Você está na página 1de 265

A 0|Kingdom Hearts - 358/2 Days: A Romantização

KINGDOM HEARTS -
358/2 DAYS:
A ROMANTIZAÇÃO
EDIÇÃO ESPECIAL DO 20º ANIVERSÁRIO

KINGDOM HEARTS - 358/2 DAYS: THE NOVEL (A ROMANTIZAÇÃO)


TOMOCO KANEMAKI
ILUSTRAÇÕES: SHIRO AMANO
SUPERVISOR EDITORIAL: KAZUSHIGE NOJIMA
OBRA ORIGINAL: TETSUYA NOMURA

Traduzido, revisado e editado por Sorinha Phantasie.

Esse livro é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e incidentes são obra da
imaginação do autor ou usados de forma fictícia. Quaisquer semelhanças com eventos, locais ou
pessoas, vivas ou mortas, são coincidências.

KINGDOM HEARTS © Disney Enterprises, Inc.


Personagens da série de videogames FINAL FANTASY © 1990, 1997, 1999, 2000, 2001, 2002,
2003, 2005, Square Enix Co., Ltda.
Todos os direitos reservados.

Tradução em português brasileiro pela PHANTASIE TRANSLATE, 2018. A versão atual desta
tradução foi revisada e reenviada em 2022.
A tradução deste material foi elaborada e disponibilizada sem fins lucrativos. Se você pagou
pelo acesso a este livro, você foi enganado.
Conheça mais dos nossos projetos em www.phantasietranslate.com.br

A editora original deste livro apoia o direito à liberdade de expressão e o valor dos direitos
autorais. O propósito do direito autoral é encorajar escritores e artistas a produzirem as obras
criativas que enriquecem a nossa cultura.
A digitalização, o envio e a distribuição deste livro sem permissão prévia é um roubo da
propriedade intelectual do autor. Se você quiser permissão para usar material deste livro (exceto
para fins de resenha), favor contatar a editora. Agradecemos seu apoio aos direitos do autor.
1|Kingdom Hearts - 358/2 Days: A Romantização
KINGDOM HEARTS -
358/2 DAYS:
A ROMANTIZAÇÃO
EDIÇÃO ESPECIAL DO 20º ANIVERSÁRIO

ÍNDICE
CAPA
PÁGINAS COLORIDAS

PARTE 1: O Décimo Quarto PARTE 3: Os Sete Dias de Xion


PERSONAGENS PERSONAGENS

CAPÍTULO 1: O Começo do Fim CAPÍTULO 1: Ilha das Lembranças

CAPÍTULO 2: Picolé de Sal Marinho CAPÍTULO 2: Estímulo da Memória

CAPÍTULO 3: Xion e Roxas CAPÍTULO 3: Fratura

CAPÍTULO 4: Castelo do CAPÍTULO 4: Tomando Demais


Esquecimento CAPÍTULO 5: Os Sets Dias de Xion
CAPÍTULO 5: Corrente de Memórias
CAPÍTULO 6: Treze Assentos
CAPÍTULO 6: Reunião
CAPÍTULO 7: Fuga
CAPÍTULO 7: Inseparáveis
CAPÍTULO 8: 358 Dias
CONSIDERAÇÕES FINAIS
PARTE 2: Vamos Para a Praia
PERSONAGENS

CAPÍTULO 1: Sua Keyblade

CAPÍTULO 2: Folga

CAPÍTULO 3: Batalha Contra Riku

CAPÍTULO 4: O Botão Errado

CAPÍTULO 5: Xion Adormecida

CAPÍTULO 6: Contando uma Mentira

2|Kingdom Hearts - 358/2 Days: A Romantização


3|Kingdom Hearts - 358/2 Days: A Romantização
4|Kingdom Hearts - 358/2 Days: A Romantização
5|Kingdom Hearts - 358/2 Days: A Romantização
6|Kingdom Hearts - 358/2 Days: A Romantização
7|Kingdom Hearts - 358/2 Days: A Romantização
8|Kingdom Hearts - 358/2 Days: A Romantização
9|Kingdom Hearts - 358/2 Days: A Romantização
10 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
11 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
12 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
SÓ POR QUE VOCÊ NÃO CONSEGUE SE LEMBRAR DE UMA COISA, NÃO SIGNIFICA
necessariamente que essa coisa se foi...
O pôr do sol sempre brilhava num tom escarlate ali. Que lugar era aquele?
Devia ser Twilight Town.

“Roxas...”

Quem estava me chamando?


Havia um homem de casaco negro diante de mim — não consigo me lembrar do nome dele.
Mas sei que foi ele quem me deu o meu.
E foi quando eu conheci uma outra pessoa. Ele também usava um casaco negro e tinha
cabelos vermelhos.
Nós dois tomamos picolé juntos.
Eu me lembro.
Ainda me lembro disso. Eu não esqueci.
E eu nunca vou esquecer.

Já estava tudo pronto para que ele despertasse.


Seu Heartless já havia desaparecido. O que restava era apenas um Nobody — e o próprio
garoto, agora restaurado.
Podia ouvir o oceano. As ondas iam e vinham devagar, levando a areia consigo.
Ele afundava lentamente em meio à água — ou seria apenas a maré que o estava puxando?
Finalmente, ele abriu os olhos. Estava deitado em uma cama impecavelmente branca num
quarto vazio e inóspito, tão branco quanto. Do outro lado das grandes janelas adiante, os arranha-
céus iluminados por luzes de néon brilhavam em meio ao céu extremamente negro.
Onde é que eu estou mesmo...?
Ah, é. Este é o meu quarto.
O Mundo Que Jamais Existiu — este é o nome desse lugar.
E me chamam de Roxas. Sou décimo terceiro membro da Organização XIII.
Ele sentia como se tivesse acabado de acordar de um sonho muito, muito comprido, mas
também sentia que nem chegara a cair no sono.
Ontem...
Ontem eu estive numa praia negra.
Foi onde eu o conheci — o nosso chefe.
Não conseguia se lembrar muito bem do que acontecera depois. Sequer tinha certeza de que
os eventos dos últimos dias de fato haviam acontecido.
Talvez ainda estivesse sonhando naquele exato momento.
Roxas se levantou da cama. O corredor gelado e estéril do lado de fora do quarto era feito do
mesmo material branco e artificial que não era exatamente uma pedra, mas também não era nada
que Roxas soubesse nomear. De ambos os lados, havia uma fileira de portas exatamente iguais à
que levava ao seu quarto, provavelmente com o mesmo tipo de quarto do outro lado, onde outros
como ele também deviam dormir.
Depois de andar um pouco, o corredor se inclinava para baixo, levando a uma área mais
ampla. Adiante ficava um grande salão onde a luz e as trevas se encontravam — o lugar que
chamavam de Área Cinzenta. Ele recebera instruções de ir até lá assim que acordasse.
Mas quem lhe dissera isso? Não conseguia lembrar.
A Área Cinzenta era bastante gelada e, embora fechada por uma janela de vidro, não havia
nada para ver lá fora exceto pela escuridão absoluta e algumas estruturas brancas.
— Resolveu acordar, é?

13 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Roxas se virou para a voz, deparando-se com uma mulher loira que o encarava de cima,
vestida com o mesmo casaco negro que ele. Era Larxene. Quando Roxas não lhe deu uma resposta,
ela abriu um sorriso nojento e se jogou num sofá mais adiante. Ele não fazia a menor ideia do que
aquilo significava, mas se sentiu um pouco desconfortável.
Além de Larxene, havia outros três sujeitos, também de casacos negros, matando tempo ali,
cada um a seu próprio jeito.
Um homem de cabelos vermelhos flamejantes estava parado diante da janela, contemplando
o céu obscuro. Se Roxas tivesse um motivo em particular para escolher este sujeito em vez dos
outros dois para se aproximar, não saberia dizer qual era. Mais uma coisa da qual não sabia.
No entanto, quando se aproximou, o sujeito se virou para ele com algo que parecia um
grande sorriso estampado no rosto.
— E aí, Roxas!
Sem saber ao certo como responder, Roxas apenas lançou o olhar para baixo.
— Posso te ajudar com alguma coisa, tagarela?
Na verdade, não. Ele simplesmente não sabia com quem falar. Não chegou a erguer a cabeça
nem quando Axel, o tal sujeito de cabelos vermelhos, começou a encará-lo.
Ah — é verdade, Roxas se deu conta. Naquele dia, o primeiro dia, o sujeito que estava
comigo era...
— Acabei de lembrar. Era pra gente se reunir na Sala Circular hoje... — Axel grunhiu. —
Blé, essas reuniões...
— A Sala Circular... — murmurou Roxas. Ele se lembrava disso, no seu primeiro dia... ou
teria sido depois? Ele ergueu o olhar para Axel.
— É. Parece que o chefe tem grandes notícias. Por que não vamos indo pra lá agora? —
Axel ergueu a mão e uma forte escuridão se formou diante dele, surgindo da ponta de seus dedos.
É verdade, os membros da Organização podem manipular a escuridão de acordo com a sua
vontade. Roxas também se lembrou de como chamavam aquele truque.
— Vem. Vamos pelos corredores.
— Os Corredores das Trevas...
Sim, isso mesmo. Aquela massa circular de trevas era essencialmente uma porta que levava
a outros mundos.
— Vou te falar, não sou lá muito fã desses encontros — comentou Axel em meio a um
sorriso. — Aquelas cadeiras são duras demais...
— Andem logo — disse outra pessoa, interrompendo-os do meio do salão.
Larxene já havia partido. Os únicos que restavam agora eram Roxas, Axel e um homem de
longos cabelos azuis com uma grande cicatriz no rosto — Saïx.
Todos outros a essa altura provavelmente já estavam na Sala Circular.
— Tá, tá — grunhiu Axel. — Beleza, Roxas. Você consegue dar conta do seu, né?
Após passar pela escuridão que havia formado, o portal se fechou atrás dele até finalmente
desaparecer. Roxas ficou ali parado, piscando os olhos.
— Não se atrase — avisou Saïx, desaparecendo em seu próprio corredor.
Agora Roxas estava sozinho na Área Cinzenta.
Ele olhou para as mãos. Como é que isso funciona?
Fechando os olhos por um momento, ele imitou Axel, visualizando a escuridão circular e seu
destino. E então, diante de si, ela se abriu.
Isso vai mesmo me levar à Sala Circular? Roxas ponderou por um instante, mas entrou na
passagem mesmo assim.

O grande salão redondo que eles chamavam de Sala Circular era feito do mesmo material
branco e gelado que todo o resto. No centro havia uma espécie de palanque cilíndrico, como um

14 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
palco, com treze assentos bastante altos, cada qual de um tamanho diferente, posicionados em um
círculo à sua volta.
Os outros doze assentos já estavam ocupados por outras pessoas de casacos negros, embora
Roxas não tivesse certeza se sabia exatamente qual era o nome de todos eles.
Ele olhou para o estranho emblema que mais parecia uma cruz em meio ao palanque e se
lembrou de também tê-lo visto na cabeceira de sua cama. Ele sabia o que significava — aquele era
o símbolo da Organização e dos Nobodies. Mas não sabia quem lhe havia dito isso.
— Boas notícias, meus amigos — ribombou uma voz. — Hoje é um grande dia.
Ah, eu sei quem é esse. É o nosso chefe, Xemnas.
Foi quando alguém surgiu sobre o palco redondo.
— Tenho o prazer de anunciar que um novo camarada foi escolhido para vestir o casaco.
O capuz do recém-chegado estava erguido, ocultando seu rosto em meio às sombras.
— O número quatorze agora se junta a nós.
Uma memória recente subitamente lampejou na mente de Roxas — cerca de seis dias atrás,
talvez. Axel lhe dera um casaco negro para vestir e então o levou para seu quarto.
“Vamos todos dar as boas-vindas a um dos escolhidos da Keyblade”. Não foi isso o que o
Xemnas disse sobre mim? Lembrou-se Roxas. Mas o que diacho é uma Keyblade?
A figura parada no centro do salão ergueu o olhar para ele e Roxas deu um pulo quando
notou que tinha sido pego olhando de volta.
Mas embora o capuz mantivesse os olhos da pessoa ocultos, Roxas podia ver um sorriso.
Havia algo familiar naquele sorriso, mas ele não sabia dizer onde podia tê-lo visto antes.
Havia muitas coisas das quais não conseguia se lembrar nesses últimos sete dias. Até então,
isso não lhe dera medo — mas agora, dava um pouco.
Medo? O que significava ter medo?
O ar sacudiu, e Roxas começou a procurar o motivo. Xemnas estava desaparecendo em meio
a um redemoinho de trevas. Os outros membros fizeram o mesmo.
Mas o número quatorze permaneceu, observando-o.
E então — Roxas desmaiou.

O que tá acontecendo comigo...?


Caindo... caindo... na escuridão...

Roxas havia sido carregado até sua cama, e agora Xemnas o observava.
— ...Não durma demais.
Sem receber uma resposta, o líder da Organização deixou o pequeno quarto branco.

Portais provindos dos Corredores das Trevas ondularam e se abriram sobre os assentos da
Sala Circular como velas de chamas negras, e alguns dos membros da Organização começaram a
surgir com seus casacos negros.
Os membros entre os números um e sete tomaram seus lugares — Xemnas, Xigbar, Xaldin,
Vexen, Lexaeus, Zexion e Saïx.
— Por que estamos permitindo que o novato participe? — reclamou Vexen.
O tal “novato” — Saïx, que possuía a hierarquia mais baixa dentre os membros presentes —
sequer ergueu o olhar do palanque.
— Você conseguiu extrair a Chave? — perguntou Xigbar.
— A Chave? O que, aquele fragmento? — ridicularizou Vexen. — Eu não precisaria dos
poderes da bruxa por conta de uma mera lasquinha.
15 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Não precisaremos de mais desses fragmentos? — disse Zexion.
— Isso dependerá do que o portador escolherá fazer — respondeu Vexen, a voz serena.
— E os nossos portadores estão sob monitoramento adequado? — ribombou Lexaeus.
Desta vez, Saïx respondeu:
— Marluxia tem ordens para cuidar disso. Sem falhas.
— Já é extremamente incomum que um portador da Keyblade deixe um Nobody para início
de conversa — disse Xaldin. Vendo que os olhares se voltaram para ele, resolveu vociferar suas
dúvidas: — A mera existência do Nobody dele já não tira todo o sentido do nosso plano?
— Mas ter uma garantia sempre vem a calhar — comentou Xigbar.
— O plano já foi iniciado — disse Xemnas, prontamente dando fim a quaisquer outras
discussões. Os outros seis ergueram o olhar para ele. — Para assegurarmos que o nosso novo poder
permaneça em nossas mãos, devemos prosseguir.
E com essas palavras, o assunto se encerrou e todos os presentes assentiram.

Ele acordou em sua cama.


O que aconteceu ontem? Não consigo me lembrar. De novo.
Roxas se levantou e foi até a janela. O céu estava tão negro quanto de costume, então não
dava para ter certeza, mas imaginou que já era o dia seguinte.
Quando acordasse, precisava ir à Área Cinzenta. Essa era a única coisa que sabia. Ele seguiu
pelo corredor branco que levava até lá, assim como no dia anterior.
— Roxas.
No momento em que pôs os pés no gigantesco salão, alguém chamou seu nome.
A voz pertencia a Saïx.
— Suas missões começarão hoje.
Confuso, Roxas ergueu o olhar para ele. Missões. Ele não esperava que fosse simplesmente
ficar ali sem fazer nada, mas ainda não fazia ideia do que poderiam querer dele.
— Pense nessas primeiras missões como exercícios — disse Saïx. — Você ainda tem muito
a aprender antes que o testemos de verdade. Axel se juntará a você hoje. Não é mesmo, Axel?
Quando Roxas desviou o olhar para o lado de Saïx, deparou-se com Axel — e, atrás dele,
mais alguém observava sua conversa.
O número quatorze.
— Eu mereço... — Axel coçou a cabeça. — Então você tá querendo que eu seja o mentor do
garoto agora?
— Exato. Você mostrará ao Roxas aqui como funcionam as coisas.
— Certo. Claro. Entendido, eu acho.
Completamente alheio à conversa deles, Roxas fitava curiosamente a figura encapuzada.
— Bom, você ouviu o cara. — Axel notou que algo chamara a atenção de Roxas e seguiu
seu olhar até o número quatorze. — Qual o problema? Tá preocupado com o membro novo? Pois é,
esse é o... — Ele coçou a cabeça de novo. — Como que era o nome mesmo...?
Foi Saïx quem respondeu à pergunta:
— Número quatorze. Xion.
— Isso. Eu já sabia. Xion.
Roxas também repetiu o nome, a voz suave:
— Xion...
— Deu pra memorizar, Roxas? — Axel deu de ombros, olhando para o rosto de Roxas.
— ...Sim — disse o garoto passivamente, ainda olhando para Xion.
Mas, de alguma forma, ponderou Axel, ele não parecia estar vendo nada. Não havia ninguém
nos olhos azuis de Roxas — apenas o próprio salão. O que aquilo poderia significar? Seria apenas
por que um Nobody que despertara tão recentemente era um ser indistinto?
Axel quis checar uma coisa.
16 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Tá, e quanto ao meu nome?
— É Axel. — Aparentemente, Roxas não havia se esquecido desse.
Axel tentou mais um:
— E o nome do nosso chefe?
— Xemnas.
— Muito bem! Não tem mesmo como esquecer o nome dele, né? — Axel lhe deu um sorriso
e abriu um Corredor das Trevas. — Vamos indo.

Roxas seguiu Axel para fora do corredor, onde se deparou com os túneis subterrâneos de
Twilight Town.
— Beleza então... Vamos começar falando sobre o que fazemos numa missão — disse Axel,
voltando-se para ele. — E no caso... bom, na missão de hoje, nós... hrm...
Ele coçou a cabeça e desistiu, suspirando. Roxas não reagiu, sequer piscou os olhos.
— Quer saber? Ficar falando é besteira. Vamos seguir em frente e botar a mão na massa,
beleza? — Axel saiu correndo. — Siga-me.
Ele nunca tinha visto Roxas se mover muito rápido antes, mas para sua surpresa, o garoto foi
atrás dele depressa, acompanhando seu passo. Axel fez uma pausa no alto de uma escadaria.
— Olha, não vá pensando que missões consistem só em ficar correndo e pulando por aí —
disse a Roxas. — Você tem que ficar atento.
— ...Atento? Como assim?
Aquilo lhe soara como uma pergunta genuína, não as repetições vagas que Axel costumava
receber do garoto. Seria por que ele estava movimentando o corpo? Até então, as únicas palavras
que saíam de sua boca eram nomes e pronomes, mas ele agora parecia, ainda que só um pouco,
mais engajado.
— Quer dizer que você tem que olhar em volta — respondeu Axel. — Às vezes, o que você
procura pode estar bem debaixo do seu nariz. Deu pra memorizar?
— É... Acho que sim. — Roxas assentiu obedientemente.
Axel finalmente soube que aqueles olhos azuis o estavam vendo.
— Beleza, então tá na hora de ver como é na prática — disse ele, a voz animada. — Em
algum lugar desse túnel, tem um baú do tesouro. Quero que você o encontre.
— Um baú do tesouro...? Isso é tudo o que eu tenho que fazer?
— Pois é, cuidado pra não se machucar. Enfim, não esquece de olhar em volta.
Roxas fez como lhe fora instruído, examinando seus arredores. Era como um quadro em
branco esperando para ser pintado. É verdade, podia ser por que suas reações eram relativamente
lentas, mas Axel suspeitava que também devia haver outros motivos.
Desde o momento em que se conheceram, ele soube que Roxas era diferente.

Esfregando a parte de trás da cabeça, Axel observava o redemoinho do portal negro se


dissipar. Do outro lado, no corredor, ainda podia ver, mesmo que parcamente, a imagem de seu
líder — Xemnas.
— Levar o garoto de volta. Claro. Fácil pra você dizer...
Xemnas deixara para trás um garoto de camisa branca. Ele devia ser uns dez anos mais novo
que Axel, pelo que podia estimar. Não que idade fosse algo que se aplicasse a Nobodies.
Axel não sabia sequer o nome dele. Ele provavelmente era recém-nascido, devia ter surgido
naquele mesmo dia, bem ali em Twilight Town. Aquele era um lugar especial que existia em meio
ao crepúsculo, um lugar que não era obscurecido pelas trevas e nem inundado pela luz.

17 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Nobodies não tinham um lugar para chamar de lar, mas podiam existir ali sem problemas.
Então sempre que tinha um tempo para si, Axel ficava perambulando por Twilight Town.
Ele estava vagando por ali como de costume quando, de repente, Xemnas apareceu em sua
frente. Axel não devia estar numa missão nem nada assim, mas não havia nada mais desconfortável
que topar com seu chefe num momento completamente ocioso.
Xemnas, no entanto, não tinha sermões para ele. Apenas uma ordem.
— Este é o nosso mais novo membro. — Ele havia dito. — Leve-o de volta ao castelo,
apronte-o e então traga-o a mim.
— Hein?
Mas um portal negro já estava engolindo Xemnas.
E por que você mesmo não leva ele de volta? Axel quis dizer, mas isso não teria corrido
muito bem. Nesse meio-tempo, o garoto não movera nem um músculo.
Axel suspirou.
— Bom, vamos lá. — Ele abriu um Corredor das Trevas, mas o garoto continuava duro feito
um zumbi. — ...Oi?
Axel teve que fechar o portal outra vez, pelo menos por ora, e então se aproximou do garoto.
Finalmente, ele se mexeu, erguendo o olhar para Axel.
— E aí, como é que te chamam? — perguntou Axel.
O garoto apenas piscou, o que não era o suficiente para indicar que sequer tinha escutado.
— Vamos tentar de novo. Qual é o seu nome?
— ...Ro...xas... — rouquejou o garoto, como se nunca tivesse falado antes.
Foi quando Axel se deu conta de que Xemnas devia ter acabado de lhe dar seu nome, apenas
alguns momentos antes. Fora o mesmo com ele e o seu próprio nome.
— Beleza, Roxas. Eu sou o Axel. Deu pra memorizar?
Roxas apenas o fitou com um olhar vazio.
— Bom, vamos dar o fora daqui.
Axel tinha suas dúvidas sobre levar alguém que tinha acabado de surgir para aquele castelo
aterrador e sombrio, mas não tinha exatamente muitas outras opções no momento.
Foi quando Roxas desviou o olhar para o lado. Este era o primeiro indício de uma reação a
qualquer coisa à sua volta.
— Hein? Que foi? — Axel seguiu seus olhos até um grupo de crianças da cidade.
Axel já tinha visto o trio por ali inúmeras vezes, sempre rindo e conversando uns com os
outros. Para falar a verdade, Roxas parecia ter a mesma idade que eles.
Cada um deles carregava consigo um picolé — eram de sal marinho, picolés de um azul
pálido e um distinto sabor agridoce.
Axel até que gostava um pouco. Ou melhor, lembrava de já ter gostado.
— ...Por que a gente não toma um picolé antes? — Axel seguiu em direção à loja na praça
da cidade. — Vem, Roxas! Vou até te dar um tour exclusivo por um dos melhores lugares que tem
pra dar uns rolês.
Mas Roxas continuava uma estátua.
— Ugh, sério isso...? — Axel deu a volta e espalmou as mãos em seus ombros. Roxas deu
um pulo e ergueu o olhar para ele. — Vem comigo.
Para seu alívio, quando Axel seguiu para a loja de doces no centro da praça, Roxas foi atrás.

— É esse... o baú do tesouro? — Com o objeto em questão a seus pés, Roxas se voltou para
Axel, inseguro.
— Pode apostar! Muito bem.
Roxas ficou olhando para o baú sem se mexer.
— Qual o problema?

18 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— A missão era encontrar um baú do tesouro... — disse Roxas, a voz monótona. — Então
eu já terminei, não é?
Aparentemente, havia certas sensibilidades das quais ele ainda carecia.
— Hã, Roxas? Tem uma coisinha sobre baús que talvez ninguém tenha te contado, mas...
costuma ter coisas dentro deles.
— Então eu tenho que abrir?
— Sim, é o que geralmente a gente faz. E pode ficar com o que achar dentro.
Foi quando uma chave brilhante surgiu nas mãos de Roxas. Cada membro da Organização
tinha sua própria arma, mas aquela — seria aquela a Keyblade?
Roxas tocou o baú do tesouro com a chave e ele se abriu em meio a uma forte luz.
Sem dúvidas. Essa com certeza é a Keyblade, pensou Axel. Foi como o Xemnas o chamou
no dia que levei o Roxas até ele...
“O escolhido da Keyblade.”
Então queria dizer que Roxas era um Nobody capaz de portar a Keyblade? Mas Axel nunca
ouvira falar de um portador que se havia se tornado um Heartless.
Roxas tirou uma poção de dentro do baú e a arma em sua mão desapareceu em seguida.
— Bravo — disse Axel, tentando se recompor com algum esforço. — Mas e aí, o que
achou? Deu pra pegar o jeito dessas missões?
— ...Aham. — Roxas murmurou mais alguma coisa com o rosto virado para o chão.
— Como é? Não consegui te ouvir.
Ele ergueu a cabeça.
— Eu disse...
— Sim?
— Que podia ter feito isso de olhos vendados — disse Roxas, um sorriso tímido nos lábios.
Aquilo era novidade. Um sorriso também se formou no rosto de Axel e isso lhe deu uma
sensação estranha, algo que ele não se lembrava de já ter sentido antes.
— Não vai se achando todo assim não. Mas até que você mandou bem, não posso negar. E
nenhuma missão bem-sucedida está completa sem a cereja do bolo.
Ele saiu andando.
— Mas a gente não tem que... retornar ao castelo? RAC?
— Depois. Não lembra do nosso ponto de encontro?
Axel não precisava olhar para saber que Roxas estava logo atrás dele.

O ponto de encontro deles era a torre do relógio sobre a estação de trem de Twilight Town
— bem no topo, especificamente. Dava para ver toda a cidade dali.
Enquanto Axel se empoleirava na parte da frente da torre, viu que Roxas continuava de pé.
— Senta aí também. Relaxa um pouco.
Roxas assim o fez.
— Aqui está. A cereja do bolo — Axel lhe entregou um picolé de sal marinho.
O garoto apenas olhou para ele.
— Lembra como se chama esse sabor? — incitou Axel.
— Hm...
— Picolé de sal marinho. Já te disse uma vez. Vê se memoriza as coisas. — Axel deu uma
mordida em seu picolé. Seguindo o exemplo, Roxas fez o mesmo.
— É bem salgado... mas é doce também — murmurou.
Axel riu.
— Você disse exatamente a mesma coisa da última vez.
— Disse? Eu não me lembro... — Roxas desviou o olhar para o brilho do pôr do sol. A brisa
sacudiu seus cabelos.
— Na verdade, já faz o quê, uma semana desde que você apareceu? — comentou Axel.
19 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Roxas continuava olhando atentamente para o horizonte.
— Ah. Talvez...
— “Talvez”? Qual é, pelo menos disso você tem que lembrar.
O garoto abaixou o olhar, encabulado.
— Bom, fica na boa. Afinal, é hoje que tudo começa pra valer.
— Tudo o quê...? — Roxas parecia confuso.
— Tudo! Aqui está você, em campo, trabalhando pra Organização! De hoje em diante, você
é um de nós.
— Onde tudo começa...? — Roxas contemplou seu picolé.
— Esse coiso derrete se você não tomar logo, tá sabendo?
— ...Certo. — Roxas deu mais uma mordida.
O sino da torre do relógio tocou enquanto um trem disparava pelos trilhos mais ao longe.
Aquela era Twilight Town, um lugar sempre entre a luz e as trevas.
E por ora, aquele pequeno refúgio lá dentro continuava pertencendo apenas a Axel.

20 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
21 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
TODOS OS DIAS, SAÏX LHE DESIGNAVA UMA MISSÃO.
No nono dia, foi dito a Roxas para voltar a Twilight Town, dessa vez com Marluxia. Não
havia muitas pessoas pelas ruas. Apenas o pôr do sol, que brilhava fracamente sobre a cidade.
— Roxas, não é? — disse Marluxia, dirigindo-se a ele com toda a educação. — Não creio
que eu tenha chegado a me apresentar adequadamente. Sou o Marluxia. Número onze.
Aquele era o primeiro encontro de Marluxia com um portador da Keyblade. Na verdade, ele
não se lembrava sequer de já ter visto tal arma pessoalmente. Só havia ouvido falar a respeito. Se
houvesse algo de especial naquele garoto como Nobody, Marluxia não saberia apontar o quê.
— Tá, então... — disse Roxas, tentando evitar os olhos de Marluxia enquanto falava. — O
que devo fazer hoje?
— A sua missão hoje é coletar corações. Pode invocar sua Keyblade?
— Claro... — Roxas assentiu e a Keyblade se formou em sua mão.
Marluxia deu sua primeira olhada na coisa — uma enorme chave brilhante do tamanho e
peso de uma espada.
— Número treze... O escolhido da Keyblade, aqui entre nós.
Roxas não pareceu escutar. E então, de repente...
Um único Heartless completamente negro surgiu adiante, como se a Keyblade o houvesse
invocado. Era apenas uma Sombra, o tipo mais fraco de Heartless.
— Não há o que temer — disse Marluxia. — Roxas, podemos testar um pouco esse seu
poder? Use a sua Keyblade e derrote esse Heartless.
Antes mesmo que as instruções alcançassem seus ouvidos, Roxas já estava correndo para
cima do Heartless com a Keyblade em mãos. Ele não hesitou nem por um instante ao atacar a
Sombra, uma vez, duas, e então mais outra, até que ela se desfizesse.
Ele devia treinar para eventualmente acabar com uma Sombra em um único golpe, pensou
Marluxia, mas seu nível atual era aceitável para um Nobody que despertara tão recentemente.
— Muito bem — disse Marluxia. — Esse tipo de Heartless se chama Sombra.
— Heartless... — murmurou Roxas, ainda com a Keyblade em mãos.
— Sim. Criaturas das trevas que vagam por toda parte em busca de corações — explicou
Marluxia. — Estão agrupados em duas categorias. Esse que você acabou de derrotar se classifica
como um Puro-Sangue. Mas Puros-Sangues não liberam corações quando você os derrota.
— Então como eu coleto corações?
— Derrotando os outros, conhecidos como Heartless Emblemas. Como aqueles, bem ali.
Alguns Heartless menores tinham se materializado diante deles, flutuando em meio ao ar.
— Entendido.
E mais uma vez, Roxas se lançou contra eles, bem no meio do aglomerado. Ele parecia
extremamente leve sobre seus pés. “Ágil” era a única palavra capaz de descrever seu estilo de luta.
Logo, um coração saiu flutuando de cada uma das criaturas derrotadas, desaparecendo em
meio ao céu. Era outra coisa que Marluxia testemunhava agora pela primeira vez — um coração
sendo coletado. Se coletarmos o suficiente, pensou.
Mas ainda havia muito a se fazer antes que chegassem a esse ponto. Ainda assim, o poder da
Keyblade era de fato fenomenal. Com esse poder em minhas mãos...
Roxas derrotou o último dos Heartless. Ofegante por conta do esforço, ele se voltou para
Marluxia e a Keyblade desapareceu de sua mão.
— Assim tá bom?
— Sim. Os Heartless Emblemas são seus verdadeiros alvos. Você notou? Diferentes das
Sombras de antes, corações que uma vez pertenceram a pessoas de verdade aparecem quando você
os destrói. E o seu trabalho é coletar esses corações.
— Como? Vou ter que agarrá-los antes que saiam voando?
Marluxia piscou, surpreso com como um portador da Keyblade podia saber tão pouco.
— Não, nada desse tipo. Basta o Heartless ser abatido por esta sua arma, a Keyblade, e os
corações serão capturados.
— ...E o que acontece com eles depois?

22 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Roxas só tinha perguntas, uma atrás da outra. Era mesmo um completo ignorante. Marluxia
respirou fundo antes de responder:
— Eles se juntam em um só e criam uma poderosa força conhecida como Kingdom Hearts.
Roxas inclinou a cabeça.
— ...Kingdom Hearts?
Marluxia também ainda não tinha chegado a vê-lo. Conhecia-o apenas como o produto da
pesquisa que estavam fazendo.
— Completar Kingdom Hearts é o principal objetivo da Organização. E para tal, precisamos
de todos os corações que possamos encontrar.
— Então é isso o que a Organização faz? Coleta corações?
— Na verdade, isso não pode ser feito sem o uso da Keyblade. Você é o único de nós que é
capaz de fazê-lo.
— Espera... o quê? — Roxas elevou a voz, surpreso.
— O resto de nós também pode derrotar os Heartless, mas não temos como coletar os
corações que eles liberam. Eventualmente, tais corações voltarão a se tornar outros Heartless —
disse Marluxia. — Coletá-los é uma tarefa especial que apenas você pode realizar com a Keyblade
que porta.
— Eu... Uma tarefa especial...? — Roxas abaixou a cabeça enquanto ponderava sobre isso.
Parecia que ele de fato não sabia absolutamente nada. Estariam mantendo tudo em segredo
deliberadamente ou ele só devia mesmo começar a aprender agora? Saïx não havia citado nenhuma
instrução especial referente àquela missão além de explicar a Roxas como coletar corações.
— Enfim, você deve derrotar os Heartless e ajudar a Organização a alcançar seu nobre
objetivo de completar Kingdom Hearts — disse Marluxia. — Tenho grandes esperanças em você,
Roxas. Todos nós temos.
Roxas assentiu.

A última parte da missão consistia em prestar contas a Saïx na Área Cinzenta.


— Parece que você está progredindo muito bem — disse Saïx.
— ...Acho que sim.
— Tem descansado o bastante?
— Descansado? — repetiu Roxas.
— Digo, você tem dormido apropriadamente? Tem se limpado, cuidado do seu asseio?
Todas essas coisas fazem parte de uma preparação completa para as missões.
— Hm... provavelmente — disse Roxas.
Saïx pareceu vagamente insatisfeito com a resposta.
— Estar preparado é algo de extrema importância, assim como conhecer suas próprias
capacidades. Sendo assim, a partir de hoje, você deverá fazer anotações em um diário.
— Diário?
— Você fará anotações diariamente, a fim de compreender melhor a si mesmo. — Saïx lhe
entregou um pequeno caderno de anotações. — Não há necessidade de apresentá-lo a ninguém. É
apenas para você mesmo. Agora, está dispensado. Volte ao seu quarto e vá descansar.
Com isso, Saïx deixou o salão.
Outros membros que já tinham concluído suas missões estavam matando tempo por ali,
conversando entre si. Roxas sentiu uma certa estranheza no ar e desviou o olhar para os demais
presentes, fitando-os um de cada vez. Larxene estava lá, assim como Demyx e Luxord.
— Tá olhando o quê? — ralhou Larxene, a cara fechada. Roxas imediatamente desviou sua
atenção para Demyx.
— E aí, você toca algum instrumento? — perguntou Demyx.
— Hm... Eu não... — atrapalhou-se Roxas. — Como assim?

23 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Você sabe, como uma dessas. — Demyx invocou uma arma de formato bastante peculiar
em suas mãos.
— O que é isso?
— A minha cítara. Aqui, escuta um pouquinho... — Demyx apenas dedilhou a tal arma, mas
o som que ela emitiu foi aterrador.
— Ugh! — Larxene gemeu alto. — Ninguém quer ouvir isso!
— Ninguém quer ouvir você — murmurou Demyx, imediatamente virando-lhe as costas.
— Como é? Disse alguma coisa, ô do cabelinho? — Larxene levantou do sofá num pulo.
Luxord colocou-se em seu caminho com toda a tranquilidade.
— Ora, vamos, todos precisamos tirar uma folga de vez em quando.
— Verdade. E eu logo vou tirar uma folga dessa algazarra toda.
— O quê, por quê? — perguntou Demyx, já tendo aparentemente esquecido que as palavras
duras de Larxene eram voltadas para ele.
— Não é nada com que um bando de fracassados que nem vocês tenham que se preocupar.
Tchauzinho. — Larxene deixou as instalações.
Demyx tocou mais uma nota em sua cítara.
— Juro pra vocês, essa daí não passa de encrenca!
— E não é isso o que faz das mulheres interessantes? — Luxord passou a mão por sua barba
impecavelmente aparada.
— Interessantes? Cara, isso não faz o menor sentido. — Demyx se voltou para Roxas. — O
que você acha, Roxas?
— Eu... não sei se compreendo — disse Roxas.
Seriam as mulheres assim tão problemáticas? Para ser franco, ele nem mesmo entendia
muito bem o que eram as mulheres.
— Ah, você vai entender algum dia — disse Luxord, um sorriso cheio de sabedoria se
formando em seu rosto.

No dia seguinte, Roxas foi novamente para Twilight Town, desta vez com Zexion.
Antes que Roxas se juntasse a eles, Zexion era o membro mais jovem da Organização.
Agora ele observava de perto o comportamento do novato.
Sem essa Keyblade, nosso plano nunca se concretizaria. Quando Zexion pensava a respeito
de sua antiga pesquisa, o “plano” lhe parecia um tanto contraditório, em termos — tentar reclamar o
que tinham perdido por conta de suas próprias ações.
Ele não acreditava que tinham feito algo errado ao escolher estudar e produzir os Heartless.
Só aconteceu que, neste processo, eles acabaram perdendo seus próprios corações.
— É o bastante? — perguntou Roxas após concluir sua tarefa.
— Sim, bom trabalho — respondeu Zexion. — Espero que exiba semelhante diligência nas
missões que estão por vir. Bom, tem alguma pergunta?
Roxas fez uma pausa, tentando pensar.
Zexion esperava que suas perguntas se limitassem ao escopo da missão em si. Não estava
preparado para as palavras que deixaram a boca de Roxas:
— O que é Kingdom Hearts?
Incerto sobre como responder, Zexion hesitou por um momento. Mas Roxas não esperou por
uma resposta:
— Quando eu derroto os Heartless, aqueles corações que brotam deles se tornam parte de
Kingdom Hearts, certo? Mas qual é o sentido disso? O que a gente faz com Kingdom Hearts?
Zexion ponderou criteriosamente a respeito da rápida sucessão de perguntas. Quanto será
que posso dizer...?
Era evidente que Roxas não seria dissuadido, então fez o melhor que pôde para explicar:

24 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Eu, você e todos os membros da Organização somos Nobodies... que é como chamamos
aqueles que carecem de corações quando surgem. E Kingdom Hearts é feito exatamente daquilo que
nos falta. Ele terá o poder de nos completar. Este é o objetivo da Organização.
Zexion duvidava que Roxas conseguiria compreender essa explicação. Mas, para ser franco,
ele realmente precisava?
— Quer dizer... que eu não tenho um coração? — indagou Roxas, perplexo.
Ele nem mesmo sabe o que é um coração. Eu deveria entender um pouco mais sobre isso.
Afinal, eu costumava ter um e também os estava estudando.
Ainda me lembro tão bem dos acessos de emoção que sentia na época em que tinha um
coração — mas agora já não os sinto mais.
Agora, só o que temos são as memórias e a busca para recuperar tudo isso.
— Correto. — Zexion disse a Roxas. — Nenhum de nós tem. E é por este motivo que os
buscamos. Nós nos juntaremos à agregação de corações que é Kingdom Hearts. E você nos ajudará
a reuni-los. Cada membro tem um papel distinto a fim de alcançarmos o objetivo da Organização. O
seu é coletar corações ao derrotar os Heartless com esta sua Keyblade.
Zexion ouvira dizer, no entanto, que Roxas não tinha memórias. O que significava que,
diferente dos demais, ele também não se lembrava de já ter tido um coração. Podia nem sequer
notar sua ausência.
Após a breve preleção ser concluída, Roxas abaixou a cabeça, perdido em pensamentos,
como parecia ser costumeiro.
— Mais alguma pergunta? — incitou Zexion.
— Ah... desculpa. Não. — Roxas sacudiu a cabeça.
— Então vamos RAC.
Quando adentraram os Corredores das Trevas, Zexion teve que se perguntar se Roxas de
fato estava aprendendo alguma coisa sobre o coração.

Após completar sua missão junto a Roxas, Marluxia viu Axel e foi até ele.
— Ouvi dizer que você se juntará a nós no Castelo do Esquecimento.
— As notícias voam mesmo por aqui... — Axel parou e se voltou para Marluxia. — Mas
parece que não teremos a mesma missão. Você vai ter que lidar com o portador da Keyblade.
— Você é muito bem informado.
Axel deu de ombros.
— Todos que serão mandados pra lá sabem disso no mínimo.
— E o mestre da Keyblade? Ele não te intriga, nem um pouquinho?
— Não particularmente.
Essa era a verdade. Não havia qualquer motivo para Axel se importar com esse assunto.
— Mas o Roxas expressou algum interesse, não?
— Bom, claro, é meio que a área dele. Não teria como ele não se interessar. — Axel virou
as costas para Marluxia, mas não chegou muito longe antes das próximas palavras o fazerem parar.
— E se eu te dissesse que o Roxas é justamente o Nobody desse mestre da Keyblade?
Axel se virou, estreitando o olhar enquanto fitava Marluxia. Ele não parecia estar mentindo.
— Você é tão transparente. — Marluxia deu uma risada. — Parece até que ainda é humano.
— Isso é um elogio?
Um belo sorriso se formou nos lábios de Marluxia.
— Se agir como alguém que tem coração possa ser considerado um elogio, então talvez seja.
— E? — disse Axel. — Isso não é tudo que você tinha a dizer, é?
Marluxia o encarou com um olhar incisivo.

25 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Alguns dias depois, Roxas e Axel estavam de volta a Twilight Town.
— Nossa segunda missão juntos, hein? — disse Axel.
— É... — Roxas assentiu e empunhou a Keyblade. A missão de hoje era coletar corações
novamente. O que significava eliminar Heartless.
— Vamos lá — disse Axel. Roxas disparou na frente.
Roxas já tinha realizado diversas tarefas a essa altura, mas esta era a sua primeira missão de
verdade — pelo menos de acordo com Saïx.
Axel o achara bastante ágil em seu primeiro dia no trabalho, mas seus movimentos agora
pareciam bem mais fluidos. Como seu suporte, Axel lançava os chakrams contra os Heartless, ainda
que Roxas fosse o único que podia capturar seus corações ao derrotá-los.
Qualquer um que fosse designado a acompanhar Roxas em uma missão de coleta de
corações estaria lá, por definição, apenas para lhe servir de suporte. Não que Roxas parecesse
precisar disso. Ele disparou em frente com a Keyblade em mãos, sem nem desviar o olhar para
Axel. Era mesmo incrível vê-lo em ação.
Finalmente, quase sem nenhum arranhão após coletar um número bastante decente de
corações, Roxas se voltou para ele.
— Então por hoje é só, certo?
— ...Certo — disse Axel.
Com o trabalho feito, a Keyblade desapareceu das mãos de Roxas. O suor escorria por seu
rosto enquanto ele recuperava o fôlego.
— E aí, tem algum plano? — perguntou Axel casualmente.
— Plano...? Bom, eu só ia dar o meu relatório ao Saïx e voltar ao meu quarto como sempre.
Até que era uma boa resposta, mas não era a resposta certa. Axel coçou a cabeça e desviou o
olhar para Roxas.
— Olha, Roxas...
Sua conversa foi subitamente interrompida por aquele mesmo trio de crianças barulhentas de
Twilight Town, que passaram correndo por entre os dois.
— Rápido, Pence!
— Ei, espera aí!
— O último que chegar tem que comprar picolé pro vencedor!
Parece que essas crianças estão sempre cruzando caminho com o Roxas, pensou Axel.
— Quem eram aqueles...? — perguntou Roxas, olhando para eles com certa curiosidade.
Ele os havia visto antes, quando estivera ali com Axel pela primeira vez. Mas sua memória
provavelmente estava um pouco turva.
— Ah, eles moram por aqui, eu acho — respondeu Axel.
— Hmm... — Roxas estreitou os olhos. Não era uma reação que Axel estivesse esperando.
— Todo mundo aqui age desse jeito?
A pergunta não fez muito sentido para Axel.
— De que jeito?
— Tipo, correndo atrás uns dos outros, gritando...
Roxas tinha uma estranha expressão no rosto enquanto dizia isso, uma que Axel nunca tinha
visto. Talvez alguma coisa nele se lembrasse de passar o tempo correndo e gritando com os amigos,
se divertindo.
— Bom, esse é o tipo de coisa que pessoas com corações fazem — disse Axel.
— Ah... então eles são diferentes de nós. — Roxas olhou para os pés.
O silêncio que se formou entre os dois tinha uma atmosfera pesada. Axel coçou a cabeça, até
que por fim tentou sugerir:
— A gente bem que podia tomar uns picolés também.
— Por quê?
— Por quê...? Bom, porque...

26 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Ele não sabia bem o que dizer. Só queria tomar um picolé e conversar com Roxas no seu
lugar favorito, como tinham feito no outro dia. No entanto, começava a sentir que precisava colocar
isso em outras palavras. Do contrário, Roxas provavelmente não entenderia.
Ele respirou fundo e então disse:
— Porque nós somos amigos.
Por que dizer isso em voz alta era tão terrivelmente desconfortável? No entanto, palavras só
passavam a ter algum significado quando ganhavam voz. Fosse como fosse, ele também não tinha
conseguido pensar numa resposta melhor.
— Amigos...?
— É. Amigos. Pessoas que tomam picolé juntas ou ficam rindo de coisas idiotas que não
fazem o menor sentido... Tipo aquelas crianças que a gente viu.
Roxas piscou para ele.
— Vem, vou te mostrar como funciona. — Embora Roxas continuasse confuso, Axel seguiu
em direção à loja de doces.

Na praça diante da torre do relógio, aquelas crianças pareciam discutir sobre alguma coisa.
Roxas as observava com uma curiosidade indisfarçável enquanto tomava seu picolé.
Seu senso de si tinha se desenvolvido bastante desde que os dois se conheceram, pensou
Axel, e desde a sua primeira missão juntos também. Ainda assim, ainda passava uma impressão fria
e vazia. Era algo que todos os Nobodies tinham em comum.
— Ei, Roxas.
Roxas ergueu o olhar.
Espera, o que eu ia dizer mesmo?
— O que acha da gente se encontrar aqui em cima pra tomar picolé de novo depois da sua
próxima missão? Quer dizer, quem é que quer passar os dias só indo e voltando do trabalho pro
castelo, né não?
Ele tinha dito mais do que estava esperando. As palavras pareceram simplesmente pular de
sua boca, assim como antes. Desagradável, porém genuíno. Tentando analisá-las, Roxas olhou para
as crianças na praça outra vez.
— Beleza. Acho que assim nós realmente seríamos amigos...
Axel pensou ter visto o esboço de um sorriso no rosto dele. Mas não tinha certeza.
— Bom, não vamos poder tomar picolé assim por um tempo.
— O quê...? — Roxas desviou o olhar para ele, os olhos arregalados.
— A partir de amanhã eu vou passar uns dias no Castelo do Esquecimento.
— Onde é isso...?
— Twilight Town é o único lugar que você já foi, né? Mas existem vários outros mundos lá
fora. E a Organização tem mais um castelo situado num outro mundo de intermédio. Se chama
Castelo do Esquecimento. Deu pra memorizar?
— Queria que as pessoas me contassem essas coisas... — Roxas abaixou a cabeça por um
instante. — Quando você volta?
— Sei não... Quando eles deixarem, eu acho. Mas quando eu voltar, vamos vir aqui pra
tomar uns picolés de novo.
— ...Beleza. — Os olhos de Roxas seguiram um trem mais ao longe.
— Bom, tenho que voltar pra me ir me preparando — disse Axel. — Sabe como é, muita
coisa pra resolver.
— Ah, então eu também...
— Nah, relaxa aí e toma o seu picolé. A gente se vê. — Axel se levantou e desapareceu em
meio a um portal negro que se abriu ao lado da torre do relógio.
Roxas estava sozinho.
— É bem salgado... — murmurou, dando uma mordida no picolé.
27 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
28 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Foi só então que notou que havia uma palavra no palito. Intrigado, ele enfiou todo o resto do
picolé na boca, a fim de ler o que estava escrito.
— O que isso significa...?
Sem mais seu conteúdo agridoce, ele finalmente viu o que havia no palito — a palavra
“Vencedor”.

29 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
30 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
ELE JÁ HAVIA SIDO ENVIADO AO CASTELO DO ESQUECIMENTO EM VÁRIAS OU-
tras ocasiões antes. O castelo era lar de um lugar extremamente especial, embora fossem poucos os
membros da Organização que sabiam a respeito.
Axel terminou de fazer seus preparativos para a viagem e deixou o quarto. Não voltaria ali
por um tempo.
— Axel. Tenho uma mensagem do Lorde Xemnas — disse alguém atrás dele.
Ele parou em meio ao corredor e se virou em silêncio, deparando-se com Saïx, que o fitava
sem qualquer expressão no rosto.
— Temos razões para acreditar que um ou mais dos membros designados ao Castelo do
Esquecimento pretendem nos trair. Encontre-os e livre-se deles.
Saïx parecia falar em rodeios, como se não quisesse dar uma conclusão direta dos fatos.
Não havia mais ninguém por perto. Então por que dar sua mensagem de forma tão evasiva?
Axel estreitou os olhos, desconfiado. Apesar que, parando para pensar, Saïx sempre preferira se
expressar dessa forma mais ambígua e indireta.
— Ah, sério? Foram essas as exatas palavras que saíram diretamente dos lábios do Lorde
Xemnas? — comentou Axel, sem conseguir se segurar. Saïx ergueu uma das sobrancelhas.
— E isso importa?
— Na real, sim. Acho que importa.
Incapaz de negar isso, Saïx se permitiu um suspiro.
— Você tem suas ordens. Elimine os traidores.
— Tá certo. Já entendi.
Assim que Axel respondeu, Saïx lhe virou as costas e partiu.
Havia seis membros que iam para o Castelo do Esquecimento, isso incluindo o próprio Axel.
Então, quantos deles eram traidores e do que afinal se tratava essa traição?
Ele teria que julgar tudo sozinho?
O que aconteceria no Castelo do Esquecimento? Toda essa história lhe estava despertando o
interesse, ainda que só um pouco.
Ele não notou o sorriso que começou a se formar em seus lábios.

Quando acordou, Roxas pegou o palito de picolé que havia deixado ao lado do travesseiro e
o guardou no bolso enquanto deixava o quarto.
Se era um vencedor, queria saber o que ganhava com isso.
— Axel...! — Ele entrou correndo na Área Cinzenta, mas Axel não estava em lugar nenhum.
— Axel já partiu — disse Saïx, passando por ele a passos largos.
— O quê...? — Então ele não chegara a tempo de ver Axel partir?
Saïx olhou de volta para Roxas.
— Precisava dele para alguma coisa?
— Hm... não, não é nada. — Ele abaixou o olhar, evitando olhar nos olhos de Saïx.
— Muito bem. Hoje, Roxas, você sairá em uma missão com Xion.
— Ah. Sério...? — Roxas ergueu a cabeça. A pequena figura estava parada mais ao canto, o
capuz erguido como sempre. Ele ainda não havia visto o rosto de Xion.
— Juntos, vocês eliminarão um Heartless específico — instruiu Saïx. — Roxas, você estará
no comando.
— Eu...? Certo. — Roxas assentiu, mas não sabia dizer se Xion também estava escutando ou
não. — Então vamos lá.
Xion não moveu um músculo sequer.
Sem saber bem o que mais fazer, Rixas abriu um portal negro e o adentrou. Então, no canto
de sua visão, notou que o décimo quarto membro da Organização se movera para acompanhá-lo.

31 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Em meio aos Corredores das Trevas, ele olhou para trás e viu que Xion o estava seguindo, o
rosto ainda oculto sob o grande capuz do casaco da Organização. Roxas não tinha muito a dizer,
então apenas continuou caminhando.
Mais uma vez, a missão era em Twilight Town.

Roxas avançou pela ladeira com a Keyblade em mãos, eliminando os Heartless em forma de
planta em Twilight Town.
Atrás dele, Xion o acompanhava — e nada mais. Não estava usando uma arma, nem magia.
Aparentemente, não tinha qualquer força de vontade para fazer nada além de segui-lo, como se
fosse uma sombra.
Um dos Heartless planta lançou uma torrente de sementes contra Xion, que caiu no chão em
silêncio, sem emitir qualquer tipo de som.
Por um instante, Roxas hesitou, pensando se devia ou não oferecer-lhe a mão, mas, antes de
fazê-lo, se lançou contra o Heartless, que continuava atirando sementes para todos os lados, e o
atacou em cheio com a Keyblade. Ele desapareceu e o coração que foi libertado saiu flutuando em
direção ao céu.
— Isso é tudo, eu acho — disse Roxas.
Xion se levantou em silêncio, sem sequer limpar a poeira de seu casaco negro.
Bom, foi meio esquisito, mas pelo menos conseguimos cumprir com a missão, pensou Roxas.
— Olha, eu tenho que ir num lugar — disse ele. — Se quiser, pode RAC sem mim.
Novamente, sem demonstrar sequer que o havia escutado, Xion deu a volta e começou a se
afastar, provavelmente seguindo de volta para o portal dos corredores.
Roxas foi até a loja de doces na praça do bonde. A missão tinha acabado e estava na hora do
picolé. Afinal, não era nada divertido passar os dias só indo e voltando do trabalho para o castelo.
— Um picolé de sal marinho, por favor — disse à moça no balcão da loja.
— São vinte munny — disse ela.
Ele a entregou duas moedas de dez munny e pegou o picolé com seu embrulho transparente.
Deu-se conta de que aquela era a primeira vez que ele mesmo fazia a compra. Era sempre Axel
quem comprava para ele.
Com o prêmio gelado em mãos, Roxas foi seguindo em direção à saída, mas então parou.
Ainda tinha o palito do picolé de ontem no bolso. Ele o mostrou para a lojista.
— O que isso significa?
— Ora, olha só, você é um vencedor! Parabéns!
— “Parabéns”...? — Era uma palavra nova para Roxas. Era isso o que tinha ganhado?
— Com isso, você pode pegar mais um picolé por conta da casa.
— Hm, e quanto fica?
Ele também não sabia o que significava “por conta da casa”. Só o que tinha ouvido falar era
que podia pegar coisas em troca de munny ou de corações.
— Não, não, é de graça. Você venceu! Você não tem um amigo para quem gostaria de fazer
uma surpresa?
— ...Hm, tenho, mas... ele não está aqui hoje. — Estava pensando em Axel.
— Então por que não guarda isso até que possa voltar com o seu amigo? Afinal, vai acabar
ficando com dor de barriga se tomar dois picolés sozinho, não é verdade? — A lojista devolveu o
palito “Vencedor” para ele.
— Com o meu amigo... Certo.
Quando o Axel voltar, vou mostrar o palito pra ele e a gente vai tomar picolé juntos.
Com a recompensa do dia em mãos, Roxas seguiu para a torre do relógio.

32 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Nas profundezas do Castelo Que Jamais Existiu havia uma sala branca com uma cápsula no
meio, como um enorme botão de flor. Conectada à cápsula, havia uma máquina com diversos
monitores. Saïx estava diante dela, digitando num teclado.
Quando a porta se abriu, ele se virou.
— ...Ah, Xion.
De cabeça baixa e em completo silêncio, Xion estava com o capuz erguido sobre o rosto,
como provavelmente permanecera durante toda a missão com Roxas.
— Nós preparamos o seu quarto — disse Saïx. — Você descansará aqui de agora em diante.
O número quatorze não disse nada, como sempre.
— Chame um subordinado para lhe mostrar como funcionam as coisas. Vexen não voltará
por um tempo. Venha a mim se precisar de alguma coisa.
Saïx não pareceu preocupado com a falta de resposta.
Xion permaneceu apenas aguardando.

O Castelo do Esquecimento ficava no reino de intermédio — um lugar liminar que não


pertence nem à luz e nem às trevas, mas a um lugar no meio cuja existência não era amplamente
conhecida. Era o lar de mundos obscurecidos numa névoa que nunca clareava e mundos feitos de
caminhos que se estendiam infinitamente.
Atravessando esses lugares que eventualmente passaram a chamar de Corredores das Trevas,
os membros da Organização podiam viajar do reino de intermédio para outros mundos que, de outra
forma, estariam isolados.
Em uma sala em particular no Castelo do Esquecimento, Axel estava sentado num sofá bem
semelhante ao que havia na Área Cinzenta do Castelo Que Jamais Existiu. Era tão desconfortável
quanto o outro.
O Castelo do Esquecimento era um lugar estranho. Tinha duas áreas igualmente grandiosas,
uma na superfície e outra no subsolo, e as memórias que tivessem poder sobre cada andar alteravam
as salas de acordo com quem estivesse nelas.
Quem mantinha o castelo funcionando desta forma era uma bruxa que podia manipular
memórias — Naminé. Usando seu poder, a Organização planejava reescrever as memórias do
mestre da Keyblade.
Mas, na verdade, Naminé também não era humana. E também não era um Heartless. Talvez
não fosse nem mesmo um Nobody. Afinal, a forma como havia surgido era completamente única.
Ela nascera do coração de uma princesa.
Diante de Axel, Marluxia observava uma imagem de Sora, o mestre da Keyblade, em uma
grande bola de cristal no meio da sala.
O objetivo da Organização era juntar corações e, para isso, precisavam do poder da
Keyblade. Mas eles já tinham um portador da Keyblade — Roxas.
Estaria a Organização tentando conseguir mais deles sob seu controle?
O que exatamente era essa coisa de Keyblade, afinal?
Axel sempre ouvira dizer que apenas pessoas muito especiais eram capazes de portá-la, mas
ele já tinha encontrado duas — Roxas e Sora, um humano e um Nobody.
De repente, Marluxia virou as costas para a bola de cristal e desviou o olhar para Axel.
— Então, como estão as coisas com os outros lá embaixo?
A pergunta lhe pegara de surpresa, mas Axel conseguiu encobrir isso enquanto se levantava.
O grupo da superfície consistia dos membros mais novos, Marluxia e Larxene, enquanto os
membros mais antigos — Zexion, Vexen e Lexaeus, que costumavam ser aprendizes de Ansem, o
Sábio — compunham o grupo do subsolo. Aparentemente, as duas facções pareciam nutrir certo
desafeto. Como um membro mais novo, Axel fora alocado na superfície e, sob as ordens de
Marluxia, devia espionar o grupo do subsolo.
33 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Parece que eles também receberam uma visita — disse Axel. — Riku. Já ouviu esse
nome antes?
Ele sabia que a forma Heartless de Xehanort, sob o nome de Ansem, havia possuído Riku
num determinado momento. E Xehanort tinha uma profunda conexão com Xemnas.
— Ah, sim... Aquele que certa vez se fundiu às trevas — murmurou Marluxia.
— Ah, você fez o dever de casa.
Quando descobriram que Sora adentrara os andares superiores do Castelo do Esquecimento
enquanto Riku fizera o mesmo no subsolo, as coisas ficaram um pouco agitadas.
— E o que eles estão planejando?
— Sabe Deus... Mas você tá sabendo dos experimentos que eles tão fazendo lá embaixo, né?
Embora os seis tivessem sido designados ao mesmo lugar, isso não significava que sabiam
quais eram as tarefas e objetivos dos outros ali. No fim, os membros da Organização essencialmente
trabalhavam sozinhos.
— Por acaso está se referindo àquela bobagem que o Vexen gosta de chamar de ciência? —
comentou Marluxia.
— Bobagem, é?
— Não imagino como aquela marionete nos poderia ser útil. Mas enfim, está na hora de
recepcionar o nosso herói. O mestre da Keyblade já está quase chegando.
Com isso, Marluxia desapareceu. Mesmo dentro do Castelo do Esquecimento, os membros
da Organização podiam se mover através dos Corredores das Trevas.
Seguindo sua deixa, Axel também deixou a sala.

Quando Roxas foi à Área Cinzenta pela manhã, ele se deparou com Xion, completamente
imóvel ao lado de Demyx e Xigbar, que pareciam conversar sobre alguma coisa.
— Esse lugar não é, tipo, um milhão de vezes melhor sem aquele povo chato? — comentou
Demyx, tentando engajar o número quatorze na conversa. Mas Xion permanecia em silêncio e com
o capuz erguido sobre o rosto.
— Povo chato? — Roxas se juntou a eles.
— Você sabe, o time dos sonhos que mandaram lá pro Castelo do Esquecimento. — Demyx
deu de ombros, fitando Xigbar com uma expressão maliciosa. — Bom, é um sonho pra mim agora
que eles meteram o pé, né não?
— Uma pena você e a Boneca aqui não terem tido chance de passar mais um tempinho
maroto com eles — Xigbar disse a Roxas.
— Boneca? — Não fazia ideia de quem ele estava falando.
— Xion. Quem mais tu acha que seria, garotão? — Xigbar parecia entretido com a resposta.
— Garotão? — Roxas estava a ponto de dizer que seu nome não era “garotão” quando Saïx
o interrompeu:
— Roxas, ao trabalho. Hoje você irá a Twilight Town com Xion com o objetivo de eliminar
Heartless novamente.
— ...Certo — respondeu ele.
Roxas se voltou para Xion e abriu os Corredores das Trevas sem dizer mais nada. Ou ele
teria alguém para ajudá-lo de fato hoje ou iria sozinho. Mas quando olhou para trás de novo, lá
estava Xion, seguindo-o, como fizera no dia anterior.

A missão dessa vez era eliminar uma horda de Heartless no pátio de Twilight Town. Roxas
não se preocupou em dar qualquer instrução para Xion antes de se lançar contra os inimigos com a
Keyblade em mãos.
34 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Mas hoje, as coisas foram diferentes.
Em meio ao combate, ele viu de relance Xion disparando magias contra os inimigos — não
estava apenas olhando para o nada como antes.
Após derrotar o último Heartless, Roxas sentiu que Xion lhe estava observando.
— Tenho que ir num lugar hoje de novo — disse. — Então pode RAC sem mim.
Ele tinha começado a partir quando ouviu uma voz:
— R...Roxas...
— Hã? — Ele nunca tinha ouvido um único som vindo de Xion. — O que você disse...? —
perguntou, virando-se em sua direção. A voz era feminina.
O rosto de Xion continuava oculto sob o capuz e ela não se mexeu.
Quando começava a acreditar que tinha sido só sua imaginação, Xion falou novamente:
— É o seu nome... não é? Roxas...?
Bom, qual mais seria? Pensou. Eu não tenho outro nome.
— Sim — disse ele, em voz alta.
Ela assentiu e finalmente adentrou os corredores. Roxas sentiu uma estranha sensação lhe
percorrer o corpo.
— Roxas... — murmurou.
Precisava ir à loja de doces para arejar a cabeça.

O rosto de Marluxia estava oculto sob o capuz enquanto recepcionava o mestre da Keyblade
e seus companheiros — Sora, Donald e Pateta.
Axel os espiava de um ponto cego. Empunhando a Keyblade daquele jeito, Sora se parecia
bastante com Roxas.
Eles estavam no primeiro andar do Castelo do Esquecimento.
— E então, gostaram de se encontrar com as suas memórias? — provocou Marluxia.
— É, foi bom ver todo mundo — disse Sora. — Mas o que você realmente quer de mim?
Marluxia cruzou os braços, ponderando cuidadosamente sobre sua resposta.
Se pudesse, Axel gostaria de ter uma palavrinha com Sora, embora isso definitivamente não
fizesse parte dos planos de Marluxia. Uma pena.
— E aê! — exclamou ele, surgindo ao lado de Marluxia.
— O que você quer? — Como havia imaginado, Marluxia não parecia muito feliz.
— Nada de guardar o herói só pra você! — Axel se inclinou para olhar Sora cara a cara.
Eles são mesmo parecidos...
Sora os encarou de volta.
— Então talvez você queira testá-lo... — Marluxia jogou três cartas para Axel.
— Talvez eu deva — respondeu Axel com um entusiasmo debochado.
Sem mais nada a dizer, Marluxia prontamente desapareceu.
— Ei, espera! — Sora saiu correndo em direção ao portal que havia se formado, mas Axel
bloqueou seu caminho.
— Agora é hora do meu show, mestre da Keyblade.
— ...Quem é você? — Sora voltou a empunhar sua arma.
— Ah, meu nome é Axel. Deu pra memorizar? — Ele se lembrou de quando se apresentara
para Roxas apenas alguns dias atrás.
— Axel... — murmurou Sora, ajeitando-se para olhá-lo nos olhos.
— Ótimo, você aprende rápido. — Axel abriu um sorriso e invocou seus chakrams. Atrás de
Sora, Donald ergueu seu cajado e Pateta empunhou seu escudo. — Então, Sora, agora que estamos
começando a nos conhecer melhor... vê se não morre logo!
E com isso, Axel deu um salto e desferiu o primeiro golpe contra Pateta.
— Uou! — Pateta foi jogado longe.
— Wak?! — Donald foi o próximo, jogado com cajado e tudo.
35 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Apenas Sora continuava de pé.
Em seguida, Axel abaixou os braços e uma parede de chamas irrompeu do chão, avançando
com tudo contra Sora.
— Cuidado... Vão acabar se queimando!
Donald e Pateta haviam recuado, mas Sora os chamou de volta e logo os tomou pelas mãos.
O trio passou correndo por entre as chamas e caiu rolando do outro lado.
— Olha só, nada mal! — Axel abriu um sorriso e Sora logo avançou contra ele, atacando-o
com a Keyblade. Seus chakrams apararam o golpe, mas ele fingiu que havia sido atingido com tudo
e então desapareceu.
Não havia por que derrotar Sora. Na verdade, tinha todos os motivos para não derrotá-lo.
Ainda escondido, Axel lançou as cartas que havia recebido de Marluxia nas mãos de Sora.
— Então acho que vamos precisar usá-las pra seguir em frente — disse Sora.
— É isso aí — respondeu Axel, revelando-se novamente.
— Axel?!
Aparentemente, ele realmente achava que tinha vencido. Deve ter ficado em choque.
— Vocês acharam mesmo que eu ia me dar por vencido tão fácil assim depois de uma
apresentação daquelas? — provocou Axel.
— Você só estava nos testando, né? — Sora empunhou a Keyblade novamente, apontando-a
para ele.
— E vocês passaram. Meus parabéns! Agora estão prontos... prontos para enfrentar o
Castelo do Esquecimento — disse Axel. — Vocês vão precisar seguir suas memórias. Confiem no
que se lembram e busquem o que esqueceram. E então encontrarão alguém muito especial.
Pateta inclinou a cabeça.
— Se refere ao Rei Mickey e ao Riku?
— He, he... Vocês vão ter que pensar um pouquinho mais sobre quem de fato... é mais
importante pra vocês. Nossas memórias mais preciosas situam-se tão fundo em nossos corações que
ficam fora do nosso alcance. Mas tenho certeza que você consegue encontrar as suas, Sora.
— Por que eu? — Sora aliviou a força com a qual segurava a Keyblade, assumindo uma
postura mais pensativa.
Enquanto atiçava a curiosidade de Sora, Axel também se viu perdido em meio aos próprios
pensamentos. Nobodies eram guiados por suas memórias. Mas era exatamente por isso que eles
podiam esquecer o que essas memórias de fato significavam.
Talvez isso tivesse acontecido com ele.
E agora, ali no Castelo do Esquecimento, Sora estava prestes a ter os segredos de suas
memórias deturpados e embaralhados por Naminé, a bruxa, e Marluxia, o manipulador.
A gente tem que substituir as memórias do Sora, aqui nesse castelo, pensou Axel. E então
prosseguiu com seu discurso, a fim de pavimentar o caminho para este plano:
— Você perdeu de vista a luz dentre a escuridão. E parece que você se esqueceu que tinha
esquecido.
— A luz dentre a escuridão... — murmurou Sora, como se isso o fizesse lembrar de alguma
coisa. Axel se aproveitou disso.
— Gostaria que eu te desse uma dica?
Inseguro, Pateta olhou para o amigo.
— Sora... precisa mesmo disso?
— Eu vou descobrir por mim mesmo! — retrucou Sora, voltando a empunhar a Keyblade
com toda a fúria.
— Uma bela resposta. Exatamente o que eu esperava do mestre da Keyblade. Mas já esteja
avisado... Quando suas memórias adormecidas despertarem, você pode não ser mais quem é agora.
Deixando-os ponderar a respeito disso, Axel desapareceu de verdade dessa vez.

36 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Fazia três dias desde que Axel fora para o Castelo do Esquecimento.
Assim como no dia anterior, Xion estava parada em meio ao salão. Na verdade — havia
algo diferente, Roxas notou. Assim que entrou na Área Cinzenta, Xion se voltou para ele, ainda que
só um pouco, e o fitou por baixo do capuz. Ou pelo menos foi o que pensou ter visto.
Ele se aproximou.
— Bom dia, Xion.
Ela não respondeu. Talvez o olhar tivesse sido só sua imaginação, afinal. Roxas não sabia
bem o que dizer depois.
Ainda assim... ela estava diferente. Xion estava olhando para ele.
— Hã, você precisa de alguma coisa? — Foi tudo o que conseguiu pensar em dizer. Soava
estranho porque era ele quem tinha ido até ela, mas não tinha nenhuma ideia melhor.
Foi quando...
— Bom dia, Roxas. — Aquilo definitivamente era uma resposta. Ele não teria imaginado
isso vindo da Xion do dia anterior.
— Ah, s-sim — balbuciou Roxas, atrapalhando-se para lhe dar uma resposta, quando Saïx
os interrompeu:
— Tenho uma missão de extrema importância para vocês — disse Saïx. — Um Heartless
gigante surgiu. Eliminem-no.
— Um Heartless gigante?
Todas as suas missões até então consistiam em derrotar Heartless, mas Roxas nunca tivera
que enfrentar algo gigante.
— Sim — respondeu Saïx. — Não baixem a guarda.
Roxas assentiu.
— Vamos, Xion.
Por um instante, pareceu-lhe que Xion também havia assentido.

Eles deixaram os Corredores das Trevas no alto das escadas do pátio de Twilight Town,
estreitando os olhos diante dos raios vermelhos do pôr do sol.
— Roxas...
Ele se virou. Xion estava olhando para ele. Ainda não conseguia ler sua expressão por baixo
do capuz — mas então, devagar, ela o abaixou, revelando seus cabelos negros e o rosto de menina.
Roxas teve a impressão de que já a conhecia de algum outro lugar. Mas aquele era a primeira vez
que via seu rosto.
— Vamos pegar aquela coisa. — Xion sorriu.
— C-Certo. Vamos lá.
Eles não sabiam onde estaria esse Heartless gigante, mas não havia muitos lugares em
Twilight Town onde um Heartless gigante teria espaço para andar — como a área aberta diante da
torre do relógio na estação.
Roxas saiu em disparada.

Quando chegaram à praça da estação, os sinos começaram a tocar, como uma espécie de
sinal. O ar reverberou e, no mesmo instante, eles ouviram algo rugir atrás de si. Roxas se virou num
reflexo, deparando-se com uma enorme criatura humanoide completamente negra que começou a se
erguer do chão. Aquele era o Heartless gigante — um Lado Negro.
— Aí está o nosso alvo! — Ele invocou sua Keyblade — Tá pronta?
Completamente erguido, o Lado Negro era quase tão alto quanto a torre do relógio.

37 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Sim — respondeu Xion. Ela não tinha uma arma em mãos, mas Roxas imaginou que iria
auxiliá-lo com magia, como fizera antes.
Ele disparou em direção ao Lado Negro. A criatura tinha um buraco em forma de coração no
peito, fazendo um arrepio lhe subir a espinha quando se deu conta que podia ver do outro lado.
Estaria ele atacando em busca do coração que havia perdido?
Sua mente estava divagando. Tentando livrar-se destes pensamentos, ele saltou e mirou no
braço do Lado Negro. A Keyblade atravessou a névoa de trevas que pareceu envolvê-la e atingiu o
alvo em cheio.
Atrás dele, Xion disparou uma bola de fogo contra a cabeça do Lado Negro. A criatura urrou
de forma assustadora e bateu com o punho no chão. Uma grande escuridão se formou à sua volta,
atingindo Xion e Roxas com uma grande onda de choque.
— Ngh... — De alguma forma, Roxas conseguiu manter o equilíbrio e logo se lançou contra
o monstruoso punho da criatura, atingindo-o com a Keyblade. Mas o Lado Negro rebateu o golpe,
jogando Roxas e sua Keyblade longe. — Essa não!
A Keyblade saiu voando de suas mãos e derrapou pelo chão, parando aos pés de Xion.
E então, antes que pudessem perceber, ela a estava empunhando.
— O quê...?!
Quando Roxas se recuperou do tombo, Xion saiu correndo e se lançou contra o Lado Negro.
Em meio ao ar, ela lançou a Keyblade contra ele e desferiu um golpe fatal.
Xion voltou ao chão do outro lado enquanto a criatura se dissolvia em meio à névoa negra.
— Uau... — murmurou Roxas, finalmente voltando a se levantar. Então a Xion consegue
usar a minha arma...?
Todos os membros da Organização tinham suas próprias armas. Ele nunca tinha ouvido falar
sobre alguém que tivesse usado a arma do outro.
A Keyblade se transportou da mão de Xion de volta para a de Roxas.
— Xion, eu não sabia que você podia usar a Keyblade — disse Roxas.
— Pois é... Eu também não. — Ela abriu um sorriso, um pouco desconfortável.
Ele nunca sequer havia cogitado a ideia de que alguém além dele pudesse ser capaz de usá-
la. Em sua mão, a Keyblade reluziu e então desapareceu, como sempre fazia após uma luta.
Roxas se sentia estranho. Era algo novo para ele — concluir uma missão com essa sensação
empolgante de descoberta.
E agora era hora de... Certo.
— Você foi ótima, Xion — disse Roxas. — Na verdade, merece até uma recompensa.
— Recompensa...? — repetiu Xion, surpresa.
— É. Eu conheço um lugar legal. Mas primeiro, a cereja do bolo. — Ele abriu um sorriso.
— Espera aqui.
— Hã? Roxas, espera...
Roxas saiu correndo em direção à loja de doces.

Depois que Roxas voltou à praça da estação com dois picolés, ele e Xion subiram a torre do
relógio. Na loja, ele se sentiu inclinado a usar o palito “Vencedor” para pegar o picolé grátis, mas
se segurou. Já tinha decido usá-lo apenas quando Axel estivesse de volta.
— Como você encontrou um lugar tão incrível? — ponderou Xion.
— Vamos sentar.
— Certo. — Ela se sentou logo acima do relógio, olhando para o pôr do sol ao longe.
— Aqui está. — Roxas lhe entregou um picolé. Ela o observou com curiosidade.
— O que é isso...?
— Um picolé de sal marinho. Vai, prova.
— Tá bem... — Xion deu uma pequena mordida e então murmurou: — É doce... mas um
pouco salgado também.
38 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Bem gostoso, né? Eu e o Axel sempre nos encontramos aqui pra tomar picolé depois do
trabalho. — Roxas também deu uma mordida no seu. Doce e salgado, perfeitamente equilibrado. —
É o favorito do Axel.
Xion olhou para ele, rindo um pouco enquanto ele falava do amigo que partira numa missão
em um lugar distante.
— Parece que também é o seu.
— Acho que sim. — Ele assentiu e deu mais uma mordida. — O Axel me trouxe aqui no
meu primeiro dia na Organização. E aí, depois da minha primeira missão, ele me comprou mais um
picolé. Disse que era “a cereja do bolo”.
— ...Igual você fez comigo agora?
— Aham.
Ele ainda não entendia muito bem a parte da “cereja”, só que se tratava de um picolé. Mas,
assim como o “Vencedor”, sabia que era algo especial. Então, quando Axel voltasse, Roxas usaria
o palito e daria a tal “cereja” para ele.
Ao lado dele, Xion saboreou o picolé enquanto balançava os pés.
— Vocês dois devem ser chegados — disse ela após um instante.
Roxas não sabia bem como responder a isso — mas então se lembrou da palavra certa.
— Bom, eu e o Axel somos amigos.
— Você acha... que eu também poderia ser uma amiga? — Xion o fitou com incerteza.
— Quando o Axel voltar, vamos todos tomar picolé juntos. — Roxas deu uma grande
mordida para pontuar sua declaração.
Axel logo estaria de volta. E assim que estivesse, eles poderiam tomar picolé juntos, todos
os três. Roxas ainda não tinha certeza se seria amigo de Xion.
Mas se fosse, pensou, não seria tão ruim.

39 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
40 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
RIKU ACABARA DE CHEGAR AO DÉCIMO ANDAR SUBTERRÂNEO DO CASTELO
do Esquecimento, onde Vexen estava à sua espera.
— Você deve ser o Riku.
Nós não precisamos dos poderes da bruxa. Hipoteticamente, a minha pesquisa deve tornar
possível transferir suas memórias e habilidades para a marionete.
Basta prosseguirmos com o meu Projeto Réplica.
— Quem é você? — disse Riku. — Você está com o Ansem?
— Bem... você está meio correto. Mas digamos que ele não é o Ansem com o qual você está
familiarizado. Ele é o Ansem e não é o Ansem. Em outras palavras, acredito que podemos dizer que
ele não é ninguém. — Vexen se aproximou um passo.
Podia sentir um poder negro aterrador emanando de Riku. E este poder certamente excede
até mesmo o do portador da Keyblade, pensou.
Riku o encarou.
— Ninguém? Foi mal, charadas não são o meu forte. Seja mais claro.
— Ele não pertence nem à luz e nem às trevas, caminhando no crepúsculo que há entre elas.
Que tal assim? — Vexen riu. — Entendendo agora? Ah, sim... Você também caminha entre a luz e
a escuridão. Assim como eu. Parece que temos muito em comum.
— ...Talvez. — Riku lentamente empunhou a Soul Eater. — Mas e daí? Vai pedir pra eu me
juntar a você? Como você disse, ainda há mesmo escuridão dentro de mim. Mas ela é minha
inimiga! Assim como você, emanando esse fedor horrível!
— Ah, então é uma luta que você quer? Muito bem! Lutemos, então!
Este era exatamente o método pelo qual Vexen conseguiria obter os poderes de Riku. Ele era
um cientista por natureza, não muito apto para o combate... mas não havia opção melhor. Só o que
precisava fazer era drenar toda a força que o garoto conseguisse reunir.
E então, se conseguisse produzir as réplicas em massa, a Organização teria um poder maior
que jamais tivera antes. Muito além que o de qualquer Heartless Emblema.
Vexen bloqueou um golpe da Soul Eater com seu escudo de gelo.
— Sim, sinta o ódio... Mostre-me a escuridão dentro de você!
De novo e de novo, Riku o atacava com sua espada e, a cada novo golpe, Vexen acumulava
mais de suas memórias e poderes em forma de dados.
— Eu... Eu não...!
— O seu domínio das trevas ainda é bastante medíocre. Mas pelo seu bem, espero que
aprenda rápido! — Vexen se lançou contra ele e o atacou com seu escudo.
Riku bloqueou a investida com toda a tranquilidade.
— Esplêndido! — exclamou Vexen. — A escuridão fluindo dentro de você está crescendo
com um poder formidável! Valeu à pena passar por todo o problema de provocá-lo.
— ...Ótimo. Então era só um truque. — Riku repreendeu a si mesmo, ainda empunhando a
Soul Eater.
— Todo esse excitamento me providenciou dados inestimáveis. Devo realmente agradecer a
você, Riku! — E então, com uma gargalhada alta e cruel, Vexen desapareceu da sala.
A única coisa que faltava fazer agora era implantar essas memórias na marionete como um
catalisador...

— Parece que as memórias do Sora começaram a despertar... exatamente como tínhamos


planejado. — Larxene deu uma risada, fitando a imagem Sora na bola de cristal.
Axel ergueu o olhar, abrindo-lhe um breve sorriso.
— Vamos continuar com o nosso plano. Vejamos até onde eles vão.
As memórias falsas haviam começado a tomar o controle de Sora. Aos poucos, seu passado
era reescrito para que ele agisse como a Organização queria, enquanto suas memórias verdadeiras
eram perdidas.
41 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Fragmentos de memória eram uma coisa delicadamente equilibrada. O menor dos toques
podia desalojá-los. Naminé tinha o poder de dar este toque e reorganizar os fragmentos de formas
diferentes. Entretanto, só o estava fazendo devido à força e os planos da Organização.
— Já está na hora de dar o próximo passo, não acha?
— Espera. Você já se divertiu lá no primeiro andar. — Larxene abriu seu sorriso mais
encantador. — Agora é a minha vez.
— ...Vê se não quebra ele — disse Axel, sem pensar.
— Ora, ora... estou sentindo uma fraqueza em você?
— O Sora é metade um dos nossos. Ele está do nosso lado.
Mas mesmo enquanto dizia isso, Axel não tinha completa certeza de onde queria chegar. Por
um momento, pareceu perdido em pensamentos. De quem ele estava falando, afinal? Do garoto que
queriam transformar em uma ferramenta ou da outra metade de Sora — seu Nobody, Roxas?
— Não confia em mim? — disse Larxene, simulando uma decepção debochada. — Eu sei
quando aliviar. Não sou tão estúpida a ponto de quebrar o brinquedo.
Falando em confiança... Axel ainda não sabia quais eram os traidores da Organização.
— Não esqueça. Ele é a chave. Precisamos dele se vamos tomar o controle da Organização.
Um pequeno sorriso se formou no canto de sua boca enquanto preparava a cilada. Quando
disse “vamos”, no plural, não estava se referindo exatamente a ele e Larxene. Ela podia interpretar
como eles, as pessoas na sala. Mas não queria dizer que ele estava mentindo.
E como o esperado, Larxene mordeu a isca:
— É, eu sei que você também tá nessa... Mas vê se deixa tudo na encolha, pelo menos até
que seja a hora, tá bom?
E com isso, Larxene desapareceu, seguindo para onde Sora estava. Ela admitira seu jogo
duplo sem a menor preocupação.
Então, uma vez sozinho na sala, Axel comentou consigo mesmo:
— Teria sido sábio da sua parte se tivesse feito o mesmo, Larxene.

Sozinho em meio ao laboratório obscuro, Vexen observava a bola de cristal que mostrava o
oitavo andar subterrâneo, onde dois garotos idênticos se encaravam.
Riku e a Réplica — o fruto da meticulosa pesquisa de Vexen.
Ele tinha várias outras em produção e vinha tentando diversos métodos para inserir os dados
físicos que permitiriam que a marionete copiasse a aparência e movimentos do ser original. Como
forma de garantia, tudo ainda continuava em estado experimental, mas pelo que podia observar da
Réplica na bola de cristal, seus testes pareciam estar indo muito bem.
Na bola de cristal, Riku jogou a Réplica para trás.
— Ei, cópia! Pensei ter ouvido você dizer que ia varrer o chão comigo. — Ele se aproximou
e empunhou a ponta da Soul Eater sobre o pescoço da Réplica.
— Hmph. Não se esqueça, eu ainda sou novo. Vou ficar cada vez mais forte. Não vai
demorar até que eu fique mais forte que você — retrucou a Réplica. — Então na próxima vez que
lutarmos, você tá acabado!
Sim — a Réplica se tornaria cada vez mais forte. E para isso, era necessária experiência.
Devo encontrar um oponente ainda mais forte para que ela possa enfrentar, pensou Vexen,
sorrindo para si mesmo enquanto os observava.

Sora havia derrotado Larxene.


Ela insistiu que já pretendia deixá-lo vencer, mas obviamente fugira envergonhada. Ainda
assim, Larxene acabou por levar o plano ao próximo passo.
42 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
43 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
As memórias de Sora a respeito de Kairi, a Princesa de Coração, estavam se confundindo
com as memórias falsas sobre Naminé, a bruxa. Ele estava começando a acreditar que a garota que
nunca havia conhecido lhe era alguém muito especial.
As técnicas do herói da Keyblade o lembrava de Roxas. Roxas...
Axel tinha cada vez mais motivos para pensar sobre a conexão que havia entre um Nobody e
seu ser original.
Entretanto, naquele momento, ele estava com Vexen e sua marionete, a Réplica.
A marionete de Vexen em nada parecia com o que Axel tinha visto quando foi ao subsolo
para investigar. Ela agora tomara a forma de um garoto de cabelos prateados — Riku.
Ele ouvira dizer que a Réplica se fortaleceria a partir das memórias de Riku. Era improvável
que alguém além de Vexen fosse capaz de bolar um instrumento assim tão bem elaborado.
— Como pôde se permitir humilhar por alguém de significância tão limitada? — comentou
Vexen. — Você é uma vergonha para a Organização!
Larxene ignorou o deboche.
— Como podemos ajudá-lo, Vexen? — disse Axel, voltado para ele. — Não é muito comum
vê-lo aqui em cima.
O cientista supostamente estava no comando das operações no subsolo; se havia um motivo
para que fosse à superfície, certamente seria para submeter sua criação a algum tipo de teste. E no
momento, mesmo Axel pensou que não se importaria em ver a marionete em ação.
— Vim aqui para dar uma mão — respondeu Vexen. — Vocês obviamente acreditam que
esse Sora tem um grande potencial, mas continuo desconvencido de que ele valha tanto mimo. Um
experimento, creio eu, poderia mostrar se ele nos é de algum valor.
— Hmph, lá vamos nós de novo — Larxene bufou. — Então é tudo uma desculpinha pra
você conduzir outro desses seus experimentos. Nada mais.
— Eu sou um cientista. Experimentos são o que eu faço, sim.
Enquanto Larxene e Vexen trocavam farpas, a Réplica observava Sora e seus amigos na
bola de cristal.
— Tanto faz. Pode fazer o que quiser — Axel disse a Vexen, o olhar voltado para a Réplica.
— Mas se quer saber, eu acho que testar o Sora é só uma desculpa pra testar o seu próprio servo.
— Servo? — ralhou Vexen. — Ele é o produto de pura pesquisa.
— É um brinquedo, isso é o que ele é — rebateu Larxene, curta e grossa, antes que ele
começasse com suas refutações científicas prolixas.
— Hmph. Você devia aprender a calar a sua boca em vez de tagarelar sobre algo que não
compreende — disparou Vexen.
— Enfim... Já que se deu ao trabalho de vir até aqui, vai precisar disso. — Axel jogou uma
carta para Vexen. — Um presentinho humilde pro meu superior! Espero que a use para nos dar um
belo de um show.
— Ah, isso certamente ajudará bastante. Muito bem, vamos usá-la... — Vexen acenou para a
Réplica, oferecendo-lhe a carta. — Pode vir.
— Mas é só uma carta — disse a Réplica, a voz monótona enquanto se juntava a ele. —
Para que seria útil?
— Essa carta guarda as memórias da casa de Sora e Riku — explicou Axel, examinando a
reação da Réplica.
— Com isso e uma ajudinha da Naminé, você terá todas as memórias do verdadeiro Riku.
Talvez a gente possa até conseguir que ela te faça esquecer que você não passa de uma cópia —
Larxene parecia terrivelmente entretida. — Em outras palavras, vamos refazer o seu coração para
que você seja exatamente igual ao verdadeiro Riku. Tá bem?
— Vocês querem refazer o meu coração?! O verdadeiro Riku é só um fracote que tem medo
das trevas, que tem medo de si mesmo! — gritou a Réplica. — O que eu iria querer com o coração
de um perdedor?!
Algumas das memórias de Riku já deviam ter sido copiadas para a Réplica. Se tivesse mais,
ele provavelmente ficaria ainda mais forte.
— Alguma objeção, Vexen? Afinal, você quer testar o Sora, não é mesmo?
44 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Vexen cruzou os braços, considerando a proposta de Larxene por um breve momento.
— Que seja feito.
— Como pôde?! Vexen, está me traindo?! — A Réplica o encarou em protesto.
— Eu falei que faria bom uso de você, não falei?
— Relaxa, rapazinho — disse Larxene. — Acho que nem vai doer tanto assim!
— Vou te mostrar o que é dor! — A Réplica se lançou para cima de Larxene com a espada
em mãos. Ela o atirou de volta sem a menor dificuldade.
— Brinquedinho estúpido! Achou que ia conseguir me machucar? De onde tirou uma ideia
dessas? Mas, ei, olha pelo lado bom. A Naminé vai apagar a memória em que eu te jogo longe junto
com todo o resto que tem aí nessa sua cabecinha. Em vez disso, ela vai implantar as memórias mais
bonitinhas que você já viu! Quem liga se são todas de mentira? Nada demais!
Enquanto a Réplica tentava se erguer, Larxene se inclinou sobre ele.
— Não...!
Mas o próximo ataque de Larxene o jogou na parede, apagando-o.
— Muito bem, Naminé, agora é com você — disse Axel, chamando a garota sentada em
silêncio no canto da sala.
— Certo... — murmurou ela.
— Na verdade, é possível rearranjar memórias sem a ajuda da bruxa. — Vexen tomou a
Réplica em seus braços.
— Ah, dessa eu não sabia — disse Larxene. — Acontece que rearranjar memórias é uma
coisa, mas também precisamos reescrevê-las. E ela é a única que pode cuidar dessa parte. Não é
verdade, Naminé?
Naminé assentiu de leve.
— E quando você reescrever as memórias deles, tanto o Sora quanto essa marionete vão te
amar — acrescentou Larxene. — Não está feliz?
Naminé não respondeu.

As memórias da Réplica estavam sendo reescritas, assim como as de Sora.


Enquanto observava a marionete que dormia na cápsula com a forma de um botão de flor,
Axel murmurou para a garoto a seu lado:
— É um poder realmente incrível esse que você tem, Naminé.
— Mas... só o que eu posso fazer é juntar os fragmentos de memórias de formas diferentes
— disse ela. — Não posso acrescentar fragmentos que nunca estiveram lá.
— Então quer dizer que, contanto que você tenha os dados, pode fazer o que quiser com
eles? — indagou Axel.
A Organização já possuía a tecnologia necessária para converter memórias em dados.
— Mas também preciso de algo para contê-los — disse Naminé. — Como um receptáculo.
— Um receptáculo, hein...?
Então nesse caso, pensou Axel, a Réplica era o receptáculo.
— Além disso, — prosseguiu ela — Nobodies como você estão à mercê das suas memórias.
O procedimento pode despertar algo semelhante na Réplica.
— Como assim?
— Um coração... — Naminé estava para dizer mais alguma coisa, mas, neste momento,
Vexen entrou com tudo na sala.
— Ainda não terminou de reescrever essas memórias?
Ela se virou para ele.
— Não, ainda não terminei. Se sua corrente de memórias se partir, é possível que a própria
Réplica também acabe quebrando...
— Bom, de acordo com a Larxene, Sora já está quase chegando no próximo andar. Não nos
resta muito tempo.
45 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Vexen digitou alguma coisa no teclado da cápsula e a porta foi se abrindo devagar.
A Réplica piscou.

Naminé assistia a Réplica lutar contra Sora na bola de cristal.


— Você tem as minhas simpatias — disse Axel, a voz baixa. — De coração.
Suas palavras eram para a Réplica. Não para ela.
Ela desviou o olhar para Axel, curiosa. Algo começou a cintilar em seus olhos — algo como
determinação. Será que ela tá tramando alguma coisa...?
Axel devolveu o olhar.
— Mas não perca seu tempo — alertou a ela. — Nós que não somos ninguém jamais vamos
poder ser alguém.
Naminé abaixou o olhar para o caderno de desenho em seus braços.
Marluxia estava certo em manipular o herói da luz. Mas o grupo do subsolo também não
estava errado, criando a Réplica em resposta. E como não estava de nenhum dos lados, Axel podia
se aproveitar tanto da Réplica quanto do portador da Keyblade.
Mas, naquele castelo, seria possível permanecer no topo sem Naminé. E ela tinha dito coisas
bem interessantes quando conversaram mais cedo diante da Réplica adormecida.
— Diga, Naminé. Não há algo que você possa fazer?
Quando ela ergueu a cabeça, havia temor em seus olhos.

— Ei, cópia... digo, Riku.


Após uma segunda derrota contra Sora, a Réplica se deparou com Axel diante de si. Ele não
tinha mais nenhuma de suas memórias. Acreditava agora ser o próprio Riku.
— O que você quer? — indagou.
Havia suor escorrendo pela testa da Réplica, Axel notou. Então marionetes suavam?
— O herói é bem forte, hein? — Com um sorriso estampado no rosto, Axel lhe tocou o
ombro. — Até a Naminé admitiu que curte caras mais fortes, sabia?
A Réplica abaixou o olhar, mordendo o lábio — exatamente como um garoto humano com
coração faria.
— E aí? — disse Axel. — Gostaria de se tornar mais forte, não é verdade, Riku?
— Como? — A pergunta veio acompanhada de um olhar ressentido.
Axel lhe lançou uma única carta. Ela acertou a Réplica no peito e caiu até o chão.
Aquela carta não possuía ligação com as memórias de ninguém — na verdade, tratava-se da
chave para uma sala no Castelo do Esquecimento. Normalmente, quando se erguia uma carta diante
de uma porta, um novo mundo se abria do outro lado, mas esta se ligava apenas a qualquer sala
onde Sora estivesse.
Axel havia feito sua escolha. Em vez de deixar Vexen mexendo os pauzinhos, Axel faria da
Réplica o seu próprio peão.
— Se usar essa carta, conseguirá um pouco mais de poder. Que tal?
— ...Por que está me ajudando? — A Réplica olhou para a carta que deixara cair no chão.
— Porque eu também não me importaria de ver o herói ser derrotado.
Era uma mentira tão deslavada que provavelmente nem mesmo uma marionete acreditaria
em suas palavras. Mas ainda devia surtir o efeito que desejava.
Com as memórias falsas de Riku implantadas nela, a Réplica queria poder a qualquer custo.
Este era o único sentido de sua vida agora.
— E então, Riku, o que está esperando? — incitou Axel.
Parecendo ter tomado sua decisão, a Réplica pegou a carta.
46 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Na superfície, a situação após a derrota de Larxene havia se revertido. Dessa vez, era ela
quem estava reclamando com Vexen.
Axel não os estava ignorando, mas também estava de olho em Naminé, acanhada mais ao
canto. Quanto será que ela sabia sobre aquela marionete?
— O que foi que aconteceu, Vexen? — ralhou Larxene. — Achei que o Riku estivesse sob
seu controle. Cadê ele?
A Réplica sumira após sua última luta com Sora — ou pelo menos era o que eles pensavam.
Na verdade, após sua falha, ele mordeu a isca de Axel e se foi. Vexen e Larxene, entretanto, não
tinham como saber disso.
— Ele tá escondido pra atrair o Sora mais pra dentro do castelo, não é mesmo? — sugeriu
Axel. — Acho que é melhor considerarmos que essa é a situação.
Larxene chegou a bater palmas em meio a uma risada dissimulada.
— Ah, sim! Agora que eu entendi! Nunca teria me dado conta! Sinto muitíssimo. É que é
difícil dizer se a sua pesquisa serve de alguma coisa pra gente.
— Silêncio! — Vexen tremia de raiva.
— Ah, você odeia que te digam a verdade, não é? Simplório demais pra um cientista.
— Olha só quem fala... — Vexen invocou seu escudo. Mas um segundo depois que ele se
materializou em sua mão, Marluxia, que estivera ausente já há algum tempo, surgiu entre a dupla,
separando a discussão.
— Basta.
Larxene e Vexen pararam onde estavam.
— Vexen, o fato é que o seu projeto falhou — declarou Marluxia, a voz com uma pontada
de repulsa. — É melhor que não nos desaponte outra vez.
Pelo que tinham visto da Réplica até então, a estratégia de Vexen — ou melhor, seu projeto
— poderia ser considerada um sucesso. Mas, para Marluxia, eles não precisavam de uma marionete
que não agisse de acordo com as vontades da Organização.
— Desapontar vocês?! Você foi longe demais! Nessa Organização, você é o número onze!
Enquanto que eu sou o número quatro, e não vou ficar recebendo ordens de alguém como você! —
Vexen apontou o escudo para ele.
Marluxia respondeu com um desdém gelado:
— Este castelo e a Naminé foram confiados a mim. Desafiar-me será considerado uma
traição contra a Organização.
— E traidores são eliminados. É o que dizem as regras! — chiou Larxene atrás dele.
Ela não estava errada. De acordo com suas regras, um membro que desafiasse a Organização
não sobreviveria para contar a história.
— Volto a dizer, seu projeto falhou — disse Marluxia. — E se vê necessário que eu relate
esta falha a nosso líder.
— O quê? Não, espere! Não conte a ele! — implorou Vexen, quase caindo de joelhos.
A boca de Larxene se torceu num sorriso malicioso frente a seu desespero. Vexen, de cabeça
baixa, provavelmente não pôde vê-lo.
— Talvez possamos dar um jeitinho — disse Marluxia, a voz suave.
— Como? — Vexen ergueu o olhar novamente.
— Elimine o Sora com suas próprias mãos.
— O quê?! — disparou Vexen. Nenhuma de suas previsões poderia tê-lo preparado para
uma ordem como essa. Mesmo Larxene também parecia surpresa.
— Algum problema? — perguntou Marluxia, um sorriso elegante se formando em seu rosto.
— Não, é que, bem... Será que isso não vai causar problemas?
— Não há com o que se preocupar — declarou Marluxia, encerrando o assunto diante da
inquietação de Vexen.
47 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Um silêncio desconfortável se instaurou entre eles, até que Larxene o quebrou:
— Tá falando sério?
Marluxia não respondeu. Como se a pergunta de Larxene fosse o último empurrão do qual
precisava, Vexen desapareceu da sala.
— Dando um desafio como esse para o Vexen, ele com certeza vai tentar eliminar o Sora —
comentou Axel. Mas suspeitava que a verdadeira intenção por trás da ordem era que Vexen fosse
eliminado, não Sora. Marluxia não era um completo idiota, afinal.
— Esta seria uma conclusão bastante infeliz. — Marluxia seguiu até o canto onde Naminé
estava encolhida, tremendo. Seus ombros praticamente saltaram quando ergueu o olhar para ele. —
O que vai fazer? Seu herói logo deixará de existir. Mas creio que haja uma certa promessa que ele
fez para você. Não é verdade, Naminé?
— Sim... — respondeu ela, a voz fina e diminuta.

A Keyblade atingiu Vexen com tudo, jogando-o de joelhos no chão.


— Conseguimos! — Sora fez uma pose de vitória.
— Então vocês lutam pra valer mesmo... — murmurou Vexen, tentando voltar a se erguer.
— Já devia ter esperado... vocês não morreriam tão facilmente.
Mesmo com o rosto contorcido de dor, sua voz era tomada por uma confiança excessiva.
— Até parece que perderíamos pra você! — gritou Donald, logo atrás de Sora.
— Eu não teria tanta certeza. Vocês sequer notaram? Enquanto lutávamos, eu fiz uma busca
profunda nas suas memórias, Sora. E então... veja só o que encontrei! Uma carta feita a partir de
todas as memórias seladas do outro lado do seu coração. — Vexen lançou a única carta na direção
de Sora. — Se quiser mesmo me enfrentar, entre no mundo que criar com esta carta!
— Do que ele tá falando? — Enquanto observava a cena na bola de cristal, Larxene desviou
o olhar para Marluxia.
— Aquela... é Twilight Town — murmurou Marluxia, citando o nome do local estampado
na carta nas mãos de Sora. Axel ergueu as sobrancelhas de leve.
— O que ele tá tramando, afinal? — ponderou Larxene.
— Ele provavelmente acha que vai ter vantagem se lutar num mundo que conhece melhor.
— Axel cruzou os braços.
— Puxa vida... e não é que o Vexen foi lá e perdeu a cabeça? E agora, Axel? Achei que o
Sora não pudesse descobrir sobre o outro lado.
Mas qual lado realmente era o “outro”? Pensou Axel. Seria Sora o outro lado de Roxas, o
Nobody? Ou Roxas era o outro lado de Sora?
E o que Vexen estava tentando fazer? Teria isso algo a ver com seus experimentos? O que
poderia estar tentando conseguir mexendo com as memórias de Sora?
E como Twilight Town sequer podia estar nas memórias de Sora?
— Bom, se ninguém chegar a confrontá-lo, acho que podemos nos safar dessa. — disse
Axel, tentando esconder o desconforto. — Mas...
— Deixe que a Naminé cuide de tudo. E vá para lá também, Axel. Acredito que saiba o que
deve ser feito.
Ele sabia — não havia mais dúvidas em sua mente. Mas, ainda assim, abriu um sorriso
malicioso para Marluxia.
— Na verdade, eu não faço ideia. Talvez você possa soletrar pra mim.
— Vexen claramente cometeu um ato de traição contra a Organização — disse Marluxia
com um sorriso no rosto, como se estivesse falando algo trivial. — Você deve eliminar o traidor.
— Agora não tem mais volta, é bom que saiba disso. — Sem mais discussão, Axel se virou
e deixou a sala sem usar um portal negro.

48 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Ele atravessou a passos largos os corredores até o andar onde Sora e seus amigos estavam.
— Eliminar o traidor, hein...?
Isso tornara claro para ele quem eram os verdadeiros traidores — pelo menos aos olhos da
Organização.
Marluxia e Larxene tramavam trair todo o grupo. Vexen, por sua vez, era só um idiota com
um laboratório e, contanto que sua posição fosse respeitada, se interessava bem mais por ciência
que por jogos de poder.
Assim, restava apenas o grupo do subsolo, mas ainda era cedo para julgá-los ao certo.
Axel não ia ficar pensando sobre a moralidade de eliminar Vexen. Era só mais uma tarefa
para manter as aparências com Marluxia e Larxene. Podia pensar nisso como autopreservação. Mas
por que Vexen havia conjurado Twilight Town de todos os lugares?
Graças a essa ideia genial, agora até mesmo a Réplica iria para lá.
E se o pior acontecesse e Sora acabasse descobrindo sobre Roxas — o que aconteceria
então? Como um humano reagiria ao descobrir sobre seu próprio Nobody?
Se Sora acabasse sendo destruído, o mesmo provavelmente também aconteceria com Roxas.
Tinha que impedir ao menos que isso acontecesse.
Foi quando Axel finalmente chegou a Twilight Town do décimo primeiro andar do Castelo
do Esquecimento, onde Sora aguardava.
Aquele lugar supostamente fora extraído das memórias de Sora, mas era exatamente igual à
cidade que Axel conhecia. Desde as casas de tijolo até a cor dos ladrilhos pela rua, não havia um
único detalhe diferente.
— Mano... Esse castelo é mesmo incrível — disse ele, a voz baixa, admirando novamente o
poder daquelas salas brancas que se transformavam em outros mundos com base em memórias.
Ele seguiu para a floresta que levava à mansão assombrada. A Réplica não estava à vista,
mas isso não significava que não estava lá. Sora e seus amigos, no entanto, deviam estar por ali.
Conseguia ouvir Vexen gritando do outro lado das árvores.
Mantendo-se escondido nas sombras, ele espionou a conversa dos dois. Independentemente
do resultado, seria mais fácil concluir sua tarefa depois.
— Sora... tenho uma pergunta para você — dizia Vexen. — Suas memórias de Naminé ou
seus sentimentos sobre este lugar... qual dos dois seria mais real para você?
— A Naminé, é claro! — rebateu Sora. — Seja lá o que for o que estou sentindo aqui,
aposto que é só mais um dos seus truques baratos!
O que queria dizer com isso? O que Sora sentia sobre daquele mundo? Era familiar para ele?
Alguma coisa estava acontecendo à conexão entre as memórias de Sora e as memórias de Roxas.
Ou será que eles sempre tinham sido assim, tão profundamente conectados?
— He, he... Os ardis da memória podem ser cruéis. Em seu silêncio, nos esquecemos, mas
em sua obsessão, ela aprisiona nossos corações. — A confiança excessiva de Vexen não diminuía,
mesmo frente ao garoto com a Keyblade em mãos. — Eu já disse, este lugar foi criado somente pelo
outro lado da sua memória. É no outro lado do seu coração que existe a memória sobre este lugar. É
o seu coração que se lembra.
Seria possível que Vexen, ponderou Axel, soubesse alguma coisa sobre a conexão entre
Sora e Roxas... e o coração?
— Você tá errado! Eu não conheço esse lugar! — Sora se lançou contra ele com a Keyblade.
— Se vai continuar preso pela corrente de memórias e se recusa a acreditar no que realmente
há no seu próprio coração... então pode muito bem jogá-lo fora. Você não é um mestre da Keyblade.
É apenas um escravo controlado pelas memórias. Exatamente como o meu Riku. Sua existência não
vale de nada!
Ele não era diferente da Réplica — uma marionete impotente frente às próprias memórias.
— O seu Riku? Não vale de nada...? — Sora franziu o cenho, confuso. — Já chega! Foi
você que mudou o Riku! Não vou dar ouvidos a você!
49 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
50 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Oh? Você acha que eu mudei o Riku? — Vexen gargalhou.
— Qual é a graça?!
— Hm... Bem, talvez se possa dizer que eu o mudei. No entanto... o fato é que este lugar lhe
é familiar. Sendo assim, você não pode confiar nos próprios sentimentos, não é verdade? — Vexen
parecia perfeitamente calmo, como se quisesse fazer contraste com a voz elevada e furiosa de Sora.
Esse cara precisa muito calar a boca, pensou Axel, preparando-se silenciosamente para o
momento certo.
— Cada palavra sua não passa de uma mentira! — Sora o golpeou com a Keyblade, mas o
escudo de Vexen bloqueou o ataque e jogou Sora para trás.
— Você não é um herói. Não passa de uma marionete que jogou fora o coração de um herói.
— Eu nunca jogaria o meu coração fora! Eu vou acabar com você e salvar o Riku e a
Naminé! Isso é o que está no meu coração!
Mas o que é um coração...?
— Você é mesmo uma marionete tola. Agora morra! — Vexen disparou uma rajada de gelo
contra Sora.
— Chamas! — Donald estava pronto com uma magia para derreter a investida. — É melhor
não se esquecer de nós.
Eram três contra um, então Vexen estava em clara desvantagem. Se o trio o destruísse, Axel
seria poupado de um bocado de problemas.
Mas então, outra figura surgiu diante dele — a Réplica.
Sora e Vexen não notaram a presença do outro garoto. A Réplica, por sua vez, também não
parecia ter notado Axel, ainda oculto nas sombras da floresta.
— Ora, ora, vejam quem está aqui — disse Axel. — E aí, Riku.
A Réplica se virou para ele.
— O que está havendo? Você tinha dito que eu ficaria mais forte se viesse aqui...
— Ah, foi isso que eu disse? — Axel abriu um largo sorriso, cruzando os braços.
— Você mentiu pra mim?
— Eu jamais faria isso. Assista ao show, Riku. — Ele fez menção à batalha. Durante sua
breve conversa, Sora começara a lutar com tudo. Com a ajuda de seus amigos, havia causado uma
boa quantidade de danos a Vexen. — O moleque não é de se jogar fora, hein?
A Réplica não reagiu à admiração indisfarçada de Axel, continuando apenas a assistir a
ferocidade de Sora em silêncio. Foi quando a Keyblade de Sora passou cortando o ar, atingindo
Vexen em cheio.
— Ngh... E pensar que você tem toda esta força, mesmo à mercê de suas memórias... sua
existência é mesmo um risco.
— Nada disso importa! Só traga o Riku de volta ao normal! — Sora apontava a Keyblade
para seu peito.
— Trazê-lo de volta ao normal? Você não faz mesmo a menor ideia do que está dizendo. O
Riku de quem está falando não tem nada além de um único destino: afundar na escuridão. E você,
Sora, compartilhará deste destino! Se continuar a buscar por esta garota, Naminé, as correntes se
apertarão, você perderá seu coração... e se tornará um mero boneco nas mãos de Marluxia!
— Marluxia?! O que a Naminé tem a ver com...?
Se a Réplica ficasse sabendo sobre o plano... Se o Sora ficasse sabendo...
— Ha! Isso aí já não estava nos planos. — Axel deu uma risada, como se não fosse um
grande problema, e levou a mão ao ombro da Réplica.
— ...O que quer dizer com isso? — perguntou a Réplica, mas Axel respondeu apenas com
um sorriso e então empurrou seu ombro com toda a força.
Foi o suficiente para jogá-lo com tudo para trás, mas ele não caiu no chão, ou pelo menos
não ali. Axel o atirara num portal negro para um dos corredores do Castelo do Esquecimento. Ele
tinha a habilidade de transportar outras pessoas dentro do castelo, assim como fazia consigo mesmo.
A Réplica estava ficando em seu caminho, afinal.
Finalmente, Axel se revelou, saindo das sombras e lançando seus chakrams contra Vexen.
Não era um ataque assim tão poderoso, mas poderia destruí-lo se o atingisse um ponto vital.
51 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Vexen grunhiu, caindo com tudo no chão.
— E aí, Sora. Te peguei numa hora ruim? — Axel se voltou para Vexen, empalando-o com
o chakrams.
— Ngh... Axel, por quê...?
— Vim te impedir de falar demais... eliminando a sua existência. Só isso.
Vexen se arrastou pelo chão, implorando desesperadamente para Axel:
— Não... Não faça isso!
— Nós não somos ninguém. Nem deveríamos existir... e mesmo assim, cá estamos nós. Mas
agora, você pode não ser nada em vez de só não ser ninguém. Não precisa mais se preocupar. —
Axel esticou a mão, que logo se incendiou. Após a batalha contra Sora, Vexen já não tinha quase
mais forças sobrando. Destruí-lo seria fácil até demais.
— Não... Por favor, não...! Eu não quero...
— Adeus. — As chamas de Axel cobriram todo o seu corpo.
Vexen deu um berro de angústia apenas um segundo antes de as chamas o consumirem e ele
desaparecer por completo.
Aparentemente, Nobodies não deixavam nada para trás quando eram eliminados.
— O que você...? O quê vocês são?! — gritou Sora.
— Hm. Sei lá. Bem que eu gostaria de saber. — E com essas palavras, Axel também se foi.

Agora não havia mais volta...


— Bom trabalho, Axel. É ótimo finalmente poder se livrar daquele tagarela! — Larxene lhe
cumprimentou. Ele a ignorou e se voltou para o chefe do castelo.
— Marluxia... Você usou o Vexen para testar a força do Sora, não foi?
Marluxia se recusou a responder.
— Não só a do Sora. A sua também. — Larxene se aproximou e encostou com o ombro em
Axel, agindo com intimidade até demais. — Não sabíamos se você tinha a audácia pra se livrar de
um companheiro de equipe. Bem, parece que você tem! É hora de se juntar ao time. Tomar a
Organização vai ser brincadeira de criança com nós três juntos!
É sério...? Vocês subestimam tanto assim a Organização e eu?
— Ah, e é aí que o Sora entra — disse Axel, dando de ombros.
— Mas é claro! Ele quer ver a Naminé, então por que não lhe damos o que tanto deseja?
Com isso, Marluxia finalmente esboçou uma reação — um sorriso cruel se formou em seus
lábios enquanto seguia para o canto da sala. Naminé os estivera escutando e, apertando com força o
caderno de desenho em suas mãos, ergueu o olhar para ele.
— Alegre-se, Naminé. Já está chegando a hora de você se encontrar com o herói por quem
tanto aguardou.
— Eu... estou alegre. — Sua voz era pouco mais que um sussurro.
Larxene finalmente se soltou de Axel e, com um sorriso na voz, alertou Naminé:
— Mas já vou te avisando, é melhor você não fazer nada pra trair os sentimentos do Sora.
Tá me entendendo, pequenina?
— ...Eu compreendo.
— Tudo que precisa fazer é mesclar as camadas das memórias do Sora e trazer o coração
dele para mais perto de você — disse Marluxia.
Ele olhou de soslaio para Larxene e os dois desapareceram.
— Naminé... — disse Axel, a voz suave, mas ela não se mexeu.

52 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
53 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
AQUELE ERA O VIGÉSIMO SEXTO DIA DESDE QUE ENTRARA PARA A ORGANIZA-
ção. Roxas acordou como sempre e, como de costume, seguiu para a Área Cinzenta. A atmosfera lá,
no entanto, estava diferente.
— Então o que foi que aconteceu, afinal? — Os braços de Xaldin estavam cruzados e sua
expressão, normalmente séria, ainda mais severa.
— Ei, não olha pra mim! Eu também acabei de descobrir, tipo, uns dois minutos atrás. Mas
se for verdade, estamos bem encrencados... — Demyx também parecia bastante inquieto.
Aquilo não parecia bom.
— Tá tudo bem? — perguntou a Xigbar, parado ao lado de Saïx.
— Tudo bem? Até parece. Tá rolando um papo de que pelo menos um dos membros que
mandamos pro Castelo do Esquecimento foi aniquilado.
— Aniquilado...?
Não era uma palavra que Roxas costumava ouvir em uma conversa. Mas ele sabia o que
significava. Deixar de existir.
Então o que estava acontecendo...?
Axel supostamente estava no Castelo do Esquecimento. Queria dizer que Axel tinha sido...
aniquilado?
— Roxas, sua missão. Você irá com Xigbar para outro mundo... Agrabah.
Roxas ergueu o olhar, surpreso por estar recebendo ordens. Mas é claro, era Saïx. E ele não
parecia diferente de seu normal.
— É verdade... sobre o Castelo do Esquecimento? — perguntou, sem olhar seu superior nos
olhos. Saïx o respondeu com frieza:
— Não é da sua conta.
— E quanto ao Axel? — pressionou o garoto.
Ouvindo este nome, Saïx estreitou os olhos, mas não o suficiente para que Roxas notasse.
Ele não se atentava a mudanças assim tão sutis.
— Quem sabe — disse Saïx, enfim. — Talvez esteja dentre as baixas.
— O quê...? — Subitamente, Roxas não tinha palavras. Não podia ser.
— A partir de hoje, a loja também estará aberta a você — prosseguiu Saïx. — Você poderá
comprar coisas com o Moogle usando o munny que coletar em suas missões.
Roxas não disse nada.
— Está me ouvindo?
— Hm... hã, sim...
Saïx estava apontando para alguma coisa — uma pequena criatura que vestia o casaco da
Organização, batendo as asinhas para planar em meio ao ar. Era um Moogle.
— Pegue o que precisar da loja antes de partir — concluiu Saïx.
— ...Certo. — Roxas foi falar com o Moogle.
— Meus cumprimentos, kupo. Qual seria o seu nome?
— É Roxas — respondeu, olhando para a criatura branca e felpuda com um grande nariz
vermelho. — E qual o seu?
O Moogle parou para pensar por um momento antes de responder:
— Meu nome não tem importância, kupo.
— Mas...
— Você está aqui para fazer compras, kupo? Pode vir, kupo, pra dar uma olhada nas minhas
mercadorias fantásticas.
— Ah. Tudo bem...
A loja do Moogle oferecia toda uma variedade de coisas que Roxas não havia conseguido
obter em baús do tesouro ou derrotando Heartless. Ele comprou alguns itens e então arrumou seus
equipamentos para a missão.
— Já tem tudo o que precisa, kupo?
— É... acho que sim.
A palavra aniquilado continuava revirando em sua cabeça.

54 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Bóra, Roxas — chamou Xigbar, como se estivesse esperando o novato terminar suas
compras há horas. — Logo com isso.
— Certo... — Roxas seguiu Xigbar rumo aos Corredores das Trevas.

Eles saíram da escuridão em meio a uma cidade desértica banhada pela forte luz do sol —
Agrabah. A missão de hoje era investigar aquele mundo.
— Bom, dá pra ver que é quente pra um diacho — resmungou Xigbar, examinando os
arredores com olhos semicerrados. Ele se voltou para o garoto que o seguia. — Vem. Vamos acabar
logo com isso.
A incitação pouco estimulou Roxas a acelerar o passo.
— Qual o problema? Deslumbrado com o cenário novo?
Roxas balançou a cabeça. Sua voz saiu baixa e sussurrada:
— Você acha que é verdade... que alguém no Castelo do Esquecimento foi aniquilado?
— Ha, ha, é por causa disso que tu tá cabreiro?
— A gente pode ter perdido um camarada... — Olhando para baixo, Roxas passou o pé pela
areia, levantando uma nuvem de poeira. — Isso não te incomoda?
— Dá pra gente ir de uma vez?
— ...E se todos eles tiverem sido aniquilados? — perguntou Roxas, ainda sem conseguir
erguer o olhar.
— E daí se tiverem? — Xigbar deu de ombros da forma mais exagerada possível. — Olha,
garotão, quanto mais rápido a gente terminar com essa missão, mais cedo você vai poder voltar pra
conseguir as suas respostas.
Diante dessas palavras, Roxas finalmente conseguiu se mexer. E com isso, eles deram início
à investigação.

Uma tempestade de areia parecia ter destruído Agrabah e a cidade estava atribulada em meio
ao trabalho de restauração, sob ordens do sultão. Após descobrirem isso em sua investigação, Roxas
ergueu o olhar para Xigbar.
— E agora? Damos uma olhada no interior do palácio?
— Nah, por hoje tá sussa. Já descobrimos quem tá no comando.
Mas quando Xigbar olhou para Roxas, ele ainda estava claramente desanimado.
— Então podemos ir pra casa?
— He, he, por que a pressa? Deixou a torradeira ligada? — Xigbar começou a andar. — Tá
bom, tá bom. Hora de RAC.
Roxas estava logo atrás dele — assim como mais alguma coisa.
Um Heartless se lançou com tudo contra as costas de Xigbar. Mas ele foi rápido o suficiente
e conseguiu se virar com suas Pistolas Laser a tempo de atingi-lo. Foi necessário um único disparo
para destruí-lo.
— É, pra mim já deu dessa caixa de areia — murmurou. — Partiu casa, garotão.
Roxas, no entanto, ficou parado, olhando para o espaço vazio onde o Heartless estava antes.
— Oi, Terra pra Roxas? Achei que quisesse voltar logo. — Xigbar revirou os olhos. — E aí?
Roxas ergueu o olhar para ele com uma pergunta:
— Ei... o que acontece com os Heartless quando eles são destruídos?
— Eles simplesmente desaparecem — disse Xigbar, fitando-o com curiosidade. — Só o que
resta são os corações que carregavam, que acabam flutuando pra se juntar a Kingdom Hearts.
— E quanto aos Nobodies? Nós não temos corações. Alguma parte nossa permanece?
— Até parece. Não era pra gente nem existir. O que podíamos ter pra deixar pra trás?
55 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Então seja lá quem tiver sido no Castelo do Esquecimento...?
— Se foi — enfatizou Xigbar. — Não resta nada dele.
Roxas abaixou a cabeça.
— Então... nós nunca vamos voltar a vê-lo?
— Isso aí.
Ele sentiu seus punhos se apertarem. Então quer dizer que talvez eu nunca mais vá poder
ver o Axel de novo...?
— Você vem?
— Ah... — Quando Roxas ergueu a cabeça, Xigbar já tinha começado a andar. — Sim.
Ele começou a segui-lo, tentando acompanhar seu passo, mas antes que conseguisse fazê-lo
— o mundo perdeu o foco à sua volta. Todo os sons de Agrabah se silenciaram. Ele sentia como se
estivesse caindo... e então a escuridão engoliu sua mente.
“Quem é você?”
Podia ouvir a voz de uma garota.
Xion... é você...? Ou...
Finalmente, Roxas apagou por completo.

No canto da sala com a bola de cristal, Naminé estava sentada numa cadeira, encolhida
sobre o grande caderno de desenho em seu colo. Ele estava aberto em uma página com o desenho
de uma pequena ilha em meio ao mar azul.
A reescrita das memórias de Sora estava progredindo sem quaisquer problemas. Suas
memórias relacionadas a Kairi estavam desaparecendo e seu passado estava sendo feito em pedaços,
quebrando-se em um emaranhado de fragmentos.
E no lugar de Kairi, memórias de Naminé estavam começando a preencher as lacunas, como
se sempre tivessem estado lá, inertes, embaixo da superfície.
— Naminé — disse Axel. Não havia mais ninguém na sala além dos dois. — Você é tudo o
que lhe restou.
Ela não respondeu ou sequer se mexeu.
A bola de cristal mostrava Sora, sozinho na ilha de seu desenho.
— Se você não parar com isso, ninguém vai — acrescentou Axel. Naminé desviou a atenção
para ele, que continuava a cutucá-la.
— Mas, eu... — Ela abaixou o olhar novamente. — É tarde demais.
Axel não enxergava dessa forma. Precisava libertar Naminé de sua gaiola sob o controle de
Marluxia — e tinha que fazê-lo já. Com um único empurrão, Marluxia perderia seu controle sobre o
castelo. Não havia por que um traidor ter tanto poder assim.
— Você ainda não devia desistir — disse, fitando-a no rosto. — Me fala, Naminé... você
não notou? O Marluxia não parece estar por aqui.
— O que você... quer dizer?
— Só que não tem ninguém aqui que iria querer ficar no seu caminho — respondeu Axel,
descontraído.
Finalmente, Naminé se levantou.
— Só faz valer a pena.
Ela assentiu de leve e saiu correndo da sala. Axel suspeitava que estava seguindo para onde
Sora estava agora — para as Ilhas do Destino.
Sozinho agora, ele deu uma risada.
— Isso sim deve ser interessante. Valeu a pena me dar a todo esse trabalho, afinal!
Ele se aproximou da bola de cristal e observou a imagem de Sora.
Se Sora estivesse perdido... podia querer dizer que Roxas também se perderia. E Axel faria
tudo em seu poder para impedir que isso acontecesse. Ele não recebera instruções de eliminar o
herói da luz, mas não tinha como saber quais ordens os outros haviam recebido.
56 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Muito bem! Sora, Naminé, Riku, Marluxia, Larxene! Tá na hora de me darem um baita
de um espetáculo! — exclamou para a sala vazia.

Roxas estava dormindo profundamente em sua cama, sozinho — até que duas outras figuras
adentraram o quarto.
— Naminé deve ter começado o seu trabalho — disse Saïx, observando o rosto inerte de
Roxas. Ao lado dele, Xemnas fazia o mesmo.
O que quer que estivesse acontecendo no Castelo do Esquecimento, nenhuma informação
havia chegado fora as notícias a respeito de uma aniquilação. Era o bastante para levantar suspeitas
de que a falta de comunicação era algo deliberado. Por ora, Saïx e Xemnas não tinham escolha
senão confiar nos esforços de Axel lá.
— Ele poderá despertar disso? — perguntou Xemnas.
— Me foi dito que ele despertará — disse Saïx. — Contanto que ela dispa o herói de todas
as suas memórias.
— Então muito depende da situação no Castelo do Esquecimento — murmurou Xemnas,
como se para lembrar a si mesmo, e olhou para Saïx novamente.
— Xion obteve o poder da Keyblade, como planejávamos — relatou Saïx, sereno e objetivo.
— Ela pode assumir o lugar de Roxas na coleta de corações neste meio-tempo.
Se o número quatorze podia usar a Keyblade, o misterioso sono que se apossara de Roxas
não seria um problema.
Eles o observaram em silêncio por mais alguns instantes, até que Saïx se voltou para a porta.
— E a câmara? — perguntou Xemnas, detendo-o. — Já a encontrou?
Era uma pergunta crucial, um questionamento profundamente ligado à própria existência do
Castelo do Esquecimento. Ele, no entanto, não havia encontrado a sala em questão.
— Não, senhor. Eu diria que o progresso é lento... isso se de fato estivermos fazendo algum.
E com isso, Saïx partiu a passos lentos, deixando Xemnas sozinho no quarto com Roxas,
ainda adormecido.
— Então o sono voltou a tomá-lo...
Se as palavras alcançaram Roxas em seus sonhos, o garoto não deu qualquer indicação.

Ela havia adentrado as memórias de Sora — nas Ilhas do Destino. Aqui há uma versão falsa
de mim feita das memórias que eu criei.
Naminé podia ver Sora enfrentando um Heartless gigante em meio à ilha minúscula e saiu
correndo pelo litoral tempestuoso o mais rápido que seus pés lhe permitiam.
— Naminé... — Após vencer a batalha, Sora foi atrás de seu fantasma.
Uma ilusão — a garota falsa que a própria Naminé o forçara a ver.
— Sora... você veio mesmo por mim. — disse ela, e o intenso vendaval que arrasava a ilha
começou a se abrandar.
— É você... é mesmo você... — Sora estava extremamente feliz. A ilusão sacudiu a cabeça.
— Eu passei por tanta coisa só pra te ver.
— Eu sei... Eu também.
Eu também queria muito poder vê-lo. O sorriso de Naminé parecia manchado de pesar. Seus
poderes... estavam funcionando.
— Mas isso não está certo. Eu estraguei tudo. Eu queria te ver... mas esta não é a forma
certa de fazer isso.

57 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Ela lhe virou as costas e olhou para o mar. Embora estivesse agitado com o vento uivante e
uma crista espumosa há apenas um segundo, agora estava tranquilo até demais. Mesmo o farfalhar
das ondas havia cessado.
Nem um único som podia ser ouvido.

Quando acordou, tudo estava igual a sempre. Estava em seu quarto, deitada em sua cama.
Entretanto, sentia-se um pouco mais confusa que de costume.
Xion se levantou e olhou para o espelho. Sou eu. Nada novo.
Após se preparar para o dia, ela seguiu para a Área Cinzenta, onde encontrou Saïx e Xigbar.
— ...Onde está o Roxas? — perguntou a Saïx.
— Não é da sua conta.
Xion já esperava por isso. Saïx nunca respondia suas perguntas.
Foi quando Xigbar se intrometeu, enfiando a cabeça no meio dos dois:
— Lá vai você de novo, Saïx. Pra que ser tão malvado com a nossa Boneca?
Saïx o ignorou.
Pelo menos o Xigbar sempre fala comigo, pensou Xion. Ele é muito mais legal que o Saïx.
Eu gosto dele.
— Dizem que o Roxas desmaiou ou qualquer coisa assim e parece que ainda tá apagadão —
informou Xigbar.
— Hã? — Xion começou a dizer. Roxas estava inconsciente...?
— Tá preocupada com ele? — Xigbar assentiu, compreensivo. — Ah, que Bonequinha mais
fofa. Que tal se eu te levar pra visitar ele mais tarde?
— Tá bem...
Xigbar lhe deu um cafuné na cabeça.
Mas por que será que ele sempre me chama de “Boneca”? Ponderou.
— E quem lhe deu autoridade para...? Não, creio que não haja mal em visitá-lo — cedeu
Saïx. — Após a sua missão.
Para variar, ele não a reprimiu.
— Qual a tarefa de hoje? — perguntou.
— Investigação, assim como ontem. Mas você irá a um mundo diferente desta vez. — Saïx
descreveu o local para ela.
— ...Certo. — Xion assentiu e entrou num portal negro.

Tanto o céu quanto o mar ficaram negros conforme a escuridão tomava as Ilhas do Destino.
Aquela vista vinha diretamente das memórias de Sora sobre a última vez que vira seu mundo.
— Olha! Você deu isso pra mim, não deu?! — exclamou ele, segurando o amuleto da sorte
de fruta paopu. Mas o amuleto era falso, feito para acompanhar uma memória falsa.
— Você ainda tem... — Naminé olhou para o mar, um sorriso gentil se formando em seu
rosto. Mas aquela Naminé era a ilusão.
— Não, Sora! Você não pode acreditar em mim! — gritou a verdadeira Naminé, finalmente
os tendo alcançado.
Aquele mundo era uma existência insubstancial, instável, dentro de uma memória. Qualquer
distúrbio podia corroê-lo e alterá-lo. A outra Naminé começou a desaparecer.
— Pense, Sora — incitou Naminé. — Pense só mais uma vez em quem é mais especial para
você. Chame por esse fragmento de memória que brilha parcamente dentro de você, bem lá no
fundo. Não importa quão longe esteja a luz, a voz do seu coração sempre a alcançará.

58 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Quem é mais especial para mim? — Sora olhou para o amuleto da sorte em sua mão. —
Essa é fácil. É você, Nami...
E quando começou a dizer seu nome, o amuleto reluziu — e então se transformou, mudando
da forma da estrela amarela de uma fruta paopu para um amuleto completamente diferente, feito de
cinco conchas amarradas umas às outras.
— SORA! — alguém chamou seu nome. E as ilhas foram envoltas numa forte luz.
— O que aconteceu aqui...?
Sora olhou em volta. O mar estava azul como sempre e o céu, claro e sereno. E ele estava
sozinho na praia. A única coisa que podia ouvir era o som das ondas.
— Quem... era aquela? Não consigo me lembrar dela... mas ela parece tão familiar... — Sora
avançou em meio à areia.

Sozinha, Xion ia caminhando pela margem de uma pequena ilha junto ao belo oceano azul.
Ilhas do Destino — era assim que aquele mundo se chamava. A areia era triturada sob seus
pés e o incessante farfalhar das ondas preenchia seus ouvidos.
— Que lugar bonito... — murmurou. Havia uma concha em meio à areia junto a seus pés.
Ela a pegou e a pôs no bolso.
Foi quando Xion ouviu vozes se aproximando. Deixando a beira da água às pressas, ela se
escondeu nas sombras atrás de uma série de pedras. Era uma regra da Organização que evitassem
ser vistos pelos habitantes de um mundo.
— Vamos logo! — Um garoto passou correndo pela praia.
— Ah, calma lá, Tidus!
— Qual é, e dizer isso adianta alguma coisa?
Uma garota o estava seguindo, os cabelos enrolados nas pontas balançando com a brisa. Não
muito atrás, havia outro garoto que parecia ligeiramente mais velho.
O primeiro garoto, Tidus, parou de repente, tão de repente que a garota bateu nele com tudo.
Atrás deles, o garoto mais velho conseguiu desacelerar a tempo.
— Ai! Não sai parando assim! — choramingou a garota.
— Vejam... — Tidus apontou para alguém sentado na beira da ilhota... uma garota de
cabelos bem vermelhos.
— A Kairi não parece muito bem ultimamente... — disse a primeira garota em meio a um
suspiro preocupado.
— Nah, logo ela se anima — respondeu o garoto mais velho, tentando acalmar a ansiedade.
Xion se afastou antes que pudessem notá-la.

No décimo segundo andar do Castelo do Esquecimento, Sora havia emergido das Ilhas do
Destino de suas memórias e estava agora enfrentando a Réplica.
A Réplica ergueu sua espada para atacar.
— Riku, não! — exclamou Naminé. Mas ele a ignorou, partindo para cima de Sora.
— Você já era, impostor!
— NÃO! — gritou ela. Uma forte luz brilhante preencheu o ambiente. A Réplica recuou um
passo em meio a um pequeno grunhido de dor, e caiu com tudo no chão.
— Riku! — Sora correu até ele, tentando ajudá-lo a se levantar. Mas os olhos da Réplica,
embora abertos, estavam completamente vazios. — O que você fez? O que você fez com ele?!
Frente à reprovação na voz de Sora, ela mal conseguiu balançar a cabeça.
Mas... eu não tive escolha.

59 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
60 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Ela quebrou o coração dele — respondeu uma voz feminina e implacável. — Na verdade,
diria que esmagou.
Sora e Naminé se viraram, deparando-se com Larxene.
Ele gentilmente deitou a Réplica no chão.
— Então... então o que vai acontecer com ele?! — gritou, exigindo uma resposta.
Sora ainda acreditava de todo o coração que a Réplica era o verdadeiro Riku, seu amigo.
— Ha, ha! É tão divertido ver você assim! Se é com o Riku que está preocupado... bom, não
fique. Porque o Riku nunca esteve mesmo aqui.
— O que quer dizer com isso? — Sora empunhou a Keyblade, pronto para atacar. Larxene
apenas deu uma risada.
— Ah, acha que eu simplesmente vou te contar? Seria fácil demais! Ai, ai, o que fazer?
— Chega de jogos! — Perdendo a paciência, Sora ergueu a Keyblade ameaçadoramente em
sua direção.
— Muito bem, tá certo, vamos fazer do seu jeito. Eu sei que você vai morrer só de ouvir...
mas acho que posso viver com isso. — Larxene se aproximou um passo, fitando Sora nos olhos
com um olhar extremamente sério. — Essa coisa caída aí é só uma marionete que o Vexen fez pra
um experimento. Não passa de um brinquedo. Na verdade, é deplorável. Ele te chamou de impostor,
mas ele é que era a cópia o tempo todo.
— Não é o Riku? É uma cópia?!
— Uma cópia em todo sentido possível! Só foi terminado recentemente. Como poderia se
lembrar de alguma coisa? Não tem nem um passado! Deu pra entender? As memórias dele com a
Naminé foram implantadas, não são reais. O que significa que esse tempo todo ele veio arrumando
briga com você por memórias... falsificadas, inventadas, nada além de ficção! — Com um sorriso
no rosto, Larxene se voltou para Naminé.

Roxas estava em sua cama, completamente adormecido. Xion quietamente pôs a concha
junto a seu travesseiro.
— Roxas, eu fui à praia hoje. Você tinha que ver. Era tão bonita...
Ninguém havia posto nada mais ali para ele. Talvez ela pudesse trazer mais.
— Eu volto amanhã, Roxas. Tá bem?
E em silêncio, ela deixou seu quarto.

Larxene havia desaparecido após perder sua batalha contra Sora e ele agora seguia para o
décimo terceiro andar, a fim de derrotar Marluxia. Naminé se sentou no chão ao lado da Réplica,
que estava caída de bruços, e gentilmente acariciou seus cabelos.
Aquele pobre garoto não passava de uma marionete da Organização, suas memórias escritas
e reescritas, de novo e de novo.
— Naminé — disse alguém. Sobressaltada, ela ergueu o olhar.
— ...Marluxia.
Era ele — o homem no comando do Castelo do Esquecimento.
— Venha comigo, Naminé. — Ele a agarrou pelo braço e a ergueu para que ficasse de pé.
— Mas... mas o Riku...
— Não se preocupe com este boneco inútil.
Marluxia deu uma única olhada na Réplica caída no chão antes de partir, arrastando Naminé
consigo. Quando chegaram a outro lugar no décimo segundo andar, alguém surgiu diante deles.
Era Axel.
— Como é que vai, Marluxia?
61 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Você deve ter muita coragem para aparecer por aqui com essa sua cara desleal. — rosnou
Marluxia, afastando Naminé. — Muita coragem mesmo!
— Desleal? — repetiu Axel, pretensiosamente fingindo inocência. — Poxa, do que será que
você tá falando?
— Por que libertar a Naminé?! Se não fosse por você e essa sua intervenção desnecessária, o
mestre da Keyblade já estaria sob nosso comando!
Marluxia tremia de fúria. Mas o que era a fúria para o coração inexistente de um Nobody?
Houve um tempo em que eles costumavam sentir raiva, rir, chorar. Tremer de fúria não
passava de uma resposta instintiva enraizada nos padrões da memória.
— Ah, verdade, o seu grande plano — disse Axel, a voz arrastada. — Usar os poderes da
Naminé pra reescrever as memórias do Sora pouco a pouco, de forma a torná-lo o cachorrinho dela,
e aí você controla o Sora através dela. Depois disso, junto com a Larxene, você toma o controle da
Organização. Não estou certo? Tenho notícias pra você, Marluxia... isso faz de você o traidor.
— Mas você... você destruiu o Vexen!
— Sim, me livrei dele. Quê que tem? Só o que eu fiz foi eliminar um de nós que falhou em
servir ao propósito da Organização. — Axel abriu um sorriso. — Ah, e eu também precisava fazer
você confiar em mim.
— Então esse tempo todo, seu único objetivo era conseguir provas do nosso plano. É isso?
— perguntou Marluxia, conformado.
— Bom... foi você mesmo que deu a ordem. “Você deve eliminar o traidor.” — Axel
estendeu os braços e invocou seus chakrams. — E eu sempre cumpro ordens, Marluxia.
— Hmph. Quisera eu que fosse verdade — bufou Marluxia, irônico.
— A Larxene pagou o preço pela deslealdade. O mesmo acontecerá com você. Em nome da
Organização, eu vou aniquilá-lo.
— Você pode tentar! — grunhiu Marluxia, e então pegou Naminé pelo braço de novo,
arrastando-a para sua frente.
— Esse é o seu escudo? Não vai ajudar muito. Não me importo em eliminá-la também —
disse Axel, os chakrams se inflamando. — Pronto para o derradeiro esquecimento, Marluxia?
Não devia fazer a menor diferença para ele ou para a Organização se Naminé viveria ou não.
Ele destruiria qualquer um que se ficasse em seu caminho.
— Hmph... é o que veremos — disse Marluxia. — Está ouvindo isso, Sora?
E, de fato, Sora entrou correndo na sala, pronto para outra batalha.
— Ah? — Axel abaixou as armas.
— O Axel disse que pretende ferir Naminé para chegar a mim — gritou Marluxia. — Mas
você não vai deixar que isso aconteça, não é?!
— ...Axel! — Com a Keyblade empunhada, Sora o encarou.
Ainda? Pensou Axel. Encarar Sora daquele jeito o fazia lembrar de Roxas, o que lhe deixava
desconfortável. A memória de um sentimento que estava trancafiado dentro dele, algo que nunca
sequer notara ao confrontar Marluxia, Larxene ou Vexen.
Mas essas conexões não passavam de memórias do passado — Axel nunca se importara com
ninguém desde que se tornara um Nobody.
O que estava acontecendo? Por que Roxas era tão importante para ele? E por que Sora
também era? Enquanto compreendesse o que estava em jogo ali, não devia ter motivos para hesitar
com relação a aniquilar alguém. Afinal, era um Nobody, não tinha um coração.
Ainda assim... ele não queria fazer aquilo.
— Ah, qual é? — disse, fingindo indiferença. — Já virou a marionete do Marluxia?
— É o que você acha? — retrucou Sora, a voz determinada. — Depois que eu acabar com
você, ele é o próximo!
— He, he... Olha, Sora... — Axel o fitou com um olhar intenso.
Nada daquilo importava; ele não podia eliminar o garoto agora. Iria apenas fingir a derrota.
Fazer uma baita cena e então sumir.
— Nós dois temos uma conexão mais forte do que você pensa. Eu preferia não ter que lutar
com você, mas... eu tenho um nome a zelar aqui!
62 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Axel se lançou no ar, pronto para atacar.

Na câmara escura e sinistra em um dos andares subterrâneos do Castelo do Esquecimento,


Zexion cruzou os braços, perdido em pensamentos.
— Primeiro o Vexen e agora o Lexaeus... O que será da Organização...?
Lexaeus acabara de ser derrotado em um combate contra Riku.
Foi quando o ar na sala tremulou e alguém respondeu ao solilóquio de Zexion:
— Naminé os traiu. O Sora eliminou a Larxene. A pergunta é qual de nós vai ser o próximo
a cair — comentou Axel. Franzindo o cenho, Zexion não se virou para encará-lo.
— ...Talvez possa ser você.
— Eu? Duvido muito.
Desde o início, Zexion nunca confiara em Axel. Na verdade, nunca confiara em ninguém
além dos membros originais da Organização — aqueles que havia conhecido no laboratório. Mas
havia dois em especial que não lhe inspiravam confiança: Saïx, que de alguma forma conseguira se
tornar o braço direito de Lorde Xemnas, e seu camarada mais próximo, Axel.
— Eu? Duvido muito. Quer dizer, antes de vir pra cá, eu fingi pro Sora que ele me derrotou
com uma surra tão grande a ponto de me fazer desaparecer — prosseguiu Axel. — Então não vou
lutar com ele de novo, pelo menos não por enquanto. O que quer dizer que o próximo a cair vai ser
o Marluxia.
— O Sora te derrotou, então quer dizer que não tem como ele perder contra o Marluxia... é
isso o que você pensa?
Embora o castelo lhe houvesse sido confiado, Marluxia era apenas o número onze.
Seus números dentro da Organização não correspondiam diretamente à força. Ainda assim,
parecia que Axel, o número oito, via Marluxia como inferior. Ele estaria errado. Na verdade, a força
de Marluxia em combate superava a dele. Axel o subestimava meramente devido a seu número.
— O que eu tô dizendo é que o Marluxia tentou se utilizar do Sora pra tomar a Organização
— disse Axel. — E vai ser o Sora quem vai acabar com ele.
Finalmente, Zexion se virou para olhá-lo nos olhos.
— Então... nossos motivos para obter o Riku já não são mais válidos.
O sorriso no canto da boca de Axel não parecia feliz.
— Está dizendo que vamos ter que nos livrar dele? Tá querendo enfrentar o Riku mesmo
depois de ele ter dado fim ao Lexaeus?
— Não é assim que eu faço as coisas. — E com essas palavras, Zexion desapareceu.
— Bom, só quero ver o que ele vai fazer agora — murmurou Axel. — ...Putz, tô precisando
dar um tempo.
Cutucando suas feridas da batalha, ele também desapareceu, deixando a sala escura vazia.

Após a derrota de Marluxia, Sora e Naminé se voltaram um para o outro e abriram um


sorriso. A Réplica os assistia com um leve torpor.
— Você tá bem, Riku? — perguntou Sora. Diante da preocupação em sua voz, a Réplica
ergueu o olhar, hesitante. Sua resposta veio devagar:
— Não sou o Riku. Sou uma cópia. Não consigo me lembrar por que fui criado, nem onde
ou quando... tudo o que resta dentro de mim são memórias suas e da Naminé. — Ele abaixou a
cabeça. — Mas sei que elas não são reais.
— Diga, Naminé, não tem como você usar a sua magia para trazer as memórias do Riku de
volta ao normal? — perguntou Pateta.
Naminé sacudiu a cabeça lastimosamente.
63 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Tudo bem. — disse a Réplica. — Estou tranquilo.
Ele lhes virou as costas e começou a partir, deixando Sora e seus amigos para trás. Não tinha
ideia de para onde ir. Mas não queria ficar ali.
— Espera! — gritou Sora. A Réplica parou.
— Quem liga se alguém te criou? — protestou Sora, bem-intencionado até o fim. — Você é
você e ninguém mais. Você tem o seu próprio coração aí dentro. Esses sentimentos e memórias são
seus e só seus. São especiais!
Meus e só meus...? Pensou a Réplica. Eu sou uma marionete. Como posso sentir alguma
coisa? Eu não tenho um coração.
— Você é um cara legal, Sora — disse. — Não preciso ser real para ver quão reais são os
seus sentimentos. Já é o bastante para mim.
— Riku!
Sora gritava seu nome do fundo dos pulmões, mas a Réplica não disse mais nada. Ele fugiu
correndo de toda a sua doçura.

Roxas já estava adormecido há dez dias.


Xion acordou devagar, piscando e se alongando. Trocou seu casaco por um limpo e pôs o
sujo numa cesta no canto do quarto. Ele logo seria trocado por um limpo, pendurado num cabide.
Seus subordinados, as Penumbras, faziam todo o trabalho de limpeza. Sabia que cuidariam
da roupa suja e trocariam as cobertas da cama.
Xion lavou o rosto e se olhou no espelho. Nada fora do normal em seu reflexo. Sou a mesma
eu de sempre.
Finalmente, ela deixou o quarto e seguiu para o salão. Dependendo da hora que aparecesse,
poderia encontrar alguns de seus colegas de trabalho e perder outros. Naquele dia, não encontrou
ninguém além de Saïx e Xigbar.
— Você continuará investigando com Xigbar — disse Saïx.
No momento em que recebeu suas ordens, seu parceiro de missão chamou por ela:
— Bóra lá, Boneca.
Era como se ele só a estivesse esperando.
Mas era estranho — Xion agora costumava ser mandada sozinha em suas missões. Era a
primeira vez que era designada a sair com alguém que não fosse o Roxas.
Queria voltar às Ilhas do Destino e coletar mais conchas. Mesmo quando era enviada a outro
mundo, sempre passava lá na volta para pegar uma. O pôr do sol deslumbrante naquela ilhota a
lembrava da vista da torre do relógio de Twilight Town.
Ainda não sabia ao certo por que decidira levar conchas para Roxas. Apenas sentia que era
algo que tinha que fazer.
Dá pra fazer um amuleto da sorte com essas conchas. Um amuleto para que, mesmo que as
pessoas se separem, elas possam sempre voltar a se encontrar. No entanto, ela não se lembrava de
quando ou onde tinha ouvido falar sobre esses amuletos feitos de conchas.
Nobodies são seres que não deviam existir. Fora isso, ela sabia muito pouco a respeito de si
mesma. Mas havia coisas que sabia mesmo sem conseguir lembrar de ter aprendido. Por exemplo,
como lutar e usar magia.
É claro, também estava aprendendo muita coisa com os outros — mas sentia que muito eram
coisas das quais já sabia. É isso que são memórias? O que significa ter memórias, afinal?
Quando Roxas acordasse, perguntaria a ele sobre isso. Ele era o único com quem conseguia
conversar sobre esse tipo de assunto.
Finalmente, ela juntou coragem para perguntar:
— Como está o Roxas?
— Ainda dormindo — respondeu Saïx. — Ele pode nunca acordar.
Ela abaixou o olhar. O que podia dizer frente a isso?
64 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Você vai lá dar uma olhada nele todo dia, né não? — indagou Xigbar. — Você é mesmo
um doce, Boneca.
Sobressaltada, ela ergueu o olhar. Não espera ouvir essas palavras dele.
— Você pode continuar a visitá-lo — acrescentou Saïx. — Ainda há uma chance de que ele
acabe acordando.
Sua resposta também lhe pareceu estranha. Saïx jamais lhe dissera nada que passasse nem
mesmo o menor sinal de aprovação.
— Agora vão ao trabalho — incitou.
— ...Certo. — Xion adentrou o portal negro que Xigbar abrira diante dos dois.
Quando finalmente deixaram os corredores, se depararam com um grande oceano azul que
se estendia até onde os olhos podiam ver.

Riku estava em meio à areia quente. Mas a areia não era real — aquele era o Castelo do
Esquecimento, não as verdadeiras Ilhas do Destino.
Um mundo feito a partir das minhas memórias... do lar que eu deixei para trás.
Ele atravessou a praia, passando pelo cais, onde se deparou com alguém familiar.
— Ei, Kairi... Você...?
Mas assim que começou a falar, Kairi desapareceu. E em seu lugar surgiu Zexion.
— Certamente, você já devia saber que isso aconteceria — disse Zexion, a voz baixa e
suave, como se as ondas ilusórias fossem suficientes para levá-la consigo. — Você já esteve em um
número de mundos em sua memória antes de vir para este. E nestes mundos, só o que encontrou
foram seres das trevas. Isso é tudo o que resta em seu coração... memórias obscuras. Suas memórias
de casa se foram.
— Isso é mentira! — exclamou Riku. — Eu me lembro de todos aqui das ilhas! Do Tidus,
da Selphie e do Wakka! Da Kairi e do Sora também! Eles são os meus... — Ele abaixou a cabeça,
os punhos cerrados. — Meus... melhores amigos...
— E quem foi que se desfez desses amigos? Já se esqueceu do que você fez? Foi você que
destruiu a sua casa!
Frente às críticas de Zexion, um manto de trevas envolveu as ilhas e fortes trovões cortaram
o céu. A chuva logo começou a cair sobre Riku, molhando-o por inteiro.

Incapaz de seguir a Réplica, Sora voltou para o lado de Naminé.


— Então o Riku se foi, hein...? — disse Pateta.
— Sim... — Desalentado, Sora assentiu, olhando para Naminé com uma expressão tristonha
estampada no rosto.
Donald foi quem quebrou o silêncio desolador:
— Podemos recuperar as nossas memórias agora?
— Sim — respondeu ela. — Não conseguir se lembrar de algo não significa que a memória
tenha desaparecido.
— O que quer dizer? — perguntou Pateta, confuso.
— Quando você se lembra de uma coisa, outra memória volta junto dela, e então outra, e
depois mais outra, certo? Nossas memórias estão conectadas. Todas essas peças estão unidas como
em uma corrente... e isso é o que conecta os nossos corações. Na verdade, eu não apago memórias...
apenas separo os elos e os rearranjos. Vocês ainda têm todas as suas memórias.
O Grilo Falante brotou do bolso de Sora.
— Então você pode colocá-las de volta em seus lugares?

65 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Posso... mas primeiro tenho que desfazer as correntes de memórias que eu mesma fiz —
explicou Naminé. — Depois disso, tenho que reunir os fragmentos de memória dispersos por cada
um dos seus corações e reconectá-los. Isso pode levar um tempo. — Ela abaixou o olhar, sentindo-
se sobrecarregada com o peso do que fizera... mas então um sorriso iluminou seu rosto. — Mas
acho que pode dar certo.

“Fala, você não gostaria de se tornar o verdadeiro?”


A Réplica aceitara a oferta de Axel e eles agora seguiam para as entranhas do Castelo do
Esquecimento.
Vexen fora o responsável por todo aquele plano com a Réplica e Axel ainda não sabia dizer
se tinha sido um sucesso ou uma falha. Mas imaginava que a marionete ainda lhe podia ser útil.
Com as memórias certas, a Réplica podia reproduzir os poderes de seu ser original. O que
significava que, se as memórias de outra pessoa também fossem implantadas, ele hipoteticamente
ganharia outros poderes. De outra pessoa — ou talvez até de um Nobody.
E ele tinha um Nobody em particular em mente. Afinal, todos os membros da Organização
ainda eram influenciados pelas memórias de suas vidas humanas.
— Já não tá na hora dele voltar? — ponderou Axel. A Réplica não respondeu. — Fala pra
mim, você tem alguma ideia de como se absorve os poderes de outras pessoas?
— ...Eu devoro sua força ao derrotá-las. Foi o que o Vexen disse.
— Devora, é...? — Isso não lhe dizia muito sobre como seus poderes funcionavam. Mas
então o espaço diante deles tremulou.
E bem na hora, Zexion surgiu — logo após sua derrota contra Riku.
— O que ele é?! Ninguém jamais conseguiu se unir à escuridão como ele! É absurdo...! —
Caindo sobre os joelhos, Zexion bateu com os punhos no chão.
Axel nunca o vira demonstrar emoções daquela forma. Bom, seria a primeira e a última vez.
Finalmente, Zexion ergueu o olhar e notou a Réplica.
— O quê... Riku?! — Ele se encolheu de pavor.
— E aí, veterano. — Axel surgiu em meio às sombras.
— Ah... Ah, sim. A réplica do Vexen, claro — disse Zexion, o alívio palpável em sua voz.
— Talvez possamos usar esse Riku para derrotar o verdadeiro... o que me diz, Axel?
A Réplica o encarou.
— Diga, Riku... — começou Axel. — Deve ser difícil, saber que é uma cópia. Você não
gostaria de ser real?
— Sim. — A Réplica assentiu.
— É simples. Só o que você precisa é de um tipo de poder que o verdadeiro Riku não tenha
— explicou Axel, abrindo um sorriso. — Se conseguir isso, poderá ser uma pessoa nova. Não o
Riku, nem ninguém mais. Não será só a cópia de alguém. Será único, apenas você.
— Axel! O que está dizendo?! — Zexion tentou se afastar, arrastando-se pelo chão.
— Sabe, ele já é um ótimo começo. — Axel gesticulou com a cabeça, apontando o queixo
na direção de Zexion.
— Você não pode fazer isso!
— Foi mal, Zexion. Eu até podia te ajudar... mas ver o Sora e o Riku nessa briga de gato e
rato é muito mais divertido.
— Não... Fique longe! — implorou Zexion, recuando desesperadamente, mas a Réplica
empunhou sua espada, pronto para atacar.
Zexion podia dar fim à existência de Sora, — ou melhor, de Roxas — sem mencionar que
estava no caminho dos objetivos compartilhados de Axel. E ele decidira que faria qualquer coisa
para conseguir o que se propusera.
Mas não era apenas Zexion. Marluxia era ainda mais um obstáculo, enquanto que a Réplica
diante de si não passava de um peão.
66 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Chegaria o dia em que ele teria que escolher entre os objetivos da Organização e essa coisa
inexplicável que sentia por Roxas?
— NÃO!
O grito de Zexion desapareceu em meio ao vazio, engolido pela escuridão.

No décimo terceiro andar do Castelo do Esquecimento, Sora, Donald e Pateta entraram cada
um em uma cápsula em forma de um botão de flor branco.
As cápsulas por si só não eram dispositivos de alteração de memórias. Sua única função era
manter seus residentes adormecidos, e Naminé precisava que Sora e seus amigos dormissem para
que pudesse reconectar suas memórias.
— Isso tudo pode ter começado com uma mentira, mas... estou muito feliz por poder tê-lo
conhecido, Sora.
Ele se virou, sorrindo para ela.
— Sim. Eu também. Quando finalmente consegui te encontrar e quando lembrei o seu
nome... eu estava tão feliz. A forma como eu tinha me sentido não era uma mentira.
Mesmo que as memórias fossem falsas, os sentimentos despertados por elas eram reais. Mas
ela precisava remover as memórias falsas. Preciso me apagar das memórias do Sora.
Ela sorriu de volta para ele.
— Adeus.
Sim, é isso. Quando você acordar, não vai mais se lembrar mim.
— Não, adeus não! — disse Sora, determinado. — Quando eu acordar, vou te encontrar. E
aí não vai ter mais mentiras. Nós vamos ser amigos de verdade. Prometa pra mim, Naminé.
Ela balançou a cabeça.
— Você vai se esquecer dessa promessa.
Era assim que funcionava quando memórias eram reorganizadas.
— Mas mesmo que a corrente de memórias se desfaça, os elos ainda continuarão lá, não é?
— insistiu Sora. — Então a memória da nossa promessa sempre estará dentro de mim, em algum
lugar. Tenho certeza disso.
Naminé queria acreditar nele. Se alguém podia se lembrar dela, esse alguém seria o Sora —
nisso, ela podia acreditar.
Alguma coisa em seu peito doía.
— Então... você me promete? — Ele lhe ergueu o dedo mindinho.
— Claro. Eu prometo. — Ela entrelaçou o dedo dele com o seu próprio. — E você, promete
pra mim?
— Sim. Prometo.
Sora começou a adentrar a cápsula tranquilamente.
Uma promessa...
Ainda que ele não consiga lembrar, a promessa continuará sendo real. Tenho certeza disso.
Ele não vai se esquecer.
— Ei, Sora — disse Naminé enquanto ele se ajeitava na cápsula. — Alguns dos elos das
suas memórias estão no fundo das sombras do seu coração e eu não vou ser capaz de encontrá-los.
Mas não se preocupe... você fez outra promessa a uma pessoa que jamais poderia ser substituída.
As portas em forma de pétala começaram a se fechar.
— Ela é a sua luz. A luz dentre a escuridão. Lembre-se dela e todas as memórias perdidas
nas sombras do seu coração retornarão — disse ela, sorrindo gentilmente enquanto ele começava a
apagar. — Olhe para o seu amuleto da sorte. Eu mudei sua forma quando alterei as suas memórias...
Mas quando você pensou nela uma única vez, ele voltou a ser como era antes.
Sora provavelmente já devia estar a caminho do reino dos sonhos. Ainda assim, Naminé
continuava falando com ele.

67 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Viu? Suas memórias estão retornando. Não se preocupe. Você pode se esquecer de
mim... mas fizemos uma promessa. Então eu posso voltar. Algum dia, a promessa que fizemos se
tornará a luz que nos reunirá. Até lá, eu estarei no seu coração... esquecida, mas não perdida. Porque
memórias nunca se perdem de verdade.
Mas então, em meio aos sonhos, Sora disse o nome dela — Kairi.
Naminé abaixou a cabeça e uma lágrima escorreu pelo rosto. Sozinha na sala branca, ela o
observou dormir. E então, começou seu trabalho. Uma a uma, foi recolocando suas memórias em
seus devidos lugares.
Era um processo lento, doloroso de assistir. Afinal, ela se lembrava do quão fácil havia sido
dispersá-las. De como havia quebrado as correntes que as juntavam e as repintara com suas próprias
cores, entrando em seu mundo ao tirar outra pessoa de lá, jogando-a no vazio.
Me parecia errado, no início, mas...
Naminé estava parada no meio da sala. À sua volta havia apenas as mesmas paredes brancas
e silenciosas. Era tudo tão quieto. E frio. E vazio.
Ela sabia que era errado, mas isso não a deteve. E agora estava emendando suas memórias.
Estava devolvendo tudo, tudo o que tirara dele. Estava tocando em seu coração, apagando o seu
trabalho, cada pincelada, cada imagem, cada pintura.
Sabia que ainda estava longe de terminar, mas Sora já estava agitado, velhas memórias se
erguendo como numa onda gigante, prontas para reclamar o que uma vez fora delas.
Naquela sala branca, ela observou enquanto Sora começava a se lembrar de Kairi — naquela
sala branca, ela observou enquanto Sora lentamente se esquecia dela.
Não devia doer, afinal, ela era um Nobody.
Afinal, tudo — as brincadeiras, as risadas, até mesmo a promessa — não passara de uma
pintura de mentiras bem elaborada.
Não devia doer, afinal, ela nunca, nem por um instante, devia ter existido no mundo de Sora.
Mas ainda assim, as lágrimas caíram. Reais, e impossíveis de deter.
E quando Sora caiu no sono — ele despertou.

Xion pegou uma pequena concha em meio à areia.


— Não tem ninguém por aqui hoje...
A praia estava vazia. Tudo o que podia ouvir era o farfalhar das ondas das Ilhas do Destino.
O sol estava afundando, pintando o mar de vermelho.
Ela olhou em direção à beira da ilhota, onde a garota estivera sentada no outro dia.
— Será que ela está se sentindo melhor agora? — murmurou.
Ela não tinha como saber que a garota não voltaria mais ali.

68 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
69 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
ELE RECONHECEU O TETO BRANCO E, POUCO DEPOIS, SEU QUARTO.
Havia algo diferente nele — mas não sabia dizer o que era.
Esse é o meu quarto. Eu sou um membro da Organização. Número treze, Roxas. Mas... é
como se algo tivesse mudado.
Roxas se sentou na cama dura e balançou a cabeça. Sentia sua mente terrivelmente nebulosa.
Eu caí no sono ontem? Como?
Não conseguia se lembrar. Não fazia a menor ideia.
Quando jogou as pernas para o lado para se levantar, uma pilha de conchas junto a seu
travesseiro lhe chamou a atenção.
De onde vieram essas coisas? Eu não sei. Já não estou entendendo mais nada.
Ele deixou o quarto e suas pernas pareciam saber aonde levá-lo agora que estava acordado.
A memória muscular o guiou até a Área Cinzenta.
É verdade — preciso me apresentar para receber a minha missão.
Havia uma espécie de pressão se formando entre seus olhos. Ele atravessou o corredor e,
quando chegou ao salão, não havia ninguém lá.
— Axel...? — murmurou, sem pensar, o nome do amigo.
Seus dedos imediatamente tocaram a boca. Havia-lhe sido dito que Axel podia ter sido
aniquilado. Ainda se lembrava dessa parte. E ser aniquilado queria dizer que não restava nada dele,
absolutamente nada, de acordo com Xigbar.
Que lugar era aquele...? O mundo pintado com a melancólica luz do pôr do sol?
Não consigo me lembrar. Eu não entendo. O que há de errado comigo?
Do outro lado das paredes de vidro do salão, podia ver as luzes de neon da cidade em meio
ao céu profundamente negro. Era impossível dizer se era dia ou noite ali.
Roxas abriu um portal para os Corredores das Trevas e partiu para aquele lugar.
Se fosse até lá... talvez encontrasse o Axel.
E a Xion também.

Sentando-se numa borda no alto da torre do relógio, Roxas ficou observando o pôr do sol
distraidamente. Não havia ninguém lá.
Eles todos se foram...
Um trem disparava ao longe e, ainda mais além, o sol afundava em meio ao horizonte.
— Roxas...?
Ele se virou, deparando-se com uma garota de cabelos negros parada mais ao lado.
— Xion... O que houve comigo?
— Você dormiu — respondeu ela. — Por muito, muito tempo.
— Dormi...? — Confuso, Roxas estreitou os olhos. Por muito tempo? Isso queria dizer que o
último dia do qual se lembrava... não era ontem.
— Já fazia tanto tempo que o Saïx disse para não termos muita esperança. Disse que você
podia não... — Xion parou de falar e se sentou ao lado dele. — Enfim, você tá acordado agora. É
isso que importa.
Ela o fitou com a cabeça inclinada e um sorriso no rosto — perplexa, mas feliz.
— Ainda me sinto todo esquisito e atordoado. Acho que é o que dá por dormir tanto. — Ele
sacudiu a cabeça, cansado.
Xion deu risada e foi contagioso. Roxas também teve que rir.
Quando os risos finalmente se encerraram, ela levou a mão ao bolso e tirou algo pequeno e
redondo de dentro.
— Aqui, eu te trouxe isso.
Era uma pequena concha — como as que Roxas encontrara ao lado de seu travesseiro.
— Eu pegava uma toda vez que saía numa missão — disse a ele.

70 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
A concha não pesava quase nada na palma de sua mão, lisa, seca e um tanto frágil. Mas por
que lhe dava uma sensação tão estranha...?
— Segura ela no seu ouvido — disse Xion.
Roxas assim o fez e logo começou a ouvir algo farfalhando lá dentro, como o ecoar do vento
— não, da praia.
Quando fechou os olhos, não escutou nada além do som das ondas.
Por algum motivo, aquilo lhe parecia... familiar, talvez. Como algo que ele desejava poder
ouvir novamente depois de muito tempo longe.
Mas por que o som das ondas lhe seria tão familiar...?
Teria sido um sonho? Ou seria alguma outra coisa?
Xion também sentia que já tinha assistido ao pôr do sol com o oceano em seus ouvidos
antes, ao lado de mais alguém. Assim como estava agora na torre do relógio, escutando o som das
ondas numa concha com Roxas.

Depois disso, Roxas voltou à sua rotina.


Ficou sabendo, graças a Xion, que havia dormido por vinte dias. Isso fazia do dia anterior
seu quinquagésimo dia na Organização — e hoje era seu quinquagésimo primeiro.
Ele acordou e seguiu para o salão, como ditavam as regras. Quando chegou lá, encontrou
Xigbar, Saïx e Demyx. Xion já havia saído em sua própria missão.
Fico feliz por ter visto ela ontem, pensou por um instante, lembrando-se da concha vazia e
do som das ondas.
Primeiro, foi repor seu estoque na loja.
— Ouvi dizer que você desmaiou, kupo. — O Moogle parecia um pouco preocupado. —
Você tem que pegar mais leve, kupo. Do contrário, quem mais viria gastar uma nota... digo, bater
um papo comigo, kupo?
— Eu tenho me virado muito bem.
— Tem certeza, kupo? Se cuida, viu? A propósito, eu tenho umas novidades por aqui, kupo.
Em meio às provocações, Roxas comprou vários itens e então seguiu em direção a Saïx.
— Ora, bom dia, flor do dia — exclamou Xigbar. — Ficou sabendo que deram cabo de todo
o time lá do Castelo do Esquecimento durante o seu soninho da beleza?
— Hã...? — Roxas tentou perguntar mais, mas as palavras não deixaram sua boca.
Deram cabo? Só o que tinham me dito antes foi que alguém tinha sido aniquilado... O que
houve com o Axel?
— Ah, você acordou — disse Saïx. Roxas ergueu o olhar para ele.
— Todos no Castelo do Esquecimento foram... aniquilados? Foi isso que...?
Saïx o interrompeu secamente:
— Estamos investigando o que pode ter se passado com eles.
— Você ainda não sabe de nada? — pressionou Roxas.
— O que eu sei é que não te devo explicações. Agora está na hora de voltar ao trabalho.
Você atuará sozinho por um tempo. Seja lá o que tenha acontecido, o fato é que estamos com falta
de pessoal.
Investigando? O que pode ter se passado? Então quer dizer que tem a chance de que nem
todos tenham sido aniquilados? Ponderou Roxas, esperançoso.
— Vamos — disse Saïx. — Você tem missões para pôr em dia.
Roxas analisou as missões que Saïx tinha para ele e decidiu pegar a de Agrabah. Seguiu
então pelos corredores como em qualquer outro dia.

71 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
A missão de hoje a levou a um lugar onde nunca estivera antes — o Castelo da Fera.
Ela deixou os Corredores das Trevas e viu que estava em um gigantesco salão de entrada.
Não era muito parecido com o castelo da Organização, mas a atmosfera obscura e ameaçadora era
igual, pensou Xion.
Sua tarefa era coletar corações, derrotando Heartless que lembravam cachorros. Depois, iria
para Twilight Town, tomar picolé na torre do relógio.
Eu quero tomar picolé com o Roxas.
Estar com ele lhe dava uma sensação estranha. Notara isso no dia anterior. E, de alguma
forma, sentia que ele estava um pouco diferente desde que acordara.
Xion subiu as escadas até uma grande porta que dava acesso a uma sala enorme e muito bem
iluminada. Só podia ser o salão de baile. E, bem no meio — lá estavam os Heartless alvos.
— Muito bem... Não deve demorar muito. — Ela invocou a Keyblade em suas mãos... ou
pelo menos tentou. Mas algo não estava certo.
Xion deu um grito de consternação. Sua arma não surgiu em suas mãos. Ela a vinha usando
desde o dia em que lutara ao lado de Roxas.
Mas agora... ela simplesmente não apareceu.
Em meio a um rugido sinistro, os Heartless se lançaram contra ela. Enquanto se esquivava,
tentou invocar a Keyblade mais uma vez, chamando por ela em voz alta, desesperada:
— Por favor, apareça...
Mas suas súplicas se tornaram um grito quando um Heartless a atirou pelos ares.
— Por que isso tá acontecendo...? — disse, a voz trêmula.
Mas se eu não der um jeito de lutar, esse vai ser o meu fim, pensou.
Em pânico, ela lançou um feitiço. As magias que conhecia não eram particularmente fortes,
mas seria o suficiente. Tinha que ser.
— Chamas! — Uma pequena bola de fogo atingiu o Heartless, que, para sua sorte, foi
consumido pelo fogo.
Então agora ela teria que derrotá-los com magia. Xion disparou um feitiço atrás do outro
contra os inimigos.

Uma missão não terminava oficialmente até que dessem seu relatório a Saïx. Mas ela não
conseguiria sequer olhar para Roxas naquele momento.
Xion retornou ao castelo e fez seu relatório.
Teve que declarar quantos Heartless havia derrotado — e quantos corações coletara para
Kingdom Hearts.
Saïx não ficou muito contente.
— Então você não conseguiu obter nenhum coração?
— ...Eu os derrotei com magia. — A Keyblade sequer surgira em suas mãos, mas talvez
conseguisse sair impune se escondesse esse fato.
— O que exatamente você acha que uma Keyblade é?
— O que ela é...? Hm, é uma chave que coleta corações...
A Keyblade era um tipo especial de espada. Disso Xion sabia. E sem ela, era impossível
coletar corações.
— Precisamente — disse Saïx. — Você precisa compreender sua importância. Se não puder
usar a Keyblade para o seu propósito, não há lugar para você na Organização. Lembre-se disso e
certifique-se de eliminar os Heartless com a Keyblade.
— ...Compreendo. Serei mais cuidadosa — respondeu.
Eu só tive um dia ruim. Deve ter sido isso. Amanhã vou conseguir usá-la de novo e tudo vai
voltar ao normal, Xion disse a si mesma enquanto deixava o salão.

72 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Roxas sentia como se o mesmo dia estivesse se repetindo, de novo e de novo. E embora as
missões fossem diferentes, ainda era terrivelmente repetitivo. Após concluí-las, ele subia na torre do
relógio, sozinho. Ninguém ia se juntar a ele.
Nem mesmo Xion.
Ele não sabia ao certo como chamar aquele sentimento. Provavelmente porque não tinha um
coração, pensou. Será que voltaria a ver o Axel? A pergunta lhe fez sentir algo apertando o fundo
do peito, uma espécie de pontada dolorosa.
Ele perguntava a Saïx o que estava acontecendo no Castelo do Esquecimento quase todos os
dias, mas a única resposta que recebia era que estava “sendo investigado”.
Se ao menos pudesse ver Xion e conversar com ela na torre do relógio... talvez algo pudesse
mudar, ainda que só um pouco. Mas ele nunca a encontrava, nem ali e nem na Área Cinzenta pelas
manhãs. Talvez ela tivesse sido enviada a algum lugar numa missão mais comprida, como Axel no
Castelo do Esquecimento.
Mas... perguntar sobre Axel parecia deixar Saïx tão mal-humorado que Roxas achava
melhor não questionar a respeito de Xion.
Diariamente, ele voltava à torre do relógio de Twilight Town com uma débil centelha de
esperança e, diariamente, ficava lá sentado, sozinho.

Então é verdade. Eu não consigo mais usar a Keyblade...


Xion destruiu o último Heartless usando magia e, desesperada, caiu sentada no chão.
Saïx voltaria a repreendê-la por não ter conseguido nenhum coração e ela não fazia ideia de
como poderia se explicar.
Ele disse que se eu não puder usar a Keyblade, não há lugar para mim na Organização.
O que será que eu faço agora...?

Xemnas tinha um laboratório secreto, oculto atrás da Sala Circular.


Havia diversos lugares espalhados pelo castelo que eram usados como unidades de pesquisa,
mas apenas determinados membros da Organização tinham acesso àquele laboratório.
Xemnas não era o único lá.
— Isso não tá me cheirando bem — comentou Xigbar, esparramado num sofá que havia no
canto da sala.
— O quê, exatamente? — perguntou Xemnas.
— Tu acha que o garoto aniquilou todo mundo lá no Castelo do Esquecimento? Até parece.
Xemnas estava ocupado escrevendo alguma coisa, mas, com essas palavras, sua mão parou.
— Manipularam ele pra mandar o Marluxia pra saco, procedimento operacional padrão —
disse Xigbar. — Foi você que deu a ordem?
— Sim, fui eu. O que deseja saber?
— Só tô dizendo que não é todo mundo que devia ter sido eliminado. Meio que parece que o
grande plano foi por água a baixo, porque perder metade dos nossos membros originais certamente
não fazia parte dele. Né não, Xehanort?
— Este é um nome que eu não ouvia há um bom tempo... — Xemnas teve que sorrir frente a
isso, sua boca se contorcendo no processo.
Era seu nome de quando ainda era humano, de quando fora aprendiz de um certo homem —
e de quando lutou contra eles.
73 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Bom, enfim, sobre esses extermínios que não foram planejados... — Xigbar o fitou com o
olhar fixo. — Ainda me pergunto se não tem alguma coisa a ver com você-sabe-quem.
— Seja esta a verdade ou não, temos ao menos duas Keyblades à nossa disposição — disse
Xemnas. — O que significa que o plano continua indo bem. Não há necessidade de alterá-lo apenas
por conta de uma baixa em nossos números.
Com essas palavras, ele desviou sua atenção novamente para os documentos e então voltou a
escrever. Xigbar apenas deu de ombros e desapareceu da sala.

Roxas acordou e seguiu para o salão, assim como sempre. Era seu septuagésimo primeiro
dia na Organização. Ele já não via Axel ou Xion há o que parecia uma eternidade.
— Ora, ora, bom dia, rabugento. — Xigbar o cumprimentou com uma breve risada. — Por
que essa cara?
— Não é nada...
Não é uma mentira, pensou Roxas. De fato não era nada. Nada nunca acontecia e, mesmo se
fosse à torre do relógio, ninguém ia lá para encontrá-lo. E ele não tinha nada a dizer para Xigbar.
— Mas sério, tu tem que admitir, o castelo tá bem mais quieto ultimamente — disse Xigbar,
divagando. — Seis membros mais quieto, dá pra dizer.
Então, como se para contrariá-lo, alguém entrou às pressas no salão.
— Mas bem que eu podia me acostumar com isso — murmurou Xigbar.
— Ei, Roxas, já ficou sabendo, bicho? — disparou Demyx. — Sem sobreviventes! Todo
mundo no Castelo do Esquecimento bateu as botas!
Esta não era a fonte que Roxas estava esperando.
— ...Foi o Saïx que te disse isso?
— Sim. Notícias quentinhas dos Nobodies que tavam lá investigando. O castelo tá todo às
moscas! Cara, que bom que eu não fui pra lá. Ainda quero continuar existindo, obrigado, de nada.
Roxas mal conseguia acompanhar a tagarelice rápida como trovão de Demyx, muito menos
dar uma resposta. Quando abaixou o olhar para o chão, Xigbar se acabou de dar risada.
— Ei, qual é, Xiggy, o bagulho aqui é tenso — disse Demyx. — Metade dos nossos
membros já eram.
— É, e agora você vai ter que dobrar os teus turnos pra compensar esse corte. — Xigbar o
encarou como se esperasse alguma coisa.
— Blé... eu sei. — Demyx encolheu os ombros. — Eu, hã, já vou começar.
— E você, também tá pegando duro no batente, garotão? — Xigbar se voltou para Roxas.
— Sim... — respondeu Roxas, mas estava se sentindo perdido em meio à neblina, incapaz de
se mexer. Foi quando Saïx chegou.
— Sua missão hoje será em Twilight Town. Parta assim que estiver pronto.
Roxas sequer sentiu o impulso de confirmar se de fato não houvera sobreviventes no Castelo
do Esquecimento. Toda vez que perguntava, Saïx lhe dava sempre a mesma resposta: “Está sendo
investigado”. Ele não se importaria de ouvir a mesma coisa de novo hoje.
Mas agora estava com medo de perguntar.
Ele nunca mais voltaria a ver Axel.
Havia uma palavra para descrever como essa ideia o fazia sentir?
Eu só quero sair daqui, pensou Roxas, partindo para sua missão. Preferia estar em qualquer
lugar que não fosse ali.

Roxas disparava de cabeça pelas ruas de Twilight Town, destruindo os Heartless em seu
caminho. Não sabia o porquê. Apenas tinha que fazê-lo.
74 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Todos eles... aniquilados...
Eu nunca mais vou poder vê-lo.
Toda vez que o pensamento lhe vinha à cabeça, não conseguia ficar parado. O que era isso
que o motivava a continuar em frente?
Ele avançou por um beco, eliminando o último dos Heartless com a Keyblade, e o coração
liberado por ele saiu flutuando em meio ao ar.
Foi quando ouviu alguém batendo palmas.
— Olha só o Roxas! É isso aí! Luta, luta, luta! Ainda acabando com os Heartless como se
fosse o seu trabalho. Não, péra... Acho que é.
Ele se virou e o viu — Axel.
— Bom ver você. — Axel seguiu até ele sem muita pressa. — Qual o problema? Parece até
que viu um fantasma.
Era mesmo ele. Ele e seu mesmo sorriso sardônico de sempre.
Roxas se atrapalhou atrás de palavras:
— Disseram... que todo o time no Castelo do Esquecimento tinha sido aniquilado...
— Correção: os fracotes foram aniquilados — disse Axel, passando pretensiosamente a mão
nas mangas para limpar uma poeira imaginária.
Mas algo me parece estranho, pensou Roxas. Além do mais, o Axel não é assim tão forte
quanto diz ser... eu acho.
— Você me deixou preocupado — admitiu.
— Preocupado? — Axel riu. — É um feito e tanto, considerando que você não tem um
coração pra sentir alguma coisa.
Roxas também teve que rir — ainda que só um pouco.
Estava muito feliz por Axel não ter sido eliminado. Agora que ambos estavam ali, podiam ir
para o lugar de sempre e...
— Vou comprar uns picolés pra gente! — Roxas saiu em disparada.

Concluindo que sua tarefa era ir até o ponto de encontro e esperar por ele lá, Axel seguiu
para a torre do relógio.
Quando a poeira finalmente baixou, ele foi o único que de fato voltou do Castelo do
Esquecimento. E isso até que não seria um problema — mas acontece que ele perdera o rastro de
Naminé, Sora, Riku e dos outros visitantes. Havia muitas salas incompreensíveis naquele castelo.
E ele também ainda não conseguira encontrar aquela câmara.
— Axel! — exclamou Roxas.
Quando se virou, viu Roxas sorrindo com um picolé em cada mão, a respiração ofegante
após correr até ali. Mais uma vez, Axel se viu maravilhado com a semelhança que ele tinha com
Sora. Pegou um picolé e sorriu de volta.
— Hoje é por sua conta, é?
— É um dia especial. — Roxas se sentou a seu lado.
Quando sorria, as similaridades ficavam ainda mais pronunciadas. Apesar que Axel não
chegara a ver Sora sorrindo no castelo.
Um Nobody como ele e Roxas eram criados no momento em que seus seres originais se
tornavam um Heartless. O que significava que era basicamente impossível conhecer tanto um
Nobody quanto seu ser original. Axel tinha apenas uma base para comparação — uma pessoa que
conhecera quando humano e de quem ainda continuava próximo como Nobody.
Mas ser capaz de encontrar tanto um Nobody quanto o seu respectivo ser original? Isso era
sem precedentes. Não era natural que ambos existissem ao mesmo tempo.
Ainda assim, lá estava o Roxas.
E não era apenas a Keyblade que o fazia único. Ele também existia ao mesmo tempo que seu
ser original. Isso ia contra as leis que conheciam.
75 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
A Keyblade teoricamente refletia a vontade de todos os mundos, ou pelo menos Axel ouvira
isso em algum lugar. Seriam as leis do universo e sua vontade duas coisas diferentes? Perdido em
pensamentos, Axel fitava o perfil jovial daquele Nobody único, o que Roxas acabou notando.
— Que foi? Tem alguma coisa na minha cara?
— Nah, é só que... eu tenho que me apresentar pro chefe, senão vou ouvir um monte. —
Disfarçando seu devaneio como ansiedade por conta do trabalho, ele deu uma mordida no picolé.
— Então você ainda não retornou ao castelo?
— Hm... Não. — Axel balançou a cabeça e fitou o pôr do sol. Não estive fora por tanto
tempo, mas parece que faz anos, pensou.
— Ora, então por que veio aqui? — indagou Roxas.
Porque antes de dar meu relatório no castelo, antes de ver qualquer outro, eu queria tomar
picolé com você.
Porque queria ver se você realmente era o Nobody do Sora.
Axel não sabia ao certo em qual dos dois motivos estava focado. Mas hesitou para indicar
qualquer um deles em voz alta.
— Acho que eu precisava de um tempo pra organizar meus sentimentos primeiro. — Axel
deu de ombros e Roxas então lhe deu um tapa nas costas, um sorriso estampado no rosto.
— Ué, senhor “eu-não-tenho-um-coração”?
Eles riram. Aquilo lhe dava uma sensação tão estranha. Quase como se...
Sim, era como ser humano de novo. Como se houvesse um barulho alto dentro de seu peito.
— Ei, seu picolé vai acabar derretendo — provocou Axel, escondendo os sentimentos de
novo. — Toma logo.
— Ah. Certo.
Axel deu uma mordida no picolé e Roxas fez o mesmo.
— Sabe — disse Roxas, após um instante. — Xion veio aqui em cima comigo enquanto
você tava fora.
— Xion? Sério?
O número quatorze não parecia ter qualquer tipo de memória — e nem mesmo um rosto,
pelo menos até onde Axel podia dizer. Nunca havia visto Xion com o capuz abaixado.
— Eu prometi que nós três viríamos tomar picolé juntos quando você voltasse.
Para Axel, essas palavras pareceram completamente inesperadas.
— Xion e eu somos amigos agora — acrescentou Roxas, a voz suave.

Axel estava se esticando na cama, olhando vagamente para o teto, quando Saïx apareceu.
— Por que não deu seu relatório?
Axel se ergueu e piscou para ele.
— Puxa, valeu pelas lindas palavras. É bom ver você também.
Se a alfinetada o incomodou, Saïx não demonstrou qualquer sinal.
— Soube que Naminé desapareceu.
— Tava lá num minuto e no outro já não tava mais — disse Axel. — Vai saber pra onde
pode ter ido.
Esta era a verdade. É claro, tinha sido ele quem a incitou a fazer alguma coisa, mas não
sabia onde ela estava agora.
— E procurou em todos as salas, suponho? — pressionou Saïx.
— Tá brincando, né? Seria que nem contar os grãos de poeira num prédio cheio de gente
espirrando.
O Castelo do Esquecimento era cheio de salas nas quais ninguém jamais pusera o pé. De
certa forma, esta era a verdadeira razão pela qual ele existia.
— E quanto à câmara? A encontrou?
— Qual é, isso eu teria dito — disse Axel, a voz arrastada.
76 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Saïx deu um suspiro longo e exagerado.
De certa forma, Saïx era quem mais se esforçava para fingir que tinha um coração, pensou
Axel. Ainda assim, era o que mais carecia de um.
— Mas tenho que admitir... você tava certo sobre tudo. — Tentando mudar de assunto, Axel
se levantou da cama e foi até Saïx, aproximando-se para sussurrar em seu ouvido. — Sobre o
Marluxia, os traidores... Você já sabia o que tava rolando.
— Hm. — Saïx fungou. — Só o que fiz foi encontrar um lugar para onde mandar todos os
que estavam ficando no caminho.
Talvez ele estivesse dizendo a verdade. Os outros membros eram apenas obstáculos para
Saïx — não. Para eles dois.
Ainda assim, Axel não pôde evitar o sarcasmo em sua resposta:
— Ora, bom saber aonde eu me enquadro — disse isso em meio a uma risada, mas a cicatriz
entre as sobrancelhas de Saïx pareceu se franzir por um instante. Aparentemente, a brincadeira não
fora muito engraçada.
— Você voltou inteiro, não foi?
Tava preocupado que eu pudesse não voltar? Axel quase disse isso, mas não queria arriscar
deixa-lo com um humor ainda pior. Raiva e desgosto pareciam ser as memórias de Saïx que mais se
aproximavam da superfície.
Dando de ombros, acrescentou apenas mais uma coisa a seu relatório:
— Eu me livrei do Zexion.
Saïx desviou o olhar para ele.
— Só pra garantir que tudo saia do jeitinho que você quer — disse Axel, fitando-o de volta.
— Por enquanto.

77 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
78 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
QUANDO ROXAS CHEGOU AO SALÃO, ENCONTROU AXEL ESPERANDO POR ELE.
— Ei, adivinha só! — Abriu um sorriso, erguendo as mãos num gesto desamparado. — Me
colocaram pra ser seu parceiro hoje, pra me dar um puxão de orelha.
— Hã? Por que eu seria um puxão de orelha? — perguntou Roxas.
— Bom, é que eles sabem como eu odeio ter que dar uma de babá. — Axel deu um suspiro
exagerado.
— Ah, valeu — Roxas bufou.
— Te falar, viu. Eles iam morrer se me dessem só um diazinho de folga? Eu tô só o pó —
choramingou Axel. — Preciso do meu sono da beleza.
Roxas teve que rir.
— Beleza, vamos indo, parceiro.
— Logo atrás de você... Ah, segura um pouco aí. Tenho que fazer umas compras. — Roxas
foi falar com o Moogle. — Hm...
— Meus cumprimentos... kupo? Ora, ora, está só sorrisos hoje, kupo.
Era algo estranho de se ouvir. Só sorrisos? Isso quer dizer que eu tô feliz? Mas eu sou um
Nobody que não tem coração...
— Vem, Roxas, vamos botar a mão na massa — disse Axel atrás dele.
— Eu sei, eu sei. Você não precisa comprar nada?
— Jamais. Profissionais que nem eu tão sempre prontos.
— ...Ele é profissional, kupo? Em quê? — comentou o Moogle apenas para os ouvidos de
Roxas. Mas Roxas repetiu a piada:
— Você é profissional? Em quê?
— Pfft. Criancinhas que nem vocês nunca iam entender — murmurou Axel, esfregando a
nuca, amuado.
Roxas e o Moogle viraram um para o outro e começaram a rir.
— ...Vamos logo com isso — reclamou Axel.
— Belezinha, Sr. Profissional! — Roxas continuava rindo.

Sua missão de hoje era coletar corações em Agrabah. Tinham acabado de derrotar diversos
Heartless, quando Axel parou.
— Que houve? — Roxas imediatamente ficou atento, mas Axel levou um dedo aos lábios.
— Hein?
— Olha ali...
Axel apontou para uma volumosa figura perambulando pelo local. No entanto, não parecia
ser um Heartless. Na verdade, seu nome era Bafo e os dois estavam certos em suspeitar que ele
provavelmente estava tramando alguma coisa.
— O que ele quer, cutucando a parede daquele jeito? — murmurou Roxas. Quase que ao
mesmo tempo, Bafo deu um grito:
— Bingo!
— Hã?
Bafo pressionou uma certa área e um pedaço da parede começou a deslizar pesadamente,
revelando uma passagem secreta.
— He, he. Finalmente encontrei! Abre-te sésamo!
E então ele passou pela abertura, desaparecendo de vista.
Após esperar uns bons segundos, Axel e Roxas espiaram pela passagem, deparando-se com
o deserto do outro lado. Era simplesmente um atalho em meio às paredes da cidade.
— Mudança de planos. Nossa nova missão é seguir aquele bobalhão — disse Axel. — E
tentar fazer isso da forma mais sutil possível.
Ele adentrou a passagem.

79 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
80 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Espera, o quê? — começou Roxas. — A gente veio pra coletar corações. Não vamos nos
meter em encrenca se...?
— Investigar qualquer sujeito suspeito com quem se deparar também é uma parte importante
do trabalho. — Axel pôs as mãos nos quadris, como se para repreender Roxas por tentar detê-lo.
— Mas ainda não seria desobedecer ordens?
— Nah, eu diria que é pensamento flexível. Deu pra memorizar? Além do mais, ainda dá pra
coletar um bocado de corações depois de seguirmos ele. Sem prejuízo, sem delito.
— Acho que você tá certo... — disse Roxas, relutante. Talvez até estivesse entendendo, mas
ao mesmo tempo, achava que não exatamente.
— Vem, antes que a gente perca ele! — Axel saiu correndo e Roxas o seguiu aos tropeços.

Do outro lado da parede, depararam-se com uma grande estátua na forma da cabeça de um
tigre com as mandíbulas escancaradas em meio à imensidão do deserto. Mesmo ao longe, era fácil
ver que a boca era grande o suficiente para que alguém passasse por ela. Alguém como a grande
figura suspeita espiando em meio aos gigantescos dentes do tigre.
Mantendo uma distância segura, Roxas e Axel foram atrás dele.
— Eu não fazia ideia de que tinha algo assim por aqui — disse Roxas, maravilhado.
A boca do tigre levava a uma caverna sob a areia... não uma caverna natural, mas diversas
câmaras feitas de pedra com um propósito desconhecido. Não havia sinal de Bafo.
— Esse lugar é bem maior do que parece por fora... — Consternado, Axel sacudiu a cabeça.
— É, acho que perdemos ele.
— E agora?
— Acho que vamos ter que deixar essa parte da missão de lado, pelo menos por enquanto.
De volta à coleta de corações.
Espera, a gente não tinha que investigar aquele cara? Confuso, Roxas estreitou os olhos.
— Você não que procurar por ele?
— Bom, eu até que queria saber o que ele tava tramando, mas descobrir sobre essa caverna
já tá de bom tamanho por hoje — disse Axel. — Além do mais, esse lugar é enorme. Procurar
aquele bobalhão aqui daria trabalho demais pro meu gosto.
— O que aconteceu com isso ser uma parte importante do trabalho? — Roxas parecia um
tanto aborrecido com Axel por insistir que perseguissem sua presa até lá só para declarar então que
“daria trabalho demais”.
— Como eu disse, pensamento flexível. — Havia um quê travesso na resposta de Axel.
— Ah, saquei. — Roxas deu risada. — É melhor voltarmos então pra cidade.
A dupla deixou a caverna de lado por ora e voltou pelo deserto às ruas sinuosas de Agrabah.

Eles destruíram os Heartless que espreitavam pela cidade. Coletar corações não era lá uma
missão muito complicada.
— E isso resolve tudo — disse Axel. — Partiu?
— Aham.
Mas quando estavam a ponto de voltar aos corredores, Axel ergueu uma mão para deter
Roxas. Havia dois cidadãos de Agrabah parados mais adiante, bem em frente deles.
Um deles era uma jovem mulher de longos e lustrosos cabelos negros, vestida com trajes tão
finos que só podia ser alguém da realeza; estava com as mãos unidas sobre o peito, o olhar voltado
para um homem relativamente comum.
— Tem certeza, Aladdin? Ainda acho que você devia descansar um pouco.

81 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Eu vou ficar bem — disse Aladdin. — As tempestades finalmente deram uma trégua...
Agora é a nossa chance de dar um jeito na cidade.
— Sim, é verdade, mas... — A jovem desviou o olhar, preocupada. — Você vai acabar se
matando de exaustão se continuar desse jeito.
— Eu tô bem, Jasmine. Mas não temos como saber quando a próxima tempestade virá.
Temos que deixar tudo pronto antes disso...
Agrabah realmente estava em um estado de reparo melhor que quando Roxas a vira pela
última vez. Então eles não deviam ter tempestades de areia já há algum tempo.
— Se pelo menos o Gênio estivesse aqui. — Jasmine suspirou.
— Também sinto falta dele, mas isso não é trabalho pra mágica. Agrabah é a nossa cidade.
Somos nós que precisamos concertá-la.
— Sim... É claro, você está certo. — Jasmine ergueu o rosto e tentou abrir um sorriso para
encorajá-lo.
— Bem, é melhor voltar ao trabalho.
— Espera. Também vou ajudar.
Aladdin e Jasmine seguiram juntos pela rua que levava ao bazar.
— Será que aquele cara que vimos antes tem algo a ver com todas essas tempestades? —
ponderou Roxas.
— Sabe Deus... A gente descobre uma hora ou outra — disse Axel, sem muito interesse. —
Vem, vamos dar o fora daqui.
Ele já estava se afastando a passos largos e Roxas teve que correr para voltar a alcançá-lo.

Axel e Roxas se empoleiraram no alto da torre do relógio, saboreando seus picolés.


— Você parece mais animado que antes — comentou Axel, olhando fixamente para Roxas.
Estou? Bom, talvez, pensou Roxas. Alguma coisa também mudara em Axel desde o Castelo
do Esquecimento — mas não sabia dizer exatamente o quê.
— Você também parece — disse Roxas, ajeitando-se em seu lugar. — Mais... animado.
— Eu? Acha mesmo? Acho que o moleque deve ter me contagiado.
— Hã?
— Er... só digamos que é graças a você que a gente pode sentar aqui pra tomar picolé e rir
sem motivo nenhum.
Axel tagarelou e tagarelou, mas acabou sem se explicar. Quem era “o moleque”? Tentando
pensar a respeito, Roxas se deu conta de que faltava alguém.
— Xion não vai aparecer hoje, pelo visto...
Sentia-se inquieto por não poder vê-la há tanto tempo. Era como o que havia sentido quando
pensava que Axel podia ter sido aniquilado.
Ele não queria que ninguém desaparecesse.
Em vez de responder, Axel deu mais uma mordida em seu picolé.

Ele acordou numa manhã como qualquer outra. Novamente, Xion não estava no salão.
— E aí, Roxas — chamou Axel. Virou-se para ele.
— Axel... Viu Xion por aí?
— O número quatorze? — Axel olhou em volta, coçando a cabeça. — Hmm, agora que você
mencionou... não.
— Já faz um bom tempo. — A voz de Roxas era baixa e inquieta. — Pelo menos dez dias.
Na verdade, não a via desde o dia que acordara de seu sono misterioso.
Axel cruzou os braços.
82 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Bem que eu queria poder ajudar. Mas fui mandado pro Castelo do Esquecimento assim
que Xion se juntou a nós. Acabei perdendo um monte de coisa.
Mas eu prometi a ela que nós três poderíamos sair pra tomar picolé juntos, pensou Roxas.
— Vocês dois são amigos, né? Quer saber... vou tentar entrar na cabeça do Saïx pra ver se
descubro alguma coisa.
Roxas assentiu, ansioso.
— Valeu, Axel.
Axel lhe deu um tapa nas costas, tentando reconfortá-lo.
— Bom, quanto antes você terminar com a sua missão, antes vai poder voltar pra eu te
contar as novidades.
Observando enquanto Roxas partia, ele se lançou no sofá. Não via Xion desde que havia
voltado do Castelo do Esquecimento. E mesmo antes de partir, só vira aquela figura perpetuamente
encapuzada no salão algumas vezes. Xion nunca falara com ele. Não sabia sequer dizer se o número
quatorze era um garoto ou uma garota.
Mas Roxas dissera ser amigo de Xion. Quando foi que se tornara amigo de alguém cujo
rosto está sempre oculto?
Axel se certificou de que todos os outros membros do salão haviam desaparecido em meio
aos Corredores das Trevas — todos exceto Saïx — e então se levantou.
— O que temos em pauta pra mim hoje?
— Já concluiu seu relatório a respeito do portador da Keyblade? — indagou Saïx.
Axel deu de ombros, embora soubesse que era parte do trabalho. Eles precisavam entregar
relatórios indicando os resultados de determinadas missões de investigação.
— Nah, ainda não.
— Por que você acha que eu o enviei em uma missão com Roxas ontem, imediatamente
após o seu retorno?
— ...Hã, pra eu escrever um relatório comparando os dois, eu acho?
— Você é o único que pode agora. Talvez devesse ter pensado nisso antes de eliminar os
outros. Então trate de me entregar esse relatório e depois vá para a sua missão. — Tendo provido
suas ordens, Saïx voltou sua atenção para a pilha de dados em suas mãos.
— Claro, pode deixar — disse Axel. — Mas eu tenho uma pergunta. Sobre Xion.
Saïx ergueu a cabeça novamente e havia algo em seu olhar que Axel não gostou.
— Quando foi que você recebeu ordens para entrar em contato com Xion?
— Olha, o Roxas só tá querendo saber o que rolou com a única pessoa mais nova que ele.
Saïx piscou, pensativo.
— Bom, eles têm se associado um com o outro. — Aparentemente, Saïx tinha alguns
pensamentos a respeito de Xion que guardava para si mesmo.
— E? Qual o lance? Pra onde Xion foi?
— O número quatorze foi enviado em uma missão para destruir um Heartless gigante e
nunca retornou — respondeu Saïx, a voz um tanto desagradável.
— O quê? E não vamos fazer nada a respeito?
Havia ocasiões nas quais os membros da Organização precisavam lidar com missões mais
trabalhosas, o que os impedia de voltar ao castelo por dias a fio. Mas “nunca retornar” já era uma
história é completamente diferente.
No pior cenário, queria dizer que Xion deixara de existir.
— Já estamos procurando. — Saïx encarou Axel fixamente. — Enviei Penumbras para
investigar. Eles simplesmente ainda não encontraram nada.
Axel reconhecia aquela expressão devido aos anos de história compartilhada — queria dizer
que ele estava refletindo sobre algo importante. Teve que esperar que Saïx terminasse de pensar.
— ...Muito bem. Suponho que seja a hora de você entrar em contato com o décimo quarto.
— Do que você tá falando?
Ele sabia que Roxas e Sora tinham uma conexão. Mas será que Xion também tinha algo a
ver com tudo isso?

83 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Se fosse o caso, faria sentido por que Roxas era tão chegado a Xion, enquanto tudo o que ele
se lembrava a respeito de Xion eram sombras e silêncio. Teria seu mais novo membro finalmente
abaixado o capuz enquanto Axel estava fora, no Castelo do Esquecimento?
— Você é o único que já interagiu tanto com Roxas quanto com o escolhido da Keyblade —
explicou Saïx. — Assim sendo, seria interessante se você também se associasse ao décimo quarto.
— Tá, mas isso não é resposta pra minha pergunta — protestou Axel.
— Será. Então me traga aquele relatório ainda hoje. E amanhã, colocarei você e Roxas em
busca de Xion.
Bom, já era alguma coisa. Teria que terminar o dever de casa. No entanto, tinha a incômoda
sensação de que Saïx estava balançando a isca bem diante dos seus olhos sem intenção de lhe dar.
— Então é melhor eu ir ao trabalho, hein? — Axel ajeitou os ombros e seguiu de volta para
seu quarto.

Axel terminou seu relatório, mal conseguindo dormir no processo, e viu que já estava na
hora de voltar à Área Cinzenta.
Para ser sincero, tinha suado baldes o tempo todo. Não bastava simplesmente escrever as
coisas. Precisa decidir o que incluir e o que deixar de fora, onde podia se safar aumentando a
verdade — o que fazia daquele um projeto verdadeiramente extenuante.
O salão continuava vazio. Em meio a um enorme bocejo, Axel se jogou com tudo no sofá.
Mesmo Nobodies precisavam dormir.
Ele cruzou os braços e permitiu que seus olhos se fechassem. Só um cochilinho...
— Isto não é uma cama. — A súbita repreensão rompeu a paz e o silêncio, fazendo com que
Axel acordasse num pulo.
— O quê...? Ah. Saïx.
— Esperava outra pessoa? — Saïx o encarou com um olhar distintamente desagradável. —
Já entregou seu relatório?
Axel alongou as costas.
— Obviamente.
— Então você partirá naquela missão com Roxas, conforme discutimos.
— Beleza. Entendido. — Enquanto alongava o pescoço, tentando estalar as articulações,
Saïx seguiu para seu posto de costume.
Não muito depois, Demyx e Luxord apareceram e, eventualmente, Roxas também. Axel se
levantou do sofá, alongando-se pela enésima vez.
— Olha ele aí. Acorda pra cuspir, dorminhoco.
Roxas estava esfregando os olhos.
— Foi mal... não consegui dormir.
— Perguntei pro Saïx sobre Xion — disse Axel. Com essas palavras, Roxas olhou para ele.
— O número quatorze foi mandado numa missão, mas nunca chegou a retornar.
— Mas... por que não? — Roxas desviou o olhar, inquieto. — A missão já não devia ter
acabado a essa altura?
Axel lhe deu um leve empurrão e seguiu em direção a Saïx.
— Não sei, mas logo a gente vai descobrir.
— Como? — perguntou Roxas, cético. Axel lhe abriu um sorriso.
— Você e eu vamos sair pra localizar Xion. É a nossa missão de hoje.
— Verdade?! — Radiante, Roxas ergueu o olhar para ele.
— Não, eu inventei tudo, pode voltar pra cama — brincou Axel. — É claro que é verdade!
Vai se aprontar de uma vez, beleza?
— Sim! Vamos lá! — Roxas saiu correndo até Saïx.
— Não, quis dizer pra se aprontar pra valer. Temos que estar prontos, não sabemos o que
vai ter por lá.
84 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Eu vou ficar bem! — disse Roxas, voltando-se então para Saïx. — Onde vai ser a nossa
missão de hoje?
— Em Twilight Town — respondeu Saïx, sereno. — Não voltem até descobrirem o que
aconteceu com Xion.
— Entendido!
Às vezes o garoto parecia um pouco focado demais no trabalho, na opinião de Axel.
— Vem, Axel! — exclamou Roxas.
— Tô indo, tô indo.
Fitando-o por cima do ombro com um olhar impaciente, Roxas abriu um portal negro e
partiu por ele sem perder nem mais um segundo.

Como de costume, o pôr do sol envolvia Twilight Town em meio a seu brilho.
— Onde você acha que estará Xion...? — Roxas examinava seus arredores com um olhar
apreensivo. Os corredores os haviam levado ao topo da escadaria do beco.
— Bem, a missão atribuída ao número quatorze era derrotar um Heartless gigante. Então
devíamos começar procurando por um desses — argumentou Axel.
Roxas pareceu perdido em pensamentos.
— Bom, pelo menos não é num mundo onde nunca estivemos — acrescentou Axel. — A
gente conhece o lugar. Deve ser tranquilo caçar informação por aqui.
— Um Heartless gigante precisa de espaços abertos, né? — disse Roxas. — Por que não
damos uma olhada neles?
— Bem lembrado. O mais perto daqui seria... vejamos, o pátio?
— Isso. Vamos lá.
O lugar na verdade ficava logo abaixo dos degraus diante deles.
— Não tô vendo Heartless nenhum — murmurou Axel.
Do outro lado do terreno, duas das crianças de Twilight Town estavam sentadas num banco,
conversando sobre alguma coisa — dois daquele mesmo trio de antes, o garoto de cabelo espetado e
a garota de feições doces.
— Fala, Olette, cadê o Pence? — perguntou o garoto.
— Foi dar uma olhada sozinho nos túneis.
Então o nome da garota era Olette e o que estava ausente no momento era Pence. Devia ser
o mais robusto.
— Sabe, ele tem estado estranho ultimamente. — O garoto inclinou a cabeça, pensativo. —
Como se estivesse tramando alguma coisa sem contar pra gente ou...
— Será que tem alguma coisa a ver com Xion? — perguntou Roxas.
— Talvez sim, talvez não — disse Axel. — Nunca se sabe.
Eles continuaram escutando, sem qualquer remorso.
— Ah, parando pra pensar... Ontem, quando eu apareci no ponto de encontro, vi que ele
escondeu alguma coisa o mais rápido que pôde — disse Olette.
— Hmm... — O garoto de cabelo espetado cruzou os braços. — É, bem suspeito. O que será
que ele tá tramando?
Mesmo que aqueles três sempre estivessem juntos, parecia que cada um deles também tinha
suas próprias preocupações. Não era como se tivessem nascidos colados.
De toda forma, houve uma frase que se sobressaiu para Roxas:
— Onde você acha que é esse “ponto de encontro” deles?
Sem fazer a menor ideia, Axel deu de ombros.
— Acho que vamos ter que procurar. Quê que você acha, Roxas?
— Bom, o nosso é na torre do relógio...
— É, aposto que é lá que você quer procurar. — Axel deu risada.

85 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Ambos só queriam encontrar Xion de uma vez e tomar picolé de sal marinho em seu próprio
ponto de encontro.
— Mas imagino que aqueles três devem ter um esconderijo diferente — disse Roxas.
— Tipo onde? — Axel estalou o pescoço outra vez. Ele gostava de pensar que conhecia a
cidade de cima a baixo, mas nada lhe vinha em mente.
— É um lugar privado só pra eles, então não deve ser muito grande — explicou Roxas. — E
tem que ser num lugar por onde não passe muita gente.
— É, acho que o nosso cantinho também é assim... — admitiu Axel. — Por que não damos
uma procurada?
— Nos túneis, talvez?
Axel imediatamente zombou da ideia de Roxas:
— E você viu um lugar decente pra isso naqueles túneis?
Eles haviam vasculhado todo o sistema de túneis em suas missões. Não tinha exatamente
muitos esconderijos — não onde alguém fosse querer passar bastante tempo.
Foi quando algo passou pela cabeça de Roxas:
— Que tal embaixo dos trilhos?
— Embaixo...? Onde? — Os trilhos do trem percorriam quilômetros e mais quilômetros.
Procurar um ponto específico embaixo deles não fazia o menor sentido.
— Tem uma grade na esquina de onde a gente veio — disse Roxas. — E tem um portão na
grade que dá numa espécie de galpão.
Um pequeno depósito embaixo dos trilhos — era fora de vista e do tamanho ideal para três
pessoas se reunirem.
— Ah, sei, aquele lugar. Claro, vamos dar uma olhada.

Um cheiro mofado impregnava o lugar embaixo dos trilhos e partículas de poeira cintilavam
em meio aos raios de luz que passava pelas fendas nos trilhos sobre suas cabeças.
— Esse é o “ponto de encontro” deles...? — comentou Axel.
— Se não tiver nada aqui, é só procurar em outros lugares.
Roxas serpenteou em meio à sala. Era muito bem mobiliado para um galpão, contando com
um sofá e um alvo de dardos, e era evidente que pessoas haviam passado por ali recentemente.
Como se estivessem sempre entrando e saindo...
— Saca só! — Axel lançou um dardo no alvo.
— Ei! Temos que investigar.
— Qual é, são só uns dardos.
Axel lançou mais um, quase conseguindo acertar o ponto central. Não havia nada preso ao
alvo quando Roxas olhara para ele um minuto antes.
— Espera, onde foi que você achou essas coisas?
— Logo ali, em cima daquele barril. — Axel apontou para o barril de óleo junto à entrada.
Roxas deu uma olhada atrás dele e viu um retalho branco.
— Ei, encontrei alguma coisa...
— O que é?
— ...Um pedaço de papel. — Roxas o fisgou. Havia algo desenhado nele e parecia ser...
Twilight Town.
— Parece um tipo de mapa — disse Axel, espiando por cima de seu ombro.
— Alguém anotou alguma coisa no canto.
— Os degraus enfeitiçados... O amigo atrás da parede... Os gemidos do túnel... — leu Axel,
fazendo careta, confuso. — A cópia maligna... O saco animado...?
Roxas leu os dois últimos:
— E mais um trem fantasma e uma mansão assombrada. São sete no total.
— Mas que diacho é tudo isso? — Axel chegou mais perto, examinando o mapa.
86 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Acho que não rola simplesmente perguntar pra quem escondeu aqui, né? Pence, acho que
era o nome dele — disse Roxas. Axel deu de ombros.
— Até parece. É provavelmente o jeito mais fácil de descobrir.
— Até parece. Vamos ter que achar ele primeiro. — Roxas imitou o gesto, embora de forma
consideravelmente mais dramática.
— Ugh, tá, chega de imitar o Xigbar — disse Axel, dando risada.
— Foi você que começou!
Roxas também começou a rir e demorou alguns instantes para que os dois se recuperassem
das gargalhadas.
— Os outros tinham dito que ele foi pros túneis — Roxas finalmente conseguiu dizer. —
Vamos encontrá-lo!
Eles logo deixaram o galpão embaixo dos trilhos de trem — o ponto de encontro daqueles
outros amigos.

Axel e Roxas encontraram seu alvo numa sala nos fundos dos túneis.
— Fala lá, Pence — disse Axel.
Roxas ficou um pouco surpreso com a tática. Não era uma regra da Organização manter o
mínimo possível de contato com os humanos?
Pence fitou Axel com suspeita.
— Hã, eu conheço vocês?
— Provavelmente não. A gente só tinha uma pergunta.
— Ah é? Bom, pode mandar. Vamos ver se é algo que eu sei. — Apesar de sua suspeita
saudável, Pence parecia disposto a lhes dar uma resposta.
— Tem algo estranho rolando por aqui? Você sabe, na cidade. Digo... tem um monte de
loucuras e coisas misteriosas aqui e ali, né não? Que nem, por exemplo, os “degraus enfeitiçados”...
Axel conseguira bolar aquela pergunta só de olhar para o mapa? Roxas se manteve mais
atrás, apenas observando.
— Ahhh... então vocês também estão investigando os Sete Mistérios de Twilight Town? —
disse Pence.
— Hã, é. Algo assim. — Axel assentiu de forma um tanto exagerada.
— Hmm. Eu não tava querendo falar com ninguém sobre isso antes de terminar a minha
investigação, mas... beleza. Vou contar pra vocês o que descobri até agora — Pence abaixou o tom
de voz, como se as informações que lhes estava passando fossem cruciais. — Com base nas minhas
descobertas, os Sete Mistérios têm todos a mesma fonte...
Roxas segurou o fôlego.
— ...Rumores idiotas e lendas urbanas.
— O quê...? — disparou Roxas antes de conseguir se segurar.
— Os degraus enfeitiçados? Fraude total. A verdade sobre esse mistério é de dar vergonha.
— Só mais uma cidadezinha tranquila, hein? — Axel se permitiu um suspiro, desapontado,
como se no fundo também já não esperasse uma resposta mais interessante.
— Maaas tem um oitavo mistério — disse Pence.
— Um oitavo...? — repetiu Roxas.
— Sim, sobre uma árvore. Lá na floresta, sabe? Se você a balançar, todas as outras árvores
da floresta também começam a farfalhar — entoou Pence, falando como um contador de histórias
compartilhando um conto fantasmagórico.
Roxas e Axel trocaram olhares.
— Bem esquisito, né não? Mas eu ainda não fui ver em primeira mão, então não sei dizer
muita coisa. Ou pelo menos ainda não. — Abandonando o tom horripilante, Pence abriu um sorriso.
— Ah, e tem quem diga que se sente observado quando passa por ali, mesmo com o lugar
completamente deserto.
87 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Roxas inclinou a cabeça, curioso.
— Isso me soa estranho.
— Não seria um mistério se não fosse! Ainda vou dar uma olhada melhor nesse mais tarde.
Axel assentiu.
— Boa sorte com isso.
— Valeu. Bom, é melhor eu voltar pra minha investigação. Tentem guardar segredo, beleza?
— Pence logo deixou aquela seção do túnel.
— Bom, isso não nos disse nada. — Roxas suspirou. Não tinham descoberto absolutamente
nada a respeito de Xion.
— Eu não teria tanta certeza — disse Axel. — Ele disse que tem pessoas sentindo uma
espécie de presença na floresta nos arredores da cidade, não foi? Pode muito bem ser onde está o
alvo que Xion estava procurando.
Fazia sentido, pensou Roxas. Pence já havia desvendado tudo o que havia por trás de todos
os outros mistérios. Então era bem possível que o único que ainda faltava desvendar tivesse algo a
ver com Xion.
— Beleza, vamos dar uma olhada.
E eles partiram em direção à floresta.

Não adianta. Eu não sei o que fazer.


Em meio à floresta nos arredores de Twilight Town, Xion estava encolhida sob uma árvore,
apertando os joelhos contra o peito. O ar úmido cheirava a folhas apodrecidas.
Não importava quantas vezes tentasse ou implorasse, a Keyblade não vinha até ela.
Até podia se virar com magia, mas, sem a Keyblade, mesmo se abatesse o Heartless gigante,
seu coração não seria capturado. Se voltasse apenas para reportar outra falha, Saïx descobriria que
ela não conseguia mais usar a Keyblade.
E então... podia acabar sendo aniquilada.
O que eu faço? O que posso fazer...?
De repente, Xion ouviu vozes. Em meio a um arquejo, ela ergueu o olhar.
— Será que é por aqui?
Era Roxas.
Não era estranho ver Roxas em Twilight Town, mas ele estava com aquele outro membro da
Organização com cabelos de um vermelho flamejante... Axel, imaginou. Aquele que era amigo de
Roxas. Os dois estavam olhando para o alto das árvores.
Escondido em meio aos galhos estava o Heartless gigante — o Lagarto de Véu. Parecia um
camaleão gigantesco, mas não apenas mudava de cor para se camuflar; podia ficar completamente
transparente. Xion tentara enfrentá-lo com magia uma vez, mas acabou o perdendo de vista.
As árvores sacudiram.
— He, he, parece que essa aqui tá viva — disse Axel.
A gigantesca criatura deixou o abrigo da floresta e disparou com tudo em direção à mansão
assombrada.
— Rápido, Roxas. Não deixa ele escapar!
— Beleza!
Roxas e Axel partiram atrás dele em meio às árvores.
Xion respirou fundo, procurando se acalmar, e então se levantou para segui-los.

O Lagarto de Véu se revelou diante da mansão assombrada. Roxas empunhou a Keyblade.


— Acha que é esse? O alvo que Xion estava procurando?
88 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Imagino que sim. — Axel também invocou seus chakrams. — Não me admira que a
missão tenha demorado tanto. Essa coisa se mistura ao cenário.
— E por que Xion não tá aqui?
— Provavelmente ainda tá tentando encontrá-lo. — Axel se envolveu em chamas.
— O que devemos fazer?
— O quê, preciso soletrar pra você agora? — Axel disparou uma rajada de fogo contra o
Lagarto de Véu.
— Beleza! — Roxas se lançou contra a criatura e ambos os ataques o atingiram numa
explosão quase que simultânea.
Foi quando — outra figura veio correndo da floresta, alguém com o casaco da Organização.
— Xion! — exclamou Roxas.
Mas... como ele podia saber? Axel não conseguia dizer se era Xion ou não com aquele capuz
erguido. Roxas, no entanto, parecia conseguir.
— Roxas! — disse Xion, voltando-se para ele, mas o Lagarto de Véu aproveitou o momento
de distração para atacar com o rabo, o que a jogou longe.
Sim — a jogou. Era a primeira vez que Axel ouvia qualquer som vindo de Xion, mas era
definitivamente a voz de uma garota.
Roxas gritou seu nome de novo e estava prestes a correr até ela, mas Axel o segurou pelo
ombro, impedindo-o.
— Ei, foco! Temos que acabar com essa coisa primeiro!
— ...Certo. — Roxas se virou e atacou o Lagarto de Véu.
Parecia ontem quando saíram juntos em suas primeiras missões, mas Roxas agora estava
muito mais forte. Não apenas suas habilidades em combate — havia algo mais, suspeitava Axel, e
queria descobrir o que era.
Começou a lhe dar cobertura, lançando seus chakrams contra a coisa de longe.
— Aqui vou eu!
Roxas saltou em meio ao ar e desferiu um poderoso golpe que finalizou o Lagarto de Véu.
Envolto em luz, o inimigo se dissolveu até não restar nada além de um coração brilhante que foi
embora flutuando.
Sem parar um único instante para comemorar a vitória contra um Heartless gigante, Roxas
correu diretamente até Xion, tomando-a em seus braços.
— Xion, você tá bem?
— ...Roxas? — Seu capuz continuava escondendo qualquer expressão que pudesse haver em
seu rosto.
— Está ferida?
— Obrigada... eu tô bem. — Sua voz soava bastante fraca. — Eu só...
Axel imaginou que seria melhor tirá-la dali.
— Você pode nos contar tudo sobre o que aconteceu. Mas primeiro, vamos achar um lugar
pra sentar. Tipo o nosso cantinho na torre do relógio. Vocês dois vão na frente.
Ele começou a caminhar. Precisava de uns picolés.

Comprando três picolés na loja de doces, Axel seguiu lentamente para a torre do relógio.
Queria tempo para pensar. Havia muita coisa ali que não conseguia entender.
Por que o Roxas fica tão encucado com a Xion...?
Axel não conseguia se imaginar capaz de confiar em alguém cujas expressões estavam
sempre ocultas — cujo rosto nunca havia visto. Não que houvesse muita fé ou confiança entre os
membros da Organização — ou entre os Nobodies como um todo. Ainda assim, aquilo não fazia
sentido para ele.
As palavras de Roxas ecoavam em sua cabeça.
“Eu prometi que nós três viríamos tomar picolé juntos.”
89 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Como Xion conseguira a confiança de Roxas assim tão rápido, a ponto de ele fazer uma
promessa como essa?
Na verdade, seria difícil para Axel dizer como ele próprio ganhara essa confiança — mas
pelo menos tinha sido o primeiro a passar mais tempo com Roxas, servindo-lhe como uma espécie
de mentor. E achava ter feito um baita de um bom trabalho cuidando do novato.
Mas este não era o caso de Xion. O que teria acontecido enquanto ele estava no Castelo do
Esquecimento...? Enquanto subia as escadas da torre do relógio, o pensamento ainda o incomodava.
— Bom, ficar me preocupando com isso não vai me dar respostas — murmurou consigo
mesmo. Finalmente, encontrou Roxas e Xion sentados no ponto de encontro.
— Já tavam gritando por um picolé? — Ele se espremeu atrás deles e se sentou no canto,
entregando um picolé para cada. — Aqui está.
— Obrigada.
Aquela era a primeira vez que Xion falava alguma coisa para Axel. Ainda assim, o capuz
continuava escondendo seu rosto em meio às sombras.
Roxas não perdeu tempo e logo começou a mordiscar seu picolé, mas Xion simplesmente
continuou sentada, segurando o seu pelo palito.
— Toma logo — Roxas disse a ela. — Vai derreter.
Ela assentiu.
— Eu sei. — Mas sequer se moveu para experimentar.
— Qual o problema? — perguntou Axel. — Não tá com fome?
A única coisa que sabia sobre Xion era o timbre feminino de sua voz. E conversar com
garotas não era lá o seu forte. Costumava ter a impressão de que, para deixá-las irritadas, bastava
apertar o botão errado. Nem que fosse só uma encostadinha de leve nesse botão.
Roxas a fitava com preocupação.
— Quer conversar sobre o que aconteceu?
Por algum motivo, parecia que Roxas conseguia ver a expressão em seu rosto, pensou Axel.
Mas como? Ninguém mais conseguia.
Ela permaneceu em silêncio. Axel sentia que precisava dizer alguma coisa.
— Estamos aqui por você, se quiser botar pra fora. Né não, Roxas?
Ele assentiu.
— Claro. É pra isso que servem os amigos.
Com isso, Xion finalmente respondeu:
— Eu... eu não consigo mais usar a Keyblade.
A Keyblade? Do que ela estava falando? Xion também podia usar uma Keyblade? Isso era
novidade para Axel. Entretanto, se Xion era outra portadora da Keyblade, isso meio que explicava
por que Roxas estava tão preocupado com ela.
— E sem a Keyblade, eu não posso fazer o meu trabalho. — Mesmo com o capuz erguido,
eles podiam ver um leve tremor nos ombros de Xion.
— O que houve? — pressionou Roxas.
— Eu não sei... Mas se eu não derrotar os Heartless com a Keyblade, os corações que eles
liberarem vão acabar simplesmente se tornando outros Heartless. Eu acabo com eles num lugar e
eles vão lá e aparecem em outro. — Sua voz também estava trêmula. — Eu devia estar coletando
corações. Essas são as minhas ordens. Sem a Keyblade... eu sou inútil.
Ela abaixou a cabeça. Seu picolé, começando a derreter, pingou em sua mão.
— Não há nada que a gente possa fazer, Axel? — suplicou Roxas. Axel deu de ombros.
— Bem que eu queria... mas é bem por aí. Não dá pra coletar corações sem uma Keyblade.
Ele tinha acabado de descobrir que Xion sequer podia usar uma Keyblade. Se havia uma
forma de consertar sua súbita incapacidade, não era pago o suficiente para descobrir.
— Eles vão descobrir que não precisam de mim... e aí vão me transformar numa Penumbra...
A voz de Xion estava notavelmente mais trêmula agora. Ele definitivamente não era pago o
suficiente para lidar com garotas que pareciam a ponto de chorar.
— Vai, Axel, pensa em alguma coisa! — insistiu Roxas.

90 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Por que você não pensa em alguma coisa? A réplica quase deixou a boca de Axel, mas ele a
engoliu de volta. Roxas era o único deles que podia usar uma Keyblade. Não era como se Xion
pudesse tomar a dele...
— É como eu disse, simplesmente não dá pra... espera. — Axel fez uma pausa, desviando o
olhar para Roxas. Notando o olhar, ele arregalou os olhos, animado.
— Pensou em alguma coisa?
A seu lado, Xion continuava encolhida, encoberta sob o capuz.
— Roxas, e se você dobrasse a sua carga de trabalho? — sugeriu Axel.
— Como assim? — disseram Roxas e Xion ao mesmo tempo. Pela primeira vez, Axel teve a
impressão de que ela de fato estava olhando para ele.
— Xion, certifique-se de que todas as suas missões sejam com o Roxas até que você consiga
controlar a sua Keyblade de novo. Assim, ele pode coletar os corações e ninguém jamais vai ter que
saber que você não tá fazendo o mesmo.
Roxas lhe abriu um enorme sorriso.
— É brilhante!
— Bom, tem um porém... Você vai ter que coletar duas vezes mais corações.
Ele assentiu com firmeza.
— Eu dou conta.
— Você não se importa...? — Xion parecia preocupada.
— É claro que não!
— Mas... — Ela voltou a abaixar a cabeça. O picolé em suas mãos já havia derretido quase
que por completo.
— Ei, amigos tem que poder contar uns com os outros de vez em quando — disse Axel. —
O Roxas sabe como é.
Como que para confirmar suas palavras, Roxas se voltou para ela com um sorriso caloroso.
— Então... isso quer dizer... que você e eu também somos amigos, Axel? — perguntou
Xion, tímida.
Axel hesitou, olhando para o pôr do sol em vez de para ela. O que eu digo diante disso?
Não sabia ao certo o que mudara as coisas, mas ele agora sentia que entendia por que Roxas
e Xion tinham se dado tão bem.
O rosto de Xion continuava oculto... mas, ainda assim, havia algo de especial nela, algo que
explicava tudo. Algo que não tinha notado na primeira vez que a viu.
— Qualquer amigo do Roxas é meu amigo também — respondeu, enfim, olhando de volta
para Xion.
Hã? Por um segundo, ele perdeu o fôlego. O capuz de Xion estava abaixado e uma garota de
cabelos tão negros quanto um corvo estava olhando para ele. Quando foi que ela tirou o capuz?
Será que eu perdi enquanto olhava para o pôr do sol?
E aquele rosto — o lembrava do de Naminé.
O que isso queria dizer? De quem ela era o Nobody, afinal?
— Obrigada... Roxas, Axel, obrigada! — disse ela aos soluços.
— Só toma logo o teu picolé — disse Axel, tentando disfarçar seu desconforto.
Xion finalmente começou a tomar o que ainda restava do picolé derretido enquanto os três
repousavam sob a luz do sol poente.

O dia seguinte era o septuagésimo quinto de Roxas na Organização.


— Bom dia, Roxas. — Xion o cumprimentou em meio ao salão. Ela parecia animada. Axel
também estava lá, mais ao canto.
Roxas a respondeu com um sorriso:
— E aí.
— Tá pronto pra tentar?
91 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Claro.
Ambos se voltaram para avaliar o humor de Saïx. Se ele não lhes desse permissão para
trabalharem juntos, seus planos acabariam indo por água abaixo. Mas também haviam discutido
esse contratempo com Axel no dia anterior.
Axel estava recostado na parede com uma atitude de total desinteresse — exceto pela
piscadela que deu para eles.
— Vamos — disse Roxas. Xion assentiu e os dois seguiram lado a lado em direção àquele
que poderia definir seu destino.
— Hm, Saïx — começou Roxas.
— Ah, aí está você, Roxas. Sua missão hoje... — Saïx examinou os papéis em suas mãos.
— Na verdade, queríamos te fazer um pedido. Será que você permitiria que eu e a Xion
trabalhássemos juntos?
Saïx ergueu uma das sobrancelhas.
— Juntos?
— Então... não...? — disse Xion, a voz diminuta.
— O que os levaria a pedir algo assim em tempos como esses? Já estamos com uma grande
falta de mão de obra. Não podem esperar que eu...
Axel se aproximou, interrompendo o sermão de Saïx:
— Por que não? Parece uma boa ideia pra mim. Junta as duas meias-doses aí e você tem
uma dose inteira.
Saïx se voltou para ele com o rosto franzido.
— Se nos deixar irmos juntos, podemos dar conta de missões mais difíceis pra você —
acrescentou Roxas, antes que Saïx pudesse dar outra palavra. Mas Saïx balançou a cabeça.
Parece que não vai funcionar, pensou Roxas, abaixando os ombros.
Mas quando Saïx voltou a falar, não foi a resposta que esperava:
— Muito bem. Como desejarem.
Roxas e Xion assentiram, mas não precisaram de ninguém para lhes dizer que escondessem
sua alegria.

Após dispensar Roxas e Xion, Saïx se virou para encarar Axel, parado atrás dele.
— O que está planejando?
— Como assim? Só tava tentando ajudar essa amizade florescente. — Axel abriu um sorriso
grande e inocente.
— Hm. Se é o que diz. — Saïx relaxou um pouco a tensão em sua boca, desfazendo a
expressão frustrada em seu rosto. — Isso pode acabar sendo conveniente para os nossos planos.
— ...O que quer dizer com isso?
— Quais as suas impressões sobre Xion?
Saïx estava fazendo aquela coisa de responder perguntas com mais perguntas. Ele nunca
chegava de fato a responder nada quando fazia isso.
— Minhas impressões? Bom... ela é só o que parece ser. — Axel tinha muitas perguntas
sobre Xion, isso era fato, mas suspeitava fortemente que não adiantaria perguntar.
— He, he. Exato, só o que parece ser — disse Saïx com uma risada baixa e enigmática. —
Já está na hora de você também ir ao trabalho. Você investigará um novo mundo hoje.
— Deixa comigo. — Assim que recebeu a ordem, Axel partiu pelos Corredores das Trevas.
Apesar do nome, os corredores não eram completamente negros — a luz era parca e turva,
mas estava lá. Axel parou quando as palavras de Saïx lhe voltaram à cabeça.
“Exato, só o que parece ser.”
Saïx podia não ter chegado a ver Naminé pessoalmente, mas era provável que conhecesse
sua aparência por conta dos registros da Organização. Uma resposta para muitos dos mistérios que
envolviam Xion era evidente como o nariz em seu rosto.
92 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Suas feições eram praticamente idênticas.
De alguma forma, Xion e Naminé estavam conectadas. Na verdade, a julgar com base em
sua aparência, Xion e Naminé podiam ser Nobodies gêmeos. Uma dupla especial de Nobodies que,
de alguma forma, nasceram simultaneamente do coração de uma princesa desprovida de escuridão
— o coração de Kairi.
Então a resposta era evidente.
Talvez a conexão entre Sora e Kairi fosse também a conexão entre Roxas e Xion, o que
explicava por que Roxas ficara tão atraído por ela antes mesmo de ver seu rosto.
E, de alguma forma, fazê-los trabalhar juntos também “pode acabar sendo conveniente
para os nossos planos”, pensou Axel, acelerando o passo. Mas por que será que eu tô tão
preocupado com esses dois?
Será este o poder de um portador da Keyblade?

Sua missão com Xion era investigar a caverna nos arredores de Agrabah. Seu encontro com
um perigo mortal do dia veio na forma de um desmoronamento na caverna, do qual só conseguiram
escapar por um triz.
— Ufa... — bufou Xion. — Nem acredito que conseguimos.
— Pois é. Também não.
Mas assim que Roxas disse isso, Xion apontou para alguma coisa sobre seus ombros.
— Ah! Roxas, atrás de você!
— Hã?
Mas quando se virou, não foi uma pessoa quem encontrou atrás de si. Nem um Heartless. A
criatura sacolejante era...
— Um tapete? — Enquanto Roxas olhava para ele, incrédulo, o tapete se enrolou à sua
volta, quase afetuosamente. — O que... o que é isso?
— Roxas, você tá bem? — Com toda a cautela, Xion se aproximou para tocar o tapete. Mas
ele não parecia estar fazendo nenhum mal.
— Hã... É, tô sim... Acho que ele não é hostil.
— Acho que gostou de você. — Xion deu uma risadinha.
— Tá, mas... — Roxas parecia atônito. — Por quê?
— Boa pergunta! — entoou outra voz.
— Uou?!
Dessa vez, a figura que surgira ao lado de Roxas era um homem grande, robusto, com uma
barba preta e o corpo completamente azul, flutuando no ar de braços cruzados.
E ele não tinha pernas — apenas um fio de fumaça no lugar. Seria... um fantasma?
— Q-Quem é você?! — gritou Xion. O sujeito misterioso logo disparou em sua direção,
aproximando o rosto do dela.
— Quem sou eu? Você quer saber quem sou eu?!
— Hm... sim? — gaguejou Xion.
— Muito bem, então vamos lá! — disse ele, abrindo um baita sorriso gigante. — Uma
apresentação pessoal saindo! Eu sou o Gênio-que-já-foi-da-lâmpada... mas podem me chamar pelo
primeiro nome, crianças! E parece que já trocaram uma ideia com o meu bom amigo, o tapete
mágico! É um prazer conhecê-los.
O Gênio sacudiu a mão de Roxas com ênfase até demais.
— Hã, igualmente — murmurou Roxas, sem saber bem como responder a uma apresentação
tão entusiasmada.
— Ah, vai! Você consegue fazer melhor do que isso! Quer dizer, pra que a cara amarrada?
Não precisa ver tudo cinza, deixa tudo ficar azul! Pode apostar, eu sei como é.
— Imagino... — Roxas recuou um passo.
— Bom, quem são vocês, afinal?
93 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Hã... bem... sobre isso... — Eles não podiam contar a ninguém nos mundos que visitavam
sobre quem realmente eram.
Mas enquanto Roxas hesitava, o Gênio saiu tagarelando de novo, poupando-os do dilema:
— Sabem, eu tava de passagem pra ver como estavam as coisas na minha cidade favorita
quando de repente o tapete aqui pisou fundo e saiu vazado! Ele disse que tinha visto um amigo.
— Um amigo? E esse amigo... era eu?
— Pois é! Loucura, né? Mas eu não faço a menor ideia de quem no cosmo é você! Nenhum
de vocês! — O Gênio balançou as mãos, o rosto tomado por uma expressão desamparada. — Tem
certeza que esse cara é amigo seu, felpudinho?
O tapete balançou sua metade superior, — ou pelo menos a parte que estava virada para
cima nesse momento — como se para assentir.
— Essa sua cidade... está falando de Agrabah, aquela que fica aqui perto, seguindo pelo
deserto? — Roxas perguntou ao Gênio.
— Essa mesmo! — O Gênio assentiu e espiralou pelo ar, como numa dança. — É a cidade
onde mora o meu grande camarada, o Al. Eu e o Al, bom, nós somos inseparáveis.
— Ah... — murmurou Roxas. Nunca tinha ouvido ninguém usar aquela palavra para se
referir a uma pessoa.
— Enfim, pra falar a verdade, o tapete e eu tínhamos saído numas férias muito merecidas.
Um pequeno tour pelo mundo, digamos assim. Mas aí eu acabei ficando preocupado com o Al... —
Um tom melancólico permeou a voz terrivelmente entusiasmada do Gênio. — Então decidimos dar
um pulinho aqui pra ver como ele estava.
— Por que ficaram preocupados? Tem algo com o que se preocupar?
O Gênio tirou um lenço branco do meio do nada e começou a esfregar os olhos.
— Mas é claro! É natural que você se preocupe com os seus amigos. Queria saber como
estavam as coisas com a Jasmine, como estava a cidade... e quando boto uma coisa na cabeça, não
consigo mais tirar. Já tentei de tudo: motosserras, marretas, pinças...
— Bem, nós não conhecemos ninguém que se chama Al — disse Xion. — Mas a cidade
passou por maus bocados...
— Pois é. Dizem que ela sempre é atingida por tempestades de areia — acrescentou Roxas.
— O quê?! — O Gênio disparou no ar feito um foguete. — Por que essas coisas sempre
acontecem bem quando eu deixo a cidade?! Muito bem, para trás. Um pouquinho de mágica e vou
fazer o lugar todo voltar a ser como antes...
Ele balançou as mãos, preparando-se para a ação.
— Mas... o Aladdin disse que isso não é trabalho pra mágica — disse Roxas, lembrando-se
da conversa que ele e Axel haviam escutado. — Ele disse que são as pessoas de Agrabah que
deviam cuidar dela.
— Aladdin? O Al disse isso...? — O Gênio abaixou o rosto, desapontado. — Bom, se esse é
o caso, então...
— Você não vai ajudar? — Roxas tentou incitá-lo.
— O Al disse sem mágica, não foi? Eu adoraria simplesmente concertar tudo, mas até um
gênio tem que respeitar os desejos dos seus amigos.
— Hm... — Roxas teve que refletir sobre isso. Então o Gênio queria dizer que, mesmo que
você possa fazer algo para ajudar seus amigos, escutar o que eles querem era mais importante?
Roxas fitava o Gênio com um olhar vazio, quando sentiu algo cutucá-lo pelas costas. Atrás
dele, Xion sussurrou em seu ouvido:
— Roxas, acho que temos que voltar.
— É... Acho que sim. — Roxas assentiu e, diante de seus olhos, o Gênio voltou a se lançar
em direção ao céu.
— Ainda assim, duvido que ele vá se importar com uma ajudinha de nada! — O Gênio
disparou uma centelha de magia das pontas dos dedos e a tempestade de areia que estava à espreita
no horizonte em meio ao deserto desapareceu. — Bam! Agora a cidade está segura. E finalmente
podemos voltar ao assunto em questão: quem são vocês dois... mesmo...?
O Gênio se virou para interrogar a dupla estranha — mas eles não estavam mais lá.
94 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Opa. Como foi a missão, de boa?
No alto da torre do relógio de Twilight Town, Roxas e Xion ergueram os olhares até então
voltados para seus picolés.
— Aham — respondeu Xion. — Acho que vai funcionar... Muito obrigada, pessoal, vocês
são os melhores.
— A gente tenta. — Axel se sentou ao lado deles em seu lugar de sempre e então deu uma
mordiscada no seu picolé. Ficou saboreando-o em silêncio por um momento até que finalmente
perguntou: — E aí, pra onde mandaram vocês hoje?
— Praquele lugar que a gente foi antes, hã... — começou Roxas.
— Agrabah — completou Xion.
— Ah, sei, aquela cidade do deserto — disse Axel, e a conversa parou novamente para que
tomassem seus picolés. Ouviram o longo apito de um trem ecoando ao longe.
— Aquele Gênio que a gente conheceu parecia bem preocupado com o seu amigo, um cara
chamado Al — comentou Xion após alguns instantes. — Mas aí ele disse que tinha que respeitar os
desejos do amigo. Acho não dá pra sair fazendo qualquer coisa por eles, mesmo que você queira.
Sacudindo as pernas preguiçosamente, ela deu mais uma mordida.
— É verdade. As pessoas precisam de espaço. — Axel inclinou a cabeça, pensativo. Devia
ter ouvido isso em algum lugar muito tempo atrás, quando ainda era humano.
Roxas o fitou com um olhar curioso.
— Então por que o Gênio disse que ele e o Al eram “inseparáveis”?
— Não é como se eles fossem colados um no outro. O que significa? — Xion também olhou
para Axel, como se ele tivesse todas as respostas.
— Bom, acho que é possível ser inseparável de alguém mesmo não estando sempre junto
dessa pessoa — disse Axel. Roxas e Xion trocaram um olhar.
— ...Mesmo não estando sempre junto — murmurou Roxas.
Eles voltaram a ficar em silêncio e, dessa vez, Axel terminou seu picolé. Então começou a
falar novamente:
— Basta que vocês se sintam íntimos. Como melhores amigos.
— E é diferente? — Roxas ainda tinha perguntas. — Como é ter um melhor amigo?
Pego de surpresa, Axel desviou o olhar para o pôr do sol.
Mesmo que Nobodies pudessem encenar amizades, Axel sentia que fingir ser melhor amigo
de alguém era algo completamente diferente. Era algo que simplesmente não dava para fazer. E
Axel não tinha uma resposta melhor.
Estreitando os olhos frente ao forte brilho, ele finalmente respondeu:
— Não tenho como dizer. Eu não tenho um.
— Ah... — Roxas desviou o olhar. Xion não disse nada.
Os últimos raios avermelhados reluziram sobre seus rostos.

95 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
96 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
97 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
98 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
99 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
ANTES DE SUAS MISSÕES, ELES FORAM CHAMADOS A UM LUGAR QUE NENHUM
deles tinha visto antes — um grande altar, tão alto que parecia flutuar em meio ao ar, onde a brisa
gelada lhes tocava as bochechas.
Xemnas estava bem ao centro.
Xion chegara lá completamente inquieta, temendo que a convocação significasse que Saïx
havia descoberto que ela não conseguia mais usar a Keyblade, mas era evidente que fora por algum
outro motivo.
E ela não tinha sido a única convocada. Todos estavam reunidos ao redor de Xemnas.
— É chegada a hora... Finalmente, o grande agregado de corações se revela perante nós —
entoou, abrindo largamente os braços sob aquele grande céu negro e vazio.
Mas algo estava se erguendo lá em cima — uma lua em forma de coração...?
Isso é... Kingdom Hearts?
— Corações cheios de raiva, ódio... tristeza e êxtase — prosseguiu Xemnas. — Brilhando
sobre nós está o coração de todos os corações: Kingdom Hearts. Lá, no céu, encontra-se a promessa
de um novo mundo.
Era como se a luz daquela lua iluminasse única e exclusivamente a ela, pensou Xion.
— Meus amigos! Lembrem-se do motivo pelo qual estamos aqui, nós, uma Organização de
Nobodies, e o que esperamos alcançar. Ganharemos ainda mais força; conquistaremos os corações e
os tornaremos nossos. Os corações jamais voltarão a ter poder sobre nós.
O discurso ia um pouco além da compreensão de Xion. Conquistar os corações? Torná-los
nossos? Jamais deixar que eles tenham poder sobre nós? O que tudo isso queria dizer?
Ainda assim, o brilho de Kingdom Hearts sobre eles era tão belo que lhe fazia sentir que
pouco importava o que Xemnas estava tentando dizer.
Corações... um grande agregado de corações.
Se eu tivesse um...
Em silêncio, Xion observou a lua em forma de coração.

Após o discurso de Xemnas, nada mudou — exceto que agora, do outro lado das grandes
paredes de vidro do salão, eles podiam ver Kingdom Hearts.
Atraída em direção ao vidro, Xion ergueu o olhar para a lua em forma de coração em meio
ao céu sem estrelas. Aquilo lhe dava uma sensação estranha, como uma forte apreensão que lhe
alfinetava o peito.
Então é assim que ficam todos aqueles corações que eu e o Roxas coletamos...
— Eu a coloquei junto a Roxas novamente hoje — disse Saïx, aparecendo subitamente a seu
lado. — A missão é em Agrabah. Ele tem os detalhes.
Xion hesitou por um momento antes de responder:
— Obrigada.
Mas Saïx mal olhou para ela antes de voltar ao seu lugar de costume no meio da sala. Ela
nunca sabia dizer o que ele estava pensando. Mas era melhor que ser inteiramente ignorada e ele
pelo menos a estava deixando trabalhar com Roxas.
A Keyblade ainda não lhe havia retornado. Talvez nunca mais conseguisse voltar a usá-la.
Se esse fosse o caso... o que poderia fazer?
Xion voltou a olhar para Kingdom Hearts, brilhando no céu escuro, quando outra pessoa
falou com ela:
— Bom dia, Xion.
— Oi, Roxas. Hora de ir ao trabalho?
— É.
Quando falou com Roxas, a agitação que havia em seu peito pareceu diminuir um pouco por
algum motivo.
— Qual é a missão de hoje? — perguntou.
100 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Eliminar Heartless em Agrabah — disse Roxas. — Vamos acabar logo com isso.
— Certo.
Eles seguiram pelos Corredores das Trevas.

Quando terminaram a missão, Xion e Roxas foram para seu ponto de encontro — a torre do
relógio de Twilight Town. Alguém já estava lá esperando por eles.
— E aí, Axel, chegou cedo.
— Cheguei nada. — Axel se voltou para eles com um sorriso estampado no rosto. — Vocês
é que tão atrasados.
Roxas e Xion se sentaram a seu lado.
— Outro dia de sucesso? — perguntou Axel.
— Mas é claro — gabou-se Roxas. — Pra onde você foi hoje, Axel?
— Pro Castelo da Fera. Precisavam que eu desse uma olhada no meio de toda aquela miséria
e desolação. E vocês?
— Coletar corações em Agrabah, como sempre.
Enquanto Roxas e Axel conversavam, Xion olhou vagamente para o picolé em suas mãos.
Por algum motivo, sua ansiedade estava ficando cada vez maior.
Foi Axel quem notou, espiando seu rosto abaixado.
— Qual o problema, Xion?
— É que... eu não sei por mais quanto tempo vamos conseguir enganar os outros membros
— disse ela, enfim. — Eles vão notar que eu não consigo mais usar a Keyblade...
— Relaxa, vamos ficar bem. — Roxas tentou encorajá-la, mas ela não ergueu o rosto.
Sentindo sua ansiedade, Axel desviou o olhar.
— Eu não teria tanta certeza. Eles não são tão idiotas.
Eu sei, pensou Xion. Eu sabia que não seria assim tão fácil.
— Vamos ter que ficar de dedos cruzados então? — murmurou ela.
Por alguns momentos, ninguém disse nada. Roxas foi quem quebrou o silêncio:
— Bom, talvez a gente não consiga esconder do Saïx e do Xigbar pra sempre... Mas, qual é,
o Demyx não vai se tocar...
Ele disse isso com uma expressão tão séria no rosto que Xion caiu na gargalhada. Não que
isso resolvesse alguma coisa, mas ele provavelmente estava certo.
— Eita, Roxas. Essa foi pesada — Axel os fitou de canto de olho, notando que Xion tentava
conter a risada. Mas ele também estava segurando o riso.
— Mas é sério! Parece que só o que ele sabe fazer é tocar aquela cítara o tempo todo.
Roxas realmente parecia falar aquilo com toda a honestidade, o que só deixava tudo ainda
mais engraçado.
— Ah, vai, você não tá dando crédito pro cara. Ele trabalha tão duro quanto... — Axel fez
uma pausa. — Tá, ele não trabalha duro. Mas tenho certeza que ele dá o seu melhor.
— Eu já vi ele em campo, tocando aquela cítara dele — disse Xion.
— E ela faz alguma coisa? — Roxas estava legitimamente confuso.
— Bom, ele deve estar por aí enfrentando Heartless e investigando mundos, assim como nós
— repreendeu Axel.
— Mas eu ouvi ele dizer que não era feito pra luta. — Roxas pensou nisso por um instante e
prosseguiu, a voz baixa: — Acho que todos na Organização são bons em coisas diferentes.
Isso provavelmente era verdade, Xion percebeu. Embora fossem todos Nobodies, nenhum
deles era igual, nem em aparência e nem em personalidade.
— Isso aí — disse Axel. — Todo mundo é único.
— Mas como? — ponderou Xion. — Nós somos Nobodies. Não é preciso um coração para
que se seja único?
— Bom, a gente tem outras coisas que nos diferenciam. Como as nossas memórias de antes.
101 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Axel disse isso como se fosse óbvio, mas não era para Xion.
— Que memórias?
Também não era para Roxas.
— Você se lembra de coisas de antes?
De “antes”? Antes do quê?
Axel, por sua vez, parecia surpreso por eles não compreenderem.
— Isso aí faz parte do que torna os membros da Organização tão especiais. Diferentes dos
Nobodies de nível inferior, nós nos lembramos das nossas vidas como humanos.
— Eu não — disse Roxas.
— Nem eu — acrescentou Xion. Na verdade, era a primeira vez que ouvia falar sobre isso.
Axel coçou a cabeça em meio um pequeno suspiro.
— Bom, talvez isso faça de vocês especialmente especiais.
Eu não entendo, pensou Xion. Como ela e o Roxas eram especiais? Enquanto desviava o
olhar para as pernas, perplexa, Roxas continuou fazendo perguntas:
— Então, Axel, como você era no seu tempo como humano?
Xion também ergueu o olhar para Axel, curiosa para ver sua reação.
— Eu...? — Perdido, ele deu de ombros. — Ah, sei lá. O mesmo cara, mais ou menos.
— Que sorte a sua — disse Roxas. — Queria poder me lembrar.
— É... — murmurou Xion. Axel tinha mesmo sorte por ter memórias.
— Vocês não tão perdendo grande coisa — disse Axel, sem rodeios.
Do que ele estava falando? Que ter memórias era algo ruim? Como poderia?
— Mas eu não consigo me lembrar de nada... — Roxas abaixou o olhar. — Nem mesmo da
minha primeira semana como um Nobody.
Assim como eu. Também não me lembro de nada.
— É, porque tu ficava viajando na maionese — comentou Axel.
— Ei!
A piada aliviou a atmosfera, que estava ficando cada vez mais sombria.
No entanto... Xion também não tinha memórias.
— Eu sou igual a você, Roxas — Xion disse a ele. — Também não me lembro do início. Ou
de antes disso.
— Bom, olha quanta coisa vocês dois têm em comum — disse Axel.
— Como será que eu era antes...? — ponderou Roxas e Xion também começou a pensar o
mesmo sobre si.
Como será que eu era no meu tempo como humana?
Por que não conseguimos nos lembrar?
Empoleirados na torre do relógio, eles estreitaram os olhos frente ao pôr do sol.

Conforme a luz do dia ia se esvaindo, duas figuras encontravam-se diante da mansão nos
arredores da Twilight Town.
O homem chamado DiZ tinha o rosto coberto por ataduras. Junto a ele estava a menina de
cabelos de linho e vestido branco — Naminé.
Ambos ergueram o olhar quietamente para a mansão.

Riku estremeceu em meio ao vento cortante. Fazia apenas alguns dias desde sua despedida
ao Rei Mickey.
— Sinto muito, Vossa Majestade — murmurou novamente o garoto, abaixando o olhar do
alto do penhasco.
102 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
103 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Mesmo agora, estava tão longe de encontrar suas respostas que não sabia dizer ao certo por
que tomaram caminhos separados. Mas lá estava ele, no vasto terreno desolado nas proximidades da
cidade de Hollow Bastion. Ainda não conseguia controlar a escuridão dentro de si — não conseguia
conter Ansem.
O que poderia fazer para se libertar? Talvez nunca fosse conseguir.
“Se você conseguir olhar verdadeiramente para dentro dela e não tentar desviar o olhar,
você nunca voltará a ter medo de nada.”
Mas como conseguiria conter seus medos?
Com a luz sempre brilhando sobre ele, era difícil apontar sua origem. Mas se permitisse que
a escuridão encobrisse seu mundo, seria capaz de seguir a luz.
Se tudo estivesse encoberto pela escuridão...
Tinha um pedaço de tecido negro em suas mãos e ele o amarrou em volta dos olhos. Ainda
levaria algum tempo para conseguir se virar efetivamente desse jeito. Mas se ao menos conseguisse
conter a escuridão dentro de si, voltaria a sentir-se um pouco mais como si mesmo.
Riku saltou do penhasco, empunhando sua espada.

Ela estava sonhando. Vinha acontecendo toda noite, mas ela nunca conseguia lembrar sobre
o que eram os sonhos. Sentindo a cabeça pesada, ela a sacudiu e se levantou da cama. Então, após
sua rotina matinal, estava na hora de ir para o salão.
Roxas já estava lá hoje. Ela o cumprimentou com um “bom-dia”.
— Oi — disse ele em meio a um largo bocejo.
— Hm, Roxas, você sonha à noite? — indagou Xion.
— Hã?
Mas antes que pudesse responder à pergunta inesperada, Saïx surgiu atrás deles:
— Xion, Roxas. Hoje, preciso de vocês em missões separadas.
Ela sentiu como se algo lhe apertasse dentro do peito. Missões separadas? E agora?
— Dois Heartless, alvos importantes, surgiram em dois mundos diferentes — explicou Saïx.
— Roxas, você fica com o Castelo da Fera. E Xion, você vai à Agrabah.
— Mas... — Xion parou de falar e desviou o olhar para Roxas, desamparada. Mas ele não
parecia melhor que ela. O que a gente faz...?
Enquanto os dois hesitavam, Axel se meteu no meio deles.
— Opa, você tá querendo mandar o Roxas pro Castelo da Fera? Sei não, hein...
Xion olhou para ele em busca de reconforto. Axel a fitou com um breve aceno da cabeça.
— Quer dizer, eu tava por lá ontem pra fazer reconhecimento — prosseguiu Axel. — Eu vi
o tal Heartless que você tá falando. Você não vai querer colocar o Roxas contra aquela coisa. Pelo
menos não sozinho.
— E? — Saïx se voltou para ele, irritado. — Se eu mandar os dois para lá, quem vai cuidar
de Agrabah?
— Eu vou. — A voz de Axel soou ligeiramente mais baixa.
— Você, cuidar do Heartless de Agrabah?
— Mas é claro. Já sou crescidinho.
— Mas não pode coletar corações — disse Saïx bruscamente. — E é por isso...
— E é por isso que eu vou garantir que o Heartless não vai se meter em encrenca, pra eles
poderem acabar com ele outro dia — Axel concluiu para ele.
Roxas se intrometeu antes que Saïx pudesse encontrar alguma falha nessa ideia:
— Não vai ter problema, né, Saïx?
Ele franziu o cenho, como se não conseguisse pensar em algo mais desagradável que aquela
conversa. A cicatriz entre seus olhos se contorceu.
— Muito bem. Mas hoje é o último dia. A partir de amanhã, você dois trabalharão sozinhos.

104 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Entendido. — Aliviado, Roxas assentiu e se voltou para Xion. Ela assentiu em resposta.
— Beleza, Xion. Vamos lá.
— Certo.
Ela o seguiu rumo aos Corredores das Trevas.

Apôs vê-los partir, Axel se alongou e virou para Saïx, esperando deparar-se com uma careta.
Mas a expressão já havia deixado o rosto de Saïx, que estava tão imparcial quanto de costume.
É claro, ele só estivera fingindo desde o princípio. Nobodies não tinham corações; eles
apenas imitavam as emoções das quais se lembravam. A prova do seu vazio demonstrava o quão
desesperadamente desejavam um coração. Axel provavelmente fazia a mesma coisa sem nem notar.
Ainda assim, por algum motivo, quando Saïx fazia isso, — ou, na verdade, qualquer um dos outros
o fazia — parecia algo forçado.
Talvez seja por que isso me faz perceber o quanto tentamos agir como se ainda fôssemos
humanos, pensou Axel. Um esforço inútil.
— Não pense nem por um minuto que eu caí naquela — disse Saïx, a voz baixa, finalmente
encontrando seu olhar. Axel estalou o pescoço.
— Naquela o quê?
— Naquela atuação patética.
— Pois é, enfim, é melhor eu ir logo pra Agrabah. — Axel saiu andando antes que Saïx
começasse com a reprimenda e desapareceu em meio aos corredores.

O Castelo da Fera parecia completamente deserto, exceto pelos Heartless. Xion tinha uma
péssima memória daquele mundo, lembrou-se enquanto olhava em volta distraidamente, deixando
os corredores ao lado de Roxas e chegando ao salão de entrada escuro.
Aquele era o mundo no qual descobrira que não podia mais usar a Keyblade.
E agora... Xion abaixou o olhar em direção às mãos vazias. Roxas parou do seu lado.
— Você tá bem?
— Não sei o que vou fazer a partir de amanhã.
Ela tentou invocar a Keyblade novamente, desejando com tudo de si, mas não conseguiu
nada além de um fraco brilho em volta de sua mão. Nem mesmo sinal de uma forma.
— Não tem jeito. — Ela suspirou.
— E quanto à minha Keyblade? — Roxas invocou sua própria Keyblade em mãos e a
entregou para ela. — Acha que consegue usá-la?
Cada membro da Organização possuía sua própria arma distinta que não costumava cooperar
muito bem se outra pessoa tentasse usá-la, mas Keyblades eram ainda mais particulares. Se alguém
sequer tentasse tocá-la, a Keyblade simplesmente voltava às mãos de seu portador. Ou pelo menos
era o que Xion tinha ouvido falar.
Mas quando ela a segurou, a Keyblade de Roxas simplesmente permaneceu em suas mãos.
Ela não desapareceu.
— Acho... que sim — murmurou ela. Depois de tanto tempo, o peso da arma lhe parecia um
tanto estranho. Podia sentir o calor das mãos de Roxas ainda presente no metal.
— Então vai lá, pode usar ela hoje — disse ele.
Considerando a oferta, Xion olhou para a Keyblade que lhe fora emprestada brilhando em
suas mãos.
— Mas Roxas...
— Vai saber. Talvez te ajude a lembrar como invocar a sua — acrescentou, antes que ela
terminasse a frase.
105 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— E o que você vai usar?
— Bom... — Um breve sorriso se formou em seu rosto e ele pegou uma arma provisória que
encontrou caída junto aos pés. — Eu posso improvisar.
— Roxas... isso é um graveto.
Aquilo jamais poderia causar dano aos Heartless, pensou Xion.
— Ei, você tava conseguindo sem a Keyblade. Eu também consigo — garantiu a ela. —
Pode usar. Eu vou ficar bem.
— Certo... obrigada. — Ela lhe abriu um sorriso. — Hoje eu vou trabalhar por nós dois.
Ela mal terminara de falar quando um poderoso rosnado ecoou por todo o castelo.
— O que foi isso? — Apreensivo, Roxas examinou o corredor adiante.
— ...Um Heartless? — supôs Xion.
— É melhor irmos investigar.
Eles seguiram em direção ao rugido aterrador.

No final de um corredor, Roxas parou de súbito. Podia sentir algum tipo de presença.
— Você acha que alguém...? — murmurou Xion, mas Roxas a fez se calar e arrastou-se até
a sombra de uma pilastra, de onde podia espiar o corredor.
Alguém suspirou lastimosamente.
— Se ao menos o mestre deixasse seus aposentos...
A figura que estava falando... não era exatamente o que Roxas esperava. Ele logo voltou
para trás da pilastra.
— O que você viu? — sussurrou Xion.
— Você acreditaria se eu te dissesse que é um candelabro que fala e anda?
Era difícil de acreditar, mas ele sabia o que tinha visto — um candelabro autônomo com um
rosto na vela do meio, resmungando consigo mesmo.
Xion também espiou o corredor por um momento e logo voltou a se esconder.
— Uau, é verdade! Mas... como...? — Ela parou de falar, pasma, inclinando a cabeça.
— Não tenho muita certeza — disse Roxas, pensando alto. — Mas ele disse alguma coisa
sobre um mestre...
— Então você acha que o candelabro é um dos servos do castelo ou algo assim?
— É, talvez... Será que tem mais alguém por aqui?
— Ele disse que o mestre não sai dos aposentos. Então talvez ele, seja lá quem for, tenha um
quarto no final do corredor. — Xion espiou o corredor outra vez.
— Quer descobrir...? — sugeriu Roxas. Ela piscou para ele.
— Hã?
— É só a gente passar sem ser notado e podemos dar uma olhada nos aposentos do mestre.
— Acha mesmo que a gente consegue...?
— Ele não vai nos ver se tomarmos cuidado. — Roxas se inclinou junto à pilastra e saiu
correndo assim que o candelabro virou as costas.
— O quê...? Roxas! — ralhou Xion, mantendo a voz baixa. — Isso não é tomar cuidado!
Mas ainda assim, ela disparou atrás dele.
— Hmm...? — O candelabro, ainda olhando para o outro lado, ficou parado enquanto Xion e
Roxas passavam correndo atrás dele. — Que estranho. Pensei ter visto alguém ali... A luz deve estar
me pregando peças.
Quando voltou a se virar, eles deram a volta pelo canto do corredor, saindo de vista.
— Ufa... — Xion respirou fundo. — Espero não ter que fazer isso de novo...
Para Roxas, não parecia ter sido um problema.
Passando pelo candelabro falante, eles chegaram a outro vasto corredor, ao final do qual
podiam ver uma escadaria.
Outro rugido sacudiu as paredes.
106 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Parece vir ali de cima. — Roxas seguiu em direção à escadaria, mas se deparou com um
grupo de Sombras, pequenos Heartless rastejantes completamente negros. — ...Parece que nós não
somos os únicos que não foram convidados por aqui.
— Esses aí são pequenos demais para serem o alvo, não são? — concluiu ela, já com a
Keyblade em riste, enquanto Roxas a auxiliava com magia.
Era exatamente o oposto de como vinham trabalhando. A Keyblade de Roxas lhe parecia
familiar em suas mãos, como se sempre a tivesse usado.
Um dos Heartless atingiu Roxas, atirando-o longe, mas Xion logo tratou de eliminá-lo — e
era o último deles.
— Você está bem, Roxas? — Ela correu até onde ele estava caído no chão. Tirando a poeira
da roupa, ele se levantou sem precisar de ajuda.
— Eu tô legal.
— Desculpa. Estou deixando as coisas mais difíceis pra você usando a sua Keyblade...
— Não mais difícil do que tem sido pra você — disse Roxas. — Não se preocupa comigo.
Mas e você? Ter usado a Keyblade deu uma sacudida na sua memória?
— Nada ainda... sinto muito. — Xion balançou a cabeça devagar. Lutar com a Keyblade de
Roxas era extremamente confortável para ela, mas ainda não conseguia se lembrar de como invocar
a sua própria.
— Não sinta — disse a ela com um sorriso animador. — Tenho certeza que ela logo vai
voltar pra você. Fica tranquila.
Ela sorriu de volta.
— É... Obrigada, Roxas.
Mas assim que disse isso, uma sombra se formou no chão atrás dela em meio a um estrondo.
— Xion! — Ele a agarrou pelo braço e se escondeu num ponto cego atrás das escadas.
A sombra logo começou a se espalhar como uma mancha negra e mais Heartless surgiram
dela. E então aquele mesmo rugido de antes voltou a estremecer o castelo — era uma fera colossal,
repleta de pelos e com presas afiadas.
A criatura disparou pelas escadas e destroçou os Heartless num piscar de olhos, sem deixar
nem sinal deles.
— Os Heartless não têm lugar no meu castelo! — rugiu enquanto destruía o último Shadow
com um ataque de suas garras.
Finalmente, a criatura se foi outra vez, subindo as escadas a passos pesados, provavelmente
de volta a seus aposentos.
— Uau... — murmurou Xion. Roxas cruzou os braços.
— Ele disse que esse lugar é o castelo dele. Então quer dizer que ele é o mestre...?
— Ah. O “Castelo da Fera”. — Xion se deu conta. — Até que faria sentido. Mas um
candelabro falante como servo? E seu governante é uma fera de verdade? Que lugar mais estranho.
Roxas estava quieto, pensando consigo mesmo.
— O que foi?
— As regras são diferentes por aqui — ponderou.
— Hã? Como assim?
— Aquela fera é o mestre daqui, certo?
— Certo.
— E o Xemnas é o nosso mestre, certo?
— Acho que sim. — Xion não estava acompanhando.
— Mas se aparecessem Heartless no nosso castelo, nós é que teríamos que nos livrar deles,
não o Xemnas. Ele não levantaria um único dedo.
— Bem, sim, esse é o nosso trabalho — disse ela, os dedos ainda apertados em volta da
Keyblade. Era seu dever cumprir com suas missões. E se não o fizessem, seriam aniquilados.
— Eu achava que funcionava assim em todo lugar... quer dizer, o mestre aqui tem servos. —
Roxas ergueu o olhar pelas escadas em direção à porta por onde a Fera havia se retirado. — Ele não
devia ter que lutar.

107 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Sabe, eu não diria que somos exatamente servos do Xemnas... Mas você tá certo. Se ele
está lutando com os Heartless sozinho, deve ter um bom motivo para lutar.
Xion olhou para a Keyblade. Qual é o meu motivo?
— Um motivo? — Roxas piscou para ela, confuso. — Como o quê?
— Como... talvez ele tenha alguma coisa que queira proteger — disse ela, a voz suave.
Xion, por sua vez, estava perplexa por Roxas achar a ideia tão estranha. Como se ele nunca
tivesse parado para se perguntar o porquê.
Foi quando outra mancha de escuridão interrompeu seus pensamentos. Mas não era uma
Sombra. Era muito maior.
— Roxas! Cuidado! — exclamou ela.
O Heartless brotou do chão e assumiu uma forma canina, grande e vil — o Cão Rufião, alvo
da missão daquele dia.
— É ele! Vamos pegá-lo, Xion! — disse Roxas, e eles assentiram um para o outro.
Ele começou com magia:
— Chamas! — Uma bola de fogo atingiu o Heartless diretamente em seu emblema. Eles
agora tinham sua atenção.
Xion disparou contra ele e saltou para atacá-lo com a Keyblade. Ela sentira falta disso — o
impacto sólido em Heartless menores não era o suficiente.
Ela atingiu o Cão Rufião nas costas, recuperando o equilíbrio no ar, e quando tocou o chão
novamente, lançou-se contra o inimigo de novo sem sequer parar para respirar. Com a Keyblade, eu
posso lutar desse jeito.
Foi quando outra das magias de Roxas atordoaram a criatura.
Agora! Pensou Xion, lançando a Keyblade contra ele. Não havia como confundir a sensação
de um coração sendo liberado. O Cão Rufião urrou e Roxas deu um grande grito de vitória enquanto
o inimigo desaparecia em meio à luz.
O grande coração flutuou e desapareceu junto ao teto. Enquanto Xion o observava ascender,
Roxas correu até ela, que se virou para lhe entregar a Keyblade.
— Obrigada, Roxas. Pode pegá-la de volta.
— Ajudou? Acha que deu pra lembrar como funciona?
— Não sei... mas acho que posso tentar mais uma vez.
Xion fechou o punho vazio. Por favor, Keyblade, por favor, volta pra mim...
Houve um breve lampejo de luz. E...
— Você conseguiu! — vibrou Roxas.
Xion olhou para a Keyblade em suas mãos, abismada. Sua Keyblade. Ela voltou pra mim...
Ela fechou a mão em volta de sua arma. Sua própria arma.
— Roxas, funcionou! Muito obrigada! — exclamou ela. Ele sacudiu as mãos junto às dela,
segurando a Keyblade juntos.
— Mal posso esperar pra contar pro Axel. Vamos!
— Certo!
Eles não conseguiam parar de sorrir de um para o outro.

Sobre a torre do relógio, Axel assistia ao pôr do sol distraidamente.


Ele deu um longo suspirou. Ser mandado à Agrabah fora legal e tudo mais, exceto pela parte
em que foi surrado até cair no chão.
Cuidar dos outros quando não consigo nem cuidar de mim mesmo... esse cara não sou eu.
Foi quando um portal negro se escancarou atrás dele.
— Ei, Axel!
— Eita! Não me assusta desse jeito!
Roxas brotou dos corredores com um grande sorriso no rosto, e Xion vinha logo atrás.
— Como foi a sua missão?
108 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
109 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Axel franziu as sobrancelhas.
— Teria sido melhor se o Heartless ficasse paradinho na dele. Ele me jogou de bunda no
chão — reclamou Axel, esfregando dramaticamente o traseiro para enfatizar suas palavras.
Roxas deu risada.
— Ah, é? Mas você não tinha dito pro Saïx que já era crescidinho?
— Não vem ao caso! — Mas Axel lhe deu uma piscadela. — E como é que vocês foram?
Roxas se virou para Xion.
— Ta-dáá! — exclamou ele enquanto a Keyblade aparecia nas mãos da amiga.
— Ora, mas quem diria!
— Eu gostaria de dedicar a realização dessa invocação da Keyblade aos meus amigos, Axel
e Roxas — declarou Xion, radiante, deixando a Keyblade desaparecer novamente.
— Eu? Eu não fiz nada — protestou Axel com um sorriso torto.
— Claro que fez. Você falou com o Saïx hoje cedo pra eu e o Roxas podermos ficar juntos.
Axel sabia que ela estava sendo sincera, mas desviou o olhar. Por algum motivo que não
sabia explicar, era desconfortável para ele ter alguém lhe abrindo um sorriso como aquele, tão
descomplicado e gostoso.
— Se não fosse por você, ela podia não ter conseguido se lembrar de como usar a Keyblade
— acrescentou Roxas.
— Obrigada, Axel.
— É, valeu. A gente te deve uma.
Aquilo bem ali — era tudo tão desconfortável. Axel coçou a cabeça e desviou o olhar.
— Bom... que tal me arranjarem um picolé então?
— Hã? — disparou Roxas, confuso pelo pedido, sendo que Axel não estava nem olhando
nos olhos deles.
Mas aquele era o seu jeito de ceder, ainda que de forma relutante. Se os dois continuassem a
bombardeá-lo com mais daquela sua gratidão efusiva, ele não achava que aguentaria.
— Me comprem um e estaremos quites.
Xion e Roxas trocaram um olhar. Ela se levantou num pulo.
— É por minha conta! Eu já volto!

O sol afundava cada vez mais no horizonte enquanto Axel o fitava com a cabeça distante.
Se olhasse por tempo demais, a imagem ficaria marcada nos olhos, visível mesmo depois
que estivessem fechados. Um sol ilusório.
Uma vez, alguém lhe dissera porque o pôr do sol era vermelho... quem teria sido?
Xion terminou seu picolé de sal marinho e respirou fundo, satisfeita.
— Hmm... Tava bem bom.
— Tava? O Roxas não parece ter gostado muito do dele — provocou Axel, notando que
Roxas era o único que ainda tinha picolé sobrando.
— Eu tô saboreando. Afinal, foi a Xion que pagou pra gente. Não vou botar tudo pra dentro
em dois segundos. — Roxas contemplou o último pedaço que restava em seu palito.
— Mas era só pro meu ser por conta dela.
Axel só o estava alfinetando, mas Xion respondeu sinceramente:
— Não, eu queria agradecer a vocês dois.
O apito do trem podia ser ouvido mais ao longe.
— Espero que a gente possa sempre ficar junto desse jeito — disse Roxas. Xion assentiu.
— É... Eu também.
Axel coçou a cabeça.
— Quê que deu em vocês dois?
— Eu só... queria que esses dias durassem pra sempre — murmurou Roxas, devagar e
pensativo. — As saídas depois do trabalho, os picolés, assistir ao pôr do sol...
110 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Axel o olhou de soslaio enquanto falava. O pôr do sol tocava os rostos de Roxas e Xion com
seu brilho caloroso e vermelho.
— Bom, nada dura pra sempre — murmurou Axel, desviando o olhar novamente. — Ainda
mais quando se trata de um bando de Nobodies.
Diante dessas palavras, as expressões em seus rostos desabaram.
É sério isso? Esses dois estão sempre rindo ou ficando chateados com alguma coisa... até
parecem pessoas reais, com corações. Axel suspirou enquanto procurava por palavras.
— Mas, sabem, sair juntos todo dia não é a única coisa que importa. Ainda teremos uns aos
outros, mesmo que isso mude.
— Sério? — Roxas ergueu o olhar.
— Mas é claro. Contanto que lembremos uns dos outros, nós nunca vamos nos separar. Deu
pra memorizar?
Roxas abriu um sorriso.
— Quem é você e o que fez com o Axel?
— Ei! Eu tentei, tá bom? — Todo aquele esforço para animá-los e eles transformaram em
piada. Desgostoso, ele virou o rosto.
Xion começou a rir e então, como se fosse contagioso, Roxas também deu risada.
— Ah, qual é, não foi tão engraçado! — ralhou Axel.
Eles pararam, olharam um para o outro, e logo caíram na gargalhada de novo.
— Não sei porque eu aguento isso...
— Mas vai, você tem que admitir... isso não soou nada como você normalmente é, Axel. —
Xion mal conseguiu conter a risada por tempo o suficiente para dizer isso.
Desejar que eles pudessem ficar juntos para sempre — era um sonho impossível. Mas ao
menos eles sempre poderiam se lembrar uns dos outros.
Entretanto... se até mesmo isso se tornasse impossível, o que poderiam fazer?

111 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
112 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
A LUA PAIRAVA NO CÉU DO OUTRO LADO DA JANELA, UM GRANDE CORAÇÃO
brilhante. Esparramado na cama, Axel olhava para ela sem prestar muita atenção, matando tempo
antes de ter que partir numa missão.
“Conquistaremos os corações os tornaremos nossos. Os corações jamais voltarão a ter
poder sobre nós.”
Nos últimos dias, estivera pensando sobre o que Xemnas quisera dizer com esse discurso.
Corações que tinham poder sobre eles? O que isso queria dizer?
Sempre que Axel passava um tempo sozinho, essa frase começava a saltitar em sua cabeça.
Não sabia o que havia de tão envolvente nela. Será que outros Nobodies também pensavam nesse
tipo de coisa?
Corações, emoções... Não conseguia parar de pensar de onde tudo isso vinha. Racionalizava
as possibilidades, bolava teorias. Desde quando se tornara um filósofo?
Na verdade, sabia a resposta para essa pergunta. E provavelmente só estava fingindo que não
se dera conta. Esses pensamentos lhe vinham atormentando desde quando Roxas se juntara à
Organização — ou melhor, Roxas e Xion.
Esses dois vinham jogando diversas perguntas em suas mãos à medida que cresciam como
Nobodies. Seria apenas a curiosidade deles que o levava a pensar tanto? Mas isso não começou
quando eles entraram na Organização. Foi quando ele de fato conheceu Xion, após seu retorno do
Castelo do Esquecimento.
Independentemente de qual fosse o catalisador, precisava admitir que havia algo de diferente
em si. O velho Axel nunca teria refletido sobre tudo isso.
Ele estava mudando. Mas por quê?
Sua linha de raciocínio continuou a divagar até que, de repente, sentiu mais alguém consigo.
Irritado, se sentou.
— Já ouviu falar em bater na porta? Devia tentar qualquer hora.
Saïx estava parado ao lado de sua cama. Axel decidiu não olhar para ele, focando num ponto
aleatório na parede. Mas, fosse como fosse, Saïx não demonstrou se importar. Sua voz soou tão
serena e monótona quanto de costume:
— Diga-me o que Xion tem feito.
— E como é que eu vou saber? — retrucou Axel. — Não é como se eu ficasse na cola dela
o dia todo.
— Mas vocês parecem chegados.
Axel ponderou quanto aos motivos pelos quais Saïx poderia estar tão interessado em Xion.
Ele já sabia o que fazia de Roxas especial — o fato de que ele era o Nobody do mestre da
Keyblade. Mas ainda não tinha nenhuma resposta definitiva a respeito do que destacava Xion dos
demais. E embora estivesse interessado na possibilidade de conseguir uma, tinha certeza de uma
coisa: pedir respostas a Saïx era um exercício de futilidade.
Mas ele também não lhe daria respostas.
Levantando-se, Axel encarou Saïx de frente.
— O quê, agora eu tenho que delatar meus amigos pra você? Se manda do meu quarto.
Falando em coisas que haviam mudado, sua relação com Saïx era uma delas. Axel achava
que ela tinha mudado aos poucos desde que começara a sair com Roxas e Xion. No entanto, não
sabia dizer o que exatamente estava diferente nela.
— Você e Xion executarão sua próxima missão juntos — disse Saïx.
— Ah, obrigado, senhor, por vir até aqui pessoalmente só pra me contar isso. — Axel foi até
o espelho e começou a ajeitar o cabelo.
Saïx olhou para o reflexo de Axel, seus olhos se encontrando através do espelho.
— Nós também precisamos que você volte ao Castelo do Esquecimento.
Axel se virou para olhar diretamente para ele, seus lábios se retorcendo.
— Nós? Então são ordens diretas do nosso destemido líder, é?
Saïx, é claro, não respondeu à pergunta.
— O castelo ainda não revelou todos os seus segredos. E há um em particular no qual o
Lorde Xemnas está...
113 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Tá falando daquela câmara de novo? — interrompeu Axel, voltando-se para o espelho
mais uma vez. — A gente revirou aquele lugar de cima a baixo. Se está lá, não vamos encontrar só
procurando.
A carranca quase permanente no rosto de Saïx diminuiu um pouco.
— Então deixe-me dar a você mais um incentivo. Naminé não é a única cujas origens podem
ser seguidas até o Castelo do Esquecimento. Xion também veio de lá.
Ele fez uma pausa, mas Axel não respondeu.
— Duas das suas pessoas favoritas — prosseguiu Saïx. — Ainda acha que outra visita é
perda de tempo?
Lá estava a isca, pendurada para ele. Mordê-la sem dar trabalho a Saïx seria entediante
demais. Axel bufou, virando para ele mais uma vez.
— Pra mim, parece que é você que tá interessado no Castelo do Esquecimento. — Ele deu
um passo em frente, passando por Saïx e ficando fora do seu campo de visão. — Deixa eu ver se
consigo adivinhar... essa câmara vai te contar tudo o que quer saber sobre os verdadeiros objetivos
do Xemnas. Essa é a ideia?
Ainda de costas para Axel, Saïx respondeu:
— A Câmara do Repouso e a Câmara do Despertar... há alguma coisa que Xemnas não está
nos contando a respeito de seus planos. E a câmara perdida, a Câmara do Despertar... ela possui
todas as respostas. — Por fim, ele se voltou para Axel, fitando-o fixamente nos olhos. — Essas
respostas nos darão a vantagem... e então poderemos nos preocupar com os nossos próprios planos.
Pois é, eu sei. Nossos planos. Essa parte não vai mudar.
Axel suspirou.
— Olha, eu sabia que o Vexen e o Zexion dariam problema pra você. É por isso que eles não
tão mais aqui.
Era quase como se estivesse se justificando para si mesmo, pensou Axel. O fato de não
terem corações não tornava suas ações vazias. Não era como se nunca pensassem com cautela ou
agissem sem objetivos em mente. Nesse aspecto, humanos eram como Nobodies: ambos agiam em
prol de seus próprios propósitos.
— O trabalho sujo não me incomoda — prosseguiu Axel. — Eu já limpei o caminho até o
topo pra você. Só me faz um favor e vê se não tropeça na subida.
Não havia nada de falso em suas palavras, e ele olhou Saïx nos olhos enquanto as dizia. Saïx
o encarou de volta.
Exatamente... Nós temos o nosso próprio objetivo.
Saïx lhe virou as costas.
— Você terá uma missão particular no Castelo do Esquecimento — disse. — Espere pelas
ordens em breve.
E com isso, ele deixou o quarto.
Sozinho, Axel cerrou os punhos e logo foi atrás de Saïx.

Xion foi até o salão, mas Roxas ainda não estava lá. Ela ficou olhando pela janela.
— Viu alguma coisa interessante lá fora, Boneca? — Xigbar lhe deu um tapinha no ombro.
Enquanto isso, Axel se lançou no sofá e fingiu não estar escutando.
Xion se virou para olhar para Xigbar.
— Só Kingdom Hearts.
— Ele é tão interessante assim?
— É bem bonito.
Xigbar deu uma risada baixa.
Axel não via o que Xigbar podia ter achado de tão engraçado na resposta. Mas, parando para
pensar, nunca conseguia entender o que ele tinha na cabeça.
Xion também parecia um pouco confusa.
114 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Qual é a graça?
— Ah, nada não... É só que você tá fazendo um baita dum progresso — Xigbar continuou
rindo, como se houvesse uma piada muito boa em algum lugar no que dissera.
Os dois não saíam numa missão juntos desde que Xion recuperara sua Keyblade. Mas sua
reação lhe incomodava um pouco. Se ela estava fazendo progresso, o que o fizera rir tanto assim?
Demyx enfiou a cabeça entre eles.
— E aí, quê que eu perdi? Alguém contou uma história engraçada?
— A gente só tava falando sobre como a Boneca aqui faz o trampo dela muito melhor que
você — disse Xigbar.
— Hã? — Demyx encolheu os ombros. — Mas como assim?
Finalmente, Saïx interveio:
— Xion.
Ela ergueu o olhar e se apressou em sua direção. Axel aproveitou a oportunidade para se
levantar do sofá.
— Você trabalhará com Axel hoje — Saïx disse a ela. — Não se demorem.
— Com o Axel? — Xion se voltou para o Nobody em questão. Axel assentiu, animado.
— Isso aí. Somos parceiros agora.
— Bom, só não vá me atrapalhar, ouviu?
— Como é? Essa frase devia ser minha.
Saïx observava seus gracejos com um olhar mordaz, o que fez Axel engolir as risadas. Xion
também notou e logo assumiu uma postura mais profissional.
Numa tentativa de acabar com aquela súbita atmosfera opressiva, Axel perguntou a Saïx:
— Enfim, pra onde o Roxas vai hoje?
— Ele e Xigbar investigarão outro mundo novo.
— Hm.
Definitivamente devia haver um propósito por trás das instruções de Saïx. Ele não juntava os
membros em duplas aleatoriamente. Juntar Axel com Xion e Xigbar com Roxas devia ser parte de
um plano. Mas Axel não conseguia imaginar do que se tratava, pelo menos não por ora.
Não sabia nem mesmo se era Saïx quem guardava segredo ou se ficava de boca fechada sob
ordens de outra pessoa.
— Ao trabalho — disse Saïx antes que alguém começasse com mais algum gracejo.
— Tá, tá. — Axel virou as costas para Saïx e adentrou os Corredores das Trevas.

Por que estou me sentindo tão estranho? Pensou Roxas enquanto ia para a Área Cinzenta.
Ultimamente, ele vinha sonhando bastante.
Não que os sonhos lhe dissessem alguma coisa. Talvez fossem cheios de mundos inteiros
que se abriam diante de si, mas quando acordava, lembrava-se apenas de impressões extremamente
vagas. E mesmo estas acabavam se apagando quando levantava da cama, substituídas pela fadiga de
uma noite mal dormida.
— Mano, onde que você tava? — Demyx o cumprimentou quando chegou ao salão. — A
Equipe Axel saiu agorinha mesmo.
— Equipe Axel? — repetiu Roxas, ainda meio zonzo.
— É, ele saiu com a Xion na missão de hoje. O que quer dizer que o trabalho deles vai ser
bem mais tranquilo. Deve ser bom...
Aquilo era um tanto incomum, pensou Roxas. Xion e Axel não costumavam ser designados
para trabalharem juntos.
— Hoje tu vai trampar comigo, Tigrão — interrompeu outra voz. Só podia ser Xigbar com
aqueles seus apelidos estranhos. Esse era ainda pior que o de antes.
— Pode não me chamar assim? — reclamou Roxas.
Xigbar deu uma risada alta.
115 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Prefere “garotão”? Ou será que gostaria de ser a Boneca Dois?
É verdade. “Boneca” era como Xigbar chamava Xion. Roxas queria perguntar qual era a
dele com esses apelidos.
— Hoje a gente vai explorar um mundo novo juntos! Anda logo, Tigrão — disse Xigbar,
lançando um braço em volta de seus ombros.
Roxas não estava exatamente ansioso para trabalhar com alguém tão irritante, mas trabalho
era trabalho. Não tinha que ser divertido.
Ele afastou as mãos de Xigbar e foi até Saïx para perguntar sobre a missão.

A missão de Axel e Xion os levou a Twilight Town. Era uma das tarefas mais recorrentes
para os dois portadores da Keyblade: destruir os Heartless pela cidade e coletar seus corações. O
trabalho de Axel consistia em dar suporte.
Enquanto subiam pelos degraus ao longo de um beco, depararam-se com vários Heartless,
que logo encontraram seu fim pela Keyblade de Xion. Os corações foram flutuando pelo céu.
Observando suas habilidades, era difícil imaginar que tinha passado tanto tempo incapaz de
usar a Keyblade. Ela era tão boa quanto Roxas — talvez até melhor.
Axel não compreendia por que fora enviado com Xion àquela altura das coisas. Certamente
havia muitos Heartless, mas, pelo que podia notar, ela não precisava de sua ajuda.
Xion se virou para ele.
— Acho que esses foram os últimos por aqui.
— Muito bem, Xion! Luta, luta, luta! — Axel a aplaudiu.
— Hã? O que está fazendo?
— Como assim? Estou cumprimentando o seu trabalho duro.
— Você é esquisito. — Xion deu risada.
Mas então, de repente, seu rosto pareceu borrado na visão de Axel. Ele esfregou os olhos. O
que foi isso...?
— Qual o problema? — perguntou ela.
— Hã, não foi nada...
Por um instante, pensou ter visto Naminé.
Xion já se parecia com ela, mas não era completamente idêntica. Seus cabelos não eram da
mesma cor. Mas agora, — apenas por um segundo — o cabelo de Xion havia ficado loiro como o
de Naminé. O que estava acontecendo?
— ...Axel?
Aquele rosto preocupado definitivamente era o de Xion. Então o que tinha acontecido?
Coçando a cabeça, Axel começou a rir para encobrir sua confusão.
— Vai ver me lançaram um feitiço novo ou algo do tipo.
— Você tá bem? — Ela ainda parecia preocupada.
— Fica na boa. Vamos procurar a próxima leva de corações.
— Se você tem certeza que está bem...
— Absolutíssima. Vem. — Ele começou a andar.
— Ei, espera.
Xion logo foi atrás dele e, quando olhou para ela, continuava sendo a mesma garota que ele
conhecia. Nada havia mudado. Sua mente provavelmente estava pregando peças nele por conta das
semelhanças entre Xion e Naminé.
Não devia deixar que isso o incomodasse.
— Hora de cuidar disso — exclamou Axel, invocando seus chakrams em mãos ao topo da
escadaria. A praça da estação estava cheia de Sombras.
— Certo. — Empunhando a Keyblade, Xion se lançou contra eles.

116 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Um novo mundo se abriu diante deles em meio a um forte brilho. Piscando enquanto olhada
em volta, Roxas deixou os Corredores das Trevas.
O lugar onde haviam chegado lembrava um pouco Agrabah, com grandes edifícios de rocha
que se assomavam sobre a terra seca e arenosa.
Chamava-se Coliseu do Olimpo.
— Beleza, vamos dar uma olhada por aqui e voltar antes da janta — disse Xigbar, desviando
o olhar para Roxas.
— O que estamos procurando? — indagou Roxas. Saber que se tratava de uma missão de
reconhecimento não lhe explicava exatamente o que deviam investigar.
— Vamos ver o que tiver pra ver. Quem sabe, talvez novos recrutas.
Roxas não estava esperando por uma resposta como essa. Após um instante, fez a pergunta
que encontrou adequada:
— Como por exemplo? Quais são os requerimentos?
— Bom, você sabe sobre os Nobodies, né?
Enquanto Roxas tentava pensar a respeito, Xigbar tomou a dianteira e começou a explicar
mesmo assim:
— Se alguém com um baita coração forte cair nas trevas e se tornar um Heartless, às vezes
essa pessoa também acaba gerando um Nobody. Pegue os mais fortes desses e bam, você tem a
Organização.
Pelo menos metade dessas coisas era novidade para Roxas.
— Não sabia que a gente era uma elite... — pensou em voz alta.
— He, he. Até parece. Você e a Xion é que são importantes. Os top dos top dos top.
— O quê? — Ele não estava acompanhando. Axel já havia sugerido algo semelhante... mas
não exatamente isso. Essa explicação soava um pouco diferente. Ele tinha outra pergunta na ponta
da língua, mas, naquele momento, um grupo de Heartless surgiu para interrompê-los.
— Ops, parece que acabou a hora da conversa. — Xigbar sacou suas Pistolas Laser. —
Agora é hora da faxina, Roxas.
Um segundo depois, Roxas empunhou a Keyblade e logo se lançou contra os Heartless. As
criaturas em forma de canhão eram uma verdadeira dor de cabeça, mas com Xigbar lhe dando
cobertura, conseguiu derrotá-los sem maiores problemas.
As proezas de Xigbar não eram brincadeira, pensou Roxas enquanto a Keyblade desaparecia
de suas mãos e ele tomava fôlego.
— Ah, aí está você! Tava só te esperando! — exclamou uma voz áspera e desconhecida.
— Hã? — Roxas se virou, deparando-se com um sujeito baixinho... ou seria um animal?
Apesar da estatura pequena, tinha chifres grandes.
— Por que demorou tanto?! Já preparei tudo por aqui! Anda logo, ao trabalho. Não dá pra
perder tempo se você quer ser um herói.
— Hã, mas eu não...
O baixinho o interrompeu com uma cara de sabe-tudo:
— Poupe o fôlego, garoto, eu já tô sabendo. O H disse que você tinha potencial e pelo que
eu vi, ele não tava errado. Aliás, meu nome é Phil. Eu não treino qualquer um, então é bom que
tenha vindo pronto pra suar a camisa.
H? Phil? Roxas nunca tinha ouvido falar de nenhum dos dois. Phil começou a andar à sua
volta, examinando-o de perto, e finalmente lhe tocou o braço por cima do casaco.
— Ei! O que você tá fazendo?!
Phil deu uma risada de satisfação.
— Parece que o H me arranjou um treinando cheio de garra. He, he, vai ser divertido!
— Treinando? Olha, acho que você pegou o cara errado. A gente tá só... — Como é que eu
saio dessa?! Tentando esclarecer o mal-entendido, Roxas se virou para o seu parceiro... ou pelo
menos para onde ele estivera parado até então. — Xigbar?! Cadê você?
117 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
118 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Não havia o menor sinal de Xigbar.
— Você luta melhor do que faz piada, garoto — disse Phil. — Você tem nome?
Desnorteado, ele respondeu honestamente:
— Hã... Roxas.
— Certo, Roxas, deixa eu dar mais uma olhadinha nos equipamentos de treino. Encontre-me
no Coliseu quando estiver pronto... e é bom que não demore o dia todo!
Phil disparou em direção ao grande templo de pedra, deixando Roxas para trás, olhando para
ele sem entender nada. O que tinha acontecido ali?
— He, he, he. Tá fazendo bico de aspirante a herói, é? — disse uma voz risonha atrás dele.
Alarmado, Roxas se virou e, dessa vez, Xigbar estava lá.
— Aonde você tinha ido?!
— Me esconder, talvez? — disse seu parceiro, a voz arrastada, como se fosse extremamente
óbvio. — A Organização XIII não trabalha pra todo mundo ver, já esqueceu?
— Bom, eu sei, mas... — resmungou Roxas. Eu não fui sorrateiro. O que eu faço agora?
— Se bem que até que deu tudo certo — acrescentou Xigbar.
— Por que diz isso? — Parecia que Xigbar sempre o confundia.
— Se acharem que você é um deles, não precisa ficar se escondendo. He, he. Tenho certeza
que você será o melhor aspirante a herói que eles já tiveram.
— O que quer dizer com isso?
— Entenda como quiser. — Ainda rindo, Xigbar abriu um portal para os corredores.
— Ei, você tá me abandonando?
— Até parece. Só não quero ficar no caminho do teu treinamento. Vai que é tua, filhão!
Agora completamente confuso, Roxas ficou apenas observando enquanto ele partia.

Axel piscou frente ao pôr do sol e deu uma mordiscada em seu picolé de sal marinho.
— O Roxas deve estar trabalhando até tarde hoje — disse Xion. Ela já tinha terminado seu
picolé. Sua missão não fora lá tão complicada. Além do mais, eles já estavam em Twilight Town,
então ir à torre do relógio era uma conclusão inevitável. Eles sabiam que chegariam antes de Roxas,
mas ele já devia ter chegado àquela altura.
— Espero que o Xigbar não esteja pegando muito no pé dele — comentou Axel.
— É...
Eles ficaram em silêncio por um instante. Xion se deu conta de que aquela era a primeira vez
que ficava sozinha com ele desse jeito.
— Sabe, Axel...
— Hã?
— Quando eu sento aqui com vocês pra assistir ao pôr do sol, tenho uma sensação tão
estranha... é como se eu costumasse assistir ao pôr do sol e ficar conversando sobre nada com uma
outra pessoa. — Ela nunca tinha falado sobre isso antes; enquanto reorganizava os pensamentos, ela
abaixou o olhar. — ...Também sinto isso quando olho para o mar.
Então ela pôs a mão no bolso e pegou uma concha.
— Quando fico na beira da água, escutando as ondas... é quase como se pudesse ouvir outras
vozes. — Ela olhou para o pequeno objeto na palma de sua mão.
— Então... quer dizer que você tá se lembrando de alguma coisa? — disse Axel.
— Não, não é bem assim... — Xion balançou a cabeça devagar. — Bom, eu não sei. Talvez
sejam memórias.
— Pior que eu também não teria como saber.
A conversa se encerrou novamente.
O mar... e uma concha. Para Axel, apenas uma pessoa lhe vinha à cabeça. Sora.

119 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Ele tinha uma breve noção a respeito das memórias de Sora devido ao trabalho de Naminé,
que as dispersou no Castelo do Esquecimento. Era quase impossível se afastar do mar no mundo de
onde ele vinha — as Ilhas do Destino.
E também tinha aquele amuleto da sorte, o símbolo da promessa que Sora fez a Kairi... ele
não era feito de conchas?
E não era apenas Sora. Aquilo também o fazia pensar em Kairi, uma Princesa de Coração.
Se Xion tinha alguma conexão com Naminé, então, naturalmente, essas suas memórias de
alguma forma estavam ligadas a Kairi. Afinal, Naminé era o Nobody de Kairi.
Ou talvez isso tudo quisesse dizer que a própria Xion estava conectada a Kairi.
De quem Xion era Nobody, afinal?
Parando para pensar nisso agora, teve que se perguntar se ver Xion como Naminé durante
sua missão realmente não passara de uma mera alucinação.
— Mas Axel, você tem memórias, não tem? — perguntou Xion.
— Mais ou menos. Não que elas já tenham me feito algo de bom — respondeu ele, voltando
a olhar para ela. Xion parecia perdida.
— Eu sou como o Roxas. Nenhum de nós se lembra de nada. Será que tínhamos tanta coisa
em comum assim antes de virarmos Nobodies...?
Axel não tinha resposta para isso. Tinha um palpite, mas não podia dizer nada a respeito
para ninguém.
Os planos da Organização, as maquinações nas quais estava envolvido e o tempo que vinha
passando com Xion e Roxas — tudo começava a entrar em conflito. Ele estreitou os olhos frente ao
pôr do sol.
Todos eles não passavam de peões para a Organização XIII — ou melhor, para Xemnas
especificamente. Apenas Axel e Saïx tentavam tirar vantagem dele.
Mas agora...
O trem passou por eles às pressas, deixando a cidade em meio ao solitário toque se seu apito.
Xion e Axel permaneceram ali sentados, em silêncio, até que Roxas finalmente chegou.
— E aí. Foi mal o atraso.
— E atrasou mesmo, hein — disse Xion com um sorriso no rosto enquanto guardava a
concha de volta no bolso. — Já terminamos os nossos picolés faz uma eternidade.
Roxas se sentou ao lado dela.
— O Xigbar me deixou lá sozinho. Tive que terminar a missão por conta própria.
— Então parece que você merece um agrado — disse Axel.
Sem perder mais tempo, Roxas caiu de boca em seu picolé. Axel guardou o palito do seu
próprio no bolso.
— Aquele Xigbar é um baita de um otário! — reclamou Roxas em meio às mordidas.
Como sempre, o trio começou a conversar sobre nada em especial, rindo o tempo todo.

Os dias foram todos se passando como os anteriores a eles. Roxas abriu os olhos, piscando
para despertar de uma vez, e então seguiu para a Área Cinzenta. Estava saindo apenas em missões
sozinho nesses últimos tempos, o que era um pouco exaustivo.
— Bom dia... — disse, mas então se deu conta de que estava cumprimentando um salão
vazio. A luz de Kingdom Hearts era a única coisa iluminando a sala assombrosa.
No lugar onde Saïx costumava ficar, Roxas encontrou um pedaço de papel fixado à parede:

ATIVIDADES SUSPENSAS
DEVIDO AO FERIADO

— Feriado...? — murmurou Roxas. Não estava familiarizado com aquele conceito. O que
devia fazer agora?
120 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
De toda forma, certamente não havia ninguém ali. Talvez ele também não devesse ficar.
Foi quando se lembrou de algo que Demyx dissera não muito tempo atrás, sobre precisar de
uma folga antes que ficasse louco. Será que estava se referindo a esse tal feriado?
Ele voltou pelo corredor e encontrou Axel.
— Ah, e aí, Roxas. Ficou sabendo do feriado? Faz tempo que não temos um dia de folga.
Axel parecia mais animado que de costume, mas talvez fosse só sua imaginação.
— Eu nunca tive uma folga antes.
— Tá falando sério? Rapaz... — Axel encolheu os ombros.
— Hã, Axel... — Erguendo o olhar para ele, Roxas franziu um pouco a testa e então lhe fez
a pergunta: — Qual é o meu trabalho durante um feriado?
— O seu trabalho? Que tipo de pergunta é essa?
Roxas abaixou a cabeça, incapaz de esconder sua ignorância.
— Mas... eu realmente não sei.
Sem uma missão, ele honestamente não fazia a menor ideia do que devia fazer.
— Faça o que quiser fazer, oras — disse Axel.
— O que eu quiser...? Eu não sei o que quero fazer.
Axel deu um suspiro longo e arrastado.
— Bom, vou te contar o que eu vou fazer. Dormir. E então, quando terminar com isso, devo
tirar uma soneca e, depois, vou virar pro lado e dormir um pouco mais.
— Mas você já não faz isso normalmente? — disse Roxas, ainda confuso.
— Cara, eu tiraria umas seis sonecas por dia se me deixassem.
Como é que alguém consegue dormir tanto assim? Pensou Roxas. Eu ficaria tendo sonhos
que me esgotariam ainda mais.
— Falando nisso, é melhor eu ir nessa. Aproveita a sua folga.
Quando ele se virou para partir, Roxas o agarrou pela manga.
— Espera, Axel...
— Ah, qual é, me deixa dormir um pouco. — disse Axel em meio a um bocejo, alongando
os braços para enfatizar suas palavras.
Foi quando Xion deu a volta pelo corredor, parando quando se deparou com eles.
— Hã, o que vocês dois estão fazendo?
— Você viu aquele papel? — disse Roxas.
— Vi sim.
— E o que você vai fazer, Xion?
Axel bocejou novamente, interrompendo a pergunta de Roxas.
— Se não se importam, eu vou voltar pra cama.
— O quê...? Ah. Tá bem... — Ainda sem saber o que fazer, Roxas assentiu enquanto Axel
partia sem dar mais uma palavra sequer. Como ele pode ser tão dorminhoco assim...?
— Roxas? — incitou Xion.
— Ah, é! O que você pretende fazer?
Ela abriu um sorriso.
— Estava pensando em praticar um pouco.
— Praticar?
— Quero melhorar minhas habilidades com a Keyblade. Por que não vem comigo?
Roxas não compreendia por que ela precisaria fazer alguma coisa com a Keyblade quando
tinham um dia de folga.
— Não, obrigado... deixa pra próxima.
— Tudo bem. Bom, a gente se vê então. Pode me procurar se mudar de ideia mais tarde.
E então Xion também se foi, seus passos rápidos e enérgicos.
Sozinho em meio ao corredor, Roxas suspirou. É só fazer o que eu quiser, o Axel disse...
Mas o que seria isso? Quer dizer, o que eu gosto de fazer...? Tomar picolé, talvez? Nada mais lhe
vinha à cabeça.
Com isso, Roxas começou a andar.

121 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Roxas emergiu naquele mesmo beco de Twilight Town e seguiu para a loja de doces na
praça. Nunca estivera ali tão cedo sem uma missão para cumprir antes.
Descendo pelas escadas em direção ao pátio, ele ouviu a voz de uma garota torcendo:
— Uhul! Vai, Hayner!
— Assim que se faz! — exclamou outra voz.
O trio que Roxas sempre via estava brincando com uma bola por ali.
— Ugh! Já chega! Não aguento mais, gente. — O garoto de cabelos espetados tombou no
chão com os braços e pernas esparramados. — Sério... eu tô morto.
Que tipo de brincadeira era aquela?
Não tinha sido a intenção de Roxas parar para observar de propósito, mas eles acabaram
notando sua presença ali.
— Hã? Quem é esse? — A garota ergueu o olhar. Seu nome era Olette.
— Ah, ei! Eu te conheço. — O garoto mais robusto foi correndo em sua direção. Era Pence,
o mesmo que lhes dera maiores informações sobre lugares para ajudar na busca por Xion. — Como
que você tá?
— Hm... e aí? — gaguejou Roxas, pensando sobre como faria para sair dessa. Ele devia
evitar entrar em contato com os habitantes de um mundo. Mas, por outro lado, a brincadeira deles
lhe chamara a atenção.
— Tá sozinho hoje, é? — perguntou Pence. — Vocês acharam a sua amiga?
Roxas assentiu.
— Sim...
Olette se aproximou.
— Amigo seu, Pence?
— É, eu topei com ele um tempinho atrás.
— Ah. Poxa, é um prazer conhecê-lo então. — Ela ergueu uma mão para Roxas. — Meu
nome é Olette.
E agora? Roxas hesitou.
— E eu sou o Pence. Espera, você já sabia disso. Ah, aquele ali é o Hayner. — Pence fez
gesticulou em direção ao terceiro membro do grupo. O outro garoto finalmente tinha conseguido se
erguer do chão, mas olhava para Roxas com uma expressão bastante hostil.
Um pouco intimidado, Roxas se voltou para Pence outra vez:
— O que vocês tão fazendo?
— Vendo o Hayner praticar suas embaixadinhas — respondeu Pence.
— Você fica acertando a bola no ar e não deixa ela cair no chão — explicou Olette. — É
mais difícil do que parece. A sincronia é tudo.
— E o Hayner é um dos melhores da cidade — acrescentou Pence, virando para ele. — Né
não, Hayner?
O garoto em questão foi marchando até eles, empunhando uma espada de plástico como se
fosse de verdade.
— Você é novo por aqui? O que quer com a gente?
— Nada... Quer dizer, eu tô só de passagem. — Roxas não sabia de que outra forma poderia
responder a uma hostilidade aberta como aquela.
— Ah, é? Então passe de uma vez — disparou Hayner. — Estamos ocupados aqui.
— Hayner! — Olette o repreendeu. — Não precisa tratar ele assim. Qual o seu problema?
— Hã, desculpa por isso — Pence disse a Roxas. — Certeza que ele não quis te ofender.
O olhar de Hayner, no entanto, dizia que suas palavras eram sinceras. Cada uma delas.
Talvez seja melhor eu ir embora, pensou Roxas, mas Hayner começou a falar antes que
tivesse a chance:
— Tenta você. Vamos ver como se sai na embaixadinha.
— O que isso vai provar? — gemeu Olette.
122 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Vai, deixa ele tentar. Toma.
Hayner entregou a espada de plástico para Roxas e Pence lhe passou a bola.
— É só acertar a bola no ar com a espada, e quem acertá-la o maior número de vezes vence.
— Beleza. Lá vai.
Roxas rebateu a bola em meio ao ar e saiu correndo para permanecer embaixo dela. Então, a
rebateu de novo e de novo...
— Isso aí! Continua assim! — exclamou Olette.
Era divertido, na verdade — encontrar o momento certo e jogar a bola para o alto outra vez.
Roxas a acertou algumas dúzias de vezes, até que o suor fez sua mão escorregar e a bola caiu no
chão. Olette e Pence correram até ele.
— Essa foi mesmo a sua primeira vez? Você é muito bom!
— É, foi demais!
Quando Roxas começou a se perguntar o que Hayner teria a dizer sobre isso, o mesmo se
aproximou a passos lentos.
— Hm, até que você não foi nada mal. Tudo certo entre nós?
— Hã, acho que sim. Valeu...
Hayner desviou o olhar e resmungou:
— Desculpa por pegar no teu pé.
Pegar no pé? Do que ele estava falando?
— O Hayner só tava boladinho porque o Seifer quebrou o recorde dele — explicou Pence,
abafando uma risada.
— Ei! Ele não precisa saber disso! — reclamou Hayner.
— Hi, hi, hi — Olette deu risada. Irado, Hayner começou a ficar vermelho.
— Isso vale pra você também!
Era meio engraçado. Roxas também acabou abrindo um sorriso.
— Qual é, você não vai rir de mim também, né? — choramingou Hayner, emburrado.
Logo, os quatro estavam rindo juntos. Era uma sensação muito boa.

Após se despedir, Roxas comprou seu picolé diário e foi se sentar na torre do relógio.
Abaixo dele, na praça da estação, os mesmos três amigos estavam agora correndo enquanto
brincavam de algo que parecia pega-pega.
— Lá vai ele!
— Deixa que eu pego!
— Huff, huff... Pessoal... eu não aguento mais... — disse Pence, ofegante, enquanto tentava
fugir dos outros dois aos tropeços.
Roxas deu uma mordida no picolé de sal marinho.
— Imaginei que te encontraria aqui — disse uma voz familiar. Roxas se virou, deparando-se
com Axel, que se alongava em meio a um bocejo. — Dormi feito um bebê.
Ele se sentou ao lado de Roxas, quando a voz de Hayner ecoou lá de baixo:
— Ha! Te peguei!
— Puxa vida... Tô vendo que não vou conseguir nem andar amanhã... — Pence caiu com
tudo em meio aos paralelepípedos da praça.
— O que aquelas crianças tão fazendo? Já tá na época das férias? Nah, não pode ser. Ainda é
cedo demais... — murmurou Axel.
Roxas ergueu o olhar diante de suas palavras.
— Férias? O que é isso?
— O tipo de regalia que só humanos têm. — Axel deu risada. — Um mês inteiro de folga.
— Um mês? E o que eles fazem com esse tempo todo? — Roxas olhou para Hayner e seus
amigos de novo. — Não consigo imaginar nem como passar um dia...

123 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Tinha sido legal topar com eles e brincar um pouco, pensou Roxas, mas o dia todo, todos os
dias? Por um mês inteiro? Ele ficaria louco.
— Bom, eles não precisam procurar muito pra achar o que fazer. Os professores dão um
monte de dever de casa e eles podem sair juntos todo dia. Acredite, acaba num piscar de olhos.
— Sei lá... talvez eu aguentasse uma semana. — Roxas terminou seu picolé e abraçou os
joelhos distraidamente.
Mas acho que seria divertido — passar uma semana toda como hoje.
— A maioria das crianças passa as férias só fazendo bobagem com os amigos. Eles deixam
o dever de casa só pro final, e aí se ajudam a terminar.
Ele parecia dizer isso por experiência própria. Estaria Axel se referindo às suas próprias
memórias das férias que teve quando humano?
— Não é um jeito ruim de passar o tempo. Eu nunca tinha parado pra pensar muito sobre
isso desde que me tornei um Nobody... — murmurou ele, quase que para si mesmo, antes de levar a
conversa de volta para Roxas. — E aí, o que acabou fazendo hoje?
— Como é que eu sabia que vocês estariam aqui? — perguntou outra voz quase ao mesmo
tempo. Roxas ergueu o olhar e se deparou com Xion, que logo se sentou junto a ele.
— E aí, acabou indo pra algum lugar?
— Não. Fiquei só praticando no castelo... e aí fiquei entediada — disse Xion. — Por quê?
Foram pra algum lugar sem mim?
— O Axel foi. Foi dormir.
— O quê?! Axel, você gastou o dia todo dormindo?
— Ei, eu precisava descansar! Eu trabalho duro, diferente de certas pessoas.
— Não é culpa nossa se você tá tão fora de forma assim — retrucou Xion, e os três deram
risada juntos.
— Bom, amanhã temos que voltar ao trabalho — disse Axel.
— Sim — respondeu Xion. — Espero que tenhamos outra folga logo.
O som dos pássaros cantando ao longe quebrou o silêncio.
— Ah, antes que eu esqueça, parece que vão me mandar pra longe de novo — disse Axel,
um pouco contido. — Não vou poder ver vocês por um tempo.
— O quê? — disseram Xion e Roxas ao mesmo tempo.
— Pois é, vão me mandar pra fazer reconhecimento por uns dias.
— Onde? — indagou Xion.
Axel alongou os ombros como de costume e abriu um sorriso.
— Não posso contar.
— O que quer dizer com isso? — pressionou Roxas.
— É ultrassecreto — disse Axel, dando de ombros.
Xion estava completamente insatisfeita com isso.
— Pensei que fôssemos amigos.
— Ei, mas isso não quer dizer que eu tenha que contar tudo pra vocês. Todos têm segredos.
— O sorriso não deixara o rosto de Axel, mas sua voz soou baixa e solene. — Deu pra memorizar?
— Segredos...? — Roxas repetiu para si mesmo. Eu tenho isso...?
Xion abaixou o olhar, como se também estivesse pensando a respeito.
— Relaxa, povo. Eu tô só brincando! — Axel deu risada, apesar da atmosfera pesada. — Só
tenho que ficar de boca fechada sobre esse assunto, se não o Saïx vai ficar me perturbando. Cuidem
com ele, ouviram?
Se aquilo era uma advertência, provavelmente era importante.
Roxas não sabia o que teriam feito sem Axel quando Xion perdera a habilidade de usar a
Keyblade. Provavelmente não teriam tido tanta sorte sozinhos. Ele assentiu, levando o aviso a sério.
— Certo.
— Tentem não avacalhar com tudo enquanto eu estiver fora — acrescentou Axel.
— E por que faríamos isso? — disse Xion.
— Bom, considerando o histórico de vocês...
— Como é? Não me faça ir até aí!
124 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Diante das ameaças provocativas de Xion, Roxas começou a rir. Ela se voltou para ele.
— Qual é, Roxas, me dá uma força aqui...! Pfft.
Mas não conseguiu segurar as risadas. Axel também não.
Queria que pudesse ser assim pra sempre, pensou Roxas. Nós três rindo juntos.
Como aqueles três amigos de Twilight Town...

De volta ao castelo, Axel caminhava sozinho em meio aos corredores, seguindo em direção
a seu quarto. Era bom tirar um dia de folga.
— Onde esteve?
Axel se virou, mas já sabia quem era. Ninguém mais seria assim tão ríspido com ele.
— O quê? Agora tenho que relatar todos os detalhes da minha folga pra você?
Saïx não respondeu. Um momento se passou antes que voltasse a falar:
— Você está permitindo que se apegue demais àqueles dois.
— Sim, senhor, é claro, senhor.
Saïx lhe virou as costas.
Isso era tudo o que ele queria me dizer?
Mas quando Saïx começou a se afastar, Axel escutou um murmúrio praticamente inaudível:
— Você mudou.
Ouvindo o eco de seus passos, Axel olhou para os próprios pés.
— Tem certeza que fui eu quem mudou? — disse ele, sua voz um suspiro.

125 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
126 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
HAVIA QUATRO FIGURAS NA SALA CIRCULAR.
Xemnas se virou para Saïx.
— Nossos planos estão seguindo exatamente conforme o esperado — disse Saïx. — Axel
partiu para o Castelo do Esquecimento esta manhã.
— E a nossa Bonequinha é mesmo uma maravilha — comentou Xigbar, um terrível sorriso
se formando em seu rosto. — É mesmo uma pena não termos mais o Vexen pra ficar de olho nela.
— A Organização continua em posse de seus conhecimentos técnicos, uma vez que tudo foi
devidamente anotado e registrado — respondeu Saïx, perfeitamente inabalado. — Até agora, não
enfrentamos nenhum problema a este respeito.
— E quando tais problemas surgirem? — Xaldin, os braços cruzados desde o princípio, fitou
Saïx com desdém. — Você pode acabar pressionado a lidar com todo e qualquer cenário possível.
— Não estou de acordo com esta implicação de que a destruição de Vexen pelas mãos do
garoto com a Keyblade foi minha culpa — disse Saïx.
— Ah, claro, esqueci, foi o garoto que fez isso — repetiu Xigbar com uma pesada dose de
sarcasmo em tom acusatório. Saïx ignorou o comentário e prosseguiu:
— Recebi relatórios de Demyx e Luxord indicando que alguém com um casaco idêntico ao
nosso tem aparecido em vários mundos.
— Devem estar enganados — disse Xaldin. — Certamente era um dos nossos.
— Permitindo a possibilidade de testemunhas não confiáveis, acredito ser algo que deva ser
investigado.
Xemnas prontamente respondeu com ordens para Saïx:
— Envie Xion para verificar.
Xigbar se inclinou para trás, surpreso.
— Por que Xion? Não estamos levando em consideração que esse nosso impostor possa
estar com o Sora? Por sinal... a gente por acaso sabe pra onde esse trio foi?
— Enviei Luxord para procurar em cada mundo conhecido, mas ainda não os encontramos.
— respondeu Saïx, a voz baixa. A expressão em seu rosto não se alterou nem por um instante. —
Axel também vasculhará o Castelo do Esquecimento em busca de pistas.
— Ah, então o Axel tá no caso. — Xigbar cruzou as pernas e apoiou os cotovelos nelas.
— Como alguém de fora pode ter conseguido um dos nossos casacos, afinal? — indagou
Xaldin. — Fazem parte do nosso equipamento; deviam estar todos sob nossos cuidados. Se algum
desapareceu, isso nos deveria ter sido relatado.
Saïx suspirou pesadamente, o primeiro semblante de uma reação que apresentara em toda
aquela reunião.
— Ainda não confirmamos o que ocorreu com os casacos reservas em posse dos membros
que estavam sediados no Castelo do Esquecimento. Axel também investigará a este respeito.
— Axel isso, Axel aquilo... parece que vocês são mesmo unha e carne. — Xigbar balançou
agitadamente as pernas cruzadas. — Me faz questionar o que será que andam tramando.
— Eu poderia dizer o mesmo sobre você — retrucou Saïx, e a atmosfera foi tomada por uma
tensão tão densa que era difícil respirar.
— Temos apenas um objetivo — disse Xemnas. — Lembrem-se sempre disso.
Saïx ergueu o olhar para ele.
— Não perca Xion de vista. Observe-a e você logo compreenderá o mestre da Keyblade.
Tendo dado sua última ordem do dia, Xemnas desapareceu.

Estivera sonhando outra vez com a vista de um lindo oceano brilhante... e com o som das
ondas indo e vindo.
As Ilhas do Destino?
Mas, parando para pensar, também era possível ver o oceano em Twilight Town.

127 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Xion se levantou da cama, arrumou-se e então deixou o quarto. Estava saindo um pouco
mais tarde que de costume. Quando chegou à Área Cinzenta, encontrou apenas Saïx e Xigbar.
— Bom dia — dirigiu-se a Saïx. — A missão de hoje...?
Ele a interrompeu:
— Fomos informados de que alguém de fora está vestindo o casaco da Organização. Você
investigará o assunto.
— Onde?
— Agrabah, para começar.
— Para começar...?
— Os relatos são provenientes de vários mundos — prosseguiu Saïx, impassível. — Ainda
não sabemos ao certo se eles se referem a uma mesma ou múltiplas pessoas, nem em que mundo
elas podem aparecer.
— Se encontrá-las, devo eliminá-las? — perguntou ela.
— Não. Primeiro, descubra quantas são. Capture-as, se possível. Não as elimine.
— Certo. — Xion assentiu.
Xigbar, que escutara tudo de braços cruzados, finalmente teve que se pronunciar:
— Você tem feito um baita de um trabalho bom ultimamente, né não, Boneca?
— Hã, obrigada — murmurou ela.
— Tá agradecendo por quê?
— Bom, você me fez um elogio... não foi?
— Ha! Acho que podemos dizer que foi, né? — Xigbar levou uma das mãos até a boca, sem
exatamente encobrir sua risada.
— O que eu disse foi engraçado? — Xion lhe ergueu um olhar inquieto.
— Não, não, não é nada. Você tá absolutamente certa.
Se Saïx estava interessado em sua conversa, ele não demonstrou.

Enquanto isso, Roxas já estava no Castelo da Fera junto a Xaldin. As diversas marcas de
garras nas paredes contavam muito sobre a aterradora batalha travada entre Heartless e o mestre do
castelo. Mas Roxas tinha uma pergunta para Xaldin:
— Por que a Fera luta com tanto afinco?
— É o que estamos aqui para descobrir — disse Xaldin.
Eles subiram as escadas do salão de entrada até um grande par de portas que Roxas tinha
quase certeza que levavam ao salão de baile. Ele estava certo.
Xaldin abriu as portas e seguiu destemidamente para olhar em volta.
— Mas que belo salão de baile... não é lugar para uma fera. Mas me parece que ele já sabe
muito bem disso.
— O que te faz pensar isso? — perguntou Roxas.
— Parece haver Heartless por aqui também, mas não vejo quaisquer traços que indiquem um
confronto. Minha única conclusão é que ele está evitando esta parte do castelo. Entretanto, este
lugar também está manchado com a escuridão do desespero. Assim como o próprio coração da Fera
— comentou Xaldin em meio a um breve sorriso.
O que ele quer dizer? Roxas ponderava a respeito de suas palavras enquanto deixavam o
salão e subiam mais escadas.
— Espere. Tem algo ali. — A súbita ordem de Xaldin para que parasse fez com que Roxas
se assustasse, mas era o que merecia por se deixar perder-se em pensamento.
Um pouco mais adiante, no final do corredor no alto das escadas, se depararam com um
pequeno relógio andando de um lado para o outro. Será que ele também falava, como o candelabro
que Roxas vira antes?

128 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Mais um dia que o mestre fica à espreita pelo castelo, caçando aquelas criaturas... E pelo
andar da carruagem, mais um dia que não vai nem sequer falar com a Bela! — queixou-se o relógio,
irritadiço. — Ora, isso não pode continuar desse jeito. Estamos ficando sem tempo!
— Ficando sem tempo pra quê? — murmurou Roxas, curioso demais para ficar em silêncio.
— Este é um dos residentes do castelo — respondeu Xaldin. — E, assim como a Fera, já foi
um humano.
— A Fera já foi um humano?
— Nossas investigações sugerem que sim. Parece que uma espécie de feitiço o transformou
naquela criatura.
— Um feitiço...?
— Roxas, lembre-se porque estamos aqui. Vamos em frente.
Eles continuaram com a investigação. No entanto, parando para pensar, Roxas nunca passara
por aquele corredor em particular antes. Disparando por trás do relógio inquieto, eles subiram outro
lance de escadas e encontraram um longo corredor com várias portas. Uma delas estava entreaberta.
— Posso sentir alguém lá dentro. Dê uma olhada — disse Xaldin.
Roxas assentiu e espiou o cômodo pela pequena brecha na porta. De fato, havia alguém lá
dentro — uma mulher, a primeira humana que via naquele mundo.
— Será que ele está perseguindo aquelas criaturas horríveis de novo...? — Distraída, ela
andava pelo quarto em círculos. — Claro que está, é só o que tem feito ultimamente.
— Hmm, então este castelo também é o lar de uma humana propriamente dita... — Xaldin
espiava por cima do ombro de Roxas. — Esta deve ser a Bela.
— Como você sabe?
— Seu status elevado se torna óbvio se prestar atenção ao que dizem os servos. E apenas
alguém importante receberia alojamentos de tão alto nível.
— Então essa é a Bela... — sussurrou Roxas.
Ela de fato era uma mulher bastante bonita. Boa parte daquele castelo escuro cheirava a
poeira e mofo, mas o quarto de Bela tinha uma fragrância adocicada.
— Basta, Roxas. — Xaldin se virou abruptamente, voltando a caminhar. — Tentaremos os
aposentos da Fera.
Após um momento, Roxas se apressou para alcançá-lo.

Xion não sabia há quanto tempo estivera andando por Agrabah.


— Não estão aqui...
A areia refletia a luz do sol ofuscante, criando um brilho que vinha de duas direções. Já
havia vasculhado a cidade e o deserto à sua volta. O único lugar que ainda faltava olhar era aquela
caverna. A essa altura, estava se perguntando se realmente havia alguém se fazendo passar por um
membro da Organização.
— Tá tão quente... — gemeu ela. Quem vestiria um casaco daqueles se não fosse obrigado?
De acordo com o que tinha ouvido, os trajes padrões da Organização eram feitos para ajudar
a proteger aqueles que os usam da influência das trevas. E era por isso que usá-los era essencial,
Saïx lhe dissera. Se o tirasse, a escuridão poderia engoli-la.
Mas o que era a escuridão?
Corações? Escuridão? Tantas coisas que ela não compreendia.
Enquanto Xion seguia para a caverna, o chão subitamente pareceu instável sob seus pés.
— O quê...?
Antes que caísse no chão, conseguiu se apoiar numa parede. Uma imagem começou a surgir
no fundo de sua mente. O que era aquilo? Uma memória...?
Quem é você...?

129 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Roxas e Xaldin estavam diante dos aposentos da Fera.
— Então é aqui onde reside o mestre monstruoso — disse Xaldin.
— É... Vou dar uma olhada. — Roxas quietamente abriu a porta e espiou do outro lado.
O cômodo estava completamente devastado, — cortinas em retalhos e paredes marcadas
com grandes arranhões — mas não havia sinal da Fera lá dentro. E nos fundos, sobre uma pequena
mesa iluminada pela luz do luar que vazava pela janela, um recipiente de vidro encobria uma única
flor vermelha — uma rosa?
Quando Roxas arriscou aproximar-se, uma névoa negra obscureceu o ar e Xaldin surgiu
diante dele.
— Hã? Como você...?
Aparentemente, Xaldin deduzira quanto a ausência da Fera e decidiu pegar um atalho pelos
Corredores das Trevas — diretamente até a rosa. Ele a admirou com um olhar intenso.
— Sinto um grande poder nesta rosa... — murmurou consigo mesmo. Um segundo depois,
se virou e prontamente começou a deixar o quarto arruinado. — Isso será o bastante por hoje.
— Espera, sério? — exclamou Roxas, atrás dele.
Xaldin parou onde estava.
— O que foi?
— Bom, quer dizer... a gente já investigou o suficiente?
— Nós fizemos uma descoberta deveras valiosa.
— Valiosa... Tá falando daquela moça?
— Moça? — disse Xaldin. — Ah, sim, Bela. Certamente parece haver alguma conexão entre
ela e a fera. Mas a rosa se provará muito mais importante. O que acha dela, Roxas?
— Bem, parece ser importante pra ele... — Roxas olhou mais uma vez para a rosa embaixo
da redoma, à salvo nos fundos do cômodo. Possuía um certo brilho, diferente de todo o resto ali.
— Precisamente. Aquela rosa não é como qualquer outra. O quarto está em trapos, exceto
por um canto... porque, ao menos para ele, ela é mais preciosa que todas as riquezas do castelo.
— Será por isso que ele está enfrentando os Heartless? Ele quer proteger a rosa?
— Certamente. Ela possui um estranho poder... É possível que os Heartless também sejam
atraídos por ele.
— Então esse é o motivo pelo qual ele luta tão duro...?
Mas por que a Fera estava tão determinada a proteger uma flor?
— Nosso trabalho aqui está feito — declarou Xaldin. — Já temos a fraqueza da Fera.
— Temos?
— Aquilo o que estimamos possui poder sobre nós, Roxas. O coração dele é escravo da
rosa. E isso faz dela a sua fraqueza.
— Escravo...? Eu não entendo.
Tudo o que Xaldin dizia parecia ficar cada vez mais difícil de acompanhar.
— E nem deveria. Você não tem um coração para amar. Venha, não devemos nos demorar.
Roxas teve que se apressar para acompanhar o passo de Xaldin.

Em Twilight Town, Xion observava o pôr do sol como quem sonha acordado.
Ela não havia cruzado com ninguém em Agrabah que vestisse um casaco da Organização. A
missão não envolvera lutas, mas era cansativo procurar por alguém que você nem mesmo sabe se
estará lá para encontrar.
— Opa, chegou cedo — disse Roxas, atrás dela. Ela se virou para ele, vendo-o com um
picolé em mãos.
— O trabalho hoje foi rapidinho — respondeu ela, abrindo um sorriso.
130 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Acho que o Axel ainda tá naquela missão secreta... — Ele se sentou a seu lado e começou
a tomar seu picolé. Xion já havia terminado o dela.
— Pra onde te mandaram hoje, Roxas?
— Pro castelo da Fera. Foi com o Xaldin. — Um olhar pensativo se formou em seu rosto,
como se estivesse se lembrando de alguma coisa, e Roxas se voltou para ela. — Você se lembra da
fera que a gente viu, Xion?
— O mestre do castelo? Aham, lembro sim. — Os dois haviam estado lá em uma missão
juntos antes.
— Bom, você estava certa — prosseguiu Roxas. — Descobrimos com o que ele tanto se
importa. Mas o Xaldin disse que isso é uma fraqueza.
— Por que se importar com algo seria uma fraqueza? — perguntou Xion, perplexa. Roxas
abaixou a cabeça.
— Eu não sei. Também não entendi.
Eu não sou a única cercada de coisas que não consigo entender, pensou Xion. Se o Axel
estivesse aqui, tenho certeza que ele nos explicaria...
— Espero que o Axel volte logo — disse Roxas.
Ela assentiu. Eles tinham tanto a perguntar para ele.

Axel ia andando pelo Castelo do Esquecimento. Não se passara muito tempo desde a última
vez que estivera ali, mas o castelo já não lhe parecia mais o mesmo.
Tudo lá dentro continuava feito de mármore branco e gelado. O layout, no entanto, havia
mudado — corredores diferentes que levavam a salas diferentes. Sabia que as salas ali mudavam
com base nas memórias de quem as adentrasse — então, de quem eram as memórias que as estavam
controlando agora?
— Ugh, melhor terminar logo com isso. — Axel revirou os olhos.
Vinha falando sozinho com cada vez mais frequência, um infeliz efeito colateral de passar
todo o seu tempo ao lado de Penumbras por dias a fio. O castelo agora era gerenciado unicamente
pelos lacaios da Organização.
Esses Nobodies mais fracos que os serviam eram infalivelmente obedientes, mas essa era a
única coisa que eram capazes de fazer. A maior diferença entre eles e os membros da Organização
não era a aparência, mas a capacidade de pensar de forma independente.
Mas então de onde vinha essa capacidade? Teria alguma coisa a ver com o coração?
— Vou acabar ficando maluco aqui... — Axel coçou a cabeça e continuou sua busca pelo
castelo bizarro.

— Ainda não encontrou o impostor?


— Sinto muito...
Xion abaixou a cabeça frente ao peso do repúdio de Saïx. Eles eram os únicos no salão.
Ao longo dos últimos dias, ele a enviara a mundo atrás de mundo em busca da pessoa com o
casaco da Organização — sem sucesso.
— E além de tudo, chegou atrasada — ralhou Saïx.
— É que... eu não tenho dormido bem...
Essa parte não era novidade. Mas ela nunca sentia como se fato estivesse dormindo à noite.
Apenas continuava sonhando. E era provavelmente por isso que se pegava dando umas piscadas no
meio do dia ou se sentia tão fraca vez ou outra.
— É melhor que mude isso. Faz parte do seu trabalho — disse Saïx. — Sabe que precisa
descansar adequadamente para que possa cumprir com suas missões.
131 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Já há dois dias, Xion começara a dobrar o seu campo de busca, indo a dois mundos em um
mesmo dia. Mas ainda não encontrara nenhuma pista. Saïx, por sua vez, não parecia ter a menor
compaixão por ela.
— Você deve descobrir a identidade do impostor — disse a ela. — São ordens diretas do
Lorde Xemnas. Falhar será visto como insubordinação. Você compreende isso, não?
— O quê...?
Xion não fazia ideia de que Xemnas a havia escolhido para aquela missão. Até onde tinha
conhecimento, Saïx era o encarregado de designar as missões de cada membro.
— Crio que tenha me feito claro. Continue com as buscas. — Com isso, Saïx lhe virou as
costas e partiu.
Xion permaneceu sozinha em meio ao grande salão.

Roxas havia chegado a um mundo no qual nunca estivera antes — a Cidade do Halloween,
um lugar estranho e obscuro com uma enorme lua redonda que pairava em meio ao céu negro.
Luminárias alumiavam o lugar aqui e ali com sua luz suave, mas não eram nem de longe suficientes
para dispersar a escuridão tenebrosa.
— Que lugar estranho... — E vazio também. Ainda não tinha visto nenhum dos habitantes
daquele mundo.
Após alguns instantes, chegou a uma praça aberta, onde encontrou um estranho mecanismo.
— O que é isso? — Quando Roxas se aproximou para dar uma olhada, alguma coisa caiu
com tudo em direção a seu rosto. — Eita!
Tratava-se de uma lâmina, pesada o suficiente para cortar uma pessoa em dois.
— Caramba, essa coisa é perigosa... Por que alguém deixaria largada por aqui? — Ele olhou
para o dispositivo de soslaio enquanto morcegos passavam voando sobre sua cabeça.

Xion fora para o Castelo da Fera.


Aquela outra pessoa com o casaco da Organização aparentava estar transitando por vários
mundos. Normalmente, as pessoas ficavam presas ao mundo no qual viviam, então este não era um
alvo comum. Até então, isso era tudo o que ela sabia.
As Penumbras haviam dito a Saïx onde o avistaram pela última vez, mas, fora isso, não
tinham nenhuma informação adicional.
Não sabiam sequer que tipo de pessoa estavam procurando.
Xion foi vagando pelo castelo até chegar ao jardim, onde parou no alto das escadas e olhou
para os pés em meio a um suspiro.
— Não tem ninguém aqui...
Mas então alguém apareceu.
Ela ergueu a cabeça, a Keyblade já empunhada em suas mãos. Lá estava ele, em meio ao
jardim: o impostor. Era impossível dizer alguma coisa sobre a pessoa sob o capuz. Mas queria dizer
que ela encontrara o culpado — o que devia fazer agora?
Enquanto erguia sua Keyblade, podia sentir um olhar intenso e inabalável vindo dele. Então,
um segundo depois, uma espada macabra veio diretamente em sua direção.
Vou mesmo ter que lutar?
Xion se lançou contra o oponente. A Keyblade se chocou contra a espada — e a sensação do
impacto foi estranha. Não sabia mais como descrever. Foi... uma sensação estranha, um choque que
nunca sentira antes lhe atravessando o corpo.
Quem é você? Eu te conheço...?

132 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
A hesitação interferia com a sua técnica, mas ela duvidava que seria capaz de vencer mesmo
em seu melhor dia. Toda vez que a espada atingia sua Keyblade, o impacto anestesiava suas mãos.
Logo, a Keyblade foi tirada de seus punhos e Xion foi lançada ao chão.
O golpe em seu peito doía intensamente. Não conseguia respirar ou sequer erguer o rosto
enfiado na poeira. Do canto da visão, viu seu oponente abaixando o capuz. Sentiu uma mão em suas
costas e, por puro reflexo, usou as últimas forças para se levantar.
E então — ela finalmente viu seu rosto.
O jovem alto tinha cabelos prateados e uma venda negra lhe cobria os olhos. Por algum
motivo, ele se afastou dela, temeroso.
— Quem... quem é você? Por que você tem uma Keyblade?
Sem saber por que ele estava perguntando aquilo, Xion retrucou com outra pergunta:
— E quanto a você? Por que está vestido como um de nós?
Ele lhe virou as costas e começou a partir antes de finalmente responder:
— Para garantir que o meu melhor amigo durma em paz.
Melhor amigo...? Durma? Do que ele estava falando?
— Não sei quem você é, mas não dá para combater fogo com faíscas. Sua Keyblade é uma
fraude... inútil. — Ele recolheu a Keyblade caída no chão e a atirou para ela.
— Está dizendo que a minha Keyblade é falsa? — Ela abaixou a cabeça por um instante,
mas logo voltou a encará-lo. — O que te dá o direito de dizer isso?!
A Keyblade era a sua arma. Roxas a ajudara a recuperá-la. Era real e importante para ela —
não havia nada de falso nela. Seus dedos se fecharam com força à sua volta e ela rapidamente se
ergueu num salto, lançando-se em um novo ataque.
Mas ele não teve sequer que usar a espada para se esquivar e atingi-la pelas costas. Xion
tombou no chão novamente.
— Encontre novos amigos. Confie em mim, é melhor sair da sombra desses caras. — E com
essas palavras, ele se foi.
— Você que é a fraude! — gritou ela, erguendo-se.
Esse impostor tá me dizendo que a minha Keyblade é uma fraude? Pensou consigo mesma.
Bom, ele tá errado.
O jovem parou.
— Tem razão. Pode-se dizer que sou eu quem de fato não deveria existir.
Encobrindo-se em meio à escuridão, ele desapareceu.
Xion bateu com o punho no chão e gritou — um grito que transcendia qualquer voz.

Roxas observava o pôr do sol distraidamente, tomando seu picolé como de costume. Xion
ainda não havia aparecido. E ele também sentia que não a vinha vendo no salão ultimamente.
— E aí, Roxas!
Era uma voz que não ouvia havia tempos. Ele se virou.
— Axel, você voltou!
— Pois é, acabei de chegar. — Axel se sentou ao lado dele.
— Do jeito que você tinha falado, achei que ia demorar mais pra voltar — disse Roxas.
— Qualquer outro teria demorado mais. Eu é que sou muito bom no que faço. Mas e aí,
como que você tá? Cadê a Xion?
— Ela ainda não veio. — Roxas deu uma mordida em seu picolé. — Mas acho que logo,
logo ela chega...
Mesmo enquanto tentava tranquilizar Axel, Roxas se sentia inquieto de uma forma como
nunca se sentira antes.
— Hm. Bom, não é uma grande surpresa. Vocês dois provavelmente devem ter arranjado
uma confusão atrás da outra enquanto eu tava fora.
— Claro que não! — protestou Roxas, e Axel deu risada.
133 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Essa inquietação só podia ser ele dando uma de bobo. Não é?
— Tá ficando tarde. Ela não é desse jeito... — murmurou Roxas.
Xion não chegou a aparecer.

Ela não conseguia se animar para tomar picolé.


Xion estava sentada na cama, abraçando os joelhos. Seus ferimentos ainda doíam.
Tinha dado uma olhada neles fazia um tempo. Havia um grande hematoma sob seu casaco
de proteção. Mas ela acabaria com problemas dos grandes se descobrissem que o impostor a havia
surrado daquele jeito, por isso não relatou nada a respeito.
Devia haver um motivo para aquele sujeito de cabelos prateados estar vestindo o casaco da
Organização. E ele parecia ter algum tipo de poder — algo que lhe deu aquela sensação quando o
enfrentou. Uma espécie de aura como a do Saïx. Quem era ele, afinal?
Mesmo que voltássemos a nos enfrentar, eu provavelmente não seria páreo para ele, assim
como agora. Mas eu preciso. Preciso enfrentá-lo.
Preciso, preciso, preciso.
Xion repetiu as palavras para si. Preciso derrotá-lo...

Como Xion não chegou a aparecer na torre do relógio no dia anterior, ela perdeu o retorno
de Axel. Esperando chegar ao salão mais cedo para contar a ela que Axel estava de volta, Roxas
atravessou o corredor às pressas. Poderia ir ao trabalho depois que falasse com Xion...
— Só mais uma chance, por favor!
A voz que subitamente ecoou pelo corredor era a dela.
Que ótimo, pesou Roxas. Parece que vou poder vê-la hoje.
Ele deu a volta na próxima curva e viu Xion e Saïx mais adiante. Estava para correr com
tudo até eles, mas a terrível tensão no ar o fez parar.
— Não podemos desperdiçar mais chances com você — Saïx disse a ela. — Você foi um
erro que jamais deveríamos ter cometido. Uma falha.
Uma falha...? O que isso queria dizer?
Com um olhar direto para o rosto abaixado e arrasado de Xion, Saïx se virou e partiu.
— ...Xion? — disse Roxas, tentando se aproximar.
Ela lhe ergueu o olhar — e saiu correndo.
— Xion... — Ele murmurou seu nome novamente em meio ao corredor vazio.

Roxas estava em outra missão com Xaldin no Castelo da Fera. A única diferença era seu
objetivo: eliminar Heartless em vez de investigar o lugar.
Xaldin abatia um Heartless atrás do outro com suas grandes lanças. Mas mesmo enquanto
Roxas o seguia fazendo a limpa, simplesmente não conseguia parar de pensar no incidente com
Xion naquela manhã. O que houve...?
— Hmph. É como esmagar moscas — resmungou Xaldin. — Vamos, Roxas. Nossa missão
está completa.
— Certo.
Apesar de seu tamanho, o Heartless gigante que haviam enfrentado naquele dia não era tão
forte. Roxas estava feliz por terem terminado. Queria ir à torre do relógio o mais rápido possível,
para caso Xion aparecesse.
134 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Quando estavam prestes a partir, um terrível rugido ecoou pelo castelo.
— O que foi isso?! — Roxas deu um pulo, automaticamente olhando em volta.
— Nosso feroz anfitrião, imagino — disse Xaldin. — É melhor vermos o que houve.
Roxas assentiu. Os aposentos da Fera não ficavam muito longe de onde estavam.
No caminho, notaram ainda mais danos que antes. Foi quando outro rugido cortou o ar —
mais alto e mais próximo:
— Não! A rosa...! — Era a Fera, urrando com palavras agora.
Xaldin e Roxas espiaram pela fresta nas portas e o viram segurando a cabeça, desesperado.
— A rosa... A última pétala logo cairá e eu nunca... a menos que... Não! Não quero nem
pensar sobre isso...!
— Hm, isso é fascinante — disse Xaldin. — De alguma maneira, sua forma monstruosa está
ligada à rosa.
— A maldição dele, você diz? — perguntou Roxas, mantendo a voz baixa.
— Sim. Parece que, a menos que complete uma certa tarefa antes que a rosa definhe, ele
permanecerá uma fera para sempre. — Xaldin sorriu frente à própria perspicácia. — Uma maldição
bestial e uma rosa... He, he. Isto se provará útil.
— Como?
— Tentar explicar para você seria perda de tempo. Vamos, Roxas. Chega de enrolações. —
E sem responder à pergunta de Roxas, Xaldin deixou os aposentos.
Roxas, no entanto, continuou enrolando, espiando mais uma vez pela brecha nas portas. A
rosa, aquilo que lhe é importante, é sua fraqueza?
Não, ainda não consigo entender.
Será que se eu perguntar pro Axel, ele vai saber o que quer dizer...?

Essa missão idiota não importa, pensou Xion enquanto atacava os Heartless diante de si
com a Keyblade.
Bastava um único golpe para eliminar os Heartless em forma de inseto que lhe haviam sido
designados como alvo do dia. Mas a cada um que destruía, outro aparecia no lugar, e isso já lhe
estava dando nos nervos.
A Cidade do Halloween era lugar sombrio e obscuro, cheio de lápides enfileiradas.
Xion olhou desamparadamente para a grande lua sobre sua cabeça. O que eu devo fazer...?

Mais uma vez, ainda não havia ninguém na torre do relógio.


Eu realmente tava esperando que ela fosse estar aqui hoje, pensou Roxas enquanto tomava
seu picolé sozinho.
Foi quando Axel finalmente chegou.
— E aí, cadê a Xion?
— Ela não veio de novo.
— Putz... — Axel tomou seu lugar ao lado de Roxas.
Eles permaneceram em silêncio por um momento. Após mais algumas mordidas no picolé,
Roxas se lembrou de suas perguntas:
— Ei, Axel...
— Hm? — Axel se voltou para ele, o picolé ainda na boca.
— Você tem alguma coisa que não suportaria perder?
Axel inclinou a cabeça, surpreso, e tirou o picolé da boca.
— O quê? Da onde você tirou isso?

135 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— É que eu vi alguém hoje que... bem, ele tinha uma coisa assim. Algo tão importante que
ele não conseguia nem pensar em perder. O Xaldin disse que é uma fraqueza. Por que eu não tenho
algo assim?
— Bom, é porque você não tem um coração. — Axel deu um longo suspiro, cansado de ter
que apontar isso.
— Ah... faz sentido. — Roxas abaixou o olhar, observando seus pés.
Mesmo Nobodies devem ter coisas que não suportariam perder... mas eu não tenho.
Ele não conseguia encontrar as palavras certas para expressar bem o que queria dizer. Como
poderia fazer Axel entender?
— Mas vai, o Demyx não tem um coração e aposto que ele ficaria doido se alguém tirasse
aquela cítara dele, não é verdade? — tentou Roxas.
— Hm... até que você não tá errado. Beleza, tá, digamos que não é necessário um coração
pra ter algo importante pra você... Nesse caso, acho que o mais próximo disso que os Nobodies têm
são os nossos passados. São as memórias que dão valor às coisas.
— Memórias... — Roxas murmurou para suas pernas. — Bom, eu não me lembro do meu
passado, então acho que isso explica as coisas.
Axel pensou a respeito por alguns segundos antes de sugerir:
— Mas e quanto ao seu presente?
Roxas ergueu o olhar. Por algum motivo, não esperava ouvir essas palavras de Axel.
— Hã?
— Você tem as memórias de desde que se juntou à Organização, né? Deve ter algo especial
pra você no meio disso aí.
— Não sei...
Memórias...? Roxas não tinha nenhuma de quando era humano. Mas se lembrava do tempo
que passara com a Organização até então.
— Calma, você tá certo. Eu não quero esquecer de você ou da Xion.
Esquecer alguma coisa significa perder uma memória. E isso é o que eu não suportaria
perder — as minhas memórias deles.
Mas pra onde elas vão quando você se esquece? O que aconteceu com as minhas memórias
da minha vida humana?
— Viu só? — disse Axel. — Todos têm algo a que se apegam. Mesmo Nobodies como nós.
Roxas abaixou o olhar novamente.
— Dá medo, pensar sobre isso. — As palavras simplesmente pularam de sua boca.
— Ah, é? E como você consegue ter medo sem um coração? — retrucou Axel.
— Quer dizer, quando eu penso em perder você e a Xion, ou as minhas memórias de vocês...
esquecer como é estar com os meus amigos... esse pensamento me assusta.
Era como se uma brisa gelada tivesse passado debaixo do seu casaco. Roxas tremeu.
Aquela mera ideia lhe dava medo.
Medo...? Um pensamento que me assusta? O que tudo isso significa, afinal?
— Medo é uma emoção. Isso não existe pra gente.
— Mas... eu estou sentindo. Estou com medo, aqui e agora.
Axel e Xion deixando de existir — o pensamento lhe era ainda mais aterrorizante que a ideia
de ele próprio ser eliminado. Roxas não queria ficar pensando sobre isso.
Axel desviou o olhar para o longe.
— Alguma coisa em você provavelmente tá se lembrando de como é sentir medo. Aí você
acha que está sentindo agora.
A Xion não veio hoje de novo, pensou Roxas, erguendo o olhara para o pôr do sol.
E se eu perdesse todas as memórias que tenho agora? O que aconteceria comigo...?

136 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
137 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
COM UM GRANDE BOCEJO, AXEL SE ALONGOU NO SOFÁ DO SALÃO, TÃO FRIO E
desconfortável quanto sempre.
Ainda não havia ninguém ali. Acho que fui eu que cheguei cedo...
Na verdade, só estava acordado àquelas horas porque não tinha nem chegado a dormir, tendo
trabalhado a noite toda escrevendo seu relatório sobre a missão no Castelo do Esquecimento. O
problema era que virar a noite para terminar um relatório não o privava de novas missões.
Ele desviou o olhar para Kingdom Hearts, que brilhava do outro lado da janela.
— Chegou cedo hoje — disse Saïx. Axel esperou um segundo antes de se voltar para ele.
— Você também.
— Eu não. Você é que costuma chegar atrasado. — Saïx logo foi para onde sempre ficava.
Então já tá na hora, hein? Pensou Axel. Quando começou a bocejar e se alongar novamente,
outro membro chegou ao salão.
— E aí, Xion.
— ...Bom dia — disse ela sem lhe olhar nos olhos, e, antes que Axel pudesse dizer mais
alguma coisa, seguiu diretamente até Saïx. Alguma coisa em sua postura parecia querer afastá-lo.
— Saïx. A missão de hoje?
— Eliminar Heartless em Twilight Town.
— Entendido.
Xion não proferiu uma única sílaba além do que fosse absolutamente necessário. Um portal
negro se abriu no canto do salão e, sem mais nada a acrescentar, desapareceu em meio a ele.
Axel então se deu conta de que não a havia visto na torre do relógio, nem no dia anterior e
nem no dia antes deste. Ficou olhando para os fios de escuridão que espiralaram em volta dela até
não restar nada. Saïx notou seu olhar.
— Você certamente ficou sabendo, não?
Axel estava desconcertado.
— Sabendo do quê? — disse. — Na real, não cheguei a falar com ela desde que voltei.
— Hmph... — Saïx pareceu se arrepender de dizer aquilo. — Ficou claro para nós que Xion
foi um erro. Apenas isso.
— E o que isso quer dizer?
Foi quando Roxas entrou no salão, o que fez Axel engolir o resto de suas perguntas.
— Oi, Axel! Chegou cedo — comentou Roxas.
— Aham... — Com um vago aceno da cabeça, ele desviou o olhar para Saïx outra vez.
Mas Saïx agora estava focado nos negócios:
— Roxas, hoje coletará corações em Twilight Town.
— Certo.
— Pode partir.
Roxas assentiu e olhou de volta para Axel.
— Te vejo depois, Axel.
— Hã, claro — atrapalhou-se Axel, sonolento. — Até depois.
Assim como Xion, Roxas não perdeu tempo e partiu em meio aos Corredores das Trevas.
Saïx havia enviado tanto Roxas quanto Xion para o mesmo mundo. E em Twilight Town.
Alguma coisa naquilo não cheirava bem para Axel, mas quando tentou apontar exatamente o quê,
não conseguiu bolar nada sólido para dizer.
Saïx falou com ele primeiro — após se certificar de que Roxas de fato já havia partido.
— Creio que você tenha dúvidas, não?
Axel o encarou, respirou fundo e, finalmente, perguntou:
— Então a Xion e o Roxas estão trabalhando juntos ou...?
— Eu designei a cada um deles sua própria missão. Eliminar Heartless e coletar corações —
respondeu Saïx. — Mas eu de fato organizei as coisas para que pudessem cruzar seus caminhos.
— Você? De propósito? E por que faria isso? — pressionou Axel, mal fazendo uma pausa
entre as perguntas.
— Ainda nos é necessário que eles se mantenham próximos, ao menos a um certo nível.
— Necessário pra quê?
138 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Fique fora disso. Não se envolva tanto com eles.
— Como você quer que eu fique de fora depois de tudo o que você disse? O que você tá
tramando, afinal?
— Você logo compreenderá. Agora está na hora de ouvir a sua missão de hoje. O homem
vestindo o casaco da Organização... Riku, quero dizer. Creio que possa usar seu nome com você.
— ...Como foi que você já leu o meu relatório?
— Sou capaz de supor isso sem tê-lo lido.
Uma das coisas sobre as quais Axel havia ido investigar no Castelo do Esquecimento era a
questão dos casacos. Mas estavam todos contados — o que queria dizer que alguém obtivera um de
alguma outra forma. Não era qualquer um que conseguiria fazer isso. E como o paradeiro de Riku
era desconhecido, Axel apontara seu nome no relatório, citando que se tratava apenas de um palpite.
Saïx aparentemente estivera especulando o mesmo que ele.
— Encontre-o — ordenou Saïx. — Mas não o confronte. A última tentativa foi de Xion, e
não terminou bem.
— Ela perdeu...? — Talvez fosse por isso que ela parecia tão deprimida, pensou Axel.
— Mas é claro, isso só quer dizer que o número quatorze é um erro.
— Então você tá dizendo que ela é um erro só por que não conseguiu derrotar o Riku? Você
tá sendo um pouco duro.
Da última vez que Axel o vira, Riku não parecia tão impressionante assim. Desde então, no
entanto, ele mergulhou fundo em seu poder.
O poder da escuridão — o poder de Xehanort.
Seu domínio sobre este poder ainda estava longe da perfeição no Castelo do Esquecimento,
mas muito tempo já se havia passado. Era impossível dizer quão forte ele poderia estar agora.
— ...Será mesmo? — retrucou Saïx.
— Diga, por que você...?
Saïx prontamente interrompeu sua pergunta:
— Pode ir a qualquer mundo que quiser procurar primeiro. Apenas localize-o, descubra o
que está fazendo. Desta forma, poderemos encontrar pistas que nos levem ao herói da luz.
Parece que não vou conseguir mais respostas hoje, pensou Axel. Mas sério, qual é o seu
problema com a Xion?
Desistindo, ele assentiu.
— Entendido.
Saïx estreitou os olhos.
— Não se envolva com Xion.
Era a segunda vez que ele dizia isso. Axel devolveu o olhar de Saïx, tentando juntar as peças
do que ele realmente queria dizer.
— Isso é uma ordem? Ou um aviso?
Saïx, é claro, não respondeu.

Outro dia, outra missão extremamente simples. Xion ia caminhando pelas ruas familiares de
Twilight Town em busca do Heartless que era seu alvo.
Nos últimos dois dias, ela não fora à torre do relógio. E também não trocara mais que três
palavras com Axel ou Roxas. Não queria falar com ninguém.
Não saberia o que dizer a eles se o fizesse. Ou o que devia fazer.
Além de tudo, mal conseguia dormir ultimamente devido a seus constantes pesadelos. Não
conseguia se lembrar muito bem sobre o que eles eram. Mas eram aterrorizantes.
Seus passos pararam. Podia ouvir os sinos da torre do relógio tocarem ao longe.
O que eu devo fazer...?
— Xion!

139 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Perdendo o fôlego por um instante, ela se virou. Conhecia aquela voz — era Roxas. E estava
correndo em sua direção com um grande sorriso no rosto.
Ele por pouco conseguiu parar antes de bater com tudo nela, ofegante. Isso... não pode ser
coincidência, né? Pensou Xion. Ele me seguiu até aqui?
— Roxas... você não tem uma missão?
— Tenho, me mandaram pra cá hoje.
— Sério? Também me mandaram pra cá.
Que estranho. A Organização não costumava mandar dois membros para o mesmo mundo
ao mesmo tempo em missões diferentes. Provavelmente não era coincidência. Teria Saïx feito isso
de propósito? Xion não conseguia pensar por que o faria.
Ela ergueu a cabeça, estreitando os olhos frente à luz do sol baixo. Não sabia o que dizer
para Roxas, mas não podia simplesmente ficar quieta.
— Hm, Roxas? — Xion respirou fundo e lhe olhou nos olhos. — Sinto muito ter saído
correndo daquele jeito ontem.
— Tudo bem, eu não fiquei chateado. Nem esquenta.
Isso a fez se sentir um pouco melhor. Por que ela resolvera evitá-lo daquele jeito, afinal? Do
que estava com medo? Ela abaixou o olhar em direção aos dedos.
— Eu... eu me saí muito mal em uma missão. — Suas mãos estavam geladas. — Já ficou
sabendo sobre o cara que finge ser um de nós? Eu o enfrentei... mas não fui capaz de derrotá-lo. E
então o Saïx disse que eu era uma “falha”.
Roxas franziu a testa, as sobrancelhas praticamente juntas, como se ofendido em nome dela.
Ei, Roxas, ela quis perguntar, por que algumas coisas são assim tão dolorosas sendo que
nós não temos corações para sentir?
— Caramba. Isso... — Roxas começou a dizer. Xion o interrompeu:
— Tudo bem. Eu não ligo pro que aquele idiota tem a dizer.
Eu aguento. Acha que eu ligo? Eu tô bem.
Ou pelo menos era o que dizia a si mesma. Mas seu peito doía.
Ela desviou o olhar para pôr do sol.
— Ei, Xion... por que não trabalhamos juntos hoje? — disse Roxas.
— Hã? Como...?
Ele lhe abriu um sorriso radiante.
— Sei que temos missões diferentes, mas aposto que se nos juntarmos, vamos terminar bem
mais rápido.
Será que funcionaria? Talvez sim.
— Bom... tá certo — respondeu Xion. — Se terminarmos mais cedo, vamos ter mais tempo
pro nosso picolé.
Isso a lembrou de uma coisa. É quase como daquela vez... como quando eu não conseguia
usar a Keyblade.
O Roxas tá sempre me ajudando.
— Né? Vamos ao trabalho, Xion!
Ela assentiu.

Eles derrotaram os dois Heartless gigantes e foram para a torre do relógio com seus prêmios.
Picolé no ponto de encontro.
— Onde será que tá o Axel? — disse Roxas em meio às mordidas. — Acho que terminamos
rápido demais.
Ele deu risada enquanto dizia isso, mas Xion não conseguiu fazer o mesmo. Sentia como se
ele tivesse feito praticamente todo o trabalho por ela, assim como da outra vez.
Ela desviou o olhar para o pedaço de picolé que havia mordido. Você provavelmente teria
conseguido derrotá-lo, não é, Roxas?
140 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Ela nem sequer sabia o nome do impostor, o que lhe fazia pensar: por que tinha a sensação
de que já havia visto seu rosto antes?
Sua Keyblade... e se realmente fosse uma fraude, como ele dissera?
Fraude, inútil, mentira, erro... falha.
— Xion...? Ei, Xion!
Ela deu um pulo quando Roxas a tirou de seus pensamentos.
— Qual o problema?
— Desculpa... minha cabeça tá longe.
Havia tantas coisas sobre as quais precisava pensar. Coisas até demais.
Aposto que você não deixa esses pensamentos te abalarem tanto, não é, Roxas? Sobre nós
dois, sobre os Nobodies, sobre Kingdom Hearts... sobre o coração.
Você pensa por que isso tudo é tão doloroso?
— Ei, Roxas...
— Sim?
— Por que fazemos tudo isso?
— Hã? — O sorriso deixou seu rosto e ele afundou em pensamentos, embora apenas por um
momento. — Como assim, por quê? É para podermos recuperar os nossos corações.
Uma resposta tirada diretamente do manual de bolso da Organização, pensou Xion.
— Mas por quê? Pra que precisamos de um coração?
— Sei lá — Roxas deu de ombros. — Sempre achei... que tudo faria sentido quando a gente
tivesse um.
Xion ainda sentia que ele estava apenas repetindo tudo o que sempre lhe fora ensinado. Mas
só o que essa resposta fazia era lhes dar permissão para não pensar. Não passava de uma injunção
contra questionamentos. Fim da história, sem mais perguntas.
Quando tivermos corações, tudo simplesmente vai fazer sentido? Será mesmo?
— Talvez — murmurou Xion, cética. Roxas a fitou com um olhar inquieto. Olhando para os
pés, ela prosseguiu: — Eu só queria saber por que estou aqui, na Organização...
Como eu cheguei aqui? Por que tenho que usar a Keyblade para coletar corações?
Uma fraude, aquele cara disse... por que isso me incomoda tanto?
— Eu comecei a ter uns sonhos muito estranhos — acrescentou Xion.
— Sério?
— Nunca consigo me lembrar sobre o que eles são. Eu simplesmente acordo... com medo.
Ela não conseguia tirar aquele cara da cabeça, então os sonhos também deviam ser sobre ele.
Na verdade, quase se perguntava se por acaso não o havia encontrado em seus sonhos em algum
momento. Quem era ele, afinal?
Não conseguia se lembrar. E não queria se lembrar dos sonhos. Doía. Como se houvesse um
grande caroço preso em seu peito... em seu coração.
— Bom, o Xigbar disse que você e eu somos bem especiais — explicou Roxas, tentando
animá-la. — Disse que somos os melhores dos melhores.
Xion ergueu o olhar diante do otimismo em sua voz.
— Especial...? Ele devia querer dizer que eu sou diferente. Porque eu sou um erro.
— Não é não.
Roxas rebateu suas palavras tão rápido. Mas por quê?
Ele também não acha que eu sou um erro? O que tem de tão especial em mim?
Tá, eu posso usar a Keyblade. Mas o que mais?
— Podemos ambos sermos especiais... — Xion se levantou, erguendo o olhar para o céu. —
Mas, Roxas, eu não acho que sejamos iguais.
— Xion...
Ele a segurou pela mão.
E então — ela viu uma coisa.
O céu... um pôr do sol vermelho...
Eu me lembro.
Um caminho que nunca acabava. Uma encruzilhada... e uma lua brilhante.
141 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
A luz do luar em meio ao céu...?
— Me solta. — Xion puxou sua mão da dele.
Roxas gritou seu nome enquanto ela partia, mas Xion sequer olhou para trás.

Não havia conseguido encontrar nem mesmo um rastro do jovem de casaco negro — Riku.
No fim, teve que parar e RAC.
Axel se abaixou para entrar na loja de doces.
— Um picolé, por favor!
— Aqui está.
Uma vez com o picolé de sal marinho em mãos, ele logo seguiu para a torre do relógio.
Nunca se iludira com a ideia de que encontrar Riku seria algo fácil, e tinha certeza que Saïx
também não. A questão era que se voltasse para relatar que não conseguira descobrir nada, teria que
lidar com aquelas tentativas de “personalidade” — as caretas, os comentários sarcásticos, os únicos
sinais de emoções humanas que Saïx parecia capaz de demonstrar. Não que Saïx realmente pudesse
ficar irritado ou decepcionado, é claro, uma vez que também lhe faltava um coração e tudo mais.
Enquanto subia a colina que levava à estação, Axel deu uma mordida no picolé.
— Que troço mais salgado — murmurou consigo mesmo, como costumava fazer.
Ainda assim... Xion havia enfrentado Riku, e perdeu a luta. Eles provavelmente chegaram a
conversar alguma coisa. Teria Riku visto o rosto dela? Supondo que tenha visto, ainda que apenas
de relance, é possível que tenha sentido o eco das feições de Naminé nela.
Quando Axel chegou no alto da torre do relógio, viu apenas uma outra pessoa sentada lá —
Roxas. Mas ele não estava trabalhando junto com Xion?
— E aí, Roxas! — Axel o cumprimentou. Roxas parecia bastante abatido.
— Oi, Axel...
— A Xion não pôde vir de novo hoje?
— Você perdeu ela por pouco. — Roxas abaixou a cabeça. — Ela acabou de ir embora...
Axel começava a concluir que algo sério tinha acontecido. Sem saber se devia perguntar a
respeito, acabou decidindo não fazê-lo. Mas também não sabia se sua decisão tinha algo a ver com
o que Saïx dissera mais cedo. Não, apenas não era a hora para isso.
Finalmente, ele se sentou ao lado de Roxas e deu mais uma mordida no picolé. O silêncio
perdurou até que Roxas se levantou.
— Acho que eu também vou embora.
— O quê, mas já? — protestou Axel. — Mas eu acabei de chegar.
— Ah... he, he. Verdade, foi mal. — Sentindo-se desconfortável, Roxas voltou a se sentar.
Enquanto tomava seu picolé, Axel notou que Roxas estava realmente infeliz. Era impossível
não se envolver.
— Aconteceu alguma coisa?
— Não é nada...
Era uma mentira deslavada. Seja lá o que tivesse acontecido, era algo que Roxas não sabia
como explicar, imaginou Axel. Mas ele conhecia aquele olhar.
— Garotas são mesmo complicadas, né?
Surpreso, Roxas ergueu a cabeça.
— Como você sabia que era por causa dela?
Era uma pergunta tão sincera que Axel mal conseguiu conter uma risada. A evidência estava
bem diante de si; não tinha como Roxas estar pensando em qualquer outra coisa.
— É que você é relativamente simples — respondeu Axel. — Bom, praticamente todos os
Nobodies são.
Era para ser meio que uma piada, mas Roxas não deu nem uma risadinha. Sua resposta foi
perfeitamente franca:
— Quer dizer que pessoas reais são mais complicadas?
142 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Axel respirou fundo e se permitiu uma breve risada antes de responder:
— Mais complicadas do que nós. Principalmente quando são mulheres. Aí é como uma dose
dupla de complicação.
— E quando um Nobody é uma garota, como a Xion?
— Aí é uma dose só de complicação. Menos que humanos, só que mais que eu e você.
Roxas estreitou os olhos, confuso.
— É, agora eu tô perdido.
Bom, com certeza, pensou Axel. Isso que eu tô falando nem faz lá muito sentido.
— Enfim, o que é importante lembrar quando estiver lidando com garotas é que não se pode
apertar o botão errado — disse a Roxas com um sorriso no rosto, tentando manter o clima entre eles
mais leve. — Deu pra memorizar?
— Talvez tenha sido isso que eu fiz... — Roxas deu um suspiro longo e dramático. — Eu
apertei o botão errado.
— Bem... é só dar um pouco de espaço pra ela.
— Hã? Por quê? — Ele parecia frustrado.
— Porque se você sair tentando consertar tudo na louca, vai acabar apertando mais botões.
Confia em mim nessa aí.
Roxas deu outro suspiro.
— Tá bem... eu acho. — Ele abaixou a cabeça e fez bico, igualzinho a um garoto com
coração. Axel não conseguiu mais segurar a risada.
— Ah, Roxas. Você é uma figura, garoto!
Roxas desviou o olhar para ele, franzindo o cenho:
— Não me chama de garoto!
Isso só deixou tudo mais engraçado. Axel desandou de rir.
— Para de rir de mim!
De alguma forma, Axel conseguiu se conter, embora ainda com um sorriso no rosto.
— Você vai se acertar com ela. É a Xion, não é? Vai ficar tudo bem.
— Espero que sim... — Roxas desviou o olhar para o pôr do sol.
Sim, vai ficar tudo bem... não é, Xion?

Ei... quem é você? Você sabe quem eu sou?


Xion virava de um lado para o outro na cama. Não sabia dizer ao certo se estava acordada ou
se ainda era um sonho.
Tenho que levantar... mas mal consigo me mexer.
Sinto o meu corpo tão pesado. Só mais uns minutinhos, vai...
No dia anterior, tinha visto tantas coisas quando afastara sua mão de Roxas.
O que era aquilo tudo? Era como um céu completamente negro.
Havia mais... mas isso era tudo o que conseguia se lembrar agora. Não sabia dizer se havia
alguma conexão com seus sonhos.
Tá, agora eu tenho que levantar.
É, eu estou bem aqui, na minha cama, como sempre. E eu não posso ficar aqui hoje, porque
eu não posso mais perder.

A investigação do dia levou Axel a um mundo chamado Cidade do Halloween. Roxas


também estivera lá alguns dias antes, mas, para Axel, aquela era a primeira visita.
Membros da Organização como nós devemos conseguir nos misturar muito bem por aqui,
pensou em meio à escuridão incessante.
143 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Axel olhava ao redor enquanto destruía os Heartless pelo caminho, até que descobriu uma
passagem secreta atrás de uma lápide — mas um Heartless em forma de fantasma surgiu de repente
e o jogou com tudo de volta no chão.
— O quê...? AAAI!
Lançando seus chakrams furiosamente, Axel foi atrás dele. Maldito, pensou consigo mesmo.
E também não havia nenhum sinal de Riku naquele mundo. Onde esse cara se meteu?

Roxas se sentou na torre do relógio como de costume, tomando seu picolé distraidamente.
Axel ainda não estava lá. E não tinha visto Xion aquele dia.
— O botão errado, hein... — murmurou diante de seu picolé.
— E aí. Sozinho de novo?
— Aham... — disse Roxas, sem se virar. Ele sabia que era Axel atrás de si.
Axel se sentou a seu lado e, assim como ele, caiu de boca na sua recompensa diária.
Aquilo era... chato. Quieto demais.
Seria por que Xion não estava lá? Roxas suspirou.
Vendo seu óbvio descontentamento, Axel deu uma risada.
— Bom, eles têm me dado um monte de trabalho ultimamente. Vai ver tão fazendo a mesma
coisa com ela.
— Eu sei.
— Então se anima, bicho.
Eu pareço tão pra baixo assim? Ponderou Roxas.
— Não é assim tão fácil...
Ele abaixou a cabeça para esconder o rosto de Axel. O pôr do sol de Twilight Town era o
mesmo de sempre. Ainda assim, Xion não estava lá.
Roxas fitou o pôr do sol, perdido em pensamentos.

Quando viu a pequena figura no salão, Axel hesitou por um segundo, mas então a chamou:
— Xion!
Ela parou, congelada, sem se voltar para ele.
— Oi. Não te vejo já faz um tempão.
— Ah... Sim. — A voz de Xion era pouco mais que um sussurro. Ela nem sequer se dignou
a lhe olhar nos olhos.
— Pois é, né? A gente não chegou nem a tomar um picolé junto desde que eu voltei.
— ...Hm. Tem razão.
— Mas eu tô sempre te vendo por aqui.
— Aham... Sinto muito, tenho que ir ao trabalho.
Mas antes que pudesse sair correndo, Axel a segurou pelo braço.
— Espera.
— Me solta... — Por um instante, o corpo de Xion estremeceu e ela quase tombou no chão,
mas Axel a manteve de pé.
— Opa. — Ele a olhou no rosto, que estava branco feito um lençol. — Tá se sentindo bem?
Xion sacudiu a cabeça.
— Não é nada... eu sinto muito. — Assim sentiu que conseguia, ela saiu correndo o mais
rápido que podia.
“É a Xion, não é? Vai ficar tudo bem.”
Axel se lembrou do que havia dito a Roxas e, de repente, já não tinha mais tanta certeza.
— Não, espera. — Ele a segurou pelo braço de novo.
144 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Desculpa, eu não posso conversar. Me deixe ir.
— Olha, sobre o impostor...
Xion finalmente ergueu o olhar para ele, os olhos arregalados.
— Você sabe sobre isso?
— Bom, todos sabem.
— Ah... acho que você tem razão. — Xion abaixou o olhar outra vez.
Axel temia que ela interpretasse suas palavras erroneamente — podia achar que ele estava
falando que todos sabiam a respeito de sua derrota. Ele soltou seu braço e olhou fixamente para ela.
— Ainda estamos investigando sobre a localização dele.
— Esse é o seu trabalho?
— Sim. — Xion lhe olhou nos olhos e Axel esperou apenas um momento antes de contar a
ela: — Seu nome é Riku.
— Riku... — repetiu ela, a voz suave, tocando os lábios depois de proferir o nome. Imaginou
que devia ser uma informação nova para ela. — Você sabe quem ele é?
— ...Sim. — Axel assentiu.
— E onde ele está?
— Isso eu não sei... ainda.
— Ah. — Ela desviou o olhar novamente.
— Xion, o que aconteceu?
— Nada. Eu só perdi para ele... para o Riku.
— Isso é tudo? Tem certeza?
— Sim... é tudo. Eu perdi.
Axel tinha suas dúvidas — mas a forma como ela falava era diferente de quando Roxas
tentava evitar um assunto. Era mais profunda.
— Olha, Xion. Esse cara não é um oponente qualquer. Não me admira que você não tenha
conseguido derrotá-lo.
— Como você sabe?
— É porque ele...
— O que vocês dois estão fazendo? Já lhes dei suas missões.
É claro que Saïx o interromperia bem quando estava começando a chegar ao quê da questão.
— ...Saïx — murmurou Axel.
— Ao trabalho.
Xion saiu em disparada. Quando Axel tentou tomá-la pelo braço mais uma vez, sua mão se
fechou no ar vazio. Ele suspirou.
— Preciso dizer outra vez? — declarou Saïx. — Fique fora disso.
— ...Eu nem tava me envolvendo tanto assim — disse Axel.
— De que servirão as suas informações para o número quatorze? Divulgá-las seria inútil.
— Inútil...? E quanto a você? Por que colocou o Roxas e a Xion juntos depois de ela ter
enfrentado o Riku?
Ela já não vinha mais sendo a mesma desde aquela batalha. E então, Saïx deliberadamente a
pôs em contato com Roxas. Foi depois daquela missão que Roxas e Xion tiveram a sua discussão...
Seria este o plano de Saïx desde o início?
— Não posso responder isso agora. — Saïx meneou a cabeça de forma quase imperceptível.
Axel bufou com toda a força.
— O quê? Vai dizer que eu mudei de novo?
— Não... na verdade, estava pensando que seria melhor que você permanecesse em contato
com eles, por ora. Mas não se você for contar a Xion ou Roxas o que sabe sobre Riku.
— ...Não tô acompanhando.
— Não? Pensei ter sido bastante claro. Apenas não se envolva demais. Isso é tudo. — Saïx
lhe virou as costas e se foi.
Observando-o partir, Axel suspirou.

145 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
O nome dele é Riku.
Riku.
E eu tenho que derrotá-lo...
Xion atacou com a Keyblade. O Heartless diante de si desapareceu, deixando para trás um
pequeno coração que saiu flutuando pelo céu.
Essas criaturas são tão frágeis. Quero derrotar algo mais forte. Como ele — Riku.
Eu não vou perder. Vou ficar mais forte que ele, e depois...
E depois?
Eu posso......?

Axel imaginava que, se conseguisse localizar o garoto, as coisas melhorariam um pouco.


Mas isso não ia acontecer. Não conseguia encontrar seu rastro.
Sentado na torre do relógio como de costume, Axel sentiu alguém chegando atrás de si. Ele
se virou para cumprimentá-lo da forma mais animada possível, a boca cheia de picolé.
— Olha só, lá vem o árduo trabalhador!
Roxas se sentou a seu lado sem dizer nada. Após alguns instantes, finalmente perguntou:
— Você viu a Xion?
— Não, ainda não.
— Ah... — Roxas abaixou o olhar.
— Não dá pra acreditar que ela vai ficar dando bolo na gente desse jeito — comentou Axel.
Roxas balançou a cabeça.
— É escolha dela vir conosco ou não.
Isso não soava como algo que ele normalmente diria.
— Bom, é, acho que você tá certo...
Os dois permaneceram sentados lado a lado, tomando seus picolés. O pôr do sol continuava
com o mesmo belo tom carmesim de sempre.
— Axel, preciso te perguntar uma coisa — disse Roxas quando já estava com o picolé quase
pela metade.
— Que foi? Aconteceu alguma coisa?
— É... só uma coisa que eu ouvi na missão de hoje. Hm... — Roxas franziu o cenho,
concentrado. — Você sabe o que é amor?
— ...Como é?
— É algo poderoso, não é? De onde ele vem?
Roxas estava sendo completamente franco.
Amor... hm.
— Sim, é poderoso, mas não é um poder que a gente possa ter. — Axel não acreditava ser o
mais apto para explicar isso. Mas sempre que Roxas ou Xion tinham perguntas sobre os mistérios
do coração humano, ele tentava explicar da melhor forma possível.
— Nobodies não podem amar? — perguntou Roxas.
— Não rola. É preciso um coração pra isso.
— Ah... certo. — Roxas ficou quieto, pensativo. Axel continuou a falar:
— Amor é o que acontece quando se tem algo realmente especial entre duas pessoas.
— Mais especial que amigos? Tipo... quando são melhores amigos? Inseparáveis?
— Bem, é possível ter um laço similar com os amigos, mas não é bem isso... — Axel fez
uma pausa, buscando palavras que pudessem fazer sentido para Roxas.
— Então fica um degrau acima da amizade?
— Não... não tem essa de degraus.
146 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Roxas parecia confuso. Como já era de se esperar, não estava conseguindo explicar direito.
— Não que isso importe. Nós nunca vamos saber a diferença.
Mas Roxas não se daria por vencido tão facilmente.
— Se tivéssemos corações, você acha que saberíamos?
— Quando completarmos Kingdom Hearts, aposto que você vai ver como funciona. — As
palavras mágicas de novo, pensou Axel. Tudo vai fazer sentido quando Kingdom Hearts estiver
completo. Mas era mesmo verdade?
Ninguém nunca tinha visto isso acontecer antes. Então quem poderia saber?
Ainda assim, tudo o que lhes restava fazer era acreditar.
Heartless patéticos, coletando corações de forma tão irracional...
— Kingdom Hearts, é...? — disse Roxas, a voz quase um suspiro, enquanto olhava para o
pôr do sol.
Axel fitou seu perfil melancólico e suspirou em silêncio.

147 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
148 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
QUEM ESTÁ AÍ?
Eu sei quem é você. Eu te vejo todas as noites, nos meus sonhos. Tenho sonhado com você
há muito tempo.
Você... sou eu?
Você sou eu quando eu era humana?
Eu? O Roxas?
Não... isso não está certo. Quem é você?

Roxas se sentou devagar, sacudindo a cabeça. Ainda não se sentia muito bem acordado.
Sabia que estava sonhando, mas não conseguia se lembrar sobre o quê, o que já não era mais
novidade. Assim como aquela fadiga — era como se mal tivesse dormido.
Por que nunca conseguia se lembrar de seus sonhos? Será que era algo normal esquecer dos
sonhos depois de acordar? Ele não sabia dizer.
Roxas se levantou da cama, pôs um casaco limpo e seguiu para o salão como de costume.
Quando chegou lá, Luxord o cumprimentou — o que quebrou a rotina.
— Roxas. Como está indo o seu jogo?
— Hã... bem, eu acho. — Ele não sabia ao certo como responder; mal costumava conversar
com Luxord.
— Quando embaralhou as missões de hoje, Saïx nos deixou na mesma mão. Aposto que
daremos uma bela equipe.
— Claro. — Roxas tinha quase certeza de que nunca estivera numa missão com ele antes.
— A propósito, ficou sabendo sobre o que houve com a Xion?
Este não era um tópico com o qual Roxas esperava ser confrontado. Sobressaltado, ele
ergueu o olhar. Espera — aconteceu alguma coisa com a Xion?
— Ela falhou em sua última missão e agora caiu num sono profundo — prosseguiu Luxord.
— Não dá para vencer todas, creio eu...
— A Xion?!
Parecia que Luxord tinha mais a dizer, mas Roxas não esperou para ouvir. Ele deixou o
salão correndo.
Aquela era a segunda vez que Xion caía em sono profundo. Estaria ela doente? O peito de
Roxas doía com a ansiedade.
Mas Saïx não o deixou ir muito longe:
— E aonde você pensa que está indo, Roxas?
Ele parou onde estava e se virou.
— Vou ver a Xion.
— E a sua missão?
— Não se preocupe, eu vou cumpri-la.
É claro que vou. Não vou matar trabalho, pensou Roxas. Mas agora...
— Não há nada que possa fazer para ajudar, ainda que vá. Xion não acordará.
— Não é essa a questão! — disparou Roxas. — Eu tenho que ficar junto com ela!
Saïx não precisava falar daquele jeito. Talvez Roxas não pudesse fazer nada além de olhar
para ela, mas isso não importava — queria ver como ela estava. Por que Saïx era tão ignorante?
Havia centenas de coisas que Roxas queria dizer, mas simplesmente não conseguia achar as
palavras. Saïx parecia ligeiramente indignado.
— Por que se importar com uma falha quebrada e defeituosa como aquela?
— Não chama ela assim! — Roxas se lançou contra ele, encarando-o furiosamente.
— Vou chamar aquela coisa do jeito que eu quiser. A forma como lidamos com Xion não é
da sua conta.
— E daí? Eu não perguntei se era! — retrucou Roxas.

149 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Olhe para você... — Saïx sacudiu a cabeça devagar. — Todo armado por causa de
alguém que nunca deveria ter existido.
— O quê, tipo um Nobody? Somos todos Nobodies!
Por que o Saïx não entende? É por que ele é um Nobody? Mas eu também sou!
— Você não tem com o que se preocupar — disse Saïx. — Xion pode estar além do reparo,
mas isso não afetará sua permanência conosco.
— Minha per...?! Argh, qual é o seu problema? — gritou Roxas. — Olha, eu vou cumprir
com a minha missão. Depois.
Ele virou as costas para Saïx e saiu correndo outra vez.

Após recuperar o fôlego, Roxas abriu a porta do quarto de Xion.


Era idêntico ao seu, mobiliado apenas com uma cama e um armário, mas, por algum motivo,
parecia mais frio. Ele estremeceu.
Ela definitivamente estava adormecida, mas ele ainda assim foi até a cama e lhe chamou
pelo nome:
— Xion...
Ela não respondeu, é claro.
Seu sono era tão quieto e profundo que, por um momento, Roxas duvidou que estivesse
respirando. Inquieto com a ideia, ele ergueu a mão e a aproximou de sua boca.
Ah, que bom. Consigo sentir. Ele puxou a mão de volta, fechando-a num punho. Por que
Saïx tinha que dizer aquelas coisas?
Falha... Defeituosa.
O Saïx pega muito mais pesado com a Xion do que comigo. Não faço ideia do que se passa
pela cabeça dele.
Roxas levou a mão ao bolso e pegou uma concha. Era uma das conchas que Xion lhe dera.
Ainda havia muitas delas em seu quarto.
As conchas são... uma promessa.
Mas quando foi que fizera essa promessa para Xion? Achava que se lembrava de tudo... mas
a memória simplesmente não estava lá.
Roxas pôs a concha junto a seu travesseiro e saiu para o trabalho.

Axel chegou à Área Cinzenta no momento em que Roxas estava partindo pelos Corredores
das Trevas. Luxord estava logo atrás dele. Nossa, que dupla esquisita.
— E aí, Saïx, quê que eu vou fazer...? Eita. Não tá um pouco cedo pra esse mal humor todo?
Saïx se virara para encará-lo com uma careta bastante pronunciada.
— ...Nobodies não possuem “humor” para ficar ruim — disse, enfim.
— Bom, é, tecnicamente falando...
É claro, sem corações, eles não podiam ficar de mal humor, ter acessos de raiva nem
qualquer coisa desse tipo. Se algo desse terrivelmente errado, seus rostos poderiam revelar sombras
das emoções das quais se lembravam, nada mais que isso.
Ainda assim, para uma sombra de suas memórias, o olhar no rosto de Saïx parecia furioso
até demais.
— Eu perdi alguma coisa? — indagou Axel.
— Xion voltou a desmaiar.
Agora Axel franziu o cenho. Tinha mesmo perdido alguma coisa.
— Ela passou mal ou algo assim?

150 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Não — respondeu, Saïx, qualquer sinal de emoção desaparecendo de seu rosto. — Até
recentemente, aquela falha vinha trabalhando até melhor que o esperado.
— “Aquela falha”? É assim que vamos chamá-la agora?
A estima de Saïx para com Xion parecia ter decaído mais que nunca. É verdade, ela havia
sido derrotada pelo impostor da Organização — mas se tratava de Riku. A derrota era inevitável
numa luta contra ele.
Falhar em cumprir com uma missão era inaceitável, claro, mas não impossível. Ela podia
desafiar Riku para um novo combate. Mas se a missão já não era do nível dela desde o princípio,
Saïx devia ter pensado nisso com mais esmero, já que era ele quem gerenciava as missões. E agora
Axel começava a suspeitar que pelo menos parte da culpa era dele.
Saïx tinha algum rancor pessoal contra Xion...
— Isso não importa. Sua missão continua sendo procurar por Riku.
— Claro, pode deixar.
— Preciso que você o encontre o quanto antes possível.
— Olha, certeza que ele vai estar no último lugar que eu procurar.
— Vá logo.
— Tá, tá — murmurou Axel, já a caminho. Ele deu uma última olhada para Saïx. — Ei... tá
tudo indo de acordo com o nosso plano, né?
— Basta que você não faça nenhuma estupidez.
Axel deu de ombros diante do aviso irritadiço e deixou o castelo.

Tendo completado a missão, Roxas foi para o ponto de encontro para assistir ao pôr do sol
tomando picolé. Enquanto encolhia os olhos frente à luz ofuscante, Axel apareceu atrás dele e se
sentou em seu lugar de sempre.
Roxas olhou para ele por um instante, mas logo voltou a observar o pôr do sol.
— Então aconteceu alguma coisa com a Xion...
Abraçando um dos joelhos junto ao peito, Axel respondeu:
— Pois é, o Saïx me disse hoje cedo.
Roxas abaixou o olhar.
— Por que ele a odeia tanto assim...?
Axel ficou um pouco surpreso. Por hábito, Nobodies costumavam dizer que “gostavam” ou
“odiavam” as coisas, mas nenhum deles realmente tinha essas emoções — não como Roxas parecia
querer expressar.
— O que quer dizer com isso? — Axel riu. — Você não consegue parar de falar que nem
uma pessoa de verdade, né não?
Com isso, Roxas se voltou para ele.
— O que eu disse? — Ele parecia hesitante, olhando de um lado para o outro, até que
abaixou a cabeça outra vez. — Eu não sei como as pessoas de verdade falam... — murmurou.
O Roxas deve sentir que não sabe absolutamente nada, pensou Axel. Bom, tem certas coisas
que nem eu consigo entender, mas acho que sou um pouco menos perdido que ele.
Ele se ajeitou em seu lugar, relaxando as pernas.
— Você tá tão preocupado assim com a Xion?
— É que... quando a vi deitada lá, ela tava tão quieta. Me fez pensar que ela podia nunca
mais acordar. — A voz de Roxas soou sussurrada, tomada por algo que mais parecia medo.
— Tenho certeza que ela tá bem. — O melhor que Axel pôde oferecer foram palavras de
conforto vazias.
Roxas fechou os olhos por um momento, como se tivesse algo terrivelmente importante para
dizer, e então respirou fundo antes de soltar o ar em meio a um suspiro:
— O Saïx disse que ela estava “quebrada”.

151 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Axel também suspirou. Ele tinha suas dúvidas de que Saïx compreendia quão especiais
Roxas e Xion eram. De como eles pareciam processar as coisas com uma qualidade emocional que
nenhum dos outros Nobodies possuía. Falar com um deles num tom frio e desapaixonado apenas
provocaria uma reação oposta — como se tivessem corações.
Mas se estavam inconscientemente revivendo emoções de quando eram humanos ou se era
tudo algo único para eles, Axel não sabia dizer. Roxas era o Nobody do herói da luz e, por sua vez,
Xion — suspeitava ele — também possuía alguma conexão com essa mesma pessoa. Era possível
que isso fizesse deles ainda mais especiais do que ele se dava conta.
Saïx não compreendia isso. Apesar da falta de coração, podia imaginar como seriam suas
respostas emocionais para cada situação com base no que se lembrava de sua vida como humano. E
também se lembrava de como podia ser chato ter que se preocupar com isso.
Mas como já estava pensando tanto a respeito de tudo isso, Axel teve que se perguntar se
não estava deixando Roxas e Xion lhe influenciarem demais. Toda essa história de “amigos” e
“promessas” estava começando a consumir sua vida.
Era quase como se estivesse rejeitando sua identidade como Nobody.
Isso definitivamente seria considerado algo anormal para um membro da Organização XIII.
— Bom, eu provavelmente sou muito mais quebrado que ela — admitiu Axel, quase para si
mesmo, e olhou para Roxas.
Perdido em pensamentos, Roxas continuava ali sentado, olhando para o vazio.
Roxas e Xion eram sempre tão zelosos. Leais. Axel era a falha. E não só por que fugia de
suas missões — ele vinha tramando contra a Organização desde sempre, junto a Saïx.
Os sinos da torre do relógio começaram a tocar, anunciando a hora. Um trem ia disparando
pelos trilhos mais ao longe.
— Acho que o Saïx deve saber alguma coisa sobre ela... sobre por que eu e a Xion somos
Nobodies especiais — disse Roxas.
Bom, com certeza.
— Se isso não vai mesmo te deixar dormir à noite... — Axel deu um suspiro. — Eu posso
perguntar a ele pra você.
— Sério?! — Roxas abriu um grande sorriso frente a essas palavras. O que definitivamente
não era a reação de um Nobody.
Axel deu de ombros e olhou para ele com um sorriso torto.
— Ei, vai com calma! Eu vou perguntar, mas não vá alimentando as esperanças assim não.
Você sabe que dar respostas diretas não é exatamente a especialidade dele.
— Mas ainda é mais provável que ele conte pra você do que pra mim! — Roxas ainda
parecia extremamente animado.
Não havia dúvidas, Roxas certamente era especial se comparado aos demais Nobodies. E
talvez a Xion também...
Axel desviou o olhar para o pôr do sol, vermelho como sempre. Sua cor parecia exatamente
a mesma a seus olhos de quando ainda era humano. Algumas coisas simplesmente não mudavam,
mesmo quando se tornava um Nobody.
— Espero que a Xion acorde logo... — murmurou Roxas.
Seria tão bom, pensou Axel, se nós três pudéssemos só passar o tempo conversando e rindo
juntos de novo...

Assim que retornou ao castelo, Axel foi visitar Saïx.


Havia outras coisas além de Xion sobre as quais queria discutir. Bem, para ser mais preciso,
havia várias outras coisas sobre as quais precisava conversar. Eles não vinham se falando muito.
É tudo tão complicado, pensou Axel. Por que eu tô tentando colocar o Saïx no controle da
Organização mesmo...?
— Ora, esta é uma situação rara.
152 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— O que quer dizer com isso?
Saïx se virou em sua cadeira. Seu quarto ficava nas profundezas do castelo — embora mais
parecesse um escritório, cheio de documentos e outros materiais.
— Quero dizer que tem sido raro você vir me ver ultimamente.
— E? Tenho uma coisa pra discutir contigo, pra variar.
— Hilário — comentou Saïx, a voz monótona. Era ele quem estava sendo sarcástico.
Ele nunca falava assim diante de qualquer outro membro — apenas de Axel. Era algo que se
originara do relacionamento que tinham quando eram humanos.
— É sobre aquela coisa quebrada entre nós? — perguntou Saïx.
— Eu sou assim tão fácil de ler? — Axel deu de ombros.
— Sim, porque você é completamente ingênuo. Sempre foi.
— Eu sou ingênuo? E você, sempre foi assim tão babaca? — retrucou Axel, sentando-se
numa prateleira no lado oposto de onde Saïx estava.
— Não sente aí.
— Então põe outra cadeira aqui. — Ele começou a sacudir as pernas, como fazia quando se
sentava no ponto de encontro.
— De alguma forma, eu duvido que isso o impediria de fazê-lo — disse Saïx. — Seja como
for, não pretendo falar com você sobre aquele erro.
— Ei. Ela tem um nome, sabia?
— Eu disse para ficar fora disso. — Saïx girou a cadeira, virando as costas para Axel a fim
de terminar a conversa.
— Bom, eu não posso. Preciso saber o que tá rolando com a Xion. — Axel se levantou e
segurou Saïx pelo ombro, olhando-o no rosto. — Por que você não me dá uma resposta direta, pelo
menos uma vez?
— Assim como você sempre é honesto comigo?
— Ah, então é olho por olho, hein? — Pego de surpresa, Axel fechou a cara numa careta,
dando uma breve risada. Talvez os dois não estivessem mais tão próximos ultimamente... e Axel se
tornara cada vez mais próximo de Roxas e Xion. Talvez até demais. — É sério, Saïx...
Mas Saïx mal olhou para ele — apenas retirou a mão de Axel de seu ombro.
— Xion não é qualificada para ser uma de nós.
Congelado pela rejeição implícita nas palavras baixas de Saïx, Axel recuou um passo.
— Não é qualificada? Por quê?
Saïx continuou sem olhar para ele.
— O que vocês dois veem naquela coisa? Basta olhar para ela. Não tenho mais nada a dizer.
Se aquelas tinham sido as palavras finais de Saïx, ele provavelmente não conseguiria tirar
mais nada dele. Axel ficou olhando para seus ombros retesados junto à cadeira.
Ambos haviam mudado.
— Quem de nós foi que mudou, hein...? — disse Axel, a voz baixa.
Apenas por um instante, viu um tremor nos ombros de Saïx. Mas não ia ficar esperando uma
resposta. Axel deixou o quarto por conta própria.

Pela manhã, Axel seguiu para o salão um pouco mais cedo que de costume. Ficou de tocaia
no corredor que levava até lá, esperando por Roxas onde Saïx não os interromperia.
Finalmente, Roxas apareceu, serpenteando pelo corredor enquanto piscava com aquela sua
mesma expressão sonolenta de sempre.
— E aí, Roxas — disse Axel.
O mais novo imediatamente se animou e correu até ele.
— Descobriu alguma coisa sobre a Xion? — perguntou com todo o entusiasmo.
Axel assentiu.
— Eu falei com o Saïx.
153 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Sério?! O que ele disse? — O rosto de Roxas estava reluzindo de esperança, mas...
— Bom... nada — gaguejou. — Desculpa, ele não abriu a boca.
Ele passara a noite toda pensando em como contar a Roxas. E a conclusão à qual chegara
fora de não lhe contar a verdade. Se simplesmente repetisse o que Saïx lhe havia dito, Roxas ficaria
apenas com mais perguntas com as quais se preocupar.
— Ah... — Roxas praticamente murchou diante dele.
Sem conseguir se segurar, Axel se viu tentando aliviar sua decepção:
— Bom, ele falou que retiraria o que disse sobre ela estar quebrada... se ela se provar mais
capaz de cumprir com o seu trabalho.
Parece que é uma mentira levando à outra, pensou Axel, xingando a si mesmo. Mas não
conseguiu parar:
— Então, até ela acordar, o melhor que você pode fazer é continuar com o bom trabalho.
O sorriso no rosto de Roxas só fez Axel se sentir ainda mais culpado. E ele agora suspeitava
que se prendera numa teia de mentiras da qual só escaparia se continuasse mentindo cada vez mais.
— Vou sim! Valeu, Axel, isso é ótimo! — Roxas abriu um enorme sorriso de gratidão e
seguiu para o salão como se caminhasse sobre pétalas.
— Sinto muito... — murmurou Axel, coçando desconsoladamente a cabeça enquanto Roxas
se afastava.

Naquele dia, a missão de exterminar Heartless levou Roxas a outro mundo que nunca havia
visitado antes. Ele surgiu numa pequena ilha.
— Então essa é a Terra do Nunca...?
Quase tudo o que podia ver era azul — e não só o azul do céu, mas o azul do oceano. O ar
tinha um cheiro intrigante e Roxas respirou o mais fundo que pôde, tentando identificar do que se
tratava. Esse cheiro... Mais ao longe, podia ouvir o distinto canto de gaivotas.
Ele começou a andar e, notando outra figura mais adiante, se escondeu atrás de uma rocha.
— Logo com isso, Smee! Não temos o dia todo!
— Aye, aye, Capitão Gancho!
Roxas deu uma olhada por trás da rocha e viu um velho barrigudo de nariz bulboso enfiando
uma pá na terra — só podia ser o tal Smee. O outro homem mais ao lado provavelmente se tratava
do Capitão Gancho, que ostentava um admirável bigode e um chapéu mais impressionante ainda.
— Dessa vez não tem erro! O tesouro está aqui, tenho certeza! — Gancho carregava consigo
um punhado de velhos pergaminhos.
— Seria mesmo uma bela mudança, depois dos últimos doze buracos... — comentou Smee,
continuando a cavar incansavelmente. — Mas que sorte o senhor teve encontrando todos esses
mapas do tesouro de uma só vez!
Então aqueles papéis eram mapas do tesouro.
— He, he... Algum pobre coitado deve estar doido agora por tê-los perdido. Mas chega de
baboseira, Sr. Smee! Não pare de cavar até encontrar esse tesouro!
— Aye, aye, senhor! — A terra voava enquanto Smee continuava a cavar... até que, de
repente, ele parou. — Capitão! Capitão, eu bati em alguma coisa!
— Hein?!
Smee ergueu uma grande caixa de madeira, indiscutivelmente um baú do tesouro.
— Ha, ha! O que teremos aqui? Ouro? Joias? Ouro e joias? — Gancho abriu o tal baú e
encontrou... nada. Estava vazio. — Raios! Nada de novo?!
— Ora, não se preocupe, capitão. Ainda temos toda uma pilha de mapas para...
Gancho interrompeu Smee com um rugido de frustração:
— Pro inferno! Se não encontrarmos logo o certo, outra pessoa pode acabar sumindo com o
meu tesouro!
Na opinião de Roxas, alguma coisa parecia estranha ali.
154 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
155 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Esse ouro será meu! Ninguém mais pode ficar com ele! — Gancho bateu o pé no chão e,
por uma fração de segundo, uma espécie de névoa negra o envolveu.
O que foi isso?
— C-Capitão? — disse Smee, inquieto. Ele também devia ter notado.
E então, como se atraído pela névoa, um Heartless surgiu.
— Ah! — gritou Gancho. — Mais Heartless?! Corra, Smee!
— Vish! Aye, aye, senhor!
Gancho e Smee saíram correndo em direção a Roxas. Mas passaram diretamente por ele,
sem sequer vê-lo.
Ele agora não precisaria se revelar para que pudesse eliminar o alvo. Roxas se lançou contra
a criatura que rodeava o baú do tesouro com a Keyblade em mãos.

Um sonho... Isso mesmo — estou sonhando.


Eu sei que é só um sonho. Então não preciso ter tanto medo.

Após toda aquela confusão, Roxas se deu conta de que, se seguisse aqueles dois, poderia
acabar encontrando mais Heartless.
Após acabar com o do baú do tesouro vazio, ele seguiu atrás de Gancho e Smee. Mas antes
que pudesse encontrá-los, uma pequena luz brilhante veio voando em direção a seu rosto.
— Eita!
Era uma menina — uma menina bem pequena, praticamente do tamanho de sua mão, com
asas batendo nas costas. Seu nome era Sininho, mas ela não tinha como lhe dizer isso.
Ela parecia prestes a bater em retirada, mas, após examiná-lo por um momento, logo parou o
que estava fazendo e começou a voar à sua volta. Pouco depois, parou de novo diante de seus olhos.
— Hã... posso ajudá-la? — perguntou Roxas.
Sininho respondeu gesticulando desenfreadamente, numa clara tentativa de dizer alguma
coisa. Ela apontou ambos os bracinhos delgados para um navio ancorado no meio do mar.
— Você... quer que eu vá naquele navio?
Ela assentiu categoricamente.
— Mas como? É muito longe. — Ele não tinha como atravessar o oceano. Duvidava que
mesmo os Corredores das Trevas funcionariam para isso. — Não posso simplesmente criar asas e
voar até lá... Hã?
Ela se agitou e, rodopiando pelo ar, começou a rodeá-lo outra vez, espalhando sobre ele um
pozinho feito de luz.
— Ei, o que é essa coisa? Tá brilhando... — Roxas piscou, confuso, e Sininho apontou
novamente para a beira rochosa da ilha, cercada de água por todos os lados. Não havia caminho
para seguir. — V-Você quer que eu pule?!
Sininho assentiu.
— Espera... você tá dizendo que eu posso voar?
Mais uma vez, ela assentiu.
— Bom, então tá certo. Eu acredito em você. — Roxas deu um passo em direção à beira do
abismo e se jogou.
Quando tinha plena certeza de que ia se espatifar no chão, sentiu seu corpo flutuar. Estava
ascendendo, livre da gravidade.
— Consegui! Eu tô voando!

156 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Era uma sensação estranha, um pouco parecida com quando olhara para o oceano... mas não
exatamente igual. Aquela devia ser sua primeira vez voando, mas, por algum motivo, sentia como
se não fosse.
Roxas girou e deu piruetas, até que finalmente parou em meio ao ar. Aquele pó mágico
brilhava ao seu redor.

“Voe! É só acreditar que você consegue!”


Quem foi que me disse isso?
“Se eu acreditar, posso fazer qualquer coisa, até mesmo voar, não é verdade? Então eu vou
encontrá-la. Sei que vou.”
Quem fez essa promessa?
Consigo ouvir o oceano... de onde está vindo esse som?
“Tem tanta coisa que eu quero contar pra ela...”
Contar pra quem?
Quem é essa com quem eu quero falar tanto assim...?

Mais uma vez, Axel não encontrou nenhuma pista que pudesse levá-lo a Riku. Não havia
nada, nem mesmo um mero rumor, o que começava a lhe fazer pensar que ele talvez estivesse em
algum lugar fora de seu alcance.
Então de que adiantava continuar procurando sem rumo daquele jeito?
Parando com as buscas um pouco mais cedo, ele seguiu rumo à torre do relógio. Para sua
surpresa, Roxas chegara ainda antes.
— Eita, já terminou com o trabalho?
— Já! — Roxas estava estranhamente animado. Seria ainda pela mentira que Axel lhe
contara mais cedo? Quando Axel estava para se sentar a seu lado, Roxas começou a explicar: —
Axel, você não vai acreditar. Hoje, eu voei.
Ele estava certo — parecia mesmo uma loucura. Axel o fitou com um olhar sério.
— Fez o quê?
— Voei! Que nem um pássaro! Bom, mais ou menos. Não sei como explicar. Mas eu voei!
— ...Parece bem legal — respondeu Axel, embora não soubesse por que seria algo digno de
toda aquela animação. Talvez lhe fosse um conceito estranho porque nunca havia voado antes. Mas
a expressão no rosto de Roxas enquanto tentava explicar era a mais reluzente que Axel já vira.
— Foi mais que legal. Foi incrível! Tava esperando o dia todo pra poder te contar. — Roxas
desviou o olhar para o céu, imaginando como seria se pudesse decolar da torre do relógio naquele
exato momento. A brisa agitou sua franja. — E, por algum motivo, me pareceu tudo tão familiar.
Como se eu já tivesse voado antes... como uma boa memória. Que estranho, né?
Como uma boa memória. Era a primeira vez que Axel ouvia Roxas descrever alguma coisa
desse jeito.
Então, como se a chama do seu entusiasmo tivesse se apagado, Roxas abaixou a cabeça,
lançando-se de volta a seu mar de pensamentos.
— Queria que a Xion acordasse pra eu também poder contar pra ela sobre tudo isso...

Quem é...?
Quem está chamando por mim?
157 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Hein?!
Roxas estava lá. Mas não era ele quem ela ouvira chamando seu nome.
— Xion... Bom dia.
— Ah. Oi. — Xion piscou por um instante e então se sentou.
— Hm, eu... Você me assustou. Acordou tão de repente.
— D-Desculpa. — Ela abaixou o olhar para se desculpar e então viu a pilha de conchas a
seu lado. — Ah... você trouxe essas conchas para mim?
Ela pegou uma e a pôs junto ao ouvido. Talvez as ondas do oceano em seus ouvidos esse
tempo todo fossem apenas devido às conchas.
— Tá ouvindo? — perguntou Roxas.
— Aham... O som das ondas.
Mas por quê? Por que esse som lhe dava uma sensação tão estranha?
Não sabia dizer quando fechara os olhos, mas voltou a abri-los antes de perguntar a Roxas:
— Por quando tempo eu dormi?
— Por uns vinte dias.
— Tanto assim?
Xion sabia que estava dormido já há algum tempo. Apenas não esperava que tivesse sido por
tantos dias assim.
Na verdade, sequer se lembrava por que havia caído num sono tão profundo assim... Não,
ela havia desmaiado. A última coisa que se lembrava era de pensar: “Eu não vou perder. Não vou
deixar o Riku me derrotar”.
Mas por que havia desmaiado daquele jeito?
— É, foi um tempão — disse Roxas. — Eu e o Axel já estávamos ficando preocupados.
— Sinto muito por tê-los preocupado...
Incomodava-lhe o fato de havia perdido quase três semanas de ação, mas não tanto quanto se
dar conta de que deixara Roxas e Axel preocupados com ela por todo esse tempo. Por um instante,
algo terrivelmente doloroso lhe apertou o peito.
— Estranho, né? Afinal, nós nem temos corações pra sentir alguma coisa.
Se eu não tenho um coração, por que dói tanto assim? Pensou consigo mesma. Mas sabia
que ninguém tinha uma resposta.
Xion ergueu o olhar para Roxas.
— Você não tem trabalho hoje?
— Hã? Ah... eu já tava indo.
— Quero ir com você — disse a ele, de forma clara e direta. Roxas franziu o cenho, seu
rosto claramente tenso.
— Mas... você não precisa descansar mais um pouco?
Talvez ele ainda estivesse preocupado. Mas ela queria volta à ativa.
— Eu vou ficar bem. Vai, me leva com você.
Roxas hesitou por um momento, relutante, antes de finalmente ceder.
— Certo — disse.
Xion imediatamente pulou da cama.

Agora só precisavam persuadir Saïx.


Eles discutirem a respeito por um instante e então abordaram seu superior pouco antes que
chegasse a entrar no salão.
— Saïx!
Ele olhou de soslaio para Xion.
— Ora, ora. Veja só quem acordou.
Ela o encarou diretamente e respirou fundo.

158 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Eu gostaria de ir com o Roxas na missão de hoje. Nós dois juntos podemos coletar mais
corações, certo?
Saïx pareceu considerar suas palavras por um momento.
— Você ainda não devia estar de pé.
Não era uma resposta que estivesse esperando. Ele pareceu... bem, preocupado era a palavra
errada, mas pelo menos um pouco interessado em sua saúde enquanto membro da Organização.
Enquanto tentava formular uma resposta, Axel apareceu.
— Ah, Xion! Já tava na hora de sair daquela cama.
— Bom dia, Axel. — Um largo sorriso lhe surgiu no rosto quando se voltou para ele. Ele
com certeza os ajudaria.
— Roxas trabalhará com Axel hoje, conforme programado — Saïx disse a Xion. — Receio
que eu não estava ciente de sua disponibilidade.
Saïx também parecia aliviado com a interrupção de Axel.
— Me deixa ir — suplicou Xion. — Eu preciso me exercitar!
Uma pausa deu lugar a um silêncio que pareceu se estender por tempo até demais.
— Qual o problema? Eu também vou estar lá pra cuidar dela — disse Axel, enfim.
Saïx, no entanto, não respondeu. Ele e Axel pareciam estar numa competição para ver quem
piscava primeiro — e não de uma forma completamente amigável. Xion ficou tensa com isso.
— Certo. Vão, se estão tão determinados a isso — declarou Saïx.
Ele voltou a seu posto no salão. Os outros três o observaram partir e então trocaram olhares,
sorrindo juntos.
Aquela seria sua primeira missão como trio.

A missão era em Twilight Town, lar do seu bom e velho ponto de encontro.
— Vai ser divertido, né? A gente saindo a três desse jeito! — Xion deu uma risadinha.
Roxas sorriu de volta.
— Provavelmente é a primeira vez pra toda a Organização.
— Vamos, galera. É uma missão, não um passeio no parque — disse Axel, repreendendo-os
num tom brincalhão. Mas ele estava certo. Era trabalho.
— Eu sei, eu sei. Ainda assim, é bom estar de volta.
Axel lhe deu outro aviso, sério dessa vez:
— Só não vá pegar muito pesado, tá me ouvindo? A gente compensa a sua parte.
— Tá certo. — Xion assentiu. — Obrigada.
Ela não pretendia forçar muito. Se desmaiasse de novo, tinha certeza que perderia tudo.
Mas isso não ia acontecer — não com Roxas e Axel ali para ajudar. Se alguma coisa saísse
do controle, sabia que eles cuidariam dela.
— Então vamos à missão. Eliminar o Heartless gigante do dia. — Axel esfregou a nuca. —
E parece que esse é da pesada.
— Pelo menos sabemos que é grande. Assim fica mais fácil de adivinhar onde ele pode
aparecer — disse Roxas. — Deixa eu ver... talvez no pátio? Ou na praça da estação?
— Creio que sim — concordou Xion.
Também havia áreas abertas bastante espaçosas na praça do bonde e na frente da mansão
assombrada, mas achavam bem mais provável que um Heartless gigante fosse a um dos outros dois
lugares primeiro.
— Bom, vamos acabar logo com isso pra podemos tomar picolé. — Roxas saiu correndo,
cheio de energia. Xion não estava muito atrás.
— É, e já estamos em Twilight Town! Podemos começar logo depois que terminarmos!
— Vocês não tão errados... mas não baixem a guarda — disse Axel, seguindo-os de perto.
— Deixa de ser pessimista, Axel.

159 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Talvez eu conseguisse, se os dois parassem de me dar tanta coisa pra me preocupar —
retrucou ele. Xion e Roxas olharam um para o outro e começaram a rir.
— E então... aonde vamos primeiro? — perguntou Axel.
— Pra praça da estação — respondeu Roxas.
— Algum motivo em particular?
— A gente tem que voltar na praça do bonde pra comprar picolé, né?
— Hã? — Axel não estava acompanhando.
— Então começando do ponto mais distante da praça do bonde, é só irmos nos aproximando
enquanto procuramos pelo Heartless. Assim vai ficar mais fácil quando terminarmos.
— Nossa, Roxas, você é tão esperto! — exclamou Xion.
— Ele é...? — murmurou Axel.
Axel ainda não parecia ter entendido, pensou ela. Mas não importa. Estarmos trabalhando
juntos em Twilight Town como um trio — isso por si só já deixa tudo muito mais divertido.
Mas então...
Aconteceu assim que ela pôs os pés na praça da estação. O mundo... inclinou.
Tudo começou a girar sem parar, até ficar tudo escuro.

O que está acontecendo? O que é isso? Eu não entendo...


“Promete?”
Quem é você?
“É o meu amuleto da sorte. Então você tem que trazer de volta pra mim!”
Amuleto da sorte...? As conchas......?
“Xion!”
É o Roxas. Posso ouvir a voz dele.
O que está acontecendo comigo?

Axel a pegou pouco antes que ela caísse no chão.


— Xion! — gritou Roxas... e então, de repente, um grande rugido ecoou atrás dele. Só podia
ser o alvo. Ele se virou.
— Eu fico de olho na Xion — Axel exclamou para ele. — Você cuida dessa coisa.
— Certo! — assentiu Roxas, invocando a Keyblade em mãos enquanto saía correndo para
cima do Heartless.
Quando viu que Roxas já tinha tudo sob controle, Axel ergueu Xion nos braços e partiu para
o abrigo da estação, num ponto cego do Heartless gigante.
— Xion! — Chamando-a pelo nome, ele a pôs gentilmente de volta no chão, mas ela
permaneceu inerte.
Ele fora tão descuidado.
Não fazia ideia exatamente do motivo pelo qual Xion parecia desmaiar com toda aquela
frequência. Mas sabia que desmaiava, então por que a deixara sair numa missão imediatamente após
começar a se recuperar?
Saïx também continuava dizendo para que ele não se envolvesse tanto, mas o aviso também
podia ser interpretado de outra forma: Não faça perguntas. Não tenho intenção de divulgar para
você nenhuma outra informação a respeito de Xion.
Então só o que lhe restava era descobrir as respostas por conta própria.
Foi quando ela estremeceu em seus braços.
— Xion?

160 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Um segundo depois, ele viu Roxas desferindo o golpe final contra o Heartless gigante. O
coração liberado por ele desapareceu em meio ao céu.
E então, Xion murmurou, a voz baixa e fraca:
— Sora...
Axel desviou o olhar para ela, incerto de que havia escutado corretamente. Sora...? Como
Xion poderia conhecer esse nome?
— Xion! — Roxas foi correndo até eles, fitando-a apreensivamente no rosto.
— Tá tudo bem. Ela não tá ferida — disse Axel.
— Mas Axel...!
Do jeito que estavam as coisas, Roxas só ia ficar cada vez mais tenso. Axel se levantou,
erguendo-a nos braços.
— Vem, vamos voltar.
Ele não deu a Roxas nem um segundo para discutir antes de partir.

Eles voltaram aos silenciosos corredores do grande castelo. Axel carregava Xion com Roxas
colado a seu lado. O rosto dela estava tão pálido que parecia translúcido — o que não era uma visão
muito reconfortante.
— Essa coisa quebrou outra vez? Não demorou muito.
Apenas Saïx faria um comentário tão cruel. Tomado pela fúria, Roxas se virou para ele.
— Ela não é uma “coisa”!
Roxas estava a ponto de lhe dar um soco, mas Axel se pôs entre os dois, ainda com Xion nos
braços, inconsciente. Não chegou sequer a olhar para Saïx, mas tinha uma coisa a dizer:
— Cala essa sua boca.
Roxas jamais o ouvira falar tão friamente com alguém antes.
Saïx não respondeu.
Após mais um momento metralhando Saïx com o olhar, Roxas finalmente deixou o local
atrás de Axel.
— Axel!
— Que foi?
— ...Não tem problema, você falar com ele desse jeito?
— De que jeito? — A voz de Axel soou um pouco mais baixa que de costume.
— Quer dizer... você e o Saïx costumam ser bem chegados, não é?
— Nem tanto assim. Mas não fui eu quem quase deu na cara dele.
— Bom, é, mas...
Algo naquilo tudo lhe parecia errado — Axel estava se afastando de Saïx. Assim como Xion
fizera com ele. E não só isso...
— Pode abrir a porta, por favor? — disse Axel, parando diante do quarto de Xion.
— Ah... claro. — Roxas abriu a porta sem demora e lá estava o quarto dela, exatamente
como estava naquela manhã.
Axel a pôs gentilmente deitada na cama.
— Hmm... — gemeu ela. Talvez não estivesse assim tão inconsciente, afinal. Axel a fitava
com atenção.
— Você também tá preocupado com ela, Axel?
A pergunta deixou sua boca antes que pudesse pensar a respeito.
Axel olhou para Roxas, um pouco surpreso.
— É claro que eu tô.
Mas sua voz continuava estranhamente baixa. Aquele encontro com Saïx havia revelado
uma diferente faceta dele — uma faceta que lhe era um pouco assustadora.
— É que não é muito a sua cara — disse Roxas.
— Como assim?
161 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Roxas se deu conta de que não sabia como pôr a resposta em palavras. Como posso dizer...?
— Você não gosta de complicações.
Era o melhor que conseguia fazer. Não era exatamente esse o sentido do que queria dizer...
mas não sabia mais como descrever.
Enquanto tentava achar as palavras para tentar novamente, Axel falou em seu lugar:
— Olha, Roxas... por que você acha que eu encontro vocês dois todo dia pra tomar picolé?
— Hã...? — Roxas não sabia aonde ele queria chegar.
— Quero dizer, eu não precisava fazer isso. Se parar pra pensar, é como se fosse só mais
uma tarefa pra lista, não é?
Olhando por esse ângulo, era mesmo como uma tarefa. Mas não era — era algo divertido,
tomar picolé juntos depois do trabalho. Era por isso que eles se encontravam. Mas... o que fazia
daquilo tão divertido, afinal?
— Quer saber por quê?
Roxas ficou apenas olhando para Axel, esperando pela resposta.
— É porque vocês dois são os meus melhores amigos.
Em uma ocasião anterior, Axel dissera que não tinha um melhor amigo, Roxas se lembrou.
Mas agora somos nós...?
— Deu pra memorizar? — Um sorriso se formou nos cantos da boca de Axel. — Nós três...
nós somos inseparáveis. Vocês são os meus melhores amigos. E melhores amigos sempre têm que
lidar com complicações.
Roxas sentiu um sorriso se formando também em seu rosto.
— É... É sim, falou tudo.
— Hi, hi... — Era Xion, acordada. Ainda deitada, mas rindo entredentes. — Obrigada, Axel.
Você é um amor.
Axel coçou a cabeça, sem jeito.
— Tá se sentindo melhor? — perguntou Roxas.
Xion assentiu, tentando tranquilizá-los.
— Só fiquei um pouco tonta. Sinto muito por tê-los preocupado.
— Só não assusta a gente desse jeito de novo — reclamou Axel.
— Vou tentar.
— E fica na cama, ouviu? Pega leve hoje.
— Vou sim — disse ela, a voz suave, e lhes abriu um sorriso. — Obrigada, pessoal.
Roxas e Axel se olharam. Ela podia ter que ficar de molho por um tempo, mas estava bem.

Aquele pequeno quarto branco lembrava um pouco as câmaras do Castelo do Esquecimento.


Era a primeira vez que abria seu caderno desde que chegara à mansão. Finalmente, Naminé
começou a desenhar, sem a menor pressa.
Primeiro desenhou um menino loiro com um casaco negro. Depois, um rapaz de cabelos
vermelhos, mais alto, um pouco mais velho.
E então, mais uma figura, uma menina que também vestia o mesmo casaco negro.
Mas quando Naminé tentou preencher seu rosto, sua mão parou.
Há quanto tempo Naminé sabia sobre ela? Apenas recentemente se dera conta de que aquela
menina era um Nobody especial. Mas, fora isso, não sabia quase nada.
Aquela menina — o que ela era?

162 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
163 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
NÃO HAVIA DÚVIDAS. XION DEFINITIVAMENTE HAVIA DITO O NOME DE SORA.
Mas como ela podia conhecê-lo?
As engrenagens na cabeça de Axel giravam sem parar enquanto voltava para o quarto.
Se Xion tivesse memórias — e se, como suspeitava, tivesse alguma conexão com Naminé e
Kairi, a Princesa de Coração — não seria estranho que ela soubesse quem era Sora.
Mas Xion certamente não parecia se lembrar de nada. Pelo que dizia, não possuía quaisquer
memórias de seu passado, e não havia por que acreditar que estaria mentindo para ele ou Roxas.
Talvez significasse que estava recuperando suas memórias perdidas. O que poderia haver nelas?
Parando para pensar, Saïx havia mencionado que Xion viera do Castelo do Esquecimento.
Axel não havia encontrado nenhum rastro de sua origem lá. Pelo menos não até aquele momento.
Era impossível vasculhar todos os cantos daquele lugar.
Até onde tinha conhecimento, só o que restava lá das instalações da Organização era o
laboratório de Vexen. E quanto ao que descobriram lá — era que a memória se tratava de uma coisa
terrivelmente ambígua.
Como Nobodies, eles ficam à mercê das memórias de suas vidas humanas. E no Castelo do
Esquecimento, tentaram rearranjar as memórias de um humano vivo — as memórias de Sora, o
portador da Keyblade. Memórias humanas eram terrivelmente frágeis, o que tornava todos aqueles
fragmentos suscetíveis a se misturarem e trocarem de lugar. Eles precisavam do poder de Naminé
para poderem reorganizá-las da forma como a Organização desejava. Mas havia ainda mais uma
aberração digna de nota.
Tratava-se da Réplica, a marionete que Vexen construíra em seu laboratório para copiar
memórias. A Réplica era capaz de absorver memórias sem o auxílio de Naminé e, quando o fazia,
também copiava as habilidades e a força de seu alvo. Roubara até mesmo os poderes de Zexion.
Foi quando, de súbito, Axel se deu conta de algo que o fez imediatamente se sentar. O que
Saïx havia dito?
Xion era um erro... uma falha defeituosa que não era qualificada para ser um deles...
Um frio lhe subiu a espinha. Não — não podia estar certo.
Preciso encontrar provas, pensou Axel com firmeza. Isso é tudo só especulação. Nada mais
que a minha mente idiota divagando. Eu preciso de fatos.
Preciso da verdade sobre a Xion...

Eu me lembro. Eu não me esqueci.


Deitada em sua cama, Xion olhava para a parede branca. Ainda estava um pouco zonza, mas
conseguia se lembrar do sonho.
Um grupo de pessoas brincava junto a um grande mar azul que se estendia até onde os olhos
podiam ver. Não Axel, nem Roxas, mas seus amigos das ilhas.
Desde que desmaiara no dia anterior, sentia como se muitas coisas estivessem voltando a ela
de uma só vez. Seriam estes os sonhos que tivera enquanto dormia por todas aquelas semanas?
Talvez também fossem memórias — as memórias que ela e Roxas haviam esquecido.
Mas ainda não sabia quem ela era.
Ela sonhava, se lembrava, mas ainda não conseguia se ver quando era uma pessoa completa.
Quem eu era?

Axel mal chegara a dormir quando seguiu mais cedo para a Área Cinzenta. Seria bom se
pudesse negociar com Saïx a respeito da missão do dia sem ninguém lá para escutar.
Fora os dias em que precisava fazer algo mais específico, estava há algum tempo na caçada
pelo impostor da Organização — ou seja, Riku. Hoje provavelmente não seria diferente.
164 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Normalmente, costumava ter o privilégio de decidir aonde iria para procurar por Riku. Sua
esfera de atuação era irrestrita. E isso significava que podia sugerir o direcionamento das buscas.
E estava prestes a tirar vantagem disso.
Antes mesmo de chegar ao salão, ele se deparou com Saïx.
— Opa.
— ...Chegou cedo. — Saïx lhe lançou um olhar.
— Eu vou atrás do Riku de novo?
— Esse é o plano. Quer saber se pode se juntar a Roxas em sua missão outra vez, não é? —
Saïx continuou andando em direção ao salão. Axel o acompanhou.
— Nah, é sobre o Riku mesmo. Tem uma coisa sobre ele que eu quero investigar. Mas achei
que seria melhor pedir a sua permissão primeiro.
— Hmph. Tenho certeza de que vai se intrometer de qualquer jeito, mesmo sem a minha
permissão.
— Bem, eu não queria sair enfiando o nariz no laboratório do Vexen sem te avisar antes.
Saïx parou de andar, estreitando levemente os olhos, e fitou Axel com um olhar desconfiado.
— E o que precisa investigar lá?
Axel deu de ombros.
— Coisas sobre o Riku, ué. Não é óbvio?
Estava ficando cada vez melhor com essas mentiras.
— Você já não viu todos os relatórios de Vexen a respeito do Castelo do Esquecimento?
— Já, mas quero ver se descubro o que houve antes disso. Talvez eu encontre alguma pista.
Saïx o encarou fixamente.
— Muito bem. Você tem permissão para entrar no laboratório. Vou mandar um subordinado
lhe entregar a chave.
— Perfeito. Que bom que não demoramos aqui. Agora eu posso ir ao trabalho.
— Por algum motivo, eu duvido que o âmbito de sua investigação esteja ligado ao trabalho.
— A boca de Saïx se curvou no que parecia a forma de um sorriso.
— ...Culpado — disse Axel, a voz arrastada. — Quanto dos detalhes você quer saber?
— Nada. Faça o que quiser.
Tomando suas palavras como deixa, Axel acenou para ele e se foi de imediato.
Por um segundo, perguntou-se distraidamente se Saïx teria dado permissão para algo assim a
qualquer um dos outros membros.
Mesmo agora, Saïx ainda confiava nele?

A missão de Roxas era em um mundo chamado País das Maravilhas. Aquela marcava sua
terceira visita ao lugar e sua tarefa era a mesma das anteriores: trabalhar com Luxord e destruir um
Heartless específico.
Quando Luxord e Roxas deixaram os corredores, um coelho branco que carregava um
enorme relógio de bolso passou correndo debaixo de seus narizes.
— É tarde, é tarde, é tarde! Meu relatório não devia ficar no aguarde! Se eu não me apressar,
minha cabeça vai dançar! — O coelho branco disparou por um corredor com considerável pressa.
— O que será que deixou ele tão tenso? — murmurou Roxas, olhando para a direção por
onde ele seguira. Luxord lhe abriu um sorriso enigmático.
— A curiosidade é a chave para que se esculpa o seu próprio caminho pelo destino. Seja
curioso demais, entretanto, e será um caminho bastante curto. Não há como se saber se seguir o
rastro do coelho será o nosso amuleto da sorte... ou a nossa sentença de morte.
— Não está sendo um pouco dramático demais? — disse Roxas francamente. — Seguindo
ele ou não, ainda vamos ter que derrotar aquele Heartless.
— Será mesmo? Bem, Roxas, se tem tanta certeza, por que não vamos atrás dele e vemos
aonde nossa sorte nos leva?
165 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Hã? — Roxas não estava esperando aquela resposta. Ele ergueu o olhar para Luxord. —
E quanto à missão?
— Você mesmo disse, a missão permanece, independentemente dos coelhos sigamos.
— Bom, claro, mas... — Roxas não entendia o que se passava na cabeça de Luxord.
— Vamos, antes que percamos o rastro. — Luxord partiu atrás do coelho branco e Roxas
não teve escolha senão segui-lo.

O ar no laboratório de Vexen cheirava a sala fechada após todos aqueles meses em desuso.
Diferente das instalações de Saïx, que consistiam primariamente em uma central de computadores,
o lugar estava cheio de altas pilhas de livros e diversos papeis espalhados.
— Rapaz, que bagulho sinistro — murmurou Axel, mas ao menos os arquivos pareciam
estar devidamente classificados, todos com o rigor metodológico característico de um cientista.
Ele examinou uma estante, de onde tirou alguns arquivos, e logo os espalhou sobre a mesa,
vasculhando-os em busca de alguma menção a Xion.
Em dado momento, deparou-se com um que se intitulava “A Verdade Sobre Naminé”.
Seus olhos atravessaram o texto. O que a Naminé era, afinal? E qual era sua conexão com
Xion? O que o Castelo do Esquecimento tinha a ver com a origem de Xion?
As respostas estavam todas escritas ali.

Seguir o coelho branco acabou levando-os ao Heartless que tinham como alvo e, com isso,
sua missão logo chegou ao fim.
— No final, sua curiosidade nos construiu um atalho — comentou Luxord.
— Ela esculpe o caminho pelo destino, né? — repetiu Roxas.
Então ideias aparentemente desconexas podiam acabar tendo alguma conexão, afinal. Se
uma coisa lhe chamasse atenção, seria importante ir de encontro a ela.
Mas Luxord não havia terminado com o drama:
— E também o caminho para o seu túmulo.
Ai, do que ele tá falando agora...?
— Agora, vamos pegar nosso último atalho. — Luxord abriu os Corredores das Trevas.
Enquanto deixavam o País das Maravilhas, Roxas continuou pensando em suas palavras.

Sentada distraidamente no alto da torre do relógio, Xion deu uma mordida em seu picolé. A
missão do dia fora mais uma bastante fácil.
Saïx a vinha encarando constantemente. Ele não me quer mesmo por aqui, não é?
Seu nariz estava entupido. E seus olhos doíam.
Ela havia se divertido tanto naquele sonho. Por que tinha que se sentir tão chateada agora?
— Nossa, chegou cedo — ouviu Roxas dizer. Ela se virou para cumprimentá-lo.
— Minha missão não foi tão difícil.
Como sempre, Roxas deu a volta por trás dela e se sentou a seu lado.
— Como está se sentindo?
— Estou bem agora. Eu acho.
— Bom ouvir isso. — Roxas sorriu e deu uma mordida em seu picolé.
Sentados lado a lado, os dois ficaram apenas saboreando seus picolés, gelados e agridoces,
como sempre faziam.
166 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Cadê o Axel? — perguntou ele.
— Ainda não apareceu por aqui.
Os sinos da torre tocaram. O sol logo afundaria nas colinas ao longe. Normalmente, Axel
aparecia antes disso.
— Tá ficando um pouco tarde — disse Xion. — Acho que ele não vem hoje.
— Por que não esperamos mais um pouquinho?
— Claro. — Ela assentiu.
Se os três nunca tivessem tomado picolé juntos assim, pensou Xion, ela provavelmente já
teria sido transformada numa Penumbra àquela altura. Nem mesmo estaria ali.
Tinha sido graças a Roxas que ela recuperara a habilidade de usar sua Keyblade, e também
graças a Axel, que falou com Saïx por ela. Ambos também a ajudaram quando ela desmaiou pela
segunda vez, não muito tempo antes. Estavam sempre cuidando dela.
Xion deu um pequeno suspiro.
— Você e o Axel estão sempre lá por mim.
— Ah, eu não faço nada especial — disse Roxas. — É o Axel que mexe os pauzinhos com o
Saïx pra gente.
Não é verdade, Xion quis dizer, mas guardou para si mesma. Roxas só ia negar de novo.
— Bem, eu já fico feliz por vocês estarem na Organização comigo — disse em vez disso.
Os dois olharam para o pôr do sol.
— Espero que o Axel apareça — murmurou Roxas.

Eu tenho dormido tão bem ultimamente, pensou Roxas enquanto se aprontava. Havia parado
de ter aqueles sonhos. E mal podia esperar para sair da cama.
Todos os dias lhe traziam algo interessante. Ele releu os relatórios que havia escrito desde
que se juntara à Organização, contando os dias. Era divertido ver tudo o que acontecera e tudo o que
fizera com Xion e Axel.
Pode até ser que eu não tenha nenhuma memória de quando era humano, mas é muito bom
ter memórias de alguma coisa.
Roxas seguiu até a Área Cinzenta. Seu trabalho em si também não era ruim, mas havia uma
coisa o incomodando — o trio completo já não se reunia na torre do relógio há um tempo.
Na verdade, fazia cerca de dez dias que ele era o único a ir. Desde que conversara com Xion
depois de sua visita ao País das Maravilhas, continuou a ir à torre do relógio apenas para tomar
picolé sozinho. E tinha tanta coisa que queria contar para eles.
Quando chegou ao salão, para sua surpresa, Axel estava lá.
— Fala, Roxas.
— ...Bom dia, Axel — disse Roxas, um pouco hesitante diante daquele cumprimento tão
casual. Já não via Axel fazia dias.
— Vocês dois sairão juntos em sua missão hoje — Saïx lhes informou.
— ...E a Xion? — Roxas sussurrou para Axel.
— Já saiu — respondeu ele.
— Ah.
— Vem, vamos lá — disse Axel.
— Hã? Aonde?
— Pra Terra do Nunca. — Axel não perdeu tempo antes de desaparecer pelos corredores.
Roxas correu atrás dele.
— Parece que já faz uma eternidade, né não? — disse enquanto iam caminhando ao longo
das travessias negras.
— Desde o quê?
— Você sabe, desde a última vez que nos falamos assim.
Parando para pensar, Axel coçou a cabeça.
167 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Faz tanto tempo assim?
— Claro que faz! Você não tem vindo ao ponto de encontro.
— Ahh, verdade. Foi mal. Tenho estado meio ocupado — disse Axel, quando finalmente
chegaram à saída.
O grande mar azul da Terra do Nunca se estendeu diante deles.

Tá doendo.
Xion atacou um Heartless com a Keyblade e finalmente o eliminou. Até recentemente, vinha
conseguindo derrotar aquele tipo com um único ataque, mas agora sentia os ombros pesados e teve
que se apoiar na Keyblade como se fosse uma bengala.
Estivera sonhando tanto ao longo da última semana que mal parecia que conseguia dormir.
Era como se tivesse que permanecer acordada em dois reinos diferentes — a realidade e os sonhos.
Não eram pesadelos — na verdade, ela sempre se divertia neles. Mas isso só fazia de seus
dias no mundo desperto ainda mais tristes e monótonos.
E a privação de sono estava afetando sua destreza. Num esforço para descansar ainda que só
um pouco mais, ela tivera que começar a não aparecer na torre do relógio.
Quando estava acordada, todos os seus pensamentos eram incômodos. Pelo menos sonhava
com coisas boas quando dormia. Talvez Saïx soubesse disso. Estivera dando a ela todas aquelas
missões fáceis. Mas às vezes mesmo essas lhe pareciam difíceis de concluir.
Inclusive, pensou ter sonhado com o Castelo do Esquecimento na noite anterior. E Axel
também estava lá...
Será que poderia perguntar a ele sobre isso? Não tinha certeza. Tudo isso a deixava inquieta,
terrivelmente inquieta. Mas se não perguntasse, nunca conseguiria uma resposta.
Acho que vou subir lá hoje...

Axel encheu os pulmões com o ar salgado do mar e se voltou para Roxas.


— Ei, não é esse o lugar que você tinha me dito?
— Ah, é, verdade! Olha só! — Sorrindo de orelha a orelha, Roxas pulou em meio ao ar... e
caiu no chão logo em seguida. Fora um salto adorável. — Hã...?
Ele tentou outra vez, com o mesmo resultado.
Axel estivera um pouco temeroso, preocupado com a ideia de como impedir que seu rosto
entregasse o que sabia na próxima vez que visse Xion, mas quando Roxas começou a pular de um
lado para o outro, confuso, ele caiu na gargalhada.
— Ei, Roxas? Quê que você tá fazendo?
— Cara, muito estranho. Certeza que eu tinha conseguido voar antes. — Roxas se agachou e
pulou outra vez com toda a força que conseguiu juntar, e Axel deu risada de novo.
De repente, todas as coisas que vinham lhe atormentando a mente pareceram tão idiotas.
Ficar pensando demais não resolveria nada. E isso era algo que ele já sabia, então por que não
conseguia fazer nada a respeito? Era algo estranhamente humano da sua parte.
Foi quando ouviram um grito:
— Raios e trovões! De novo não!
Era um homem, furioso com alguma coisa. Um sujeito mais velho e robusto encontrava-se
mais ao lado, ansioso.
— Todo esse cava-cava e só o que eu encontro é lixo! E ainda mais Heartless junto?! Vou te
falar, isso faz o meu sangue ferver!
Ele saiu andando a passos pesados com o sujeito mais velho logo atrás.
— Capitão? Aonde o senhor vai, capitão?
168 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— De volta ao navio!
Com isso, a dupla se foi.
— Qual é a deles? — murmurou Axel.
— Não tenho certeza, mas eu vi eles antes — disse Roxas. — Estavam falando sobre mapas
do tesouro.
— Mapas do tesouro...? Era por isso que estavam cavando?
— Era, mas toda vez que fazem isso, os Heartless aparecem.
— Eles tão se escondendo embaixo do chão?
— Talvez? — Roxas hesitou. — Ou talvez não...
— Tem uma explicação melhor?
— Só o que eles realmente conseguiram escavar foi um baú de madeira cheio de tralha.
— E os Heartless estavam no baú, então?
— Não sei... — Roxas começou a remoer tudo isso em sua cabeça. Não era uma explicação
muito boa. Ou pelo menos não lhe parecia exatamente certa.
Eles tinham mapas do tesouro que os diziam onde cavar para encontrar tesouros enterrados.
E então, quando cavaram, encontraram um baú de madeira com um Heartless dentro?
— Bom, vamos começar verificando todos lugares onde eles cavaram antes — disse Axel,
seguindo em direção ao buraco no chão.
— É. Boa ideia.
Eles encontraram algo pequeno e brilhante voando ao redor do buraco.
— Ah... oi de novo — disse Roxas. Era a fada que conhecera antes.
— Hã... Roxas? O que é isso? — Coçando a cabeça, Axel ficou olhando para ela. Assustada,
Sininho se escondeu atrás de Roxas.
— Não sei o nome dela, mas nos conhecemos na última vez que estive aqui. Não acho que
seja perigosa.
— Pode até não ser, mas... — Axel espiou por trás do ombro de Roxas, tentando olhar
melhor. Ela lhe virou as costas, claramente sem interesse nele.
— E foi ela que me ajudou a voar — Roxas se deu conta.
— É, eu já vi a sua demonstração.
— É verdade! — Roxas se virou para falar com Sininho. — Pode me ajudar a mostrar pra
ele? Nos dê um pouco daquela coisa brilhante!
Sininho pareceu considerar a ideia por alguns segundos e então voou ao redor de Axel e
Roxas em espirais próximas. O pó feito de luz caiu sobre eles.
E Roxas começou a flutuar no ar.
— O quê?! — exclamou Axel.
— Te disse! — Roxas disparou para o alto, olhando para Axel.
— Como você tá fazendo isso?
— Não dá pra descrever... Mas quando ela joga esse pozinho mágico em você, é só pensar
“eu posso voar” e bam, você voa.
— “Eu posso voar” e bam, é? — disse Axel, incrédulo.
— Isso! — Roxas girou pelo ar. — Tenta aí, vai.
— Tá bom, certo... — Axel se concentrou, franzindo profundamente o cenho.
— Qual o problema, Axel?
— Não tô sentindo nada. — Ele encolheu os ombros.
— Ah, vai, tenta de novo. Acredita em mim dessa vez!
— Beleza... Eu acredito em você.
Axel fechou os olhos. E então, sentiu seu corpo deixar o chão.
— Eu... eu posso voar?!
— Sim, você pode!
Axel se sentia um pouco desconfortável com aquilo, cambaleando enquanto avançava, mas
definitivamente estava no ar.
— Cara, eu tô mesmo voando!
— Não é demais?
169 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Os dois ficaram praticando por um tempo, testando o que podiam fazer enquanto voavam,
até que Sininho foi até eles. Estava apontando na direção para onde Gancho e Smee haviam seguido
— o navio pirata.
— Você quer que a gente dê uma olhada naquele navio, é? — perguntou Roxas. Sininho
assentiu veementemente.
— Aqueles caras de antes tão a bordo? — indagou Axel. — Calma lá... são amigos seus?
Ela fez careta, claramente ofendida.
— Parece que não — disse Roxas. — Mas então por que você quer que a gente...?
Em meio a uma explosão sonora, algo passou voando por eles.
— Eita!
Era uma bola de canhão — obviamente perigosa. E o navio pirata estava disparando mais.
— Eles tão atacando a gente?! — gritou Roxas, esquivando-se de outra.
— Não... acho que devem ter nos confundido com os Heartless — presumiu Axel.
Sininho apontou para o navio novamente e então saiu voando com tudo em sua direção.
— Ei... espera! — Roxas disparou atrás dela, mas Axel o segurou.
— Roxas, tá maluco? Não queremos chegar mais perto.
— Mas...
Roxas não queria deixar que Sininho voasse até o navio pirata sozinha. Mas então, naquele
instante, um Heartless alado surgiu diante deles — seu alvo.
— Temos uma missão a cumprir — disse Axel. — Além do mais, eles nunca vão conseguir
atingir a Pequena Miss Plim-Plim. É um alvo minúsculo, e ainda em movimento.
— Certo... — disse Roxas, relutante.
— Fica ligado, ouviu? Não quero ter que tirar você da mira de uma bola de canhão.
— Bom, o mesmo vale pra você!
Axel lançou seus chakrams contra o Heartless enquanto Roxas partia para cima dele para
atacar de perto com a Keyblade, mas ele desviou com facilidade.
Quando Roxas tentou persegui-lo, uma bola de canhão passou de raspão por seu rosto.
— Opa!
— Pois é, eu disse pra tomar cuidado! — Axel, já perfeitamente hábil no ar, segurou Roxas
pelo braço para lhe ajudar a recuperar o equilíbrio. — Vamos.
Eles sobrevoaram o mar atrás do Heartless. Não era particularmente difícil — a luta teria
acabado bastante rápido sem as bolas de canhão para interferir.
Axel atacou com uma rajada de chamas e quando o Heartless começou a se contorcer em
meio ao fogo, Roxas o finalizou com a Keyblade. Não fora lá um grande desafio.
— Missão cumprida — disse Roxas, observando enquanto o coração flutuava pelo ar até
desaparecer.
— Então em que eles tão disparando agora? — resmungou Axel. Mesmo com o Heartless
fora de caminho, os canhões não pareciam prontos para parar.
Roxas olhou ansiosamente para o navio pirata.
— Espero que ela esteja bem...
— Hm? A sua amiguinha?
— É. Acho que a gente devia ter ido com ela...
Mas ambos sabiam que não tinha como se aproximar daquele navio, a menos que os canhões
cessassem fogo. O que não iria acontecer.
— Bom, não acho que vamos ser convidados a bordo tão cedo — disse Axel. — Enfim, seja
lá o que estiver acontecendo, cabe a este mundo dar seus pulos. Não devemos intervir, lembra?
Vamos parar por aqui.
Axel estava certo — eles não tinham muita escolha. No entanto, sem a fada, nunca mais
conseguiriam voar daquele jeito. Roxas queria ajudar, se ela estivesse com problemas.
— Anime-se — disse Axel. — Ela vai ficar bem.
— É... acho que vai — murmurou Roxas.
— Vem, vamos voltar.
Desistindo, Roxas assentiu.
170 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Era bom ter um tempo assim a sós com o Roxas. Ele não queria ficar pensando a respeito de
Xion naquele momento. Com um picolé em mãos, Axel estava sentado ao lado dele no alto da torre
do relógio, dando risada.
— Você acha que aquele pó brilhante funcionaria em outros mundos? — ponderou Roxas.
— Sei não...
Voar fora uma baita experiência. Ele agora conseguia entender por que Roxas estava tão
animado a respeito.
— Uau, vocês chegaram bem cedo.
— Ah, Xion! Onde você tava?
Enquanto Roxas gritava com satisfação por ver Xion, Axel imediatamente encontrou outro
lugar para onde olhar. Aquilo tudo lhe deixava inquieto.
— Desculpem pelo atraso. — Xion se sentou em seu lugar ao lado de Roxas. — A missão
hoje deu um baita trabalho.
— Olha, eu tenho que te contar! — gralhou Roxas, ainda todo animado. — Hoje eu e o Axel
voamos! Tipo, voamos de verdade! E só precisamos de um pozinho mágico pra isso!
Xion deu um breve suspiro.
— Bem que eu estava me perguntando por que vocês dois pareciam tão felizes. Que sorte...
— Você pode ir junto da próxima vez. Aquele mundo tinha um mar tão bonito...
— Sério...? — murmurou Xion, abaixando o olhar em direção aos telhados da cidade. — Eu
já estive num mundo com uma praia antes. Era tão lindo. Se chamava Ilhas do Destino...
— O oceano não é o máximo? Eu adoro ouvir o som das ondas.
— Sim, com certeza.
Roxas ainda parecia completamente tomado pelo entusiasmo. Axel, por outro lado...
— Hm, eu... não estou atrapalhando vocês, estou? — perguntou Xion.
— O quê? — Suas palavras deixaram Roxas espantado. — Do que você tá falando, Xion?
Você é nossa amiga!
Xion abaixou a cabeça. Roxas e Axel notaram que havia algo estranho, o que pareceu lhes
jogar um balde de água fria.
— Ei, Axel... — murmurou Xion, a voz tímida.
— Sim?
— Você já esteve no Castelo do Esquecimento, não é?
Seja lá o que Axel estivesse esperando que ela fosse dizer, certamente não era isso.
“O que você sabe?” Mesmo com a pergunta na ponta da língua, ele apenas assentiu.
— Como é lá? — perguntou ela.
— Só uma unidade de pesquisa da Organização — respondeu Axel, perfeitamente sincero.
A expressão que se formou no rosto dela era de dúvida.
— Pesquisa, é...? Parece que tão sempre mandando gente pra lá — disse Roxas, tentando
ajudá-la. — Especialmente você, Axel.
— Mas nunca mandaram eu ou o Roxas. Nós nunca estivemos lá — ressaltou Xion.
— Provavelmente porque não precisam de vocês lá — disse Axel, sem perder um segundo.
Um grande silêncio voltou a se formar entre eles.
Os sinos tocaram. Xion aproveitou a oportunidade para se levantar.
— Tenho que ir.
— Hã? — disse Roxas, consternado.
Mas então — Xion cambaleou.
Ela perdeu o equilíbrio e escorregou pela beira da torre do relógio.
— Xion! — Roxas lançou sua mão para segurá-la.
Uma memória. A minha primeira memória.
Saïx me segurou pela mão e me guiou para fora do Castelo do Esquecimento.
171 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
“Você jamais voltará a ver estas paredes... Xion.”
Sim, eu me lembro do que ele me disse. E eu me lembro de onde eu estava. No Castelo do
Esquecimento.
Roxas agarrou a mão de Xion e a segurou com toda a força enquanto Axel, por sua vez, lhe
segurou pelos ombros.
— Você tá legal?! — gritou Roxas.
— Acho que sim... — respondeu ela, a voz um grunhido, suspensa apenas por uma mão
muito acima do nível do chão.
De alguma forma, eles conseguiram puxá-la de volta para o topo da torre. Roxas teve que
recuperar o fôlego.
— Tem certeza que tá se sentindo bem? Talvez precise descansar um pouco mais.
— Não... não é esse o problema. — Enquanto Xion voltava a se sentar, Roxas a fitava com
um olhar ansioso. Ela olhou para o outro lado.
— Já sei! — disparou Axel, de repente.
— Hã? Sabe o quê? — disse Roxas.
Axel lhes abriu um sorriso.
— Na próxima vez que tivermos um dia de folga, vamos para a praia.
— Para a praia? Da onde você tirou isso...? — murmurou Xion, ainda de cabeça baixa.
— Que foi, não querem ir num lugar diferente pra variar?
Axel não era do tipo que costumava propor passeios assim. Devia ter sentido uma grande
necessidade de dar um jeito de animar Xion, pensou Roxas, abrindo também um sorriso.
— Então... seríamos só nós três? Tipo passar as férias com os amigos?
— Bingo! — respondeu Axel, resplandecente.
Ele agora soava tão animado quanto estava antes de Xion chegar. Queria que ela também
estivesse aqui naquela hora, pensou Roxas.
— Eu gostaria de ir junto... se eu puder. — A voz de Xion soou extremamente baixa.
— É claro que pode, Xion! — disse Roxas com firmeza.
— Você vai se divertir à beça, confia em mim — acrescentou Axel. Ela ergueu o olhar para
eles com o que parecia o esboço de um sorriso.
— Bem... então tá certo. Vamos sim.
Quando ela finalmente concordou, Axel e Roxas trocaram olhares.
— Se vamos pra praia... — disse Axel, pensando alto.
— ...Vamos precisar de biscoitos de polvilho — concluiu Roxas.
— E que tal uma melancia também? — disse Xion.
Os três se entreolharam e começaram a rir sob a luz do sol poente, assim como sempre.

Naminé e DiZ olhavam para a cápsula. O ar na sala climatizada devia ser confortável, mas,
por algum motivo, parecia abafado.
— Você parece estar em conflito — comentou DiZ. Naminé abaixou o olhar.
— Creio que um Nobody esteja interferindo...
— Um Nobody...? — A voz de DiZ declinou em repulsa.
— E se algumas das memórias dele estiverem se perdendo? — continuou Naminé, mantendo
o olhar voltado para o chão. — Não haveria como eu terminar, por mais que tentasse realinhar as
peças. E se isso acontecer, se as memórias se guiarem até outra pessoa e se conectarem às dela... ele
nunca as recuperaria.
As memórias de Sora estavam vazando. Se elas simplesmente fluíssem para o Nobody de
Sora, até que seria fácil de remediar. Mas elas estavam sendo transferidas para outro lugar, um lugar
completamente inesperado.
Talvez esta fosse sua punição por brincarem com as memórias dos outros.
— Tenho certeza que ele ficará bem sem uma memória ou duas — disse DiZ.
172 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Mas e se ele precisar dessas memórias para acordar? — insistiu Naminé. — E se elas
forem a chave?
— Naminé... Você é uma bruxa que possui poderes sobre as memórias de Sora e daqueles
conectados a ele. Está vendo algo que me foge a visão?
Ela ergueu o olhar para a cápsula onde Sora dormia.
— Se as memórias dele se juntarem às dela... ela nunca sobreviverá.
— Ela? — repetiu DiZ.
Naminé balançou a cabeça.
Isso vai destruí-la... eu sei que vai.

Ela não sabia sequer onde encontrar o Castelo do Esquecimento. Mas sabia que era de lá que
tinha vindo. Então agora cabia a ela descobrir a verdade.
Xion estava no laboratório de Saïx. Sabia um pouco a respeito de computadores e, conforme
foi digitando no teclado, diversas informações começaram a surgir na tela.
Não estava procurando nenhum segredo de estado ou algo importante assim, então não devia
ter que lidar com senhas. Só o que queria saber era como chegar ao Castelo do Esquecimento.
— Não é isso... — Digitou outra vez. — Não, onde está...? Aqui!
A tela exibiu o emblema dos Nobodies junto à localização do Castelo do Esquecimento.
Ficava no reino de intermédio...
Xion memorizou toda a informação e deixou os aposentos de Saïx.

— Acorde.
— Só mais cinco minutinhos... — resmungou Axel.
— Não. Acorde, agora. — A voz parecia distintamente furiosa. Diante disso, Axel cedeu e
finalmente abriu os olhos.
— O que você tá fazendo aqui?
Saïx estava parado ao lado de sua cama, tão irritado quanto se podia esperar por sua voz.
Axel não era acordado de forma assim tão rude desde antes de se tornar um Nobody.
— Xion fugiu.
Axel se sentou.
— Fugiu...?
O que significava que ela desertara a Organização XIII. Xion...
Ele saiu da cama e começou a se arrumar.
— Você parece bem acordado agora — comentou Saïx. Axel se inclinou para trás e alongou
as costas por um instante.
— Você vai me mandar atrás dela, não vai?
— Belo palpite. Xion provavelmente foi para o Castelo do Esquecimento.
— O quê...?
— De nós dois, imagino que você seja o que melhor conhece Xion a esta altura. Não estava
investigando a respeito?
Axel permaneceu em completo silêncio.
— O que Xion escolher fazer não tem importância para a Organização — prosseguiu Saïx.
— Entretanto, não podemos permitir que ela enfie o nariz nas instalações daquele castelo. Vá até lá
e livre-se delas. Esta é a única ordem que tenho a dar. Deixo o resto a seu critério.
Axel assentiu e deixou seu quarto.

173 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Enquanto olhava para o enorme castelo de formato esquisito, Xion sentiu sua cabeça doer.
Não... era como se alguém estivesse chamando por ela, a voz ecoando dentro de sua cabeça.
Estava com medo de abrir aquelas portas altas e pesadas. Com medo do que encontraria do
outro lado. Mas, devagar, começou a empurrá-las, até que finalmente se abriram.
As paredes de mármore branco lá dentro a lembravam do Castelo Que Jamais Existiu. Ainda
assim, por algum motivo, o ar parecia diferente.
Ela seguiu até o meio do salão de entrada, quando uma pontada de dor em sua cabeça a
jogou de joelhos no chão.
Mas as respostas que eu quero devem estar aqui... É só eu continuar em frente...
Foi quando ouviu alguma coisa — passos. Atrás de si, viu os cabelos flamejantes familiares
de seu bom amigo.
— Axel... O que está fazendo aqui?
Com o olhar voltado para Xion, ele coçou a cabeça, hesitante.
— Ordens, só isso. Nada a ver com você. Não sei o que você pensou que encontraria num
lugar vazio como esse.
— Não minta pra mim! — gritou Xion. — Eu sei que foi daqui que eu vim! As respostas
estão aqui.
Axel balançou a cabeça, tranquilo apesar dos gritos.
— Você não tem ordens a cumprir? Não dá pra sair simplesmente jogando suas missões ao
vento, Xion.
— Ou então o quê? Vão me transformar numa Penumbra?
— Pior que isso. Eles pulariam essa etapa e te destruiriam na hora.
Suas palavras soaram como se ele não se importasse e algo no peito de Xion começou a
doer. Ela desviou o olhar para o chão branco e gelado.
— ...Por que eu sou inútil?
— Eu não disse isso. — Axel balançou a cabeça outra vez e, segurando-a pelo braço, a
levantou. — Vem, vamos pra casa, Xion.
Dessa vez, Xion foi quem balançou a cabeça. O que devia fazer num situação com aquela?
Será que Axel não entenderia se contasse a ele?
Mas ela não sabia como colocar em palavras. Nada parecia expressar o que queria dizer.
Ainda assim, ela tentou:
— Axel, eu estou me lembrando de coisas. Sobre quem eu era.
— Bem, pare de se lembrar. Isso não vai te levar a nada.
Ela tinha dado o seu melhor para tentar explicar e tudo o que ele fez foi imediatamente
descartar suas palavras.
— Eu tenho sonhos todas as noites! E você também está neles, Axel!
— Então eles com certeza não são memórias. Como é que eu poderia estar no seu passado?
Usa a cabeça, Xion.
Por que ele não queria escutar?
— Você não pode me enganar! — gritou Xion. — Nós nos encontramos antes, Axel, bem
aqui nesse castelo!
— Não, nunca. — Axel pôs as mãos em seus ombros para olhá-la nos olhos. — Volta pra
casa, Xion. Não deixa o Roxas esperando.
— Por favor, Axel, só... me escuta! Eu preciso saber quem eu sou! — Ela se soltou de suas
mãos, esquivando-se de suas palavras indulgentes. Ela precisava saber a verdade.
Então ela correu.
— Xion, não! Saia já daí!
Ele começou a segui-la, mas Xion abriu a porta no final do corredor. Do outro lado... havia
uma sala criada a partir de suas “memórias”.

174 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
175 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
E alguém estava bloqueando o caminho de Axel — um jovem vestindo um casaco negro.
Riku.

Então eu... não era quem eu sou?

Quando Xion fechou a porta, Riku ficou encarando Axel, imóvel.


Na verdade, estava apenas voltado para Axel. Seus olhos estavam cobertos por uma faixa de
tecido negro.
— ...Riku — murmurou Axel, empunhando seus chakrams.
Não se passara nem mesmo um ano desde que Axel o vira pela última vez, mas, ainda assim,
Riku parecia ter se tornado uma pessoa completamente diferente.
— Deixe-a em paz — disse Riku.
— O que você sabe sobre a Xion? — questionou Axel.
— Xion? Então este é o nome dela...? Enfim. Não pretendo lutar com você aqui.
— Então talvez você devesse sair do caminho! — Axel lançou seus chakrams contra ele.
Riku se esquivou sem percalços.
— Como disse, não pretendo lutar.
— O que você quer com a Xion?
Sem responder à pergunta, Riku desapareceu num portal negro, sem deixar rastros.

Na Sala Circular, na presença de Xemnas e Xigbar, Saïx passava seu relatório a respeito da
deserção de Xion:
— Sem dar maiores detalhes, eu enviei Axel ao Castelo do Esquecimento ontem à noite para
tratar a respeito do assunto. Também lhe dei instruções para limpar nossas instalações lá. Ele deve
retornar em breve.
— E onde está Naminé?
A pergunta de Xemnas o surpreendeu.
Saïx não conseguia imaginar por que Xemnas questionaria a respeito de Naminé em vez de
Xion, mas precisava responder mesmo assim:
— Ainda desaparecida, senhor.
— Ha, ha! Puxa vida, onde ela poderia estar? — grunhiu Xigbar em meio a uma risada.
— Ora, Xigbar, quase me parece que você sabe — disse Saïx.
As verdadeiras motivações de Xigbar eram ainda mais difíceis de compreender que as de
Xemnas. Ele não gostava nada disso.
— Prossiga — incitou Xemnas.
— Encontrei registros de um acesso não autorizado realizado em nosso computador central
— disse Saïx.
— E você vai mesmo fingir que não sabe quem foi? — pressionou Xigbar. Um sorrisinho
maroto se formou em sua boca frente ao silêncio de Saïx. — Nossa Bonequinha tá se transformando
num problemão. A semelhança é absurda, vocês não acham?
Bonequinha...? Aparentemente, estava falando de Xion. Mas a que semelhança estava se
referindo? Xion continuava a mesma marionete que sempre fora.
Saïx não tinha tempo para todos aqueles comentários propositalmente vagos de Xigbar.
— Besteira. Eu não vejo problema algum.
Xigbar apenas riu mais alto.
— Bwa, ha, ha! Pois é, parece que não vê mesmo!
— E você acha isso engraçado?
— Ah, as coisas que se escuta de um cara sem coração — disse Xigbar em meio às risadas.
Nenhum de nós tem coração, Saïx estava para lembrar a ele quando Xemnas voltou a falar:

176 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Independentemente do que ocorra, nossos planos permanecem os mesmos. Axel, Roxas e
Xion cumprirão com os papeis que Kingdom Hearts escolheu para eles.
— Mas senhor, Xion... — Saïx parecia ser o único na Organização que tinha dúvidas quanto
ao que Xion devia fazer. — Se não tomarmos alguma providência...
— Deixe as coisas como estão. Como pode você não enxergar quão perfeitamente tudo está
indo? — disse Xemnas.
Saïx desviou o olhar, incapaz de compreender.
— Xion está marchando em direção aos braços do destino — Xemnas disse a ele. — Tudo o
que precisamos fazer é observar e ter paciência.
Quando tentou tirar alguma conclusão de todas aquelas palavras, Saïx hesitou. O que ele
quer dizer com isso, afinal?

Ele terminou sua missão e foi à torre do relógio para assistir ao pôr do sol e tomar picolé.
Ter uma rotina não era lá tão ruim, pensou Roxas, estreitando os olhos frente ao fraco brilho do sol.
— Chegou cedo — disse uma voz que ele conhecia. Roxas se virou com um sorriso.
— Não, você é que tá atrasado.
Axel sorriu de volta, embora apenas de leve, e se sentou a seu lado como de costume. O sol
poente os mergulhou em sua luz.
— Hoje faz duzentos e cinquenta e cinco... — murmurou Roxas.
Axel inclinou a cabeça para ele.
— Tá falando do quê?
— Faz essa quantidade de dias desde que eu me juntei à Organização. Cara, o tempo voa.
— Então você memorizou o número de dias, é?
— Sim. Tinha que me apegar a alguma coisa, não é? Afinal, eu não tenho memórias de antes
da Organização. Não se lembra? Eu agia que nem um zumbi.
Na verdade, Roxas só sabia quantos dias haviam se passado por que estivera relendo todos
os seus relatórios.
Axel olhou para ele como se tentasse decifrar alguma coisa e então abriu um sorriso.
— Pois é, naquela primeira semana você mal conseguia montar uma frase. Mas vai, você
ainda meio que parece um zumbi.
— Ah, valeu! — bufou Roxas, e ambos deram risada.
Os dois ficaram quietos, olhando para o pôr do sol.
Ficar ali sentado em silêncio junto com qualquer outra pessoa seria algo insuportavelmente
desconfortável, mas com Axel e Xion, ele não ligava. Era bom, na verdade, ficar sentado lado a
lado sem dizer nada. Porque eles eram inseparáveis. Aquilo lhe dava a sensação de que, estivessem
eles juntos ou não, conversando ou não, não importava. Tudo ficaria bem.
— Ei, Roxas...
— O quê?
O rosto de Axel era tingido pelo brilho do pôr do sol, seus cabelos vermelhos reluzindo em
um tom ainda mais carmesim.
— Aposto que você não sabe por que o pôr do sol é vermelho. — Ele desviou para Roxas
um olhar maroto. — Sabe, a luz é feita de várias cores. E de todas essas cores, o vermelho é a que
viaja o mais longe.
Ele terminou a frase com um sorriso pretensioso. Roxas riu.
— E quem foi que perguntou, ô sabichão? — retrucou Roxas, e Axel deu uma risada baixa.
Havia alguma coisa estranha com Axel naquele dia, embora Roxas não soubesse dizer o que
exatamente tinha mudado nele. Ainda assim, não era algo ruim. Roxas também deu risada.
Esperava que Xion chegasse logo.
— Sério, cadê ela? — disse Roxas, pensando alto.
— Roxas... não sei se ela vai aparecer hoje — disse Axel. Suas palavras foram alarmantes.
177 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Ela desmaiou de novo?
Xion não vinha parecendo muito bem ultimamente. O que havia de errado com ela...?
— ...Ah, você não ficou sabendo? — disse Axel. — Ela foi mandada numa missão muito
importante. Mó legal, né?
A forma como disse essas palavras não soou muito natural. Como se estivesse tentando fazer
com que Roxas não se preocupasse.
— Ah... — Roxas suspirou. — E quando ela vai voltar?
— Bem, acho que aí depende de como ela vai se sair com o trampo dela, não é mesmo?
— Tem razão... — Roxas desviou o olhar novamente para o céu avermelhado e deu mais
uma mordida em seu picolé. — Espero que a gente tenha mais uma folga logo... assim, nós três
podemos ir para a praia.
Eles prometeram a ela, afinal.
Os últimos raios do sol o cobriram com seus tons de vermelho brilhante.

178 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
179 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
180 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
181 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
182 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
QUANTOS DIAS FAZIA DESDE A ÚLTIMA VEZ QUE HAVIA SIDO CONVOCADO À
Sala Circular?
Roxas estava sentado em seu assento habitual, aguardando a chegada de Xemnas. Metade
dos outros doze assentos estava vazia. Os braços de Axel estavam cruzados de forma soturna. Xion
ainda não estava lá.
Foi quando ocorreu a Roxas não havia um assento para Xion. Talvez ela fosse se sentar em
um dos que estavam vazios. Se fosse o caso, de quem seria o assento que ela herdaria?
O ar estremeceu e, finalmente, Xemnas surgiu.
Só que a Xion ainda não chegou, pensou Roxas.
Xemnas não esperou para começar a falar:
— Xion se foi.
Roxas olhou para ele em choque. Os outros membros da Organização também pareciam
alarmados. Mas... o que tinha acontecido com a Xion?
— O quê?! Opa, opa, calma lá... — Demyx curvou os ombros. — Quer dizer que ela, tipo,
meteu o pé?
— Absurdo — disse Xaldin. — O que a levaria a escolher sua própria liquidação?
Xion jamais desertaria. Ela devia ter algum motivo. E se tivesse se encontrado novamente
com o impostor da Organização e algo lhe tivesse acontecido...?
O que eu faço...? Diversos pensamentos rodeavam a cabeça de Roxas, atordoando-o.
Xemnas os interrompeu:
— Pelo contrário. Ninguém deverá buscar por Xion.
— Por que não?! — Roxas imediatamente ficou na defensiva. Por que eles não queriam
encontrar Xion?
Xemnas o fitou por um instante, mas não disse nada em resposta. Saïx falou em seu lugar:
— Sua “amiga” será deixada de lado. Ou você prefere que pensemos em uma punição?
— Eu prefiro que a tragam de volta! — gritou Roxas.
— E por que faríamos isso? — desafiou Saïx.
Roxas não sabia como responder àquela pergunta tão fria e direta. Só o que queria era que as
coisas fossem como estavam sendo até então. Mas Saïx não compreenderia isso.
Frente à hesitação de Roxas, Xemnas se voltou para ele devagar, falando em um tom quase
de advertência:
— Tudo será revelado quando a hora chegar.
Axel finalmente parou com a cara emburrada e, descruzando os braços, ergueu o olhar.
— Ou seja, se a hora não chegar, tudo pode ficar como está — disse. Saïx o encarou.
— Lorde Xemnas já se pronunciou. Obedeçam ou encarem seu fim.
Após o alerta de Saïx em seu nome, Xemnas desapareceu da sala. Os outros logo fizeram o
mesmo. Apenas Roxas e Axel permaneceram.
— Axel...?
— Hora de ir ao trabalho.
Roxas tentou levantar o assunto sobre Xion, mas Axel prontamente o interrompeu e então
desapareceu em meio a um turbilhão de trevas.
Por que os outros pensavam que estava tudo bem...?
Xion estivera um pouco estranha já há algum tempo. Mas, parando para pensar... Axel
também estivera. Roxas começava a suspeitar que todos sabiam alguma coisa a respeito de Xion
que ele não tinha conhecimento.
Ele abaixou o olhar, fitando o centro da sala. Era onde havia visto Xion pela primeira vez.
Tentou se lembrar do olhar em seus olhos naquela época, mas simplesmente não conseguiu.
Parecia fazer tanto tempo.
Hoje faz 256 dias desde que eu me juntei à Organização XIII. Eu sei porque contei hoje
mesmo. E a Xion veio no meu sétimo dia, então deve fazer 249 dias para ela.
Roxas respirou fundo e soltou tudo em um grande suspiro antes de criar um portal negro de
volta para seu quarto.
Axel devia ter feito o mesmo.
183 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
184 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
A sala branca ali o lembrava do Castelo do Esquecimento, pensou Riku enquanto se sentava
em uma das cadeiras. O lugar não se tratava de um castelo, mas de uma construção nos arredores de
Twilight Town conhecida como a mansão assombrada.
Do outro lado da mesa sentava-se uma garota com cabelos de linho. Seu nome era Naminé.
E o nome da garota adormecida de cabelos escuros era Xion.
As duas tinham outra coisa em comum além de seus rostos — ambas haviam trabalhado
com a Organização XIII.
— Eu não sabia se o veria de novo — disse Naminé.
— Você me fez uma promessa — disse Riku, ansioso.
— Cuidar do Sora. Eu me lembro. — Naminé abaixou o olhar, voltando-o para o caderno de
desenho em suas mãos. Sua voz era pouco mais que um sussurro: — Lamento... não sei se cumpri
muito bem com a minha promessa.
— O que houve?
Ela não conseguiu olhar Riku nos olhos.
— Algumas das memórias do Sora estão faltando.
“Cuida do Sora.”
Isso era o que Riku a pedira para fazer meses antes, ainda no Castelo do Esquecimento, e ela
lhe prometera que faria. Desfazer o que acontecera a Sora no Castelo do Esquecimento, separar as
memórias rearranjadas e reconectar as peças de volta em seus lugares — era uma tarefa especial,
uma que apenas uma bruxa de memórias como Naminé era capaz de executar.
Memórias não desaparecem, ela explicara a Riku. Poderia demorar um tempo para realinhá-
las, mas Sora voltaria a ser como antes.
— Como pode ser? — indagou Riku. O que aconteceria com Sora se ele não recuperasse
todas as suas memórias?
— Elas estão escapando pelo Nobody do Sora para uma terceira pessoa... — murmurou
Naminé, quase como se para si mesma, e então finalmente ergueu o olhar para Riku. Sua voz se
ergueu conforme explicava qual era o problema: — E agora estão começando a se tornar parte dela.
Dela. Xion.
Naquele momento, Xion estava adormecida em algum outro lugar. Ainda não sabiam dizer
se havia desmaiado devido à influência das memórias de Sora.
— E você não pode pegar as memórias de volta? — disse Riku.
— Se elas continuarem separadas, então sim, acho que posso... — Naminé abaixou o olhar
novamente. — Mas se elas se unirem às memórias dela, as coisas ficarão muito mais complicadas.
Eu teria que desembaraçar as memórias dela antes de poder terminar com as do Sora... O que devia
levar meses, pode levar anos. DiZ ficaria furioso.
Naminé fitava o desenho em seu caderno. Riku não conseguia ver exatamente o que era.
— Então qual é a solução?
— Se eu simplesmente fosse até lá e rearranjasse as memórias dela, então eu arriscaria fazer
com que Sora acordasse apenas para descobrir que ninguém se lembra mais dele. Não posso fazer
isso com ele. Existem as memórias falsas criadas no Castelo do Esquecimento, memórias que de
fato pertencem ao Sora e várias outras memórias, tudo misturado dentro dela. Está ficando difícil
dizer quais são as verdadeiras.
Sua maior prioridade era ajudar Sora a despertar intacto. Mas podiam ter que sacrificar todo
o resto no processo.
Não havia mesmo outro jeito? Aqueles dois outros indivíduos, com suas próprias memórias
e personalidades, precisavam mesmo deixar de existir por completo pelo bem do Sora?
DiZ certamente diria que Nobodies sequer possuem uma identidade. Mas após ver o rosto de
Xion, Naminé não queria condená-la a um destino como esse.

185 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Seja como for, também já é tarde demais para isso — prosseguiu. — O despertar dele
terá que sofrer um atraso. Jamais imaginei que o Nobody do Sora e aquela outra lutariam tanto
assim para serem seus próprios eus. Infelizmente, a única solução de verdade... é que ambos se vão.
Ela mostrou seu caderno a Riku.
Seu desenho retratava três figuras vestindo casacos da Organização. O homem de cabelos
vermelhos estivera no Castelo do Esquecimento poucos dias antes. O garoto loiro era o Nobody de
Sora, que Riku ainda não chegara a conhecer, e a garota de cabelos negros era Xion.
— Você sabia que no início ela não tinha um rosto? — disse Naminé. — É só agora que eu
consigo ver alguém.
Riku estava prestes a perguntar o que queria dizer com isso quando ela prosseguiu:
— Isso prova que algumas das memórias do Sora estão dentro dela. Algumas dentro dela,
algumas dentro do Sora... outras dentro do Nobody do Sora... Já não consigo mais separá-las. Tudo
o que posso fazer é recolher as peças quando o que tiver que ser feito for feito. Receio que não haja
outra forma. — Naminé parou de falar.
Naquele momento, não havia outra alternativa. Ainda assim...
— Muito bem então. — Riku se levantou e deixou a sala sem dizer nenhuma outra palavra.

Não sabia quando havia desmaiado, mas acordou num lugar bastante quieto — quieto e
também um tanto solitário. Xion se sentou e sacudiu a cabeça, mas não com muita força. Não havia
ninguém ali com ela.
Acho que... ah, é verdade. Eu desmaiei no Castelo do Esquecimento. Quando descobri sobre
o que eu sou. O que eu realmente sou.
Eu... nunca fui eu. Eu não era ninguém.
Mas se esse é o caso, então quem sou eu agora?
E então — Xion sabia onde estava. Ela se lembrou.
Era Hollow Bastion, o mundo onde Sora teve que enfrentar seu melhor amigo. E aquele
quartinho era onde Riku vivera durante o tempo que passou sob a influência de Malévola.
Eu me lembro de tudo. Me lembro do que aconteceu no dia em que vim aqui pela primeira
vez. Sobre o Riku, sobre o Sora, tudo.
Xion se levantou da cama e deixou o quarto.
E então... para onde você acha que eu vou agora?

Dia número 257. Dois dias desde que a Xion desapareceu.


Dia número 258. Três dias desde que a Xion desapareceu.
Ele sentia que precisava fazer alguma coisa, mas não fazia a menor ideia de o quê.
Roxas estava sentado na beira da torre do relógio, abraçando os joelhos. Não tinha comprado
um picolé naquele dia. Axel não estava lá.
Talvez Axel o estivesse evitando. Roxas não sabia por que faria isso, mas se não fora se
encontrar com ele num momento como aquele... havia apenas uma explicação.
Eu não fiquei sabendo nada a respeito da Xion querer abandonar a Organização. Será que
ela contou alguma coisa pro Axel? Talvez eu devesse perguntar a ele. Mas... estou com medo. Não
consigo nem tomar coragem pra ir no quarto dele.
Por que estou com medo de falar com o meu amigo?
Os dias foram se passando e Roxas ainda não sabia o que fazer.
Aquele era seu 262º dia. Xion já estava desaparecida há uma semana. A neblina não havia se
dissipado. Tudo o que podia fazer era contar os dias — após completar uma missão, mal conseguia

186 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
se lembrar o que fizera nela. Vinha se sentindo tão distante. Seus pensamentos corriam em círculos
e suas noites eram agitadas, cheias de sonhos.
Embora, é claro, ele não se lembrasse de nada depois que acordava.
E seus sonhos não eram tudo o que vinha esquecendo, ele sabia. Seus primeiros momentos
do dia também vinham lhe fugindo à cabeça.
Provavelmente havia algo de errado com ele. Mas o quê? Xion se fora e ele não conseguia
falar com Axel. Sem eles, se sentia perdido.
Vinha tendo sonhos tão vívidos que as linhas divisórias entre o sonho e a realidade estavam
começando a se perder. Às vezes, tinha a sensação de que era tudo um sonho.
Será que vinha se sentindo assim tão estranho o tempo todo por que não estava dormindo
bem? Ou não estava dormindo bem por que passava o dia todo só cumprindo formalidades
distraidamente? Sentia-se tão cansado, mesmo durante as missões. Não, não exatamente cansado —
era mais como se houvesse um denso nevoeiro em volta de sua cabeça. Como se estivesse preso em
meio a um crepúsculo nebuloso.

Na Sala Circular, estava reunido o mesmo trio de sempre — Xemnas, Xigbar e Saïx.
— Agora que Xion se foi, é preciso um maior reforço para com as memórias de Roxas —
disse Xemnas.
— Os preparativos já estão prontos, senhor — respondeu Saïx.
Xigbar deu risada.
— Fala, como você vê a Xion?
— Não compreendo a sua pergunta. — Suas palavras podiam ser evasivas, mas, para Saïx,
bastava que o sentido por trás delas fosse claro.
Com um sorriso estampado no rosto, Xigbar se voltou para Xemnas.
— Já responde a minha pergunta. E quanto a você?
Xemnas o encarou de volta.
— Só queria saber se você já chegou a ver a nossa Bonequinha do jeito que eu vejo — disse
Xigbar, dando de ombros.
A resposta de Xemnas foi uma boa gargalhada. Saïx não sabia se era um sim ou um não.
— Observe Roxas. Não tire os olhos dele.
E com isso, Xemnas desapareceu.
— Bem, boa sorte com isso aí — Xigbar comentou com Saïx antes de desaparecer.
Mas o que será que Xigbar quisera dizer antes...?

Riku seguia Xion enquanto ela vagava sem rumo por mundo atrás de mundo, até que
eventualmente chegou a um lugar dolorosamente familiar.
Ele sentiu o coração acelerar só um pouco à medida que o ar salgado preenchia seu nariz. O
som das ondas, o mar azul, o céu azul... Um ano antes, ele abandonara aquele lugar. Não imaginava
que voltaria para casa daquele jeito, sem sequer se preparar para isso.
Xion serpenteou em direção à beira da água, onde as ondas se encontravam com a areia.
Riku voltou o olhar para o horizonte. Aquela praia era a sua casa — as Ilhas do Destino.
“Foi você que destruiu a sua casa!”
A acusação que Zexion fizera no Castelo do Esquecimento ecoou no fundo de sua mente.
Riku estivera em casa uma vez, isso é, se as Ilhas do Destino falsas contassem. Fora onde
havia reencontrado Wakka, Selphie e Tidus. Kairi também, é claro, e Naminé. Mas nenhum deles
era real, apenas ilusões feitas a partir de suas memórias.
Sua cabeça começou a doer de leve e ele esfregou as têmporas.
187 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Como se tivesse notado que havia alguém lá, Xion se virou e, quando ele viu seu rosto...
A dor pareceu se espalhar como um raio em sua cabeça. As ondas os pés de Xion baixaram,
revelando uma concha em meio à areia molhada. Uma concha thalassa.
“Estou fazendo eles para que, mesmo se um de nós se perder, possamos voltar para cá sãos
e salvos.”
Era um amuleto da sorte, para protegê-los em sua jornada.
Xion recolheu a concha. Foi quando sentiu outra presença e se virou.
— Roxas! — exclamou com a voz baixa. Deu um passo em direção à essa terceira pessoa,
mas então hesitou e se escondeu atrás de uma rocha.
Um garoto que vestia o mesmo casaco negro que ela havia emergido em meio à praia —
Roxas, o Nobody de Sora. Riku olhou para ele, mas, de onde estava, não conseguia dizer se era
assim tão parecido com Sora.
Roxas pegou a concha que Xion derrubara.
Ela deu um gritinho abafado e levou as mãos à cabeça.
— Xion...?
Como que em câmera lenta, ela caiu na areia. Riku instantaneamente correu até ela e a
tomou nos braços.

Eu o acordei quando chamei por ele. Ou... será que fui eu quem acordou?
Aquela garota costumava ficar sentada aqui, na beira da ilha. Vim até aqui porque me
lembrei de também ter falado com alguém nesse lugar, mas não consigo entender.
Eu... era o garoto? Ou era outra pessoa?
Quem eu era?
Quero sentar na beira da ilha, nós três juntos, e assistir ao sol afundado em meio ao mar...
Nós prometemos... prometemos que íamos todos para a praia.
Não se esqueça, tá bom, Roxas?

A missão que recebera era a de fazer reconhecimento em outro mundo novo. Um lugar onde
nunca estivera, um mundo que nunca havia visto. Ele normalmente não se importava de explorar
lugares desconhecidos, mas agora já não tinha tanta certeza.
Roxas deixou os Corredores das Trevas, estreitando os olhos frente ao mundo que se abria
diante de si. Um oceano azul brilhante, um céu claro e reluzente. Aquele lugar se chamava... Ilhas
do Destino.
Por algum motivo, esse lugar me parece estranho, pensou Roxas enquanto caminhava pela
areia molhada onde as ondas iam e vinham.
Seu pé esbarrou em alguma coisa — uma concha. Parecia as que Xion trouxera para ele.
Será que ela já estivera lá...?
A praia... Ficou pensando se não era daquela que Xion estava falando quando disseram que
deviam ir todos juntos.
Foi quando viu uma figura de preto na ponte que levava à uma ilhota mais à esquerda.
Uma figura de preto — um casaco negro. Xion?
Roxas saiu correndo, gritando seu nome em meio à areia:
— Xion!
Ainda de capuz erguido, Xion se virou e o abaixou, revelando — Zexion.
Mas como? Ele não havia sido aniquilado? Por que estava ali?
— Certamente você já devia saber que isso aconteceria.
— Por que é que eu saberia?! — indagou outra voz.
188 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Roxas se virou, deparando-se com um garoto de cabelos prateados que nunca havia visto.
Zexion estava falando com ele.
— Você já esteve em um número de mundos em sua memória antes de vir para este. E
nestes mundos, só o que encontrou foram seres das trevas.
A cabeça de Roxas doeu com tamanha força que ele achou que ia explodir.
O garoto de cabelos prateados encarava Zexion.
— Isso é tudo o que resta em seu coração... memórias obscuras — disse Zexion. — Suas
memórias de casa se foram.
— Isso é mentira! Eu me lembro de todos daqui das ilhas! — gritou o outro garoto. — Eles
são os meus... meus melhores amigos...
Não... quem era esse? Quem foi que gritou?
Fui eu? Ou a Xion...?
— E quem foi que se desfez desses amigos? — perguntou Zexion.
Eu nunca abandonaria os meus amigos.
— Já se esqueceu do que você fez?
Não. Eu não me esqueci.
— Foi você que destruiu a sua casa!
Eu não destruí nada...!!
Mas ele não sabia. Talvez tivesse destruído.
A minha casa... de onde eu vim? Eu tenho uma casa?
O som das ondas era tão alto. Sua cabeça doía.

— É você, Riku...? — Naminé murmurou consigo mesma, erguendo o olhar para a capsula
onde Sora dormia.
Com as memórias vazando de pouco em pouco, algumas peças iam voltando para Sora. Ela
sentia tantas pessoas naquelas memórias. Não só uma — não, várias mais...
Os fragmentos vinham de várias fontes diferentes. As memórias de Riku também estavam
ali misturadas.
Ela se lembrava porque também tentara manipular suas memórias uma vez. Havia copiado
aquelas memórias para a Réplica. Mas por que a outra garota também estava absorvendo as
memórias de Riku?
O que está acontecendo?
O que exatamente é essa garota?

Riku embalou Xion gentilmente em seus braços enquanto dormia.


Sua cabeça latejava e sua testa se franziu em meio à dor. Por que estava doendo tanto...?
Ele começara a notar a dor de cabeça um pouco antes, quando ainda estava bem fraca,
depois de se lembrar do que Zexion lhe dissera. Ela agora estava ficando muito pior — passou de
suportável para excruciante. Por um momento, quase chegara a perder a consciência, enfrentando a
pior do de cabeça de sua vida. O que estava acontecendo?
— Quem... sou eu...? — murmurou Xion, ainda de olhos fechados.
Sentindo-se inquieto, Riku ergueu sua venda apenas um pouco e olhou para ela. E por um
único instante... ela pareceu outra pessoa.
Não Kairi, nem Naminé — era ele.
Quando a visão se desfez, sua dor de cabeça começou a aliviar. O que foi isso?
Foi quando Riku ouviu passos correndo pelo cais. Ele ergueu o olhar e viu Roxas disparando
em direção a um portal para os Corredores das Trevas.
189 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Estamos assistindo ao pôr do sol, nós três juntos. Tínhamos prometido que iríamos à praia.
Viu só? Cá estamos nós.
Xion observava o sol afundando em direção ao horizonte. Roxas e Axel estavam a seu lado.
O suave farfalhar das ondas preenchia o ar.
Nós sempre assistimos a pores do sol como esse. Mas eu sei que ele não é real. Estou só
sonhando com algo que muito desejei.
— Quer dizer que eu não deveria existir? — perguntou ela, a voz um sussurro.
— Bem, o que você quer fazer, Xion? — disse Axel.
Ela pensou por um momento. Agora que alguém estava perguntando, pela primeira vez ela
conseguia ver a resposta.
— Eu quero... quero ficar com vocês dois.
Sim, é isso. Eu só quero poder ficar com eles.
Mas eu sou uma anomalia. Apenas uma cópia. Não sou qualificada para ser um membro da
Organização.
— Então volta com a gente — disse Roxas. Ela adoraria, se pudesse.
— Eu não posso... não da forma como estou agora. Mas... o que eu precisaria para ser como
vocês? — ponderou Xion. Roxas e Axel não tinham uma resposta.
Eles apenas continuaram assistindo ao pôr do sol.

Xion estremeceu nos braços de Riku. Ele não queria se aproximar daquela forma ou se
tornar seu salvador. Mas um Nobody com algum tipo de conexão com as memórias de Sora estava
tentando fugir da Organização e ele pretendia ajudá-la com isso, ainda que apenas um pouco. Além
disso, podia acabar descobrindo mais a respeito do que ela estava fazendo.
Nunca imaginou que isso os levaria a se encontrarem nas ilhas que costumavam ser seu lar.
— Você é o...? — gemeu ela, abrindo os olhos.
Ele hesitou por um instante, sem saber como responder, mas então decidiu contar a verdade:
— Riku. Amigo do Sora.
— ...Sora? Você conhece o Sora?
— Sim. — Riku ajudou Xion a se erguer.
— Obrigada — disse ela.
Em resposta, Riku encolheu brevemente os ombros. Não estava acostumado a receber esse
tipo genuíno de gratidão dos outros.
— Você me salvou... mas eu não sei por que o fez.
— Acho que só me deu vontade — disse ele, evasivo, voltando sua atenção para o oceano. O
incessante farfalhar da maré nunca mudava.
Xion desviou o olhar para a pequena saliência na beira da ilha.
— Riku, por favor. Me conte mais... sobre o Sora e aquela garota que está sempre com ele.
— Se refere à Kairi.
— Kairi... Isso mesmo. É ela que tanto se parece comigo.
— Para o Sora, ela é alguém muito especial. — Riku focou o olhar no horizonte mais ao
longe. Apenas um ano se passara desde que os três conversaram juntos naquela mesma praia, mas,
ainda assim, parecia fazer uma eternidade.
— É que... eu me lembro de coisas sobre eles dois — disse Xion, perdida em pensamentos.
— Mas eu não passo de uma marionete, algo que alguém criou. Então por que eu teria as memórias
deles? O que isso quer dizer?
Olhando para o mar, Riku não sabia como responder.
190 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Você sabe onde o Sora está agora?
— Esse segredo fica comigo — disse ele.
— Mas por quê?
Riku resolveu que responderia todas as perguntas de Xion. Se ela realmente havia nascido
das memórias de Sora, então era uma parte dele e isso fazia de Riku incapaz de mentir para ela.
— Xion... As suas memórias... na verdade, elas pertencem ao Sora.
— Então quer dizer... que eu sou como uma parte dele?
Xion abaixou a cabeça, olhando para as ondas que molhavam seus pés.
— Quando as memórias dele se dispersaram, algumas se deslocaram para dentro de você.
Agora, Sora foi posto para dormir para que possamos realinhar as peças da memória dele. Mas...
Ela se virou, erguendo o olhar para ele.
— Vocês não podem, porque parte delas está dentro de mim. E isso quer dizer... que ele não
pode acordar.
— Sim. É exatamente isso. Mas se você vier comigo até o Sora agora, podemos devolver as
memórias que estão dentro de você para ele.
Frente à sugestão, Xion abaixou o olhar por um segundo — apenas um segundo, antes de
erguer os olhos de volta para Riku com uma expressão desafiadora.
— Então... você me odeia por eu ter tirado o seu amigo de você?
— Não. Só acho... que estou triste — respondeu Riku.
Falar com Xion daquele jeito fazia com que ele se lembrasse de Sora e de Kairi, da forma
como Sora a via. Então Riku não conseguia odiá-la.
— Me desculpa, mas... eu não posso ir com você — disse Xion. — São os meus amigos...
eles precisam de mim. E eu também preciso deles.
Amigos... A palavra ecoou no peito de Riku. Ela era forte o suficiente para ser honesta com
relação a seus sentimentos. Sora tinha essa mesma força.
— Talvez você deva tirar um tempo para pensar sobre o assunto — Riku disse a ela. —
Descubra quem é que mais precisa de você. E qual é o seu lugar.
— E como eu posso saber... qual realmente é o meu lugar? — Ela abaixou o olhar para a
areia. — Não sei se posso te prometer que encontrarei a resposta certa.
Mesmo sua insegurança era exatamente como em Sora.
— Bem, a resposta que você encontrar não pode ser a certa apenas para você — disse Riku.
— Tem que ser uma que funcione melhor para todos. Para você e os seus amigos, e para todos os
outros. Apenas pense a respeito.
Mesmo enquanto dizia essas palavras, Riku sentia que estava apenas evitando a verdadeira
problemática. Mas ainda era verdade, pensou, fixando o olhar na linha entre o céu e o mar. O sol da
tarde já começava a pintar a água de vermelho.
— Vou tentar. — Xion abriu um pequeno sorriso. — Obrigada, Riku.

Ele teria que se decidir de uma vez.


Observando distraidamente o pôr do sol, Axel deu uma mordida em seu picolé.
O que devia fazer? O que queria fazer?
Parecia já fazer um tempo que não conseguia pensar em nada.
Uma réplica, uma marionete manufaturada... e Nobodies, seres que não deviam existir. Axel
deu um grande suspiro, pensando se realmente havia muita diferença.
Nobodies não tinham corações. O que tinham era consciência de si, uma senciência guiada
pelas memórias. Mas Axel começara a se questionar ultimamente — se as memórias direcionavam
todas as suas ações, estava isso realmente limitado às memórias de suas vidas humanas? Será que
eles não poderiam ser influenciados pelas memórias de um dia antes — ou até de minutos atrás?
As memórias de quando eram humanos eram apenas mais vívidas.
O que eu quero fazer? E o que eu devo fazer?
191 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Ele não sabia se trazer Xion de volta para a Organização seria exatamente o melhor para ela.
Mas quando se sentava ali para tomar picolé, a resposta parecia perfeitamente clara.
E lá vinha a prova definitiva.
— Nossa... já faz um tempo. — Roxas parecia surpreso em vê-lo.
Axel se virou com um grande sorriso.
— Você acha?
Mas Roxas não tinha um sorriso no rosto. Axel não devia ter esperado um. Como sempre,
Roxas se sentou a seu lado.
— Eu fui à praia na missão de hoje — disse, fazendo uma pausa para dar uma mordida em
seu picolé. — Tinha uma garota lá meio parecida com a Xion...
Axel olhou para ele. Seus olhos pareciam um pouco opacos.
— Mas não consegui me aproximar o bastante pra dizer ao certo. Deve ter sido só a minha
imaginação. Pra ser sincero, não tenho nem certeza se a missão de hoje aconteceu de verdade... —
Roxas deu outra mordida no picolé. — Sinto como se eu tivesse acabado de acordar de um sonho
ou algo do tipo.
Pelo visto, o desaparecimento de Xion estava afetando Roxas de uma forma profunda. Sem
sequer olhar para Axel, ele continuou divagando:
— Vai parecer loucura, mas lembra que a gente prometeu que íamos todos pra praia?
— Aham.
— Eu senti que ela estava lá hoje. Mas... acho que foi só por que eu queria que ela estivesse
lá. — Roxas desviou o olhar para o pôr do sol, inabalável.
Eu tenho que me decidir de uma vez, né? Pensou Axel. Então acho que a hora é agora.
Ele se levantou devagar e alongou as costas.
— Tá a fim de procurar por ela?
— Hã? — Roxas finalmente olhou para ele. — Mas o Xemnas disse...
Axel sorriu.
— Esquece ele. A partir de amanhã, vamos usar o tempo vago que temos entre o trabalho e
os nossos encontros aqui pra tentar achar a Xion.
— Beleza... é, tá combinado! — Roxas assentiu e se levantou para olhá-lo no rosto. E então
abriu um sorriso.
Talvez a gente consiga ir pra praia juntos um dia. O sorriso no rosto de Roxas fez com que
a esperança se acendesse no peito de Axel, e ele rejeitou todas as dúvidas que surgiram depois.
Em vez disso, escolheu assistir ao pôr do sol.

192 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
193 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
ABRAÇANDO OS JOELHOS JUNTO AO PEITO, XION OLHAVA PARA A PAREDE DO
outro lado. Aquele mundo era tão quieto. Completamente silencioso.
Hollow Bastion, era como o lugar se chamava. Estava de volta ao pequeno quarto no castelo
gigantesco, o mesmo que certa vez pertencera a Riku, mas que agora era dela. Não sabia ao certo
quantos dias haviam se passado. Riku passava lá a cada dois ou três dias para ver como ela estava.
Tinha parado de sonhar com tanta frequência. Mas se lembrava do que tivera naquele dia —
nas Ilhas do Destino. Os três estavam juntos, na praia, assistindo ao pôr do sol.
Eu quero ficar com vocês dois. Este era o seu único desejo. O que devia fazer para ser como
eles? O bastante para que pudesse ficar com eles?
Sua origem era tão diferente. Talvez fosse impossível.
O que eu devo fazer?
Ela olhou para as mãos e então tirou as luvas. Seus dedos estavam brancos de tão pálidos.
Parando para pensar — ela não se via já há algum tempo. Quando estava na Organização, se
olhava no espelho todos os dias.
Como será que eu me veria hoje?

Parado em meio à caverna de Agrabah, Roxas suspirou.


Sua missão o havia levado até lá naquele dia, então, depois de terminar, aventurou-se mais a
fundo na caverna, até onde conseguiu, em busca de Xion. Mas não encontrou nada. Não havia nem
sinal dela em nenhum dos mundos onde estivera até então, nem do tal impostor da Organização que
ela estivera perseguindo. Apenas Heartless, que logo caíam frente aos golpes de sua Keyblade.
Tinha começado a dormir melhor desde que decidiram procurá-la. Aquela perpétua sensação
de que estava tudo encoberto por névoa ficara para trás, como nunca tivesse existido, e os mundos
estavam todos coloridos de novo. Ele se perguntava o que aquilo queria dizer.
Estivera passando por dias que não passavam de números a serem contados. Talvez perder
Xion fosse o que fazia tudo parecer tão triste — ou pelo menos era o que ele pensava. Mas agora ela
continuava desaparecida, e, ainda assim, ele se sentia melhor. O que havia mudado?
A única diferença era que ele e Axel haviam decidido procurar por Xion. Não sabia por que
isso seria o suficiente para mudar tanto assim o seu semblante.
Talvez suas memórias fossem tão indistintas porque não vinha fazendo nada além de seguir
ordens por dias a fio. Ia a um mundo diferente todos os dias, mas fazia basicamente a mesma coisa,
então não havia muito o que lembrar... Ainda assim, sentia que era mais que isso.
E não sabia sequer por que Xion deixara a Organização. Teria ela falhado em outra missão?
Ou talvez fosse alguma coisa com Saïx? O que teria acontecido a ela que Roxas não sabia? Era bem
verdade, Xion vinha agindo de forma estranha — mas não o suficiente para fazer com que ele
pensasse que ela deixaria a Organização.
O que houve...? Por quê, Xion?
E ele se viu rodeado por todas essas perguntas. Era tão frustrante. Roxas apertou a Keyblade
com tanta força que suas juntas ficaram brancas.
Estava tomado pela ansiedade. Começava a se perguntar — será que veria Xion de novo?
Amanhã, tentaria procurar em outro mundo.

Haviam dado a Axel a mesma missão outra vez: caçar o impostor, Riku. Vinha fazendo isso
já fazia algum tempo. Ficava esperando que em algum momento eles fossem mudar de tática e o
mandariam procurar por Xion, mas felizmente, — ou talvez infelizmente — Saïx nunca chegou a
lhe dar tais ordens.

194 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Axel fitou o oceano da Terra do Nunca e se inclinou para trás, alongando as costas. Também
não conseguira sentir nenhum rastro de Riku ou Xion por ali.
O que a Organização pretendia fazer a respeito de Xion, afinal? Iam simplesmente que ela
vagasse livremente por aí até que os levasse ao mestre da Keyblade? Ou... será que já sabiam onde
ela estava? Não... Se soubessem, não mandariam Axel procurar por Riku.
Ele não tinha dito a Saïx uma única palavra indicando que Xion provavelmente estava com
Riku. Mas não sabia ao certo por que estava guardando suas suspeitas consigo.
Entretanto, isso foi o que lhe permitiu que sugerisse a Roxas que procurassem por ela. Fora
uma escolha, uma decisão que o levaria rumo a um determinado caminho, e o que mais...?
Amizade?
A palavra fez com que Axel abrisse um sorriso torto. Suas dúvidas ainda existiam e ele
agonizava ao pensar o que seria o melhor a se fazer.
Será que algum dia ele encontraria a resposta?

Roxas e Axel se sentaram lado a lado, assistindo ao pôr do sol em seu velho ponto de
encontro na torre do relógio da Twilight Town.
— Não adianta. — Roxas suspirou. — Nunca vamos achá-la.
Eles haviam ido em mundo atrás de mundo em busca de Xion, mas não conseguiram nem
sequer uma pista como resultado.
— Tem certeza que não tem algum lugar que você ainda não olhou? — perguntou Axel.
— Eu já estive em todo lugar que eu sei como chegar. — Roxas abaixou o olhar para a ponta
de seus sapatos.
Se houver um lugar onde eu ainda não procurei... teria que ser um lugar aonde eu nunca fui
antes. Mas um lugar que a Xion conhecesse...
Então talvez...
Roxas começou a falar antes mesmo do nome lhe surgir na cabeça:
— O único lugar onde eu não procurei foi no Castelo do Esquecimento.
Ele olhou para Axel até que seus olhares se encontrassem.
Só podia ser isso. Podia se lembrar de Xion ter dito algo sobre o Castelo do Esquecimento.
Por que se esquecera disso até agora? Roxas continuou pensando alto:
— A Xion tava perguntando sobre lá, lembra?
As sobrancelhas de Axel se arquearam.
— E no dia antes de ela desaparecer, você disse que ela tinha sido mandada numa missão
importante — prosseguiu Roxas. — Quando você tem missões importantes, elas costumam ser no
Castelo do Esquecimento, não é? Então talvez a Xion...
— Olha, o lugar foi esvaziado, cara — interrompeu Axel, tentando fazer descarrilhar sua
linha de raciocínio. — Não tem nada lá.
Ainda assim... Roxas não podia deixar a ideia morrer.
— Sabe... foi de lá que ela veio. Do Castelo do Esquecimento.
— O quê? Sério? — gaguejou Roxas, surpreso.
— Era provavelmente por isso que ela tava perguntando sobre lá — acrescentou Axel.
— Eu não fazia ideia... — Roxas abaixou o olhar. Xion nunca lhe contara sobre isso. E Axel
também nunca tinha mencionado antes...
— Ei, eu também não — disse Axel. — Só fui descobrir a respeito faz um tempinho.
— O Castelo do Esquecimento... — murmurou Roxas, a cabeça longe. Quando haveria Xion
descoberto sobre suas origens lá? Assim como ele, ela não tinha memórias de seu passado.
E suas memórias de quando haviam acabado de se tornar Nobodies também eram confusas.
Então talvez fosse por isso que Xion quis descobrir mais sobre essa época estranha e obscura, ainda
que por conta própria. Mas eles nunca haviam discutido a respeito.
Talvez Xion estivesse sofrendo sozinha por tudo isso.
195 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Amigos deviam ajudar uns aos outros quando estão com problemas. Mas Roxas não pôde
fazer nada por ela. Ele abaixou a cabeça frente ao brilho do pôr do sol.

Ela sonhou pela primeira vez em um bom tempo.


Estava no Castelo do Esquecimento. Mas de quem era o sonho?
Ou talvez nem sequer fosse um sonho, pensou Xion, piscando devagar enquanto acordava.
Ainda não sabia o que encontraria. Mas sentia que tinha que avançar.
Todos os segredos estavam lá.

Axel rolou de um lado para o outro em sua cama e então olhou para o teto. Ainda havia um
tempo antes de ter que ir para a Área Cinzenta.
Ele mentira para Roxas no dia anterior. Embora não tivesse sido a primeira vez.
Uma mentirinha levara à outra e, mesmo quando disse a verdade, já estava preso numa rede
de falsidade. Havia realmente sido necessário contar a Roxas sobre as origens de Xion no Castelo
do Esquecimento? Estava começando a se arrepender disso.
Mas ele não queria mentir para Roxas. Esse sentimento também era muito real. Quase como
se tivesse um coração...
Ainda estava mentindo — bem, mentindo por omitir a verdade. Não podia contar para Roxas
toda a verdadeira sobre Xion agora. Na verdade, tinha quase certeza de que nunca poderia contar.
Axel se agarrava a uma fraca esperança de que guardar a verdade para si permitiria que tanto
Roxas quanto Xion continuassem a existir.
Permitir que eles continuem a existir? Ha. Nobodies nem sequer deviam existir pra começo
de conversa. Estava no nome deles: “Nobodies”, seres incorpóreos, inexistentes. Então por que ele
continuava pensando nisso?
Xion, o Castelo do Esquecimento... e Riku.
Aquele castelo era um lugar bastante especial. Se fosse até lá com Roxas, talvez acabassem
descobrindo alguma coisa.
Axel se levantou da cama. Tinha a sensação de que nada mudaria se não agisse agora.
Assim como uma mentira levara à outra e mais outra.
Se ia levar Roxas para o Castelo do Esquecimento, um motivo ajudaria. Como um inimigo
poderoso tendo aparecido por lá.
Um inimigo como o impostor da Organização. Como Riku.

Fazia um tempo desde a última vez que Roxas tivera uma noite agitada, mas o Castelo do
Esquecimento lhe dera uma. Ele foi para a Área Cinzenta um pouco mais tarde que o de costume.
Com sorte, a missão do dia seria rápida. Quanto mais tempo tivesse para procurar por Xion
melhor. Assim que pôs os pés no salão, notou que Axel e Saïx estavam em meio a uma discussão
acalorada. Roxas parou de andar quando entreouviu as palavras de Saïx:
— Então o impostor foi visto novamente...
— O impostor? — intrometeu-se Roxas. — Quer dizer...?
— Ele está vagando pelo Castelo do Esquecimento enquanto conversamos.
— Eu vou. — Suas palavras deixaram a boca num instante.

196 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Se encontrasse o impostor da Organização, poderia perguntar sobre Xion — mais que isso,
ele na verdade só queria ir ao Castelo do Esquecimento. Xion mencionara algo a respeito de ir para
lá, então talvez conseguisse descobrir alguma coisa.
— Não, sozinho você não vai. — Saïx o encarou com um desdém gelado. — Este alvo é
extremamente perigoso.
Roxas não foi dissuadido. Mas antes que pudesse insistir, Axel começou a falar:
— Então que tal se eu for junto?
Saïx se voltou para Axel com um olhar repreensivo.
— Eu conheço o Castelo do Esquecimento melhor do que qualquer outro que vista esse
casaco — salientou Axel, abrindo um sorriso.
— Muito bem — disse Saïx. — Vão, então, e ensinem a essa fraude qual é o preço por vestir
o nosso casaco.
Axel e Roxas trocaram um olhar e assentiram.
Talvez aquilo pudesse levá-los mais perto de encontrar Xion.

Riku caminhava pelos Corredores das Trevas com Xion. Fora ideia dela — havia dito que
queria voltar ao Castelo do Esquecimento.
O castelo ficava em um outro nível de estado liminar, em meio a todos os reinos.
Riku estava fazendo tudo em seu poder para cumprir com todas as expectativas de Xion.
Isso, acreditava ele, lhe mostraria o caminho para o que devia ser feito.
A bizarra silhueta do castelo começou a surgir em meio à escuridão. Sentia que sua forma
havia mudado desde a primeira vez que estivera ali, talvez até mesmo desde quando encontrara
Xion lá no outro dia — ou será que estava imaginando coisas?
Xion ergueu o olhar, como se em transe.
— Você está bem? — Por um instante, sua forma pareceu tremular.
— Eu tô legal. — Seu capuz estava erguido, escondendo seu rosto em meio às sombras, e
ele não pôde ver sua expressão.
O que é esse lugar, afinal? Pensou Riku. Por que ele foi criado...?

— Então esse é o Castelo do Esquecimento... — Roxas ergueu o olhar para o estranho


castelo. Ele nunca estivera ali antes.
Outro mundo novo... mas será que podia mesmo chamar aquilo de um “mundo”?
Estava mais para uma extensão da escuridão liminar dos corredores. Era o lugar onde Xion
nascera. E onde vários dos membros da Organização encontraram seu fim.
— O que tem nesse lugar? — ponderou Roxas.
— Eu te disse antes, tem uma unidade de pesquisa — disse Axel.
— Pra pesquisar o quê?
— Sei lá, pesquisa é pesquisa... Nobodies e Heartless, eu acho, esse tipo de coisa.
— E o que você fazia aqui, Axel?
A terceira pergunta lhe deixou sem palavras. Axel coçou a cabeça.
— Só reconhecimento... mais ou menos.
Roxas não pareceu satisfeito com a resposta.
— Como assim, mais ou menos?
— Coisas confidenciais — respondeu Axel, dando de ombros.
— Ugh, tá... — Roxas sabia que não conseguiria uma resposta de verdade agora que Axel
viera com essa história de “confidencialidade”. — Podemos entrar?
— Claro. Estamos aqui numa missão, não é?
197 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Roxas abriu a porta. O interior não parecia muito diferente que o castelo da Organização no
qual moravam. Ele pôs os pés para dentro... e uma estranha sensação tomou conta dele, como se, de
alguma forma, tudo ao redor estivesse perdendo o foco...
Esse atrás de mim é o Axel... não é? E você é aquele tipinho barulhento que fica grasnando
o tempo todo, junto com aquele outro que fala mais devagar... Espera, o quê...?
O que é isso—?
— Roxas?!
Enquanto ouvia Axel chamar seu nome com uma voz cheia de preocupação, foi acometido
por uma forte dor.
— Ugh... minha cabeça...!
Aquela agonia violenta não parou na cabeça. Seu peito também estava doendo. O que tá
acontecendo comigo?
— Calma, cara! Vem, vamos voltar por enquanto...
Ele sabia que era Axel quem o estava segurando pelo braço, mas...
“Não tem ninguém aqui.”
“Bom, não tenho certeza, mas algo me disse que ele estaria aqui...”
Sim, exatamente. Foi só dar uma olhada nesse castelo e eu já soube: nossos amigos mais
importantes... eles estão aqui.
A minha amiga...
Aquela que é mais especial para mim... Xion.
— Não... nós temos... que achar a Xion...
Mesmo dizendo isso, ele já estava no limite e, quando as palavras levaram toda a força que
lhe restava, Roxas caiu de joelhos. Doía. Tudo doía. Ele mal conseguia respirar.
“Neste lugar, encontrar é perder e perder é encontrar.”
— O-O que tá acontecendo?
Eu não consigo entender. De quem é essa voz? É... o Marluxia? Por que estou ouvindo a
voz do Marluxia?
E os outros... quem são vocês?
— Roxas! — Axel estava praticamente carregando-o.
Ele ergueu o olhar para o rosto aflito de Axel — que começou a se distorcer em sua visão.
Todas essas imagens... fluindo pela minha cabeça...
O que tá acontecendo?
— Vamos embora. Agora! — disse Axel.
— Não, espera... tem alguma coisa... eu quase posso...
Quase — mas não posso. Ele se sentia tão fraco.
“Já tá desistindo? Achei que você fosse mais forte que isso.”
De quem é essa voz? Quem tá falando comigo?
Desistindo? Eu não vou desistir. De jeito nenhum!
— ...Riku!
De repente, ele voltou à consciência num pulo. Sua cabeça pelo menos já não doía mais, mas
ele não fazia ideia do que havia acontecido.
— Opa, tudo certo aí? — Axel estava olhando para ele, claramente preocupado.
Eu desmaiei...?
— O que houve comigo...? — perguntou Roxas.
— Você desmaiou assim que passamos pelas portas do castelo. Não se lembra?
— Eu me lembro de ter entrado no castelo... — Ele se levantou. — Mas é só isso.
Eles ainda estavam no Castelo do Esquecimento. Mas tudo o que acontecera depois que ele
passou pelas portas era um branco total. Sentia-se um pouco zonzo, mas não muito mal.
Axel ainda parecia preocupado.
— Ei, você devia tomar um fôlego.
— Eu tô legal. Quero ver o que tem aqui...
Roxas começou a seguir em direção à porta do outro lado do salão — mas então as viu.
Duas pessoas de casacos negros observando ele e Axel.
198 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Uma delas ele não conhecia. Mas a outra definitivamente era...
— Xion?! — Roxas correu até ela. Tinha certeza que era ela.
Xion deu um passo em sua direção, mas então voltou a recuar. E atrás dela, um portal negro
se formou dentre uma espiral de trevas.
— Xion, espera!
Ela desapareceu em meio aos corredores. Quando Roxas tentou correr atrás dela, a outra
figura encapuzada bloqueou seu caminho.
— Sai da minha frente! — Ele invocou sua Keyblade, mas o sujeito seguiu pelo portal atrás
de Xion. Sem perder tempo, Roxas foi atrás.
— Roxas, espera aí! — Axel, por sua vez, correu atrás dele.

E agora...? Ela não esperava encontrar Roxas no Castelo do Esquecimento.


Teria ela sonhado com o castelo na noite anterior por que Roxas também estava pensando
nele? Nunca suspeitara que a conexão entre eles podia ser assim tão profunda.
Xion estava correndo. Mas não tinha para onde ir, sabia que não, e acabou parando num
lugar familiar — Twilight Town.
Ela correu pelas ruas de pedra e parou para recobrar o fôlego em um beco sem saída em
meio aos túneis.
— Você quer voltar?
— O quê...? — A pergunta a assustara, mas era Riku. Sua voz soou como um murmúrio
incerto: — Eu não sei. Ainda não decidi...
— Então vá para Hollow Bastion. Eu os distraio.
— Mas...
— Se você não sabe o que quer, então ainda não é a hora certa.
Ainda não é a hora certa... Xion assentiu e abriu outro portal.
— Obrigada, Riku.
Mais uma vez, ela desapareceu em meio aos corredores.

Ele seguiu a outra figura encapuzada.


Por que você tá fugindo, Xion? Qual o problema...?
Quando Roxas deixou os corredores atrás deles, ele chegou a Twilight Town. Sabia que não
estava seguindo Xion. Ainda assim, por algum motivo, ele precisava...
Estava tudo bagunçado em sua cabeça.
— Ei, Roxas, se acalma um pouco aí — disse Axel.
Mas como ele poderia fazer isso? Sentia uma agitação no peito.
— Eles se foram. Nós os perdemos. — Axel pôs uma mão em seu ombro. Roxas olhou de
volta para ele.
— Mas... a Xion...
— Não tinha como ser a Xion. — A voz de Axel soava indiferente, mas ele também estava
ofegante, uma vez que se vira obrigado a acompanhar o passo tão determinado de Roxas.
— Aquela outra era! A que fugiu primeiro — protestou Roxas. Ele tinha certeza.
— Pelo menos sabemos que ela tá bem — disse Axel. — Tenho certeza que ela vai voltar
pra casa quando estiver pronta.
Algo naquela resposta o incomodou. Era quase como se Axel estivesse deliberadamente se
fazendo de idiota.
— Mas eles não vão transformar ela numa Penumbra? — pressionou ele.
Axel suspirou profundamente.
199 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Não necessariamente.
Tá, mas e aí? Fala alguma coisa! Pensou Roxas, sua frustração aumentando cada vez mais.
— Quem era aquele cara que tava com ela? Por que ela tá cooperando com ele?
Ele sabe alguma coisa sobre a Xion.
Cerrando os punhos com força, ele mordeu o lábio e abaixou o olhar para a rua de pedra.

200 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
201 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
XION ESTAVA SENTADA EM SUA CAMA, ABRAÇADA AOS JOELHOS. SE FOSSE PA-
ra continuar desse jeito, podia também voltar para a Organização. Teria tudo sido em vão. Eu tenho
que tomar uma decisão agora.
Tinha ficado tão feliz quando viu Roxas e Axel no dia anterior. Feliz, mas... ela não sabia
como poderia encará-los.
Ouvindo alguém bater à porta, Xion ergueu o olhar.
— É você, Riku?
— Vou entrar. — A porta se abriu e Riku seguiu até a cama. — Estava em Twilight Town.
— E? O que houve? — perguntou ela, piscando enquanto olhava para ele. Sua resposta soou
baixa e apressada:
— Eu contei a eles onde você está. Só isso.
Ela não compreendeu. Riku notou sua confusão.
— Não resta muito tempo, Xion. Mas você já sabe disso, não é?
Sim, ela estava ciente — mas não sabia o que fazer. Riku não estava lá para salvá-la. Quem
Riku queria salvar... era Sora.
Ainda assim, ele a estava ajudando. Porque isso o ajudaria.
— Só o que eu posso fazer é te dar tempo para decidir o que é realmente importante para
você — prosseguiu ele. — Mas também não temos muito tempo para isso. Então, acho que talvez
seja melhor que você volte para lá, pelo menos por ora.
— Voltar...?
— Você não precisa encontrar a resposta de imediato. Mas procure não demorar muito mais.
Apenas vá, e logo se tornará claro para você como gostaria de passar o tempo que ainda te resta.
— Mas, Riku, eu... — Perdida em pensamentos, Xion abaixou o olhar para as mãos.
Certo... De toda forma, eu ainda irei para “casa”.
Então talvez o que o Riku está tentando dizer é que eu devo voltar para a Organização
primeiro. O fato de eu estar longe — isso está afetando o Roxas... e o Sora também.
Eu... estou com medo de encarar o Roxas.
Mas sei que não posso continuar me escondendo assim. Eu tenho que voltar.
Voltar para o meu lugar.

Toda vez que tentava acordar, tudo em que Axel conseguia pensar era como queria voltar a
dormir — ainda que tivesse descansado o suficiente.
Só queria ter um dia só para si e não fazer nada além de dormir. Isso provavelmente era
algum tipo de resquício de suas memórias humanas.
Além disso, aquele mundo era sempre escuro, mesmo pela manhã. O céu profundamente
índigo e sua lua em forma de coração do lado de fora da janela indicavam que podia muito bem ser
o céu noturno.
Axel rolou pela cama. Ainda tinha mais alguns minutos. Mas então começou a pensar no dia
anterior. Após desmaiar no Castelo do Esquecimento, Roxas chamou o nome do Riku. Assim como
quando Xion perdera a consciência e murmurara o nome de Sora.
O que tinha acontecido com o Roxas no Castelo do Esquecimento? Ele tinha se lembrado de
alguma coisa? Sem as memórias de sua vida humana, Roxas não podia saber quem era Riku. Mas
ele chamou seu nome. Isso só podia significar que, de alguma forma, uma memória voltara para ele.
Isso o inquietava.
Talvez tivesse sido uma má ideia levar Roxas ao Castelo do Esquecimento para sacudir a
sua memória. Eles haviam se aventurado pelo castelo na expectativa de descobrir aonde Xion fora
— mas Axel não imaginava que realmente a encontrariam.
E Riku, a outra figura de casaco negro...

202 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Axel vira Riku diversas vezes naquele castelo, quando Roxas ainda era bastante novo. Não
gostava de se lembrar de toda a intriga agora, nem de como tratou a Réplica. Afinal, havia sido ele
quem determinou qual seria o destino da Réplica.
O que mudou desde então? Não sabia dizer se foi a Organização, ele mesmo, ou talvez algo
completamente diferente. Mas as coisas definitivamente estavam diferentes.
Roxas e Xion eram como um par de espelhos, um refletindo o outro, de novo e de novo. Mas
será que isso era mesmo tudo? Xion era apenas um receptáculo, um disco vazio capaz de copiar os
“poderes” de Roxas.
Cada Nobody derivava sua personalidade e habilidades das memórias que tinham de suas
vidas humanas. Mas o que exatamente eram essas habilidades? O que dava origem a elas?
A resposta que lhe vinha à mente era a própria presença da memória. Estavam acorrentados
a suas memórias e esses laços eram o seu poder. Então era justo dizer que Roxas e Xion estavam
ligados às mesmas memórias. Quando os poderes de Roxas foram copiados para Xion, ela também
absorveu suas memórias.
Mas, por algum motivo, Axel sentia que ainda havia mais alguma coisa.
No Castelo do Esquecimento, Roxas chamara por Riku. Axel imaginou que a estranha aura
do castelo tinha provocado algum tipo de reação em suas memórias, como partículas metálicas num
campo magnético — mas talvez ele estivesse errado. Tudo a respeito das memórias de Roxas era
extremamente incerto.
— Mas e se...? — murmurou Axel. E se copiar as memórias de Roxas não fosse tudo o que
Xion estava fazendo?
Ele sabia quais eram as perguntas com as quais tinha que lidar, mas não conseguiria chegar
às respostas sozinho.
— Ugh, essa história já tá começando a me encher — grunhiu, imaginando o rosto de Saïx
se relatasse tudo isso a ele.
Aqueles dias como um trio foram tão maravilhosos. Por que aquilo teve que acontecer?
Sentiu uma pontada na memória que tinha de seu coração. Romper uma amizade sempre
fora assim tão doloroso? Era difícil dizer, uma vez que já não tinha mais um coração.
— Não quero levantar...
Mas ele logo se arrastou para fora da cama, alongando as costas e estalando o pescoço. Se
quisesse falar com Saïx, teria que ir para a Área Cinzenta mais cedo.
Aparentemente, seria outro dia ruim.

Roxas não esperava que fosse dormir muito bem, e estava certo. Ele se sentou e esfregou os
olhos. Sentia um grande peso no meio da cabeça, como se houvesse alguma coisa pressionando o
espaço entre sua testa e sua nuca.
Mas ontem... ontem, eu vi a Xion.
Por que ela estava me evitando? Por que estava fugindo de mim?
Axel também devia ter notado que era ela. Fora Axel quem havia dito que podiam sair para
procurar por ela, e Roxas procurara e procurara sem parar. Mas tinha a impressão que Axel não
fizera o mesmo.
E no dia anterior — Axel não demonstrara sentir a mesma urgência. Bom, talvez fosse por
que ele era um Nobody — ele não sentia nada. É claro, um coração que não existia não podia doer
pelo desaparecimento da amiga. Mas Roxas também não tinha um. Então por que vinha sendo tão
doloroso para ele desde que Xion se fora?
Ele estava triste. Os dias se arrastavam em meio a uma infindável neblina acinzentada, como
se o tempo simplesmente estivesse passando, e nada mais era divertido.
Não conseguia entender o que se passava pela cabeça de Axel enquanto procuravam por
Xion. Não conseguia entender o Axel, ponto.
Roxas se levantou da cama e deu uma rápida olhada no espelho.
203 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Será que teria tempo para procurar por Xion hoje...? Ele balançou a cabeça, tentando aliviar
a sensação de inquietação em seu peito, então saiu pela porta e desceu o corredor. Mas — antes de
chegar ao salão, encontrou Axel e Saïx pelo caminho.
— Tá me mandando fazer o quê?!
— Agora que Xion fez contato com o homem de casaco negro, diga-me que outra escolha
nos resta.
A óbvia tensão no ar deixou Roxas curioso, mas assim que o viram se aproximando, os dois
imediatamente se silenciaram.
— Hm, Axel...?
Axel desviou o olhar.
O quê? Por que ele não tá me olhando? Eles estavam falando sobre alguma coisa que não
era pra eu ouvir? Sem saber exatamente o que perguntar, Roxas hesitou.
Saïx quebrou o silêncio:
— Xion nos traiu.
— O quê?! — Era como se as palavras lhe tivessem tirado o fôlego. Mas Saïx não lhe deu
tempo para assimilar:
— Você viu aquela criatura conspirando com o impostor. Qual outra prova nós precisamos?
— Isso não é prova! — retrucou Roxas. — Quem sabe por que ela tava com ele?!
Só por que a viram com aquele outro cara queria dizer que ela traíra a Organização? Roxas
não acreditava nisso. Ele desviou o olhar para Axel, desesperado — mas Axel se recusava a olhá-lo
nos olhos. Por que você não diz nada?
— Acho que todos nós já sabemos, e você só não quer aceitar — comentou Saïx, a voz
pingando desdém.
— Ele pode ter ameaçado ela... — murmurou Roxas. Saïx apenas bufou para ele.
— Poupe-me da mostra repulsiva desses seus sentimentos forjados.
Mas era só nisso que Roxas conseguia pensar. Xion jamais trairia a Organização... ou seus
amigos. Trairia? Ele olhou para o chão, seus punhos cerrados junto ao corpo.
Nobodies e humanos realmente eram assim tão diferentes?
— Eu não tô fingindo! — Ele então ergueu a cabeça e encarou Saïx. — Por que é tão ruim
assim darmos o benefício da dúvida uns pros outros?!
— Chega, Roxas. — Axel pôs um braço em sua frente antes que ele se lançasse contra Saïx.
— Para e se acalma um pouco.
Roxas mordeu o lábio. Já não sabia mais o que pensar.
Saïx olhou para ele de nariz erguido.
— O impostor reapareceu em Twilight Town. Vá até lá e destrua-o, Roxas... como esperava
que fizesse ontem.
— O quê...? Destruí-lo? — balbuciou Roxas.
— Sim, destruí-lo — respondeu Saïx, agora tranquilo e profissional. — Parece-me que você
precisa de ordens claras, ou simplesmente deixará o alvo escapar. Esta é uma missão de eliminação.
Roxas abaixou a cabeça, sem dizer nada.
— Axel, traga Xion de volta. Amarrada e amordaçada, por mim tanto faz. E se aquela coisa
se provar problemática demais, então estará autorizado a adotar medidas mais permanentes.
— O quê?! — exclamou Roxas. — Saïx, não!
— Roxas. Calma! — Axel teve que segurá-lo novamente para que não pulasse com tudo em
cima de Saïx.
— Vocês têm suas ordens. Podem partir. — Saïx logo se foi.
Mordendo o lábio, Roxas abaixou o olhar para os sapatos, furioso.
O silêncio perdurou por tempo o suficiente para se tornar desconfortável, até que Axel coçou
a cabeça e suspirou.
— Bom, isso é mesmo sacal, hein?
Sem Saïx para usar de escape, Roxas voltou sua fúria para Axel:
— Você não vai mesmo seguir essas ordens, né?!
Axel apenas coçou a cabeça de novo.
204 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Relaxa. Vou pensar em alguma coisa esperta quando encontrá-la.
— Alguma coisa esperta...?
— É. Só confia em mim, tá bom? — Axel deu uma batidinha no ombro de Roxas.
Eu confio nele... quero confiar nele. Sei que sim. Roxas desviou o olhar para o chão outra
vez. Sei que posso confiar no Axel. Mas ainda assim...
— Só se preocupa com você mesmo — disse Axel. — Aquele cara do casaco não parecia do
tipo que se deixa abater sem luta.
— Sim, eu sei. — Roxas assentiu, ainda sem olhá-lo nos olhos.
— Enfim, vamos nos separar pra dar uma olhada em Twilight Town.
— Hã? Por quê? — perguntou Roxas, erguendo o olhar. Não via por que não podiam
trabalhar juntos.
— Vamos encontrar nossos alvos mais rápido se nos dividirmos. Matemática básica. Vem,
vamos indo — incitou.
Roxas tentou mexer os pés, mas eles pareciam pesados.
As coisas já não eram mais as mesmas entre eles. Ele não sabia o que fazer. Como eu posso
consertar as coisas...?

Teria Roxas notado que ele estava mentindo?


A cabeça de Axel divagava à medida que descia pela ladeira que levava da praça da estação
à praça do bonde.
Provavelmente seria melhor se ele nunca descobrisse, pensou Axel. Mas seria otimismo
demais acreditar nisso.
Roxas estava começando a indignar-se com a Organização por conta de Xion. Era uma ideia
desconfortável, mas Axel tinha parte da culpa e começava a se preocupar que as incertezas de
Roxas também o incluíssem.
E ele continuava sem saber com certeza o que seria o melhor para Roxas ou para Xion. Não
sabia dizer o que aconteceria se os dois continuassem a estabelecer contato. A única coisa que sabia
era que Xion estava copiando as memórias e poderes de Roxas.
O que aconteceria se o processo se concluísse? Também não sabia dizer.
Axel continuou caminhando. Queria encontrar Xion antes que Roxas o fizesse — e foi por
isso que sugeriu para se separarem. Se conseguisse encontrá-la primeiro, talvez pudesse aliviar um
pouco da tensão.
Mas como todos poderiam ficar satisfeitos sem que ninguém saísse ferido? Como poderia
fazer isso acontecer? Duvidava que fosse possível. Mas não queria dizer que ele desistiria.
Ele continuou a andar.

Incerta quanto ao que fazer, Xion empoleirou-se no telhado de uma casa na praça do bonde.
Lá ficava a loja onde sempre compravam seus picolés para tomarem juntos.
Será que ainda conseguiriam voltar fazer isso?
Riku dissera que se ela esperasse em Twilight Town, Roxas e Axel certamente apareceriam.
Mas ela continuava hesitante. Devia mesmo deixar que eles a vissem? Devia mesmo voltar para a
Organização?
Sabia que teria que deixá-los de novo algum dia. Mas agora...
De repente, batendo os olhos numa figura familiar, Xion se levantou num pulo.
— Roxas...
Ele parou de andar, virando a cabeça de um lado para o outro — procurando. Provavelmente
por ela. Ou talvez por Riku.
205 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Ela devia simplesmente... aparecer diante dele? O que devia fazer?
Mas enquanto hesitava, Roxas ergueu o olhar. E ele a viu.
— Xion...!! — exclamou.
Ela fugiu como um animal assustado. Como poderia encará-lo?
Roxas a perseguiu. O que podia dizer a ele?
Não restava muito tempo, Riku lhe dissera. Mas isso significava que pelo menos um pouco
ainda restava. Ele não dissera quanto. Nem lhe dera nenhum conselho quanto ao que fazer com ele.
Só o que fez foi lhe dar um empurrãozinho.
Mas agora ela estava correndo. Seus pulmões doíam. E ela estava perdida.
Avançando pela praça, havia uma série de garagens — e um beco sem saída.
— Xion!
Não posso mais fugir. Xion parou e tirou o capuz para poder olhar para Roxas.
Um sorriso estranho e desajeitado se formou em seu rosto enquanto ele se aproximava um
passo. Inconscientemente, ela desviou o olhar.
— Onde você esteve? O Axel e eu te procuramos por toda parte.
— Procuraram? — Ela ainda não conseguia olhá-lo nos olhos. — Sinto muito.
Ela não sabia ao certo pelo que estava se desculpando, mas não conseguia pensar em mais
nada para dizer. Talvez sentisse muito por ter desertado ou... alguma outra coisa na lista infinita.
Roxas se aproximou mais um passo, estendendo a mão em sua direção.
— Vamos pra casa — disse Roxas, aproximando-se mais um passo enquanto estendia a mão
em sua direção. — Se você voltar voluntariamente, o Saïx vai deixar isso tudo de lado. Ele tem que.
Saïx — mas o Saïx não é o problema. Eu sou. Eu sou o problema.
E o Roxas nem sequer sabe disso.
Xion sentiu uma pontada no peito. Ela cerrou o punho naquela altura e abaixou a cabeça.
— Eu não ligo pro que ele te disse. Eu vou estar lá.
Ela ergueu o olhar frente à persistente declaração de Roxas. Seu sorriso inocente fez seu
peito doer ainda mais. Eu... eu não posso...
— Eu e o Axel vamos garantir que...
Xion balançou a cabeça, interrompendo-o. No fim, eu não vou conseguir.
— Eu não posso voltar.
— Por que não? — indagou Roxas, magoado. — Vamos...
Mas ela não tinha uma resposta para ele. Nem mesmo ela havia conseguido encontrá-la.
Ela lhe virou as costas. Queria fugir — dali, da Organização, de Roxas. De si mesma.
— Espera! — Roxas agarrou sua mão.
Ela não se mexeu. Não faço a menor ideia do que fazer. O que eu devia fazer? Eu não sei.
Mas fugir é ruim... então o que eu faço? Talvez...?
Devagar, Xion se virou para ele, invocando a Keyblade em sua mão.
— O...o quê...? — Roxas arfou.
Sua Keyblade era idêntica à que Roxas lhe emprestara daquela vez.
Sinto muito, Roxas. Eu não posso, não ainda...
Quando ergueu o braço para apontar a Keyblade para ele, alguma coisa imediatamente a
rebateu. Um anel envolto em lâminas — um chakram. Axel...!
— Ora, é um prazer revê-la, Xion. — Lá estava Axel, encarando-a com um sorriso. Roxas
também se virou para olhar para ele.
Então é assim que vai ser. Talvez. Não, com certeza. Xion se lançou contra Axel, atacando-o
com a Keyblade. Não tinha intenção de perder, mas ainda tinha suas dúvidas. O Axel sabe, não é?
Eu provavelmente não posso voltar para a Organização. O que será que ele acha?
Ela ouviu Roxas suplicando:
— Não, espera!
Sinto muito, Roxas. O Axel sabe o que eu sou e vai dizer para eu voltar. O Riku me deu essa
chance, mas... eu não posso voltar. Não com as coisas assim.
Xion recuou num salto, afastando-se de Axel, e deu um grito furioso. Então — lançou-se
contra ele novamente.
206 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
207 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Parem! — gritou Roxas.
Por que aquilo a fez vacilar?
O ar pareceu congelar à sua volta — não, ela apenas não conseguia respirar.
De repente, sentiu uma presença atrás de si, seguida por um golpe em suas costas. Então
tudo ficou escuro.

Havia chegado tarde demais. Roxas encontrara Xion primeiro.


Axel cruzou os braços e entreouviu a conversa dos dois.
Se Roxas conseguisse persuadi-la a voltar, melhor ainda. Mas Xion tomara sua decisão: um
não definitivo.
E a decisão que Axel tomou foi a de incapacitá-la. Naquele momento, determinou que não
havia outra forma. Acreditava que havia escolhido o caminho que menos magoaria Roxas.
Mesmo agora, não sabia ser fora a escolha certa. Mas tinha certeza — ou quase — de que
era a melhor das alternativas que tinha.
Quando Roxas gritou para que parassem, Xion hesitou apenas por um segundo — mas fora o
suficiente para que se esgueirasse por trás dela e a nocauteasse com um golpe direto na nuca. Ele a
segurou enquanto caía e Roxas logo correu até os dois.
Axel se virou e, abrindo os Corredores das Trevas diante de si, seguiu de volta para o castelo
com Xion, sozinho.
Ainda não fazia a menor ideia de como explicar as coisas para Roxas, seus pensamentos tão
embaralhados que não conseguia sequer começar a procurar as palavras certas. Todas essas dúvidas
a respeito de si mesmo foram o que o levou a virar as costas para seu amigo. Talvez isso, se não
todo o resto, plantasse as sementes da desconfiança em Roxas. Mas naquele momento, Axel não
vira outro caminho.
Xion tinha suas próprias dúvidas e fora por isso que rejeitara Roxas. Axel não fazia ideia do
que aconteceria aos dois depois daquilo. Algum dia, ela chegaria à sua decisão, então por ora ele
precisava obedecer a Organização — e Saïx.
O que ela faria agora? O que aconteceria com ela?
E com Roxas?
Olhando para a cápsula onde Xion agora estava adormecida, Axel começou a imaginar o que
viria a seguir.

Roxas abaixou a cabeça. O sol de fim de tarde brilhava em suas costas arcadas, uma grande
sombra se alongando diante dele.
Por quê...? Por que aquilo estava acontecendo? Não conseguia entender. Por que Axel o
abandonara em Twilight Town. Ou mesmo o que acabara de acontecer.
A Xion ergueu a Keyblade dela contra mim. O Axel lançou um chakram para defleti-la. Eu
não pude fazer nada.
Por que ela me ameaçou com a Keyblade? Por que estava dizendo que não podia voltar?
Por que o Axel a atacou? A gente podia ter conversado mais com ela se ele não tivesse começado a
luta. Por que ele tinha que ter feito aquilo?
Roxas estreitou os olhos frente à luz do sol, brilhante e calorosa. Precisava ver Xion.
Ele abriu os Corredores das Trevas e adentrou o portal negro.
Quando chegasse ao Castelo Que Jamais Existiu, iria diretamente para o quarto de Xion. Ela
certamente estaria lá, descansando após toda aquela provação...

208 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Axel estava esperando pelo retorno de Roxas. Pretendia fingir que não, é claro — apenas
toparia com ele por acaso. Ele se recostou na parede do grande corredor, olhando vagamente para o
espaço vazio diante de si.
Havia posto Xion para dormir numa cápsula em vez de sua cama, pois ela não mais estava
sendo tratada como um Nobody que já fora humano. Sua condição refletia o que ela realmente era.
E ele ainda não podia deixar que Roxas descobrisse.
— Axel!
Ao som de seu nome, Axel ergueu o olhar. Roxas estava furioso, talvez como já era de se
esperar, mas Axel ainda assim respondeu com um sorriu no rosto:
— Ah, e aí, Roxas.
— Cadê ela? — indagou Roxas, sem fôlego devido ao esforço.
— A salvo — disse Axel. Roxas agarrou a gola de seu casaco e gritou:
— Como pôde fazer aquilo com ela?!
— Aquilo o quê?
A tranquilidade persistente de Axel pareceu acalmar pelo menos um pouco a fúria de Roxas,
que abaixou o olhar. Sua voz soou baixa e derrotada:
— Você não tinha que ter usado força...
Dando de ombros, Axel deu um suspiro exageradamente teatral.
— Não tinha?
Ainda com as mãos segurando a gola de Axel, Roxas sacudiu a cabeça com a ênfase de uma
criança birrenta.
— É claro que não... — Mas ele soou tão incerto ao dizer isso que sua voz se tornou ainda
mais baixa. — Nós três devíamos ser melhores amigos.
Devagar, Axel afastou as mãos de Roxas.
— Isso não se trata de amizade.
Roxas ergueu a cabeça. O olhar em seus olhos azuis parecia afiado como uma faca.
Axel nunca o havia visto daquele jeito antes. Sentiu uma pontada no peito, bem pequena.
Deu outro suspiro.
— Olha, se isso é tudo, eu tenho que ir.
Roxas abaixou a cabeça de novo e alguma coisa em sua expressão pareceu enfraquecer a
resolução de Axel.
Eu só fiz o que achei que seria o melhor a ser feito naquela hora. Pelo Roxas, pela Xion,
pela Organização — e pelo Isa. Mas, acima de tudo, por mim.
Ele virou as costas para Roxas e se forçou a partir.

“Não tinha?”
Essa fora a resposta de Axel. Ele tinha. Será mesmo?
Roxas mordeu o lábio, os olhos voltados para o chão branco.
Talvez Axel estivesse certo, mas ele com certeza podia ter encontrado outra forma. Mas
agora, Roxas queria perguntar sobre Xion. Queria vê-la.
Ele juntou as forças e correu o resto do caminho até seu quarto. Bateu na porta e entrou com
tudo — mas não havia nenhuma Xion adormecida para ser encontrada lá.
— Xion...?
Ele permaneceu parado desamparadamente junto à cama.

209 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Após deixar Roxas, a divagação distraída de Axel pelos corredores foi interrompida quando
viu outra pessoa.
Recostado na parede de braços cruzados estava aquele que certa vez fora seu melhor amigo,
— Saïx — provavelmente esperando por ele. Mas Saïx manteve o olhar fixo num ponto imaginário
embaixo do chão.
— Tem certeza que as coisas estão melhores desse jeito? — disse Axel, pensando alto.
Finalmente, Saïx ergueu o olhar.
— Nunca imaginei que você fosse questionar isso.
Questionar? Bom, era uma forma de se referir às dúvidas que bombardeavam seu peito.
Deixando seu lugar junto à parede, Saïx se aproximou.
— Qual é mais precioso para você? Roxas ou a marionete?
Axel desviou o olhar. “Precioso” para ele? Como poderia saber algo sobre isso sendo que
era apenas um Nobody?
— Ou então, veja desta forma — disse Saïx, como se tivesse ouvido seus pensamentos. —
Qual você preferiria sofrer a perda? Uma amizade de faz de conta idiota... ou uma verdadeira?
A resposta para isso era óbvia. Se tivesse que escolher entre Roxas e uma marionete, Axel
sabia perfeitamente qual dos dois ele salvaria.
— As coisas finalmente se ajeitaram novamente — prosseguiu Saïx. — É claro que estamos
melhor desse jeito.
Axel não tinha resposta para essas palavras. Talvez por que não queria mais afastar Saïx.
— Xemnas está tenso com todos os “consertos” que tivemos que fazer. Temos que acertar as
coisas. Há simplesmente muita coisa em jogo... Lea.
Ouvindo seu velho nome, Axel ergueu o olhar e viu que Saïx o fitava fixamente. Lembrou-
se de quando era humano. As memórias começaram a brotar dentro dele, preenchendo o espaço
vazio em seu peito. Para um Nobody, memórias tinham todo o peso de um “coração”.
Eu me lembro. Eu não vou esquecer. Mas aqueles pores do sol com Roxas e Xion também
faziam parte de suas memórias.
Axel desviou o olhar de Saïx novamente, abaixando a cabeça em direção ao nada.

A Xion não tá aqui.


Roxas arrancou de seu quarto e saiu correndo. Estava tomado por uma terrível ansiedade.
Ela não tá aqui. O Axel trouxe ela de volta, mas ela não tá aqui.
Ele passou por Xaldin no corredor.
— Ei, você viu a Xion?
Xaldin parecia completamente desinteressado.
— Por que eu saberia algo a respeito de Xion?
— Certo... — Roxas continuou correndo em direção ao salão.
Por que estava tão nervoso? Só queria falar com ela — sobre Axel, sobre o que acontecera,
sobre o que aconteceria a seguir.
No salão, encontrou Luxord no sofá, com suas cartas espalhadas sobre a mesa de centro.
— Você sabe cadê a Xion? — perguntou Roxas, atrás dele.
Luxord parou antes de virar uma das cartas e se voltou para Roxas.
— Não estava ciente de que Xion havia retornado.
— Então você não viu ela?
— Esta certamente é a implicação, sim. — Luxord voltou a suas cartas.
Roxas deu um breve suspiro e abaixou a cabeça, desamparado. Ninguém sabia onde ela
estava. Bom, o Axel provavelmente sabia — mas não queria falar com ele. E embora Saïx pudesse
saber, não podia esperar uma resposta direta vinda dele quando o assunto era Xion.
Então, só o que resta... talvez...
210 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
A única pessoa que lhe veio à cabeça foi a solene figura com quem nunca falara desde que
se juntara à Organização. Ele se virou para a janela e olhou para a grande lua em forma de coração
que pairava no céu.
Xemnas. Ele devia saber algo a respeito de Xion.
Roxas cerrou os punhos, mordeu o lábio e deixou a Área Cinzenta.
Tomar a decisão de perguntar para Xemnas era uma coisa, mas não fazia ideia de como
encontrá-lo. O lugar onde normalmente via Xemnas era... na Sala Circular.
Então esta era a sua próxima parada. Parando para pensar, aquela seria a primeira vez que
entrava na Sala Circular daquele jeito, andando. Não — havia entrado assim quando Axel o levara
lá pela primeira vez. Só não o fazia quando eram convocados.
Roxas abriu as grandes portas brancas e ergueu o olhar em direção aos treze assentos que se
assomavam ao redor da sala. E, como se soubesse que Roxas viria, Xemnas estava lá.
Repousando o queixo em sua mão, ele olhou para Roxas.
— Preciso perguntar uma coisa — disparou Roxas.
Xemnas respondeu com uma calma estoica:
— E o que seria?
— O que houve com a Xion? Pode me dizer?
A boca de Xemnas formou um sorriso simulado.
— Pode acalmar sua mente. Xion é um membro de grande valor para a nossa Organização,
mas ela precisa de repouso.
Um membro de grande valor para a Organização. Essas palavras o tranquilizaram um pouco
e a notícia de que estava apenas em repouso ajudou um pouco mais. No entanto, Roxas duvidava
que Xemnas satisfaria mais de sua curiosidade.
Foi quando, de repente, tudo começou a perder o foco diante de seus olhos — mas ele
conhecia aquela sensação. Era a mesma distorção que havia sentido no Castelo do Esquecimento.
Tomado pela vertigem, ele abaixou a cabeça, tentando não perder o equilíbrio.
E então ouviu uma voz:
“Sora.”
Não, era uma memória.
Era como Xemnas o havia chamado uma vez, naquela praia negra.
— ...Sora. — Roxas murmurou o nome em voz alta. Xemnas deu uma breve risada e, com
isso, Roxas ergueu o olhar.
— Quem é Sora?
Após fitá-lo em silêncio por um momento, Xemnas respondeu, a voz um sussurro:
— É a conexão.
— Do quê? — disse Roxas, confuso.
— Ele é o que faz você e Xion parte da vida um do outro. E o motivo pelo qual pus Xion
dentre nossos números.
Ele é o que faz de nós parte da vida um do outro...? O que aquilo queria dizer?
— Se quiser que ela continue assim, — prosseguiu Xemnas — devo insistir que afaste sua
mente dessas distrações desnecessárias. Colocarei Xion de volta a suas tarefas amanhã. Hoje, você
deve se focar nas suas.
Roxas não tinha motivos para pensar que ele estivesse mentindo. Mas o que era essa tal
“conexão”? Xemnas dissera para não deixar que suas dúvidas o distraíssem se quisesse que Xion
ficasse com eles. Devia simplesmente deixar as coisas do jeito que estavam?
Ele não queria.
Ainda assim, saber que Xion ainda era considerada parte da Organização era muito mais
importante que quaisquer outras dúvidas que pudesse ter. Então Roxas assentiu.
— Tudo bem.
Satisfeito, Xemnas finalmente desapareceu do assento mais alto, deixando-o sozinho com
seus pensamentos em meio à Sala Circular.
— Conexão...?

211 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
212 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
ALGO DEFINITIVAMENTE ESTAVA ERRADO.
Naminé ergueu o olhar para a cápsula de Sora, tão nervosa que mal conseguia respirar. Já é
tarde demais...?
Passos acelerados anunciaram a presença de DiZ.
— O que houve aqui? — indagou.
— É o Sora... Suas memórias pararam. — Naminé desviou o olhar para os dispositivos de
monitoramento ao lado da cápsula. Os dados ali exibidos contavam a mesma história.
— Pararam?
Naminé deu um breve suspiro e olhou de volta para a cápsula.
— A menos que algo seja feito, ele nunca acordará de seu sono.
DiZ também examinou a cápsula por um momento.
— Muito bem, então. Terá que ser do jeito difícil.
— Mas...! — Ela começou a protestar, abaixando a cabeça.
Ela sempre soubera. Como DiZ havia dito, chegaria um dia em que teriam que tomar as
memórias de Sora de volta à força. Ainda assim, quando pensava em Roxas e naquela garota, não
conseguia aceitar o fato de que não havia outra forma.
— Aqueles Nobodies nem deveriam existir para início de conversa... como você bem sabe,
Naminé.
— Sim... — murmurou ela, ainda que ouvir aquelas palavras fosse como uma apunhalada
em seu peito. É claro, Nobodies não deviam existir. Incluindo ela.
Mas, ainda assim — doía.
Naminé abaixou a cabeça, olhando para o nada.
Sora, ainda adormecido na cápsula, quase parecia repudiá-la.

Na Sala Circular, Saïx ergueu o olhar para Xemnas mais ao alto.


— Tem certeza de que estamos lidando com Xion e Roxas de forma adequada?
Seu tom de voz estava visivelmente diferente do normal, como se falasse com um velho
amigo em vez de um superior.
— Devo admitir, Xion se distanciou da nossa concepção original — respondeu Xemnas. —
Mas este seu comportamento imprevisível está provando ter um efeito colateral interessante.
— Mesmo? — disse Saïx, pouco convencido.
— A Chave...
Chave? A chave que conecta tudo, talvez? A Keyblade era a chave para os mundos. Poderia
ela destrancar também todos aqueles mistérios?
— A exposição de Xion a Roxas efetuou uma transferência de poder para ela, assim como
esperávamos — continuou Xemnas. — Se as coisas tivessem parado aí, Xion teria sido um sucesso
inequívoco. Mas então, através de Roxas, o próprio Sora começou a transformá-la. De “algo”, ele a
tornou “alguém”, dando a Xion um senso de identidade.
A influência de Sora se provara mais forte do que puderam prever. Aparentemente, aquele
era o poder de um portador da Keyblade.
— Nossos planos pareciam ter falhado naquele momento, mas então me ocorreu: Xion está
mantendo as memórias de Sora aprisionadas, clamando-as como se fossem suas.
Esses acontecimentos que a Organização fora incapaz de antecipar representavam também
um problema inesperado para Sora e seu sono, assim como para aqueles que buscavam protegê-lo.
— Se a mantivermos perto de Roxas, garantiremos que Sora jamais volte a despertar —
concluiu Xemnas.
— Compreendo. Mas e quanto ao impostor de casaco negro?
A outra coisa que preocupava Saïx era o sujeito encapuzado — Riku.
— Aquele impertinente? Garanta que fique longe do Roxas. Ele apenas representará uma
ameaça se suas baboseiras chegarem aos ouvidos de Xion.
213 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Aquilo era uma ordem, à qual Saïx respeitosamente curvou a cabeça.
— Então estamos de volta ao plano original.
Mantendo a cabeça abaixada em sinal de obediência, Xemnas não pôde ver sua amarga
reprodução de um sorriso.
De volta ao plano original. Não há lugar para hesitação.
Não é verdade, Lea?

Xion acordou em sua cama. Mas se lembrava de estar dormindo em outro lugar, numa
grande máquina — uma espécie de cápsula.
Ela fechou os olhos novamente. Havia tantas coisas das quais se lembrava. Coisas das quais
não se esqueceria... provavelmente.
Não havia sonhado durante seu sono. Sentia-se incrivelmente renovada, seu corpo muito
mais leve e ágil. Como funcionava aquela cápsula, afinal? Talvez tivesse até mesmo o poder de
curar marionetes.
Xion se sentou na cama, pegou uma concha embaixo do travesseiro e a observou na palma
da mão. Uma promessa... de tempo.
Ela não teria voltado daquele jeito se Axel não tivesse feito o que fez. E sem o incentivo de
Riku, nunca teria conseguido voltar a vê-los.
Mas o Roxas... talvez tivesse sido melhor para ele se eu não tivesse voltado, pensou ela.
Ainda assim... eu quero encontrar o meu próprio caminho.
E eu ainda tenho tempo. Não é tarde demais.
Nós somos amigos, não somos?
Xion fechou os dedos com força ao redor da concha.

Suas minhas bochechas estavam geladas.


— Hã...? — Ele esfregou o rosto de leve. Por algum motivo, estava molhado. Sua visão
estava toda embaçada.
Ele estava deitado em sua cama, naquele mesmo quarto de sempre, enquanto do lado de fora
da janela, Kingdom Hearts pairava no céu.
Tivera um sonho. Ele o deixara terrivelmente angustiado — um pesadelo sobre seus dois
melhores amigos sendo arrancados dele porque havia sido fraco demais para protege-los. Porque
perdera a habilidade de usar a Keyblade.
Ficava imaginando se Xion sentira a mesma impotência quando não podia usar a Keyblade.
Roxas se levantou e olhou para o espaço vazio diante de si. Sentia-se... pesado. Tão cansado
e indiferente. Como se não tivesse dormido nada. Só o que queria era voltar a dormir.
Seria por conta dos sonhos? Mas ele sonhava o tempo todo. Mesmo que não conseguisse
sempre se lembrar deles tão vividamente, os sonhos não eram novidade.
Seu reflexo no espelho não parecia diferente do habitual. Talvez seus olhos estivessem um
pouco vermelhos — provavelmente por que estava muito cansado.
Ele se aprontou e logo seguiu para a Área Cinzenta.

Xion estava lá. Axel também.


Ele se lembrou do que Xemnas dissera no dia anterior e se sentiu um pouco melhor. Xion
ainda era parte da Organização — não seria penalizada nem nada assim. Era bom ver isso.
214 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Sinto muito, Roxas — disse Xion, em vez de cumprimentá-lo. Axel estava atrás dela, de
braços cruzados.
Roxas sacudiu a cabeça.
— Só tô feliz por você estar bem.
Ela se virou.
— Também devo ter preocupado você, não foi, Axel?
— Fica na boa — respondeu Axel.
Roxas não sabia mais o que dizer a nenhum dos dois.
Por que Axel atacara Xion daquele jeito? Ele lutou com tudo de si. Tanto que parecia quase
a ponto de abatê-la de uma vez por todas. Pensar naquilo deixava Roxas inquieto.
Axel também não vinha falando com ele.
Notando o silêncio desconfortável que se instalou entre eles, Xion inclinou a cabeça.
— Roxas, tem algo errado? Você não parece muito bem...
— Não... Eu tô tranquilo.
— Tem certeza...? — Xion olhou para Axel, insegura, mas ele não tinha nada a dizer.
Roxas desistiu e se arrastou silenciosamente em direção a Saïx.
— Dispus você e Xion juntos hoje — disse ele, encarando-o.
A ordem também fez Roxas respirar um pouco mais aliviado. Estava feliz pela missão ser
com ela. Especialmente porque isso queria dizer que não era com Axel.
— Muito bem. Vamos, Xion.
— ...Certo.
Roxas começou sozinho, abrindo um portal para os Corredores das Trevas diante de si.
— Ei, Roxas, espera. — Xion foi atrás dele, mas parou em frente ao portal para olhar uma
última vez para Axel.
— Vê se pega leve consigo mesma — disse ele.
Ela lhe abriu um sorriso e desapareceu em meio aos corredores.

A missão os levara a Agrabah para destruir um Heartless gigante.


O ar do deserto era tão seco que tornava a respiração quase dolorosa, como de costume. Ou
será que não...? Era mesmo tão ruim assim antes?
Roxas olhou para a palma da mão e invocou sua Keyblade.
Tá tudo bem. Nada mudou.
— Roxas? Qual é o problema? — disse Xion, atrás dele.
— Não é nada. — Ele deixou a Keyblade desaparecer novamente.
Talvez ele simplesmente não soubesse como falar com Axel agora. O que mais seria? Era
como se a ansiedade de seus sonhos o houvesse seguido para a vida real.
— Você parece pálido — comentou Xion.
— Por que estaria? Você deve estar imaginando coisas. — Normalmente, Roxas ficava mais
animado quando ele e Xion saíam numa missão juntos. Mas hoje, não conseguia sentir qualquer
entusiasmo. — Vamos.
— Então tá bom...
Roxas saiu correndo, cada pisada levantando uma nuvem de poeira.

Roxas não estava sendo ele mesmo.


Ansiosa, Xion o seguiu enquanto se aventuravam da cidade de Agrabah até as profundezas
das cavernas, eliminando todos os Heartless que surgiam pelo caminho. Não sabia exatamente o que

215 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
estava errado, mas havia uma fúria reprimida em cada golpe que ele dava com a Keyblade, e Xion
não parecia saber como perguntar a respeito.
Alguma coisa não está certa, Roxas.
De repente, ele parou.
— Parece que chegamos ao ponto mais fundo.
Uma memória subitamente voltou à cabeça de Xion. Como é que eu conheço esse lugar...?
Não, eu não... mas as minhas memórias conhecem esse lugar.
— Eu me lembro disso... — murmurou Xion.
— Hã?
Ela se aproximou de uma parede da caverna. Era lisa como todo o resto das rochas — mas
ela tinha certeza que era ali.
— É uma Keyhole... — Xion ergueu sua Keyblade e a fechadura que levava ao coração de
Agrabah se revelou na parede. — Viu?
Ela olhou de volta para Roxas e uma enxurrada de memórias a acometeu. Ela perdeu o ar
nos pulmões e sua cabeça girou.
Tem um garoto erguendo a Keyblade para o alto...
Quem...? Quem é você? Você é o... Sora?
— Xion! — gritou Roxas, agarrando-a quando seus joelhos cederam. — Você tá bem?
— S-Sim... — Ela olhou para o rosto do garoto que a segurava nos braços. Era Roxas, não o
garoto de suas memórias, mas... — Você se parece tanto com ele.
— O quê? — perguntou... mas então, o chão ribombou embaixo deles. — Está aqui!
Os dois empunharam suas Keyblades quase ao mesmo tempo. E então, um enorme Heartless
circular, o Apanhador Espinhoso, caiu de um ponto sobre suas cabeças.
— Vamos lá, Xion! — exclamou Roxas
— Certo! — Ela disparou contra o inimigo, sentindo-se leve sobre seus pés, como se
pudesse lutar para sempre sem nunca ficar cansada. A Keyblade atingiu o corpo sólido com um
impacto perfeitamente satisfatório.
O Apanhador Espinhoso girou furiosamente e se lançou contra Roxas. Xion tentou chamar
sua atenção com um grito, mas ele não se esquivou a tempo:
— Roxas!
— Ngh! — Roxas bateu com tudo na parede da caverna.
Eu estava certa... tem mesmo algo de errado com ele hoje.
Com sua Keyblade em mãos, Xion saltou no caminho do Apanhador Espinhoso e o parou
com outro golpe. Ele se estilhaçou e caiu, transformando-se em luz para depois se dissolver até que
enfim não restasse nada.
Mas Xion não esperou sequer um segundo para ver o coração liberado flutuado. Roxas ainda
estava caído no chão. Ela correu até ele.
— Roxas!
Ele se se arrastou até conseguir levantar.
— Ei, você tá bem? — Ela o fitava com um olhar preocupado. Não havia dúvidas, algo
definitivamente estava errado.
— Claro que eu tô. Só um pouco esgotado... — Roxas lhe abriu um sorrisinho torto.
— Tem certeza? — pressionou Xion. É mais que isso, não é?
— Certeza absoluta! — Ele assentiu, ainda sorrindo. — Vem, vamos sair daqui.
Era o que ele dizia, mas sua palidez contava outra história, e Xion não gostava nada daquilo.
O que será que isso quer dizer...?
Roxas já estava indo embora. Xion o seguiu com uma mão junto ao peito, como se para
conter sua apreensão.

216 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Com a missão completa, eles se sentaram na torre do relógio. Roxas queria aquilo há muito,
muito tempo — tomar picolé daquele jeito com Xion de novo.
Ele saboreou seu picolé de sal marinho e olhou para os dedos. Algo não estava certo com
ele. Sentia como se, de alguma forma, sua força estivesse lhe deixando, e estava difícil de respirar.
Nah, eu só tô cansado. Só isso.
— Você tá mesmo, mesmo bem? — A voz de Xion soava ansiosa.
Roxas forçou um sorriso, sem querer preocupá-la agora que acabara de voltar para eles.
— Olha, isso tá começando a ficar estranho. — Em meio a uma risada, ele deu mais uma
mordida no picolé.
— Hã? Por quê?
— Desde quando você começou a se preocupar comigo? — Ele deu de ombros com um jeito
brincalhão.
Captando a piada, ela deixou escapar uma pequena risada. Então, pôs a mão na cintura para
se fingir de ofendida:
— Ora, me desculpa!
Roxas caiu na gargalhada.
— É que é estranho, só isso. Normalmente, sou eu que fico todo preocupado com você.
Acho que o oposto nunca tinha acontecido antes.
Ele começou a pensar em todas as vezes que ele e Axel haviam se preocupado com ela.
— Bem, pra sua informação... eu me preocupo com você o tempo todo, Roxas.
Será que eu estava mesmo tão mal assim hoje? Ponderou Roxas. Era como... como se seu
corpo não quisesse fazer o que ele lhe mandava fazer. Como se estivesse se desconectando.
Ele não queria mais falar naquilo.
— Enfim... eu tô feliz que você tenha voltado, Xion. Só não queria que o Axel tivesse
pegado tão pesado contigo.
— ...Acho que o ele não vem hoje, né?
Roxas não estava pronto para aquilo. Axel era o último assunto sobre o qual esperava tratar.
Sentiu uma grande inquietação lhe tomar o peito.
— Quem sabe...?
— Vocês não brigaram, né? — Xion lhe lançou um olhar inquieto.
— Como ele pôde? Como aquele babaca pôde te atacar daquele jeito? — Roxas abaixou o
olhar, cerrando os punhos. Ainda estava furioso com o Axel. Mas... por quê?
Xion suspirou.
— Roxas, eu não estaria sentada aqui com você se o Axel não tivesse feito aquilo. — Sua
voz soara perfeitamente calma, como se toda aquela confusão não a incomodasse nem um pouco.
Roxas não sabia o que dizer. E mesmo que soubesse, tinha certeza que as palavras ficariam
presas em sua garganta.
— Ele é o seu melhor amigo.
— E você também!
Ela suspirou de novo.
— Não é a mesma coisa, sem nós três aqui — murmurou ela, após um momento.
Não, não é. É claro que não é.
Nós três tínhamos que estar aqui juntos, pensou Roxas, aflito. Mas eu não sei mais como
lidar com o Axel.
— O pôr do sol tá lindo hoje — comentou Xion.
Roxas ergueu o olhar para o céu vermelho.
Quando voltariam a tomar seu picolé de sal marinho juntos de novo? Nunca...?

Ela queria falar com alguém a respeito de Roxas. Precisava de um conselho... Bom, o
conselho do Axel, especificamente. Sentia que precisava falar com ele.
217 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
De volta ao castelo, Xion começou a procurar por ele. Talvez já esteja no quarto...
Estava indo para o quarto de Axel quando se deparou com a figura do ruivo no corredor.
— Axel!
Ele parou e se virou para ela.
— Precisa de alguma coisa?
Xion correu até ele, mas as palavras frias praticamente a fizeram congelar no lugar. Ela mal
conseguiu falar:
— Bem, hã... é que...
— Se não precisa de nada, tenho mais aonde ir. — Axel começou a caminhar.
Ela o segurou pela manga. Não posso me acovardar.
— É que... tem algo de errado com o Roxas. Você por acaso não sabe por quê, sabe?
Axel olhou para ela outra vez. Xion encontrou a coragem para prosseguir:
— Ele diz que a Keyblade o tem esgotado quando vai usá-la. E de repente, eu percebi que
estava lutando da mesma forma que ele...
Estava tentando, mas não conseguia explicar muito bem. Axel deu um grande suspiro.
— Bem, você conhece ele melhor do que eu.
— Por que você acha isso? — Xion o encarou. Por algum motivo, Axel ainda falava com ela
num tom frio. Mas ela não entendia aonde ele queria chegar, e por isso teve que perguntar.
— Pergunte a si mesma, Xion. O que você está fazendo isso com ele?
— Eu... não tenho certeza.
— Ah, não tem certeza? Não é por que você é uma marionete?
Xion perdeu o fôlego diante daquela palavra.
— Qual é, não me venha com essa cara de choque — prosseguiu Axel. — Você já sabia que
é uma réplica. Uma marionete, cujo propósito original era duplicar os poderes do Roxas. Se ele está
ficando mais fraco e você está ficando mais forte, talvez queira dizer que você está tomando um
pouco mais do que deveria.
Ele não encobriu nada. Confrontada com a verdade nua e crua, ela desviou o olhar. É isso
mesmo. Eu sou uma marionete. A Organização XIII me construiu.
Uma marionete criada para copiar os poderes de Roxas.
Mas, ainda assim... isso não é tudo o que eu sou. O Axel não sabe a história toda. E talvez
eu também não saiba. Que outros segredos estarão escondidos dentro de mim?
— Então... o que eu devo fazer? — murmurou, abaixando o olhar. Ela não tinha a resposta.
— Não posso tomar essa decisão por você. Pra mim, você não é uma marionete. — Axel pôs
as mãos em seus ombros e ela lhe ergueu o olhar. Havia sinceridade em seus olhos... e doçura. —
Você é a minha melhor amiga. Minha e do Roxas. Deu pra memorizar?
— Sim. — Xion assentiu.
Riku provavelmente teria lhe dito o mesmo.
Eu preciso encontrar a resposta por mim mesma, certo? É o que o Riku diria... e aquele
outro garoto também.
— Hm, Axel, posso te perguntar mais uma coisa? — disse ela. Ele a soltou.
— O que é?
— Hoje, eu vi um garoto que era igualzinho ao Roxas.
Por um breve momento, o rosto de Axel registrou uma expressão de surpresa.
— Ele é... quem eu acho que é? — perguntou Xion. — Aquele garoto... era o Sora?
Axel cruzou os braços, sem dizer nada.
— Eu só...? Digo, só o que eu faço é copiar o poder de Roxas?
— ...Também não posso te responder isso.
— Ah... — Xion abaixou o olhar novamente.
E se eu estiver copiando mais que os poderes dele? Ela sentiu o peito apertar de apreensão.
Se o garoto que eu vi hoje for o Sora... então talvez isso signifique...
— Memórias e poder... — comentou Axel.
Num rápido movimento, Xion ergueu a cabeça.

218 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
219 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
DOS TREZE ASSENTOS, APENAS TRÊS ESTAVAM OCUPADOS. XEMNAS, XIGBAR E
Saïx estavam em seus respectivos lugares.
— O Sora tá tendo um efeito poderosíssimo sobre ela — disse Xigbar, passando a mão pelo
queixo, pensativo.
— Sim, não era para ela ganhar consciência própria... nem se tornar a pessoa que vemos. —
Xemnas fechou os olhos. — Mas no fim, isso apenas prova que a marionete é o melhor dos
receptáculos.
Saïx examinou os outros dois. Se tornar a pessoa que vemos. Sim, Xion tinha tal poder — se
transformar em resposta às memórias daqueles que a encontravam. Mas o próprio Saïx jamais vira
Xion como nada além de uma lacuna em branco.
Não funcionava com as memórias de qualquer pessoa. Precisava ser alguém com alguma
conexão com Sora — com o portador da Keyblade. Xion assumiria uma forma diferente com base
nas memórias daqueles que de alguma forma estivessem ligados a ele. E para aqueles que não
possuíam quaisquer memórias dele, Xion se manifestaria como nada além de uma marionete.
Saïx não conseguia deixar de imaginar o que Xigbar e Xemnas viam quando olhavam para
Xion. Fizera algumas pesquisas a respeito de seus passados humanos, mas encontrou mais mistérios
do que respostas.
— Por fim, a hora chegou. Saïx, os dispositivos estão prontos? — disse Xemnas, a voz
arrastada. Saïx assentiu.
— Todos os três estarão operantes em questão de dias.
— Bom.
— E quanto a Roxas? — indagou Saïx.
— Ambos possuem conexões com Sora, mas precisamos de apenas um deles sob nosso
controle — respondeu Xemnas. — Se Xion tirar de Roxas o resto do que ele tem a dar... ou se ele a
destruir primeiro e recuperar o que é seu... não fará diferença para os nossos planos. Seja como for,
o poder de Sora será nosso.
— Entendido.
Xemnas desapareceu no exato momento em que ouviu a constatação de suas ordens.
— Não vai desapontar a gente, hein, garotão. Não deve ser muito difícil, já que não temos
corações — Xigbar disse a Saïx. E então, ele também se foi.
Sozinho na Sala Circular, Saïx ergueu o olhar para o alto teto em forma de cúpula.
Só o que precisavam era do poder de Sora. Tudo estava indo de acordo com o esperado. Se o
plano de Xemnas permanecia o mesmo, então o dele também permaneceria. No entanto, Saïx via
uma possível pedra na engrenagem — Axel e suas dúvidas perfeitamente evidentes. Talvez tivesse
sido um erro deixar que se aproximasse tanto assim de Roxas e Xion.
Saïx deu um suspiro bastante humano e desapareceu da sala.

Não posso continuar fazendo isso. Xion estava sentada em sua cama, abraçada aos joelhos.
Não tinha conseguido dormir, mas também não se sentia nem um pouco cansada. Pelo
contrário — estava transbordando força. Mas sua força era uma farsa. Todo aquele poder era falso.
A conversa que tivera com Axel na noite anterior lhe veio à cabeça. Sabia que fora criada
para “copiar” os poderes de Roxas juntamente às memórias de Sora. Que era uma marionete.
Mas lembrou-se inquietamente da performance de Roxas no último dia. Todos os materiais
que havia encontrado, mesmo no Castelo do Esquecimento, diziam que ela — a Réplica — era
capaz de copiar os poderes dos outros, enquanto Axel dissera que ela podia estar tomando mais do
que precisava. Tomando em vez de copiando. Não havia lido nada a respeito disso.
Eu tenho drenado as forças do Roxas... foi por isso que ele ficou assim tão fraco.
Então o que vai acontecer se eu continuar por perto? E se...?
Não, eu sei. Eu sei o que vai acontecer com ele. E se eu deixar que isso aconteça, terei
voltado aqui por nada.
220 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Se eu ficar... vou arruinar tudo — Xion murmurou consigo mesma, voltando-se para a
janela como se houvesse sentido alguém lá.
Não havia nada lá fora além da grande lua em forma de coração que pairava em meio ao
céu. Kingdom Hearts.
— Riku... o que eu devo fazer?
É claro, ele não estava lá para responder. Ninguém estava.

Roxas dormira tranquilamente a noite toda, sem ser atormentado por sonhos, mas ainda
assim acordou com o corpo pesado e a cabeça zonza. Sentia as palmas das mãos quentes e os pés
dormentes, formigando. Sentia um peso opressivo dentro do peito. Tentou respirar fundo para tomar
fôlego — mas não conseguiu. Doía.
Sentado em sua cama, ele olhou para as mãos. Sabia que havia algo de errado consigo. Mas
não queria dizer que soubesse o que fazer a respeito.
Roxas tentou se levantar, mas uma forte vertigem o obrigou a se sentar novamente. O que tá
acontecendo comigo?
Tudo aquilo bem quando Xion tinha acabado de voltar — embora, parando para pensar, foi
exatamente quando tudo começou.
Bem, ele só estava se sentindo um pouco cansado. Era muita coisa acontecendo ao mesmo
tempo. Logo ia passar.
Ele pôs as mãos sobre os joelhos, fechou os olhos, e então cerrou os dedos em punhos.
Eu tô bem. Tá tudo bem.

Axel mal conseguira pregar os olhos para dormir por conta de todos os pensamentos que se
revolviam em sua cabeça. Ele fechou os olhos e franziu as sobrancelhas, sentindo uma dor latejante
nas têmporas. Aquelas dores de cabeça por falta de sono eram horríveis.
Em vez de voltar a dormir e ter que levar uma bronca depois, foi para a Área Cinzenta antes
que alguém se apossasse do sofá, onde podia continuar pensando.
Xion e Roxas... Memórias e poder.
Sora, o mestre da Keyblade. E uma réplica cujo único propósito era copiar outro ser.
Quando esteve no Castelo do Esquecimento, Axel conheceu a Réplica que fora criada a
partir das memórias de Riku. Embora não soubesse ao certo se dizer que “conheceu” era o mais
apropriado. Ele encontrou a Réplica lá — pelo menos isso era fato.
A criação de Vexen havia obtido os poderes de Riku copiando suas memórias. A cópia por
si só envolvia as habilidades de Naminé como uma bruxa de memórias. Mas Vexen sempre dissera
que a própria existência de Naminé era uma anomalia — o que queria dizer que o plano original
nunca contara com ela. Devia haver um método para copiar memórias sem o uso dos poderes de
Naminé; do contrário, a Réplica teria permanecido uma casca vazia.
Axel refletiu sobre as operações dos membros da Organização no Castelo do Esquecimento,
extraindo as memórias de Sora e Riku. Larxene tirara as de Sora e Vexen as de Riku, enfrentando-
os em combate e selando essas memórias em cartas. Eles então entregavam essas cartas à Naminé,
que sutilmente reescrevia as memórias ali armazenadas antes que fossem devolvidas para Sora e o
Riku Réplica.
Então talvez os poderes de Naminé fossem necessários apenas para a parte de reescrever as
memórias. E se a cópia de memórias e habilidades pudesse ocorrer meramente através da batalha...?
Isso queria dizer que bastava deixar Xion e Roxas trabalharem juntos e a marionete copiaria
suas memórias. Memórias e poder eram duas coisas inextricavelmente entrelaçadas e fora assim que
Xion obtivera as habilidades de Sora junto com suas memórias.
221 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Na noite anterior, Axel dissera a Xion que ela podia estar tomando de Roxas mais do que
precisava. Mas isso não era exatamente verdade.
Ele tinha memorizado, é claro. O Riku Réplica era capaz de obter forças de ainda outra
forma — absorvendo por completo os poderes de um oponente ao destruí-lo. Sabendo disso, o
próprio Axel incitou a Réplica a eliminar Zexion. Na época, acreditava ser necessário.
Xion já estava copiando as memórias de Roxas — ou melhor, as memórias de Sora que
Roxas abrigava dentro de si. Mas não todas elas. Ainda não. Sendo assim, o que a Organização a
faria fazer agora?
— Bom dia, Axel.
— ...Xion? — Ele ergueu olhar, deparando-se com Xion parada ao lado com uma expressão
desconsolada no rosto. — Como foi que você dormiu? — perguntou com um pequeno sorriso.
Ela deu de ombros e balançou a cabeça.
— Não vá pensando que o tempo acabou, ouviu? Você ainda pode pensar um pouco mais.
Deu pra memorizar?
— Acho que sim... — murmurou ela, olhando para o chão.
Na verdade, Axel não fazia ideia de quanto tempo ainda lhe restava.
— Xion. Suas ordens de hoje.
Ela se virou.
— Saïx...
Saïx olhava para ela de nariz erguido.
— Um Heartless extremamente poderoso foi visto na Cidade do Halloween. Vá e elimine-o.
— Entendido. — Xion assentiu e, logo em seguida, Roxas apareceu no salão.
— Ah, oi, Xion.
— Bom dia. — Mas ela lhe virou as costas.
Roxas nem sequer olhou para Axel, como uma criança brava dando um gelo no amigo. Axel
forçou um sorriso torto.
— Escuta... — Roxas começou a dizer a ela.
— Sinto muito, tenho que ir. — Xion o interrompeu e adentrou os Corredores das Trevas.
Roxas abaixou a cabeça, um retrato da tristeza.
E ele ainda parece que vai tombar de joelhos a qualquer segundo, pensou Axel. Acabara de
falar a Xion que ainda havia tempo, mas talvez na verdade não houvesse.
Saïx também notara a confabulação. Ele desviou o olhar para Axel por um segundo e então
se voltou para Roxas.
— Como está se sentindo hoje, Roxas?
— ...Igual a sempre.
Saïx abriu um sorriu diante da resposta — e, vendo o quão maldoso ele parecia, um calafrio
subiu a espinha de Axel.
— Tenho uma missão urgente, especialmente para você e a sua Keyblade — disse Saïx. —
Um Heartless aterrorizante surgiu na Cidade do Halloween.
Era o mesmo local da missão de Xion. Havia algo de estranho naquilo.
— Gostaria que você o exterminasse para nós — prosseguiu Saïx.
— Claro, deixa comigo! — exclamou Roxas. Axel não conseguiu se segurar.
— Opa, opa, opa! Roxas, tem certeza que você dá conta?
Roxas o metralhou com uma expressão sórdida nos olhos.
— Por que não daria? — murmurou ele, virando-lhe as costas.
— É que ultimamente, você...
— Você já não devia ter ido para a sua missão, Axel? — disse Saïx, interrompendo-o.
Missão? Mas Saïx ainda não lhe havia designado sua missão. Axel piscou para ele, atônito, e
Saïx o encarou de volta.
Ah. Axel sentiu uma certa pena de Saïx e sua incapacidade de mentir.
— É melhor eu ir. Até depois, Axel. — Roxas se foi, desaparecendo pelos corredores tão
abruptamente quanto Xion o fizera.
— Você não consegue deixar que as coisas sigam seu caminho? — reclamou Saïx.
222 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Qual caminho? De quem exatamente são os planos que eu estou arruinando? — retrucou
Axel, ainda olhando para o espaço vazio onde o portal de Roxas espiralou até não restar nada.
— Da Organização. Eu confio em você.
Axel deu uma risada seca.
— Ah, é? Por que o seu coração te diz pra confiar?
— Só a memória dele. Mas se você continuar a interferir, terei que reescrever tais memórias
com tudo o que aprendi como um Nobody.
— ...Devo tomar isso como uma ameaça?
— Quase isso. Pense bem a respeito. — Terminando a conversa, Saïx partiu.
Axel não se mexeu por um tempo.

Era sempre noite na Cidade do Halloween. A umidade gelada no ar denunciava isso, ainda
que a escuridão não o fizesse. A lua que se assomava no horizonte não tinha forma de coração, mas
era grande e redonda.
Xion ia avançando pelo cemitério. Tinha diversas perguntas em mente e, ao mesmo tempo,
pouquíssimas respostas. Mas não queria pensar nelas. E não precisava quando estava ocupada, o
que era bom, pensou enquanto eliminava os Heartless.
Ela passou por um buraco na parede de pedra mais ao fundo do cemitério, chegando a um
lugar onde o ar era envolto por uma névoa espessa, mais espessa que em qualquer outro lugar que
tivesse visto na Cidade do Halloween. Ela ergueu bem o capuz para que pudesse se proteger da
umidade sufocante.
Aquilo tudo lhe dava um mau pressentimento...
Quando admitiu isso para si mesma, sentiu alguma coisa atrás de si e rapidamente se virou.
O Heartless! Como podia ter chegado tão perto sem que ela sentisse?
O Heartless a atacou com sua espada. Xion saltou para trás no mesmo instante, esquivando-
se do golpe, e pousou já em posição de luta com a Keyblade em mãos. Mas a névoa era tão espessa
que não conseguia sequer dizer de que lado seu inimigo viria. Da direita, dessa vez...?
Ela bloqueou outra investida e então disparou naquela direção. A criatura saltou e a atacou
novamente. Era forte — e rápida. Mas Xion era mais forte. Ela não se permitiria perder.
Ela se afastou até ficar fora de alcance então correu com tudo para cima do inimigo.
Esse é o fim...!
Mas então uma outra coisa cortou a neblina — um chakram. Um dos chakrams de Axel.
— Parem já, vocês dois! — Axel se lançou entra ela e o Heartless.
O que estava acontecendo?
A névoa baixou e então ela viu que Roxas também estava lá.
— Xion?! — exclamou ele.
— Roxas? O que está fazendo aqui? — Xion notou que não havia nenhum Heartless ali. Ela
realmente estava enfrentando um? — O Heartless que eu tava lutando... era você...?
Gotas de suor frio se formaram em sua pele. A Organização. Tinha sido ideia deles. O que
estavam tentando fazer? Xion sentiu um aperto no peito.
— Essa missão era uma cilada. Foi tudo uma armado pra que vocês dois se enfrentassem em
combate — disse Axel.
— Hã...? — A Keyblade caiu da mão inerte de Roxas e desapareceu num flash de luz.
Se o Axel não tivesse aparecido pra nos deter, eu... eu teria...
Xion olhou para o chão.
— Por que eles fariam isso? — murmurou Roxas.
— Depois a gente vê isso. Ei, já que estamos todos juntos... por que a gente não sai daqui e
vai tomar um picolé? — Um pequeno sorriso se formou no rosto de Axel.
— Mas... — Xion começou a dizer.
Axel a interrompeu com um olhar e deu um tapinha nas costas de Roxas.
223 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Vai, o que me diz?
— T-Tá bom, claro — gaguejou Roxas.
— E você vem também, Xion. Certo? — Dessa vez, Axel pôs a mão no ombro dela.
— ...Certo.
Finalmente, Axel abriu os Corredores das Trevas e os três seguiram por eles juntos.

O pôr do sol estava tão maravilhosamente brilhante que chegava a ofuscar. Roxas estreitou
os olhos e deu uma mordida no picolé.
— Uhh, congelou o cérebro — murmurou Xion com uma risada encabulada. Roxas sorriu de
volta para ela.
— Fazia um tempão que não saímos todos juntos assim, né?
— Bem, é que passamos por um bocado de drama — disse Axel.
Alguma coisa na forma como Axel vinha tratando Xion ainda incomodava Roxas. Mas só o
fato de poderem tomar picolé como um trio de novo definitivamente já melhorava os ânimos.
Por que a Organização queria que ele e a Xion se enfrentassem? A ideia o enchia de pavor,
mas pelo menos Axel estava lá para detê-los. Se não fosse por ele, as coisas poderiam ter sido muito
diferentes. Essa percepção fez com que perdoar Axel parecesse um pouco mais viável.
Axel seguia suas próprias regras. E a própria Xion dissera que se Axel não tivesse feito o
que fez, ela não teria voltado. Roxas ainda estava convencido de que havia alguma outra forma de
trazê-la de volta para casa, mas talvez aquela fosse a única opção naquele momento.
— Ah, acabei de me lembrar... — Axel preguiçosamente sacudiu os pés pendurados na
borda da torre. — Sabia que vocês tinham que ficar de olho nos palitos dos seus picolés?
— Sério? Por quê? — perguntou Xion.
— Quando terminarem o picolé, deem uma olhada no palito. Pode estar escrito “Vencedor”.
Não que eu já tenha visto um, mas né, não custa olhar.
— Ah, é mesmo! — disparou Roxas. Axel pareceu perplexo.
— “É mesmo” o quê?
Vencedor. Agora Roxas se lembrava. Vinha acontecendo tanta coisa que ele simplesmente
se esqueceu. Eu consegui um desses...
Eu ia mostrar pro Axel, por isso guardei comigo. Não pra Xion. Quando encontrei, eu quis
compartilhar com o Axel.
— Hã... N-Não é nada — disse Roxas. — E o que é que se ganha?
O Axel vai ficar louco de surpreso quando eu mostrar pra ele. De alguma forma, pensar
nisso o animou um pouco. Roxas já sabia qual era o prêmio, mas guardou segredo.
— He, he... Sei lá eu. — Axel deu de ombros.
— Ué, você não sabe? — caçoou Roxas.
— Deve ser algo bom se é pra um “vencedor”, né?
— Verdade.
— Hi, hi, hi... — Xion deu risada da provocação de Roxas. Tanto ele quanto Axel olharam
para ela. — Vocês dois são bem chegados, né? — comentou, desviando o olhar para o céu. — Uau.
O sol tá tão bonito...
Atraídos pela admiração tão sincera em sua voz, Roxas e Axel também se voltaram para o
horizonte. O sol ficara vermelho à medida que afundava, pintando o mundo inteiro no mesmo tom
carmesim, como em tantos outros dias antes.
— Sei que já vimos vários pores do sol, mas o de hoje deixa todos eles no chinelo.
Roxas não se lembrava de já tê-la visto tão viva.
— Se ao menos as coisas pudessem continuar desse jeito pra gente — disse Xion.
Se ao menos as coisas pudessem continuar desse jeito. Nós três, juntos. Esse também é o
meu desejo. É o que eu quero.
— E se a gente fugisse? — ponderou Roxas.
224 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— O quê? — Xion olhou para ele, surpresa. Axel não disse nada.
— Nós três. Assim podíamos ficar sempre juntos.
A Organização não vai permitir, então por que devíamos ficar? Não podemos simplesmente
ir pra outro lugar?
— Nós não temos para onde fugir. — Xion sacudiu a cabeça.
Claro que temos, Roxas quis dizer. Podemos dar um jeito.
Mas não era verdade.
— Eu sei — murmurou. — Só tava pensando alto.
Ele sabia que era impossível. Ou... será que não era? Talvez eles realmente pudessem fugir.
Só... não agora. Poderiam ser aniquilados, ou talvez alguma outra coisa terrível acontecesse. Ele
acabara tendo que lutar contra Xion, afinal... O que a Organização faria se tentassem fugir?
Axel subitamente quebrou o silêncio:
— Bem, mesmo que as coisas acabem mudando, nós nunca vamos nos separar...
— ...Contanto que nos lembremos uns dos outros — concluiu Xion. — Certo?
O estímulo que Axel lhes dera eras atrás ecoou na cabeça de Roxas.
— Não se preocupa, Axel. A gente memorizou — Xion lhe abriu um sorriso.
— Só pra ter certeza. — Olhando para o sol em vez de para ela, Axel mordeu seu picolé.
— Vou guardar esses momentos memorizados comigo por um bom tempo — disse Xion. —
Para sempre.
— Eu também. Para sempre — acrescentou Roxas.
Nunca. Eu nunca, jamais vou esquecer.
Sempre vou me lembrar da gente assistindo ao pôr do sol juntos desse jeito.
Eu prometo que nunca vou esquecer.
Mesmo que a gente se separe algum dia... eu nunca vou esquecer.
Os três relaxaram sob o brilho do pôr do sol.

225 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
226 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
XION SE LEVANTOU E CUIDOU DE SUA ROTINA MATINAL EM FRENTE AO ESPE-
lho no canto do quarto.
Sou a mesma eu de sempre. E, ao mesmo tempo, não sou.
Ela olhou para o reflexo no espelho. Ele mostrava... outra pessoa. Mas ela sabia quem era.
O garoto que se parecia com Roxas.
Ela abaixou o olhar por um momento, mas logo voltou a mirar-se.
Apenas ela.
Ela e sua crise de identidade. Xion riu de si mesma.
Ainda tenho tempo aqui. O Riku me deu.
Mas não vai ser para sempre. Vou arruinar tudo se ficar. Preciso decidir... antes que a
Organização decida por nós.

Já estavam chegando ao limite.


Naminé olhava fixamente para Sora, adormecido na cápsula. Seu estado de sono persistia.
Nenhuma mudança, nenhum progresso.
— Sora... — murmurou, abaixando o olhar para o chão quando ouviu duas outras pessoas se
aproximando atrás de si.
— Parece que chegamos a um impasse — disse DiZ, seus olhos fitando a cápsula de Sora.
— Sim — confirmou Naminé.
Ela ergueu o olhar novamente. Sora era como uma sombra de si mesmo, praticamente um
casulo sem vida. Tantas de suas memórias foram drenadas que talvez o que viam diante de si não
fosse de fato Sora — apenas um receptáculo vazio onde Sora devia estar.
— Isso já foi longe demais — rosnou DiZ. — Riku, acho que sabe o que precisa ser feito.
Ao lado, Riku assentiu.
— Certo.
Riku? O que você vai fazer com ela? Naminé sentiu um aperto no peito. E o que aquela
garota vai fazer?
Nobodies não deveriam existir. Isso também vale para mim.
Mas — é exatamente por isso...
Seus pensamentos estavam todos embaralhados com suas dúvidas.
— Quanto antes, melhor — disse DiZ.
— ...Eu sei. — Riku deu meia-volta e deixou a sala.
— E você, Naminé. O que planeja fazer? — perguntou DiZ.
— Vou ficar aqui e cuidar do Sora — disse ela.
— Isso é tudo? Bom, creio que pode fazer como bem entender. Você é a bruxa, afinal. — E
com isso, DiZ também se foi.
A sala subitamente voltou a ficar em silêncio. Sozinha outra vez, Naminé murmurou o nome
de Sora com a seriedade de uma prece.

Quando acordou, Roxas se sentiu um pouco mais revigorado que de costume. Os sonhos não
o haviam incomodado.
Lembrou-se do dia anterior — do choque ao descobrir que a coisa que estivera tentando
enfrentar era Xion.
O que a Organização tá tentando fazer? Por que fizeram que eu e a Xion lutássemos? Pelo
menos o Axel nos salvou, o que quer dizer que ele tá do nosso lado. E pudemos todos tomar picolé
juntos de novo e esquecer das coisas ruins por um tempo.
Ah é — o palito do picolé. Eu tenho o “Vencedor”.
227 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Roxas se levantou e abriu a gaveta da pequena cômoda ao lado de sua cama. Dezenas de
conchas rolaram com o movimento e, junto a elas encontrava-se um único palito de madeira.
Eu tinha guardado isso aqui pra poder dar um picolé de presente pro Axel, mas acabei
esquecendo completamente. Mas hoje eu vou mostrar pros dois e a gente vai tomar picolé junto de
novo, que nem ontem...

Andando pelos corredores, Axel tentava organizar os pensamentos.


Outra noite sem dormir. Sacudiu a cabeça devagar, tentando dissipar a sonolência, mas ela
persistiu mesmo enquanto repassava pela cabeça os eventos do dia anterior.
A Organização queria que um dos dois fosse eliminado — ou Roxas, ou Xion. Mas o que ele
podia fazer a respeito? Era o que Axel precisava descobrir.
Queria encontrar uma forma de salvar os dois, de respeitar os sentimentos dos dois. Passara
a maior parte da noite estudando as possibilidades, mas é claro que não encontrou a resposta.
— Você interveio de novo — disse uma voz atrás dele.
Axel parou de andar. Nem sequer notara a presença de Saïx.
— Desculpa, disse alguma coisa? — Ele se virou com um pequeno sorriso no rosto.
— Nós não precisamos dos dois. Apenas de um. E fingir não vai mudar este fato.
“Nós” quem? Axel quis perguntar a ele, mas guardou para si junto a uma risada amarga.
Não sabia se aquele “nós” se referia à Organização XIII ou apenas a Saïx e ele.
— Pense nisso.
Ah, estou pensando. E já estou farto. Desesperado o suficiente que poderia perguntar a você
se há alguma outra forma.
As palavras quase o escaparam, mas Saïx já estava andando em direção à Área Cinzenta.
Mas suas costas já diziam exatamente qual teria sido a resposta.
Axel notou quão grande era a fenda que havia entre as memórias de seu passado e o que vira
agora. Por que eu ainda estou aqui? Já não sei mais dizer. O que estou tentando fazer?
Finalmente, Axel foi atrás de Saïx e adentrou o salão.
— E aí, ferrugem. Bóra lá? — Não estava esperando que Xigbar fosse chamar por ele.
— Bóra lá o quê? — Axel piscou para ele.
— Ah. Por que não contou pra ele, Boneca? — Xigbar deu a palavra para Xion, que estava
parada atrás dele com o capuz erguido.
Por que estava escondendo o rosto agora?
— Somos uma equipe hoje — disse Xion. — Você, eu e o Xigbar.
Axel automaticamente lançou o olhar para Saïx, parado no meio do salão. Ele os observava,
sem nada a comentar.
Era um trio bastante incomum para uma missão. Devia haver algum motivo para isso.
— Que foi, acha que eu vou atrapalhar o teu desempenho? — Xigbar deu risada.
— Claro que não — respondeu Axel, dando de ombros. — É que não é todo dia que a gente
pode dar uma volta com o número dois em pessoa. Não é verdade, Xion?
— Sim — respondeu Xion. Seu capuz escondia qualquer expressão que pudesse haver em
seu rosto.
— Ei, por que você tá de capuz erguido hoje? — perguntou Axel.
— ...Eu não dormi muito bem. Meus olhos estão inchados. — Sua voz soava baixa e tímida.
Axel não sabia dizer por que aquela resposta fez soar alarmes em sua cabeça. Mas fez.
— Melhor respeitar a privacidade da garota, ha, ha! — Xigbar ofereceu uma risada pouco
convincente.
— ...Bom dia, pessoal.
Todos se viraram juntos e viram Roxas na entrada do salão.
Saïx foi o primeiro a responder:
— Um pouco atrasado, não?
228 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Desculpa. Não dormi muito bem... — Roxas desviou o olhar e foi até Xion. — Nós três
vamos trabalhar juntos hoje?
— Você tem a sua própria missão, Roxas — disse Saïx, antes que Xion pudesse responder.
— Não posso trocar com o Xigbar ou algo assim?
— Mas que ideia extraordinariamente infantil. Precisa que o Axel segure sua mão para ir a
qualquer lugar agora?
Roxas mordeu o lábio e olhou para o chão.
— Não é isso...
Axel quis dizer alguma coisa, mas duvidava que fosse ajudar. E ainda precisava descobrir o
que havia por trás daquela estranha designação.
— Eles podem cuidar da missão que lhes foi atribuída. Agora vá cuidar da sua.
— ...Certo — murmurou Roxas. Não que tivesse muita escolha.
— Bom, hora de ir, né? — Xigbar passou o braço de forma íntima até demais por cima dos
ombros de Axel. — Té mais, garotão.
— Nos vemos depois, Roxas — disse Xion.
Roxas assentiu frente às palavras de ambos.
— Pega leve hoje, ouviu? — Axel disse a ele. Erguendo o olhar, Roxas conseguiu abrir um
pequeno sorriso.
Hm, talvez ter “intervindo” ontem tenha limpado um pouco o meu nome na cabeça dele...
E então, Axel seguiu Xion e Xigbar rumo aos Corredores das Trevas.

A missão que Saïx dera a Roxas era eliminar Heartless em Twilight Town. Nada de muito
especial. Isso é chato, pensou enquanto os atacava com a Keyblade.
Estava com o palito “Vencedor” guardado no bolso.
Ainda assim... sentia uma alfinetada de apreensão bem no fundo de sua mente.
Só conseguia se perguntar por que Axel e Xion haviam sido colocados junto a Xigbar numa
equipe. Era um trio bizarro — nunca os vira sendo atribuídos a uma missão juntos antes. Alguma
coisa estranha ia acontecer, tinha certeza disso.
Voltou a se lembrar do que tinha acontecido no dia anterior. Por que a Organização ia querer
que ele e Xion se enfrentassem? Nenhum deles sabia a respeito — um dos dois podia acabar se
machucando. Ou pior.
Eliminados...
Era isso o que a Organização queria?
Qualquer um? Ou um deles em particular?
Roxas se deu conta de que a Organização, ou pelo menos Saïx, sabia que ele não estava em
sua melhor forma ultimamente. Isso queria dizer... que era ele quem eles queriam fora do jogo?
Ele parou onde estava. A ansiedade em seu peito só aumentava.
Eles me querem fora do jogo...?

A missão era completamente rotineira, nada que exigisse o envio de um grupo de três.
Axel dava cobertura a Xion e Xigbar, que avançavam pela floresta do País das Maravilhas.
A maior parte daquele mundo parecia consistir do estranho jardim de um palácio e uma floresta de
cores desconfortavelmente vívidas.
Xion ainda estava de capuz erguido.
Alguma coisa não lhe parecia certa, mas Axel não conseguia dizer exatamente o quê.
A luta do dia anterior certamente tinha algo a ver com as habilidades de Xion. Toda vez que
tentava entender tudo por trás daquela história, acabava ficando tenso. Estava constantemente aflito
229 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
e seus pensamentos giravam sem parar em sua cabeça, até chegar ao ponto em que não fazia ideia
nem mesmo do que queria fazer.
— Olha só a nossa Boneca. Deixa um pouco pra gente! — Xigbar abriu um largo sorriso,
observando enquanto Xion lutava, e então se virou para Axel. — Né não, ferrugem?
— Pois é, é quase como se não tivesse motivo pra você estar aqui — disse Axel, incapaz de
mascarar sua hostilidade por completo.
Xigbar se desdobrou de dar risada, como se Axel tivesse acabado de inventar o sarcasmo.
— Ha, ha! Caramba, tu não deixa passar nada! É verdade, eu só vim junto porque quis. E
aqueles que buscam poder deixam mandachuvas como eu fazerem tudo o que querem.
Aqueles que buscam poder. Ele estava se referindo a Saïx. Axel ficou quieto, esperando que
Xigbar falasse mais.
Xigbar provavelmente notara que ele e Saïx estavam tramando alguma coisa, então lá estava
ele, seguindo-os de um canto a outro até que alguém deixasse escapulir a verdade.
— O quê, não confia em mim? Vou te contar uma coisa que você quer saber. — Xigbar pôs
o braço ao redor dos ombros de Axel novamente, dessa vez aproximando-se para sussurrar: — Cê
sabe, sobre a Boneca. Ou devíamos dizer “a Réplica”?
Sobressaltado, Axel olhou para ele. Aquele seu sorriso irritante de sempre não revelou nada.
Ele prosseguiu:
— A preciosa bonequinha que temos em casa é um modelo novo. Muito superior à versão
antiga que você viu lá no Castelo do Esquecimento. Ela não só copia; pode absorver as memórias e
poderes de um oponente sem nem ter que destruir ele primeiro. E ainda veio com um baita de um
adicional, se transformando com base nas memórias de quem tiver olhando pra ela.
— ...O quê? — Axel sentiu o suor frio lhe descer pelas costas.
— Não acredita? Saca só isso. Ei, Boneca! — Xigbar a chamou.
— Sim? — Xion parou de eliminar os Heartless.
— Não quer abaixar esse teu capuz aí? — Xigbar levou a mão a seu capuz. Antes mesmo
que conseguisse tocá-lo, Xion voltou sua Keyblade contra ele.
— Xion?! — gritou Axel, mas não conseguiu impedi-la de jogar Xigbar longe com um
ataque. O choque acabou por lhe tirar o capuz, apenas por um segundo. Diante de si, Axel viu...
— Pah, ha, ha! Isso é o que eu chamo do passado batendo à sua porta! — gargalhou Xigbar
enquanto se levantava. — De todos os rostos... por que eu olho pra ela e vejo o teu?
Quem Xigbar tinha visto?
E por que você se parece com ele pra mim?
— Por que é que tu sempre me olha como se eu tivesse matado o teu peixinho dourado? —
comentou Xigbar.
Xion se lançou contra ele. Quando os dois colidiram, Xigbar acabou esparramado no chão.
Apertando a Keyblade com força, Xion ergueu os ombros e então se voltou para Axel.
— Sinto muito, Axel... mas eu não posso mais ficar na Organização. Não posso ficar perto
do Roxas.
— Tem certeza? — disse Axel, desnorteado. Não conseguia tomar uma decisão tão rápido.
— Por favor, me deixa ir. Eu tenho que fazer isso, ou então... — Xion abaixou o capuz por
completo. — Veja.
Axel perdeu o fôlego.
Era o mesmo vislumbre que tivera momentos antes. Sora.
— Por favor, Axel. Você tem que cuidar do Roxas.
— Mas como você... vai...? — As palavras não saíram. Ele não sabia o que fazer. Não sabia
sequer como proteger o Roxas.
— Por favor! — Ela agora estava implorando, à beira das lágrimas.
Axel assentiu, mantendo a cabeça baixa.
— Obrigada, Axel. — Xion sorriu... mas era o rosto de Sora... e voltou a erguer o capuz,
ocultando seu rosto mutável.
— Xion...? — disse ele.
Mas ela desapareceu nos Corredores das Trevas, sem olhar para trás.
230 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Não conseguia relaxar. Sentia uma grande pontada de preocupação no peito.
Ninguém mais apareceu na torre do relógio.
Já não era algo tão fora do comum àquela altura. Mas deixava Roxas terrivelmente nervoso.
Naquela manhã, Xion dissera “nos vemos depois”. Acreditando em suas palavras, lá estava
ele, no ponto de encontro.
Esperava que Xion e Axel lhe dissessem que estava errado a respeito da Organização querer
se livrar dele. Não pode ser, isso é loucura, diriam, e ele se sentiria melhor.
E além disso, ele ainda trouxera o palito de picolé premiado para mostrar a eles...
Queria muito vê-los, nem que apenas um deles, e por isso abriu os Corredores das Trevas,
pensando que podia também ter voltado ao castelo mais cedo. O que mais podia fazer? Se ficasse ali
sentado, esperando na torre do relógio, só ia ficar mais nervoso.
Talvez alguma coisa tivesse acontecido e eles acabaram precisando voltar, disse a si mesmo.
Ele os encontraria no castelo.
Preciso falar com a Xion, nem que só um pouco. Acho que ela tá escondendo alguma coisa.
Enquanto ia até o quarto de Xion, deparou-se com Saïx, Axel e Xigbar em meio ao corredor.
— Explique-se, Axel — Saïx estava dizendo.
— Eu não deixei ela ir embora. O velhote aí é que tá precisando de um exame de vista. —
retrucou Axel, sem fazer contato visual.
Não a deixou ir embora...? Não deixou quem ir embora?
— Nisso ele tá certo. Não posso sair jogando a culpa nos outros — acrescentou Xigbar,
indiferente.
— ...O que tá acontecendo? — Roxas precisava saber.
Os três se voltaram para ele todos ao mesmo tempo, silenciando-se de uma forma que não
tinha como ser um bom sinal.
Foi quando ele notou que Xion não estava lá.
— E agora só nos restou o que não podemos usar — disparou Saïx, antes de partir.
O que não podem usar — ele tá falando de mim? Eu sou inútil pra Organização? Então...
eles vão me aniquilar? Pensou Roxas, as palavras de Saïx se revirando em sua cabeça. Espera, se
eu sou o que restou... o que aconteceu com a Xion?
Ele olhou para Axel.
— Cadê a Xion?
Sem olhá-lo nos olhos, Axel não disse nada em resposta.
— Saiu voando. — Xigbar apontou o polegar para Axel. — O cachinhos ruivos aqui não se
deu ao trabalho de cortar as asinhas dela.
A Xion... foi embora? E o Axel não impediu?
— Axel! Ele tá brincando, né? — disse Roxas, desesperado. Mas Axel continuava sem
sequer olhar para ele.
— Até parece. Teu amiguinho aí só fez foi ficar lá parado chupando o dedo enquanto a Xion
dava no pé — disse Xigbar. — ...Eu vou é voltar pro meu quarto.
E com isso, ele deixou Roxas e Axel a sós. Um silêncio esmagador instalou-se entre eles.
— O que aconteceu lá? — indagou Roxas. Axel sacudiu a cabeça.
— Não foi nada, sério.
Ele não estava agindo nada normal e Roxas já estava farto daquela conversa fiada evasiva.
— A Xion foi embora! Como isso pode não ser nada?
— É como o Xigbar disse. — Finalmente, Axel olhou para ele. — Eu não consegui impedir
que ela fosse.
— Não vem com essa! Por que não? — gritou Roxas.
Era tudo o que ele queria saber — por quê.
— Roxas... A Xion é como um espelho que te reflete — disse Axel, a voz baixa.
231 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— O quê? Isso não faz o menor sentido!
— Ela é uma marionete — explicou ele, devagar. — Criada para duplicar os seus poderes.
— Você tá doido? A Xion é uma pessoa, não uma marionete!
Axel sacudiu a cabeça.
— Ela é só fumaça e espelhos, Roxas. Mas quando eu olhei nesse espelho... não foi você
quem eu vi.
Aquilo só estava ficando cada vez mais incoerente. A Xion, uma marionete? Isso é loucura.
Ela é nossa amiga. E o que um espelho tem a ver com tudo isso?
— A Xion é a Xion. Você não pode esperar que ela seja eu! — gritou Roxas, frustrado. Pelo
menos disso ele tinha certeza.
— Não é isso que eu quero dizer, Roxas... A questão é que, às vezes, espelhos têm que ser
quebrados.
Todos aqueles rodeios de Axel o levaram ao limite da paciência e Roxas teve que perguntar
da forma mais direta possível:
— Quer dizer... que eles têm que destruí-la?
Axel não disse nada.
— Me responde! — gritou ele, chutando a parede.
— Roxas, se ninguém o fizer... — disse, a voz baixa. — Então você... não será mais você.
— Eu sempre vou ser eu! O seu melhor amigo... assim como a Xion!
Mas Axel sacudiu a cabeça.
— Roxas... você não tá entendendo direito.
— Ugh, esquece. — Roxas chutou a parede de novo para fechar o pacote e deixou o salão.
Não havia mais por que falar com Axel.
O palito “Vencedor” continuava em seu bolso. E ele cogitara dá-lo de presente a Axel.
— Roxas!
Ele não olhou para trás. Não queria ouvir o que mais ninguém tinha a dizer.

Após sua fuga pelos Corredores das Trevas, Xion chegou a Hollow Bastion. E lá, encontrou
alguém esperando por ela.
— Riku!
— Encontrou a resposta certa? — perguntou a ela gentilmente.
Xion assentiu.
— Sim. Encontrei. Eu estou a ponto de perder tudo o que já me foi importante. Eu não posso
deixar isso acontecer... — Ela desviou o olhar por um momento, mas então voltou a olhá-lo nos
olhos. — Riku, por favor, diga-me o que preciso fazer.
Tá tudo bem. Agora eu tenho certeza. Só quero fazer o que puder para proteger o Roxas.
Se eu voltar para o Sora, suas memórias devem retornar, e então pelo menos o Roxas vai
poder ficar com o Axel. Eu sou a única que precisa desaparecer... e aí eles vão ficar bem.
— Vá para Twilight Town — disse Riku. — Lá, você encontrará uma garota que atende
pelo nome de Naminé.
— Naminé...? — Xion conhecia Twilight Town como a palma de sua mão, mas nunca
cruzara com ninguém com este nome. — Como ela é?
— Você saberá. Não acho que terá problemas para encontrá-la.
— Muito bem. Obrigada, Riku.
Xion não entendia como apenas um nome seria o suficiente para que conseguisse encontrar
alguém que não conhecia, mas ela acreditava em Riku. Eu vou encontrá-la.
Ela abriu os Corredores das Trevas novamente.
— Adeus — disse a ele.
Seu destino era Twilight Town, onde havia criado tantas das suas memórias. O lugar que ela
tanto amava.
232 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Não conseguia dormir.
Roxas se sentou em sua cama, fitando o chão com um olhar perdido.
Após aquele fiasco da noite anterior, ele fora ao quarto de Xion. Ela não estava lá. E hoje,
fora a Twilight Town de novo — mas, é claro, ela não apareceu. Procurou em todo lugar que sabia
como chegar. Mas não conseguiu encontrá-la. Finalmente, voltou ao castelo, sozinho e derrotado,
planejando dormir pelo menos um pouco. Mas nem isso conseguia fazer.
E já era quase de manhã.
A frustração começava a tomar conta de si. Irritado demais para ficar ali sentado, ele socou
seu travesseiro e o golpeou com a Keyblade, sozinho em seu quarto.
Não fazia ideia do que estava acontecendo, mas não conseguia tirar as palavras de Axel da
cabeça. Um espelho? Uma marionete? Eu não serei mais eu...? Não sabia o que nenhuma dessas
coisas queria dizer.
Só sabia que Xion os havia deixado de novo.
Ela tinha acabado de voltar. Por que teve que fugir uma segunda vez? Estava mentindo
quando disse que queria que os três ficassem juntos para sempre?
Roxas já sabia o porquê. Não queria, mas sabia.
Axel estava dizendo a verdade. Uma mentira não seria assim tão complicada.
A Xion é um espelho que me reflete.
Mas o que isso significa? E o que vai acontecer por conta disso?
Não, eu já sei. Significa... que conforme a Xion fica mais forte, eu fico mais fraco. Foi por
isso que ela deixou a Organização.
Ela tinha que se afastar de mim. Mas nem sequer disse nada.
Saber disso só o deixava mais irritado. Do que adiantava se não podia fazer nada a respeito?
Eu não sei...
Eu não quero saber o que vai acontecer depois...

É assim que tem que ser, Axel disse a si mesmo, deitado na cama. Esse é o caminho certo.
Mas estava submerso em dúvidas, incapaz de aceitar suas próprias decisões.
Como podia escolher entre Roxas e Xion? E no fim, foi exatamente o que foi forçado a
fazer. E então Xion se foi por vontade própria.
Entretanto, isso pouco alterava a situação como um todo. Só o que significava era que Xion
não drenaria mais as forças de Roxas. O plano sofreria um pequeno atraso em seu progresso —
nada mais. O fato era que mesmo esse pequeno atraso já permitiria que Roxas continuasse sendo ele
mesmo por um mais um tempo.
Axel não fazia ideia do que aconteceria a seguir. Mas estava feliz por ter pelo menos mais
um tempo para pensar.
O que eu vou ter que fazer? O que eu devo fazer?
Seus pensamentos o mantiveram acordado por um bom tempo.

Todos os membros remanescentes da Organização estavam reunidos na Sala Circular.


A ordem para a reunião veio enquanto Roxas ainda seguia para o salão. Provavelmente seria
como da última vez em que Xion se fora, pensou, mantendo a cabeça baixa enquanto esperava pela
chegada de Xemnas.
233 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Axel, assim como os outros, aguardava, completamente imóvel.
Foi quando o ar estremeceu e Xemnas surgiu em seu assento. Roxas não ergueu o olhar.
— Xion se foi novamente — disse Xemnas.
Mas a gente já sabe disso. Aconteceu ontem — todo mundo já deve ter ouvido falar.
— Sabemos aonde ela pode ter ido? — indagou Xaldin.
Xemnas pareceu ignorar a pergunta:
— “Ela” não é o pronome mais adequado para lhe aplicar. Xion é uma Réplica, nada mais
que uma marionete.
— Uma marionete? — disse Luxord. — O que quer dizer com isso?
— Uma marionete é uma marionete — Saïx respondeu no lugar de Xemnas. — E isso é o
que Xion é.
Marionete isso, marionete aquilo. A Xion não é uma marionete! Marionetes não riem ou
ficam chateadas como ela, pensou Roxas, e então se lembrou do que todos eles careciam. Nós não
temos corações, mas ainda ficamos felizes, irritados, tristes...
O Axel disse que são só as memórias de quando éramos humanos que nos fazem agir como
se tivéssemos emoções. Mas será que é mesmo verdade...? Eu e a Xion não temos essas memórias...
— Era mais um dos nossos pequenos grandes projetos — comentou Xigbar com um sorriso
no canto da boca. — O Projeto Réplica.
Demyx estreitou os olhos, confuso.
— Projeto quem?
Roxas tomara como verdade que, exceto por ele, todos já sabiam o que estava acontecendo.
Aparentemente, estava enganado.
— Poderia nos esclarecer sobre esse “pequeno grande projeto”? — Xaldin disse a Xemnas e,
com isso, todos os olhos se voltaram para o líder.
— O objetivo era duplicar o poder do portador da Keyblade através de fragmentos da sua
memória, tornando tal poder, desta forma, nosso. Este era um dos muitos projetos que conduzíamos
no Castelo do Esquecimento. Entretanto, nossos esforços foram severamente comprometidos devido
à aniquilação de Vexen.
Todos escutaram o relato de Xemnas em silêncio. Mas por que ficaram quietos?
Uma marionete? Duplicar fragmentos de memórias? Essa história toda fazia sentido para os
outros? Roxas era o único que não estava entendendo nada?
Axel assimilou tudo de olhos fechados e braços cruzados. Roxas se lembrou do que ele lhe
havia dito na noite anterior.
“Ela é uma marionete. Criada para duplicar os seus poderes.”
Essas palavras ecoaram em sua cabeça frente à revelação de Xemnas.
— Seria desnecessário dizer que a inesperada perda de Vexen não fazia parte dos planos...
mas ainda mais inesperado foi como essa Réplica em particular, a que chamamos de Xion, acabou
por formar uma identidade própria.
Quando Xemnas parou de falar, Saïx preencheu o silêncio:
— Isso nos pegou desprevenidos. Se algo assim transcorreu no Castelo do Esquecimento,
jamais nos foi relatado. Não é verdade, Axel?
Apesar de abordado pelo nome, Axel escolheu ignorar suas palavras por completo.
Então Axel estava envolvido no Projeto Réplica desde quando foi enviado para o Castelo do
Esquecimento? Se esse era o caso... há quanto tempo ele já sabia sobre Xion?
Roxas o encarou com um olhar sério. Axel não moveu um músculo.
— Felizmente, a marionete não poderá frustrar nossos planos agora, ainda que tenha
aprendido a puxar as próprias cordas — disse Xemnas, a voz profunda. — Entretanto, ela conhece
os nossos segredos. Não podemos permitir que permaneça à solta.
Diante dessas palavras, Roxas se lançou para frente, quase pulando de seu assento.
— O quer dizer...?!
— Axel. — Xemnas interrompeu Roxas sem desviar o olhar em sua direção.
Axel abriu os olhos, voltando-os para Xemnas.

234 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Levando em conta que ela escapou sob a sua vigilância, cabe a você a responsabilidade
de capturá-la e trazê-la de volta — Xemnas disse a ele. — Desconsiderarei quaisquer cortes ou
arranhões que lhe sejam feitos. Basta garantir que a marionete ainda funcione quando chegar.
Ele é um monstro! Pensou Roxas. Axel não disse nada.
— Por que aceitar uma desertora de volta sob o nosso teto?! Ela devia é ser erradicada! —
vociferou Xaldin.
— “Desertora”? Está dando muito crédito àquela coisa — disse Saïx, mirando Xaldin com
um olhar incisivo. — É um espécime falho que deve ser coletado para estudo.
— Você tem suas ordens, Axel — incitou Xemnas.
Axel continuou sem responder.
Isso deu a Roxas uma réstia de esperança. Talvez ele vá se recusar...
Mas Axel apenas continuou olhando para Xemnas, obedientemente em silêncio.
— Dispensados. — E com isso, Xemnas desapareceu.
Axel fitava o alto assento vazio que ele deixara para trás, perdido em pensamentos. Ele não
vai obedecer uma ordem dessas... vai?
— Trazê-la de volta? Que loucura desvairada — murmurou Xaldin, e também desapareceu.
— Esse tempo todo, a gente tava falando com uma marionete... Tenso — comentou Demyx.
— Ei, Roxas, você sabia dessa?
Roxas balançou a cabeça.
— Nosso líder joga mesmo com as cartas próximas ao peito — disse Luxord, talvez em
resposta a Demyx, e desapareceu.
Dando de ombros, Demyx fez o mesmo.
— Então agora a gente vai ter que limpar a bagunça toda? Até parece. — Xigbar também se
foi logo em seguida.
Apenas Roxas, Axel e Saïx permaneceram.
— Axel. As ordens são absolutas — lembrou-lhe Saïx, sem rodeios.
A boca de Axel se curvou — quase um sorriso, mas sem qualquer humor — e, ainda sem
dizer nada, também desapareceu.
Roxas queria falar alguma coisa, mas o que poderia dizer? Ainda estava se sentindo zonzo
com a revelação de que Xion era uma marionete.
— O que foi, Roxas? — disse Saïx. — Você tem uma missão a cumprir. Já passou tempo
demais se preocupando com aquela marionete.
Aquela palavra de novo. Roxas o encarou com um olhar furioso.
— A Xion é uma de nós!
Saïx deu uma risada baixa. Era a primeira vez que Roxas o via com um sorriso no rosto.
— Uma de nós? Não seja ridículo. Basta contar os assentos. Desde quando nós fomos mais
que treze?
Roxas examinou a Sala Circular. Havia treze assentos ali dispostos e, quando Xion se juntou
à Organização, todos estavam ocupados.
Ela nunca tivera um lugar para chamar de seu.
Saïx se foi, deixando Roxas pasmo com a descoberta.
Ele olhou para o meio do chão em choque, lembrando-se do dia em que Xion chegara lá,
encapuzada e em silêncio.
Eu quero falar com o Axel... eu preciso falar com ele.
Porque nós somos melhores amigos.

Pensa. Pensa. O que eu devo fazer?


Axel caminhava apressadamente pelos corredores em direção à Área Cinzenta. Vinha se
perguntando o que fazer há muito tempo.
— Axel! — gritou Roxas, sem fôlego depois de correr atrás dele.
235 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Ele parou e olhou para Roxas por cima do ombro, mas não disse nada. Não sabia por onde
começar. Confia em mim? Eu não vou machucá-la? Como confiar nele podia ajudar?
Era quase engraçado o quão perdido ele estava.
— Eu... não acho que a Xion estará segura se voltar aqui. — Roxas desviou o olhar, sua voz
baixa e hesitante.
Então aquela era a sua conclusão. Axel chegara exatamente à mesma no dia anterior. A
situação, no entanto, mudara desde então.
Eu prometi à Xion. Eu preciso cumprir com a minha palavra, não é?
O que a Xion mais quer — e o que o Roxas também quer — é que nós três fiquemos juntos.
Mas não há nada que eu possa fazer agora para que isso aconteça. Então se eu pelo menos puder
cumprir a promessa que fiz a ela... é isso o que eu vou fazer.
Axel não deixou que nada disso transparecesse enquanto esperava que Roxas prosseguisse.
— Você não vai mesmo fazer o que o Xemnas disse... vai? — perguntou Roxas, ainda
olhando para o chão. Axel deixou escapar um pequeno suspiro.
— Eu preciso. Senão eu também não estarei seguro aqui.
Aquela era a verdade nua e crua. E se ele também se fosse, quem cuidaria do Roxas?
— Bem... você pode pelo menos tentar não machucá-la dessa vez? — suplicou Roxas.
— Isso vai depender dela. — Axel deu um suspiro ainda maior. — Roxas, escuta...
Roxas ergueu o olhar.
— A Xion é perigosa.
— Perigosa como? — disse Roxas.
Mesmo despois de tudo aquilo, ele ainda não entendia sobre Xion.
— Você já recuperou toda a sua força?
— Ainda não... — Ele sacudiu a cabeça devagar, mas então ergueu o olhar de súbito, como
se tivesse se dado conta de alguma coisa. — Axel, há quanto tempo você sabe sobre ela?
Lá estava ela, a pergunta que Axel tanto temia. Esperava que Roxas não fosse pensar tão a
fundo a ponto de fazê-la; sabia que Roxas o rejeitaria para sempre quando soubesse a resposta.
— Você sabia o tempo todo e escondeu de mim?! — gritou Roxas.
Axel não conseguia responder. Mesmo que isso fosse acabar com sua amizade, ele ainda
encontraria uma forma de proteger Roxas — era o que queria fazer. Afinal, ele tinha feito uma
promessa para Xion.
Não importa o que aconteça com a Xion, eu vou cuidar do Roxas. Mesmo que os meus
métodos e os dela não sejam os mesmos.
Axel virou as costas para Roxas e se foi.

236 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
237 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
SUA KEYBLADE FEZ UM ARCO NO AR.
Eu não posso continuar desse jeito. Tenho que falar com a Xion.
Roxas procurava por ela em Agrabah e, no meio-tempo, destruía todo Heartless que via pela
frente, lutando absolutamente sozinho.
Ele odiava tudo. Não podia confiar em ninguém e nem queria tentar.
Axel já devia saber sobre Xion aquele tempo todo. Ele não negou.
Por quê...? Por que será ele não me contou? Será que ele teria problemas se eu soubesse?
Roxas seguiu até o fundo da Caverna dos Tesouros, eliminando um Heartless atrás do outro.
Estivera ali com Xion antes e ela tinha aparentado lembrar-se de alguma coisa. Agora, no entanto,
havia um estranho tipo de dispositivo no meio da câmara. Roxas o observou.
— O que é isso...?
Os Heartless logo começaram a se juntar em volta do dispositivo, mas, antes que pudessem
encurralá-lo, Roxas partiu para a ofensiva.
Teve que recobrar o fôlego enquanto os corações deixavam os corpos dos Heartless que se
dissipavam e flutuavam pelo ar. Se esses corações se juntariam a Kingdom Hearts ou não, Roxas já
não se importava mais.
O que a Organização XIII estava tentando fazer, afinal? Ele não fazia a menor ideia e estava
cansado de se perguntar a respeito. Mas não era só a Organização — também não sabia o que Axel
e Xion estavam pensando.
Por que eu faço parte dessa Organização idiota? É por que eu sou um Nobody especial?
Quer dizer que todos os Nobodies especiais precisam se juntar à Organização? A gente não pode
fazer outra coisa?
Eu não entendo nem o que é um Nobody. Ou quem eu sou.
Roxas continuou atacando, tentando dissipar a confusão em sua cabeça com a Keyblade.

— Os dispositivos já estão funcionando devidamente? — indagou Xemnas. Ele e Saïx eram


os únicos na Sala Circular.
— Sim, senhor. Luxord e Demyx os instalaram em diversos mundos antes que Roxas
chegasse a visitá-los.
Se eles de fato funcionariam ainda era algo a se questionar, mas, em tese, os dispositivos
coletavam memórias dispersas — memórias dele, perdidas aqui e ali por entre os mundos.
As motivações de Xemnas para implantar essas coisas eram ainda mais turvas. Em dado
momento, ele mencionara memórias complementares que preencheriam os buracos e aprimorariam
Xion — ou Roxas. Fazia sentido que seriam capazes de coletar mais corações com um portador da
Keyblade aprimorado. Mas era realmente isso o que ele estava buscando?
Saïx não conseguia imaginar qual era o verdadeiro objetivo de Xemnas.
— Sora ou Xion... não importa. Mas precisamos de um deles sob o nosso controle. Não se
esqueça disso.
Saïx assentiu e um sorriso sereno se formou nos lábios de Xemnas. Se tal sorriso significava
alguma coisa, ele não sabia dizer.

A hora estava chegando.


Riku estava sozinho na floresta em frente à mansão assombrada de Twilight Town. Xion já
estava lá dentro.
Respirando fundo algumas vezes, ele esperou. Quando tirou a venda que lhe cobria os olhos,
sua aparência assumiu a forma de outra pessoa — a forma de Ansem.

238 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Ele ergueu o capuz para cobrir seu rosto transformado e entrou em ação. Saltou por entre as
árvores empunhando sua espada — a Soul Eater.
Nada mal. Ele dava conta.
Riku vinha procurando uma forma de se entender com a escuridão dentro de si há muito
tempo. Se não se esforçasse para contê-la, seria muito fácil de sucumbir.
A escuridão que vivia em seu coração era Ansem, mas, ao mesmo tempo, também era toda
sua. Poderia haver alguém cujo coração era verdadeiramente livre das trevas?
Se Sora tinha um Nobody, não queria dizer que mesmo ele tinha trevas dentro de si? Apenas
as Princesas de Coração eram completamente desprovidas de escuridão — e era isso o que fazia
delas tão excepcionais.
Sendo assim, todos os outros precisavam conviver com a escuridão dentro de si e mantê-la
sob controle. Não havia por que fingir que ela não estava lá. Precisava encarar de frente as partes
mais horrendas de si mesmo, pois era isso que o tornaria mais forte.
O poder de Ansem continuava existindo dentro dele. Podia muito bem usá-lo. Afinal, logo
chegaria a hora da batalha e, a menos que fizesse desse poder seu, nunca conseguiria vencer.
Não sabia ao certo se a vitória era realmente necessária. Mas isso tudo era por Sora...
Foi quando Riku sentiu uma presença em meio à floresta — uma presença bastante familiar.
Ele desceu ao chão e aguardou.
Vindo em sua direção havia uma silhueta que ele conhecia bem. Trajava o mesmo casaco
negro que ele, mas com um traço que facilmente a distinguia de qualquer outra: duas grandes
orelhas redondas. O Rei Mickey.
Fitando-o, Riku abaixou o capuz devagar.
No momento que vislumbrou o rosto de Riku, Mickey recuou num pulo, preparando-se para
uma luta. Inabalável, Riku voltou a cobrir seus olhos com a venda e sua aparência voltou ao normal.
— Riku...?! — Mickey correu até ele. — Como estou feliz em vê-lo!
Um pequeno calor preencheu o coração de Riku.
— Vossa Majestade.
Mickey era um bom amigo, um que ele já não via há quase um ano — Riku meio que o
estivera evitando.
— Puxa, eu estava preocupado com você! Por onde andou esse tempo todo? — Mickey
ergueu o olhar para ele.
— Procurando uma forma de dominar a escuridão dentro de mim... enquanto espero que o
Sora acorde.
Riku queria tomar controle da escuridão dentro de si antes que Sora acordasse. Talvez não
pudesse eliminá-la, mas podia ao menos usá-la sob seus próprios termos.
— Por um segundo, você pareceu exatamente igual ao... bem... — Mickey parou de falar,
claramente apreensivo.
Riku sabia o que ele vira — era evidente que estaria se perguntando se ele havia sucumbido
por completo à influência de Ansem.
— Não precisa se preocupar — disse Riku, o olhar voltado para ele mesmo sob a venda. —
Estou pegando o jeito de como manter a escuridão sob controle.
— Mas espera... o Sora ainda não acordou? Houve algum problema com o reparo das suas
memórias?
Riku assentiu e Mickey se deu conta do que ele realmente queria dizer: Não é comigo que
você precisa se preocupar.
— Tem um motivo pelo qual a Organização tem estado quieta desde a nossa batalha no
Castelo do Esquecimento. E não é por que diminuir seus números os enfraqueceu. Fragmentar as
memórias do Sora foi só o primeiro passo do que queriam fazer lá. Eles precisavam de tempo para
que pudessem absorvê-las enquanto eram restauradas.
— Sabe, eu também estive tentando descobrir o que eles estavam tramando — disse Mickey.
— Não parecia muita coisa. Mas faz sentido se só estivessem ganhando tempo...
— Exatamente. O que eles realmente querem são as memórias do Sora. E esse tempo todo,
estiveram colhendo as peças.
239 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
A Organização estava tomando as memórias de Sora para si, mas o que pretendiam fazer
exatamente com elas era algo que só podia deduzir. Só o que Riku sabia era como tudo estava
acontecendo: através de Xion.
E Xion era uma garota com quem Roxas se importava, o que fazia dela como a garota com
quem Sora se importava. Ela era um reflexo das memórias de Sora.
— É por isso que sua recuperação está paralisada — prosseguiu Riku. — Eles estão com a
parte que é mais preciosa para ele: suas memórias de Kairi.
Mickey abaixou o olhar por um momento, consternado.
— Então você tem que me deixar ajudar! Talvez eu consiga recuperar essas memórias!
Riku balançou a cabeça.
— Pode deixar comigo, Vossa Majes... digo, Mickey. Mas... talvez você possa me fazer um
favor — disse ele, a voz baixa.
— Claro. É só dizer o que precisa.
— Em breve, terei que enfrentar um dos membros da Organização. Posso não sobreviver à
luta. E caso sobreviva, pode ser porque sucumbi à escuridão.
Ele se sentia terrivelmente inquieto. Aproximava-se o dia em que teria que enfrentar um dos
membros da Organização — provavelmente Roxas. E uma vitória contra o Nobody de Sora com
certeza não era algo garantido.
Se quisesse sequer uma chance, teria que liberar o poder adormecido dentro de si. A própria
escuridão. Mas Riku ainda não sabia dizer se seria capaz de impedir que a escuridão o engolisse.
Mesmo com a venda para cobri-los, seus olhos continuavam voltados para Mickey.
— Isso significa que você será o único que estará lá pelo Sora, pelo Donald e pelo Pateta. O
único que poderá guiá-los quando eles acordarem.
— Riku... Não diga isso.
— Prometa, Mickey. Você tem que estar lá pelos nossos amigos.
Riku não sabia ao certo se podia confiar em DiZ e nem imaginava o que ele faria quando
Sora acordasse. Só queria que houvesse mais alguém lá para ajudar sem que DiZ soubesse.
— É claro, Riku. Eu prometo. — O rei, seu amigo Mickey, assentiu com um olhar empático.

Xion... O Projeto Réplica...


Roxas virava de um lado para o outro em cima da cama. Mais uma vez, tivera uma noite de
sono conturbada, mas não como de costume. Não acordou sentindo-se lento e pesado. Em vez da
exaustão à qual estava habituado, estava muito bem descansado.
Olhou para as paredes brancas com uma expressão vazia.
Não conseguia acreditar que Xion era uma marionete construída para duplicar seus poderes.
Recusava-se a acreditar.
Mas agora estava começando a fazer sentido. Nos três dias desde que Xion se fora, ele vinha
sentindo sua força voltando. E se sua ausência era a causa... bem, era consistente.
Mas ele ainda não aceitava aquela explicação.
Xion os havia deixado e Axel não fizera nada para impedi-la. Axel sabia sobre seus poderes
ocultos aquele tempo todo e guardara segredo. Ele sentia como se os dois o tivessem traído.
Não parava de pensar em Xion. Ela e Roxas eram ambos Nobodies de elite, Xigbar dissera.
Diferentes. Mas Xion era uma Réplica. Então o que isso fazia dele? Se eles eram semelhantes...
queria dizer que ele também era uma réplica?
“Sora é o que faz você e Xion parte da vida um do outro.”
Era o que Xemnas lhe havia dito.
O que é esse “Sora”?
Eu sou diferente da Xion? Quem é o meu ser original?
Quem sou eu?
Roxas se sentou e olhou para as mãos.
240 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Talvez o Axel saiba mais sobre quem eu sou, assim como sabia sobre a Xion.
Eu podia perguntar pra ele. Mas... e se ele mentir pra mim de novo?
Por que eu tô aqui...?
Roxas se levantou da cama e deixou o quarto.

As coisas começavam a fugir do controle, mas Axel não sabia qual ação tomar em resposta.
Tudo o que tinha eram dúvidas e confusão. Foi tomado também por um forte senso de urgência
enquanto caminhava pelos corredores em direção ao salão.
— Axel — Roxas o chamou. Havia um tom de agitação em sua voz que Axel nunca tinha
ouvido antes. Isso o fez parar. Ele se virou, tentando relaxar os ombros.
— E aí, Roxas.
Quando forçou um sorriso, Roxas desviou o olhar. Nos últimos dias, toda vez que cruzavam
caminhos, suas conversas se tornavam hostis. Roxas parecia mais melancólico toda vez que Axel o
via. Igual alguém com coração, pensou Axel, estranhamente calmo.
— Você... encontrou a Xion? — Roxas se recusava a fitar Axel nos olhos.
— Bom, não vai ser assim tão fácil. — Axel deu de ombros.
— É. Eu sei... — resmungou Roxas, a voz fraca.
Eles estavam evitando o verdadeiro tópico por trás daquela conversa. A pergunta que Roxas
fizera mal podia ser considerada retórica — ele só estava avaliando se era a hora certa.
Então Axel esperou que ele falasse. Sabia que Roxas tinha diversas perguntas que queria
fazer — ou, pelo menos, várias coisas que queria saber. E Axel não tinha respostas para todas elas,
mas queria dizer a Roxas tanto quanto pudesse.
Roxas ergueu o olhar para ele.
— Você tem escondido a verdade sobre ela de mim esse tempo todo?
Axel não tinha mais intenção de mentir. Mas havia coisas que não podia dizer e outras que
simplesmente não sabia.
— Não. Não o tempo todo.
— Quando você descobriu? — pressionou Roxas.
— Sei lá... Em algum momento. — Axel coçou a cabeça, como se não fosse grande coisa.
— Esqueci exatamente quando.
Suas palavras levaram um sorriso seco ao rosto de Roxas:
— O quê, não deu pra memorizar?
Mas após a citação do seu bordão, uma pausa desconfortável decaiu entre eles.
— Axel... — disse Roxas, enfim. — Quem eu sou de verdade?
Aquela bem ali era a pergunta número um que Roxas queria fazer. Mas Axel não fazia ideia
de como responder.
Ele fitou os grandes olhos de Roxas. Não queria mentir. Mas...
— Eu e a Xion somos Nobodies especiais. Disso eu sei — disse Roxas, quase como para si
mesmo. — Mas a Organização estava tentando me destruir.
Axel assentiu.
— Sim. Estava.
— Porque a Xion copiou os meus poderes, o poder da Keyblade, e eles não precisavam mais
de mim... não é?
Axel não foi capaz de confirmar.
— E parece que você pensa o mesmo, não é, Axel?
Diante dessas palavras, alguma coisa lhe apertou o peito e Axel mal conseguiu respirar. Não,
eu não. Eu não penso isso. Jamais pensaria isso.
— Isso não é verdade. Você... você é o meu melhor amigo. — As palavras simplesmente
deixaram sua boca.

241 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Seu melhor amigo? — Balançando a cabeça furiosamente, Roxas agarrou Axel pela gola
do casaco. — Melhores amigos são sinceros um com o outro!
Ele está bravo, pensou Axel, lúcido. Até parece que tem mesmo um coração. Mas se isso é
tudo o que consigo pensar vendo ele irritado desse jeito, eu realmente não devo ter um.
— Quem sou eu, Axel?! — vociferou Roxas, mas Axel continuou apenas olhando para ele.
— O Xemnas me disse que a Xion e eu estamos conectados a Sora! Quem é esse?! Eu sou uma
marionete como a Xion?!
Sora, o mestre da Keyblade — tudo se ligava a ele.
Talvez Axel tivesse cometido um erro no Castelo do Esquecimento. Talvez tudo o que fizera
até aquele momento fosse um erro.
Ele sacudiu a cabeça.
— Não... Você não é como a Xion.
— Então o quê...?
Axel o interrompeu:
— Olha, se você descobrir a verdade... vai acabar desejando que não tivesse descoberto.
— O que te dá tanta certeza? — Roxas soltou o casaco de Axel e levou as mãos ao próprio
cabelo. — Eu só quero saber quem eu sou! Como eu cheguei aqui? Por que sou especial? Por que
posso usar a Keyblade? Eu mereço respostas! Como pode me dizer o contrário?!
Ele fala como se estivesse prestes a chorar, pensou Axel.
— Roxas, escuta...
Roxas sacudiu a cabeça em silêncio, recusando-se a ouvir.
— Só me fala, Axel. Quem sou eu?
Ele não podia.
O que ia dizer? Devia simplesmente contar a Roxas que ele era o Nobody de Sora? Mas e se
isso acabasse levando seu amigo a escolher o mesmo caminho que Xion, virando as costas para a
Organização? Isso significaria que Axel estaria quebrando a promessa que tinha feito para ela — e
essa era a única coisa pela qual ele jamais se perdoaria se fizesse.
Mas ele sabia. Sabia que já era tarde demais.
Mas ainda tinha esperanças.
— Por favor, Roxas. Você tem que confiar em mim.
— Não posso. Não mais.
Decidido, Roxas olhou diretamente nos olhos de Axel enquanto dizia aquilo. Não havia mais
raiva ou tristeza em seu rosto agora.
— Ei, Roxas. Qual é... — disse Axel, desamparado. Mas Roxas lhe virou as costas.
— Se não for conseguir minhas respostas aqui, vou consegui-las em outro lugar. Alguém
sabe de onde eu vim. E será nessa pessoa que eu vou confiar...
Sem mais nada a dizer, Roxas se foi.
Axel o observou enquanto deixava tudo para trás e não conseguiu pensar em nada que fosse
capaz de detê-lo.

Você é o meu melhor amigo. Aquilo queria dizer alguma coisa?


Roxas continuava caminhando. Havia apenas duas coisas que queria antes de partir.
Ambas tinham a ver com Xion.
Ele voltou ao quarto e pegou uma concha na gaveta da cômoda ao lado de sua cama. Uma
concha thalassa — uma espécie de amuleto da sorte. Atrás das conchas, viu o palito de picolé.
Roxas enfiou a concha thalassa no bolso e então recolheu o palito estampado com a palavra
“Vencedor”. Planejava mostrar e usá-lo algum dia, quando os três fossem tomar picolé juntos.
Mas isso não aconteceria agora.
— Preciso descobrir mais sobre mim — murmurou, fechando o punho em volta do palito.
Enfiando o palito também em seu bolso, ele partiu.
242 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
O castelo estava um grande tumulto. A notícia já chegara a Saïx.
Roxas atacara as Penumbras que estavam trabalhando no castelo. Haviam recebido ordens
sumárias para capturá-lo.
Todas aquelas deserções. Era ridículo.
E visto que Xion já havia partido, perder Roxas agora era um verdadeiro problema. Xemnas
emitira suas ordens: precisavam impedir que Roxas partisse.
Saïx seguia em direção aos portões do castelo quando alguém chamou seu nome. Já estava
esperando por isso.
— Tempo é precioso, Axel. Seja breve.
— Só... só me dá um segundo — disse Axel, hesitante.
— Vou trazê-lo de volta pro nosso lado. Me deixa...
— Basta. — Saïx virou a cabeça, encarando Axel de lado por cima do ombro. — Traidor.
Axel fechou a cara com uma expressão sombria.
— Estou indo. Está ciente de que a única forma de me deter será com uso de força, não é? E
mesmo se tentasse, falharia.
Saïx seguiu seu caminho. Suas memórias lhe diziam que ele odiava aquele tipo de coisa.

Saïx se posicionou em um andar próximo aos portões do castelo para esperar por Roxas.
Fazia tempo que não enfrentava alguém em combate, mas podia sentir a luta se aproximando
como uma tempestade.
Ele saudou Roxas com sua Claymore em mãos.
— Nós não aceitamos renúncias.
Roxas respondeu a declaração invocando sua Keyblade.
— Não tenho nada a dizer pra você.
— Bom. Isso nos poupará tempo.
Saïx imediatamente atirou sua Claymore contra ele, mas Roxas a defletiu com facilidade,
um movimento fluido, diferente de qualquer coisa que Saïx já o vira fazer antes.
Nesse momento de hesitação, Roxas o atacou. Saïx bloqueou a investida da Keyblade e isso
o levou de volta àqueles velhos dias em que lutar era algo prazeroso.
A Claymore atingiu Roxas — e Saïx se lembrou de coisas de muito, muito tempo atrás.

Saïx caiu de joelhos.


— Ngh... Por quanto mais tempo...? — grunhiu ele, entredentes. — Kingdom Hearts... a sua
força jamais será minha?
Roxas já estava partindo, descendo pelas escadas, e então abriu as portas que davam para a
cidade de neon.
Imaginou que era mais apropriado que um desertor partisse desse jeito em vez de usar os
Corredores das Trevas. E havia alguém que já esperava isso dele parado em meio aos arranha-céus.
— Já se decidiu?
Roxas não parou enquanto respondia:
— Por que a Keyblade me escolheu? Preciso descobrir. — Ele agora não estava mais bravo.
Apenas determinado.

243 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Você não pode se voltar contra a Organização! — gritou Axel. — Você vai tirar eles do
sério e eles vão te destruir!
Agora era Axel quem estava nervoso — completamente diferente de antes. Roxas abriu um
pequeno sorriso e parou por um momento.
— Ninguém sentiria minha falta.
E então seguiu em frente. Kingdom Hearts, a grande lua em forma de coração, brilhava em
meio ao céu escuro acima.
Ele não sabia ao certo aonde ir — só que não podia ficar ali.
— Isso não é verdade... — disse Axel. — Eu sentiria.
Mas seu murmúrio foi baixo demais para alcançá-lo.

244 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
245 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
DO OUTRO LADO DA MESA BRANCA SENTAVA-SE A GAROTA DE CASACO NEGRO.
Seu capuz estava erguido, obscurecendo seu rosto, mas Naminé olhava fixamente para ela.
Sempre soubera que elas acabariam se conhecendo algum dia. A garota era parte de Sora,
afinal, e Naminé sabia qual escolha Sora faria num momento como aquele. Como a escolha que fez
quando cravou a Keyblade no próprio peito.
Naminé lhe abriu um sorriu puro e genuíno.
— É um prazer finalmente conhecê-la, Xion.
A garota abaixou o capuz, revelando seu rosto — o rosto de uma marionete chamada Xion.
— Naminé, você consegue ver o meu rosto?
Naminé assentiu. O rosto que via definitivamente era o de Xion.
— O que você acha que eu devo fazer? — perguntou Xion.
Naminé respondeu com uma pergunta:
— O que você quer fazer?
Nossos nomes têm uma coisa em comum, ela se deu conta. Naminé significava “o som das
ondas”, enquanto Xion soava como “shio”, a maré. E ambas somos conectadas à Kairi, que mora
junto ao grande mar.
Enquanto esperava por uma resposta, viu o olhar de Xion se voltar para um desenho na
parede. Xion o observou por um momento antes voltar a falar:
— Eu pensava que sabia no início. Queria que eu, o Roxas e o Axel ficássemos juntos para
sempre. Mas então eu comecei a perceber que essas memórias... — Xion parou de falar por um
instante, desviando o olhar. — Elas não me pertencem de verdade, não é?
— Você não é o Sora. E você não é o Roxas — disse Naminé. — Você é a Kairi. Ou pelo
menos a Kairi da forma como o Sora se lembra.
Xion abaixou o olhar para a mesa, pensativa.
Isso fez sentido para ela...? Naminé se perguntou.
As memórias de Xion na verdade pertenciam a Sora. Mas a forma que ela assumira era um
resquício de Kairi. E isso se devia às memórias de Sora dentro de Roxas — as memórias que
sabiam que Kairi era alguém especial para ele. Assim como Xion se tornara especial para Roxas.
— Quanto mais eu me lembro do meu passado, mais eu sinto a necessidade de voltar ao meu
lugar — disse Xion, devagar, procurando as palavras certas. Ela então se inclinou para frente, os
cotovelos sobre a mesa. — O que eu devo fazer para voltar?
— Voltar para o Sora, você diz? — disse Naminé.
Xion assentiu.
— Se você devolver suas memórias para ele, você desaparecerá. — Naminé também parecia
escolher suas palavras com cuidado. — E como tudo a seu respeito foi construído a partir dessas
memórias, como são elas que a conectam aos outros... ninguém se lembrará de você quando você se
for. Não haverá um “você” para lembrar.
Tudo a respeito de Xion fora construído a partir das memórias de Sora; ela não possuía uma
identidade própria. Então, sem essas memórias, ela deixaria de existir, voltando a ser apenas uma
marionete vazia, sem rosto. E ninguém se lembraria de uma marionete.
Essa era a diferença entre Xion e a Réplica de Riku. O Riku Réplica era uma marionete feita
a partir de uma cópia completa das memórias de Riku, enquanto Xion era uma marionete que fora
criada para absorver memórias.
E quando as memórias que ela tomara fossem devolvidas a seu devido lugar, todo vestígio
dela seria apagado das memórias dos outros. Seria como se Xion nunca sequer tivesse existido.
— Nem mesmo os meus poderes serão capazes salvar as memórias a seu respeito — Naminé
disse a ela. — Todos os elos entre os fragmentos se quebrarão.
Xion escutou, olhando diretamente para ela — e seu olhar era tão semelhante ao de Sora,
pensou Naminé. Sincero e determinado, os olhos de um herói.
— Eu sei. E eu estou pronta. Só não sei como. Foi por isso que vim lhe procurar. — Xion
respirou fundo. — E o Roxas também precisa voltar comigo, não é?
Ela desviou o olhar, como se essa fosse a única parte que a incomodava.

246 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
247 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Mas eu não acho que ele entenderia isso... não ainda — prosseguiu. — Ele não consegue
sentir o Sora... mas vai conseguir. Então, Naminé, queria te pedir... você pode cuidar do Roxas
quando eu partir?
Então queria dizer que, se pudesse sentir o Sora, Roxas faria a mesma escolha que Xion?
Naminé suspeitava que isso não seria o que o próprio Sora faria. Sora escolheria o caminho que
julgasse ser certo e justo, ainda que isso significasse lutar contra o destino. Essa era a sua força. Era
sempre ele quem apontava a injustiça quando a via.
Xion parecia refletir todas as melhores partes de Sora. E talvez Roxas carregasse as partes
mais infantis de sua natureza — ou pelo menos era o que Naminé suspeitava, embora ainda não o
tivesse conhecido.
— Não vai ser só você. Também pedi pra mais uma pessoa. É que... eu não vou poder mais
ajudá-lo.
— Tudo bem. Eu vou. — Naminé assentiu.
— Obrigada...
Naminé realmente queria proteger Roxas, assim como prometera a Riku que cuidaria de
Sora. Era o que mais queria, do fundo de seu coração, por assim dizer.
Ela abriu outro sorriso para Xion.
— Se estiver pronta, vamos ver o Sora.
Mas parecia que as coisas não seriam tão tranquilas, afinal. Um portal se abriu em meio à
sala branca e DiZ emergiu às pressas dos Corredores das Trevas.
— Naminé, fomos encontrados! Eles estão vindo! — berrou ele, voltando um olhar enojado
para Xion. — Essa maldita boneca os trouxe diretamente à nossa porta! Viu o que se ganha por
confiar nela?!
— Eu cuido disso! — Xion se levantou num pulo, sem hesitar nem por um instante, e foi
correndo lá para fora.
— Não! Xion! — exclamou Naminé, mas ela não a ouviu.

Axel conhecia Twilight Town como a palma de sua mão, mas nunca tinha posto os pés na
mansão assombrada antes. Seus grandes portões estavam sempre fechados.
Ele atravessou a floresta que levava até lá a passos lentos.
— Como soube onde me encontrar? — Xion perguntou a ele junto aos portões.
Axel ficou um pouco aliviado em ver que ela estava com sua aparência normal.
— Em troca, me diga: o que está fazendo aqui, Xion?
— O Riku me disse que se eu voltasse a Twilight Town... descobriria qual é o meu lugar —
disse ela, olhando para o chão.
Twilight Town era um lugar especial, muito próximo ao reino de intermédio. Dentre todos
os mundos existentes, dificilmente havia outro como aquele.
Os três sempre iam a Twilight Town porque se sentiam em casa ali... porque o crepúsculo
ficava mais perto da escuridão do que da luz.
Por que nunca lhe ocorrera se perguntar o que havia no interior daquela velha mansão? Era
estranho que ele nunca tivesse sequer pensado a respeito. Aquele mundo ondulava, serpenteava.
Outras pessoas também sentiam isso — que deviam ir para lá.
Mas o que será que nos trouxe aqui? Pensou Axel. Talvez eu também esteja começando a
me conectar ao mestre da Keyblade.
Em meio a uma risada baixa, ele balançou a cabeça.
— Por que eu sempre acabo ficando com o trabalho sujo...?
— Axel...? — disse Xion, a voz sussurrada, mas ainda normal.
— Xion, o que você pretende fazer?
Ela respondeu claramente:
— Decidi que preciso voltar ao meu devido lugar.
248 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Bom, pra ser sincero, eu também sempre senti que isso era o melhor a se fazer desde o
começo. Mas, sabe, essa história ainda me incomoda bastante. Alguma coisa nisso tudo tá errada.
— É o melhor para todos — disse Xion.
Todos? Todos quem? Para nós? Ou... para outra pessoa?
— E como você sabe disso? — indagou Axel. — Todos sempre acham que estão certos...
— Isso é o certo — disse Xion, a voz firme. — É o melhor caminho.
Axel odiava aquele argumento. Não havia nada de melhor em caminho nenhum. Tudo se
resumia ao que se queria fazer e ao que não se queria. Ele aprendera essa lição quando ainda tinha
um coração.
— Eles vão te destruir! — protestou ele. Porque ela ia...
Ambos sabiam exatamente o que ia acontecer. Xion deixaria de existir.
Mas ela ergueu a Keyblade contra ele.
— Por favor, não hesite, Axel. Prometa.
— Qual o teu problema?! — urrou Axel.
Ela acha que eu vou hesitar? Agora, depois de tudo que aconteceu?
— Vocês dois... acham que podem fazer tudo que querem! — Ele invocou seus chakrams
envoltos em chamas em suas mãos. — Bem, eu já tô farto. Vão, podem continuar fugindo. Mas eu
sempre vou estar lá pra trazer vocês de volta!
Era uma súplica, um apelo, um lamento amargurado e um juramento.
Não importa quantas vezes vocês se vão, eu vou trazer vocês de volta. Todas as vezes. Vocês
dois. Pelo meu bem e pelo de vocês também.
Xion podia ser mais poderosa do que se lembrava. Mas ele não perderia. Era mais forte.
Lançando-se em meio ao ar, ele envolveu o corpo em chamas e atirou seus chakrams contra
Xion, mas ela os rebateu com a Keyblade.
Quando as armas voltaram a suas mãos, ele diminuiu a distância entre os dois e atacou. Ela
bloqueou a investida.
— Axel... Por favor.
— Por favor o quê?
— Eu... eu preciso!
Por um segundo, Axel pensou ter visto o rosto de Sora em vez do de Xion novamente. Ele
sacudiu a cabeça devagar em negação.
— Não entende, Axel? Eu não posso continuar existindo desse jeito!
— É claro que pode! Tem que ter um jeito!
Xion o empurrou com a Keyblade e então recuou num salto para ajeitar a postura.
— Não, não tem. Além disso, eu não quero ser uma marionete da Organização. E também
não vou deixar o Roxas ser usado por eles.
— Bom, então a gente tem o mesmo objetivo! — Axel fechou a distância até ela novamente,
cercando-a com uma parede de chamas.
Ela cruzou os braços para tentar se proteger das labaredas — e então disparou para cima
dele, atravessando suas defesas.
— Tenta me ouvir! — Sua Keyblade atingiu Axel no ombro e ele gemeu.
— Eu tô ouvindo! Mas o que você fala não faz sentido!
Ele realmente, realmente não queria fazer aquilo, mas...
Bloqueando a próxima investida da Keyblade, ele atacou Xion com os chakrams e a jogou
com tudo no chão.
— Axel...!
— Eu juro... vocês e essas desculpinhas ridículas já tão me dando nos nervos!
— Axel, por favor, você tem que entender! — Xion se levantou.
Talvez eles estivessem mesmo em pé de igualdade, afinal. E ambos tinham os seus próprios
motivos para lutar.
— E quanto a mim? Acha que eu também não queria que nós três ficássemos juntos?! —
gritou Axel, jogando-a no chão outra vez.

249 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Estivera pensando tanto a respeito do que fazer e do que não fazer que havia perdido de vista
o que ele queria. E não conseguira juntar a coragem para seguir Roxas.
Será que tinha medo de se rebelar contra a Organização?
Não — ele só queria que as coisas continuassem como eram, ainda mais que Xion ou Roxas.
Axel já não ligava mais para o que a Organização precisava, o que Xion ou Roxas queriam
ou mesmo o que era melhor para os mundos.
Ele vinha usando a Organização para os seus próprios fins desde o início. A única coisa que
havia mudado no meio-tempo era por quem estava fazendo o que fazia. Talvez Saïx chamasse isso
de traição. Mas seu mundo havia mudado.
Eu queria que nós três ficássemos juntos.
Tudo o que eu queria era que nós três continuássemos rindo juntos, na Organização. Mas
eu disse a mim mesmo pra crescer e parar de desejar o impossível.
— ...Axel? — Mais uma vez, Xion se ergueu.
E a batalha continuou...

— Por que você sempre tem que me dar tanto problema...? — resmungou Axel, os passos
vacilantes sob o peso da garota... da marionete que levava consigo, suspensa nos ombros. Embora
ele também não tivesse saído ileso, ela parecia completamente inconsciente.
Xemnas não esperava que Xion fosse perder para Axel em seu nível atual. Mas talvez aquele
fosse o poder de alguém que fora tocado, ainda que indiretamente, pelo garoto com a Keyblade. As
profundas conexões que as pessoas possuíam com Sora emergiam no calor do combate.
Se houvesse uma forma dos Nobodies recuperarem aquilo o que careciam, — ou seja, seus
corações — talvez um elo com Sora seria o catalizador. Um Nobody extremamente peculiar e uma
marionete... e um Nobody profundamente ligado a ambos. Era evidente que algo estava destinado a
acontecer. E o mais poderoso deles não era a marionete, afinal.
Quando Axel finalmente chegou ao castelo, suas pernas perderam a força e Xion tombou de
seus braços quando ele desmaiou.
Xemnas se aproximou e, assumindo seu lugar, recolheu a marionete.
Se não era poderosa o suficiente, a única coisa que se podia fazer era lhe dar mais poder.
Contanto que um deles estivesse sob seu controle, não importava qual seria. Roxas e Xion se
mesclariam num único ser e, independentemente de qual restasse, já era o suficiente.
No fim, eles só precisavam de Kingdom Hearts.
E então, Xemnas desapareceu com Xion.

Onde estou?
Ah. Estou naquela cápsula de novo. Isso não é um sonho sobre o Sora, é? Por que estou
dormindo aqui?
...É verdade. Porque não consegui derrotar o Axel.
Por que ele não me deixou partir?
Eu queria que nós três ficássemos juntos. Não foi o Axel que disse que isso era impossível?
Por que ele tinha que dizer aquelas coisas?
Talvez seja porque ele é um Nobody. Ele não tem um coração. Talvez seja por isso que ele
tenha sido capaz de dizer algo que me causou tanta dor.
Alguém está me olhando do outro lado da cápsula.
Quem é? Xemnas...?
O que o Xemnas quer comigo?
— Agora você se completará — disse Xemnas.
250 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Me completarei...? O que isso quer dizer?
Xion se sentiu nauseada. Alguma coisa começou a fluir dentro dela, súbita e intensamente.
Era difícil respirar.
Essas são as memórias do Sora. A fonte do meu poder. Mas eu não quero tudo isso. Eu fugi
para que não precisasse fazer parte do plano do Xemnas...
Sinto muito, Axel. Eu não quero isso. Não quero ser o que o Xemnas me mandar ser.
Eu vou ter uma chance. Mesmo o Xemnas tem que baixar a guarda em algum momento.
E então eu vou encontrar o Roxas de novo. Vou encontrá-lo e vou lhe contar a verdade.
Queria que nós pudéssemos ter ficado juntos, de verdade.
Roxas, Axel... me perdoem.
Nobodies não deviam existir. E eu também não.
Eu preciso voltar ao meu lugar. Porque eu sou o Sora.
E eu nunca, jamais vou fazer o que o Xemnas quer.

Roxas foi ao ponto de encontro no alto da torre do relógio. O pôr do sol estava tão bonito
quanto de costume. Ele não fazia a menor ideia de para onde ir ou o que fazer.
Uma pequena risada seca lhe escapou e Roxas abaixou a cabeça.
Eu deixei a Organização porque queria saber o que eu sou, por que estou aqui. Mas o que
estou fazendo? Aonde estou tentando ir? Eu não tinha motivo para ficar lá e não fiquei. Mas se
tinha um motivo para ir embora, já não sei mais dizer qual é.
E cá estou eu. Não sei mais aonde ir.
Então — Roxas sentiu outra presença. Ele ergueu o olhar.
— Xion?!
Era seu rosto sob o capuz negro. Sem dizer uma única palavra, ela se sentou do seu lado e
lhe ofereceu um picolé.
— Obrigado. — Roxas não perdeu tempo e logo deu uma mordida. Doce, salgado, gelado.
Quantos picolés daquele já havia tomado desde que se juntara à Organização?
Ele olhou para Xion, também tomando um picolé, e deu mais uma mordida no seu. Não
sabia o que dizer.
Ela deve ter ficado sabendo que eu deixei a Organização, pensou. Mas por que está com
esse capuz erguido? Ela também desertou, não foi?
Talvez ela tenha vindo aqui pelo mesmo motivo que eu — porque não consegue pensar mais
para onde ir. Não, não pode ser isso...
Roxas estava pensando demais para saborear seu picolé e, antes que pudesse perceber, já
estava quase acabando. O palito estava em branco.
Havia muitas coisas que ele deixara inacabadas com a Organização — e com Axel. Mas no
momento, o que mais lhe fazia pensar era o palito “Vencedor”. Por que o havia guardado por tanto
tempo? Devia tê-lo dado a ele antes.
Ele terminou o picolé. Quando olhou para Xion, ela também já tinha terminado o dela. Sem
muita pressa, ela pôs o palito mais ao lado.
— Roxas... meu tempo se esgotou.
Ela se levantou e abaixou seu capuz. O rosto que revelou, no entanto... não era o dela.
Roxas perdeu o fôlego, abismado.
Era um garoto de cabelos castanhos, olhos azuis e um rosto que parecia — só um pouco,
talvez, só um pouquinho — o do próprio Roxas.
— Mesmo que eu ainda não esteja pronta, preciso tomar essa decisão. Você lançou tantas
memórias dentro de mim, me deu tanto, que sinto como se fosse transbordar.
Roxas não conseguia entender do que ela estava falando. Mas então se lembrou do que Axel
dissera. As memórias da Xion... vieram de mim?
O que devia dizer? Ele nem ao menos entendia o que estava acontecendo com ela.
251 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Olhe para mim, Roxas. Quem você vê? Se está vendo o rosto de outra pessoa... o rosto de
um garoto... então quer dizer que estou quase pronta. Essa marionete terá que fazer o seu papel.
Xion — não, não é ela. É outra pessoa.
Mas também é ela. O que tá acontecendo aqui?
Ela saiu andando pela beira da torre do relógio, mas não caiu — seus pés pisaram no ar
como se fosse o próprio chão. Roxas não pôde segui-la.
Ela se voltou para ele.
— Roxas... esse é ele. É o Sora.
Sora. Esse é o Sora.
— E você é o próximo, Roxas. Preciso fazê-lo parte de mim também. Não vê? Foi para isso
que eu fui criada...!
Xion removeu seu casaco, atirando-o ao vento.
E sob ele, havia... uma marionete?
Essa é a verdadeira forma da Xion? Não... não pode ser...!
A marionete ergueu uma das mãos e abriu um portal negro que engoliu tudo ao redor —
incluindo Roxas.

Eles emergiram no País das Maravilhas. E Xion não era mais Xion.
Ela estava no meio da sala, em frente a um daqueles dispositivos. A Organização os havia
feito para coletar os fragmentos da memória de Sora, que amplificariam seus poderes.
Mas ela tinha fé. Roxas acabaria com ela. Esse era o único caminho a seguir.
— Xion! — exclamou ele. — Por quê...? O que você tá fazendo?!
Roxas precisava de mais tempo para compreender tudo. Mas ela não tinha mais tempo.
Ele tentaria não enfrentá-la. Então precisava atacá-lo com tudo. E, no processo, podia perder
completamente quaisquer vestígios de si mesma.
Mas ela acreditava em Roxas. Ele a derrotaria — aquele casulo dela, aquela cópia.

Não, eu não vou! Eu não quero lutar!


Mas ela o estava atacando com toda a força. Era mesmo sério.
Na estranha sala no País das Maravilhas, Xion — ou a marionete que costumava ser Xion —
o atirou com tudo na parede.
Axel havia dito que agira contra a sua vontade quando atacou Xion daquela vez. Roxas se
lembrava da total segurança em sua resposta quando ele protestou dizendo que Axel não tinha que
ter usado força:
“Não tinha?”
Ainda assim... ele se recusava. Não ia enfrentá-la.
Ele tentou fugir, mas Xion o perseguiu. O que podia fazer?
Ela dissera que o faria parte dela. Aquilo era verdade? Por quê? O que aconteceria se ela o
fizesse? Talvez não fosse não tão ruim. Talvez até preferisse deixar que isso acontecesse do que
lutar contra sua amiga.
Ele bloqueou um ataque e o impulso o fez atingi-la com a Keyblade.
Naquele instante, ele pareceu poder ouvir sua voz:

Por favor, Roxas...

E então, ela abriu os Corredores das Trevas novamente. Dessa vez — eles voltaram aonde a
Organização os havia enganado para que se enfrentassem: a Cidade do Halloween.
252 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Também havia um dispositivo instalado ali e, diante dele, Xion se transformou.
O que está havendo? Pensou Roxas, mas podia ver, mesmo naqueles breves momentos de
confusão, que Xion estava ganhando ainda mais poder. E seus ataques estavam começando a drenar
sua força. Se permitisse que isso continuasse, estaria acabado.
Vou ter mesmo que lutar com ela...?
Ele não fazia ideia do que fazer. Mas também não se podia permitir que perecesse ali. Ainda
queria descobrir quem ele era — e isso também lhe diria mais sobre Xion.
Ele respirou fundo algumas vezes, buscando determinação.
Então eu não tenho escolha.
Mas assim que pensou isso, Xion abriu os corredores mais uma vez. O grande portal logo o
engoliu, levando-o dessa vez para Agrabah, onde havia mais um daqueles misteriosos dispositivos
em meio à uma das câmaras da caverna.
Xion absorveu ainda mais poder, mudando de forma novamente, e Roxas tomou sua decisão.
Eu vou. Vou lutar. Porque tem que ter um futuro pra gente.
Talvez eu consiga parar o que tá acontecendo com ela.
Ele mudou a postura e, com a Keyblade em mãos, se lançou para cima de Xion. O golpe a
atingiu em cheio.
Outro portal negro se abriu e Roxas pensou ter avistado a Xion que conhecia do outro lado,
além da escuridão — mas quando emergiu dos corredores, o que encontrou foi uma coisa colossal
em forma de marionete, sua silhueta escurecida pelas cores do pôr do sol no horizonte.
Em Twilight Town, em frente a seu ponto de encontro, a marionete gigante balançou os
braços em forma de lâmina e atirou Roxas longe. Ele não queria acreditar que aquela era Xion.
Talvez fosse alguma outra coisa que a havia possuído — tinha que ser.
Xion... eu só... eu só quero tomar picolé com você de novo!
Roxas se ergueu e se lançou contra a criatura, contra Xion, atacando-a com tudo de si.
Eu odeio isso. Odeio demais. Mas talvez, se eu conseguir ir até o final, talvez a gente possa
voltar a ficar junto.
Não vou dar um golpe final...
Xion. A gente vai tomar picolé de novo.
Axel. Você tem que me deixar te levar pra tomar picolé com o palito “Vencedor”.
Alguma coisa nele doeu.
E, de repente, ele não sabia mais o que estava aconteceu.
O quê? O que tá acontecendo?
Minha cabeça dói. Tudo em volta tá confuso. Me sinto zonzo...
Com quem eu tô lutando? O que eu tava tentando fazer?
Quem sou eu mesmo...?
Sou o Roxas. Número treze da Organização.
Estou em Twilight Town, na praça da estação, em frente à torre do relógio aonde a gente
sempre vai. E na minha frente tem... uma garota.
Ela está de joelhos, parece que vai cair a qualquer momento.
— Quem é mesmo... você? — perguntou. A garota tinha cabelos negros e um casaco igual
ao dele. — É estranho. Sinto como se eu estivesse me esquecendo de algo muito importante.
A garota abriu os olhos.
— Você vai ficar melhor agora... Roxas.
Sem mais forças, ela caiu nos braços de Roxas. O que havia de errado com ela? Parecia estar
sentindo muita dor.
Ele tentou ajudá-la a se levantar.
— Fui eu... que fiz isso com você?
Era tudo muito confuso. Ele não conseguia se lembrar. Lascas de luz começaram a emergir
do corpo murcho da garota.
Essa luz... é...

253 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Não... foi minha a decisão de ir embora agora. Melhor isso do que não fazer nada e deixar
que o Xemnas faça o que bem entender. — Ela pôs a mão sobre a dele. — O meu lugar é junto com
o Sora... E agora, eu vou voltar... e vou ficar com ele.
Seus olhos se fecharam por um momento, até que ela voltou a falar:
— Roxas. Preciso que você... me faça um favor... Todos os corações que eu capturei...
Kingdom Hearts... liberte-os.
Roxas mal conseguia ouvir suas frases baixas e pausadas.
— Libertar... Kingdom Hearts? — repetiu. Mas por quê? O que aquilo queria dizer? Seu
trabalho era coletar os corações dos Heartless destruídos, não era?
De repente, viu que seus pés estavam mudando, tomados pela luz gelada e imperdoável que
começava a lhe subir as pernas.
— É tarde demais... para que eu desfaça os meus erros... Mas você não pode deixar que o
Xemnas fique com Kingdom Hearts... Não pode.
Ela vai desaparecer, pensou Roxas e, por algum motivo, lhe foi doloroso. Ele não queria
que isso acontecesse.
— Adeus, Roxas. A gente se vê. — Ela conseguiu abrir um pequeno sorriso.
Tenho certeza que estou me esquecendo de alguma coisa... alguma coisa importante.
A garota ergueu uma mão e lhe tocou a bochecha.
— Fico feliz... por ter te conhecido. Ah, e o Axel também, claro. Vocês são os meus
melhores amigos. Nunca se esqueça. Essa é a verdade.
“Vocês são os meus melhores amigos...”
Melhores amigos?
Uma coisa muito importante pra mim... Twilight Town, a torre do relógio, nosso ponto de
encontro... Eu costumava vir aqui com o Axel e... com quem mais?
A mão dela desabou — e os olhos de Roxas se alargaram.
— Não... Xion! — Agora ele se lembrava. Aquela era Xion. Como pôde se esquecer? Os
pores do sol juntos, os picolés juntos... ele nunca, jamais se esqueceria. — Com quem mais eu vou
poder tomar picolé?
Xion sacudiu a cabeça devagar e então... seus olhos se fecharam.
— Xion...! — Roxas gritou seu nome, mas ela já estava se tornando luz em seus braços.
Não restou nada além de uma concha thalassa.
Suas bochechas estavam molhadas.
O que... eu fiz?
Enquanto o sol afundava no horizonte, ele recolheu a concha e a segurou com força.

Ele acordou em sua cama, como sempre. Estava ferido e seu corpo inteiro doía. Mas o que
acontecera para ficar daquele jeito?
Sentia a cabeça pesada, envolta numa forte neblina. Axel a balançou enquanto se sentava na
cama devagar.
— Ugh... Qual é o problema comigo...?
Além dos ferimentos, tinha a sensação de que estava esquecendo algo vital. Havia apenas...
um vazio. Como se algo estivesse faltando.
Ah, eu sei bem o que é isso. É solidão.
Quando o pensamento lhe cruzou a mente, Axel notou um envelope branco sobre a cômoda.
Havia dois nomes rabiscados nele — o seu e o do seu melhor amigo.
É verdade. O Roxas deixou a Organização. Talvez seja disso que eu tava me esquecendo.
Ele pegou o envelope. Ninguém havia mencionado que lhe deixaria alguma coisa.
Quando o abriu, a única coisa que havia dentro era um palito. Era de picolé, com a palavra
“Vencedor” escrita.
— Roxas... — Ele murmurou o nome de seu melhor amigo.
254 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
255 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Xion.
Xion.
Xion.
Xion... Xion, Xion, Xion, Xion Xion Xion Xion Xion Xion.
Tinha medo de esquecer seu nome se parasse de repeti-lo. Então foi murmurando para si
mesmo, de novo e de novo.
Xion.
A minha melhor amiga. A garota mais especial para mim. Xion.
Roxas corria. Ela lhe havia dito para libertar Kingdom Hearts.
Se é isso o que ela quer, então eu quero tentar. Se conseguir fazer isso, talvez possa voltar a
vê-la. Xion, a minha melhor amiga, que eu destruí com as minhas próprias mãos.
Vou ter que voltar aonde o Xemnas está para libertar Kingdom Hearts. Voltar ao castelo da
Organização.
Roxas deixou os Corredores das Trevas. Estava chovendo.
Ele nunca vira chover no Mundo Que Jamais Existiu. E, apesar da chuva, Kingdom Hearts
continuava brilhando no céu acima com a luz de todos os corações que ele precisava libertar.
E Xion — ele a traria de volta. Eles tomariam picolé juntos de novo.
Ele saiu correndo pelas ruas rodeadas por luzes de néon da cidade, assim como fizera pouco
tempo antes. Penumbras — Nobodies que antes costumavam ser suas companheiras — lançaram-se
aos montes contra ele.
— Saiam da frente! — gritou Roxas, invocando suas Keyblades. Eram duas; uma delas
pertencia a Xion.
Em meio a um forte clarão, as armas se transformaram, mas ele não parou para ver como.
Não importava. Ele correu em frente, girando as Keyblades. Não tenho tempo pra isso.
Xion.
Ele disse seu nome para si mesmo outra vez.
Agora, havia Heartless o cercando. Ele os eliminou e parou para recuperar o fôlego.
Xion.
Enquanto repetia o nome novamente, notou uma figura o observando — não se tratava de
uma Penumbra, nem de um Heartless. Alguém de casaco negro no alto de um arranha-céu. A figura
de lançou em sua direção, mas não era um membro da Organização.
Roxas saltou e começou a correr pela parede do prédio. Os dois passaram um pelo outro — e
então a Keyblade de Xion caiu de sua mão. Aconteceu tudo numa fração de segundo, rápido demais
para que fizesse sentido, mas foi como se a Keyblade simplesmente tivesse pulado de sua mão por
vontade própria.
O outro sujeito a agarrou em meio ao ar.
É ele...
Roxas pousou no chão e o encarou. Tinha os cabelos prateados e uma venda negra que lhe
cobria os olhos.
— Quem é você?! — indagou Roxas.
— Do que importa? — disse o jovem. — Estou aqui por você.
— Por que está tentando me deter?! — Roxas havia perdido toda a paciência.
Você tá me fazendo perder tempo!
Preciso fazer o que aquela garota — a Xion! Preciso fazer o que a Xion me pediu. E aí vai
ficar tudo bem. Não há mais tempo — estou quase me esquecendo dela.
Xion... Xion... Xion. Continua dizendo. Eu não quero esquecer, mas sinto que vou.
— Porque quero o resto das memórias do Sora de volta — respondeu o sujeito.
— Sora, Sora, Sora! Chega desse Sora! — disparou Roxas.
Xemnas lhe havia dito a mesma coisa. Eles estavam conectados através de Sora.
256 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
257 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
E a garota — Xion. Ela também havia dito algo do tipo.
— O que você pretende fazer? — perguntou o outro sujeito, tão calmo que deixava Roxas
ainda mais irritado.
— Vou libertar Kingdom Hearts! E aí tudo vai voltar a ser como antes! Ela vai voltar... e nós
três vamos poder ficar juntos de novo!
Vamos sim. Nós vamos tomar picolé juntos de novo e vamos assistir ao pôr do sol da torre
do relógio. E também vamos pra praia. Vai ficar tudo bem. Ainda teremos muito tempo pra passar
juntos, nós três. Tenho certeza disso. Não é, Xion?
— Ela? Fala da Xion? É uma luta só pra lembrar do nome agora, não é? Seja como for, eu
não posso deixar que você saia fazendo alguma loucura.
O jovem ainda tinha a Keyblade de Xion em mãos. Mas havia algo diferente a respeito dela.
Roxas empunhou sua Keyblade, pronto para lutar.
— Eu tenho que achar esse tal de Sora e o único jeito de fazer isso é se eu libertar Kingdom
Hearts! Eu quero a Xion de volta. Quero a minha vida de volta!
Tudo vai voltar a ser como antes, disse a si mesmo mais uma vez enquanto se lançava num
ataque contra o sujeito.
— Se você tentar entrar em contato com Kingdom Hearts, a última coisa que terá é a sua
vida de volta. A Organização vai te destruir.
— Cale-se! — rosnou Roxas. O que mais podia fazer?!
Ele atacou com a Keyblade, um golpe extremamente feroz — mas o sujeito bloqueou sua
investida. Roxas se recusava a perder. Não contra aquele impostor que queria ficar em seu caminho.
Eles trocaram golpes de novo e de novo, subindo e descendo pelos arranha-céus.
Xion.
Tá tudo bem. Eu ainda me lembro.
Ainda me lembro dos dias que passávamos rindo e tomando picolé juntos, nós três.
Roxas atingiu o sujeito com tudo, jogando-o contra a fachada de um prédio. Tinha vencido.
Sabia que não ia perder.
— Por quê?! Por que você tem a Keyblade?! — gritou o outro sujeito, caindo de joelhos.
— Cale-se! — Roxas não entendia o que aquele cara queria dizer.
Eu também não sei por que tenho uma Keyblade. Sou eu que mereço as respostas.
Não sei por que a Xion usava uma, assim como eu, ou por que você consegue empunhar a
Keyblade dela. Por que ela deixou a minha mão daquele jeito?
O sujeito se levantou devagar e, pegando a Keyblade de Xion, se lançou contra Roxas.
Por algum motivo, ele não conseguiu se esquivar. O golpe o atingiu em cheio, atirando-o
para trás. Roxas caiu com tudo no chão e, por um instante, pensou que perdera a consciência.
Mas ele não se esqueceria. Ele queria se lembrar.
Xion. Axel. Picolé de sal marinho. O ponto de encontro. A torre do relógio. O pôr do sol.
Amigos que eram importantes para ele. A promessa que fizeram para o próximo dia de folga.
E então, uma imagem do alto da torre do relógio surgiu em sua mente. Ele caiu no chão de
costas para baixo.
Eu não vou esquecer. Eu nunca, jamais vou me deixar esquecer.
Vou libertar Kingdom Hearts e tudo vai voltar a ser como antes. Eu não quero esquecer...

Riku aproximou-se cuidadosamente do garoto desmaiado. Cravou a Keyblade no chão a seu


lado e olhou mais de perto.
Havia tantas coisas acontecendo ali que ainda lhe fugiam a compreensão — por que Roxas
começara a batalha com duas Keyblades e por que uma delas passara para Riku? Ela simplesmente
caíra da mão de Roxas e saltara para a dele, como se atraída por um ímã.
E naquele instante, ele se lembrou dela. A garota cujo nome já estava começando a se apagar
de sua memória...
258 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Mesmo agora, Riku não tinha certeza se o garoto diante de si era de fato o Nobody de Sora.
Havia uma semelhança — ou pelo menos era o que acreditava, mas era difícil precisar.
De repente, Roxas se levantou. Ele pegou a Keyblade que Riku havia deixado mais ao lado e
atacou. Mas Riku, ainda atento, recuou num salto.
— Por que você não se manda?! — exclamou Roxas.
Uma memória surgiu na cabeça de Riku e ele decidiu arriscar:
— Qual é, Sora. Achei que você fosse mais forte que isso.
— Se liga! Olha qual de nós que tá vencendo! — retrucou Roxas, tão natural quanto um eco.
Exatamente o que Sora lhe teria dito.
Ele não podia acreditar... mas estava ali, bem na sua frente.
— Então é verdade. Você é mesmo o Nobody dele — disse Riku. — Parece que o DiZ
estava certo, afinal.
— Do que você tá falando?! Eu sou eu! E mais ninguém! — Então, com um grito que soou
mais angustiado que furioso, Roxas atacou.
Dessa vez, foi rápido demais para que Riku se esquivasse. Ele foi atingido em cheio — e
uma voz ecoou em sua cabeça:

Riku, por favor! Você tem que detê-lo!

Era ela, a garota ia se apagando de sua memória a cada momento que passava.
— Quantas vezes eu vou ter que te derrotar?! — Com uma Keyblade em cada mão, Roxas
encarou Riku.
Isso tudo... é pelo Sora.
— Muito bem... você não me deixa escolha — disse Riku.
— O quê?!
— Tenho que liberar o poder no meu coração... — Lentamente, Riku se levantou e removeu
a venda dos olhos. — O poder negro que estive contendo. Ainda que ele me mude para sempre...
No mesmo instante, sentiu seu corpo mais leve, quase sem peso. Entregar-se à escuridão
significava permitir que ela o alterasse.
Uma sombra se ergueu à sua volta — a própria escuridão. Era vasta e profunda, mas estava
sob seu controle. Seguia a sua vontade. Não iria fazê-lo prisioneiro.
Porque, na escuridão, a luz brilhava muito mais forte.
Riku fechou a distância entre eles com um único movimento e uma grande sombra capturou
Roxas. As Keyblades caíram de suas mãos frouxas e ele gemeu enquanto Riku o encarava.
— Este é o poder da escuridão — disse Riku. Desmoronando no chão, Roxas desmaiou.
— Então... você é ele. Roxas. — Riku ergueu o capuz, ocultando seu rosto, e ficou de olho
em Roxas para garantir que ele não tentasse nada outra vez.
Mas aquela garota — como era o nome dela?
A chuva caía ainda mais forte. De repente, sentiu um portal se abrir e, então, DiZ apareceu.
— Ele pôde sentir o Sora — Riku disse a ele.
— Ah, ele te disse que “sentiu”, foi? Disse o quanto odeia o Sora? — comentou DiZ. —
Ridículo. Nobodies não sentem nada.
— Se ele tivesse conhecido o Sora, as coisas podiam ter sido diferentes — disse Riku,
olhando para o garoto caído de barriga para baixo, cada vez mais encharcado com a chuva que caía.

Roxas, não fique triste.


Eu vim de você e do Sora. Eu sou você, assim como sou o Sora. Você pode se esquecer de
mim, mas as suas memórias de mim não vão desaparecer para sempre.
Vão estar com as minhas memórias de você, juntas no seu devido lugar — dentro do Sora.

259 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Numa cidade banhada pelo brilho de um belo pôr do sol, num pequeno quarto de uma casa
modesta, um garoto acordou.
— Outro sonho sobre ele...
Vinha tendo muitos desses sonhos ultimamente, mas só lembrava vagamente deles.
Ele se levantou e abriu as janelas, observando um trem que ia passando pela cidade. Aquela
mesma vista de sempre...
Ficou olhando distraidamente por um tempo.
Sentia-se tão estranho hoje. Seria por que as férias de verão estavam quase acabando?
Mas conforme ia pensando em como passaria os últimos dias, foi ficando mais animado. Ele
pulou da cama e, depois de se trocar, saiu correndo lá para fora.
A mente do garoto divagava enquanto subia pelas ruas em ladeira, seguindo em direção ao
ponto de encontro.
Seu nome era Roxas e aquela era Twilight Town. E ele estava indo ver seus amigos.
E, parando para pensar...
— Ah, é! A gente ainda não foi pra praia! — disse a si mesmo enquanto corria pelo beco.
Sim — eles haviam prometido que iriam para a praia juntos hoje.

260 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
Só mais sete dias e as minhas férias de verão acabam...

261 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
262 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
AQUI É TOMOCO KANEMAKI, COM AS MINHAS PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES
finais para fechar o décimo quarto volume desta série, incluindo as coletâneas de curtas[1]! Obrigada
a você por ler, quer tenha acompanhando esses livros desde o começo ou começado só agora.
Quatorze volumes... Sim, esse é o décimo quarto livro de Kingdom Hearts. E quatorze é
também o número da Xion. Estou incluindo estas considerações dessa vez porque, para 358/2 Days,
eu tive a honra de contribuir com o próprio roteiro do jogo. Cerca de dois anos atrás, lá estava eu,
brincando com ideias para a história — o que hoje se tornou uma memória maravilhosa.
Ainda é muito empolgante me lembrar do meu encontro com Tetsuya Nomura e outros
escritores no escritório da Square Enix em Shinjuku. Acho que nos reuníamos cerca de uma ou duas
vezes por semana. Na maioria das vezes, éramos só nós três: eu, a Yukari Ishida, da equipe de
roteiristas e o nosso intrépido supervisor, Daisuke Watanabe. A gente simplesmente ficava lá e
conversava sobre tudo e qualquer coisa. Depois que o Sr. Nomura deu uma olhada nas nossas
anotações e acrescentou os seus próprios toques, foi tudo para a produção. Esse basicamente foi o
processo. Eu já havia tido experiência com desenvolvimento de jogos antes, mas apenas com o
estilo visual novel, completamente baseado em texto, então foi a minha primeira vez trabalhando
em um RPG. E como eu costumo trabalhar sozinha, só o fato de fazer parte de uma equipe já deixou
tudo bem mais agradável.
De todas as discussões que tivemos a respeito dos personagens e da história, as que
envolviam a Xion foram as que mais me marcaram. Para a personagem dela, eles realmente
chegaram a usar muitas das ideias que eu sugeri e fomos refinando ao longo das nossas reuniões.
Tive muitos sentimentos com relação a seu nome em particular. O Ultimania e outras fontes já
falaram disso, mas o nome de Xion vem de shio-ne, o som da maré, que funciona como um eco do
nome de Naminé (o som das ondas). É também um anagrama para o número imaginário, No. i, com
um X. E na língua das flores, shion (Áster tataricus) significa “eu não vou te esquecer”.
A cor do cabelo da Xion foi resultado de um pedido pessoal meu — pedi ao Sr. Nomura
para desenhar uma garota de cabelos negros. Tirei mesmo toda vantagem possível dos privilégios
do trabalho. Ainda sou muito apegada ao primeiro esboço da Xion, que nunca foi publicado (eu
acho). É um dos meus maiores tesouros.
Também contribuí com a história por trás das réplicas. A ideia me veio enquanto estava
escrevendo “A História de Riku” para os livros de Chain of Memories e me perguntei se não havia
alguma forma de salvar o pobre Riku Réplica. Os Nobodies por si só já não deviam existir, mas ele
tem ainda menos essência que eles. Sua própria existência foi construída para um propósito... Toda
essa estruturação só podia levar a uma tragédia. Ainda assim, quero acreditar que os corações das
Réplicas têm chance de encontrar a felicidade no final.
Enfim, essa é uma longa série de jogos, então isso também é verdade para os livros. Faz seis
anos desde que o primeiro livro saiu. Sinto falta daqueles dias que eu parecia estar andando às cegas
pelo escuro. E tanta coisa aconteceu nesses seis anos. Eu tinha uma criança na época que estava
entrando no primeira ano do fundamental e hoje já está no ensino médio! Nossa. Sou tão grata aos
fãs que me apoiaram esse tempo todo e a todos que ajudaram na publicação desses livros.
Permitam-me expressar minha gratidão de forma um pouco mais explícita, já que não é
sempre que tenho a oportunidade:
Primeiramente ao nosso diretor, Tetsuya Nomura. O boneco autografado do Sora que você
me deu de aniversário fica na minha mesa de trabalho. Sou uma grande fã. Nós já não nos vemos
faz algum tempo, mas foi tão divertido para mim conversar com você nos bastidores daquela
convenção. Eu gostaria de aparecer pelos bastidores de novo algum dia. Tem sido maravilhoso
trabalhar com você!
A Shiro Amano, o ilustrador. Nós sempre fazemos planos para sair juntos e um de nós
sempre tem que cancelar de última hora por causa do trabalho. É uma droga. Mas aquela vez que a
gente aprontou todas na minha casa foi demais! Vamos tomar uns drinks de novo qualquer dia!
...Com um pouco mais de moderação.
A Kazushige Nijima, roteirista e escritor. Mesmo de um ponto de vista puramente objetivo,
devo dizer que você é um contador de histórias que eu realmente admiro. E eu amo do fundo do
coração aquela fala do Rei Mickey em Kingdom Hearts II, Vol. 1: “Estamos sãos e salvos e somos
263 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o
livres para escolher. Então não há por que não escolhermos ajudar os nossos amigos.” Espero que
possa me tornar uma escritora que bola falas como essa algum dia. Nós dois gostamos de licor, mas
nunca tomamos um drink juntos. Acho que quando eu terminar de escrever essas considerações,
vou te mandar um e-mail pra tentar dar um jeito nisso.
E a Daisuke Watanabe, editor de roteiro e supervisor dos romances de Chain of Memories.
Não acho que eu estaria trabalhando nessa série se não fôssemos amigos. Já nos conhecemos há
muito tempo, não é? Sinto falta daquele tempo que a gente tomava umas poucas e boas quase toda
noite. E meus parabéns por juntar os trapos! Seu casamento é cerca de um mês depois do
lançamento desse livro. Mal posso esperar!
À Yukari Ishida, a responsável pelo planejamento que ficou me aturando enquanto eu
ajudava na roteirização do jogo. Peço desculpas por nunca termos conseguido fazer aquele almoço
de comemoração que mencionamos. Quero muito voltar a te ver! Ficávamos tão ocupadas que mal
conseguimos ter uma conversa de menina direito. Vamos fazer uma noite das garotas num bom
restaurante qualquer dia desses. Não vá se matar de trabalhar!
Ao antigo responsável pelo planejamento da Square Enix, Minori Miura. Minha primeira
impressão sobre Kingdom Hearts foi que era um jogo no qual você estava trabalhando. A vida
funciona mesmo de formas misteriosas. Estou onde estou hoje porque você me apresentou ao
Watanabe, Minorin. Boa sorte com o novo trabalho!
A Kouichi Watanabe, o designer. Faz treze anos desde que nos conhecemos. Nunca pensei
que voltaríamos a cruzar caminhos desse jeito. Muito obrigada pelas suas artes maravilhosas.
Ao meu editor, Takeshi Aojima-san. Não é todo dia que duas pessoas trabalham em quatorze
volumes completos de livros juntos. Sem você, eu nunca teria conseguido continuar escrevendo.
Sinto muito por dar tanto trabalho para você o tempo todo. Sério, de verdade, obrigada. Você está
no meu top três “pessoas que eu nunca vou conseguir retribuir”. Fico muito feliz de poder estar
trabalhando com você.
E obrigada a todos os outros membros da equipe. Não só àqueles que trabalharam nos livros,
mas a todos os envolvidos no incrível universo de Kingdom Hearts. Apesar que, quando eu digo
“todos”, isso provavelmente inclui o Walt Disney... Espera, eu com certeza gostaria de incluí-lo!
Obrigada, Vossa Majestade! Eu amo o seu trabalho!
Por último, mas certamente não menos importante, a todos os meus leitores. Muito,
muitíssimo obrigada. Se eu cheguei assim tão longe, foi com todo o amor do seu apoio. Isso faz
parecer que a série está se encerrando, mas ainda tem mais por vir! Terra! Ven! Aqua! Meus amigos
são o meu poder! Eu realmente acredito nisso — estamos todos conectados. E para aqueles que
quiserem mesmo ficar conectados, é só me procurarem no Twitter!
Nos vemos no romance de Kingdom Hearts: Birth by Sleep!

Em um dia chuvoso de primavera,


Tomoco Kanemaki.

----------
[1]
N.T.: Ela está se referindo aos lançamentos originais japoneses da série: dois volumes para Kingdom
Hearts: A Romantização, dois volumes para Chain of Memories: A Romantização (com um volume
adicional para Reverse/Rebirth), quatro volumes para Kingdom Hearts II: A Romantização, dois volumes
para Kingdom Hearts II: Coletâneas Curtas (uma coleção de histórias paralelas que até o lançamento desta
tradução ainda não foi lançada fora do Japão) e, finalmente, três volumes para 358/2 Days: A Romantização,
totalizando os quatorze volumes mencionados.
Nos EUA, a maioria dos livros foi lançada em edições especiais que combinavam esses volumes separados e,
consequentemente, não tivemos tantos livros assim no ocidente. A versão em que a nossa equipe se baseia
para a tradução é justamente essa.

264 | K i n g d o m H e a r t s - 3 5 8 / 2 D a y s : A R o m a n t i z a ç ã o

Você também pode gostar