimento. Tal método minimiza riscos de
doadoras, tais como: região inguinal, suprapú- perfuração do balão, uma vez que mantém o lo-
bica, retroauricular, face interna de braço, su- cal de injeção da solução distante do expansor
praclavicular e palpebral em pessoas mais ve- no momento da inflagem. Ademais, a seleção
lhas. Para a sua fixação, há necessidade de reti- do formato e volume do expansor baseiam-se
rar toda a gordura remanescente sob o enxerto na necessidade de cada caso, levando-se em
e fixá-lo com sutura e curativo compressivo consideração a área a ser expandida, através de
(FERRE-IRA et al., 2010b). medições da lesão, havendo expansores cilín-
Dessa forma, enxertos de pele total costu- dricos, retangulares, entre outros formatos no
mam ser mais firmes, resistentes e hidratados, mercado (WAGH & DIXIT, 2013).
apresentando o melhor resultado possível, tanto O procedimento conta com uma série de
estético como funcional, além de sofrer menor pré-requisitos, o que limita a sua vasta utili-
contração secundária, mimetizando melhor a zação em pacientes com sequelas de queima-
duras, uma vez que nestes casos nem sempre o

242 | Página
tecido próximo é viável para expansão turação da matriz, a camada de silicone é remo-
(PITANGUY et al., 2000). O processo deve vida e substituída por um autoenxerto de pele
contar com região doadora bem vascularizada, disponível. São úteis em casos onde o paciente
livre de infecção ou contaminação, minimi- possui pouca área de pele saudável para recons-
zando as chances de extrusão do expansor. trução (WUNDERLICH et al., 2011)
Atendendo aos requisitos, o procedimento é re-
alizado tendo em vista o futuro avanço do balão CONCLUSÃO
expansor. Dessa forma, a incisão pode ser feita
de modo adjacente, interiormente ou distante à As queimaduras são traumas de alta com-
lesão. Após sua colocação, o processo de ex- plexidade com elevados índices de morbimor-
talidade, de modo que não somente põem em
pansão se dá após 2 a 3 semanas com a remoção
risco a continuidade da vida do paciente como
dos pontos, sendo verificado se houve rejeição
também afetam profundamente a qualidade do
e a devida cicatrização primária. O paciente en-
mesmo durante e após a recuperação.
tão começa um processo seriado de expansão
A queimadura e os procedimentos que são
até atingir determinado volume, planejado pela
realizados para manejá-la ocasionam cicatrizes
equipe médica, capaz de cobrir o tecido lesio-
e sequelas que podem impactar gravemente a
nado, sendo então interrompido e removido ci-
autoestima do paciente, bem como suas re-
rurgicamente o expansor após cerca de 7 a 10
lações interpessoais e sua aceitação no mercado
dias (WAGH & DIXIT, 2013).
de trabalho, prejudicando seu bem estar e sua
saúde mental. Portanto, evidencia-se a impor-
4. Outras Técnicas
tância do manejo cirúrgico adequado das quei-
Existem outras técnicas que podem ser usa-
maduras.
das no tratamento cirúrgico do paciente quei-
Por meio da identificação apropriada de
mado, a exemplo dos retalhos expandidos, usa-
causa, profundidade, localização e demais par-
dos principalmente quando a área doadora não
ticularidades da lesão, é possível manejar cirur-
é suficiente para a reconstrução, associando a
gicamente a queimadura de forma compatível
técnica de retalho à sua expansão anterior.
com as necessidades do paciente. Assim, uma
Além dessa técnica, há também os retalhos mi-
vez obedecidos os tempos de manejo imediato,
crocirúrgicos, utilizados como última escolha,
essencial e tardio sob o uso eficiente e racional
geralmente usados devido a grandes alterações
das técnicas disponíveis, como escarotomia,
funcionais. Os mais comuns utilizados são da
desbridamento cirúrgico e enxertia de pele, os
área lateral da coxa, músculo reto abdominal
profissionais de saúde podem proporcionar ao
com ilha de pele transversal (TRAM) e grande
paciente, como resultado do manejo cirúrgico
dorsal (VANA et al., 2020).
adequado, uma recuperação mais veloz, com
Existe ainda, a matriz de regeneração dér- menor potencial de complicações, tais quais
mica que consiste na substituição sintética que contraturas e queloides, e, consequentemente,
associa uma matriz colágena (substituta da ca- melhor prognóstico. Dessa maneira, não só as-
mada dérmica) a uma camada externa de sili- segura-se ao paciente o bem estar físico, como
cone (substituta da camada epidérmica). A ma- também potencializa-se sua saúde psíquica e
triz colágena é incorporada a lesão e, após a ma- sua participação social.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
243 | Página
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245 | Página
CAPÍTULO 30
NUTRIÇÃO E METABOLISMO DO
PACIENTE PEDIÁTRICO
QUEIMADO: UMA REVISÃO DE
LITERATURA
Palavras-chave: Queimaduras; Nutrição; Crianças; Metabolismo

PEDRO LUCENA DE AQUINO¹


ANA BEATRIZ GURGEL MOURÃO¹
LETÍCIA CASTELO BRANCO DE OLIVEIRA¹
LARA FERNANDES FONTELES¹
GIANA LOBÃO AMARAL¹
ANA HELOÍSA FEITOSA DE MACEDO PEREIRA¹
ALEXANDRE SÁ PINTO DA NÓBREGA LUCENA¹
ÉRICA DAPONT DE MOURA¹

1
Discente - Medicina da Universidade de Fortaleza

246 | Página
INTRODUÇÃO em desenvolvimento biológico contínuo, de-
mandando de maiores quantidades de calorias
Define-se queimadura como uma lesão oca- e, por essas questões, quando falamos em “pa-
sionada por agentes com capacidade de produ- ciente pediátrico”, deve-se ter atenção redo-
zir calor e de danificar os tecidos orgânicos, brada. Assim, é importante garantir aos pacien-
causando, assim, a morte celular. Neste tipo de tes pediátricos vítimas de grandes queimaduras,
dano, tem-se o rompimento do efeito protetor o início precoce do suporte enteral, visto que,
da pele, uma vez que ocorre a destruição da bar- em comparação à pacientes que iniciaram tar-
reira epitelial e da microbiota resistente da pele. diamente, os que receberam o suporte mostra-
Ademais, tal categoria de lesão também é res- ram um aumento expressivo na cicatrização das
ponsável por desencadear desequilíbrio em di- queimaduras, diminuição no catabolismo pro-
versos sistemas do organismo, essencialmente teico e consequente redução na mortalidade.
no sistema hemodinâmico e no sistema meta- Nesse contexto, almejando minimizar os
bólico (BRASIL, 2012). danos causados por queimaduras em pacientes
Pacientes com grandes queimaduras entram pediátricos, deve-se ajustar sua dieta à demanda
em um estado de hipermetabolismo, onde o nutricional ocasionada pelo desequilíbrio or-
músculo esquelético é utilizado como primeira gânico, em consequência das queimaduras.
fonte de energia, diminuindo a capacidade da Esse suporte possui grande relevância para o
utilização da gordura. Tal resposta de aumento tratamento desses pacientes, devendo ser indi-
pode ser causada, principalmente, pelo aumento vidualizado, monitorado e ajustado durante o
da temperatura corporal, do consumo de glicose processo de recuperação, visto que é necessário
e oxigênio e da formação de CO2, traduzindo a análise de diversos fatores, como: peso corpo-
uma taxa metabólica maior que o dobro em re- ral, idade, sexo e área de superfície queimada,
lação à pacientes saudáveis. Esse aumento nas para calcular, matematicamente e índices meta-
necessidades metabólicas inicia-se imediata- bólicos que auxiliam no entendimento das ne-
mente após a queimadura e pode se estender por cessidades calóricas de cada indivíduo.
até 12 semanas após a ocorrência da lesão, Dessa forma, o objetivo desta revisão foi
provocando diminuição da massa magra, com- identificar, por meio de evidências científicas e
prometimento imunitário e fadiga, dificultando análise literária a respeito da nutrição e do me-
diretamente na recuperação do paciente tabolismo de pacientes pediátricos queimados,
(CHONG et al., 2020; GALFO et al., 2018). quais as melhores condutas nutricionais a serem
No Brasil, de acordo com Marina Aragão, tomadas, levando em consideração o período de
em seu relato publicado por Valentini (2018), início e término ideais para uma boa re-
"a queimadura pediátrica representa uma das cuperação desses pacientes.
principais causas de hospitalização e morte não
intencional. As crianças que sofrem grandes MÉTODO
queimaduras, devido ao estado hipermetabólico
em que se encontram, têm um aumento signifi- Com o objetivo de produção do presente ca-
cativo na absorção óssea e apoptose dos os- pítulo, foi realizada uma revisão integrativa da
teoblastos. Simultaneamente, cumpre salientar literatura através das bases de dados Literatura
que nesse intervalo etático, os indivíduos estão Latino-Americana e do Caribe em Ciências da
Saúde (LILACS), Medical Literature Analysis

247 | Página
and Retrieval System Online (MedLine), Web principal, nutrição e metabolismo de pacientes
of Science e National Library of Medicine pediátricos queimados, sendo excluídos aqueles
(PubMed/Medline) e Scientific Eletronic Li- que não contemplassem o tema em questão e/ou
brary Online (SciELO), onde foi utilizado estivessem fora do período de pesquisa já defi-
como descritores os seguintes termos “child nu- nido. Tais resultados serão demonstrados atra-
trition”, “burns” e “metabolism”, tendo como vés de uma tabela que será apresentada no de-
espectro os artigos publicados nos últimos seis correr do trabalho.
anos, contemplando, assim, aqueles publicados
entre 2017 e 2022. Foram selecionados cinco RESULTADOS E DISCUSSÃO
artigos perante a totalidade de 125 artigos en-
contrados. Perante os trabalhos analisados, foi feita
Dentre os critérios de inclusão, foram utili- uma tabela (Tabela 30.1) buscando sintetizar o
zados artigos que apresentassem como assunto tema em questão.

Tabela 30.1 Tabela indicando as respectivas análises dos artigos utilizados na revisão de literatura

Tempo de início
Característica
Artigo País Idade Tipo de Nutrição da implementação
do estudo
nutricional
Enteral precoce:
Revisão siste- Nutrição enteral primeiras 24h após
mática e meta- precoce trauma
Valentini et al., 1 mês a 18
Brasil nálise de estu-
2019 anos
dos clínicos ran- Nutrição enteral Enteral tardia: após
domizados tardia 24h do trauma

Enteral: nas pri-


Nutrição enteral
meiras 24-48h após
estabilização he-
Nutrição parenteral:
Artigo original - modinâmica
Tramonti et al., 2 meses a em caso de
Argentina pesquisa longi-
2018 14,9 anos contraindicações/
tudinal Parenteral: se alvo
insuficiência do
volumétrico não for
suporte enteral
alcançado em 72h
isolado
(Não
Clark et al., Estados Artigo de revi- Nas primeiras 24h
especifi- Nutrição Enteral
2017 Unidos são do trauma
cado)
Nutrição enteral

Nutrição parenteral:
(Não
Artigo de revi- em caso de
Bul, 2020 Turquia especifi- (Não especificado)
são contraindicações/
cado)
insuficiência do
suporte enteral
isolado
(Não
Galfo et al., Artigo de revi- Nas primeiras 12h
Itália especifi- Nutrição enteral
2018 são do trauma
cado)

Após lesões por queimadura, ocorre a libe- não só pela lesão tecidual, mas também pela dor
ração de catecolaminas, que são estimuladas

248 | Página
e ansiedade ocasionadas após esse tipo de acon- e adequada o suficiente para combater o hiper-
tecimento. Essa liberação acaba estimulando o metabolismo do paciente, alto aporte proteico,
metabolismo logo após a queimadura e pode grandes quantidades de carboidratos e pobre em
persistir por um longo período de até 2 anos lipídios é bastante preconizado, além de
(GALFO et al., 2018). vitaminas A e C e minerais como o zinco.
As proteínas estão entre os macronutrientes Já a nutrição parenteral deve ser limitada
que mais auxiliam na cicatrização. Sendo as- aos casos em que a alimentação enteral é com-
sim, em uma dieta rica em proteínas, há uma ci- traindicada, não é viável ou não pode garantir
catrização de feridas mais balanceada, um fornecimento adequado de nutrientes nos
diminuição das taxas de infecção e diminuição estágios iniciais. Se é sabido que o forneci-
do excesso de catabolismo que afeta os múscu- mento de um suporte nutricional adequado é es-
los esqueléticos, melhorando, assim, a sobre- sencial no tratamento das queimaduras e o seu
vida desses pacientes (CHONG et al., 2020). principal objetivo é simplesmente evitar com-
Tendo como base o hipercatabolismo das plicações de causas nutricionais.
vítimas pediátricas de queimaduras, todos os
autores analisados apontam, com unanimidade, CONCLUSÃO
a importância do início da terapia nutricional
por via enteral preferencialmente. Esta é O trauma ocasionado por queimaduras pode
considerada mais segura e possui efeitos bené- induzir inúmeros distúrbios fisiopatológicos de
ficos na preservação morfofuncional das célu- grande impacto que podem afetar os mais di-
las intestinais, reduz o risco de translocação versos sistemas orgânicos. Assim sendo, exis-
bacteriana, controla a resposta inflamatória e tem necessidades nutricionais específicas para
metabólica, diminui o déficit nutricional e o as queimaduras que demandam intervenção em
tempo de internação hospitalar (LU et al., tempo hábil.
2011). A avaliação adequada do paciente ao nível
Em relação a outras vias nutricionais, os au- nutricional pode otimizar a cicatrização de feri-
tores Tramonti et al. (2018) e Bul (2020) co- das e reduzir bastante as chances de compli-
mentam a finalidade da via parenteral como cações e impactar positivamente na morta-
adjuvante à terapia enteral, ou ainda como al- lidade. O suporte nutricional deve ser individu-
ternativa em casos de contraindicações ao uso alizado, monitorado de perto e ajustado ao lon-
desta última, diferentemente de Clark (2017), o go da evolução de cada paciente, adequando-se
qual traz indicações específicas para nutrição às necessidades do paciente durante todo o pro-
parenteral, como em casos de trauma gastroin- cesso de recuperação.
testinal, pancreatite severa, obstrução do sis- Portanto, para melhor avaliação e conduta
tema gastrointestinal, entre outras. Existem frente às demandas metabólicas do paciente pe-
muitas complicações inerentes à essa forma de diátrico queimado, urge uma abordagem multi-
aporte nutricional; os pacientes estão sujeitos a disciplinar, que tanto irá auxiliar na realização
hiperglicemia, distúrbios eletrolíticos e meta- de melhor terapia nutricional como auxiliar em
bólicos, e principalmente, infecções que podem melhor suporte psicológico para o paciente.
agravar-se para quadros de sepse (SIMPSON & Ademais, essa abordagem traz diversos impac-
DOIG, 2004). A nutrição enteral continua, de tos positivos na recuperação da vítima de quei-
maneira precoce, com alto contingente calórico madura.

249 | Página
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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burns in children. Journal of Emergency and Critical
Care Medicine, v. 2, p. 54-154, 2018.

250 | Página
CAPÍTULO 31
INCIDÊNCIA DE ACIDENTES COM
QUEIMADURAS EM CRIANÇAS NA
FASE PRÉ ESCOLAR À FASE
ESCOLAR
Palavras-chave: Queimadura em crianças, Queimadura na infância, Manejo de
crianças queimadas, Lesões por queimaduras infantis, Prevenção de crianças
queimadas

ESTHER MARIA SERAPIÃO TEODORO¹


PEDRO BRAGA CORDEIRO1
ZILDA ZILAIES MACIEL DE SOUZA REIS DOS SANTOS1
ANDRÉ GONÇALVES MARINHO2

1
Discente - Medicina na faculdade FAMINAS-BH, Belo Horizonte-MG
2
Docente - Médico Pediatra, Coordenador da equipe de trauma pediátrico do Hospital João XXIII,
Professor Adjunto e Coordenador do Núcleo da Saúde da Criança e do Adolescente na faculdade
FAMINAS-BH, Minas Gerais, Belo Horizonte

251 | Página
INTRODUÇÃO maduras, o agente etiológico com maior preva-
lência são as escaldaduras por líquidos supera-
As crianças, devido a imaturidade física e quecidos (73,31 %), seguido de contato com
cognitiva, aliado ao fato de serem curiosas, in- fogo (13,35 %) e com superfícies aquecidas
quietas, inexperientes, exploradoras, ativa e, na (6,37 %) (COSTA et al., 2016). No estudo de
maioria das vezes, incapazes de identificar e Silva et al. (2016) houve grande predomínio das
avaliar o perigo, são mais suscetíveis a aciden- lesões de queimadura de 2° grau, correspon-
tes (MORAIS et al., 2016). Estes fatores, asso- dendo cerca de 85,80 % do estudo, seguido por
ciado ao descuido familiar, condição socioeco- pacientes que apresentaram queimaduras de 1°
nômica, falta de supervisão e conflitos familia- grau (5,13 %) e com menor percentual (4,34 %)
res, corroboram com fato de que a infância é um as de terceiro grau. A predominância do sexo
período mais vulnerável e que requer acompa- masculino também é um fator comum encon-
nhamento rigoroso e ação efetiva por parte dos trado em outros estudos (MORAIS et al., 2016).
adultos para promover sua proteção e bem-estar Os locais do corpo que são atingidos com maior
(MESCHIAL et al., 2016). frequência são os membros superiores, mem-
Segundo Prestes et al. (2015), as queima- bros inferiores, face, mãos, tronco e pescoço
duras são uma das principais causas de aciden- (SANTOS & SÁ, 2015).
tes em crianças e adolescentes, sendo conside- Diante do exposto, o objetivo deste trabalho
rada a quarta taxa de acidente mais fatal, e a se- foi identificar, bem como destacar a queima-
gunda mais associada às causas que evoluem dura como uma das principais injúrias que aco-
para hospitalização e óbitos de crianças e ado- metem as crianças no período escolar e pré-es-
lescentes de 0 a 14 anos. As queimaduras são colar, além de relatar as diversas causas e fato-
classificadas como lesões teciduais que podem res de risco que podem favorecer o aconteci-
ocorrer nos mais variados graus e podem ser mento desses acidentes. Ademais, o presente
acarretadas por diversos agentes como calor, estudo buscou também expor os principais
frio, eletricidade, radiações, materiais corrosi- agentes etiológicos das queimaduras infantis,
vos ou químicos. A profundidade e a extensão quais as possíveis formas de realizar o trata-
da pele queimada são fatores determinantes mento na urgência e como prevenir que tais aci-
para classificar a gravidade da lesão dentes ocorram.
(BARCELOS et al., 2017).
De acordo com Santos & Santos (2017) no MATERIAL E MÉTODOS
Brasil, há 1 milhão de casos de queimaduras em
crianças a cada ano, dos quais 13.799 requerem Trata-se de um estudo descritivo, do tipo re-
tratamento hospitalar ou ambulatorial. Oliveira visão integrativa, com pesquisas nas bases de
et al. (2016) descreve que no Brasil aproxima- dados da Biblioteca Virtual da Saúde, Socie-
damente 50 % das queimaduras ocorrem no dade Brasileira de Pediatria, Cochrane Library,
ambiente doméstico dos quais 80 % dos aciden- EBSCOhost, Latin American and Caribbean
tes ocorrem na cozinha. Entre as crianças afeta- Health Sciences Literature (Lilacs), PubMed e
das, as menores de 5 anos são as mais prevalen- Google Acadêmico. Foram utilizados os descri-
tes. tores: “Queimadura em crianças”, “burn in chil-
Com relação à etiologia das lesões por quei- dren”, “Queimadura na infância” “childhood

252 | Página
burn”, “Manejo de crianças queimadas”, brincadeiras executadas por meninos são consi-
“Management of burnt children”, “Burns in deradas arriscadas o suficiente para que esses
children treatment”, “Prevention of burns in aci-dentes aconteçam (FUJISAWA et al.,
children”. 2016).
Desta busca foram encontrados 985 artigos, Outrossim, para uma melhor caracteri-
720 Google Acadêmico, 130 Lilacs, 107 zação da epidemiologia de queimaduras infan-
PubMed, 27 Cochrane, 1 EBSCOhost. Posteri- tis, segundo Morais et al. (2016) realizou-se um
ormente os artigos foram submetidos a critérios estudo quantitativo, retrospectivo e transversal
de seleção. por meio da análise de prontuários de 666
Os critérios de inclusão foram: artigos nos crianças que deram entrada e foram atendidas
idiomas português e inglês; publicados no perí- no setor de pacientes queimados do HUEC
odo de 2015 a 2022, estudos do tipo revisão (Hospital Universitário Evangélico de Curi-
sistemática e disponibilizados na íntegra. Foi tiba), no período de julho de 2013 a junho de
considerado como critério de exclusão: Estudos 2014. Para a execução da pesquisa foram sele-
em formato de editoriais, resenhas, disser- cionadas crianças menores de 5 anos vítimas de
tações, teses, cartas ao editor e demais artigos queimadura. Ademais, foram excluídas do es-
que não abordavam diretamente a proposta tudo todos os pacientes que não tiveram um pre-
estudada e que não atendiam aos demais crité- enchimento completo ou correto de todos os in-
rios de inclusão. dicadores dos prontuários de atendimento. Des-
Após definido os critérios de seleção, resta- te modo, após a aplicação dos critérios de
ram 386 artigos, dos quais foram submetidos a exclusão a amostra se consolidou em 618 cri-
uma leitura minuciosa para a seleção da amos- anças, uma vez que 48 prontuários não se apre-
tra final, resultando, assim, em 60 artigos. sentavam preenchidos corretamente. Sendo
assim, por meio desse estudo foram obtidos
RESULTADO E DISCUSSÃO dados relacionados ao total de internações; sexo;
idade dos pacientes; o(s) local(is) lesionado(s)
pela queimadura, além do agente causador.
Segundo estudos realizados, revelou-se um
Nesse sentido, abaixo as Tabelas 31.1, 31.2 e
alto índice de casos com queimaduras em
31.3 demonstram os dados mais importantes
crianças na faixa pré-escolar até a fase escolar
obtidos neste estudo, como a distribuição das
Isso está relacionado, principalmente, ao desen-
crianças vítimas de queimaduras, distribuição
volvimento neuropsicomotor que é considerado
dos agentes etiológicos, bem como distribu-
a fase em que as crianças desenvolvem a curi-
ição dos agentes juntamente a uma comparação
osidade e buscam explorar os arredores, o que
por faixa etária.
os tornam mais vulneráveis a situações de pe-
Segundo Oliveira et al. (2016) as lesões por
rigo. Nesse viés, vale ressaltar que esse acidente
queimaduras infantis se associam considera-
ocupa a décima primeira posição das principais
velmente com sequelas físicas, funcionais e
causas de morte de crianças de 2 a 9 anos de
traumas psíquicos nos sobreviventes, além de
idade e é também considerada a quinta causa estar relacionada à uma alta taxa de mortali-
mais frequente de lesões não fatais na infância. dade. Ademais, os serviços de saúde possuem
Além disso, há uma prevalência significativa altos custos financeiros no tratamento, tor-
em crianças do sexo masculino, visto que as nando-se essencial o conhecimento dos fatores

253 | Página
de risco e para a elaboração de medidas as quais da criança quanto por parte das pessoas do con-
serão como forma de prevenção eficazes para vívio desta para amenizar os riscos de queima-
minimização desses agravos. duras. Outrossim, o conhecimento e agilidade
por parte dos profissionais da saúde também
Tabela 31.1 Distribuição das crianças vítimas são de extrema importância para lidar com es-
de queimaduras n=618, segundo a faixa etária,
ses tipos de lesões nos pequenos. Sendo assim,
atendidas no setor de queimados do Hospital
Universitário Evangélico de Curitiba (HUEC) é possível apontar que o maior índice de quei-
maduras ocorre entre as crianças com idade in-
Categoria Intervalo Total ferior a 5 anos, em especial naquelas entre 1 e 3
anos. Isso deve-se ao fato de possuírem o sis-
0 anos < 1 ano 87
tema neuropsicomotor ainda pouco desenvol-
1 ano ≥ 1 e < 2 anos 300 vido além de serem indivíduos totalmente de-
2 anos ≥ 2 e < 3 anos 117 pendentes dos adultos para a realização de
qualquer atividade (OLIVEIRA et al., 2016).
3 anos ≥ 3 e < 4 anos 66
Ademais, de acordo com Manual de Quei-
4 anos ≥ 4 e < 5 anos 48 maduras Infantis (2015) durante essa faixa etá-
Total 618 ria até os 5 anos, faz-se necessário uma melhor
Legenda: Dados obtidos entre julho de 2013 e junho de
fiscalização por parte das pessoas que estão ao
2014. Fonte: Adaptado de Morais, 2017. redor dessa criança, haja vista que os acidentes,
principalmente, os domiciliares envolvem situ-
Tabela 31.2 Distribuição dos agentes etiológi- ações corriqueiras dentro de uma residência,
cos de queimadura em n=618 crianças, atendi-
como escaldaduras por água e óleo durante a
das no setor de queimados do Hospital Univer-
sitário Evangélico de Curitiba (HUEC) preparação de um alimento pelos responsáveis.
Além disso, outro fator predisponente a quei-
Agente etiológico Número de casos maduras acidentais é a exposição por substân-
cias tóxicas, como por exemplo, o álcool, o qual
Escaldadura 347
é altamente inflamável (BRASIL, 2012).
Superfície Aquecida 182 Quando se considera o sexo, a maior preva-
Alimento 36 lência de queimaduras são em meninos, tendo
em vista que, na maioria das vezes, isso pode se
FOGO/brasa/inflamá- 27
vel relacionar a diferença de comportamento, ou
Outros 14 seja, crianças do sexo masculinos tendem a par-
ticipar de brincadeiras de alto risco as quais
Elétrica 8
possibilitam uma maior exposição a fatores de
Químicos 4 risco (MORAIS et al., 2016).
Total 618 Por outro lado, de acordo com Lucena & Fi-
gueiredo (2017) com relação ao local, onde
Legenda: Dados obtidos entre julho de 2013 e junho de
2014. Fonte: Adaptado de MORAIS, 2017. mais ocorrem esses acidentes é o próprio ambi-
ente onde a criança reside, tendo em vista que é
Diante disso, percebe-se a necessidade do o local onde esse público permanece a maior
conhecimento tanto por parte dos responsáveis parte do tempo.

254 | Página
Tabela 31.3 Distribuição do número de quei- desse modo, submetidas a eventos que ocasio-
maduras provados por agentes etiológicos em nam graves queimaduras, principalmente diante
relação às faixas etárias de n=618 crianças, de uma estrutura familiar desestabilizada.
atendidas no setor de queimados do Hospital
Universitário Evangélico de Curitiba (HUEC). Também, é imprescindível mencionar sobre
as lesões desenvolvidas pelas crianças as quais
Agente etioló- 0 1 2 3 4 foram submetidas a algum tipo de queimaduras
gico anos ano anos anos anos ocasionadas por fatores específicos. Destarte,
Alimento 4 19 7 4 2 vale ressaltar que as queimaduras podem ser
classificadas em térmicas - são provocadas por
Elétrica 0 0 1 3 4
fontes de calor, por exemplo, o fogo, líquidos
Escaldadura 64 166 59 36 22 ferventes, vapores, objetos quentes e excesso de
exposição ao sol -; queimaduras químicas que
Fogo/ brasa/ são ocasionadas por substância química em
inflamável 0 9 8 4 6 contato com a pele ou mesmo através das rou-
pas, e por fim queimaduras por eletricidade que
Outros 3 1 5 3 2
são por descargas elétricas, este último tipo de
Químicos 0 1 0 1 2 classificação são menos frequentes em crianças
Superfície (PRESTES et al., 2015).
16 104 37 15 10
aquecida Outrossim, conforme o descrito pelo Ma-
Total 87 300 117 66 48
nual de Queimaduras Infantis (2015), os profis-
sionais de saúde ao receberem nos hospitais
Legenda: Dados obtidos entre julho de 2013 e junho de
2014. Fonte: Adaptado de MORAIS, 2017. crianças, as quais sofreram processos de quei-
maduras, devem observar minuciosamente a
Diante do fato exposto anteriormente, clínica das lesões, realizando uma análise sobre
Padalko et al. (2020) explica sobre a importân- a profundidade e a área da superfície queimada
cia de conhecer cada estrutura familiar, ou seja, (BRASIL, 2012).
deve-se considerar a renda familiar - caso seja Desse modo, ainda de acordo com o Manual
de baixa renda, verificar se a família recebe al- de Queimaduras Infantis existem graus para
gum tipo de auxílio governamental-, por quem conseguir classificar as queimaduras. As lesões
esse público é cuidado na ausência dos pais, se de primeiro grau atingem as camadas su-
vivem em zona urbana ou rural, além de ser im- perficiais da pele em que apresentam rubor,
portante observar se os pais são alfabetizados. edema e dor local suportável, sem a formação
Além disso, outros pontos que devem ser obser- de bolhas e descamação de 4 a 6 dias. Já, consi-
vados é se a criança convive com pais que estão derando a queimadura de segundo grau caracte-
na justiça por alguma causa de separação, se o riza-se pela espessura parcial-superficial e pro-
pequeno é filho de pais adolescentes, bem como funda, afetando a epiderme e regiões da derme,
se é filho de pais com distúrbios psicológicos. com formação de flictenas, sendo necessário 10
De acordo com o mesmo autor, todos esses pon- a 12 dias para completa cicatrização. Por outro
tos citados se encaixam como fatores de risco lado, a de terceiro grau é considerada a mais
os quais propiciam que as crianças participem grave, atingindo a espessura total, afetando a
ativamente de atividades perigosas, estando, derme, epiderme e as estruturas profundas. As
características clínicas, comumente encontra-

255 | Página
das nesse cenário são placas esbranquiçadas ou guns estudos foram realizados para melhor es-
enegrecidas com textura de couro. Essa última tabelecer as especificidades de terapia para esse
classificação da injúria é dita como indolor e público infantil. Dessa maneira, de acordo com
possivelmente necessitará de enxertos, fa- Frear et al., 2020 foi realizado um estudo clí-
zendo-se necessário também para as de segundo nico randomizado de terapias por pressão nega-
grau profundo (BRASIL, 2012). tiva (NPWT) adjuvante para queimaduras tér-
Tendo em vista as queimaduras de segundo micas de pequenas áreas em crianças. No pre-
e terceiro grau é válido mencionar que elas pro- sente estudo, os participantes foram recrutados
porcionam um dano maior na pele do indivíduo de um grande hospital infantil metropolitano de
lesionado, isso deve-se ao fato de que é acome- nível terciário. Esse público apresentava menos
tido o maior órgão defensor da entrada de mi- de 17 anos e eram elegíveis se apresentassem
croorganismo, ou seja, a pele. Esse dano teci- uma queimadura térmica cobrindo menos de
dual torna-se grave a ponto de associar-se a vá- 5% de sua área de superfície corporal total. O
rios fatores de risco, por exemplo, maior vulne- outro critério era a queimadura ter ocorrido em
rabilidade de replicação por parte dos agentes menos de 7 dias. Dessa maneira, alguns fatores
infecciosos, aumento da virulência, bem como foram considerados para esse estudo, como dor
resistência às barreiras de defesas naturais ou e prurido, perfusão da ferida, enxerto de pele
até mesmo com relação às terapias medicamen- associados aos eventos adversos e tratamento
tosas (PADALKO et al., 2020). de cicatrizes, gestão acompanhada de satis-
Os primeiros socorros são mais eficientes fação, além de avaliar o tempo de reepiteli-
no momento em que a queimadura ocorreu. zação.
Portanto devem ser realizados imediatamente Desse modo, considerando a finalização do
com a finalidade de resfriar a lesão causada, ali- estudo, observou-se que NPWT acelera a reepi-
viar a dor da criança e cessar a evolução da fe- telização em crianças com queimaduras térmi-
rida. Para que isso ocorra, é importante eliminar cas de espessura parcial com menos de 5%. A
a fonte de calor e os potenciais agentes causa- cicatrização rápida de feridas representa um dos
dores para que o processo de aprofundamento principais desafios no manejo de lesões tér-
das queimaduras seja interrompido, isso inclui micas de pequenas áreas, e atrasos na cicatri-
roupas abafadas, queimadas ou contaminadas zação levam a cuidados prolongados de recur-
por produtos químicos e todos os acessórios que sos e tempo, e aumentam o risco de compli-
a vítima estiver usando naquele momento cações como infecção e cicatrizes hípertróficas.
(REBELLO et al., 2016). Além disso, segundo Diante disso, considerando o público infantil,
Tran et al. (2019) é recomendado que a área no processo de cicatrização - o qual prossegue
queimada fique exposta à 20 minutos de resfri- para além de 8 dias - existe uma relação im-
amento com água fria e corrente para diminuir portante entre o tempo de reepitelização e a in-
a temperatura local, lembrando que, se houver cidência de cicatrização. Assim, aumenta-se o
qualquer sinal de hipotermia a aplicação deve risco de modo significativo, de formação de ci-
ser interrompida e, assim que a temperatura cor- catriz hipertrófica, sem ocorrer o fechamento
poral da criança normalizar o processo pode ser epitelial. Dessa maneira, fatores adicionais na
reiniciado. reepitelização corroboram de forma promissora
Considerando as opções de tratamento, al- para minimizar as consequências físicas, psi-

256 | Página
cossociais e financeiras com relação ao pro- sistemas NPWT ultraportáteis poderiam forne-
cesso de cicatrização. Por fim, o estudo mostra cer o mesmo benefício terapêutico com carga
que a utilização de NPWT contribui para a ci- reduzida, mas não eram amplamente difundidos
catrização de feridas, uma vez que suas ações para todos os pacientes (FREAR et al., 2020).
foram testadas e evidenciadas em pacientes in- Em relação aos sinais de alerta ficam evi-
cluem redução do edema tecidual, manutenção denciadas situações em que as queimaduras
do ambiente úmido e indução, e promoção da atendem aos requisitos como espessura parcial
síntese do tecido de granulação, neovasculari- ou total de >5 % TBSA (Total Burn Surface
zação, bem como remodelação da matriz extra- Area); áreas específicas como rosto, região
celular (FREAR et al., 2020). plantar e palmar; queimaduras dérmicas pro-
Ademais, devido aos efeitos pré e pró-cir- fundas; crianças com idade menor que 1 ano;
culatórios, a NPWT tem sido considerada uma sinais de infecção; entre outros. Esses critérios
ferramenta satisfatória para minimizar a pro- se encaixam na recomendação de encaminha-
gressão das queimaduras caso seja aplicada mento para uma unidade especializada em quei-
dentro do intervalo de 48 horas após a lesão em maduras. O manejo nas unidades deve conside-
que o comprometimento vascular progressivo rar fatores como idade, comorbidades, situação
continua. Além disso, os resultados mostraram doméstica, profundidade, tamanho e locali-
que os procedimentos envolvendo NPWT não zação da queimadura, disponibilidade de curati-
foram percebidos por médicos, cuidadores ou vos e requisitos de alívio da dor para procedi-
crianças como significativamente mais doloro- mentos (TRAN et al., 2019).
sos do que as trocas de curativos padrão. Por De modo geral, as queimaduras de 1º grau
outro lado, é válido ressaltar que uma baixa por- dependendo da extensão da área acometida,
centagem de crianças sofreram pequenas bolhas tendem a regenerar com mais rapidez, sendo in-
e/ou maceração periférica, embora esses inci- dicado apenas o controle da dor e creme hidra-
dentes não demonstrem prejudicar a recupe- tante local. As de 2º e 3º grau já necessitam de
ração. Entre outras preocupações houve os uma maior intervenção dependendo da profun-
desafios práticos, por exemplo, quando se trata didade e extensão da ferida, tal intervenção
do manejo clínico do aparelho NPWT Este consiste na enxertia precoce - nos casos com
mostrou-se mais trabalhoso do que o curativo profundidade - a fim de evitar sequelas e re-
padrão, com a criação e remoção de uma ve- trações. Além disso, os casos com feridas su-
dação hermética muitas vezes exigindo mais perficiais se baseiam na retirada do tecido des-
tempo e esforço. Alguns cuidadores enfrentam vitalizado pelo fato de que é um reservatório de
problemas técnicos que os levaram a procurar microrganismos que possuem uma potenciali-
atendimento fora do horário de expediente, in- zada tendência de contaminação, o que conse-
cluindo visitas ao pronto-socorro. Dentre os quentemente coloca o paciente em alto risco de
problemas recorrentes enfrentados, pode ser ci- contrair infecções (REBELLO et al., 2016).
tado o vazamento de ar em particular, especial- Em relação ao tamanho da área acometida,
mente em queimaduras envolvendo articula- na urgência é muito comum utilizar o método
ções. Por fim, outro incômodo estava relacio- de Wallace mais conhecido como “regra dos 9”
nado ao tamanho e o peso (1,2 kg) do disposi- (Figura 31.1) que consiste em classificar as
tivo que o tornavam físicamente dificultador queimaduras levando em consideração a exten-
para pacientes muito jovens. É possível que os são por meio da avaliação da porcentagem de

257 | Página
superfície corporal queimada das crianças. Médica Chinesa formulou um consenso, como
forma de minimizar os danos causados por
Figura 31.1 Imagem demonstrando o método queimaduras no público infantil.
de Wallace ou “Regra dos 9” para os pacientes Esse consenso refere-se às diretrizes naci-
pediátricos onais e estrangeiras existentes, bem como resul-
tados de pesquisas as quais abrangem a epide-
miologia de queimaduras, possibilidade de res-
gate local, ressuscitação, descartes e preven-
ções de lesões. Essa prevenção pode ser apli-
cada em vários âmbitos de convívio das cri-
anças (NAUMERI et al., 2019)
Sendo assim, alguns tópicos são de extrema
importância serem evidenciados, como popula-
rizar o conhecimento sobre queimaduras infan-
tis, além de explicar sobre como fornecer um
ambiente seguro para esses pequenos. Com re-
lação a divulgação de conhecimentos sobre o
assunto é importante que se faça uso de uma va-
Fonte: Adaptado de COSTA et al., 1999
riedade de métodos que auxiliem na populari-
zação sobre o tema, como uso dos meios tecno-
Em conformidade com o resultado será de-
lógicos, incluindo internet, programas de tele-
terminado se o caso em questão irá precisar de
visão e/ou palestras virtuais proporcionadas pe-
hospitalização ou não (REBELLO et al., 2016).
las escolas. Quando se refere ao ambiente se-
Pelo fato de as crianças possuírem uma área de
guro, é necessário que haja detectores de fu-
superfície maior na região da cabeça e do pes-
maça de incêndio, extintores, cobertores contra
coço sua porcentagem é maior, e os membros
incêndio ou sistemas de sprinklers em casa para
inferiores possuem uma região de superfície re-
evitar queimaduras domésticas. Ademais, é cru-
lativamente menor. Para cada 1 ano que a cri-
cial ressaltar alguns perigos comuns de incên-
ança alcançar deve-se tirar 1 % da cabeça e au-
dio em residências, por exemplo, fumar pró-
mentar 0,5 % em cada membro inferior
ximo a cama, bem como uso inadequado de
(REBELLO et al., 2016).
aparelhos elétricos e gás. Nesse sentido, a insta-
Segundo Rebello et al. (2016), as crianças
lação dos detectores de fumaça acompanhado
possuem uma porção da superfície corpórea re-
de sirenes podem auxiliar com que as crianças
lativamente maior na cabeça e pescoço, que é
tenham tempo para escapar do local. Já o uso de
compensada por uma superfície relativamente
sprinklers e extintores podem ser de grande
menor nas extremidades inferiores.
utilidade em ajudar a apagar o fogo ou reduzir
Diante de todos os fatores de exposição de
as chamas até o socorro chegar ao local. Outro
risco citados no decorrer da discussão, bem
fator importante é manter as crianças longe do
como perante os diversos estudos sobre como
contato com fluidos hidrotermais com tem-
evitar que as crianças sejam submetidas a esses
peratura ≥50°C para evitar queimaduras por
tipos de lesões graves, um Grupo de Pediatria
água quente. Além disso, é imprescindível ob-
de Desastres do Ramo Pediátrico da Associação

258 | Página
servar utensílios em casa os quais podem ocasi- informação dos mesmos, condição socioeconô-
onar acidentes, como aparelhos elétricos, mica e características inerentes da infância
fiações soltas e tomadas elétricas (NAUMERI como: imaturidade física e cognitiva, fragilida-
et al.,2019). de, dependência e impulsividade. Além disso,
com relação ao tratamento, notou-se que é
necessário o envolvimento não só da equipe
CONCLUSÃO
multiprofissional de saúde, mas também da co-
laboração dos responsáveis e de pessoas do
As queimaduras infantis constituem uma convívio desse público infantil. Também, é
importante causa de atendimento hospitalar e possível afirmar que para cada grau de lesão há
internação, além de causar diversas sequelas fí- uma terapia específica, além de que cada faixa
sicas e emocionais relevantes. O principal etária da fase infantil deve receber uma terapia
agente etiológico são as escaldaduras, sendo a qual condiz com a queimadura em questão.
que a maioria dos locais dos acidentes ocorrem Nesse sentido, entende-se que é de suma im-
em ambiente doméstico, principalmente na co- portância o desenvolvimento de medidas de
zinha. Com relação à prevalência das queima- sensibilização e orientações através de progra-
duras, o gênero masculino é o mais acometido, mas educativos junto a escolas e comunidades,
incidindo principalmente na faixa etária de um além de campanhas de prevenção em meios de
a quatro anos, com maior número de queimadu- comunicação de grande alcance, a fim de cons-
ras de segundo grau. cientizar a população acerca da prevenção de
Dentre as principais razões para a ocorrên- acidentes por queimaduras e, futuramente, evi-
cia dos acidentes com as crianças destaca-se a tá-los.
falta de atenção dos responsáveis, carência de

259 | Página
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Hospital Universitário Evangélico de Curitiba: perfil epi-
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260 | Página
CAPÍTULO 32
CONCEITOS GERAIS NA
ABORDAGEM DO TRAUMA NO
PACIENTE PEDIÁTRICO
Palavras-chave: Concussão Encefálica; Acidentes de trânsito; Pediatria;
Traumatismo Múltiplo; Cuidados de suporte avançado de vida no trauma

NICOLE BOSCARATO GHELLER¹


GUSTAVO SOUZA SERAPHIM ABRANTES²
JOÃO VICTOR CARVALHO DA PAZ³
FÁTIMA BEATRIZ GERPE GARIN BORGES4
GABRIEL DI IULIO AREIAS NETTO4
MARCELLA ALVES DE MENEZES BILOURO4
HERICK LETELBA CARVALHO FERREIRA4
TALLES AYRES LIMA4
MARIA VITÓRIA VARGAS BREVES4
LAURA DE OLIVEIRA BUSTAMANTE4
GIULIANA CAVALLERO VELASCO DOS SANTOS4
LARA MOSER MARTINS MANHAES4
MARCUS VINÍCIUS DA SILVA MOREIRA4

Discente – Medicina na Universidade Municipal de São Caetano do Sul


1
2
Discente – Medicina na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
3
Discente – Medicina na Universidade CEUMA (UniCEUMA) - Maranhão
4
Discente – Medicina Universidade Estácio de Sá - Rio de Janeiro

261 | Página
INTRODUÇÃO MÉTODO

Sabe-se que o trauma pediátrico acomete O presente capítulo foi escrito baseado na
parte da população com idade de até 19 anos. literatura mais atual sobre o tema, tendo como
De acordo com o DATASUS, os acidentes de metodologia base o tipo de revisão narrativa da
transporte são a primeira causa de morte, se- literatura. Os critérios de inclusão foram: pes-
guida dos acidentes por submersão entre as cri- quisa em humanos, estudos clínicos, prospec-
anças de 1 a 14 anos. A distribuição dos afoga- tivos e estudos com foco nos aspectos clínicos
mentos apresenta 2 picos de incidência, o pri- e evolutivos da classificação, tratamento, abor-
meiro em menores de 4 anos e o segundo em dagem inicial e as principais complicações do
adolescentes de 15 a 19 anos, onde observa-se trauma no paciente pediátrico. Não houve res-
sempre o predomínio do sexo masculino. Os trição quanto ao ano de publicação. Não foram
incluídos estudos retrospectivos, estudos de re-
menores de 1 ano afogam-se em banheiras, va-
visão, resumos para congresso. Os idiomas con-
sos sanitários, baldes e tanques; aqueles entre 1
siderados foram inglês, português e espanhol.
e 4 anos afogam-se em piscinas, banheiras, re-
As plataformas de busca utilizadas foram:
servatórios e mar; e na faixa de 5 a 14 anos, os
SciELO, Google Acadêmico, American Col-
acidentes fatais acontecem em piscinas, lagos,
lege Of Surgery, Arquivos Ciência Saúde,
rios, represas e mar. Entre os adolescentes, o
PUBLAB e o PubMed. Os descritores foram:
uso de bebidas alcoólicas está associado em 25
“Pediatrics”; “Traumatic Brain Injury”;
a 50 % dos casos de acidentes por submersão.
“Traffic Accidents”; “Pediatric Surgery” e
Além disso, é importante relatar que a queda é “Pediatric Trauma”, conforme Quadro 32.1.
a principal causa dos traumas abdominais (fe-
chados ou abertos) e fraturas na população pe- Quadro 32.1 Estratégia de busca para o pre-
diátrica (BRASIL, 2020). sente capítulo
Porém, as quedas não representam as prin-
((("Pediatrics"[All Fields]" Traumatic
cipais causas de morte por acidentes. Deve-se
Brain Injury "[All Fields]) " Traffic
lembrar que, segundo o ATLS (2018), mais de
Accidents "[All Fields]) " Pediatric Sur-
10 milhões de crianças são atendidas nas emer-
gery "[All Fields]) AND " Pediatric
gências dos Estados Unidos por ano para o tra-
Trauma "[All Fields]).
tamento de lesões traumáticas, o que representa
quase 1 em cada 6 crianças. Portanto, trata-se Inicialmente foi realizada a leitura de todos
de um tema extremamente importante (ATLS, os títulos e resumos por dois avaliadores de for-
2018). ma independente. Após a aplicação dos crité-
O objetivo deste estudo é prover infor- rios de inclusão, foram selecionados os artigos
mações, embasadas em literatura atualizada, so- para a leitura completa. A extração de dados
bre as principais causas de trauma pediátrico, dos artigos consistiu em identificar o ano da pu-
suas consequências e a melhor forma de abor- blicação, o desenho do estudo, objetivo, escores
dagem, devido às particularidades anatomofi- utilizados, variáveis estudadas e principal resul-
siológicas dos pacientes pediátricos. tado.

262 | Página
RESULTADO E DISCUSSÃO O uso de ferramentas para identificar o pa-
ciente pediátrico politraumatizado e suas prová-
Mecanismos de trauma e padrões de le- veis lesões associadas em um curto intervalo de
sões associados tempo é benéfico, recomendado e pode ampli-
As admissões pediátricas por lesões traumá- ficar a efetividade do atendimento prestado, tor-
ticas são comuns nas emergências e unidades de nando-o mais ágil. Um exemplo é o “Pediatric
terapia intensiva (UTI). Inúmeros mecanismos Trauma Score” (PTS), um sistema de score com
são evidenciados como o fator causal das ad- base em parâmetros fisiológicos do paciente
missões. Acidentes automobilísticos, com a ví- que foi ajustado às particularidades pediátricas
tima na posição de ocupante interno ou tran- a partir do modelo aplicado em adultos, o “Re-
seunte atingido, lideram o ranking em todos os vised Trauma Score” (RTS) (ATLS, 2018).
recortes de idade. Em sequência, lesões traumá-
ticas decorrentes de perfurações por armas de Características únicas do paciente pediá-
fogo, intoxicações, afogamentos e quedas figu- trico
ram entre quadro recorrentes nas portas de aten- É necessário ter em vista que o paciente pe-
dimento médico pediátrico (ATLS, 2018). diátrico possui, anatômica e fisiológicamente,
Isoladamente, os eventos traumáticos reper- particularidades em sua abordagem que decor-
cutem em lesões de cabeça e pescoço, lace- rem de sua biologia. A criança, comparada à po-
rações de face e couro cabeludo, lesões to- pulação adulta média, possui uma área corporal
rácicas e abdominais, fraturas (lombares, de menor, arcabouço ósseo mais cartilaginoso e
membros inferiores e superiores), além de, delgado, órgãos mais intimamente relacionados
queimaduras, intoxicações e uma infinidades de e, por fim, tecidos de cobertura (ex.: tecido con-
possíveis acometimentos que variam em sua juntivo e tecido adiposo) em menor acúmulo e,
gravidade. Contudo, majoritariamente, as le- consequente, menor capacidade de absorção de
sões decorrentes do trauma no paciente pediá- impacto e de termorregulação (SILVA et al.,
trico são politraumas, ou seja, se instalam em 2017).
múltiplos focos simultaneamente. A razão Os traumatismos cranioencefálicos (TCE),
desse fato é de fácil compreensão uma vez que por exemplo, são recorrentes uma vez que a
crianças possuem menor arcabouço estrutural proporção entre a cabeça e o corpo infantil são
que repercute em menor área para absorção e alteradas em relação aos adultos. O trauma em
dissipação dos impactos, além de uma relação crânio, combinado ao cérebro de composição
estrutural entre as vísceras mais íntima (ATLS, mais aquosa e menos mielinizada do indivíduo
2018). pediátrico, pode repercutir em edema cerebral
O estado clínico geral do paciente pediá- e, consequente, deterioração da estabilidade
trico politraumatizado tende a maior estabili- respiratória. Além disso, a desproporção crânio
dade hemodinâmica, contudo, tal premissa é corporal propicia o risco aumentado de lesões
uma tendência e não uma regra absoluta e, por das vértebras cervicais, contudo, com poucos
isso, deve-se proceder com o atendimento e a acometimentos medulares nas crianças (SILVA
transferência para um centro capaz de prosse- et al., 2017; ATLS, 2018).
guir o tratamento adequado tão breve quanto No caso dos traumatismos toraco-abdomi-
possível (ATLS, 2018). nais, é comum o envolvimento de lesões do ar-

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cabouço ósseo com menor gravidade se com- agnosticada uma condição passível de resolu-
parado às lesões viscerais, as quais apresentam ção em alguma das etapas da sequência
maior gravidade devido à junção de uma com- ABCDE, deve-se solucionar o problema em
posição óssea mais flexível e complacente as- questão imediatamente antes de continuar com
sociado às vísceras que ocupam, em proporção, a sequência de atendimento (ATLS, 2018).
grande parte das cavidades nas quais estão in-
seridas. Na ocorrência de fraturas, é sempre ne- ● A: Vias Aéreas (Airway)
cessário suspeitar de forte transferência de ener- O importante nesta etapa é assegurar a via
gia ao corpo da criança, porém, no caso de os- aérea do paciente, para garantir que a oxige-
sos longos, a tendência é que sejam incompletas nação tecidual está adequada. Como a incapa-
ou, se completas, não apresentem desvios cidade em se estabelecer ou manter a via aérea
(ATLS, 2018). pérvia, associada a falha na oxigenação e/ou
Por fim, vale ressaltar que todo trauma ventilação, é a causa mais comum de parada
causa um momento de desarranjo para o paci- cardíaca nas crianças, a via aérea é a prioridade
ente e sua família. Nos casos pediátricos, pela no atendimento inicial. Há algumas mudanças
ótica do paciente, há pouca compreensão do na abordagem desta etapa para o paciente
contexto que rapidamente se instala. Dor, baru- pediátrico, devido às diferenças anatômicas das
lho, choros, a iniciativa das ações passa dos pais crianças, como a desproporção entre o tamanho
para alguém estranho e, pela natureza dos even- do crânio e da face ser grande, o que causa uma
tos, sem uma comunicação ao nível de compre- propensão de a laringe posterior se anteriorizar,
ensão da criança. Já pela ótica dos pais, a culpa dificultando a perviabilidade da via aérea e o
e angústia por uma suposta negligência que re- fluxo de oxigênio. Por isso, é importante manter
sultou no trauma são eventos comuns. Sendo um alinhamento neutro da coluna da criança,
assim, é mandatório oferecer à criança e à famí- mantendo o plano da face paralelo ao da pran-
lia suporte com palavras bem colocadas e infor- cha. Desta forma, a atenção às características
mações claras sobre o decorrer do caso (ATLS, anatômicas e a faixa etária do paciente pediá-
2018). trico é de extrema importância para evitar trau-
mas e ventilação inadequada. Caso a criança
ABCDE do trauma pediátrico esteja inconsciente, com glasgow menor que 9,
Com a finalidade de padronizar o atendi- com sinais de insuficiência respiratória e/ou
mento de pacientes vítimas de trauma, o Colé- seja incapaz de manter sua via aérea pérvia,
gio Americano de Cirurgiões criou o treina- métodos mecânicos podem ser necessários,
mento teórico-prático chamado Suporte de Vida como o uso do tubo orofaríngeo, guedel, masca-
Avançado no Trauma, o qual estipulou o proto- ra laríngea, cricotireoidostomia, ou ainda de
colo de atendimento na sequência ABCDE (A: uma IOT (intubação orotraqueal), sempre pré
Airway; B: Breathing; C: Circulation and oxigenando antes (ATLS, 2018).
Shock; D: Disability; E: Exposure and Envi-
ronmental Control). É fundamental utilizar essa ● B: Respiração (Breathing)
abordagem sequencial pois prioriza o atendi- Neste segundo passo, o foco é reconhecer
mento e resolução de situações clínicas de quando o paciente pediátrico apresenta uma
maior morbimortalidade primeiro. Caso seja di- troca gasosa prejudicada e sua causa, tais como

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pneumotórax, obstrução por corpo estranho, le- de débito urinário, os quais indicam uma perda
são pulmonar, etc. Como a hipóxia é a causa sanguínea maior de 45 % do volume circulató-
mais comum de parada cardiorrespiratória nos rio, sendo necessário tratamento com soluções
pacientes pediátricos, a atenção à respiração e à de cristalóides e protocolo de transfusão sanguí-
ventilação é muito importante, fazendo-se ne- nea (ATLS, 2018).
cessário um cuidadoso exame físico, com ins-
peção, percussão e ausculta em todos esses pa- ● D: Déficits (Disability)
cientes. É importante ressaltar ainda, que a fre- Nesta etapa do atendimento será feito o
quência respiratória das crianças diminui com a exame neurológico rápido do paciente pediá-
idade (lactentes apresentam 30 a 40 irpm, en- trico. Para isso, utiliza-se a Escala de Coma de
quanto crianças maiores 15 a 20 irpm). Desta Glasgow Pediátrica pois se trata de uma avali-
forma, dependendo da alteração encontrada, a ação rápida, simples e objetiva. Nessa escala
ventilação se torna necessária, sendo os volu- são avaliadas atitudes de abertura ocular, res-
mes correntes mais utilizados para pacientes pe- posta verbal e resposta motora, atribuindo-se
diátricos 4 a 6 mL/kg. Se um dispositivo adulto, pontos para cada situação. Níveis de consciên-
como a bolsa-válvula-máscara, for utilizado, os cia alterados indicam necessidade de avaliar ou-
riscos de barotrauma iatrogênico são grandes, tros parâmetros como oxigenação, ventilação,
uma vez que a árvore traqueobrônquica e os al- perfusão e, até que se prove o contrário, mu-
véolos das crianças são mais frágeis (ATLS, danças de nível de consciência são decorrentes
2018). de lesões de sistema nervoso central. Outros
fatores que também podem alterar o nível de
• C: Circulação e choque (Circulation consciência são hipoglicemia, intoxicações
and shock) exógenas etc (SILVA et al., 2017).
Nesta etapa de atendimento será avaliado o
estado hemodinâmico do paciente. Pacientes • E: Exposição (Exposure and Environ-
pediátricos apresentam uma reserva fisiológica mental Control)
maior do que o os adultos, ou seja, conseguem Para finalizar o atendimento inicial do paci-
manter valores de pressão arterial sistólica den- ente vítima de trauma, deve-se expor todo o
tro dos valores normais, mesmo na existência corpo da criança, habitualmente cortando suas
de choque. Desta forma, pode ser necessário ter vestes e retirando qualquer acessório para pro-
uma perda de mais de 30 % de volume circula- curar qualquer lesão ou sinal que passou des-
tório para que o paciente pediátrico comece a percebido nas primeiras etapas do atendimento.
demonstrar alterações em seu estado hemodinâ- Após o exame integral é necessário que o pa-
mico. Portanto, é preciso ter atenção em outros ciente seja coberto com mantas para evitar hi-
sinais que podem indicar a presença de choque, potermia. Caso a sala de urgência seja provida
como taquicardia, má perfusão periférica, pul- de ar-condicionados funcionantes deve-se con-
sos periféricos progressivamente menos palpá- siderar o desligamento dos mesmos para asse-
veis e/ou filiformes, livedo reticular, pele úmida gurar uma temperatura ideal para a criança. Os
e extremidades frias. Em casos mais graves e/ou fluídos aquecidos também podem ser adminis-
tardios pode haver sinais de perfusão sistêmica trados para controle de hipotermia (ATLS,
inadequada, como hipotensão acompanhada de 2018).
taquicardia seguida de bradicardia e diminuição

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Parada cardiorrespiratório e ressusci- de emergência, delegar alguém – se estiver pre-
tação cardiopulmonar sente na cena – para obter um Desfibrilador
Parada Cardiorrespiratória (PCR) é uma Externo Automático (DEA), verificar se o am-
emergência médica definida pela súbita inter- biente está seguro – se for em caso de uma es-
rupção da circulação cardíaca, desencadeando trada, garantir que não haverá outro acidente -
disfunções hemodinâmicas no paciente por exemplo afastar pessoas para evitar multi-
(KLAUSS et al., 2020) e, no âmbito pediátrico, dão - e iniciar instantaneamente a manobra de
a maioria das paradas cardíacas intra-hospitala- Ressuscitação Cardiorrespiratória (RCP). A
res estão associadas a insuficiência respiratória RCP pediátrica consiste em uma compressão
ou choque (MORGAN et al., 2020), sendo a as- eficaz (>/1/3 do diâmetro anteroposterior) em
sistolia, em decorrência de uma bradicardia, o uma constância de 100 à 120/min até a chegada
ritmo mais comum em crianças (BATISTA et do desfibrilador. Em caso da presença de outra
al., 2021). Já a parada cardíaca súbita é consi- pessoa para auxiliar na conduta, deve-se aplicar
derada mais rara no cenário pediátrico, sendo ventilações de resgate em uma proporção de
mais frequente em caso de uma patologia cardí- compressão/ ventilação de 15:2. No instante em
aca subjacente (FERNANDES et al., 2021). O que estiver um DEA em mãos, deve-se imedia-
prognóstico no cenário pediátrico é reservado, tamente posicioná-lo para averiguar se o ritmo
e variáveis como aumento da idade da criança e cardíaco é chocável (fibrilação ventricular ou
o ritmo da PCR ser chocável, podem ser associ- taquicardia ventricular sem pulso) ou não (as-
ados a uma maior taxa de sobrevida. Ademais, sistolia ou atividade elétrica sem pulso - AESP).
a probabilidade de sobrevida do paciente em No caso de um ritmo chocável, o DEA indica
uma PCR está intrinsecamente relacionada à para se afastar do paciente e apertar o botão para
um manejo adequado, que envolve diversas eta- emitir o choque. Após isso, o DEA vai nova-
pas importantes, com a importância de uma mente identificar o ritmo e avisar se deve ou
equipe multidisciplinar desempenhando não retornar para as manobras de compressão
funções essenciais (SHIMODA-SAKANO et torácica. Posteriormente a manobra de RCP de
al., 2020). qualidade e retornando o pulso do paciente, este
O manejo de uma PCR envolve protocolos deve ser levado prontamente para uma Unidade
diferentes se o atendimento for intra-hospitalar de Terapia Intensiva Pediátrica (LAVONAS, et
ou extra-hospitalar e, a taxa de sobrevida é três al., 2020).
vezes maior no ambiente hospitalar Já no caso de um atendimento intra-hospi-
(SHIMODA-SAKANO et al., 2020). Porém, o talar, após reconhecer da mesma forma que se
primeiro passo é o mesmo para os dois cenários, está diante de um paciente sem pulso, devemos
que é saber reconhecer rapidamente que se está acionar a equipe de enfermagem e de fisiotera-
diante de uma PCR conferindo em uma artéria pia para iniciar, de uma maneira multidiscipli-
central (carótida ou femoral), se o paciente en- nar, as etapas de RCP na criança. Primeira-
contra-se sem pulso cardíaco e, consequente- mente, deve-se identificar pelo monitor do pa-
mente, chamar auxílio (LAVO-NAS et al., ciente, se estamos diante de um ritmo chocável
2020). ou não-chocável. No caso de um ritmo chocá-
Em um atendimento extra-hospitalar, após vel, aplica-se com o desfibrilador um choque de
reconhecer que o paciente encontra-se sem 2J/Kg e se inicia imediatamente a massagem de
pulso, é preciso rapidamente acionar o serviço compressão torácica (100-120/min) durante 2

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minutos. Além disso, a equipe de enfermagem para assegurar uma conduta adequada
deve ser acionada para que se obtenha um (LAVONAS, et al., 2020).
acesso intravenoso – caso já não possua. Se o Outro ponto importante é ser capaz de reco-
paciente estiver com uma via aérea avançada nhecer possíveis causas reversíveis de PCR,
(ex: intubação endotraqueal), deve-se nesse que são: Hipovolemia; Hipóxia; Hipotermia;
caso administrar ventilações de resgate a cada 2 Hidrogênio (acidemia); Hipoglicemia; Hipo/
a 3 segundos. Porém, no caso do paciente esti- Hipercalemia, Tensão no tórax por pneumotó-
ver sem via aérea avançada, realiza na pro- rax hipertensivo; Toxinas; Trombose coronária;
porção de 15 compressões para 2 ventilações. Trombose pulmonar e Tamponamento cardíaco
Após 2 minutos, verifica-se novamente o ritmo (FERNANDES et al., 2021; LAVONAS, et al.,
do paciente e, caso mantenha-se em ritmo 2020).
chocável, deve-se aplicar novo choque (agora
de 4J/Kg) e administrar via intravenoso (IV) Trauma torácico
epinefrina (0,01 mg/kg à dose máxima de 1mg). O trauma torácico é responsável por uma
A seguir, deve-se avaliar novamente o ritmo do porcentagem significativa das mortes em unida-
paciente e se manter em ritmo chocável, deve- des de emergência. A vítima de trauma deve ser
se aplicar novamente o choque – a partir desse submetida a uma avaliação primária, secundá-
momento aplicar sempre choques de pelo me- ria e cuidados definitivos. Mais de dois terços
nos 4 J/kg à máximo de 10 J/kg ou dose adulta das crianças possuem lesões múltiplas conco-
– e administrar amiodarona (bolus de 5 mg/kg) mitantes de órgãos e sistemas. A forma com que
ou lidocaína (dose inicial de ataque de 1 o trauma ocorre e a anatomia do tórax infantil
mg/kg). Esse ciclo continua, repetindo a dose faz com que os tipos de lesões observadas sejam
de epinefrina a cada 3-5 minutos, alternando características da criança (ATLS, 2018).
com uma dose de amiodarona (que deve ser
feita até no máximo 3 doses/3 ciclos) e, após já ● Avaliação primária
ter sido feito três ciclos de amiodarona, em caso Via Aérea: O primeiro passo é identificar
de necessidade de manter a manobra de RCP, lesões que coloquem em risco a vida do paci-
deve-se administrar apenas epinefrina. Ade- ente nos momentos iniciais do atendimento
mais, no caso do ritmo ser não-chocável (assis- (ATLS, 2018).
tolia/AESP) deve-se administrar epinefrina Obstrução de via aérea: É importante bus-
(0,01 mg/kg) imediatamente e realizar as mano- car por sinais de problemas ventilatórios e
bras de compressões adequadamente da mesma observar quanto a presença de corpo estranho
forma. Nesse caso, não se deve aplicar choque na orofaringe, excluindo a presença de sangra-
e não se administra amiodarona ou lidocaína. mento, edema e vômito. Em seguida, deve ser
Deve-se manter o ciclo de compressões/ venti- realizada a ausculta pulmonar em busca de ruí-
lações e, a cada 2 minutos, verificar novamente dos adventícios que possam sugerir obstrução.
o ritmo do paciente. Em caso de alterar para um Pacientes com esses sinais, devem ser inicial-
ritmo chocável, deve-se seguir o protocolo de mente aspirados se a causa for sangramento ou
ritmo chocável como já descrito. É recomen- vômito. Posteriormente, é necessário obter via
dado que, sempre que possível, alterar o respon- aérea definitiva (ATLS, 2018).
sável pela manobra de compressões torácicas a Lesão de Árvore Traqueobrônquica: lesões
cada 2 minutos ou antes, no caso de cansaço, graves que levam o paciente à morte no local do

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acidente. Clinicamente é visto hemoptise, cia- ml/kg ou uma perda contínua de 2-3 ml/kg por
nose, enfisema subcutâneo cervical e pneumo- 3 horas consecutivas ou instabilidade hemodi-
tórax hipertensivo. O diagnóstico é confirmado nâmica, deve-se avaliar a necessidade de reali-
por broncoscopia e a abordagem imediata pode zação de toracotomia de urgência (SHARMA,
ser feita com intubação orotraqueal juntamente 2016).
com a avaliação de um cirurgião (SHARMA, Tamponamento Cardíaco: acúmulo de lí-
2016). quido no saco pericárdico que resulta em com-
Respiratório: A maior flexibilidade e com- pressão cardíaca e diminuição do débito cardí-
placência da parede torácica da criança, faz com aco. Clinicamente, pode se apresentar por hipo-
que seja transmitido maior força aos pulmões e fonese de bulhas, hipotensão, turgência jugular,
vasos torácicos (RCH, 2022) dispneia, pulso filiforme e choque (ATLS,
Pneumotórax hipertensivo: o ar assume 2018). Se necessário, pode ser realizada a eco-
um fluxo unidirecional para o pulmão, sendo cardiografia. O tratamento é realizado com oxi-
essa a lesão de risco iminente de vida mais co- gênio suplementar, volume e pericardiocentese.
mum na infância. O acúmulo de ar gera desvio, A evidência em relação a toracotomia pediá-
diminuição do retorno venoso e compressão do trica é limitada para o trauma contuso, sendo
pulmão contralateral. O choque causado é o indicada apenas no trauma penetrante (RCH,
obstrutivo. Clinicamente é visto dor torácica, 2022).
dispneia, taquicardia, hipotensão, cianose. O
tratamento é feito por descompressão com agu- ● Avaliação secundária
lha e drenagem em selo d'água (PEARSON et A avaliação secundária surge em identificar
al., 2017). lesões potencialmente letais antes não vistas. O
Pneumotórax Aberto: Ocorre quando o fe- uso de exames complementares é impreterível
rimento é superior a dois terços do diâmetro da para o diagnóstico (ATLS, 2018).
traquéia (ATLS, 2018). Pneumotórax ocultos Pneumotórax Simples: Pode ser criado
em sua grande maioria resolvem-se espontane- pelo trauma penetrante ou pelo contuso. No tó-
amente sem intervenção e não aparecem na ra- rax pesquisamos lacerações, equimoses e con-
diografia de tórax (HAMMER, 2012). Clinica- tusões. Ao exame, temos hipertimpanismo e
mente, se apresenta com dor, dispneia e taqui- murmúrio vesicular diminuído no lado afetado.
pneia. O tratamento é analgesia, oxigênio su- A radiografia de tórax pode ajudar no diagnós-
plementar e o fechamento da lesão com o cura- tico. A toracostomia digital imediata é o manejo
tivo de três pontas. Posteriormente, deve ser preferido no ambiente intra-hospitalar; se não
realizado a colocação do dreno de tórax e mo- puder ser realizada, deve ser feita uma toraco-
nitorização (SHARMA, 2016). centese imediata (RCH, 2022).
Hemotórax: é causado pelo acúmulo de Contusão Pulmonar: A contusão pulmo-
sangue no espaço pleural. Nas radiografias, o nar é a lesão pulmonar mais comum em cri-
hemotórax pode se assemelhar ao derrame pleu- anças com trauma torácico fechado. Pode gerar
ral (PEARSON et al., 2017). O manejo deve ser hipóxia, devido a sangue e outros fluídos que se
iniciado com analgesia, oxigênio de alto fluxo, acumulam no tecido pulmonar. As crianças
reposição de cristalóide e descompressão do podem sofrer contusões e outras lesões no tórax
volume acumulado com dreno de tórax. Se o interno sem fratura de costela. O tratamento
volume drenado inicialmente for superior a 20 consiste em garantir oxigenação adequada,

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analgesia, drenagem torácica e administração e/ou esofagoscopia. O reparo cirúrgico deve ser
criteriosa de fluídos para melhorar a ventilação evitado em crianças. Antibioticoterapia e nutri-
(PEARSON et al., 2017). ção parenteral tem se provado úteis em perfu-
Trauma Cardíaco Contuso: Em crianças rações pequenas ou contidas. Entretanto, em
ocorre após trauma fechado direto no esterno. pacientes com mediastinite a cirurgia de ur-
Geralmente a porção acometida é a parede an- gência está indicada (PEARSON et al., 2017).
terior do coração, podendo resultar em contusão
do músculo cardíaco, ruptura de câmaras cardí- Trauma abdominal
acas, dissecção e/ou trombose das coronárias. A Aproximadamente 80 % dos traumas abdo-
ruptura da câmara cardíaca acarreta em tampo- minais derivam de trauma contuso, geralmente
namento cardíaco. Os sinais e sintomas são a causados por quedas e acidentes de veículos.
hipotensão, arritmias no eletrocardiograma ou Pela menor dimensão abdominal e maior fragi-
alterações vistas na ecocardiografia (RCH, lidade de arcos costais, estão mais sujeitos a le-
2022). sões múltiplas e parênquimatosas. Eles sofrem
Ruptura Traumática da Aorta: É muito lesões mais profundas, porém também cessam
rara na população pediátrica. Geralmente hemorragias de forma espontânea mais facil-
ocorre na aorta torácica, após trauma de rápida mente, o que aumenta as taxas de tratamento
desaceleração. Clinicamente, é visto descon- conservador (PEREIRA et al, 1999).
forto respiratório, macicez à percussão à es-
querda, taquicardia e hipotensão. Se houver ● Exame físico/avaliação inicial
suspeita na radiografia simples, é necessária a Na abordagem de pacientes conscientes, a
investigação adicional com TC de Tórax, Aor- avaliação física pode ser um desafio, pois os
tografia (padrão-ouro) e Ecocardiografia tran- eventos traumáticos deixam as crianças assus-
sesofágica. O tratamento empregado é analge- tadas e estressadas. Utilizar um tom de voz
sia, medicações para controlar a frequência ameno, fazer perguntas sobre presença de dor
cardíaca e pressão arterial média, volume, oxi- abdominal e não realizar palpação profunda ao
gênio e cirurgia (PEARSON et al., 2017). início do exame para não gerar resistência vo-
Lesão Traumática do Diafragma: É uma luntária à dor, o que pode causar sinais errados
lesão rara na população pediátrica e geralmente e confundir os achados. Já pacientes inconsci-
apresentam múltiplas lesões associadas. A pas- entes, não há significativa variação na avali-
sagem de uma sonda nasogástrica permite a ação. Para facilitar, é recomendada a descom-
avaliação da lesão junto a radiografia de tórax. pressão da bexiga, pois uma bexiga distendida
Caso esta não seja visualizada na cavidade to- pode causar sensibilidade na região e gerar
rácica, deve ser feita uma tomografia de tórax confusão com dilatação gástrica (PEREIRA et
com contraste. O tratamento instituído é a su- al., 1999; ATLS, 2018).
tura primária da lesão (SHARMA, 2016). Crianças pequenas e bebês, ao chorar, têm a
Ruptura Esofágica: É rara na população tendência de engolir significativas quantidades
pediátrica. Os sinais e sintomas são: dor abdo- de ar. Por isso é recomendado, em caso de ab-
minal ou torácica, dispneia, febre, vômitos e dômen distendido, inserir uma sonda gástrica
leucocitose. O exame inicial é a radiografia de para descompressão do estômago na fase de
tórax (HAMMER et al., 2012). O diagnóstico ressuscitação, havendo preferência da sonda
pode ser confirmado por estudos contrastados orogástrica em bebês (PEREIRA et al., 1999).

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Sinais como instabilidade hemodinâmica, gãos parenquimatosos em pacientes pediátri-
alteração de sensibilidade à palpação superfi- cos, e um ponto negativo é que o FAST pode
cial e profunda, alteração do nível de consciên- não identifica-las, ou seja, não é muito confiá-
cia, fratura de estruturas como pelve, lombar e vel, sendo a TC o exame de escolha caso o pa-
arcos costais pedem uma avaliação aprofun- ciente esteja estável (ATLS, 2018).
dada para identificar ou descartar hemorragias, Lavado peritoneal diagnóstico (LPD):
ruptura direta de víscera, avulsão do mesenté- Esse exame é realizado para detectar sangra-
rio, entre outras (ATLS, 2018). mento intra-abdominal em pacientes instáveis
hemodinamicamente que não conseguem rea-
● Exames complementares lizar TC devido ao risco de transporte, ou se o
Tomografia Computadorizada (TC): Em FAST não estiver disponível. Presença de san-
crianças hemodinamicamente estáveis com gue é indicação para tratamento cirúrgico ime-
trauma abdominal fechado, a TC com contraste diato, contudo, isso não acontece com frequên-
endovenoso é realizada com frequência, deve cia, visto que grande parte das crianças pos-
estar disponível e ser feita o mais rápido possí- suem lesões autolimitadas. É importante desta-
vel, mas sem atrasar ou prejudicar o tratamento. car que LPD só é útil em caso de lesões de vís-
É fundamental que um cirurgião avalie preco- ceras intra-abdominais e não avalia os órgãos
cemente o paciente para definir a necessidade retroperitoneais com confiança ou sensibili-
de tratamento cirúrgico ou se deve ser realizado dade. Esse exame pode interferir em avaliações
tratamento não operatório (ATLS, 2018). futuras do exame físico ou exame de imagem
A TC só deve ser realizada se os resultados do paciente, o que é um ponto negativo de
forem relevantes para determinar mudanças de grande importância (ATLS, 2018).
conduta. É importante manter a radiação em ní-
veis mínimos, cortando apenas áreas de inte- ● Tratamento
resse e usando a menor dose possível de radi- Em um local com recursos e supervisão
ação. Quando um paciente pediátrico precisar contínua de profissional especializado, pode-se
de avaliação tomográfica, deve ser acompanha- optar pelo tratamento não operatório. No entan-
do por um médico experiente em manejo de via to, quando não houver recursos, a intervenção
aérea pediátrica e acessos venosos, visto que cirúrgica deve ser considerada. Visto que o san-
pode ser necessário realizar reanimação ou tam- gramento de lesões de órgãos parenquimatosos
bém sedação, a fim de evitar a movimentação em crianças geralmente é autolimitado, a pre-
do paciente no exame (ATLS, 2018). sença de sangue na TC ou FAST não indicam
Avaliação Focalizada com Sonografia necessariamente cirurgia de emergência em
para Trauma (FAST): Apesar de pouco sensí- pacientes estáveis inicialmente ou que se torna-
vel para detectar hemoperitônio, ele pode ser re- ram estáveis rapidamente após reposição volê-
petido. Se for encontrado sangramento volu- mica (ATLS, 2018).
moso, é provável que tenha alguma lesão signi-
ficativa, mas a instabilidade hemodinâmica e ● Lesões viscerais específicas
resposta ao tratamento são os determinantes da Existem algumas mais comuns que são re-
necessidade de cirurgia. As lesões intraparen- sultado de uma compressão forçada do conte-
quimatosas correspondem à ⅓ das lesões de ór- údo visceral entre a parede abdominal e a co-
luna. Algumas das formas mais encontradas são

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bicicleta, cinto de segurança e cotoveladas manejo. As diferenças são atribuídas à idade,
contra os quadrantes abdominais, a última po- mudança estrutural, mecanismo de lesões base-
dendo ser por acidente ou maus tratos. Os aci- ado na capacidade física da criança e a dificul-
dentes envolvendo bicicleta geram lesão em dade em Avaliação neurológica de populações
abdome superior devido ao impacto do corpo pediátricas. O couro cabeludo é altamente vas-
contra o guidão, como hematoma duodenal in- cularizado e uma causa potencial de perda de
tramural. Já os acidentes de carro, podem lesi- sangue letal. Mesmo uma pequena perda de vo-
onar o abdômen se a porção abdominal do cinto lume sanguíneo pode levar a choque hemorrá-
for colocada de forma inapropriada. O sinal do gico em um recém-nascido, lactente, e criança,
cinto de segurança aumenta as chances de lesão o que pode ocorrer sem aparente sangramento
intra abdominal, especialmente se acompa- externo. Assim, as crianças são consideradas
nhado de fratura lombar, taquicardia e líquido para exibir uma resposta patológica específica
livre. O paciente que tiver uma combinação ao cérebro, lesão e sintomas neurológicos asso-
desses sintomas deve-se presumir que apresenta ciados. Os avanços no diagnóstico por imagem
lesão do trato gastrointestinal (PEREIRA et al., melhoraram a qualidade do atendimento, auxi-
1999; ATLS, 2018). liando os profissionais de saúde a avaliar e di-
É mais comum em crianças lesões pancreá- agnosticar crianças com TCE. Além disso, a
ticas, esplênicas e hepáticas, e o tratamento va- ressonância magnética (RM) facilitou diagnós-
ria de acordo com a extensão. Ruptura de be- tico preciso, seleção adequada do tratamento,
xiga, perfuração intestinal no ou próximo ao li- prevenção de outras complicações, como dis-
gamento de Treitz, avulsão mesentérica e de função cerebral, bem como convulsões pós-
delgado tem risco de diagnóstico tardio por seus traumáticas (MENON et al., 2019).
sintomas inespecíficos. Deve-se ter atenção A apresentação clínica de crianças com le-
pois lesões de vísceras ocas requerem inter- são é extremamente variável, dependendo da
venção cirúrgica precoce, assim como há a gravidade do trauma. A escala de coma Pediá-
necessidade de reavaliar o paciente para identi- trico de Glasgow (PGCS) é comumente usada
ficar mudanças clínicas. Caso o tratamento con- para avaliar a consciência e definir a gravidade
servador não tenha o efeito esperado, a laparo- das lesões na cabeça. Geralmente, os déficits
tomia exploratória é indicada a pacientes que neurológicos são encontrados no tempo de le-
apresentam choque circulatório não responsivo são e sinais clínicos recém-aparecidos podem
à reposição volêmica ou se a necessidade de indicar progressão adicional da doença, alte-
transfusão exceder metade da volemia em até rações devido a lesões na cabeça e devem ser
24 horas (ATLS, 2018). cuidadosamente investigadas. A evolução da
anatomia e propriedades específicas da idade do
• Traumatismo cranioencefálico infan- crânio, face, cérebro, e músculos do pescoço
til tornam as crianças suscetíveis a tipos distintos
O traumatismo cranioencefálico (TCE) é a de lesões que não são encontradas em adultos
principal causa de morte e invalidez em cri- (OLSEN et al., 2019).
anças. TCE em crianças resulta em uma série de Existem propriedades biomecânicas únicas
lesões traumáticas no couro cabeludo, crânio e para lesão cerebral pediátrica devido a uma
cérebro que são comparáveis aos dos adultos, combinação de plasticidade e deformidade, on-
mas diferem tanto na fisiopatologia quanto no de as forças externas são absorvidas de forma

271 | Página
diferente em relação aos adultos. O crânio in- Existem algumas particularidades pediátri-
fantil é menos rígido e as suturas abertas funci- cas anatômicas que devem ser levadas em con-
onam como articulações, permitindo um pe- sideração na abordagem ao TRM infantil, são
queno grau de movimento em resposta a um es- elas: os ligamentos interespinhosos e cápsulas
tresse mecânico. No entanto, lesões extracrani- articulares mais flexíveis, corpos vertebrais
anas e intra também estão associadas à parto com posicionamento anterior que tendem a es-
normal e até hemorragias intracranianas podem corregar para frente com a flexão, articulações
ser observadas em partos vaginais, compressão planas, placas de crescimento não estão fecha-
e tração exercida na cabeça fetal durante sua das e os centros de crescimento são imaturos,
passagem pelo canal do parto com o uso de ins- forças aplicadas ao pescoço mais proximal são
trumentos obstétricos. Os recém-nascidos são relativamente maiores que no adulto e, por úl-
propensos a ter condições como hematoma ce- timo, como a criança possui a cabeça maior
fálico e hematoma subgaleal. Por ser bem co- quando comparada ao pescoço, há uma angu-
nhecido que um baixo peso ao nascer e hipoxe- lação e fulcro mais alto na coluna cervical, o
mia são riscos fatores para hemorragia intraven- que causa mais lesões em nível de C3 (ATLS,
tricular nesta idade, os fatores Abusive Head 2018).
Trauma (AHT) e coagulopatia devem ser dife- Radiografias simples são consideradas o pa-
renciados (DEWAN et al., 2016). drão-ouro para pacientes pediátricos com
Em geral, o TCE primário inclui lesão (he- exame neurológico normal, e tomografia com-
matoma epidural, hematoma subdural, hemor- putadorizada (TC) e ressonância nuclear mag-
ragia subaracnóidea e intraventricular hemorra- nética (RNM) não devem ser solicitadas de ro-
gia), lesão intraparenquimatosa (hemorragia tina (BENMELOUKA et al., 2020). A TC e a
intracerebral, lesão axonal difusa e hematoma RNM são indicadas em casos de exames radio-
intracerebral) e lesão vascular, como como dis- lógicos insuficientes, achados neurológicos no
secção vascular, artéria carótida-cavernosa fís- exame físico e avaliação da coluna em doentes
tula sinusal, fístula arteriovenosa dural e pseu- com TCE (ATLS, 2018).
doaneurisma (ROSEN-FELD et al., 2019). Um estudo publicado em 2017 mencionou a
superioridade da TC em comparação à radio-
Trauma raquimedular grafia simples para detecção de lesões na co-
O trauma raquimedular (TRM) é definido luna cervical, entretanto, o uso da TC está asso-
como a lesão na medula espinhal, seja ela a ní- ciado ao maior risco de malignidade devido à
vel medular ou a nível da cauda equina (MAYO presença de radiação ionizante (BENME-
CLINIC, 2021). Considerado incomum na faixa LOUKA et al., 2020).
etária pediátrica, o traumatismo raquimedular O termo SCIWORA (Spinal Cord Injury
decorre principalmente de acidentes automo-bi- Without Radiographic Abnormality) refere-se a
lísticos e, em crianças entre 10 e 14 anos de ida- presença de sinais de lesão medular traumática
de, o TRM também é consequência de acidentes aguda, na ausência de lesão na coluna vertebral
esportivos (ATLS, 2018). Em geral, existem em radiografias simples e TC, estando associ-
três mecanismos de trauma principais que po- ada a uma alta incidência de lesões neurológi-
dem levar ao TRM: aceleração/desaceleração, cas completas (KONOVALOV et al., 2020).
lesão rotacional e flexão/extensão (BENME- A abordagem ao TRM no paciente pediá-
LOUKA et al., 2020). trico é semelhante ao paciente adulto, incluindo

272 | Página
imobilização, reposição volêmica, medicações canto metafisário, mais comum na porção pro-
e, se indicado, transferência (ATLS, 2018). O ximal do úmero, porção distal do fêmur e da tí-
uso de corticoides está associado ao aumento do bia. É um achado incomum de lesões por
fluxo sanguíneo para medula espinhal, mas não trauma acidental. A frequência é maior em cri-
atua na reversão da morte neuronal (BENME- anças menores de 1 ano. Os principais fatores
LOUKA et al., 2020). de risco são a incapacidade física, menor estado
socioeconômico, perpetradores etilistas e/ou ta-
Trauma Musculoesquelético bagistas (SONIN et al., 2012; MENCIO &
O trauma musculoesquelético pode causar SWIONTKOWSKI, 2018).
alguns tipos de lesões, contusão, entorse,
luxação, amputação e fratura. Quando ocor- • Individualidade musculoesquelética
rem, estruturas importantes do tecido mole po- pediátrica
dem ser acometidas como vasos, nervos e a cáp- Anatomicamente, as crianças são menores e
sula articular, podendo gerar ruptura total das consequentemente têm menor massa, e por isso,
estruturas. Será abordado as principais lesões a incidência de politraumatismo é maior em
pediátricas, mostrando manifestações clínicas e uma situação de atropelamento por um automó-
aspectos gerais, além das individualidades ana- vel, por exemplo. Com as extremidades mais
tômicas, biomecânicas e fisiológicas (SONIN encurtadas e com a força reduzida, isso torna a
et al., 2012; MENCIO & SWIONTKOWSKI, parte pescoço e a cabeça mais vulneráveis à le-
2018). são, levando a uma grande incidência de lesões
na cabeça, por conta de quedas da própria altura
• Principais causas de lesões pediátri- (SBOP, 2016).
cas Biomecanicamente, as crianças politrau-
Fratura de Salter- Harris (SH): é a fratura matizadas apresentam características específi-
que afeta a fise no paciente com imaturidade cas de fraturas, por compressão (toro), incom-
óssea. As localizações mais acometidas estão pletas (em galho verde), epifisárias, defor-
situadas em membro superior, a porção distal mação plástica ou encurvamento. Isso ocorre
do rádio e os quirodáctilos, representando mais pelo baixo conteúdo de materiais inorgânicos e
de 50 % das fraturas. Seus sinais e sintomas porosidade aumentada. Assim, a plasticidade é
mais comuns são tumefação, hipersensibilidade maior e torna a resistência menor, sendo mais
local e movimento limitado. A média de idade fácil lesionar, e a proteção aos órgãos internos
acometida é 11 anos para o público feminino e é comprometida, mesmo que não acometa
12 anos para o masculino, sendo maior inci- externamente (SBOP, 2016).
dência feminina. O prognóstico piora em mem- Fisiologicamente, não se pode deixar que
bros inferiores independentemente do tipo de crianças possam ter muita perda de sangue após
fratura, e as maiores complicações substanciais um trauma. Por conta de seu tamanho, elas pos-
ocorrem no joelho e tornozelo (SONIN et al., suem resposta a inflamação local rápida, aju-
2012; MENCIO & SWIONTKOWSKI, 2018). dando na cicatrização acelerada e minimizando
Maus-tratos infantis: lesão óssea infantil uma agressão sistêmica, assim como as fraturas,
não é encontrada frequentemente, mas é típica as quais têm tempo de consolidação curto, po-
de ação violenta. A melhor característica diag- dendo se remodelar de forma deformada ou en-
nóstica por imagem é a fratura pequena do curtada se a placa epifisária for lesionada. Isso

273 | Página
deve ser tratado a longo prazo para evitar qual- cações e até a morte dos pacientes pediátricos.
quer consequência indesejada (SBOP, 2016). Associado a isso, é sabido que os traumas e as
suas consequências (tais como PCR, choque,
CONCLUSÃO TCE) são causas recorrentes de mortalidade in-
fantil. Desta forma, fica evidente a importância
Este capítulo mostrou que, apesar de haver do estudo e do domínio sobre os temas neste
muitas similaridades entre o atendimento à cri- capítulo abordados, principalmente para os
ança traumatizada e ao adulto traumatizado, há profissionais da área da saúde, mas também
diversas particularidades anatomofisiológicas para a população em geral (que pode auxiliar
dos pacientes pediátricos, de forma que a exe- nos primeiros cuidados pré atendimento médi-
cução de manobras e técnicas de salvamento co).
clássicas nos adultos, pode causar compli-

274 | Página
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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MENCIO, G. & SWIONTKOWSKI, M. Green Trauma ce/manual/chest-injury/. Acesso em: 07 mar. 2022.
Esquelética Em Criança: Tradução Da 5ª Edição. Rio de

275 | Página
CAPÍTULO 33
ERITRODERMIA E REAÇÕES
CUTÂNEAS GRAVES NA
EMERGÊNCIA
Palavras-chave: Eritrodermia; Psoríase eritrodérmica; Necrólise epidérmica
tóxica; Síndrome de Stevens-Johnson; Síndrome DRESS

PAULA GOMES LOPES TELLES¹


GABRIELA PENAFORTE DE SOUZA¹
JOÃO HENRIQUE DOS SANTOS RANGEL¹
ANNA LUISA SANTOS BERRIEL¹
INGRID SAKIMOTO GARCIA¹
EDSON FILIPE HOFFMAN DE BARROS¹
BRUNO AMORIM DE SOUZA¹
BRUNO BORDALLO CORRÊA2

Discente – Faculdade de Medicina, Universidade Federal Fluminense


1
2
Médico – Departamento de Clínica Médica/Emergência, Hospital Universitário Antônio Pedro,
Universidade Federal Fluminense

276 | Página
INTRODUÇÃO pa seguinte pautou-se na busca de artigos nas
seguintes bases de dados: Public/Publisher
Eritrodermia, também chamada de derma- MEDLINE (PUBMED), Scientific Electronic
tite esfoliativa, é uma condição grave e poten- Library Online (SciELO) e Literatura Latino-
cialmente fatal que se apresenta como eritema Americana e do Caribe em Ciências da Saúde
difuso e descamação envolvendo toda ou a (LILACS). Tendo em vista o objetivo deste ca-
maior parte da área de superfície corporal (≥ pítulo, foram utilizados os descritores: "exfolia-
90%). A eritrodermia é considerada um sinal tive dermatitis" OR "erythrodermic psoriasis"
clínico e, por isso, pode ser a forma de apresen- OR "toxic epidermal necrolysis" OR "stevens-
tação clínica de diversas doenças cutâneas e sis- johnson" OR "drug reaction with eosinophilia
têmicas, sendo as mais comuns a exacerbação and systemic symptoms". Os filtros utilizados
de uma dermatose inflamatória preexistente, foram: Clinical Study; Clinical Trial; Clinical
como psoríase, reações de hipersensibilidade a Trial, Phase I; Clinical Trial, Phase II; Clinical
drogas e linfoma cutâneo de células T. Contudo, Trial, Phase III; Clinical Trial, Phase IV; Cli-
permanece sem etiologia definida em cerca de nical Trial Protocol; Randomized Controlled
30 % dos casos, sendo considerada idiopática Trial.
(TAN et al., 2017; ROTHE et al., 2005). Foram incluídos apenas ensaios originais
Neste capítulo, serão abordadas algumas publicados entre 2017 e 2022 no idioma inglês
das causas mais frequentes de eritrodermia, ou português, disponibilizados na íntegra, além
como a psoríase eritrodérmica (PE), reações de de artigos referenciados a partir da busca. Fo-
hipersensibilidade a medicamentos como sín- ram excluídos da busca artigos de pesquisa não
drome de Stevens-Johnson (SSJ), necrólise epi- escritos em inglês ou português, artigos dupli-
dérmica tóxica (NET) e a síndrome DRESS cados, artigos de revisão e estudos que não
(Drug Reaction with eosinophilia and Systemic abordavam diretamente a proposta estudada e
Symptoms). que não atendiam aos demais critérios de inclu-
O objetivo deste capítulo é evidenciar que, são.
apesar da eritrodermia ser uma condição rara, o De acordo com os critérios pré-estabeleci-
conhecimento acerca do diagnóstico e manejo dos, foi identificado um total de 141 artigos por
correto dessa emergência dermatológica é de meio de busca nas bases de dados (MEDLINE
suma importância para diminuir complicações e = 113; SciELO = 11; e LILACS = 17), 19 de
alta taxa de mortalidade. outras fontes (referências do estudo), mas 6
eram duplicados, restando 154 artigos. Após a
MÉTODO triagem dos títulos, resumos e referências, 118
foram excluídos por não atenderem aos critérios
Para a composição deste capítulo foi reali- de inclusão. Dos 36 artigos de texto completo
zada uma revisão integrativa a partir de pesqui- restantes elegíveis, 10 foram removidos por não
sas feitas durante o período de janeiro a março atenderem aos critérios de população ou inclu-
de 2022. Em um primeiro momento, foram de- são. Por fim, 26 artigos foram incluídos na aná-
terminadas as temáticas que seriam abordadas e lise qualitativa.
a hipótese da pesquisa, bem como critérios de
inclusão e de exclusão dos estudos base. A eta-

277 | Página
RESULTADOS E DISCUSSÃO sentando altas taxas de morbidade e mortali-
dade que pode chegar até 64 % em algumas sé-
A avaliação etiológica do paciente eritro- ries de casos (KRISHNAMOORTHY et al.,
dérmico envolve história clínica detalhada, 2018).
exame físico – incluindo análise detalhada dos Estima-se que a PE ocorra em menos de 3%
fâneros como cabelos, unhas e das mucosas dos pacientes com psoríase, ainda assim, cons-
buscando qualquer sinal de dermatose cutânea titui a principal causa de eritrodermia, compre-
subjacente. Também deve-se avaliar a pre- endendo 25 % dos casos (VALENZUELA et
sença de linfonodomegalias, hepatoesplenome- al., 2018). A idade de início da eritrodermia é
galia, edema de face, mãos e pés. Além da altamente variável, porém em um estudo envol-
história clínica e exame físico, deve-se lançar vendo uma série de 50 pacientes, a idade média
mão de exames como a biópsia de pele e exa- de início foi de 48 anos. Parece haver uma li-
mes laboratoriais (SIGURDSSON et al., 1997). geira predileção por homens (BOYD &
Apesar da investigação correta, grande nú- MENTER, 1989).
mero de casos permanecerá sem etiologia defi- A exacerbação da psoríase evoluindo para
nida. Entretanto, a avaliação contínua de paci- eritrodermia, pode ser desencadeada por vários
entes com eritrodermia idiopática é importante, fatores, incluindo estresse emocional, queima-
pois a causa subjacente pode se tornar aparente duras solares, infecções, alcoolismo ou uso de
ao longo do tempo (SIGURDSSON et al., 1997; drogas. A suspensão abrupta do tratamento da
THESTRUP-PEDERSEN et al., 1988). psoríase em placas, incluindo esteroides, ciclos-
A seguir serão abordadas as causas mais co- porina e metotrexato, também é importante
muns desse quadro dermatológico, incluindo causa de eritrodermia (SHAO et al., 2020).
epidemiologia, manifestações clínicas, diag- A marca registrada na apresentação clínica
nóstico e tratamento. da psoríase eritrodérmica é o desenvolvimento
de eritema disseminado e confluente da pele,
Psoríase eritrodérmica Figura 33.1, podendo evoluir rapidamente, ao
A psoríase é uma doença inflamatória crô- longo de dias, ou de forma subaguda ao longo
nica da pele e acomete 2-3 % da população. É de semanas (BOYD & MENTER, 1989).
caracterizada pelo desenvolvimento de placas É comum a ocorrência de descamação
eritemato-descamativas na pele, princi-pal- furfurácea e esfoliação da pele, Figura 33.2,
mente em superfícies extensoras dos joelhos, que geralmente se desenvolvem vários dias
cotovelos, região periumbilical, inter-glútea e após o início da eritrodermia, podendo haver
couro cabeludo. Porém apresenta alguns fenóti- ceratodermia palmoplantar associada (BOYD
pos distintos, sendo sua exacer-bação uma & MENTER, 1989).
causa importante de eritrodermia (VALENZU- A pele está frequentemente dolorosa e/ou
ELA et al., 2018). pruriginosa, particularmente em áreas com des-
A PE é uma variante rara e grave que se camação proeminente, podendo apresentar fo-
apresenta com eritema generalizado, afetando tossensibilidade. A PE pode também cursar
pelo menos 80-90 % da superfície do corpo. De- com pústulas, semelhantes às que ocorrem na
vido ao extenso defeito de barreira da pele, a PE psoríase pustulosa, envolvendo principalmente
está relacionada a diversas compli-cações, apre- as extremidades (BOYD & MENTER, 1989).

278 | Página
Figura 33.1 Paciente com psoríase eritrodér- fluidos e eletrólitos, agravados pela termorre-
mica gulação prejudicada e demandas metabólicas
aumentadas devido à rápida proliferação de cé-
lulas epidérmicas.
Além disso, a esfoliação da pele pode levar
à perda de proteínas e aumentar o risco de in-
fecção estafilocócica da pele e septicemia
(KRISHNAMOORTHY et al., 2018).
O diagnóstico é feito com base na história
pessoal ou familiar de psoríase, identificação de
Legenda: Imagem apresentando paciente com placas eri- possíveis fatores desencadeantes e biópsia da
tematosas roxas com descamação fina que se estendem
do tronco às extremidades superiores e inferiores. Fonte: pele. Exame físico completo para diagnosticar
Valenzuela et al., 2018. complicações sistêmicas, assim como sinais de
infecção da pele, e avaliação laboratorial, inclu-
Figura 33.2 Paciente com psoríase eritro-dér- indo hemograma completo e painel metabólico
mica e descamação furfurácea
abrangente buscando disfunção orgânica e dis-
túrbios hidroeletrolíticos, devem ser feitos
como parte da avaliação inicial do paciente eri-
trodérmico (KRISHNAMOORTHY et al.,
2018).
Rastreio de hepatites virais, HIV e tubercu-
lose, além de atualização vacinal quando apro-
priados devem ser feitos devido à necessidade
de uso de agentes imunossupressores sintéticos
ou biológicos (KRISHNA-MOORTHY et al.,
2018).
Legenda: Imagem das lesões típicas da descamação no
quadro de PE, as quais frequentemente não têm a espes- A biópsia de pele é geralmente indicada,
sura vista na psoríase crônica em placas e a escala é dife- uma vez que ajuda na exclusão de outras causas
rente, sendo fina. Fonte: Shao et al., 2020.
de eritrodermia, principalmente linfoma cutâ-
Achados extracutâneos estão frequente- neo de células T, e muitas vezes são úteis para
mente associados, incluindo febre, calafrios, estabelecer um diagnóstico de psoríase eritro-
mal-estar, taquicardia, artralgias e linfadeno- dérmica em casos de difícil identificação. Em
patia. As anormalidades laboratoriais geral- uma revisão retrospectiva de biópsias obtidas
mente incluem leucocitose, eosinofilia e anemia de 45 pacientes diagnosticados com psoríase
(BOYD & MENTER, 1989). eritrodérmica, características histológicas da
A pele adquire a aparência vermelha e psoríase inicial, como hiperplasia epidérmica
quente, característica da eritrodermia, em de- leve com camada granular reduzida ou ausente,
corrência do aumento do fluxo sanguíneo e da paraceratose focal e espongiose leve, Figura
vasodilatação cutânea. Este desvio de sangue 33.3, foram observadas em mais da metade dos
para a pele pode resultar em edema, choque, le- pacientes (TOMASINI et al., 1997).
são renal aguda e insuficiência cardíaca de alto O manejo inicial do paciente eritrodérmico
débito, além de desequilíbrios significativos de

279 | Página
deve incluir um rastreio ativo para infecção, de- tratamento para a psoríase eritrodérmica aguda
vido ao aumento do risco de bacteremia e sepse, com base na alta eficácia, rápido início de ação,
correção de alterações de fluidos corporais, pro- ampla disponibilidade e facilidade de adminis-
teínas e eletrólitos, além da restauração da bar- tração. É administrada por via oral em doses de
reira cutânea. Por isso, na maioria das vezes, es- 3 a 5 mg/kg por dia, de acordo com a gravidade.
ses pacientes devem receber tratamento intra- Deve ser usada com cautela em pacientes com
hospitalar para gerenciamento adequado de flu- disfunção renal ou hipertensão grave pelo seu
idos e eletrólitos e cuidados com a pele (SHAO risco aumentado de nefrotoxicidade e piora da
et al., 2020; KRISHNAMOORTHY et al., hipertensão. Outros efeitos adversos importan-
2018). tes da ciclosporina incluem interações medica-
mentosas, distúrbios hidroeletrolíticos, riscos
Figura 33.3 Corte histológico da pele de um pa- de infecções e malignidade (ROSENBACH et
ciente com psoríase eritrodérmica al., 2010).
O adalimumabe é um anticorpo monoclonal
humano que se liga ao TNF-alfa. Sua via de
administração é subcutânea e a dose inicial re-
comendada é de 80 mg, ou seja, duas injeções.
Em seguida, doses de 40 mg são administradas
em semanas alternadas, começando na semana
seguinte à dose inicial. É fundamental que qual-
quer infeção seja descartada antes de iniciar o
tratamento, com especial atenção à tuberculose,
pois podem apresentar evolução atípica e mais
Legenda: Biópsia de pele mostrando acantose regular e grave. Pode piorar a insuficiência cardíaca em
espongiose leve da epiderme com ausência da camada
granular e sobrejacente paraqueratose. Vasos dilatados
pacientes com doença pré-existente, sendo con-
nas papilas dérmicas entre a rede alongada e afinamento tra-indicado naqueles com classes III e IV da
suprapapilar da epiderme. Fonte: Krishnamoorty et al., New York Heart Association (KRUG et al.,
2018.
2020).
Após a estabilização inicial do quadro e ex- Para os casos de menor gravidade, a acitre-
clusão de infecção ativa, o tratamento da psorí- tina é normalmente o tratamento de escolha,
ase com ciclosporina ou adalimumabe são reco- sendo administrada em doses de 25 a 50 mg por
mendados como tratamento de primeira linha. dia. Porém, pode causar hiperlipidemia e hepa-
A ciclosporina é considerada uma droga de res- totoxicidade (MENTER et al., 2010).
gate na psoríase, sendo aprovada apenas para 1 O metotrexato é normalmente adminis-
ano de tratamento, devendo, devido ao seu per- trado em dose única semanal de 7,5 a 25 mg por
fil de efeitos colaterais, ser substituída por ou- dia, acompanhado da suplementação de ácido
tros agentes, uma vez que o controle da doença fólico. O desconforto gastrointestinal é um
tenha sido alcançado. Como tratamento de ma- efeito colateral comum do metotrexato, que
nutenção pode ser indicado a acitretina e o me- também pode causar efeitos adversos graves
totrexato pois possuem melhor perfil de efeitos como hepatotoxicidade, mielossupressão e to-
adversos. (KRISHNAMOORTHY et al., 2018). xicidade pulmonar (ROSENBACH et al.,
A ciclosporina é amplamente aceita como o 2010).

280 | Página
Nos últimos anos, vários tratamentos imu- rus. Porém, apesar de apresentar diversas possí-
nobiológicos mostraram resultados promissores veis etiologias, a SSJ e a NET são consideradas
no tratamento da PE, como, por exemplo, o idiopáticas em 25 % a 50 % dos casos (BULI-
secuquinumabe, um anticorpo monoclonal anti- SANI et al., 2006; CREAMER et al., 2016).
IL-17A que demonstrou ser altamente eficaz A classificação em SSJ ou NET baseia-se na
(SHAO et al., 2020). porcentagem da superfície corporal afetada. A
No entanto, há poucos ou nenhum estudo SSJ é a condição menos grave, na qual o desco-
comparativo ou dados de estudos prospectivos lamento da pele é <10 % da superfície do corpo,
controlados disponíveis para orientar os médi- já a NET envolve descolamento de >30 % da
cos no manejo da PE, com a grande maioria dos área corporal, enquanto a sobreposição SSJ/
dados e evidências clínicas baseadas em relatos NET descreve pacientes com descolamento de
individuais ou pequenas séries de casos. Dessa pele de 10 a 30 % da área de superfície corporal
forma, a escolha de qual agente usar deve ser (BULISANI et al., 2006).
baseada nas comorbidades do paciente, cenário As estimativas de incidência da SSJ, NET e
clínico e gravidade da doença (SHAO et al., SSJ/NET variam de 2 a 7 casos por milhão de
2020). pessoas por ano. Por não ser uma doença de no-
tificação compulsória, os dados brasileiros são
Síndrome de Stevens-Johnson e necrólise escassos, porém, estima-se uma incidência da
epidérmica tóxica SSJ em torno de 1,2 – 6 casos/milhão de habi-
A SSJ e a NET, também conhecida como tantes por ano e estima-se uma incidência da
Síndrome de Lyell, são reações mucocutâneas NET em torno de 0,4 – 1,2 casos/milhão de ha-
graves, comumente caracterizadas por extensa bitante por ano (SCHWARTZ et al., 2013;
necrose e descolamento da epiderme. As mem- BULISANI et al., 2006).
branas mucosas são afetadas em mais de 90 % Alguns fatores podem colaborar para o au-
dos pacientes, geralmente em dois ou mais lo- mento da incidência, como a presença de múlti-
cais distintos (ocular, oral e genital) plas comorbidades, idade avançada, susceptibi-
(CREAMER et al., 2016; ROUJEAU & lidade genética e doenças autoimunes. A taxa
STERN, 1994). de mortalidade geral entre os pacientes com SSJ
Os medicamentos são os principais causa- ou NET é de aproximadamente 30 %, variando
dores da SSJ/NET, sendo as drogas mais comu- de aproximadamente 10 % para SSJ a até 50 %
mente associadas as sulfonamidas e as penicili- para NET. A mortalidade continua a aumentar
nas. O risco de desenvolver essa síndrome pa- até um ano após o início da doença (BULISANI
rece estar limitado às primeiras oito semanas de et al., 2006).
tratamento, portanto é improvável que medica- Pródromos, como febre, muitas vezes supe-
mentos usados por mais tempo sejam a causa de rior a 39°C, e sintomas semelhantes aos da
SSJ e de NET. O período de exposição típico gripe, costumam preceder em um a três dias o
antes do início da reação é de quatro dias a qua- desenvolvimento de lesões mucocutâneas.
tro semanas do primeiro uso do fármaco. A Além disso, mal-estar, mialgia e artralgia estão
SSJ/NET também pode ser desencadeada por presentes na maioria dos pacientes (ROUJEAU
neoplasias e infecções virais, sendo o agente in- & STERN, 1994). Já a fotofobia, prurido ou ar-
feccioso mais relacionado ao herpes simples ví- dor conjuntival, disfagia e odinofagia podem

281 | Página
ser sintomas precoces de envolvimento da mu- na pele adjacente à área afetada (CREAMER et
cosa. O desenvolvimento de qualquer reação al., 2016).
cutânea envolvendo pele e mucosa precedidos
por febre e sintomas constitucionais deve aler- Figura 33.5 Lesões-alvo atípicas
tar para a possibilidade de SSJ/NET
(CREAMER et al., 2016; LETKO et al., 2005).
As lesões cutâneas geralmente começam
com máculas eritematosas mal definidas, con-
fluentes, com centros purpúricos, Figura 33.4,
embora muitos casos possam apresentar eri-
tema difuso.

Figura 33.4 Máculas purpúricas

Legenda: Na palma deste paciente com Síndrome de


Stevens-Johnson/Necrólise Epidérmica Tóxica existem
numerosas lesões circulares; a maioria é caracterizada
por um centro vermelho escuro cercado por um anel rosa.
Em algumas áreas, as lesões são confluentes. Fonte:
Creamer et al., 2016.

O envolvimento da mucosa ocorre em apro-


ximadamente 92 – 100 % dos pacientes com
Legenda: Este paciente com Síndrome de Stevens-
Johnson/Necrólise Epidérmica Tóxica desenvolveu nu- SSJ e quase todos os pacientes com NET
merosas lesões planas vermelho-escuras no tronco e nas (SCHWARTZ et al., 2013) e pode preceder ou
costas. Ao longo de alguns dias, as lesões se juntaram
para produzir grandes áreas de eritema escuro. Fonte: seguir a erupção cutânea. Podem ocorrer cros-
Creamer et al., 2016. tas dolorosas e erosões em qualquer superfície
da mucosa (ROUJEAU & STERN, 1994).
Podem estar presentes também lesões-alvo
atípicas com centros mais escuros (Figura
Figura 33.6 Descamação epidérmica na região
33.5). À medida que a doença progride, podem
da coxa
surgir vesículas e bolhas e, em poucos dias, a
pele começa a descamar. Essas erosões são dis-
tribuídas simetricamente na face, pescoço e tó-
rax inicialmente, os quais são geralmente mais
afetados na SSJ, e, caso se espalhem rapida-
mente de modo centrífugo para outras áreas,
configura-se a NET (Figuras 33.6 e 33.7)
(ROUJEAU & STERN, 1994; BULISANI et
al., 2006).
Ao exame físico, podemos evidenciar o
sinal de Nikolsky, classicamente presente, que Legenda: Houve destacamento de menos de 10% da epi-
se caracteriza pela extensão da descamação su- derme dentro de uma área de pele lesionada na coxa deste
perficial ao realizar uma leve pressão ou atrito homem. Fonte: Creamer et al., 2016.

282 | Página
Figura 33.7 Perda epidérmica Figura 33.8 Lesões na mucosa oral e lábios

Legenda: Mucosa oral e lábios com áreas erosivas reco-


bertas por crostas vermelho-escuras. Fonte: Letko et al.,
2005.
Legenda: Necrólise extensa resulta no descolamento de O acometimento urogenital é caracterizado
lâminas de epiderme e exposição de grandes áreas de por eritema da mucosa, bolhas e erosões geni-
derme desnudada. Este paciente com necrólise epidér-
mica tóxica teve descolamento epidérmico de 60 % da tais. A uretrite, que se desenvolve em até dois
área de superfície corporal. Fonte: Creamer et al., 2016. terços dos pacientes, pode levar à retenção uri-
nária. Nas mulheres, o envolvimento vulvova-
A mucosa oral está quase invariavelmente
ginal cursa com vaginite erosiva. Após a reso-
envolvida, com bolhas hemorrágicas ou puru-
lução da fase aguda, as erosões da mucosa ge-
lentas que, rompendo-se, deixam áreas erosivas
nital podem persistir por mais algumas semanas
recobertas por crostas vermelho-escuras, (Fi-
e, então, se curam formando cicatrizes. A longo
gura 33.8). Ainda, a estomatite e a mucosite le-
prazo, pode haver sequelas graves, como este-
vam ao comprometimento da ingestão oral com
nose de uretra, cistite recorrente, fimose nos
consequente desnutrição e desidratação. Muitas
homens e sinéquias, aderências e estenoses la-
vezes sendo necessária a alimentação através de
biais ou vaginais nas mulheres, com conse-
sonda enteral ou mesmo nutrição parenteral
quente disfunção sexual e urinária (CREAMER
(CREAMER et al., 2016).
et al., 2016).
O envolvimento ocular também é comum na
Anormalidades hematológicas, como ane-
maioria dos casos, sendo importante a avaliação
mia e linfopenia, são comuns. Além disso, a
oftalmológica para evitar complicações como
neutropenia está presente em aproximada-
ulceração da córnea. A alteração mais comum
mente um terço dos pacientes e é marcador de
nos olhos é uma conjuntivite grave com se-
mau prognóstico. Hipoalbuminemia, distúr-
creção purulenta, porém outros acometimentos,
bios eletrolíticos, aumento da ureia e hipergli-
como uveíte anterior, podem ocorrer. Os sinto-
cemia podem ser observados em casos graves,
mas que acompanham esse quadro são dor e
devido à perda maciça de fluido transdérmico e
fotofobia (CREAMER et al., 2016).
estado hipercatabólico. Elevações leves nos
Apesar das alterações oculares poderem re-
níveis séricos de aminotransferases, de duas a
gredir completamente, pelo menos 50 % dos pa-
três vezes o valor normal, estão presentes em
cientes apresentam sequelas, como dor, secura
aproximadamente metade dos pacientes com
e sinéquias entre as pálpebras e a conjuntiva
NET, enquanto a hepatite evidente ocorre em
(CREAMER et al., 2016).
apenas 10 % (BASTUJI-GARIN et al., 2000).
Outras complicações que podem estar presentes

283 | Página
em casos graves com descolamento de pele graus variados (Figuras 33.6 e 33.7).
extenso são choque hipovolêmico com insufi- Fármacos fortemente associados ao desen-
ciência renal, bacteremia, resistência à insulina volvimento de SSJ ou NET são alopurinol, la-
e síndrome de disfunção de múltiplos órgãos motrigina, carbamazepina, fenitoína, fenobar-
(ROUJEAU & STERN, 1994). bital, nevirapina, sulfassalazina, clortrimoxa-
Ademais, as complicações pulmonares, zol, sulfonamidas, anti-inflamatórios não este-
como pneumonia e pneumonite intersticial, são roidais, aminopenicilinas, cefalosporinas e qui-
frequentes. Os pacientes apresentam tosse e fre- nolonas (SCHWARTZ et al., 2013).
quência respiratória elevada, existindo o risco Biópsia de pele para exame histopatológico
de progressão para síndrome do desconforto de rotina e possivelmente imunofluorescência
respiratório agudo. Já as complicações gastroi- direta é útil para confirmar o diagnóstico e ex-
ntestinais podem resultar em necrose epitelial cluir outras condições que possam mimetizar
do esôfago, intestino delgado ou cólon SSJ e NET, como a eritema multiforme, a sín-
(ROUJEAU & STERN, 1994; LETKO et al., drome DRESS, dermatite esfoliativa por psorí-
2005). ase, pustulose exantemática generalizada agu-
Não há critérios diagnósticos universal- da, síndrome da pele escaldada estafilocócica,
mente aceitos para SSJ e NET, e os achados his- pênfigo vulgar, entre outras. Uma amostra
tológicos não são específicos e nem diagnósti- apropriada pode ser obtida realizando uma bi-
cos. Dessa forma, o diagnóstico de SSJ ou NET ópsia por punção grande (> 4 mm) ou uma bi-
é essencialmente clínico, baseado em uma ópsia de depilação profunda (CREAMER et al.,
anamnese, corroborada por uma história recente 2016; BULISANI et al., 2006).
de administração de fármacos em associação ao O rastreio infeccioso, com marcadores in-
exame físico. Deve-se ter atenção às seguintes flamatórios como velocidade de hemossedi-
características clínicas (CREAMER et al., mentação e proteína C reativa, além de culturas
2016): para bactérias e fungos, devem ser obtidas do
1. História sugestiva de exposição a dro- sangue, feridas, lesões mucosas, cateteres e son-
gas ou doença febril. A exposição ao medica- das gástricas e urinárias, e devem ser repetidas
mento geralmente precede o início dos sintomas em intervalos de 48 h durante toda a fase aguda
em uma a quatro semanas (média de 14 dias), da doença, devido ao alto risco de superin-
mas a reexposição pode resultar no início dos fecção bacteriana e sepse nesses pacientes, pela
sintomas em menos de 48 horas; perda da barreira cutânea. O uso de antibióticos
2. Pródromo de doença febril de início profiláticos não é recomendado (LETKO et al.,
agudo e mal-estar; 2005).
3. Erupção dolorosa que progride rapida- Pacientes com suspeita de SSJ e NET de-
mente; vem ser internados e, assim que o diagnóstico
4. Máculas eritematosas, lesões-alvo ou for estabelecido, a gravidade e o prognóstico da
eritema difuso progredindo para vesículas e bo- doença devem ser rapidamente determinados
lhas (Figuras 33.4 e 33.5); para definir o cenário médico apropriado para o
5. Sinal de Nikolsky positivo; tratamento. O prognóstico dos pacientes pode
6. Mucosite oral, ocular e/ou genital com ser avaliado na admissão, aplicando um sistema
erosões dolorosas da mucosa (Figura 33.8); de pontuação denominado SCORTEN, que foi
7. Necrose e descamação da epiderme em desenvolvido por Bastuji-Garin et al. no ano

284 | Página
2000. O SCORTEN é baseado em sete variáveis nóstico. Além disso, a identificação do medica-
clíni-cas e laboratoriais independentes e facil- mento responsável é de suma importância para
mente mensuráveis, em que cada uma, quando evitar a reexposição em pacientes em
presente, acrescenta 1 ponto. São elas: idade > recuperação (CREAMER et al., 2016; LETKO
40 anos, acometimento cutâneo > 10 % superfí- et al., 2005).
cie corporal, presença de neoplasia, frequência Deve-se iniciar um plano de gerenciamento
cardíaca > 120 bpm, ureia > 28 mg/dL, glicose primário que inclui, além da retirada do fárma-
> 252 mg/dL e bicarbonato < 20 mg/dL. Ao de- co, o estabelecimento de acesso venoso perifé-
terminar o SCORTEN de cada paciente, é pos- rico distante da área lesionada e reposição
sível entender o seu risco de morte, descrito na volêmica vigorosa, se clinicamente indicado.
Tabela 33.1 (BULISANI et al., 2006; Devido à maior incidência de sepse e bactere-
CREAMER et al., 2016). mia associada a cateteres venosos centrais, ev-
ita-se, quando possível, a colocação desse tipo
Tabela 33.1 Risco de morte segundo de acesso nos pacientes. Por serem extre-
SCORTEN mamente catabólicos, e em risco alto de desnu-
trição deve ser traçado um plano nutricional
SCORTEN Risco de morte
adequado (BULISANI et al., 2006; CREAMER
0a1 3%
et al., 2016).
2 12 %
Deve-se estar atento ao aumento do número
3 35 %
de bactérias cultivadas na pele, a diminuição re-
4 58 %
5a7 90 %
pentina de temperatura e a deterioração do es-
Fonte: Adaptado de Bulisani et al., 2006. tado do paciente, pois podem ser os primeiros
sinais de infecção e isso indica a necessidade de
O SCORTEN pode ser usado para determi- iniciar antibioticoterapia. A antibioticoterapia
nar qual ambiente clínico é apropriado para o será escolhida baseando-se nas bactérias pre-
manejo do paciente. Pacientes com envolvi- sentes na pele e, devido ao paciente possuir uma
mento cutâneo menor, com um SCOR-TEN de fármacocinética prejudicada, pode ser preciso
0 ou 1 e doença que não está progredindo rapi- administrar doses altas para atingir níveis tera-
damente podem ser tratados em enfermarias pêuticos (LETKO et al., 2005).
não especializadas. Já os pacientes com doença Ademais, quando houver disúria ou re-
mais grave, que apresentem descolamento de tenção urinária, ou em caso de instabilidade
pele >30 % da área de superfície corporal ou um hemodinâmica ou disfunção renal, deve-se in-
SCORTEN ≥ 2, devem ser transferidos para serir um cateter urinário, para evitar disfunção
unidades de terapia intensiva, unidades de quei- renal pós-renal e monitoramento do débito uri-
mados ou unidades especializadas quando dis- nário auxiliando na reposição de fluidos
poníveis (MCCULLOUGH et al., 2017). (CREAMER et al., 2016).
Por terem como principal causa reações de A dor é um sintoma proeminente na SSJ/
hipersensibilidade a medicamentos, é impres- NET e é exacerbada pelos procedimentos para
cindível a identificação precoce e a retirada do o tratamento das feridas e manipulação para
agente agressor, sendo esta a mais importante evitar sinéquias e contraturas. Por isso é um
ação terapêutica, uma vez que melhora o prog- componente central do manejo inicial de pa-
cientes com SSJ e NET e deve ser prontamente

285 | Página
avaliada para que seja assegurada analgesia drogas, foi descrita pela primeira vez como der-
adequada. A intensidade da dor pode ser avali- matite esfoliativa após tratamento com sulfani-
ada utilizando uma escala numérica, a qual per- lamida. Foi então observada como resultado de
mite que o paciente descreva a dor em uma es- diferentes medicamentos, incluindo fenitoína,
cala de 0 a 10. Dor leve (intensidade <4) pode dapsona, alopurinol e outros anticonvulsivan-
ser tratada com analgésicos não opioides, por tes. No entanto, esses relatos anteriores descre-
exemplo, paracetamol e dipirona. Já em caso de veram não apenas casos de DRESS, mas tam-
dor moderada a intensa (≥4), os opioides são ge- bém de SSJ, NET, eritema multiforme e
ralmente necessários, pois são potentes e forne- erupções exantemáticas. Em 1996, as síndro-
cem um grau de sedação dependente da dose. mes de hipersensibilidade com eosinofilias e
Se houver dor intensa, a via de administração envolvimento sistêmico foram nomeadas
ideal é a intravenosa, proporcionando alívio DRESS para diminuir a ambiguidade na prática
mais rápido da dor e pode ser titulada para aten- clínica (CHEN et al., 2010).
der às necessidades individuais do paciente. Em A DRESS é uma reação de hipersensibili-
caso de mobilização do paciente ou procedi- dade tardia do tipo IV, idiossincrática, caracte-
mentos realizados nos locais da pele afetados, rizada, na maioria dos casos, por erupções cutâ-
pode ser necessária medicação adicional e até neas maculopapulares, começando geralmente
mesmo algum grau de sedação (CREAMER et 2 a 8 semanas após uso do medicamento desen-
al., 2016). cadeador. Achados clínicos também incluem a
Pacientes com SSJ ou NET devem ser man- presença de eosinofilia ou linfócitos atípicos em
tidos em uma sala controlada quanto à umidade, sangue periférico, linfadenopatia, febre e envol-
em um colchão de alívio de pressão, com a tem- vimento de órgãos internos. Os órgãos mais afe-
peratura ambiente elevada entre 30 °C e 32 °C, tados em ordem de frequência são: pele, fígado,
a fim de reduzir as perdas calóricas através da rins, pulmões e coração (MATTA & CHERIT,
pele. Nesses pacientes, a epiderme necrótica é 2017).
propensa a descolar da derme subjacente, por- Embora sua patogênese exata não seja total-
tanto o manuseio cuidadoso da pele é essencial. mente compreendida, a DRESS é considerada
Ademais, a aplicação frequente de um emoli- como uma reação de hipersensibilidade medi-
ente suave em toda a pele e mantê-la coberta, ada por células T. Acredita-se que dois meca-
são procedimentos úteis durante a fase aguda nismos patogenéticos principais estejam envol-
para apoiar a função de barreira, reduzir a perda vidos: uma resposta imune específica da droga
transcutânea de água bem como estimular a ree- causadora e a reativação do Herpes vírus hu-
pitelização. O uso de um curativo apropriado na mano (HHV) com uma resposta imune antiviral
derme exposta reduz a perda de líquidos e pro- subsequente (MATTA & CHERIT, 2017).
teínas, limita a colonização microbiana e ajuda A DRESS é muito mais comum que SSJ/
no controle da dor (CREAMER et al., 2016; NET. Sua verdadeira incidência, no entanto,
BULISANI et al., 2006). permanece desconhecida, já que muitos casos
não são diagnosticados devido à sua apre-
Síndrome DRESS sentação clínica variável e múltiplas anormali-
A Síndrome DRESS, também chamada de dades laboratoriais. Sua mortalidade é de 2 a
síndrome de hipersensibilidade induzida por 6% (ARDEN-JONES & MOCKENHAUPT,
2019; SHIOHARA & MIZUKAWA, 2019).

286 | Página
A DRESS, geralmente, tem início abrupto, frequentemente são poupadas, mas,
com exantema morbiliforme maculopapular, ocasionalmente, podem apresentar lesões, de
Figura 33.9, e febre > 38 ºC, 2 a 8 semanas após modo que seu envolvimento não exclui o diag-
a introdução da droga culpada. Ocasional- nóstico de DRESS. Quando presentes, essas le-
mente, pode haver um pródromo semelhante ao sões são muito menos graves e hemorrágicas do
de infecção das vias aéreas superiores, suge- que na SSJ/NET (SHIOHARA &
rindo infecções virais como um possível gatilho MIZUKAWA, 2019; ARDEN-JONES &
para esta síndrome. Os subtipos propostos de MOCKENHAUPT, 2019).
erupções cutâneas na síndrome DRESS são: eri-
tema multiforme (associado ao maior risco de Figura 33.10 Edema periorbital e eritema facial
doença hepática grave), eritrodermia, eritema
morbiliforme e exantema urticariforme
(MATTA & CHERIT, 2017).

Figura 33.9 Exantema morbiliforme macu-


lopapular na síndrome de DRESS

Legenda: Esse eritema edematoso facial, típico da fase


inicial da DRESS, é muitas vezes sucedido por eritroder-
mia ou erupções purpúricas. Fonte: Chen et al., 2010.

O envolvimento de, pelo menos, um órgão


interno ocorre em aproximadamente 90 % dos
Legenda: A manifestação cutânea pode ser maculopapu- pacientes. Aproximadamente 35 % dos pacien-
lar monomórfica, às vezes confluente, ou eritema edema- tes podem ter dois órgãos internos envolvidos,
toso. Pode também ser polimórfica, com combinações
variadas de lesões como pústulas ou bolhas tensas. e até 20 % dos pacientes podem ter mais de dois
Fonte: Kardaun et al., 2013. órgãos envolvidos (SHIOHARA &
MIZUKAWA, 2019; ARDEN-JONES e
As lesões cutâneas, comumente, começam
MOCKENHAUPT, 2019).
como máculas eritematosas irregulares, pustu-
Pode haver presença de linfadenopatia,
losas, em forma de alvo ou lesões semelhantes
principalmente nas regiões cervical, axilar ou
a eczema, podendo ser levemente purpúricas e
inguinal. Alguns pacientes também podem se
coalescentes. As lesões distribuem-se simetri-
queixar de disfagia, ocasionada por xerostomia
camente no tronco e extremidades e são, geral-
severa. Esses sinais e sintomas parecem depen-
mente, pruriginosas, com ocasionais relatos de
der mais das características individuais do paci-
dor ou queimação (SHIOHARA &
ente do que do medicamento causador (SHIO-
MIZUKAWA, 2019; ARDEN-JONES e
HARA & MIZUKAWA, 2019; ARDEN-
MOCKENHAUPT, 2019).
JONES e MOCKENHAUPT, 2019).
Na fase inicial, as lesões mais características
A extensão e o tipo de lesão orgânica va-
são eritema e edema periorbital e facial, Figura
riam. O envolvimento de órgãos internos pode
33.10, e de mãos e pés. Mucosas e extremidades

287 | Página
preceder o desenvolvimento de erupção cutânea de pontuação Registry of Severe Cutaneous
e o curso clínico das manifestações cutâneas Adverse Reactions (RegiSCAR), baseado nas
pode não acompanhar o acometimento visceral principais manifestações clínicas da DRESS,
(KARDAUN et al., 2013). apresentados na Tabela 33.2 (SHIOHARA &
A lesão hepática é a manifestação visceral MIZUKAWA, 2019).
mais comum do DRESS, ocorrendo em 50 % a
90 % dos casos. A maioria das anormalidades Tabela 33.2 Sistema RegiSCAR para diagnós-
nos testes de função hepática são transitórias e tico da Síndrome DRESS. Os 3 primeiros crité-
geralmente leves. Já o espectro de lesão renal rios são necessários, assim como 3 dos outros 4.
associada ao DRESS varia de proteinúria a in-
1. Erupção cutânea aguda
suficiência renal, sendo a terapia renal substitu- 2. Suspeita de reação relacionada ao medi-
tiva necessária em até 3% dos pacientes (CHEN camento
et al., 2010; KAR-DAUN et al., 2013). 3. Hospitalização
Os sintomas de envolvimento pulmonar, 4. Febre (>38ºC)
que ocorrem em até 30 % dos casos, incluem 5. Anormalidades laboratoriais (pelo menos
1 presente)
falta de ar e tosse seca. Já o envolvimento car-
a. Linfócitos acima ou abaixo do normal
díaco é uma complicação grave e fator de mau b. Plaquetopenia
prognóstico. As apresentações clínicas variam c. Eosinofilia
de acometimento subclínico ao choque cardio- 6. Envolvimento de > 1 órgão interno
gênico (CHEN et al., 2010; KAR-DAUN et al., 7. Linfonodos aumentados > 2 locais
Fonte: Adaptado de Shiohara & Mizukawa, 2019.
2013).
A suspeita de DRESS deve surgir quando
A identificação e retirada do medicamento
um paciente que recebeu novo tratamento me-
causador é a base do tratamento para todos os
dicamentoso comumente incriminado, nas duas
pacientes com DRESS. A introdução de novos
a oito semanas anteriores ao desenvolvimento
medicamentos, incluindo o uso empírico de an-
do quadro, apresenta erupção cutânea aguda as-
tibióticos, deve ser evitada, se possível
sociada a envolvimento sistêmico, como febre,
(SHIOHARA & MIZUKAWA, 2019).
linfadenopatia, envolvimento hepático, renal,
Como a reatividade cruzada entre os anti-
pulmonar ou cardíaco e eosinofilia (KAR-
convulsivantes aromáticos está bem documen-
DAUN et al., 2013).
tada, os pacientes com DRESS desencadeado
É importante reconhecer que a DRESS é um
por anticonvulsivantes aromáticos devem ser
processo dinâmico e os traços característicos
tratados com agentes não aromáticos (por
não estão todos presentes simultâneamente.
exemplo, ácido valpróico, topiramato, gaba-
Também é possível, embora incomum, que os
pentina) (SHIOHARA & KANO, 2016).
pacientes com DRESS tenham nenhum ou mí-
Os cuidados de suporte incluem também,
nimo envolvimento cutâneo (<5 %), eosinofilia
assim como na SSJ/NET, reposição de fluidos,
ausente e sintomas sistêmicos leves. Nesses ca-
eletrólitos e suporte nutricional adequado. Me-
sos, o diagnóstico de DRESS requer alto grau
didas adjuvantes incluem cuidados suaves com
de suspeição e julgamento clínico (KARDAUN
a pele com emolientes e banhos quentes/curati-
et al., 2013).
vos úmidos. O monitoramento clínico, labora-
Os critérios mais utilizados para o diagnós- torial e de imagem regular e a consulta oportuna
tico de DRESS são aqueles incluídos no sistema com especialistas (por exemplo, hepatologista,
288 | Página
nefrologista, pneumologista) são pertinentes mento renal ou pulmonar e aqueles com apenas
(SHIOHARA & KANO, 2016). modesta elevação das transaminases hepáticas
Para pacientes com doença grave e envol- (<3 vezes o limite superior do normal) podem
vimento dos pulmões (dispneia, radiografia de ser tratados sintomaticamente. Para alívio sin-
tórax anormal, hipoxemia) ou rins (creatinina > tomático do prurido e da inflamação da pele,
1,5 vezes o nível basal e proteinúria ou hematú- tratamento com corticosteroides tópicos está
ria), os glicocorticoides orais são utilizados indicado. Corticosteroides tópicos de alta ou
como terapia de primeira linha. Uma dose mo- super alta potência são aplicados de 2 a 3 vezes
derada a alta (0,5 a 1 mg/kg por dia) de predni- ao dia até a resolução da doença (FUNCK-
sona ou equivalente é administrada até que a
BRENTANO et al., 2015).
melhora clínica e a normalização dos parâme-
tros laboratoriais sejam alcançadas e, em se-
CONCLUSÃO
guida, diminui lentamente nas 8 a 12 semanas
seguintes ou mais, para evitar recidivas de sin- A eritrodermia é uma condição grave e po-
tomas da síndrome. Pacientes com DRESS cor- tencialmente fatal. Essa emergência dermato-
rem maior risco de desenvolver posteriormente lógica deve ser reconhecida prontamente e, por-
o amplo espectro da síndrome inflamatória de tanto, as causas abordadas nesse capítulo: a pso-
reconstituição imune, que varia de doença por ríase eritrodérmica, a Síndrome de Stevens-
citomegalovírus a doenças autoimunes. Um re- Johnson, a Necrólise Epidérmica Tóxica e a
gime alternativo de metilprednisolona intrave- Síndrome DRESS, são diagnósticos de extrema
nosa (250 a 500 mg por dia durante 2 a 4 dias) importância.
seguido de prednisolona oral 1 mg/kg por dia Ademais, esse capítulo aborda a etiologia, a
reduzido ao longo de 8 a 12 semanas também epidemiologia, o curso clínico e os tratamentos
pode ser usado em casos graves (SHIOHARA e medidas de suporte dessas doenças. As causas
& MIZUKAWA, 2019). da eritrodermia possuem fisiopatologias e
As terapias de segunda linha para pacientes opções terapêuticas distintas, o que dificulta seu
diagnóstico diferencial. Essas informações são
com DRESS grave e envolvimento de órgãos
essenciais para que seja realizado um manejo
incluem ciclosporina, imunoglobulinas intra-
terapêutico adequado, a fim de evitar sequelas a
venosas e outros agentes imunossupressores
longo prazo e prevenir a sua morbimortalidade
(SHIOHARA & MIZUKAWA, 2019).
Pacientes com DRESS sem evidência clí-
nica, laboratorial ou de imagem de envolvi-
.

289 | Página
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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291 | Página
CAPÍTULO 34
MECANISMOS PRÓ CICATRICIAIS
DO ALOE VERA NA PELE
Palavras-chave: Plantas medicinais; Lesões; Cicatrização; Fitoterapia;
Envelhecimento

LIANA PINHEIRO SANTOS MARQUES1


LIEGE CAMARGO ALVES KURRLE1
IVANA BEATRICE MÂNICA DA CRUZ2
NEIDA LUIZA KASPARY PELLENZ3
ANDRESSA MOURA HOPPEN4
VERÔNICA FARINA AZZOLIN5
VITÓRIA FARINA AZZOLIN6
FERNANDA BARBISAN7

1
Discente – Mestrado em Gerontologia, Universidade Federal de Santa Maria
2
Docente – Programa de Pós-Graduação em Gerontologia, Universidade Federal de Santa Maria
Pesquisadora colaboradora Fundação Universidade Aberta do Amazonas
3
Docente – Departamento de Enfermagem, Universidade Federal de Santa Maria
4
Discente – Medicina, Universidade Federal de Santa Maria
5
Discente- Pós-Doutoranda em Gerontologia, Universidade Federal de Santa Maria. Pesquisadora
colaboradora Fundação Universidade Aberta do Amazonas
6
Discente – Mestrado em Biotecnologia, Universidade Federal do Amazonas. Pesquisadora
colaboradora Fundação Universidade Aberta do Amazonas
7
Docente - Departamento de Patologia e Programa de Pós-Graduação em Gerontologia
Universidade Federal de Santa Maria. Pesquisadora colaboradora Fundação Universidade Aberta
do Amazonas

292 | Página
INTRODUÇÃO mais (HO et al., 2017; PELLENZ, 2019).
Diversos estudos têm descrito que o uso de
O envelhecimento biológico caracteriza-se plantas medicinais no tratamento de lesões de
como um conjunto de alterações moleculares, pele, das mais diferentes etiologias, pode favo-
bioquímicas e morfofisiológicas que ocorrem recer o processo cicatricial (CARNEIRO et al.,
progressivamente no organismo ao longo da 2014). Por este motivo, a Organização Mundial
vida e que diminuem a função corporal. Por este de Saúde (OMS) recomenda o uso de plantas
motivo, pode ser acompanhado pelo aumento medicinais, uma vez que as mesmas são acessí-
na prevalência de doenças e agravos crônicos veis a maior parte da população. No Brasil,
não transmissíveis, dentre os quais estão ainda em 2006, o Ministério da Saúde lançou a
presentes as lesões de pele (BONIFANT & Política Nacional de Práticas Integrativas e
HOLLOWAY, 2019). As causas mais preva- Complementares (PNPIC) que permite aos usu-
lentes das lesões de pele em idosos relacionam- ários do Sistema Único de Saúde (SUS),
se às úlceras ou lesões por pressão, insuficiên- principalmente na Atenção Primária à Saúde
cia vascular (venosa ou arterial, ou mista), trau- (APS), o uso de fitoterápicos. Para tanto foi or-
mas, restrições na mobilidade (transitória ou ganizada e divulgada a Relação Nacional de
permanente) e neuropatias diabéticas (DUIM et Plantas Medicinais de Interesse ao SUS (RENI-
al., 2015). Assim, o tratamento adequado de SUS). Nesta lista, estão presentes plantas reco-
uma lesão leva a cicatrização e consequente- mendadas para uso como pró-cicatriciais inclu-
mente diminuição do sofrimento psicológico, indo a Aloe Vera (AV). Esta é uma planta sucu-
redução da morbidade, da mortalidade, e dos lenta semelhante ao cactos pertencente à famí-
gastos referentes à assistência à saúde, impac- lia Liliaceae que cresce em regiões de clima tro-
tando na diminuição da sobrecarga nos sistemas pical, cujo uso tópico até o momento não de-
de saúde (DUNNILL et al., 2015). monstrou nenhuma reação adversa signifi-
Uma lesão de pele ou ferida é definida como cante, apenas reações ínfimas como dor leve ou
um dano ou interrupção na continuidade da uma sensação de desconforto (BURUSAPAT et
pele, interferindo em sua estrutura anatômica e al., 2018).
funcional (MASTELLA, 2018; JAN-DA et al., A folha da AV vem sendo tradicionalmente
2016). A cicatrização destas lesões é um pro- usada em muitas culturas por suas propriedades
cesso dinâmico e complexo, coordenada por terapêuticas. A AV contém cerca de 75 com-
uma cascata de eventos celulares, moleculares postos diferentes, incluindo vitaminas, enzi-
e bioquímicos que interagem e determinam a mas, minerais, açúcares, antraquinonas, ácidos
reconstituição do tecido danificado. graxos, hormônios entre outros compostos
A cicatrização fisiológica perpassa por qua- como o ácido salicílico, lignina e saponinas
tro fases tempo-dependentes e sobrepostas: (1) (SÁNCHEZ et al., 2020). O gel mucilaginoso
coagulação e hemostasia, iniciando imediata- da polpa da folha já foi incorporado a muitos
mente após a lesão; (2) inflamação; (3) prolife- medicamentos cosméticos e alternativos para
ração, que começa poucos dias após a lesão e rejuvenescimento, cicatrização de feridas e ou-
abrange os processos de formação do tecido de tras condições dermatológicas. Apesar de seu
granulação e fibroblastos; e (4) remodelação de amplo uso como remédio popular, não está
feridas, na qual a ocorre a formação de tecido claro o mecanismo cicatricial modulado pela
de regeneração que pode durar até um ano ou AV e por este motivo estudos complementares

293 | Página
têm sido produzidos e publicados na literatura, Na terceira etapa, foi realizada, na íntegra, a
os quais precisam ser considerados e discutidos. leitura dos artigos incluídos, para a obtenção de
Diante deste contexto, esta revisão tem por ob- informações sobre a planta a serem extraídas
jetivo revisar e compilar os mecanismos bioquí- dos artigos e a categorização dos mesmos,
micos- moleculares modulados pela AV res- sendo descrita suas características gerais e o
ponsáveis pelo seu efeito pró-cicatricial. provável mecanismo de cicatrização da pele.
Na quarta etapa foi realizada uma análise
MÉTODO crítica dos dados, para organização das carac-
terísticas de cada estudo. Posteriormente, na
Foi realizada uma revisão sistemática da quinta etapa, foi realizada a discussão dos resul-
planta fitoterápica com propriedades pró-cica- tados, a partir da interpretação e síntese destes,
triciais Aloe vera (AV). além da identificação de possíveis lacunas no
A busca foi realizada de maio a julho de conhecimento.
2021, por duas revisoras independentes, ha-
vendo uma terceira revisora para casos em que RESULTADOS E DISCUSSÃO
não havia consenso entre as duas revisoras
principais. Foram avaliados os títulos e resumos Foram encontrados 201 artigos na primeira
das referências identificadas por meio da estra- etapa da triagem na base de dados PubMed,
tégia de busca e os estudos potencialmente ele- sendo reduzidos para 29 artigos após a segunda
gíveis foram pré-selecionados. Os critérios de fase da triagem, atendendo aos critérios de se-
elegibilidade incluíram publicações nos idio- leção na leitura dos resumos. Dos artigos exclu-
mas português, espanhol e inglês, com busca ídos, 42 eram revisões, 7 tratavam sobre outras
nas bases de dados PubMed e Scielo, com um espécies de Aloe, 26 tratavam de outros temas,
recorte temporal de 10 anos e a combinação dos não contemplando a cicatrização, 73 artigos
seguintes descritores, previamente consultados apresentavam AV em associação com outros
no DeCS (Descritores em Ciências da Saúde): produtos, o que poderia comprometer o resul-
"Aloe Vera AND Wound healing" e seus corres- tado final, e ainda 22 artigos tratavam do uso da
pondentes em português, "Aloe Vera E Cicatri- planta na cicatrização em outros sítios, que não
zação de feridas" e, em espanhol, "Aloe Vera Y a pele.
Cicatrización de heridas". No Scielo, na primeira fase foram encontra-
Como critérios de exclusão utilizou-se: arti- dos 8 artigos, onde após a leitura dos resumos,
gos que fossem de revisão, qualquer estudo que foram excluídos 2 por serem revisões, 1 por tra-
se associa AV a outra molécula ou planta e todo tar do uso de AV em outro sítio, 1 por estar fora
e qualquer artigo cujo objetivo principal não do tema cicatrização e 3 por apresentarem asso-
fosse a cicatrização da pele. ciações de outros produtos com AV. Restou
Posteriormente, com a leitura dos resumos, então, 1 artigo para leitura na íntegra, que ao ser
foram excluídos estudos do tipo revisão, traba- avaliado, percebeu-se estar em duplicata com
lhos que tratassem sobre cicatrização em outros artigo no PubMed.
sítios além da pele, ou que tratassem sobre as- Portanto, a análise e discussão foi condu-
sociações de outros produtos com as AV e, zida a partir de 29 artigos, dos quais 22 são es-
aqueles que se repetiram em mais de uma base tudos in vivo, sendo 8 estudos clínicos realiza-
de dados, foram considerados apenas uma vez.

294 | Página
dos em humanos e o restante realizados em ani- Abaixo apresentamos um organograma da
mais, 5 estudos foram realizados exclusiva- obtenção dos artigos inclusos (Figura 34.1).
mente e in vitro e 2 deles foram realizados con-
comitantemente in vivo e in vitro.

Figura 34.1 Organograma dos resultados

A AV contém 75 constituintes potencial- Estudos sugerem que AV parece ser um ali-


mente ativos: vitaminas (A, C e E, vitamina ado neste processo, uma vez que atua no estágio
B12, ácido fólico e colina), enzimas (fosfatase inicial da cicatrização, através da redução da ce-
alcalina, amilase, bradicinase, carboxipepti- lularidade total, diminuição de edema e coágulo
dase, catalase, celulase, lipase e peroxidase), de fibrina, juntamente com o elevado número
minerais (cálcio, cromo, cobre, selênio, magné- de macrófagos e fibroblastos em comparação
sio, manganês, potássio, sódio e zinco), açúca- com os controles, sugerindo que AV aumenta a
res (monossacarídeos e polissacarídeos), lig- qualidade da fase inflamatória da cicatrização
nina, saponinas, ácidos salicílicos e aminoáci- (ORYAN et al., 2014).
dos (DUNNILL et al., 2015; PEL-LENZ, 2019; O principal ingrediente ativo no gel da folha
CARNEIRO et al., 2014). Algumas destas de AV é o acemanano, que consiste em um po-
substâncias, isoladas ou em conjunto, parecem límero de cadeia longa composto de gli-cose e
ter uma função na cicatrização de lesões de pele manose, que apresenta muitas ativida-des bio-
(MORIYAMA et al., 2016). Abaixo apre- lógicas, incluindo efeitos anti-inflama-tórios,
sentamos o Quadro 34.1 que relaciona as fases antimicrobianos, proliferação celular e cicatri-
da cicatrização e seus respectivos mecanismos zação de feridas (MORIYAMA et al., 2016;
pró cicatriciais e os prováveis ativos da AV en- NEGAHDARI et al., 2017; SHAFAIE et al.,
volvidos. 2020).

295 | Página
Quadro 34.1 Fases da cicatrização, mecanismo e ativo responsável

Mecanismos pro
Fase da cicatrização Ativos envolvidos
cicatricial
Antraquinonas – aloína, emodina
Acemanana
Promoção de res-
(PRAKOSO & KURNIASIH, 2018; ORYAN et al., 2016. SARI et
posta inflamató-
al., 2018; WAHEDI et al., 2017; LIN et al., 2016; DRUDI et al.,
ria
2018; TARAMESHLOO et al., 2012a; BRANDÃO et al., 2016;
DABURKAR et al., 2014; TARAMESHLOO et al., 2012b)

Fenol, saponina e antraquinonas


Efeito antissép-
Taninos e alcalóides
tico e
Inflamatória (DABURKAR et al., 2014; TARAMESHLOO et al., 2012a;
antimicrobiano
PRAKOSO et al., 2018)

Aloesina,
Modulação nos
Acemanana
níveis de IL,
(WAHEDI et al., 2017; LIN et al., 2016; TARAMESHLOO et al.,
TGF, VEGF
2012b; HORMOZI et al., 2017; SHAFAIE et al., 2020)
Prostaglandinas, bradicinina
Diminuição da
(SHAHZAD & AHMED, 2013; TABANDEH et al., 2014;
dor
TAKZAREE et al., 2016)
Acemanano,
Estímulo á
glucomanano
granulação
(ORYAN et al., 2016; DABURKAR et al., 2014;
precoce
TARAMESHLOO et al., 2012b)
Acemanana
Aloesin
(PRAKOSO & KURNIASIH, 2018; WAHEDI et al., 2017; LIN et
Neoangiogênese al., 2016; NEGAHDARI et al., 2017; SHAFAIE et al., 2020;
Proliferativa AVIJGAN et al., 2016; EGHDAMPOUR et al., 2013;
AKHOONDINASAB et al., 2014; IRANI & VARAIE, 2016;
RODRIGUES et al., 2018)
Proliferação Acemanana
celular (AVIJGAN et al., 2016; RODRIGUES et al., 2018)
Glucomanano
Estímulo à
(SARI et al., 2018; DRUDI et al., 2018; DABURKAR, M. et al.,
migração de
2014; HORMOZI et al, 2017; SHAFAIE et al., 2020;
fibroblastos
TABANDEH et al., 2014)
Deposição e Aloesina, glucomanano
densidade do (MORIYAMA et al., 2016; ORYAN et al., 2016; DRUDI et al.,
colágeno 2018; SHAFAIE et al., 2020)
Acemanana
Migração de
Cálcio
queratinócitos
MORIYAMA et al., 2016; TEPLICKI et al., 2018)
Remodelação/Maturação
Aloesina
Reepitelização
(SARI et al., 2018; LIN et al.; 2016; TAKZAREE et al., 2016)

Contração da Glucomanano
lesão (TARAMESHLOO et al., 2012b; PRAKOSO et al., 2018)

Outra substância, também encontrada no antraceno do grupo das quinonas. Estudos mos-
gel, são as antraquinonas, que são derivados do

296 | Página
traram que estes ativos apresentam efeitos anti- berelina, um hormônio de crescimento que in-
oxidantes, antivirais, citotóxicos e anti-inflama- terage com os receptores do fator de cresci-
tórios nas células do carcinoma espinocelular e mento no fibroblasto, estimulando assim sua
bacteriostático nos estreptococos, sendo que atividade e proliferação, que por sua vez au-
aloína e emodina são as duas principais antra- menta significativamente a síntese de colágeno
quinonas de AV (SHAFAIE et al., 2020). após administração tópica e oral de gel de AV
Sendo a neoangiogênese um dos fatores im- (DABURKAR et al., 2014).
portantes para o avanço da cicatrização, ele- Os fibroblastos são células importantes na
mentos que estimulem este evento podem oti- cicatrização. A expressão destas está presente
mizar o reparo. Estudo realizado com ratos, su- em todas as fases de cicatrização, e é impor-
gere que a emodina promoveu a angiogênese tante sinalizador para que a cascata de eventos
durante o reparo de feridas cutâneas como re- cicatriciais aconteça. Um estudo revelou que o
sultado da estimulação do fator de crescimento extrato etanólico de AV teve efeitos significa-
endotelial vascular (VEGF) devido a um au- tivos na expressão de VEGF e TGF-β1 (fator de
mento na expressão de IL-1β em macrófagos crescimento transformador beta-1) em células
(LIN et al., 2016). Um estudo histológico, tam- de fibroblastos (NEGAHDARI et al., 2017). O
bém realizado com ratos, revelou que AV pro- TGF-β1 ainda recruta neutrófilos e fibroblastos
move a vascularização da ferida, o que remove para o local da injúria e suprime a inflamação
o tecido desvitalizado e aumenta a viabilidade grave, auxiliando portanto, a transição da fase
do novo tecido (TARAMESHLOO et al., inflamatória para a fase proliferativa (NE-
2012b). GAHDARI et al., 2017; TAKZAREE et al.,
Também presente no gel e com atividade 2016).
importante no reparo tecidual, a aloesina, que é Em trabalho experimental realizado em ra-
um 5-metilcromona C-glucosilada aromática tos, foi demonstrado que AV tem um efeito po-
encontrada em AV, possui efeitos antioxidan- tencial de aumentar a proporção de linfócitos
tes. As células tratadas com aloesina mostraram CD4+/ CD8+, influenciando o mecanismo da
um aumento significativo na taxa de migração cicatrização de feridas, diminuindo a área da fe-
em comparação com células não tratadas e tam- rida, reduzindo a infiltração de neutrófilos e
bém aumentaram o recrutamento de macrófa- promovendo neoangiogênese, aumentando a
gos e neutrófilos para o local da lesão na pele espessura epidérmica e a quantidade de fibro-
de camundongos (WAHEDI et al., 2017), auxi- blasto na ferida (PRAKOSO & KURNIASIH,
liando na fase imunológica do reparo. Uma in- 2018). Esta relação é importante, pois a falha do
vestigação realizada in vivo e in vitro demons- CD8 +, causa retardo na cicatrização da ferida,
trou que aloesina auxilia no reparo por meio de cronificando e dificultando o processo de
redução nos níveis de IL-1 β e TNF- α e aumen- reparo (PRAKOSO et al., 2018).
tou de forma significativa os níveis de IL-6 e Estudo realizado em ratos, com quantidades
TGF-β1 em comparação com o controle, pro- diferentes de concentração de AV, demonstram
movendo maior migração celular, angiogênese que quanto maior a concentração do gel, melhor
e liberação de citocinas (WAHEDI et al., 2017). o efeito na modulação da resposta inflamatória
Outro polissacarídeo encontrado no gel de através do aumento da infiltração de fibrócitos
AV, é o glucomanano, rico em manose, e a gi- e macrófagos (ORY-AN et al., 2016),
induzindo a proliferação precoce de tecido de

297 | Página
granulação e promovendo cicatrização de for- com AV em lesões agudas e crônicas. As quei-
ma mais efetiva. maduras constituem-se em um dos alvos co-
Foram realizadas muitas investigações muns de estudos do gel de AV. Estas são lesões
comparativas entre AV e outros agentes já uti- agudas, dolorosas, com tratamento tradicional
lizados para cicatrização, como por exemplo, o com uso de sulfadiazina de prata. Em trabalho
óleo de Nigella Sativa (NSO). O referido traba- conduzido com 50 pacientes com queimaduras
lho realizado com ratos, verificou que na com- de segundo grau, onde 25 indivíduos receberam
paração entre os dois produtos e grupo controle, curativos com gel de AV e outros 25 receberam
houve resultados positivos macroscópicos na curativo com sulfadiazina, demonstrou um
cicatrização que condizem com os resultados tempo gasto na cicatrização menor no grupo
microscópicos, onde houve uma diminuição da AV, bem como o alívio da dor de forma mais
intensidade inflamatória e infiltração de fi- precoce (SHAHZAD & AHMED, 2013). Os
broblastos mais abundante no grupo AV do que autores ainda colocam que outros estudos rela-
no grupo NSO. A capacidade de modulação in- tam o efeito antimicrobiano de AV, no entanto,
flamatória da AV pode ser devida à antraqui- neste trabalho, não foi observado diferença de
nona. O mecanismo subjacente à redução da in- infecção entre os dois grupos. Contudo, um ou-
flamação por AV está ligado à inibição da via tro estudo realizado em ratos, cita AV como an-
da ciclooxigenase e à redução da produção de timicrobiano, também com propriedades antivi-
prostaglandina E2 a partir do ácido araquidô- rais, antifúngicas e que têm demonstrado efi-
nico (ORYAN et al., 2016). cácia na prevenção de infecções do leito da le-
A otimização da cicatrização é um dos são (TAKZAREE et al., 2016). Corrobora com
achados mais comuns nos artigos da revisão. Os estes resultados, um estudo experimental em
resultados dos estudos sugerem que o trata- camundongos, onde foi realizada queimadura
mento com AV pode ter uma influência bené- de terceiro grau em 16 ratos. A análise histoló-
fica nas várias fases da cicatrização de feridas, gica demonstrou que o grupo tratado com emo-
ou seja, fibroplasia, síntese de colágeno e con- dina de AV exibiu níveis mais elevados de ree-
tração, resultando em cicatrização mais rápida pitelização e angiogênese, em comparação com
(DABURKAR et al., 2014; TARAMESHLOO o grupo controle, tratado com sulfadiazina de
et al., 2012b); sendo, não só um dos componen- prata (LIN et al., 2016).
tes do gel responsável pela eficácia do mesmo, O mecanismo da eficácia do gel de AV no
mas sim, uma sinergia de vários ativos presen- tecido de epitelização e granulação de queima-
tes no AV (MORIYAMA et al., 2016). duras pode ser explicado por seus efeitos hidro-
Em estudo clínico prospectivo, duplo-cego, colóide e hidratante, além do efeito inflamató-
randomizado e controlado por placebo, um rio (TAKZAREE et al., 2016; IRANI &
grupo recebeu gel de AV a 87,399 % e o grupo VARAIE, 2016). Em queimaduras, o uso de
controle recebeu placebo de glicerina líquida, AV foi descrito como auxiliar no controle da
onde aplicação de gel tópico de AV demonstrou dor, através da prostaglandina e da bradicinina
uma aceleração significativa da cicatrização de presentes no gel (TAKZAREE et al., 2016).
áreas doadoras de enxerto. No entanto, neste es- Muitas investigações também relatam o uso
tudo, não foi observado alívio da dor de AV em feridas crônicas, que representam um
(BURUSAPAT et al., 2018). desafio no cotidiano dos profissionais que
Os achados da revisão, trazem tratamentos

298 | Página
trabalham com lesões de pele, uma vez que es- custo do tratamento com AV (TEPLICKI et al.,
tas apresentam falhas, retardando o processo de 2018; SHAHZAD & AHMED, 2013; DRUDI
reparo. Em estudo realizado em humanos, trinta et al., 2018; AVIJGAN et al., 2016;
pacientes atendidos no ambulatório com úlceras EGHDAMPOUR et al., 2013). O produto mos-
crônicas de perna, onde foi utilizado AV, foi trou-se mais acessível economicamente do que
demonstrado que a planta é eficaz contra os demais que foram utilizados em comparação,
Staphylococcus aureus resistente à meticilina e surge como uma alternativa de baixo custo e
(BANU et al., 2012). A infecção bacteriana é também abreviando o tempo de cicatrização
um dos fatores de cronificação de lesões, difi- (TARAMESHLOO et al., 2012a; TARA-
cultando o avanço da cicatrização (PRAKOSO MESHLOO et al., 2012b; SHAFAIE et al.,
et al., 2018). 2020; TAKZAREE et al., 2016; BANU et al.,
Em outro trabalho relatando o uso de AV 2012).
em fissuras anais crônicas, foi utilizado um Na fase de remodelação da lesão, há pre-
creme tópico contendo 0,5 % de suco de AV, sença de colágeno tipo III no leito onde houve
onde se verificou a redução da dor, bem como o reparo, que lentamente é substituído pelo co-
as hemorragias, auxiliando na cicatrização lágeno do tipo I, mais organizado, dando forma
(RAHMANI et al., 2014). e aparência para a cicatriz. A qualidade do te-
Na fase final da cicatrização, na remode- cido neoformado depende da deposição de co-
lação da pele lesada, AV demonstrou auxiliar lágeno no local. Estudos referem que a depo-
na epitelização, através da produção de tecido sição de colágeno, é aumentada com o uso de
cicatricial de forma mais rápida, através do au- AV, principalmente pelo estímulo à prolife-
mento da produção de colágeno e glicosemino- ração de fibroblastos, células produtoras de co-
glicanos no local (ORYAN et al., 2016), com lágeno (BRANDÃO et al., 2016; DABURKAR
relato de estudo citando a presença da et al., 2014; HORMOZI et al., 2017). Estudos
deposição de colágeno, já a partir do quinto dia demonstram, também, que não há toxicidade
pós injúria (PRAKOSO et al., 2018). Um es- relatada ao uso de AV, configurando-se em um
tudo conduzido por Lin et al. (2016) corroborou produto seguro para o uso para a cicatrização
com a investigação, que também demonstrou (HORMOZI et al., 2017; SHAFAIE et al.,
que os escores histológicos demonstraram que 2020; FOX et al., 2017).
o grupo tratado com emodin de AV exibiu Apesar das limitações metodológicas ine-
níveis mais elevados de reepitelização. rentes a revisões sistemáticas, no nosso caso
Os queratinócitos, células muito importan- destacamos viés de linguagem e publicação. A
tes no processo de epitelização, também são es- revisão contribui de forma positiva para
timuladas pelo AV. Em estudo in vitro reali- avanços na área da cicatrização da pele lesada,
zado em culturas de células, AV estimulou a uma vez que reúne e destaca os mecanismos de
migração, proliferação e a viabilidade dos que- ativos pró-cicatriciais. Desta forma, o acesso a
ratinócitos, auxiliando no desenvolvimento este conhecimento é capaz de incentivar profis-
epidérmico (MORIYAMA et al., 2016; sionais da saúde a incentivar o uso de um pro-
TEPLICKI et al., 2018), além de demonstrar duto economicamente acessível, talvez para al-
efeito protetor aos queratinócitos contra o uso gumas populações, a única opção terapêutica.
de conservantes (TEPLICKI et al., 2018). Apresentamos abaixo a Figura 34.2 como
Outro benefício citado pelos estudos, é o uma compilação dos achados deste artigo.

299 | Página
Figura 34.2 Compilação da ação da AV, fases da modulação da lesão, moléculas ativas prováveis
e resultado no processo cicatricial

CONCLUSÃO inflamatório, o favorecimento a migração e pro-


liferação de fibroblastos e queratinócitos, atra-
Os resultados desta revisão sugerem que vés de ativos presentes em sua composição.
AV tem efeitos positivos na cicatrização, uma Consideramos que a fusão do saber popular
vez que seus mecanismos pró-cicatriciais, en- com o respaldo das evidências científicas, con-
volvem modulação das fases inflamatória, pro- tribuem para embasar e validar cientificamente
liferativa e da remodelação tecidual. Destaca- o uso popular de plantas medicinais, proporcio-
mos o estímulo a neoangiogênese, o efeito anti- nando maior segurança ao profissional da saúde
que as recomenda, bem como a população que
as utiliza.

300 | Página
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302 | Página
CAPÍTULO 35
SINDROME DE STEVENS
JOHNSON POR USO DE
ANTICONVULSIVANTES
Palavras-chave: Patologia mucocutânea; Reações a medicações; Mecanismo de
hipersensibilidade tardia

KARINA DE CASTRO BARBOSA¹


ANA BEATRIZ GALINDO DE OLIVEIRA OVELAR¹
ISABELA NAZIOZENO SANTOS¹
ISABELLE CRISTINA CAVALLEIRO LIMA¹
MARIANA FILGUEIRAS PEREIRA¹
MONNALISA SILVA LIMA¹
SAID LINHARES YASSIN2
FLÁVIA CAROLINE SILVA NEVES3

1
Discente – Universidade de Rio Verde - Campus Rio Verde
2
Médico – Hospital da Força Aérea de Brasília
3
Discente – Universidade de Rio Verde – Campus Goianésia

303 | Página
INTRODUÇÃO eritema, e raramente, por mecanismo de hiper-
sensibilidade tardia, pode ocasionar a SSJ
A síndrome de Steven Johnson (SSJ) é uma (WHALEN et al., 2016). Acredita-se que a re-
patologia mucocutânea rara, que se caracteriza lação da SSJ com uso de anticonvulsivantes
clinicamente por inflamação e lesão da pele e pode estar relacionada a fatores genéticos en-
das mucosas, autolimitada, podendo durar de volvendo o antígeno leucocitário humano
duas a quatro semanas. Sabe-se que ocorre ne- (HLA), principalmente em determinados gru-
crose dos queratinócitos e deslocamento epi- pos étnicos, porém, alguns pesquisadores tam-
dérmico. O que diferencia a Síndrome de Ste- bém teorizam que os metabólitos de óxido de
ven Johnson da Necrólise Epidérmica Tóxica areno dos anticonvulsivantes podem potencia-
(NET) é, somente a área de acometimento lizar os efeitos colaterais, como na SSJ (SHI et
cutâneo, sendo que na SSJ o acometimento cor- al., 2017; EDINOFF et al., 2021).
responde a menos de 10 % da superfície corpó- O objetivo desse estudo é realizar uma re-
rea (OLIVEIRA., et al., 2011). A SSJ foi pri- visão sistemática de literatura sobre a relação
meiramente descrita em 1922 como Eritema entre o uso de anticonvulsivantes e a SJJ.
Multiforme, porém, mais tardiamente, os erite-
mas multiformes foram subdivididos em Minor MÉTODO
e Major, ou também chamado de SSJ (BULI-
SANI., et al., 2006). Este estudo trata-se de uma revisão sistemá-
Segundo Oakley & Krishnamurthy (2021), tica de literatura, realizada por meio do acesso
estima-se que mais de sete milhões de pessoas online, no período de janeiro a março de 2022,
no mundo são acometidas pela SSJ. A síndrome sobre a Síndrome de Stevens Johnson por uso
pode acometer qualquer pessoa e pode ser de- de anticonvulsivantes. As informações foram
sencadeada por reações a medicações ou por in- obtidas após uma avaliação minuciosa dos es-
fecções. Dentre as principais medicações estão tudos encontrados, e os resultados foram apre-
os antibióticos, os anticonvulsivantes e os anti- sentados de forma descritiva. Foi realizada uma
inflamatórios não esteroidais (RIBEIRO et al., busca por referenciais teóricos nas seguintes ba-
2017). Apesar do mecanismo fisiopatológico ses de dados: PubMed, Scielo e LILACS. Os
não ser muito bem estabelecido, sabe-se que des-critores utilizados foram “Stevens johnsons
ocorre uma hipersensibilidade tardia a fárma- syndrome”, “Stevens johnsons syndrome and
cos, desencadeando uma série de fatores infla- drugs”, “Stevens johnsons syndrome and anti-
matórios que produzem lesões na pele (BULI- convulsivants” nas línguas inglesa, portuguesa
SANI et al., 2006; OLIVEIRA et al.,2011) e espanhola, nos últimos cinco anos (2017 a
Os anticonvulsivantes ou antiepilépticos 2021). Dessa forma, foram encontrados 945 ar-
são fármacos utilizados rotineiramente para o tigos, porém, após passarem pelos critérios de
tratamento de crises convulsivas, epilepsia e ou- avaliação, apenas 11 foram analisados, utili-
tras condições neuropsiquiátricas, como dor zando como critério de inclusão artigos que
neuropática e transtorno afetivo bipolar abordassem a relação entre o uso de anticonvul-
(MIFSUD et al., 2021). Dentre eles podemos sivantes e a SSJ no período de 2017 a 2021. Fo-
citar a carbamazepina, lamotrigina e gabapen- ram excluídos estudos sobre outras medicações
tina. Esses fármacos podem desencadear efeitos desencadeantes da síndrome.
colaterais como náuseas e vômitos, sonolência,

304 | Página
RESULTADOS E DISCUSSÃO tica desempenha um papel importante nessa si-
tuação, pois muitos genótipos de HLA foram
Após a análise dos estudos foi possível identificados em reações adversas a medica-
constatar que há uma forte relação entre o uso mentos, como a lamotrigina e a carbamazepina
de anticonvulsivante e a ocorrência da SSJ, em pacientes de origem asiática, aumentando a
sendo muitas vezes mais comum do que por ou- suscetibilidade à SSJ (EDINOFF et al. 2021).
tras medicações. Conforme Ganekal e Nagara- Isso vai de encontro com Shi et al. (2017) que
jappa (2021), após a realização de um estudo também demonstraram em um estudo de caso
observacional prospectivo de 44 pacientes, dos controle, no sul da China, a ocorrência de signi-
quais 30 apresentaram SSJ e 14 apresentaram ficativa de SSJ relacionada ao uso de antiepi-
NET, constatou-se que a ocorrência de SSJ em lépticos associados à presença de HLA-A*24.
21 pacientes foi por uso de anticonvulsivantes, Foi demonstrada uma associação entre as se-
principalmente a carbamazepina. Ademais, guintes medicações e os respectivos genótipos
Borrelli et al. (2018), após uma análise do sis- de HLA: carbamazepina e HLA-B* em asiáti-
tema de relatório de eventos adversos da Food cos, carbamazepina e HLA-A* em europeus,
and Drug Administration dos Estados Unidos, fenitoína e HLA-B* em malaios (DE LUCA et
relatou 198 notificações de SSJ/NET, das quais al., 2017).
os antiepilépticos foram o grupo medicamen- Um estudo de caso-controle realizado no Ja-
toso que mais se destacou nesses pacientes, pão analisou que a exposição à carbamazepina
sendo duas vezes mais comuns que os anti-in- e à lamotrigina foi associada a um risco aumen-
flamatórios não esteroidais, com ênfase para a tado de SSJ/NET, sendo a incidência cumula-
lamotrigina e para a carbamazepina. tiva de 93,83 % para carbamazepina e 84,33 %
A SSJ por indução de drogas pode ocorrer
para lamotrigina de 72 casos e 284 controles
em 60 % a 90 % das crianças, sendo anticon-
(FUKASAWA et al., 2021). Na China, foi rea-
vulsivantes muito comuns nesses casos, espe-
lizado um estudo com 166 pacientes, dos quais
cialmente o fenobarbital, a lamotrigina e a car-
70 obtiveram SJJ e os anticonvulsivantes foram
bamazepina, enquanto outros antiepilépticos,
responsáveis por mais de 20 % dos casos, sendo
como levetiracetam, topiramato e clonazepam
a carbamazepina o mais comumente associado
têm um risco muito menor (LUCIA et al., 2019;
(YANG et al., 2018). Hui et al. (2021), em uma
EDINOFF et al., 2021). De Luca et al. (2017),
série de casos, analisaram pacientes com re-
analisou em seu estudo, 6 pacientes de 11 a 73
anos, homens e mulheres, sendo que 2 deles ações cutâneas adversas graves, como a SSJ.
apresentaram SSJ após uso de lamotrigina. Um Dos pacientes recrutados, 83 % deles tiveram
estudo retrospectivo, transversal e descritivo, SSJ induzida por lamotrigina, sendo esta a me-
coletou dados de hospitais do Distrito Federal - dicação considerada mais provável de desen-
BR que receberam pacientes com SSJ ou NET, cadear esses quadros.
e constatou que os anticonvulsivantes represen- Sintetizando todos os estudos avaliados,
taram a maioria dos responsáveis pelas ocorrên- abaixo está o Quadro 35.1, com os principais
cias, seguidos pelos analgésicos e antibióticos anticonvulsivantes relacionados à SSJ.
(ARANTES et al., 2017).
Por conseguinte, observou-se que a gene-

305 | Página
Quadro 35.1 Resultados encontrados dos prin- CONCLUSÃO
cipais anticonvulsivantes relacionados à SSJ

Principais anticonvulsi- Portanto, após a análise dos resultados é


Autor
vantes possível concluir que a ocorrência de SSJ, ape-
Carbamazepina e Fenito- sar de rara, tem uma grande associação ao uso
ARANTES et al., 2017
ína de anticonvulsivantes, sendo em sua maioria, as
Lamotrigina e Carbama-
BORRELLI et al., 2018 principais medicações causadoras, especial-
zepina
mente a carbamazepina e a lamotrigina. Mas,
DE LUCA et al., 2017 Lamotrigina
também estando relacionada à fenitoína e ao fe-
EDINOFF et al., 2021 Lamotrigina
nobarbital. Além disso, por meio dessa revisão,
FUKASAWA et al., Carbamazepina e Lamo-
2021 trigina também foi possível constatar que há uma ocor-
GANEKAL & rência em maior quantidade no continente asiá-
Carbamazepina
NAGARAJAPPA, 2021 tico, em alguns países como a China e o Japão,
HUI et al.,2021 Lamotrigina com provável associação a genótipos de antí-
Fenobarbital, Lamotri- geno leucocitário humano (HLA), como o
LUCIA et al., 2019
gina e Carbamazepina HLA-A* 24 e o HLA- B* relacionados, princi-
Carbamazepina, Lamotri-
SHI et al., 2017 palmente, à carbamapezina.
gina e Fenitoína
Carbamazepina, Lamotri-
YANG et al., 2018
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nal of immunology research, v. 2018, 2018.

307 | Página
CAPÍTULO 36
EMERGÊNCIA OBSTÉTRICA
ASSOCIADA A GESTAÇÃO DE
ALTO RISCO
Palavras-chave: Obstetrícia; Gestação de alto risco; Emergência

BIERCE PETIT-SENN REGE DE ANDRADE¹


AMANDA CARVALHO BONFANTI²
GABRIEL SOARES DOURADO1
FRANCIELLY FONTANELLA1
SUYARA VELOSO E LEMOS1
EDUARDA HADASSA PAIVA MATOZINHO1
HELOÍSA MIRANDA DE SÁ1
VITORIA EMANUELE ALMEIDA DE SOUZA1
WIGNA ROOS DE MATOS1

1
Discente – Medicina no Centro Acadêmico Alfredo Nasser
2
Discente – Medicina na Universidade Federal de Jataí

308 | Página
INTRODUÇÃO Medicina de Emergência: Atendimento obsté-
trico no departamento de emergência da USP de
A maioria dos trabalhos de parto evoluem 2014. Uma vez coletada essas literaturas, houve
para desfechos satisfatórios. No entanto, na a organização do tema, para melhor didática e
emergência, complicações podem ocorrer, acar- aprendizado.
retando um mau prognóstico (BRASIL, 2022).
Para que os danos de um trabalho de parto de RESULTADOS E DISCUSSÃO
emergência sejam os menores possíveis, a es-
tabilidade das condições ventilatórias e circula- O parto consiste de alterações fisiológicas e
tórias da mãe devem ser adequados no primeiro sistêmicas que produzem modificações no
atendimento (MEDICINA DE EMERGÊN- corpo feminino (SOUSA et al., 2020). Dessa
CIA, 2020). Considerando que a iminência de forma, o trabalho de parto é dado como emer-
um parto limita o transporte da gestante para um gência quando há lesão de órgãos – alvo,
centro de atendimento especializado, é funda- coração, rins, cérebro, retina, pulmões), ou seja,
mental que se identifique situações de risco para risco de morte iminente tanto para mãe quanto
a mãe e para o feto, para que as medidas de para o bebê, sendo essa paciente, muitas vezes,
suporte sejam adequadas (MEDICINA DE classificada como gravidez de alto risco, por
EMERGÊNCIA, 2020). apresentar comorbidades e/ ou possuir fatores
O objetivo deste estudo foi abordar o ade- de risco (MEDICINA DE EMERGÊNCIA,
quado manejo de gestantes em situação de parto 2020).
de emergência, buscando um desfecho favorá- É importante ressaltar a diferenciação das
vel à vida da mãe e do bebê. causas de morte obstétricas, que podem ser di-
vidas em linhas diretas e indiretas. A linha di-
MÉTODO reta refere-se à gravidez, parto ou puerpério
causado por complicações obstétricas, como a
Este foi um estudo do tipo documental e ex- morte materna por pré-eclâmpsia, eclampsia,
ploratório retrospectivo, porque procurou reu- aborto, hemorragia, entre outros. Já a linha in-
nir elementos sobre um tema pouco explorado direta, está relacionada às doenças que antece-
na área da Medicina Obstétrica, a partir da co- dem a gestação ou se agravaram por mudanças
letânea de documentos previamente produzidos naturais do período gestacional, como a morte
e também por abordamos através da análise de materna em decorrência de infecção de foco não
registros escritos, justificando assim a escolha uterino, hipertensão pré-existente à gestação,
desse tipo de pesquisa documental. cardiopatia, etc (BRASIL, 2022).
A análise documental, foi a partir de bancos A sintomatologia geralmente aparece ape-
de dados PubMed, Scielo, Lilacs, livros e ma- nas no último trimestre de gestação, quando es-
nual sobre obstetrícia do Ministério da Saúde sas alterações patológicas se encontram em es-
que contribuíram para os dados coletados e dis- tado avançado, o que gera condições que ame-
cussão dos achados, com a literatura já produ- açam a vida da mãe e do feto. De maneira geral,
zida na biblioteca do portal de boas práticas da entre as intercorrências mais comuns, estão a
Fiocruz, que aborda sobre o tema no manual hemorragia pós-parto, principal causa de morte
técnico de gestação de alto risco e no livro de materna (25%), infecções (15 %) e doenças
hipertensivas na gravidez, especialmente a e-

309 | Página
clampsia (12 %) e outras como diabetes que 140 e/ ou pressão arterial diastólica maior
mellitus gestacional (48 %). A faixa etária – ou igual a 90 mmHg mais proteinúria maior que
especialmente adolescentes - também é um dos 300 mg/24 horas), ou seja, tendo lesão de ór-
motivos para uma possível gestação de alto gão-alvo em gestante com mais de 20 semanas.
risco, que possa complicar e levar a uma emer- Já a segunda patologia, há hipertensão arterial e
gência obstétrica (MONTEIRO et al., 2016). proteinúria nos mesmos patamares que a ante-
Sendo assim, a hemorragia pós-parto é a se- rior mais a presença de convulsões sem causa
gunda causa de morte materna mais comum no predisponentes, sendo uma intercorrência gra-
Brasil. Ela é definida como perda sanguínea víssima. O tratamento, nesses casos, é baseado
acima de 500 mL (parto vaginal), ou acima de no uso de anti-hipertensivo vasodilatador hidra-
1000 mL (parto cesárea), em 24 horas, ou qual- lazina (endovenoso) e agonista de adrenorecep-
quer saída de sangue pelo trato genital, gerando tores alfa- 2, chamado metildopa (MEDICINA
instabilidade hemodinâmica, gerando os sinais DE EMERGÊNCIA, 2020).
e sintomas comuns, extremidades frias, tempo Outras causas, como o diabetes mellitus
de enchimento capilar prolongado, pulsos fili- gestacional, são de suma importância, uma vez
formes, taquicardia e hipotensão arterial sistê- que no Brasil, cerca de 18 % das gestantes assis-
mica. O tratamento é baseado na causa, que tidas no Sistema Único de Saúde, apresentam
pode ser por atonia uterina (usa-se ocitocina en- tal patologia, a qual é caracterizada como alte-
dovenosa mais ácido tranexâmico - antifibrino- ração glicêmica no período da gravidez. O diag-
lítico). Se for trauma no canal do parto, é neces- nóstico é dado pela glicemia de jejum maior ou
sário realizar suturas, dependendo da dimensão igual a 92 mg/dL. O tratamento não farmaco-
da lesão. Caso seja problema tecidual, onde a lógico é baseado na mudança de hábitos de vida
placenta não se desprende, por exemplo, a ci- e o uso de insulina é o recomendado como
rurgia por laparotomia é realizada. E se o pro- cuidado farmacológico (BRASIL, 2022)
blema for coagulopatias, faz-se o uso ácido tra- O Quadro 36.1, apresenta os principais fa-
nexâmico (FIOCRUZ, 2018). tores de risco que podem levar a uma gestação
É válido relembrar também que as infecções de alto risco e uma possível emergência obsté-
mais comuns na gestação estão no mnemônico trica.
TORCHS (Toxoplasmose, Rubéola, Citome- Ademais, vale ressaltar que uma gestação
galovírus, Herpes Simples e Sífilis), sendo que se encontra estável, do ponto de vista clí-
grande causa de abortamento, problemas con- nico, pode se tornar de risco a qualquer mo-
gênitos/morte fetal. Por isso a importância de mento, durante a evolução dessa gestação ou
um pré-natal correto e bem feito visando pro- durante o trabalho de parto propriamente dito.
moção à saúde para se evitar o parto na emer- Dessa forma, existe a necessidade de reclassifi-
gência (BRASIL, 2022). cação do risco dessa gestante nas consultas pré-
Além disso, é importante salientar as do- natais e no trabalho de parto (BRASIL, 2022).
enças hipertensivas, visto que é a principal
causa de morbimortabilidade materna no mun-
do, sendo as principais síndromes hiperten-
sivas: pré-eclampsia e eclampsia (BRASIL,
2022). A primeira é definida como hipertensão
arterial (Pressão arterial sistólica maior ou igual

310 | Página
Quadro 36.1 Tabela dos fatores de risco gesta- CONCLUSÃO
cionais

Características individuais e socioeconômicas


Este estudo indica que entre as intercorrên-
cias mais comuns estão a hemorragia pós-parto,
Idade < 15 anos e > 40 anos
infecção e doenças hipertensivas na gravidez,
Obesidade com IMC >40
especialmente a eclampsia. A faixa etária é es-
Baixo peso no início da gestação (IMC < 18)
pecialmente os adolescentes. Desta forma,
Transtornos alimentares (bulimia, anorexia)
trata-se de um quadro que necessita de assistên-
Dependência ou uso abusivo de tabaco, álcool e ou-
cia imediata e um acompanhamento especiali-
tras drogas
História reprodutiva anterior
zado para que não haja nenhuma intercorrência
inesperada a cerca do caso. A inclusão de acom-
Abortamento espontâneo de repetição
panhamento psicoterapêutico e de um pré-natal
Acretismo placentário
bem estruturado pode ser um grande aliado
Pré-eclâmpsia precoce (<34semanas), eclampsia ou
síndrome de HELLP nesse contexto, principalmente em casos de
Parto pré-termo em qualquer gestação anterior (<34 gravidez na adolescência visto que já incide
semanas) como alto risco, tanto para mãe, quanto o bebê.
Óbito fetal de causa não identificada
Condições clínicas preexistentes
Hipertensão arterial crônica
Diabetes mellitus prévio à gestação
Tireodopatias (hiper ou hipotireoidismo clínico)
Cardiopatias maternas
Antecedente de tromboembolismo
Intercorrências clínicas/obstétricas
na gestação atual
Síndromes hipertensivas
Diabetes mellitus gestacional com uso de insulina
Infecção urinária alta
Restrição do crescimento fetal
Fonte: Adaptado de Manual Técnico de Gestação de
Alto risco, Ministério da Saúde, 2022.

311 | Página
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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312 | Página
CAPÍTULO 37
FATORES DE RISCO PARA
PARTOS DE EMERGÊNCIA NO
BRASIL E SUAS SEQUELAS
Palavras-chave: Ginecologia e Obstetrícia; Partos de Emergência; Pré-Natal

GIOVANA JULIA MELO MOREIRA¹


HAYANI YURI FERREIRA OUTI SANTOS²
DIOGENES GUSTAVO VILA BARBOSA DA ROCHA1
LUCAS AUGUSTO MONETTA DA SILVA3
SAMIR RAFIC DE CAMPOS HUSSEIN4
SABRINA NEVES RIBEIRO5
FABIANA CAPITANIO BATISTA1
GABRIELA ACCORSI BONILHA6
CAROLINA DE ARAÚJO SILVA RICHTER1
MARIA EUGENIA MANA GARAVELLO7
RUBENS GOMES CHAMACHO FILHO8
TAYNAN CASTRO FERREIRA¹
SINAIR MENDES FERREIRA JUNIOR¹
ANA LAURA PEREIRA MIOTTO2
VITÓRIA CAMARGO DE PAULA2

1
Discente – Medicina da Universidade Brasil
2
Discente – Medicina do Centro Universitário de Adamantina
3
Médico – Residente de Pediatria pela Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo
4
Médico – Urgência e Emergência em Unidades de Pronto Atendimentos de São Paulo em região
metropolitana
5
Discente – Medicina da Universidade Federal da Bahia
6
Discente – Medicina da Universidade de Franca
7
Discente – Medicina da Faculdade Ceres
8
Discente – Medicina da União das Faculdades dos Grandes Lagos

313 | Página
INTRODUÇÃO inadequado, e também variar a sua apresentação
e situação. Aqui, cabe destacar a distocia de bi-
A gestação implica em várias mudanças fi- acromial, que é uma situação de emergência e
siológicas, bem como psicológicas. Ao contrá- sinônimo de preocupação aos obstetras (FE-
rio do que se pensa, gravidezes que implicam BRASGO, 2017; COUTINHO et al., 2021).
risco à gestante não são incomuns. Perante a A medicina não é uma ciência exata, de
ocorrência de complicações à saúde da mulher modo que situações inesperadas fazem parte da
e do feto, nota-se a necessidade de atenção es- vida de um médico. No entanto, no contexto da
pecializada para que se preserve a qualidade de ginecologia e obstetrícia, a estratégia Rede Ce-
vida da mãe e do neonato (ALVES et al., 2020). gonha, do SUS, implementada pelo Ministério
Os principais fatores de risco materno-fetal da Saúde no ano de 2011, visa garantir uma as-
foram associados à perda do bem-estar fetal, tal sistência materno-infantil, (BRASIL, 2011).
como a distocia, que consiste na falha da boa Cabe destacar que um dos componentes
progressão do parto, causada pelo desarranjo dessa assistência é o pré-natal, crucial para que
dos três fatores que garantem um parto eutócico desfechos desfavoráveis ao parto não ocorram,
(FEBRASGO, 2017; COUTINHO et al., 2021). já que com os protocolos bem estabelecidos,
A distocia funcional é caracterizada pela através de uma boa anamnese, exame físico e
perda do fator motor, abrangendo a força mo- exames complementares é possível evitar com-
triz e também a contratilidade uterina. São usa- plicações tanto para a mãe, como para o bebê, e
dos os critérios de Goff para descrever as disto- assim, reduzir as chances da ocorrência de um
cias funcionais em: distocia por hipoatividade parto traumático. (CRISTOFARO, 2017).
uterina, por hiperatividade uterina, por hiperto- O objetivo deste estudo foi revisar a litera-
nia uterina, por hipotonia uterina e de dilatação tura cientifica relacionada ao tratamento das
(FEBRASGO, 2017; COUTINHO et al., 2021). emergências obstétricas, bem como expor o ní-
Outro tipo de distocia é a de trajeto, ou seja, vel de sucesso e insucesso relacionado com as
aquelas na qual o canal do parto é o gerador do intervenções obstétricas a fim de preservar a
problem. Nesse caso, as anormalidades são ós- gestante tanto quanto sua prole.
seas ou de partes moles. No que diz respeito às
partes ósseas, incluímos a pelve, e o seu tipo é MÉTODO
importante na hora do parto, de modo que o tipo
ginecoide é o mais favorável ao parto normal, Esse capítulo, trata-se de uma revisão de li-
por apresentar um diâmetro transverso e oblí- teratura de caráter analítico. Os dados foram ex-
quos maiores, enquanto o tipo androide ou tri- traídos a partir da base de dados National Li-
angular é aquele de pior prognóstico ao parto, brary of Medicine (PubMed), Brasil Scien-tific
visto que a sua anatomia faz com que o feto não Electronic Library Online (SciELO) de acordo
cresça adequadamente. No que se refere as par- com os Descritores em Ciências da Saúde
tes moles, estão envolvidos na retrocessão, a (DeCS): “obstetric emergency care”, “emer-
vulva, períneo, vagina, colo uterino, e tumores gency cesarean”, “pre-hospital emergency
prévios (FEBRASGO, 2017; COUTINHO et care”. Para efetuar o cruzamento destes utili-
al., 2021). zou-se o operador booleano AND. Foram en-
A última distocia é a de objeto, e nesse caso, contrados mais de 16.100 artigos e, após crité-
são incumbidas ao feto, que pode ter tamanho rios de inclusão e exclusão, 12 artigos foram

314 | Página
selecionados: artigos em espanhol, inglês e por- O escore de APGAR, considerado um mar-
tuguês entre 2018 a 2021, não sendo contabili- co da neonatologia, apresenta-se adequado,
zados os aqueles artigos referência com mais de independentemente da indicação de cesariana
10 anos. Excluíram-se, artigos que não abordas- de emergência. Cabe lembrar, que não é in-
sem assuntos relevantes ao objetivo final e es- frequente a gestante ser de baixo risco e ainda
tudos repetidos, seguindo critérios de qualidade assim apresentar complicações que façam com
metodológica, que englobam a análise dos do- que a sua evolução se dê em um parto traumá-
cumentos publicados em um período de três tico (FONSECA et al., 2021).
anos, os quais apresentaram informações rele-
vantes quanto a faixa etária das gestantes, bem Cesariana de emergência e a identifi-
como as sintomatologias apresentadas durante a cação dos fenômenos que levaram a este
gestação. Feito isso, analisou-se as abordagens resultado
A cesariana de emergência é definida como
clinicas e cirúrgicas descritas nos mesmos arti-
uma intervenção que ocorre como resultado de
gos, para que, desta forma se obtivesse os resul-
um quadro patológico ou acidental, de caráter
tados expostos nesse capítulo.
emergencial que implique um risco de vida ma-
terno-fetal, sendo necessário interromper a
RESULTADOS E DISCUSSÃO gravidez rapidamente. Na maioria dos casos, o
foco é manter a vida da mãe, porém, preservar
A presença de comorbidades maternas, a vida do neonato é um dos objetivos. Por isso,
como obesidade e diabetes gestacional, corro- deve-se monitorar tanto a gestante quanto o feto
boram para a distocia biacromial, que necessi- desde o início do atendimento, no ambiente pré-
ta de amparo obstétrico, e para tanto, o proto- hospitalar (FEBRASGO, 2017; BRASIL, 2000).
colo ALEERTA, da ASLO (Advanced Life Su- É imprescindível que a intervenção cirúr-
port of Obstetrics) foi desenvolvido, como gica, que interrompa a gestação danosa, ocorra
mostra o Quadro 37.1 e também utilizar, como em tempo hábil para que o resultado seja satis-
uma das últimas ferramentas, a manobra de fatório. A identificação precoce das patologias,
Zavanelli, que consiste na reintrodução do bebê bem como dos seus sintomas, é importante para
para o canal vaginal e posteriormente, realizar a que não ocorra insucessos durante a gestação.
cesariana (FONSECA et al., 2021). Tais sinais e sintomas devem ser observados
durante as consultas do pré-natal. Este, é indis-
Quadro 37.1 Protocolo ALEERTA
pensável e previne situações em que o parto de
emergência é necessário. Portanto, o médico gi-
necologista e obstetra deve manter um diálogo
aberto com a paciente e fazer uso de seus co-
nhecimentos relacionados a anamnese obsté-
trica (KREBS et al., 2021).
Diversos estudos já demonstram que a as
anomalias traumáticas ou congênitas, bem co-
mo quadros crônicos relacionados a saúde da
mãe, representam indicadores importantes para
Fonte: FEBRASGO, 2017 morbidade e mortalidade tanto da gestante

315 | Página
quanto do feto. Em razão disso, deve-se manter (CALIL et al., 2017).
o foco em resolver a problemática de maneira Síndromes hipertensivas gestacionais ini-
coesa e rápida, controlando os danos e evitando ciam-se com a pressão arterial elevada e, se não
maiores complicações (GOMES, 2019). tratadada em tempo adequado, podem evoluir
para pré-eclâmpsia, eclâmpsia e síndrome
Atendimento à paciente no pré-operató- HELLP, que tem acrônimo formado pela sua fi-
rio siopatologia, a qual consiste em hemólise, au-
O atendimento da gestante no pré-operató- mento de enzimas hepáticas (do inglês, elevate
rio, muitas vezes tem início no ambiente extra- liver enzimes) e plaquetopenia (low platelets).
hospitalar, fazendo-se necessário o atendimento Devido a sua gravidade, carece de um diagnós-
desenvolto da equipe de atendimento pré-hos- tico assertivo, que envolve além de um bom co-
pitalar. Estes estão responsáveis por toda inter- nhecimento médico, auxílio de exames comple-
venção feita, desde o momento em que a ambu- mentares, como exemplificado no Quadro 37.2
lância encontra a gestante até sua entrada no (SANTANA et al., 2016).
pronto socorro obstétrico. Todo monitoramento
da mãe e do feto deve ser feito e, transmitido Quadro 37.2 Exames complementares na sín-
para equipe hospitalar de forma simultânea, drome HELLP
bem como toda medicação utilizada para esta-
bilizar o quadro clínico da gestante ou do feto,
evitando confusões no ambiente hospitalar
(SAN-TANA et al., 2016).
A triagem e o atendimento da gestante em
estado de emergência, requerem uma utili-
Fonte: FEBRASGO, 2018.
zação eficiente do tempo, sendo notável a im-
portância de uma equipe multidisciplinar com- A conduta diante da síndrome HELLP re-
posta pelo menos por um obstetra, um neonato- quer atendimento instantâneo e, baseado na sua
logista, equipe de enfermagem qualificada e, fisiopatologia, deve-se controlar hemorragias,
em alguns casos, cirurgião geral; garantindo eclâmpsia, hipertensão arterial grave e desenca-
uma avaliação completa e a melhor intervenção deamento do parto. Além disso, se a idade ges-
para o caso clínico (KREBS et al., 2021). tacional for superior a 34 semanas, o parto deve
ser realizado, se inferior a 34 semanas, e a imi-
Patologias pré e pós-parto emergencial e nência de complicações graves descartada, o
suas sequelas uso de corticoides é bem prescrito (FEBRAS-
Doenças do aparelho cardiovascular são GO, 2018).
principais motivos de partos emergenciais, se- A partir disso, nota-se que as patologias ci-
guidos de doenças infectocontagiosas como tu- tadas acima são os principais fatores maternos,
berculose e sífilis, infecção do trato urinário que tem por resultado o parto de emergência. É
(I.T.U), infecções pela bactéria Streptococcus importante salientar que crianças nascidas de
agalactiae, descolamento prematuro de pla- gestações acometidas por pré-eclâmpsia, po-
centa e anemia e vaginose de repetição. Além dem apresentar maior risco de síndromes meta-
disso, as doenças do aparelho cardiovascular bólicas, doenças cardiovasculares e hipertensão
são a primeira causa de morte materna no Brasil arterial sistêmica precoce (GOMES, 2019)

316 | Página
Os motivos de parto emergencial relaci- hospitalar bem como o pronto socorro obsté-
onados ao feto são diversos, sendo gravidez ec- trico utilize o trabalho de triagem de forma ade-
tópica, apresentação fetal distocica, apresen- quada, embasando-se nos critérios de risco que
tação pélvica, hidro ou microcefalia algumas foram discutidos á cima, desta forma as aborda-
das principais apresentações pré-parto pre- gens alcançam maiores taxas de sucesso, evi-
sentes Situações em que o feto seja anencefálico tando complicações que possam evoluir ao
ou possua outra anomalia congênita incompatí- óbito da mãe ou do neonato em casos de emer-
vel com a vida, não serão consideradas, uma gências. É notável que o pré-natal bem como a
vez que, apesar do parto ser de emergência, o anamnese obstétrica são de grande importância
objetivo é apresentar a evolução do quadro clí-
quando se trata de prevenir ou tratar quadros pa-
nico do neonato, bem como da puérpera
tológicos que sejam responsáveis por partos de
(KREBS et al., 2021).
emergência, também auxiliam os médicos obs-
Segundo dados comparativos entre cesari-
tetras e neonatologistas a tratarem de forma
anas eletivas e de emergência em Santa Cata-
adequada mãe e filho no pós-parto.
rina, de 37 óbitos maternos, 28 foram após pro-
A Síndrome de HELLP bem como as disto-
cedimentos de emergência. As indicações para
esses casos, estão relacionadas a situação fetal cias fetais foram os fatores associados aos par-
instável, descolamento prematuro de placenta e tos de emergência mais prevalentes nos artigos,
apresentação de anomalias congênitas (KREBS a recuperação tanto da puérpera quanto do neo-
et al., 2021). nato apresenta-se satisfatória.
Os exames complementares são de rele-
CONCLUSÃO vância considerável para um possível diagnos-
tico de síndrome de HELLP, prevenindo com-
É notório que o serviço de atendimento pré- plicações que causem dando materno-fetal.

317 | Página
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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318 | Página
CAPÍTULO 38
IDENTIFICAÇÃO DAS CAUSAS
QUE LEVAM AO PARTO DE
EMERGÊNCIA
Palavras-chave: Sofrimento fetal agudo; Pré-eclâmpsia grave; Eclâmpsia

CAROLINA BRAGANÇA E SILVA¹


PAULO VITOR CARVALHO DUTRA¹
WEBERTON DORÁSIO SOBRINHO²
YANA MAÍLLA PAMPLONA COSTA¹
GUSTAVO URZÊDA VITÓRIA¹
GABRIEL BARCELOS DE FREITAS²
PEDRO HUMBERTO GUIMARÃES ALVES¹
IARGRAM LEITE PEREIRA¹
MARÍLIA LOIOLA CARDOZO¹
LAYNE MENDONÇA SCHMITT¹
ALINE OTONI MESQUITA¹
GUSTAVO HENRIQUE RASSI MAHAMED DAHER³
ESTHER CARDOSO DOS SANTOS SOUZA¹
LUÍS GUILHERME RASSI MAHAMED DAHER⁴

1
Discente - Medicina da Universidade Evangélica de Goiás
²Discente – Medicina da Universidade de Rio Verde – campus Goianésia
³Discente – Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Goiás
⁴Discente - Universidade Federal de Goiás

319 | Página
INTRODUÇÃO recentemente a COVID-19, também se tornou
um problema para a saúde das gestantes. Corre-
A gestação é um fenômeno natural e a sua lacionou-se a infecção por SARS-CoV-2 a um
evolução normalmente se encaminha para que maior número de cesáreas de emergência,
não haja nenhuma intercorrência. No entanto, principalmente por sofrimento fetal, ou mesmo
uma pequena parcela de gestantes pode progre- porque a mãe encontrava-se em uso de venti-
dir de uma forma desfavorável tanto para o feto lação invasiva (CASTRO et al., 2020; DASH-
quanto para a mãe, podendo evoluir para um RAATH et al., 2020).
parto de emergência, expulsão precoce do feto Por fim, o parto de emergência configura
(VERÍSSIMO et al., 2018). como uma das principais causas de morte ma-
Entre as causas que devem ter mais atenção terna. No entanto, 98 % desses óbitos seriam
da equipe de saúde podemos destacar a sín- evitáveis caso fossem asseguradas condições
drome de HELLP, que se caracteriza-se como mínimas de saúde à mulher (BRASIL, 2000).
sendo uma forma grave de pré-eclâmpsia, tendo Com isso, o atendimento à gravidez de risco
como sintomas a hemólise, elevação das enzi- exige equipe médica e de enfermagem “especi-
mas hepáticas e plaquetopenia (OLIVEIRA et alizada”, devido à sua complexidade, a fim de
al., 2012; GARCÍA & ESTEVEZ, 2017; amenizar as repercussões negativas na dinâ-
KAHHALE et al., 2018). Os extremos de idade mica familiar dessa população (VERÍSSIMO et
também configuram como um ponto importante al., 2018).
a ser observado na anamnese, pois podem pro- O objetivo deste estudo foi esclarecer as
vocar partos de emergência. Quando a gestante principais causas relacionadas às complicações
é jovem, menor de 15 anos, o risco de intercor- materno-fetais durante o parto (normal ou cesa-
rências físicas e de morte materno-fetal é cres- riana), objetivando um manejo mais eficiente e
cente. No outro extremo, acima de 40 anos, o qualitativo dessas intercorrências, assegurando
risco baseia-se no aumento da incidência de a saúde tanto da mãe, quanto do bebê.
complicações como o trabalho de parto prema-
turo (ALMEIDA, 2018; SILVA et al., 2018). MÉTODO
Além disso, o descolamento prematuro de pla-
centa (DPP), a placenta prévia e o acretismo Trata-se de uma revisão integrativa da lite-
placentário são ocorrências que também mere- ratura realizada no período de fevereiro a março
cem a atenção dos obstetras. Na DPP há a sepa- de 2022, utilizando-se as bases de dados da Bi-
ração entre placenta e feto antes do momento blioteca Virtual de Saúde (BVS), Google Aca-
adequado, o que gera consequências hemodi- dêmico e Scielo. Foram aplicados os descritores
nâmicas no corpo da mãe. Já na placenta prévia escolhidos a partir de termos encontrados no
e o acretismo há implantação e desenvolvi- DeCS da BIREME: “parto”, “emergência” e
mento da placenta na porção inferior uterina e, “obstetrícia”, utilizando booleanos AND e/ou
consequentemente, é capaz de causar rotura ute- OR. Dessa forma, a seleção inicial dos artigos
rina em qualquer fase gestacional (SILVER, foi seguida pela aplicação dos critérios de ex-
2015; JAUNIAUX et al., 2019). As infecções clusão: artigos que não fossem na língua portu-
do trato urinário (ITU’s) podem ocasionar risco guesa, publicações anteriores ao ano de 2010 e
de parto prematuro, pré-eclâmpsia e, até mes- artigos que apesar do uso dos termos DeCS pes-
mo, choque séptico (AVILA et al., 2020). Mais quisados não garantiam que não houvesse uma

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abordagem superficial do tema, sendo selecio- mental para a avaliação de riscos, a deter-
nados 23 artigos, entre os anos de 2010 e 2022. minação de conduta e a estimativa de prognós-
Os critérios de inclusão foram: artigos nos tico da gestação, independentemente da prová-
idiomas português; publicados no período de vel etiologia. Um estudo retrospectivo sobre
2010 a 2022 e que abordavam as temáticas pro- cardiomiopatias durante a gestação mostrou um
postas para esta pesquisa. Os resultados foram percentual de 35 % de complicações com 11%
apresentados de forma descritiva, divididos em de mortalidade materna, dados que relaciona-
categorias temáticas abordando: causas de ram-se com a maneira e o grau de comprometi-
morte materna, fetal, principais solicitações de mento miocárdico (AVILA et al., 2020).
caráter de urgência e sobre o parto de emergên- A insuficiência cardíaca é a principal com-
cia especificamente. plicação, principalmente após o segundo tri-
mestre de gestação e durante o trabalho de
RESULTADOS E DISCUSSÃO parto. No puerpério imediato, momento tão de-
licado quanto a gestação, devem-se pressupor
O parto de emergência deve ser realizado as seguintes recomendações: cautela com o uso
sempre que a vida da mãe ou do feto esteja em de ocitócicos, moderação na infusão de fluidos
risco. Países em desenvolvimento, como o Bra- durante o intraparto, atenção a hemorragia pós-
sil, possuem taxas de mortalidade materna su- parto, controle da dor, prevenção de infecção e
periores a 100 óbitos por 100.000 pacientes, en- retaguarda de UTI nas primeiras 24 a 48h após
quanto países desenvolvidos, como os EUA e o parto. Portadoras de cardiomiopatia devem
Canadá, possuem taxas que não passam de 9 participar de planejamento familiar, incluindo
óbitos por 100.000 pacientes. aconselhamento genético. Além disso, a estrati-
Conceitualmente, segundo a Organização ficação de risco para “nova” gravidez deve con-
Mundial da Saúde (OMS), mortalidade mater- siderar o estado funcional e estrutural da cardi-
na é a morte durante a gravidez ou até 42 dias omiopatia e os estudos genéticos são promisso-
depois do fim da gestação, que independe do res para as mudanças no prognóstico das cardi-
tempo e da localização da gestação. A causa omiopatias (ÁVILA et al., 2020).
pode ser qualquer uma que possua nexo com a A pré-eclâmpsia (PE) trata-se de uma desor-
gravidez ou que tenha sido complicada por ela, dem hipertensiva específica na gestação, que
excluindo apenas as causas acidentais ou inci- tem como causa um processo de placentação
dentais (SOARES et al., 2012). inadequado com consequente liberação de me-
A cardiomiopatia é uma doença do mús- diadores inflamatórios no sangue que, por sua
culo cardíaco com comprometimento estrutu- vez, são os responsáveis pelas manifestações
ral e funcional do coração na ausência de do- clínicas da doença. A PE leve pode ser condu-
ença arterial coronariana, hipertensão arterial, zida até, no máximo, 37 semanas, sendo a via
doença valvar ou cardiopatia congênita, que de parto de indicação obstétrica. O momento da
justifique a anormalidade miocárdica observa- interrupção dependerá concomitantemente dos
da. De acordo com o fenótipo, as cardiomiopa- riscos da prematuridade bem como dos riscos
tias são classificadas em: hipertrófica, dilatada, maternos. A conduta expectante é uma opção,
restritiva, arritmogênica do ventrículo direito e desde que não existam critérios de gravidade
não compactada. Essa classificação é funda- para a gestante. Na PE grave, a decisão entre

321 | Página
conduta expectante e parto levará em conside- Uma causa importante de parto de emergên-
ração a idade gestacional e o contexto clínico cia é a Síndrome de HELLP, uma forma grave
materno e fetal. A partir de 34 semanas, frente de pré-eclâmpsia, caracterizada por hemólise,
ao diagnóstico de PE grave, o manejo envolve elevação das enzimas hepáticas e plaquetope-
estabilização clínica, administração de sulfato nia. A síndrome de HELLP é observada em mu-
de magnésio e realização do parto. Em idade lheres grávidas com pré-eclâmpsia ou eclâm-
gestacional menor que 34 semanas, conside- psia que manifestam alterações no fígado e
rando que o único critério de gravidade é a pres- anormalidades na coagulação do sangue. A sin-
são arterial (rotina laboratorial materna e bem tomatologia da paciente envolve: náuseas,
estar fetal normais) pode-se optar pelo manejo vômitos, cefaleia resistente, epigastralgia e
hospitalar da paciente com estabilização clí- hipertensão arterial sistêmica. Há alguns casos
nica, início de anti-hipertensivos, administração que podem evoluir para comprometimento re-
de sulfato de magnésio e rigorosa monitori- nal e visual, além de alterações comportamen-
zação com o intuito de reduzir os riscos da pre- tais. Ademais, aos exames laboratoriais serão
maturidade sem expor a gestante a riscos adici- analisados esquizócitos, plaquetopenia grave e
onais (MOCARZEL, 2021). laboratório hepático alterado. Dessa forma, o
A eclâmpsia consiste no espectro mais principal objetivo do manejo da Síndrome de
grave da desordem hipertensiva na gestação e, HELLP é garantir a vida materna, e uma das
novamente, não há evidências de benefício com condutas é a interrupção da gravidez. Contudo,
a conduta expectante. A interrupção da gestação existe a conduta conservadora, que consiste na
é indicada após estabilização clínica, início de utilização de medicamentos como: corticoides,
anti-hipertensivos e sulfato de magnésio. No
sulfato de magnésio e avaliação do bem estar
manejo de pacientes com hipertensão deve-se
materno e fetal. Frente a interrupção de uma
levar em consideração a idade gestacional e o
gestação com PE grave é indicada manutenção
risco de pré-eclâmpsia e sua gravidade para a
de sulfato de magnésio por 24 horas após o
escolha da conduta mais apropriada (OLI-
parto (MOCARZEL, 2021).
VEIRA et al., 2012; GARCÍA & ESTEVEZ,
Entre as doenças crônicas a mais prevalente
2017; KAHHALE et al., 2018).
entre gestantes é a hipertensão arterial sistêmica
A detecção precoce da Síndrome HELLP
(HAS), em que nota-se que nuliparidade, extre-
aumenta as chances de sobrevivência da mãe e
mos de idade materna, cor, obesidade e histó-
do bebê. Este é o motivo pelo qual deve-se per-
rico familiar de HAS são fatores predisponentes
ceber imediatamente qualquer sintoma de anor-
relevantes no período gravídico. As compli-
malidade durante as consultas de enfermagem
cações como o deslocamento prematuro de
de pré-natal. A demora no diagnóstico favorece
placenta, coagulação intravascular dissemina-
o aparecimento de complicações sérias como
da, hemorragia cerebral, falência hepática e
insuficiência renal aguda, edema agudo de pul-
renal e eclâmpsia são mais comuns em mulhe-
mão ou ruptura hepática, que podem culminar
res grávidas com HAS e podem ser fatais. Con- na morte. É necessário o acompanhamento e vi-
tudo, o estabelecimento de novos esquemas de gilância permanente da paciente grávida com
tratamento tem reduzido a incidência de com- variação pressórica significativa; uma vez que a
plicações maternas e não apresentou redução doença hipertensiva da gestação é uma das prin-
das complicações fetais (FERRÃO et al., 2006; cipais causas de mortalidade materna. Con-
COSTA et al., 2016).

322 | Página
siderando que a Síndrome HELLP é um episó- (MARTINELLI et al., 2018).
dio grave, de início imprevisto, com mau prog- A placenta prévia e o acretismo placentário
nóstico, e que tem chance de se repetir em ges- também fazem parte das principais causas do
tações futuras, é importante que as gestantes se- parto de emergência. Nesse caso, há implan-
jam orientadas quanto à gravidade da doença a tação e desenvolvimento da placenta na porção
probabilidade de recorrência da mesma, além inferior uterina, o que, consequentemente, é
do início do acompanhamento de pré-natal pre- capaz de causar rotura uterina em qualquer fase
coce, como fator de impacto positivo sobre a gestacional. Ademais, quando há suspeita des-
qualidade de vida das gestantes (OLIVEIRA et ses aspectos, é possível o diagnóstico pela
al., 2012; GARCÍA & ESTEVEZ, 2017; ultrassonografia transvaginal. Dessa forma, o
KAHHALE et al., 2018). principal sintoma da gestante é a hemorragia e
Um dos fatores de risco são os extremos de a indicação de parto cesariana é obrigatório em
idade, que constituem risco gestacional e po- casos de placentas centrais (SILVER, 2015;
dem provocar partos de emergência. Quando a JAUNIAUX et al., 2019).
gestante é jovem, menor de 15 anos, o risco de Outro fator comumente relacionado às
intercorrências físicas e de morte materno-fetal emergências obstétricas são as infecções do
é crescente. Ocorre, que nessa faixa etária, o or- trato urinário (ITUs). A gestação é um período
ganismo delas ainda está em desenvolvimento, onde há elevados níveis de progesterona no
assim, não há um ambiente totalmente favorá- corpo da mulher. Tal fator provoca inúmeras al-
vel à gestação, além de impossibilitar tanto a terações na composição corpórea, tais como di-
progressão do crescimento fisiológico da mu- latação do trato urinário (que chega a 80 %, se-
lher quanto do feto. No outro extremo, acima de gundo alguns estudos), combinada com hidro-
40 anos, o risco baseia-se no aumento da inci- nefrose leve. Adicionalmente, a urina também é
dência de complicações, como: trabalho de par- modificada, devido ao estado gravídico, com
to prematuro, hemorragia anteparto, trabalho de presença de glicosúria, aminoácidos e produtos
parto prolongado, gestação múltipla, apresen- de degradação hormonal, corroborando, tam-
tações anômalas, distócias, placenta prévia, bém, para uma maior propensão às ITUs e,
pós-datismo, oligo e polidrâmnio, rotura pre- consequentemente, para um risco de parto pre-
matura de membranas e parto por cesárea. Nes- maturo, pré-eclâmpsia e, até mesmo, choque
te contexto, cesáreas de emergência e taxa de séptico (MATUSZKIEWICZ -ROWIŃSKA et
mortalidade materna tem aumentado em nosso al., 2015).
país (ALMEIDA, 2018; SILVA et al., 2018). Em um estudo realizado na Colômbia, cerca
A respeito do Descolamento Prematuro de de 2.223 óbitos ocorreram por causas externas
Placenta (DPP), há a separação entre placenta e em mulheres grávidas. Vários indicadores co-
feto antes do momento adequado. Esse fato gera mo PIB, taxa de desemprego, pobreza e anal-
consequências hemodinâmicas no corpo da fabetismo foram analisados nos períodos de
mãe, como hipotensão, diminuição do débito 1998-2010 e comprovou a correlação direta-
urinário e hemorragias. Além disso, interfere na mente proporcional entre violência, fatores so-
saúde do feto e descontrola a ritmicidade do co- cioculturais e o estado gravídico, já que 1429
ração fetal. Dessa forma, a DPP é uma causa mortes foram ainda durante a gestação (SALA-
grave de parto de emergência e a mãe pode evo- ZAR et al., 2015), constituindo, portanto, uma
luir para choque e coagulopatias, além de ter situação de emergência que precisa ser melhor
altas possibilidades de perder o feto elucidada, a fim de estabelecer meios de inter-
323 | Página
venção. clínicos para, de fato, caracterizar o trabalho de
Recentemente, outro fator que tem sido re- parto prematuro são: contrações uterinas regu-
lacionado aos partos de emergência é a infecção lares em intervalo menores ou iguais a 5
por COVID-19. A gestação é um estado que minutos, por cerca de 1 hora, além da dilatação
inspira cuidados, haja vista que há modificações do colo uterino, em geral maior que 2 cm,
corporais que culminam em um maior consumo seguida de apagamento da cérvice (>80 %). O
de oxigênio, elevação do diafragma e edema da tratamento e manejo desses casos dependem da
mucosa do trato respiratório, fatores que tornam semana gestacional de cada paciente, sendo
a mulher mais suscetível a afecções respirató- que, em casos inferiores a 24 semanas, há
rias, em especial pneumonias. Correlacionou- necessidade de um acompanhamento mais es-
se, nesse ínterim, a infecção por SARS-CoV-2 pecífico para cada paciente, a depender de suas
a um maior número de cesáreas de emergência, demandas. Entre 24-32 semanas, utiliza-se to-
principalmente por sofrimento fetal, ou mesmo colíticos (medicações que ajudam a minimizar
porque a mãe encontrava-se em uso de a contratilidade uterina) e corticoides. Já acima
ventilação invasiva. Grande parte dos estudos de 32 semanas, a gestante deve ser constante-
correlacionam, também, o parto prematuro à in- mente monitorada (PATELLA et al., 2014).
fecção por COVID-19, sendo que cerca de 41%
dos partos analisados ocorreram antes de 37 CONCLUSÃO
semanas, enquanto os outros 15 % ocorreram
antes de 34 semanas (CASTRO et al., 2020; Esse estudo indica que muitas são as causas
DASHRAATH et al., 2020). que levam ao parto de emergência, que se con-
Dentre as causas de mortalidade fetais estão figura como uma das principais causas de morte
o trabalho de parto prematuro (TPP), caracteri- materna e 98 % desses óbitos seriam evitáveis
zado por ser aquele que ocorre entre 20 e 37 se- caso fossem asseguradas condições mínimas de
manas e constitui-se como uma das intercorrên- saúde à mulher. Dentre as causas de parto de
cias obstétricas mais comuns. Os principais fa- emergência estão hemorragias, cardiomiopatia,
tores de risco relacionados à essa emergência pré-eclâmpsia, eclâmpsia, síndrome de HELLP,
obstétrica, podem incluir infecção materna ou descolamento prematuro de placenta, placenta
fetal, tabagismo, incompetência istmo-cervical prévia e acretismo placentário, infecções do
e trabalho de parto prematuro nas demais ges- trato urinário, infecções, trabalho de parto pre-
tações anteriores. A gestação é um período cujo maturo, causas externas e mais recentemente a
corpo da mulher sofre diversas modificações COVID-19. O acesso a serviços efetivos e em
fisiológicas e, nesse sentido, o útero, órgão de tempo adequado, pré-natal adequado, o incre-
grande importância nesse tempo, também sofre mento do auxílio ao parto normal e a redução de
inúmeras alterações. Uma delas inclui as cons- cesarianas eletivas e desnecessárias são medi-
tantes contrações durante todo esse período, o das básicas que devem ser aplicadas na saúde
que inclui contrações de grande amplitude, de da mulher, a fim de melhorar os índices
Braxton Hicks. Sendo assim, é importante que brasileiros. Além disso, é necessário que haja
os padrões clínicos sejam os fatores-guia nesse qualificação profissional para definição e trata-
contexto, a fim de que haja clara distinção entre mento apropriados aos casos de risco e às ur-
o trabalho de parto de prematuro e essas gências/ emergências obstétricas.
contrações. Dessa forma, os principais critérios

324 | Página
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.

325 | Página
CAPÍTULO 39
O MANEJO DO INFARTO AGUDO
DO MIOCÁRDIO NA GESTANTE
Palavras-chave: Protocolo; Infarto Agudo do Miocárdio; Gestação

RAISSA DE SOUZA BARBOSA¹


ARTHUR LINS MELO¹
MARIANA GROPPA BORGES¹
ROBERTA PEREIRA DE AGUIAR¹
ANA FLAVIA SILVA SOUZA¹
EMANUELLI DA SILVA MONÇÃO SOARES¹
JÉSSICA DO NASCIMENTO FERREIRA¹
NATÁLIA COSAC CARVALHO¹
CINTIA DUARTE CORRÊA DA COSTA 2

1
Discente - Medicina da Universidade Estácio de Sá campus Angra dos Reis
2
Docente – Medicina da Universidade Estácio de Sá campus Angra dos Reis

326 | Página
INTRODUÇÃO Assim como na população em geral, esses fato-
res estão diretamente ligados ao comporta-
Casos de infarto agudo do miocárdio (IAM) mento da doença. Nos últimos anos, estudos
durante o período gestacional, apesar de raros, apresentaram como fatores de risco mais preva-
estão crescendo mundo afora. Estudos recentes lentes o tabagismo, seguido de dislipidemia e
mostram que a mortalidade de gestantes por do- hipertensão e por conseguinte, houve um au-
enças cardiovasculares está aumentando e, no mento significativo no número de condições
Brasil, essa incidência é maior que as médias cardiovasculares crônicas, assim como doenças
internacionais, sendo então considerada a prin- cardíacas isquêmicas e diabetes mellitus (DM)
cipal causa não obstétrica de morte materna no em gestantes (MERLO et al., 2021; ELKA-
período da gravidez e puerpério (AVILA et al., YAM et al., 2014; SMILOWITZ et al., 2018).
2020; TEDOLDI et al., 2005). Com os avanços da medicina, complica-
O IAM na gravidez é uma condição multi- ções de anestesia e quadros hemorrágicos, que
fatorial com maior propensão de ocorrer princi- eram comuns ao parto, diminuíram seu poder de
palmente no terceiro trimestre e antes do parto, contribuição na mortalidade de gestantes, abrin-
devido às alterações hemodinâmicas, de coagu- do espaço para novas preocupações. Condi-
lação e às demais alterações fisiológicas ineren- ções obstétricas como múltiplas gestações, DM
tes à essas fases da gestação. Estudos também gestacional e distúrbios hipertensivos na gesta-
relatam que o tabagismo, hipertensão arterial, ção, estão se tornando mais relevantes por, atu-
diabetes mellitus, idade materna, trombofilia e almente, apresentarem maior prevalência entre
uso de drogas como crack e cocaína também parturientes. Dentre tais condições, estudos
configuram fatores de risco para a doença revelam que mais de 18 % das gestantes norte-
(MERLO et al., 2021). americanas com episódios de IAM já apre-
Vale ressaltar ainda que mudanças sociais e sentaram pré-eclâmpsia ou eclâmpsia. Nesse
econômicas ocorridas nas últimas décadas im- contexto, os distúrbios hipertensivos em gestan-
pactaram diretamente no perfil das famílias. tes se mostram os mais frequentes e com poten-
Mulheres, cada vez mais, estão optando por cial de gerar um alto índice de doença coro-
uma gravidez em uma idade superior a 35 anos. nariana futuramente (MERLO et al., 2021).
Além disso, o avanço tecnológico na área de re- Embora demonstrem ter maior incidência
produção assistida possibilitou que casais infér- no pré-parto, eventos isquêmicos em gestantes
teis pudessem conceber e permitiu que a idade podem se apresentar em qualquer estágio da
propícia à uma gestação se estendesse. Essa gestação, por isso se faz necessário uma maior
postergação da gestação pode estar diretamente na assistência às mulheres em todo o ciclo gra-
relacionada ao aumento da incidência de even- vídico-puerperal. Apesar do número de mortes
tos cardiovasculares em gestantes, podendo ge- maternas por complicações ter diminuído nos
rar desfechos negativos na saúde materno-fetal últimos anos no Brasil, a taxa de mortalidade
(UDELL et al., 2013; DAYAN et al., 2017). materna deve ser controlada, pois representa um
A análise dos fatores de risco cardiovascu- importante indicador de qualidade da assistên-
lares relacionados à gestação é importante para cia de saúde de uma população (AVILA et al.,
compreender a patogenia do IAM em gestantes. 2020).
O objetivo deste estudo é analisar qual o

327 | Página
grupo de risco entre gestantes e, diante de uma RESULTADOS E DISCUSSÃO
hipótese diagnóstica de IAM, entender quais as
especificações do manejo para mulheres grávi- Conforme demonstrado por dados da Orga-
das a fim de não provar nenhuma iatrogenia nização Mundial de Saúde (OMS), doenças car-
tanto para mãe quanto para o feto. diovasculares são a principal causa de morte no
mundo (OPAS, s.d.). Durante a gravidez o risco
MÉTODO de IAM parece aumentar em três vezes quando
comparado com mulheres não grávidas de idade
Esta pesquisa ocorreu através do levanta- semelhante. Sabe-se que doenças crônicas in-
mento de publicações científicas relacionadas flamatórias são mais comuns em mulheres, po-
com a temática dos últimos 17 anos. As bases dendo contribuir com maiores taxas de IAM.
consultadas, no período de fevereiro a março de Além disso, como uma patologia cardiovascu-
2022, foram: Scielo, PubMed, Google Acadê- lar de morbimortalidade elevada, esta passa a
mico e, ainda, nas publicações do Ministério da chamar atenção de todos uma vez que o número
Saúde, Federação Brasileira das Associações de de gestantes com idade mais avançada (acima
Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) e So- de 40 anos) passou a crescer e se trata de um
ciedade Brasileira de Cardiologia. Foram utili- grupo que possui fatores de risco cardiovas-
zados os descritores: “Gestação e IAM”, “ges- cular, como hipertensão arterial, diabetes, taba-
tação e isquemia”, “gestação e infarto”, “preg- gismo e obesidade, com maior tempo de expo-
nancy and AMI”, “pregnancy and ischaemic sição e, portanto, possibilidade de doença ate-
heart disease”. Desta busca foram encontrados rosclerótica com relevância clínica (LADNER
40 artigos, posteriormente submetidos aos cri- et al., 2005; JAMES et al., 2006)
térios de seleção.
Foram incluídos artigos com qualis acima Fisiopatologia
Ainda é pouco compreendida a fisiopatolo-
de B2, nos idiomas inglês e português, publi-
gia que justifica o aumento do risco de IAM na
cados no período de 2005 a 2021 e que discu-
gestação, mas alguns mecanismos foram pro-
tiam o assunto proposto para esta pesquisa. Fo-
postos tais como:
ram excluídos artigos que não abordavam dire-
1) Alterações hemodinâmicas associadas a
tamente a proposta estudada e que não atendiam
gravidez, como aumento do volume sistólico e
aos demais critérios de inclusão.
da frequência cardíaca, aumentam a demanda
Após os critérios de seleção restaram 21 ar-
miocárdica de oxigênio;
tigos, os quais foram submetidos à leitura ana-
2) Expansão do volume sanguíneo, resul-
lítica para a coleta de dados, ou seja, na qual as
tando em uma anemia fisiológica, juntamente
informações contidas na fonte foram ordenadas
com a queda da pressão diastólica podem redu-
e sumarizadas a fim de obter as respostas ao
zir o suprimento de oxigênio do miocárdio, con-
objetivo desta pesquisa.
tribuindo para o desenvolvimento de isquemia
Os resultados foram apresentados de forma
miocárdica, particularmente se o suprimento
descritiva, divididos em categorias temáticas
sanguíneo coronariano já estiver comprome-
abordando: Fisiopatologia, diagnóstico e trata-
tido;
mento.
3) Alterações hormonais, particularmente
nos últimos meses da gestação e no puerpério

328 | Página
podem alterar a integridade dos vasos coronari- gestação, trabalho de parto e parto. A hiperten-
anos, levando ao aumento das taxas de dis- são pré-existente e a gemelaridade podem au-
secção; mentar a disfunção endotelial, o que predispõe
4) Aumento do risco de trombose durante o surgimento dessa condição (MERLO et al.,
a gestação; 2021).
5) Maior exposição da circulação corona- O aumento do volume sistólico, da frequên-
riana ao progressivo dano mediado por estro- cia cardíaca, da tendência de formação de coá-
gênio e progesterona em casos de multipari- gulos e a diminuição da resistência vascular
dade, enfraquecendo a parede do vaso e expli- periférica são exemplos das alterações fisioló-
cando a maior incidência de dissecção espontâ- gicas da gravidez. No 1º trimestre, é possível
nea da artéria coronária (CAULDWELL et al., observar um aumento de aproximadamente
2018). 40% do débito cardíaco (DC) em relação ao
Podemos dividir as causas de isquemia mi- período pré-gestacional. Na primeira metade da
ocárdica aguda em 2 tipos: Com obstrução das gestação, o volume plasmático apresenta-se
artérias coronárias (com ou sem supra-desnive- como principal responsável por esse aumento.
lamento do segmento ST) e sem obstrução das Já a frequência cardíaca assume esse papel até
artérias coronárias. Este último, por sua vez, a ocorrência do parto. No entanto, esse aumento
pode se dividir em 3 mecanismos: A dissecção do DC não é constante, pois com a segunda me-
espontânea da artéria coronária associada à ges- tade da gestação também ocorrem variações se-
tação, embolia coronariana e, por fim, vasoes- cundárias às mudanças de posição da gestante.
pasmo coronariano (KHAING et al., 2020). Em decúbito lateral esquerdo ocorre aumento
A doença cardíaca isquêmica de causa ate- do débito cardíaco, redução da frequência cardí-
rosclerótica está ligada à presença de fatores de aca e aumento do volume sistólico. Já na po-
risco como a pré eclâmpsia, diabetes gestacio- sição supina, ocorre a compressão da veia cava
nal, histórico de parto prematuro, doenças au- inferior pelo útero gravídico, diminuindo o
toimunes como lupus eritematoso ou artrite reu- retorno venoso e consequentemente o DC, fator
matoide, e até mesmo ansiedade generalizada. que pode levar à manifestação de tonturas e
Nos casos da aterosclerose, há um acúmulo de síncopes (MITTAL, 2013; HUMPHRIES et al.,
xantomas intimais carregando lipídios deposita- 2017).
dos na parede dos vasos. Além disso, a alta dos As alterações fisiológicas da gravidez tam-
níveis de colesterol do tipo LDL estão presentes bém ocorrem na parede vascular. Mudanças
no final da gestação, propiciando a oxidação hormonais como o excesso de progesterona cir-
(CAULDWELL M. et al., 2018; AVILA et al., culante podem promover alterações das fibras
2020). elásticas arteriais, enquanto o aumento do estro-
Apesar de rara em casos de IAM em não gênio pode influenciar na deposição anormal de
gestantes, a dissecção espontânea da artéria co- colágeno no interior da camada média das arte-
ronariana tem se mostrado um mecanismo co- rias, aumentando a liberação de metaloprote-
mum para o IAM associado à gravidez. Essa inase da matriz. Além disso, a relaxina também
condição apresenta-se principalmente no ter- causa redução da síntese de colágeno. Tais fato-
ceiro trimestre e no pós-parto de multíparas e res favorecem a fragilização da parede das arte-
pode ser explicada por alterações na parede ar- rias e predispõem à dissecção arterial (AVILA
terial associadas ao estresse hemodinâmico da et al., 2020).

329 | Página
Associadas a essas modificações do orga- CUI et al., 2017).
nismo materno, a ocorrência da dissecção de ar-
téria coronária pode estar relacionada ao es- Diagnóstico
tresse cardíaco significativo decorrente da dor, De acordo com o posicionamento adotado
ansiedade, esforço, postura materna, assim pela Sociedade Brasileira de Cardiologia, o di-
como as contrações no trabalho de parto e parto. agnóstico do IAM não é influenciado pelo es-
Com as contrações uterinas, ocorre aumento tado gravídico em si, mas deve ser realizado e
agudo da pré-carga devido à ejeção do sangue seguido de seu tratamento antes do parto. Deve
do útero para circulação sistêmica a cada con- ser pautado em sintomas (dispneia, dor torácia),
tração. Assim, o DC pode chegar a ser 60 a 80 em exames laboratoriais (elevação da tropo-
% maior do que os níveis pré-gestacionais. nina), no Eletrocardiograma (ECG) de 12 deri-
Além disso, após o período expulsivo, ocorre vações (possibilidade de um supradesnivela-
aumento súbito do retorno venoso, que se deve, mento do segmento ST) e no Ecocardiograma
entre outros fatores, à descompressão do fluxo (ECO) (alterações de contratilidade segmentar
da veia cava inferior pela involução uterina de parede). Adicionalmente, podem ser realiza-
(ZOET et al., 2014; TWEET et al., 2017). dos alguns exames complementares como cinti-
Já a trombose coronariana, num cenário de lografia, ressonância magnética e angiografia
ausência de aterosclerose, ocorre, provável- das coronárias a fim de diagnosticar, estratificar
mente, pela hipercoagulabilidade inerente às risco e até mesmo tratar (CAULDWELL et al.,
modificações do organismo materno na ges- 2018; AVILA et al., 2020).
tação ou à associação de uma condição prévia Vale ressaltar que, assim como nos casos
como a trombofilia. Progressivamente, após o em que não está associado à gestação, o IAM
primeiro trimestre da gestação, ocorre uma nem sempre se apresenta com sintomas clássi-
ativação da síntese de fatores de coagulação e cos de dor no peito que irradia para a mandíbula
do fibrinogênio e redução da antitrombina e da e braços. Inclusive, gestantes podem apresentar
proteína S (anticoagulantes naturais), o que de- sintomas atípicos como dispepsia e refluxo
termina o característico estado de hipercoagula- (CAULDWELL et al., 2018).
bilidade da gestante. Por outro lado, na presença O diagnóstico diferencial de IAM associado
de coronárias normais, as causas de IAM per- à gravidez deve ser feito com embolia pulmo-
manecem incertas, mas sugerem espasmo coro- nar, embolia amniótica, dissecção de aorta e mi-
nário transitório (aumento da reatividade vascu- ocardite. Dito isso, em casos de dor torácica ou
lar e/ou uso de derivados da ergotamina) ou dis- alta suspeita de doença isquêmica aguda, a in-
secção coronária não detectada, refletindo, por dicação é iniciar a investigação com medidas
exemplo, as limitações do diagnóstico. O es- não invasivas (teste de esforço, ecocardiografia
pasmo coronariano tem como fator de risco a de estresse ou ressonância magnética). Se hou-
hemorragia pós parto e pode ocorrer, entre ou- ver algum achado sugestivo de doença isquê-
tros motivos, quando a gestante está na posição mica, a angiografia coronária pode ser feita para
supina e ocorre liberação de renina e angioten- que, além de concluir o diagnóstico, favoreça a
sina pela diminuição da perfusão do útero gra- chance de tratamento da artéria responsável
vídico. Além disso, pode ocorrer também de- pelo quadro. Isso porque o risco da angiografia
vido a indução por drogas, hipertensão gesta- é relativamente pequeno diante do seu efeito
cional e pré-eclâmpsia (AHMED et al., 2014;

330 | Página
positivo sobre o planejamento do parto e a anes- siderada segura e eficaz para a gestante. No en-
tesia dessas pacientes (CAULDWELL et al., tanto, apesar de não ser teratogênica, atravessa
2018; AVILA et al., 2020). a barreira placentária e pode levar à depressão
respiratória no feto se administrado próximo ao
Tratamento parto (AVILA et al., 2020; TEDOLDI et al.,
Durante o tratamento convencional do 2005).
IAM, são utilizados analgésicos, nitratos, blo- Os nitratos têm seu uso terapêutico relaci-
queadores beta-adrenérgicos, fibrinolíticos, ini- onados aos efeitos que ele ocasiona na circu-
bidores da enzima conversora da angiotensina lação periférica e coronária. Seu efeito vasodi-
(que devem ser contraindicados durante a ges- latador causa a diminuição do retorno venoso ao
tação, mas indicados durante o puerpério), anti- coração e do volume diastólico final do ventrí-
agregante plaquetário e anticoagulantes. A con- culo esquerdo, o que faz com que o consumo de
duta perante um IAM em gestante não apresenta oxigênio pelo miocárdio seja diminuído. Além
grandes diferenças do manejo de um IAM em disso, efeitos vasodilatadores podem ser obser-
não gestante, porém há algumas peculiaridades vados nas artérias coronárias, tanto normais
dignas de nota, levando em conta os benefícios quanto ateroscleróticas, redirecionamento do
e malefícios maternos e/ou fetais (TEDOLDI et fluxo sanguíneo, com aumento da circulação
al., 2009). colateral e inibição da agregação plaquetária. O
Visto a alta morbimortalidade, são indica- nitrato é administrado por via sublingual (nitro-
dos maiores cuidados mantendo a grávida sob glicerina, mononitrato ou dinitrato de isossor-
os cuidados da Terapia Intensiva com acompa- bida). Se não houver rápido alívio da dor,
nhamento especializado por cardiologista, obs- podemos administrar o medicamento intrave-
tetra e anestesista para monitoramento materno noso. Em alguns casos, como a presença de
e fetal. Dito isso, faz-se necessário uma maior hipotensão arterial importante ou uso de silde-
atenção às possíveis reações que o feto terá di- nafil nas últimas 24 h ou tadalafila nas últimas
ante de medicamentos e procedimentos que 48 h, o nitrato pode ser contraindicado. O uso
poderão ser realizados (TEDOLDI et al., 2005). sublingual não deve ultrapassar 3 comprimidos,
Na fase aguda do IAM constata-se hipoxe- com intervalo de 5 minutos entre as adminis-
mia, mesmo na ausência de complicações. Con- trações de cada unidade, sendo cada medica-
tudo, para garantir oxigenação fetal adequada, mento com sua dose individual (nitroglicerina
visando prevenir a ocorrência de sofrimento e (0,4 mg/comp.), dinitrato de isossorbida (5
morte fetal, é necessário manter a saturação da mg/comp.) ou mononitrato de isossorbida (5
gestante maior ou igual a 95 %. Assim, é indi- mg/comp.). Havendo a necessidade de uso in-
cada a administração de oxigênio por máscara travenoso, o tratamento deve ser mantido por 24
ou cateter nasal de 2 a 3 l/min por um período a 48 h da última dor anginosa, com suspensão
mínimo de 2 a 3 horas, assim como ventilação de forma gradual. Devemos nos atentar à possi-
mecânica não invasiva ou invasiva em casos de bilidade de hipotensão, que pode gerar um so-
hipoxemia mais grave (AVILA et al., 2020; frimento fetal (NICOLAU et al., 2021;
TEDOLDI et al., 2005). TEDOLDI et al., 2005).
Para analgesia da dor torácica e alívio da an- O AAS é um medicamento antiplaquetário
siedade provocados pelo IAM, a morfina é con- que sempre deve ser prescrito, com exceção de
casos em que o paciente tenha intolerância ou

331 | Página
apresente eventos adversos. A fundamentação acidente vascular encefálico (AVE), constando
da sua importância no tratamento vem de estu- o benefício da adição do clopidogrel ao trata-
dos que evidenciaram a redução da mortalidade mento para pacientes com síndrome coronari-
tanto na redução de IAM não fatal, quanto na ana aguda sem supra de ST (SCASSST). O
mortalidade a curto e médio prazo. Inicial- clopidogrel é classificado em categoria B. Lo-
mente, fazemos uma dose de ataque de 150 a go, a sua prescrição em gestantes deve ser feita
300 mg, seguido de 75 a 100 mg ao dia para a com cautela. É um medicamento não tera-
dose de manutenção (NICOLAU et al., 2021). togênico e existem relatos de casos onde o uso
Bem tolerados e utilizados durante a do clopidogrel não causou complicações (OLI-
gestação, os betabloqueadores podem ser admi- VEIRA et al., 2009; TEDOLDI et al., 2005;
nistrados com o objetivo de reduzir o consumo NICOLAU et al., 2021).
de oxigênio do miocárdio e o estresse de cisa- A heparina foi o primeiro anticoagulante in-
lhamento na dissecção espontânea de artéria co- jetável a ser sintetizado. Ela inibe diretamente a
ronária. São usados, ainda, para prevenir isque- trombina, já que atua como cofator da anti-
mia recorrente, arritmias e ocorrência de novo trombina. Isso faz com que sua atividade au-
infarto. Já os bloqueadores dos canais de cálcio, mente e, por consequência, seu efeito anticoa-
inibidores da enzima conversora de angioten- gulante sob a trombina, fator Xa, e, em grau me-
sina, bloqueadores de receptores de angioten- nor, os fatores XII, XI e IXa. Durante a conduta
sina são contraindicados devido aos seus efeitos do IAM, é utilizada como coadjuvante dos fi-
potencialmente prejudiciais ao feto durante o brinolíticos, além dos casos com fibrilação
primeiro trimestre da gestação, e risco fetal atrial (FA), trombo intracavitário, síndromes
comprovado nos dois últimos trimestres trombofílicas etc. A heparina não fracionada
(MERLO et al., 2021; MEHTA et al., 2016). (HNF) e a heparina de baixo peso molecular
Apesar de terem sua eficácia comprovada (HBPM) não atravessam a placenta e não anti-
para prevenção secundária em IAM de origem coagulam o feto, mas seu uso deve ser suspenso
aterosclerótica, as estatinas também não são re- devido ao aumento do risco de complicações
comendadas para uso durante a gestação e ama- hemorrágicas (4-6 h antes do parto de HNF IV
mentação, uma vez que estudos demonstraram e 24 h antes se HBPM). Suas vias de adminis-
anormalidades fetais decorrente de seu uso tração são intravenosa (IV) ou subcutânea (SC),
(AVILA et al., 2020; MEHTA et al., 2016). sendo que, por via SC a biodisponibilidade é
O clopidogrel age bloqueando de forma per- menor que a infusão IV contínua, e tem seu iní-
manente o receptor P2Y12 plaquetário, também cio de efeito retardado em até duas horas. No
está relacionado a redução do nível de fibrino- final da gestação, ocorre uma aparente resistên-
gênio circulante e bloqueia parcialmente os re- cia à heparina, devido ao aumento do fibrinogê-
ceptores de glicoproteína IIb/IIIa., o que causa nio e fator VIII. Isso pode levar a um aumento
uma dificuldade para que essas glicoproteínas desnecessário da dose, aumentando os riscos de
se liguem ao fibrinogênio e ao fator de Von um evento hemorrágico. Nesses casos, é in-
Willebrand. Yusuf et al. (2001) utilizaram o dicado a dosagem do nível de anti-Xa e, caso
clopidogrel em conjunto com o AAS em um não haja acesso a esse controle, a dose não deve
grupo de 12 mil pacientes ao longo de 9 meses. ultrapassar 40.000 U/dia (OLIVEIRA et al.,
Ao final do estudo, foi constatado uma redução 2009; TEDOLDI et al., 2005; NICOLAU et al.,
de 20 % na incidência de óbitos por IAM ou 2021).

332 | Página
Considerados como tratamento de escolha CONCLUSÃO
no IAM, os trombolíticos têm seu uso limitado
durante a gestação. Isso se dá por sua relação Sabe-se que doenças cardiovasculares estão
com o aumento do risco de hemorragia tanto fe- listadas como uma das principais causas de
tal quanto materna. Por exemplo, se existe uma mortes no mundo e, ainda, a ocorrência de IAM
suspeita de dissecção coronariana, devemos aumenta em 3 vezes em mulheres grávidas
evitar o uso do trombolítico pelo risco de au- quando comparado a não grávidas de mesma
mentar essa dissecção. Apesar disso, os trom- idade. Diversos fatores de risco estão envolvi-
bolíticos não têm efeito teratogênico; seu uso dos com a fisiopatologia da doença na popu-
deve ser evitado durante até 10 dias após partos lação geral e o padrão se mantém entre gest-
cesáreos e sua ação durante a amamentação é antes: modificações fisiológicas da gestação,
desconhecida. Dentre eles, três são usados em associadas a doenças de base e hábitos de vida
gestantes: Estreptoquinase, Uroquinase e Alte- contribuem para a possibilidade de abertura do
plase. A estreptoquinase e uroquinase não são quadro. Diante disso, fica notório a importância
seletivos e geram um estado fibrinolítico gene- de se conhecer mais sobre tal cenário a fim de
ralizado. A estreptoquinase tem meia-vida curta saber manejá-lo corretamente.
de 23 minutos e pode levar a um estado de hipo- Apesar de ser uma condição rara, diante de
tensão e provocar reações alérgicas e, após a ad- quadros clínicos sugestivos, a hipótese de um
ministração, o fibrinogênio pode demorar de 36 IAM em gestantes deve ser levantada e, em se-
até 48 h para se normalizar. Já a alteplase tem a guida, investigada. Cabe aos profissionais de
meia-vida de 5 minutos, e não é nem antigênica saúde a avaliação do risco benefício dos méto-
nem causa hipotensão. Os trombolíticos têm dos diagnósticos e da terapêutica individuali-
seu uso mais frequente durante a gestação em zada a serem aplicados diante de um caso, sem-
casos de trombose venosa profunda (TVP) pro- pre considerando diminuir os riscos de mortali-
ximal, tromboembolismo pulmonar (TEP), dade para a mãe e não gerar danos ao feto (so-
trombose de prótese valvar, trombose de veia frimento ou morte fetal). Nesse caso, é funda-
axilar, embolia arterial cerebral e IAM (OLI- mental que levem em consideração as reco-
VEIRA et al., 2009; TEDOLDI et al., 2005). mendações e diferenças no protocolo de trata-
Apesar de limitados, alguns estudos com mento das gestantes quando comparadas às não
procedimentos de intervenção durante a ges- gestantes.
tação possuem resultados favoráveis de angio- Vale ressaltar ainda que quando se pensa em
plastia primária (sem uso prévio de fibrinolí- qualificar a saúde, deve-se pensar sempre na
tico) sem ou com implantes de stents. A angio- prevenção. Dito isso, esta pesquisa serviu para
plastia com stent intracoronário pode evitar evidenciar a prevalência dos fatores de risco en-
oclusão aguda do vaso quando há dissecção se- volvidos com IAM bem como sua relação com
cundária à dilatação por cateter balão ou nos ca- o período e hábitos sociais atuais nos quais essa
sos em que a dissecção ocorre de maneira es- população está inserida e sugere que novos es-
pontânea (TEDOLDI et al., 2005). tudos possam utilizá-la como norteador para
prevenir o surgimento do quadro em pessoas
que se inserem no grupo de risco.

333 | Página
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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.

334 | Página
CAPÍTULO 40
ÁCIDO TRANEXÂMICO NO
TRAUMA
Palavras-chave: Sangramento; Custo; Efetividade

MILENA LORRAINE COUTO FRANCO1


MUNIR TAYFOUR OLIVEIRA1
NAJWA MUNIR TAYFOUR2

1
Discente - Medicina da Universidade de Rio Verde. Aparecida de Goiânia
2
Discente - Medicina da Universidade de Rio Verde. Rio Verde

335 | Página
INTRODUÇÃO PubMed e ScieLo, nos quais 12 artigos foram
lidos e analisados e 6 foram selecionados como
O ácido tranexâmico (ATX) é um agente referências para a pesquisa sobre o uso do ácido
homeostático que vem sendo amplamente utili- tranexâmico (ATX) no atendimento de pacien-
zado no atendimento ao paciente vítima de tes em trauma.
trauma. Em informações epidemiológicas da Critérios de inclusão: estudos e artigos refe-
Organização Mundial de Saúde, chegam a rentes ao período de tempo dos últimos 10 anos
apontar a possibilidade de evitar 128.000 das (2012-2022), e que apresentam informações so-
400.000 mortes anuais que ocorrem por sangra- bre o uso do ATX no paciente em trauma e o
mento em pacientes vítimas de trauma no custo-efetividade. Critérios de exclusão: refe-
mundo (PINTO et al., 2016). Trata-se de um rentes a outro período de tempo e que possuem
agente análogo sintético do aminoácido lisina, informações sobre o uso do ATX em outros ti-
que age interferindo na ativação da plasmina pos de paciente que não sejam os em trauma ou
através da inibição da ligação plasminogênio- que não apresentavam questões sobre o custo-
fibrina. Essa droga, classificada como antifi- efetividade desse tratamento.
brinolítica, previne a dissolução do coágulo,
evitando assim maior perda sanguínea. As mor- RESULTADOS E DISCUSSÃO
tes por qualquer causa em pacientes hospitali-
zados (até 4 semanas após o trauma), que fize- Através da análise desses estudos, foi evi-
ram uso de ATX, foram significativamente re- denciada uma significativa influência do ATX
duzidas em 14,5 % (LUZ et al., 2012), desde no tratamento de traumas tanto em civis quanto
que aplicado de maneira correta e precoce, pois em militares. Ademais, colocou em pauta que
pode apresentar repercussões clínicas negativas há um intervalo de tempo de confiança para au-
ao paciente se aplicado tardiamente. Desse mentar a eficácia e evitar prejuízos, bem como
modo, vem sendo largamente recomendado seu o custo-efetivo relevante e benéfico (PINTO et
uso de maneira rotineira em pacientes vítimas al., 2016).
de trauma com suspeita de sangramento pré e De acordo com Roberts et al. (2013), a
intra-hospitalar, assim como já usado em cirur- análise do ensaio clínico CRASH-2, a partir da
gias eletivas, sem apresentar grandes custos ao comparação do uso do ATX ou de placebo em
sistema de saúde. pacientes civis traumatizados e com sangra-
O objetivo deste estudo foi analisar os bene- mento, comprovou a redução indireta da morta-
fícios da introdução do ATX no atendimento a lidade por sangramentos (4,9 % grupo ATX
pacientes traumáticos e sua relação custo-efeti- versus 5,7 % grupo placebo, respectivamente),
vidade para o sistema de saúde. uma vez que previne o sangramento e melhora
a sobrevida em trauma (que são a causa princi-
pal da morte em traumas) evitando a fibrinólise
MÉTODO
excessiva (MOORE et al., 2017).
Após a análise criteriosa dos estudos,
Revisão sistemática da literatura de estudos
Roberts et al. (2013), comprovaram que o inter-
clínicos randomizados através da busca com o
valo de confiança para o início do tratamento
Operador booleano “AND” para os descritores
seria entre a primeira e até a terceira hora após
“ácido tranexâmico” e “ferimentos e lesões” no
o trauma, uma vez que, nesse período, a taxa de

336 | Página
mortalidade entre os pacientes que receberam evento está relacionado à gravidade do paciente
ATX foi de 4,8 %, enquanto os que receberam (ROBERTS, 2013)
placebo, foi de 6,1 %. Comparado a isso, aque- Sobre a análise do custo-efetividade, Pinto
les que receberam o tratamento antes de uma et al. (2016) avaliaram cenários com alto PIB
hora pós-trauma, tiveram uma taxa de mortali- per capita (Inglaterra), médio PIB per capita
dade em cerca de 5,3 % versus 7,7 % do grupo (Índia) e baixo PIB per capita (Tanzânia), dos
placebo, apresentando um risco relativo sobre o preços laboratoriais de medicamentos (de refe-
uso do ATX nesse período. Além disso, o grupo rência, similares e genéricos) em ampolas com
que foi tratado pós três horas do trauma, apre- 250mg de ATX. O custo do tratamento para sal-
sentou 4,4 % de mortalidade versus 3,2 % do var uma vida com ATX corresponde a uma mé-
grupo placebo, evidenciando um risco relativo dia mundial de R$ 3.451,17. No Brasil, seria
mais elevado nesse intervalo, uma vez que o pago um valor em cerca de R$ 54,65 por ano de
grupo 2 obteve um menor percentil de mortali- vida, se utilizarem os valores mais acessíveis e
dade. R$ 116,63 se forem os mais onerosos. A Tabela
Não obstante aos civis, foi publicado um es- 40.1, mostra os extremos de valores do trata-
tudo observacional do Military Application of mento com o ATX.
Tranexamic Acid in Trauma Emergency Resus- O efeito do ATX na redução da mortalidade
citation (MATTERs) sobre a análise do uso do após o trauma foi demonstrado em um dos mai-
ATX em militares com ferimentos graves. Esse ores estudos clínicos da atualidade conduzido
estudo foi feito somente em pacientes que esta- por Roberts et al. (2013) (20.211 pacientes trau-
vam com sangramento ativo e com os piores matizados em 40 países), mostrando assim
prognósticos, e foi observada uma redução da grandes subgrupos e alta variedade, deixando
mortalidade em cerca de 13,7 % absoluta e 49 claro, nesses casos, que a eficácia por acaso era
% relativa). Em pacientes com o a Escala Glas- bastante improvável (p<0,0001) (LUZ et al.,
gow 8, foi descrita uma redução da mortalidade 2012). As análises mostraram que o efeito do
quando usado o ATX em comparação ao não subgrupo é independente dos fatores prognós-
uso (63,3 % versus 35,6 %, respectivamente). ticos basais pré – especificados ou mesmo de
Além desses, em militares em choque (pressão outras interações não tão significantes (LUZ et
arterial sistólica <90 mmHg), também foi rela- al., 2012).
tado uma redução da mortalidade de 22,8 % nos É visto também, em análise dos estudos e
que receberam ATX versus 13,8 % no grupo artigos que existem benefícios no uso eletivo do
que não recebeu. ATX, como na necessidade de hemotransfusão,
Além desse dado, esse mesmo estudo com- volume de concentrado de hemácias transfun-
provou que essa medicação deve ser usada em dido, e necessidade de reintervenção por san-
doses baixas (1g EV em 10 min e depois infu- gramento (PINTO et al., 2016).
são de 1g ao longo de 8 h) e rotineiramente no Em relação aos efeitos do uso ATX, foi in-
tratamento de doentes traumatizados com san- dagado o aparecimento dos efeitos tromboem-
gramento ativo, mas apenas nas primeiras 3h bólicos. Foi realizado um estudo observacional
pós trauma. Não há evidências comprovadas com 115 pacientes, buscando efeitos trombóti-
sobre esse tratamento causar ou não trombo- cos e não foram encontradas mudanças (PINTO
embolismo (pulmonar e venoso) ou se esse et al.,2016).

337 | Página
Tabela 40.1 Custo do tratamento com ATX

MAIOR MENOR
QUANTIDADE MAIOR MENOR
PRODUTO PREÇO PREÇO
NECESSÁRIA PREÇO PREÇO
TOTAL TOTAL

Ácido tranexâmico
8 ampolas R$ 6,00 R$ 1,97 R$ 48,00 R$ 15,76
250 mg/5 ml

Agulha 40x12 mm
2 unidades R$ 0,14 R$ 0,08 R$ 0,28 R$ 0,16
ou similar

Seringa 20 ml 2 unidades R$ 0,49 R$ 0,22 R$ 0,98 R$ 0,44

Soro fisiologico
2 unidades R$ 1,36 R$0,89 R$ 2,72 R$ 1,78
100 mL

Equipo macrogotas 1 unidade R$ 1,17 R$ 0,67 R$ 1,17 R$ 0,67

Equipo para bomba


1 unidade R$ 17,00 R$ 14,06 R$ 17,00 R$ 14,06
de infusão

Total - - - R$ 70,15 R$ 32,87


Fonte: Adaptado de Pinto et al., 2016.

CONCLUSÃO urgências e agora também em casos de cirurgia


eletiva, o ATX ganha seu espaço quando usado
O tratamento com ATX vem sendo uma boa de forma precoce, diminuindo de forma consi-
alternativa no tratamento dos pacientes de trau- derável as hemorragias por inibição da ligação
ma, sendo uma opção mais barata, de fácil aces- plasminogênio-fibrina. O ATX deve ser usado
so e também com efeitos colaterais menos ex- em até três horas após o trauma, apresentando
pressivos maior benefício na primeira hora.
Sendo uma alternativa já implementada nas

338 | Página
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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rurgiões, v. 39, n. 1, p. 77-80, 2012. grado em Medicina) - Faculdade de Medicina da Univer-
PINTO, M. A. et al. Uso de ácido tranexâmico no trauma: sidade de Lisboa; Lisboa – PT, 2016
.

339 | Página
CAPÍTULO 41
ANÁLISE QUANTITATIVA DAS
INTERNAÇÕES POR FRATURA DE
FÊMUR NA POPULAÇÃO
GERIÁTRICA NOS ÚLTIMOS 5
ANOS
Palavras-chave: Fratura de fêmur; Idosos; Epidemiologia

ANA CLARA FERREIRA CRISPIM1


SAMARA PIRES COELHO1
RAFAELA EVANGELISTA FERREIRA MARRA1
PEDRO AUGUSTO CARRIJO NUNES1
ISABELLA GOMES TENAN1
FELIPE JUNIO COSTA1
NICOLE GONZAGA GUERREIRO1
GABRIELA DIAS NEVES1
LAÍS CELI MENDES REZENDE1
CAROLLINNE CRUVINEL RIBEIRO1
FERNANDA CUNHA ALVES1

1
Discente - Faculdade de Medicina na Universidade de Rio Verde

340 | Página
INTRODUÇÃO óssea, é responsável por diversos tipos de
fraturas. Apesar de ser alta incidência em pes-
A senescência é influenciada por diversos soas acima de 50 anos, é uma doença subdiag-
fatores: biológicos, econômicos, sociais, cau- nosticada, o que justifica parcialmente a ausên-
sas externas e doenças. O grupo de causas ex- cia de planos terapêuticos adequados, que re-
ternas, representado nesse contexto pelas que- sulta drasticamente na diminuição da qualidade
das, tem uma incidência e prevalência alta com de vida (NEVES et al., 2016).
o decorrer da idade. Aliado às doenças, sendo a O impacto na qualidade de vida, por meio
osteoporose a principal patologia relacionada a da diminuição da capacidade de realizar ativi-
esta temática, resultam nas fraturas, sendo elas dades de vida diária, mobilidade reduzida, ne-
um importante fator para o aumento do risco de cessidade de cuidadores constantemente, assim
mortalidade em idosos, predisposição para res- como a necessidade de tratamento cirúrgico, fi-
trição das atividades de vida diária, aumento do sioterapia, e susceptibilidade a internações pro-
risco de institucionallização e declínio da saúde longadas e, além dos déficits intrínsecos, consi-
global (PERRACINI & RAMOS, 2002). derando o poder de oneração do sistema de
A consequência mais frequente de quedas saúde, esta temática se torna uma problemática
em idosos é fratura de membros inferiores, importante no eixo de saúde pública (SOARES
sendo que o tipo mais prevalente é lesão no osso et al., 2014).
femoral na região do colo e na trocanteriana. As Nesse viés, este estudo tem como objetivo
complicações devido quedas do mesmo nível, descrever quantitativamente o número de inter-
sendo este o mecanismo de trauma mais fre- nações em caráter de urgência de pessoas com
quente na população geriátrica, são as princi- mais de 60 anos no SUS devido fratura de fê-
pais causas de morte neste grupo etário (MES- mur, bem como sua distribuição temporal e es-
QUITA et al., 2009). pacial nas regiões brasileiras, quantidade de
A morbimortalidade aumenta conforme a dias de internação hospitalar, taxa de mortali-
progressão da idade, assim, quanto mais ancião dade, e gasto financeiro.
é a pessoa, pior o prognóstico. Comorbidades
associadas também predispõe a um pior desfe- MÉTODO
cho, visto que a cada patologia adquirida au-
menta em cerca de 44 % a mortalidade dos pa- Trata-se de um estudo transversal, observa-
cientes internados por fratura de fêmur. O tem- cional, quantitativo e descritivo, obtido por
po de espera para a realização da cirurgia tam- meio de dados coletados no Departamento de
bém se mostrou um fator crucial para o prog- Informática do Sistema Único de Saúde (DA-
nóstico do paciente, onde aqueles que esperam TASUS) e a seleção da amostra foi realizada a
maior tempo para realização da terapêutica, partir da plataforma Informações de Saúde
tiveram maiores índices de mortalidade, apesar (TABNET). As categorias por ordem de se-
de ainda não existir consenso exato na literatura leção incluem "Epidemiológicas e Morbidade",
sobre a segurança do horário (SOUZA et al., "Morbidade Hospitalar do SUS (SIH/ SUS)" e
2007). "Geral, por local de internação a partir de
A osteoporose, fisiopatologicamente cara- 2008". O período analisado foi de janeiro de
cterizada pela diminuição da densidade mineral 2017 a dezembro de 2021, incluindo ambos
óssea e consequentemente declínio da rigidez sexos, sem exclusão de qualquer cor/raça, e

341 | Página
analisando todas as regiões brasileiras. Foi
selecionado a “faixa etária 2” que inclui todas RESULTADOS E DISCUSSÃO
as idades a partir de 60 anos, e desta foi
subdivida nos seguintes grupos: 60-64 anos, 65- No intervalo de tempo proposto, ocorreu
69 anos, 70-74 anos, 75-79 anos, 80 anos ou um total de 305.371 internações pela popu-
mais. Foi delimitado caráter de atendimento lação geriátrica, conforme apresentado pela Ta-
emergencial. Foram incluídos todos os casos de bela 41.1, sendo que aproximadamente 85% foi
fratura de fêmur (sem delimitação anatômica) em caráter de urgência, e esta porcentagem
que continham descrição na CID-10. Após a corresponde ao valor utilizado como referência
aplicação metodológica e análise minuciosa, para a pesquisa.
foram obtidos os resultados demonstrados a se-
guir.

Tabela 41.1 Tipos de atendimento por fratura de fêmur conforme a faixa etária

60 a 64 65 a 69 70 a 74 75 a 79 80 anos e
Caráter atendimento Total
anos anos anos anos mais

Eletivo 2492 2962 3628 4231 10411 23724

Urgência 23588 28799 36518 45295 125790 259990

Outros tipos de acidente de trânsito 382 331 242 226 491 1672

Outros tipos de lesões e envenen por


1680 2237 2754 3494 9820 19985
agentes químicos e físicos

Total 28142 34329 43142 53246 146512 305371

Fonte: BRASIL, 2022

A região sudeste, onde abriga 41,9 % da po- com os anos, chegando a atingir, no ano de
pulação brasileira, apresenta 132.194 inter- 2020, uma diferença bruta de 25.567 casos em
nações, com média e desvio padrão para o perí- relação ao último colocado. Importante também
odo atingindo valores de 51988 e 4,8, respecti- relacionar que apesar da região centro-oeste ser
vamente, isto é correspondente a 50,84 % das populacionalmente menor que a região norte,
internações por fratura de fêmur em idosos. A ela apresentou um saldo positivo de 3,81 % de
região sul, classificada com o terceiro maior internações em caráter de urgência em relação
contingente populacional brasileiro, possui o ao norte do país.
segundo maior numero de internações, seguido Conforme apresentado na Tabela 41.2,
pela região nordeste, centro-oeste e, por último, ocorreu um aumento das internações nos últi-
a região norte (Tabela 41.2). Cabe destacar que mos 5 anos, sendo que o ano de 2020 ocorreu o
a liderança do sudeste se manteve constante maior número de internações hospitalares.

342 | Página
Tabela 41.2 Distribuição temporo-espacial

Ano atendi-
Região Norte Região Nordeste Região Sudeste Região Sul Região Centro-Oeste Total
mento

2017 1689 7658 24398 9305 3402 46452

2018 1982 8258 24961 10122 3700 49023

2019 2014 9554 27127 10523 4209 53427

2020 1920 10329 27487 10929 4155 54820

2021 2026 9962 26708 10099 3930 52725

Total 9631 45761 130681 50978 19396 256447

Fonte: BRASIL, 2022.

A incidência de fratura de fêmur em idosos totalizam 5.211 casos a menos que o grupo
com mais de 80 anos é cerca de 10 vezes maior etário seguinte, enquanto aqueles que têm idade
que em pessoas com mais de 45 anos (MES- entre 70 e 74 anos possuem 21,14 % mais inter-
QUITA et al., 2009). O aumento da prevalência nações que o grupo anterior. A faixa etária entre
com a idade está relacionado, principalmente, 75 e 79 anos contabilizam 45.295 casos de inte-
às múltiplas comorbidades que a pessoa está rnação em caráter emergencial, uma diferença
susceptível a desenvolver com o tempo (FRAN- inferior, em valor líquido, de 80.495 casos em
CO et al., 2015). O Gráfico 41.1 apresenta a relação ao grupo com mais de 80 anos, que re-
estatística etária. A incidência desta patologia presenta a faixa etária com maior prevalência.
aumenta com a idade. Idosos entre 60 e 64 anos

Gráfico 41.1 Distribuição do número de internações em cada grupo etário

Fonte: BRASIL, 2022.

343 | Página
O sexo feminino é predominante nas inter- possuem escores mais altos em relação a perda
nações devido fratura de fêmur, o que está dire- de funcionalidade com a própria senescência
tamente relacionada aos distúrbios hormonais (MACHADO et al., 2012). A estatística brasi-
da senescência que causam a decomposição da leira analisada condiz com tal dado acadêmico,
matriz óssea e, consequentemente, osteoporose. visto que para cada homem que sofre por fratura
A diferença é tão expressiva a ponto de que a de fêmur, aproximadamente 1,7 mulheres são
proporção de homens que sofrem por fraturas acometidas. Ou seja, mulheres idosas possuem
de fêmur é de 1:12, enquanto para mulheres é o uma prevalência aproximadamente 2,14 vezes
dobro (FREITAS & PY, 2016). Correlaciona- maior do que homens da mesma faixa etária,
se também este fato à justificativa que mulheres conforme mostrado pelo Gráfico 41.2.

Gráfico 41.2 Número de internações por sexo entre 2017 e 2021

Fonte: BRASIL, 2022.

O total de dias de internação hospitalar por 8,2 dias internados e mulheres 8,1. Conforme
fraturas de fêmur na população geriátrica tota- mostra a Tabela 41.3, a média de dias de inter-
liza em 2.121.800 dias, sendo que 682.001 dias nação hospitalar diminuiu com a progressão dos
são relacionadas aos homens, enquanto 67,8 % anos, visto que em 2017 a média era de 8,8 e em
dessa quantidade é relacionada a internações fe- 2021 teve um débito negativo de 1,3, obtendo
mininas, o que é justificável, pelo que aponta no uma média atual de dias de internação hospita-
Gráfico 41.1, pois mulheres são mais acome- lar de 7,5.
tidas por esta doença. A média de dias de inter-
nações é similar, onde homens ficam cerca de

344 | Página
Tabela 41.3 Relação da média de dias de internação hospitalar por ano entre os sexos

Sexo 2017 2018 2019 2020 2021 Total

Masculino 9,1 8,8 8,5 7,6 7,5 8,2

Feminino 8,7 8,7 8,4 7,5 7,5 8,1

Total 8,8 8,7 8,4 7,5 7,5 8,2

Fonte: BRASIL, 2022.

O valor gasto com fraturas de fêmur em pes- dias de internação hospitalar, ocorreu um au-
soas com mais de 60 anos no SUS é registrado mento do valor médio de cada internação, con-
em R$ 631.562.971,43 sendo o valor médio de forme aponta o Gráfico 41.4.
uma única internação, devido esta patologia, de
R$ 2.583,93. Apesar da diminuição da média de

Gráfico 41.4 Distribuição da média de permanência hospitalar e do valor médio de internação por
pessoa durante o período de 2017 a 2021

Fonte: BRASIL, 2022.

A taxa de mortalidade para essa patologia é idade, chegando a uma diferença de 75,4 % em
de 5,32 óbitos a cada 100 internados, totali- relação ao inicio da fase senil, conforme aponta
zando 13.836 óbitos ao longo do tempo anali- a Tabela 41.4.
sado. Importante destacar que a taxa de morta-
lidade possui um aumento com o transcender da

345 | Página
Tabela 41.4 Variação da taxa de mortalidade em função do tempo, em anos, e idade cronológica

Faixa Etária 2 2017 2018 2019 2020 2021 Total

60 a 64 anos 2,06 1,76 1,8 1,84 1,93 1,88

65 a 69 anos 2,66 2,47 2,79 2,34 2,51 2,55

70 a 74 anos 3,31 3,17 3,03 3,08 3,25 3,17

75 a 79 anos 4,32 4,03 4,03 3,99 4,12 4,09

80 anos e mais 7,58 7,8 7,61 7,56 7,79 7,67

Total 5,37 5,37 5,3 5,2 5,38 5,32

Fonte: BRASIL, 2022.

CONCLUSÃO concluiu que idosos, em especial aqueles com


mais de 80 anos, acometidos por fratura de fê-
O presente trabalho concluiu que tal patolo- mur possuem um prognóstico dramático. Im-
gia tem um impacto considerável na saúde pú- portante destacar que ao fim, este estudo evi-
blica, tanto em fins financeiros globais quanto denciou que a situação de fraturas de fêmur de
em relação a qualidade de vida individual. É ne- caráter emergencial em idosos segue o padrão
cessária uma maior atenção aos grupos de risco, da literatura vigente.
com destaque ao sexo feminino, visto sua maior
predisposição a tal patologia. O estudo também

346 | Página
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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tema Único de Saúde-DATASUS. Disponível em MESQUITA, G. V. et al. Morbid-Mortality in elderly
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Brasileira de Ortopedia, v. 51, n. 5, p. 509–514, 2016. quedas em uma coorte de idosos residentes na comuni-
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FREITAS, E.V.D & PY, L. Tratado de Geriatria e Ge-
rontologia, 4ª edição. São Paulo: Grupo GEN; 2016. SOARES, D. S. et al. Fraturas de fêmur em idosos no
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41, n. 4, p. 625–631, 2007.
NEVES, A. C. F. et al. Fatores de risco para osteoporose
e fratura de fêmur em idosos de Curitiba. Revista Médica
da UFPR, v. 4, n. 4, p. 159–165, 2016

347 | Página
CAPÍTULO 42
EPILEPSIA PÓS-TRAUMÁTICA
Palavras-chave: Epilepsias; Traumatismo Cranioencefálico; Convulsões
Traumáticas, Profilaxia Anticonvulsivante

PAULO CESAR FIANI BACILA NETO¹


ÉRICA FELISBINO BRISTOT¹

1
Discente - Curso de Medicina da Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC)

348 | Página
INTRODUÇÃO 41.899 artigos, posteriormente submetidos aos
critérios de seleção.
Define-se Epilepsia Pós-Traumática (EPT) Os critérios de inclusão foram: artigos escri-
toda a crise epiléptica ocorrida em decorrência tos no idioma inglês; publicados no período de
de uma injúria encefálica, e estas podem ser 1990 a 2018 e que abordavam as os temas de
classificadas conforme o tempo de seu surgi- estudo desta pesquisa. Os estudos analisados
mento após o trauma (ANNEGERS et al., foram do tipo revisão sistemática, revisões, en-
1998). Esta situação ocorre em cerca de 20 % saios clínicos e meta-análises, disponibilizados
dos pacientes, vítimas de traumatismo crânio- na íntegra. Os critérios de exclusão foram: arti-
encefálico (TCE), e relaciona-se com maior gos duplicados, disponibilizados na forma de
mortalidade e morbidade após o traumatismo resumo, que não abordavam diretamente a pro-
(VESPA et al., 1999). posta estudada e que não atendiam aos demais
A epilepsia desenvolve-se em diferentes fa- critérios de inclusão.
ses de insulto neuronal, e relaciona-se ao estado Após os critérios de seleção restaram 21 ar-
inflamatório pós-traumático decorrente das le- tigos, os quais foram submetidos à leitura mi-
sões secundárias ao trauma DELORENZO et nuciosa e detalhada para a coleta de dados. Os
al., 2005). resultados foram apresentados de forma descri-
É de crucial importância a instalação pre- tiva, divididos em categorias temáticas abor-
coce da profilaxia anticonvulsivante e posterior dando: conceito e epidemiologia; fisiopatolo-
identificação de crises epilépticas resultantes da gia; diagnóstico e tratamento.
EPT, visando a redução de morbimortalidade
do paciente traumatizado (CHANG & LOWEN RESULTADOS E DISCUSSÃO
-STEIN, 2003). A fenitoína, classicamente, é o
fármaco de escolha para este tratamento e Conceitos e epidemiologia
profilaxia, com redução de 14,2 % para 3,6 % A EPT é definida como toda crise convul-
no risco de desenvolvimento de epilepsia pos- siva iniciada após uma injuria ao sistema ner-
terior ao TCE (TEMKIN et al., 1990). voso central, como através do TCE. Ela é classi-
Este estudo objetivou realizar uma revisão ficada conforme o momento de seu surgimento,
bibliográfica sobre Epilepsia Pós-Traumática, sendo imediata quando ocorre em até 24 horas
incluindo sua epidemiologia, mecanismos fisi- do trauma; precoce, quando ocorre na primeira
opatológicos, diagnóstico, profilaxia e trata- semana após o trauma e tardia, quando surge
mento, tal como suas complicações. após sete dias de injuria ao encéfalo (ANNE-
GERS et al., 1998). As crises epilépticas têm
MÉTODO início e fim bem demarcados, evidenciados
tanto pela observação clínica, quanto pela aná-
Trata-se de uma revisão bibliográfica narra- lise dos resultados do eletroencefalograma
tiva realizada no período de janeiro a junho de (EEG). Para caracterizar a epilepsia, basta ao
2019, por meio de pesquisas nas bases de dados: menos uma crise epiléptica não provocada
PubMed e Scielo. Foram utilizados os descrito- (FISHER et al., 2005).
res: “Post Traumatic Seizures”, “Traumatic Dos sobreviventes ao TCE, cerca de 20 %
Brain Injury”. Desta busca foram encontrados complicam para EPT, independentemente da
instalação de profilaxia anticonvulsivante com

349 | Página
fenitoína na sala de emergência. Os pacientes com aumento de citocinas pró-inflamatórias, é
que desenvolvem convulsões permanecem, ge- fator contribuinte para o desenvolvimento de
ralmente, mais tempo internados que aqueles epilepsias, por aumentar a ativação microglial e
que não a desenvolvem (VESPA et al., 1999). astrocitária do hipocampo (RIAZI et al., 2010).
A maioria dos afetados são homens, vítimas de Por outro lado, a ocorrência de convulsões gera
quedas e acidentes automobilísticos. A pre- um estado inflamatório neuronal, aumentando a
sença de hemorragia subdural é frequentemente disponibilidade de citocinas pró-inflamatórias e
vista nos pacientes que convulsionam. Paci- predispondo a repetição das crises convulsivas
entes com epilepsia precoce têm mais compli- (VEZZANI & GRANATA, 2005; RAVIZZA et
cações intra-hospitalares, como pneumonia, al., 2011).
síndrome da angústia respiratória do adulto,
lesão renal aguda, embolia pulmonar e pressão Diagnóstico e tratamento
intracraniana elevada (MAJIDI et al., 2016). As convulsões têm uma apresentação
clínica muito ampla e variada, a depender do lo-
Fisiopatologia cal do cérebro que tem origem. Pacientes com
Propõe-se que a EPT se desenvolva em três convulsões do lobo frontal podem apresentar
fases distintas: a primeira ocorre no momento um quadro clínico tônico-clônico unilateral,
agudo da injúria encefálica; a segunda, num com gritos e chutes, ou apenas parestesias uni-
período de latência onde o encéfalo se torna ten- laterais (BELEZA & PINHO, 2011). Já as epi-
dencioso a desenvolver atividade epileptogê- lepsias do lobo temporal podem apresentar re-
nica e a terceira, onde surgem as epilepsias es- baixamento do nível de consciência, sintomas
pontâneas, marcando a cronificação do quadro emocionais, confusão e amnésia (ALLONE et
(DELORENZO et al., 2005). Estudos mostram al., 2017).
que os níveis de cálcio estão alterados em todas As crises epilépticas são diagnosticadas me-
as fases da epileptogênese (DELO-RENZO et diante a visualização da manifestação clí-nica,
al., 1998). e pode ser complementada pela análise do EEG
Concomitante a estes eventos, observou-se e estudos de neuroimagem, como ressonância
um aumento da excitabilidade hipocampal (LI magnética (PERUCCA et al., 2018). Então, a
et al., 2011), aumento da sinalização glutama- epilepsia deve ser classificada conforme as re-
térgica secundária à perda da inibição GABA- comendações, da Liga Internacional Contra
érgica, proporcionando uma reorganização neu- Epilepsia em focais, de 2017, generalizadas ou
ral excitatória por perda seletiva de inter-neu- de origem desconhecida, e em seus subtipos. A
rônios inibitórios (CANTU et al., 2014; sintomatologia da crise deve ser descrita, seja
SANTHAKUMAR et al., 2001). A EPT é ela motora ou não-motora (SCHEFFER et al.,
muito associada à esclerose do hipocampo, que 2017).
cursa com perda dos neurônios piramidais e gli- A Sociedade Americana de Neurologia re-
ose (LOWENSTEIN et al., 1992). Estes acha- comenda que todos os pacientes com TCE
dos são relacionados a epilepsia do lobo tempo- grave ou moderado recebam, ao longo dos sete
ral, que ocorre em 35-62 % dos pacientes com primeiros dias de internação, fenitoína endove-
TCE que convulsionam (DIAZ-ARRASTIA et nosa como forma de profilaxia anticonvulsi-
al., 2000). vante (CHANG & LOWENSTEIN, 2003). Um
O estado inflamatório presente no TCE, estudo demonstrou grande benefício do uso da

350 | Página
droga na prevenção das convulsões, com apenas O diagnóstico desta síndrome pode ser feito
3,6 % dos pacientes desenvolvendo convulsões, através da avaliação clínica do paciente ou por
versus 14,2 % que não receberam a terapia e seu registro eletroencefalográfico, preferencial-
convulsionaram (TEMKIN et al., 1990). Ape- mente realizado de maneira contínua em beira-
sar de diversas outras drogas terem sido estuda- leito.
das na profilaxia anticonvulsivante, reco- O tratamento preconizado é realizado com a
menda-se o uso apenas de fenitoína ou levetira- administração de fenitoína ou levetiracetam, em
cetam, durante 7 dias, sem diferença de eficácia doses profiláticas para a ocorrência de crises
entre os fármacos (ZIMMERMANN et al., convulsivas. Com a profilaxia anticonvulsi-
2016). vante bem empregada, evidenciou-se que ape-
nas 3,6 % dos pacientes desenvolveram EPT.
CONCLUSÃO Evidencia-se, portanto, a importância de um
seguimento adequado dos pacientes acometidos
O traumatismo cranioencefálico é um grave pela doença, tal como o emprego de uma profi-
problema de saúde pública, que tem como uma laxia anticonvulsivante nos pacientes de risco.
de suas principais consequências a EPT. Di- Observa-se a necessidade de novos estudos
vide-se em imediata, precoce e tardia, e corres- epidemiológicos e terapêuticos com objetivos
ponde a um desfecho neurológico desfavorável de avaliar a ocorrência deste aspecto neuro-
que põe em risco a saúde neurológica do indi- patológico no Brasil e seu emprego terapêutico.
víduo afetado, ocorrendo em até 20 % dos paci-
entes vítimas de injúrias encefálicas.

351 | Página
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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.

352 | Página
CAPÍTULO 43
ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS E
MANEJO DA OVERDOSE
Palavras-chave: Intoxicação aguda; Atendimento inicial; Uso abusivo de
substância

BRUNA RODRIGUES ALKMIM¹


THAYNÁ CAMPOS DUARTE¹
WILLE DINGSOR SOUZA PEREIRA2

1
Discente – Medicina Faculdades Integradas do Norte de Minas
Docente – Mestrando em Ciências da Saúde pela Universidade Estadual de Montes Claros /
2

Médico Cardiologista, Instrutor, Regulador e Intervencionista do SAMU Macro Norte de Montes


Claros

353 | Página
INTRODUÇÃO janeiro à fevereiro do ano de 2022. Foram rea-
lizadas buscas nas bases de dados PubMed e
A overdose é um problema de saúde pública LILACS. Os descritores utilizados foram: “Epi-
que tem um acometimento em âmbito mundial, demiologia”, “Manejo” e “Overdose”. Foram
decorrentes do uso de drogas, medicamentos e encontrados um total de 422 artigos, sendo 417
outras substâncias, tanto de forma acidental no PubMed e 5 no LILACS, os quais posterior-
como intencional (KNOBEL, 2016). De ma- mente foram submetidos à critérios de seleção.
neira ampla, a overdose pode ser conceituada Os critérios de inclusão foram: disponibilidade
como uma resposta biológica do corpo, quando de forma gratuita, publicados em português e
a dose de consumo de uma substância é maior em inglês, com data de publicação entre 2017 e
do que a capacidade de metabolização da 2022. Os critérios de exclusão foram: a não ade-
mesma, gerando repercussões sistêmicas, como quação ao tema, artigos incompletos e desatua-
agitação psico-motora, taquicardia, taquipneia, lizados. Ao final foram selecionados 11 artigos,
diaforese, sedação e depressão cardior- os quais foram submetidos à leitura minuciosa
respiratória (HERNANDEZ et al., 2017). A e coleta de dados. Os resultados foram apresen-
ampla diversidade de apresentações clínicas é tados de forma descritiva divididos em catego-
decorrente do elevado número de substâncias rias temáticas abordando a epidemiologia e o
psicoativas disponíveis, da dose utilizada, da manejo da overdose.
absorção e do tempo de exposição (KNOBEL,
2016). RESULTADOS E DISCUSSÃO
No Brasil, os medicamentos representam o
maior número de casos de intoxicações agudas Epidemiologia
tendo como causas o uso abusivo, tentativa de A elevada incidência dos casos de overdose,
suicídio, uso indevido e automedicação (SINI- pode ser constatada por meio dos dados divul-
TOX, 2018). gados pelo Relatório Mundial sobre Drogas de
É importante salientar que, independente da 2021 que revelou que aproximadamente 36 mi-
substância consumida e dos efeitos gerados, a lhões de pessoas em todo mundo sofrem trans-
overdose é uma causa frequente de hospitali- tornos por uso de drogas, estando inclusas para
zações, com estatísticas elevadas de números de análise, as drogas ilícitas e fármacos com ações
internações e óbitos. Por tal motivo, necessita terapêuticas, sendo os opióides os maiores
de um protocolo de manejo adequado já que, exemplos dessa categoria, com cerca de 56 %
uma assistência precoce e uma abordagem ini- do número de usuários. As análises globais es-
cial eficaz são fundamentais para o desfecho timam que cerca de 5,5 % da população com
dos casos clínicos (AMARAL et al., 2010). idade entre 15 a 64 anos já usou algum tipo de
Nesse sentido, o objetivo desse estudo foi droga. As causas referentes a esse quadro são
analisar os aspectos epidemiológicos e a abor- muitas, como as inovações e avanços da ciência
dagem emergencial da overdose. e da indústria farmacêutica, resultando em uma
elevada disponibilidade de drogas no mercado
MÉTODO com potencial de intoxicação, como benzodi-
azepínicos, opióides e antidepressivos.
O presente estudo trata-se de uma revisão (UNODC, 2021)
integrativa da literatura, realizada no período de

354 | Página
De acordo com a última divulgação do Sis- se, sialorreia e sudorese, bradicardia, inconti-
tema Nacional de Informações Tóxico-Farma- nência fecal e urinária.
cológicas (SINITOX), do ano de 2018, foram c) Síndrome sedativo-hipnótica: sedação,
registrados no Brasil 76.115 casos de intoxi- perda do tônus muscular e perda dos reflexos de
cação humana, sendo o Sudeste e Sul as regiões proteção de vias aéreas.
com os maiores números, totalizando juntas, d) Opioide: Miose, sedação e bradicardia.
64.106 casos. Do número total de casos no e) Síndrome serotoninérgica: Agitação, hi-
Brasil, a intoxicação por medicamentos tota- perreflexia e diaforese.
lizou 20.637 casos, 50 óbitos e um percentual f) Síndrome simpaticomimética: Midrí-
de letalidade de 0,24 %. Dentre esses casos, 45 ase, diaforese e arritmias (AMERICAN PSY-
foram causados por uso abusivo, 9.983 por ten- CHIATRIC ASSOCIATION, 2014).
tativa de suicídio, 106 por uso indevido, 397 por
automedicação e 1.392 por erro de adminis- Manejo
tração. No que tange os dados sobre drogas de Sob uma ótica emergencial, todas as vítimas
abuso, estas totalizaram 2.743 casos, 16 óbitos de overdose devem ser classificadas como po-
e 0,56 % de taxa de letalidade, com cerca de tencialmente graves, devendo ser conduzidas
2.410 causados por uso abusivo e 18 por tenta- para à sala de emergência. É necessário um rá-
tiva de suicídio (SINITOX, 2018). pido exame físico do paciente a fim de identifi-
Os dados de intoxicação nacional, ainda tra- car odores característicos, achados cutâneos
zem uma prevalência do sexo feminino em ca- como sudorese, palidez, alterações de pupila,
sos de intoxicação por medicamentos com um estado de consciência, uma vez que esses sinais
total de 12.566 casos, contra 6.150 casos mas- e sintomas agrupados, podem caracterizar uma
culinos. Quanto as drogas de abuso, estas apre- síndrome tóxica específica. Esse atendimento,
sentam prevalência no sexo masculino com não visa, aos cuidados de ordem psicológica,
1.959 casos, contra 629 femininos (SINITOX, mas sim prioriza a resolução dos efeitos agudos
2018). e redução do risco iminente de morte
(VELASCO et al., 2019).
Manifestações Clínicas O manejo inicial envolve o reconhecimen-
Existe uma ampla gama de manifestações to da intoxicação, identificação da droga, via de
clínicas, que variam a depender da substância administração, dose, tempo desde a ingestão e
utilizada. Assim, ao distinguir os sinais e sinto- o atendimento, avaliação do risco e a gravidade,
mas do paciente, pode caracterizá-lo em uma estabilização dos sinais vitais, diminuição da
determinada síndrome tóxica, bem como esta- absorção e aumento da eliminação do tóxico.
belecer uma conduta específica. Dentre essas (AMARAL et al., 2010). A assistência ao paci-
síndromes destacam-se: síndrome anticolinér- ente, baseia-se em um protocolo padronizado
gica, colinérgica, sedativo-hipnótica, opioide, de atendimento ao politraumatizado que segue
serotoninérgica e simpaticomimética (Tabela sequência do mnemônico ABCDE proposto
43.1). pela Advanced Trauma Life Support (ATLS),
a) Síndrome Anticolinérgica: Causa agi- que consiste em: A (Airway): Ava-liação da
tação psicomotora, midríase, peles e boca secas perviedade da via aérea; B (Breathing): Ava-
e taquicardia; liação de padrão, frequência e efetividade da
b) Síndrome Colinérgica: Letargia, mio- respiração; C (Circulation): checar pulso e

355 | Página
controle de hemorragias, seguir propedêutica Coma de Glasglow; e, por fim, E (Exposition):
específica; D (Disability): Avaliação do nível exposição e exame geral dos sistemas (ATLS,
de consciência, realizada por meio da Escala de 2018).

Tabela 43.1 Síndromes Tóxicas

Síndromes Manifestações Clínicas Drogas


Anti-histamínicos
Agitação, alucinação, delirium, convulsões Anti-parkinsonianos
Hipertermia, taquicardia, hipertensão, taquipneia, arritmias Atropina
Anticolinérgica
Mucosas e pele secas, redução de peristalse Ciclobenzaprina
Retenção urinária Escopolamina
Tricíclicos
Carbamatos
Confusão mental, RNC, convulsões, miose, Figostigmina
Bradicardia, hipertensão taquipneia Gás sarin
Colinérgica
Sialorreia, incontinência urinária e fecal, diarreia e vômitos, Nicotina
lacrimejamento, broncoespasmo e fasciculações Organofosforados
Pilocarpina
Anfetamina
Agitação, alucinação, hiperreflexia, midríase Cafeína
Simáticomimética Hipertermia, taquicardia, hipertensão, taquipneia Cocaína
Sudorese, tremores de extremidades Efedrina
Teofilina
Inibidores da MAO
Confusão, agitação, coma, midríase
IRSS
Hipertermia, taquicardia, hipertensão, taquipneia
Serotoninérgica Tramadol em associação com
Tremor, hiperreflexia e hipertonia (maiores em MMII), su-
IRSS ou duais
dorese, rigidez, trismo e diarreia
Tricíclicos
Álcool
Rebaixamento do nível de consciência, pupilas variáveis
Sedativo-hipnó- Barbitúricos
Bradicardia
tica Benzodiazepínicos
Depressão respiratória
Zolpidem
Fentanil
Rebaixamento do nível de consciência, pupilas mióticas Morfina
Opioide
Bradipneia, bradicardia, hipotensão e hipotermia Metadona
Oxicodona

Manejo e redução do risco iminente de morte (VELAS-


Sob uma ótica emergencial, todas as vítimas CO et al., 2019).
de overdose devem ser classificadas como po- O manejo inicial envolve o reconheci-
tencialmente graves, devendo ser conduzidas mento da intoxicação, identificação da droga,
para à sala de emergência. É necessário um rá- via de administração, dose, tempo desde a in-
pido exame físico do paciente a fim de identifi- gestão e o atendimento, avaliação do risco e a
car odores característicos, achados cutâneos gravidade, estabilização dos sinais vitais, dimi-
como sudorese, palidez, alterações de pupila, nuição da absorção e aumento da eliminação do
estado de consciência, uma vez que esses sinais tóxico. (AMARAL et al., 2010). A assistência
e sintomas agrupados, podem caracterizar uma ao paciente, baseia-se em um protocolo pa-
síndrome tóxica específica. Esse atendimento, dronizado de atendimento ao politraumatizado
não visa, aos cuidados de ordem psicológica, que segue sequência do mnemônico ABCDE
mas sim prioriza a resolução dos efeitos agudos proposto pela Advanced Trauma Life Support

356 | Página
(ATLS), que consiste em: A (Airway): Ava- a infusão de soro fisiológico até a dose necessá-
liação da perviedade da via aérea; B ria, que depende se o paciente em questão é um
(Breathing): Avaliação de padrão, frequência e adulto ou uma criança. É imprescindível que,
efetividade da respiração; C (Circulation): che- antes de ser realizado o manejo descrito acima,
car pulso e controle de hemorragias, seguir seja feita uma anamnese completa e eficaz para
propedêutica específica; D (Disability): Avali- que, se consiga avaliar as contraindicações para
ação do nível de consciência, realizada por a realização de tal método, a citar, a presença de
meio da Escala de Coma de Glasglow; e, por instabilidade hemodinâmica; ingestão de cáus-
fim, E (Exposition): exposição e exame geral ticos e solventes; via aérea não protegida e pre-
dos sistemas (ATLS, 2018). sença de um antídoto específico (VELASCO et
Após realizada a cadeia de atendimento des- al., 2019).
crita, o procedimento necessário é o reconhe- Um dos pilares do atendimento de emergên-
cimento do quadro clínico e condutas de des- cia é a reavaliação constante, uma vez que o pa-
contaminação. A depender da etiologia da subs- ciente e seu quadro clínico tem como caracte-
tância consumida pelo paciente, existem dife- rística um percurso dinâmico, ou seja, o prog-
rentes condutas de descontaminação. Em caso nóstico de uma vítima que deu entrada em um
de intoxicações por via oral, inalatória ou inje- departamento de emergência em estado grave
tável, principais vias responsáveis por casos de pode evoluir com uma melhora inicial, entre-
overdose, as alternativas são: carvão ativado, tanto após ser submetido a algum procedimento
lavagem gástrica, bem como, medidas de eli- pode apresentar uma evolução ruim, decorrente
minação das toxinas como o uso de antídotos de uma complicação. No caso específico da la-
específicos (HERNANDEZ et al., 2017). Nesse vagem gástrica, é notório que, como compli-
sentido, a lavagem gástrica pode ser utilizada cações, pode-se pontuar a hipotermia, laringo-
em casos de ingestão de substâncias por via oral espasmo e até mesmo lesão mecânica do trato
e tem como orientações ser realizada em tempo gastrointestinal (ALBUQUERQUE et al.,
hábil de até duas horas do consumo e, o 2017).
paciente deve estar em estado alerta para evitar O carvão ativado também enquadra-se
broncoaspiração. A lavagem gástrica consiste como um método de descontaminação, mas as-
em uma técnica dividida em etapas a serem se- sim como a lavagem gástrica apresenta suas in-
guidas para realizar a descontaminação. O pri- dicações e contraindicações, as quais devem ser
meiro passo baseia-se na garantia da proteção seguidas para que se tenha um manejo ade-
da via aérea, visando diminuir o risco de bron- quado e seguro para a vítima em questão. No
coaspiração e lesão da mesma. O passo subse- que tange a sua indicação, é necessário que a
quente é a colocação de uma sonda naso ou oro- intoxicação seja resultado de uma ingesta oral
gástrica, a qual deve ser confirmada seu posici- que ocorreu em até duas horas; quanto às con-
onamento adequado por meio de um método de traindicações, elas baseiam-se na substância in-
ausculta. Associado a isso, é importante que o gerida. Assim, se a droga não for adsorvida pelo
posicionamento do paciente seja apropriado carvão ativado ou for uma substância corrosiva,
para realizar o manejo de maneira satisfatória. esse método não deve ser utilizado. Também é
Logo, deve-se colocar o paciente em decúbito contraindicado em neonatos, gestantes ou paci-
lateral esquerdo e com a cabeça elevada a 20°. ente incapaz de estabelecer proteção de via aé-
Após garantir todos esses aspectos é que ocorre rea. O uso de tal alternativa terapêutica deve ser

357 | Página
realizado de maneira responsável e cautelosa, cias que justifiquem seu uso, sendo procedi-
uma vez que se não estabelecida, pautado nes- mento como proscritos no atendimento de qua-
ses princípios, pode-se gerar complicações co- dros de intoxicações (VELASCO et al., 2019).
mo broncoaspiração, constipação e até mesmo
interferir na atuação de antídotos específicos, CONCLUSÃO
reduzindo sua eficácia (VELASCO et al.,
2019). Os casos de overdose representam um dos
Um caso em particular, encontra-se em pa- maiores desafios à saúde brasileira e mundial.
cientes em overdose por opiáceos, onde seu ma- Fato esse, representado no elevado percentual
nejo envolve o uso de um antídoto específico, dos atendimentos hospitalares. Por essa razão,
denominado Naloxona, indicada, principal- o atendimento rápido e especializado é de suma
mente, em casos depressão respiratória grave. importância para um desfecho positivo do caso.
Esse antídoto age diminuindo e neutralizando a Nesse sentido, para que ocorra um atendimento
ação do agente tóxico. Em relação ao uso de adequado é necessário um protocolo técnico
antídotos é importante frisar que a administra- bem sistematizado, rápido, claro e coeso, e que
ção desses medicamentos não é a primeira con- a equipe hospitalar, principalmente no setor de
dura a ser tomada, devendo seguir criteriosa- emergência, recebam treinamento apropriado
mente a sequência de manejo inicial do paciente para seguir esse protocolo, pautados em uma
(BOHNERT et al., 2018). cadeia de comunicação satisfatória e em um tra-
Por fim, é digno de nota que, a indução de balho de equipe bem estruturado, para que o
êmese com o uso de xarope de ipeca, e laxativos manejo da vítima em questão seja atingido com
é contraindicada devido à ausência de evidên- êxito.

358 | Página
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1136.

359 | Página
CAPÍTULO 44
INTOXICAÇÃO POR INGESTÃO DE
PAPELOTES DE COCAÍNA:
UM RELATO DE CASO
Palavras-chave: Papelotes, Indicação cirúrgica, Cocaína, Laparotomia,
Toxíndrome

GIOVANA POLIS SCAVARIELLO1


BEATRIZ MARTINELLI LUCHIARI1
MATHEUS JUNQUEIRA PEREIRA CAMARGO1
SAMUEL GARCIA1
GIULIA BISOGNIN VALLIM1
NATÁLIA COLONATO GUIDOTTI1
GUSTAVO GIARDIELLO1
EMILLY SAYURI YAMASHITA1
FELIPE AUGUSTO FERREIRA SIQUELLI2
HUGO SAMARTINE JUNIOR3

1
Discente - Faculdade de Medicina PUC-Campinas
2
Discente do Hospital PUC-Campinas, Serviço de Cirurgia de Urgência e Trauma
3
Docente do Hospital PUC-Campinas, Serviço de Cirurgia de Urgência e Trauma

360 | Página
INTRODUÇÃO para retardar a eliminação dos papelotes até a
chegada ao destino, fator de risco para a chance
O transporte de substâncias ilícitas utili- de ruptura das embalagens (MCCARRON &
zando compartimentos do corpo humano é uma WOOD, 1983). Os sintomas mais comuns en-
prática do mercado ilegal, por possibilitar pas- contrados em pacientes com ruptura de pape-
sagem despercebida em locais fiscalizados, lotes de cocaína são quadros de agitação, hiper-
como fronteiras, presídios e aeroportos. Exis- tensão arterial, taquicardia, midríase e diafo-
tem dois tipos de transporte utilizando o corpo rese, sendo que a detecção dos papelotes não se
humano. As embalagens ingeridas por via oral trata de um procedimento simples, e deve ser
ou alocadas em cavidades do corpo que estabe- confirmada, mediante suspeita, por exames de
lecem contato com o meio externo, como ânus imagem (PINTO et al., 2014).
e vagina. Os indivíduos que realizam esse tipo Nos últimos anos, o método do empacota-
de transporte são conhecidos como “mulas” ou mento de drogas tornou-se mais tecnológico e
“aviõezinhos”, em inglês body packers para in- padronizado, o que diminui a morbimortalidade
gestão e body pushers para alocação (TANG & dos indivíduos envolvidos com o transporte de
CAI, 2020). Usualmente, trata-se de substân- narcóticos. Com isso, instalou-se novo desafio
cias ilícitas em maior quantidade, de modo que aos profissionais de saúde, a fim de identificar
a ruptura e o extravasamento de uma embala- os sinais de ingesta de substâncias ilícitas, o que
gem podem desencadear a síndrome de intoxi- alterou o padrão da apresentação do quadro
cação exógena (toxíndrome), e eventual desfe- para um quadro obstrutivo ou de ruptura com
cho fatal, sem o devido reconhecimento pre- peritonite instalada. A conduta deve ser, por-
coce e manejo adequado. Exemplos de substân- tanto, ponderada através dos achados em exa-
cias ilegais comuns a essa prática são a canna- mes de imagem, sendo a tomografia computa-
bis, a cocaína e a heroína, usualmente distribuí- dorizada (TC) a primeira escolha para essa ava-
das em diversas embalagens de 3 a 12 g, o que, liação (PINTO et al., 2014). Através dos exa-
no caso da cocaína, representa cerca de duas a mes, deve-se acompanhar a posição e movi-
cinco vezes a dose letal (SIMONETTI et al., mentação dos corpos estranhos ao longo do
2020). Os principais riscos envolvidos dessa TGI, em decorrência de movimentos peristálti-
prática consistem em obstrução e interrupção de cos, e avaliar os riscos e o momento da inter-
fluxo do trato gastrointestinal (TGI) por emba- venção cirúrgica, devido ao risco de rompi-
lagens íntegras, e, nos casos de absorção da mento das embalagens ocasionados pela ação
substância ilícita, há risco de desencadeamento enzimática no TGI ou no período intraoperató-
da toxíndrome. rio.
Normalmente, suspeita-se de ingestão de O objetivo do trabalho é a realização de re-
papelotes, nos episódios de alteração do nível lato de caso de um paciente, admitido no Ser-
de consciência, desenvolvimento de coma ou viço de Cirurgia de Urgência e Trauma em um
convulsões sem causa aparente, com sinais de hospital universitário em Campinas, SP, após a
intoxicação, relato de obstrução gastrointestinal ingesta de papelotes de cocaína, com a finali-
ou pela constatação coincidente da presença de dade de transporte desta substância. Esse paci-
corpo estranho em cavidades corporais ente seguiu sob os cuidados da equipe médica
(TRAUB et al., 2003). É comum que o paciente para o manejo clínico e cirúrgico da evolução
esteja fazendo uso de fármacos antimotilidade de seu quadro, realizando o acompanhamento

361 | Página
por meio de exames de imagem e avaliação dos artigos foram usadas no desenvolvimento da
sinais vitais, durante o desenvolvimento da to- discussão do trabalho. Não foram utilizados
xíndrome até o momento do desfecho. A rele- recursos financeiros institucionais para a reali-
vância da publicação de relatos de caso acerca zação deste trabalho.
da toxíndrome e da conduta médica frente a ela
é enriquecer os dados já existentes sobre a evo- RESULTADOS E DISCUSSÃO
lução desses pacientes e possibilitar análises e
formulações de momentos propícios para que Relato de Caso
haja intervenção cirúrgica, assim como forne- Paciente de 35 anos do sexo masculino, pre-
cer sinais de segurança para que se opte pela sidiário, solto há 8 dias. Foi trazido ao pronto
conduta conservadora. socorro pelo SAMU, sedado e em intubação
orotraqueal (IOT). Segundo relatos, teria inge-
MÉTODO rido embalagens de cocaína e sentiu descon-
forto, sendo necessária realização de IOT após
Trata-se de relato de caso produzido a partir
apresentação de êmese e rebaixamento do nível
de caso clínico real de toxíndrome em um hos-
de consciência. Foi admitido em janela neuro-
pital universitário em Campinas, SP, e base-
lógica, arresponsivo. Após um episódio de
ando-se em uma revisão de literatura realizada
agitação, foi administrada a sedação com mida-
entre os meses de agosto de 2021 e março de
zolam e fentanil, mantendo o paciente em nível
2022, acerca da toxíndrome e da intoxicação
-5 da escala Richmond Agitation Sedation Scale
exógena por cocaína, assim como das práticas
(RASS -5). Não havia relatos de comorbidades
de transporte de substâncias ilegais em compar-
ou medicações de uso contínuo.
timentos do corpo, por meio de pesquisas nas
O paciente encontrava-se sedado, em regu-
bases de dados PubMed e Medline, utilizando
lar estado geral (REG), desidratado, acianótico,
artigos nos idiomas português e inglês e os des-
anictérico e afebril. Os exames físicos de apa-
critores “toxíndrome”, “intoxicação exógena”,
relho pulmonar e cardiovascular não mostraram
“cocaína”, “ingestão de corpo estranho”, “body
alterações. As extremidades revelavam tempo
packing”. Foi realizada, juntamente, a coleta e
de enchimento capilar adequado, ausência de
revisão dos dados de prontuários referentes ao
edema em membros inferiores, pulsos presentes
período em que o paciente esteve sob os cuida-
e simétricos e pupilas mióticas e responsivas. À
dos da equipe médica do referido hospital,
ausculta abdominal, constatou-se ruídos hidroa-
desde a sua admissão até o momento do desfe-
éreos presentes (RHA +) e o abdome encon-
cho do caso, analisando parâmetros de sinais vi-
trava-se plano, flácido e sem defesa à palpação.
tais, exame físico, exames laboratoriais e de
Apresentava pressão arterial (PA) 150 x 80
imagem, processados dentro do referido ser-
mmHg e saturação de oxigênio igual a 98 %.
viço, com os respectivos laudos e as infor-
Em relação aos exames laboratoriais, a gasome-
mações contidas nos 22 relatórios redigidos
tria arterial mostrou pH 7,46, pCO2 = 37
pelos membros da equipe médica responsáveis
mmHg, PO2 = 135 mmHg (hiperoxemia),
pela evolução do paciente durante a sua admis-
lactato 1,9 mMol/L e bicarbonato 26,3 mEq/L.
são e internação no serviço. As informações
Os exames de eletrocardiograma (ECG) e he-
obtidas em prontuários foram sintetizadas na
forma de relato de caso e aquelas obtidas em

362 | Página
mograma estavam dentro da normalidade, in- Após abertura por planos e realização de inven-
cluindo os parâmetros do leucograma. Entre- tário da cavidade abdominal, foi constatada a
tanto, as dosagens de TGO e TGP mostraram- presença de líquido sero-hemático. Fígado e
se alteradas (TGO 96 UI/L; TGP 41 UI/L). baço possuíam aspectos habituais, a câmara
De acordo com a história e os exames, foi gástrica mostrava-se distendida com presença
estabelecida a hipótese diagnóstica de um caso de múltiplas cápsulas. Em seguida, foi realizada
de intoxicação exógena por cocaína, sendo so- gastrotomia em parede anterior do corpo gás-
licitada realização de TC para confirmação e trico em grande curvatura, havendo retirada de
avaliação. Devido à ausência de sinais de toxín- 12 papelotes íntegros da câmara gástrica, se-
drome e à estabilidade do paciente, a conduta guida de fechamento em dois planos com pon-
de controle clínico e de observação foi feita ao tos contínuos de Vicryl 3-0. À realização de
longo de 36 horas, com o intuito de avaliar a palpação ao longo do TGI, não foram encontra-
progressão das embalagens ao longo do TGI e das embalagens em alças de intestino delgado,
possibilidade evacuação espontânea das mes- cólon ascendente ou cólon transverso. No en-
mas, a fim de evitar os riscos do procedimento tanto, no cólon descendente foi evidenciada a
cirúrgico. presença de cápsulas desde a flexura esplênica,
Durante esse período, houve a eliminação tornando necessária uma colotomia em região
espontânea de um papelote, o qual foi entregue de tênia, com retirada de 6 papelotes íntegros,
ao serviço competente de segurança publica. seguida da ordenha do conteúdo colônico e de
Após a análise do material, constatou-se que a sutura pela técnica de Heineke-Mikulicz. Após
composição do conteúdo era cocaína. Foi reali- a revisão de hemostasia e da contagem de com-
zada nova TC que evidenciou a ausência de pro- pressas, foi realizado o fechamento da cavidade
gressão significativa de outras cápsulas ao por planos com fio polidioxanona 1-0 com du-
longo do TGI. pla laçada, o fechamento da pele com pontos
Em questão de horas, a equipe de urgência simples de nylon 4.0 e o curativo oclusivo esté-
foi comunicada de que o paciente evoluíra com ril.
taquicardia e elevação da PA, assumindo FC = No pós-operatório, a conduta escolhida foi
126 bpm e PAM = 120 mmHg, o que levantou a de desmame das drogas vasoativas e de acom-
hipótese de ruptura de um ou mais dos pa- panhamento das oscilações pressóricas no paci-
pelotes. ente, junto a antibioticoterapia (amoxicilina e
Assim, devido ao quadro clínico sugestivo clavulanato) e observação ativa de possíveis si-
de emergência hipertensiva associado ao já nais de infecção.
existente risco de ruptura por ação contínua das O paciente evoluiu, dentro das horas se-
enzimas digestivas na presença de corpos estra- guintes, com três episódios de febre aferida.
nhos, foi indicada a ação cirúrgica por laparo- Apresentava-se em mau estado geral (MEG),
tomia exploradora, conforme a orientação da sudoreico, febril (39,8ºC), taquicárdico e taqui-
equipe do Centro de Informação e Assistência pneico, com pressão arterial de 105 x 76
Toxicológica (CIATox) e do Guideline da mmHg. A ferida operatória mostrava-se íntegra
European Society of Gastrointestinal Endos- e sem sinais de inflamação local ou saída de se-
copy de 2016. creções à palpação e expressão. Foi aberto o
O paciente foi submetido a uma laparotomia protocolo sepse e trocada a antibioticoterapia
com incisão xifopúbica sob anestesia geral.

363 | Página
inicialmente prescrita pelo ceftriaxone. O paci- por 20 minutos (10 ciclos), mas não obtiveram
ente foi colocado sob cuidados intensivos, sucesso. O paciente evoluiu para óbito.
ainda em ventilação mecânica (IOT) e em uso
de drogas vasoativas. Exames de dosagem de Exames complementares
CK, CK-MB, troponina e LABS foram solicita- No primeiro dia de internação (26/05) foi
dos, juntamente com ECG. Foi solicitada avali- solicitado Raio-X (RX) de tórax (Figura 44.1)
ação adicional do paciente pelas equipes de ne- e tomografia computadorizada (TC) de abdome
frologia e de infectologia. (Figuras 44.2, e 44.3).
O escalonamento da antibioticoterapia para • RX tórax (26/05): é visualizada impor-
ceftriaxone não foi eficaz na reversão do qua- tante dilatação gástrica. Processos de consoli-
dro. O paciente permaneceu em MEG taquicár- dação pulmonar, provavelmente devido a
dico e em queda nos valores da pressão arterial reação infecciosa/inflamatória.
doze horas após a abertura do protocolo sepse. • TC abdominal sem contraste (26/05):
Mantinha-se sob sedação (RASS -4), com aus- Evidenciada presença de diversas cápsulas com
culta pulmonar sem alterações (murmúrios ve- conteúdo hipodenso na câmara gástrica e desta-
siculares presentes, expansibilidade preservada, cado a manutenção de uma cápsula com con-
sem ruídos adventícios), e sem sinais de com- teúdo hiperdenso em fundo gástrico, indicando
prometimento hemodinâmico (tempo de en- possibilidade de ruptura do papelote. A pre-
chimento capilar inferior a 3 segundos, sem sença de corpos estranhos é a responsável pela
edema em membros, pulsos presentes e simétri- dilatação gástrica. O TGI está semi-ocluído e
cos nos quatro membros). Optou-se pela troca sem sinais de perfuração. Nota-se também o
da antibioticoterapia por piperacilina com tazo- deslocamento de algumas cápsulas para o intes-
bactam, suspendendo os demais antibióticos até tino delgado, em especial para o duodeno. Essa
que se obtivesse o resultado das culturas bacte- mobilização descaracterizou a urgência do caso
rianas. cirúrgico e determinou a observação em 48 h
Ao final do dia, o paciente apresentou ins- para tentativa de retirada por evacuação ou
tabilidade hemodinâmica (PA 30 x 20 mmHg, toque retal. Relata-se também a presença de
FC 123 bpm), mesmo sob terapia com doses derrame pleural laminar à direita, decorrente do
otimizadas de drogas vasoativas (noradrenalina processo inflamatório gerado pelos corpos es-
e vasopressina). Apresentou piora ventilatória tranhos.
importante e distúrbios hidroeletrolíticos se- No dia 28/05, o paciente evoluiu com hiper-
cundários a um quadro de injúria renal aguda, tensão progressiva e taquicardia, aumentando a
evoluindo para uma parada cardiorrespiratória. suspeita de ruptura dos papelotes, mas nova-
Foi reanimado por 6 minutos (3 ciclos, se- mente não apresentou sinais de perfuração ou
guindo o protocolo ACLS), retomando sinais de obstrução total que tornassem necessária in-
vitais, mas em pouco tempo evoluiu com uma terferência cirúrgica de urgência. Foi realizada
segunda parada. A equipe médica reiniciou as nova TC abdominal (Figura 44.4).
medidas de ressuscitação, que se mantiveram

364 | Página
Figura 44.1 Raio-X de tórax em posição anteroposterior, com visualização de dilatação gástrica e
processos de consolidação pulmonar

Figura 44.2 TC abdominal sem contraste. Presença de cápsulas com conteúdo hipodenso em câmara
gástrica e manutenção de uma cápsula com conteúdo hiperdenso em fundo gástrico. TGI semi-oclu-
ído e sem sinais de perfuração. Presença de cápsulas no intestino delgado, em especial no duodeno

365 | Página
Figura 44.3 TC abdominal sem contraste. Presença de cápsulas com conteúdo hipodenso em câmara
gástrica e manutenção de uma cápsula com conteúdo hiperdenso em fundo gástrico. TGI semi-oclu-
ído e sem sinais de perfuração. Presença de cápsulas no intestino delgado, em especial no duodeno,
e derrame pleural laminar à direita

TC abdominal sem contraste (28/05): au- ingestão de papelotes de cocaína. De 17 casos


sência de evidências de progressão significativa identificados, 11 pacientes evoluíram com obs-
das diversas cápsulas no TGI, aumentando o trução intestinal total pelos papelotes, sendo os
risco de perfuração do papelote pelo material locais mais comuns de obstrução o íleo distal
gástrico, indicando necessidade de intervenção (próximo à válvula ileocecal), o estômago e o
cirúrgica. Foram encontradas 11 cápsulas de cólon sigmoide (EAST, 2005).
conteúdo hipodenso e 1 cápsula de conteúdo hi- A prática do transporte de narcóticos pode
perdenso localizadas na câmara gástrica dila- ser feita através de deglutição ou de alocação
tada, e mais 6 cápsulas em cólon descendente. em cavidades internas, como a vagina e o reto.
Todos foram removidos no procedimento ci- Associada à técnica de deglutição, é comum
rúrgico. o uso de agentes constipantes para garantir a
não evacuação dos pacotes antes do destino, as-
sim como o uso de laxantes a fim de facilitar a
Discussão
eliminação dos pacotes para a liberação deles
O caso relata um acidente relacionado com
quando necessário. Os transportadores podem
o transporte ilegal de substâncias ilícitas, utili-
dar entrada ao serviço de saúde por três motivos
zando o TGI como meio de contrabando, atra-
principais: efeitos tóxicos induzidos por drogas,
vés da deglutição de embalagens. Tal prática,
frequentemente derivados da ruptura das emba-
relativamente comum, apresenta elevada mor-
lagens; obstrução intestinal; ou para avaliação
bidade ao portador, como evidenciado em es-
médica mediante detenção após a descoberta do
tudo transversal realizado em um hospital na Ja-
contrabando (MCCARRON & WOOD, 1983).
maica, com pacientes admitidos no serviço após

366 | Página
Figura 4: TC abdominal sem contraste. Ausência de evidências de progressão das cápsulas no TGI.
Foram encontradas 11 cápsulas de conteúdo hipodenso e 1 cápsula de conteúdo hiperdenso na câ-
mara gástrica dilatada, e 6 cápsulas em cólon descendente.

367 | Página
A história do paciente, incluindo local de resultar na sua ruptura através da ação das enzi-
origem, destino e delitos prévios são importan- mas digestivas (SILVA et al., 2016). Em caso
tes. O exame físico detalhado do paciente, com de possível ruptura dos pacotes contendo coca-
maior enfoque a sinais e sintomas gastrointesti- ína, deve-se optar pela remoção cirúrgica, dado
nais, como dor, distensão abdominal, alterações o risco de intoxicação (PROST et al., 2005).
na ausculta de ruídos hidroaéreos, vômitos, Entretanto, medidas temporárias de controle da
obstipação e constipação. (MODELLI et al., síndrome adrenérgica podem ser tomadas caso
2008) Os sinais vitais, estado mental, associado o paciente evolua com agitação, taquicardia,
ao nível de consciência e tamanho das pupilas midríase ou rebaixamento de consciência, de-
também são importantes e podem determinar as vendo ser iniciada a administração de benzodi-
reações orgânicas à substância transportada. azepínicos, como o midazolam. Em suma, a
Em casos, nos quais o paciente não contribua abordagem cirúrgica é indicada para pacientes
com detalhes à história que levou a busca pelo com intoxicação aguda ou obstrução ou perfu-
atendimento médico, pode-se firmar as hi- ração gastrointestinal (DE BAKKER et al.,
póteses de toxicidade e/ou obstrução do fluxo 2012).
intestinal através da constatação de náusea, mau
estado geral, vômitos ou alterações no nível de CONCLUSÃO
consciência (CHANG CHIEN et al., 2021).
Ao suspeitar de casos como esse, a avali- O tráfico de drogas utilizando o corpo hu-
ação radiográfica deve ser o teste diagnóstico mano configura um risco à saúde e a determi-
inicial. Tanto a radiografia simples quanto a nação do procedimento cirúrgico deve ser indi-
ultrassonografia podem ser usadas a fim de re- cada conforme avaliação da condição clínica do
conhecer os corpos estranhos, sendo que a TC é paciente, no que diz respeito à presença de sín-
o padrão-ouro para obtenção de maiores deta- drome adrenérgica, indicativo de ruptura do pa-
lhes da situação (PINTO et al., 2014). pelote, e nos casos de obstrução do fluxo intes-
A conduta conservadora tem o objetivo de tinal. Caso contrário, deve-se optar pela con-
estimular o fluxo do TGI para a eliminação das duta conservadora.
embalagens por meios fisiológicos. Ela é reco- A TC é uma ferramenta indispensável para
mendada para casos que não apresentem avaliação de fluxo gastrointestinal dos corpos
obstrução, possíveis rupturas ou instabilidade estranhos, capaz de indicar quando interven-
clínica do paciente. A TC é indispensável para ções cirúrgicas são necessárias.
analisar a velocidade e movimentação das em-
balagens, pois a obstrução de uma cápsula pode

368 | Página
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CHANG CHIEN, T. et al. Internato em Urgência e Emer- MODELLI, M. et al. Dissimulação de drogas no corpo
gência do SUS 2020.2. Trabalho de conclusão de curso humano para efeitos de tráfico. Med v.45, n. 4, p. 256-
(Graduação em Medicina) - Universidade Federal da In- 263, 2008.
tegração LatinoAmericana; Foz do Iguaçu – PR, 2021.
PINTO, A. et al. Radiological and practical aspects of
EAST, J. M. Surgical complications of Cocaine body- body packing. The British Journal of Radiology, v. 87, n.
packing. West Indian Medical Journal, v. 54, n. 1, p. 38, 1036, p. 20130500, 2014.
2005.
PROST, N. et al. Prognosis of cocaine body-packers. In-
SILVA, A. A. R., et al. Diretriz Interprofissional de tensive Care Medicine, v.31, p. 955–958, 2005.
Atenção à Criança e ao Adolescente com Ingestão de
Corpos Estranhos. HCB, 2016. Disponível em: SIMONETTI, M. P. B. et al. Depressão Cardiovascular
<https://www.hcb.org.br/diretriz-interprofissional-aten- induzida pela cocaína: Efeitos das Soluções Hipertônica
cao-a-crianca-e-ao-adolescente-ingestao-de-corpos-es- de NaCl a 7, 5%, Hiperoncótica de NaCl/Dextrana-70 a
tranhos>. Acesso em: 5 mar. 2022. 6% e Dextrana-70. Brazilian Journal of Anesthesiology,
v. 42, n. 2, p. 137-143, 2020.
BAKKER, J.K et al. Body packers: a plea for conserva-
tive treatment. Langenbeck's Archives of Surgery, v. 397, TANG, R. & CAI, T. Smuggling of drugs by body pack-
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national Journal of Drug Policy, v. 78, p. 102732, 2020.
MCCARRON, M. M. & WOOD, J. D. The cocaine body
packer syndrome: diagnosis and treatment. Jama, v. 250, TRAUB, S. J. et al. Body packing—the internal conceal-
n. 11, p. 1417-1420, 1983. ment of illicit drugs. New England Journal of Medicine,
v. 349, n. 26, p. 2519-2526, 2003
.

369 | Página
CAPÍTULO 45
OS CUIDADOS PALIATIVOS NA
TERMINALIDADE DA VIDA E SUAS
IMPLICAÇÕES BIOÉTICAS
Palavras-chave: Ética Médica; Ortotanasia; Critérios de escolhas; UTI

JOSÉ AMARILDO AVANCI JÚNIOR1


MARCELO FONTES DA SILVA2
JÉSSICA CAROLINA GARCIA AVANCI MORETTI3
PAULO ROBERTO HAIDAMUS DE OLIVEIRA BASTOS4
DANIELLE BOGO4

1
Discente – Doutorando em Saúde e Desenvolvimento da Região Centro-Oeste - UFMS
2
Discente – Mestrando em Saúde e Desenvolvimento da Região Centro-Oeste - UFMS
3
Discente – Mestranda em Doenças Infecciosas e Parasitárias - UFMS
4
Docente – Programa de Pós-Graduação em Saúde e Desenvolvimento da Região Centro-Oeste -
UFMS

370 | Página
INTRODUÇÃO De acordo com Matsumoto (2012), essas
abordagens, ora insuficientes, ora exageradas e
“A ideia de que a medicina é uma luta con- desnecessárias, quase sempre ignoram o sofri-
tra a morte está errada. A medicina é uma luta mento e são incapazes, por falta de conheci-
pela vida boa, da qual a morte faz parte”. Ru- mento adequado, de tratar os sintomas mais pre-
bens Alves, através de simples palavras, conse- valentes, sendo o principal sintoma e o mais pe-
gue descrever os cuidados paliativos (CP) e ex- saroso, a dor. Não é sobre tratar de construir
pressa bem o que as equipes de saúde devem uma postura diferente à tecnologia médica, mas
proporcionar aos pacientes no final de sua vida, sobre refletirmos sobre a conduta que temos di-
caracterizando-se como uma gama de ações que ante da finitude humana, buscando o equilíbrio
visa minimizar o sofrimento daqueles com do- que existe entre o humanismo e o conhecimen-
enças graves e muitas vezes incuráveis (MA- to, e para isso, os CP se apresentam como uma
GALHÃES, 2019). forma nova e inovadora de assistência na área
Essa especialidade oferece conforto, alívio da saúde.
e previne incômodos para o paciente em sua ter- Esses cuidados são diferentes da medicina
minalidade da vida, além de aplicar o apoio es- tradicional, pois tem em seu fundamento a cura
piritual, emocional, biopsicossocial, não só a e o foco no cuidado integral, levando em conta
ele, como para toda a sua família. O processo a prevenção e controle dos mais diferentes sin-
não é a eutanásia. Muitos podem pensar que o tomas, indicados para todos os pacientes que
cuidado paliativo é sinônimo de desacreditar o possam enfrentar doenças graves e ameaças da
paciente ou desistir de sua vida, quando na rea- vida (GOMES & OTHERO, 2016).
lidade a ideia é o oposto: auxiliar a viver bem Este estudo teve como objetivo evidenciar
em seu final (HERMES & LAMARCA, 2013). as implicações que o CP apresenta frente à ter-
Morrer é caracterizado por um momento minalidade da vida e como os profissionais das
que a grande maioria das pessoas temem che- mais diversas áreas, principalmente da saúde, se
gar, independente da condição de saúde que veem diante de dilemas éticos e bioéticos e es-
elas estão apresentando, gerando medo, tabu e colhas difíceis a serem tomadas e enfrentadas
sofrimento. Porém, nem todos se sentem assim no ambiente hospitalar.
no fim da vida, onde uma parcela quer apenas
“morrer em paz” ou em uma “boa morte” e MÉTODO
acreditam no direito de escolher esse melhor
Trata-se de um estudo de natureza aplica-
momento (REIS, 2021).
da, seletiva, objetivo exploratório, abordagem
Dentro de hospitais, encontramos muitos
quantitativa e de procedimento bibliográfico,
pacientes desacreditados pelos médicos e sem
com pesquisa em diferentes bibliotecas digitais
possibilidades de cura. Essas pessoas enchem
e sítios eletrônicos de livre acesso (Scielo,
os hospitais onde recebem uma assistência dita
Medline/Bireme/Opas, PubMed, Ministério da
flexneriana, ou seja, aquela quase sempre fo-
cada na cura, com seus métodos invasivos atra- Saúde, Conass e Conasems), com a finalidade
de identificar aspectos bioéticos e dilemas éti-
vés de tecnologias cada vez mais avançadas,
cos que envolvessem a escolha dos cuidados
deixando de lado o olhar humanístico e cen-
paliativos do paciente e do profissional médico.
trado no doente e não na doença (SANTANA et
al., 2009).

371 | Página
RESULTADOS E DISCUSSÃO atenção básica. A rede deve estar integrada e ar-
ticulada para assegurar ao paciente, sob tais cui-
O termo "cuidados paliativos" pode ser uti- dados, a internação numa unidade de cuidados
lizado para demonstrar ações de equipes multi- paliativos, os exames de investigação diagnós-
profissionais para aqueles que estão “fora” das tica e o seu acompanhamento, proporcionando
possibilidades terapêuticas de cura existentes. segurança ao paciente e aos seus familiares e,
Para Hermes e Lamarca (2013), a palavra "pa- compartilhando as decisões para o final da vida.
liativa" significa manto, proteção, ou seja, pro- Logo, podemos entender que a integração
teger aqueles em que a medicina curativa já não dos cuidados paliativos inadequadamente na
mais acolhe. rede de saúde, não só do Brasil como de outros
De acordo com o Instituto Nacional do Cân- países, pode contribuir para a falta da equidade
cer (INCA) (2021), a Organização Mundial da quando falamos do acesso aos cuidados de sa-
Saúde (OMS) caracteriza os CP como métodos úde, comprometendo a integralidade do cui-
que, ao serem aplicados, tem a tendência de me- dado (SOUZA et al., 2021).
lhorar a vida e a o processo de finitude da pes- Esse tipo de cuidado em nosso país ainda
soa, lembrando que a família sempre deve ser não é empregado de forma efetiva, pois o cui-
incluída no processo, buscando aliviar os sinto- dado humanizado vem se destacando somente a
mas que dificultam ao paciente o descanso e a partir da última década, através do empenho de
tranquilidade durante seu tratamento. profissionais preocupados com a necessidade
O que é necessário compreender é que os do ser humano de ser assistido até o final da do-
CP não buscam a cura da doença e sim o con- ença com dignidade (CAL-DEIRA, 2013).
forto do paciente até o momento de sua morte, Para Fripp et al. (2012)
bem como a sua família também ser assistida
pela equipe que aplica os fundamentos a grande maioria dos países não dispõe de
oferta pública de cuidados paliativos ou
(AVANCI et al., 2009). Segundo o Manual de apresenta serviços pontuais, com baixa co-
Cuidados Paliativos (2016), para alguns doen- bertura das necessidades da população.
tes, a sensação de que estão inúteis para a reali-
zação dos mais diversos tipos de tarefas pode Segundo Palmeira et al. (2011), atualmente
desenvolver sérias crises de dignidade. esses cuidados baseiam-se em sete pontos que
O CP conta com a percepção de que a os norteiam, fundamentados (indiretamente ou
atenção deve ser direcionada para o paciente e diretamente) no biopsicossocial do paciente:
que o conforto e sua dignidade sejam sempre
(a) promover o alívio da dor e outros sin-
preservados, respeitando a ética médica e não o tomas;
privar de informações difíceis e incômodas (b) reafirmar a vida e conceber a morte
acerca de seu estado de saúde e evolução da do- como um processo natural;
(c) não pretender antecipar e nem postergar
ença, bem como o tipo de tratamento a receber a morte;
(ALVES et al., 2019). (d) integrar aspectos psicossociais e espiri-
tuais ao cuidado;
De acordo com Atty e Tomazelli (2018), é (e) oferecer um sistema de suporte que ca-
importante que os cuidados paliativos façam pacite o paciente a viver tão ativamente
quanto possível, até a sua morte;
parte da linha de cuidado e que sejam incluídos (f) amparar a família durante todo o pro-
em todos os níveis de atenção, em especial, na cesso da doença e

372 | Página
(g) ter início o mais precocemente possí- participe das decisões e cuidados que ele rece-
vel, juntamente com outras medidas de
prolongamento de vida e manejo de sinto- berá acerca de sua doença e, dessa forma, obte-
mas. nha um tratamento muito mais humano e digno
(ANDRADE et al., 2013).
A equipe multidisciplinar deve atuar em A ideia do prolongamento da vida de todas
conjunto com o paciente, orientando sem coa- as maneiras, pode trazer algumas consequên-
gir, mostrando-lhe os benefícios e as desvanta- cias aos internados por motivos graves, po-
gens de cada tratamento, de forma inteligível a dendo levá-los a um sofrimento desnecessário,
seu entendimento. Agindo assim, o médico e tanto físico quanto social e espiritual. Conforme
sua equipe tornam-se facilitadores para toda a Palmeira et al. (2011) é nesse contexto que fo-
equipe trabalhar de maneira a ajudar os famili- ram concebidas originalmente as ações que hoje
ares e o paciente terminal a exercer sua autono- se agrupam sob a rubrica dos cuidados paliati-
mia (HERMES & LAMARCA, 2013). vos.
Dessa forma é citado que os cuidados pali- O cuidado às pessoas que estão no fim da
ativos constituem um campo interdisciplinar de vida está no dia a dia das equipes de saúde e,
cuidados totais, ativos e integrais, destinados a graças às características complexas de todo este
melhorar a qualidade de vida do paciente sem processo, podem aparecer algumas dificuldades
possibilidades de cura e dos seus familiares, por para certos profissionais. Essa situação pode
meio de avaliação correta e de tratamento ade- relacionar-se com o tipo de formação do pro-
quados para o alívio da dor e dos sintomas de- fissional e a ideia de que os esforços devem-se
correntes da fase avançada de uma doença (AN- concentrar na cura do paciente, o que indireta-
DRADE et al., 2013). mente acaba responsabilizando aquele pro-
Ainda de acordo com Andrade et al. (2013), fissional pelo sucesso ou pelo fracasso da tera-
não podemos negar a necessidade de valorizar pia, o que gera dificuldade na maneira com que
os cuidados paliativos que são direcionados este profissional possa compreender o processo
àquele paciente em sua terminalidade, bem da morte (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2015).
como a construção de várias estratégias de cui- Para Pegoraro & Paganini (2019), as neces-
dar que podem ser utilizadas neste tipo de cui- sidades ou qualquer dificuldade do paciente em
dado, dentre as quais pode-se destacar a comu- sua terminalidade deve ser sanada, destacando
nicação. É importante ressaltar que a comuni- que é preciso que toda equipe médica, fa-
cação vai muito além de palavras, pois os bene- miliares e o próprio paciente possam perceber
fícios desse método são um tratamento eficaz que o método é benéfico, estável e que, depen-
para pacientes necessitados. dendo da enfermidade, pode-se haver alteração
Nessa perspectiva, a comunicação apropri- positiva no curso da doença. dando ênfase sem-
ada é considerada um recurso fundamental para pre à enfoque multiprofissional.
o cuidado humanizado e integral pois, através Vale ressaltar que durante o processo dos
dela, é possível conhecer e acolher de maneira cuidados paliativos há aplicação de diversos ti-
empática as necessidades e particularidades do pos de conhecimentos adquiridos, não apenas o
paciente, bem como de seus familiares. No mo- técnico-científico, mas também é necessária
mento que a equipe multidisciplinar se utiliza uma compreensão acerca de questões culturais,
desses recursos de comunicação, tanto de forma sociais e também as éticas. Logo, outro grande
analógica ou digital, permite que esse paciente desafio é o da equipe encontrar um certo equi-

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líbrio entre emoção e razão durante o trabalho e tradas desde os anos 70. Contudo, foi nos anos
a rotina dos cuidados paliativos para com o 90 que começaram a aparecer os primeiros ser-
paciente (PORTO & LUSTOSA, 2010). viços organizados, ainda de forma experimen-
Muito tem sido escrito a respeito da huma- tal. De acordo com a Academia Nacional de
nização do cuidado e, particularmente, sobre Cuidados Paliativos - ANCP (2012), é impor-
humanização da assistência ao paciente à tante ressaltar o pioneirismo do Prof. Marco Tú-
morte. Sob um primeiro olhar, pode parecer lio de Assis Figueiredo, que abriu os primeiros
algo bastante pontual; entretanto, o cuidar hu- cursos e atendimentos com filosofia paliativista
manizado de uma pessoa, em seu processo da na Escola Paulista de Medicina.
finitude, estará intrinsecamente ligado ao cui- Outro serviço importante e pioneiro no Bra-
dar dessa pessoa, desde sua entrada no atendi- sil é o do Instituto Nacional do Câncer – INCA,
mento primário (BOEMER, 2009). que inaugurou no final dos anos 1990 um hos-
Pacientes em fase terminal de suas doenças pital dedicado aos CP. Com a fundação da
são uma realidade dos hospitais, apresentando ANCP, os CP no Brasil cresceram expressiva-
várias dificuldades tanto para a equipe em saú- mente. Houve então o avanço da regularização
de, como para a administração, familiares e profissional do paliativista, o estabelecimento
para o próprio enfermo. Pode-se destacar a falta dos critérios de qualidade para os serviços pali-
de recursos humanos necessários para enfrentar ativos, definições do que é e o que não é CP,
e devolver em respostas as questões levantadas fundamentando no país tais discussões e a im-
pelos familiares e pelo próprio paciente, e a não plementação dessa nova forma de cuidar
prioridade por conta daqueles que são res- (CARVALHO & PARSONS (2012).
Em 2009 os CP foram inseridos no Código
ponsáveis pela gestão das políticas de saúde no
de Ética Médica, destacando-o como um prin-
país (LEITE & VILA, 2005).
cípio fundamental no tratamento no Brasil,
Para Caldeira (2013), o conhecimento sobre
mesmo que ainda faltem mais regulamentações
as decisões da fase terminal e sobre os princí-
expressas em Lei. Infelizmente, o país enfrenta
pios dos cuidados é essencial para apoiar os pa-
certos preconceitos com o método, onde é
cientes durante a tomada de decisão e no fecha-
comum a confusão entre CP e eutanásia, o que,
mento do término de vida, de tal maneira que
de certa forma, trava a disseminação dessas
reconheça as respostas únicas dos pacientes à
condutas tão importantes para os pacientes
doença e que apoie seus valores e metas. A edu-
terminais (FERREIRA & PORTO, 2018).
cação, a prática clínica e a pesquisa relacionada
Ainda de acordo com a ANCP, há uma la-
com cuidado na fase terminal estão evoluindo,
cuna na formação de médicos e profissionais de
e a necessidade de preparar os profissionais em
saúde em Cuidados Paliativos, essencial para o
saúde para o cuidado na fase terminal surgiu
atendimento adequado, devido à ausência de re-
como uma prioridade. Esse cuidado é relevante
sidência médica e a pouca oferta de cursos de
através dos ambientes de prática, grupos etá-
especialização e de pós-graduação de qualida-
rios, bases culturais e doenças. de. Ainda hoje, no Brasil, a graduação em medi-
cina não ensina ao médico como lidar com o
Medicina Paliativa – história e seus pro-
paciente em fase terminal, como reconhecer os
fissionais
No Brasil, iniciativas isoladas e discussões sintomas e como administrar esta situação de
a respeito dos Cuidados Paliativos são encon- maneira humanizada e ativa (ALVES et al.,
2019).
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É necessária uma gama de teorias e ativida- vida do paciente, para que se sinta bem acolhi-
des práticas para a incorporação dos cuidados do. O cuidado paliativo, se bem planejado, pro-
paliativos seja aceita efetivamente pelas classes move bem-estar e segurança ao paciente (CAL-
dos profissionais em saúde. Porém, consegue- DEIRA, 2013).
se perceber que a falta de conscientização, tanto Para Araújo & Silva (2003), os profissio-
das equipes quanto da sociedade de uma forma nais devem ser sempre alegres e cuidar do paci-
geral, é considerada obstáculo para a devida sis- ente com responsabilidade e esmero, uma vez
tematização nos sistemas de saúde (MAEY- que a pessoa já se encontra debilitada e o que
AMA et al., 2018). ela deseja é ser tratada com respeito e colhi-
Na formação acadêmica dos futuros médi- mento, não esquecendo da dignidade que ela
cos, enfermeiros e demais profissionais da saú- merece, não somente dos profissionais da saúde
de, é imprescindível a inclusão desses cuidados como pelos familiares. Resultados mais satisfa-
na grade curricular de seus cursos para poder tórios são encontrados em tratamentos quando
capacitar esses alunos a fornecer toda a assis- o paciente se envolve com as técnicas e está ci-
tência ao paciente que está no fim da vida, prin- ente do que está acontecendo e isso é impor-
cipalmente com doenças agressivas e incurá- tante, pois assim, a equipe pode desenvolver
veis, visando o paciente como um ser necessi- maneiras de atrair o doente nesses cuidados.
tado de conforto e alívio mental, espiritual e fí- De acordo com Gomes & Othero (2016), a
sico. Um ensino centrado em tratamentos dig- Aliança Mundial de Cuidados Paliativos
nos e com qualidade que promovam um bem (World wide Palliative Care Alliance), a adesão
estar a esses enfermos deveria ser prioridade em dos CP ainda é muito baixa globalmente, mes-
cursos da saúde (MINISTÉRIO DA EDU- mo que haja tantos benefícios com a sua apli-
CAÇÃO, 2021). cação e que, infelizmente, a formação em cui-
Quando formados e atuantes, são esses pro- dados paliativos é pouco explorada nos cur-
fissionais os responsáveis pelo acolhimento e rículos educacionais das profissões da área da
orientação sobre as técnicas que serão aplicadas saúde, porém novos estudos demonstram que
para o tratamento e isso garante um cuidado esses cuidados apresentam um futuro promissor
contínuo e respeitoso aos pacientes terminais. A na medicina.
importância que esses profissionais desempe- A sociedade, em especial a brasileira, apre-
nham deve garantir que estes sejam valorizados senta dificuldades em aceitar que a vida um dia
e recebam capacitações para lidar com situ- acaba. Logo, a morte acaba sendo um tabu. Na-
ações adversas do cuidado paliativo, pois preci- turalmente, graças ao ensino tradicional de
sam adquirir atitudes que lhes conferirão confi- muitas universidades de medicina pelo Brasil,
ança frente ao paciente e este poderá assim ade- seus alunos acabam desenvolvendo um perfil
rir ao tratamento (BATISTA & GONÇALVES, mais centrado na doença e na cura do que no
2011). paciente e na sua história. Para trabalhar este
A dor geralmente é o principal agravante e tema, experiências de sucesso estão sendo pra-
deve ser controlada, a fim de minimizar os fa- ticadas com equipes de saúde com o objetivo de
tores estressantes. O ambiente é outro fator treinar a habilidade nos profissionais (KOIF-
muito importante. O profissional precisa estar MAN, 2001).
atento envolvendo a família, a fim de promover De acordo com Fonseca e Geovanini (2013)
um local agradável de acordo com o estilo de um projeto realizado nos Estados Unidos e no

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Canadá desenvolveu um programa de sensibili- Eutanásia
zação e reflexão utilizando o teatro. Esta inici- A eutanásia não é uma prática recente, na
ativa se deu em função da necessidade de bus- realidade ela sempre foi muito comum em outra
car metodologias diferenciadas para o ensino de sociedades passadas. Cada um com sua crença,
habilidades interpessoais, como a comunica- algumas etnias tinham o hábito do sacrifício de
ção, aplicadas no atendimento a pacientes com pessoas deficientes ou até mesmo filhos causa-
doenças terminais. vam e a morte de seus pais idosos. Discussões
A formação do profissional em cuidados pa- sobre a eutanásia são recorrentes, desde que o
liativos deve desenvolver, entre outras, as habi- tempo se tornou conhecido. De uma maneira
lidades de comunicação, o trabalho em equipe, geral, a eutanásia é um processo de intervenção
a competência na condução diante da doença na vida, em que se provoca a morte de outra
em estágio terminal e o manejo de drogas espe- pessoa pela simples compaixão da pessoa que
cificas, como analgésicos, reguladores intesti- está na terminalidade de sua vida ou que apre-
nais, sedativos e antipsicóticos, além das técni- senta uma doença incurável (FELIX et al.,
cas de suporte, de enfrentamento da morte e do 2013).
luto que pacientes, familiares e profissionais Muitas vezes confundida com o que chama-
necessitam (FONSECA & GEOVANINI, 2013). mos de suicídio assistido, a eutanásia é dife-
Com base no exposto, percebe-se que tem rente, pois o suicídio assistido ocorrerá quando
o indivíduo solicita a ajuda de outro indivíduo
sido concebida a ideia da “morte boa” ou
para seu óbito, caso não consiga ou seja capaz
“digna”. Porém, deve-se observar que essa de-
de concluir seu desejo; e, neste caso, a pessoa
finição não quer dizer que haverá acalento para
estará consciente de suas faculdades mentais,
os familiares. A gama de tratamentos ofereci-
onde indica sua opção pelo fim da vida; en-
dos ao enfermo em sua terminalidade se une
quanto que na eutanásia, nem sempre o enfermo
com um aparato de cuidados que buscam o alí-
vai se encontrar com lucidez, onde este possi-
vio de seu sofrimento e que podem auxiliar as
velmente estará sendo mantido vivo artificial-
pessoas à sua volta a entender o processo e,
mente, que após a finalização das atividades das
muitas vezes, aceitar o que está sendo oferecido máquinas que o mantém vivo, ocasiona-se sua
(MORITZ, 2011). morte (SIQUEIRA-BATISTA & SCHRAMM,
Na realidade, o que se deve realizar para o 2004).
enfermo é o que podemos chamar de hesitação A eutanásia é considerada uma prática ile-
ética, que apresenta uma decisão muito difícil, gal, segundo o Código Penal brasileiro, artigo
porém, que no findar da ideia determinará um 122. Porém, é um ato imputado pelo médico
processo complexo que levará a morte de uma (ato médico), que se carrega com um senti-
pessoa. Sendo assim, é necessária uma contí- mento afetuoso, que abrevia a vida do enfermo
nua discussão entre aplicação de métodos arti- através de meios que minimizam ou esgotam a
ficiais para prolongar a vida e a atitude de dei- dor e sofrimento do incapacitado (MABTUM
xar a doença seguir sua história natural, com & MARCHETTO, 2015), e de acordo com
destaque aos processos da eutanásia, a ortotaná- Kovács (2003) a eutanásia pode-se apresentar
sia e a distanásia (FELIX et al., 2013). de várias formas:

376 | Página
Eutanásia ativa: ação que causa ou acelera mais rápida, indolor e digna. Até o momento,
a morte; Eutanásia passiva: a retirada dos
procedimentos que prolongam a vida; Eu- amparado pela constituição, a pessoa tem o di-
tanásia voluntária: a ação que causa a reito de viver preservado, mas não lhe é res-
morte quando há pedido explícito do paci-
guardado o direito de morte. É correto que o Es-
ente. Eutanásia involuntária: ação que
leva à morte, sem consentimento explícito tado interfira no livre-arbítrio das pessoas? É
do paciente. certo manter a pessoa que deseja a morte, viver
sofrendo até que a morte chegue de forma natu-
Quando não se tem autorização do enfermo, ral? (BARROSO & MARTEL, 2012).
temos a eutanásia ativa, um ato debatido e es- A morte digna, muitas vezes, é insistida
colhido que provoca a morte do paciente sem pelo enfermo, pois não enxerga mais motivo de
que haja sofrimento em que se utiliza injeção sua vida, uma vez que mais se sofre do que vive,
letal, por exemplo. A eutanásia passiva ocorre e assim, a espera pela morte é algo muito mais
quando há apresentação de uma certa omissão doloroso do que simplesmente uma espera.
de forma proposital frente aos procedimentos Muitos podem pensar que o suicídio então é um
que deveriam garantir que a vida continuasse, caminho mais fácil para esta pessoa, mas o ato
por exemplo quando se deixa de medicar corre- em si é difícil dele conseguir executar. A von-
tamente o doente. Há também a eutanásia co- tade possivelmente existe, mas a incapacidade
nhecida como eutanásia de duplo efeito em que física pode impedir (MUNCHEN, 2017).
naquelas situações em que é apressada em con-
sequência de ações da equipe médica que não Distanásia
buscava a morte do enfermo, mas sim o alívio A distanásia é um termo que não é muito
de dores sofrimento, o que acarreta na morte, dito no ambiente hospitalar e é definida e co-
por exemplo, na aplicação de medicamentos nhecida como uma morte lenta, com sofrimento
que diminuem o sofrimento, gerando secunda- para equipe médica, do paciente e familiares. É
riamente a morte (FRANCISCONI & GOL- discutido que esta modalidade é uma atitude
DIM, 2003). persistente por parte da equipe em recuperar a
Nas situações em que se tem a autorização saúde do paciente que está em sua terminali-
do doente, tem-se a eutanásia voluntária, onde dade e é considerada fútil, o que pode causar
a vontade do doente é atendida. A eutanásia in- desconforto emocional, mental e físico para fa-
voluntária pode ser igualada ao homicídio, pois miliares e para o paciente. É interessante pensar
é realizada contra a vontade do enfermo e a eu- o porquê de se investir em tratamentos invasi-
tanásia não voluntária é aquela quando a vida é vos para pacientes que não apresentam um
abreviada sem que se conheça a vontade do pa- prognóstico bom, usando meios que irão sus-
ciente (MABTUM & MAR-CHETTO, 2015). tentar a vida de maneira indefinida (TOFFO-
É inegável que, por mais que uma morte pi- LETTO et al., 2005).
edosa para o enfermo em sua terminalidade so- Nos últimos anos observamos um expo-
frível pode ser a solução, a prática da eutanásia nencial avanço tecnológico para a medicina,
sem nenhuma ressalva, restrição, poderia levar bem como o surgimento de novos medicamen-
à muitas mortes por conta de pessoas que não tos cada vez mais específicos e potentes e as-
respeitam e não prezam pela vida alheia. Po- sim, estes tiveram uma grande importância na
rém, por outro lado, temos o doente dentro de visão da morte e do seu significado. Ele garan-
sua consciência desejando ir a óbito de forma

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tiu um controle considerável das funções fisio- adota apenas as medidas terapêuticas necessá-
lógicas do corpo humano, proporcionando o rias para o alívio das dores físicas e angústias
prolongamento da vida, ou seja, tornaram a do paciente e seus familiares (FELIX et al.,
morte menos próxima, inclusive daqueles que 2013).
desejavam seu fim muito mais rápido e sem so- Também conhecida como “a morte em seu
frimento. É nessa perspectiva que a distanásia tempo certo”, a ortotanásia mostra-se como
se destaca (NEGRI, 2019). uma alternativa que tem ausência de um trata-
Esse procedimento é firmemente escra- mento de grandes proporções, porém sem a in-
chado em alguns países e até mesmo chamado tenção de se abreviar o processo de morrer. A
de fútil e de capricho terapêutico. E a crueldade realidade, esta modalidade buscam um certo
da atitude causa asco por si, por ser uma atitude equilíbrio entre a distanásia e a eutanásia, além
que visa apenas a salvar a vida alheia terminal, do suicídio assistido, já que a medicina mo-
onde submete-se o paciente a sofrimento enor- derna consegue ao mesmo tempo, prolongar a
me e desnecessário (MODENA, 2016). vida de muitas pessoas assim como prolongar
Devemos perceber que a conduta aparenta também o processo de morrer (ROMANO et
prolongar a vida, enquanto na realidade pro- al., 2006)
longa-se apenas o processo de morrer (RO- Na ortotanásia, o paciente em sua termina-
MANO et al., 2006) e a distanásia se comple- lidade da vida é encaminhado pelos profissio-
menta com a manutenção do tratamento do en- nais que estão trabalhando em seu bem-estar
fermo, mesmo não havendo a possibilidade de para uma morte indolor, humanizada, que não
sua recuperação, servindo apenas como resul- necessita de métodos gigantescos de procedi-
mentos muitas vezes invasivos (LUCENA,
tado de ações da equipe médica que está ne-
2014).
gando a dimensão da morte.
Pesquisas mais frequentes mostram que
Vale ressaltar que esse prolongamento da
equipes como as da enfermagem não aplicam a
vida, com seus tratamentos desproporcionais
distanásia e sim propagam a ortotanásia, em que
causa tanto sofrimento físico quanto psicoló-
a tranquilidade e conforto do paciente é priori-
gico, não havendo respeito e benevolência ao
dade, dando atenção ainda para o ambiente, ga-
paciente terminal. Autores se questionam quan-
rantindo que este seja agradável e tranquilo, o
do deve-se transitar de cuidados curativos para
que favorece à qualidade de vida e o tracejado
os paliativos, uma vez que o tratamento da mor-
natural da morte deste, dando atenção ao relaci-
te também deve ser digno (SILVA &
onamento sadio entre a equipe, família e paci-
SUDIGURSKY, 2008).
ente, com destaque, principalmente, para uma
comunicação clara, humana e confortável
Ortotanásia – a “boa morte”
(MENEZES et al., 2009).
A ortotanásia é uma prática médica que
Ao diagnosticar que a cura do paciente é im-
pode proporcionar uma morte piedosa e digna
possível e que a partir daquele momento é uma
aos pacientes terminais, uma vez que não age
via única de tratamento até a terminalidade da
diretamente antecipando o fim da vida, nem uti-
vida, deve-se adotar aquelas medidas que visem
lizando de tecnologias humanas ou artificiais a
alívio, conforto a ele. Quando o paciente está
fim de prolongá-la além do necessário. Desto-
próximo a morte há obrigação ética, como a de
ando da distanásia e da eutanásia, a ortotanásia
promover tratamento e cuidados paliativos
apropriados.
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A Bioética nos Cuidados Paliativos e a traz que, no campo da atuação dos profissionais
sua legalidade da medicina, suas atividades são regulamenta-
A ética pode ser classificada como um es- das pela Resolução n. 1.931 de 24 de setembro
tudo complexo e sistemático daquelas ações hu- de 2009 (antigo Código de Ética Médica), em
manas chamadas de voluntárias, as quais fazem que se pode entender que é dever do médico
parte da conduta e do comportamento do ho- praticar a ortotanásia quando solicitada pelo pa-
mem. Podemos classificar a ética como NOR- ciente terminal.
MATIVA que vai analisar se uma certa conduta Chega-se assim, ao conceito da ética da
é correta/boa e também como DESCRITIVA vida, chamada de Bioética, sob a perspectiva
que observa e registra o comportamento de al- autonômica e humanista, em que vê o indivíduo
guém, isso ao aceitar os comportamentos no de forma global, holística, como um todo, e não
âmbito social e comportamental (CARDOSO, na sua particularidade como antigamente
2017). (BARCHIFONTAINE & TRINDADE, 2019).
Ao analisarmos os estudos e observações da A Bioética é definida por Junges (1999)
ética, pode-se tentar compreender onde a Bioé- como
tica se encaixa. A Bioética se alicerça no que
diz respeito à dignidade da pessoa e tem como a ética das ciências da vida e da saúde. Por-
princípios a beneficência, da não maleficência tanto, ela vai além das questões éticas rela-
tivas à medicina para incluir os temas de
e da autonomia. A beneficência estabelecerá o saúde pública, problemas populacionais,
dever ético do profissional em promover o bem genética, saúde ambiental, práticas e tec-
nologias reprodutivas, saúde e bem-estar
do paciente sempre, reduzindo riscos e aumen- animal, e assim por diante.
tando vantagens (JUNQUEIRA, 2012).
A não maleficência vai representar o dever No Brasil, praticar a eutanásia confere pu-
do profissional em não causar danos e prejuízos nição de acordo com a legislação do país, es-
ao paciente. O princípio da autonomia respeita tando de acordo com o Artigo 121 do Código
a liberdade de escolha do paciente para que ele Penal (dispositivo este que trata de homicídio).
possa consentir ou recusar, autonomicamente, De acordo com alguns advogados, pode haver a
os procedimentos médico-hospitalares que será diminuição da pena tendo em vista o fato de
submetido (LIMA et al., 2015). podermos classificar, em alguns casos, a con-
O profissional médico deve sempre pautar- duta eutanásica como espécie de homicídio pri-
se pela ética, no sentido de garantir e promover vilegiado, cujo privilégio advém do relevante
o bem-estar do enfermo e a sua saúde, respeita- valor moral que, de certa forma, vem justificar
das a sua autonomia e dignidade, inclusive no a conduta do agente (TOLEDO, 2008).
estágio terminal da vida do doente. Nesta etapa, Mediante essas implicações, a bioética toma
os cuidados paliativos e a promoção do bem- conta de conflitos morais que permeiam as re-
estar físico, psicológico e espiritual são funda- lações humanas, onde entende-se do homem
mentais, onde a conduta do médico é impor- como um indivíduo que possui capacidade mo-
tante para que o paciente se sinta pessoa, e não ral, cognitiva, capaz de atuar da forma que qui-
objeto de terapêuticas inúteis, que lhe tragam ser, de forma livre, mas podendo ser responsá-
mais dores e sofrimentos (MONTENEGRO, vel pelos seus atos. Portanto, são essas ações
2012).
O Conselho Federal de Medicina (2009)

379 | Página
que podem ter, ou não, efeitos significativa- antecipadas da vontade (DAV), em que este do-
mente irreversíveis sobre outros humanos cumento é corroborado com o desejo do paci-
(COSTA et al., 2016). ente e assinado por ele ainda em plena facul-
Infelizmente, o cuidado paliativo ainda é dade mental e estado de saúde não tão degra-
pouco entendido por uma parte considerável de dado, onde ele indica de forma clara o que ele
profissionais da saúde no Brasil por conta da deseja e suas vontades acerca do tratamento que
falta de incentivo à educação paliativa, o que ele quer receber quando a doença se manifestar
acaba influenciando formação teórica e a prá- de forma mais agressiva e o aproximar do fim
tica profissional, bem como as dificuldades em de sua vida (DADALTO et al., 2013).
entender a bioética envolvida no assunto De acordo com Hassegawa et al. (2019), no
(ACADEMIA NACIONAL DE CUIDADOS Brasil, ainda não existe leis que ajam direta-
PALIATIVOS, 2012). mente sobre o DAV, porém, o DAV estaria am-
Assim, em relação à bioética, o problema é parado na Constituição Federal (CF) de 1988,
integrar na justa medida e para caso concreto, a onde esta estabelece o direito à dignidade da
ética da tolerância, a ética da responsabilidade pessoa humana. As discussões no Brasil sobre
e a ética da solidariedade, sendo a tolerância este assunto parecem estar no começo. Conse-
conquistada no caminho em direção à solidari- gue-se observar o vazio na constituição sobre o
edade, este laço que une pessoas como corres- assunto devido ao desinteresse político, precon-
ponsáveis pelo bem umas das outras, onde a vi- ceito e ideologias religiosas que ainda apresen-
olação de um princípio é muito mais grave que tam grande influência no cenário político brasi-
transgredir uma norma qualquer. Nesta pers- leiro, e assim, cria-se certa insegurança nos pro-
pectiva torna-se necessário discutir e se dedicar fissionais de saúde no que tange a bioética.
mais aos estudos e princípios bioéticos, pois são As DAV são alvo de diversas críticas. Seus
neles que se deve basear as decisões a serem opositores frequentemente utilizam termos pe-
tomadas (CHAVES et al., 2011). jorativos e estudos desconhecidos para fazerem
Existe nos cuidados paliativos uma prática com que o documento, ao invés de garantir uma
beneficente, para que haja continuidade de cui- morte digna na terminalidade da vida já sem es-
dados, traduzindo-se na medida em que o traba- peranças de cura, seja vista como uma forma
lho multidisciplinar não se cinge a uma equipe disfarçada de se legalizar a eutanásia
de um único serviço, mas sim, idealmente, a (MONTEIRO & SILVA JUNIOR, 2019).
diversas equipes que acompanham o paciente Apesar do interesse crescente, de modo ge-
nos seus diversos estádios, promovendo o bem. ral parece haver, independentemente de
É aqui que a Bioética se faz presente (PULGA legislação, dificuldade na adesão às diretivas
et al., 2019). antecipadas de vontade, o que indica a neces-
sidade de maior divulgação para o público e
Diretivas antecipadas da vontade – DAV profissionais de saúde. Porém, talvez este não
Os pacientes terminais, em sua grande mai- seja o único empecilho para a realização das
oria, não apresentam condições físicas ou psi- DAV, sendo este ponto que deve ser mais in-
cológicas para defender ou manifestar sua von- vestigado em novos trabalhos (MONTEIRO &
tade, ou até mesmo sua família apresenta essa SILVA JUNIOR, 2019)
dificuldade, então, foram criadas as Diretivas É interessante observar que este tema tem
sido bastante discutido no âmbito da bioética, o

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que, no entanto, não tem sido visto entre equi- to do paciente se faz necessário uma visão
pes de saúde e seus profissionais. É compreen- ampliada e holística, dando ênfase às capacida-
sível que seja assim uma vez que ainda há des humanas no que se refere aos profissionais
pouco conhecimento sobre este instrumento e médicos e àqueles atrelados no processo termi-
de suas possibilidades em relação à autonomia nal do paciente.
dos pacientes, bem como a questão da proteção Os sentimentos dos atores envolvidos nas
para profissionais contra possíveis represálias decisões que dizem respeito ao final da vida e a
(LORENZO & BUENO, 2013). produção de recursos que minimizem dores e
anseios desempenham papel fundamental na
CONCLUSÃO formulação das políticas, conduzindo à sua
aceitação ou recusa perante o povo.
Quando se analisa os diversos contextos que É razoável pensar que há dificuldade em
englobam o ser humano (ético, social e jurídico discutir, lidar e escutar os pacientes que estão
atual) verifica-se que a ideia de que as pessoas próximos ao fim de sua vida e a dificuldade de
tem o direito em decidir sobre aspectos que di- se tocar neste tema de forma popular. Os países,
zem respeito à sua vida está consolidada, desde em especial o Brasil, apresenta sua sociedade
que tais escolhas não prejudique ou interfira na ainda com ideias embrionárias acerca dos cui-
vida do próximo, nem em suas escolhas. dados paliativos, uma vez que uma parcela da
Essa noção do que se pode chamar de ‘cen- população confunde com este tema com a euta-
tralidade do indivíduo e da autonomia’ edifica násia.
a lógica do direito individual, que acarreta o Assim, debater a ideia e a possibilidade de
reconhecimento, pelas leis, de espaços de auto- também se construir as diretivas antecipadas da
nomia e autodeterminação dos sujeitos como vontade conjuntamente com os cuidados palia-
aspecto central de sua dignidade e dos direitos tivos, respeitando a autonomia do paciente,
à vida e à liberdade. Quanto ao meio jurídico mentalmente capaz, poderia facilitar o diálogo
percebe-se um certo consenso na discussão so- entre familiares, equipes médicas, políticos e
bre a autonomia do ser humano sobre a própria sociedade, permitindo que dores, angústias, in-
vida, em relação se pode ser ou não limitada. certezas e medos sejam mostrados e diminuídos
Nesse processo discutido, cabe pesquisar, o máximo possível, potencializando sua quali-
entender, apreender e compreender os signifi- dade de vida e melhorando a relação dos envol-
cados de todos os termos que se refere aos cui- vidos, em especial paciente-equipe médica, de-
dados paliativos e aos diferentes tipos de finali- monstrando o quanto a discussão sobre a Bio-
zação da vida. ética é fundamental.
Quando ao desenvolvimento de novas tec-
nologias relacionadas ao controle do sofrimen-

381 | Página
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384 | Página
CAPÍTULO 46
COORDENAÇÃO ACADÊMICA EM
SIMULADO DE ACIDENTE
RODOVIÁRIO: RELATO DE
EXPERIÊNCIA
Palavras-chave: Acidente de transito; Pré-hospitalar; Simulação

AYLA JAQUELINE PEREIRA CARVALHO¹


RENATA DUARTE FERREIRA¹
FERNANDA PEREIRA PAIXÃO SILVA¹
PATRICK DE ABREU CUNHA LOPES¹
GIOVANNA VIDAL BELO2
PAULA PITTA DE RESENDE CÔRTES3

1
Discente – Curso de Medicina da Universidade de Vassouras
2
Residente – Hospital Universitário de Vassouras
3
Docente – Curso de Medicina da Universidade de Vassouras

385 | Página
INTRODUÇÃO Uma das formas de reduzir a morbimorta-
lidade consiste em melhorar o atendimento às
As lesões e mortes oriundas de acidentes de vítimas (FRAGA, 2007). Este ocorre princi-
trânsito ganharam notoriedade em todo o mun- palmente no ambiente pré-hospitalar e depende
do nos últimos anos, com dados indicando cerca da aptidão e integração dos socorristas (SENA
de 1,35 milhão de mortes apenas no ano de & OLIVEIRA, 2020; FRAGA, 2007). Uma ma-
2016 (WORLD HEALTH ORGANIZATION, neira eficaz de capacitar a equipe é através de
2018). Além disso, influenciam boa parte da simulações realísticas que permitam o aprimo-
economia, pelos gastos com tratamentos das ramento de habilidades, colocando em prática
vítimas e com o fato da maioria delas serem conhecimentos prévios como o manejo de agra-
jovens em idade produtiva, representando um vos que possam levar ao óbito (SOUSA et al.,
custo que pode chegar a 2 % do PIB em países 2018).
como o Brasil (CAMARGO & HEMIKO, Ademais, as simulações realísticas são uti-
2012). lizadas no ensino acadêmico durante a gradu-
A discussão a cerca de medidas eficazes ação médica permitindo tanto o aperfeiçoa-
para a redução do número de óbitos e sequelas mento da abordagem técnica quanto do domí-
fez com que a Organização das Nações Unidas nio emocional exigido do aluno no momento da
(ONU) incluísse a violência no trânsito nos ação (GUEDES et al., 2017).
Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, Para que essas simulações aconteçam, a
criando a meta de reduzir as mortes e os feri- equipe precisa estar unida no mesmo propó-
mentos em acidentes nas estradas pela metade, sito, fato possível somente através de uma lide-
até 2030 (MOREIRA et al., 2018). Objetivando rança (NOVO, 2015). Ou seja, através de al-
a redução desses números, diversos países cri- guém que consiga definir as metas e planejar as
aram projetos de segurança no trânsito (JAMES atividades indispensáveis para atingir o obje-
et al., 2020). Essas metas contribuíram para a tivo, influenciando as pessoas para cumpri-las,
manutenção da taxa de mortalidade nas estradas ao mesmo tempo em que consiga enxergar as
nos últimos anos, apesar do registro de aumento necessidades pessoais de cada membro sendo
do número de acidentes em todo o mundo acessível a eles, favorecendo assim, o ambiente
(WORLD HEALTH ORGANIZATION, de convivência seguro e de confiança (BRITO
2018). & ALBUQUERQUE, 2012; FERNANDES et
Seguindo essa tendência mundial, no Brasil al., 2015).
foi criado a Semana Nacional de Trânsito O objetivo deste estudo foi relatar a experi-
(SNT) que ocorre anualmente do dia 18 ao dia ência de uma acadêmica de medicina coorde-
25 de setembro. Nesse período, os integrantes nando outros alunos de medicina da Universi-
do Sistema Nacional de Trânsito divulgam as dade de Vassouras integrantes da ONG Projeto
metas para redução do número de óbitos em aci- Vidas durante a preparação e realização de uma
dentes de trânsito a serem cumpridas no ano simulação de acidente de trânsito, organizada
subsequente (CTB, 2018). Além disso, essa se- pela concessionária K-Infra Rodovia do Aço. A
mana é utilizada pelos órgãos de transito como ação foi realizada em parceria com órgãos pú-
forma de promover eventos e ações que consci- blicos e a Universidade de Vassouras durante a
entizem a sociedade a cerca de medidas de pro- Semana Nacional de Trânsito.
teção na estrada (LIMA et al., 2016).

386 | Página
MÉTODO lação. Como forma de assegurar maior segu-
rança à realização da prática proposta, a ONG
Juntamente a outros setores públicos, como se comprometeu a ceder parte do seu material
o Corpo de Bombeiros, a Defesa Civil, o para o atendimento, como pranchas, colares
SAMU, a Guarda Municipal de Vassouras, o cervicais e talas flexíveis, o que possibilitou
Departamento Municipal de Trânsito e a Polícia uma maior disponibilidade de materiais a serem
Rodoviária Federal, os integrantes da ONG utilizados pelos profissionais e alunos envolvi-
Projeto Vidas foram convidados pela concessi- dos.
onária da BR 393 para representar a Universi- Com os recursos disponíveis estabelecidos,
dade de Vassouras em uma simulação realís- optou-se pela simulação de um acidente auto-
tica, como forma de representar o final da se- mobilístico entre um micro-ônibus e um carro,
mana nacional de trânsito. O projeto da simu- proporcionando maior número de vítimas e,
lação tinha como intuito capacitar os alunos ao consequentemente, maior variedade de casos
atendimento de urgência e emergência pré- clínicos a serem elaborados. À ONG ficou a
hospitalar, bem como para o trabalho em equi- responsabilidade de dividir o número acordado
pe, tão importante nesse setor. de doze (12) vítimas por gravidade, sendo defi-
nida a divisão de quatro (4) casos graves, seis
Descrição do contexto e procedimentos (6) moderados e dois (2) leves, bem como a pro-
Em um momento pré-simulação, no decor- dução destas através de maquiagem realística.
rer dos preparativos para a ação, ocorreram três Na terceira e última reunião, os horários de
reuniões com os coordenadores de cada insti- chegada de cada equipe de resgate foram defi-
tuição participante para a criação, planejamento nidos, bem como a disposição das vítimas no
e organização da mesma. cenário. O objetivo era organizá-las através da
A primeira reunião foi direcionada à inte- análise da biomecânica do trauma, de maneira
gração entre os representantes de cada setor en- que se adequassem a posições verossímeis, mas
volvido e, uma vez definida a função pela qual que, simultaneamente, possibilitassem a visu-
cada departamento teria responsabilidade du- alização das mesmas por outras equipes ex-
rante a simulação, foi solicitado aos coordena- pectadoras da simulação. Os alunos seleciona-
dores que fizessem um levantamento dos re- dos para compor as equipes de resgate foram
cursos disponíveis por eles para integrar a ação. orientados para chegar à cena juntamente com
Nesta data, foi acordado que 30 acadêmicos de a equipe do corpo de bombeiros e do SAMU.
medicina, membros da ONG Projeto Vidas, No dia da simulação, inicialmente, foi rea-
participariam do projeto, sendo estes divididos lizado isolamento de parte da pista pela polícia
entre vítimas e socorristas. Uma reunião ex- rodoviária federal, sendo, posteriormente, po-
terna, apenas com os alunos integrantes da sicionados os veículos envolvidos, bem como
ONG, foi realizada posteriormente para a reali- os alunos selecionados como vítimas (Figura
zação desta divisão. 46.1A). Toda a preparação foi elaborada de
A segunda reunião visou confirmar os re- forma controlada e orientada por profissionais
cursos disponibilizados à simulação, bem como capacitados, visando a segurança dos partici-
definir um plano de ação para atender possíveis pantes do evento (Figura 41.1B).
ocorrências reais no período destinado à simu-

387 | Página
Figura 41.1 Imagem da simulação em dois mo- sobretudo, a respeito do fator emocional vivido
mentos distintos. por vítimas de acidentes de trânsito.

A RESULTADOS E DISCUSSÃO

Em relação à coordenação da equipe aca-


dêmica, a literatura revela a necessidade de um
gestor de pessoas que seja aceito pelo grupo,
criando boas relações com os membros e con-
seguindo que eles se comprometam com o que
for proposto (CHIAVENATO, 2003;
FONSECA et al., 2016).
B Para isso, nesta prática foi necessário man-
ter uma comunicação ativa com os membros
durante todo período de preparação e realização
da simulação. A confiança no processo e na se-
gurança da atividade foi essencial para a cola-
boração dos participantes, principalmente da-
queles selecionados para atuarem como víti-
mas. Essa só foi possível a partir de conversas
individuais com cada membro, repassando
Legenda: Imagens da organização dos veículos e pessoal quais as condutas que o seu personagem seria
(A) e do atendimento às vítimas orientado por profissio- submetido além de explicar os tempos de
nais (B). Fonte: Arquivo pessoal.
atuação de forma mais próxima da realidade, di-
Ao começar a simulação, as equipes de res- minuindo assim, o nervosismo intrínseco de se-
gate tinham sua função definida pela ordem de rem manejados por equipes desconhecidas.
chegada ao local do acidente, realizando, de Um dos métodos de aprendizagem utiliza-
forma sequenciada, o reconhecimento e sinali- dos em ensinos baseados em simulação é o
zação da área, a solicitação de outras unidades debrienfig, que possui como objetivo permitir a
de resgate, a triagem dos pacientes, o atendi- discussão dos pontos positivos e negativos da
mento pré-hospitalar e a posterior remoção das ação, bem como maneiras de manejo que se-
vítimas. riam melhores naquela situação (MOTA et al.,
Ao final do evento, os coordenadores das 2019; CANTRELL, 2008). Nele, um dos parti-
instituições envolvidas se reuniram com seus cipantes tem a função de facilitador, o qual ori-
integrantes, objetivando realizar a análise de enta o raciocínio e coloca de forma clara os pen-
acertos e erros de conduta durante os procedi- samentos subentendidos pelo grupo (MOTA et
mentos realizados, bem como ressaltar os pon- al., 2019).
tos nos quais poderia haver melhoras. Neste Propondo essa conversa, a coordenadora
momento, os alunos tiveram a oportunidade de acadêmica assumiu o papel de facilitadora, reu-
contribuir com a reunião por meio de suas ex- nindo os membros da ONG Projeto Vidas após
periências pessoais como pacientes, alertando, a simulação para a realização do debrienfig.
Estes então destacaram a ação como um método

388 | Página
prático de ensino eficaz para a formação aca- eventos organizados, foi possível chegar à con-
dêmica, tendo em vista a condição realística clusão de que a falta de comunicação entre os
proporcionada pela interação com equipes de médicos socorristas e as vítimas estava mais re-
profissionais especializados no atendimento lacionada ao fato de a situação consistir apenas
pré-hospitalar e, principalmente, pela organi- em uma simulação, não sendo pacientes reais.
zação da cena em uma rodovia federal, com veí- Ainda considerando o contato próximo en-
culos, vítimas, equipes de resgate e equipamen- tre acadêmicos e os especialistas das institu-
tos dispostos de forma a retratar um acidente ições envolvidas, possibilitado pela prática, os
automobilístico de maneira mais próxima da alunos ressaltaram, como outro ponto positivo,
realidade possível. Além disso, a ação possibi- o contato com profissionais já estabilizados em
litou colocar em prática conceitos e treinamen- seus setores, possibilitando a realização de pa-
tos já realizados previamente com os alunos em lestras e aulas práticas com os mesmos posteri-
ambiente acadêmicos disponibilizado semanal- ormente, bem como garantindo oportunidades
mente pela Universidade de medicina de Vas- de estágios acadêmicos e participações em ou-
souras. tros eventos de simulação. Além disso, esse
Ainda em reunião, como situações que po- networking é descrito por diversos autores co-
deriam ser melhoradas, os alunos pontuaram a mo importante gerador de oportunidades no
dificuldade em lidar com o emocional no mo- mercado de trabalho, sendo um divisor de águas
mento em que prestavam o socorro, pela pouca entre aqueles que o possuem (SANTOS &
experiência prática e, ainda citaram a forma de DUARTE, 2019; MINARELLI, 2001).
abordagem à vítima apresentada pelas equipes
CONCLUSÃO
compostas de profissionais, caracterizando-a
como pouco comunicativa. A praticidade dos Uma vez realizada a simulação, considera-
profissionais ao conduzirem os casos, comuni- dos os pontos positivos e negativos abordados
cando-se mais entre si e não diretamente com as pelos membros da ONG Projeto Vidas, pode-se
vítimas, foi vista como um fator causal de ner- concluir que a ação realizada representou uma
vosismo aos alunos intérpretes dos acidentados. forma de aprendizagem de alta eficácia, pela
O motivo da referida escassez de interação qual foi possível a aquisição de novos conheci-
com os feridos foi pauta de um debate reali- mentos, além da consolidação e aprimoramento
zado posteriormente entre os acadêmicos, os de conceitos e práticas já previamente debatidos
quais chegaram a duas possíveis explicações: 1) e simulados pelos alunos em sala de aula.
a menor comunicação com as vítimas devia-se Por fim, considerando a coordenação de um
ao fato de tratar-se de uma simulação planejada, grupo de acadêmicos, a maior dificuldade se
não havendo ali indivíduos feridos reais; ou 2) apresentou na manutenção constante do diálogo
a rotina do dia-a-dia levou os profissionais a com eles, representando-os em meio aos outros
efetuar uma abordagem mais direcionada aos setores envolvidos e adequando a prática às
ferimentos e não à vítima em si, influenciando principais necessidades abordadas por eles, ga-
no cuidado da mesma. rantindo assim, a segurança de todos. Nesse
Após um período de três meses da reali- contexto, outros desafios coordenativos podem
zação da ação e um convívio entre os profissi- surgir, por se tratar de uma percepção pessoal.
onais do setor de atendimento pré-hospitalar e Portanto novos estudos seriam necessários para
os acadêmicos possibilitado por meio de outros consolidação de uma óptica mais global.

389 | Página
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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medicina: relato de experiência. Revista de. Saúde, v. 8, nization, 2018
.

390 | Página
CAPÍTULO 47
FATORES PREDITORES DE
ACIDENTES DE TRABALHO EM
PROFISSIONAIS
DE ENFERMAGEM NA UNIDADE
DE TERAPIA INTENSIVA
Palavras-chave: Desafios da enfermagem; Cuidados de alta complexidade;
Prospecção de conflitos; Jornada de trabalho

JOSAFÁ FERREIRA CHAVES¹


ANADIAS TRAJANO CAMARGOS2

1
Discente – Especialização em Terapia Intensiva na Escola de Enfermagem da Universidade
Federal de Minas Gerais - UFMG
2
Docente – Mestre em Enfermagem do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de
Minas Gerais – UFMG

391 | Página
INTRODUÇÃO Nesse contexto, destaca-se que muitas ins-
tituições adotam as precauções indicadas para a
Dados estatísticos apontam que a incidência proteção dos trabalhadores, frente a exposição
de acidentes de trabalho com os profissionais da como infecção, que continuam ocorrendo em
enfermagem, aumentam, exponencialmente, níveis elevados. O que reforça a necessidade de
em média 25,5 % ao ano, o que resulta em ado- reflexão quanto aos riscos e as causas dos aci-
ecimento e afastamento desses profissionais. dentes, favorecendo que medidas de proteção
Para obter um efetivo acompanhamento dos sejam utilizadas adequadamente e minimizem
profissionais de enfermagem que trabalham da 11 os acidentes, pois, a utilização de barreiras
Unidade de Terapia Intensiva (UTI), bem como de proteção ainda é, muitas vezes, negligenci-
a equipe multidisciplinar de forma integral, é ada (MENDONÇA et al., 2015).
necessário estimular algumas mudanças de ati- De acordo com a linha de tendência e evo-
tudes, sendo fundamental o envolvimento da lução do processo de trabalho intra-hospitalar,
instituição na participação ativa, de tal modo além da vivência dos profissionais de saúde, ob-
que essas mudanças possam interferir na assis- servou-se que os profissionais de enfermagem
tência de melhor qualidade ao paciente grave que trabalham na UTI, ficam mais vulneráveis
(MIRANDA et al., 2008). aos riscos de acidente de trabalho, devido à falta
O cuidado ao paciente crítico, requer habi- de uso dos Equipamentos de Proteção Indivi-
lidades especiais por se tratar de um setor com- dual (EPIs). Diversos fatores contribuem para o
plexo que vai além da mão obra especializada aumento desses riscos tais como: a pressão so-
desses profissionais. A premissa máxima do frida durante o período de admissão de pacien-
cuidar vai desde a responsabilidade de executar tes graves, eficiência e perspicácia para reali-
técnicas inerentes da profissão até e, princi- zação dos cuidados diretos e imediatos, assim
palmente, ao acolhimento desse paciente. Esse como nos casos de sondagens, intubação oro
perfil de profissional demanda um esforço traqueal, implantação de cateteres venoso cen-
emocional que estrapola e, muitas vezes, leva a tral.
exaustão, resultando no adoecimento cada dia Segundo Beccária et al. (2009), dentre os
mais comum. acidentes de trabalho destacam-se alguns vieses
Além disso, vale ressaltar que as dificulda- ressaltando: a falta de atenção na execução do
des dos profissionais ao manejarem os materi- trabalho, incapacidade técnica, negligência no
ais e equipamentos de proteção utilizados du- uso de equipamentos de proteção individual,
rante a assistência, têm sido obstáculos para de- além da sobrecarga de trabalho aliados ao ambi-
senvolverem um atendimento eficiente e se- ente considerado insalubre e de movimentação
guro, sinalizando para a importância e a neces- intensa de pessoas e o sofrimento dos pacientes.
sidade dos mesmos de se submeterem a um trei- Para Neves et al. (2011), a baixa adesão ao
namento que envolva essa temática, uma vez uso dos EPIs, e o manuseio incorreto são decor-
que se trata de conteúdo relevante para o conhe- rentes de fatores como desconforto, incômodo,
cimento. Desse modo é possível prevenir con- descuido, esquecimento, falta de hábito ou o
sequências relacionadas ao acidente de traba- uso inadequado, além da falta de confiabilidade
lho, muitas vezes decorrente de negligência, do material que os protege.
imperícia ou imprudência (BECCÁRIA et al., Ressalta-se ainda uma possível identifi-
2009). cação dos fatores relacionados aos acidentes de
392 | Página
trabalho em UTI, o que remete a uma preocu- “Unidade de Terapia Intensiva”. Desta busca
pação constante e necessária para o rompimento foram encontrados 63 artigos, posteriormente
de paradigmas dominantes de unidirecionalida- submetidos aos critérios de seleção. Após os
de para multidirecionalidade, no sentido de per- critérios de seleção restaram 06 artigos, os quais
ceber os sujeitos-cuidadores na sua totalidade foram submetidos à leitura minuciosa para a
(NEVES et al., 2011). coleta de dados, descritas na Tabela 47.1.
Essa observância pode influenciar na mu- Os critérios de inclusão da presente revisão
integrativa foram: artigos e dissertações de
dança de atitude e, com isso, garantir o envol-
mestrado com delineamento de estudos quanti-
vimento de todos os profissionais da equipe, a
tativos e originais publicados no período de
partir da utilização dos EPIs, que podem preve-
2011 a 2017 na língua portuguesa que estavam
nir acidentes e, consequentemente, interferir na
disponíveis nas bases de dados. Os critérios de
qualidade do cuidado (SILVA et al., 2017).
exclusão foram: os artigos que não atenderam
Portanto, a relevância deste estudo concen- os objetivos do estudo.
tra-se no reconhecimento da problemática re-
sultante do aumento da exposição dos profissio-
RESULTADOS E DISCUSSÃO
nais de enfermagem aos fatores de riscos de aci-
dentes de trabalho em UTI. Assim, justifica-se O presente estudo conta com 6 (seis) arti-
o estudo com propósito de identificar as ques- gos, que atenderam aos critérios de inclusão e
tões relacionadas às ocorrências de acidente de ao objetivo da revisão integrativa. Os artigos fo-
trabalho que acontecem por desconhecimentos ram analisados conforme proposta da metodo-
ou por negligências dos profissionais que cui- logia. A Tabela 47.2, apresenta as característi-
dam dos pacientes graves em UTI. cas dos autores dos artigos que foram incluídos
na amostra desta revisão.
MÉTODO Com relação ao país de origem, os seis arti-
gos selecionados são todos na língua portugue-
Trata-se de uma revisão integrativa reali- sa. Quanto ao número de autores o primeiro
zada no período de (28/03/2017 a 29/11/2018), estudo conta com quatro autores, o segundo
por meio de pesquisas nas bases de dados: Bi- com cinco autores, o terceiro, quarto e sexto
blioteca Virtual em Saúde (BVS), indexados com três autores cada um e o quinto conta com
nas bases de dados a Literatura Latino-Ameri- seis autores.
cana e do Caribe em Ciências da Saúde Em relação a formação dos autores, identi-
(LILACS), BDENF (Base de Dados de enfer- ficou-se em E1, uma doutoranda em ciências da
magem), Cumulattive Index to Nursing and saúde, uma graduanda em medicina, um doutor
Allied Health Literature (CINAHL) e PUB- em enfermagem e um graduado em enferma-
MED (Biomedical Literature Ciattions And
gem. Quanto a área de atuação, com exceção da
Abstracts) e Central Register of Controlled Tri-
graduanda de medicina, todos os autores atuam
als (COCHRANE). Foram utilizados os descri-
na docência na Universidade Federal do Rio
tores: “Enfermagem”, Acidentes de trabalho” e
Grande do Norte

393 | Página
Tabela 47.1 População e amostra da revisão integrativa da literatura

ESTRATÉGIA DE
BASES DE DADOS POPULAÇÃO AMOSTRA
BUSCA/DESCRITORES

LILACS 10 tw:(("Acidentes de Trabalho" 02


OR "Acidente de Trabalho").
(db:("LILACS" OR "BDENF"
BDENF- Enf. 06 01
OR PUBMED, (quot;Accidents,
Occupational OR; OR "Unidade
de Terapia Intensiva" OR "Uni-
PUBMED 19 02
dade de Terapia Intensiva de
Adulto" OR "Unidades de Cui-
dados Intensivo OR
CINAHL 06 00
"Profissionais de Enfermagem"
OR "Enfermeiras e
Enfermeiros" OR enfermeira”
IBECS 01 00
OR "Enfermeras
Practicantes".OR enfermeros
MEDLINE 19 OR COCHRANE "Licensed 00
Practical Nurses" OR "Nurses'
OR "Enfermeras
COCHRANE 02 Practicantes")). 01

TOTAL 63 06

Em E2, os três autores são docentes da es- Em E4 as autoras são em seu total três en-
cola de enfermagem de Ribeirão Preto/SP, mas fermeiras das quais, duas são doutoras e profes-
sem especificar a graduação curricular. O artigo soras do Departamento de Enfermagem de Sa-
informa que uma das enfermeiras faz parte da úde pública da Universidade Federal do Estado
Universidade Federal do Triângulo Mineiro do do Rio de Janeiro. Enquanto a terceira enfer-
Departamento de Assistência de Enfermagem meira é Residente de Enfermagem do Trabalho
Hospitalar, Uberaba-MG, Brasil; a outra En- da mesma faculdade.
fermeira da Universidade Federal Fluminense, E5 foi escrito por seis autores, das quais
Departamento de Enfermagem, Rio das Ostras, quatro são doutores, um mestrando e um mestre
RJ, Brasil. A terceira e última, detém a sua for- em enfermagem. Todos são da Universidade
mação na Escola de Enfermagem de Ribeirão Federal de Goiás, Goiânia, GO, Brasil.
Preto/SP. O E6 foi escrito por três autores. Não foi di-
O E3 é composto de três autores da Univer- vulgado o perfil curricular dos enfermeiros,
sidade Federal de Santa Maria e compõem o sabe-se que são docentes da Universidade Fe-
corpo docente no Programa de Residência Mul- deral de Mato Grosso do Sul, dois da cidade de
tiprofissional Integrada em Gestão e Atenção Campo grande – MS, Brasil e um da cidade de
Hospitalar no Sistema Público de Santa Maria, Três Lagoas – MS, Brasil.
RS, Brasil. O artigo não informa o perfil profis-
sional das autoras.

394 | Página
Tabela 47.2 Características dos autores que amparam a Revisão Integrativa

CÓD.
ÁREA DE PAÍS DE
DO TÍTULO AUTOR (ES) PROFISSÃO QUALIFICAÇÃO
ATUAÇÃO ORIGEM
ESTUDO

Perfil de acidentes de
trabalho envolvendo
Doutoranda em
profissionais de MENDONÇA
E1 Enfermeira Discente Brasil saúde coletiva
enfermagem no et al., 2015
CCS/UFRN
ambiente da Terapia
Intensiva
Fatores associados à
exposição
ocupacional
NEGRINHO
E2 com material Enfermeira Docente Brasil Não informou
et al., 2016
biológico entre
profissionais de
enfermagem
Riscos ocupacionais
e adesão a
precauções padrão
no trabalho de NAZARIO
E3 Enfermeira Docente Brasil Não informou
enfermagem em et al., 2016
terapia intensiva:
percepções de
trabalhadores
A ocorrência de
acidentes por
material
LAPA et al., Mestre em
E4 perfurocortante entre Enfermeira Docente Brasil
2012 Enfermagem
trabalhadores de
enfermagem
intensivistas
Segurança dos
trabalhadores de
enfermagem
e fatores NEVES et al., Mestre em
E5 Enfermeira Docente Brasil
determinantes para 2011 Enfermagem
adesão aos
equipamentos de
proteção individual
Aspiração
endotraqueal por
sistema aberto:
FROTA et al.,
E6 práticas de Enfermeira Docente Brasil Não informou
2014
profissionais de
enfermagem em
terapia intensiva

395 | Página
A Tabela 47. 3, apresenta um detalha- Quanto ao tipo de estudo, dois artigos pos-
mento das características das publicações que suem o enfoque de natureza quantitativo descri-
foram incluídas nesta revisão. Com relação as tivo exploratório, um artigo de natureza descri-
fontes de publicação dos artigos, foram a Re- tivo transversal de abordagem quantitativa e
vista Eletrônica Trimestral de Enfermaria da outros três artigos são de cunho quantitativo
Universidade de Murcia na Espanha, Nº 39 ju- descritivo.
lho 2015, Revista Brasileira de Enfermagem- Com relação a origem dos artigos, dois fo-
REBEn, 2017 jan/fev, Revista Brasileira de ram encontrados na base de dados LILACS, um
Saúde Ocupacional RBSO, 2017, Revista de no BDENF-ENF, dois PUBMED e um
Enfermagem da UERJ, 2012, Revista Latino- COCHRANE
Am. Enfermagem, 2011 e Revista de Enferma-
gem da Escola Anna Nery, RJ 2014.
.

Tabela 47.3 Características das publicações incluídas na Revisão Integrativa

CÓD. DO TIPO DE
PERIOD. TIPO IDIOMA ANO FONTE DELINEAMENTO
ESTUDO ESTUDO

Revista
E1 Enfermería Artigo Português 2015 LILACS Descritivo Quantitativo
Global

Revista
Brasileira de Descritivo
E2 Artigo Português 2017 PUBMED Quantitativo
Enfermagem– transversal
REBEn
Revista
Brasileira de Descritivo
E3 Artigo Português 2017 BEDENF Quantitativo
Saúde exploratório
OcupacionalRBSO

Revista de
Descritivo
E4 Enfermagemda Artigo Português 2012 LILACS Quantitativo
exploratório
UERJ

Revista
Latino
E5 Americana Artigo Português 2011 PUBMED Descritivo Quantitativo
de
Enfermagem
Revista de
Enfermagemda
E6 Artigo Português 2014 COCHRANE Descritivo Quantitativo
Escola
Anna Nery

396 | Página
A Tabela 47.4, apresenta um detalhamento de abordagem quantitativa e um estudo pros-
das características das publicações que foram pectivo de coorte.
incluídas nesta revisão integrativa. Com relação Os resultados dessa discussão evidenciam a
as fontes de publicação dos artigos, foram a Re- necessidade dos profissionais de saúde a utili-
vista de Enfermagem da UERJ, Jornal Seminá- zarem corretamente os Equipamentos de Prot-
rio Ciências Biológicas e da Saúde, e outro no eção Individual, assim como entenderem que na
Scandinavian Journal of Trauma, Ressuscita- vivência e responsabilidade da profissão há
tion and Emergency Medicine, nos anos de uma preocupação constate nesse autocuidado.
2012, 2014 e 2015. No que concerne a origem O prejuízo quanto a exposição e infecção ao pa-
dos artigos, dois foram encontrados na base de ciente transmissor de doenças é inevitavel-
dados LILACS, um no MEDLINE. Quanto ao mente sem precedentes, pois vislumbra muita
tipo de estudo, dois são de natureza descritivo fragilidade emocional, além dos desgastes físi-
cos.

Tabela 47.4 Objetivos, amostra, resultado e conclusões das publicações incluídas na Revisão Inte-
grativa

CÓD. DO
OBJETIVOS AMOSTRA RESULTADOS CONCLUSÕES
ESTUDO

Os dados obtidos neste


estudo revelam aspectos
Entre os trabalhadores da UTI que
importantes em relação aos
sofreram acidente a região corporal
riscos a que estão expostos
com maior ocorrência de acidentes
os trabalhadores de
foram os dedos (35,6 %), seguido
enfermagem dos setores de
Identificar as das mãos (13,4%), olhos (6,6 %) e
maior risco, primando-se por
características O trabalho por último os pés (4,4 %). Maior
uma vigilância redobrada
sociodemográficas e o avaliou fator desencadeante de acidente da
e obediência às normas de
perfil dos acidentes de como amostra população estudada foi reencapar
biossegurança, como
E1 trabalho entre os 45 agulhas (20 %), manuseio material
também, o incentivo aos
profissionais de profissionais sujo (5 %), utilização inadequada
profissionais de enfermagem
enfermagem de uma de de perfurocortante (3 %) e não
para
unidade de terapia enfermagem. cumprimento de precauções
participarem das ações
intensiva. universais (2 %).
educativas, avaliações
Dos 45 profissionais pesquisados,
periódicas de saúde e
27 já haviam sofrido acidentes
atividades que contribuam
relacionados
para redução do estresse,
à atividade laboral.
mais satisfação no trabalho e
melhor qualidade de vida.
O estudo evidenciou a maior
O estudo envolveu 226 profis-
Para esse es- ocorrência dos acidentes
Identificar os fatores sionais de enfermagem, dos quais
tudo ocupacionais entre os
associados à exposição 39 (17,3 %) afirmaram ter sofrido
foram entre- profissionais de enfermagem
ocupacional com exposição ocupacional a material
E2 vistados do sexo feminino com pouca
material biológico entre biológico decorrer de sua
226 profissi- experiência profissional e
os profissionais de experiência profissional e desses,
onais de ausência de EPI, bem como
enfermagem. 24 (61,5 %) mantiveram contato
enfermagem. exposição a material
por via percutânea e 19 (79,2 %),
biológico.

397 | Página
envolveu sangue visível, sendo O estudo contribui para
agulha oca, 22 proporcionar uma
(91,6 %), o objeto causador mais abordagem acerca da
mencionado pelos profissionais problemática e da
que sofreram acidentes necessidade do
ocupacionais percutâneos. Quanto conhecimento a respeito da
ao uso de luvas epidemiologia dos acidentes
nos procedimentos envolvendo com material
paciente e resultante de acidentes, biológico, as circunstâncias
em 18 (75 %) das ocorrências, os em que
profissionais relataram o uso de ocorrem, a categoria
luvas profissional exposta e
e, em 6 (25 %) situações, não as os fatores determinantes
utilizavam. Os profissionais para subsidiar
envolvidos no estudo detêm implementação de
experiência na área, ou seja, estratégias preventivas
(54%), relataram trabalhar por um e adoção de políticas de
período de inferior a 5 (cinco) segurança e a criação de
anos. programas de capacitação.
Os
participantes
do estudo
foram
trabalhadores
de
enfermagem
Os riscos psicológicos ou
que
emocionais,
atuavam em 2
químicos, biológicos e
unidades, Apesar das questões
ergonômicos foram os mais
sendo pessoais envolvidas
percebidos. Em relação
enfermeiros na percepção dos riscos
às PP, os trabalhadores indicam
Conhecer a percepção de (as) e ocupacionais e na
que existe adesão, mas não
trabalhadores de técnicos (as) decisão de utilizar ou não os
integralmente, principalmente no
enfermagem de terapia de PP, as autoras
uso de EPIs.
intensiva sobre os riscos enfermagem. entendem que é possível
Fatores favoráveis: adesão das PP,
ocupacionais a estão Foram potencializar os
disponibilização de materiais de
E3 expostos e sobre a entrevistados fatores que favorecem a
proteção e a conscientização;
Precaução- Padrão, (PP) 12 adesão.
Fatores desfavoráveis: sentimento
e descrever os fatores trabalhadores As declarações
de autoconfiança, estrutura das
que interferem, ou não, de evidenciaram que o uso das
unidades
na adesão às PP enfermagem PP existe, principalmente no
e organização do trabalho,
recomendadas. das que se refere aos EPIs,
quantitativo de funcionários, carga
unidades de entretanto, ele não é
de trabalho, pressa, intercorrências
terapia realizado adequadamente
e tempo prolongado para
intensiva, por todos os trabalhadores.
diagnostico de
sendo 4
pacientes com doenças
enfermeiros e
infectocontagiosas.
8
técnicos de
enfermagem
com
idade entre 24
e 46
anos.

398 | Página
Os achados sinalizam,
Realizado em Foram analisadas 39 fichas de portanto, que há
um notificação de servidores que no necessidade de maior
hospital período de setembro a outubro se investimento na
universitário envolveram em acidentes nas capacitação dos
no município unidades de terapia intensiva. profissionais da
do Rio Foram registradas 39 (100 %) de instituição, para que se
de Janeiro, em acidentes identifique como as
Identificar a ocorrência de 2011. com material perfurocortante. Os informações estão sendo
acidente por material O estudo enfermeiros foram repassadas e sua eficácia. Se
E4 perfurocortante entre evidenciou aproximadamente a metade dos faz necessário elaboração de
trabalhadores de que, no profissionais de enfermagem mais um planejamento, voltado
enfermagem intensivistas. período de envolvidos em acidentes desta para as necessidades
2005 a 2010, natureza, sendo identificadas, com objetivo
ocorreram 39 19 (49 %), seguidos dos auxiliares de capacitar e,
acidentes dos de enfermagem com 11(28 %). A consequentemente,
quais 19 agulha foi o material mais minimizar a exposição e a
(49%), envolvido nos acidentes com 27 vulnerabilidade deles, aos
envolveram (69,2 %) dos acidentes com materiais
enfermeiros. registros. perfurocortantes envolvendo
sangue e fluidos corporais.
A adesão aos equipamentos
de proteção é determinada
tanto pelo contexto
vivenciado, no ambiente de
trabalho, como, também, por
valores e crenças
individuais, mas a decisão
sobre o uso dos
equipamentos de proteção é
Dos dados, emergiram duas
individual. A
O estudo foi categorias temáticas, segurança no
baixa adesão ao uso dos
realizado trabalho e relacionamento
Analisar as razões, EPIs e o seu manuseio
em um interpessoal.
atitudes e crenças dos incorreto são decorrentes de
hospital Identificaram-se várias barreiras
trabalhadores de fatores como desconforto,
universitário, que interferem nas questões de
E5 enfermagem, referentes incomodo,
com 15 segurança e proteção individual
à adesão aos descuido, esquecimento,
(quinze) como comunicação, sobrecarga do
equipamentos de falta de hábito, inadequação
profissionais trabalho, estrutura física,
proteção individual. dos equipamentos,
de acessibilidade aos equipamentos
quantidade insuficiente e a
enfermagem. de proteção e aspectos
descrença quanto ao seu uso.
organizacionais e gerenciais.
A padronização e a
socialização das
rotinas, quanto ao uso e
manuseio dos EPIs
são imprescindíveis para que
os profissionais tenham
subsídios necessários para
promover a segurança no
ambiente de trabalho.
Investigar as práticas dos O estudo
Os dados evidenciaram a baixa O estudo possibilitou
profissionais de contou com
adesão a vários itens do estabelecer o diagnóstico
enfermagem de terapia a participação
E6 procedimento padrão da AET por situacional sobre as práticas
intensiva quanto a de 25
sistema aberto pelos profissionais de enfermagem em relação à
aspiração endotraqueal profissionais
de enfermagem, AET na
(AET) por sistema de

399 | Página
aberto. enfermagem, expondo tanto pacientes quanto os instituição estudada,
sendo profissionais a riscos, sobretudo identificando
11 (44%) acidentes ocupacionais, aspectos falhos, bem como
trabalhavam hipoxemias, infecções e os que são
na UTI instabilidade corretamente realizados
(dois hemodinâmica, com implicações pelos profissionais. O estudo
enfermeiros, éticas e legais. demonstrou a
dois técnicos e Em relação ao uso de EPIs importância das
sete verificou-se alta adesão às luvas intervenções educativas
auxiliares de (92 %) e regular utilização de para melhorar o preparo dos
enfermagem) máscara e avental (72 % enfermeiros de UTI para a
e 14 e 60 %), embora sem adesão ao realização de procedimentos
(56%) na uso de óculos (0 %). de AET, independentemente
cardiológica do tempo de experiência em
(oito técnicos UTI ou qualificações.
de Foi implementado um ciclo
enfermagem e de atividades
seis educativas sobre prevenção
auxiliares de e controle de
enfermagem. pneumonia junto ao serviço
de educação permanente.

No E1 participaram da pesquisa 45 profis- pelas instituições de saúde voltados para a saú-


sionais de enfermagem, entre enfermeiros, téc- de do trabalhador, bem como incentivo ao uso
nicos e auxiliares de enfermagem. Foram inves- de EPIs e ações educativas, reduzindo prejuízos
tigadas as variáveis sociodemográficas e as re- para ambos.
lacionadas diretamente ao trabalho como região O E2 contou com uma população de 226
mais lesionada e fator desencadeante do aci- profissionais de saúde, entrevistados de um
dente. hospital de alta complexidade no interior do es-
Apesar da equipe de enfermagem ser a mais tado de SP, entre os meses de março a novem-
envolvida em acidentes, os autores destacam bro de 2015. O objetivo era identificar os fato-
sobre a importância de se estabelecer medidas res associados à exposição ocupacional com
preventivas, que devem ser estendidas a todos material biológico entre os profissionais de en-
os trabalhadores da área da saúde. A sensibili- fermagem. Os resultados demonstraram que a
zação desses profissionais sobre a consideração maioria dos acidentes ocorreram devido à gran-
de condutas e precauções padrão, ou de biosse- de exposição (17,3 %) com materiais poten-
gurança no trabalho, onde a adesão deve ser cialmente contaminados, sendo 61,5 % por via
avaliada constantemente, pode-se corroborar percutânea. Vários fatores como a faixa etária,
para que os acidentes sejam minimizados ou sexo e experiência profissional estiveram asso-
evitados (MENDONÇA et al., 2015). ciados aos acidentes (NEGRINHO et al., 2016).
Segundo Conzatti (2005), o trabalhador de Marziale et al. (2004), afirmam que os aci-
enfermagem, ao não reconhecer sua vulnerabi- dentes ocupacionais ocasionados por material
lidade frente aos riscos, predispõe-se à expo- perfurocortantes entre os trabalhadores de en-
sição de patógenos ou negligencia o uso correto fermagem, são frequentes devido ao número
de EPIs. A padronização de ações requer inves- elevado de manipulação com agulhas. O estudo
timento e planejamento estratégico, realizado apresenta como conclusão a importância do

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conhecimento a respeito da epidemiologia dos utilização dos EPIs não é utilizada adequada-
acidentes com material biológico, as circuns- mente por todos trabalhadores.
tâncias em que ocorrem, a categoria profissio- Para Garner (1996), a prática em enferma-
nal exposta e os fatores determinantes que são gem precisa continuar cada vez mais tendo
relevantes, pois podem subsidiar a implemen- como alvo um cuidar humanístico, porém nor-
tação de uma política de segurança e programas teado por normas, que visam a implementação
de capacitação. de medidas preventivas que protejam o profis-
Marziale et al. (2004), também reforçam sional.
que é necessário considerar que os trabalhado- A conclusão é que, apesar de existirem
res e as instituições de saúde necessitam voltar questões pessoais na percepção dos riscos ocu-
maior atenção ao problema, e adoção de medi- pacionais e na decisão de utilizar ou não as PP,
das preventivas para redução do número deste as autoras do estudo entendem que é possível
tipo de acidente. potencializar os fatores que favorecem a ade-
O E3 foi realizado com trabalhadores de en- são, como ações de educação em saúde, capaci-
fermagem que atuavam em duas unidades de tações e treinamentos precisam ser mantidas e
um hospital universitário do Sul do pais: uma realizadas frequentemente dentro das possibili-
Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e uma Uni- dades do serviço e o enfermeiro, como líder da
dade de Cardiologia Intensiva Adulta (UCI). equipe de enfermagem, é essencial na moti-
No período de realização do estudo, nas duas vação dos trabalhadores para que reflitam e uti-
unidades haviam um total de 62 trabalhadores, lizem as proteções necessárias.
38 compondo equipe de UTI e 24 na equipe de O E4 procurou identificar a ocorrência de
UCI. A população elegível para o estudo foi de acidente por material perfuro cortante entre tra-
38 trabalhadores. A coleta de dados ocorreu no balhadores de enfermagem intensivista. Reali-
período de julho a setembro de 2015 e envolveu zado em um hospital universitário, no municí-
a entrevista de 12 profissionais de enfermagem, pio do Rio de Janeiro, em 2011. Os resultados
sendo 4 enfermeiros e 8 técnicos de enferma- evidenciaram que, no período de 2005 a 2010,
gem. Os instrumentos utilizados foram formu- ocorreram 39 acidentes do trabalho, dos quais
lário de identificação e caracterização e roteiro 19 (49 %) envolveram enfermeiros e a agulha
de entrevista semiestruturada. O objetivo deste foi o material mais envolvido nos acidentes
estudo foi de conhecer a percepção dos traba- com 27 (69,2 %) dos registros. Os achados si-
lhadores de enfermagem de terapia intensiva nalizam a importância de os profissionais de en-
sobre os riscos a que estão expostos e sobre as fermagem seguirem as recomendações das pre-
Precauções-Padrão (PP) e descrever os fatores cauções universais no desempenho de suas
que interferem ou não na adesão às PP reco- funções, e a necessidade de maior investimento
mendadas (NAZARIO et al., 2016). em capacitação dos profissionais da instituição
Os riscos ergonômicos, psicológicos ou e elaboração de novo planejamento, voltado
emocionais, químicos e biológicos foram cita- para as 35 necessidades identificadas e conse-
dos como os mais presentes e percebidos no quentemente minimizar a exposição e vulnera-
ambiente de trabalho. Em relação às PP, as de- bilidade aos acidentes com materiais perfuro-
clarações evidenciaram que o uso existe, mas a cortantes envolvendo sangue e fluidos corpo-
rais (LAPA et al., 2012).

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Para Sarquis et al. (2002), os acidentes do O E6 objetivou investigar as práticas dos
trabalho com materiais perfurocortantes envol- profissionais de enfermagem de terapia inten-
vendo profissionais de enfermagem represen- siva quanto ao procedimento de aspiração en-
tam um grave problema, não somente pela fre- dotraqueal (AET). Trata-se de uma pesquisa
quência com que ocorrem, mas também pela desenvolvida em um hospital universitário de
grave repercussão na saúde desses trabalhado- Mato Grosso do Sul, através de 25 indivíduos,
res. com dados coletados de abril a setembro de
Marziale et al. (2004) afirmam que os aci- 2011, sendo todos trabalhadores de UTI.
dentes ocupacionais ocasionados por materiais Concluiu-se que os profissionais não reali-
perfurocortantes entre os trabalhadores de en- zam a AET de forma satisfatória, sendo neces-
fermagem, são frequentes devido elevado nú- sárias intervenções que promovam mudanças
mero de manipulação com agulha e que, tanto comportamentais por meio de educação conti-
trabalhadores como as instituições devem vol- nuada visando melhoria da qualidade da assis-
tar maior atenção para esse problema e direci- tência prestada. A AET é considerada um dos
onar medidas preventivas para a redução desses procedimentos que mais tem sido relacionado
eventos. com a incidência dos acidentes ocupacionais.
O E5 trata-se de um levantamento realizado Observou-se baixa adesão com higienização
com 15 profissionais, sendo 10 técnicos de en- das mãos e nenhuma adesão ao uso de óculos
fermagem e 5 enfermeiros de um hospital uni- (FROTA et al., 2014).
versitário da região centro-oeste do Brasil. A Vitória (2002), aponta que precauções são
coleta de dados ocorreu entre novembro e de- medidas profiláticas, que devem ser emprega-
zembro de 2008. O estudo conclui que apesar das por todos que lidam ou têm contato com pa-
de inúmeras barreiras referidas para a adesão cientes, independente do diagnóstico ou estado
aos equipamentos de proteção, os profissionais presumido de infecção e aplicam-se não só ao
reconhecem seus benefícios, mas têm a cons- sangue, mas também a todos fluidos corpóreos:
ciência de que seu uso não exclui o risco de ex- secreção, excreções, pele não intacta, mucosa,
posição e aquisição de patógenos veiculados contendo ou não sangue visível.
pelo sangue e pelo ar. Deve-se analisar todos Segundo o Ministério da Saúde, a face e as
fatores intrínsecos e extrínsecos e considerar o mucosas, tanto oculares quanto orais, são as
contexto de trabalho, bem como o resgate da mais atingidas nesse tipo de acidente e mostram
valorização profissional como forças positivas o grave comprometimento com a saúde do tra-
que contribuiriam para o aumento da perspec- balhador (BRASIL, 2006). Os acidentes de tra-
tiva de maior autoproteção (NEVES et al., balho não estão relacionados apenas com a
2011). inexperiência, mas sim com o desuso dos EPI’s
Segundo Paschoal et al. (2004), os danos por profissionais treinados e experientes, uma
causados à saúde dos trabalhadores represen- vez que as instituições hospitalares são regidas
tam custos econômicos decorrentes do abando- pela Portaria nº 485, que dispõe da Norma Re-
no e tratamento, bem como a diminuição do de- gulamentadora de número 32, que fomenta e
sempenho e produtividade, e destacam-se como aplica medidas educativas para garantir a segu-
condições emergentes com efeitos negativos rança do trabalhador (BRASIL, 2005).
para a instituição hospitalar.

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CONCLUSÃO função nesse processo de controle e redução de
acidentes ocupacionais. Os índices de acidentes
Esse estudo possibilitou através da revisão de trabalho no setor de terapia intensiva
integrativa da literatura, apontar alguns ele- deveriam subsidiar uma linha de tendência e
mentos que podem estar associados aos aciden- ações para reduzir minimamente os riscos,
tes de trabalho na UTI, dentre eles, os descum- tendo em vista os desdobramentos e impactos
primentos dos profissionais quanto as normas que um acidente de trabalho pode provocar a
básicas da biossegurança que está prevista na um profissional de enfermagem, como questões
NR 32/2005. Há, portanto, uma resistência mul- emocionais sem precedentes, afastamento desse
tifatorial e em larga escala na UTI quanto ao profissional da instituição, além de aumentar a
uso dos equipamentos de proteção individual. curva de absenteísmo e consequentemente pre-
Alguns aspectos importantes em relação juízo na assistência aos pacientes. Esses fatores
aos riscos a que estão expostos os trabalhadores devem ser considerados para a elaboração de
de enfermagem nas UTIs devem ser consi- um plano de ação em prevenção a acidentes de
derados. Uma análise institucional e ambiental cada instituição, para além do planejamento dos
considerando fatores intrínsecos e extrínsecos custos anuais.
que estão relacionados com o aumento dos aci- Contudo, qualquer medida que possa
dentes ocupacionais devem ser evidenciados proporcionar um ambiente de trabalho saudá-
como: a intensificação da vigilância e cumpri- vel e seguro, pode resultar numa resposta posi-
mento às normas de biossegurança, percepções, tiva tanto no aspecto físico, como mental. No
crenças, relações interpessoais, complexidade e ambiente de trabalho, no que concerne a segu-
intensidade da assistência e principalmente o rança do trabalhador acredita-se que ele deva
incentivo aos profissionais para participarem gozar de plena saúde para desempenhar bem as
das ações educativas e avaliações periódicas de suas atividades profissionais, dentre elas, a pre-
saúde. servação da vida.
Os profissionais da enfermagem, mesmo A adesão aos equipamentos de proteção
sabendo das consequências do alto risco ao pode ser determinada tanto pelo contexto vi-
optar em não utilizar ou utilizar de forma in- venciado no ambiente de trabalho, como tam-
correta o EPI, se expõem consideravelmente ao bém aspectos subjetivos individuais. Nesse as-
risco de acidentes de trabalho. No entendimento pecto, destacam-se como alguns fatores predi-
de alguns, a experiência é soberana e sobrepõe tores de acidentes de trabalho em profissionais
ao uso desses equipamentos. Os estudos apon- de enfermagem na UTI: baixa adesão ao uso
tam que mesmo os profissionais de enferma- EPIs e o seu manuseio incorreto, desconforto e
gem conhecendo sobre a problemática dos ris- incômodo em usá-los, esquecimento, falta de
cos, as circunstâncias e os fatores determinan- hábito, inadequação dos equipamentos e ainda
tes, muitas vezes, devido à sobrecarga e rotina descrença quanto ao seu uso.
estressante a que são submetidos, se expõem Dado o exposto, o autor desse estudo ex-
aos riscos por negligenciarem o uso adequado pressa sua conclusão centrada na importância
dos EPIs. No entanto, é relevante potencializar de implementação e aperfeiçoamento constante
os fatores que favoreçam a adesão de medidas e sistematizado de processos de educação con-
preventivas. tinuada e permanente, que envolva a padroniza-
As instituições de saúde detêm importante ção e a socialização de rotinas e procedimentos

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quanto ao uso e manuseio dos EPIs. Espera-se sobre as práticas e procedimentos de enferma-
ampliar a crítica nos profissionais que atuam gem pode potencializar ações educativas pe-
em UTI sobre o fato de que tais medidas se im- riódicas que envolvam todos os profissionais da
põem como imprescindíveis para se obter sub- UTI e que sejam diretrizes dentro de uma polí-
sídios necessários para promover segurança no tica de prevenção de acidentes ocupacionais nas
ambiente de trabalho e maior controle e pre- instituições de saúde.
venção de acidentes. O diagnóstico situacional

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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.

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ÍNDICE REMISSIVO
Abdome Agudo..................................................................................124 Inovações em Cirurgia..................................................................... 35
abordagem ao paciente politraumatizado ............................ 46 Intoxicação aguda ...........................................................................353
Acidente de transito .......................................................................385 Jornada de trabalho .......................................................................391
Acidentes de trânsito .....................................................................261 Laparotomia ......................................................................................360
Agregação plaquetária .................................................................139 lesão medular em crianças ............................................................ 46
Artrite infecciosa .............................................................................213 Lesões ..........................................................................................207, 292
Artrite piogênica..............................................................................213 Lesões faciais ....................................................................................... 54
Atendimento Hospitalar ................................................................. 15 Lesões por queimaduras infantis ..............................................251
atendimento inicia ..........................................................................353 Malignidade .......................................................................................222
Atendimento Pré-Hospitalar ........................................................ 1, 9 Manejo .............................................................................. 8, 9, 238, 359
Atendimento Pré-Hospitalar ........................................................ 15 Manejode crianças queimadas ..................................................251
Cegueira ..............................................................................................107 Mecanismo de hipersensibilidade tardia ...............................303
Cicatrização ............................................................................... 70, 292 Medicina de emergência ...............................................................190
Cirurgia................................................................................................207 Metabolismo ......................................................................................246
Cirurgia Geral ....................................................... 35, 129, 147, 176 Monoartrite aguda .........................................................................213
Cirurgia Plástica ........................................... 64, 87, 236, 237, 244 Necrólise epidérmica tóxica ........................................................276
Cocaína ................................................................................................360 Neoplasias malignas ......................................................................190
Complicações .....................................................................................176 Nutrição ...............................................................................................246
Concussão Encefálica.....................................................................261 Obstetrícia ..........................................................................................308
Convulsões Traumáticas ..............................................................348 Obstrução Intestinal .......................................................................124
Crianças ...............................................................................................246 Ortotanasia ........................................................................................370
Critérios de escolhas.......................................................................370 Ossos faciais ......................................................................................... 70
Cuidado Avançado de Apoio à Vida do Trauma ................... 26 Papelotes .............................................................................................360
Cuidados de alta complexidade .................................................391 Paratireoide .......................................................................................222
Cuidados de suporte avançado de vida no trauma ...........261 Patologia mucocutânea ................................................................303
Custo......................................................................................................335 Pediatria ..............................................................................................261
Desafios da enfermagem ..............................................................391 Plantas medicinais ..........................................................................292
Diagnóstico ................................................................................ 65, 154 Pneumotórax .....................................................................................115
Doença aneurismática ..................................................................176 Politrauma ................................................................................ 1, 15, 26
Dor torácica .......................................................................................163 Pré-eclâmpsia grave.......................................................................319
Dor Torácica Pleurítica ................................................................169 Pré-hospitalar ...................................................................................385
Eclâmpsia............................................................................................319 Pré-Natal .............................................................................................313
Efetividade..........................................................................................335 Prevenção............................................................................................154
Emergência ........................................ 79, 176, 213, 276, 308, 313 Prevenção de crianças ...................................................................251
Emergências Cardiológicas .........................................................169 Procedimentos Cirúrgicos Reconstrutivos .............................. 87
Envelhecimento ................................................................................292 Profilaxia Anticonvulsivante ......................................................348
Epidemiologia .......................................................... 65, 69, 244, 340 Prospecção de conflitos .................................................................391
Epilepsias ............................................................................................348 Protocolo .............................................................................................326
Eritrodermia......................................................................................276 Psoríase eritrodérmica..................................................................276
Escroto .................................................................................................201 Queimadura em crianças .............................................................251
Ética Médica ......................................................................................370 Queimadura na infância ...............................................................251
Eventos embólicos ...........................................................................139 Queimaduras ...........................................................................236, 246
Fatores de Risco ...............................................................................154 Reações a medicações ....................................................................303
Ferimentos e Lesões........................................................................236 Sangramento .....................................................................................335
Fitoterapia..........................................................................................292 Simulação ...........................................................................................385
Fratura de fêmur .............................................................................340 Síndrome de Stevens-Johnson.....................................................276
Fraturas Maxilomandibulares ..................................................... 54 Síndrome DRESS ..............................................................................276
Gestação ..............................................................................................326 Sintomas ............................................................................ 65, 142, 231
Gestação de alto risco ....................................................................308 Sofrimento fetal agudo .................................................................319
Ginecologia e Obstetrícia .............................................................313 Suporte Básico de Vida no Trauma .............................................. 9
Golden Hour............................................................................................ 1 Supraelevação de segmento ST .................................................169
Hematemese ......................................................................................184 Tamponamento Cardíaco ............................................................169
Hemorragia gastrointestinal .....................................................184 Torção do CordãoEspermático ..................................................201
Hemotórax ..........................................................................................115 Toxíndrome ........................................................................................360
Hérnia diafragmática ....................................................................130 Tratamento ........................................................................................154
Hérnia Diafragmática ...................................................................124 Tratamento cirúrgico ....................................................................130
Hipercalcemia ...................................................................................222 Tratamento imediato ....................................................................190
idosos ....................................................................................................340 Trauma ........................................................................... 130, 147, 163
Indicação cirúrgica.........................................................................360 Trauma cardíaco penetrante .....................................................147
Infarto Agudo do Miocárdio .............................................154, 326 Trauma múltiplo................................................................................ 26
Infarto do Miocárdio ......................................................................163 Trauma Psicológico .......................................................................... 54
Infecção................................................................................................107 Trauma raquimedular .................................................................... 46
Infecção osteoarticular .................................................................213 Trauma torácico ..............................................................................147

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Traumatismo Cranioencefálico .................................................348 Urgência ...................................................................8, 14, 35, 79, 339
Traumatismo de face ....................................................................... 70 Urgência e Emergência ................................................................... 35
Traumatismo Facial ......................................................................... 65 Urologia ...............................................................................................201
Traumatismo Múltiplo ..................................................................261 uso abusivo de substância............................................................353
Traumatismo torácico ..................................................................115 UTI..........................................................................................................370
Traumatismos faciais ...................................................................... 54 Varizes esofágicas ...........................................................................184
Traumatismos Maxilofaciais ........................................................ 87 Vascular ...............................................................................................139
Traumatologia......................................................................69, 70, 79 Visão ......................................................................................................107
Troponina ...........................................................................................169 Zona de Ziedler .................................................................................147
Ureter....................................................................................................207

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