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BLAZBLUE

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- CONTOS -
BLAZBLUE
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- CONTOS -
Texto: Takeshi Yamanaka
Ilustrações: Yuuki Katou

História Original:
Toshimichi Mori

Tradução: Mangekyou54

www.nerduai.blogspot.com.br
Índice

Memória do Azul [RAGNA THE BLOODEDGE] 01


Inferno Purgatório [JIN KISARAGI] 06
O Azul [NOEL VERMILLION] 11
Confio em Você [IRON TAGER] 16
Caprichosos Nós [TAOKAKA] 21
Valsa Eterna [RACHEL ALUCARD] 26
O Diário [ARAKUNE] 31
No Limite [LITCHI FAYE LING] 36
Titereiros [CARL CLOVER] 41
A Fortuna Favorece os Corajosos [BANG SHISHIGAMI] 46
Escuridão Inocente [HAKUMEN] 51
Mau Sinal [NU-13] 55
Memória do Azul
[RAGNA THE BLOODEDGE]

A 9ª Cidade Hierárquica, “Akitsu”, era extremamente mundana, sem


nenhuma característica especialmente digna de nota. Alguns dias atrás, Ragna
the Bloodedge apareceu na cidade. E, nesse dia, ele esperou até a meia-noite,
quando todos estariam dormindo tranquilamente, para agir. O objetivo de
Ragna era a maior construção da cidade – a sede do NOL. A pé e livre dos olhos
de curiosos, ele cruzou a Rua Principal mal iluminada e logo vislumbrou uma
edificação gigantesca que dominou o seu campo de visão. Decorada com
muitos ornamentos, ela era muito mais impressionante que os outros
departamentos públicos. Ele parou brevemente diante das pretensas
“dignidade e perfeição personificadas” da Biblioteca. Ao ver o prédio, Ragna
mordeu a língua com indignação.
- Esta área é restrita. Dê meia-volta imediatamente.
A voz masculina ecoou através de um alto-falante instalado num poste.
O portão de entrada ainda estava a cerca de cem metros de distância. Quando
um homem carregando uma arma enorme apareceu no meio da noite e
começou a se aproximar, não havia como considerar isso menos que um mau
sinal. Ragna ignorou o aviso e, sem mover uma sobrancelha, continuou seu
trajeto.
- Pare! Mais um passo e será considerado um invasor, sujeito a ser
removido à força!
Adotando um tom mais forte, a voz ecoou mais uma vez do alto-falante.
Apesar disso, o ritmo de Ragna permaneceu o mesmo.
- Você aí, senhor! Pode me ouvir?! Eu mandei parar!
A voz masculina se tornou um rugido enfurecido. Um instante depois,
uma armadilha foi ativada, emitindo um ruído estridente pela redondeza.
Essa armadilha, criada para proteção contra bestas selvagens, podia
vaporizar instantaneamente um homem comum. Contra Ragna, porém, a
medida de segurança não surtiu efeito. Com um movimento casual da sua mão
direita, a armadilha foi dispersada como bolhas de sabão. As vozes de guardas
confusos dançaram ao redor dele, seguidas pelo barulho penetrante de um
alarme.
O portão principal estava bem na frente dele. Mas lá, Ragna de repente
parou. A Guarda Pretoriana ouviu a comoção e os alarmes e, em menos de um
minuto, dezenas de soldados armados apareceram. Uniformes azuis idênticos
alinhados em fila. Num instante, a boca de Ragna formou um sorriso
destemido.
- Então é assim que vocês preferem... Cachorrinhos da Biblioteca!
Ele agarrou a grande espada pendurada atrás da cintura e a empunhou
numa posição de batalha. Era uma posição que o deixava com a aparência de

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um pistoleiro. Os soldados responderam na mesma moeda, sacando suas
armas e apontando para Ragna.
De repente, um relâmpago aterrorizante e um rugido retumbante
atingiram o lugar, explodindo o portão e levando os soldados consigo. Com
um olhar de ligeira surpresa, Ragna subiu nos destroços do portão principal,
avançando saltitante para o interior do NOL. Avançando direto e subindo uma
rampa, ele chegou à escadaria conectada ao saguão principal. Lá, mais de cem
soldados totalmente preparados e equipados já o esperavam.
Ragna examinou lentamente os rostos dos soldados. Respirando fundo,
começou a cortar a multidão de inimigos sem hesitar.
Foi como pintar uma paisagem do inferno. Com olhos ardentes, Ragna
brandiu sua colossal espada. Um armagus explodiu da estrutura em todas as
direções. Espadas colidiram. Gritos desesperados, confusão e a agonia da
morte. Sem fazer distinção entre homens, mulheres ou aqueles que tentavam
escapar, ele cortou cada um. Não haveria piedade em Ragna. Ele não
reconhecia mais seus oponentes como “humanos”. Vestidos com aqueles
insuportáveis uniformes azuis, eles eram o “Azure” que ele odiava.
A batalha aos poucos tomou o aspecto de um massacre.
Vários minutos depois do furioso conflito – ou melhor, do massacre –,
Ragna estava na parte mais profunda do edifício do NOL.
Toda sede do NOL esconde uma inimaginável sala em forma de
caldeirão no subsolo. Luzes azuis e douradas traçam padrões geométricos
misteriosos, gerando uma beleza majestosa. Ele saltou para as profundezas,
descendo em direção ao “Portão”.
- Ótimo, a sequência ainda não foi concluída.
Dando as costas ao Portão, ele investigou o interior da sala e facilmente
pulou de volta na plataforma. Olhou então para o fundo de novo. Ragna ergueu
a mão direita como antes e ela foi envolvida numa luz azul escuro, que aos
poucos aumentou de tamanho. Com um movimento abrupto e violento, Ragna
lançou a luz para frente. No instante seguinte, o Portão foi feito em pedaços
numa ruidosa explosão. O impacto gerou uma série de ondas de choque; com
os pedaços caindo um de cada vez, o jardim miniatura desmoronou.
A sede do NOL, que dizem ter poder militar equivalente ao de um país
inteiro, foi destruída pelas mãos de uma única pessoa naquela noite.

Ragna caminhava por um beco estreito e escuro. Ele estava se dirigindo


ao quinto dos cinco portões existentes na 9ª Cidade Hierárquica. Dos cinco
portões, esse era o menor, e também era o mais distante da área central da
cidade. Era conhecido popularmente como “porta dos fundos” e era muito
usado por viajantes exatamente por esse motivo. Ele já tinha terminado ali.

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Tendo alcançado seu objetivo, Ragna só queria sair da cidade o mais depressa
possível.
Ao se aproximar do portão, ele saiu do beco e entrou em outra
passagem longa e estreita. As ruas labirínticas pareciam se repetir
infinitamente, um resultado do crescimento não planejado da região. Devia
ser um nível muito mais baixo, e a escassez de postes o tornava ainda mais
escuro. Os níveis de seithr também estavam desequilibrados, e parecia haver
algum problema com o sistema de ar condicionado. O ar umedecido se
agarrava ao corpo de Ragna. Ele rangeu os dentes ao pensar na distância entre
esse e o distrito superior onde se localizava a sede do NOL.
Naquele momento, Ragna de repente sentiu um olhar o observando e
parou de andar. Olhou ao redor, procurando algo na escuridão.
Lá, no teto de um prédio, estava uma donzela de preto. Ela parecia um
coelho negro segurando uma sombrinha no vazio da noite. A coelha estava
sentada em algo que parecia uma grande bola flácida e observava Ragna. Sua
expressão naquela escuridão era incerta – a única coisa certa nela eram os
dois olhos frios e rubros flutuando no vazio. Ragna devolveu o olhar da garota
com desdém, seus próprios olhos tingidos de um tom de sede de sangue. Com
o olhar ainda fixado em Ragna, a garota levantou uma sobrancelha. Ela
continuou a observá-lo através daqueles olhos vermelhos, como um par de
contas de vidro, sem piscar.
Irritante. Negro e irritante. Ragna finalmente desviou os olhos dela e
começou a andar de novo, ignorando-a completamente. A jovem moça, que
sem dúvida estava no teto do prédio momentos antes, apareceu bem diante
dos olhos dele. Ragna não se surpreendeu, e passou direto por ela.
Quando ele passou, os lábios de porcelana da garota se mexeram.
- Nossa... Que grosseiro.
Os passos de Ragna pararam. Seu rosto estava cheio de raiva. A garota
observou Ragna pacientemente, encarando-o sem medo. A tensão entre os
dois poderia ser cortada com uma faca. Foi como se o momento tivesse se
esticado por um tempo absurdamente longo, que então acabou com um gesto
gracioso da jovem.
Sem prévio aviso, ela levantou a mão direita e fez um movimento
horizontal. Apontando para o noroeste, a coelha negra, com um tom firme,
murmurou: “Kagutsuchi”. Ragna não conseguiu decifrar o significado por trás
da palavra da moça e continuou olhando para ela, com um rosto de dúvida. No
instante seguinte, a garota estava flutuando, bailando no céu. Pouco antes de
a silhueta da coelha desaparecer contra a lua como neblina, ela olhou para
Ragna e murmurou algo.
- Hm... Aguardarei ansiosamente.
Ele mordeu a língua de leve. A voz da garota continuou a ecoar na sua
mente por um longo tempo. O braço direito de Ragna tinha ficado quente... O

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ar, pesado com a umidade, penetrou nos seus pulmões quando suas costas
deram adeus aos portões da cidade.
Pouco tempo depois, ele ficou conhecido como “Deus da Morte”.

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Inferno Purgatório
[JIN KISARAGI]

Folheando as páginas, Jin deixou escapar um suspiro. Os oficiais de


campo e de alto escalão tinham um escritório particular na sede principal do
Librarium. Em breve, a organização publicaria um novo livro intitulado
“Biografia dos Heróis”. Abrangeria os heróis passados e atuais do Librarium,
compilando os seus feitos em formato cronológico e escritos num estilo
autobiográfico. Como Jin era um dos maiores heróis vivos atualmente, não
apenas o seu rosto adornava a capa, mas uma boa parte do livro era dedicada
a falar dele e de suas façanhas.
O que estava em suas mãos ainda era um esboço. “O próprio indivíduo
deve confirmar todos os fatos”. Essa foi a tarefa da qual Jin foi incumbido, e é
por isso que ele sequer se dera ao trabalho de folhear o livro.
- Ridículo...
Não havia nada para confirmar. A introdução resumia a sua vida desde
o dia em que fora adotado pela família Kisaragi, e o clímax relatava as suas
atividades durante a Guerra Civil de Ikaruga. Todavia, muitas partes diferiam
da realidade, e vários momentos foram altamente dramatizados. Se tudo fosse
escrito do jeito que realmente aconteceu, então boa parte do livro teria de ser
cortada.
Quando ele estava prestes a escrever “sem problemas” na primeira
página do manuscrito, houve uma batida à porta do escritório.
- Entre.
A ordem foi emitida sem que ele sequer tirasse os olhos do papel. Com
um “com licença”, a porta se abriu. Uma jovem oficial fez uma reverência
respeitosa e entrou. A postura de Jin continuou a mesma, sua visão ainda
focada no livro em cima da mesa. Com esse tom de desinteresse, ele falou:
- O que foi?
- 2ª Tenente Noel Vermillion se apresentando. Há quanto tempo, Major.
- Noel... Vermillion...?
Era um nome que ele conhecia. Jin conhecia essa garota. Não era a
primeira vez que eles se viam. Enquanto ainda estavam na Academia Militar,
eles se viram muitas vezes.
Por que essa garota de repente apareceu na minha frente de novo? Ela
me irrita...!!
Jin odiava o rosto dessa garota. A ponto de o simples fato de imaginá-lo
o encher de desgosto. Noel deu um passo à frente e estendeu algo para Jin. Ele
apenas moveu a mão para pegar o objeto – parecia ser uma carta. Deu uma
olhada e a abriu.

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Ele ficou tonto. Pelo conteúdo, pensou que talvez os seus superiores
estivessem tentando prejudicá-lo com algum tipo de plano. A carta dizia que
Noel Vermillion fora “indicada como soldada especial encarregada
principalmente de tarefas de inteligência e extermínio, a ser colocada sob
supervisão direta de um comandante de esquadrão”.
Por quê?
Ela não vinha de uma família de prestígio. Suas notas não eram nada de
mais. A única coisa que poderia ser considerada de especial menção eram
suas taxas de aptidão com armagus, excepcionalmente elevadas. Ela tinha
pouca experiência e conhecimento insuficiente. Jin percorreu as várias
informações e detalhes na sua cabeça, tentando sintetizar suas especulações
numa ideia coerente. Mas, não importava o quanto pensasse, ele não
conseguia identificar nenhum motivo lógico para essa garota ser indicada
como sua subordinada direta.
Mais uma vez ele ficou tonto. Mas que tipo de tortura era aquela...? Ele
rangeu os dentes posteriores.
Essa mulher é igual.
Naquele momento, Jin levantou a cabeça pela primeira vez. Um pouco
vermelha, Noel continuava de pé na frente dele com um olhar nervoso. As
ordens do Librarium eram absolutas. Nem mesmo um herói como Jin poderia
contestá-las sem sofrer severas consequências. Esse momento era mais um
exemplo da sua incapacidade de ir contra as leis implícitas do Librarium, e
isso o irritava imensamente.
- Parabéns pela sua indicação, Noel Vermillion. Você receberá maiores
instruções na sala adjacente. Procure a pessoa responsável. Isso é tudo. Está
dispensada.
Assustando a garota ao dar todas as orientações de uma vez só, Jin
rapidamente despachou a oficial recém-indicada do seu escritório.
Droga...
Quando confirmou que a garota tinha saído da sala, Jin deixou escapar
um suspiro de irritação e bateu com os punhos na mesa.
- Por quê? Por que justo aquela garota?!
A irritação cresceu. Enquanto respirava fundo para se acalmar, Jin
percebeu uma sensação peculiar e olhou para trás. Pendurada na parede
estava a espada de gelo, Yukianesa, e uma espécie de ar estranho parecia fluir
dela.
- Desgraçada. O que quer dizer?
A indagação fora dirigida à espada de gelo. Mas não houve resposta.

No dia seguinte, o QG do Librarium estava uma confusão. Ultimamente


um certo indivíduo vinha invadindo, destruindo e matando os oficiais de

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várias sedes do Librarium nas Cidades Hierárquicas. Chegaram relatos de que
uma pessoa, que se pensava ser o mesmo criminoso, destruiu completamente
a sede da 9ª Cidade Hierárquica.
Por causa desse incidente, naquele dia Jin ficou cheio de burocracias
para resolver e, quando conseguiu terminar todos os documentos, já tinha
escurecido lá fora. Quando assinou o último papel e ia guardar a caneta, houve
uma batida à porta e ao mesmo tempo a voz de uma garota foi ouvida.
- Com licença, Major. 2ª Tenente Noel Vermillion reportando.
Não era possível ignorá-la, então, sem alternativa, Jin respondeu.
- Entre.
As enormes portas se abriram lentamente. Jin continuou focando a
visão na superfície da mesa. Ele não prestou atenção em Noel e continuou seu
trabalho, até que ela lhe entregou uma carta.
- O que é?
Com um olhar de suspeita, Jin pegou a correspondência. A expressão
séria de Noel continuou a mesma. A carta havia sido lacrada com um armagus
de nível alto. Um código classe S, o que significava que era um documento
altamente confidencial. Só comandantes de esquadrão e oficiais de alto
escalão tinham o nível e a aptidão necessários para usar um armagus de nível
tão elevado. Sem ambos, a carta não poderia ser aberta.
Noel deu um passo para trás e permaneceu rígida. Embora ele quisesse
mandá-la sair se já tivesse terminado, era provável que o QG tivesse emitido
ordens para ela. Além do mais, o fato de a mandarem entregar essa carta em
mãos para ele provavelmente significava que havia alguma orientação que a
envolvia. Jin observou a carta irritado por algum tempo, às vezes olhando para
Yukianesa, pendurada na parede. Como antes, ela emitia algum tipo de reação.
Pouco a pouco, parecia que Yukianesa estava transmitindo algum tipo de
pulsação.
É essa garota?
Ele olhou para Noel por um instante, mas parecia que ela não estava
prestando nenhuma atenção, com um olhar distante. Jin começou a recitar o
código de armagus para decifrar a carta. As letras invisíveis apareceram
rapidamente. Ele correu os olhos pelo texto.
- O Deus da Morte de novo?
O conteúdo da carta era basicamente sobre o “Deus da Morte” de quem
todos falavam. Jin já tinha ouvido falar de pessoas que se tornavam rebeldes
e desafiavam o Librarium, mas pensar que um indivíduo sozinho podia
destruir várias das suas sedes...
- “Por essa razão, a 2ª Tenente Noel Vermillion será despachada para a
13ª Cidade Hierárquica, ‘Kagutsuchi’, para investigar a questão do ‘Deus da
Morte’. Além disso, informações detalhadas sobre ele serão anunciadas ao
público, e os vigilantes serão devidamente informados. Também foi

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confirmado que o ‘Deus da Morte’ atende pelo nome de ‘Ragna the
Bloodedge’.”
- Ragna...
A palavra escorreu naturalmente da boca de Jin. Naquele instante,
numa explosão barulhenta e reluzente, o mundo que Jin via de repente se
distorceu e se transformou. Quando as peças espalhadas finalmente se
reuniram, o mundo era de uma cor totalmente diferente. Algo dentro dele
começou a coçar, como se ansiasse para sair.
- Ragna...
Mais uma vez ele pronunciou o nome. Ele não conseguia parar. Repetiu
outra e outra vez. Como se uma prisão fosse quebrada, sangue correu pelo seu
corpo pela primeira vez em muito tempo, e era uma sensação maravilhosa.
- Como eu pude esquecer disso até agora? Essa sensação, essa emoção!

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O Azul
[NOEL VERMILLION]

Noel Vermillion. Esse se tornou o novo nome da garota.


A garota que era uma órfã da guerra foi adotada por Edgar Vermillion
e sua esposa Clair, que ao mesmo tempo lhe deram esse nome.
A família Vermillion tinha certo renome na nobreza, já que por muitas
gerações produziu muitos cavaleiros de valor que serviram ao Librarium.
Porém, devido à saúde frágil, o atual chefe da família, Edgar, não foi capaz de
adentrar as fileiras militares. Além disso, eles não tinham nenhum filho para
suceder a linhagem da família. Também, como não tinha medo de criticar e
protestar abertamente contra o Librarium (apesar de ser da nobreza), a
família Vermillion foi deixada de lado, teve os privilégios aristocráticos
reduzidos e foi efetivamente lançada ao ostracismo.
Sobrevivendo da fortuna decadente que seus ancestrais acumularam, a
família arruinada mantinha uma vida modesta e adotou Noel. Num pequeno
chalé próximo a um rio, numa área onde o nível de seithr era baixo, Noel
cresceu cercada de amor com seus pais adotivos. Eles eram moderadamente
felizes, e assim os dias passaram.

Alguns anos após sua adoção, Noel soube do extermínio iminente dos
privilégios aristocráticos da família Vermillion.
A família banida do Librarium e a remoção dos seus privilégios
aristocráticos. Se isso acontecesse, até o cotidiano da vida deles se tornaria
difícil. Preocupada com o futuro, Noel decidiu se tornar uma soldada do
Librarium e partiu para fazer os exames de admissão da Academia Militar.
- Papai, mamãe. Eu... Eu quero ser uma soldada do Librarium.
Noel jogou a bomba de repente, sem tirar os olhos dos rostos surpresos
dos seus pais.
- Noel...
Os soldados do Librarium dedicavam a vida inteira à servidão. Se Noel
se tornasse um, então os privilégios da sua família seriam restaurados, e eles
mais uma vez desfrutariam dos bons olhos do Librarium. Noel sabia de tudo
isso. Embora seus pais tenham protestado contra a decisão, a resolução de
Noel continuou firme.
O resultado da discussão foi que Noel não se alistaria como combatente,
mas para fazer trabalho de escritório.
Assim, Noel prestou o exame de admissão da Academia Militar. Mas,
como o ano letivo já havia começado, ela teria de fazer outro teste. Um teste
que priorizava a aptidão com ars magus a conhecimento. Pode-se dizer que

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era a verdadeira barreira dentro da barreira que se interpunha no caminho
do seu alistamento.
Mas, não apenas os níveis de aptidão de Noel excederam em muito os
padrões exigidos, como também foram os mais altos já registrados na
História. Pela segunda vez em anos recentes, o recorde anterior foi quebrado.
Noel passou facilmente nos exames. Além disso, foi convidada pessoalmente
para a Academia Militar.

Seis meses antes de Noel se formar na Academia, aconteceu um


incidente. A escola estava em polvorosa com um certo assunto.
- Você ouviu? Você ouviu!? O Kisaragi-senpai fez uma coisa incrível!
A pessoa que entrou correndo na sala de aula não era ninguém menos
que a colega de quarto de Noel, a menina-fera meio-esquilo Makoto.
- Calma, Makoto. O que aconteceu com o Kisaragi-senpai?
A outra colega de quarto de Noel, membro de uma das doze famílias
Duodecim, Tsubaki Yayoi, respondeu à pergunta com calma:
- Após avaliarem seus feitos na Guerra Civil de Ikaruga, ele recebeu uma
promoção dupla.
Enquanto balançava um jornal com a palavra “Extra!” impressa em
fontes garrafais, Makoto continuava a falar com empolgação. A manchete do
jornal dizia: “O 1º Tenente Jin Kisaragi foi promovido e se tornou o mais jovem
Major na História. Ele também foi indicado como comandante do 4º
Esquadrão de Taumaturgia.”
- Uma promoção dupla... Tirando pessoas que morreram no
cumprimento do dever, isso já aconteceu antes?
- Por mais que ele tenha sido incrível, como só esteve lá por dois dias,
eu acho que uma promoção única seria mais correto...
Assim que se lembrou daquele nome que já estava se esvaindo da sua
mente, Noel reviveu sentimentos profundamente emotivos.
1º Tenente Jin Kisaragi... Não, Major. Um graduado da Academia,
veterano de Noel e suas amigas. Membro do Conselho Estudantil, ela o via com
frequência, e conversavam em algumas ocasiões. Ele era quieto e perfeito em
todos os sentidos... Não, isso não era verdade. Sua imagem gélida o tornava
um veterano difícil de lidar. Noel olhava distraidamente para a grande foto de
Jin publicada no jornal que estava em cima da mesa.
- Jin Kisaragi...
Enquanto dizia o nome, Noel se lembrou da imagem que só viu uma vez
durante todo o seu período na escola. A imagem de Jin com uma expressão
lunática no rosto invadiu seus pensamentos, e Noel engasgou.
- O que foi? Você está ofegante... Está tão feliz assim pela promoção do
Jin-niisama?

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- N- Não, não é isso...
- Tem certeza de que está se sentindo bem? Não devemos nos descuidar
da saúde...
Com um rosto de preocupação, Tsubaki olhava para Noel, que negou
não estar se sentindo bem com uma voz fraca.
- Ah, sim. Estou bem.
Noel fez o melhor que pôde para sorrir enquanto falava.

A pessoa chegou na hora exata. Um homem de constituição forte


trajando um uniforme azul.
- Srta. Noel Vermillion?
- Sim.
O nervosismo dela aumentou.
- Sou do Departamento de Pessoal do QG. Estou aqui para informá-la
sobre as ordens relacionadas à sua transferência. Entendido?
- Sim...
- Muito bem. As ordens do Librarium são as seguintes: “Cadete Noel
Vermillion, nós, do Novus Orbis Librarium, temos elevadíssima estima pelo
seu alto potencial. Contemplamos indicá-la a um posto oficial. Em troca, a
família Vermillion terá seus direitos restaurados e seu cargo terá garantia
vitalícia.”
Noel arregalou os olhos. Resistindo à ânsia de pedir para que ele
repetisse, controlou sua expressão.
O rosto dele continuava estático. Nunca se ouvira falar de o Librarium
se interessar tanto assim por uma cadete de nível baixo.
- Ahn... É que... O que eu vou ter que fazer... Se aceitar?
- Antes de mais nada, terá de prestar um exame. Sendo aprovada,
ingressará no 4º Esquadrão de Taumaturgia. Em seguida, será designada
como soldada especial solo do Major Jin Kisaragi, sob sua supervisão direta, e
será o nosso “elo” com ele.
- Por que eu?
Grosso modo, um “soldado especial solo” era um espião e assassino.
Oficialmente, porém, ela estaria com o Major Kisaragi para executar seus
deveres burocráticos. Em outras palavras, seria sua secretária ministerial.
Noel mordeu os lábios. A imagem de Jin mais uma vez invadiu seus
pensamentos.
Subordinada direta do Kisaragi-senpai...
Um suor frio escorreu pela sua bochecha. Era verdade que suas taxas
de aptidão com armagus eram as maiores já registradas na História. Mas, ao
mesmo tempo, ela sabia que isso não podia ser tudo. Se a questão eram
resultados, então Tsubaki estava anos-luz à frente dela, e, em termos de

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habilidade em batalha, havia muitas pessoas que se destacavam mais. Noel
pensou em tudo isso por um longo tempo.
Em meio à indecisão, ela finalmente chegou a uma conclusão aceitável.
Pura e simplesmente, muito embora seu “nível de potencial” e seu “nível de
resultados” não fossem exatamente os melhores, para o Librarium ela podia
ser usada de alguma maneira, e simplesmente “removida quando
necessário”...
Além do mais, o Librarium já tinha percebido que o ponto fraco de Noel
era a sua família e estava fazendo bom uso desse fato.
Entretanto, mesmo nessas condições, se ela aceitasse...
Com uma tosse de fragilidade, seu pai discutia a perda dos direitos e
sua mãe o consolava. Noel só os observava escondida, sem poder fazer nada.
Essa cena veio imediatamente à sua mente.
- Eu humildemente aceito a indicação.
Dei a resposta com todo o respeito que consegui reunir. Sim, meu “eu”
atual deve ser capaz de aguentar. Eu tenho que matar o meu coração. Foi isso
que aprendi que significa ser um soldado do Librarium.

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Confio em Você
[IRON TAGER]

- Que lugar é este...?


O homem recobrou a consciência. Sua visão estava embaçada. Piscou
várias vezes até conseguir foco, e uma mulher de jaleco branco apareceu
diante dos seus olhos.
- Até que enfim abriu os olhos. Como se sente?
O homem não respondeu. Não, ele não podia responder. Era como se
sua cabeça estivesse cheia de chumbo, seus sentidos ainda lentos e pesados.
Sua consciência estava borrada, e uma sensação fazia parecer que seu corpo
inteiro estava preso ao chão por algum tipo de força magnética. Só seus olhos
se moviam levemente enquanto ele tentava reconhecer o que estava ao seu
lado. Havia vários aparelhos e líquidos cujo uso ele desconhecia, pedaços de
criaturas, bem como livros e folhas de papel empilhados num canto. Ao que
tudo indicava, ele devia estar num laboratório.
- Eu sou Kokonoe. Uma cientista do Setor Sete.
Bem assim, a mulher chamada Kokonoe se apresentou brevemente.
Podendo mexer apenas os olhos, o homem observou Kokonoe.
É um rosto de descontento e mau humor no qual a insônia do mundo
inteiro parece ter sido cravada, pensou o homem. Um jaleco desbotado vestido
casualmente, pequenos óculos posicionados com cuidado na ponta do
pequeno nariz. Entendo, sua aparência torna difícil discordar da afirmação de
que é uma cientista. Havia algo na boca dela. Ele pensou que fosse um palito
ou um cigarro, mas na verdade era um pirulito.
- Tager.
- O quê?
- É o seu nome.
- Meu... Nome...?
O homem murmurou enquanto olhava para a luz fria e robótica que
iluminava a sala. Tager... Isso era mesmo um nome? Ele tentou se lembrar do
próprio nome, mas desistiu depois de um tempo. Sua memória ainda estava
turva, e ele não conseguia organizar os pensamentos direito.
- Então o meu nome é Tager?
- É. Acabei de decidir.
O homem chamado Tager ficou sem palavras com o comentário casual
de Kokonoe. Esperou pelas próximas palavras dela. Todavia, não parecia que
Kokonoe ia falar mais. Vez ou outra ela mexia o pirulito na boca.
Algum tempo se passou em silêncio mútuo, e nesse período a mente
dele foi se ajustando.

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- Me desculpe, mas eu não compreendo o que está havendo. Você
poderia me explicar?
- Vejamos... Bem, originalmente parece que você era o capitão de
alguma unidade investigativa. Aí você acabou se envolvendo em uma batalha
qualquer e morreu.
Como que para decretar que a explicação tinha terminado, ela mexeu o
pirulito de novo.
Unidade investigativa... Capitão... Batalha... As imagens manchadas da
cabeça dele ficaram um pouco mais nítidas, e ele sentiu que entendia a
situação um pouco melhor.
- Que sensação é esta...?
- É melhor não tentar lembrar muito. Senão seu motor pode dar um
defeito.
- Você disse... Motor...?
Naquele momento, ele vivenciou uma dor forte, como se algo estivesse
pressionando sua cabeça. Por um instante, sua visão foi tomada pelo que ele
achou que pareciam luzes giratórias.
- Eu estou... Morto...?
- O que você acha? Não está se sentindo maravilhosamente vivo?
Enquanto dizia isso, Kokonoe enrolava um dos seus longos fios de
cabelo num dedo.
- Você... Me ajudou?
- Meu nome é Kokonoe.
- Kokonoe... Você disse que era cientista...
Ela parecia mais uma médica. Muito embora, ainda que fosse cientista
ou médica, ele achava que ela parecia mais uma adolescente.
Kokonoe se levantou. Com as mãos nos bolsos, caminhou rapidamente
para perto de Tager.
- Se eu te deixasse lá, você provavelmente morreria. Achei que seria um
desperdício, então...
Naquele momento, Tager percebeu pela primeira vez. Atrás da garota,
um rabo de duas pontas balançava. Embora a maior parte dos pelos ficasse
escondida pelos cabelos, no meio deles ele viu um par de pequenas orelhas
peludas, semelhantes às de um gato.
- Uma meio-fera...?
Como se dissesse “só agora percebeu?”, Kokonoe o ignorou e começou
a extrair casualmente os códigos instalados no corpo de Tager.
- Como está? Consegue se mexer?
Tager moveu o corpo modificado. Seu corpo, sobre o qual até agora ele
não tivera nenhum controle, surpreendentemente se moveu bem. Respirou
fundo e ergueu a parte superior do corpo. Ficou de pé facilmente.
- Que diabos é isso...?

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- Peguei no lixão onde os meus colegas jogam as coisas que consideram
“que não têm mais jeito”. Achei que essa ainda tinha.
Kokonoe pegou um tubo de ensaio num canto, e uma rara expressão de
felicidade surgiu.
- E isso é...?
- Recentemente foram descobertas células únicas na região oriental. De
modo simples, elas possuem a habilidade de estimular as funções das
criaturas vivas. Entretanto, como seu efeito é forte demais, injetá-las num
humano normal é pedir pra matá-lo.
As palavras perturbadoras saíam rapidamente da boca de Kokonoe.
- Apesar disso, você acabou tendo uma aptidão incrível. A propósito, o
tecido danificado que não pôde ser restaurado com isso eu substituí por
partes cibernéticas. Basicamente, você foi revivido como um organismo
cibernético.
Era verdade... Olhando para a própria imagem refletida no espelho,
Tager entendeu. Seus músculos haviam crescido imensamente. A pele do seu
corpo enorme era da cor vermelha. Enterrados em seu rosto angular, havia
dois olhos afiados. Além disso, sua boca continha duas “presas”, para dizer de
modo educado. Sua aparência era a de um daqueles “demônios” do folclore
oriental.

Em suma, Kokonoe o havia resgatado, modificado e renomeado. Sem


nenhuma participação em tudo isso, Tager agora se encontrava nesse estado
físico, e também estava trabalhando para Kokonoe. Embora oficialmente ele
estivesse trabalhando com ela, as tarefas não incluíam ficar ao seu lado
prestando assistência. Apesar de membro da equipe de investigação do Setor
Sete, ele participava essencialmente da pesquisa aos “homens-fera”. O
pretexto de Kokonoe era “para fazê-lo voltar ao seu estado original”.
A primeira missão do recém-reformado Tager foi um “pedido” de
Kokonoe. De acordo com o que ela dissera, parecia que a cidade central de
Ikaruga havia desaparecido há não muito tempo. Sua missão era aproveitar o
momento de caos e se infiltrar para se apoderar de “uma certa coisa”.
Carregando um grande saco nas costas, Tager aterrissou no ponto
marcado e se levantou. Examinou a área com os olhos e ficou intrigado. Para
um lugar que acabara de ser palco de uma batalha feroz, as pistas deixadas
para trás eram definitivamente estranhas.
- Isso foi feito por uma pessoa só...?
Pelas pegadas deixadas no chão na direção de onde a batalha ocorreu,
era possível fazer algumas deduções. A maioria das pegadas provavelmente
era dos soldados de Ikaruga amedrontados. Todas apontavam para a mesma
direção. Todavia, as pegadas desapareciam repentinamente em certo ponto.

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- O que exatamente eles usaram pra enfrentar Ikaruga?
Olhando ao redor, ele podia ver que os prédios definitivamente foram
atacados e cortados por um objeto de lâmina extremamente afiada. Era quase
como se fosse uma ilusão óptica na qual os prédios eram feitos de manteiga.
Naquele momento, ele teve a impressão de que havia alguém o observando.
Quando deu meia-volta, Tager viu por um momento uma espécie de “sombra
verde”. De repente, ficou tonto.
- Detectei uma interferência sonora nos seus padrões mentais. Tager,
algum problema?
Kokonoe havia aberto um canal no mecanismo de comunicação.
- Ah, não... Não é nada.
Examinando os arredores de novo, nada parecia fora do normal. Devia
ter sido só sua imaginação. Ele estava no meio de uma missão. Além disso,
carregava algo muito importante nos braços. Não devia ficar pensando tanto
em coisas desnecessárias. Tager balançou a cabeça. Kokonoe tinha certeza de
que havia acontecido alguma coisa, mas não deu continuidade ao assunto.
- E então, você encontrou? Aquela “coisa” que eu mencionei antes?
- Sim. Entretanto, a 13ª desapareceu completamente, e a 12ª estava
vazia. Me apoderei da 11ª, mas como ela estava prestes a ser descartada, está
em péssimo estado.
- Entendo... Acho que chegamos um pouco atrasados então. Bom, fazer o
quê? Mesmo que seja só a número 11, ainda vai ser útil... Muito bem, Tager,
retorne à base imediatamente. Acho que você já sabe, mas isso é um ser vivo.
Não existe gelo seco. Se queremos impedi-la de apodrecer, é melhor você voltar
pra cá bem depressa.
- Entendido.
Dizendo isso, Tager seguiu em direção à grande caixa com o número
“11” – lembrava um caixão – e a pegou.
- TR/0009 Tager... A caminho.

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Caprichosos Nós
[TAOKAKA]

Hoje o céu no vilarejo do clã Kaka, localizado aos pés da 13ª Cidade
Hierárquica, Kagutsuchi, estava, como sempre, negro como piche.
Era impossível ver o rosto do senhor sol, e o lugar era sujo e úmido.
Essa situação já continuava há dezenas de anos.
As pessoas da vila – não, os gatos da vila estavam reunidos em volta da
estátua do deus gato no meio da praça, brigando entre si. Um grande caldeirão
havia sido colocado ali e, como era usado para cozinhar, o fogo debaixo dele
estava sempre aceso, então era um lugar bem quentinho, ideal para tirar uma
soneca à tarde. De todo modo, a situação do sol, que ficava brincando de
esconde-esconde com o clã Kaka, era de fato um problema sério.
Bom, antes de mais nada, por que era impossível ver o sol? A causa era
um prato gigante colocado sobre a vila.
Muito tempo atrás, os ancestrais do clã Kaka, sob a liderança de alguém
conhecido como “pessoa gato”, encontraram esse lugar confortável e
quentinho, migraram para lá e construíram a vila. Ao pé da montanha, o clã
Kaka começou sua civilização única.
Mas aqueles dias pacíficos não duraram muito. Um dia, humanos
apareceram de repente e, num piscar de olhos, converteram a montanha
inteira numa Cidade Hierárquica. Quando o clã Kaka se deu conta, o prato do
nível superior havia coberto o seu céu, e sua vila se transformou num lugar
escuro que a luz do sol não conseguia mais alcançar. Quando isso aconteceu,
os gatos da vila finalmente começaram a perceber a gravidade da situação e a
discutir o que fazer. Mas já era tarde demais, e não havia nada que se pudesse
fazer. O lamentável resultado final foi que eles pensaram que, como a cidade
ainda estava em construção, tudo ia dar certo... Tudo ia dar certo... Contanto
que eles tirassem sua soneca da tarde.
Porém, recentemente outro perigo havia surgido: a existência do
“gosmento”. Um dia, esse monstro negro apareceu de repente na vila. A
princípio, os gatos se aproximaram dele com curiosidade, balançando o rabo
e dizendo “o que é aquilo?”, mas logo a aura estranha que sentiram no
“gosmento” fez seus pelos se arrepiarem todos. Reagindo à hostilidade deles,
o “gosmento” até então apático se transformou numa forma impossível e
começou a atacar o clã Kaka. Os sempre agitados Kakas lutaram como um só,
combinando seus poderes para enfrentar o “gosmento”, e com muita
dificuldade conseguiram espantá-lo.
Entretanto, mesmo depois disso, o “gosmento” ainda aparecia na vila
de vez em quando. Ele atacava vários dos filhotes, até devorando alguns deles.

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Isso era inaceitável. O devorador de vítimas tinha de ser detido... Era com isso
que os gatos estavam preocupados, até onde um gato pode se preocupar.
E então, os gatos da vila finalmente chegaram a uma conclusão. Em
primeiro lugar, a razão de o “gosmento” ter aparecido era a ausência do sr.
sol. Por causa disso, a vila estava escura e suja, e por ela estar assim o monstro
apareceu. Além do mais, agora que o sr. sol tinha ido embora, eles começaram
a brigar pelos poucos lugares bons para dormir que restaram. Nada de bom
aconteceu.
No fim da discussão, eles decidiram fazer uma “Conferência de Gatos”.
Todos os gatos se reuniram na praça e fizeram um círculo em volta da anciã.
- Aham. A primeira Conferência de Gatos está agora em sessão.
A anciã tossiu alto. Os outros gatos esperaram respeitosamente suas
próximas palavras com olhares curiosos.
- Como todos sabem, a nossa vila perdeu o favor do sol.
- É sim, miau.
- Está tão escuro, miau.
- Isso é horrível, miau.
- Eu estou com fome, miau.
- Eu quero tirar um cochilo, miau.
- Silêncio!
Silêncio mortal.
- E além disso, ultimamente aquela coisa gosmenta tem atacado o nosso
vilarejo.
- É sim, miau.
- Estou com medo, miau.
- Isso é horrível, miau.
- Eu estou com fome, miau.
- Eu quero tirar um cochilo, miau.
- Silêncio!
Silêncio mortal.
- O que importa é: alguém tem alguma ideia construtiva para melhorar
a nossa situação atual?
Silêncio mortal.
Os gatos da vila do clã Kaka eram sempre assim. Suspirando, a anciã
apontou aleatoriamente para um dos gatos e pediu sua opinião.
- Eu acho que a vila dos humanos lá em cima está no caminho.
- É verdade, miau. Se ela desaparecesse, eu acho que o sr. sol voltaria.
- Hm... Então o que você acha que devemos fazer pra nos livrarmos da
vila dos humanos?
- Se nós tivéssemos “dinheiro”, tudo seria mais fácil!
- “Dim Erro”?
- Di-nhei-ro...? Dinheiro?

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A primeira ideia tangível apresentada gerou uma confusão de
discussão entre os gatos.
- Fiquei sabendo que, se você tiver muuuuuuito, pode fazer qualquer
coisa, miau!
A anciã concordou com a cabeça.
- E onde se localiza esse dinheiro?
- Isso eu não sei, mas eu acho que deve ser na vila dos humanos, miau!
- Entendo. Então muito bem.
A anciã concordou ainda mais vigorosamente.
- Graças aos esforços de todos, conseguimos reunir algumas
informações úteis. Primeiro, que a vila dos humanos tem que sumir. Para fazer
isso, esse tal de dinheiro provavelmente é a melhor solução. Todavia, esse
dinheiro deve estar na própria vila dos humanos. O que significa que alguém
vai ter que se infiltrar na vila...
A anciã correu os olhos pelos gatos. Eles haviam começado a jogar a
responsabilidade uns para os outros, e a situação estava mais ou menos
assim:
- Vai você.
- Eu não. Vai você.
- Eu não, vai ser muito cansativo.
E com isso, a conferência se arrastou. Aqueles que dormiam no meio da
conferência, aqueles que às escondidas comiam erva de gato, todos queriam
evitar o duro castigo que viria depois, então todo gato fazia de tudo para
empurrar a responsabilidade, tentando acabar logo a conferência. O lugar
ficou agitado.
Entretanto, com a frase de um gato, o clima mudou completamente:
- Pensando bem, tem alguém que não está aqui participando da
conferência, miau!
- Quem é? Quem, miau?
O burburinho parou. Os gatos se entreolharam. Todos eles haviam se
reunido ali para aquela tão importante (e cansativa) conferência, então quem
era o gato que cabulou?

Ali estava uma Kaka fêmea mergulhada num sono profundo. Não
sabendo nada sobre conferências de gato e coisas do tipo, Taokaka estava
enroscada num canto da vila, mergulhada no seu cochilo. Quando todos os
gatos terminaram a discussão, ela se levantou e foi balançando o rabo para o
centro da praça, parando na frente da estátua do deus gato.
A pata da anciã na sua cabeça parecia dizer “de novo, não”. Mas Taokaka
não parecia preocupada e coçou a cabeça com a perna traseira antes de
começar a brincar com os insetos que se reuniam ao redor do fogo.

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- Taokaka, você gosta de passear?
- Sim, miau!
A anciã sorriu e continuou.
- Como você gosta tanto de passear, eu tenho um trabalho pra você...
- De jeito nenhum, miau!
- O quê...?!
Com um “parece chato”, Taokaka virou as costas.
- Hm. Se você cuidasse dessa tarefa extremamente simples, eu ia te dar
um suprimento da melhor erva de gato para o ano inteiro, mas...
- Eu faço, miau! Você devia ter dito antes, miau!
E assim, a tarefa que era para ser dignificante e solene, ficou com
Taokaka. A tarefa de visitar a cidade dos humanos. Quem sabe, talvez, se
Taokaka concluísse a missão admiravelmente, o vilarejo dos Kakas pudesse
conseguir o sol de volta...?

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Valsa Eterna
[RACHEL ALUCARD]

O som da xícara sendo colocada no pires ecoou por todo o jardim


coberto de rosas vermelhas.
O sol havia se posto há tempos, e era a hora em que as estrelas
iluminavam a noite com a sua luz fria. Ao lado dela, um velho mordomo de
barba longa permanecia em silenciosa prontidão. Ao lado dele, um morcego e
um grande gato negro se amontoavam, cochilando com uma respiração leve e
suave.
O chá de Rachel. Sempre igual.
Pele branca como a neve. Lindos cabelos loiros. Pupilas vermelhas.
Rachel Alucard era possuidora de uma beleza de boneca.
A garota geralmente se vestia de preto. Como uma fuga à sua pele
branca, isso criava um contraste soberbo, o qual só fazia aumentar sua
elegância. À primeira vista, ela parecia ser nada mais que a jovem filha de uma
família nobre. Todavia, na verdade era uma vampira que já vivera por várias
centenas de anos. O enorme castelo construído sobre o vasto planalto
pertencia à família Alucard, renomada entre a raça vampírica. A garota era a
atual líder da família.
Embora fosse chamada de “líder” da família, os únicos habitantes do
castelo além de Rachel eram seu mordomo Valkenhayn, o morcego Gii e o gato
negro Nago. Essas quatro pessoas (?) eram as únicas que restavam.
Umedecendo os lábios com o cálido chá preto, com um suspiro ela
olhou para o céu ponteado de estrelas. Rachel esperava em inerte silêncio.
Pelo primeiro encontro deles. Aquele era um dia na vida de Rachel. Um dia na
vida de uma garota que vivenciava eternas repetições no tempo.
- Vamos.
Nago e Gii foram violentamente despertados do seu agradável sono
com um chute. Pulando em choque, seus protestos indignados foram
devidamente ignorados por Rachel. Ela então os beliscou e deu um tapa para
repreendê-los. As duas criaturas gritaram alto e agitadamente começaram a
se preparar para a partida.
Ignorando o frenesi de atividade, Rachel olhou para seu mordomo
Valkenhayn, que parecia estar pensando em alguma coisa. Após olhar nos
olhos de Rachel e entender o que se passava na cabeça dela, Valkenhayn disse
discretamente um “vá em paz, minha senhora”.
Descendo elegantemente de sua cadeira, ela primeiro ajustou as roupas
e, em seguida, murmurou algo docemente. Parecendo controlar as sombras
que vivem dentro das próprias sombras, sua figura lentamente se esvaiu na

26
escuridão. Valkenhayn se curvou em silêncio quando sua senhora, Rachel, se
foi.

A primeira coisa perceptível após sair da escuridão era que uma chuva
caía como agulhas. Mais adiante, uma cena horrenda consumia o campo de
visão. O que uma vez foi uma igreja cercada de árvores vívidas e lindas flores
sucumbira além de qualquer vestígio de reconhecimento. A área ao redor
também fora completamente incinerada, como se o responsável não ficasse
satisfeito apenas destruindo vidas.
No centro desse cenário, havia um único jovem, rastejando próximo à
igreja destruída. Segurando o braço direito com esforço, já quase sem voz, ele
gritava algo como se sua vida dependesse disso.
- Que vergonha.
Rachel se aproximou lentamente do jovem, dizendo isso ao vê-lo de
perto. Surpreso, o jovem olhou para cima com um rosto atordoado. Com seus
olhos esmeraldas, encarou Rachel. A expressão dela permaneceu imutável
durante os instantes em que observou o jovem. Ela então voltou seu olhar
para as ruínas da igreja.
Como que investigando o lugar, Rachel olhou para a igreja e seus
arredores e então, com elegância, levantou a mão esquerda até a altura do
peito. Com seus dedos finos e belos, desenhou vários círculos no ar e abriu a
mão delicadamente. Assim que fez isso, uma gota de luz transparente caiu da
sua mão e desapareceu no chão. No instante em que a gota tocou o chão,
daquilo que poderia ser interpretado como o núcleo daquele lugar, uma luz
azul começou a se formar, na forma de uma cruz.
Num piscar de olhos, a luz azul repentinamente formou um quadrado
mágico. Uma vez pronto, era difícil dizer se parecia algum tipo de emblema de
família ou não, mas o chão começou a desmoronar, como se toda a região
abaixo do solo tivesse desaparecido.
O jovem olhou de relance e viu que algo incompreensível havia
despertado. Entretanto, antes mesmo que tivesse tempo para gritar, foi
engolido pelo buraco.
Depois de um tempo, as coisas finalmente começaram a se acalmar. Vez
ou outra, se ouvia o barulho de pedras caindo no buraco. Rachel se teleportou
para o fundo num instante, onde o jovem jazia no chão como um tecido de
algodão ensopado com água. Das sombras, ela observava sua figura inerte.
Então o jovem, que até então parecia estar morto se esforçou para se
levantar, como se seu corpo fosse pesado como chumbo. Usando o braço
esquerdo para se erguer, ele gritava com uma voz fraca. Sangue fresco
escorreu da sua boca.

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O jovem caiu de costas de novo. Respirações ofegantes e gritos
desesperados eram emitidos pela sua boca. Era fácil ver que ele não duraria
muito tempo mais.
- Que inesperadamente desleixado de sua parte...
Rachel falou. Parecia que o jovem finalmente tinha conseguido virar a
cabeça na direção dela, vendo-a discretamente ao longe. Sem lágrimas ou
vitalidade, parecia que ele havia se dado conta de que só havia um resultado
possível. Como que procurando a entrada para a própria morte, seus olhos
corriam ao redor rapidamente.
- Quer ajuda? Se quiser, eu ajudarei a parar o sangramento bebendo o
seu sangue, tudo bem?
Dizer isso fez uma expressão de desgosto invadir a mente dela, e suas
bochechas ficaram vermelhas.
E então, novamente, ela observou o jovem em silêncio.
Algum tempo se passou, e parecia que a chuva finalmente tinha parado.
A maior parte do céu ainda estava coberta de nuvens, mas, em meio a alguns
buracos, alguns raios de sol conseguiam surgir.
Um dos raios iluminou os olhos vazios do jovem. Seu olho direito, que
tinha a beleza de uma esmeralda esculpida, agora estava vermelho, como que
tingido de sangue.
- Se não quer morrer, então fique de pé na minha frente.
De repente, o jovem quebrou o contato ocular. Parecia que tinha visto
algo. Com seus últimos restos de força, se arrastou até uma parede, como se
sua vida dependesse disso. Rangendo os dentes, ele apoiava o corpo no braço
que restava.
Após finalmente chegar à parede, com apenas o olho direito que fora
tingido de vermelho, o jovem começou a revistá-la, como que procurando
algo.
A parede queimada expunha um objeto muito peculiar. Era uma pedra
de um profundo negro; parecia mais um buraco negro com sua ausência total
de cor.
Fora esculpida na forma de um ser humano. Mas não havia cabeça. Sem
o menor sinal de hesitação, o jovem se arrastou até essa estranha pedra de
formato peculiar, como que atraído por alguma força desconhecida. E então,
tocou a pedra com sua ensanguentada mão esquerda.
Naquele instante, a pedra começou a vibrar como a batida de um
tambor. Algo que parecia areia começou a escorrer dela, seguido de uma
névoa negra que se espalhou com feroz vigor. Em poucos momentos, a névoa
negra se transformara em alguma forma de escuridão, que engoliu o jovem
inteiro.
Observando até aquele momento, Rachel virou as costas para partir.
- Princesa, não deveríamos ver até o fim?

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O gato negro, Nago, perguntou com uma expressão de preocupação no
rosto. Mas Rachel não respondeu.
- Sim, sim, isso mesmo, princesa! Ele não é uma pessoa muito import-
aaah!
Respondendo à agitação de Gii com silêncio e um tapa, Rachel abaixou
levemente a cabeça e murmurou.
- Que ironia.
Ele sempre se viu como o “Deus da Morte”.
Rachel sentou em Nago e fechou os olhos. E todos desapareceram.
Pouco depois, a escuridão foi desfeita. Em seu lugar ficou a figura do
jovem. Ele respirou fundo várias vezes. Seu corpo, que havia perdido o braço
direito, agora estava completo de novo, com o membro de volta aonde deveria
estar.
Entretanto, aquela escuridão era o braço direito. Era igual àquela pedra
estranha. A forma que ela adotou. O braço de Hades nascido do sangue. Era
isso que era.

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O Diário
[ARAKUNE]

Dia 1
Comecei um diário novo. Tudo que é novo é sempre bom. Como eu não
sou muito metódico, com o passar do tempo as anotações deste diário podem
ficar cada vez mais desleixadas. Hoje eles começaram a discutir uma partícula
nova que poderia destruir o seithr completamente sem precisar usá-lo. Não
sei quem exatamente trouxe a questão, mas começaram a discutir o assunto,
muito embora fosse óbvio que só estavam andando em círculos. Estar cercado
por aquelas caras carrancudas e ter de ficar sentado naquelas cadeiras
desconfortáveis é tão irritante. Quando eu disse isso a ela, ela começou a rir.
Eu não tinha achado tão engraçado assim, mas há muito tempo eu não ria,
então ri junto com ela.

Dia 2
Hoje, estranhamente, ela veio me acordar. Não sou uma pessoa de
hábitos diurnos, então a princípio foi bem irritante, mas ela agarrou a minha
mão e me arrastou até o laboratório E5. Quando perguntei o que havia
acontecido, ela apontou para um dos tanques e a criança dentro havia... Bem...
O fato de ela ser tão sincera torna sua personalidade fácil de entender. Até
agora, ela não tinha se abalado com os procedimentos que acontecem aqui,
mas acho que desta vez se sentiu mal. Nós dois entendíamos que não havia
mais nada que pudéssemos fazer. Eu fiz o melhor que pude para consolá-la,
mas ela ainda parecia desolada. Acho que eu prefiro trabalhar.

Dia 5
Não estou de bom humor hoje. Vou colocar tudo para fora aqui. É
evidente que somos incapazes de compreender um ao outro, aquela mulher e
eu. Sinceramente, eu não odeio aquela mulher como pessoa. Não tenho
certeza se chamar aquela mulher de pessoa é uma coisa boa ou não.
Parte de mim sente que eu tenho uma dívida com ela, e também não é
como se eu não entendesse o que ela diz, e por qualquer que seja o motivo, eu
entendo o seu ponto de vista e sua maneira de pensar. A única coisa é... Talvez
eu deva dizer que tem uma outra parte em mim que definitivamente é incapaz
de se dar bem com ela. De algum jeito, parece que aquela mulher tem um
raciocínio lógico demais. Pode-se dizer que ela é muito inteligente. Também
pode-se dizer que ela teve uma boa formação. Mas isso não quer dizer que ela
realmente acredita no que faz. Enquanto algumas pessoas nascem sem nada
e têm de adquirir o conhecimento enquanto descartam as informações

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desnecessárias, com a mente infalível dela, ela rejeita as ideias das outras
pessoas. Que desagradável.
(A próxima parte parece ter sido apagada)

Dia 6
Ultimamente, não importa o quanto eu durma, ainda me sinto cansado.
Além da fadiga, também me sinto ansioso. Às vezes, até me pego esquecendo
o que estava fazendo. Acho que eu preciso mesmo me cuidar, senão tudo será
em vão.

Dia 13
Consegui liberar um pouco de tempo para mim mesmo. Gostaria de
escrever todos os dias se fosse possível. Como tenho estado ocupado e aquela
mulher tem me enchido tanto o saco, estou cada vez mais descontente. Nesses
momentos, ela sempre me diz para não desistir e me estimula. Eu queria
muito agradecê-la, mas me pergunto por que ela faz isso... Por alguma razão,
eu acho que é porque ela está trabalhando diretamente com aquela mulher e
está se saindo muito bem. Mas ficar deprimido seria ruim. Toda vez que isso
acontece, eu sempre sinto que sou só uma pessoa normal e não, mesmo que
eu seja, quero acreditar que não sou apenas isso. Então eu vou trabalhar sob
quaisquer circunstâncias. É assim que vou mostrar que sou diferente daquela
mulher.

Dia 14
Peguei um resfriado. Ela veio me visitar e me ajudou com várias coisas.

Dia 32
Fiz uma descoberta. Foi uma descoberta e tanto e eu acabei perdendo
a noção do tempo, de tão empolgado que fiquei. Já sintetizei a ideia geral num
relatório, mas vou rascunhar os pontos principais brevemente aqui também.
Atualmente, muito embora sua verdadeira natureza e forma ainda não
tenham sido determinadas, muitas pessoas ainda são capazes de usar o seithr.
Todavia, a linha de pensamento tradicional de que o seithr é apenas uma
forma de magia convertida da força de vida é equivocada. Na verdade o seithr
é ____________. Em outras palavras, a nossa pesquisa de armagus atual equivale
a _______, o que significa que é igual àquela coisa. Sim, e é por isso que aquela
mulher, que se recusa a usar armagus, não entende. Não me diga que é de
propósito que ela está se recusando a considerar a ideia de __________. (a página
está cortada ao meio de uma maneira muito brusca)

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Dia 35
Por que eles não entendem? Por que aquela mulher não entende? Como
eu já disse, essa é uma descoberta que estava se escondendo no ponto cego
da nossa pesquisa.
Como era a “gênia” falando, e como ela falou muito, hoje eu estou me
sentindo profundamente mal. Mal de verdade. Primeiro ela só deu uma olhada
corriqueira e aí rejeitou como se estivesse com alguma coisa suja nas mãos.
Você parou mesmo de pensar nisso? É possível. Então por que negar que a
possibilidade existe? Se você tem uma resposta, então me prove. Temos que
fazer alguma coisa com aquela pessoa estranha. Eu sempre senti que aquela
mulher era estranha. Mesmo que aos olhos do departamento ela possa ser um
gênio, isso é diferente. Embora seja chamada de “deusa”, aquela mulher é
inútil. Aquela mulher é inútil.

Dia 42
Hoje eu mergulhei no trabalho completamente. Ela leu o meu relatório
com seriedade, mas não mexeu nem uma sobrancelha. Será que quem ficou
estranho fui eu, e não aquela mulher? Aqueles velhos também me tratam cada
vez mais de um jeito esquisito. Se essas pessoas estão mesmo fazendo isso,
deviam falar a verdade de uma vez, certo? Eu estive enganado esse tempo
todo? Mas eu tenho provas.
(As provas mencionadas parecem ser uma dissertação de mais de dez
páginas, a partir desta, mas o que exatamente ela tenta provar é incerto)

Dia 43
Está tudo bem, eu ainda não desapareci. Par ce que el s não perceberam
as inchações. Seria desastroso se aparecesse, então eu me sinto aliviado. O
padrão transformado não está rejeitando a supressão automaticamente. Isso
é _________.

Di_ 4_
Por que eu não posso usar, apesar de estar tão perto da verdade?
Embora eu esteja perto, se usar aquilo, não sei se conseguirei escapar. Apesar
de eu não ser capaz de fazer isso, por que você não entende? Entre no cano,
um dia virá a ordem de entrar no cano. Pare de martelar, está fazendo muito
barulho! Quantos anos se passaram desde então? Eu posso escapar, então
aquilo é inútil. Malditos idiotas, errado eu estou. Um dia nós vamos descer,
descerdescerdescerdescer e desenhar símbolos nos intervalos profundos
_________________________.
Que barulho, barulhobarulhobarulho!
Pare de me atrapalhar!

33
Dia 51
Hoje eu organizei os meus pensamentos de novo. Quase não tenho mais
dúvidas sobre a disposição dos padrões, então foi bom ter omitido várias
partes críticas nas últimas anotações.
Atualmente a humanidade está escorrendo como sangue. Eu vou
explicar. Ficou assim. Primeiro sobre o “anti-seithr”. É o mesmo fenômeno
que o fenômeno do fenômeno ars armagus. Para compensar essa _____, com
certeza o perigoso Azure, que ninguém se deu conta, eu o faria uma vez, mas
no fim eu quero fazer com perfeição, com perfeição. Eu vou ter que
discretamente fazer _________ coisa _____ e aquela ______ foi inesperada. É
diferente dos armagus. É diferente dos armagus daqueles vermes da
Biblioteca. O grande Azure e o ______ do Azure se abrem, e o alento formado
rapidamente fica grande, definitivamente tão grande que não tem como não
perceber. Chegar perto é perigoso, então primeiro eu vou ter que extrair
aquilo da parte posterior. Fica bem perto da espinha. Se eu entrar lá de
qualquer jeito, vou morrer, isso com certeza. Depois que extrair o ______ Azure,
eu queria muito fazer isso. Certamente vou alcançá-lo finalmente. Eu
expliquei com todos os detalhes e toda a dedicação, mas ninguém está
ouvindo? Para mim, é o que parece. Então eu acho que só preciso deletar todos
lentamente. Lentamentelentamentelentamente___________
Le tam e

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35
No Limite
[LITCHI FAYE LING]

Eu pensei que as minhas palavras desesperadas não fariam diferença.


Até então e dali em diante...
Mas isso foi um erro. Naquele momento, eu me dei conta disso pela
primeira vez.

2193 d.C.
Mesmo depois de terem me acompanhado até a entrada, eu ainda
acabei me perdendo, e só depois de muito custo consegui chegar àquele lugar.
Havia uma placa prateada pendurada na porta de metal. O nome “Dra.
Kokonoe” estava inconfundivelmente escrito nela. A princípio eu bati à porta
timidamente, mas não houve resposta. Experimentei bater mais forte, mas
ainda assim não houve resposta. Finalmente tomando uma decisão, abri a
porta.
- Com licença...
A porta se abriu com um leve rangido. Ao olhar lá para dentro, apesar
de ainda ser dia, o laboratório estava escuro e frio.
- Com licença, tem alguém aqui?
Eu levantei um pouco a voz. Mas não houve resposta. Ou melhor, eu não
sentia nenhuma presença dentro da sala.
- Puxa, isso é um problema...
Hoje o propósito da minha visita era para me apresentar formalmente.
Será que eu devia esperar um pouco lá fora? Enquanto outros pensamentos
flutuavam pela minha cabeça, eu continuava parada na frente da porta.
- Hm? Quem é você?
De repente, uma voz falou. Eu me virei para ver o dono dela. Um homem
alto e magro estava ali olhando para mim.
- Com licença, eu vim ver a dra. Kokonoe, mas parece que ela não está.
- Hm? A professora não está?
- É... Eu tinha que vir hoje para me apresentar, mas...
Enquanto explicava, eu olhava nos olhos do homem. Pertencentes a um
lindo rosto, pareciam cheios de inteligência, e suas pupilas pareciam me
magnetizar.
- Ahn, tem alguma coisa no meu rosto?
- Ah, não, não!
Frente à minha negação tímida, ele deixou escapar uma pequena risada.
Um sorriso tão leve. Por que eu estava ficando nervosa? Senti que minhas
bochechas estavam ficando vermelhas.

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- Você é fornecedora?
- Hã?! Ah, não... Eu vou começar a trabalhar aqui a partir de amanhã.
Meu nome é Litchi Faye Ling.
- Ah, então é você!
- Você me conhece?
- A professora me falou de você. Eu sou aprendiz da dra. Kokonoe.
Trabalho no laboratório ao lado.
Ao dizer isso, ele apontou para a sala adjacente.
- Ah, que bom. Então de agora em diante eu vou contar com você. Me
ajude, por favor.
- Que nada. Eu também vou precisar muito da sua ajuda.
Eu estava muito inquieta. Aquele foi o nosso primeiro encontro.

E então eu vim trabalhar como assistente de laboratório da dra.


Kokonoe. Ele era um pesquisador especialista em alquimia e também era um
alquimista de primeira classe. Eu, que não tinha conhecimento algum nessa
área, aprendi várias coisas com ele sobre “o estudo de criar algo a partir de
nada”. E, em troca, ele aprendeu com a minha especialidade: os segredos da
medicina oriental e fitoterapia tradicional chinesa. Trocamos conhecimento
dos nossos campos de atuação e trabalhamos para ajudar um ao outro. Como
tínhamos aproximadamente a mesma idade, não demorou muito para a nossa
amizade se fortalecer.

Justo quando eu estava pensando que isso duraria para sempre, aquele
dia chegou. Eu me assustei com uma repentina alteração de voz.
- Você ainda não entendeu, seu aprendiz burro?!
- Não! Quem está errada é você!
Naquele momento, eu tive a ligeira sensação de que ele e a dra. Kokonoe
não tinham um relacionamento de trabalho realmente estável. Sempre era
pelo objetivo da pesquisa – ou melhor, a postura que um cientista deve adotar,
e suas diferenças de opinião. Mas até então eles sempre haviam discutido de
maneira civilizada. Agora os dois haviam levantado a voz e trocavam insultos.
Enquanto testemunhava a hostilidades deles um para com o outro, fui
ficando nervosa e desconcertada. Os insultos ficavam cada vez mais ferozes, e
parecia que a briga ia acabar ficando física. Normalmente, a essa altura Tager
interviria, mas infelizmente ele estava numa missão. Eu me decidi e, com
faíscas saindo dos olhos, me interpus entre os dois.
- Vocês dois, acalmem-se agora mesmo!
- Tsc.
Bufando, a dra. Kokonoe foi para o outro lado.

37
- Você também, se acalme! Nem parece você.
Eu me virei para tentar acalmá-lo. Nesse momento...
- “Nem parece você”?! Foi isso que você disse?
- Hã...?
Minhas palavras pareciam ter acertado um calo, e ele levantou a voz de
novo para continuar a repreensão.
- Então me permita perguntar uma coisa: o que é que você sabe sobre
mim?
- E- Eu...
Por um momento eu fiquei perplexa, incapaz de encontrar palavras.
Sua personalidade, que eu pensei que conhecia, aquela serenidade e gentileza,
não era a sua verdadeira face?
Eu me fiz essa pergunta, mas não consegui encontrar a resposta.
- Você só conhece um lado meu. A pessoa normal, madura, quieta e
inteligente. Era essa a imagem que você tinha de mim?
- ...
Eu abaixei a cabeça, incapaz de responder.
- Isso mesmo, nós só conhecemos um lado das coisas. Toda a criação
possui um lado da frente e um lado de trás, a luz e a sombra. As coisas que nós
conseguimos ver são apenas uma fração do fenômeno. Mas escute uma coisa,
Litchi. Eu vou, eu vou... Eu juro, todos os fenômenos deste mundo, eu
encontrarei o caminho que leva à verdade por trás deles!
Vê-lo falando sem parar com aquela empolgação esmagadora me
deixou sem chão. Aquele não era o ele que eu tinha conhecido até agora. E
também, a coisa da qual ele falava parecia tão extraordinária... Não consegui
esconder minha inquietude, e não consegui olhar nos olhos dele.
- Olhe para mim, Litchi... Eu com certeza abrirei a fonte de todo o
conhecimento, você vai ver. Sem dúvida.

Depois dessa briga com a professora, ele e eu nos afastamos. Alguns


meses se passaram, e logo estávamos só nos cumprimentando educadamente
nos corredores. Entretanto, mesmo assim era notável que ele estava ficando
esgotado. Então pensei em ir ao seu laboratório visitá-lo, coisa que nunca
consegui fazer.
E assim muitos meses se passaram. Ele começou a faltar cada vez mais
ao trabalho. Talvez sua saúde tivesse piorado, já que não o vi no laboratório
por várias semanas seguidas. Para alguém que levava o trabalho tão a sério,
isso era muito estranho. Quando perguntei por ele, parecia que ele sequer
existia para as outras pessoas. Naquele dia, eu decidi visitá-lo em sua casa.
A casa dele ficava numa rua onde vivia a maioria das pessoas de classe
média. Era no último andar de um prédio. Toquei a campainha várias vezes,

38
mas ninguém atendeu. Um pouco inquieta, tentei abrir a porta. Não estava
trancada. Pesando a situação que tinha em mãos, entrei no apartamento em
silêncio.
O cheiro de mofo atacou meu nariz. Parecia que ninguém limpava
aquele lugar há muito tempo, e até onde se podia ver, havia poeira empilhada
por toda parte. A sala estava uma bagunça, e para todos os lados havia
incontáveis pilhas de livros amontoados, em completo caos. Eu chamei o
nome dele, mas não houve resposta. Parecia que ele não estava. Pedi
desculpas mentalmente e comecei a investigar a sala.
E então, eu encontrei aquilo.

Para onde ele foi? O que está fazendo agora?


Por que eu não percebi antes?
Por que não tentei ajudá-lo?
Todas as dúvidas se repetiam dentro de mim como um refrão.
Arrependimento e culpa me atormentavam.
- Se eu não o encontrar logo, ele...
No meio da escuridão, eu murmurava sozinha.

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40
Titereiros
[CARL CLOVER]

A mansão estava completamente deserta. Era uma edificação muito


bonita, aparentemente projetada para abrigar de vinte a trinta pessoas. Mas
não havia absolutamente nenhum sinal de vida humana na residência de
estilo ocidental. Sentindo um clima estranho, os membros da equipe trocaram
olhares nervosos.
- Doutor Relius...? Doutor Relius?
O líder da equipe projetava a voz na direção da porta. Mas não houve
resposta. Os membros da equipe se entreolharam de novo e então começaram
a cochichar entre si discretamente. Logo chegaram a uma conclusão, e um
deles colocou a mão na maçaneta. Parecia que a porta não estava trancada. Ao
abri-la, com cuidado, um forte e bolorento odor de produtos químicos logo se
fez sentir.
- Dr. Relius Clover, somos do Setor. Se estiver aqui, responda, por favor.
Os membros do grupo entraram cautelosamente, um a um. O lugar
estava escuro e úmido. Poeira se acumulara em cada canto. Separando-se para
ganhar tempo, logo vasculharam a mansão inteira, mas não detectaram a
presença de uma única pessoa.
- Que estranho... Por que não tem ninguém aqui? O que aconteceu com
as pessoas que o estavam espionando?
Aquelas pessoas que se infiltraram na mansão para ficar de olho nele,
disfarçadas como seus subordinados. Devia haver quatro ou cinco deles ali.
Mas não havia nem rastro disso.
- M... Mas que coisa.. É essa?!
Cerca de uma hora havia se passado desde que a busca começou,
quando de repente um dos membros da equipe levantou a voz. Rapidamente
todos seguiram em direção ao lugar de onde o grito viera. Era o laboratório
subterrâneo de Relius.
- O que aconteceu? O doutor está aqui?
O homem negou com a cabeça e, com um olhar fundo, apontou para a
mesa do laboratório. Havia máquinas e produtos químicos espalhados por
toda parte, e, por alto, parecia que a experiência estava quase concluída
quando foi repentinamente abandonada. As partes cruciais da cobaia não
estavam em lugar algum. Era como se toda a família Clover tivesse sido
completamente vaporizada...
- Onde foram parar o doutor e aquela coisa que estava com ele?

- Mana, você está cansada? Está tudo bem?

41
O pálido jovem, Carl Clover, se virou e perguntou cordialmente à irmã.
Após vê-la concordar, um sorriso de alívio iluminou seu rosto.
- Que bom ouvir isso. Então, daqui em diante... O que devemos fazer?
...
Voltando-se para a irmã, que aparentemente não dera resposta, Carl
sorriu fracamente.
- É verdade, é melhor irmos para a casa do tio Francis. É um pouco
longe, mas se caminharmos a noite toda, conseguiremos chegar lá. Não se
preocupe, tenho certeza que o tio e a tia saberão nos aconselhar sobre o que
fazer agora.
Os olhos azuis de Carl se iluminaram enquanto ele falava, e, com sua
expressão de contentamento, a irmã concordou solenemente.
Todavia, na verdade a distância era muito maior que o que Carl
imaginava. O ritmo da sua irmã era lento e pesado. Às vezes, algumas pessoas
olhavam estranho para ela. Escondendo a irmã e caminhando na velocidade
de um caramujo, a viagem foi inegavelmente desagradável. Finalmente, três
dias depois da partida, Carl e sua irmã finalmente chegaram à casa do tio na
calada da noite.
- Boa noite. Desculpe incomodar tão tarde. Tio Francis, é o Carl. Carl
Clover.
Completamente exausto, Carl batia fracamente à porta de metal da
casa. Depois de um tempo, a grossa porta se abriu, e a figura de Francis de
pijama, com uma lamparina em mãos, apareceu.
A princípio suspeitando de uma visita àquela hora da noite, quando se
deu conta de que era Carl, ele rapidamente abriu o portão com um olhar
aturdido no rosto.
- Carl?! O que aconteceu para você aparecer aqui tão tarde da noite?
Carl mal conseguiu olhar para ele.
- Mas o que aconteceu...? E você está de uniforme?
Com um olhar de preocupação, ele tinha as mãos nos ombros de Carl.
- De todo modo, não devíamos estar conversando aqui. Entre. Você veio
sozinho?
Novamente sem dizer nada, Carl negou com a cabeça, e com seu dedo
pequeno apontou para atrás dele. Francis iluminou na direção do dedo de Carl
com a lamparina e ficou sem palavras.
- O- O que é isso...?
- Minha irmã.
- Irmã?
Francis esperou uma explicação, mas Carl parou de falar, deixando
apenas uma expressão solitária no rosto. Tentando adivinhar o que poderia
ter acontecido, Francis levou Carl e sua “irmã” para dentro da casa.

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Só sua tia estava na sala de estar. Quando reconheceu Carl, ela se
aproximou.
- Tia Rosenne...
- Carl, o que aconteceu? É tão tarde...
Assim que ela começou a falar, a figura da irmã de Carl ficou à vista e,
sem pensar, ela tapou a boca com as mãos. Com um rosto apavorado, exigiu
uma explicação do marido, mas a única coisa que apareceu no rosto de Francis
foi a dúvida.
- Carl, deixando de lado a sua abrupta visita, o que é essa coisa que você
está carregando?
- Ela não é uma coisa!
Franzindo as sobrancelhas, Carl gritou para responder.
- É a minha irmã, Ada. Ada Clover!
- Isso é impossível. Você só pode estar mentindo.
- Ei, espere um pouco, Rosenne. Parece que aconteceu alguma coisa.
Francis tentou controlar a indignação de Rosenne.
- Mesmo que você diga isso... Essa coisa que você diz que é a Ada... Não
importa o que diga...
Rosenne hesitou e não terminou a frase. A expressão nos seus olhos era
como se ela tivesse acabado de ver um monstro.
- A única coisa que eu vejo é só uma boneca...

Após contar os detalhes a eles, o peso que estivera carregando até agora
começou a ficar grande demais e, finalmente agindo como um garoto da sua
idade, Carl começou a soluçar.
- Então essa é mesmo... A Ada?
Incapaz de esconder sua surpresa, Rosenne olhava para a “irmã
mudada” ao lado de Carl. A coisa que Carl chamava de irmã na verdade era
uma boneca metálica que tinha pelo menos o dobro da altura dele. A Ada que
os dois conheciam era uma linda jovem com os mesmos olhos azuis e cabelos
loiros de Carl. A Ada de agora era uma boneca com um estranho rosto sem
expressão. Mas, ao mesmo tempo, de algum modo ela parecia ter vontade
própria. Podia andar sozinha e responder perguntas balançando a cabeça.
- O que você nos disse é mesmo a mais pura verdade?
- Sim. Ela é mesmo... A minha irmã. E o meu pai... Eu não sei onde ele
está.
Soluçando, Carl pediu ajuda aos tios. Os dois o escutavam com olhares
sérios. Se aquilo era verdade, então o pior ainda estava por vir.
- Tudo bem. Você pode ficar aqui por uns tempos.
- Querido...

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Carl limpou as lágrimas com a manga do uniforme e murmurou um
“muito obrigado” em resposta.
- Rosenne, vá preparar a cama. Carl deve estar exausto. Primeiro vamos
deixá-lo descansar.
Ela entendeu e acenou para que Carl a seguisse.
- Mas de hoje em diante você e a sua irmã vão dormir em quartos
separados. Tudo bem?
Ainda com lágrimas nos olhos desanimados, Carl olhou para Francis.
- Eu não estou dizendo que ela não é a sua irmã, mas você não tem como
negar que ela está diferente agora. Você entende, certo?
- Está tudo bem. Até agora não aconteceu nada, então acho que não tem
problema.
Francis fez o que pôde para tentar persuadir Carl, mas ele se recusou
firmemente a ceder. Logo Francis se deu conta de que o esforço era inútil e
tocou na cabeça dele dizendo:
- Se acontecer alguma coisa, nos avise imediatamente.
Caindo na cama arrumada, com o nervosismo se esvaindo como uma
corda que foi cortada, a fadiga rapidamente consumiu Carl. Na escuridão do
quarto, ele se virou para olhar a irmã, que estava recostada ao lado da cama.
- Que alívio. É um grande alívio, não é, mana?
Com um forte som metálico, sua irmã se levantou e fez um gesto
semelhante ao de alguém concordando com a cabeça. Carl observou aquele
gesto, fechou os olhos e dormiu.
A silenciosa Ada continuou imóvel, olhando pelo garoto adormecido.

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45
A Fortuna Favorece os Corajosos
[BANG SHISHIGAMI]

2110 d.C.
Graças aos esforços de seis guerreiros, a Fera Negra foi destruída, e a
guerra entre ela e a humanidade, que durou mais de cem anos, finalmente
chegou ao fim.
As pessoas começaram a chamar os seis guerreiros de “Seis Heróis”.
Mas a felicidade da humanidade durou pouco. A guerra, que durou tanto
tempo, fez a população mundial cair pela metade, e cidades importantes do
mundo inteiro foram destruídas. O dano que o conflito causou foi enorme.
Além disso, de dentro do corpo morto da Fera Negra, uma névoa escura – mais
tarde chamada de seithr – emergiu, cobrindo toda a superfície do planeta.
A guerra da humanidade contra a Fera Negra ficaria conhecida como a
“Primeira Guerra da Magia”. Um dos seis heróis, a genial bruxa Nine,
combinou a sua “bruxaria” com a cristalização do intelecto da humanidade, a
“ciência”, para formar uma nova tecnologia conhecida como “armagus”. Os
livros que descreviam como usar esses “armagus” ficariam conhecidos como
“grimórios”. Naturalmente, a humanidade começou a valorizar tais livros. A
maioria desses grimórios era controlada pelo “Centro de Administração de
Informações de Tempo e Espaço”.

2111 d.C.
O Centro de Administração de Informações de Tempo e Espaço, que
controla a maior parte dos grimórios, aumenta a sua influência e estabelece
uma organização para governar o mundo inteiro. Ele também muda de nome,
para “Novus Orbis Librarium”, e reúne soldados de elite – que mais tarde
seriam chamados de cavaleiros – e os organiza num corpo de luta armada
conhecido como o “1º Esquadrão de Taumaturgia”. Sua influência cresce cada
vez mais. Colocando a ressurreição da raça humana como questão urgente, o
Novus Orbis Librarium (encurtado para Librarium), começou a liderar a
humanidade.

2112 d.C.
Cerca de um ano depois de iniciada a construção, o projeto considerado
como o marco da restauração da humanidade, a 1ª Cidade Integrada,
“Izanagi”, é concluído. Depois que a Fera Negra foi derrotada, o seithr que ela
espalhou cobriu a superfície do mundo inteiro. Os efeitos prejudiciais do
contato prolongado dos humanos com o seithr, bem como seu efeito sobre o
ecossistema, ficaram claros. Para escapar do seithr na superfície do planeta, a
humanidade se deslocou para as colinas e esculpiu cidades para viver.

46
Depois disso, a restauração prosseguiu a passos largos, e a construção
de centenas de cidades em montanhas de vários tamanhos continuou até a
segunda metade de 2120 d.C. Dentre elas, foram projetadas e construídas 23
cidades divididas em “camadas”, que ficariam conhecidas como “Cidades
Hierárquicas”, e o Librarium desenvolveu cada cidade para ser o centro
daquela região em particular. Para consolidar essas 23 cidades, o Librarium
estabeleceu a “Organização do Mundo Unificado”. Com esse anúncio, o
Librarium passou a governar tanto em nome quanto em efeito.

2190 d.C.
A 5ª Cidade Hierárquica, “Ibukido”, se desvincula da Organização do
Mundo Unificado, efetivamente anunciando sua independência do Librarium.
No ano seguinte, quatro outras cidades seguem a iniciativa de Ibukido:
a 6ª Cidade Hierárquica, “Yabiko”, a 7ª Cidade Hierárquica, “Kazamotsu”, a 8ª
Cidade Hierárquica, “Wadatsumi”, e a 9ª Cidade Hierárquica, “Akitsu”, que
anunciam sua secessão do Librarium. A partir de então, o grupo de cinco
Cidades Hierárquicas se intitulou a “Federação de Ikaruga”. O Librarium
imediatamente define a Federação de Ikaruga como rebelde e começa uma
supressão militar. Todavia, a união e a força militar da Federação de Ikaruga
se mostram mais fortes que o previsto, e a duração da guerra aumenta.

2192 d.C.
Absorvendo várias cidades menores, a influência e o território da
Federação de Ikaruga crescem. Em retaliação, o Librarium critica o
comportamento agressivo da Federação e reforça sua ilegitimidade,
afirmando ser o lado justo da guerra. O conflito continua.

2194 d.C.
A cidade-chave da Federação de Ikaruga, Ibukido, desaparece
misteriosamente. Correm boatos de que o Librarium usou algum tipo de arma
orbital por satélite para atacar, mas até o momento a razão do
desaparecimento da cidade nunca foi esclarecida. Com a perda da sua cidade-
chave, a Federação de Ikaruga lentamente começa a ruir, e, além disso, sua
união começa a fraquejar. Com sua base mudando constantemente de lugar,
o movimento de resistência continua.

2196 d.C.
Tendo perdido quatro Cidades Hierárquicas, a Federação de Ikaruga
tenta negociar um tratado de paz com o Librarium. O Librarium, porém,
rejeita a oferta, e a Federação de Ikaruga recua para a sua última linha de
defesa, Wadatsumi, determinada a resistir até o amargo final.

47
2197 d.C.
O ataque final a Ikaruga, que se pensava que seria longo e exaustivo,
termina inesperada e abruptamente.
Um jovem cavaleiro do Librarium, Jin Kisaragi, se infiltra no castelo
sozinho e executa um ataque preciso. Adentrando a sala de conferência, ele
assassina o comandante e regente supremo Tenjou. Com a perda do seu líder,
a Federação de Ikaruga finalmente cai.

Na parte baixa da 13ª Cidade Hierárquica, Kagutsuchi, na região que


posteriormente ficaria conhecida como “Ronin-gai”, os homens tinham uma
conversa amigável. Era o início da tarde. Eles tinham terminado seus afazeres
matinais e agora se empanturravam com os bolinhos de arroz das suas
esposas, num momento de descanso.
Passaram-se aproximadamente 15 dias desde a queda de Ikaruga. Os
sobreviventes, em busca de um lugar para começar vida nova, acabaram nas
camadas baixas da 13ª Cidade Hierárquica. Ao contrário da parte superior da
cidade, controlada com rigidez, as mãos do Librarium não chegavam às
camadas baixas, naturalmente fazendo delas um novo alento para eles. Para
os sobreviventes de Ikaruga, esse se tornou um novo lar. Eles construíram
casas, fizeram plantações e tinham toda a matéria-prima e instrumentos
necessários para o dia-a-dia.
- Pronto, isso deve bastar.
O homem robusto que escrevia em silêncio – seu nome era Bang
Shishigami – levantou a cabeça. O melhor ninja de Ikaruga, respeitado e
adorado pelos seus compatriotas e temido por todos os seus inimigos. Agora
ele liderava os ex-moradores de Ikaruga no lugar do seu falecido mestre
Tenjou.
- Chefe, o que o senhor está fazendo?
Ver a figura do chefe quieto e escrevendo alguma coisa não era nada
normal, então um dos subordinados fez a pergunta com um olhar intrigado.
- Mmm... A verdade é assim. Estou escrevendo um livro de História.
- Um livro... De História?
Era uma resposta inesperada. A voz do subordinado demonstrava
incredulidade.
- Isso mesmo. Para expor as maldades daqueles vermes do Librarium e
para que o meu mestre não tenha arrependimentos. Essa é a minha missão.
Para que isso aconteça, primeiro temos que deixar para as gerações futuras
um registro de todas as transgressões do Librarium.
Hm, pensou o subordinado enquanto ouvia atentamente as palavras do
chefe com ardor no coração.

48
- Quando eu era jovem, nosso mestre me ensinou tudo sobre o mundo
e a sua História. Com o que me lembro disso, estou escrevendo estas palavras
iniciais.
Hm, pensou o subordinado enquanto concordava fervorosamente com
os olhos em chamas.
- Infelizmente, eu não consigo me lembrar de todos os detalhes. Mas as
palavras mais importantes do meu mestre eu lembro sem nenhuma dúvida.
Assim como é certo o pôr do sol, isso eu definitivamente não posso esquecer.
- Como esperado do nosso chefe.
Bang se levantou lentamente, punhos fechados.
- Hoje nós podemos ser apenas cem, mas os homens trabalham e suam,
e as mulheres tecem e dão à luz. Se continuarmos fazendo isso, então logo
seremos mil, e então dez mil. Esse é o espírito indomável do povo de Ikaruga!
- Sim!
- Muito bem, hora de voltar ao trabalho!
- Sim, senhor!
Ao sinal do chefe, os homens se levantaram como um e voltaram às suas
respectivas tarefas. Enquanto Bang os via partir, pegou um pedaço de papel e
limpou o suor que começara a escorrer.

49
50
Escuridão Inocente
[HAKUMEN]

É totalmente escuro.
Não sei muito bem o que está havendo.
Mas a única coisa ao meu redor é a mais avassaladora escuridão.

É baixo. Muito baixo.


Um grunhido muito baixo e profundo pode ser ouvido.
Como um tremor na terra. Baixo. É um som muito baixo.

Assim que percebi, o som parou.


Meus ouvidos doem de tão quieto que ficou.
Não há absolutamente nenhum som.
Não há mesmo absolutamente nenhum som?
Ou talvez meus ouvidos tenham se perdido?
Eu não sei.
Estou de pé? Estou sentado?
Ou estou flutuando? É difícil dizer.

Quero abrir os olhos, mas minhas pálpebras estão tão pesadas...


Com muito esforço, consigo abri-los.
O que me cerca é uma algum tipo de névoa azul...
E tenho a sensação de que a estou abraçando.
Uma luz que nunca senti até agora de repente se fez brilhar.
É como se eu estivesse no meio de algum sonho fantástico.

Naquele momento, pela primeira vez...


Tomei conhecimento da minha existência.

Eu estou vivo?
Entendo. Estou vivo.
Meu coração e os outros órgãos ainda estão aqui?
Eu não sei, mas...
Certamente tenho a sensação de estar vivo.

Todavia, eu sinto uma pulsação.


É uma pulsação rápida, prazerosa. É como se...
Estivesse vendo todas as pessoas que amo.
Todas as pessoas importantes para mim.
Esse tipo de palpitação.

51
Frágil...
De dentro de mim.
Uma voz que não é minha pode ser ouvida.
Está chamando o meu nome. É a voz de uma garota.
Mas... Eu não a conheço.

Olho para a minha mão.


Incontáveis fissuras rubras correm pela mão negra.
Penso comigo mesmo: “O que é isso?”
Mas eu não sei.
Só consigo pensar: “Como eu também me tornei negro?”

A linda névoa azul se dissipa.


E em seu lugar vem o branco... Algo.
Como tem a forma de um humano, eu acho que é um humano.

O que é um humano?

A pessoa branca se aproxima lentamente.


Olho ao redor e consigo identificar cinco outras sombras.
Mas está turvo demais, então não tenho muita certeza.

No meio disso, vejo uma sombra que se parece com um “gato”.

O que é um gato?

Enquanto eu pensava nisso...


Aquela coisa branca parou bem diante dos meus olhos.

A pessoa branca e seus muitos olhos.


Fixamente. Atentamente. Eles olham para mim.

Que patético... Então foi a isso que a sua existência se reduziu?


A pessoa branca está dizendo algo.
Mas eu não consigo entender.

Não... Talvez esse seja apenas o começo...


A pessoa branca está dizendo algo.
Mas, como pensava, não consigo entender.

52
A pessoa branca lentamente levanta algo sobre sua cabeça.
Algo cálido transborda do olho.
O que é, eu não sei.
Mas...
Vejo que o céu azul atrás da pessoa branca é verdadeiramente lindo.
No instante que aquele algo é baixado, o mundo inteiro acaba.

E então... O mundo acaba. Para logo começar de novo.


De algum lugar desconhecido, eu juro que pude ouvir essa voz.

53
54
Mau Sinal
[NU-13]

Os únicos barulhos que se ouvia naquela sala quieta eram os zumbidos


das máquinas e os passos dos cientistas mergulhados nos seus pensamentos.
Na tela do monitor central, era exibida a imagem de uma garota com vários
cabos conectados ao seu corpo. Mais especificamente, o cabo conectado
diretamente ao seu olho direito fazia dessa uma cena muito peculiar. A garota
estava imóvel. Se estava viva ou morta... Isso era algo difícil de dizer com
certeza.
- As leituras se estabilizaram.
A voz feminina da operadora ressoou pelo alto-falante.
- Ótimo, muito bom. Aumentar os níveis de seithr em 500... Injetar.
O velho homem de jaleco branco sentado à frente do monitor principal
emitiu a ordem.
- Entendido. Injetando quantia adicional de 500 seithr.
Quando a voz da operadora ressoou, simultaneamente o nível de
zumbido das máquinas começou a aumentar. Depois de um momento, o cabo
conectado ao olho direito da garota começou a ondular, e logo ficou
completamente negro.
Instantaneamente, como a batida de um coração, a garota começou a
palpitar levemente.
- Isso!
Os cientistas ao redor vibraram. Até chegar a esse estágio, houve
incontáveis falhas.
- Certo, agora tudo que resta é esperar a conexão...
- Sim, vai demorar um pouco até o despertar. Mas parece que
conseguiremos terminar dentro do cronograma. – respondeu o assistente
esguio sentado ao lado do cientista mais velho.
- Como essa demorou tanto para chegar, eu estou um pouco inquieto...
A entrega está programada para amanhã às 10h30min, certo?
- Sim, segundo o cronograma, deve ser entregue à 13ª Cidade
Hierárquica, Kagutsuchi, amanhã às 10h30min.
O 13º corpo na 13ª Cidade... Que combinação agourenta, o assistente
pensou, mas não falou nada.
O velho cientista e seu assistente olhavam atentamente para o monitor
com alguma emoção. Agora tudo que restava era o seithr permear
completamente, e então esperar o processo de estabelecimento. Todos os
cientistas começaram a relaxar.
- Seja como for, esse 13º exemplar que confiscamos de Ikaruga... Parece
que o nível de conclusão é diferente do que foi declarado.

55
- Sim, porque é algo que foi projetado pelo dr. Relius e executado pelo
Setor Sete.
- Hm, aquele titereiro, hã? Acho que devo dizer que não esperava menos
de alguém como ele. Mas, ainda assim, só de pensar que aqueles desgraçados
do Setor Sete conseguiram chegar tão longe...
- Eles quase nos passaram a perna. Mas ainda é cedo demais para
baixarmos a guarda.
- Sim. Foram construídos três corpos em Ikaruga. Um deles foi
recuperado por nós do Librarium, e agora está aqui, mas...
- O paradeiro dos outros dois é desconhecido. Enquanto recuperavam
o objeto, as forças especiais do Librarium sofreram a interferência de um
indivíduo gigantesco semelhante a um “demônio”, e parece que um dos
corpos infelizmente foi roubado. O atraso na chegada deste exemplar também
é devido à interferência causada por esse indivíduo.
- Um indivíduo gigantesco semelhante a um demônio, hã? Pra quem
será que ele está trabalhando? E qual corpo ele roubou?
- Bem, isso ainda temos de investigar. Mas se foi o 12º, vamos ter
problemas.
Os dois homens franziram a testa.
- Mas sobre esse “demônio” em Ikaruga... Isso só pode ser algum tipo
de conto de fadas, não?
O cientista mais velho desviou o assunto com desconforto. Os outros
cientistas riram. As muitas histórias de “monstros” e “demônios” em Ikaruga
eram bem conhecidas e tratadas como banalidade entre eles.
- Ah, sim, tem mais um. Também tem o caso do “Deus da Morte”. Já
ouviram falar dele?
- Fala daquele que está destruindo as mídias de contato com a Fronteira
e os caldeirões? Quem ou o que ele é?
- Eu não sei muitos detalhes. Só sei que ele se veste de vermelho e tem
cabelo branco...
O assistente suspirou desapontado.
- Puxa vida, o pessoal do Departamento de Inteligência é mesmo inútil,
hein?
O cientista velho não respondeu. Naquele momento, um barulho de
“clique” indicou que a porta havia sido aberta.
- Oi, com licença... Estou interrompendo alguma coisa? Com licença...
De repente, uma voz que eles não estavam acostumados a ouvir ecoou
atrás deles, e os cientistas se viraram. Pela porta entreaberta, um homem
magro de repente se fez entrar. Ele vestia um terno preto e segurava um
chapéu nas mãos. Seus olhos pareciam não saber como abrir.
- Ei, esta área é restrita! Como você entrou aqui?!

56
Um dos cientistas soou o alarme para o peculiar desconhecido de terno.
Com um olhar inocente no rosto, ele caminhou pela sala casualmente.
- Perdão pela repentina intromissão. Eu sou Hazama, do Departamento
de Inteligência. Lamento ter chegado enquanto vocês estão no meio do
trabalho...
Com uma voz cheia de sarcasmo, Hazama se apresentou. Parecia que
estivera escutando o bate-papo deles. Se tinha ou não escutado a crítica ao
Departamento de Inteligência era impossível saber.
- E o que o Departamento de Inteligência quer?
O velho cientista respondeu elevando a voz. Caminhando com passos
leves e ligeiros, Hazama parou diante dele.
- Vim para buscar o 13º corpo, mas... Acho que vai demorar um pouco,
né?
- Buscar? O programado não era transportar o 13º para Kagutsuchi
amanhã às 10h30min?
O cientista fez a pergunta sem demonstrar um pingo de dúvida. Os
outros suspeitavam cada vez mais de Hazama.
- Ah... Bom, é que as circunstâncias mudaram um pouco. Não. Na
verdade, tudo está seguindo de acordo com o plano.
- Não estou entendendo. Explique, por favor.
- Pode-se dizer que era um blefe. “Para enganar os inimigos, primeiro
engane os amigos.” É assim que dizem, não é?
Ao dizer isso, Hazama correu os olhos pelos rostos dos cientistas. O
cientista velho rapidamente entendeu.
- Compreendo. Em outras palavras, a ordem oficial foi só para desviar
a atenção.
- Isso mesmo, isso mesmo. O 13º exemplar é muito importante, afinal.
Se ele fosse destruído ou roubado seria muito ruim, não é?
- ...
- O Setor Sete já começou a agir, e é impossível saber quando eles virão
aqui causar confusão. Além disso, tem...
Hazama parou no meio da frase. Abrindo levemente um olho apenas,
continuou em voz baixa.
- A questão do “Deus da Morte” também.
Os cientistas começaram um burburinho.
- Parece que vocês não acreditam em mim. Bem, fazer o quê? Vejam,
aqui está a ordem imperial.
Ao dizer isso, Hazama sacou casualmente o que parecia ser um bilhete
escrito num pedaço de papel do seu bolso interno.
- Tem o carimbo do Imperador, estão vendo?
Ele falava em tom de desdém.

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- Não, está tudo bem. Eu entendo. Vamos fazer os preparativos para o
transporte imediatamente. Por favor, nos dê alguns minutos para
prepararmos tudo.
- Ah, antes disso... Na verdade, além de buscar o exemplar, eu também
recebi uma ordem especial...
- Ordem especial?
- Seria ruim se houvesse algum equívoco. Então eu preciso confirmar o
número do exemplar com os meus próprios olhos.
- Impossível! Como poderia haver algum equívoco?!
O assistente levantou a voz para insistir que o trabalho deles não tinha
falhas. Hazama se virou para encarar a indignação sem nenhuma alteração na
sua expressão.
- Eu entendo. Mas eu vou ter que acompanhar vocês. Acho que não é
problema, não é mesmo?
O cientista velho repreendeu seu subordinado e se esforçou para dar
uma resposta calma a Hazama.
- Não, claro que não.
O velho cientista levou Hazama para o fundo do laboratório, guiando-o
até a sala do exemplar. Conectado a vários mecanismos de retenção, o corpo
da 13ª, pendurado nos cabos, sem dúvida estava vivo. Ao se aproximar,
Hazama subiu uma escada de apoio e examinou um ponto entre o peito e o
pescoço do 13º corpo.
- Ah, entendo. É sem dúvida o 13º.
Enquanto passava o dedo pelo número 13 tatuado no corpo, Hazama
sorria.
- Está satisfeito agora?
- Sim, graças a você.
- Então vamos logo com isso.
Ansioso para acabar com aquilo, o velho cientista apressou Hazama.
Virou as costas e começou a andar rapidamente em direção à porta. Hazama
também se virou e o seguiu. Todavia, no caminho para fora, voltou-se
novamente para a direção do 13º e, com os dois olhos abertos, murmurou:
- Ei, boneca. Está na hora de você acordar do seu sonho. Você vai ter
muito tempo para continuá-lo na realidade...
Como que em resposta, a pálpebra esquerda do 13º exemplar pareceu
palpitar levemente.

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