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KINGDOM HEARTS III:


A ROMANTIZAÇÃO
EDIÇÃO ESPECIAL DO 20º ANIVERSÁRIO

KINGDOM HEARTS III: THE NOVEL (A ROMANTIZAÇÃO)


TOMOCO KANEMAKI
ILUSTRAÇÕES: SHIRO AMANO
OBRA ORIGINAL: TETSUYA NOMURA, MASARU OKA

Traduzido, revisado e editado por Sorinha Phantasie.

Esse livro é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e incidentes são obra da
imaginação do autor ou usados de forma fictícia. Quaisquer semelhanças com eventos, locais ou
pessoas, vivas ou mortas, são coincidências.

KINGDOM HEARTS © Disney Enterprises, Inc.


Personagens da série de videogames FINAL FANTASY © 1990, 1994, 1997, 1999, 2000, 2001,
2002, 2003, 2005, Square Enix Co., Ltda.
Todos os direitos reservados.

Tradução em português brasileiro pela PHANTASIE TRANSLATE, 2022.


A tradução deste material foi elaborada e disponibilizada sem fins lucrativos. Se você pagou
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KINGDOM HEARTS III:
A ROMANTIZAÇÃO
EDIÇÃO ESPECIAL DO 20º ANIVERSÁRIO

ÍNDICE
CAPA
A HISTÓRIA ATÉ AGORA
PÁGINAS COLORIDAS

PARTE 1: Re:Começo!! PARTE 3: Recorde-me de Novo


PERSONAGENS CAPÍTULO 10: O Caribe
PRÓLOGO INTERLÚDIO: Crepúsculo
CAPÍTULO 1: Olimpo CAPÍTULO 11: San Fransokyo
CAPÍTULO 2: Mundo das Trevas CAPÍTULO 12: Mundo das Trevas
CAPÍTULO 3: Torre Misteriosa INTERLÚDIO: Conversa Secreta
INTERLÚDIO: 7 Dias CAPÍTULO 13: Breve Descanso
CAPÍTULO 4: Twilight Town CAPÍTULO 14: O Mundo Final
INTERLÚDIO: Carta CAPÍTULO 15: Cemitério das
INTERLÚDIO: Radiant Garden Keyblades

CAPÍTULO 5: Caixa de Brinquedos INTERLÚDIO: Quem é você?

CAPÍTULO 16: O Labirinto do


PARTE 2: Os Novos Sete Corações Rompimento
CAPÍTULO 17: Sacala ad Caelum
CAPÍTULO 6: Reino de Corona
CAPÍTULO 18: Recordação
CAPÍTULO 7: Monstrópolis
CODA
INTERLÚDIO: Margem Negra

CAPÍTULO 8: Bosque dos Cem Acres

INTERLÚDIO: Carta II

CAPÍTULO 9: Arendelle

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A HISTÓRIA ATÉ AGORA
Anos atrás, quando Sora ainda era apenas um garotinho, o Mestre da Keyblade
Eraqus treinava seus três pupilos na Terra da Partida. Após descobrirem sobre um
desastre iminente, Terra, Ventus e Aqua partiram em uma jornada pelos mundos. O trio
eventualmente encontrou a fonte da ameaça, Mestre Xehanort, e, por fim, frustrou seus
intuitos sombrios em uma grande batalha. Infelizmente, o custo foi alto demais e os três
acabaram desaparecendo sem deixar vestígios. Ainda pior, a batalha travada por eles foi
apenas o ato inicial do grande plano de Xehanort.
Aproximadamente dez anos depois, Sora estava construindo uma jangada com
seus amigos Riku e Kairi nas Ilhas do Destino, sonhando com os mundos que haviam
além do seu. No entanto, numa noite de tempestade, a escuridão se espalhou pelas ilhas
e, ainda com quatorze anos, Sora acabou indo parar em Traverse Town, onde começou
sua jornada para salvar o Mundo. Com uma Keyblade em mãos e dois novos amigos,
Donald e Pateta, a seu lado, Sora selou as Keyholes de vários e vários mundos, a fim de
protegê-los das forças da escuridão. Por fim, ele enfrentou e derrotou Ansem, a mente
por trás de tudo.
Mas a luta não acabou aí para Sora, uma vez que ele e seus amigos precisaram
enfrentar a Organização XIII mais de uma vez, primeiro no Castelo do Esquecimento e
então de novo um ano depois. Com uma ajudinha ao longo do caminho por parte do rei,
Riku e de outros guerreiros da luz, Sora eliminou os Heartless e os Nobodies, frustrando
assim os planos da Organização. Após finalmente derrotar Xemnas, parecia que toda a
confusão havia chegado ao fim.
A paz havia sido trazida de volta ao Mundo — até que Sora recebeu uma carta
do rei. A carta era uma convocação para Sora e Riku do poderoso feiticeiro Yen Sid,
informando a eles que o Mundo mais uma vez estava em perigo. Mestre Xehanort havia
voltado e suas últimas batalhas não passaram de degraus no caminho para o seu objetivo
final. A fim de findar as maquinações de Xehanort, Sora e Riku passaram pelo teste da
Marca da Maestria, na esperança de também se tornarem Mestres da Keyblade. Os dois
foram mandados ao passado, visitando os mundos aprisionados no sono, onde poderiam
ambos aprenderem a forma adequada de portar suas Keyblades e obterem o poder do
despertar. Entretanto, os planos de Mestre Xehanort também previram esses eventos.
Graças à recém-formada “verdadeira” Organização XIII, Sora foi lançado num abismo
negro. Riku o salvou no último instante possível, mas Sora permaneceu privado de toda
a força e habilidades que ganhara ao longo de suas aventuras.
O verdadeiro objetivo de Mestre Xehanort agora está perfeitamente claro: obter
a χ-Blade a qualquer custo. Para detê-lo, o rei e Riku partiram em busca de Aqua, uma
das guerreiras da luz perdidas e, enquanto isso, Sora deve seguir em sua própria jornada
para recuperar seu poder perdido e salvar o Mundo ao lado de Donald e Pateta.

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ERA UMA CIDADE ESTRANHA, CHEIA DE PRÉDIOS QUE SE ASSOMAVA SOBRE A
água azul e cristalina, como uma espécie de planta aquática. E era apenas uma de muitas — cada
cidadezinha feita de diversas pequenas casas brancas aglomeradas uma em cima da outra, formando
um grande cone. Eram todas conectadas por meio de teleféricos que passavam por cima da água que
as separava, embora fosse difícil dizer se a água fazia parte de um lago ou um vasto oceano.
Havia também moinhos aqui e acolá e gaivotas voavam livremente pelo ar em meio ao céu
vasto. Olhando mais de perto, podia-se ver moradas mais antigas sob a superfície, talvez submersas
ali desde muito, muito tempo atrás.
No topo de uma cidade particularmente alta havia o que parecia uma torre do relógio. Nela,
dois garotos estavam sentados de frente um para o outro diante de um jogo de tabuleiro, banhados
pela luz suave em meio à brisa fresca que entrava pela janela. Um dos garotos tinha cabelos negros
e estava vestido de branco enquanto seu companheiro de cabelos prateados estava de preto.
— Já ouviu falar da antiga Guerra da Keyblade? — perguntou o garoto de preto enquanto
movia uma de suas peças para tomar uma das do oponente.
— Claro que já — respondeu o garoto de branco antes de mover sua própria peça a fim de
capturar outra.
— Há muito tempo, os portadores da Keyblade travaram uma guerra pelo domínio da luz —
esclareceu o garoto de preto. Ele fez sua jogada.
— Sim, a história favorita do Mestre — respondeu o garoto de branco.
— Queria saber o que eles pretendiam fazer com Kingdom Hearts depois de fazê-lo aparecer
— ponderou o garoto de preto. O jogo ainda continuava enquanto os dois conversavam.
— Quem sabe? Não consigo entender por que alguém começaria uma guerra — respondeu o
garoto de branco, e seu amigo pôs uma mão sobre a boca, abrindo um pequeno sorriso.
— Então... você conhece os Mestres Perdidos?
— Quem? — perguntou imediatamente o garoto de robe branco.
— São aqueles que iniciaram a Guerra da Keyblade.
— Nunca ouvi falar. Onde ficou sabendo disso?
— Ou... talvez tenha sido por eles que a guerra teve início — acrescentou o garoto de preto,
a voz intensa.
— Não estou acompanhando.
— Pode parar de fingir.
— Fingir? — Os dedos do garoto de robe branco hesitaram sobre o tabuleiro.
— “Nesta terra, a escuridão prevalecerá e a luz perecerá”. Um futuro Mestre da Keyblade
devia saber disso.
— Se você diz — disse o garoto de branco, indiferente. Era difícil dizer se ele realmente não
sabia ou se estava apenas se fazendo de desentendido.
— O Olho Que Tudo Vê pode ver o destino do mundo. O futuro... ele já foi escrito.
O garoto de preto ergueu o olhar para a parede onde uma Keyblade especial com um único
olho estava pendurada em exposição.
— Sério? Eu não tenho lá tanta certeza — disse o garoto de branco, movendo mais uma peça
pelo tabuleiro. — Além do mais, quem disse que eu não posso mudá-lo? E talvez a luz prevaleça.
Ele tomou outra das peças de seu oponente.
— Quanta convicção. Mas as coisas não estão a seu favor. — O garoto de preto também
tomou uma peça.
— Talvez. Mas diferente das trevas, a luz é mais do que aparenta. Pode ficar surpreso.
O garoto de branco ergueu o olhar do tabuleiro e fitou seu amigo.
— Ah, é o que eu espero — respondeu o garoto de preto, encontrando seu olhar.
O garoto de cabelos prateados se chamava Xehanort e o garoto de cabelos negros se chamava
Eraqus. E o nome daquela cidade era Scala ad Caelum, a escada para o céu.
A calorosa luz do sol continuou a brilhar sobre os dois garotos.

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Podem tomar o seu mundo, podem tomar o seu coração,
te tirar tudo aquilo que lhe é importante...
Mas se for o seu destino, então todo passo em frente
sempre será um passo mais perto de casa.

Existem sete corações a salvar.


O que você deseja?

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SORA SUBIU CORRENDO AS ESCADAS DA TORRE MISTERIOSA E ENCONTROU
seus dois companheiros esperando por ele em frente à porta.
— Tá bom, pode ir falando! — resmungou Donald, balançando o rabo.
— Você sumiu por um tempão. O que estava fazendo? — perguntou Pateta, preocupado.
Pouco depois de terminar o teste da Marca da Maestria e retornar dos Mundos Adormecidos
para a torre, Sora logo voltou a se aventurar por esses mundos.
— He, he, he. Segredo — respondeu ele com uma breve risada, e então abriu a porta com
tudo. Não ia contar tudo o que estava tramando, mas estava feliz em saber que seus amigos ali
estavam bem. — Tô de volta!
Sora esperava que Riku, Kairi e Mickey estivessem lá à sua espera, mas, em vez deles, era
Yen Sid quem estava presente.
— Hã? Só a gente? — Sora seguiu até a mesa do feiticeiro com Donald e Pateta logo atrás.
— Todos os outros tinham trabalhos importantes a fazer, então os enviei a seus destinos —
declarou Yen Sid.
— Que ótimo. Podiam pelo menos ter se despedido.
Sora parecia verdadeiramente decepcionado quando Donald comentou:
— Foi culpa sua não ter encontrado com eles.
— Não foi não. Eu só gosto de me despedir de todos os meus amigos — retrucou Sora.
— Então que faça isso mais rápido!
— Eu tô aqui agora, não tô?
— Temos assuntos a discutir — disse Yen Sid, dando fim ao debate. Sora e seus amigos
logo se ajeitaram e começaram a prestar atenção. — Para que derrotemos Xehanort, temos aliados a
reunir e devemos agir agora para despertá-los de seu sono. Nós discutimos isso antes, Sora.
O trio de amigos assentiu.
— Seu teste da Marca da Maestria foi conduzido na esperança de que você obtivesse o poder
para despertá-los. Entretanto, a escuridão quase lhe tomou o controle e o seu domínio sobre suas
novas habilidades ainda deixa muito a desejar.
Sora abaixou a cabeça, claramente abatido. O mestre estava certo — devido aos planos da
Organização XIII, Sora havia caído num Mundo Adormecido muito próximo às trevas e acabou
sendo consumido.
— Além disso, — prosseguiu o Mestre — Xehanort quase o tornou um de seus receptáculos
e, no processo, lhe tirou boa parte dos poderes que você havia adquirido até então. Suspeito que já
tenha notado isso, correto?
Sora engoliu em seco. Donald e Pateta olharam para ele, inquietos.
— Sora... — disseram os dois, cheios de preocupação.
Mas então Sora ergueu a cabeça com tudo.
— De boa! — gorjeou. — Acontece o tempo todo.
Todas as vezes em que perdeu seus poderes temporariamente, — nos Mundos Adormecidos,
no Castelo do Esquecimento e também quando acordou naquela velha mansão — ele eventualmente
conseguiu recuperar toda a sua força com a ajuda de seus amigos. Ele sabia que também daria tudo
certo dessa vez.
— Sim. Tico e Teco estão atualmente analisando os dados que Ansem, o Sábio, forneceu a
Riku, o que pode nos propor uma pista referente a como recuperar os corações perdidos de nossos
amigos. Tenho grandes expectativas com relação a esses dados. Entretanto, nossa maior chance de
frustrar os planos de Xehanort continua sendo você, Sora. Se confiar no caminho para onde seu
coração o guiar, sei que encontrará todos os guardiões da luz.
Sora assentiu. Sete guardiões — e sete princesas. Essas fontes de luz sempre protegeram os
mundos e precisariam continuar fazendo isso por mais algum tempo.
— Mas primeiro, você deve recuperar toda a força que perdeu. Talvez seja tolice esperar por
uma recuperação completa, mas é absolutamente vital que você aperfeiçoe um poder: o poder do
despertar, o qual falhou em dominar durante seu teste. Há alguém que perdeu sua força e voltou a
encontrá-la, um herói de verdade, a quem você deveria fazer uma visita. Talvez ele possa lhe
apontar o caminho certo.
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No momento que Sora ouviu a palavra herói, seu rosto se iluminou. Ele sabia exatamente de
quem se tratava e, por um instante, começou a imitá-lo, flexionando seus músculos e fazendo uma
pose atrás da outra.
— Entendido — respondeu ele, assentindo reverentemente.
— Mestre Yen Sid... — Donald deu um passo em frente e Pateta logo fez o mesmo.
— Pode contar conosco para cuidar do Sora!
— Não poderia esperar que fosse diferente. Deixo Sora em suas mãos.
Dada a aprovação do feiticeiro, Sora pôs os braços em volta dos ombros dos amigos.
— Donald! Pateta!
Os dois abriram um grande sorriso para Sora, animados.
— Você não pode virar um mestre sem a gente!
— Hã? — disse Sora, nada feliz. Quer dizer, ele tá certo, mas...!
— Nunca imaginei que você ia falhar naquele teste, Sora — comentou Pateta com pesar.
Sora prontamente tirou os braços dos ombros dos amigos.
— Ei!
Mas Donald e Pateta ainda não tinham terminado de pegar no pé do amigo:
— Aceite, você é só um meia-dose.
— Mas nós três juntos damos uma dose inteira!
— Uma dose e meia — insistiu Sora, indignado. Mas era como eles sempre tinham sido.
— Vamos ficar de olho em você! — Donald estendeu sua mão.
— Ah, isso vai ser divertido à beça! — Pateta pôs sua mão sobre a de Donald.
— Não estamos de férias — disse Sora, mas também logo pôs a mão por cima das deles. Os
três sorriram. — Vamos nessa!
Eles trocaram um olhar e então se viraram de volta para Yen Sid.
— Conta com a gente!
O feiticeiro assentiu e eles podiam ver que suas expectativas para com eles eram grandes.

Fazia já um bom tempo desde que os três viajaram juntos na Nave Gummi e o Oceano de
Intermédio sofrera mudanças significativas desde então. Agora, eles não faziam ideia de para onde
ir e também não havia qualquer sinalização que lhes indicasse o caminho.
— Como é que a gente vai chegar lá agora? — indagou Sora na cabine do piloto.
— O quê? Achei que você soubesse! — reclamou Donald, batendo o pé, frustrado.
— Parece que as rotas antigas estão fechadas. O Mestre Yen Sid não tinha dito que o Sora
tinha que confiar no caminho para o qual seu coração o guiasse? — ponderou Pateta, sempre com
aquela mesma voz preguiçosa.
— Qual é, Sora! Pra onde? — cutucou Donald.
— Hmmmmmm... — Sora pensou e repensou, não particularmente apressado.
— Ei, quer levar isso a sério? — Donald se inclinou para frente em sua cadeira.
— Dá um tempo, eu tô tentando. Essas coisas levam tempo!
Pateta interveio:
— Bom, como já estivemos lá antes, por que você não tenta imaginar os nossos amigos
como se estivéssemos lá?
— Hmm...
Sora se levantou e seguiu até Donald e Pateta nos assentos de trás, onde fez pose de machão.
— E aí? — perguntou Donald, hesitante, mas Sora apenas deixou os ombros caírem.
— Desculpa, não deu em nada. Tava esperando o quê?
Nem sequer pensar em seus amigos foi o suficiente para fazer surgir uma boa ideia ou mudar
a vista da janela. Vendo a reação de Sora, Donald também começou a perder as esperanças.
Foi quando Pateta murmurou consigo mesmo:
— “Que seu coração seja sua chave guia”.

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— Hã? Quê isso? — perguntou Sora.
— O Mestre Yen Sid sempre dizia isso antes de partirmos pras nossas aventuras mais
importantes. — Os ouvidos aguçados de Pateta tendiam a captar qualquer coisa, até sussurros.
— Sério? Você se lembra?
Donald sacudiu a cabeça.
— Talvez eu tenha só imaginado. — Pateta inclinou a cabeça, sua confiança desvanecendo.
— Que meu coração seja minha chave guia... — repetiu Sora. O que isso quer dizer? Ah,
talvez eu devesse tentar usar a Keyblade!
Sora voltou ao assento do piloto e invocou sua Keyblade em mãos.
— Já sei!
Ele ergueu a Keyblade diante de si, apontando-a para a vista do Oceano de Intermédio mais
à frente. Uma forte luz emanou da espada, abrindo caminho para as Travessias de Intermédio.
— Um portão! — Donald e Pateta exclamaram em uníssono.
— Beleza! Coliseu do Olimpo, lá vamos nós! — Sora assumiu os controles e a Nave Gummi
bateu em disparada.
Seu destino era o Olimpo, o lar de um outro herói que certa vez perdeu sua força para então
voltar a recuperá-la.

Sora e seus amigos pousaram na metade da subida de uma montanha bem íngreme, no que
parecia ser uma trilha. Estavam cercados por penhascos e desfiladeiros, então a trilha provia uma
vista bastante diferente da que estavam acostumados por suas visitas passadas àquele mundo.
— Sem corneta? — perguntou Sora enquanto examinava os arredores com toda a atenção.
Donald pôs as mãos nos ouvidos e escutou, mas então sacudiu a cabeça. Os barulhos tão
característicos do Coliseu normalmente podiam ser ouvidos assim que eles pousavam, mas agora
não havia sequer um sussurro. Eles nunca tinham visto aquele lugar antes.
— Não, parece que não estamos no Coliseu. — Pateta se juntou a eles, vasculhando a área
inquietamente. Eles sempre costumavam chegar logo ao lado da entrada do Coliseu, com Cloud ou
alguma outra pessoa por perto...
— Sora, foi você que abriu o portão!
— Eu me perdi um pouco de novo. Foi mal! — Sora tentou acalmar Donald, mas então
voltou à sua postura normal. — A gente encontra. Mas temos que ir!
E ele imediatamente partiu. O alto da montanha parecia um bom lugar para começar.
— Montanha a cima? — indagou Donald. Sora simplesmente tinha começado a andar em
uma direção, ele sequer tinha um mapa.
— É. “Pra cima” costuma ser o caminho certo — respondeu Sora, como se fosse a coisa
mais óbvia do mundo.
— Bom, ele costuma mesmo ficar a cabeça nas nuvens — comentou Pateta, brincalhão
como sempre.
— Exatamente! — respondeu Sora, completamente confiante, e então ergueu uma mão
cerrada com um sorriso no rosto.
Donald e Pateta trocaram um olhar, inquietos, mas então também abriram um sorriso, vendo
que não havia como fazê-lo mudar de ideia.
— Ei! — chamou Sora quando já estava bem mais à frente. — Já estamos indo!
Os outros dois correram atrás dele. Após avançarem um pouco, Pateta notou uma coisa:
— Acho que podemos estar andando em círculos — disse e, assim que o fez, Heartless
apareceram em seu caminho. Sombras clássicas.
— Heartless! — Donald empunhou seu cajado.
— Beleza, vamos acabar com eles!
Sora se lançou à batalha com sua Keyblade em mãos. Podia ter perdido sua força e boa parte
de suas magias, mas era mais que capaz de cuidar daquelas criaturas.

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Donald disparou suas magias e Pateta avançou contra inimigos com seu escudo empunhado.
Embora fizesse um tempo desde a última vez que lutaram como um trio, Sora se sentia mais
tranquilo com os amigos a seu lado. Seu Espírito também fora um companheiro de confiança, mas
ninguém podia substituir Donald e Pateta.
Eles seguiram avançando pela trilha da montanha, derrotando Heartless por todo o trajeto,
até que chegaram a um precipício mais ao alto. A vista do penhasco incluía uma cidade à certa
distância. Quando tentaram olhar para cima a seguir, os três amigos viram um templo — ou algo
parecido — perto do cume da montanha.
— Será que eu dei a volta na pedra errada?
Sora cruzou os braços por um momento e então gritou em direção às colinas adiante:
— Ei, Hércules! Cadê vocêêê? — Ele não estava esperando uma resposta, mas sabe como é,
não custava tentar.
Foi quando uma nuvem negra e sinistra veio flutuando do alto da montanha e pousou logo
atrás de Sora e seus amigos. Antes que pudessem reagir a isso, o trio ouviu uma voz resmungona e
distintamente familiar:
— Vamos lá. Eu já pus os pingos nos is, expliquei um milhão de vezes o quanto odeio esse
tal herói. Então o que rola? Quem tá querendo explodir a minha cabeça gritando o nome desse
infeliz? — Quem surgiu em meio à névoa negra foi ninguém menos que...
— Sério? Hades? — murmurou Sora, obviamente decepcionado.
Sim, era o próprio senhor do Mundo Inferior, o infalivelmente maligno Hades, cujos planos
eles frustraram mais que só algumas vezes no passado.
— Ah, são só vocês. Putzgrila. — O Senhor dos Mortos também parecia decepcionado.
— Só a gente? Isso é frieza até pra você — disparou Sora.
— Não se esqueça: eu posso sempre aumentar a temperatura! — rosnou Hades, as chamas
azuis tremulando em sua cabeça.
Um pouco mais para trás, Pateta deu outra boa olhada em volta.
— Espera. Se o Hades está aqui, então cadê o H?
— Por que todo mundo idolatra aquele palhaço?! — As chamas azuis finalmente deram
lugar a um vermelho terrivelmente furioso. — Quer saber? Esquece. Deixa quieto. Tô tranquilo. Tô
na boa. Porque... o bonitão vai sair do meu pé logo, logo. — Mas Hades recobrou a compostura
quase imediatamente, o vermelho desaparecendo quase tão rápido quanto surgiu.
— Então você tá tramando alguma coisa de novo! — O Senhor dos Mortos estava agindo
com uma calma muito suspeita e Sora imediatamente invocou sua Keyblade.
— É claro que está!
— Pode apostar!
Donald e Pateta também empunharam suas respectivas armas em posição de combate.
— Opa, calma lá... quê isso, Esparta? Eu tô com a agenda apertada. Não dá tempo de ficar
brincando com fogo e enxofre. Todo o cosmo tá basicamente só esperando que eu, sabe como é, o
conquiste!
Sora fez sua Keyblade desaparecer.
— Pobre Hades. Ele acha que dessa vez vai conseguir alguma coisa.
Chegava a ser ridículo. Mas Hades então ergueu os braços em direção ao céu.
— Onde estão os meus Titãs? Mostrem-me o seu poder!
A terra começou a ribombar em resposta ao chamado enquanto lava irrompia do alto da
montanha e um poderoso vento soprava contra Sora e seus amigos.
— Ahh! Ô brisinha boa.
Hades deixou o vento se tornar uma nevasca que o encobriu por inteiro — e jogou Sora,
Donald e Pateta voando.
— Ei!
— Waaak!
— Ahh-hoo-hoo-hooey!
O trio foi berrando enquanto cruzava o céu.

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— E o vento levou — comentou Hades, perfeitamente satisfeito, enquanto os seguia com os
olhos. — Levou bem pra onde eu deixei... ah, dá nada.
Ele se virou para olhar para as três sombras gigantescas atrás de si.
— Bom trabalho, rapazes! E aí, de volta ao esquema de dominação cósmica?
As massas negras colossais recuaram frente à ordem enquanto Hades as observava partirem.
Após alguns instantes, uma onda de trevas se abriu atrás dele, de onde alguém foi saindo.
— Ugh. É sério? Tá zoando comigo? Eu mereço mesmo. Sério, desgraça pouca é bobagem.
Tá bom, quem é a nova peste? — perguntou a deidade maligna. Ele sequer se virou para olhar para
o recém-chegado, que acabou se revelando como Bafo.
— Ah, vai, isso não é jeito de dizer oi, ainda mais pros seus velhos amigos.
Atrás de Bafo, o nefasto arqui-inimigo de Mickey, estava sua boa companheira sinistra. Ela
saudou Hades com um sorriso. Mas quando Hades finalmente se virou para encará-los, só o que
conseguiu enxergar em seu rosto foi desprezo.
— Ah, perfeito. Agora tenho que aturar vocês dois. — resmungou Hades, virando-lhes as
costas de novo. — Engraçado, não me lembro de vocês terem me feito nenhum grande favor. Então
podem ficar com os seus Heartless dessa vez. Eu vou voltar ao meu plano original. Beleza?
Malévola, a fada de robe negro, riu.
— Então... té mais! A saída é por ali. Pô, foi ótimo ver vocês! Boa viagem!
Hades ficou gesticulando com as mãos para que eles fossem embora, mas Malévola tinha
uma pergunta para ele:
— Não estou aqui por você. Tenho meus próprios assuntos a tratar. Só o que preciso saber é
se há uma caixa preta distinta em algum lugar deste mundo.
— Caixa preta, é? Hmm... Caixa preta, caixa preta, caixa preta... Espera. Não me diga... cê
tá atrás da que Zeus escondeu na Terra? — respondeu Hades, sugerindo que poderia ter algum
conhecimento a respeito do objeto que a fada má estava procurando.
— Possivelmente. Se estivesse, onde poderia encontrá-la?
Os olhos de Malévola se estreitaram com profundo interesse.

Enquanto isso...
A tempestade havia jogado Sora e seus amigos bem longe.
— Ahh!
— Waaak!
— Ahh-hoo-hoo-hooey!
Em Tebas, o herói Hércules ergueu o olhar quando ouviu as três vozes gritando e, em meio a
um poderoso salto, pegou o trio que caía em seus braços musculosos.
— Viu só? Encontramos — declarou Sora, orgulhoso, agarrado aos bíceps de Hércules.
— É, acho que conta! — disse Pateta, também pendurado nos braços de Hércules.
— Gwaaak! — Aparentemente, em vez de cair junto com os amigos, Donald ficara preso
em uma das estátuas próximas. — Me bota no chão!
— Só um segundo! — Hércules riu enquanto corria para ajudá-lo.
Assim que Sora e o resto do grupo estavam de volta ao chão em segurança, Hércules sorriu,
contente por ver seus amigos de novo.
— Vocês voltaram! Sora, Donald, Pateta! Vocês literalmente caíram com tudo. Devo dizer,
estou impressionado.
— Obrigado!
— Bela pegada.
— É, valeu, H.
Os três o cumprimentaram um de cada vez. Era ótimo ver que seu amigo ainda estava bem,
mesmo depois de todo aquele tempo — apesar que, a julgar pela fumaça que vinha dos prédios de
pedra que ladeavam as ruas, parecia que o mesmo não podia ser dito de Tebas.

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— Mas... o que tá rolando?
— Adivinha — disse Hércules, dando de ombros. — Também começa com H.
Às vezes, Hades e seus comparsas do mal tentavam atacar a cidade e era sempre Hércules
que costumava detê-los.
— Ah, já saquei tudo — respondeu Sora, cruzando os braços. — Na real, a gente cruzou
com o Sr. H a caminho daqui.
— Ele disse alguma coisa sobre conquistar todo o cosmo — acrescentou Donald.
— Ele todo, hein? Que bom que ele é modesto. Bom, seja lá o que ele estiver planejando,
vou mandá-lo correndo de volta pelo Estige.
— Esse é o nosso H! — Sora comemorou com os amigos, cheio de confiança. O Hércules
sabe mesmo o que é ser um herói.
— Então, Sora, tem um motivo para vocês estarem de visita? Imagino que não seja só pelo
queijo e azeitonas — perguntou Hércules, sentindo algo fora do normal.
— Ah, é! — exclamou Sora, lembrando-se de sua missão.
— Parece que alguém esqueceu — provocou Donald.
— Esse é o Sora — disse Pateta.
— Eu só... demorei um pouco pra lembrar — Sora retrucou para os amigos, virando-se então
para olhar para Hércules. — H, eu vim aqui pra te perguntar uma coisa.
— Me perguntar?
— É. Lembra da última vez que eu vim aqui? Você tava se sentindo bem esgotado. Como
foi que recuperou a sua força... quando pulou para salvar a Meg?
Sora olhou para suas mãos, agora muito mais fracas do que costumavam ser. Hércules certa
vez também perdera seus poderes por conta de um dos planos malignos de Hades. Se Hércules tinha
conseguido superar isso, então ele certamente saberia de alguma coisa que pudesse ajudar Sora com
sua própria situação.
— Hmm... essa é difícil. — Hércules parou para pensar por um momento. — Só o que eu sei
é que ela estava com problemas. De repente, eu quis salvá-la de todo o meu coração, mas... não é
como se eu pudesse te explicar como.
Ele fez o possível para explicar suas ações naquela ocasião, mas mesmo Hércules não tinha
certeza de qual realmente fora a chave para sua recuperação. Talvez não fosse assim tão fácil de
encontrar a cura mágica de Sora para recuperar sua força, afinal.
— Puxa vida — suspirou Sora, desanimado.
— Qual o problema? — perguntou Hércules.
— Eu também perdi toda a minha força — explicou. — É por isso que eu preciso de você...
porque esperava que você tivesse algum tipo de solução, sei lá.
— Sinto muito, Sora.
Foi quando várias bolas de fogo caíram do céu em direção aos quatro amigos desalentados.
— Heartless! — gritou Donald.
Eles estavam cobertos em chamas, vindo para atacar a cidade.
— A gente conversa depois!
— Beleza, quando cuidarmos desses caras!
Os quatro se prepararam para a batalha. Eles lutaram ao lado de Hércules várias vezes antes
e conheciam bem a sua força.
Pouco antes de Sora partir para cima do grupo de Heartless, Hércules exclamou:
— Eu cuido desses caras!
O herói ergueu uma grande pedra do meio dos escombros e a atirou contra os Heartless.
Enquanto isso, Donald disparava suas magias e Pateta jogava os inimigos longe com seu escudo.
— Ai, ai, ai! — ganiu Pateta, suas roupas pegando fogo, e Donald correu até ele para apagar
com uma magia de gelo.
Eu poderia acabar com esses caras num piscar de olhos se estivesse... mais forte, pensou
Sora, atacando desesperadamente com sua Keyblade.
Hércules havia dito que sua força voltou para ele por conta de seu desejo sincero de ajudar
Meg, mas o que exatamente isso queria dizer?
27 | K i n g d o m H e a r t s I I I : A R o m a n t i z a ç ã o
— Sora, cuidado! — Donald eliminou um Heartless que estava a ponto de atacar Sora. — Tá
dormindo aí?!
— Foi mal.
Sora apertou a Keyblade com mais força e voltou sua atenção mais uma vez para o assunto
que tinha em mãos.
— Você tá bem aí, Sora? — gritou Hércules enquanto lançava um Heartless para o alto com
um de seus poderosos socos.
— A pergunta aqui é: você está? — respondeu Sora enquanto acertava outro inimigo com a
Keyblade. Estava tentando disfarçar, ainda que só um pouco.
Quando eles finalmente eliminaram a horda, uma voz veio de algum lugar mais ao alto:
— Hércules!
Mégara e Phil os estavam sobrevoando o local montados em Pégaso, que logo pousou mais
ao lado. Mégara era a namorada de Hércules e ele costumava chamá-la apenas de Meg, assim como
ela o chamava de H. Phil era o treinador que transformara Hércules num herói.
— Você está bem!
— Meg!
Ela foi andando até Hércules.
— Como vão vocês? — Donald perguntou a Phil.
— Tenho três palavras pra vocês: de boa na lagoa!
Donald e Pateta trocaram um olhar rápido, perplexos com a sempre aparente incapacidade
do sátiro de contar.
— Rapaz, isso não me pareceu muito divertido.
— Não, não com os Heartless envolvidos. — Hércules cruzou os braços e examinou a
cidade. Vários dos prédios de pedra estavam em ruínas e até sua própria estátua havia tombado ao
chão. — Temos sorte dos nossos amigos terem aparecido — disse ele, abrindo um grande sorriso
para os amigos em questão.
— Ora, mas quem diria? Sora, Donald, Pateta, acho que estou devendo um grande obrigada
— disse Meg, piscando com seus cílios compridos.
— Não foi nada — Sora disse a ela, orgulhoso.
— Meg, você precisa ficar em um lugar seguro. Nós vamos vasculhar a cidade para garantir
que todos se salvem do incêndio.
O perigo ainda não tinha acabado. Meg assentiu e juntou as mãos, o coração tomado por
uma grande preocupação.
— Tome cuidado, bonitão.
— Vou tomar — respondeu o herói, tentando tranquilizá-la. Ele então se virou para Sora,
Donald e Pateta. — E aí, vocês estão dentro? — perguntou com um sorriso no rosto.
— É claro que estamos dentro! — Sora flexionou os músculos em resposta.
— Nós somos heróis! — acrescentou Donald.
— Aham! — intrometeu-se Pateta.
Mégara abriu um sorriso gentil e disse:
— Boa sorte, então... heróis.
— Pode deixar! — exclamou o trio, assentindo.
Hércules então se voltou para o sátiro:
— Phil, você vai com a Meg.
Mégara subiu a bordo de Pégaso com Phil logo atrás.
— Cuide bem dela. — Hércules acariciou o focinho de seu companheiro de confiança e,
com um relincho, o cavalo alado levantou voo.
Enquanto Pégaso se erguia em meio ao ar, eles ouviram um grito:
— Socooorro!
Pateta ergueu uma das orelhas e então apontou para um grande prédio mais ao longe.
— Ei! Estou ouvindo uma voz!
Hércules estreitou os olhos enquanto procurava pelo dono.
— Essa não! Tem uma garotinha presa no meio do incêndio!
28 | K i n g d o m H e a r t s I I I : A R o m a n t i z a ç ã o
A garota estava chorando sobre o teto desmoronado de um templo.
— Vamos lá! — exclamou Sora, prestes a sair correndo, mas Hércules o deteve.
— Espera. Correr é muito devagar!
Ele tinha razão — para chegar até ela, eles teriam que dar a volta na praça do templo, subir
os degraus do edifício e então escalar pela lateral para chegar ao teto.
— Então qual é a outra opção? — indagou Sora, em pânico.
— Subam ali. — Hércules apontou para a estátua de si mesmo que estava caída na praça.
— Como assim?
Hércules acomodou Sora, Donald e Pateta em cima da estátua e, numa incrível exibição de
força, ergueu a coisa toda sobre a cabeça, como se quisesse atirá-la.
— Ei...!
— Ah, não! Outra veeeeeez! — O grito de esforço de Hércules foi praticamente abafado
pelo berro do trio quando ele jogou a estátua com tudo pelo ar.

— Obrigada por me salvarem.


— Claro, de boa — respondeu Sora, a voz cheia de gentileza.
A garota balançou a cabeça de leve e saiu correndo. Por sorte, eles chegaram a tempo para
levá-la a um lugar seguro. Vou te contar, viu, o H nunca deixa de me impressionar. Se eu ao menos
também pudesse recuperar a minha força...
— É melhor vermos se mais alguém precisa da gente.
Tenho certeza que tem mais gente com problemas, pensou Sora. Mas quando estava prestes
a partir, uma voz familiar o chamou por trás:
— Ora, se não são Sora e os lacaios do rei.
Eles de novo — Malévola e Bafo. Sora empunhou a Keyblade, pronto para uma luta. Donald
e Pateta também se prepararam para a ação.
— Malévola! Bafo! Vocês são o motivo dos Heartless estarem aqui?
— Certamente não — respondeu a bruxa, sem rodeios. Ao lado dela, Bafo deu uma olhada
rápida em Sora e então lhe apontou um dedo.
— Olha, Malévola, não sei dizer os ajudantes dele, mas o moleque da Keyblade parece bem
mais fracote que da última vez que o vimos — disse. — Eu voto pra acabarmos com ele enquanto
ainda podemos.
De todas as pessoas, ouvir isso de Bafo foi pra acabar...
Malévola fitou Sora por um instante e então abriu um sorriso suave.
— Não perca tempo com o garoto — disse ela, desdenhosa, virando-se tranquilamente para
seguir seu caminho. — Ele não tem importância. Temos um assunto muito mais urgente a tratar.
— Ah! Temos que achar aquela caixa preta.
— Fique quieto, idiota! — disparou ela, mas Bafo já havia aberto o bico a respeito de sua
busca. Ela então encarou Sora e seus companheiros com toda a confiança. — Quanto a vocês três:
nos encontraremos novamente... quando eu tiver tempo para tais trivialidades.
— É, e é melhor treinarem um pouco até lá. Falou, tapados! — Bafo entrou no Corredor das
Trevas que se abriu diante de si com Malévola seguindo logo atrás.
— Espera! — Sora ia começar a segui-los... mas seus passos logo perderam velocidade.
— Sora? — Donald olhou para o rosto do amigo, preocupado.
— Tá tranquilo. Acontece o tempo todo. — disparou Sora, soltando um longo suspiro.
— Poxa, não é o que parece. Essas coisas que o Bafo falou te incomodaram? — acrescentou
Pateta, a voz suave.
— Tá tranquilo! Acontece o tempo todo! — repetiu Sora, como se tentando convencer a si
mesmo de que era verdade. Eu perdi minha força mais que uma vez antes e sempre deu tudo certo.
Não tem motivo pra acreditar que ela não vai voltar de novo... espero.
— Você vai ficar mais forte! — disse Donald, tentando encorajá-lo.

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— Você vai ficar bem! Essa com certeza não é a primeira vez que isso acontece! — Pateta
se juntou a ele, citando as próprias palavras de Sora.
— Não fala isso! — protestou Sora, um breve sorriso surgindo em seu rosto.
Eles tão certos. Eu dou conta.
— Vem, vamos procurar pessoas que não tenham conseguido fugir! — ele exclamou para
Donald e Pateta. Estava pronto para ir em frente de novo.

Infelizmente, as chamas cobrindo a cidade tornavam a navegação nas ruas excepcionalmente


difícil — pelo menos até Pateta ter a brilhante ideia de montar em seu escudo para passar pelos
obstáculos. Enquanto avançava, ele se deparou com uma mulher presa no alto de uma pilastra por
um grupo de Heartless flamejantes.
— Alguém me ajuda! De onde vieram todos esses monstros? Hércules, cadê vocêêê?!
— A ajuda está a caminho! — Sora logo correu até lá e atacou uma das criaturas com sua
Keyblade. — Pode deixar que a gente apaga esses cabeças quentes! Aguenta firme aí em cima!
— Hã? Quem são vocês três? Cadê o Hércules? — perguntou a mulher.
— Ei, nós também somos heróis! — declarou Donald, cheio de orgulho enquanto atacava os
inimigos com suas magias.
Sora também disparou alguns feitiços de água, mas conseguia sentir a diferença. Estava mais
fraco que antes e não era pouco. Como é que eu vou voltar a ser como antes...?
— Sora! Mantém o foco! — gritou Donald.
— Cuidado! — exclamou Pateta.
— Ah, foi mal... — Perplexo, Sora tentou voltar a se concentrar no que estava fazendo com
a Keyblade.
Após cuidarem até do último Heartless, ele correu em direção à mulher. Por sorte, ela não
parecia estar ferida.
— Obrigada — disse ela. — Vocês são mesmo uns amores. Continuem treinando e um dia
serão grandes heróis, assim como o Hércules.
Ela então foi correndo para um lugar seguro.
— “Continuem treinando”? Tá tão óbvio assim?
— Só pra você — ironizou Donald, antes que Sora ficasse pra baixo outra vez.
— Ei!
Pateta tentou uma abordagem mais positiva:
— Acho que todos nós temos um grande caminho a percorrer. Mas vamos chegar lá juntos!
É, eu sei que vamos, mas...
Um tremor repentino interrompeu seus pensamentos e ele então viu que um prédio mais ao
longe estava a ponto de desmoronar.
— Wak!
— Vamos lá!
Sem perder tempo, Sora e seus amigos saíram correndo até a estrutura em ruínas. Quando
chegaram lá, encontraram alguém segurando uma parte do teto de pedra para proteger aqueles que
não conseguiram sair a tempo.
— H!
— Sora!
Mais pedaços do teto começaram a cair em volta de Hércules e dos habitantes que ele estava
protegendo. O lugar todo teria ido abaixo se não fosse por ele — e, para piorar ainda mais as coisas,
mais Heartless flamejantes haviam chegado.
— Mais Heartless!
— Vocês cuidam deles. Temos que salvar essas pessoas! — exclamou Hércules, mas não
conseguia se mexer. Eles estavam bem encrencados agora!
Sora invocou sua Keyblade em mãos.

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— H, consegue segurar o prédio? — gritou ele.
— Sem problemas! — respondeu Hércules, a voz calorosa.
— Donald. Pateta. Vamos ter que ser rápidos! — Sora imediatamente foi atrás dos Heartless
com sua Keyblade, sem sequer esperar que seus amigos respondessem. Temos que nos livrar desses
caras pras pessoas poderem fugir desse lugar. Eu posso estar mais fraco que antes, mas posso pelo
menos cuidar deles pra ganharmos um tempo.
Sora teve que dar tudo por tudo, mas eliminou os inimigos um a um. Com Donald e Pateta
lutando a seu lado, eles dispersaram o bando, um pouco de cada vez.
Quando o último Heartless finalmente foi derrotado, eles correram de volta até Hércules. Ele
estava usando toda a sua força para segurar o prédio no lugar.
— Tirem as pessoas daqui!
— Beleza! — Sora conduziu o grupo de cidadãos encolhidos em direção à entrada. — Estão
todos bem? Vocês têm que ir pra um lugar seguro. Vão! Rápido!
— Vamos, temos que nos apressar! — exclamou Pateta.
A grande multidão de adultos e crianças saiu correndo do prédio enquanto Sora pegava uma
garotinha pela mão e se apressava atrás dos demais.
— Todos conseguiram sair? — perguntou Donald, preocupado, quando a construção cedeu.
— Hércules! — todos gritaram em uníssono.
Sora, Donald, Pateta e os cidadãos que ele salvara ficaram olhando para os escombros do
prédio com apreensão. Passaram-se apenas alguns minutos, — talvez apenas alguns segundos —
mas, para todos ali, foi como uma eternidade.
Mas então...
Hércules lentamente emergiu das nuvens de poeira e fumaça.
— Você nos assustou! — vociferou Sora, aliviado.
— Não foi nada. É pra isso que servem esses caras — Hércules flexionou os músculos e fez
a pose de macho que era sua marca registrada.
O H é tão legal! Eu também tenho que ficar forte de novo, e rápido!
Esse desejo ardia com força no coração de Sora. Eufóricos por saberem que Hércules estava
bem, Donald e Pateta também fizeram suas próprias poses heroicas.
Mas então, um Corredor das Trevas se abriu em meio à névoa que começava a se dissipar.
— Olha só! Muito bom, nota dez. — Um homem de casaco negro apareceu, batendo palmas
numa demonstração extremamente exagerada de exaltação.
— Vai embora! — Donald gritou para a visita inesperada.
— Nada de Organização! — acrescentou Pateta.
O homem tinha um grande rabo de cavalo com uma mecha branca, um tapa-olho cobrindo o
olho esquerdo e uma cicatriz na bochecha — era Xigbar, o antigo número dois da Organização.
— Esse altruísmo todo me faz sentir um calorzinho maravilhoso por dentro. E aí, ter um
coração de luz também vem com uma baita de uma apólice de seguro?
— Fala logo o que você quer. — Sora invocou sua Keyblade em mãos. Não era fã daquele
tom zombeteiro.
— Ah, mas foi o que eu acabei de fazer — retrucou Xigbar. Ainda não tinha acabado com os
comentários cínicos. — Não adianta de nada ficar botando os outros em primeiro lugar.
— Mas eu consegui salvar a vida da Meg porque estava pronto para arriscar a minha —
retrucou Hércules veementemente, mas Xigbar apenas deu de ombros.
— Porque você tem amigos poderosos, você quer dizer. As coisas não funciona assim pra
um zé mané qualquer.
— E o que você sabe? — exclamou Sora. — Você nem tava lá! Se estivesse, admiraria a
coragem do Hércules!
Xigbar riu.
— Eu não admiro um cara que se joga no perigo pra outra pessoa talvez ter que ir atrás para
salvá-lo. Vocês tão fazendo é uma fila pro fracasso. Condenando outros a caírem com vocês. Ah, e
pode me poupar daqueles seus discursinhos de equipe. Sim, corações são poderosos quando estão
conectados. Mas se você colocar muito desse poder num lugar só, alguns desses corações podem
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acabar quebrando. — Durante seu discurso, Xigbar foi andando diante de Sora e seus amigos, até
que se virou e apontou um dedo para Sora. — No entanto, Sora, não quer dizer que você deva
mudar. — Seu olho dourado o fitava atentamente. — Aceite o poder que recebeu. Encontre os
corações juntos ao seu.
— E por que eu aceitaria um conselho vindo de você? — disse Sora, incapaz de se conter.
O Xigbar não tinha feito algo parecido da última vez que a gente enfrentou a Organização
XIII? Ele me disse para continuar derrotando os Heartless.
É, ele também tentou me enganar desse jeito antes.
Mas todo mundo me ajudou naquela época, então tenho certeza que as coisas não vão ser
diferentes dessa vez.
— Até parece! Você não tem escolha se não seguir esse rastrinho de migalhas. E no final,
finalmente vai perceber o que o destino tem guardado pra você. Na verdade, sua recompensa pode
estar logo ali na esquina. Você tá tão perto!
Os lábios de Xigbar se retorceram para formar um sorriso. Ele então invocou um Corredor
das Trevas e desapareceu em meio a ele quase tão de repente quanto como havia chegado.
Sora olhou para suas mãos. Ele estava falando sobre...
— Corações se quebrando? De quem?
— Sora, não deixe que ele te aborreça — disse Hércules, tentando tranquilizá-lo. — Ele só
estava tentando te irritar porque acha que pode. Mas vamos provar que ele está errado. Vamos
provar que os nossos sacrifícios não foram em vão.
É, o H tem razão, pensou Sora.
— Você tá certo. — Sora olhou para seus companheiros de luta, Donald e Pateta, com um
sorriso no rosto.
— Aham! Além do mais, nós já somos prova o suficiente — disse Pateta, tranquilo e sereno.
— Nós somos uma equipe! Quando estamos juntos, podemos fazer qualquer coisa! —
acrescentou Donald.
— É! — respondeu Sora, confiante, e todos então seguiram em frente.
É isso aí! Afinal de contas, meus amigos são o meu poder. Talvez eu não consiga mais lutar
tão bem quanto antes, mas contanto que eu esteja com eles...
...Calma.
Sora se virou para o ponto onde Xigbar havia desaparecido.
O que ele quis dizer com “recompensa”...?

Sora estava avançando pela cidade, derrotando Heartless com Hércules a seu lado, quando
Pégaso pousou diante dele com Mégara e Phil montados em suas costas.
— Bom trabalho, bonitão. Nós checamos a área toda. Parece que todos estão seguros.
— Ótimo. Nós fizemos tudo o que pudemos. — Hércules sorriu para Mégara enquanto ela
descia de Pégaso.
— Parece que os heróis têm andado ocupados — comentou ela.
Sora abriu um sorriso de orelha a orelha, orgulhoso com o elogio — mas durou apenas um
instante, até que os olhos de Meg se voltaram para algo mais ao longe.
— Ah... vejam. Mais problemas! — Sua voz soou preocupada. Ela estava olhando para uma
montanha no horizonte, para uma série de nuvens negras que se juntavam à sua volta.
Espera, não foi dali que a gente veio...? E aquelas nuvens negras...
— É o Hades — declarou Hércules.
Aposto que ele tava tramando alguma coisa de novo enquanto a gente tava ocupado lutando
com os Heartless na cidade.
— Hércules! Vamos lá!
— Certo!
Ainda não era hora de descansar.

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Quando chegaram à base da montanha, eles sentiram os tremores e ouviram os estrondos.
— Wak! — Donald deu um grande pulo, alarmado.
Pequenas pedras começaram a vir rolando do alto das nuvens negras que envolviam o cume.
— Isso está me parecendo terrivelmente familiar... — comentou Pateta enquanto examinava
o que havia acima.
Sora assentiu e disse:
— Sim, é igual à antes.
Da última vez que sentiram o ar daquele jeito, Hades os atirou até onde Hércules estava.
— Pessoal, isso está ficando pior a cada minuto. Espero estar errado, mas a minha família
pode estar precisando de mim. — Hércules fitou o alto da montanha com um olhar preocupado. —
Sora, eu vou voando na frente. Vocês foram de grande ajuda, mas... deixem o resto comigo.
Ele assoviou para chamar Pégaso, que veio voando em meio às nuvens, e então montou nele,
preparando-se para partir.
— Família? — perguntou Sora, curioso.
— É. Meu pai é o rei dos deuses — respondeu Hércules, quando Pégaso disparou com tudo
em direção ao céu.
O rei dos deuses? Após pensar por um momento, Sora deu um grito de surpresa:
— O quêêê?!
Donald e Pateta estavam tão chocados quanto.
— O pai dele é um deus? Mas isso não quer dizer que o H também é um deus?
— Acho que sim. — Pateta estava olhando para o céu, maravilhado, mesmo com Pégaso já
fora de vista.
— Por isso que ele é tão forte! — Donald estava fazendo o mesmo.
Ele e Pateta olharam de um para o outro e disseram:
— Então ele vai ficar bem.
— Não vai?
Sora foi rápido para descartar a ideia:
— Não. A Organização XIII tá aqui. Ele vai precisar da nossa ajuda.
O H pode ser um deus musculoso e todo-poderoso ou sei lá o quê, mas eu não posso deixar
ele na mão. Talvez eu não seja tão forte quanto ele, mas se nós três trabalharmos juntos, devemos
conseguir ajudá-lo.
— Bem lembrado. Temos que ir!
— Porque heróis nunca desistem.
É, eles tão certos. Nós também podemos ser heróis!
O H disse que recuperou sua força porque queria salvar a Meg de todo o coração. Então
talvez se eu quiser salvar alguém de todo o meu coração...
Outro tremor trouxe Sora de volta de seus pensamentos e o fez tropeçar. Pequenas pedras
estavam tombando de algum lugar mais ao alto — junto com uma série de pedregulhos gigantes!
— Uou!
Sora recuou num pulo para se esquivar de uma das pedras maiores e olhou para cima. No
alto de uma colina, encontrou um gigante feito de pedras completamente negras — o Titã de Pedra
— assomando-se sobre eles. Mas “pedra” não era nem de longe o suficiente para passar a ideia do
que se tratava aquela coisa: estava mais para outra montanha em meio à montanha.
O Titã de Pedra lançou o punho contra um rochedo próximo e o fez em pedaços, que caíram
com tudo do alto da colina. Eles teriam que se esquivar da chuva de pedras enquanto subiam.
— Vamos! — gritou Sora, começando a correr para o alto do precipício.
Um dos escombros o atingiu em cheio e acabou jogando os três de cabeça na base da colina,
que também já estava começando a ceder. Para piorar as coisas, as nuvens que envolviam o cume
da montanha se fecharam com chuva.

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— Gwawak!
— Cuidado, Sora! — Pateta ergueu seu escudo para proteger os dois companheiros.
— Obrigado, Pateta.
— Não por isso. — Pateta bateu no peito, orgulhoso, imitando a pose de Hércules depois de
ter salvado os cidadãos.
— Tá, vamos começar do início: temos que nos livrar desse cabeça de pedra!
Sora finalmente conseguiu subir até onde o Titã de Pedra estava. Vamos começar com as
pernas. Elas pareciam duras feito... bom, pedra, mas Sora as atacou com tudo usando a Keyblade
mesmo assim. O Titã quase esmagou Sora com uma pisada, mas ele conseguiu se esquivar.
— Sora, toma cuidado! — Donald usou uma magia de cura.
— Aqui, Sora! — chamou Pateta.
Sora apressou o passo e saiu correndo em meio às pernas do Titã de Pedra junto ao amigo,
golpeando-as até fazerem o monstro cair de joelhos. Pateta ergueu o escudo sobre a cabeça e Sora
correu até ele, tomando impulso para se atirar no meio do ar.
Como se estivesse escalando uma montanha, Sora se jogou do ombro do Titã de Pedra para
a cabeça, onde começou a atacar com a Keyblade.
O Titã de Pedra urrou e então finalmente caiu, inerte.
— Isso! É um a menos!
Só faltava mais um pouco para chegar ao cume. Sora, Donald e Pateta atravessaram a trilha
às pressas e passaram por uma caverna.
Quando chegaram ao outro lado, encontraram uma grande escadaria que levava a um portão
em meio a duas pilastras gregas colossais. Atrás dele encontrava-se um templo grande e majestoso,
envolto em nuvens douradas.
— Esse... é o Olimpo?
Sora e seus companheiros chegaram a um gigantesco pátio aberto em meio a fileiras e mais
fileiras de pilastras decoradas com ouro.
— Poxa, é incrível!
Enquanto Pateta olhava em volta, admirado, um som como o de trompetes alcançou seus
ouvidos. Parecia bastante com algo que eles costumavam ouvir no Coliseu...
— As cornetas? — indagou Donald.
— Não! — respondeu Sora, preparando-se para entrar em ação com sua Keyblade.
Como suspeitava, eles foram recebidos por um grande grupo de Heartless que mais pareciam
bodes — os Sátiros. Eles entraram em formação e logo partiram para cima de Sora e seus amigos.
— Uh-oh! — Sora não conseguiu desferir um único ataque e a formação inimiga o jogou
rolando com tudo pelo chão.
Donald e Pateta acabaram com resultados semelhantes.
— Aqui, Sora! — Pateta chamou Sora para se esconder atrás de seu escudo com Donald
enquanto a unidade de Sátiros corria pelo pátio. Se o trio simplesmente partisse para o ataque sem
um plano, acabariam rebatidos de novo.
— O que a gente faz? — perguntou Donald, a voz preocupada.
— Hmm... se tivesse um jeito de a gente quebrar a formação deles...
Após ponderar sobre a questão por um momento atrás do escudo, Sora teve uma ideia. Mas
nunca conseguiria fazê-lo sozinho. Sora sussurrou a ideia para Donald e Pateta.
— Acho que pode dar certo — disse Pateta enquanto assentia e olhava para os Sátiros.
— Tenho certeza que vai! — Donald empunhou seu cajado.
— Beleza, a hora é agora!
Ao sinal de Sora, Pateta se agachou com o escudo sobre a cabeça. Sora pulou em cima do
escudo enquanto Donald subia em seus ombros.
— Wak!
Ele usou Sora como apoio para se lançar bem no alto e disparou uma de suas magias contra
o centro do grupo de Heartless, fazendo com que se desordenassem por uma fração de segundo.
Então foi a vez de Pateta saltar e, quando estava bem no pico do arco que fizera no ar, Sora
se lançou com tudo no meio da formação quebrada, atacando-a de dentro para fora.
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E, como haviam planejado, a unidade inimiga se desfez.
— Conseguimos! — Donald sacudiu o cajado, animado.
Agora, só o que restava fazer era eliminar os Sátiros um de cada vez, e o trio não perdeu
tempo para fazê-lo. Os Sátiros podiam ser inimigos formidáveis quando estavam todos juntos, mas,
individualmente, eram moleza.
E o oposto também é verdade — se você não consegue vencer lutando separadamente, se
juntar pode te dar uma chance.
Sora e seus amigos bateram as mãos no alto quando derrotaram o último dos Heartless.
— A minha magia salvou o dia de novo!
— De jeito nenhum, você não viu a minha bola de canhão?
— Vocês dois estavam ótimos pra mim. — Pateta elogiou os dois amigos orgulhosos com
aquela sua voz sempre preguiçosa.
E então, de repente, o chão tremeu com ainda outro estrondo poderoso.
— Temos que nos apressar!
Eles avançaram ainda mais pelo Olimpo.

O trono do Olimpo ficava no alto do céu, no pico do Monte Olimpo, e, em circunstâncias


normais, sua beleza e esplendor seriam inigualáveis. Agora, entretanto...
Hércules travava uma batalha com uma horda de Heartless montado em Pégaso enquanto
quem sentava no lugar de poder não era seu pai, Zeus, mas Hades.
Quanto ao trono em si, o Senhor dos Mortos se dera ao trabalho de criar o seu próprio. O
original estava enterrado no fluido vermelho e fervente que saía da boca do Titã de Lava junto com
o próprio Zeus, presos ali com o sopro gelado do Titã de Gelo que endurecia a lava, transformando-
a em pedra.
— Juro pra você, Hades, quando eu sair da...
— Não, sou eu que dou as ordens agora, ô do trovão.
Não demorou muito até que Zeus desaparecesse por completo em sua prisão de pedra, e
Hades cruzou as pernas no trono como se já fosse o rei do Olimpo. Mas então Hércules se lançou
com tudo contra ele, incitando Pégaso a voar ainda mais rápido.
— Não vá ficando muito confortável, Hades!
O governante do Mundo Inferior deu um pulo de seu assento.
— A gente vai te deter! — acrescentou Sora, juntando-se à luta junto com Donald e Pateta.
Hércules rapidamente quebrou as correntes que prendiam os outros deuses, libertando-os.
A pose confiante de Hades desapareceu enquanto ele se erguia em meio a um rosnado, suas
chamas azuis imediatamente inflamando e dando lugar a um vermelho brilhante.
— Peguem-nos!
O Titã Tornado, com seus ventos tempestuosos, se junto aos Titãs de Gelo e Lava e, juntos,
se voltaram para os recém-chegados.
— Sora, Donald, Pateta! Vamos lá! — gritou Hércules, descendo de Pégaso num salto.
— É! — respondeu Sora, preparando sua Keyblade.
O Titã Tornado foi girando até bem alto no céu e, por ora, ficou apenas observando a batalha
de longe — eles teriam que cuidar dos outros dois Titãs primeiro. Os sopros combinados de lava e
gelo produziram uma enorme massa de pedra que fora capaz de aprisionar Zeus, o próprio deus dos
deuses, então Sora e seus aliados preferiram não arriscar e mantiveram distância, esquivando-se dos
disparos sempre que necessário.
Parecia que a única forma de derrubar os dois colossos seria atacando suas pernas, assim
como fizeram com o Titã de Pedra a caminho dali.
— Droga! — Sora tropeçou quando uma pedra gigante passou voando com tudo a seu lado.
— Tudo bem aí, Sora? — perguntou Hércules. — Acho que você vai ter mais sorte com as
cabeças do que com as pernas. E eu sei o caminho mais rápido até lá em cima!

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— Hã?
— Deixa comigo, Sora! — Hércules levantou Sora no ar, o segurou pelas pernas e então
começou a girar mais e mais rápido... até que finalmente o atirou diretamente contra a cabeça do
Titã de Gelo.
— Eita!
Foi exatamente como quando Hércules lançou a estátua para poderem salvar a garotinha de
Tebas. Sora conseguiu se ajeitar no ar e atacou a cabeça do Titã de Gelo com a Keyblade. Hércules
e os outros dois estavam lutando para imobilizar o Titã de Lava no chão, então confiavam que Sora
fosse cuidar das coisas por ali.
— Beleza! — Sora continuou atacando a cabeça do Titã de Gelo com sua Keyblade, até que
a luz finalmente sumiu de seus olhos.
— Agora esse, Sora!
Hércules, Pateta e Donald haviam conseguido segurar o Titã de Lava, fazendo-o parar de se
mexer, então Sora desceu do Titã de Gelo e se lançou contra a cabeça dele, atingindo-a em cheio
com a Keyblade.
Foi quando o Titã Tornado começou a criar poderosas lufadas de ar mais acima, puxando
Sora para dentro do vento. Ele teria que cuidar desse Titã sozinho. Posso não estar tão forte agora,
mas não dá nada — ainda tenho os meus amigos lá embaixo.
Saltando por entre os escombros suspensos no ar consigo, Sora avançou até o Titã Tornado.
Primeiro, atacou com magia para atordoa-lo, depois se lançou para cima dele com a Keyblade em
riste. Ele atacava com um golpe atrás do outro, mas o vento poderoso tornava difícil manter os
olhos abertos. Ainda assim, se recusava a fraquejar. Eu não posso desistir.
Quando os ventos do Titã Tornado finalmente cessaram, Sora caiu de volta no chão, nos
braços de Hércules.
— Sora!
— Valeu, H.
Apesar de os terem imobilizado por um tempo, o grupo continuava encurralado pelos três
Titãs — e agora o Titã de Pedra escalara a montanha para se juntar a eles.
— Wawawak!
— Uh-oh! Agora são todos os quatro!
Donald e Pateta trocaram um olhar preocupado.
— E daí? Nós também somos quatro — disse Sora em protesto aos amigos. Mas realmente
era uma situação preocupante.
— Na verdade, acho que posso fazer que sejamos cinco — comentou Hércules, tentando
tranquilizá-los com um sorriso. Ele subiu na massa de pedra que aprisionava Zeus em seu trono e a
quebrou com as próprias mãos. Em meio a um forte clarão, o rei dos deuses estava livre.
Aterrorizado, Hades deu um pulo em seu trono improvisado.
Zeus segurou seu filho pelos ombros.
— Obrigado, meu filho — disse, invocando então uma série de raios em suas mãos. — Ha!
Agora, veja o seu velho trabalhando!
Quando os raios atingiram o Titã de Pedra em ambas as suas cabeças, os outros Titãs deram
meia-volta e começaram a fugir. O Titã Tornado acabou ficando para trás, dando a Hércules tempo
para segurá-lo pela ponta de seu corpo rodopiante. Ele girou com o Titã em mãos e então o atirou
no ar, assim como havia feito com Sora, e seus ventos puxaram seus irmãos consigo. Quando
chegaram às profundezas do espaço, os quatro explodiram.
Zeus deu uma grande gargalhada e bateu na mão do filho.
— Conseguimos! — exclamou Sora.
Enquanto isso, Hades tremia de desespero enquanto assistia seu plano cair em pedaços.
— Não acredito! Eu pus dezoito anos nesse plano e vocês arruinaram tudo! Eu não gosto
nada de vocês!
— Vê se desiste de uma vez. Você nunca vai ganhar do H, não importa quantas vezes tente
— retrucou Sora, um pouco irritado.
— É — disse Pateta. — Fique no Mundo Inferior, onde é o seu lugar.
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— Vá aproveitar sua vida após a morte — acrescentou Donald.
— Já chega! Eu não cheguei tão longe para ser ridicularizado pelo todo-poderoso Zeus, a
sombra que é o filhinho dele e um trio de palhaços! — A cabeça de Hades flamejou num vermelho
tão brilhante que parecia a ponto de explodir. — Quer saber? Eu mesmo vou destruir vocês!
Parecia que o Senhor dos Mortos estava pronto para uma boa luta, assim como Sora e seus
amigos. Mas então...
— Hades.
O deus furioso se virou em direção à voz.
— A saída é por ali — informou Hércules, apontando para o lado, e a visão de Zeus parado
logo atrás do filho acabou de vez com seu ânimo.
O cabelo de Hades voltou ao normal e o governante do Mundo Inferior se arrastou penosa,
mas obedientemente em direção à saída.
— Calma lá. Quase me esqueci.
Hades olhou para trás bem a tempo de levar um grande soco de Hércules. Isso sim era sair
com uma advertência
— Essa foi por tentar destruir Tebas.
Hades caiu com tudo no chão, onde ficou de joelhos. Sempre um mau perdedor, gritou:
— Você me paga! Eu tenho uma memória muito, muito boa! — Uma fumaça negra o rodeou
enquanto escapava. — Ainda posso afundar a sua Megzuda num rio de mor...
Zeus disparou um de seus raios contra a fumaça, finalmente mandando o Senhor dos Mortos
e suas palavras de despedida imprudentes de volta pelo caminho não-tão-feliz de onde vieram.

Sora e seus amigos desceram a escadaria do reino dos deuses com Hércules, que olhou para
trás, relutante.
— Tem certeza que você quer deixar tudo isso pra trás? — Sora lhe perguntou com ligeira
preocupação. Pateta e Donald sentiam o mesmo.
— O Olimpo não é a sua casa?
— E a sua família.
Hércules balançou a cabeça.
— Posso ver a minha família sempre que quiser. Mas se eu ficasse, teria que me separar da
pessoa que eu mais amo... e essa vida seria vazia. — Seus olhos se viraram para Mégara, que estava
esperando na base das escadas. — Eu finalmente sei qual é o meu lugar.
Com isso, Hércules correu até Mégara e a tomou em seus braços.
— Hércules... — murmurou ela, abraçando-o.
Sora, Donald e Pateta desceram os últimos degraus até eles e Hércules então se virou em sua
direção, como se subitamente tivesse se lembrado de alguma coisa.
— Sora, nós nunca voltamos à sua pergunta. Como eu posso ajudar?
— Não, tá de boa — Sora balançou a cabeça. — Acho que eu tenho que descobrir por conta
própria. Vou encontrar a minha força igual você encontrou a sua. Algo pelo que lutar... de todo o
coração — disse ele, abrindo um sorriso.
Ele agora queria se ater a esse sentimento mais que nunca — essa ânsia de ajudar os amigos.
Quero ajudar os amigos que lutam ao meu lado, que me animam quando eu tô pra baixo,
que estão sempre perto do meu coração.
Talvez eu ainda não tenha a minha força de volta, mas vou ficar bem, contanto que nunca
me esqueça desse sentimento.
— Acho que no fim você tinha a resposta!
— Bom, você tem coração, Sora. Atenha-se a ele e você ficará mais forte que nunca — disse
Hércules, com segurança.
— É, posso acabar até mais forte que você.

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— Lá vai ele de novo — resmungou Donald enquanto Sora mais uma vez copiava a pose de
macho de Hércules.
Então, por um momento, o Olimpo foi tomado por risadas.

Enquanto isso, em uma Tebas livre de Heartless...


— Tem certeza que essa caixa com o Livro das Profecias é de verdade mesmo? Acho que
aquele paspalho de preto tava tirando uma contigo — ralhou Bafo, a voz cansada, enquanto enfiava
uma pá no chão de terra.
Malévola cruzou os braços e disparou:
— Fique quieto e cave, seu imbecil. Eu devo encontrar esse Livro das Profecias e torná-lo
meu. Esta é a única pista que temos. Não podemos deixar passar sem uma investigação completa.
— Só tô dizendo, um tiro no escuro não vai nos levar mais perto de... uhhh? — a reclamação
de Bafo foi interrompida quando ele bateu em algo duro. — Uau!
Malévola ergueu a cabeça em sua direção.
— O que foi? Encontrou alguma coisa? Mostre-me de uma vez, tolo.
Bafo estava segurando uma caixa roxa.
— É, pode apostar, essa só pode ser aquela Caixa de Pandora que o Hades mencionou.
A bruxa estreitou os olhos enquanto examinava a caixa.
— Deixe — disse, enfim.
— O quê? Depois de todo o cava-cava?
— Esta não é a caixa que eu desejo. Já terminamos com este mundo. Venha.
— Ahhhhhh...
Enquanto partiam, alguém os observava quietamente do alto de um prédio à frente. Xigbar
sussurrou consigo mesmo:
— Que seu cora......

Pouco antes da visita de Sora a Hércules, Riku, Mickey e Kairi estavam escutando Yen Sid
na Torre Misteriosa:
— A grande batalha contra Xehanort está quase diante de nós. Como sabem, devemos tomar
medidas para manter as sete luzes puras seguras e, portanto, devemos nos apressar para reunir os
sete guardiões da luz. É hora de trazer de volta a nosso mundo os três portadores da Keyblade que
perdemos há mais de uma década. Ventus, Terra e Aqua devem ser salvos de seu triste fim, pois
eles ainda têm muito a alcançar. Após sua primeira batalha contra Xehanort, o coração de Ventus se
recusou a acordar e então Aqua encontrou um local seguro para escondê-lo. Mas quando partiu em
busca de seu outro amigo desaparecido, Terra, ela caiu em um lugar de onde não há retorno sem
auxílio externo — explicou o feiticeiro, fechando os grandes olhos para pensar em silêncio.
Mickey assentiu.
— Eu a vi. No reino das trevas — disse, começando sua história.

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ELA NÃO SABIA HÁ QUANTO TEMPO VINHA VAGANDO EM MEIO À ESCURIDÃO
infinita. Não importava onde estava, se era numa floresta ou no alto de uma montanha. Não havia
fluxo de tempo ali no Mundo das Trevas — só o que sabia era que estivera andando há muito, muito
tempo. Não fazia ideia de quanto tempo havia se passado nos mundos da luz. Só o que podia fazer
era continuar seguindo adiante.
Aqua ergueu a cabeça, surpresa ao ver um castelo que reconhecia em meio às paisagens
estranhas e sinistras.
— Poderia ser? — disse ela, ofegante. Aquele era o castelo onde Cinderela havia conhecido
o Príncipe Encantado. Por que o mundo da Cinderela estaria neste reino de sombras...?
O grande relógio em uma das torres do castelo estava parado em meia-noite — o momento
em que a mágica de Cinderela se esvaíra.
Quando Aqua começou a seguir em sua direção, monstros apareceram de súbito, bloqueando
seu caminho. Os inimigos ali não eram os Unversed que ela certa vez enfrentara. Aqua invocou sua
Keyblade e a ergueu sobre a cabeça, disparando uma magia. Suas forças não haviam exatamente
acabado, mas ela estava exausta de sua jornada infinita.
As criaturas desapareceram sem deixar rastros.
Se esse castelo não é uma ilusão, pode significar que há algo de errado no reino da luz.
Conforme Aqua se aproximava, a trilha diante de si foi se tornando cada vez mais fraturada. Ela
teria que avançar por entre os destroços parcamente transponíveis.
Mesmo naquele lugar, o castelo ainda brilhava com sua luz. Era quase como se a escuridão o
tivesse engolido por inteiro.
Seu peito se agitou. Em todo o tempo que passara andando por aquele lugar, Aqua jamais
encontrara um único edifício que pudesse servir como marco, mas isso agora havia mudado. Agora,
ela tinha o castelo.
Aqua continuou seguindo pela trilha quebrada, quando mais monstros fecharam o caminho
diante de si. Talvez também estivessem empolgados com esse novo acontecimento.
Ela olhou para trás e viu toda uma massa de edifícios tão distorcidos e quebrados quanto a
trilha que estava seguindo.
Toda a cidade em volta do castelo deve ter sido engolida por este mundo... assim como eu.
Todos neste mundo pensaram que estavam seguros. Não só as pessoas... mas o cachorro
esperando seu dono... o gato enrolado em seu canto...
Tanta vida. Árvores e flores...
Não há tristeza mais profunda do que descobrir que tudo o que você conhecia se foi. O
sofrimento neste lugar é demais para medir.
Aqua cerrou o punho.
Já chega. Não posso continuar desejando o passado.
Enquanto tentava se encorajar, o chão sob seus pés voltou a ruir, desmoronando até que não
restasse nada do caminho que levava ao castelo. Ao mesmo tempo, os braços do relógio começaram
a girar. O tempo estava fluindo, mas ela agora não tinha como avançar.
Foi quando viu uma engrenagem mais ao lado. O conceito de “tempo” não existe no Mundo
das Trevas, mas talvez...
Quando Aqua tocou a engrenagem com a Keyblade, ela brilhou e começou a girar, fazendo
o tempo voltar no relógio do castelo e restaurando o caminho tombado.
O que eu não daria para realmente voltar no tempo... para passar mais uma noite sob as
estrelas com os meus melhores amigos.
Aqua ergueu o olhar para o céu, um espaço profundamente negro, sem sinal do brilho de
uma estrela sequer. Ela se lembrou da noite anterior a seu teste da Marca da Maestria. Como eu
queria que nós três pudéssemos sair para ver as estrelas de novo, em busca de estrelas cadentes.
Aqua voltou a seguir rumo ao castelo, imaginando por que sua mente continuava voltando
àqueles dias de outrora. Não devo ficar remoendo o passado — não devo ceder às trevas. Tenho
que continuar seguindo em frente.

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Aqua avançou até o castelo, derrotando quaisquer monstros que a atacassem pelo caminho.
Quando chegou ao pátio na frente do castelo, olhou para trás e viu que aquele mundo distorcido
ainda era parte do reino da escuridão. Não havia voltado para casa, afinal.
— Aqua.
Ela conhecia aquela voz. Ela se virou. Terra.
Como já imaginava, lá estava ele, descendo pela escadaria do castelo.
— Não pode ser. O que está fazendo aqui? — perguntou enquanto o amigo se aproximava.
Sinto meu peito apertado... achei que tinha te mandado de volta.
— Você devia estar no reino da luz. Essa não! Você não conseguiu sair?
Ou será que aconteceu alguma coisa lá...?
Terra apenas ficou parado diante dela, sorrindo gentilmente.
— Por que você não diz nada?
Aqua tentou erguer a mão em direção a Terra, mas ela simplesmente o atravessou.
— O que você é, uma memória em meio a essas sombras? Está aqui para... tentar me dizer
para não perder a esperança? — murmurou ela enquanto o amigo desaparecia, deixando apenas
partículas de luz em seu lugar.
Isso é tudo uma visão. Esse mundo mantém nossos pensamentos vivos.
Mas aonde foram as pessoas que viviam aqui quando seu mundo foi tomado? Pelo menos
não estão aqui. Então não caíram na escuridão. Vou pensar nisso como uma consolação.

Aqua entrou no castelo, mas em vez do grande salão de festas, encontrou uma floresta.
Esse mundo... era o da Branca de Neve. Será que ele também se perdeu nas trevas?
Pelo canto da visão, Aqua encontrou um caixão de vidro, o mesmo no qual a jovem princesa
estivera adormecida. Quando foi até ele, viu alguém dentro.
— Ven?!
Ela gritou seu nome, mas Ven logo desapareceu em meio a um clarão. Outra ilusão.
— Ven. O que você veio aqui me dizer? — Aqua fitou a urna vazia com um olhar suave.
Sei que prometi que iria acordá-lo. Sinto muito. Mas preciso encontrar um caminho para
casa antes de poder te ajudar. Só quero que saiba que tem sido você quem mantém meu coração
forte. Quem afasta a escuridão.
Aqua rapidamente se virou, sentindo uma presença atrás de si. Era um enorme espelho —
mais memórias.
Verdade. Este é o espelho que eu vi no castelo da Branca de Neve.
Aqua viu seu reflexo no espelho — e a jovem mulher lá dentro ergueu a mão em direção à
verdadeira Aqua, puxando-a para o outro lado da superfície.
O mundo lá dentro era o grande salão do castelo, onde o espelho costumava ficar, mas agora
havia tantos espelhos que Aqua mal conseguia dizer qual lado era qual. Não sabia mais por qual
deles ela chegara ali.
Só o que conseguia ver em qualquer um deles era ela própria.
Eu continuo dizendo a mim mesma que eu não posso perder a esperança, que não posso
desaparecer na escuridão... mas aquela garota no espelho está a ponto de cair.
É isso que significa enfrentar seus demônios?
— Apenas seu coração é vazio o bastante para ser o de um demônio.
Aqua ouviu uma voz — sua própria voz — e arfou quando seu reflexo saiu casualmente do
espelho e foi em sua direção com um sorriso no rosto.
— Isso não é verdade! Meu coração é forte! Eu vou provar!
Sem hesitar, sua sósia sorridente começou a atacar seu corpo com a Keyblade e seu coração
com suas palavras:
— Seus laços de amizade apenas a prendem.

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Isso não é verdade. Foi graças ao Terra e ao Ven que eu cheguei assim tão longe. Eles me
impedem de perder a esperança.
— Você nunca verá o reino da luz novamente.
Vou sim. Sei que vou. Afinal, o Terra e o Ven estão me esperando. Os laços que temos entre
nós sempre nos unirão.
— Existe algum sentido em continuar essa luta?
Sim — esse é o único caminho adiante. Eu preciso, para poder voltar a ver os meus amigos.
— Você é mesmo digna de ser uma Mestra da Keyblade?
Minha força ainda não falhou comigo. E eu vou continuar seguindo em frente como uma
Mestra da Keyblade.
— Apenas deixe tudo de lado e desapareça na escuridão.
Não vou fazer isso... não posso.
Mas eu sinto tanta dor no meu coração — ela é implacável. Qual de nós será o verdadeiro
eu? Talvez as coisas que ela está dizendo sejam mesmo verdade. Talvez ela seja a parte de mim que
já perdeu para as trevas.
Mas... mas ainda assim...
— Eu não vou desistir dos meus amigos! — vociferou Aqua, atacando o fantasma com sua
Keyblade. O reflexo desapareceu.
Terra e Ven não tinham nada a dizer. Mas a minha sombra... ela queria me destruir.
Tenho falado muito sozinha desde que caí nessas sombras. Mas com o fantasma, foi como se
todas as minhas dúvidas tivessem ganhado voz própria.
Mais uma vez, Aqua fitou seu reflexo no espelho, mas ele aparentemente havia parado de se
mexer sozinho.
Ela é a fraqueza no meu coração. Eu sei que estou sozinha aqui. As incontáveis horas nas
sombras retalharam a coragem que eu nunca tive?
Estou perdendo essa luta. A escuridão encontrou as fendas do meu coração. Será essa... a
última aparição antes que ela me consuma?
Aqua virou as costas para o espelho e começou a andar novamente.

Diante dela havia uma grande floresta de espinhos, parte do mundo no qual uma bruxa
chamada Malévola lançara a Princesa Aurora num sono profundo. Teria esse mundo também sido
devorado pela escuridão?
Aqua viu duas pessoas do outro lado dos ramos.
— Terra? Ven?
Eles são... fantasmas...?
Não me importa se são ou se vou cair na escuridão. Eu quero vê-los de novo!
As videiras com espinhos cresceram para bloquear o caminho de Aqua e então começaram a
ir para cima dela, como se tentassem prendê-la, o que a forçou a golpeá-las com sua Keyblade.
Ela ainda conseguia ver seus amigos um pouco mais a frente. A progressão pela floresta era
basicamente um processo de abrir caminho por entre os ramos e derrotar monstros.
Tudo aqui parece tentar me afastar deles. Mas então por que será que ainda estou tendo
essas visões? Eu sei que não são reais... mas eu sinto falta deles.
Ela os seguiu pela floresta até uma criatura gigante, diferente de tudo que já havia visto.
Todo um grupo delas, na verdade. Aqua juntou o que ainda lhe restava de sua força e atacou.
Sinto falta deles.
Ela pensou nos sorrisos de Ven, na determinação de Terra, na bondade de Mestre Eraqus,
em Mickey e nos outros amigos que fizera em sua jornada.
Eu não estou sozinha — nós estamos todos conectados.
Com os ombros pesados, ela tentou recobrar o fôlego após eliminar o último dos monstros.
Mais adiante, esperando por ela, estavam Terra e Ven. Terra se virou devagar.

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— Aqua, você...?
Ele estava falando! Aqua achava que não passava de uma visão.
— Terra! Você falou? — perguntou. Ele abriu os olhos.
— Você consegue me ver?
— É claro!
Eles não eram... eles não são ilusões?
— Terra! — Aqua correu até o amigo. — Também vejo o Ven.
— Ven? Ele está aqui? — Terra olhou em volta, inseguro.
— Terra, qual o problema? Não consegue vê-lo?
— Onde nós estamos?
— Em um mundo que foi consumido pela escuridão. É o Domínio Encantado — ela disse a
ele, mas Terra ainda parecia um pouco confuso. Ele sacudiu a cabeça devagar, como se estivesse
tentando assimilar aquilo tudo.
— Consumido? Os mundos caíram?
— O que deu em você? Como posso saber que é mesmo o Terra?
Isso ainda é difícil de acreditar. Não consigo entender como o Terra possa estar aqui.
Achei que eu só estivesse seguindo ilusões, que eles eram a fraqueza no meu coração me
pregando mais peças...
Não, tem algo estranho nesse Terra. E se eu estiver certa...
— Ven! Consegue falar? Por favor, diga alguma coisa — disse ela, mas o garoto continuou
inerte, a cabeça abaixada.
Talvez esse Terra não seja real, afinal...
— Aqua, escuta. Eu juro que sou eu. Mas não sou eu mesmo.
— Como assim? — Ela se posicionou entre Terra e o Ven silencioso, virando-se para olhar
para o velho amigo.
— Você está usando o nome “Terra” — disse ele. — Significa que está me vendo da forma
como se lembra de mim. Mas seu coração está apenas pintando imagens do que tanto deseja ver.
Meu verdadeiro eu está perdido nas sombras.
Isso foi como um choque — ela não o havia mandado de volta para o reino da luz? Como
ele podia estar perdido nas sombras?
— Então você está aqui, preso no reino das trevas.
— Não. Meu coração está ligado às trevas. Deve ser por isso que podemos conversar. —
Terra começou a andar devagar, seu olhar fixo em algum ponto perdido no espaço. — Mas eu não
consigo ver nada, Aqua. Se você diz que o Ven está aqui, então ele é como eu, uma ilusão criada
pelo seu coração.
— Compreendo. Então você e o Ven estão seguros no mundo exterior?
— Acho que sim.
— Isso é bom.
Aqua pôs uma mão sobre o peito, aliviada. Estava tão preocupada com a ideia de que Terra
também pudesse estar preso naquele lugar tomado pelas trevas. Esse tempo todo, acreditara que o
havia mandado para casa, no reino da luz, junto com sua própria Keyblade. Ao menos seu último
desejo lhe havia sido concedido.
— Mas como você me encontrou?
— Eu procurei aqui — respondeu Terra, pressionando a mão de leve sobre o peito. — E a
ouvi na escuridão.
Aqua tinha mais perguntas:
— Certo, mas por que seu coração está... ligado às trevas agora? O que quis dizer com
“perdido nas sombras”?
Ele abaixou o olhar.
— Esqueça sobre mim. Aqua, Xehanort está tentando encontrar o Ven — disse em vez de
dar respostas. Por que resolvera falar sobre seu inimigo agora?
— Ele nunca vai encontrá-lo — respondeu ela, tentando tranquilizar um pouco o amigo. —
Eu o escondi bem. Acho que ele não está falando comigo aqui porque ainda está lá, dormindo.
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Um momento depois, o rosto de Terra se contorceu, como se tomado por grande agonia.
— Não, eu... não consigo controlar...!
Ele levou as mãos à cabeça e, no mesmo instante, seus cabelos se tornaram brancos e algo
mudou na expressão em seu rosto.
— Esse “lugar” — disse. — É a Câmara do Despertar?
Um tremor percorreu o corpo de Terra, borrando sua imagem até que ela se dividiu em dois:
um parecia seu amigo e o outro tinha cabelos brancos.
— Quem é você de verdade? — Aqua imediatamente se posicionou para proteger Ven.
— Você não sabe? Meu nome... — O Terra de cabelos brancos foi interrompido pelo outro,
que o agarrou por trás.
— Aqua! Para trás!
— Terra!
— Eu estraguei tudo. Xehanort faz parte de mim. Ele agora está me usando para que você
lhe diga onde escondeu o Ven!
Os dois Terras começaram a se debater.
— Silêncio!
A cada segundo que se passava, a escuridão ia se aproximando ainda mais deles, destruindo
toda a floresta em volta.
— Eu não vou ceder! Aqua! Você precisa...
— Você ainda luta! — Finalmente, o Terra de cabelos brancos conseguiu virar o jogo e
subjugar o verdadeiro.
Aqua precisava fazer alguma coisa. Ela correu até eles, mas, no instante seguinte, a sombra
de outro gigante negro surgiu no ar e pegou Ven com uma mão e Aqua com a outra.
— Aqua! — gritou Terra.
— Agora você pode ser um com a escuridão! — gritou o de cabelos brancos, a criatura
negra segurando Aqua com ainda mais força.
— Ven... — Aqua olhou para o amigo, ainda dormindo apesar de todo o perigo.
— Já chega! — urrou Terra.
Uma série de correntes surgiu em volta de seu corpo — a magia de Mestre Eraqus.
Mas o lugar todo continuou afundando na escuridão, até chegar ao ponto em que ela não
conseguia mais ver Ven ou Terra.

Estou afundando nas trevas. Agora eu posso ser... um com a escuridão...


O amuleto Wayfinder de Aqua escorregou de sua mão...
Alguém me ajuda. Por favor.
...e caiu na mão de outra pessoa.
— Aqua, você está bem?
Aproximando-se com toda a gentileza, a pessoa misteriosa lhe devolveu seu Wayfinder e
fechou a mão de Aqua sobre ele enquanto ela continuava afundando.
— Mickey... Como...?
Aquele toque suave pertencia a Mickey Mouse, que a segurou pela mão até chegarem à terra
firme novamente.
— Terra! Ven! — gritou ela quando voltou a si.
Infelizmente, não houve tempo para pensar. A escuridão rapidamente veio a seu encontro,
quando mais das criaturas que ela estivera enfrentando chegaram para cercá-los.
— Sem tempo para conversar. — Mickey empunhou sua Keyblade.
— Habitantes das trevas... — Aqua logo fez o mesmo.
— Eles se chamam Heartless! — disse o rei, e os dois se prepararam para o confronto.
Incontáveis deles se juntaram numa onda gigantesca que se atirou contra Aqua e Mickey —
mas dessa vez, ela não estava sozinha na luta.

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Eu estive só por tanto tempo que até esqueci como é reconfortante ter mais alguém ao meu
lado. Eu vou ficar bem, tenho certeza disso.
— Isso acaba agora!
Aqua disparava magias enquanto Mickey atacava com sua Keyblade mais ao lado. Quando
conseguiram prender os inimigos com um feitiço, ela desferiu uma rápida sucessão de golpes de sua
Keyblade, até que a horda se separou e as criaturas começaram a fugir.
— Melhor não abusar da sorte — disse Mickey, fazendo sua Keyblade desaparecer.
Aqua assentiu e deixou a luta acabar por ali.
— Puxa. Nunca pensei que te encontraria no reino das trevas, isso é certeza. Então, hm, o
que aconteceu?
Aqua abaixou o olhar.
— Você viu o Terra ou o Ven? — perguntou.
— Não, só você — respondeu ele.
Aqua apertou seu Wayfinder junto ao peito.
— Sinto muito. A escuridão neste lugar está me consumindo.
— Ah. Mas... você vai ficar bem.
— Certo — respondeu ela, os olhos ainda abaixados.
— Sabe, estivemos procurando por você faz tempo. Como veio parar nesse lugar?
Mas antes de responder, Aqua tinha suas próprias perguntas:
— Primeiro me diga: quanto tempo passou no reino da luz?
Quanto tempo será que se passou desde que eu comecei a vagar neste mundo das trevas?
— Cerca de... dez anos — Mickey disse a ela, hesitante.
Aqua ergueu o rosto para o céu.
— Interessante.
Eu tinha mesmo a sensação de que já fazia um tempo, mas... dez anos inteiros.
Aqua olhou fixamente para seu Wayfinder.
— Depois que nos falamos pela última vez, eu levei o Ven a um lugar seguro e fui atrás do
Terra. Mas o Terra estava caindo nas trevas, então só tive uma opção. Fiquei aqui, na esperança de
dar a ele uma chance.
— Eu... não sabia. — Agora foi a vez de Mickey de abaixar o olhar.
Aqua então se ajoelhou, fitando-o nos olhos.
— E quanto a você? — perguntou. — O que o trouxe aqui? Aconteceu alguma coisa no
reino da luz?
— São os Heartless. Eles estão atacando os mundos e roubando seus corações. E mundos
sem corações desaparecem na escuridão. — Mickey finalmente voltou a olhá-la nos olhos.
Então era por isso que estavam aparecendo outros mundos aqui?
— Mas se nós trancarmos a porta entre os dois reinos, o da luz e o das trevas, dos dois lados,
poderemos proteger os outros mundos. Por isso eu vim aqui, para encontrar a chave desse lado.
Acontece que não é tão fácil entrar no reino das trevas. Os pontos de acesso se tornaram instáveis. É
apenas quando um mundo é consumido que aparece uma entrada no reino de intermédio. Então, eu
esperei por uma chance de me infiltrar — explicou ele, pondo a mão suavemente sobre o Wayfinder
que Aqua carregava. — Mas, ei, quando cheguei aqui, senti uma luz quente e familiar. Eu a segui e
encontrei o caminho... até você. — Mickey sorriu.
— O amuleto. Então eles estavam ajudando. O Terra e o Ven fizeram com que nos dois nos
reuníssemos.
O rei assentiu e Aqua então desviou o olhar para o Wayfinder.
— Mas... os mundos ainda estão em perigo. O Terra... ele conseguiu voltar ao reino da luz?
Mickey sacudiu a cabeça.
— Ainda não o encontramos.
— Entendo. Bem, aonde quer que esteja, ele está lutando. Ele vai vencer sua escuridão. E sei
que ele também quer que eu lute. — Ela apertou o Wayfinder com força.
— Acho que você está certa. Ele vai ficar bem.

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— Sim. Mas e quanto ao Ven? Ele não vai acordar se eu não estiver lá com ele. Eu tenho
que ir. Tenho que encontrar uma forma de voltar para o reino da luz.
Eu tenho que acordar o Ven e então encontrar o Terra.
Aqua se levantou.
— Certo. Então vamos encontrar essa chave e voltar para casa juntos! — Mickey abriu um
sorriso reconfortante.
— Quer dizer que você conhece uma saída? — perguntou Aqua.
Mickey coçou a cabeça e respondeu:
— Bem, hã, eu estive tão ocupado procurando uma entrada que não pensei muito sobre onde
haveria uma saída. Mas sei que juntos nós com certeza vamos encontrar uma!
Aqua deu risada. Parando para pensar agora, Mickey sempre tivera a tendência de colocar a
carroça na frente dos bois. Ela ainda se lembrava de como ele saiu saltando por todo o universo com
aquele Fragmento Estelar.
— Você não mudou nada — comentou ela, recordando com carinho do tempo que passaram
juntos. Mickey também começou a rir.
Ahh, quando foi a última vez que eu ri desse jeito?
— Que nossos corações sejam nossas chaves guias — murmurou o rei, olhando para o
horizonte em meio à escuridão.
— Tá aí uma frase que ninguém usa há eras.
Ela conhecia esse ditado — era de muito, muito tempo atrás.
— Os portadores da Keyblade costumavam dizer essas palavras uns pros outros. E agora é
algo que eu sempre vou tentar me lembrar.
Aqua assentiu, mostrando que compreendia, e Mickey então lhe estendeu a mão.
— E aí, pronta?
Ela a apertou com força e determinação renovada.
— Pronta!
Contanto que estejamos juntos, nós vamos ficar bem. Vamos sair daqui e finalmente ir para
casa. Eu tenho certeza disso.

Aqua e Mickey partiram então em meio a outra trilha negra — a trilha de uma montanha que
passava em meio a uma floresta desconhecida. O caminho estava cheio daqueles monstros que se
chamavam Heartless. Mas ela não estava sozinha.
Finalmente, eles chegaram a uma bela praia sob um grande céu azul.
Ela conhecia aquele lugar. Mas se ele estava ali agora, então a praia tivera o mesmo destino
que os outros mundos que havia encontrado.
— Tantos mundos se perderam. E agora estão presos aqui nas trevas. Espera... você conhece
esse lugar, Aqua? — perguntou Mickey. Aparentemente, ele nunca o havia visto antes.
Aqua pensou nos dois garotinhos que havia conhecido naquele belo lugar cheio de areia.
“Ei, vocês dois poderiam me dizer seus nomes?”
— Sim. Eu o visitei uma vez e conheci dois meninos a quem considerei repassar a Keyblade.
Mas como o Terra já havia passado o poder a um deles, eu não o fiz.
— Aqua. Quais eram os nomes dos meninos?
— Eram... Sora e Riku.
Sim, ela ainda se lembrava dos nomes e, de alguma forma, Mickey também os reconheceu.
— Entendo. Estamos chegando perto — disse ele, examinando seus arredores. — Bem, são
Sora e Riku que estão me ajudando. Estamos tentando fechar essa porta de uma vez por todas.
— Os mesmos meninos? — Aqua não conseguiu esconder a surpresa.
— Aqua, se foi aqui que os meus amigos conseguiram a Keyblade, também deve ser onde
encontraremos sua contraparte. A Keyblade das trevas deve estar aqui, no lado negro deste mundo.
— Ele soava bastante seguro do que estava dizendo.

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Mas assim que concluiu a explicação, um tremor atravessou a terra, sinalizando o retorno da
horda de Heartless que eles derrotaram antes.
— Temos que nos apressar! Vamos! — exclamou Mickey, correndo em frente com sua
Keyblade em riste.
Aqua logo fez o mesmo e os dois abriram caminho pela ilha, derrotando mais uma série de
Heartless. Então a Keyblade das trevas está nesta ilha...?
As sombras engoliram a ilha, o mar se revirava violentamente e nuvens negras cobriram o
céu numa tempestade, mas Aqua e Mickey continuaram seguindo em frente.
Mickey apontou para uma moita.
— Vamos em frente — disse ele, e Aqua então notou que havia uma caverna escondida atrás
da vegetação.
— Que lugar é esse...? — murmurou ela. Havia desenhos nas paredes da caverna, além de
uma porta mais aos fundos.
— Aposto que está aqui. — Mickey abriu a porta. Do outro lado só havia escuridão. — Ali!
E lá estava ela — uma Keyblade dourada e brilhante, flutuando no interior sombrio.
— Era disso que precisava? — perguntou ela, avançando um passo.
— Sim, é a chave que eu estava procurando. Uma Keyblade do reino das trevas! — O brilho
da Keyblade desapareceu quando Mickey a pegou em mãos. — A Porta das Trevas... ligada a duas
chaves. A Porta das Trevas... para selar a luz — recitou ele, quase como se fosse um feitiço. —
Bom, estamos com as chaves. Agora, precisamos das pessoas para fechar a porta.
— O quê? — indagou Aqua, confusa.
— A porta entre os dois reinos... ela não deixa um coração com luz passar. Então apenas a
escuridão consegue sair por ela. Nós podemos trancar a porta usando as duas Keyblades, mas
precisamos de ajuda dos dois lados para poder fechá-la.
— Nesse caso, já que você que vai trancar, pode deixar que eu fecho a porta. — Aqua estava
disposta a aceitar esta tarefa. Entre os dois, era Mickey quem pertencia ao outro lado.
Mickey sacudiu a cabeça.
— Desculpa, mas esse trabalho já é... de outra pessoa.
— Hã?
Foi quando outro tremor sacudiu tudo à sua volta. Por um momento, os dois foram cobertos
por luz, até que a escuridão retornou.
Ela vira um garoto em meio à luz — um garoto de cabelos prateados. Riku.
Quando abriram os olhos após o clarão ofuscante, o mundo havia voltado a seu estado
sombrio original, exceto por uma única diferença — a grande porta branca diante deles.
— É essa?
— Sim, a porta de Kingdom Hearts. — Mickey a olhou de cima a baixo antes de se virar
para Aqua novamente. — Bem, não é o Kingdom Hearts que você conhece. Não exatamente. Mas
apesar de ser menor, ainda é o coração de muitos mundos. E mesmo que não seja um Kingdom
Hearts completo, não podemos deixar a porta aberta desse jeito ou a escuridão escapará e destruirá
os mundos restantes.
Outro Kingdom Hearts — o coração de muitos mundos. Aqua não conseguia entender. Por
que algo assim estaria ali agora?
— Está na hora — prosseguiu Mickey. — Com essa chave e a do Sora no reino da luz, nós
vamos fechar essa porta. — Ele desviou o olhar mais uma vez para a porta em questão. — Agora,
só precisamos do Riku.
Riku e Sora...
Eu nunca teria imaginado que aqueles dois garotos que conheci naquela época estariam
envolvidos em tudo isso.
— Ali! — gritou Mickey, e ela viu Riku correndo em meio à escuridão. — Estão todos aqui!
Vamos, Aqua...!
Antes que Mickey pudesse terminar, a massa de Heartless voltou a aparecer, dessa vez se
lançando diretamente contra Riku.
— Essa não!
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Quando Mickey começou a correr atrás do garoto, Aqua se lançou em meio ao ar, ergueu a
Keyblade em direção à horda e disparou uma séria de correntes de luz. Ela os havia detido.
— Para trás!
— Aqua! — Mickey parou de correr.
— Vá sem mim!
— Não, eu...! Aqua!
A onda de Heartless se lançou contra Aqua, engolindo-a e levando-a para fora da caverna,
de volta para a areia branca das Ilhas do Destino. Ainda com a Keyblade em mãos, Aqua atacou a
horda com toda a sua força.
A batalha pelo reino da luz... não foi vencida. Graças ao Terra e ao Mickey, agora eu sei o
que está em jogo.
Eu não tenho medo. Vou enfrentar esta grande escuridão.
Da próxima vez que alguém entrar no reino das trevas, eu estarei aqui. Uma luz para abrir
caminho nas sombras.
Serei como um amuleto. Seu Wayfinder.
E um dia, voltarei para o Terra e o Ven.
— Sou a Mestra Aqua. E isso é uma promessa — declarou ela, talvez mais para si mesma do
que para qualquer outra pessoa.
Ela acertou o inimigo em cheio com sua Keyblade.

— Aqua...
Agora sozinho, Mickey segurou sua Keyblade das trevas com toda a força e então a ergueu
em direção à porta.
— Agora, Sora! Vamos fechar essa porta de uma vez por todas! — ele exclamou para seus
amigos do outro lado.
E enquanto a luz engolia o rei...
Aqua estava deitada nas areias das Ilhas do Destino, sozinha.
— Tão bonito.
O crepúsculo roubava espaço em meio ao céu, dando lugar à noite.
— Terra, Ven...
Ela se lembrava de como eles costumavam ver o céu estrelado juntos.
“Como eu queria que nós três pudéssemos sair para ver as estrelas de novo, em busca de
estrelas cadentes.”
Só eu de novo.
Mas eu vi o Mickey e sei que este mundo está conectado à sua contraparte.
Foi quando começou a chover luz sobre aquele mundo, prova de que as Ilhas do Destino
estavam voltando para casa, no reino da luz.
Eles conseguiram. Os mundos estão sendo restaurados. O Mickey fechou a porta.
E quando aquele mundo deixou de existir, a escuridão puxou Aqua de volta para si.
Que nossos corações sejam nossa chave guia.
Vocês saberão... onde eu estou.

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— EU PENSEI... TER OUVIDO A VOZ DELA DE LONGE. — NA TORRE MISTERIOSA
de Yen Sid, a longa história do Rei Mickey chegava ao fim.
Kairi olhou para Riku. Sua cabeça continuava abaixada, mesmo após a história terminar.
— Ela se sacrificou para me salvar? — Suas mãos se cerraram em punhos.
Ele sabia que Mickey estava atrás de si quando tentou fechar a Porta das Trevas dois anos
atrás, mas nunca soube de outro Mestre da Keyblade. Uma forte dor lhe tomou o peito e ele
pressionou o rei em busca de mais respostas de um jeito completamente fora do seu comum:
— Por que você me escondeu isso por tanto tempo?
— Eu precisava respeitar a escolha dela — respondeu Mickey com um balançar da cabeça.
— E quanto a nós? Podia ter nos dado uma escolha. Nós podíamos tê-la ajudado!
— Eu sei...
Kairi ainda os estava observando. Essa era a primeira vez Riku falava de forma tão ríspida
com Mickey. Mas Yen Sid interveio antes que ele pudesse continuar:
— Não se precipite, Riku. Como Mickey contou claramente em sua história, chegar ao reino
das trevas pela primeira vez não foi uma tarefa simples. E mesmo que encontrássemos uma entrada,
infelizmente, nenhum de nós possui os meios necessários para trazer Aqua de volta a salvo. Então
eu proibi Mickey de lhe contar ou mesmo de ir atrás dela.
— Por que guardar segredo? — Riku perguntou ao feiticeiro, ainda sem conseguir entender.
Os olhos esbugalhados de Yen Sid se abriram ainda mais.
— Isso é óbvio — respondeu, a voz sempre serena. — Se não você, então certamente Sora
tentaria imprudentemente resgatá-la.
— Mas agora, nós podemos ajudar a Aqua! Você e eu... nós vamos encontrá-la! — declarou
Mickey, cheio de determinação.
A resposta de Riku foi igualmente entusiasmada:
— Sim! Conta comigo!
Kairi sorriu enquanto olhava para ele.
— Quem é esse novo Riku e o que fizeram com o antigo?
— Novo eu?
Eu mudei? Estou um pouco mais velho, claro, e eu cortei o cabelo... mas tem mais?
— Sim. Tá mais parecido com o Sora — comentou Kairi em meio a uma risada.
— Devo ficar lisonjeado? — perguntou Riku.
Um sorriso gentil se formou nos lábios de Yen Sid enquanto observava a conversa.
Sabe, talvez ela tenha razão. Talvez eu esteja mesmo diferente.
— Eu fico tentando demais ser um modelo a ser seguido. É mais legal apenas ouvir o meu
coração. O que é... a cara do Sora.
— Bom, a gente ainda gosta de você.
Riku também lhe abriu um sorriso e assentiu.
Foi quando Kairi deu um passo em direção a Yen Sid.
— Mestre, eu vim aqui porque queria ajudar de alguma forma. O que posso fazer?
— Eu confiei ao mago Merlin a supervisão do treinamento de nossos novos portadores da
Keyblade, você e Lea.
— Lea? — perguntou ela. Não sabia de quem se tratava.
— Ele está falando do Axel — explicou Mickey, e Kairi recuou um passo, surpresa.
— O quê?! — exclamou ela.
Axel foi quem a sequestrou quando era membro da Organização XIII. Mas Riku encontrara
Axel várias vezes em suas jornadas e acreditava que algo nele também havia mudado.
— Ele é uma pessoa normal agora. Até salvou o Sora pra gente. Pode confiar nele! —
Mickey a informou.
Kairi olhou para Riku com um olhar dúbio e ele assentiu, confirmando as palavras do rei.
— Vem, Riku, está na hora de irmos. Primeiro, temos que encontrar uma entrada para o
reino das trevas. — O rei foi andando rumo à porta da câmara, ansioso para partir, e Riku e Kairi
logo começaram a segui-lo.
Mas Yen Sid ainda não havia acabado:
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— Mickey, quero que levem isso consigo. As três fadas boas pediram que eu os presenteasse
com elas. São novas vestes que os protegerão contra as trevas.
O feiticeiro ergueu a mão sobre sua mesa e duas malas retangulares apareceram em meio a
um clarão. Havia uma pequena e marrom para Mickey e uma azul para Riku. Os dois pegaram suas
malas e agradeceram ao mestre. Então olharam um para o outro e assentiram.
— Certo, vamos lá! — disse Mickey, empolgado.

E foi assim que os dois acabaram no Mundo das Trevas.


Riku e Mickey estavam usando as novas roupas que haviam recebido de Yen Sid. Suas
calças tinham detalhes quadriculados combinando nas bocas das pernas, mas a calça de Mickey era
vermelha enquanto a de Riku era azul. Suas jaquetas também tinham um design parecido, completo
com capuzes para ocultar seus rostos.
Riku estava atenciosamente de olho nos arredores enquanto avançava devagar. Já estivera ali
duas vezes no passado: uma quando fechou a Porta das Trevas e de novo depois, quando acabou
parando ali junto com Sora.
— Precisa de uma pausa? Podemos parar. — perguntou Mickey, voltando-se para Riku
quando notou que o companheiro estava ficando para trás.
— Não, é só que... eu já estive aqui. Devia reconhecer esse lugar. Mas isso tudo parece que
foi em outra vida. — Não se passara muito tempo desde sua última visita, mas ele não conseguia
deixar de se sentir dessa forma.
— Ah, vamos — disse Mickey, andando até Riku. — Pense em tudo que você viu! Todas as
coisas que sentiu. Poxa, você passou por anos de amadurecimento em pouquíssimo tempo.
— Eu me lembro da minha primeira vez aqui. Estava apavorado. Mas agora, minhas dúvidas
e medos se foram. No máximo, me sinto ansioso. E não é porque há trevas em mim... sei muito bem
como é esse sentimento. É diferente.
Riku levou uma mão ao peito e fechou os olhos por um instante. Ele se lembrou do garoto
que costumava ser quando a escuridão quase tomou controle de seu coração.
Luz e trevas sempre serão dois lados da mesma moeda, então tudo o que importa é garantir
que eu não vá pender para as sombras de novo.
A escuridão existe em tudo, mas ela não vai dizer ao meu coração o que ele deve fazer.
— E também não é adrenalina — prosseguiu. — Eu sei que a Aqua precisa de nós... mas
estou pronto. Estou no controle agora. Talvez seja porque você está comigo dessa vez.
Ele concluiu seu pequeno discurso com um sorriso.
— Não é por mim. — Mickey retribuiu o sorriso e sacudiu a cabeça. — Acho que é porque
você finalmente encontrou em si aquela força especial para proteger o que importa.
— O quê?
— Às vezes, você se importa tanto com alguém que outros sentimentos desaparecem. E
então, não há espaço para medo ou dúvidas.
Riku abaixou o olhar em direção à mão direita, quando uma fraca memória de sua infância
subitamente lhe veio à cabeça:
“Força para quê?”
“Para proteger as coisas que importam. Você sabe, tipo os meus amigos.”
Quem será que era aquele cara? Foi a primeira vez que eu empunhei uma Keyblade...
— Será isso? “Força para proteger o que importa”...? — disse, quase para si mesmo. — Isso
me lembra de uma promessa que eu fiz.
— A quem?
— Alguém que eu conheci uma vez. Não posso contar.
Riku cerrou a mão num punho. Esse era o nosso segredo — lembro que ele disse que a
mágica não ia funcionar se eu contasse a alguém.
— Parece uma boa memória.

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— Sim...
Talvez, só talvez, aquela promessa ainda os ligasse até hoje...
— Enquanto estamos recordando... — disse Riku. — Mickey, algo aqui te parece familiar?
— Mais ou menos, mas o reino das trevas mudou desde que estive aqui com a Aqua. —
Mickey virava a cabeça de um lado para o outro.
— Sim, está diferente do que eu me lembro — concordou Riku. Não se lembrava de nada
daquilo de suas primeira e segunda visitas. Acontece que o reino das trevas era enorme e quaisquer
novos mundos que pudesse ter tomado mudavam sua aparência.
— Normalmente, bastaria eu seguir o meu coração e a Aqua me mostraria o caminho. —
Mickey começou a andar. Havia uma expressão séria em seus olhos enquanto encarava o horizonte.
— Mas quanto mais perto eu chego, mais nebulosa parece a nossa conexão.
O que poderia estar causando isso?
— Seja como for, não podemos perder a esperança — lembrou Mickey, dando meia-volta.
Riku assentiu com firmeza.
— É — disse, seguindo-o.
Era fácil deixar a mente divagar em meio ao constante breu daquele mundo e, assim, os dois
avançaram em silêncio. Após ver o mesmo cenário imutável por tanto tempo, podia-se acreditar que
ele nunca acabaria.
Se a Aqua esteve perdida aqui sozinha há todo esse tempo, posso imaginar quão solitária
ela deve se sentir. Mesmo um Heartless seria uma presença bem-vinda.
A solidão absoluta daquele lugar de fato era esmagadora. Mas Riku tinha Mickey consigo.
De repente, o cenário em frente se expandiu e o som das ondas lhes alcançou os ouvidos.
Era uma praia em meio à escuridão profunda. Uma luz turva pairava sobre a água mais ao longe.
Talvez fosse um sol poente — talvez uma lua.
— Essa praia... — murmurou Riku, sem sequer se dar conta. Ele já estivera ali.
— Sumiu — sussurrou Mickey, o que fez Riku olhar para ele, curioso.
— Hã?
— Tenho certeza que a Aqua estava aqui. Mas agora... seu rastro ficou mais fraco.
— Eu também estive aqui. Com o Sora — Riku lhe disse. Eles haviam ido parar ali juntos
após derrotarem Xemnas.
— Sério?
— Foi onde encontramos o caminho de volta para o reino da luz. Ei, talvez a Aqua tenha
feito o mesmo!
Seu peito rapidamente começou a se encher de esperança.
Naquela vez, eu e o Sora ficamos aqui sentados, conversando sobre algumas coisas, coisas
muito importantes — e aí aquela carta nos levou de volta ao reino da luz. Talvez algo semelhante
tenha acontecido com a Aqua.
No entanto, Mickey sacudiu a cabeça, entristecido.
— A Aqua... caiu em um abismo ainda mais obscuro. Num lugar onde não posso mais vê-la.
E não acho que estejamos equipados para mergulhar mais fundo que onde já estamos — disse,
fitando a água.
— Então... — Riku suspirou, quando um grupo de Heartless brotou em meio ao chão.
— Essa não!
— O quê?!
A dupla invocou suas Keyblades, mas já estavam cercados.
— Riku... cuidado. Mesmo os Heartless menos ameaçadores são mais fortes neste reino.
— Pode deixar.
Frente ao alerta de Mickey, Riku segurou sua Keyblade com ainda mais força. Os Heartless
então se reuniram num gigantesco tornado negro e logo partiram para o ataque.
Riku logo se lançou contra o meio da massa de criaturas e começou a enfrentá-las com sua
Keyblade. Enquanto isso, Mickey usava suas magias para tentar separar a horda.
— Ainda não acabou. Cuidado!
— Essa não!
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Quando Riku voltou ao chão, uma onda de Sombras o atingiu com tudo por trás e o engoliu
por completo.
— Riku!

Ele estava flutuando em meio a um oceano negro — um abismo de absoluta negritude. Não
conseguia respirar. A escuridão vai...? Não, isso não é possível.
“Não esperava vê-lo de novo.”
Havia uma voz falando com ele.
— O quê...?
Riku abriu os olhos em meio à água. Não conseguia ver quem estava falando. Essa voz... ela
é... minha? Por que estou ouvindo minha própria voz?
“Por que você veio aqui?”
— Porque alguém precisa de mim — respondeu Riku. Pôde sentir uma certa hesitação de
quem quer que fosse quem estava ali consigo.
“Quer uma ajuda?”
— Quem é você? — perguntou Riku.
“Eu? Eu sou...”
Riku ficou sem ar antes de conseguir ouvir o resto da resposta. Você... é, deve ser você.
— Riku... Acorda...! Riku!
Ouvindo Mickey chamar seu nome, ele abriu os olhos devagar e viu o rei lhe fitando o rosto,
preocupado. Riku se sentou.
— Você está bem?
— Para onde foram os Heartless?
— Eu me livrei de mais da metade e aí o resto deu no pé. Mas cuspiram você primeiro —
disse Mickey.
— Obrigado. Te devo uma. — Riku pressionou a têmpora. Sua cabeça ainda doía um pouco.
Aquela voz... Só podia ser... ele. Quem eu conheci no Castelo do Esquecimento.
— Sei que você se sente invencível, mas nós não somos — repreendeu Mickey, o que trouxe
Riku de volta ao mundo real.
— Você está bem, Mickey?
— Sim, graças aos novos equipamentos. Mas... a sua Keyblade...
O rei estava olhando para a arma na mão de Riku. A ponta do Caminho da Alvorada — a
Keyblade que ele vinha usando há todo esse tempo — havia quebrado.
— Os Heartless aqui são mais fortes do que esperávamos. Acho que a gente devia ter
fortalecido as nossas Keyblade antes de virmos pra cá, hein? É melhor voltarmos à torre do Mestre
Yen Sid para nos reagruparmos.
Riku examinou a chave quebrada.
— Mas a Aqua ainda está por aqui, sozinha. Enfrentando inimigos como aquele.
— Eu sei...
Riku se aproximou da beira da água a passos lentos.
— E se ela estiver se sentindo tão assustada e sozinha... quanto eu me senti na primeira vez
que estive aqui? Quanto tempo vamos ter que deixá-la esperando nesse lugar terrível? — disse,
olhando para o mar adiante. Mickey foi andando até o lado dele.
— Mas a Aqua... ela é como o Sora.
— O quê?! — exclamou Riku. De todas as coisas que podia esperar ouvir, essa não era uma
delas. Quer dizer que a mestra que me salvou naquela época tem a cabeça nas nuvens igual a ele?
Mickey rapidamente acrescentou:
— Não, não, não... Forte como o Sora!
— Certo... isso é bom. Então acho que ela vai ficar bem. O Sora poderia cair em qualquer
escuridão e sair de lá nadando. — Riku voltou a olhar para o horizonte além do mar.

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— Além do mais, não vamos demorar.
— Certo — Riku assentiu com firmeza e então cravou o pedaço quebrado do Caminho da
Alvorada em meio à areia. — Não dá mais pra usar essa Keyblade. Posso muito bem deixá-la aqui...
para o outro eu.
— O quê...?
Mickey ergueu o olhar para Riku, curioso.
Sim, para o outro eu... aquele que está vagando aqui sozinho.
Riku e Mickey deixaram o mar para trás e voltaram ao reino da luz.

E agora voltamos uma terceira vez à Torre Misteriosa, quando Sora e seus amigos chegaram
após sua visita a Hércules.
— Entendo... Você não conseguiu recuperar sua força — ponderou Yen Sid, sério como de
costume, mas Sora e seu sorriso não pareciam abalados.
— Ah, dá nada. Ainda aprendi um bocado.
Aprendi sobre proteger o que importa: as pessoas que você mais ama.
Donald e Pateta também estavam sorrindo a seu lado.
— De toda forma, Sora, você ainda precisará do poder do despertar.
— Você não pode ter perdido pra sempre — disse Pateta, tentando encorajar o amigo. —
Aposto que alguma coisa vai te servir de gatilho pra ele logo, logo.
— Tipo o quê, exatamente? — disse Sora, frustrado. Aquele otimismo infinito de Pateta não
estava exatamente ajudando.
— Já sei! Que tal uma pancada na cabeça? — sugeriu Donald. Sora o encarou e Donald
encarou de volta.
— Talvez possa ser algo tão simples quanto isso — murmurou Yen Sid.
— Calma lá, você também acha?
— Toda vez que você precisa, a magia acontece. Esta é a sua maior força, Sora.
— Você faz parecer que foi tudo um acidente — disse Sora, cabisbaixo. A análise de Yen
Sid o estava deixando para baixo enquanto Donald e Pateta não paravam de dar risada.
De repente, alguém bateu na porta.
— Voltamos, Mestre!
Riku e Mickey adentraram a câmara.
— Ah, caramba. Vocês estão todos aqui!
— Estávamos aqui antes, mas vocês não esperaram.
A discussão foi rapidamente esquecida e Sora, Donald, Pateta, o rei e Riku simplesmente
ficaram felizes por voltarem a ver uns aos outros. Sora e seus companheiros informaram os outros
dois sobre os resultados de sua missão e, quando terminaram, Mickey respondeu:
— Mas, honestamente... nós também não nos saímos muito melhor.
Donald e Pateta olharam um para o outro.
— E descobriram onde a Aqua está? — perguntou Pateta. — Porque o Mestre Yen Sid disse
que foi por isso que vocês partiram.
— Nem mesmo uma pista? — acrescentou Donald.
Riku e Mickey trocaram um olhar desgostoso e o rei então assentiu, entristecido. Foi Riku
quem explicou as circunstâncias:
— Sabemos que a Mestra Aqua chegou até a praia que eu e o Sora visitamos uma vez, mas é
lá que o rastro dela termina.
Aparentemente, a situação era mais complicada do que imaginavam.
— Todos os sinais dela somem num grande abismo... embaixo do reino das trevas — disse
Mickey, concluindo o raciocínio de Riku.
— Ela se foi? — indagou Donald, a voz fraca.

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— Não. O Sora foi arrastado para o abismo durante o seu teste. E eu fui atrás dele. Então
acho que se encontrarmos alguém que era muito próximo da Aqua e essa pessoa fizer o mergulho,
ela poderá alcançá-la lá embaixo. — Riku claramente acreditava que havia uma forma de salvá-la,
mas Mickey apenas sacudiu a cabeça.
— Nem sei ao certo se ainda há alguém para pedirmos isso. Ventus está escondido... e a
Aqua é a única que sabe onde. Além disso, ninguém vê o Terra há anos. Aqua foi a última.
Enquanto não conseguissem localizar Ven e Terra, Aqua nunca voltaria ao reino da luz. E,
infelizmente, eles também não tinham os meios para que pudessem ir atrás deles.
— Então a Aqua... ela será a chave para encontrarmos os três. — Riku parecia perdido em
pensamentos.
— Sim — disse Yen Sid. — Seu professor, Mestre Eraqus, seria outra possibilidade, caso
Xehanort não o houvesse eliminado sem misericórdia.
O olhar do feiticeiro se abaixou apenas um pouco — o que por si só já era bastante raro.
Foi Sora quem quebrou o silêncio:
— Eu vou salvá-la.
Todos na sala se voltaram para ele, surpresos com toda aquela firmeza em sua voz. Mas ele
simplesmente não conseguiu evitar — a emoção lhe pegou desprevenido, apertando seu peito com
toda a força. Eu vou salvar a Aqua.
— Você não pode!
— Mas, Sora, vai ser superdifícil fazer isso sem o poder do despertar.
A voz de Donald parecia um pouco aborrecida enquanto a de Pateta soava só preocupada.
— Hã? Foi mal... não faço a menor ideia de onde brotou isso. — Sora coçou a cabeça,
também confuso com a súbita onda de emoção.
— Bom, foi bem convincente.
— É, melhor não nos decepcionar.
Mickey e Riku sorriram.
— Pode deixar — afirmou Sora, também abrindo um sorriso.
— Sora — disse Yen Sid, por fim. — Você deve focar em recuperar o poder do despertar
que perdeu. Mickey e Riku, recordo-me que a Mestra Aqua se aventurou por muitos mundos,
conectando-se a outros que podem ser o elo do qual precisamos.
— Ótimo plano, senhor. Riku e eu vamos refazer seus passos para ver se encontramos
alguma pista, mas primeiro... — Mickey deu um passo mais perto do feiticeiro, e Riku logo fez o
mesmo, acompanhando-o. — Nós levamos uma baita surra no reino das trevas. A minha Keyblade
foi danificada e os Heartless partiram a do Riku em duas. Então, vamos precisar de substitutas antes
de podermos prosseguir.
— Neste caso, vou pedir que se reúnam com Kairi e Lea Eles continuam treinando sob a
tutela do mago Merlin.
Riku e Mickey se curvaram.
— Sim, senhor.
— Além disso, gostaria que entregassem isso para mim. — Yen Sid balançou a mão e duas
malas surgiram sobre a mesa, uma vermelha e uma preta. Eram de tamanhos e cores diferentes se
comparadas com as que o feiticeiro dera a Riku e Mickey para sua jornada no reino das trevas. —
São como as que eu dei a vocês. Vestes especiais para proteger Kairi e Lea das trevas.
— Pode deixar.
Riku e Mickey pegaram cada um uma mala.
— O quê? Não vale! E quanto às minhas roupas, Mestre? — Sora se intrometeu.
Donald foi rápido para repreendê-lo:
— Sora, não o incomode desse jeito. É falta de consideração.
Entretanto, o feiticeiro apenas se divertiu.
— Acalme-se — disse. — Também tenho novos trajes para você, Sora. Um presente das
fadas boas.
Yen Sid ergueu a mão e mais uma mala surgiu em cima da mesa. Sora abriu um sorriso de
orelha a orelha.
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— Sabia que não ia me deixar na mão. Valeu!
Donald pareceu decepcionado por ele e Pateta não receberem novas roupas legais também.
— Estas não são vestimentas comuns, Sora. Como antes, possuem poderes muito especiais,
então demorou um pouco mais para prepará-las. Além disso, há um presente especial de Tico e
Teco dentro.
— Legal. Beleza! — respondeu Sora, animado, jogando a grande mala por cima dos ombros
para apoiar nas costas.
— Agora, estão todos prontos para prosseguir — anunciou o feiticeiro, quando uma figura
diminuta saltou sobre sua mesa.
— Ei, esperem! Não se esqueçam de mim!
— Grilo! — exclamaram Sora e seus amigos.
— Toda grande jornada precisa de um grilo para registrá-la. E não posso deixá-los iniciar
esta sem o velho Grilo Falante a seu lado. — O Grilo tirou sua cartola da cabeça e se curvou.
— Bom. Agora, para marcar o início de uma nova jornada, gostaria que ficasse com isso,
Sora. — Com mais um balançar da mão de Yen Sid, um pingente com uma pedra roxa surgiu na
mão de Sora. Esculpido na pedra havia o símbolo dos Espíritos, criaturas que residiam nos Mundos
Adormecidos e comiam pesadelos.
— Certo...?
— É um Talismã do Coração. Pense nele como um amuleto da sorte feito apenas para você.
Você tem um dom, Sora, de se conectar aos outros, e isso torna este dom ainda mais forte.
Sora apertou o Talismã do Coração em sua mão e assentiu.
— Está na hora de ir! — vociferou Mickey, e todos fizeram pose de sentido e se curvaram.
Sora, Donald e Pateta atentaram os ouvidos para ouvir uma coisa. Pateta tinha razão — Yen
Sid definitivamente esta sussurrando uma certa frase:
— Que seus corações sejam suas chaves guias.
— Viram? — murmurou Pateta.
Todos trocaram um olhar e sorriram.

Sora, Donald e Pateta estavam na Nave Gummi. Sora estava vestido com as novas roupas
que recebera de Yen Sid, uma jaqueta e calças praticamente todas pretas e vermelhas, com detalhes
quadriculados nas lapelas.
— Tá, pra onde agora? — perguntou Donald, mas Sora continuou com os braços cruzados
atrás da cabeça, perdido em pensamentos. — Ah, qual é. Quer levar isso a sério?
— Dá um tempo, beleza? Eu disse. Essas coisas levam tempo.
— Poxa, sou só eu ou isso está virando rotina? — comentou Pateta, assistindo enquanto a
cena se repetia. De repente, uma estranha melodia começou a tocar de algum lugar.
— Hã? O quê?
Todos começaram a procurar pela fonte do som, até que o Grilo pulou no ombro de Sora e
apontou para o bolso do garoto.
— Está vindo de você, Sora! — disse.
Sora enfiou a mão no bolso e encontrou um dispositivo quadrado do tamanho da palma de
sua mão com uma tela no centro. Mais abaixo, havia um botão com o símbolo de Mickey.
— Me pegou! Faz parar.
— Eu não sei como. Talvez... isso. — Sora tocou o botão verde na tela com a ponta do dedo
e um esquilo bastante familiar apareceu.
— Oba! Ele atendeu — exclamou Teco.
— Hã? Teco?
— Ei, Tico, tô com ele na linha! Anda logo, Tico! — gritou Teco, diante do que o outro
esquilo veio pulando para a imagem.
— Ora! Já tava na hora — disse Tico.

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— Tico?
Os esquilos pareciam estar ligando do estúdio do Castelo Disney e começaram a explicar,
um de cada vez:
— Você tem que atender o telefone, Sora, ou não podemos te manter atualizado. Temos um
montão de coisa importante que queremos contar!
— Foi por isso que pedimos ao Mestre Yen Sid para garantir que você recebesse esse
Gummifone que a gente fez pra você. Para sempre podermos manter contato contigo.
— E ele tira fotos.
Então aquela engenhoca se chamava Gummifone?
— Ah! Vocês finalmente terminaram — exclamou o Grilo, animado. — Veja, com esse
Gummifone, nós podemos nos comunicar uns com os outros mesmo em mundos diferentes. Na
verdade, posso até tentar escrever o meu diário nele.
— Uau! Parece que vai ser bem útil, galera.
Sora inspecionou o Gummifone de perto.
— Então, o que era tão importante?
— Isso! — disse Tico, empolgado. — Quando você e o Riku se aventuraram pelos Mundos
Adormecidos, o Riku recuperou alguns dados de pesquisa secretos que Ansem, o Sábio, escondeu
dentro de você...
— O Código de Ansem! — gritou Teco no meio da resposta do irmão.
O Código de Ansem — os frutos da pesquisa de Ansem, o Sábio, confiados a Riku quando
ele derrotou o pesadelo de Sora durante o teste da Marca da Maestria.
— Aham — acrescentou Tico. — E temos trabalhado duro para tentar desvendá-lo e ver o
que ele diz.
Um segundo depois, a tela mudou, mostrando um jovem de cabelos prateados e olhos azuis
que usava um jaleco branco e um lenço amarrado no pescoço. Sua franja comprida ocultava um
lado de seu rosto.
— Os dados estavam criptografados, então conseguimos decifrar apenas parte deles.
— Hã?
Ele me parece um pouco familiar, mas...
— Ah... Acredito que não nos falamos desde o castelo. Me chamo Ienzo. Aeleus também
está aqui.
Um sujeito musculoso passou por trás dele por um instante.
— Aeleus, seja lá o que tenha havido entre você e o Roxas, está no passado — Ienzo disse
por cima do ombro em meio a uma breve risada. — Sora, o motivo pelo qual estamos aqui é porque
você e os seus amigos derrotaram os nossos Nobodies e, assim, nos “recompletaram”. Nós nos
desfizemos de nossos corações por escolha própria, não se iludam, mas não sabíamos que Xemnas,
ou melhor, Xehanort nos estava enganando — explicou Ienzo, a voz suave.
— Hã? Xemnas?
Enquanto Sora tentava entender o que Xemnas tinha a ver com aquilo, Pateta gritou:
— Ah, ele está com eles!
O nome de Ienzo enquanto um Nobody na Organização XIII costumava ser Zexion. Seu
Nobody foi destruído no Castelo do Esquecimento, o que permitiu que ele mais tarde voltasse à
vida como um humano. Ansem, o Sábio, também cuidara dele quando ainda era uma criança.
— Não mais. Xemnas e Xehanort já não possuem mais poder sobre nós. Somos apenas
estudantes do coração, exatamente como antes de tudo isso começar — Ienzo disse a eles numa voz
calma, tentando eliminar quaisquer medos que ainda pudessem ter.
Mas não era tão fácil conquistar a confiança de Donald:
— Aham, claro.
— Mas, sabem, parando para pensar, o Axel está do nosso lado agora — Pateta lhe lembrou.
— Temos amigos que queremos trazer de volta a este mundo, assim como vocês — disse
Ienzo. — Para fazermos isso, temos que trabalhar juntos.
Pensando um pouco mais a respeito, parecia válido dar a Ienzo o benefício da dúvida. Mas o
que teria acontecido com os outros membros da Organização XIII?
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— Levando isso em consideração, Sora... — prosseguiu Ienzo. — Nós encontramos dados
bastante interessantes da parte do código que deciframos.
— É sobre mim?
— Sim. Para reorganizar as suas memórias, nosso professor, Ansem, o Sábio, deu uma boa
olhada no seu coração. E o que ele descobriu... é que o seu coração não pertence apenas a você.
Todos ficaram chocados com a revelação — ou melhor, todos, com a exceção de Sora.
— Poxa, você não parece surpreso.
— Pois é. — Sora assentiu para Pateta e então, devagar, pôs uma mão sobre o próprio peito.
— Honestamente, eu já suspeitava disso. Tem outro coração dentro do meu. Acho que é o do
Roxas. Assim como a Naminé ainda tá dentro do da Kairi.
— Interessante... Bem, ninguém conhece o seu coração melhor que você — admitiu Ienzo,
antes de finalmente prosseguir: — Para ser honesto, ainda temos ainda temos inúmeras perguntas
por aqui, mas... a ideia tem seu mérito. Já é incrível o fato de que você e seu Nobody são capazes
coexistir. Se também compartilham um coração... não é por menos que alguém tão notável quanto
você chamou a atenção de Ansem, o Sábio. Continuaremos investigando com base na sua hipótese.
Entrarei em contato.
A tela deixou de exibir Ienzo e voltou para Tico e Teco.
— Então tá certo, a gente dá um toque se descobrirmos mais alguma coisa. Lembrem-se, eu
e o Tico, o pessoal em Radiant Garden, o Rei Mickey e todos os outros nunca estaremos longe —
disse Teco, e a tela do Gummifone enfim se apagou.
— Preciso encontrar o Roxas e salvá-lo — Sora sussurrou consigo mesmo, olhando para o
aparelho. Ele ergueu a cabeça, pronto para encarar o que quer que viesse a seguir. — Os outros
estão seguindo o coração da Aqua, então eu vou seguir o coração do Roxas!
Donald e os outros assentiram, entusiasmados com a ideia.
— Sempre deixe que seu coração o guie, Sora. Foi o que o Mestre Yen Sid disse antes —
concordou Pateta, abrindo um sorriso.
— Pra onde? — perguntou Donald.
Em resposta, Sora invocou sua Keyblade e a apontou para o Oceano de Intermédio.
— Ah, essa é fácil.

Depois que a ligação acabou, Ienzo respirou fundo por um instante e abriu um sorriso. Sora
era sempre muito bom nisso.
Ele estava no laboratório de Radiant Garden, onde acordara junto a Lea, Aeleus, Even e
Dilan — ou, como costumavam ser conhecidos durante seu tempo na Organização XIII, Axel,
Lexaeus, Vexen e Xaldin.
Quando um coração roubado retornava, a pessoa a quem ele pertencia voltava à vida no
lugar onde o havia perdido. Cinco pessoas haviam acordado ali — mas mais que cinco haviam sido
perdidos naquele laboratório. Isa — Saïx — ainda estava faltando.
Tão logo acordou, Lea imediatamente foi embora, e Even, que foi quem mais demorou para
acordar, também desapareceu em dado momento.
Ienzo não tinha certeza do que nenhum dos dois pretendia fazer — só o que sabia era que
queria dar sequência à missão de seu professor, Ansem, o Sábio.
Aeleus e Dilan ainda estavam lá, mas não eram aprendizes. Even era e, como pesquisador,
era um homem digno de grande respeito. Para Ienzo, ele era como um pai, assim como Ansem, o
Sábio, também costumava ser.
Ele suspirou e então deixou o laboratório.

***

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Interlúdio: 7 DIA S

O sol ia se pondo sobre uma colina nas profundezas de uma floresta num mundo bastante
especial. Ali, Lea — ou Axel — e Kairi estavam treinando como portadores da Keyblade.
Axel chegara primeiro e Kairi não muito depois.
Ela ficou um pouco assustada ao vê-lo novamente, mas aquela não era a primeira vez que os
dois ficavam sozinhos juntos.
Havia sido Axel quem a sequestrara naquela ocasião. Há quem pudesse dizer que não fora
exatamente um sequestro, — que ele só a levara consigo — mas, no final, não fazia diferença.
Coisas terríveis haviam acontecido por sua causa. Ou pelo menos era assim que Axel via.
— Quantos dias fazem desde que você chegou aqui? — ele perguntou a Kairi, estreitando os
olhos enquanto assistia ao pôr do sol. Seu treinamento ainda estava só começando.
— Por que você sempre pergunta isso, Lea? É a mesma pergunta todos os dias.
— Ah, desculpa.
— E também não para de pedir desculpa.
— Eu só... sinto que tem uma coisa que eu preciso lembrar.
— O Mestre Merlin disse que o tempo não existe de verdade nesse lugar. Mas mesmo assim,
talvez seja uma boa ideia ficar de olho nos dias. Hoje seria o sétimo. Mas você chegou aqui antes de
mim, então...
— Nah, podemos começar a contar a partir de quando você chegou.
— Hã?
— Talvez — disse Axel, fechando os olhos devagar na tentativa de limpar a névoa que lhe
cobria a mente.
Kairi se juntou a ele, assistindo ao pôr do sol.
Quantos dias fazem desde que você chegou aqui...? Sério, cara, como eu queria tomar um
picolé de sal marinho.

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AO LONGE, OS DOIS SINOS DA FAMOSA TORRE DO RELÓGIO DA ESTAÇÃO BA-
dalavam para indicar o horário aos cidadãos. Aquela era Twilight Town, o lugar onde Sora certa vez
despertou de um longo sono, onde o longo sono de Roxas teve início — e onde um trio vestindo
casacos negros costumava tomar picolés de sal marinho.
Sora e seus amigos desceram pela colina que levava da estação à praça do bonde.
— Poxa, esquecemos de inteirar o Mestre Yen Sid sobre o que aconteceu. Não devíamos
voltar? — Pateta cruzou os braços.
— Típico do Sora — ralhou Donald enquanto Sora cruzava os próprios braços, pensativo.
— Hmm... — Seus dois amigos estavam se referindo ao encontro com Malévola e Xigbar no
Olimpo. — Não, os outros já tão com as mãos cheias. Pra que estressá-los com mais isso? Nós três
damos conta de um bando de inimigos das antigas, né não?
— É, acho que sim... — Donald concordou à medida que os três caminhavam pela avenida,
banhados pela luz do sol poente.
Pateta, no entanto, não estava convencido.
— Mas aquilo que o Bafo disse não incomodou vocês?
— Sobre a caixa preta? — perguntou Donald. Aparentemente, Malévola e Bafo estavam
procurando alguma coisa.
— Qual é, é do Bafo que a gente tá falando. Ou seja, provavelmente não é nada demais.
— Sei não... — Pateta não parecia pronto para esquecer do assunto, mas então, assim que o
trio chegou à base da colina, um bonde passou assobiando por eles.
— Ah, da hora! Os bondes ainda tão por aqui.
Sora saiu correndo atrás dele, muito para o desagrado de Donald.
— Sora, não faz tanto tempo assim.
— Mas parece que faz — disse Sora, incerto.
Para ele, parecia algo de muito tempo atrás. Muito, muito tempo atrás — mas também, ao
mesmo tempo, não parecia algo tão distante. Foi quando Pateta disse:
— Talvez você esteja sentindo o que o Roxas sente, porque ele sente falta de casa.
Ah, verdade. Esse sentimento deve pertencer ao Roxas no meu coração.
— Na verdade, eu encontrei com o Roxas nos Mundos Adormecidos — respondeu Sora.
“Mas tinha mesmo que ser você.”
Ele se lembrava do que Roxas lhe havia dito.
— Foi como... ver dentro do coração dele pela primeira vez.
Sora sentira tantas emoções do Roxas em seu coração — tanto remorso. Donald e Pateta
também tinham algumas memórias dele.
— E ele também estava no digespaço.
— Aham. Foi um teste para ver se a sua versão digital estava pronta para encarar a dor que
você carregava dentro de si.
— E eu estava? — perguntou Sora enquanto abria as mãos devagar e olhava para as palmas.
— Eu entendo de dor. Quando eu perdi o Riku e a Kairi, e depois, quando perdi a Keyblade e vocês
tiveram que continuar sem mim... não ter ninguém a quem recorrer foi o pior tipo de dor. Mas isso
só mostra o quanto vocês importam pra mim. Carregar uma dorzinha não pode ser tão ruim. Dor faz
parte de se importar.
Sora olhou para os amigos enquanto Donald e Pateta trocavam um olhar.
— Ele parece até o Digi-Sora falando.
— É claro. Qualquer Sora ainda é o Sora.
Os dois abriram um sorriso.
— Mas calma... se o Roxas tá sentindo alguma coisa, então a gente tá no lugar certo. Roxas,
eu vou te encontrar! — exclamou Sora, renovando sua promessa.
Mas então...
“Tu buscas o nosso senhor?”
Sora ouviu uma voz estranha e, em meio a um suspiro, se virou.
— Nobodies! — Ele empunhou a Keyblade para enfrentar as criaturas brancas que vinham
se remexendo em sua direção e a batalha que se seguiu foi rápida.
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Essa voz... era mesmo uma voz? Parecia mais alguém falando na minha cabeça.
— Sora! Não é hora de ficar dormindo acordado! — grasnou Donald, irritadiço, enquanto
disparava suas magias.
— Desculpa!
— Cuidado, Sora!
Pateta rebateu os Nobodies com seu escudo. Sora assentiu e então se lançou contra o último,
atacando-o com sua Keyblade. Mas isso ainda tá me incomodando...
— Hmm... O que foi aquela voz? Tenho certeza que eu escutei. — A luta podia ter acabado,
mas Sora ainda estava intrigado.
Donald e Pateta olharam um para o outro.
— Eu não escutei.
— Tem certeza que não foi o vento? Ou alguma outra coisa?
Sora parecia perdido em pensamentos.
— Absoluta...
De repente, eles ouviram mais vozes — e essas com certeza eram reais:
— De onde foi que eles vieram?!
— Deixa o picolé pra depois!
— O quê? Calma aí!
Sora ergueu a cabeça — ele conhecia esses caras!
— Viram? Vozes! — disse enquanto os dois amigos o fitavam com olhos preocupados. Mas
ele logo percebeu que as vozes não eram a mesma de antes e então se virou. — ...São outras?
Hayner, Pence e Olette estavam correndo em sua direção com um amontoado de Heartless
logo atrás deles.
— Ooopa! Sora! Oi, até mais — gritou Hayner enquanto passava correndo pelo trio, seguido
de perto pelos outros dois.
Sora se posicionou no caminho dos Heartless e gritou para eles:
— Vão! A gente cuida disso.
Donald e Pateta também se prepararam para a luta. Nobodies e agora Heartless?
A horda de Sombras se solidificou numa corrente negra que se lançou contra os três.
Sora bloqueou a investida com sua Keyblade, mas a força quase o jogou longe. Os Heartless
usaram essa oportunidade para se virarem abruptamente em outra direção, mas Donald tinha uma
magia esperando por eles.
Com a horda atordoada, Sora e Pateta rapidamente partiram para cima e a dispersaram. Após
repetirem o processo mais algumas vezes, os Heartless logo foram eliminados.
— Bela luta! Valeu, Sora — disse Hayner. Seus dois amigos também estavam com ele.
— Hayner, Pence, Olette! — exclamou Sora. — Já faz um tempão!
— O quê? Não faz tanto tempo assim. — Hayner deu de ombros.
Sério? Mas pra mim parece que faz uma eternidade, pensou Sora.
— Donald! Pateta! Como vocês estão? — disse Olette, com um sorriso.
— Estamos bem — respondeu Donald.
— Como vai, Olette? — disse Pateta.
Pence se enfiou no meio da conversa, vidrado.
— Então quer dizer que tem treta doida rolando de novo?
— Tá brincando, Pence? Quando foi que você já viu um tornado de borrões negros antes?
Isso não é doido. É sem precedentes! — exclamou Hayner, também empolgado.
— Hmm, acho que sim. As criaturas da última vez eram bem brancas. Essas coisas devem
ser novas. Cara, mal posso esperar pra investigar! — Aquilo certamente despertara o interesse de
Pence. Os tais “borrões negros” provavelmente se tratavam dos Heartless, enquanto que as coisas
“bem brancas” deviam ser os Nobodies.
— A gente já terminou o projeto da escola, bobinho — repreendeu Olette, voltando-se então
para Sora e seus amigos. — Seja lá o que estiver acontecendo, vocês não estariam aqui sem um bom
motivo. Que é?
— Bom, na real, estamos procurando pelo Roxas — respondeu Sora.
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— Roxas? — repetiu Olette.
Hayner parou para pensar por um momento.
— Engraçado... eu não conheço nenhum Roxas, mas o nome me parece familiar.
— Talvez a gente tenha topado com ele em algum lugar — propôs Pence.
— Hã... é um jeito de interpretar.
Enquanto Donald pensava em como explicar a situação, Pateta começou a vasculhar o bolso,
de onde tirou uma foto.
— Na verdade, ele pode ter sido amigo de outra versão de vocês,
Ele a mostrou para os outros — a foto exibia Hayner, Pence, Olette e Roxas na frente da
mansão assombrada.
— Essa foto... — murmurou Olette.
— Sim — acrescentou Pence. — Nós temos uma igual.
A foto que ele tirou do bolso era idêntica — exceto pelo fato de que Roxas não estava nela.
Foi o suficiente para que Hayner juntasse dois e dois.
— Ah, é! A outra Twilight Town!
Hayner e seus amigos haviam ajudado Sora e Mickey a chegarem em outra versão Twilight
Town usando o computador da mansão antiga — um digespaço onde Roxas fora colocado para
dormir. Pence teve a mesma ideia:
— Parece até aqueles jogos dos sete erros... só que um bem fácil. Acho que naquela cidade,
nós somos amigos desse tal de “Roxas”.
— Sora, deixa a gente te ajudar a encontrar o Roxas — sugeriu Hayner enquanto Pence e
Olette assentiam, de acordo. — Ele parece um cara legal — acrescentou ele, olhando para a foto
com um sorriso no rosto.
— Sim. Ele é — concordou Sora, feliz.
— Beleza. Então vamos todos perguntar pela cidade. Se as nossas outras versões conheciam
o Roxas, então talvez as dos outros cidadãos também conhecessem — Pence rapidamente sugeriu a
Hayner e Olette.
— Aham. Sora, vocês três deviam ir a esse lugar na foto. É a mansão antiga. Nós três
cuidamos da cidade — disse Olette.
— Obrigado — respondeu Sora, em meio a um sorriso. — Ah, é!
Lembrando-se de outra coisa, ele revirou o bolso.
— Eu ganhei um telefone ou sei lá o quê que tira fotos. Querem tirar uma enquanto estamos
todos aqui? — disse, pegando o Gummifone.
Pateta tirou a foto, que no fim acabou sendo uma bem boba de Sora, Hayner, Pence e Olette,
com um Donald bem mal-humorado no meio. Mas Sora ainda achava que seria uma ótima forma de
se lembrar da visita.
— Beleza, é melhor começarmos a perguntar por aqui — disse Hayner. — Vocês vão lá dar
uma olhada na mansão. A gente se vê.
— Tá certo — respondeu Sora.
Com isso, o trio partiu em direção à mansão.

A mansão antiga ficava além de um canal subterrâneo nos arredores da cidade — e havia
Heartless por toda parte. Sora e seus amigos tiveram que lutar para abrir caminho por eles, até que
finalmente saíram em meio ao bosque.
— As coisas tão um pouco diferentes que da última vez.
— Sério?
Sora havia acordado naquela cidade, mas mesmo quando partiu em sua jornada logo na
sequência, se sentiu cheio de nostalgia. Algum tempo depois, voltou para encontrar a outra Twilight
Town com a ajuda de Hayner, Pence e Olette.
Tudo naquele lugar fazia Sora se lembrar de Roxas.

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É tudo tão familiar aqui — e não acho que seja só porque o Roxas esteve na outra Twilight
Town. Acho que ele também esteve nessa versão. Talvez.
— Hã?
Pateta parou diante de uma série de frutas espalhadas pelo chão e recolheu uma delas.
— O que é isso? — Sora também pegou uma.
— Wak!
— Heartless! — Pateta rapidamente empunhou seu escudo, mas as criaturas se lançaram
para o alto das árvores mais adiante. Estavam caçando outra pessoa.
— O que vocês acham que eles tão tramando?
Um olhar mais profundo revelou que os Heartless haviam cercado um pequeno rato cinza.
— Essa não!
— Vamos ajudar!
— Vamos!
O trio partiu para cima dos Heartless com as armas em riste. Os inimigos, embora pequenos,
eram extremamente ágeis nas árvores, o que os tornava uma verdadeira dor de cabeça — mas ainda
não eram páreos para os heróis.
Uma vez que os Heartless foram eliminados, o ratinho saiu às pressas de seu esconderijo e
se curvou em agradecimento.
— Bom, se cuida — disse Sora, e tinha acabado de dar meia-volta para ir embora quando
seu corpo começou a se mexer sozinho. — O-O que tá...?!
— Você tá bem? — Donald o ficou observando, curioso.
Pateta notou que o rato de antes estava agora em cima de Sora, puxando seu cabelo.
— Olha! O baixinho subiu na sua cabeça!
— Hãããã?
O roedor puxou o cabelo de Sora de novo para fazê-lo pegar uma das frutas jogadas no chão.
— Entendi, ele provavelmente quer que você recolha as frutas pra ele — disse Pateta, e o
rato assentiu, ainda empoleirado na cabeça de Sora.
— Tá, tá bom — resmungou Sora. — Mas eu posso fazer isso sozinho.
O rato finalmente desceu de cima dele.
Havia laranjas, maçãs e várias outras frutas com cheiros deliciosos ali. Quando Sora, Donald
e Pateta recolheram todas, o rato sacudiu a cabeça alegremente.
— Mas o que você vai fazer com tudo isso, afinal? — perguntou Sora.
O rato começou a fazer uma espécie de mímica com as patas, mas Sora não fazia ideia do
que ele queria dizer. Donald e Pateta também trocaram um olhar confuso.
O baixinho pareceu decepcionado por eles não terem entendido.
— Bom, beleza. Toma cuidado enquanto volta pra casa — disse Sora, seguindo em frente.
Eles agora finalmente podiam ir para a mansão antiga.
— Tchau, tchau!
— A gente se vê!
O rato os observou partirem e então se virou para seu monte de frutas.

Enquanto isso, Sora, Donald e Pateta finalmente chegaram à mansão. O portão não estava
trancado. Erguendo o olhar, Sora pensou ver uma das cortinas se mexer.
Quem tá ali? Quem é que fica naquele quarto lá em cima? Não consigo me lembrar.
— O que vocês acham, pessoal? Esse lugar é ainda mais assustador que eu me lembrava —
comentou ele. Pateta concordou.
— Bom, dizem que essa mansão é assombrada.
Foi quando uma mão tocou o ombro de Sora.
— E aí?
— Ahh!

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— Wak!
— Ahh-hoo-hoo-hooey!
Sora, Donald e Pateta gritaram todos em uníssono.
No fim, a mão pertencia a Hayner.
— Valeu pelo ataque cardíaco! — gritou Sora.
— Que foi? Assustei vocês, foi? — provocou Hayner.
A sugestão por si só irritou Donald.
— De jeito nenhum!
Depois que Olette acalmou um pouco as coisas, Sora e seus amigos perguntaram como tinha
sido a investigação de Hayner. Infelizmente, eles não conseguiram encontrar ninguém na cidade
que conhecesse Roxas. A mansão antiga era a única pista que lhes restava, então lá estavam eles.
— Estão prontos? — perguntou Olette.
— A outra Twilight Town espera! — declarou Pence.
Sora ergueu o olhar para a mansão e assentiu.
Lá dentro, o lugar estava tão empoeirado quanto sempre. Eles subiram as escadas e viraram
à direita até a biblioteca no final do corredor. Como já era de se esperar, as escadas que levavam à
sala do computador subterrânea continuavam lá.
Pence correu até o computador e se sentou diante dele. Como de costume, nada no monitor
fazia o menor sentido para Sora, mas ele ao menos podia ver que a coisa toda funcionava. De toda
forma, Pence também cuidara dessas coisas tecnológicas da última vez.
— A senha era... hã, “picolé de sal marinho”, né? — Pence murmurou consigo mesmo
enquanto digitava o código. — Beleza, tô dentro. Vamos ativar o teletransporte...
Mas a sorte não estava ao lado deles — um texto vermelho de erro começou a brilhar no
monitor, com um alerta sonoro tocando. Pence tentou várias vezes, sem sorte.
— Puxa vida. O teletransporte tá bloqueado.
— Bloqueado do quê? — Sora olhou para as mãos de Pence.
— De nós, eu acho? Não podemos usá-lo para irmos pra outra Twilight Town.
— Por que não? Funcionou antes! A gente mandou o Sora pra lá! — pressionou Hayner.
— E não tem outra forma? — perguntou Olette, desanimada.
E se a gente nunca encontrar um jeito de chegar até o Roxas? Sora fitou o texto indecifrável
apresentado pelo monitor com um olhar de profunda tristeza no rosto.
De repente, o Gummifone em seu bolso começou a tocar, recebendo uma chamada. Ele
apertou o botão verde novamente e era Ienzo.
— Olá, Sora — disse Ienzo. — Você por acaso está em frente a um computador?
— Hã? Bom... sim. Mas como você sabe? — perguntou ele.
— Eu estava mexendo no computador de Ansem... você sabe, para desencriptar o código
que foi deixado por ele. E então notei que alguém havia logado em outro terminal. Imaginei que
podia ser você.
— Ah! Sim, o login no terminal. — Sora imaginou que seria melhor só concordar com o que
quer que Ienzo estivesse dizendo.
— Você nem sabe do que ele tá falando — interrompeu Donald.
Sora se inclinou perto dele.
— Ah, e você sabe? — retrucou ele.
— Eu sei que eu não faço ideia — Pateta disse brincando mais ao lado.
Ienzo percebeu que aquilo não ia dar em nada e deu uma risada.
— Então, hã... quem fez o login? — perguntou.
— Ah, oi. Aqui é o Pence! — exclamou Pence, e Sora virou o Gummifone para ele. — Fui
eu que loguei no computador.
— Bom. Ao menos é um usuário que sabemos que podemos confiar.
Ienzo parecia aliviado por finalmente entender qual era a situação, principalmente porque
Sora e seu grupo de sempre não eram exatamente os mais indicados para a tarefa.
— Sim. Mas eu tô meio travado aqui. Um dos programas tá bloqueado, então... eu não
consigo fazer rodar.
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— Qual programa?
Hayner se meteu na conversa.
— O teletransporte pra outra Twilight Town! E é o único jeito de encontrarmos o Roxas.
Você tem que nos ajudar!
— Outra Twilight Town? E um “teletransporte”? Certo... uma cidade virtual dentro do
computador, feita de dados.
O Grilo rapidamente jogou a cabeça em cima do ombro de Sora.
— Um digespaço! — exclamou. — Pessoal...
— Aham, a gente já viu um. Foi o que usamos uma vez para investigar o diário do Grilo —
respondeu Pateta, assentindo.
Embora Sora não tivesse chegado de fato a entrar no digespaço, haviam lhe contado sobre a
outra versão de si mesmo e sobre sua aventura com Donald e Pateta.
— Talvez eu possa fazer alguma coisa. Pence, vamos fazer uma rede. Meu endereço de IP
aqui é... — Pence começou a digitar enquanto Ienzo lhe dava instruções através do Gummifone.
O olhar de Sora pareceu se perder no vazio enquanto observava Pence fazer... o que quer
que estivesse fazendo.
— Pronto, o compartilhamento está habilitado.
As palavras o fizeram despertar de seu devaneio bem quando o tédio estava começando a
tomar conta de si.
— Hã? Conseguiram consertar?
— Agora que os nossos dois computadores entraram em rede com êxito, eu posso assumir o
controle do terminal aí e alterar os privilégios...
Mas Sora tinha apenas uma coisa em mente.
— E o Roxas?
— Sim. Para que o mundo virtual pudesse ser completamente gerado, Ansem, o Sábio, teria
que ter incluído todos os dados do Roxas no construto. O que significa que, em algum lugar da sua
máquina, há um registro dos dados que... — Ienzo parou de falar por um momento e deu de ombros.
— Hã... basicamente, poderemos decifrar o Código de Ansem mais depressa e analisar a Twilight
Town virtual ao mesmo tempo.
— Certo. Ótimo! Eu não manjo de computador, então... façam isso!
Ienzo sorriu frente ao entusiasmo de Sora.
— Que bom que está acompanhando. Não se preocupe, nós cuidaremos disso. Tico e Teco
também me ajudarão deste lado. Eu ligo de volta assim que soubermos de mais alguma coisa —
disse ele, encerrando a conversa.
— Valeu.
Ienzo estava prestes a desligar quando se lembrou de uma última coisa:
— Ah, antes que eu me esqueça... tenho uma notícia preocupante. É sobre um dos antigos
membros da Organização. Vocês o conheceram como Vexen.... mas para nós, ele era Even, um dos
aprendizes de Ansem.
Vexen... não me lembro do nome. Será que não é um dos membros da Organização que eu
nunca conheci?
— Ele foi recompletado como o resto de nós, mas ainda não havia recobrado a consciência.
Então, algum tempo depois de Lea partir, Even desapareceu. Aeleus e Dilan, os dois que vocês
conheciam como Lexaeus e Xaldin... eles saíram para procurar por ele, mas... ele simplesmente
sumiu. E estou começando a ficar preocupado.
— Você acha que ele tá do lado deles? — perguntou Sora. Agora ele estava começando a ter
um mal pressentimento.
— Acho que é uma possibilidade bastante real. Ele é um pesquisador ardiloso. É melhor
tomarem cuidado.
— Beleza. Obrigado — respondeu Sora, encerrando a ligação.
— Essa não! A gente tem que ir trabalhar! Tinha esquecido completamente — exclamou
Hayner em meio a um pânico súbito, dando meia-volta para ir embora.
— Sério? Mas e quanto a tudo isso? — indagou Pence, frustrado.
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— Ei, as duas coisas são importantes. A gente precisa de grana pra ir pra praia. Ah, e não
podemos esquecer dos biscoitos de polvilho. Temos que comprar quatro agora.
Pence inclinou a cabeça por um instante quando Hayner disse “quatro”, mas logo entendeu a
quem ele estava se referindo.
— Ahh. Saquei.
O quarto biscoito seria para Roxas.
— Ele já tá pensando lá na frente. — Olette sorriu para Pence.
— Tá, e como eu tô cuidando do computador aqui, vocês vão ter que juntar a minha parte.
— Sem biscoito pro Pence.
— Ei!
Sora e os outros caíram na gargalhada frente ao jeitão como o outro trio interagia.
— Então podemos deixar as coisas aqui com você? — perguntou Sora.
— Claro, sem problema! — respondeu Pence, cheio de energia, e então Sora, Donald e
Pateta também deixaram a sala do computador.

— Computadores são mesmo demais — murmurou Sora.


— Sim, a gente não sabe nada sobre ele — concordou Pateta.
— Que bom que temos o Pence aqui pra ajudar!
— Pois é — disse Donald enquanto os três saíam da mansão.
Tá tão claro aqui fora. Como foi a sensação da última vez que a gente saiu desse lugar?
Sora, Donald e Pateta se aproximaram do portão.
— Então você acha que pode trazer o Roxas de volta? — disse uma voz atrás deles. E a voz
pertencia a ninguém menos que...
— Ansem!
Ansem estava recostado no portão, observando-os. Um Corredor das Trevas se abriu a seu
lado e alguém saiu de dentro dele.
— Xemnas!
— O Roxas nunca devia nem sequer ter existido. O que você busca é impossível. — Xemnas
estava sendo enigmático, mas não havia como negar sua intenção maliciosa.
— O Roxas existe sim — protestou Sora. — O coração dele tá dentro do meu.
O Roxas nunca vai desaparecer. Não enquanto for parte de mim.
— E no improvável evento de que vocês consigam separar os dois, — respondeu Xemnas —
onde você acha que poderá colocar o coração dele?
— Bom... o Roxas costumava viver na outra Twilight Town, né? Então é só a gente colocar
ele de volta lá.
— Você sequer percebe o que está dizendo? A outra Twilight Town é feita apenas de dados
— interrompeu Ansem.
— Um coração pode viver em qualquer lugar. Mesmo dentro de dados. Existem corações a
toda a nossa volta — declarou Sora, encarando-os com um olhar furioso.
— O Ansem e o Xemnas costumavam fazer parte da mesma pessoa, certo? — ponderou
Pateta. — Mas vejam. Eles agora existem separadamente bem de boa. Se eles conseguem, não vejo
nenhum motivo para que você o Roxas não possam encontrar um jeito.
— Ah... é isso aí! — Sora fez uma pose triunfante.
Donald não conseguiu resistir e também o ovacionou:
— É! Fala pra eles, Capitão Pateta!
Sora e Donald voltaram a encarar Xemnas e Ansem.
— Neste caso, fiquem à vontade — disse Ansem.
— Nada nos agradaria mais que o retorno de Roxas, é claro — prosseguiu Xemnas.
— Você bem que queria. Ele nunca vai responder a você de novo!

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Eles podiam pensar o que quisessem. Roxas não ia mais ser um peão nos seus joguinhos,
Sora tinha certeza — não enquanto Roxas tivesse seus amigos. Não enquanto tivesse seus laços.
Inabalável, Xemnas apontou para Sora.
— Ainda tão cego. Um Nobody é o que fica para trás quando uma pessoa entrega seu
coração para as trevas. Há apenas uma forma de trazer Roxas de volta, que seria se você também
abrisse mão do seu coração. Sora, você finalmente decidiu se entregar à escuridão? — perguntou.
— O quê? — Sora mordeu o lábio, incapaz de encontrar uma resposta.
Ele tá certo? Será que eu não posso trazer o Roxas de volta sem entregar o meu coração à
escuridão? Mas... tem que ter outro jeito.
— Prossiga, então. As sombras nunca estão fora de alcance — zombou Ansem e, logo em
seguida, vários Heartless apareceram em volta de Sora, cercando-o por todos os lados.
Ao mesmo tempo, Xemnas invocou uma série de Nobodies com um balançar de seu braço.
— Agora, liberte o seu coração — disseram os dois vilões em uníssono, partindo por um
Corredor das Trevas.
— Espera! — Sora correu atrás dele, mas foi detido por Pateta, que gritou seu nome:
— Sora!
Os dois amigos também estavam cercador por Heartless e Nobodies. Sora parou e empunhou
a Keyblade, pronto para a ação.
— Não é escuridão. Não se ajudar ele!
Sora se lançou em mais uma batalha, mas seus pensamentos estavam longe enquanto ele
atacava com sua Keyblade.
Eu não preciso do poder da escuridão para lutar e sei que também posso restaurar o Roxas
sem ter que recorrer a ele. Tanto o Roxas quanto a Naminé. Não preciso me preocupar com um
receptáculo para os corações deles.
O mais importante agora é...
Sora respirou fundo, fazendo a Keyblade desaparecer após a batalha chegar ao fim.
— O H disse... Ele disse “de todo o meu coração” — disse Sora, a voz suave. Hércules havia
mencionado um desejo de ajudar alguém. — Beleza. Então que seja de todo o meu coração. Eu vou
tirar o Roxas de lá.
Ele se voltou para seus amigos.
— Vocês tão comigo, Donald? Pateta?
— Pode apostar! — disseram os dois em meio a um sorriso.
— Não sei o que o Ansem e o Xemnas querem, mas acho que é melhor falarmos pros outros
tomarem cuidado.
A mansão era um lugar importante agora e não havia como saber que tipo de problema isso
poderia trazer para a cidade.
Com isso, os três amigos seguiram de volta para a área mais povoada, só para garantir.

Assim que Sora, Donald e Pateta voltaram à praça do bonde, o trio foi recebido por uma voz
bastante familiar:
— Ora, com mil gaitas de fole! Foram mesmo vocês que resgataram o meu chef.
— Wak! É o Tio Patinhas! — grasnou Donald assim que notou quem estava falando. Era de
fato Patinhas McPato, usando sua costumeira cartola e carregando consigo sua costumeira bengala
junto a uma caixa branca.
— Calma... ele não vendia picolé em Hollow Bastion? — perguntou Sora, confuso.
— Isso mesmo — respondeu Pateta. — Mas o Tio Patinhas aqui é o que se pode chamar de
um viajante do mundo.
— Como vai o senhor, Tio Patinhas? — disse Sora, correndo até o pato mais velho.
— Ah! Olá, Sora! Está parecendo forte como um cavalo. Ouvi dizer que estava em outra
grande aventura com esses dois. Espero que o Donald não esteja perturbando muito.

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— Pra que dizer isso?
Patinhas estava a ponto de envergonhá-lo ainda mais com o assunto, mas, felizmente, Pateta
interveio e perguntou:
— Então, Tio Patinhas, o que o senhor estava dizendo sobre um chef?
— Ah! Verdade, verdade. O chef do meu bistrô aqui queria demonstrar seu apreço, então fez
isso para vocês. — Patinhas entregou a caixa branca nas mãos de Sora, que logo a abriu.
— Uau, um bolo! — Dentro havia uma espécie de bolo coberto de frutas. — Mas calma, o
bolo inteiro? É pra gente? — perguntou Sora, mas Patinhas estava olhando para cima.
— Tá bom, acalme-se... O chef quer que vocês saibam que não é um bolo, mas uma tarte
aux fruits. — Patinhas tirou a cartola para revelar o pequeno rato de antes sentado em sua cabeça.
— Pra que ficar embaixo da cartola? Deixem-me apresentar-lhes... o Mini Chef.
O rato pulou sobre a cartola nas mãos de Patinhas.
— Tio Patinhas, o senhor abriu um bistrô em Twilight Town? — perguntou Donald.
— Isso mesmo. Tudo começou um tempinho atrás, quando eu provei uma das melhores
refeições da minha vida. E quando pedi para falar com o chef, conheci esse gênio aqui — explicou
Patinhas. O rato em questão, Remy, estufou o peito, orgulhoso. — No fim das contas, ele queria
expandir seus horizontes culinários. Então eu pensei: esta é uma grande oportunidade. E aí eu
financiei toda a operação.
Quem imaginaria que um roedorzinho como aquele podia cozinhar? A torta de frutas parecia
deliciosa — talvez pudessem comê-la quando precisassem de um pouco mais de energia.
— Ei! Pessoal!
— Hayner! Olette! — exclamou Sora. Seus dois amigos de Twilight Town vieram correndo
para se juntar a eles.
— Oi, chefe. Já acabamos com os pôsteres — Hayner comunicou a Patinhas. Seu trabalho
de meio período aparentemente era colocar anúncios pela cidade.
Olette mostrou um dos pôsteres para Sora, Donald e Pateta.
— O Sr. McPato está dando um festival de filmes a céu aberto na praça. Bem legal, né?
Sora não fazia ideia que faziam coisas assim na cidade. Patinhas era mesmo um especialista
para encontrar oportunidades de negócios em qualquer lugar.
— Proporcione um pouco de entretenimento e então dê às pessoas um lugarzinho gostoso e
confortável para relaxar. Como o meu bistrô aqui. Todos ficarão felizes, com fome e prontos para
gastar seu dinheiro — disse Patinhas com um sorriso avarento.
— Poxa, ele é mesmo esperto. Sempre me perguntei como ele faz para os clientes voltarem
aos seus negócios de novo e de novo.
— Pois é, eu não sou nenhum empresário, mas pode ter certeza que não ia querer ser um dos
competidores do Tio Patinhas.
Todos deram uma risadinha da admiração aberta de Pateta e Sora, mas Sora logo voltou a
ficar sério.
— Ah! Verdade. Preciso avisar vocês.
— Do quê? — perguntou Hayner, a voz mansa.
— Bom, aquelas coisas esquisitas podem voltar pra mais, então fiquem de olhos abertos.
— Claro, mas não vamos ter vocês pra cuidar deles pra gente?
Hayner estava rindo, mas Olette parecia preocupada.
— Vocês terão que partir de novo?
— Sim — disse Sora, assentindo. Nós temos que ir... mas vamos voltar. — Desculpa. Só me
façam um favor...
— Bom, o que é? Só não pede nada muito complicado — alertou Hayner, dando de ombros.
— Eu sei como o Roxas se sente. Estar perdido. Mas o Donald e o Pateta... a Kairi... me
trouxeram de volta desejando de todo o coração. Então... eu esperava que vocês três pudessem fazer
o mesmo e desejassem pelo Roxas.
— O quê? É só isso? Isso não é um favor. Nós todos vamos desejar. Eu já tô desejando.
Hayner sorriu e Olette assentiu.
— Sim! Eu e o Pence também!
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— Obrigado — disse Sora com um sorriso suave.
É isso aí. Se você quer desejar que alguém volte, uma pessoa não é o suficiente. Você
precisa que todos desejem com tudo de si.
Tenho certeza que nós podemos trazer o Roxas de volta. Absoluta.

Enquanto isso — duas figuras encobertas pelas sombras observavam Sora e seus amigos
com olhares frios e duros do terraço de um prédio com vista para o bistrô: Ansem e Xemnas.
Pouco depois, Xigbar emergiu de um Corredor das Trevas atrás deles.
— Cês não tão deixando tudo um pouco óbvio demais? — disse.
— Fomos instruídos a guiá-lo — respondeu Xemnas.
— Sim... Olhe para eles — concordou Ansem, ainda assistindo a cena. — Não chegariam
muito longe se não déssemos tudo mastigado para eles.
— Faz sentido. Mas não vamos esquecer quantas vezes o Sora ainda conseguiu cortar o
nosso barato. — Xigbar ainda tinha suas dúvidas. Todo cuidado era pouco.
A boca de Ansem deu lugar a um sorriso.
— Se ele se desviar do caminho que fizemos para ele, nós o destruímos.
— Mas nesse casso... vamos ter que achar outro receptáculo. — Xigbar deu risada. Outro
receptáculo, disse, como se não fosse nada. Só uma peça do seu grande e ambicioso plano.
— É por isso que nunca temos apenas um plano de ação — respondeu Xemnas, sem rodeios.
Os três voltaram a observar o grupo sorridente lá embaixo.

***

Interlúdio: CA RTA

Peço desculpas ter partido sem nem me despedir. O Mestre Yen Sid contou? Estou treinando
para me tornar uma portadora da Keyblade como você. Isso mesmo. Chega de esperar você voltar
das suas aventuras. Quero ir lá fora e fazer minha parte para ajudar.
O Merlin usou sua magia para nos trazer a um lugar onde o tempo não importa. Nós
podemos demorar tanto quanto precisarmos para concluir o nosso treinamento. Ele é um mago
incrível. Ah, e quando digo “nós”, me refiro a mim e ao Lea. Ele se lamenta muito por todos os
problemas que causou. Eu disse que está tudo bem, mas ele não para de se desculpar. Admito que
tive um pouco de medo dele no início, mas agora eu o conheci melhor. Só o que ele queria era
ajudar seu amigo. Francamente, é difícil não gostar dele.
Vez ou outra, eu o pego olhando para mim. Quando pergunto qual é o problema, ele diz que
não tem certeza. Que acha que está esquecendo alguma coisa, mas não sabe o quê. Sora, acho que
pode ter algo a ver com você. A sua jornada se resume em ajudar as pessoas: algumas que você
nunca nem conheceu e outras como o Lea, que você conhece. Todas estão contando com você. Não
será fácil, mas eu espero que você continue o Sora feliz e animado que eu conheço. Não há coração
que o seu sorriso não possa alcançar.

Kairi estava escrevendo uma carta para Sora.


Ela sempre ia até aquela colina para assistir ao pôr do sol depois de terminar o treino do dia.
Às vezes, Axel — Lea — se juntava a ela, mas às vezes não. Naquele dia, ela sentiu alguém se
aproximando atrás dela e então se virou.
— Qual o problema?
Lea parecia um pouco cabisbaixo e coçou a cabeça.
— Nada, desculpa.
— Lea... Você tá fazendo de novo.
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Ele estava sempre se desculpando — a essa altura, já havia quase se tornado um hábito. Ela
lhe dissera que não precisava ficar se desculpando tanto, mas ele continuava fazendo. Lhe passara
pela cabeça a ideia de que talvez estivesse se desculpando por mais que só o que fizera a ela como
Axel no passado.
Às vezes — eu me pergunto se algumas dessas desculpas não são direcionadas a alguma
outra pessoa.
— Ah, desculpa.
Kairi não conseguiu evitar um sorriso, mesmo com ele fazendo ainda mais uma vez. Lea se
sentou numa pedra um pouco mais ao lado e ela então voltou a escrever.
— Uma carta? — perguntou ele.
— Sim.
— Pro Sora?
— Hmm, tecnicamente sim. Mas eu não vou enviar. É mais pra mim.
Uma carta que ela não planejava enviar — e não era a primeira. Ela também não esperava
que ele fosse receber a outra. Pensando em você, onde quer que esteja...
— Peça ao Merlin. Ele entrega pra você.
— Sim, mas não precisa. Eu só gosto de falar com o Sora, mesmo que seja por papel.
— Então tá — disse Lea, observando o rosto de Kairi o tempo todo. Ele sempre fazia isso.
Lea não parecia o tipo de pessoa que encarava os outros, mas, quando estavam juntos, ele
não conseguia tirar os olhos dela por algum motivo. De alguma forma, Kairi sabia que ele precisava
disso, que fazia parte de todo um processo para ajudá-lo a recuperar uma memória importante.
— Ah — arfou Lea antes de pegar dois picolés azuis. Eram picolés de sal marinho, para ser
preciso. Ele ofereceu um a Kairi. — Aqui.
— Picolé? Sério?
— Sim, eu pedi ao Merlin pra trazer pra gente. Cê sabe, nós dois conseguimos invocar as
nossas Keyblades. Temos que comemorar.
— Você é um doce, Lea.
Quando Kairi começou a tomar seu picolé, ele olhou para ela novamente, mas, dessa vez,
parecia um pouco mais feliz.
— O quê? — perguntou ela, confusa.
Lea desviou o olhar, acanhado.
— N-Não é nada, eu só...
— Está tentando se lembrar do que esqueceu?
— Bom, eu, hã... É... sim. — Frustrado, ele se voltou de novo para o pôr do sol, talvez se
lembrando de alguma coisa. Alguma coisa profundamente importante para ele.
— Então é amanhã... você e eu vamos à luta. Tá pronto? — perguntou Kairi, balançando seu
picolé de sal marinho como se fosse uma Keyblade, mas Lea continuava com os olhos voltados para
o sol. Não havia como saber o que se passava em sua cabeça.
Houve uma pontada de melancolia em sua voz quando ele respondeu:
— É claro.
— Não hesite, Lea. Promete? — disse Kairi.
Ela não tinha a menor dúvida de que Lea — Axel — era o melhor lutador entre eles.
Lea virou para ela e congelou, os olhos arregalados. O picolé de sal marinho escorregou de
sua mão e então lágrimas silenciosas escorreram por suas bochechas.
— Hã? Você tá bem? Lea! — Assustada, Kairi correu até ele. Ela nunca vira um homem
mais velho que ela chorar desse jeito antes. Ou pelo menos não tanto assim.
— Sim... Desculpa...
— Você tá chorando. Qual o problema?
Lea esfregou os olhos e se levantou, um sorriso acanhado se formando em seus lábios.
— Tava com alguma coisa nos olhos.
— Lea...
Ele deu de ombros.
— Eu... vou indo nessa. Desculpa.
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— Tá, mas para de pedir desculpa.
Lea já tinha começado a ir embora, mas parou e olhou para Kairi por mais um instante.
— Certo... mas com uma condição.
— Qual?
Ele sorriu, um sorriso um pouco maior dessa vez, e apontou um dedo para a testa.
— Me chama de Axel de agora em diante. Deu pra memorizar?
— Sim. Tá certo, Axel — respondeu Kairi em meio a um sorriso. Que seja Axel, então.
Junto aos pés de Kairi, o picolé de sal marinho caído começava a derreter junto aos trevos de
quatro folhas que ali cresciam.

***

Interlúdio: RADIANT GA RDE N

Enquanto isso, em Radiant Garden, Dilan levou Riku e Mickey ao pátio onde aparentemente
eles haviam descoberto Terranort.
— Então esse é o lugar onde a Aqua caiu no reino das trevas depois que mergulhou para
salvar o Terra? — Riku perguntou a Mickey, assimilando o cenário em volta.
— Sim, ela disse que ele estava agindo estranho.
— Estranho como, exatamente?
— Ela sentiu a escuridão dentro dele e eles acabaram se enfrentando numa grande luta.
Isso era um ponto a se pensar.
— Mais ou menos na mesma época, os guardas encontraram um estranho de cabelos brancos
caído inconsciente aqui nesta praça, um homem que dizia se chamar “Xehanort” — ponderou Riku.
— Todos os três estavam juntos, mas ele foi o único que permaneceu...
Mickey deu sequência à história, talvez tentando organizar os próprios pensamentos.
— Ansem, o Sábio, acolheu o estranho, mas foi um erro. Xehanort traiu seu mestre, roubou
sua pesquisa e, junto a seus colegas aprendizes, separou seu coração do corpo.
No final de sua primeira aventura, Sora enfrentou um homem que atendia pelo nome de
Ansem. Entretanto, seu inimigo na verdade era Xehanort, o aprendiz do verdadeiro Ansem, o Sábio,
que havia assumido seu nome. Sora derrotou o impostor na ocasião, mas por ironia do destino,
aquele não foi o fim da história.
— O coração de Xehanort assumiu o nome de seu mestre, “Ansem”, e viajou para o passado
para dar maiores orientações a seu eu mais jovem. Ele até chegou a tomar o controle de você por
algum tempo.
Riku sabia de quem Mickey estava falando: o misterioso homem de robe marrom que ele
havia encontrado pouco antes de sua primeira aventura, antes de Xehanort ser derrotado.
— Seu corpo vazio permaneceu no presente, assumiu o nome de Xemnas, e então fundou a
Organização XIII. Seu objetivo era preparar treze receptáculos para o coração de Xehanort. Até que
nós acabamos com essa Organização. Só que ao mesmo tempo, o jovem Xehanort visitou o futuro
para escolher treze receptáculos próprios: corações com laços fortes o suficiente consigo mesmo,
para formar uma nova Organização, a verdadeira Organização XIII.
Durante a segunda jornada de Sora e Riku, a Organização tentara e falhara reunir esses treze
receptáculos. Seu último oponente fora Xemnas — o Nobody de Xehanort, uma casca vazia deixada
para trás após seu coração cair nas trevas.
— E eles agora estão querendo lutar conosco. Mas o que aconteceu com o Terra? Achei que
você tinha dito que a Aqua o salvou. — Riku tentava refletir sobre os fatos que tinham ocorrido até
então. Foi aqui onde o Terra desapareceu...? Alguma coisa não encaixava.
— Sim, ela o salvou. O problema foi que nós não notamos. — Mickey também havia notado
o problema, mas estava começando a encaixar as peças. — Você lembra do final do teste da Marca

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da Maestria, quando Mestre Xehanort fez seu grande retorno? Aquele é o Xehanort que eu me
lembro. Ele já era um sujeito bem velho naquela época.
Ah, eu me lembro. O velho careca — ele dava medo.
— Mas como você explica o Ansem e o Xemnas, seu Heartless e seu Nobody? — continuou
o rei. — Não acha que é estranho como eles parecem jovens? Por que eles não são velhos? É porque
Xehanort estava usando um corpo diferente quando houve a divisão. Aquele rosto do quadro que eu
mencionei... não era só um estranho que Ansem, o Sábio, acolheu sob suas asas. Era o jovem cujo
corpo Xehanort havia possuído.
Riku entendeu o que Mickey estava tentando dizer.
— Não pode ser! Aquele era o Terra? Então o Mestre Xehanort estava usando o Terra?
Mickey começou a falar mais rápido, conforme as peças foram todas se encaixando:
— Sim. Mestre Xehanort nos disse que “outro da nossa lista” pertencia a ele. Ele estava
falando do Terra. Parece que a Aqua salvou mais do que só o amigo naquele dia.
Se estivesse certo quanto a tudo isso, então isso explicava tudo — exceto por uma pergunta
que continuava sem resposta.
— Tá, mas o Mestre Xehanort voltou a ser um velho agora. Pra onde foi o corpo do Terra?
— Hmm... É porque o Mestre Xehanort está coletando receptáculos! Ele alegou ter duas das
nossas sete luzes.
Mestre Xehanort de fato dissera isso durante seu encontro nos Mundos Adormecidos — e
um dos dois que ele mencionara se tratava de Sora. Isso queria dizer...
Mickey não conseguiu esconder o choque quando chegou à conclusão:
— Nós recuperamos o Sora, mas o Terra ainda deve estar do lado de Xehanort!
Seria possível que Mestre Xehanort ainda estivesse atrás dos seus treze receptáculos? Ou já
havia encontrado todos eles?
Riku e Mickey ao menos haviam descoberto quais eram os planos do inimigo e, abrindo um
sorriso, os dois acenaram com as cabeças.

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NA TELA DA TV, UM JOVEM RAPAZ LUTAVA EM UMA CIDADE GRANDE E DES-
conhecida. Tinha cabelos prateados e olhos de cores diferentes. Tinha também dois companheiros:
um jovem de cabelos vermelhos com um chapéu e outro jovem que usava óculos.
Em meio à luta, os três abriam caminho até uma bela mulher que parecia ter sido capturada
por robôs. O garoto de cabelos prateados ergueu a mão em sua direção quando uma poderosa luz
desabrochou à sua volta e, pouco antes da ponta de seus dedos conseguirem se tocar — o título do
jogo apareceu em caixa alta na tela: VERUM REX.
Um segundo depois, a tela da TV apagou. Alguém havia pisado no controle — alguém com
um chapéu de caubói e que parecia um brinquedo. Seu nome era Woody.
— Ei, eu tava assistindo! — reclamou Rex, um dinossauro de brinquedo.
— Ah, desculpa. Mas não é hora de televisão, Rex. — Woody suspirou, voltando a andar
com um bloco nos braços.
— Tenho que dizer, aqueles Gigas são impressionantes — comentou o Porquinho, um cofre
em forma de porco.
— Sério? Eu prefiro o Yozora — respondeu Rex. Os Gigas eram os robôs do comercial de
TV que eles estavam assistindo, enquanto Yozora era o jovem de cabelos prateados.
De repente, Woody pulou em cima deles e empurrou o Porquinho e Rex no chão, como se
para protegê-los.
— Woody? Que foi? — protestou o Porquinho, mas os olhos redondos de Woody estavam
fixos na névoa negra que começava a se formar no meio do quarto. Heartless.
— Eles voltaram? — disse um brinquedo vestido como um patrulheiro espacial atrás dele.
Seu nome era Buzz.
— Certo, rapazes. Hoje, vamos mostrar a esses invasores mascarados quem é que manda.
Todos em suas posições? — perguntou Woody.
Buzz assentiu, mas Rex só olhou para o Porquinho.
— Espera, segura um pouco aí! — disparou. — Não acho que estou emocionalmente pronto!
— Quer manter a calma? Não se preocupa, eu te dou cobertura — disse o caubói, erguendo
o olhar em direção aos soldadinhos verdes à espera nas prateleiras. Ele se virou para a mesa para se
certificar de que os homenzinhos verdes de três olhos perto do globo também estavam bem.
— Está na hora — Buzz disse a Woody, que assentiu.
Mas então...
— Espera!
— O que está fazendo?!
— Quem são aqueles caras?
Buzz e Woody observaram enquanto um trio de brinquedos estranhos que nunca tinham
visto antes emergia de baixo da cama.
— Mas o quê? Onde é que a gente tá?
Sora examinou seus estranhos arredores, os olhos arregalados enquanto avançava ao lado de
Donald e Pateta. Então notou suas mãos.
— Calma lá! — exclamou. — A gente encolheu? Além disso... olha só pra nós!
Ele estava exatamente como um brinquedo, tudo desde seu corpo, seu cabelo, suas roupas e
até seu tamanho. O mesmo valia para Donald e Pateta.
— Você sabe pra que serve a magia. Temos que proteger a ordem dos mundos — Donald o
lembrou. Aquela certamente não era a primeira vez que eles se transformavam para se adequar a um
novo mundo.
— Poxa... e quem vai proteger a ordem deles? — comentou Pateta, a voz arrastada enquanto
apontava para os inimigos.
— Heartless! — Sora invocou sua Keyblade em mãos e correu para cima deles. Mesmo os
Heartless lembravam brinquedos ali.
Depois que a batalha acabou e os três heróis pararam para respirar, o Porquinho apareceu
para falar com eles:
— Vocês são novos?

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Para os brinquedos, a chegada de novatos ao quarto era um evento importante. Afinal, seu
dono, Andy, era conhecido por preferir brinquedos novos. Rex, no entanto, não parecia se importar
com isso, e correu até Sora com toda a empolgação.
— Espera! Ah, ah, você parece familiar! Eu sei de onde. Você é o, hã, é o, hããã...
A empolgação de Rex ajudou o Porquinho a fazer a conexão:
— Yozora! — exclamou ele.
— Hã? Meu nome é Sora. — Sora parecia um pouco desconcertado. O nome até que era
semelhante, claro, mas definitivamente não era o seu.
— Para trás! — exclamou Buzz. Ele estava mantendo distância, com seu laser apontado
diretamente para eles. — Até onde sabemos, os invasores podem tê-los mandado.
— Podemos confiar neles! São os heróis mais vendidos do país! — disse Rex, envolvendo
Sora num abraço. O Porquinho também parecia feliz.
— A mãe do Andy deve ter comprado pra ele.
— É isso aí. Você não viu como eles cuidaram bem facilzinho dos invasores? Aposto que
estão aqui para descobrir por que todos os nossos amigos desapareceram e por que o laser do Buzz
começou a atirar de verdade... e nos ajudar a entender todas as coisas estranhas que tem rolado.
Quer dizer, isso é o que fazem os heróis, não é?
Enquanto Rex falava, Woody e Buzz pararam para pensar na situação.
Sora estava com a impressão de que nem tudo estava como deveria naquele mundo.
— Então quer dizer que vocês são os novos brinquedos do Andy? — perguntou Woody.
— Brinquedos?
Por um momento, a ideia deixou Sora e seus amigos um pouco confusos, mas o caubói tinha
razão. Eles pareciam mesmo brinquedos naquele momento — figuras de ação, para ser preciso.
Woody continuou falando:
— Vocês acabaram mesmo com aqueles invasores.
— Eram os Heartless — disse Pateta sobre os invasores: seus velhos inimigos que ficavam
sempre à espreita nas trevas.
— Nós enfrentamos esses “invasores” já faz um tempo — disse Sora, em favor da equipe.
— Eu sabia! — exclamou Rex, exaltado.
— Certo. Nesse caso, por mim tudo bem. Meu nome é Woody. Toca aqui.
— Opa.
Woody e Sora apertaram as mãos.
— Eu sou o So...
— Yozora! — exclamou Rex, interrompendo Sora antes que terminasse de falar seu nome.
— Na verdade, meu nome é Sora...
— E eu sou o Donald.
— Sou o Pateta.
Depois que os novatos se apresentaram, foi a vez dos brinquedos dizerem seus nomes.
— Eu sou o Rex! Sou seu maior fã. Na verdade, tenho jogado o seu jogo há meses. E já até
cheguei no nível quarenta e sete. Mas aquele chefão, o Bahamut, é muito difícil. Eu e o Slinky não
conseguimos descobrir como que faz pra vencer. Ah, queria que o Slinky e os outros estivessem
aqui. Eles ficariam muito felizes em conhecer vocês! — Rex continuou tagarelando e tagarelando
sem parar, completamente radiante.
Na sequência, os soldadinhos verdes desceram do alto das prateleiras e saudaram Sora e seus
companheiros.
— Todas as tropas, sentido!
Então um trio de alienígenas idênticos foi até eles em cima de um skate e deu o que devia
ser sua forma de cumprimento:
— Estranhos.
— Vieram de fora.
— Bem-vindos.
— Eles são todos brinquedos? — disse Sora, mais para si mesmo que para os demais. —
Então é por isso que estamos com essa aparência.
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Ele finalmente estava começando a entender, mas ainda havia alguém que não conseguia
aceitar muito bem a situação — Buzz.
— Com licença — disse, aproximando-se. — Você disse que já enfrentou esses invasores
antes. Conte-nos onde e por quê.
— Ah... Bem, hã... Nós...
Donald interrompeu a resposta de Sora:
— A ordem!
Ah, é, a gente não pode contar pra ninguém. Mas então como é que eu vou explicar?
— Então? Vocês precisam ter vindo de algum lugar. — Buzz encarou os três forasteiros com
suspeita e os soldadinhos logo começaram a fazer o mesmo.
Antes que a situação piorasse, Woody interveio:
— Pega leve, Buzz. O que importa é que eles se livraram dos invasores pra gente, pelo
menos por enquanto. Não precisa interrogá-los.
Rex e o Porquinho estavam inclinados a concordar com ele, mas o patrulheiro espacial ainda
não estava convencido.
— Ei... Esses “invasores”, os Heartless... eles tem causado muito problema aqui? — Sora
perguntou a Woody.
— Não, eles apareceram recentemente.
— Na verdade, esses “Heartless” apareceram logo depois que os nossos amigos sumiram —
acrescentou Buzz.
Sora e seus amigos trocaram um olhar.
— As coisas nem sempre foram assim tão solitárias. Um dia, nós acordamos e éramos os
únicos brinquedos que restavam aqui. Ninguém soube da mãe, da Molly ou do Andy... Nós ficamos
esperando o Andy voltar para casa — disse Woody, a voz tristonha, enquanto olhava para o nome
escrito na sola de sua bota.
Esse tal de Andy deve ser bem chegado a todos esses brinquedos aqui, pensou Sora.
— Vocês se importam muito com ele.
Woody assentiu.
— Sim... Ele é o melhor amigo que brinquedos como nós podem esperar ter.
— Beleza. É melhor começarmos a procurar!
— Hã?
— Vocês têm mais alguma pista pra gente? Não aconteceu nenhuma outra coisa estranha?
— perguntou Sora.
Agora foi a vez dos brinquedos trocarem um olhar.
— Bom... hmm — disse Woody. — Tem uma coisa.
— Quando o Andy e os outros se foram, os invasores não vieram sozinhos — explicou Buzz.
— Eles chegaram com um sujeito de capuz, vestido de preto igual a você. Na verdade, ele foi o
único brinquedo novo que vimos além de vocês três.
Um capuz preto? Mas isso significa...
— A Organização? — Donald e Pateta exclamaram em uníssono.
— E vocês sabem quem é?
— Sim. E eles não são coisa boa — Sora disse a Woody, a voz séria. Seja lá o que estivesse
acontecendo com aquele mundo, os Heartless e a Organização estavam envolvidos. — Temos uma
ideia do que pode estar causando isso. Deixa que a gente cuida de tudo.
— Desculpa. Mas não vamos deixar isso com vocês. Se esse cara tem alguma coisa a ver
com o sumiço dos nossos amigos, ele também é problema nosso. Temos que trabalhar juntos.
A resposta de Woody foi firme. Ele não ia deixar os problemas daquele mundo com outra
pessoa. Sora e seus amigos valorizavam isso.
— Os últimos relatórios da equipe de reconhecimento situam o alvo na cidade, senhor. Na
Galaxy Toys[1]! — declarou um dos soldadinhos verdes, como se estivesse esperando para fazê-lo já
há algum tempo.
— Então é para a Galaxy Toys que nós vamos. Sora, siga-me.
Buzz deteve Woody antes que pudesse partir.
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— Não tão rápido, caubói. Você parece bem decidido a sair por aí, mas não seria melhor
ficarmos aqui e esperarmos pelo Andy?
— Bom... Isso até faz sentido, mas... nós já tentamos esperar. Olha, se a gente for com o
Sora, podemos encontrar uma pista. Está comigo, Buzz? — perguntou ele, virando-se para o amigo
mais uma vez.
— É claro. — Buzz suspirou, parecendo murchar um pouco.
Sora sorriu. Podia ver que o laço de confiança entre eles era forte.

Para chegar à Galaxy Toys, a nova loja de brinquedos da cidade, eles precisavam sair pela
janela. O grupo que os acompanhava era grande: Woody, Buzz, o Porquinho, Rex, os soldadinhos e
os homenzinhos verdes. Com sorte, ninguém vai se perder pelo caminho.
— Certo, vamos nessa!
Sora saltou da janela para o telhado, onde mais Heartless estavam à espera. Woody sacou a
arma em sua cintura enquanto Buzz disparava lasers de seu braço. Eles não só eram bons de briga,
mas também cuidavam para que os outros brinquedos não corressem perigo.
O grupo inteiro desceu do telhado para a calçada e saiu em disparada. No final da rua havia
um grande edifício que parecia um shopping center.
— Vamos!
Eles entraram no local e encontraram um enorme saguão abarrotado de brinquedos de todos
os tipos, incluindo uma vistosa vitrine de robôs de brinquedo. Rex e o Porquinho logo correram até
ela. Os robôs Gigas eram do mesmo jogo que Yozora — o mesmo que eles estavam jogando.
Alguma coisa naquilo tudo parecia estranha para Sora.
— Ei, por que esse brinquedo não se mexe? — ele perguntou a Buzz.
— Acho que ainda não sabe como — respondeu o patrulheiro espacial, examinando o Gigas.
“Ainda não sabe como”? O que isso quer dizer? Ponderou Sora.
Foi quando alguém falou do alto da grande máquina de cápsulas no centro do saguão:
— Posso fazê-lo se mexer para você.
Um homem de casaco negro saiu de um Corredor das Trevas e retirou seu capuz para revelar
seus longos cabelos prateados e olhos dourados.
— Você é o cara do sonho! O primeiro dos Xehanorts! — gritou Sora.
— Fico honrado que se lembre de mim. — disse o Xehanort mais jovem, estalando os dedos
e invocando Heartless que saltaram a bordo dos Gigas.
— Essa não! Está se mexendo! — exclamou Buzz, surpreso, quando um dos robôs tentou
atingir o Porquinho com seu braço gigantesco. Sora, Donald e Pateta conseguiram bloquear o golpe
no último segundo.
O jovem Xehanort não pareceu preocupado ao oferecer sua análise da situação:
— As sombras de um coração suprem o vazio do outro. Vê como eles os trazem à vida?
Como Heartless e Nobodies, eles se completam.
— Já chega. Por que você tá fazendo isso?!
— Ainda nos falta uma escuridão e devemos reclamá-la. A forma como os corações se
conectam aqui pode nos ajudar. Então, fizemos uma cópia deste mundo e separamos estes corações.
Me pergunto como lidarão com a tensão. — Em vez de dar uma resposta direta, o jovem Xehanort
abriu em silêncio outro Corredor das Trevas.
— Espera! O que quer dizer com isso? — gritou Sora, tentando fazê-lo parar, mas o jovem
Xehanort parou apenas por um momento.
— Não me decepcione. — Enfim se despedindo, ele se desfez em meio às sombras.
Sora, Donald e Pateta estavam ocupados demais segurando os punhos do Gigas para segui-
lo. Não demorou muito para que a força do robô os esgotasse e ele os jogasse longe.
— Cuidado! — Woody segurou Sora enquanto Buzz abriu suas asas e conseguiu resgatar
Donald e Pateta.

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— Woody! O que está havendo? Esse brinquedo é amigo... ou inimigo? — vociferou Buzz.
O robô Gigas escolheu este momento para disparar seus poderosos canhões contra eles.
— Acho que temos a sua resposta! — exclamou o caubói de brinquedo, jogando Sora e seus
amigos no chão para protegê-los.
Eles por pouco conseguiram cobertura atrás dos brinquedos em exposição — a batalha
contra os robôs gigantes começava a parecer perdida. A menos que tentassem algo novo.
— Sora! É com você! — Donald abriu um sorriso para Sora.
— É! Se os Heartless conseguem fazer isso, não vejo porque você não possa fazer o mesmo
— concordou Pateta.
Sora inclinou a cabeça, incerto quanto aonde eles queriam chegar.
— Fazer o quê?
Donald apontou:
— Ali!
Havia outro Gigas em exposição, grande e imponente, e este sem um Heartless dentro de si,
só esperando por ele.
— Brilhante! Deixa comigo! — Agora que sabia do que eles estavam falando, Sora correu
até os pés do Gigas e saltou para dentro da cabine em sua cabeça.
Eu nunca operei um robô antes, mas aposto que vai ser divertido. Além disso, eu já pilotei a
Nave Gummi, né?
Sora apertou um botão aleatório.
— Wa-wak! — Donald saiu aos tropeços da frente do disparo de canhão.
— Foi mal!
Err, talvez não. Sora mirou nos Gigas hostis que vinham se aproximando dele. Tá, agora é a
nossa chance.
Donald, Pateta, Woody e Buzz estavam lá embaixo, torcendo por ele.
A astúcia de Sora como piloto derrubou os Gigas inimigos e eles foram caindo um por um,
inertes, conforme os Heartless desapareciam de dentro de suas cabines. Após uma batalha intensa, o
último dos robôs parou de se mexer e Sora saltou do banco do piloto.
Vendo os robôs imóveis, Buzz pareceu ficar pensativo.
— Buzz? — perguntou Sora, preocupado.
— Não é nada — respondeu Buzz, um pouco distante. — Estou confuso. Aquele sujeito de
casaco negro... ele disse que fez uma cópia do mundo real? O que isso significa?
— Provavelmente significa que eles dividiram esse mundo em dois. Seus amigos estão em
um mundo e nós estamos no outro. Só um dos mundos é real, o outro é só muito convincente.
— Você não pode estar falando sério. Ah! É verdade, vocês são de um jogo de videogame.
— Buzz bufou diante da teoria de Sora. — Bom, talvez no seu jogo seja assim que funcionam as
coisas, mas aqui, no mundo real, não se pode “dividir mundos”.
Bom, a reação de Buzz era compreensível. Sora imaginava que também não acreditaria se
alguém tentasse lhe dizer que seu mundo era não só um de muitos outros, mas um de duas versões
paralelas de si mesmo.
— Isso é ridículo. Woody, vamos. — Buzz deu meia-volta e começou a ir embora.
— Eu admito, parece mesmo um pouco absurdo. Mas... digamos que nós fomos mesmo
levados a algum tipo de mundo alternativo. Isso explicaria porque o seu laser está funcionando —
Woody o repreendeu de uma forma suave e gentil. — E é mesmo tão doido assim? Pior que
“imperadores do mal” e “proteger a galáxia”? Te lembra alguma coisa? — acrescentou.
Buzz desviou o olhar, pigarreando nervoso. Sora imaginou que isso devia fazer parte da
história original de Buzz.
— Já entendi. Mas isso só quer dizer que esses estranhos são parte do delírio. E digo que
está na hora de nos separarmos e voltarmos para casa.
A insistência de Buzz em duvidar deles estava começando a deixar Sora, Donald e Pateta um
pouco chateados.
— Olha, eu sei que parece estranho — disse Sora. — Mas a gente sabe que tem alguma
coisa errada com esse lugar. É melhor ficarmos juntos.
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— O Sora tem razão — concordou Woody, tentando persuadir o amigo teimoso. — Eles nos
ajudaram com os invasores, então podem nos ajudar a encontrar os nossos amigos. Eles ficaram do
nosso lado até agora, isso você não pode negar. Vai, todo brinquedo merece um tratamento justo.
Buzz apontou para um dos Gigas inanimados.
— Diga isso para aquele brinquedo ali — disparou.
Ele tinha razão com relação a isso — nenhum deles queria lutar contra seus semelhantes.
Mas o que podiam fazer a respeito?
Eles aparentemente haviam chegado a um impasse — e foi justamente quando o sargento
dos soldadinhos verdes foi correndo até eles e disse:
— Xerife, senhor. Rex foi dinostrado!
— Como é?! — perguntou Woody, surpreso, erguendo as sobrancelhas.
— E o Porquinho e os alienígenas desapareceram.
Eles devem ter fugido durante a batalha — ou talvez também tenham sido levados.
— Vamos. Temos que encontrá-los! — disse Woody, pronto para partir naquele instante.
— Por favor, deixem a gente ajudar! — implorou Sora, correndo ao lado dele.
Notando que Buzz não havia vindo consigo, o caubói parou e voltou para tentar dissuadi-lo
de suas dúvidas.
— E aí, Buzz? Você acha mesmo que podemos salvar os nossos amigos sozinhos? Não
chegamos muito longe antes. Temos que aceitar toda ajuda possível.
— Não se preocupa — disse Pateta. — O Sora pode ser um pouco irresponsável e o Donald
resmunga bastante...
Sora não tinha certeza de onde exatamente Pateta queria chegar com isso, mas foi na onda
dele mesmo assim, assentindo veementemente.
— É, isso aí!
Pateta então concluiu sua fala:
— Mas você pode confiar neles!
Demorou um momento, mas Donald logo se deu conta do que havia de errado com o que ele
estava falando:
— Ei! Ele também suspeita de você! — grasnou ele abruptamente. Por que Buzz acreditaria
em qualquer coisa que Pateta tivesse a dizer?
— É verdade — concordou Sora, assentindo de novo.
— Hã? Ele suspeita? — Pateta parecia confuso. Woody riu.
— Viu? Eles não parecem maus. Não tô certo, Buzz?
Àquela altura, o patrulheiro espacial já não tinha muita escolha senão aceitar a derrota e
admitir que eles não pareciam representar qualquer ameaça.
— Tudo bem, certo. Precisamos mesmo da ajuda extra. — disse. Seus olhos, no entanto,
continuavam vidrados neles.
— Obrigado pela ajuda, Sora, Donald, Pateta — prosseguiu Woody, dando de ombros.
— Meus homens voltarão a campo, senhor! — anunciou o sargento dos soldadinhos verdes,
e seus soldados então se dispersaram.
— Acho que vamos ter que checar cada departamento um por um — disse Sora, dando
início à busca pelos brinquedos perdidos.

A Galaxy Toys era dividida em várias seções, cada uma dedicada a uma categoria diferente
de brinquedos. Será que o Woody e os outros também esperaram aqui para poderem transformar o
sonho de uma criança em realidade?
— Eles têm mesmo todo tipo de brinquedo aqui, né? — comentou Sora, cheio de interesse,
mas ainda certificando-se de ficar de olhos abertos para qualquer coisa estranha em volta.
— Inclusive nós! — disse Pateta, a voz arrastada, erguendo uma das orelhas de vez em
quando para checar qualquer som suspeito.

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Foi quando um dos soldadinhos foi correndo até eles.
— Encontramos eles! Estão na seção das bonecas!
— Entendido! Vamos lá! — Todos assentiram junto a Woody e saíram correndo.
No caminho até lá, enfrentaram uma série de brinquedos que ganharam vida como Heartless
— brinquedos que certa vez provavelmente foram exatamente como Woody e seus amigos.
— Cuidado! — Buzz disparou seu laser contra um Heartless que quase pegou Sora.
— Te devo uma, Buzz! Mas você tá de boa com isso?
— Se ele quisesse que eu fosse bonzinho, teria ficado longe dos meus amigos — respondeu
Buzz, cheio de determinação, talvez para convencer mais a si mesmo que a qualquer outro.
Temos que achar um jeito de libertar esses brinquedos do controle dos Heartless, pensou
Sora, lutando com sua Keyblade mesmo que não quisesse necessariamente ter que fazê-lo.

Até então, Sora e seus amigos haviam conseguido salvar Rex e, quando chegaram à seção
das bonecas, um dos soldadinhos também. Eles ainda estavam procurando em meio às bonecas.
— Não o vejo em lugar nenhum... — disse Woody, confuso, enquanto passava os olhos pela
área. O grupo avançava com cautela, ciente de que qualquer um daqueles brinquedos podia estar
sob o controle dos Heartless.
— Wak! — De repente, uma casinha de boneca nos fundos da seção começou a balançar e
Donald imediatamente se escondeu atrás de Sora.
— Algo não está certo aqui — disse Buzz, seguindo diretamente até o conjunto suspeito.
Parecia que havia alguém preso dentro.
Sora e seus amigos usaram toda a força para abrir as portas da casinha de boneca.
— Isso é o que eu chamo de claustrofobia. Obrigado por me salvarem — disse o Porquinho,
saindo da casa a passos curtos.
— Tá tudo bem, Porquinho?
— Sim, tirando a parte de ficar trancado, as acomodações até que eram boas — respondeu o
cofrinho em forma de porco, a voz suave, tranquilizando as preocupações do caubói.
Donald deu uma espiada curiosa na casa, que estava cheia de pequenos móveis numa sala de
estar bastante agradável — exceto por...
— Gwa-wak! — grasnou ele. Havia uma boneca de belos cabelos azuis com um vestido
negro olhando diretamente para ele por uma janela do outro lado da casinha.
— Ela voltou! É a boneca que me porcostrou! — berrou o Porquinho quando a boneca
Âmbar Angelical começou a voar diante deles. Ela havia se transformado em um Heartless.
O Porquinho e Rex correram para poderem se esconder atrás de outros brinquedos.
— Uma estadia no terror com café da manhã foi o suficiente pra mim!
— Pra mim já chega!
Buzz se certificou de que eles fugiram em segurança e então apontou seu laser para a Âmbar
Angelical.
— Mais um brinquedo possuído... — murmurou, a voz suave, disparando um de seus raios.
A ponta dos cabelos da boneca se ergueu e seus olhos brilharam em uma forte luz amarela
quando ela partiu para o ataque.
— E-Eita! — gritou Sora, juntando-se à luta com a Keyblade em mãos.
A Âmbar Angelical se lançou ao chão e partiu para cima deles.
— Nem mais um passo!
Buzz disparou seu laser e, logo em seguida, Donald aproveitou que ela estava atordoada para
lançar uma enxurrada mágica. Enquanto isso, Sora saltou no escudo de Pateta e se lançou contra a
cabeça da boneca, atacando-a com a Keyblade. Houve uma breve pausa e então a Âmbar Angelical
caiu no chão, inerte.
— ...Pegamos ela? — disse Donald, aproximando-se da boneca com toda a cautela.
Pateta estava logo atrás dele.

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— Parece que sim, iac!
Mas, de repente, a Âmbar Angelical voltou a se mexer.
— Isso já foi longe demais! — gritou Buzz. Ele estendeu as asas em sua mochila à jato e
voou pelo ar, disparando uma chuva de raios laser.
Por fim, a Âmbar Angelical tombou com tudo no chão. Ele se aproximou da boneca com
uma expressão sombria no rosto — ela agora era história.
— O que vai acontecer se nós acabarmos como ela? Esquecendo quem somos e... atacando
uns aos outros?
Sora colocou uma mão amiga em seu ombro.
— De jeito nenhum, Buzz. Isso não vai acontecer.
— Você não pode ter certeza! E se eu for tomado e atacar vocês?
— Buzz, você está exagerando. — Woody tentou consolar o amigo, mas Buzz apenas
balançou a cabeça.
— É — concordou Sora. — Os Heartless... a escuridão só pode tomar o controle quando os
nossos corações fraquejam. Confia em mim. É só não perder a força do seu coração.
Se souber como os Heartless atuam, alguém como o Buzz não tem com o que se preocupar,
pensou Sora. Woody conhecia Buzz melhor que qualquer um e sentia o mesmo.
— Bom, isso é ótimo. Porque eu te conheço, Buzz. Seu coração nunca fraqueja quando se
trata dos seus amigos.
A confiança de Woody pareceu tocar o coração de Buzz e, assim, a expressão em seu rosto
se suavizou um pouco.
— Verdade, caubói. Me desculpem por tê-los preocupado.
— Agora, vamos encontrar os outros.
— Vai ser perigoso, então volte para o saguão principal — Buzz disse gentilmente para o
Porquinho. Rex provavelmente já estava lá.

Com isso, Sora e o restante do grupo seguiram para a seção de bebês e crianças pequenas,
onde salvaram os homenzinhos verdes de serem abduzidos por um OVNI.
— Não temam.
— Ainda temos nosso novo lar.
— A Câmara de Andy.
E os alienígenas então seguiram em direção à saída.
— Eles têm razão. Esse não é o nosso lugar. Já ficamos nessa loja por tempo o suficiente.
Está na hora de voltarmos para casa, para o quarto do Andy — concordou Buzz.
Na opinião de Sora, era uma conclusão razoável a se chegar, considerando tudo pelo que
aquela loja de brinquedos lhes fizera passar. Mas não era o bastante.
— Mas... Xehanort nos disse que aquele não é o quarto verdadeiro dele — Sora lembrou a
Buzz. O patrulheiro espacial lhe virou as costas e começou a ir embora.
— Você pode provar que aquela baboseira toda é verdade? E mesmo que aquele quarto do
Andy seja falso, não significa que ele não esteja em algum lugar deste mundo conosco. Eu vou para
casa para esperar por ele. E chega de discussão.
Woody balançou a cabeça devagar e Buzz então se virou para ele. Se alguém podia entender
o que ele queria dizer, era seu bom e velho amigo.
— Está comigo, Woody?
— Hmm... — O caubói parou para pensar por mais um momento enquanto Buzz seguia de
volta para a entrada.
— Tem razão, Buzz. — Ele abriu um sorriso para Sora. — Agora que todos nos reunimos, é
melhor nos encontrarmos na entrada e voltarmos para casa.
Por um momento, Sora ficou decepcionado, mas então também lhe abriu um sorriso.
— Certo. Seria bom termos amigos como vocês na batalha final...

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— Mas a Organização XIII é um problema que nós temos que resolver — acrescentou
Pateta para mostrar a eles que compreendia.
Donald fez o mesmo, vangloriando-se como já era de costume:
— É, podem deixar eles comigo!
E, claro, Sora teve que acrescentar sua própria opinião:
— Tenho muita certeza disso não...
— Vou te mostrar! — ralhou Donald, mordendo a isca e correndo atrás de Sora. Àquele
ponto, até mesmo Woody e Buzz já estavam se acostumando com a rotina.
Quando voltaram à entrada, eles fizeram uma chamada final para se certificar de que todos
estavam presentes. O Porquinho, os alienígenas e os soldadinhos estavam todos ali, mas...
Woody parou para pensar.
— Espera. Cadê o Rex?
O dinossauro devia ter voltado para lá mais cedo, mas não estava em lugar nenhum.
— Ah, ele saiu correndo — explicou o Porquinho, descontente. — Disse que queria provar
para vocês que podiam confiar no Sora. Ele foi lá pra cima, pra seção dos videogames.
Buzz não conseguia acreditar.
— Bom, lá vamos nós de novo.
— Ele não tá em segurança — disse Sora. — Os Heartless estão por aí.
Rex havia confundido Sora e seus amigos com os heróis de um jogo de videogame, mas ele
ainda havia se colocado em perigo apenas para provar a Woody e Buzz que eles eram confiáveis. O
caubói e o patrulheiro espacial trocaram um olhar.
— Tem razão. Sora, Donald, Pateta... alguma chance de vocês nos ajudarem uma última
vez? — perguntou Woody.
— Claro! — exclamou Sora. O rosto de Woody se iluminou.
— Obrigado, pessoal...
Ele estava tão feliz quanto Sora por ter amigos com quem podia contar. Buzz provavelmente
sentia o mesmo.
— Vamos nessa!
Woody se voltou para Buzz, que respondeu acenando com a cabeça.

Na seção dos videogames no terceiro andar, eles encontraram Rex revirando o lugar atrás de
alguma coisa, completamente alheio à preocupação que lhes havia causado.
— Olha! Olha! Eu achei! — Ele pulou de uma prateleira na vitrine do jogo Verum Rex e
enfiou uma cópia do mesmo no rosto de Sora. — Viu, Sora?
A arte da capa mostrava um jovem rapaz de cabelos prateados. Sora também havia notado
um enorme pôster do tal Verum Rex na seção de brinquedos.
— Bom, eu nunca fui tão bonitão. Mas as roupas até que são parecidas — comentou Sora,
inspecionando o herói na caixa. Ambas as roupas tinham detalhes quadriculados e eles até podiam
ser ligeiramente parecidos um com o outro... mas, parando para pensar, o sujeito parecia mais...
— Viu? Eu te disse, Buzz! São brinquedos, igual ao resto de nós — disse Woody, erguendo
o olhar para uma das vitrines. O patrulheiro espacial cruzou os braços e assentiu.
Enquanto isso, Sora e Donald sussurravam um para o outro:
— Donald, eu achei que a sua magia decidia como seria a minha aparência. Explica isso.
— Simples. Esse não é você.
— Digam, ele não lembra um pouco o Riku?
Donald e Pateta disseram exatamente o que Sora estava pensando — o personagem na caixa
o lembrava um pouco de Riku. Não só a cor do cabelo, mas toda a impressão que ele passava.
— Deve ser ele! — disparou Donald.
Sora não podia deixar a provocação sem resposta:
— Claro que não! As minhas roupas também são pretas e, hã...

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— E daí?
— Muito bem, pessoal. Agora que nos reunimos, está na hora de voltarmos ao quarto do
Andy — disse Buzz, obviamente cansado, observando de canto de olho enquanto Sora e Donald
discutiam de novo.
— Agora? Mas eu não posso nem dar uma olhadinha nos detonados? Quero saber como
derrotar o Bahamut! — Rex estava absorto nas revistas.
— Na próxima. Agora, precisamos ir para casa. — Buzz deu um tapinha no focinho do
dinossauro antes de deixar a seção.
Decepcionado, Rex devolveu a revista para a prateleira.
Mas então, uma voz familiar fez todos pararem onde estavam:
— Ah, mas não precisam ter pressa. — Era o jovem Xehanort. — Eu tenho mais a observar.
Não posso deixar que partam tão cedo. — Ele riu.
— Se somos nós que você quer, deixe os outros fora disso!
Sora empunhou sua Keyblade, pronto para lutar, mas o jovem Xehanort continuava rindo.
— É claro que você diria isso, campeão da luz. Muito bem, vamos pular para a última fase.
Um segundo depois, um Heartless se esgueirou por trás de Buzz — um Heartless com a
forma de uma marionete — e o envolveu em sombras. Buzz sentiu sua força ser drenada de si e ele
logo ficou completamente inerte, como um fantoche.
Finalmente, quando seus olhos voltaram a se abrir, ele ergueu o braço direito e apontou seu
laser diretamente para a testa de Woody.
— Qual é, Buzz. Para com a brincadeira.
Buzz atirou.
— Cuidado! — gritou Pateta, por pouco conseguindo interceptar o disparo com seu escudo.
— Não acredito! O Buzz foi dominado? — O caubói deu um passo fraco em direção ao
amigo, mas Buzz apenas atirou novamente. Pateta defletiu o novo disparo.
— O que você fez com ele?! — gritou Sora, correndo em direção ao jovem Xehanort, a
Keyblade pronta para o ataque.
— Achei que havia deixado claro. Estou testando a força dos laços deles. — Ele se esquivou
da investida de Sora com um rápido recuo. — Neste mundo, brinquedos possuem corações. E esses
corações vêm de um laço poderoso. Então, o que acontece quando esses laços são esticados até o
limite? Quando há todo um mundo os separando, será possível que tecido e plástico se atenham a
seus corações?
Sora não conseguia acertar um único golpe — assim que tentava atacar, o garoto de cabelos
prateavas desaparecia num piscar de olhos, reaparecendo então em outro lugar. Enquanto isso, o
jovem Xehanort continuava com seu monólogo:
— Tudo o que eu precisava era de uma forma de aumentar a fissura entre eles: alguém como
você, para enchê-los de dúvida e desconfiança. E o abismo por você criado pode ser preenchido
com uma vasta escuridão. Testemunhe por si mesmo.
Sora ergueu sua Keyblade, pronto para qualquer coisa enquanto o encarava com um olhar
cheio de fúria.
— Sora! — Donald e Rex estavam fazendo todo o possível para deter Buzz enquanto Pateta
protegia Woody dos disparos de laser atrás de seu escudo.
— Tô indo!
Sora estava a ponto de correr até eles, quando o jovem Xehanort o agarrou pelo braço e o
ergueu em meio ao ar.
— Não dessa vez! — rosnou ele, disparando uma orbe vermelha contra o peito de Sora e o
jogando longe.

Sora foi lançado num mundo diferente de tudo que já havia visto. Estava no que parecia o
terraço de uma fábrica, cercado por uma cerca de ferro com vários outros edifícios em volta.

89 | K i n g d o m H e a r t s I I I : A R o m a n t i z a ç ã o
— Você não soube? Neste mundo, você veio de um jogo de videogame. Então, agora poderá
presenciar o meu experimento do lado de dentro desta tela. Isso é... se conseguir encontrar um
momento para descansar — disse o jovem Xehanort, desaparecendo logo em seguida.
Sora estava dentro do jogo Verum Rex, com vários robôs Gigas vindo em sua direção.
— Uh-oh!
Tenho que sair daqui logo para ajudar o Buzz e o Woody, pensou Sora, partindo para cima
de um dos Gigas e atacando-o com a Keyblade até ele parar de se mexer. Sora subiu a bordo dele,
usando-o para eliminar os outros. Mas estava começando a entrar em pânico.
Qual é... não dá pra ir mais rápido?!
O Woody e o Buzz confiam um no outro. Eles têm um laço muito forte, igual ao que eu tenho
com todos os meus amigos. A Organização não pode sair fazendo o que quiser com eles, nem com
nenhum dos outros brinquedos aqui. Eu não vou deixar!
Quando Sora já estava começando a perder a conta de há quanto tempo estava ali e quantos
Gigas havia derrotado, o último dos robôs enfim tombou e o jogo o cuspiu para fora.
— Sora!
Woody, Donald e Pateta estavam lá para recebê-lo.
— Espera... cadê o Buzz? — perguntou Sora.
— Ele desapareceu num Corredor das Trevas.
...E, é claro, o Corredor das Trevas já havia desaparecido por completo. Sora também não
tinha a habilidade de abrir um. O que a gente faz agora?
Foi quando o sargento dos soldadinhos falou:
— Pode ser um tiro no escuro, mas nós vimos um portal negro no Curral da Criançada.
— Sargento, você é um herói! — exclamou Woody.
Em virtude do perigo, eles decidiram mandar todos os brinquedos para a entrada, exceto por
Woody, que acompanharia Sora e seus amigos rumo ao Curral da Criançada.
Dito e feito — eles logo encontraram um Corredor das Trevas aberto dentro de um duto de
ventilação.
— Vamos nessa.
Frente ao sinal de Sora, os quatro passaram por ele.

Buzz estava flutuando em meio a uma névoa negra e turva, com o jovem Xehanort parado
diretamente em seu caminho.
— O que você quer com o meu amigo? — perguntou Woody.
— Vejam... que escuridão mais tremenda. Tudo porque foi arrancado do garoto que mais se
importa com ele. — O jovem Xehanort olhou para trás, para a escuridão que crescia atrás de Buzz.
— Isso quer dizer... que vamos ficar todos iguais ao Buzz... se não encontrarmos o Andy?
Mas antes que as dúvidas de Woody aumentassem, Sora interveio:
— Errado! A distância não importa. O Andy é parte do coração deles, assim como os meus
amigos são parte do meu.
— É! — Donald e Pateta concordaram com afinco.
— Você não pode tirar isso deles! — Sora empunhou sua Keyblade, pronto para a ação.
Woody olhou para o nome na sola de sua bota, lembrando-se do que ele significava. Sora
estava certo.
— O quê? Seus amigos são o seu poder? Bom, isso é verdade. Mas se a luz da amizade é
uma forma de poder... então as trevas da solidão são um poder... ainda maior.
A escuridão pareceu se dobrar sobre si mesma, uma camada por cima da outra, como uma
espécie de tecido, com o jovem Xehanort logo a sua frente. Seus olhos brilhavam com convicção
enquanto ele fitava a coluna negra que se formara atrás de si.
— A escuridão é a verdadeira natureza do coração — proclamou.

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Sora hesitou por um momento, mas sentiu uma mão amiga lhe tocar o ombro, encorajando-o
enquanto Woody dava um passo em frente.
— Não sei do que você está falando, mas não ligo — disse ele, confrontando calmamente a
escuridão e suas mentiras. — Traga o Buzz de volta ao normal e dê o fora!
— Ou então o quê, brinquedo?
— Sim, eu sou um brinquedo. E um amigo. Meu palpite é que ninguém nunca te amou
antes. Porque você não sabe nada sobre corações e amor.
A cada passo que Woody dava em direção ao jovem Xehanort, uma luz se espalhava sob
seus pés. Sora foi até seu lado.
— Existem corações a toda a nossa volta, tentando se conectar. A sua solidão só conseguiu
deixar a conexão do Woody e do Buzz ainda mais forte. Essa é a verdadeira natureza do coração:
nunca desistir. Onde quer que eles estejam, o Andy e os outros brinquedos também não desistiram.
— É! Você não pode nos separar do Andy.
A escuridão em volta deles começou a se desfazer.
— Nós vamos para casa, seja como for. E vamos levar o Buzz! — prosseguiu Woody.
— Xehanort, você esteve tão focado em encontrar as sombras que se esqueceu da luz que as
forma. — As palavras, sua força de vontade, se tornaram um anel de pura luz que rapidamente
dissipou a escuridão que o jovem Xehanort havia invocado.
— Não! — Xehanort recuou quando a luz tomou forma e disparou em direção a Buzz.
Sora, Donald e Pateta se aproveitaram da breve distração e atacaram. Xehanort conseguiu
bloquear suas investidas, mas agora estava preso.
— Woody, agora! — gritou Sora.
Woody saltou no ar e lançou o cordão preso em suas costas como um laço de rodeio num
pedaço de madeira pairando atrás de Buzz. O anel se prendeu com firmeza no escombro e Woody
então se balançou até o amigo.
Uma vez com Buzz em seus braços, os dois caíram no chão juntos. Uma voz veio das costas
de Woody quando o laço improvisado voltou para o lugar: “Irra! Isso mesmo, parceiro! Temos que
fazer esse trem andar!” Esse era um de seus recursos como brinquedo.
A voz fez Buzz voltar a si.
— Woody... Espera, como eu cheguei aqui?
— Ah, sei não... Talvez alguém tenha te trocado pro modo “trevoso e violento”.
— Mas eu não tenho um... — Buzz estava prestes a retrucar a cutucada de Woody, mas, em
vez disso, parou e pigarreou. Woody lhe ofereceu uma mão e Buzz a segurou. — Obrigado, Woody.
— Bom tê-lo de volta, Buzz.
Os dois amigos compartilharam um sorriso. Enquanto isso...
— Ei, rápido aí!
— Não vamos conseguir segurar muito mais!
— Não desistam, galera!
Sora, Donald e Pateta estavam dando tudo de si para conter o jovem Xehanort e já estavam
começando a ficar cansados. Não demorou muito para o jovem de cabelos prateados jogá-los com
tudo para trás.
— Então mesmo fantoches vazios podem ter corações fortes. Vou ter que me lembrar disso.
— O jovem Xehanort se virou para encarar Woody e Buzz.
Os dois brinquedos não se intimidaram com o tom condescendente de sua voz.
— Lembre-se do seguinte: nossos corações sempre estarão conectados ao do Andy. Não
importa o que você faça!
— E isso é algo que você nunca vai entender porque é mais vazio que qualquer brinquedo.
O jovem Xehanort riu.
— Mas agora eu sei que um coração pode ser posto em um receptáculo de nossa escolha.
Por isso, deixem-me dar-lhes um presente de despedida para brincar. — Com isso, ele começou a se
desfazer em meio à escuridão.
— Espera!

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Sora correu atrás dele e atacou com sua Keyblade, mas o jovem Xehanort já era pouco mais
que uma visão. O ímpeto do golpe de Sora o fez passar diretamente através do inimigo translúcido.
Pouco antes de desaparecer por completo, Xehanort sussurrou algo nos ouvidos de Sora:
— Encontre os corações juntos ao seu.
— Hã? — disse Sora por instinto.
A escuridão rapidamente se ergueu até o teto, revelando uma versão em miniatura da cidade
onde Woody e os brinquedos viviam, exceto pelo fato de que havia um Heartless em forma de disco
voador — o Rei dos Brinquedos — bem no meio dela.
Estamos em ainda outra dimensão, pensou Sora.
Todos logo se prepararam para a luta.
— Lá vem ele!
Um poderoso vendaval apanhou os prédios e os soprou em direção ao grande céu claro. Sora
e seus amigos tentaram lutar no chão, mas o grande Heartless voava pelo ar, fora do alcance de seus
ataques, e, para piorar as coisas, o vento que ele criava enquanto girava pela cidade em miniatura
fazia com que tudo saísse voando do chão.
— Sora! Por aqui! — exclamou Woody, e Sora logo começou a saltar sobre uma série de
blocos suspensos atrás de si.
— Nós damos cobertura aqui de baixo! — vociferou Buzz, disparando uma rápida sucessão
de raios laser para atrapalhar o Rei dos Brinquedos enquanto Donald e Pateta o seguravam para que
ele não fosse soprado dali.
Sora foi pulando cada vez mais alto pelos blocos de brinquedo até que finalmente chegou ao
corpo em forme de disco voador do oponente. Você não me foge agora!
Sora atacou o núcleo do Heartless com sua Keyblade. Em meio a um poderoso estrondo, o
Rei dos Brinquedos tombou, inerte, e então desapareceu numa explosão luminosa.

Após o final da batalha, todos se encontraram de volta no saguão da Galaxy Toys.


— Então o Xehanort fugiu de novo.
— É, ele é um covardão.
Pateta e Donald estavam irritados, mas Sora parecia mais deprimido que qualquer coisa.
— Me desculpem! Eu queria levar vocês de volta pro mundo real — ele disse para Woody e
os outros brinquedos, abaixando a cabeça de forma apologética.
Donald e Pateta olharam para ele, surpresos.
— Parece mesmo que estamos presos aqui — disse Buzz.
— Nunca vamos voltar para casa — acrescentou Rex.
— É, presos feito porcos no chiqueiro — brincou o Porquinho.
— Nossa posição parece estar fixa — disse o sargento.
— Essa nãããão — choramingaram os alienígenas.
Ainda assim, parecia haver certa animação em suas vozes. Foi quando Buzz seguiu devagar
até o garoto cabisbaixo.
— Uma pena que teremos que ficar um pouco mais... com nossos novos melhores amigos.
— Hã? — Sora ergueu o olhar e notou que estavam todos sorrindo.
— Depois de todas as aventuras que tivemos, ainda não estamos prontos para dizer adeus.
— Woody repousou um cotovelo no ombro de Sora e ergueu a aba de seu chapéu de caubói.
— Peço desculpas por ter sido tão teimoso. Por favor, me perdoe. — Buzz estendeu sua mão
para Sora.
— Ei, você só tava querendo cuidar dos seus amigos — disse Sora, balançando a cabeça e
apertando a mão de Buzz. — Não foi nada.
— É, alguém tem que ser o amigo sensível, ainda mais com o Woody sempre se metendo
em encrenca — concordou o Porquinho, ajudando o amigo com um pouco de humor.
— Poxa, parece até o Sora, não é?

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Sora e Woody trocaram um olhar e Donald imediatamente declarou:
— É, e eu sou o amigo confiável!
— Igual ao Buzz! ...Mais ou menos — disse Rex, incerto, o que fez com que todos dessem
ainda mais risadas.
— Além do mais, se nós voltarmos ao mundo real, nunca mais vamos vê-los de novo, não é?
— perguntou Woody.
— Mas... e quanto ao Andy? — perguntou Sora, começando a ficar preocupado de novo. —
Vocês se importam tanto com ele.
Havia sido o amor de Andy que dera corações a todos aqueles brinquedos, então é claro que
eles queriam voltar ao mundo real, onde ele estava, o mais rápido que pudessem.
— E ele continua bem aqui conosco — disse Buzz, convicto.
— Se seguirmos os nossos corações, vamos encontrá-lo de novo — acrescentou Woody.
Sora podia concordar com isso. Ah — não importa quem você é ou onde esteja. Só o que
importa é que esteja conectado.
— Então, Sora, você vai atrás daquele cara de casaco negro?
A Organização XIII causara tantos problemas para Woody e os outros brinquedos — seus
planos tinham que ser detidos antes que fizessem algo terrível a mais mundos e mais pessoas como
seus amigos.
— Algo me diz que não podemos nos juntar a vocês nessa missão — disse Buzz num tom
compreensivo.
Woody parou e se virou, apontando para o peito de Sora.
— Está tudo bem. Porque vocês se tornaram parte dos nossos corações.
Buzz, Rex, o Porquinho, os soldadinhos e os alienígenas também pararam e se viraram,
relutando para se despedirem de Sora, Donald e Pateta.
Woody disse o que todos estavam pensando:
— Então deixem-nos nos tornarmos parte dos seus.
— Obrigado! — respondeu Sora, radiante.
— É hora de partir. Ao infinito e além! — declarou Buzz, erguendo o rosto para o céu sobre
eles. Agora, o saguão aberto da loja de brinquedos mais parecia um espaço infinito que unia cada
um deles.

De volta ao Oceano de Intermédio, já a bordo da Nave Gummi, Sora parecia estar pensando
em alguma coisa.
— Sora, e quanto ao poder do despertar? — perguntou Donald.
— Você tinha que me lembrar — respondeu ele, em meio a um gemido.
— Poxa, a gente só quer te ajudar a ficar motivado — destacou Pateta. É claro que estavam
preocupados.
Sora suspirou e disse a eles o que estava em sua cabeça:
— Eu tava pensando no Roxas. Ele tá preso aqui, no meu coração. Mas... ele precisa de um
corpo para voltar a ser ele mesmo.
A gente descobriu que brinquedos podem ter um coração, mas o que podemos fazer por
alguém que é só um coração?
— Ah, não se preocupa. O Ienzo está trabalhando numa forma de libertá-lo. Aposto que ele
vai preparar um corpo perfeito — disse Pateta, enquanto o Grilo saltava de dentro do capuz de Sora.
— Você tem o Gummifone, Sora. Por que não tenta ligar para ele?
Sora seguiu a sugestão do Grilo e tirou o Gummifone do bolso.
— Hã, talvez? É, por que não?
Depois que o Grilo lhe mostrou quais botões devia apertar, alguém apareceu na tela. Mas
não era Ienzo.
— Ah! Oi, Sora!

93 | K i n g d o m H e a r t s I I I : A R o m a n t i z a ç ã o
Era o rei — Mickey. Assim que ouviram sua voz, Donald e Pateta o empurraram para que
pudessem aparecer na tela.
— Vossa Majestade!
— Ei! O quê...? Número errado? — perguntou Sora, confuso.
A câmera se moveu para incluir Riku, agachado ao lado dele.
— Não, eu e Riku estamos visitando Radiant Garden. Na verdade, estávamos prestes a ligar
para vocês, mas parece que vocês foram um pouco mais rápidos.
— Sora, tem algo errado? — perguntou Riku, preocupado.
Sora se sentiu um pouco melhor por ver o rosto do amigo de novo e decidiu responder com
sua própria pergunta:
— Queria a sua opinião num assunto. Para que possamos recompletar o Roxas, ele precisa
de um corpo, né?
— Sim, para colocar o coração dele. — Riku parou para pensar por um instante e então
disse: — Réplicas...
— Hã? — Sora nunca escutara aquela palavra antes. Ou escutara? Ele não tinha certeza.
— Bem, Réplicas são basicamente humanos.
— Hã, o quê? — Sora perguntou de novo.
— Ah, certo... você não se lembra. A Organização XIII anterior desenvolveu “Réplicas”:
receptáculos realistas para inserirem corações. Na verdade, elas são tão reais que dá para confundi-
las com pessoas. E, com corações, as Réplicas se tornam pessoas. — O olhar no rosto de Riku foi
ficando cada vez mais distante, mas Sora não fazia ideia de o que ele estava pensando.
— Legal, mas se conseguirmos uma Réplica, o Roxas vai ter sua aparência normal quando
for recompletado?
— Sim. A Réplica assume a forma do coração dentro dela.
— É perfeito! — A resposta de Riku encheu Sora de alegria. Só o que precisavam fazer
agora era recuperar o coração de Roxas e, no fim, daria tudo certo.
Mickey também quis contribuir:
— Vou falar com o Ienzo. Ele estava na Organização naquela época, então pode saber mais.
— Ótimo. Obrigado.
Sora encontrara esperança. Agora, se ao menos eu conseguir o poder do despertar de volta!
De repente, toda essa conversa sobre receptáculos o fez se lembrar de uma coisa.
— Calma aí... vocês acham que eles também estão atrás de Réplicas? — ele perguntou a
Donald e Pateta.
— Não, eles disseram algo sobre “uma caixa preta” — respondeu Pateta, sem rodeios.
Agora foi a vez de Riku perguntar:
— De quem estão falando?
— A Organização e a Malévola — respondeu Sora, mas imediatamente ofegou quando se
lembrou tarde demais que eles haviam decidido guardar essa informação em segredo.
Seus dois amigos o empurraram da frente da câmera.
— Acho que esquecemos de mencionar.
— Ah, tudo bem. Mas há uma coisa que vocês precisam saber sobre um dos membros deles.
Mickey começou a lhes contar sobre a Organização XIII que fora criada mais recentemente
— a verdadeira Organização XIII.
Xehanort estava reunindo treze inquiridores das trevas para enfrentar sete guardiões da luz,
mas ainda faltavam algumas dessas luzes. Mesmo que encontrassem Aqua e Ventus, eles ainda não
tinham nenhuma pista a respeito de Terra — exceto que seu corpo estava nas garras de Xehanort
como um de seus receptáculos.
— Então deixem que o resto de nós nos preocupamos com o Roxas e a Naminé por ora —
concluiu Mickey. — Vocês continuam em sua jornada e veem se encontram o Terra.
Quando ele terminou de falar, Donald e Pateta tiraram Sora da frente da câmera de novo.
— Sim, Vossa Majestade!
— Querem parar?! — disparou Sora, voltando para o lugar aos tropeços e acidentalmente
desligando a chamada em meio a um pequeno blip.
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— Um receptáculo, hein...
— Bom, pelo menos parece que vamos conseguir fazer alguma coisa pelo Roxas — disse
Pateta, a voz baixa e os braços cruzados.
Mas Sora ainda se sentia esperançoso.
— Também temos que ajudar o Terra!
— E não se esqueça do poder do despertar! — lembraram seus amigos.
— Já chega, eu sei! — rosnou Sora, conformado.
Eu tinha tanta certeza que carregar outras pessoas comigo e me ater às minhas amizades
seria o suficiente para conseguir o poder do despertar de volta... mas será que é mesmo?

O lugar, conhecido como o Cemitério das Keyblades, era cheio de incontáveis Keyblades
fincadas no chão como lápides. Dentre elas, haviam treze pilares de pedra. Saïx estava parado ao
topo de um deles, junto a um homem de casaco negro que estava sobre outro.
— A humanidade é um presente precioso. Ainda assim, você deseja voltar à Organização?
— Saïx perguntou ao homem a seu lado.
— Ah, sim... mas é claro — respondeu o sujeito. Sua voz era mais aguda que a de Saïx. —
Uma erradicação pelas mãos de Axel foi o suficiente para saber onde não colocar minha confiança.
— Ele deu a você uma segunda chance de vida — discordou Saïx, a voz baixa.
O homem gesticulou dramaticamente enquanto falava:
— Ele me arrancou da única coisa com a qual me importo. Eu não preciso de humanidade.
Dê-me a minha pesquisa. Eu devo concluí-la, não importa o custo.
— As Réplicas — Saïx praticamente sussurrou. O homem assentiu e começou a gargalhar
descontroladamente.
— Sim. Em breve elas substituirão, não só replicarão. Com um coração, podem se tornar tão
reais quanto qualquer ser humano.
— Que notícias excelentes. Odiaria tê-lo convidado de volta à equipe apenas para falhar em
entregar nosso último receptáculo... Vexen.
O outro homem removeu o capuz, revelando que de fato era Vexen — aquele que um dia
fora conhecido como Even, o aluno leal.

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GLOSSÁRIO:

[1]
Galaxy Toys: “Galáxia de Brinquedos” | Pronúncia: Gué-lécsi Tóis (/ˈɡæləksi/ /tɔɪs/)

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RIKU E MICKEY ESTAVAM DIANTE DE IENZO E AELEUS NO LABORATÓRIO DE
Radiant Garden. Nele, havia um computador que costumava ser um elo conectado a outro mundo,
mas Ienzo o transformara num centro de informações que reunia tudo o que haviam descoberto.
Mickey e Riku estavam tentando descobrir mais a respeito das Réplicas — cópias artificiais
de pessoas que podiam ser usadas para abrigar corações. A Organização XIII havia conduzido uma
pesquisa anterior sobre o conceito e suas experiências até chegaram a obter um sucesso moderado
sob a liderança de Vexen. Riku e Mickey sabiam sobre a ruína do acadêmico gélido no Castelo do
Esquecimento e os eventos que levaram a ela, mas ainda não sabiam ao certo o que lhe acontecera
após despertar novamente como ser humano.
— O quê? Estamos atrasados? — Mickey perguntou a Ienzo.
— Sim. Even certamente saberia tudo sobre as Réplicas por conta de sua época como Vexen
na Organização. Ele foi recompletado como o resto de nós, mas não recobrou a consciência de
imediato. Depois que Lea partiu, ele deve ter acordado e ido embora — explicou o jovem de jaleco
branco. Aeleus pareceu um pouco decepcionado quando Ienzo prosseguiu: — O Aeleus aqui e o
Dilan saíram e viraram a cidade de cabeça para baixo tentando encontrá-lo. Mas nada do Even.
— Isso não é bom — disse Mickey enquanto digeria a novidade.
Foi Riku quem fez a próxima pergunta:
— E quanto à pesquisa dele?
— Infelizmente, seu trabalho com as Réplicas estava incompleto. Pode ser que ainda haja
documentos em algum lugar, mas todos de antes de ele ter feito qualquer progresso significativo.
Ienzo chamara a pesquisa de incompleta, mas tanto Riku quanto Mickey se depararam com
os resultados do seu trabalho no Castelo do Esquecimento — uma cópia de Riku conhecida como
“Riku Réplica”. Riku tinha a sensação de que também se encontrara com mais uma Réplica, mas,
por algum motivo, suas memórias do encontro estavam nebulosas. De toda forma, ele sabia que sua
própria Réplica havia sido eliminada.
— Você tem alguma ideia de onde ele possa ter ido? — perguntou Mickey, agarrando-se a
um pequeno fragmento de esperança.
— Não há nenhum lugar aonde ele poderia ir agora que é humano. Ele não teria como deixar
este mundo — respondeu Ienzo em meio a um breve suspiro.
— Os Corredores das Trevas... — murmurou Mickey, meio que para si mesmo.
— ...Estão além das capacidades dele e também das minhas agora — acrescentou Ienzo.
— Mas não das de todos — disse Riku, quebrando seu silêncio contemplativo. — E se Even
tiver sido levado?
Mickey ergueu a cabeça.
— É claro! A Organização também pode usar as Réplicas!
— Para completar seus números — Riku concluiu em seu lugar. A Organização XIII ainda
não devia ter todos os treze membros, o que queria dizer que também precisariam de receptáculos
para abrigar corações.
— É melhor irmos contar ao Mestre Yen Sid. E para o Sora e os outros também!
Riku assentiu frente à sugestão de Mickey.

Eu me lembro de uma conversa que tive com a minha mãe quando ainda era uma garotinha.
“Por que eu não posso ir lá fora?”
“O mundo lá fora é perigoso demais. Quero você aqui, onde está segura. Você entende,
minha flor?”
Ela me disse o motivo pelo qual eu não podia deixar a torre — porque o mundo é cheio de
pessoas horríveis e perigosas e ela é a única que me protege de tudo isso.
Mas e quanto às luzes que aparecem no céu todos os anos, na noite do meu aniversário?
Rapunzel ergueu o olhar para o céu noturno distante em sua janela. Várias luzes estavam
flutuando em direção às estrelas.

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Eu preciso vê-las. Vê-las de verdade, não só pela janela. Preciso saber o que elas são.
E... eu não consigo deixar de pensar que elas aparecem por mim.

Quando Sora, Donald e Pateta pousaram no próximo mundo, eles se encontraram no meio de
uma floresta verde e exuberante. Uma brisa gentil soprava pelos vãos entre as árvores enquanto o
leve gorjeio dos pássaros cantando preenchia o ar e a luz do sol, suave e agradável, era filtrada pelas
folhas sobre suas cabeças.
— Está um dia bem bonito — comentou Pateta enquanto erguia o olhar para o céu.
— É, o clima tá ótimo — respondeu Sora, alongando-se largamente ao seu lado. — Perfeito
pra um piquenique.
— Por que vocês acham que nós viemos pra cá? — disse Donald, examinando os arredores.
Não parecia haver nenhum sinal de Heartless ou Nobodies.
— Me pegou, Donald.
— A gente descobre no caminho.
Sora e Pateta não pareciam lá muito preocupados com a situação e Donald não parecia
especialmente animado com isso.
— Tá bem... — resmungou.
— Certeza que a gente foi trazido pra esse mundo por um bom motivo, mas será que não dá
pra pensar nisso depois? — perguntou Sora enquanto avançava.
— Por mim tudo bem, contanto que não tenha Heartless — respondeu Donald e, no mesmo
instante, eles ouviram um homem gritando ali perto.
Todos olharam em direção ao som e viram o dono da voz sentado no pé de uma coluna,
aparentemente tendo acabado de cair ali. E bem na sua cola havia um grupo de Heartless em forma
de plantas e flores.
— Sai da frente! Sai da frente! Sai da frente! — gritou ele enquanto se erguia aos tropeços e
corria em direção a Sora e seus amigos, que, no meio tempo, empunharam suas armas, prontos para
uma luta. Sora e Pateta, no entanto, não pareciam muito preocupados com a reviravolta.
— Tá vendo? Só falar neles que eles aparecem! — brincou Sora.
— Lá se vai o nosso piquenique — acrescentou Pateta.
O homem passou correndo por Sora e pelos outros, rapidamente escondendo-se atrás de uma
grande pedra.
— Não foi culpa minha! — ralhou Donald, virando para encarar os companheiros com um
balançar irritado de seu cajado.
— De boa. Vamos acabar com esses caras — disse Sora, inabalável. Ele posicionou sua
Keyblade novamente.
— Bom, já que os três aí parecem que sabem o que estão fazendo, se importam se eu deixar
essa com vocês? — O homem perguntou a Sora, Donald e Pateta, ainda em seu esconderijo. Ele
tinha uma pequena barbicha e não parecia particularmente bom de briga. Mais importante que isso,
não carregava consigo nada que pudesse ajudar numa luta.
— Tranquilo, a gente cuida deles. Vai, se manda!
— Agradeço muitíssimo — disse o sujeito, acrescentando então, apenas para si mesmo: —
Já não bastava aquele cavalo? Não preciso de monstros na minha cola.
— Já não bastava o quê? — grasnou Donald, a voz irritada, sem ter ouvido bem o que o
homem havia dito.
— Ah, nada, nada. Meu nome é Flynn. Flynn Rider — disse o homem, apresentando-se,
quando então gritou: — Uhh! Cuidado, eles parecem bravos!
Lembrando dos Heartless que iam se aproximando, Sora e seus amigos partiram para cima
dos inimigos. Observando-os, Flynn foi se afastando na ponta dos pés, devagar a princípio, até que
saiu correndo a toda velocidade.

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— Hã? Aonde foi o Flynn? — Agora que os Heartless haviam sido derrotados, Sora, Donald
e Pateta estavam procurando por Flynn.
— Ele se mandou.
Sora e Donald esticavam os pescoços enquanto procuravam por ele, mas quem realmente
chegara a ver a fuga de Flynn tinha sido Pateta.
— Acho que eu o vi indo por ali — sugeriu.
— Hã? Mas “por ali” é... um beco sem saída.
O caminho que Pateta havia indicado acabava numa colina coberta de trepadeiras.
— É. Que confuso — disse Pateta, perplexo. Ele tinha certeza que sabia o que tinha visto.
— Acho que devíamos investigar.
Sora se aproximou da parede de pedra, mas pelo visto era mesmo um beco sem saída. Talvez
Flynn tivesse encontrado outro caminho para seguir?
— Bom, pelo menos ele fugiu em segurança. Não é? — comentou Sora, recostando-se na
parede, quando...
— Ei! Agora o Sora também sumiu!
Quando Pateta foi inspecionar a parede de pedra, a voz de Sora veio de trás das trepadeiras:
— Por aqui, galera! É uma passagem secreta!
As trepadeiras na verdade estavam ocultando uma entrada nas rochas. Com um rápido olhar
de um para o outro, Donald e Pateta puxaram as trepadeiras para o lado e entraram num pequeno
túnel com uma luz brilhante mais ao final.
— Vamos dar uma olhada!
O trio correu logo em direção à saída ensolarada e encontrou um pequeno campo rodeado de
penhascos íngremes. Do outro lado do cenário, na encosta mais ao fundo, uma cachoeira lançava
suas águas num riacho que corria junto a uma torre impressionantemente alta.

Enquanto isso, Flynn acordou amarrado numa cadeira, incapaz de se mexer. Diante dele
havia uma garota de cabelos loiros empunhando uma frigideira. Ele notou que a corda que o prendia
ao assento era na verdade o cabelo incrivelmente comprido dela.
— Como é que vai? Meu nome é Flynn Rider. Seu dia tá bacana? Hein? — ele perguntou à
garota com o mesmo tom despreocupado que usara com Sora antes.
A garota permaneceu séria.
— Quem mais sabe da minha localização, Flynn Rider?
— Olha só, loirinha...
— Rapunzel — a garota o interrompeu com seu nome verdadeiro.
— Tá, saúde. É o seguinte. Eu tava numa roubada, andando pela floresta. Eu vi a sua torre
e... — De repente, Flynn se deu conta de uma coisa. — Opa, essa não! Cadê a minha mochila?
Rapunzel cruzou os braços, a frigideira ainda empunhada, e então abriu um sorriso para seu
prisioneiro desesperado.
— Eu escondi. Num lugar onde você nunca vai achar — declarou, apontando a frigideira na
direção de Flynn. Ela começou a andar à sua volta, as tranças de seu cabelo prendendo-o com mais
força a cada passo. — Então, o que você quer fazer com o meu cabelo? Quer cortar?
— O quê...?
— Pra vender?
— Não!
— Espera. Meu cabelo não te interessa? — perguntou ela, confusa.
— Ora, por que o seu cabelo me interessaria? Olha, estavam atrás de mim, eu vi uma torre e
subi. Fim da história — disparou Flynn.

100 | K i n g d o m H e a r t s I I I : A R o m a n t i z a ç ã o
Um camaleão — Pascal — colocou o rosto para fora do cabelo na cabeça de Rapunzel e o
avaliou com o olhar. Rapunzel e Pascal começaram então a discutir alguma coisa, até que...
— Tudo bem, Flynn Rider. Eu vou te oferecer um acordo.
— Acordo?
— Olha pra cá.
Rapunzel saltou sobre a lareira enquanto falava e, por acidente, desenrolou seu cabelo, o que
fez a cadeira de Flynn rodopiar até ele cair de cara no chão. Completamente distraída, Rapunzel
abriu a cortina em cima da lareira para revelar uma pintura das luzes brilhantes dançando no céu.
— Você sabe o que essas coisas são?
— Tá falando das lanternas que eles fazem pra princesa? — disse Flynn, ainda no chão.
— Lanternas? Eu sabia que não eram estrelas — comentou Rapunzel, exaltada, e então
apontou a frigideira para Flynn novamente. — Bom, amanhã à noite, eles vão iluminar o céu com
essas “lanternas”. Você vai ser o meu guia, vai me levar até as lanternas e me trazer de volta em
segurança. E aí, e só aí, eu pego a sua mochila e te devolvo. O meu acordo é esse.
Flynn revirou os olhos enquanto a olhava do chão.
— Olha, não vai dar não. Infelizmente, o reino e eu não estamos em um momento de muita
simpatia. Por isso, não vai dar pra te levar.
Rapunzel puxou seu cabelo com toda a força, o que ergueu a cadeira de Flynn, e então se
aproximou dele.
— Alguma coisa te trouxe aqui, Flynn Rider — pressionou ela. — Chame do que quiser:
acaso, destino... Então eu decidi confiar em você.
— Decisão horrorosa.
— Eu tô falando sério! — Ela agarrou o encosto da cadeira, seu rosto totalmente tomado por
uma sinceridade fervorosa.
— Deixa eu ver se eu entendi. Eu te levo pra ver as lanternas, trago você de volta... e você
devolve a minha mochila?
— É uma promessa. E uma promessa minha não é nunca, nunca descumprida. Eu juro.
Flynn desviou o olhar. Sua mochila continha uma tiara roubada — e ele a queria de volta,
muito, muito mesmo. Mas quanto mais se aproximasse da cidade, mais pessoas estariam atrás dele,
isso sem mencionar aqueles monstrinhos de antes.
De toda forma, ele não ia recuperar a mochila se não conseguisse fazer Rapunzel ir na dele.
Enquanto Flynn considerava qual era o melhor plano de ação, o trio que o havia ajudado
mais cedo brotou em sua mente.
Se eu os tivesse comigo, aí talvez... no pior dos cenários, eu podia deixar que eles cuidassem
das coisas enquanto eu dou no pé.
— Tá legal, beleza, eu te levo. Mas com uma condição: os meus três ajudantes vêm junto.
Rapunzel assentiu, toda animada.

Sora, Donald e Pateta estavam seguindo em direção à torre quando viram Flynn descendo
pela parede com todo o cuidado, fincando flechas em meio aos tijolos para se apoiar.
Ao lado dele, uma cascata do que parecia um longo cabelo dourado desabou em direção ao
chão, seguida por uma garota que desceu deslizando por ele. Ela subitamente parou a um palmo de
distância do chão, abaixando os pés nervosamente pelo resto do caminho. Ela então se agachou e
passou as mãos pela grama.
— É tão macia! — Ela então saiu correndo pelo campo adiante. — Eu estou livre... estou
mesmo livre!
Quando finalmente chegou ao pé da torre, Flynn ficou observando enquanto ela rodopiava e
dançava pela colina.
— Flynn, bom ver que você tá inteiro!

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— Gente! Vocês chegaram bem na hora — ele exclamou para Sora e seus amigos enquanto
eles se aproximavam.
— Hã, quem é ela?
— Bom, aquela é a Rapunzel. Alguma coisa me diz que essa é primeira vez que ela vem
aqui fora. Só dar um tempinho que ela já se acostuma.
A garota em questão estava agora entrando no riacho formado pela cachoeira. Isso fez Sora
se lembrar da primeira vez que deixou as ilhas. Embora não tivesse ficado tão empolgado quanto
ela, tudo lhe parecera tão novo e diferente.
— Eu não acredito no que eu fiz, eu não acredito no que eu fiz, eu não acredito no que eu
fiz! — exclamou ela enquanto revirava campo de cima a baixo... apenas para subitamente parar e se
abaixar na beira da água. — Mamãe vai ficar furiosa se souber que eu desobedeci e saí da torre...
Mesmo assim, ela logo se levantou novamente.
— Mas tá tudo bem. Quer dizer, o que os olhos não veem, o coração não sente... né?
A dança de Rapunzel logo deu lugar de volta à preocupação.
— Puxa, e agora? Ela vai sentir sim.
— Isso é tão legaaaaaal!
— Eu sou uma péssima filha. Eu vou voltar.
— Eu não vou voltar nunca mais!
— Eu sou um ser humano horrível.
— O melhor. Dia. Da minha vida!
Por um tempo, Sora e os outros ficaram assistindo enquanto Rapunzel corria de um lado ao
outro, até que ela finalmente tombou junto à uma árvore e caiu em prantos.
— Não pude deixar de notar que você tá vivendo um conflito interno — Flynn disse a ela.
— Acho que é mais que só um conflito — disse Sora.
— Tá mais pra uma guerra — acrescentou Donald.
— Pois é... — disse Pateta.
Finalmente notando os três estranhos a seu lado, Rapunzel ergueu o olhar, surpresa, e logo
empunhou sua frigideira.
— Parados aí! Quem são vocês?
— Eu te falei deles antes: são os meus ajudantes — respondeu Flynn, desviando o olhar para
os três. Só vão na onda, vai. Por favoooooor. — Deixa eu apresentar, hã...
— Ah, hã... meu nome é Sora.
— Donald!
— E eu sou o Pateta. É um prazer, mocinha.
Eles logo entenderam e se apresentaram, mas Rapunzel ainda parecia desconfiada. Em seu
ombro, Pascal colocou a cabeça para fora de seu cabelo.
— Sora, Donald e... Pateta. É... um prazer conhecê-los também. Me chamo Rapunzel.
— Isso aí. Meus ajudantes — Flynn lembrou a ela.
Sora se aproximou e puxou a manga de sua camisa.
— Mas que história é essa?
— Olha, ela quer muito ver o show das lanternas amanhã à noite. E como eu sou um baita
cara legal, resolvi ajudar ela. O único problema é que esses monstros podem aparecer de novo. Eu
posso até levar ela lá pro reino... mas vocês claramente são muito melhores no combate. Do tipo
heroico, sabe como é que é?
Flynn obviamente os estava bajulando, mas Donald mordeu a isca:
— Pode apostar!
Pateta ergueu uma mão.
— E somos especialistas em Heartless.
— Pode deixar com a gente! — acrescentou Sora.
Flynn apontou para o trio com ambas as mãos e disse:
— Feito!
Ele então estendeu uma das mãos para guiar Rapunzel e ela começou a andar a seu lado.
— Essa Rapunzel é interessante — comentou Donald quando o trio partiu atrás deles.
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— Sim, seu coração a leva de corpo e alma.
Atrás de Donald e Pateta, Sora não conseguiu deixar de lembrar de como fora para ele
quando também deixou sua casa pela primeira vez.
— O mundo exterior deve parecer tão grande e assustador. Eu sei como ela se sente. Pra
minha sorte, vocês dois apareceram bem na hora certa. E o resto tem sido inesquecível.
Eu me lembro como se fosse ontem — de partir das Ilhas do Destino, chegar em Traverse
Town e aí o Donald e o Pateta caírem do céu em cima de mim.
— Awwwn... — disse Donald, a voz suave, enquanto olhava para o amigo, tocado.
Mas quando Sora olhou nos olhos de Donald, o momento subitamente lhe pareceu muito
mais constrangedor que antes.
— É, inesquecível... que nem a tua cara!
Mais uma vez, Donald começou a gritar, irritado:
— É o quê?!
É isso aí, eu nunca tive nenhum amigo que fosse tão engraçado quanto vocês dois!
Ao lado de Donald, Pateta abriu um grande sorriso e, um pouco mais a frente, Rapunzel se
virou para eles.
— Vem, vamos! — Sora disse aos dois amigos, voltando a andar. Eu nunca me esqueceria
de vocês, Donald e Pateta. Vocês são dois dos meus melhores amigos.

Naquele exato momento — uma mulher vasculhava a torre vazia.


— Rapunzel! — chamou ela. — Rapunzeeel!
Era a mulher que havia criado Rapunzel, a Mamãe Gothel. Ela revirou o cômodo de cabeça
para baixo, mas não havia nem sinal de sua filha em lugar algum.
Foi quando um raio de luz que entrava pela janela recaiu sobre algo que havia sido enfiado
embaixo de um dos degraus da escada. A Mamãe Gothel correu até lá e puxou a tábua solta,
revelando a mochila escondida ali embaixo.
Ela a pegou e examinou o que havia dentro — que por acaso era uma tiara brilhante. Havia
também um cartaz de PROCURADO com o rosto de Flynn estampado.
— Procurando alguém?
A Mamãe Gothel se virou com tudo, assustada com a voz misteriosa. O intruso era um
homem de cabelos cor-de-rosa e um casaco negro. Uma névoa negra pairava no ar à sua volta.
— Quem é você? — perguntou a Mamãe Gothel, ainda com medo.
— Ela é um presente bastante especial. Permita-me ajudar a recuperá-la — disse Marluxia.
Quando se aproximou da Mamãe Gothel, os olhos escuros da mulher assumiram um tom sinistro.

O entusiasmo de Rapunzel continuava forte na floresta:


— Quem diria que flores podem crescer na água? Esse mundo é cheio de tantas coisas que
eu nunca vi antes!
— Parece que ela nunca esteve aqui fora mesmo — comentou Pateta, distraído, enquanto
observava Rapunzel correndo de um lado para o outro, radiante como o sol.
De repente, algo que Riku havia dito antes de eles partirem das Ilhas do Destino brotou na
cabeça de Sora:
“Se existem outros mundos lá fora, por que acabamos justamente neste? É por isso que
precisamos ir pra lá e descobrir. Se continuarmos aqui sentados, nada vai mudar.”
Ele era exatamente como a Rapunzel é agora.
Não sei dizer se o caminho que o Riku escolheu foi o certo, mas eu nunca me arrependi de
me aventurar no mundo exterior. Foi assim também que eu conheci todos os meus amigos.

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Sua alegria era contagiante — ela estava se divertindo à beça, soprando pétalas de dentes-
de-leão no ar, perseguindo coelhos e jogando água para o alto para fazer um arco-íris. Sora, por sua
vez, também estava curtindo bastante, saltando pelas ravinas pendurado em seu cabelo. Rapunzel
era pura e simplesmente assim: divertida.
Havia Heartless pelo caminho até o reino, mas o grupo era imbatível. Rapunzel também se
junto à luta. Mas então...
— Ah, olha. O que é aquilo? — exclamou Rapunzel quando viu algo diferente mais à frente.
Tratava-se de um enorme botão de flor crescendo no meio da trilha.
— Seja lá o que for, não é normal. Vou dar uma olhada.
Sora se aproximou para inspecionar o botão, mas, por ora, não encontrou nada de suspeito.
— Acho que tá tudo bem — ele disse por cima do ombro, tranquilo. Não aparentava ser
nada mais que uma flor normal que, por acaso, era excepcionalmente grande.
Mas no momento que todos suspiraram aliviados...
O botão de flor gigante se abriu, revelando a parte superior de um corpo com uma foice em
mãos. Ela flutuou no ar e atacou Sora com a lâmina a uma velocidade pavorosa.
— Sora! — gritou Donald.
Frente ao alerta, Sora se virou com tudo e se esquivou da investida a toda velocidade. Assim
que voltou a se erguer e empunhou sua Keyblade, outros dois monstros apareceram.
— São Nobodies! — exclamou Pateta. Nada de Heartless daquela vez.
— Bem que a mamãe disse que o mundo exterior estaria cheio de arruaceiros e bandidos. —
Rapunzel ergueu sua frigideira, pronta para a luta.
— Não são arruaceiros. São... ah, sei lá... — Donald tentou explicar o que eram Nobodies,
mas não sabia como fazê-lo.
— Rapunzel, Flynn, pra trás! — gritou Sora.
— Não. Eu quero te ajudar a lutar — respondeu Rapunzel.
Mas Sora ainda se posicionou entre as criaturas e seus amigos.
— Eu sei. Mas receio que você não vai conseguir machucar esses caras com uma frigideira.
Confia em mim nessa — disse ele. — Flynn, pode explicar pra ela?
— Sem problema. Saber quando fugir é uma das minhas especialidades — respondeu ele,
indo então até Rapunzel e dizendo: — Vem, Rapunzel, temos que ir.
— Mas...
— Olha, eu também bem que queria ficar e cair na porrada, mas meus ajudantes dão conta
— explicou Flynn, mas Rapunzel não pareceu convencida. Ela o fitou por um momento, mas então
se virou de volta para Sora.
— Certo. Por favor, tome cuidado, Sora.
Quando se certificou que Rapunzel e Flynn finalmente tinham fugido para um lugar seguro,
Sora encarou os Nobodies com um olhar férreo. Era hora da luta!
Os Nobodies que carregavam foices pareciam ceifadores de almas, como a própria Morte —
mas o que os Nobodies estavam fazendo ali, afinal? Enquanto lutava com eles, Sora não conseguiu
tirar a pergunta da cabeça. Se esses caras estão aqui, então...
— Vocês sabem quem usa Nobodies...
— A Organização! — Donald rapidamente concluiu a ideia de Sora.
— É. Tô surpreso por ainda não termos visto eles.
Sora examinou a área depois de eliminar o último Nobody.
— Sei que estão aí! Apareçam, fracassados!
— “Fracassados”? E por que diria algo assim? — perguntou um homem de casaco negro
com cabelos cor-de-rosa na altura dos ombros que veio andando em direção a eles.
Sora nunca o havia visto antes, mas ele o encarou mesmo assim.
— Porque, qual é, mandar Nobodies pra fazer o trabalho sujo? Isso é coisa da Organização
antiga. O quê? Você também tá na “verdadeira”? Meus parabéns.
O homem deu uma breve risada.
— Meu nome é Marluxia e, sim, você está certo. É deveras interessante vê-lo de novo, Sora.
— “De novo”? Eu te conheço?
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Sora olhou de volta para Donald e Pateta, mas eles apenas balançaram a cabeça. Estranho...
eu sinto mesmo que já o vi antes. Mas onde?
— É uma pena que não se lembre de mim, porque eu me lembro muito bem de você.
Embora... sejam aquelas memórias que eu gostaria de apagar.
— Eu não sei do que você tá falando — disse Sora. Esses esquisitões da Organização XIII
gostam mesmo de monólogos misteriosos, né?
— Nem deveria. E nem saberá, por sinal — respondeu Marluxia, dando alguns passos na
direção oposta. — Agora, se me permite, eu vim lhe pedir um favor. — Ele cruzou os braços.
— Um favor? Só pode tá tirando comigo.
— Por favor, ouça o que tenho a dizer. Tenho certeza de que notou... — Marluxia fez uma
pausa e fitou Sora com um olhar pensativo. — Bom, talvez não. Mas você deve saber que a donzela
que te acompanha, Rapunzel, é a própria luz deste mundo. Gostaria que você a protegesse de seus
horrores sombrios.
O pedido pegou Sora de surpresa.
— Hã? — respondeu ele, inquieto. — Começando por você, né?
— Tudo o que a Organização busca é o equilíbrio. Você deve entender, nosso objetivo final
não é enfrentar a luz. Buscamos complementá-la. Use essa sua Keyblade... para manter Rapunzel a
salvo — Marluxia disse a ele de forma dramática e então desapareceu em um Corredor das Trevas.
— A luz da Rapunzel... — murmurou Sora.
Ele e seus amigos uma vez lutaram para proteger os sete corações de luz pura — as sete
princesas. Kairi era uma delas. O que devia significar que Rapunzel também era...
— Ei, pra onde eles foram? — Sora virou a cabeça de um lado para o outro, mas não havia
sinal de Flynn ou Rapunzel.
— Acho que devem ter ido na frente.
— Então é melhor procurarmos eles.
Sora, Donald e Pateta continuaram seguindo caminho pela floresta... enquanto Marluxia os
observava do alto de uma colina.

Marluxia assistia enquanto a penugem dos dentes-de-leão flutuava em meio ao céu.


Aquela floresta tinha uma grande exuberância de flores e as sementes dos dentes-de-leão
dançavam livremente pelo ar. Para algumas flores, todos podiam dar um nome — enquanto outras
flores estavam perdidas nas trevas.
A coisa mais aterrorizante de todas é esquecer e ser esquecido.
Um ou dois elos perdidos em uma corrente de memórias podem fazer com que você se perca
por completo. Sora e seus amigos são a prova viva.
Eu sequer me lembro corretamente? Não me esqueci de como estava me sentindo naquela
época? Terão as minhas recordações se deteriorado depois de todo este tempo?
Os experimentos no Castelo do Esquecimento eram sobre a memória — e, ao final, eu
desapareci por um tempo. No entanto, cá estou eu.
Quem eu sou, por que estou aqui?
Essas respostas deviam estar claramente gravadas na minha memória — não deviam? Será
que eu realmente me lembro? Quem sabe a resposta?
Tudo o que consigo me lembrar é do nome daquela flor, daquele pequeno desabrochar — o
nome e nada mais. Terei eu sido consumido pelo florescer da escuridão e derrubado nas trevas do
esquecimento?
Por favor, florzinha, eu só queria que você florescesse para sempre.
Minha florzinha querida — Strelitzia.

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Depois de se aventurarem por um pântano escuro, Sora e outros ouviram Rapunzel gritando:
— Ô, ô, ô! Ô, ô, ô, ô. Calma, rapaz, calma! Sossega. Ô, ô!
Sora, Donald e Pateta olharam uns para os outros e então saíram correndo. Rapunzel podia
estar sendo atacada.
— Você é um menino muito legal! É sim, senhor!
Quando chegaram perto o suficiente para ouvirem com mais clareza, encontraram Rapunzel
acariciando o focinho de um cavalo branco. Pelo que parecia, o cavalo estava bravo com alguém.
— Você tá cansado de perseguir esse malvadão por aí?
O cavalo relinchou. Então queria dizer que o “malvadão” em questão era... Flynn?
— Ninguém te dá valor, não é? Não é? — arrulhou Rapunzel, checando a placa no pescoço
do cavalo. MAXIMUS, dizia. Rapunzel sorriu. — Não é verdade, Maximus?
Maximus não parecia completamente aborrecido por ter os braços de Rapunzel à sua volta.
— O quê...? Você só pode tá de brincadeira. — Flynn bateu com a mão na testa e Maximus
o metralhou com um olhar de fúria. Aparentemente, Maximus o estava perseguindo.
— Olha, hoje é, tipo, o dia mais importante da minha vida e eu queria que você não levasse
ele preso hoje, tá? — disse Rapunzel. Maximus balançou a cabeça com força e encarou Flynn com
todo o ódio. — Só por vinte quatro horas. E aí pode ir atrás dele o quanto você quiser. Tá legal?
Flynn desistiu com um suspiro e estendeu a mão para Maximus, mas o cavalo apenas virou a
cabeça para o outro lado.
— E também é meu aniversário. Pra sua informação — acrescentou Rapunzel, seus olhos
cheios de esperança.
Maximus também soltou um suspiro, estendendo a pata da frente com uma expressão mal-
humorada. Com relutância, Flynn a apertou.
— Rapunzel!
Sora, Donald e Pateta vieram correndo. Assim que Rapunzel se distraiu, Maximus deu um
coice em Flynn, derrubando-o ao chão em meio a um chiado sibilante.
— Vocês chegaram. E estão bem!
— Sim! Você também.
Rapunzel e Sora compartilharam um sorriso.
— E vejam! Fiz um amigo.
Maximus relinchou quando Rapunzel lhe acariciou o focinho.
— Conheçam o Maximus. Pode-se dizer que o Flynn nos apresentou. E pra onde um vai, o
outro vai atrás. — Ela apontou para Sora e seus amigos. — Esses são o Sora, o Pateta e o Donald.
Eles estão me ajudando.
Maximus pareceu ter dúvidas a princípio, mas quando notou que eram amigos de Rapunzel,
ergueu a cabeça com orgulho e assentiu para demonstrar sua aprovação.
— Vamos, o reino não fica longe — disse Flynn quando finalmente voltou a se levantar,
esfregando a barriga.

Atravessando a floresta havia um lago e, do outro lado, encontrava-se a magnífica cidade


real, em volta do grandioso palácio. Sora e os outros foram avançando junto à margem do lago até
encontrarem a ponte de pedra que levava à cidade.
— Uau...!
Rapunzel atravessou a ponte praticamente dançando, com Flynn e Maximus em sua cola.
Sora, Donald e Pateta não estavam muito atrás.
— A Rapunzel parece mesmo feliz.
— Parece sim.
Observá-la correndo à frente em profundo deleite encheu Sora e seus amigos de alegria.
Enquanto uma música animada flutuava pela ponte em sua direção, o trio seguiu Rapunzel, Flynn e
Maximus e atravessou o portão.

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Todos ali pareciam estar se divertindo à beça — alguns até dançavam pelas ruas. A medida
que iam andando, Pateta ouviu alguns trechos de conversas.
— Parece que vão lançar as lanternas assim que escurecer — ele disse a Sora.
— Legal! — exclamou Sora, empolgado. — Não queremos perder isso!
Quando chegaram à praça, havia um grande mural que ficava bem no centro, um mosaico
mostrando uma pequena princesa em meio ao rei e a rainha, com uma inscrição logo abaixo: “Para
a princesa perdida.”
Foi quando Sora viu Rapunzel dançando junto ao povo da cidade. Seu cabelo agora também
estava trançado e enfeitado com flores.
— Devemos nos juntar a eles?
— Mas é claro! — Donald deu um grande salto no ar, sacudindo as penas da cauda.
Os três juntaram as mãos às das pessoas da cidade e começaram a dançar, avançando pelo
círculo que se formara até que finalmente se reuniram com Rapunzel. Mesmo Flynn, que até então
ficara apenas olhando ao longe, acabou se juntando ao círculo.
O tempo voou e, antes que pudessem perceber, a parte noturna do festival se aproximava.
Assim que escurecesse, Rapunzel finalmente poderia ver as incríveis lanternas em pessoa.

O sol da tarde afundou no mar e a noite enfim chegou ao reino. Rapunzel e Flynn haviam
ido para o lago juntos em um pequeno barco.
Pateta foi até a beira de um cais próximo e se sentou para observar o céu ao lado de Sora e
Donald, que estavam discutindo de novo.
— Não ouse interromper!
— Eu sei, eu sei!
O grande momento estava prestes a começar. No barco, Rapunzel também estava com os
olhos fixos no céu noturno.
— Eu fiquei olhando pela janela por dezoito anos e sonhava com o que iria sentir quando
visse aquelas luzes subindo no céu. E se não acontecer da maneira que eu achei que fosse?
— Vai ser sim — Flynn lhe garantiu gentilmente.
— E se for, e daí? O que eu faço depois?
— Bom, acho que essa é a parte legal. Tem que encontrar um outro sonho.
Flynn a fitou intensamente e Rapunzel respondeu com um sorriso. Durante as festividades,
um laço especial se formou entre eles.
Foi quando uma pequena luz — uma lanterna — se ergueu do reino, sinalizando às demais
para que se juntassem a ela no céu.
A vista era algo tirado de um sonho.
Rapunzel assistiu com toda a atenção enquanto o céu noturno se enchia de incontáveis luzes
e então olhou de volta para Flynn. Ele estava segurando uma lanterna em cada mão.
Seus olhos transmitiam tudo o que precisava ser dito. Rapunzel pegou uma das lanternas de
Flynn e então a soltou no ar. Ele fez o mesmo. Os dois observaram enquanto suas luzes flutuavam
juntas, aproximando-se cada vez mais à medida que se erguiam em direção à noite.
Sora, Donald e Pateta assistiam enquanto as lanternas faziam sua jornada em direção ao céu.
Infelizmente, o silêncio foi quebrado quando um grupo de Nobodies apareceu atrás deles.
— Não tinha como escolherem uma hora pior? — Sora suspirou enquanto se levantava.
— Não acho que eles apreciem o momento, Sora — ironizou Pateta.
— Nem um pouco! — acrescentou Donald.
— Tá na hora desses estraga-prazeres se mandarem!
Prontos para a batalha, Sora e seus amigos rapidamente partiram para cima dos Nobodies.

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Não muito tempo depois, as lanternas desaparecerem em meio à noite e Rapunzel e Flynn
voltaram à costa em seu barco. Flynn parecia um pouco nervoso.
— Me desculpe. Tá tudo bem. Só que... eu preciso resolver uma coisa — disse ele, a voz
baixa enquanto se afastava de Rapunzel.
— Tudo bem. — Ela assentiu, inquieta.
— Eu volto já.
E com isso, Flynn logo desapareceu atrás de uma série de pedras mais adiante na margem do
lago. Pascal apareceu sobre o ombro de Rapunzel, um olhar inquieto estampado no rosto.
— Tá tudo bem, Pascal — ela lhe disse, talvez também tentando convencer a si mesma.
Pouco depois, enquanto ainda esperava pelo retorno de Flynn, Rapunzel notou um pequeno
barco velejando devagar pela superfície negra do lago. Ela o examinou com atenção. Pensou ter
visto Flynn nele, mas não conseguia dizer ao certo de onde estava.
— José? — ela gritou para o barco.
Não houve resposta. Em vez disso, alguém apareceu diante dela.
— Quem é você? — perguntou Rapunzel, mesmo com o olhar ainda completamente voltado
para Flynn e o barco.
— Esqueça de Flynn Rider — disse Marluxia. — Você sabe qual é o seu lugar e não é com
ele. Agora...
Nobodies se materializaram diante dela, como se para mantê-la afastada de Flynn. Rapunzel
engoliu em seco nervosamente e se virou para fugir. Ela saiu correndo, mas só conseguiu percorrer
uma pequena distância — seu cabelo acabou enroscando em um galho, prendendo-a.
De repente, alguém lhe chamou pelo nome:
— Rapunzel!
— Mamãe?
Era sua mãe, que carregava um galho nas mãos. Os Nobodies haviam desaparecido. Calma,
a mamãe derrotou aqueles monstros...?
O coração de Rapunzel foi tomado de alívio.
— Ah, minha menina preciosa!
— Mamãe...
Mamãe Gothel correu até Rapunzel e a tomou em seus braços.
— Você está bem? Se machucou?
— M-Mamãe, como você...?
— Estava tão preocupada com você, querida. E fui te seguindo. Aí vi quando te atacaram e...
— Mamãe Gothel tomou Rapunzel em mais um abraço apertado. — Ah, querida. Vamos. Vamos,
antes que eles voltem.
Ainda nos braços de sua mãe, Rapunzel se virou e olhou para o pequeno barco que seguia
cruzando o rio mais ao longe. É como a mamãe sempre disse: o mundo exterior é um lugar terrível.
Eu tinha razão de ter medo.
Mantendo-se perto de sua mãe, Rapunzel saiu andando.

— Ei, aquela não é a Rapunzel?


Quando sua batalha contra os Nobodies terminou, Sora, Donald e Pateta viram Rapunzel
sendo levada por uma mulher. Não havia como confundir as tranças douradas e brilhantes, mas,
daquela distância, não conseguiam identificar quem era a mulher que a acompanhava.
— Espera! Rapunz... — gritou Sora, mas foi interrompido antes que Rapunzel pudesse ouvi-
lo, quando Marluxia emergiu da escuridão.
— Mostre um pouco de classe.
Sora e seus amigos prepararam as armas para a ação.
— Você de novo! — gritou Donald, com raiva.
— A menina encontrou sua querida mãe — advertiu Marluxia. — Deviam deixá-las em paz.

109 | K i n g d o m H e a r t s I I I : A R o m a n t i z a ç ã o
— E por que isso? — Sora não conseguia esconder sua irritação.
— Porque Rapunzel é importante demais. No topo de sua torre, ela deve permanecer fora de
vista e viver seus dias com a Mamãe Gothel.
— E nunca mais ver ninguém? — Pateta estava confuso com tudo aquilo, mas Sora logo
captou as implicações:
— Mas isso é como... trancá-la numa prisão!
Agora que havia vivenciado as maravilhas do mundo exterior, a vida de Rapunzel na torre
seria muito mais difícil.
— É exatamente assim que é. O cabelo de Rapunzel possui a poderosa magia da cura. E sim,
a Mamãe Gothel a quer para si. Tal qual outras pessoas. E se as ações da Mamãe Gothel protegerão
Rapunzel, a preservarão... então ela está fazendo um favor à Organização — admitiu Marluxia, sem
qualquer vergonha.
Sora ficou pasmo com quão inacreditavelmente egoísta podia ser a lógica de Marluxia.
— Que favor? — perguntou ele secamente.
— Digamos que ela esteja reservando Rapunzel para nós. Um peão extra, só para o caso de
vocês não conseguirem encontrar os guardiões da luz restantes. E para que possamos invocar outros
corações de luz em seu lugar. Novos Sete Corações para completar nossos números.
Sora nunca tinha ouvido nada sobre aquilo.
— “Novos Sete Corações”? — repetiu ele, a voz baixa.
Queria dizer que a Organização XIII precisava de novas luzes das princesas para usar como
um plano B. Havia sete guardiões da luz e sete novos corações.
Marluxia também mencionara a questão de não conseguissem encontrar os demais guardiões
— devia estar se referindo a Aqua e aos outros.
— Sim. Sete que herdaram a luz das princesas depois que seu papel foi cumprido.
— Então você não tá nem aí pra ela. Vocês só querem a Rapunzel pros seus próprios fins!
— Sora encarou Marluxia e apontou sua Keyblade para ele. — Bom, acabou pra você!
— Hmph. Eu sabia que você faria uma cena. Muito bem, então vamos apagar a luz para
você. — Com um balançar da mão, Marluxia lançou uma névoa rodopiando em direção a Sora,
envolvendo seu rosto com ela.
Quase no mesmo instante, Sora sentiu sua cabeça mais pesada. Hã...? Isso...?
Um sonho do qual não havia como acordar. Sora estava começando a perder a consciência.
— Sora!
Ele podia ouvir Donald e Pateta chamando seu nome de algum lugar muito, muito longe.
Não consigo me lembrar quando foi... mas acho que essa não é a primeira vez que eu caio
no sono desse jeito.
Quando... quando foi isso mesmo? Não consigo... eu tô muito cansado...
— Você sempre teve um sono tão profundo.
Essas foram as últimas palavras que Sora ouviu.

Enquanto isso, Rapunzel estava deitada na cama após voltar para a torre com a Mamãe
Gothel. Tudo o que havia acontecido — quase parecia um sonho. Quem sabe? Talvez realmente
tivesse sido. O mundo exterior era um pesadelo, assim como ela lhe havia dito.
...Ou não era? Estava mesmo tão cheio de coisas terríveis?
Rapunzel apertou em sua mão uma pequena bandeira que pegara no festival. Estava bordada
com o símbolo em forma de sol da família real — exatamente o mesmo símbolo do teto, ela notou.
Sim... Sim, agora eu me lembro. Aquela tiara... ela era minha. Agora eu sei a verdade.
Eu... sou a princesa perdida.
Rapunzel se levantou da cama e começou a andar em volta sem rumo.
— Eu...
A Mamãe Gothel estava com ela, observando-a.

110 | K i n g d o m H e a r t s I I I : A R o m a n t i z a ç ã o
— Por favor, fale alto, Rapunzel — disse ela. — Sabe que eu odeio quando resmunga.
— Eu sou a princesa perdida. Não sou?
Os olhos da Mamãe Gothel se arregalaram.
— Eu resmunguei, mamãe? Será que devo chamar você assim?
— Ó, Rapunzel. Você tem noção do que fala? Por que fazer uma pergunta ridícula dessas?
— disse a Mamãe Gothel, a voz relaxada enquanto levantava a mão para tocar Rapunzel, mas a
garota a afastou.
— Foi você então! O tempo inteiro!
— Tudo o que eu fiz foi pra proteger você. — Quando a Mamãe Gothel tentou abraçá-la,
Rapunzel a empurrou e então desceu correndo pelas escadas. — Rapunzel...
— Passei a minha vida inteira me escondendo das pessoas que me usariam pelos meus
poderes... quando deveria ter me escondido de você!
Ela correu em direção a uma das janelas da torre.
— Aonde você vai? Ele não vai estar lá esperando — declarou a Mamãe Gothel, a voz agora
fria feito gelo.
— O que você fez com ele?
— Aquele marginal vai ser enforcado por seus crimes.
— Não...
— Não, não, fique tranquila. Me escute. Tudo aconteceu como deveria ser, meu bem. — A
Mamãe Gothel se aproximou, pressionando Rapunzel contra o batente da janela, e então se lançou
em direção a seu cabelo.
Rapunzel segurou seu pulso antes que a Mamãe Gothel pudesse tocá-la.
— Não! Você errou sobre o mundo. E errou sobre mim. E eu nunca vou deixar você usar
meu cabelo outra vez!
A Mamãe Gothel se soltou da mão de Rapunzel.
— Quer me transformar na vilã? Assim seja. Então eu sou a vilã. — Uma aura negra surgiu
em volta da Mamãe Gothel e seus olhos então assumiram um brilho rubro.

Eu tô dormindo...
Onde eu tô? O que... o que eu tô fazendo?
— Sora!
Era a manhã após o festival e a luz pálida da alvorada iluminava o rosto de Sora enquanto
dormia. Donald e Pateta chamavam seu nome desesperadamente, mas ele não acordava.
De repente, um jovem montado num cavalo branco veio galopando — Flynn e Maximus,
eles notaram. Flynn havia escapado de um verdadeiro problemão graças a ajuda de seus amigos e
agora os dois estavam seguindo caminho para salvar Rapunzel.
— Ô, Max! Ô, rapaz.
Maximus relinchou até parar, diante do que Donald e Pateta ergueram o olhar, claramente
perturbados.
— Ah!
— Flynn!
O jovem olhou para Sora de cima de Maximus.
— O Sora tá bem?
— Não sabemos. Continuamos chamando seu nome e sacudindo ele, mas ele simplesmente
não abre os olhos.
Flynn suspirou quando Pateta lhe contou sobre seu dilema.
— Sora!
— Acorda!
Não importava quantas vezes seus amigos gritavam em seu ouvido, Sora sequer se mexia.

111 | K i n g d o m H e a r t s I I I : A R o m a n t i z a ç ã o
— Hmm... Ajudante fora de combate... — Flynn parou para pensar por um momento, os
braços cruzados, e então desviou o olhar para o cavalo. — Calma aí um pouquinho. Eu sei como
consertar isso! Max, dá um banho nele!
Maximus lambeu o rosto de Sora.
— H-Hã... — Os olhos de Sora lentamente se abriram.
— Olha, até que funcionou. Bom trabalho, Max!
O cavalo abriu um grande sorriso orgulhoso frente ao elogio.
— Hã? Como foi que eu...? — disse Sora enquanto esfregava os olhos para fazer passar o
sono e ia se levantando. Hmm...
Foi quando se lembrou.
— Essa não! Flynn, a Rapunzel tá sendo mantida prisioneira!
— Isso mesmo. Na torre da mãe dela. Isso exige um resgate. — Ele fez uma pausa e fitou
Sora nos olhos. — Está comigo?
Flynn estendeu a mão para ele. Sora a pegou e Flynn puxou o amigo para trás de si, em cima
de Maximus.
— Isso aí!
Donald e Pateta também pularam para montar no cavalo, com Donald sobre os ombros de
Sora e Pateta sentado logo atrás.
Naturalmente, o peso da equipe toda foi quase demais para as pernas de Maximus e ele
brigou para conseguir continuar de pé. Mas com um relincho baixo e determinado e muito esforço,
o cavalo conseguiu se recompor e relinchou com ainda mais força.
— Vamos lá, Max!
Maximus disparou a todo galope em direção à torre onde Rapunzel estava presa.
As árvores densas e os campos de flores da floresta foram passando a toda velocidade —
eles estavam viajando o mais rápido que Maximus conseguia correr, até que um grupo de Nobodies
surgiu para bloquear o caminho. Pareciam inimigos bem fortes.
Sora, Donald e Pateta desceram de Maximus, suas armas já prontas para o combate.
— A gente assume aqui, Flynn. Vai ajudar a Rapunzel.
— Obrigado! — respondeu Flynn, habilmente dando a volta pelos inimigos com Maximus.
— Beleza, hora da festa! — Sora partiu para cima dos Nobodies.

Flynn subiu a torre o mais rápido que pôde.


Espero que ela esteja bem. Bom, se a Mamãe Gothel a quer pelo seu poder, então não faria
nada com ela. Mas enquanto estiver aqui, a Rapunzel nunca estará livre.
Tendo enfim escalado a parede da torre, Flynn pôs a cabeça para dentro da janela.
— Rapunzel! Achei que não te veria outra vez.
Mas então, Flynn notou que ela estava acorrentada, a boca coberta por um pedaço de pano, e
entrou na torre com tudo, a fim de libertá-la.
Rapunzel deu um grito de alerta por trás da mordaça quando a Mamãe Gothel se esgueirou
por trás dele para atacar. Quando finalmente notou o que estava havendo, Flynn sentiu algo entrar
queimando em seu estômago. Os gritos de Rapunzel continuaram abafados.
Flynn caiu no chão e gemeu frente à dor lacerante, mas não tirou os olhos de Rapunzel.
— Rapunzel, francamente! Agora já chega! Pare de lutar assim!
A Mamãe Gothel arrastou a garota pelas correntes, mas Rapunzel não parava de resistir. O
pano caiu de sua boca.
— Não! Não vou parar! — vociferou a garota. — A cada minuto do resto da minha vida, eu
vou lutar!
A Mamãe Gothel a fitou com um olhar temeroso.

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— Eu nunca vou desistir de tentar fugir de você! — Rapunzel lhe disse veementemente, mas
então, por um momento, desviou o olhar de volta para Flynn. Sua rebelião deu lugar a súplica: —
Mas... eu vou com você sem reclamar, se me deixar salvá-lo.
— Não! Não, Rapunzel... — implorou Flynn, sua voz cheia de dor.
Mas Rapunzel não havia terminado:
— Eu nunca vou fugir... nunca vou tentar escapar. Só me deixe curá-lo de uma vez... e
vamos ficar juntas, pra sempre, como você quer. Tudo vai voltar a ser como antes. É uma promessa.
Como você quiser. É só... você me deixar curá-lo.
A Mamãe Gothel encarou Flynn com um olhar frio e ameaçador. E então, em meio a um
rápido movimento, se aproximou dele e acorrentou seus braços.
— Caso você tenha ideia de ir atrás da gente — sibilou ela após se certificar de que ele não
conseguia se mexer.
— J-José! — Rapunzel correu até Flynn. — Ah, me desculpe. Tudo vai ficar bem agora.
— Não... Rapunzel...
Me salvar significa que ela vai perder sua liberdade para sempre.
— Eu prometo. Você tem que confiar em mim.
— Não! Eu não posso aceitar.
Eu quero que você seja feliz, mesmo que isso me custe a minha vida.
Mas Rapunzel apenas pousou suavemente a cabeça sobre sua bochecha.
— E eu não posso deixar você morrer.
— Mas se fizer isso... se fizer isso, você vai morrer — ofegou Flynn. A dor começava a
entorpecer sua mente.
— Escuta. Vai ficar tudo bem — disse ela, a voz gentil.
Flynn fez uma última tentativa de salvá-la.
— Rapunzel... espera — murmurou.
Ela parou e ele se ergueu para abraçá-la de perto — e então cortou seu cabelo com um caco
de vidro que mantivera escondido em sua mão.
— José, o quê...?! — As tranças louras de Rapunzel se escureceram diante de seus olhos.
— Não! — urrou a Mamãe Gothel, juntando o cabelo caído junto a si. Sua luz dourada já
havia desvanecido. — Ah, não! Não...
Num piscar de olhos, o corpo da Mamãe Gothel começou a envelhecer, os cabelos negros se
tornando brancos, a pele firme ficando enrugada e as costas se arcando numa grande corcunda.
— O que é que você fez? — A Mamãe Gothel rapidamente puxou o capuz de seu robe por
cima da cabeça para ocultar sua forma decrépita. — O que você fez?! — Mesmo sua voz soava
como a de uma velha.
Ela começou a se balançar de um lado para o outro, gritando como uma louca, e quando se
aproximou da janela — Pascal pegou os restos do longo cabelo de Rapunzel no chão com a boca e
os puxou com força.
Os cabelos se enrolaram nos pés da Mamãe Gothel, tirando-lhe o equilíbrio e jogando-a aos
tropeços em direção à janela — pela qual ela caiu, despencando com tudo no chão lá embaixo.

Os olhos de Sora se ergueram em direção ao topo da torre quando ele ouviu um grito.
Alguma coisa estava caindo — mas só o que conseguia ver era um robe. O que havia acontecido
com a velha Mamãe Gothel?
Marluxia observava a cena de longe.
— Caiu nas trevas — murmurou consigo mesmo. — Não podemos permitir que se aproxime
da nossa luz pura agora. Sua presença apenas a ofuscaria.
O membro da Organização balançou a mão de forma desdenhosa e o movimento disparou
uma série de pétalas dançantes que rodearam o robe da Mamãe Gothel. A escuridão o envolveu,
transformando-o em um Heartless gigante que lembrava uma árvore — a Guardiã Sombria.

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Sora invocou sua Keyblade enquanto encarava a monstruosidade de quatro braços que mais
parecia tirada do coração de uma floresta assombrada.
A criatura vil se lançou em sua direção numa velocidade aterradora e então começou a pairar
sobre ele, atacando com os braços. Sora pulou para fora do caminho e Donald aproveitou a abertura
para disparar uma rápida magia.
Quando a Guardiã Sombria foi atingida, ela desviou os grandes olhos para Donald com uma
expressão extremamente furiosa e então bateu no chão com a cabeça cheia de folhas verdes escuras,
lançando uma chuva de pólen sobre Sora e seus amigos.
— Quatchim! — Donald deu um grande espirro. Sora e Pateta também não conseguiam
parar de espirrar.
— Que coisa é essa...? Atchim!
Tudo o que Sora e seus amigos podiam fazer era se esquivar dos ataques do Heartless, já que
estavam ocupados demais espirrando para que pudessem focar na ofensiva.
Enquanto isso, a Guardiã Sombria se agarrou à torre e começou a lançar galhos para formar
uma gaiola em volta do trio. Quando o prendeu, fez chover sobre eles uma tempestade de bombas
em forma de nozes.
— Ah, qual é! Atchim!
Sora conseguiu se soltar da gaiola usando a Keyblade em meio aos espirros enquanto Pateta
jogava as bombas longe com seu escudo. Donald saiu correndo, com Sora e Pateta logo atrás. Era
hora de virar o jogo.
Donald e Sora subiram correndo pela torre e juntaram forças para disparar uma gigantesca
enxurrada de chamas que ateou fogo na Guardiã Sombria. A criatura tombou de onde estava e Sora
pulou atrás dela. Ele a atacou com sua Keyblade, seguido por Donald, que manteve a temperatura
elevada com sua magia de fogo.
— Vamos acabar com isso! — Quando Sora desferiu o golpe final, a Guardiã Sombria caiu
no chão, inerte, e desapareceu em meio a uma explosão de luz.
— E quanto à Rapunzel?!
— Vamos nos apressar!
Sora e seus amigos começaram a subir até o alto da torre.

— Não vai. Fica comigo, José.


Rapunzel o envolveu em seus braços — ele estava mole e inconsciente. Eu podia curá-lo
agora, mas... meu cabelo não tem mais o seu poder.
Rapunzel levou a mão de Flynn a seu cabelo e começou a cantar. A música era mágica —
normalmente, seu cabelo começaria a brilhar e curaria qualquer coisa, mesmo os danos da velhice.
Mas agora, a magia havia deixado seu cabelo.
— Rapunzel. Ei, Rapunzel — Flynn murmurou fracamente.
— O quê?
— Rapunzel... você é o meu sonho. — Com essa última confissão, seus olhos se fecharam.
— E você o meu.
Rapunzel podia sentir a força deixando o corpo de Flynn. Ela encostou sua testa na dele e
lutou contra as lágrimas, ainda cantando. Algumas gotas, no entanto, ainda caíram em seu rosto — e
se transformaram em luz.
Então, aquele mesmo brilho dourado que antes pertencera ao cabelo de Rapunzel encobriu a
ferida de Flynn.
— Rapunzel... — Os olhos de Flynn se abriram de leve.
— José!
— Já tinha dito... que eu tenho uma queda por morenas?
Rapunzel abriu um grande sorriso e o abraçou com força. Flynn devolveu o abraço.

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Enquanto isso, Sora, Donald e Pateta, que estavam assistindo tudo em silêncio da janela ao
lado, lançaram os braços por cima dos ombros uns dos outros e sorriram.

De volta ao campo aberto, a luz brilhante do sol lançava a sombra negra da torre sobre a
grama. Tendo dado adeus à torre, Rapunzel, Flynn e Maximus estavam agora de frente para Sora e
seus amigos em uma das áreas mais bem iluminadas.
— Uau, Rapunzel! Você finalmente vai ver a sua casa de verdade.
— Eu sei! Quer dizer... não dá nem pra acreditar. Finalmente vou poder ficar com a minha
família verdadeira! Eu não teria conseguido sem a sua ajuda — disse ela, ainda incapaz de esconder
sua surpresa com relação a como tudo tinha acabado.
— Não foi nada — respondeu Donald, e Flynn assentiu.
— Bem, até onde eu saiba, o reino não poderia pedir uma princesa melhor — disse ele. — E
eu não poderia ter pedido ajudantes melhores. Obrigado.
Rapunzel se aproximou dele e olhou para os três heróis.
— Sim, muito obrigada.
— Felizes para sempre — disse Donald com uma risadinha de leve.
— Agora, Flynn, você e o Maximus se comportem — acrescentou Pateta. Flynn e o cavalo
olharam um para o outro, até que Rapunzel tomou Flynn pela mão.
Vendo os dois tão felizes juntos, Sora ficou contente.
— Vocês vão ficar bem.
— Hã? — os dois disseram juntos.
— Já faz um tempo que a gente não vê o cara que controlava os monstros, então é uma
preocupação a menos — explicou Sora.
— Mas ainda há uma chance de que ele esteja por aqui em algum lugar — Pateta voltou a
acrescentar.
— Bom, se ele voltar e tentar incomodar a Rapunzel de novo, o Flynn vai protegê-la. E nós
três não estaremos muito atrás.
— É, eu não vou perdê-la de vista — Flynn declarou com firmeza, diante do que Rapunzel
corou, envergonhada.
— Ah... José.
— “José”?
Era a primeira vez que Sora ouvia aquele nome.
— Ah, esse é o meu nome verdadeiro. José Bezerra. Pois é, não cheguei a contar pra vocês
— disse Flynn... ou melhor, José agora.
— Que diferente — comentou Donald.
— Acho que é um ótimo nome! — acrescentou Pateta.
— Eu também — disse Sora. — É um prazer te conhecer de novo, José.
— Ei! Achei que eu fosse a única pra quem você ia contar.
Rapunzel parecia um pouco desapontada, então José a puxou para perto e sussurrou:
— Não se preocupe. Guardei vários segredos Bezerrísticos só pra você.
— Sério?
Antes que os dois se perdessem demais nos olhos um do outro, Sora apontou para eles.
— Ei! Do que os dois pombinhos tão falando aí? — provocou.
— De nada!
— Nada.
José e Rapunzel riram. Donald e Pateta também pareciam ter entendido errado.
— Ei, vocês podem contar pra gente! — reclamou Donald.
— Sim, não é legal guardar segredos.
— Esse aqui não é da conta de vocês.
— Maximus, pega ele! — gritou Sora.

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O cavalo se virou para José em tom de advertência. Enquanto os dois se encaravam, Pascal
saltou sobre o ombro de José e lançou a língua em seu ouvido.
— Ei! Você só pode tá de brincadeira!
Todos riram enquanto José cobria o ouvido com a mão. A Rapunzel vai ficar segura nesse
mundo, tenho certeza disso.
Ali no campo, todos estavam felizes.

Mais ou menos ao mesmo tempo, Malévola e Bafo estavam em algum outro lugar do exato
mesmo mundo.
— Outro mundo que ficamos de mãos vazias.
— Hmph — Malévola bufou.
— Tem certeza que essa caixa é mesmo real?
— Sim — respondeu a bruxa com convicção, virando então as costas para Bafo.
— É, e como sabe disso?
— Está escrito.
— Como é que é?
Malévola abriu um Corredor das Trevas diante de seu assecla confuso.
— Venha comigo.
— Pra onde? Aqueles palhaços não vão nos ajudar. O Sora não tá nem procurando a caixa.
— Quem foi que disse algo sobre segui-los?
A bruxa adentrou o portal e, sem outra opção, Bafo a seguiu.

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117 | K i n g d o m H e a r t s I I I : A R o m a n t i z a ç ã o
NO MUNDO SEGUINTE, SORA, DONALD E PATETA SE VIRAM FRENTE À ENTRADA
de uma grande fábrica — ou uma grande alguma coisa, fosse o que fosse. Estava de noite. A cidade
ao redor parecia extremamente comum e as casas ao longe eram todas do tipo que se encontraria em
qualquer outro lugar. Havia algumas luzes aqui e ali, mas ninguém por perto.
Quando se viraram para a fachada do enorme edifício adiante, a primeira coisa que chamou
sua atenção foi o grande M azul com um símbolo que lembrava um olho no meio. Várias chaminés
se projetavam sobre a enorme fábrica ou o que quer que fosse.
Sora automaticamente começou a andar em sua direção, mas então se virou para olhar para
Donald e Pateta e dizer alguma coisa:
— O quê...?!
— Wak!
— Iac!
Quando viram uns aos outros, o trio gritou praticamente ao mesmo tempo. Também sacaram
suas armas sem nem perceber.
— D-Donald...? Pateta...? Por que vocês tão parecendo monstros? — exclamou Sora, mas
eles não eram os únicos. Seu cabelo estava com uma coloração vermelha e seu corpo estava coberto
de pelos cinzas com listras marrons. Ele também tinha o rabo de um dinossauro, orelhas pontudas e
a boca curva como a de um gato.
— Você também! — retrucou Donald, que agora estava completamente azul, com mãos e
pés distintamente monstruosos. Também tinha asas de morcego e, o mais notável, um único olho.
— Bom, vocês dois me assustaram. — Pateta estava completamente verde. Seus olhos eram
de tamanhos e cores diferentes, um verde e o outro azul. Seu nariz era pontudo e afiado.
— Sério? É assim que a gente se mistura aqui? — Sora inspecionou as mãos transformadas
e então deu uma olhada no resto do corpo. Não havia a menor dúvida, ele era mesmo um monstro.
Talvez eu não esteja em posição pra dizer isso, mas o Donald e o Pateta estão horrendos. Se
eu acordasse de noite e visse eles do lado da minha cama, ia gritar que nem uma criancinha.
— Será que vocês podem voltar uns passinhos? Vocês tão me dando arrepios.
— Você que volte um passo! — ralhou Donald, dando um pulo.
Eles tão assustadores demais! Ainda não sei bem como tá a minha aparência, mas se foi
isso o que a magia fez com eles, eu também devo estar aterrorizante.
— Ah, vai, eu acho que o nosso novo visual pode acabar sendo algo bem divertido! — disse
Pateta. Ele sempre levava tudo na boa.
— Que tipo de esquisitão será que mora por aqui...? — Sora perguntou a si mesmo enquanto
olhava em volta.
Não estava vendo nenhuma criatura estranha por perto, mas se aquelas eram as formas que
em teoria os ajudariam a se misturarem por ali, então provavelmente queria dizer que aquele lugar
estava cheio de monstros.
A gente já se transformou em todo tipo de coisa antes, mas monstros é a primeira vez. Ah,
espera... a gente chegou a usar uns disfarces medonhos quando fomos pra Cidade do Halloween.
Sora suspirou e então desviou o olhar para a fábrica, conformado com seu destino. Distraído,
leu as palavras escritas na fachada:
— Diz “no susto e no grito, fazemos bonito”?
— Que estranho — disse Donald, inclinando a cabeça. Se davam sustos nas pessoas, então...
— Não me parece lá muito bonito — comentou Pateta.
Ele tinha razão. Era difícil imaginar mocinhos andando por aí aborrecendo as pessoas.
— Se eles são parecidos com a gente, então podem ser um problema. Acho que é melhor
investigarmos — sugeriu Sora.
Avançando, ele abriu as portas do prédio. Passando por elas, o trio chegou a um saguão e viu
imediatamente um grande monstro com chifres e pelo azul que tinha uma garotinha nas garras.
— Essa não! — gritou Sora, e o monstro então se virou para eles.
— Hã? Quem será que são esses caras?
— O quê?! Cuidado, Sulley. Se eles virem a C-R-I-A-N-Ç-A — disse um segundo mostro
num sussurro surtado. Este era verde e redondo como uma bola, com dois chifres e um único olho.
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A criatura azul não parecia muito preocupada.
— Tá tranquilo. Não temos nada a esconder.
— Mas você é o diretor! Você que dá o exemplo — disse rapidamente o monstro de um só
olho, antes de correr em direção a Sora e seus amigos. — Rapazes! Rapazes, não é o que parece. Tá
bom, escutem. Aquela criança ali brotou do meio do nada! Temos que ligar pro CDA. Hã... é um...
hã... ah, é! Um Código 835! — ele tagarelou.
Sora empunhou sua Keyblade.
— Vocês tão tentando assustar essa garotinha?
— Sim! Quer dizer, não, não, não! Não usamos mais a energia do grito. Não tem ninguém
sendo assustado!
— Mike, pega leve — o monstro azul disse a seu amigo de um olho.
Pateta se virou para Sora.
— Você também devia, Sora. Está vendo? Ela está feliz!
Agora que ele tinha mencionado, a garota de fato estava rindo enquanto o monstro azul lhe
acariciava a cabeça. Sora abaixou sua Keyblade e foi até ela, agachando-se na altura de seus olhos
para poder se apresentar.
— Olá. Meu nome é Sora.
— Boo! — disse a garota.
— Ah, esse é o seu nome? É um prazer te conhecer, Boo.
Boo deu uma risadinha animada.
— Calma lá! — exclamou Mike, surpreso. — Vocês não têm medo de humanos?
Boo apontou para Donald.
— Mike Wazowski!
Surpreso, Donald deu um pulo.
— Wak?
— Qual é, Boo! Eu sou o Mike Wazowski.
Mike tentou corrigi-la, mas Boo logo se virou de volta para Donald e disse de novo:
— Mike Wazowski.
O monstro azul riu.
— Bom, dá pra notar uma semelhança. O olho de zoiudim da mamãe.
— Que papo é esse? Eu sou o Pato Donald! — Donald correu até Boo e reclamou, mas ela
apenas apontou de novo.
— Mike Wazowski! — exclamou antes de correr atrás dele. Bom, Donald e Mike realmente
tinham apenas um olho cada.
O outro amigo de Sora se apresentou como normalmente fazia:
— Iac! Eu sou o Pateta.
O monstro azul sorriu.
— Bom, meu nome é Sulley — disse. — E esse é o...
— Ah, já sabemos — interrompeu Sora. — Mike Wazowski, né?
Boo se agarrou a Sora, rindo inocentemente, e os cinco monstros não conseguiram evitar e
se juntaram a ela nas risadas — até que a menina viu alguma coisa e saiu correndo para se esconder
atrás de Sulley.
— O que foi, Boo?
Ela gritou, temerosa. Sora se virou para ver qual podia ser a causa, apenas para encontrar...
— Heartless! — exclamou ele, voltando a empunhar sua Keyblade, mas então notou algo
diferente. A escuridão que se formava naquelas criaturas era de um preto meio azulado e o emblema
que lhes marcava o corpo era diferente do de costume.
Esses não são os Heartless, são...?
— Não... Esse não é o emblema dos Heartless! — exclamou Sora.
— Então o quê? — perguntou Donald.
Pateta inclinou a cabeça.
— E como eu meio que sinto que já os vi antes?
Sora decidiu que os enfrentaria mesmo assim.
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— Bom, não são amigáveis.
Podiam não ser Heartless ou Nobodies, mas ainda eram inimigos.
Mais ao fundo, enquanto Sora e seus amigos sacavam suas armas, Sulley recolheu Boo nos
braços e a escondeu atrás do balcão de recepção do outro lado do saguão.
— Fica aqui. O gatinho já volta.
— Esses caras têm razão, Sulley. Isso aqui vai dar ruim, não importa como você veja —
murmurou Mike.
— Sim, nós temos que proteger a Boo.
— Isso aí, deixa comigo — disse Mike, concordando com o amigo. Eles também iam lugar.
Sora correu para cima dos inimigos.
— Bora pra cima!
Enquanto isso, Sulley se esgueirou por trás das criaturas e, de repente, deu um grande urro.
Ele parecia ser tão adorável antes, mas diante de seus dentes expostos, o inimigo se encolheu,
completamente apavorado. Enquanto as criaturas se acovardavam, Sora as atacou com a Keyblade.
Quanto a Mike, ele começou a correr em volta dos inimigos, que começaram a persegui-lo.
Donald aproveitou essa abertura para eliminá-los com suas magias.
Sora então desviou a atenção para o maior do grupo, uma criatura que tinha forma de sapo.

Quando o último dos oponentes finalmente caiu, Sulley e Mike bateram as mãos no ar.
— Boa, Sulley. Mesmo com esses seus quilinhos a mais aí.
— He, he, e ainda corro mais que você, Zé Bolinha.
Os dois claramente eram velhos amigos e estavam se alfinetando.
— Gatinho! — exclamou Boo, que havia subido no balcão.
Quando Sulley voltou com Boo nos braços, Mike perguntou a Sora:
— E aí, alguma ideia de quem eram aqueles caras?
— Bom... certeza que não eram os Heartless...
Enquanto Sora pensava mais a fundo sobre o assunto, Pateta inclinou a cabeça para o lado.
— Hmm... Tá na ponta da minha língua — refletiu. — Lembro que o rei nos contou algo
sobre... emoções negativas.
Donald foi o primeiro a se lembrar do nome:
— Unversed?
— Isso aí! Eles! — Pateta assentiu.
— Unversed...? — Sora nunca tinha ouvido o nome antes.
— Um tempo atrás, o rei travou várias batalhas contra eles, junto com os três portadores da
Keyblade perdidos — Pateta explicou a Sora.
Então esses três portadores da Keyblade perdidos devem ser...
— Os mesmos três que estamos procurando? Aqua, Terra e Ventus?
— Aham! A gente precisa de alguém mais responsável que você! — caçoou Donald.
— Ei! — disparou Sora.
— Ainda assim, por que será que eles estão aparecendo agora? Achei que esses monstros
tinham... hm. — Pateta coçou a cabeça enquanto voltava a cair em pensamento.
Ele tinha razão. Por que aqueles monstros de tanto tempo atrás estavam aparecendo ali? E
por que agora?
Sulley e Mike se entreolharam diante da palavra “monstros”. Eles ouviram toda a conversa,
mas não faziam ideia do que estava acontecendo. Donald se virou para eles.
— Será que é porque eles usam a energia do grito? — indagou ele, a voz assumindo um tom
acusatório.
— Ei, já disse que não usamos mais isso! — retrucou Mike.
— Além disso, não fazemos ideia de quem ou do que vocês tão falando.
— Ah, vocês iam gostar muito do rei...

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Donald e Pateta apressadamente cobriram a boca de Sora antes que ele pudesse explicar.
— A ordem!
Quando o liberaram para falar de novo, Sora desconfortavelmente tentou dar uma noção do
que estava acontecendo a seus novos amigos:
— Hmm... basicamente... a gente veio de um lugar muito distante pra dar um jeito nessas
criaturas que estão causando problemas. Somos tipo... exterminadores?
Donald e Pateta assentiram atrás dele.
— Muito distante quanto?
— Tanto quanto possa imaginar — disse Pateta em resposta.
Mike coçou a cabeça, ainda com um pé atrás.
— Hmm... Tá bom, tá bom, vamos fingir que acreditamos nessa história toda. Essas coisas
são perigosas? — perguntou.
— Extremamente! — respondeu Donald em meio a um pulo.
Sulley e Boo olharam um para o outro.
— Eles certamente deixaram a Boo assustada.
A garotinha balançou a cabeça, concordando com Sulley.
— Sulley, eu sei que você tava com saudade, mas temos que deixar a brincadeira pra outro
dia — disse Mike, claramente desapontando enquanto virava para o amigo.
— Tem razão, Mike. Vamos levar a nossa garota pra casa.
Os dois assentiram.
— O que vocês tão querendo fazer?
— É meio que uma longa história... mas a Boo é de outro mundo e nós temos que mandá-la
de volta... para que ela fique a salvo. — Respondendo à pergunta de Sora, Mike se virou para Boo.
A situação aqui parece complicada... mas se os Unversed estão aparecendo desse jeito, é
perigoso demais...
— Então beleza — disse Sora. — A gente ajuda vocês. Os Unversed podem tentar causar
mais problemas, então queremos ir junto.
— Ótimo! Uns exterminadores até que seriam úteis por aqui! — Mike assentiu alegremente.
— Sim, obrigado. — Sulley parecia bastante grato.
Com isso fora do caminho, os dois começaram a seguir mais a frente pelo prédio.
— Mas você sempre tem que ajudar — grasnou Donald, ligeiramente descontente.
— Ei, eles precisam da gente — disse Sora com seu sorriso de sempre. — Além do mais,
temos que descobrir como foi que todos aqueles Unversed chegaram aqui. Vem, vamos indo.
E com isso, o grupo todo começou a caminhar junto.

Eles atravessaram o saguão e entraram em um corredor bem iluminado e largo o suficiente


para que todos os cinco andassem lado a lado.
Ao final do corredor, viraram à esquerda em uma sala aberta — uma estranha câmara com
incontáveis portas, cada qual marcada com símbolos estranhos. Para que a sala era usada? Sora
decidiu perguntar a Sulley:
— Que lugar é esse?
— Esse é o andar do riso... embora costumasse ser chamado de andar do susto.
— Como assim? — perguntou Pateta.
Enquanto Mike andava mais a frente, cantando alguma coisa consigo mesmo, Sulley ergueu
uma risonha Boo em seu braço e explicou:
— Então, a Monstros S.A. costumava usar o poder do grito das crianças humanas para fazer
energia, mas agora estamos coletando suas risadas. Acontece que o riso é dez vezes mais poderoso.
Aparentemente, cada uma daquelas muitas portas estava conectada ao quarto de uma criança
humana. O monstro azul parou, colocou Boo no chão para que ela pudesse correr atrás de Mike e
então voltou a andar.

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— E nós nunca teríamos descoberto sem a Boo — disse.
— A nossa nave também é energizada pelo riso! — comentou Pateta. — Acho que temos
isso em comum.
— O Sora é uma máquina de risos! — acrescentou Donald.
Sora estava ficando com vergonha.
— Qual é, sou nada.
Ainda. assim, ele tinha que admitir que, contanto que eles conseguissem continuar rindo, as
coisas realmente costumavam dar um jeito de funcionar. E o riso com certeza era melhor que gritos.
De repente, Boo parou, assustada. Havia Unversed no andar todo, abrindo portas e passando
por elas às pressas. Atrás das portas, podiam ouvir os gritos das crianças.
— Os Unversed voltaram! — Sora saiu correndo com a Keyblade em mãos.
Depois que um berro vinha de trás de uma porta, um grande guindaste erguia a porta e a
levava embora por um trilho.
— Olha! Lá vai a porta da Boo! — Mike rapidamente apontou para uma porta branca com
pequenas flores cor-de-rosa. Ela já estava sendo transportada.
Sulley correu atrás da porta, em pânico, mas Mike o deteve.
— Vai pegar a Boo! — disse.
Agora que seus pensamentos estavam em ordem, o grande monstro azul pegou a garota e a
escondeu a salvo atrás de um amontoado de máquinas.
— Gatinho!
— Vamos ter que brincar numa outra hora, Boo. Você fica aqui.
A garota assentiu docilmente. Ela realmente parecia confiar nele — e vê-los juntos assim
aquecia o coração de Sora.
— Prontos para limpar a casa?
Sulley e Mike se juntaram ao grupo de Sora para enfrentarem os Unversed. Aqueles caras
eram um pouco mais rápidos que os Heartless, mas Mike era tão rápido quanto. Além disso, os
urros assustadores de Sulley podiam congelar os inimigos por inteiro, o que era ainda mais útil.
— Vamos continuar assim! — Sora jogou um Unversed longe.
Mas eu ainda queria saber por que esses bichos tão aparecendo aqui. Será que esse mundo
de alguma forma está conectado aos três portadores da Keyblade desaparecidos?
Assim que os Unversed foram derrotados, Mike passou uma série de cartões de acesso em
algumas máquinas perto de uma porta. Logo em seguida, três portas novas desceram dos trilhos e se
fixaram em seus lugares junto aos dispositivos.
— A carona chegou! Se segura na porta quando estiver pronto.
— Beleza!
Sora subiu em uma das portas. Donald e Pateta ficaram em outra e então Boo, Sulley e Mike
subiram a bordo da última. As portas começaram a subir de volta para o trilho.
— Eita! — Sora se segurou com força em sua porta.
Alguns segundos depois, um seguimento da sala supostamente vazia se distorceu e oscilou
de forma suspeita.
— Ah, acabei de ter uma ótima ideia — sussurrou alguém em meio à distorção, apenas para
desaparecer por completo logo em seguida.

As portas seguiram até um depósito onde milhares de outras portas eram guardadas. Sora e
seus amigos não tinham escolha senão seguir os longo dos trilhos, que acabaram levando-os a outro
grupo de Unversed.
— Deixem os inimigos com a gente! Vocês protegem a Boo! — Sora exclamou para Sulley
e Mike e então subiu para ficar de pé sobre sua porta. Era meio difícil manter o equilíbrio ali, mas
era o que dava para fazer. Ele lançou disparos de luz com sua Keyblade e fez as criaturas tombarem
no chão do depósito.

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— Cuidado! — exclamou Sulley, diante do que Sora desceu e se escondeu atrás da porta
para se proteger de um ataque.
Caramba, quantas dessas portas existem? Temos que achar a que leva ao mundo da Boo.
Quando chegaram ao fim do trilho, eles desceram em uma plataforma. Diante deles havia
uma única porta, uma branca com pequenas flores cor-de-rosa.
— Lá está ela! — Mike correu diretamente até a porta e a abriu. O quarto de Boo estaria do
outro lado e lá, ela estaria a salvo.
Mas quando passaram pela porta...
— Espera! Como foi que chegamos aqui?
Mike olhou em volta. Eles não estavam no quarto de Boo, mas em outra parte da fábrica. Foi
quando uma estranha voz veio da porta pela qual eles haviam acabado de passar:
— Quem liga? Eu só fiz uns pequenos ajustes por aqui.
Não havia mais ninguém ali, mas a voz era perfeitamente evidente. Não era conhecida... mas
muito perturbadora. Logo, seu dono se revelou — aparentemente, tinha habilidades de camuflagem.
— Só o que importa... é que é o último lugar onde os otários aí vão chegar.
— Randall?! — vociferou Sulley.
Randall lembrava um camaleão de oito pernas, exceto pelo fato de que suas escamas eram
naturalmente roxas.
— Quem é ele? — perguntou Sora.
Sulley encarou Randall de cara fechada enquanto respondia:
— Um cretino que banimos por tentar coletar os gritos das crianças à força. Ele costumava
ser o assustador da Boo.
— Como foi que você voltou para cá? — Mike perguntou ao monstro indesejado. — A porta
pela qual te mandamos ficou em pedaços!
— É, e quase virei a carteira de alguém. Pra minha sorte, um cara super gente fina apareceu
e consertou a porta. Então, cá estou. E, a partir de hoje, eu sou o número um! O líder do placar, meu
querido. — Randall deu uma risada enquanto balançava sua longa cauda.
— Ha! Você, o melhor coletor de riso? — Mike não estava de acordo. — Só em sonhos,
Randall. O meu total de risos é fora de série.
— Quem disse algo sobre coletar risos? — retrucou Randall.
Sulley e Mike trocaram um olhar. Aquele cara era mesmo um cretino.
— Estou atrás de emoções negativas. E os meus novos amigos gentilmente invadiram a
fábrica para consegui-las pra mim — disse o monstro roxo, sinistro como sempre.
Donald e Pateta também ficaram tensos com suas palavras.
— Ele deve saber.
— Sim, a Organização XIII deve estar ajudando ele.
Randall os ignorou e prosseguiu, se arrastando enquanto dava a volta por Sora e os demais.
— O riso não é sustentável. Quando a criança dá sua última gargalhada, tem que começar
tudo de novo. Mas energia negativa? Especialmente a tristeza? Dê a elas algo que realmente quebre
os seus coraçõezinhos e elas ficarão tristes para sempre. Nunca mais teremos que nos preocupar
com energia de novo.
— Não vamos deixar você machucar ninguém desse jeito! — Sora invocou sua Keyblade e
avançou um passo. Randall certamente precisava ser levado a sério. — Nem você e nem os seus
ajudantes Unversed!
— Então tentem me deter — ralhou Randall, transbordando de ódio. — Vocês logo vão ver.
Eu serei uma lenda por aqui. Agora, considerem as suas carreiras oficialmente terminadas. E isso
também vale pro resto de vocês.
Com isso, ele sumiu de vista.
— Ei! — Sora tentou segui-lo, mas o monstro desaparecera tão completamente que era
impossível dizer onde estava.
— Agora estamos no controle dessa fábrica. — Randall ainda estava invisível, mas sua voz
era alta e clara. — E eu sugeri algumas melhorias... umas coisinhas bem legais que eu sei que vocês
vão amar. Na verdade, vocês não sairão daqui vivos.
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Mike ergueu o olhar para Sulley com uma expressão sombria no rosto.
— Esse canalha tá falando sério! Ele nunca vai desistir.
— Temos que levar a Boo pra um lugar seguro primeiro. Depois damos um jeito no Randall.
Hora de acharmos uma saída! — Sulley também estava atento.
Esses dois parecem conhecer muito bem aquele cara. Parece que estamos com problemas
dos grandes. Sora decidiu que precisava estar pronto para qualquer coisa. Donald e Pateta também
assentiram.
— Beleza! Pra onde? Aqui?
Donald avançou pelo corredor em direção a uma série de escadas.
— Agora eu saquei! Estamos no porão!
Assim que notou isso, Mike subiu correndo pelas escadas. Os demais foram atrás dele e logo
encontraram uma esteira rolante. Ela estava girando para a esquerda, o lado oposto de para onde
estavam indo. Para piorar as coisas, os braços robóticos aos lados da esteira estavam disparando
lasers vermelhos contra Sora e seus amigos.
— Ei! O que houve com as máquinas? Elas ficaram totalmente insanas! Não tem como
levarmos a Boo por aqui em segurança. — Mike levou as mãos ao rosto, desesperado.
Sulley pegou Boo em seus braços para afastá-la do perigo.
— Deve ser isso o que o Randall tinha chamado de “melhorias” — disse ele, olhando para as
máquinas de laser.
Mas não havia por que se preocupar:
— Nada que não possamos resolver! Só temos que quebrá-las, né? — Sora lhes assegurou
com um sorriso, invocando sua Keyblade.
— É, a gente cuida disso! — Donald imediatamente disparou uma magia contra um dos
braços, que caiu em meio a uma chuva de faíscas.
— Agora é a nossa chance! — exclamou Sora, e todos saíram correndo.
No entanto, correr na direção oposta de uma esteira rolante se provou um verdadeiro desafio.
Eles não podiam parar nem para respirar, mas, no fim, conseguiram chegar a outro lance de escadas.
Mais à frente, se depararam com uma gigantesca grade fechada. Todos tiraram um momento
para recobrar o fôlego e Sulley parecia especialmente aliviado.
— Assim que passarmos por aqui, estaremos livres — disse, e Boo saiu correndo em frente.
Ele logo foi atrás dela.
Atrás deles, Mike foi até um dispositivo junto à parede da sala.
— Sim! Esse é o painel de controle da fábrica toda! Agora, o que me dizem de darmos o
fora daqui?
Sora e Donald passaram correndo por Mike em direção ao painel.
— Deixa comigo.
— Não, comigo!
Os dois começaram a apertar uma série de botões aleatórios aqui e ali, mas nada aconteceu.
— Ei, ei! Tem que ser delicado! — Mike rapidamente empurrou Sora da frente e começou a
mexer na unidade de controle, mas ela também não respondeu a ele. — Porcaria! O Randall deve
ter feito alguma coisa. Nada funciona! — suspirou, frustrado.
— Não podemos sair? — perguntou Donald.
— Talvez seja mais rápido simplesmente quebrar — sugeriu Pateta.
Não era bem um plano, mas Sora invocou sua Keyblade mesmo assim.
— Brilhante!
— Espera! — gritou Sulley, detendo Sora antes que ele danificasse o painel de forma mais
permanente. — Acho que tive uma ideia melhor. Se conseguirmos dar um curto-circuito, a tranca
vai abrir. E, pra nossa sorte, a Boo é um gerador de energia ambulante.
Ele colocou Boo em cima da cabeça. A garota imediatamente começou a rir com seu jeito
infantil. O painel de controle logo começou a estalar com eletricidade.
— Você é a melhor, Boo! — Mike assentiu.
Sulley começou a correr com Boo ainda em sua cabeça enquanto o resto do grupo o seguia.
Quando ela começou a rir com vontade, Mike acabou caindo e Sora tropeçou nele, acidentalmente
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chutando-o pelo chão como se fosse uma bola. Mike tentou parar estendendo as pernas, mas então a
Keyblade de Sora caiu com tudo em sua cabeça. Completamente zonzo, seu único olho começou a
rodopiar, e Boo caiu na gargalhada.
Mas Boo voltou a ficar quieta quando notou uma coisa: vários Unversed haviam aparecido
mais à frente. A expressão em seu rosto logo se tornou de horror.
— Vocês são chatos pra burro!
O grupo todo encarou os estraga-prazeres que chegaram para acabar com a diversão. Sulley
rugiu e os Unversed congelaram.
— Vamos lá! — gritou Sora, agarrando a cabeça de Mike e o lançando contra os inimigos
num ataque giratório. Boo deu uma risadinha acanhada.
— Tô começando a ficar tonto aqui! — exclamou Mike, rolando pela área como uma bola
de boliche e eliminando um Unversed atrás do outro.
Quando as criaturas foram derrotadas, Boo deu mais uma risada.
— Eu mereço — resmungou Mike, voltando a se levantar sobre as pernas bambas.
— Ei, pelo menos os Unversed se foram! E a Boo tá se divertindo de novo! — comentou
Sora, orgulhoso.
Todos gargalharam — Boo mais que qualquer outro. Suas risadas fizeram uma chuva de
faíscas tomar a unidade de controle, mas...
— Não adianta. Precisamos de uma gargalhada maior — disse Mike.
— Se importa de fazer as honras? — incitou Sulley.
— Eu adoraria.
Mike foi até Boo e, em meio a um grande sorriso, abriu as mãos de ambos os lados do rosto.
Ele começou a bater com as palmas das mãos na cabeça repetidamente e, toda vez que o fazia, seu
olho rolava para o lado oposto. Ele continuou fazendo isso, batendo com uma mão de cada vez e
cada vez mais rápido, até que...
— Quarenta a zero. Fim de jogo! Essa raquete não é das melhores.
...Mas Boo não ficou impressionada. Não devia nem entender o que ali devia ser engraçado.
— Qual é! É uma piada de tênis. Devia ter feito de pingue-pongue?
— Nada salvaria essa aí — comentou Sora, a voz baixa.
De repente, Mike levantou os braços.
— Espera! Ninguém se mexe! Deixei a minha lente cair! — gritou ele, lançando-se com
tudo ao chão.
— Acho que a Boo não vai entender, Mike — murmurou Sulley.
— Você entendeu? — Sora sussurrou para o monstro azul, a voz baixa. Ele certamente não
tinha entendido.
— Sim, é que o olho dele é grande — explicou Sulley. — A piada é que não dá pra perder
uma lente do tamanho de um prato de jantar.
— Ah, tá bom! — gritou Mike, indignado.
— Você não devia ser bom nisso? — indagou Donald acusatoriamente.
Mike estava ficando frustrado.
— Eu sou quando estou preparado.
— Sora, faz a cara engraçada especial.
— O quêêê? Ah, se você insiste. — Sora logo se agachou diante de Boo, fingindo estar mais
aborrecido do que realmente estava com a sugestão de Pateta. — Xíííííís!
Ele abriu um sorriso bobo e Boo começou a rir.
— Todo mundo fazendo! — exclamou Sora, e o resto do grupo todo começou a fazer caras
engraçadas em conjunto.
Boo foi pulando alegremente de um lado para o outro e a unidade de controle começou a
faiscar ruidosamente, com luzes sendo lançadas para todos os lados. Agora, a grade se abriria e eles
poderiam sair dali.
— O Sora tá querendo o seu emprego — Sulley disse a Mike. Ele não pareceu muito feliz
com a ideia.
De repente, alguém os chamou por trás:
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— Vocês não vão embora sem se despedir, né? — Era Randall de novo.
— Dá um tempo, Randall. Você não vai se safar dessa — Mike informou ao monstro roxo.
Mesmo Sulley, que costumava ter a fala mansa, parecia especialmente determinado:
— Vamos impedir qualquer coisa que fizer contra nós.
Sora empunhou sua arma em direção ao monstro sinistro e, logo atrás, Donald e Pateta não
demoraram para fazer o mesmo.
— Talvez sim — respondeu Randall. — Ou, pensando bem, talvez não. Eu ainda tenho um
ás na manga. Agora...
Ele se virou para uma espécie de geringonça de metal atrás de si.
— Eu ordeno que você os destrua! — exclamou. Mas a máquina ou o que quer que fosse
sequer se mexeu. — Ei. Qual é! Se mexe... se mexe, idiota...!
Randall a chutou, mas ela continuou ali parada como um pedaço de metal qualquer.
— Parece que o seu ás não deu em truco — ironizou Mike, um pouco menos tenso.
— Mas que pilha de lixo! — rosnou Randall, voltando a desaparecer em meio ao cenário.
— O quê...? Ei! — Sora correu atrás dele, mas Sulley levou uma mão a seu ombro.
— Deixa quieto — disse, a voz gentil. — Não acho que ele possa causar mais problemas.
Além disso, temos que nos concentrar em levar a Boo pra casa.
— Tem razão. — Sora fez a Keyblade desaparecer novamente.
— A porta da Boo deve estar em algum lugar do depósito. Sigam-me! — Sulley chamou os
demais e Mike apertou o botão ao lado da grade.
Depois que ela se ergueu, Sora e seus amigos seguiram em direção ao depósito de portas.

Atrás deles, na sala que haviam acabado de deixar — uma névoa negra se formou em meio
ao chão e começou a espiralar, criando um caminho para os Corredores das Trevas.
Um homem de casaco negro saiu do portal e estendeu a mão para a máquina quebrada diante
de si, fazendo o símbolo dos Unversed se formar nela. Uma substância completamente negra que
mais parecia piche começou a vazar da máquina, coagulando à sua volta para formar uma imensa
cúpula. Quando o Unversed finalmente assumiu sua verdadeira forma, ele abriu sua bocarra imensa,
revelando um interior brilhante e vermelho como magma.
Observando sua última criação, o homem de casaco negro estendeu os braços para os lados.
Essa massa negra de ódio não é só minha. Agora também posso criar Unversed a partir das
emoções de outras pessoas. Não estou mais me afundando na minha própria dor — não sou mais a
criança que costumava ser.
Parte de mim está dormindo dentro dele. Eu sei disso agora.
Se o meu coração não é nada além de ódio, nada além de mágoa, dor e sofrimento, então
quais emoções preenchem a metade que é parte dele?
Nós não somos iguais. Tudo dentro de mim é escuridão, mas aquele garoto — o Sora — não
tem nada a ver comigo.
Antes de nos dividirmos, essa escuridão costumava fazer parte do Ventus. Eu nasci quando
ele se tornou nós.
Já não consigo mais entender. Eu desapareci uma vez e aí ele me invocou de volta. E agora
cá estou eu.
Se eu me conectar com o Sora, com o Ventus, então poderei me tornar meu verdadeiro eu.
Que tipo de pessoa será que vou ser? Não consigo nem mesmo imaginar.
Tem um pequeno fragmento de memória dentro de mim — uma memória de muito, muito
tempo atrás, de um passado distante.
Mas... por quê?
Eu desapareci no Cemitério das Keyblades e, de alguma forma, já conhecia aquele lugar. A
quem pertencia essa memória? A mim? Ao Ventus?
Ou a outra pessoa?

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Eu não faço ideia.
Mas de uma coisa eu sei — eu tenho que me tornar inteiro de novo.
Quem eu sou de verdade?
Eu sou a metade de Ventus.
Eu sou...

Sora e seus amigos finalmente chegaram ao depósito de portas após derrotarem os Unversed
e Heartless pelo caminho. Mais uma vez, eles encontraram dezenas de portas que iam de um lado
para o outro nos trilhos.
— Vamos todos procurar a porta da Boo — disse Sulley. Estava prestes a começar, quando
Randall apareceu de novo.
— Você não aprendeu a lição depois do fiasco com aquela pilha de lixo? — zombou Mike.
Randall deu uma breve risada.
— Ah, eu aprendi muito. — A mesma máquina de antes estava logo atrás dele.
Quando Mike foi andando até ela, Boo saiu correndo para se esconder atrás de Sulley.
— Gatinho?
— Calma, Mike. Tem alguma coisa diferente!
Mas Mike ignorou o alerta de Sulley e se virou para ele com um sorriso confiante no rosto.
— Ah, qual é. É só mais lixo.
Randall gargalhou ironicamente quando uma estranha substância espessa e negra começou a
borbulhar sob o metal. A gosma rapidamente se reuniu em um grande nódulo redondo, assomando-
se diante deles antes de formar uma criatura com magma vermelho e brilhante ondulando dentro de
sua boca enorme.
— Um Unversed!
Para poderem proteger o amigo, Sora, Donald e Pateta correram para se posicionarem diante
de Mike, que recuara um passo, assustado.
Sulley ergueu o amigo verde pela cabeça e o fitou no olho.
— Mike, tá na hora de buscar e soltar o assustador que tem aí dentro — disse a ele.
Mike bateu nas bochechas para voltar a si.
— Ah, eu tô pronto, Sulley. Eu tô pronto!
— Finalmente... — disse Randall, observando mais ao longe. — Era exatamente disso que
eu precisava para tomar a empresa. Mas, primeiro, vou me livrar de vocês. Atacar!
A seu comando, a Gosma Horrenda ergueu seus braços melequentos e partiu para a ofensiva.
— Eita! — exclamou Sora, esquivando-se quando os apêndices se esticaram em sua direção
como se fossem feitos de borracha.
A Gosma Horrenda foi atrás dos demais de forma semelhante.
— Não consigo feri-lo! — gritou Sulley.
Era verdade — a forma da criatura era tão viscosa que simplesmente sugava a Keyblade de
Sora toda vez que ele a golpeava.
— Wak!
Quando Donald tentou atacar o inimigo com magia, a Gosma Horrenda ocultou a máquina
em sua cabeça e se transformou em algo que lembrava um pássaro, atacando o grupo com vento que
fazia com os braços em forma de asas.
Sora se esforçou para abrir caminho pelo vendaval e descobriu que seus golpes e os socos de
Sulley eram efetivos quando a Gosma Horrenda estava nesta forma.
— Beleza, Sulley — gritou Sora. — Hora do você-sabe-o-quê!
O monstro azul assentiu.
— Você-sabe-o-quê? — perguntou Mike enquanto corria pelo campo de batalha.
— Você sabe, isso! — Sora pegou Mike pela cabeça.
— Ah não, de novo não!

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Sora jogou Mike rolando contra o Unversed. Strike!
A Gosma Horrenda rugiu e sua substância viscosa começou a se espalhar por toda parte, até
que a criatura voltou a ser uma pilha de lodo. O líquido negro como piche escoou pelo chão, sem
deixar nada além da máquina de antes para trás.
— Por quêêê?! — Randall correu até os restos do Unversed inerte e lhe deu um chute.
Observando-o, Mike notou uma coisa e fez um gesto silencioso para Sulley, apontando para
a porta surrada do quarto de uma criança.
— Entendi — respondeu o monstro azul, levantando o polegar.
Mike foi até a porta e Sulley correu atrás de Randall, assustando-o com um rugido. Quando
o monstro em forma de lagarto se virou, surpreso, Sulley o agarrou pelo pescoço, o carregou em
direção à porta e então o colocou no chão diante dela.
— Muito bem, já pode entrar. — Mike abriu a porta para Randall e, furiosa, Boo mostrou a
língua para ele, só por via das dúvidas.
— Não há mais lugar para você aqui, Randall. Agora o nosso negócio é fazer as crianças
rirem. — Sulley passou a mão na cabeça de Boo e a fez rir de novo.
— Você acha isso engraçado?
— Hilário! Quanto mais você choraminga, mais engraçado fica — Mike respondeu com um
largo sorriso no rosto enquanto Randall ia andando até a porta, relutante.
— Os palhaços aí vão se arrepender quando eu achar um jeito de voltar e tomar o controle
desse lugar! — ele resmungou enquanto passava pela entrada, sua voz cada vez mais distante.
Outra voz veio do outro lado da porta:
— Mamãe, aquele jacaré tá aqui em casa de novo! — A voz pertencia a uma criança.
— Cê tá de brincadeira?! — respondeu uma mulher. — Ah, dessa vez ele vai ver só!
Pouco depois, eles a ouviram espancar Randall com sabe-se-lá-o-quê.
— Até mais! A gente se vê — gritou Mike, fechando a porta.
— E agora só temos que fazer uma última coisa — disse Sulley, levando a mão em direção à
porta. Quando estava prestes a apertar o botão vermelho sobre sua estrutura, Sora o deteve.
— Calma aí! Eu tenho um jeito de trancá-lo.
Sora ergueu sua Keyblade e a apontou para a porta. Uma fechadura apareceu em meio a ela
e sua Keyblade disparou um feixe de luz em sua direção. Eles ouviram um clique quando a porta foi
trancada em definitivo e a fechadura desapareceu em um flash de luz.

— Muito bem, Boo. Hora de ir pra casa. Você deve estar exausta, mas vamos brincar juntos
bem em breve — disse Sulley, tendo encontrado sua porta em meio às outras e saltou sobre ela.
O resto do grupo subiu nas portas vizinhas, que carregaram todos pelos trilhos de volta até o
andar do riso. As portas desceram e se fixaram em seus suportes. Agora Boo finalmente, finalmente
podia ir para casa.
Mas quando todos deram seus suspiros mentais de alívio, se depararam com um homem de
casaco negro esperando por eles.
— Quem é você?
— Vou te contar, essa fachada estranha me enganou no começo, irmão.
Sora desceu da porta e foi andando até o estranho recém-chegado. O sujeito de preto abaixou
seu capuz, mas seu rosto continuava oculto sob uma máscara.
Não me lembro de ninguém que tenha me chamado de irmão antes, pensou Sora. Mas sinto
que conheço esse cara de algum lugar...
— Calma aí... Ah, é! — exclamou. — Você tava na catedral! E, ei! Quem é você pra chamar
alguém de estranho?
Sora se lembrou do encontro que tiveram. Sim, provavelmente era ele. Foi em um sonho,
mas eles se encontraram antes — na catedral de La Cité des Cloches, o mundo de Quasimodo.

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Ele não tava usando máscara daquela vez, mas com certeza tem a mesma vibe. De alguma
forma, nós estamos conectados. Consigo sentir.
Mais ao lado, Pateta e Donald pensaram a respeito.
— Ei, a gente conhece esse cara?
— Hmm...
— Nós nunca nos encontramos pessoalmente — disse o sujeito de preto, aproximando-se
um passo. — Meu nome é Vanitas.
Donald e Pateta arfaram. O rei já havia mencionado esse nome antes, na época em que lutou
ao lado dos três portadores da Keyblade desaparecidos.
— Essa aqui é a parte que você fala um monte de asneira e aí desaparece, né? — disse Sora
propositadamente, mas Vanitas o ignorou.
— Esse mundo inteiro... funcionava à base de gritos. Eles convertiam os gritos das crianças
humanas em energia. E essa empresa aqui foi a responsável por tudo isso. É uma fonte tão rica de
emoção negativa como jamais vamos encontrar.
— Pela última vez, nós já paramos de fazer isso! — protestou Mike.
Mas Vanitas simplesmente pegou um dos cilindros de energia caídos no chão e prosseguiu:
— Pararam? Então como explica todos esses cilindros com gritos de sobra? Essa instalação
é tudo o que eu podia desejar. E tive a sorte de encontrar um peão cujo coração foi obscurecido pela
sede de vingança.
Mike e Sulley imediatamente notaram que ele se referia a seu ex-colega de trabalho — e
agora ex-residente de Monstrópolis.
— Está falando do Randall.
— Pro Randall, tudo o que importava era ganhar. E esse cara se aproveitou dessa fraqueza.
Randall recebera exatamente o que merecia, isso era evidente, mas não conseguiam acreditar
que Vanitas o esteve usando desde o início.
Vanitas se virou para encarar os dois.
— Meu coração é feito de uma única coisa. E os Unversed coletaram gritos e tristeza o
suficiente daquelas crianças para reconstruí-lo — explicou ele, erguendo o cilindro de energia.
— É, e eles acabaram com a nossa empresa toda no processo! — rosnou Mike. Sulley o
segurou pela cabeça antes que pudesse partir para cima do sujeito e começar uma briga.
— Mas mesmo com toda essa emoção negativa, meu coração segue incompleto. Eu preciso
de outra coisa. — Vanitas soltou o cilindro, que saiu voando pelo ar. — Da metade de mim que está
adormecida... dentro do seu coração.
Vanitas apontou sua Keyblade para Sora.
— Vanitas! — Quando o nome deixou a boca de Sora, ele sentiu a presença de alguém
dentro de si. — Hã?
— Ventus. Que escolha mais estranha pra um esconderijo... seu fragmento inútil. — Vanitas
ergueu a mão em direção a ele, mas Sora a empurrou com a sua e recuou alguns passos.
— Do que você tá falando? — Ele não fazia ideia do que Vanitas queria dizer com aquilo.
Eu consigo sentir... consigo sentir alguém, mas...
— Ah, você não se lembraria. Quando era pequeno, você formou um vínculo especial com
um garoto chamado Ventus, que se uniu ao seu coração.
— Ven! — exclamou Donald, chocado.
— Ele tá dizendo que um dos portadores da Keyblade desaparecidos está dentro do coração
do Sora? — perguntou Pateta.
Sora estava tão confuso quanto.
— Como isso é possível?
Sulley e Mike olharam para os três, preocupados.
— Agora, você vai me devolver o Ventus. — proclamou Vanitas, e uma estranha aura negra
se ergueu à sua volta.
Meu peito dói.
Sora caiu de joelhos e seus dois amigos rapidamente se lançaram para protegê-lo do violento
vento negro emanando de Vanitas.
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— Donald, Pateta...
Pateta lutava para continuar de pé em meio ao vendaval.
— O rei nos falou sobre isso. O Ventus não conseguiu derrotar Vanitas. Eles se enfrentaram
em combate e aí o rei disse que o coração do Ventus jamais voltou para ele!
— Você não vai fazer isso com o Sora! De jeito nenhum! — gritou Donald.
Mas Vanitas simplesmente o jogou longe com um sopro especialmente poderoso do vento
negro que lançava de sua mão.
— Fiquem fora disso.
Sora tentou erguer sua Keyblade, mas Vanitas a jogou longe enquanto se aproximava.
— Sora! — gritaram Donald e Pateta.
Meu peito tá me matando... é como se alguma coisa estivesse apertando o meu coração com
força o suficiente para quebrá-lo.
Mas eu não posso me dar por vencido. Eu tenho que levantar.
Sora tentou se erguer desesperadamente.
— Junte o seu coração... ao meu!
Quando Vanitas estava prestes a ficar sua Keyblade no peito de Sora, uma grande sombra se
assomou atrás dele.
— Olha aqui — disse Sulley, acrescentando um rugido no final.
Quando Vanitas olhou para trás, o grande monstro o agarrou em suas garras e o ergueu em
meio ao ar. A Keyblade de Vanitas tombou no chão.
— Me solta! — Ele se balançou de um lado para o outro na tentativa de se soltar, mas Sulley
o segurava com firmeza até demais.
— Aqui, Sulley! — exclamou Mike. Ele tinha uma porta pronta bem a seu lado.
Sulley correu até lá e atirou Vanitas por ela.
— Fecha! Rápido!
Mike imediatamente bateu a porta e saiu correndo para abrir outra. Sulley pegou a primeira
porta e a jogou pela seguinte, então pegou esta e a jogou pela próxima, de novo e de novo, até que
finalmente jogaram a última porta no triturador.
Sulley e Mike bateram as mãos no ar e então se viraram para fazer o mesmo com Boo.
— Isso foi demais! — disse Sora, se levantando. Assim que Vanitas se foi, a dor em seu
peito sumiu como se nunca tivesse existido.
Atrás dele, Donald e Pateta pareciam tão gratos quanto ele.
— Obrigado!
— Te devemos uma.
Quem sabe o que teria acontecido se Sulley e Mike não estivessem lá?
— Não, somos nós que devíamos agradecer a vocês. Nunca teríamos conseguido trazer a
Boo até aqui se vocês não tivessem aparecido para ajudar.
— E, finalmente, encontramos a porta dela! — Sora se ajoelhou diante de Boo, que estava
pulando com toda a empolgação entre Mike e Sulley. — Boo, eu sei como você tava animada pra
poder brincar com o Mike e o Sulley. Desculpa por termos te arrastado pra isso.
— Cuidado! Vai assustar ela com essa cara! — disparou Donald, pulando na frente dele.
— Ei, você dá bem mais medo.
— Poxa, eu acho que os dois dão medo — sugeriu Pateta, e todos deram uma breve risada.
— Muito bem, Boo. Hora de ir — Sulley disse à garotinha.
— Nos vemos em breve, menina — Mike disse a ela, relutante, mas Boo olhou animada
para ele e depois para Donald.
— Mike Wazowski!
Mike olhou de volta para o outro monstro de um só olho.
— Não, aquele é o Donald, Boo — ele lembrou a ela, e a garotinha lhe deu um abraço.
— Mike Wazowski.
— Assim é melhor. A gente se vê, menina. — Mike sorriu, acariciando sua cabeça.
Boo foi andando até a porta branca com flores cor-de-rosa, pronta para voltar para casa, mas
então Sora, Donald e Pateta a chamaram uma última vez:
131 | K i n g d o m H e a r t s I I I : A R o m a n t i z a ç ã o
— Boo!
Quando ela olhou para trás, os três estavam fazendo aquelas caras engraçadas de antes para
ela. Boo deu uma boa risada.
— Até maaais!
E com isso, Boo voltou para casa — para seu quarto.

Sora e os outros seguiram de volta ao saguão onde conheceram Sulley, Mike e Boo. Sora se
virou para Mike e Sulley, que foram vê-los partirem.
— Desculpa por toda a dor de cabeça que a gente causou.
— Tranquilo. Na verdade, foi até legal ter uma pequena aventura pra relembrar os velhos
tempos — disse Sulley, animado.
Mike assentiu, concordando.
— É, o lance do voo e da queda... nada como correr por nossas vidas pra fazer o coração
bater mais forte!
— Eu me diverti muito — Donald acrescentou imediatamente.
— Donald! Tudo que você fez foi reclamar!
— Nada a ver!
Quando ele e Sora entraram em outra de suas discussões calorosas, Sulley e Mike assistiram,
entretidos. Àquela altura, já estavam acostumados.
— Será que podemos voltar aqui de novo? — perguntou Pateta.
— A porta sempre estará aberta — respondeu Mike. Sulley sentia o mesmo.
— E talvez a Boo possa se juntar a nós!
— Isso aí. Tchau-tchau! — exclamou Donald, animado, embora também estivesse triste por
ter que partir.
Eu tive minhas dúvidas com relação a esse mundo no início, mas o Sulley e o Mike eram
mesmo muito gente boa. Até me acostumei a ser um monstro agora!
— Só pra registrar, eu ainda consegui a maioria dos risos! — Mike exclamou para Sora
enquanto este ia embora.
— Bom extermínio! — acrescentou Sulley.
— Obrigado! — responderam Sora, Donald e Pateta enquanto davam adeus àquele mundo.
Mesmo assim... não consigo parar de pensar no que o Vanitas disse.
O Ventus tá dentro de mim...?

***

Interlúdio: MARG EM N EGRA

O fluxo do tempo naquele mundo era diferente que no reino da luz. Ali, era volúvel como as
ondas. O suave farfalhar da maré contra a areia preenchia a praia. O céu era escuro, tal qual a água,
mas, do outro lado do mar, uma luz turva pairava no céu sombrio e nublado. Talvez fosse o sol,
talvez fosse a lua.
Aqua e um homem estavam sentados na orla, olhando para o horizonte. Ela não fazia ideia
de há quanto tempo estavam ali, mas sabia que o homem chegara àquele lugar e se encontrara com
Aqua após dois heróis completarem sua segunda aventura e trouxerem paz aos mundos.
O homem disse a ela o nome do garoto responsável por salvá-los:
— Seu nome é... Sora.
Lágrimas escorreram por suas bochechas quando ele lhe contou. Está tudo conectado. Tudo
conectado, mesmo agora.

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— Diga-me, você vai ficar aqui? — perguntou o homem de casaco negro, seu capuz ainda
ocultando seu rosto.
Aqua não sabia quem ele era, nem que um dia fora chamado de Ansem, o Sábio.
— Não consigo deixar de sentir que essas águas tocam outra costa que eu visitei.
Ansem, o Sábio, sabia de qual lugar ela estava falando:
— As Ilhas do Destino.
Aqua ficou surpresa ao ouvir o nome vindo de sua boca. Quanto tempo se passara desde que
ela caíra do reino da luz?
— Já ouviu falar delas? — Aqua sorriu e olhou para o homem.
— Ah, sim. São realmente adoráveis... bastante diferentes desta terra desolada. — Ele
também tinha um breve sorriso no rosto.
— Eu vou ficar. Alguém virá por mim. — O olhar de Aqua se voltou novamente para o
horizonte ao longe.
— Essas águas são o intermédio entre as trevas e a luz. Sua orla é a margem entre o dia e a
noite. Elas reuniram você e eu, então por que não a reuniriam a outra pessoa?
— Sim.
Os dois voltaram a olhar para a luz além do mar.
Uma quantidade de tempo incerta se passou... até que Aqua sentiu uma presença maligna se
aproximando atrás dela.
— Quem está aí? — Ela se virou, pronta para problemas.
O homem vestia um casaco negro com o capuz abaixado, revelando seu rosto. Seus longos
cabelos prateados eram penteados para trás e uma aura de trevas emanava de sua pele.
Ansem, o Sábio, também se levantou, arfando quando viu de quem se tratava.
— Você...
Era seu antigo pupilo, aquele que havia roubado seu nome e se entregado propositalmente às
sombras — Xehanort.
— Mestre... preciso falar com o senhor.
Ansem, o Sábio, tirou o capuz que lhe cobria o rosto e lançou os profundos olhos dourados
para seu antigo aprendiz.
— “Mestre”? Então agora você zomba de mim.
— O senhor se lembra dos experimentos do coração que me pediu para interromper? Entre
as cobaias, havia uma garota. Ela havia perdido a memória, assim como eu. Mas... você consegue
reconstruir memórias. Fez isso com o Sora. Acredito que tenha visto as memórias da garota — disse
Xehanort enquanto andava em direção a eles.
Ansem permaneceu imperturbável.
— Qual é a sua pergunta?
— Onde você colocou a garota? — perguntou Xehanort em tom de acusação.
— Que garota?
— Muito bem. Se não vai me dizer aqui...
Xehanort se aproximou para tomar Ansem pelo braço, mas Aqua se lançou entre os dois e
afastou sua mão. Ela não estava empunhando uma Keyblade.
— Acho que você devia ir embora — disse.
— Uma guardiã da luz perdida? Você espera aqui... pelo rei e o seu palhaço. — Uma grande
sombra se ergueu atrás de Xehanort e a lançou longe. — Onde está a sua Keyblade?
Aqua pousou na areia alguns metros para trás.
— Não preciso dela! — exclamou, lançando-se novamente em direção à figura das trevas.
Ela se atirou no ar e desferiu um chute contra sua cabeça, mas infelizmente, antes que voltasse a
uma distância segura, a sombra negra segurou uma de suas pernas e a deixou pendurada no ar.
Ansem correu até Aqua.
— Basta! Eu vou.
— Você é sábio — respondeu Xehanort com um leve tom de riso na voz.

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Aqua usou o momento de distração para chutar a sombra com sua perna livre e escapou. De
volta ao chão, ela rapidamente se reergueu, pronta para lutar de novo, e encarou Xehanort com uma
expressão furiosa no rosto.
— Pobrezinha. Não devo deixá-la sem nada — disse Xehanort.
Uma escuridão pura, quase sólida, se formou no grande buraco no peito do guardião, que
então a disparou em uma onda que ergueu Aqua do chão e a lançou com tudo em direção às águas
negras do mar adiante.
As profundezas obscuras encobriram Aqua por inteiro, lançando-a cada vez mais para o
fundo, engolindo-a por inteiro. O que... é essa sensação?
Ela foi deslizando em direção ao fundo do abismo negro.

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A NAVE GUMMI DECOLOU DE MONSTRÓPOLIS.
Sora precisava decidir qual seria o próximo destino, mas sua mente estava ocupada com as
palavras de Vanitas. Havia mais alguém em seu coração — Ventus. Sora não fazia ideia do que lhe
teria acontecido se Sulley não tivesse intervindo naquele momento.
Também estava preocupado com relação à Organização XIII. Eles aparentemente estavam
coletando os membros dos quais precisavam muito mais rápido que os guardiões da luz e agora
estavam até mesmo interferindo com outros mundos.
Sora ergueu a cabeça e olhou diretamente para frente, então pulou de seu assento e se virou
para seus amigos.
— Devíamos ir para o reino da escuridão!
Donald não ia aceitar a ideia:
— De jeito nenhum!
— Você não pode ir pra lá até conseguir o poder do despertar! — concordou Pateta.
Tá, claro, eu não recuperei o poder do despertar, mas mesmo assim...
— Mas a gente tem que fazer alguma coisa! Se não agirmos, a Organização vai vencer!
Mesmo que tecnicamente eu não seja forte o bastante, tem que ter alguma coisa que a gente
possa fazer, pensou Sora. E não podemos só deixar a Organização sair por aí semeando o caos por
onde passam. Se a gente não impedir eles, e logo, a coisa vai ficar muito feia.
Donald e Pateta se entreolharam com uma expressão desconfortável.
Foi quando o Grilo saltou sobre o ombro de Sora. Ele também tinha ideias sobre o assunto.
— Sora, você sequer sabe como chegar ao reino da escuridão?
Era uma pergunta extremamente válida. Após parar para pensar por um instante, Sora tirou o
Gummifone do bolso.
— Bom, o Riku e o rei sabem — disse ele, confiante.
— Eles não vão te dizer — salientou Donald.
— Não — disse Pateta. — Não até que você complete a sua própria missão.
Sora se jogou de volta em seu assento, murcho.
O que eu faço? Eu só quero ajudar, mas todo mundo tem um motivo pra dizer não.
— Ugh...! — resmungou Sora, voltando a se recostar em sua cadeira. Estava sem ideias.
Eu sei que não sou forte o suficiente — vocês não têm que me lembrar disso.
Foi quando o Gummifone tocou. Talvez seja o rei! Ele tinha dito que estava pra me ligar da
última vez que eu liguei pra ele.
E quem apareceu na tela foi...
— É uma hora ruim?
...Ienzo.
— Ahh... — Desapontados, Sora, Donald e Pateta suspiraram em uníssono.
Ienzo aparentemente não se abalou com a resposta nada entusiasmada.
— Então, tenho novidades sobre o Código de Ansem e a Réplica que precisamos para o
coração do Roxas — ele lhes contou, a voz calma.
— Ah! — O Grilo foi o primeiro a se empolgar com as notícias.
— E...? — incitou Sora.
— Primeiro, a Réplica. Even ainda está desaparecido, mas encontramos algumas de suas
pesquisas. Vou ver o que posso descobrir com elas.
— Você tem a nossa gratidão — o Grilo disse a Ienzo com uma breve reverência.
— Quanto aos dados de Ansem, o Sábio, descobrimos um trecho muito interessante. Vou ler
exatamente o que ele escreveu.
Ienzo começou a leitura do relatório:

Eu descobri três corações únicos dentro do de Sora.


Um é Roxas. O segundo está com Sora há quase tanto tempo quanto. E o terceiro reside no
coração de Sora por ainda mais tempo — pela maior parte de sua vida, na verdade.
Esta é uma descoberta realmente surpreendente. Embora esses corações tenham se fundido
a Sora, ficado em silêncio e indistintos — Sora retém as memórias de todos os três.
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As memórias foram compartimentadas — cada qual colocada em sua própria “caixa”, por
assim dizer. Suponho que os corações possam ser despertados, desde que cada um deles seja
devolvido à caixa que contém as memórias corretas.
Una o coração a suas memórias e forneça um corpo adequado no qual ele possa florescer, e
acredito que qualquer uma ou todas as três pessoas possam se tornar reais novamente.

— O Roxas e mais dois? — Sora murmurou consigo mesmo.


— Quem mais? — perguntou o Grilo.
Vanitas havia mencionado o coração de Ventus mais cedo e também havia o Roxas. Mas a
quem pertencia o terceiro coração...?
Ienzo continuou enquanto Sora refletia sobre a questão:
— Também acredito que possa ter encontrado algo que podemos usar como plano B caso
não encontremos nenhuma Réplica, então também vou ficar de olho nisso.
— Obrigado. — O Grilo voltou a inclinar a cabeça.
— Ah — disse Sora. — Obrigado, Ienzo.
— Certamente. Cuidem-se — respondeu Ienzo, encerrando a chamada logo em seguida.
— Três corações diferentes... — ponderou Donald, atrás de Sora.
— Um deles é o Roxas — disse Pateta. — O outro deve ser o Ventus.
— Você vai acreditar no que o Vanitas disse?
— Bem, hã... é meio que a única pista que nós temos. Sora, você sabe quem poderia ser o
terceiro? — perguntou Pateta. Ele e Donald não conseguiam nem imaginar.
— Não. — Sora balançou a cabeça. Eu também nem acredito que tenha mais um. Mas quem
poderia ser...? Não faço a menor ideia.
— É que o Sora não sabe contar — brincou Donald.
— Ei! Isso não tem nada a ver — disparou Sora, e todos deram risada.
Um terceiro coração dentro do meu... de quem será ele?
A Kairi foi parte de mim uma vez e o Roxas ainda é. Isso também vale pro Ventus. Mas não
consigo pensar em quem possa ser esse outro. Mas se esse coração puder ser despertado como o do
Roxas e o do Ventus, tenho certeza que essa terceira pessoa também vai poder voltar.
Ela tá dentro de mim há quase tanto tempo quanto o Roxas, né...?
De repente, o Gummifone voltou a tocar.
— Será que dessa vez é o rei?! — exclamou Donald, espiando de seu assento, mas dessa vez
a ligação era de...
— Oi, Sora.
...Teco, o esquilo.
— Oi, Teco. E aí? — Sora olhou para a tela com uma expressão preocupada, imaginando se
havia acontecido alguma coisa.
— O Tico acabou de receber uma mensagem do Merlin. Tico! Tô com ele na linha!
Tico enfiou a cabeça na tela, logo ao lado de Teco.
— Oi, Sora!
— Oi, Tico. O Merlin tá precisando da gente pra alguma coisa?
— Sim, acho que tem algo a ver com um livro ou coisa assim. Ele disse que vai tomar uma
xícara de chá enquanto espera vocês.
— Uma xícara de chá onde? — perguntou Sora.
— Essa não! — exclamou Tico. — Ele disse chá, mas não disse onde. — Ele olhou para
Teco, como se implorando para que ele o ajudasse.
— Ele foi embora antes que eu pudesse descobrir! — Infelizmente, Teco também não sabia.
— Ele é um mago difícil de encontrar.
Na tela, os dois esquilos trocaram um olhar tenso. Mas eles haviam dito o que precisava ser
dito, então encerraram a chamada por ali mesmo:
— Enfim, mensagem entregue. Tchau!
— Onde ele poderia estar tomando chá? — Sora cruzou os braços em sua pose pensativa
habitual. Não ajudou.
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— Diga, — ponderou Pateta — se você fosse tomar uma xícara de chá, não gostaria de fazer
isso no melhor restaurante que pudesse encontrar?
— Ahh... é claro! — Sora se deu conta de onde ele queria chegar.
Se você quisesse o melhor jantar e o melhor bolo de sobremesa, só havia um lugar aonde ir
— o bistrô do Mini Chef.
E agora eles sabiam para onde ir a seguir. Rumo a Twilight Town!

Como de costume, o bonde ia atravessando a praça de Twilight Town. Quando Sora e seus
amigos se aproximaram do bistrô, um aroma maravilhoso lhes tomou o nariz.
— Puxa vida, estou ficando com fome!
— Vamos comer alguma coisa enquanto estamos aqui?
— Vamos!
O trio foi conversando enquanto andava, até que encontraram Merlin bebericando um gole
de chá em uma das mesas na frente do restaurante.
— Merlin!
O mago vestia o mesmo robe azul e chapéu pontudo de sempre e sua barba continuava longa
e branca. Seus óculos redondos também eram os mesmos. Embora fosse um pouco parecido com
Yen Sid, os dois magos tinham personalidades completamente diferentes.
— Ah, saudações, cavalheiros. O que os traz até aqui? Além do melhor chá deste lado do
Big Ben, claro.
— Hã? Mas... Merlin, não tinha sido você que pediu pra gente vir?
— Céus, eu pedi? — O mago inclinou a cabeça. Ele honestamente não se lembrava.
— Você não nos deixou uma mensagem com o Tico e o Teco? — disse Pateta, a fim de
ajudar com a sua memória.
— Sobre um livro? — acrescentou Donald.
Merlin bateu as mãos.
— Ah! Sim, o livro. Isso mesmo — disse ele, enfim voltando a se recordar.
Ele levou a mão à grande bolsa pousada a seu lado e tirou dela um volume magnificamente
encadernado.
— Contemplem.
As palavras Bosque dos 100 Acres estavam escritas na capa. Este livro continha um mundo
que Sora havia visitado no passado, o bosque onde o Ursinho Pooh e seus amigos viviam. Sora se
lembrou de como havia procurado pelas páginas arrancadas do livro para devolvê-las a Merlin e
abrir novos lugares para onde ir. Mas...
— Ei, mas isso... — disse Sora, notando algo perturbador.
Donald também estava surpreso e indicou o que havia de errado:
— O Sora não está nele.
Na segunda vez em que Sora visitara o lugar, os Heartless haviam arrancado as páginas e
fizeram Pooh se esquecer de todos os seus amigos. No fim, ele acabou voltando a se lembrar de
todos e Sora apareceu na capa ao lado dele. Mas agora, Pooh estava sozinho.
— Aconteceu alguma coisa? — perguntou Pateta, preocupado.
— Bem, é isso que você precisa descobrir, rapaz.
— Tá bom, pode deixar comigo — disse Sora, pegando o livro das mãos de Merlin.
— Você é o único que consegue entrar, não é?
— Isso aí, então vocês me esperam aqui — Sora disse a Pateta.
Enquanto Donald segurava o livro para ele, Sora apontou sua Keyblade para a capa, onde
Pooh estava sentado sozinho, olhando para as estrelas.
— Beleza, já vejo vocês.
— Tome cuidado.
— Sim, e boa sorte.

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Depois que Merlin e Pateta se despediram, uma luz emanou da ponta da Keyblade e Sora foi
puxado para dentro do livro.

Dentro do livro, — no mundo do Ursinho Pooh — tudo continuava calmo e tranquilo como
de costume. Sora avançou pelo belo bosque, escutando o canto dos pássaros e vendo mais à frente a
grande árvore que servia de casa para Pooh.
— Puxa vida. Pensa, pensa, pensa... — murmurou o urso que se sentava na frente de casa,
aparentemente dando tudo de si para pensar em alguma coisa.
Leitão estava ao lado dele — Sora se lembrava com ternura de como o baixinho tinha ficado
morrendo de medo dele na primeira vez em que se viram.
— Ursinho Pooh! Tudo bem?
— Ah! Olá, Sora. — Pooh ergueu o olhar devagar em sua direção e então se levantou num
pulo. — Está em casa.
— A...ham? É bom te ver, Pooh. E você também, Leitão — disse Sora, inclinando-se um
pouco enquanto os cumprimentava. Pooh era um ursinho de pelúcia e Leitão era... bem, um leitão
de pelúcia. — Vocês não estão com problemas? Mas achei que algo estranho estaria acontecendo.
— Hm, deixe-me ver... Eu não me lembro de nada estranho, mas talvez eu tenha esquecido.
Pensa, pensa, pensa... — O Ursinho Pooh voltou a ficar pensativo.
— Ah, nós estamos com problemas sim! — disse alguém atrás de Sora. Era o Coelho.
— Seria do tipo Coelho de problema? — perguntou Leitão, recebendo um olhar repreensivo
pela interrupção. — D-D-D-Desculpa, por favor, continue — gaguejou ele, com medo.
— Sora!
Sora reconheceu a voz chamando seu nome, mas não o jovem elefante que viu andando a
passos pesados em sua direção.
Hã? Que engraçado, pensou ele, mas então viu o jovem canguru Guru aparecendo aos saltos
nas costas do elefante.
— Está tudo bem. Ele é meu amigo — disse ele, voltando-se para o elefante.
— Oi, meu nome é Sora.
— E meu nome é Bolota! É um prazer te conhecer — disse o elefante, apresentando-se
enquanto pisoteava alegremente o chão.
Foi quando a cabeça de Roque-Roque surgiu de um buraco que dava em seu lar subterrâneo.
Ele parecia um pouco bravo.
— Minha nossa Senhora! Por que não pisa com mais força? — As pisadas deviam ser bem
altas no subsolo.
— Eu meio que gosto quando o chão fica pulante.
— Bem, creio que se algo tem que pular... — Roque-Roque começou a dizer, mas então
ouviu um som bastante familiar. Estava ficando cada vez mais alto, cada vez mais perto: Boing,
boing, boing. — Falando nisso...
Assim que Roque-Roque se virou, Tigrão, o tigre de pelúcia, deu um grande abraço em
Sora. Os dois tombaram no chão e Tigrão riu alegremente, sentado na barriga de Sora.
— Voltou para pular um pouco mais, Sora? Anda, vamos lá! — Tigrão começou a pular em
sua cauda elástica com toda a animação, até que saltou bem alto em direção a Guru e Bolota. —
Você também, Guru!
— Uhul!
— Eu também! Eu também! Eu quero pular!
Guru começou a pular enquanto Bolota ia pisoteando o chão.
— Não diga mais nada! Todos os potenciais puladores são bem-vindos.
E quando Tigrão juntou todos no mesmo lugar, Pooh finalmente ergueu o olhar, concluindo
seu longo momento de contemplação:
— Ah, agora eu me lembrei. O problema do Coelho tem a ver com a colheita.

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— Ora, obrigado por se lembrar do meu drama, Pooh. Antes tarde do que nunca — disse
Coelho, desviando o olhar para o urso antes de se voltar para o trio pulante. — Com licença! Mais
alguém gostaria de tentar se lembrar por que estamos aqui?
Tigrão, Guru e Bolota pararam e refletiram sobre a pergunta.
— Se bem me lembro, viemos para te ajudar com o seu jardim, Coelho — Pooh respondeu
daquele seu jeito calmo e contente. — E depois, quem sabe, talvez você nos convide para um
punhadinho ou dois de mel?
— Correto. Não. Não! Quer dizer, vou pensar a respeito, Pooh. Agora, o jardim, por favor?
Você também pode ajudar, Sora. — Tendo dado as instruções a todos, Coelho saiu andando.
— O quê? Eu também? — perguntou Sora.
— Muito bem, ao jardim!
— Eu também vou ajudar! — Tigrão saiu pulando atrás dele.
Sora relutantemente seguiu Coelho com o resto do grupo até a horta na frente de sua casa.
— Vamos começar com as cenouras!
— Certo...
O grupo inteiro entrou no jardim e começou a colher as cenouras, depois o alho e então as
abóboras que haviam no chão, junto aos tomates, berinjelas e abobrinhas já maduros. Era a primeira
vez que Sora colhia coisas direto da terra desse jeito.
— Ajuda você também, Tigrão! — exclamou Sora.
— Mas é claro! — Tigrão parou de pular à toa e então se juntou ao trabalho. — Quer que eu
colha tudo aqui?
— Sim, valeu!
Sora correu pela horta juntando os produtos enquanto Pooh e seus amigos separavam tudo
em cestas diferentes até que estivessem cheias.
— Que colheita! — exclamou Coelho.
— Graças à ajuda do Sora — disse Leitão.
Com um pequeno sorriso no rosto, Sora secou o suor que começava a escorrer de sua testa.
Coelho parecia bastante feliz com os braços cheios de cenouras.
— Sim, tem razão. Obrigado, Sora!
Enquanto isso, Tigrão pulava ao lado deles.
— Bem, que tal pular um pouco mais? — sugeriu ele, e Bolota não perdeu tempo para se
juntar com suas pisadas.
Na sequência, Coelho pediu a Sora para ajudar com as frutas no pomar e então com as flores
no jardim. Quando seu trabalho ali havia terminado, ele se atirou com tudo no chão, sentindo-se
bem cansado.
Estava tudo adorável como sempre naquele mundo. Estavam todos se dando bem, era um dia
bonito e ele não conseguia ver nada que pudesse ser considerado anormal acontecendo por ali.
— Bom, parece que seu problema foi resolvido. Acho que eu vou indo nessa — disse Sora
enquanto se levantava e tirava a poeira das roupas.
Coelho então entregou um grande pote para Pooh.
— Aqui, Pooh. Um pote cheio de mel. É a sua recompensa por ter sido de grande ajuda.
Coma o tanto que quiser.
— Ah, obrigado, Coelho! — Pooh aceitou o mel e imediatamente mergulhou uma das patas.
Uma brisa súbita carregou uma onda de pétalas de flores que pareceram dançar no ar. Tigrão
começou a pular atrás delas.
— Olha só pra elas. Estão pulando ainda mais alto que eu!
Todos observaram enquanto as pétalas coloridas flutuavam pelo céu azul claro. A vista era
especialmente bonita.
— Sora, acredito que quem eu devo agradecer por todo esse mel tão gostoso... seja a você —
disse Pooh. Sora se ajoelhou.
— Não por isso, Pooh — respondeu. — Além do mais, todos nós ajudamos.
— Hã, Sora? — disse o ursinho, parecendo ter se lembrado de alguma coisa. Ele pôs uma
mão sobre o peito e perguntou: — Você costumava estar bem aqui. Por que você foi embora?
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Sora pareceu confuso.
— Embora? Ah, foi por isso que você disse que eu “estava em casa”. — Agora ele entendia
por que Pooh o cumprimentara da forma como o fez.
Pooh abaixou um pouco o rosto.
— Sim. Sabe, quando a minha barriguinha ronca tristinha, é difícil pensar em algo além de
mel. Então eu achei que talvez você tivesse ido embora porque eu tinha te esquecido.
— Ursinho bobo, nunca.
— Ah, que bom, porque eu quero que fiquemos juntos para sempre.
— Pooh. Nós estamos juntos. Não há um único segundo que não estejamos — disse Sora, a
fim de tranquiliza-lo, mas então uma onda de incerteza tomou conta de si.
Só que eu posso sentir. Talvez a nossa conexão esteja ficando mais fraca... Por que será?
O meu coração de fato quase se tornou um receptáculo para Xehanort quando eu por pouco
não acabei ficando preso nos Mundos Adormecidos. Será que tem alguma relação com isso?
E acho que todo mundo também esqueceu de mim quando eu fui dormir para recuperar as
minhas memórias antes disso.
Será que é igual àquela vez...? Ou será que...?
— Qual o problema, Sora?
— Ah, não é nada. O que importa é que, a partir de agora, eu estarei aqui. Sem ir embora —
disse Sora, apontando um dedo para o peito de Pooh.
Eu não vou mais desaparecer do coração de ninguém.
— Obrigado, Sora.
Uma forte lufada de vento soprou por eles, lançando ainda mais pétalas para dançarem em
meio ao céu. E com isso...

A imagem de Sora reapareceu na capa do livro de Pooh e, pouco depois, o próprio Sora
voltou à mesa do bistrô em meio a um grande clarão.
— Esplêndido! Tudo está como deveria — Merlin disse a ele.
— Mas como foi que a imagem do Sora sumiu pra início de conversa? — perguntou Donald,
aproximando-se.
Em vez de responder, Sora apenas olhou para os paralelepípedos.
— Sora? — Preocupado, Pateta olhou para o rosto do amigo.
— Aconteceu alguma coisa comigo que me fez sumir do coração do Pooh. Merlin, eu nunca
quero perder os meus amigos.
De alguma forma... eu sei que isso é obra do Xehanort. Simplesmente sei. Eu não quero
desaparecer do coração de ninguém.
— Bem, vamos lá — disse Merlin, passando a mão por sua barba.
Sora ergueu o olhar.
— Hã?
— Não há por que se preocupar, rapaz. O que quer que se perca pode ser encontrado
novamente. Sempre há novos caminhos entre os corações para descobrirmos e percorrermos — o
mago disse a Sora com toda a gentileza na voz. Ele lhe mostrou a capa do livro, agora mostrando
Sora e Pooh juntos. — Mas você já sabia disso.
— É!
O sorriso de Sora voltou a seu rosto e, com isso, Merlin também sorriu.

Após se despedir de Sora, Donald e Pateta, que agora precisavam voltar mais uma vez a suas
viagens, Merlin pendurou sua bolsa no ombro.
Ah, sim — preciso comprar mais uns daqueles picolés de sal marinho.
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O treinamento de seus pupilos era árduo, mas estava progredindo bem. Na verdade, estes
eram os primeiros aprendizes que ele assumia desde Sora. O rei e Riku haviam visitado Merlin em
sua casa em Radiant Garden pouco tempo antes para entregar a ele duas malas — cortesia de Yen
Sid. Eles próprios inclusive precisavam de Keyblades novas.
Ora, ora. Me pergunto onde eles estarão agora.
Talvez estivessem trabalhando por algum propósito nobre e grandioso, mas Merlin não sabia
nada a respeito. Ele meramente ajudava aqueles que o buscavam em momentos de necessidade.
Treinar dois jovens para se tornarem portadores da Keyblade plenos é mesmo um trabalho
duro. Mas eu nunca recusaria um favor ao meu bom amigo Yen Sid, e muito menos ao rei.
Merlin podia já estar na melhor idade, mas ainda não era um velho gagá. Com um tapinha
cansado no quadril, ele seguiu seu caminho.

***

Interlúdio: C ARTA I I

O Merlin nos trouxe umas roupas novas no outro dia. Disse que foi o Mestre Yen Sid que as
fez para nós. Ele também te deu um traje novo? O Axel não está usando o dele. Não sei bem por
quê, ele não me disse. Talvez só goste muito daquele casaco preto.
O treinamento está indo bem. Eu e o Axel já basicamente conseguimos invocar as nossas
Keyblades sempre que queremos agora e nós lutamos todos os dias. Ele é mais forte que eu porque
costumava ser membro da Organização XIII, mas está sempre me dando várias dicas. Ele sempre
me pergunta se “deu pra memorizar”, mas só porque eu sei algo na minha cabeça, não quer dizer
que é fácil fazer o meu corpo acompanhar.
A propósito, você já tomou picolé de sal marinho? O Merlin compra para nós o tempo todo.
Tem um gosto salgado, mas doce ao mesmo tempo — e, por algum motivo, também me é familiar.
O Axel adora, mas sempre parece um pouco melancólico quando está tomando.
Como está o Riku? Ele ficou bem alto, né? Aposto que você também está mais alto agora.
Mal posso esperar para ver vocês dois de novo.
Ah, é mesmo, o Riku também cortou o cabelo, não foi? Na próxima vez que o vir, diga a ele
que eu prefiro desse jeito.
Bom, te escrevo mais depois.

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DEPOIS DE DEIXAREM TWILIGHT TOWN, SORA, DONALD E PATETA CHEGARAM
a um novo mundo.
— Que frio! — Sora envolveu o corpo com os braços, tremendo.
Era noite e o trio estava parado no meio de uma série de montanhas cobertas de neve. Era
tudo branco, até onde os olhos podiam ver, e a neve continuava caindo.
— Donald, me arranja um casaco! — gritou Sora, quase morrendo congelado. Não posso
ficar nesse mundo de mangas curtas!
— A magia não funciona desse jeito — disparou Donald, virando as costas para ele.
— Acho que ele tá muito acostumado com a praia!
— Ei, eu sou de uma ilha, tava esperando o quê? — reclamou Sora, retrucando as palavras
de Pateta enquanto esfregava os braços para aquecê-los.
Neve era algo sem precedentes nas águas cristalinas e no céu azul das Ilhas do Destino. Sora
já estivera na Cidade do Natal, então não podia dizer que não estava completamente familiarizado
com aquele tipo de clima, mas nunca havia sentido tanto frio na vida.
— Vocês tão de manga comprida, mas eu não!
— Ah, você vai ficar bem.
— Não vou não! — reclamou Sora, virando-se para Donald, quando subitamente notou algo
mais adiante. — ...Hã?
A água tá congelando, mas o gelo parece vir da margem daquela baía.
— Donald, isso não é magia sua, é? — perguntou.
Donald balançou a cabeça. Ele também havia notado a água congelada, mas parecia estar tão
confuso quanto Sora.
— Acham que são os Heartless?
— Pode ser. Vamos lá. — Sora saiu em disparada pela margem para conferir se o receio de
Pateta estava certo.
Pelo menos o frio não é não ruim se eu fico me mexendo. Esse mundo é quieto e escuro — e
congelante também, é claro. Não sei por que, mas ele me deixa muito... triste.
Quando chegaram à beira da água, Sora e seus amigos se depararam com uma mulher que
corria pela superfície com seu manto roxo balançando atrás dela. A cada passo, a água congelava
sob seus pés. Sora também notou a expressão em seu rosto, cheia de arrependimento e angústia.
— O que será que houve?
— Talvez os Heartless? Devíamos falar com ela — sugeriu Pateta, preocupado, enquanto a
observavam partir em direção às montanhas. Talvez tivesse sentido o mesmo que Sora.
A neve continuava caindo, mas não com tanta força quanto antes. O vento também estava
diminuindo. Para onde será que ela tinha ido?
É meio difícil andar nessa neve — meus pés ficam afundando.
Sora e seus amigos encontraram sua procurada apenas um pouco mais a frente, quando se
aproximavam de um vale.
— Ei, espera! — exclamou Sora, e a mulher se virou para eles. Estava envolta em um manto
roxo e parecia assustada, com uma única luva em sua mão direita.
— Por que estão aqui? De onde vocês vieram? — perguntou ela.
— Oi, eu sou o Sora. E eu... — Sora estava para responder honestamente, até que Donald o
encarou com um olhar que o fez se calar. Ah é, a ordem dos mundos! — Hã... Eu sou... digamos que
de um lugar... um pouco mais quente.
Assentindo com satisfação diante da discrição de Sora, Donald se apresentou a seguir:
— Meu nome é Donald.
— E eu sou o Pateta.
A mulher os observou com atenção e então parou por um momento, pensativa.
— Vocês estão visitando Arendelle? Para a coroação?
O que é uma coroação? Sora não tinha certeza, mas Donald e Pateta estavam assentindo.
Talvez a melhor forma de manter o nosso disfarce seja ir na onda e agir como se eu soubesse do
que ela tá falando.
— Hã... Pegou a gente! Bom, qual o seu nome?
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A mulher juntou as mãos diante de si.
— Elsa... Rainha Elsa de Arendelle — respondeu ela, a voz firme e resoluta.
— O quê? A rainha?! — exclamaram Sora e seus amigos, rapidamente ajeitando a postura.
Se ela é a rainha, deve ser muito especial. Bom, nem todas as rainhas que eu conheci eram
exatamente pessoas honestas, mas pelo menos dá pra ver que esse não é o caso da Elsa. Ela tem
um baita ar de realeza — só deve estar passando por um momento ruim agora.
A rainha desviou o olhar.
— Vocês não deviam estar aqui. Por favor, voltem para a vila — disse, dando meia-volta e
começando a partir.
— Por quê? Majestade, você parece que precisa de um amigo. Não quer conversar? — disse
Sora, preocupado com ela. Elsa parou, mas não se virou.
— Por favor, vão — disse, curta e secamente, rejeitando sua tentativa de gentileza. — Eu
preciso ficar sozinha. Não quero machucar ninguém.
Mas Sora não estava pronto para parar de tentar.
— Ah... é tão ruim assim? Você deve ter passado por muita coisa.
— A gente sabe como é isso, né? — acrescentou Donald, tentando ajudar a fazê-la escutar.
Pateta também se juntou a eles:
— Claro, se aventurar é divertido, mas com certeza tem seus altos e baixos. Quando as
coisas ficam difíceis, os amigos têm que ficar sempre juntos! — Ter outras pessoas a seu lado era
algo muito importante.
— Exato! Apesar que, Donald, você tá sempre perdendo a cabeça, então... consigo entender
alguém querer um tempo sozinho — ironizou Sora, antes que a conversa ficasse pesada demais. Ele
se aproximou um passo de Elsa.
— O quê? Eu não perco nada! — grasnou Donald, mordendo a isca.
Entretanto — enquanto o trio estava ocupado com seus gracejos, a neve começou a cair com
mais força de novo. Elsa abaixou a cabeça, suas mãos se fecharam em punhos, e então se virou com
tudo para o trio.
— Já chega! — vociferou ela, um brilho emanando de sua mão esquerda e fazendo com que
espinhos de gelo saltassem do chão entre eles. Sora, Donald e Pateta ficaram atônitos.
— Elsa... Foi você...?
Ela recuou um passo, se encolhendo de medo, como se chocada com as próprias ações. Foi
quando o vento tempestuoso e coberto pela neve começou a minguar — e então diversas criaturas
negras surgiram atrás dela.
— Os Heartless!
Sora e os outros correram em defesa de Elsa com a Keyblade, o cajado e o escudo em mãos.
— Não esquenta. Deixa com a gente. Se esconde!
A rainha concordou com um pequeno aceno e recuou enquanto Sora e seus amigos partiam
para cima dos Heartless.
Por mais conveniente que parecesse, os Heartless que infestavam aquele mundo congelado
eram particularmente gélidos. Os que estavam enfrentando agora mais pareciam cervos brancos
com chifres feitos de gelo.
— Aposto que algo quente vai dar conta disso. Algo como... Chamas!
A magia de Donald derreteu os chifres de um dos cervos. Sora também disparou uma magia
de fogo e, na sequência, atacou com um golpe de sua Keyblade.
Embora a natureza gelada dos inimigos os tornasse um pouco mais resilientes que o normal,
esses não eram exatamente os Heartless mais fortes que já tinham visto.
— E isso resolve o assunto!
Quando todas as criaturas foram eliminadas, Elsa cuidadosamente saiu de seu esconderijo e
voltou até onde Sora estava.
— Elsa, você tá bem? — perguntou Sora.
— Eu... peço desculpas por ter me zangado. Obrigada pela ajuda.
No entanto, ainda restava um inimigo. Enquanto Elsa lhes oferecia sua gratidão, um último
Heartless saltou de baixo da neve e se lançou contra Sora, Donald e Pateta por trás.
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Elsa foi a primeira a notar.
— Cuidado! — Ela ergueu a mão esquerda sem luva e disparou uma rajada de gelo que
eliminou o Heartless instantaneamente.
— Que incrível. Você controla o gelo — disse Sora, pego de surpresa e maravilhado com a
habilidade espetacular, mas Elsa apenas abaixou o olhar e escondeu a mão esquerda com a direita.
— Controlo? Não, tudo o que eu faço... é ferir as pessoas.
— Ei, tá tudo bem. Eram só os Heartless — disse Pateta, tentando deixá-la mais tranquila
consigo mesma.
Após um momento, Elsa ergueu o olhar e perguntou:
— Vocês disseram essa palavra antes. O que eles são?
— Monstros que estão atrás dos corações das pessoas. Aonde quer que vão, dá encrenca —
explicou Sora. Ela não tinha como saber por que essas criaturas estavam aparecendo em seu mundo.
— Estão atrás dos corações das pessoas? — Elsa mais uma vez abaixou o olhar em direção a
suas mãos.
— Sim, e eles são perigosos! Você devia ir pra casa antes que as coisas piorem.
A Elsa com certeza é forte, mas isso não significa que esteja segura, pensou Sora. A pior
coisa sobre os Heartless era que eles tiravam vantagem da escuridão no coração das pessoas — e o
medo era uma forma de tal escuridão.
Mas Elsa apenas balançou a cabeça, já tendo tomado sua decisão.
— Essa é minha casa agora — disse. — Eu não posso voltar. Não quero machucar ninguém.
— O quê? — perguntou Sora, preocupado.
— Arendelle está mais segura comigo aqui — declarou Elsa, com firmeza, e então se virou
novamente para partir.
— Mas não é seguro pra você! — persistiu Sora, mas uma parede de gelo se ergueu do chão
diante dele, de Donald e de Pateta, quase como uma personificação da rejeição por eles que Elsa
tinha em seu coração.
— Por favor, vão embora! — exclamou ela, do outro lado da barreira. Eles não tinham como
ir atrás dela agora.
— Elsa... — Sora pressionou suas mãos contra a parede.
— Ah, não se preocupa, ela vai ficar bem — garantiu Pateta. — Ela parece bem forte.
— Você tem que deixá-la ir. Ela quer ficar sozinha — disse Donald.
— Sim, eu entendo... mas eu queria saber por que ela estava tão triste — murmurou ele,
preocupado. A tristeza no rosto dela era óbvia, mas não era a única emoção lá.
Sora começou a pensar: Mesmo se o Donald e o Pateta estiverem certos e a gente devesse
mesmo deixar a Elsa em paz, o que fazemos agora?
Os três estavam ponderando sobre isso quando, de repente, ouviram a voz de uma mulher:
— E por acaso isso é da sua conta? Te enxerga, garoto.
Eles se viraram depressa e se depararam com uma mulher loira que usava um dos casacos da
Organização. Por algum motivo, seu cabelo estava todo penteado para trás, exceto por duas mexas
que se erguiam como antenas, uma de cada lado da cabeça.
— Quem é você? Esse é... o casaco da Organização. Você é nova? — perguntou Sora. Ele
nunca a havia visto antes. Na verdade, nunca tinha visto nenhuma mulher na Organização. De toda
forma, ela tinha um temperamento péssimo.
— Como é que é? Ah é, você esqueceu. O nome é Larxene. Vê se lembra dessa vez. E nós
vamos cuidar da Elsa, então não se preocupe — ela informou a Sora, a voz cheia de arrogância.
— Por que você tá atrás da Elsa?
Então a Organização também tá tentando dar uma das suas por aqui.
— Ninguém vai machucá-la. Mas não vamos tolerar a sua intromissão. Fiquem aqui e se
comportem.
Larxene ergueu a mão em direção à parede de gelo mais adiante e então lançou um poderoso
disparo de raios brancos de sua palma. A coisa toda explodiu, lançando escombros gigantescos que
começaram a se empilhar em volta de Sora e seus amigos.
— Wawawak!
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— Espera. O gelo!
— Ele vai prender a gente!
Larxene sorriu frente ao pânico do trio.
— Gelo não é nada o meu estilo — suspirou ela quando o último pedaço de gelo caiu com
tudo diante de Sora, Donald e Pateta, completando sua prisão.
— Larxene! — Sora gritou, mas sua voz não a alcançou do outro lado do muro. Estavam
completamente presos. — Qual é a desse lugar...?
Uma rápida olhada em volta revelou que agora estavam em um labirinto todo feito de gelo.
— Alguém tá vendo uma saída? — Sora suspirou e soltou o peso dos braços, derrotado.
O teto, as paredes, o chão — era tudo de gelo e ele não fazia ideia do que fazer.
— Não, eu não. — Tomado pela ansiedade, Donald girava a cabeça de um lado para o outro.
— Bom, vamos ter que achar uma — disse Sora, tentando reconfortá-lo.
— A Elsa tá com o maior problemão agora.
Pateta tinha razão. Por ora, eles tinham que continuar indo em frente.
— Pois é. — Sora assentiu. — A Larxene prometeu não machucá-la, mas eu não confio
nesses caras nem por nada.
Elsa com certeza conseguia se virar bem contra os Heartless, mas se a Organização estava
envolvida, então já era outra história.
— Eles devem estar tramando alguma coisa! — Donald também não queria abandoná-la.
— Então vamos nessa!
Sora e seus amigos partiram para encontrar uma saída do labirinto.

Ninguém me entende.
Elsa caminhava sozinha pelas montanhas cobertas de neve.
Ela possuía um poder especial, uma habilidade mágica de criar e controlar a neve e o gelo.
Ela tinha esses poderes desde que nasceu como a primeira princesa de Arendelle, embora ninguém
soubesse por quê. Quando criança, ela costumava brincar com seu gelo e sua neve, mas desde que
machucara sua irmã mais nova com esse poder, ela passou a temê-lo. Não havia como saber quando
poderia machucar mais alguém...
A vida de sua irmã foi salva graças aos trolls, mas seu poder ia ficando mais forte a cada dia
que se passava, até que Elsa começou a se trancar no castelo, com medo do que poderia acontecer.
Quando seus pais, o rei e a rainha, faleceram em um trágico acidente no mar, chegou a hora de Elsa
assumir seu papel como a monarca daquelas terras.
Aquele era para ser o dia de sua coroação. Entretanto, ela não foi capaz de controlar sua
habilidade mágica diante de todos os dignitários que estavam visitando o reino para vê-la assumir o
trono. Eles a chamaram de monstro e ela então fugiu do castelo. Agora, os campos verdejantes de
Arendelle estavam cobertos de gelo e neve. E era tudo culpa dela...
Elsa seguiu andando solitária.
Enquanto tiver este poder, não poderei viver com outras pessoas. Estarei sempre arriscando
machucar alguém. E se é assim que deve ser...

Após lidarem com diversas armadilhas irritantes e um tedioso número de Heartless, Sora,
Donald e Pateta finalmente conseguiram passar pela saída do labirinto de gelo. Eles pararam para
tomar um pouco de ar no alto da montanha, onde a neve continuava caindo.
— Viram ela?
— Acho que ela deve ter ido praquele lado — disse Pateta, olhando para um caminho que
levava mais a fundo em direção às montanhas.

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Quaisquer pegadas que Elsa pudesse ter deixado haviam sido cobertas pela tempestade de
neve, mas Sora e seus companheiros não iam deixar que isso os detivesse.
— Tá, vamos lá!
Eles continuaram subindo as cordilheiras cheias de neve e, assim que chegaram ao cume, se
depararam com uma nevasca completa.
— Cara, mas o que é isso...? — resmungou Sora, quando, de repente, ouviu uma canção
vindo de algum lugar.
O vento gelado parecia carregar a voz de algum lugar ao longe:

A neve branca brilhando no chão


Sem pegadas pra seguir
Um reino de isolamento
E a rainha está aqui
A tempestade vem chegando e já não sei
Não consegui conter, bem que eu tentei

— ...O quê? — Com sua audição aguçada, Pateta foi o primeiro do trio a reconhecer a voz
da cantora. Sora e Donald também logo se animaram.
— É a voz da Elsa!
A melancolia em sua canção fez com que seus corações doessem, mas a música também era
verdadeiramente linda.

Não podem vir, não podem ver


Sempre a boa menina deve ser
Encobrir, não sentir
Nunca saberão
Mas agora vão

Sora saiu correndo contra o vento tempestuoso em direção à canção — e ele logo encontrou
Elsa não muito a frente, bem perto do topo da montanha.
Ela tirou a única luva que ainda tinha consigo e a jogou fora à medida que incontáveis flocos
de neve, todos tão lindos quando uma flor do campo, dançavam enquanto surgiam e desapareciam
sobre a palma de sua mão desnuda. Ela então criou um pequeno boneco de neve.

Livre estou! Livre estou!


Não posso mais segurar
Livre estou! Livre estou!
Eu saí pra não voltar

O olhar no rosto de Elsa parecia muito mais tranquilo que quando eles a conheceram. Os
pequenos cristais de gelo à sua volta brilhavam como joias.

Não me importa o que vão falar


Tempestade vem
O frio não vai mesmo me incomodar

Elsa soltou seu manto com uma alegria radiante e o vento o levou embora. A melancolia
desapareceu de sua canção e, como em sintonia com ela, a nevasca também pareceu se acalmar.

De longe tudo muda


Parece ser bem menor
Os medos que me controlavam
Não vejo ao meu redor
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Elsa saiu correndo até um lugar mais afastado, onde poderia ficar realmente sozinha.

É hora de experimentar
Os meus limites vou testar
A liberdade veio enfim
Pra mim!

Com suas mãos, ela criou uma escadaria de neve e então pôs o pé no primeiro degrau. A
neve se tornou gelo e, em meio a um forte brilho, a escada se tornou uma escultura magnífica. Elsa
subiu os degraus, correndo com toda a alegria.

Livre estou! Livre estou!


Com o céu e o vento andar
Livre estou! Livre estou!
Não vão me ver chorar
Aqui estou eu e vou ficar
Tempestade vem

Sora e seus amigos observaram sua obra, atônitos. Quando chegou ao topo das escadas, Elsa
bateu com o pé no chão. Um cristal de gelo que mais parecia um brasão real se formou ao redor de
seu pé e, a partir dele, um castelo começou a se erguer do chão à sua volta.

O meu poder envolve o ar e vai ao chão


Da minha alma fluem fractais de gelo em profusão
Um pensamento se transforma em cristais

A maioria das pessoas via o gelo como algo frígido e morto, mas as estruturas formadas ali
eram lindas como flores lhe recebendo em casa. Completamente sem fôlego, Sora, Donald e Pateta
só conseguiam assistir.

Não vou me arrepender


Do que ficou pra trás
Livre estou! Livre estou!
Como um sol vou me levantar
Livre estou! Livre estou!
É tempo de mudar

Elsa abandonou sua tiara e seu lindo cabelo que até então estava preso de forma primorosa
tombou em seus ombros em uma trança. Suas roupas também se transformaram em um vestido azul
cintilante acompanhado de uma capa que esvoaçava com milhares de pequenos cristais de gelo que
mais pareciam diamantes.

Aqui estou eu, vendo a luz brilhar


Tempestade vem!
O frio não vai mesmo me incomodar

Com o último verso de sua canção, o sol se ergueu no horizonte.


Elsa caminhou até a sacada como uma verdadeira rainha da neve e, cheia de confiança, fitou
o amanhecer com um sorriso no rosto. Com um balançar de sua capa, ela marchou de volta para o
interior do castelo, as portas da sacada se fechando com tudo atrás dela.

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— Uau. Não faço nem ideia do que acabamos de ver, mas... uau. Aquela... era a Elsa? —
murmurou Sora, completamente admirado enquanto assimilava a vista do castelo.
— Ela parecia diferente... — disse Donald.
— E bem mais feliz também... — acrescentou Pateta.
Seus amigos pareciam tão boquiabertos quanto ele e não conseguiam nem encontrar palavras
para se expressar. Ainda assim, a Organização estava tramando alguma coisa naquele mundo, então
eles tinham que falar com Elsa.
Infelizmente, Larxene escolheu aquele exato momento para aparecer na frente deles através
de um Corredor das Trevas.
— Por favor, não me digam que estão espionando ela agora.
— Larxene! Não vem com essa pra cima da gente. É você que tá seguindo ela — retrucou
Sora, pronto para uma luta.
Larxene respondeu com uma risadinha de escárnio.
— Uhh. Olha só você, todo atrevido. Tá bom, admito que a Elsa é do nosso interesse. Talvez
ela seja uma das sete luzes puras que precisamos: os Novos Sete Corações. Só que eu tenho que me
certificar. Felizmente, estamos na melhor posição pra verificar. Não dá pra distinguir esse “brilho
especial”... a menos que se esteja nas sombras.
Os Novos Sete Corações — aquele Marluxia também mencionou alguma coisa sobre isso.
Larxene se virou e admirou a fortaleza de Elsa.
— E talvez... a Elsa não o tenha. Quer dizer, olha como o palácio dela é gelado, feito da
magia que ela se forçou a manter escondida até agora. E se for magia das trevas? — Ela parecia um
tanto fascinada com a ideia.
— A Elsa nunca usaria a escuridão! — Sora imediatamente rejeitou a possibilidade. Magia
das trevas? De jeito nenhum!
— Na verdade, ainda é muito cedo pra dizer. Depende de como ela a vê. Se ela acreditar que
sua magia é das trevas, é isso o que ela vai se tornar. Aceitar o próprio poder, seja ele qual for, é a
única forma de libertar o coração dela. Então, o que a Elsa vai aceitar? A luz ou as trevas? Só sei
que eu quero saber!
— Bem, bom pra você, mas adivinha? Eu não vou deixá-la cair nas trevas! — jurou Sora.
— A escolha é dela, não sua. Sabe, estou começando a entender por que ela te deu aquele
gelo todo. — Larxene ergueu a mão esquerda, completamente envolta em raios crepitantes, e então
os atacou com uma poderosa lufada de vento.
— Larxene!
Sora, Donald e Pateta tentaram ao máximo resistir, mas...
— Quer ajudá-la? Então pare de tentar ser o herói! Deixe que ela decida as coisas sozinha!
A eletricidade crepitante em volta de Larxene ficou mais brilhante e o vento soprou o trio
com uma força renovada, como se aspirando a neve ao redor para lançar contra eles.
Sora, Donald e Pateta mal conseguiam manter os olhos abertos e, quando os raios também
começaram a atingi-los, não foi surpresa quando a tempestade os atirou da beira da montanha.

“Vê se lembra dessa vez.”


Eu disse isso — mas sinto que eu também acabei me esquecendo de algo importante.
Não que as minhas memórias tenham me feito algo de bom. Mas... algumas coisas, você não
devia esquecer. Na verdade, tenho certeza que já deixei muita coisa se perder — coisas que não
devia ter deixado. Tem muitas coisas assim.
Recentemente, tem sido difícil dizer se eu realmente me lembro ou não. E essa também não
é a primeira vez. Não sei quantas vezes isso aconteceu antes — mas posso dizer que foi mais de
uma. É... estranho, como se eu estivesse acordando de um sonho.
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Ou talvez seja tudo coisa da minha cabeça.
Ugh, eles são todos tão boçais, rodando que nem barata tonta só pra conseguirem alcançar
seus objetivos. Que nem no castelo, quando estávamos tentando tomar a Organização. Ainda me
pergunto até hoje por que o Marluxia me escolheu como sua comparsa. Não consigo me lembrar se
ele chegou a me contar e também não consigo imaginar um motivo.
Ah, enfim.
Talvez eu lembre qualquer dia desses.

Sora, Donald e Pateta recobraram a consciência nas montanhas.


— Donald! Pateta! Vocês tão bem? — Sora se levantou assim que viu os amigos.
Donald estava preso de cabeça na neve e teve que balançar os pés por um momento antes de
finalmente conseguir se soltar.
— Eu tô bem...
Pateta, por sua vez, estava completamente enterrado num monte de neve, menos os braços.
Sora o segurou pela mão e puxou.
— Tudo na boa!
Por sorte, a neve ali era bastante macia, de forma que nenhum deles havia se machucado.
— Acho que a gente devia dar uma olhada na Elsa — disse Sora. Ele nunca desistia.
— E nos certificar de que a Larxene estava errada sobre a magia dela — acrescentou Pateta.
Embora o poder de Elsa fosse uma preocupação, Sora também queria dizer logo para que a
rainha tomasse cuidado com a Organização.
— Mas não conte a ela o que a Larxene disse — alertou Donald.
— Hã? Por que não?
— Bem, pra manter a ordem — relembrou Pateta.
— Ah... beleza.
Sora pensou a respeito por um instante. Acho que eu vou ter que avisar pra ela que ela tá em
perigo sem mencionar o que a Larxene disse.
— Tá, vamos nessa. — Sora tinha acabado de virar a cabeça em direção ao castelo quando
uma das orelhas de Pateta vibrou.
— Espera, pessoal. Vocês ouviram isso? — Ele ficou completamente imóvel, com a orelha
erguida enquanto tentava escutar melhor.
— Vejam! — exclamou Donald, olhando para a fonte do barulho: uma parede de neve fina
tombando do alto da montanha à toda velocidade.
— Avalaaanche! — gritou o trio.
Pateta rapidamente pegou seu escudo e o jogou sobre a neve.
— Rápido, subam a bordo!
Sora e Donald pularam no escudo e Pateta logo se juntou a eles. O trio usaria o escudo como
uma espécie de trenó para se manter à frente da neve que vinha caindo atrás deles.
— Aqui vamos nós!
Para piorar as coisas, um Heartless com a forma de um dragão feito de gelo que se chamava
Serpente Congelada emergiu da neve e começou a persegui-los enquanto desciam pela montanha.
— Wak! — O sopro gelado da Serpente Congelada os atingiu com tudo e Donald teria caído
do escudo se Sora são o tivesse segurado pela camisa.
— Vamos, vamos!
Sora e Donald dispararam suas magias contra o Heartless enquanto teciam seu caminho por
entre as árvores. Eles conseguiram deter a Serpente Congelada, mas a avalanche enfim os pegou,
apagando novamente os três amigos.

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— Uau! Olha essas cores bonitas! Tem o azul, o verde... uhh, eu amo verde! E olha, preto.
Sora ouviu uma voz estranha.
— Igualzinho os meus botões. Hã?
Também sentiu algo estranho em sua cabeça. Sora piscou por um instante e, quando abriu os
olhos, viu uma paisagem coberta com a mesma neve já tão familiar, mas também...
— Relva espetada boba. Devolve o meu pé.
Alguma coisa puxou uma bola de neve da cabeça de Sora e a juntou ao próprio pé, virando-
se para ir embora na sequência. De costas, parecia ser... um boneco de neve?
Sora se sentou, confuso.
— Hã? Hm... vocês viram aquele boneco de neve?
— Boneco de neve? — perguntou Donald, também tendo acabado de recobrar a consciência.
— Sim. E o engraçado é que ele tava andando e falando.
— Todo mundo sabe que bonecos de neve não andam. Você deve ter imaginado — retrucou
Donald, e agora Sora já não tinha mais tanta certeza.
— Hã... Eu achei que fosse real. — O que será que era, então?
Pateta aparentemente também havia notado o visitante.
— Bem, talvez o vejamos de novo — disse ele. — Mas se não formos indo, nunca vamos
chegar no palácio da Elsa.
Ah é, a gente ia falar com a Elsa!
— Vamos!
Sora e seus amigos começaram a abrir caminho pela floresta. Havia uma série de pequenos
cristais de gelo reluzentes pendurados nas árvores, como brotos de flores.
Não demorou muito para encontrarem algumas novas pessoas cruzando seu caminho mais
adiante. Havia um homem à frente do grupo, seguido por uma mulher, uma rena e...
— Quero muito ver a Elsa. Aposto que ela é a pessoa mais legal, calorosa e gentil que existe
no mundo.
...o boneco de neve! Ele parecia bem empolgado com alguma coisa.
— Viram? Eu disse! — gralhou Sora. — Um boneco de neve que anda e fala.
— Mas quem diria? Você tinha razão! — assentiu Pateta ao lado de Donald, que estava em
choque, paralisado.
— Eu quero olhar!
Sora correu até lá e deu um pulo na frente do boneco de neve. Ele tinha um nariz de cenoura
e braços de gravetos, contando até com pequenos ramos na cabeça para formar o cabelo.
— Uau! Você tá mesmo vivo! O que te faz andar?
— Hã, bem, acho que... os meus pés. — O boneco de neve mostrou a Sora uma das duas
bolas de neve que usava para caminhar.
Foi quando a garota que estava viajando com o grupo se aproximou. Para alguém que era
amiga de um boneco de neve, ela parecia ser uma jovem bem normal, com cabelos acobreados que
dividia em duas tranças.
— Olá. Olaf, são amigos seus? — perguntou.
— Não! Nunca nem vi. Não conheço ninguém azul, verde ou com espetinhos estranhos —
disse o boneco de neve chamado Olaf, balançando a cabeça.
— “Espetinhos”? O meu cabelo? Espera, por que eu também não ganho uma cor? Meu
nome é Sora.
— E eu sou o Pato Donald!
Os dois se aproximaram de Olaf, não particularmente felizes com sua escolha de descrição.
— Ah — respondeu Olaf.
Pateta, por outro lado, se apresentou com a tranquilidade de sempre:
— E eu seria Pateta, o Verde!
— Meu nome é Anna — disse a garota.
O sujeito ao lado dela cruzou os braços e os fitou com um olhar de suspeita.
— E eu sei que são estranhos, mas... eles parecem bem legais pra mim — Anna disse a ele.

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Finalmente, ele assentiu para ela e então virou a cabeça para Sora e seus companheiros para
cumprimentá-los.
— Eu sou o Kristoff e esse é o Sven — disse ele, apresentando também a rena a seu lado.
— É um prazer conhecê-los — respondeu Pateta.
— Então, aonde vocês tão indo? — perguntou Sora, diante do que Anna e Kristoff trocaram
um olhar. Kristoff foi quem respondeu primeiro:
— Estamos tentando acabar com esse inverno maluco.
— E, para isso, temos que achar a minha irmã, a Elsa — acrescentou Anna, muito para a
surpresa de Sora.
— A Elsa é... sua irmã?
Agora que ela mencionou, a Anna e a Elsa realmente são parecidas.
— Que coincidência. Também estamos indo vê-la — disse Pateta.
Um olhar de apreensão tomou o rosto de Anna.
— Vocês conhecem a Elsa?
— Sim, a gente encontrou com ela na montanha. Será que vocês podem nos contar o que tá
rolando aqui?
Sora queria lhes contar tudo que pudesse, principalmente porque ela era um dos Novos Sete
Corações dos quais a Organização não parava de falar. Mas ele não podia falar sobre nada do que
Larxene havia mencionado.
— Estamos preocupados. Achamos que a sua irmã pode estar com problemas.
— Problemas? Tem certeza? — A expressão tranquila de Anna deu lugar à preocupação e
ela olhou para Sora de perto. — Certo. Sei que acabamos de nos conhecer, mas... Sora, isso? Tenho
a sensação de que posso confiar em você.
— Tô contigo nessa — concordou Kristoff.
— Espero que goste de histórias longas.
Kristoff passou a mão na cabeça de Sven, a rena.
— Quer saber, vou procurar um pouco de musgo pro Sven. Acho que ele tá com fome.
Vamos, Sven.
Olaf começou a correr de um lado para o outro, empolgado.
— Ei, p-péra aí, quê que tá pegando? Me conta. Tá acontecendo alguma coisa? — perguntou
ele, mas Kristoff apenas o pegou no colo. A situação era complicada, ele sabia, e queria dar a Sora e
Anna um pouco de espaço para conversarem.
— Vamos, Olaf. Você vem comigo.
— Claro, Sven. A rena Sven também?
— A rena é o Sven.
Os dois foram se balançando de um lado para o outro enquanto se afastavam.
Quando Anna viu que já estavam longe, ela se sentou em uma árvore caída mais ao lado.
Sora se juntou a ela.
— Na infância, minha irmã e eu éramos muito próximas — disse, começando sua história.
— Mas aí, um dia, por algum motivo, a Elsa me afastou. Nós costumávamos fazer bonecos de neve
juntas, mas agora a Elsa quase não sai do quarto. Anos se passaram e nós quase nunca nos víamos.
Aí, finalmente chegou o dia da coroação. Digamos que eu estava mais que só um pouco animada.
Achei que enfim teríamos uma chance de conversar. Mas, na festa, fiz algo que a deixou com raiva.
Começamos a discutir e eu perdi a cabeça. Eu estava tão frustrada! E aí, bem... foi quando ela usou
sua magia para me afastar. Foi tudo culpa minha.
Anna abaixou o olhar, tentando não chorar.
— Eu não devia tê-la chateado do jeito que fiz. A Elsa fugiu porque estava assustada. Eu
tenho que trazê-la para casa.
— Tenho certeza que ela sabe o quanto você a ama.
Sora também começou a ponderar sobre algumas coisas:
A Elsa parecia estar carregando um fardo terrível quando a vi antes e agora eu me lembro
onde mais vi uma expressão como a dela. Era a mesma expressão que o Riku tinha no rosto quando
ele desapareceu e nós fechamos a porta de Kingdom Hearts.
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Às vezes, você afasta as pessoas porque elas são muito importantes pra você. Eu sei que a
Elsa ama a Anna um montão.
— Se alguém pode ajudá-la, é você! — Era isso o que Sora queria que ela soubesse, que ela
e sua irmã ainda podiam ser tão próximas quanto costumavam ser, assim como ele e Riku estavam
agora lutando lado a lado.
— Obrigada — respondeu ela, abrindo um sorriso.
De repente, os dois ouviram Kristoff lhes chamando:
— Ô gente! Tô precisando de ajuda!
Com uma rápida troca de olhares, Sora e Anna se levantaram do tronco e correram até onde
Kristoff e os outros estavam.
— Qual o problema?
— Esse. — Kristoff estava com um único galho na mão.
— Problema com um graveto? — perguntou Donald.
— Não é um graveto — respondeu Kristoff. — Bom, é um graveto, mas... é o braço do Olaf.
Esse é o braço do Olaf?
— Ele se desmontou de novo. — Kristoff deu um suspiro cansado.
— Hã, e como você tá tão tranquilo? — perguntou Donald, inquieto.
— Ah, não é nada demais. Ele é um boneco de neve. É só... montarmos ele de novo — disse
Anna, a voz reconfortante.
Mas isso seria mesmo o suficiente? Sora e seus amigos não pareciam ter tanta certeza.
— Os pedaços não podem estar longe daqui — disse Kristoff. — Vocês poderiam nos ajudar
a procurá-los?
— Claro!
Os três heróis aceitaram a tarefa prontamente e foram direto para a busca. Infelizmente...
— É tudo tão branco. Não consigo ver o Olaf em lugar nenhum — Pateta foi o primeiro a
reclamar. Como eles conseguiriam encontrar os pedaços de um boneco de neve branco num campo
de neve branca?
— É só procurarmos em todos os lugares — sugeriu Sora e, com isso, os três começaram a
trabalhar. Agora que a tempestade de neve tinha parado, a luz do sol refletindo no terreno branco
chegava a ofuscar.
— Tem uma bola de neve grande ali! — exclamou Donald.
— É grande demais! — respondeu Sora após dar uma olhada.
— É tão grande que dá até pra montar nela! — Pateta pulou em cima da bola e começou a
girá-la com os pés.
— Vamos, Pateta! Não é hora de brincadeira! — ralhou Donald, pulando irritadamente, mas
Pateta estava se divertindo.
— Iac!
Foi quando ouviram a voz de Olaf:
— Caramba, que tontura! O mundo está girando e girando sem parar!
A-há! Então ele estava dentro da bola de neve! Pateta bateu com a bola em um aterro de
pedras e a cabeça do boneco de neve saiu voando de dentro.
— Aí está você! — Sora recolheu a cabeça de Olaf do chão.
— O mundo ainda tá girando...
Mas ainda não era o suficiente. Sora e os outros correram pelo campo de neve, carregando a
cabeça tagarela de Olaf.
— Opa, com cuidado, amigos! Sejam gentis! — exclamou ela.
— Agora precisamos do achar o corpo.
— Wak? Eu vi uma coisa estranha ali. — Donald esfregou os olhos para se certificar, mas
tinha mesmo um par de caroços de neve se mexendo mais ao lado.
— São pés!
— Os meus pés!
Sora correu atrás deles, ainda carregando a cabeça de Olaf.
— Não consegue fazer eles pararem?
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— Hã, os meus pés? Talvez... Ei, pés! — gritou Olaf, diante do que os pés logo pararam.
Pateta pulou sobre eles e os agarrou.
— Iac! Talvez a gente possa grudá-los na cabeça dele.
— Não! É baixo demais. Eu preciso do meu corpo! — reclamou Olaf, que agora era só uma
cabeça em cima de um par de pés. É, ele não ficava muito bem assim.
— Ajude você também, Olaf!
— Certo!
Sora e o boneco de neve tinham acabado de começar a procurar de novo quando Donald os
chamou de um ponto mais à frente:
— E quanto a isso aqui? Talvez tenha ficado um pouco sujo enquanto rolava por aí.
— Pffft, bobinho! Eu sou limpo e claro como a neve. Essa coisa aí é uma bola de lama.
— Mas ainda pode funcionar — comentou Pateta, inspecionando o torrão de terra, muito
para a diversão de Sora e Donald.
— Nananinanão!
— Não? Então tá, vamos pro próximo! — Sora disse a Olaf, animado. Mas eles não tiveram
muita sorte. — Você não se lembra onde ele caiu? — perguntou Sora, enfim.
O boneco de neve sem corpo e sem braços começou a pensar.
— Hmm...
— Lá está! — Foi Pateta quem finalmente descobriu o corpo de Olaf na base de uma árvore
congelada.
— Oba! Mas péra, e os meus braços?
— Acho que a Anna já está com eles. Vamos voltar! — Sora disse a ele e, com isso, todos
voltaram até ela.

— E assim deve... funcionar — disse Anna, assentindo com satisfação enquanto colocava o
último graveto em Olaf.
— Tem certeza que não tá faltando nada?
— Nah. Parece certo — disse Kristoff, satisfeito, mas Pateta não tinha tanta certeza.
É, com certeza tá faltando alguma coisa.
Agora que devia estar inteiro de novo, Olaf estava se examinando.
— Uau, me sinto tão melhor. Espera! Cadê o meu narizinho fofo? O que a Anna me deu!
— Hã, Sora... Você está com o nariz dele? — perguntou Anna. Sora e Donald olharam um
para o outro em busca de confirmação.
— Acho que não.
— Não, eu não vi.
Enquanto isso, Olaf estava fixado no estado de seu rosto. Foi quando algo veio à cabeça de
Kristoff, que se virou para sua amiga rena.
— Sven...
A rena piscou enquanto Kristoff se inclinava para encará-lo nos olhos — e aí a máscara caiu.
Ele abriu a boca, de onde saiu uma grande cenoura.
— “Alguém tinha que pegá-lo”! — disse Kristoff na voz boba que ele usava para falar por
Sven. — Tem razão, amigo. Obrigado por encontrá-lo... e não comê-lo de verdade. “Ah, de nada”.
Enquanto ele estava ocupado encenando uma conversa entre si mesmo e a rena, Anna pôs a
cenoura de volta em seu lugar no rosto de Olaf.
— Meu nariz, ele voltou! Ah, eu amo ter um nariz! — exclamou ele, esfregando a cenoura
com toda a animação.
Na verdade, como foi que ele se desmontou pra começo de conversa?
— Ei, Kristoff, — disse Sora. — Como tudo isso aconteceu, afinal?
— Sabe, não tenho certeza. Uns animais estranhos... bem, tava mais pra monstros... Eles
bateram com tudo no Olaf.

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Monstros? Não precisava nem dizer mais nada — Sora e seus amigos tinham uma boa ideia
de quem se tratava.
— Os Heartless de novo! — exclamou Sora, dando nome aos culpados.
— Os “Heart-less”? Hmm... E eu achando que os lobos daqui eram maus. — Kristoff cruzou
os braços, ponderando sobre a situação, quando...
— Kristoff, olha! — Anna gritou quando notou uma coisa.
Ela estava apontando para um grupo de Heartless um pouco mais à frente. Estavam correndo
diretamente em sua direção.
— Eles voltaram! — exclamou Kristoff.
Olaf balançou as mãos.
— Não! Eu já me desmontei hoje!
Sora entrou correndo na frente dos três não-combatentes, onde rapidamente empunhou sua
Keyblade, pronto para a luta.
— A gente sabe como cuidar deles! Anna, Kristoff, vão na frente!
— Certo! — respondeu Kristoff, guiando Anna para longe enquanto Sora e seus amigos se
lançavam rumo ao combate.

Não muito depois de se separarem de Sora, Donald e Pateta, Kristoff e Anna chegaram ao
palácio de gelo. Com Kristoff e Olaf a seu lado, Anna subiu a escadaria para que pudesse conversar
com Elsa. Era um castelo lindo, diferente de tudo que ela já tinha visto antes — e sua irmã mais
velha criara aquele lugar mágico.
O conflito entre elas começou quando Anna disse a Elsa que queria se casar com alguém.
Ela sabia muito bem que aquilo tudo começara com ela, mas Anna nunca quis que sua irmã fosse
embora de casa daquele jeito.
Anna pediu aos companheiros que ficassem no salão de entrada e se aventurou mais a fundo
sozinha, a fim de encontrar Elsa.
E então... lá estava ela. Anna olhou para a irmã com um olhar ansioso. Elsa não se virou.
— Você acabou espalhando um inverno eterno... por todo o lugar — disse Anna, hesitante.
Chocada, Elsa finalmente olhou para a irmã.
— Por todo o lugar?
Elas estavam dentro do palácio, mas começou a cair neve entra as duas.
— Mas tá tudo bem. Você pode descongelar — Anna disse a ela, a voz cheia de esperança,
mas Elsa apenas balançou a cabeça. A neve que caía ali logo começou a engrossar.
— Não, não posso. Eu não sei como.
— É claro que pode. Eu sei que pode — continuou Anna, tentando encorajar a irmã.
Mas Elsa não estava convencida e a neve caindo dentro do palácio começou a se tornar uma
grande tempestade. Anna se aproximou um passo de Elsa, mas sua irmã agarrou a cabeça, como se
tomada pela dor.
— Não dá! — gritou ela, lançando involuntariamente um disparo de gelo que voou em todas
as direções. A tempestade de neve se dissipou quando a magia atingiu o coração de Anna.

Subitamente, Sora sentiu uma pontada de dor lhe atravessar o peito.


Quando Sora, Donald e Pateta chegaram ao palácio para se encontrarem com Elsa, viram
Sven na base das escadas e decidiram esperar por Anna e os outros ali. Foi quando veio a dor.
— Sora?
— Você se machucou?
Donald e Pateta rapidamente se juntaram em volta de Sora quando ele levou a mão ao peito.
Por que dói tanto?
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— Não, eu tô bem. Mas... acho que algo terrível deve ter acontecido. — Sora ergueu o olhar
para o castelo de gelo onde Anna e Elsa deviam estar conversando naquele momento.
Ngh, e ainda dói muito. Espero que esteja tudo bem com elas...
Abruptamente, as portas do palácio se abriram com tudo.
— O quê? — exclamaram os três amigos, surpresos, quando um enorme gigante de neve,
Marshmallow, saiu com Anna e Kristoff em sua mão esquerda e Olaf na direita.
— Vão embora! — retumbou Marshmallow, jogando Anna e Kristoff longe.
Eles escorregaram pelos degraus e só foram parar quando bateram num monte de neve. Olaf
foi lançado logo depois, mais uma vez dividido em três pedaços.
— Ei! Não é nada bonito arremessar pessoas! — gritou Anna, furiosa, se preparando para
jogar uma bola de neve em Marshmallow.
— Uou, uou, uou, nervosinha! — disse Kristoff, segurando-a.
— Me solta!
— Tudo bem, relaxa. Fica calma. Acabou.
— Tá bom! Tá legal! Eu tô bem.
— Esquece o homem de neve.
— Eu tô calma.
— Ótimo.
Kristoff a soltou, acreditando que havia acalmado Anna — e isso foi um erro. Ela jogou a
bola de neve, e Marshmallow respondeu com um urro furioso.
— Ah, tá vendo? Agora irritou ele.
— Eu distraio ele. Vocês, vão embora — declarou Olaf, cheio de coragem, embora fosse
difícil imaginar o quanto poderia ajudar estando em pedaços. Ainda assim, ele deve ter conseguido
ganhar ainda que só um pouco de tempo, porque Anna e Kristoff conseguiram fugir em segurança.
— A gente assume daqui!
Agora era a vez de Sora e seus amigos enfrentarem Marshmallow — mas os urros poderosos
e aterrorizantes do gigante de neve os apavorou. Esquece, vamos é dar o fora!
Sora, Donald e Pateta fugiram para as colinas a toda velocidade. Sua corrida os levou ao
campo de neve, onde abriram caminho em meio às árvores com Marshmallow logo em seu encalço.
Ele era muito mais rápido do que imaginavam.
Bom, pelo menos estamos fazendo um bom trabalho como iscas. Espero que a Anna e os
outros tenham fugido — e não acho que a gente vai ter a mesma sorte.
— Hã? Cadê o Pateta?
— Ei, Sora! Eu tive uma ideia!
Sora subitamente notou que, em algum momento em meio à sua corrida desenfreada, Pateta
havia mudado de curso. Ele estava acenando atrás de uma árvore — uma árvore que havia sido
dobrada até o chão por conta do peso da neve que a encobria.
Donald conseguiu perder a cabeça mesmo enquanto corria:
— Pateta, o que está fazendo?
— Venham aqui!
— Hã? Ah, entendi! — disse Sora, dando-se conta do que Pateta queria que eles fizessem.
Marshmallow os estava quase alcançando. Sora e Donald correram para a árvore onde seu
amigo estava. Pateta segurou a parte de cima da árvore, que imediatamente tentou se lançar de volta
para cima. Sora segurou Pateta e puxou para dobrá-la novamente. Marshmallow agora estava quase
na distância perfeita!
— Preparar... Beleza, agora! — Pateta soltou e a árvore se ergueu com tudo, acertando
Marshmallow bem no rosto, o que deixou o monstro de gelo colossal completamente zonzo. Por um
tempo, ele certamente não iria a lugar nenhum.
— Isso aí!
Sora e Pateta bateram as mãos no alto, mas Donald se enfiou entre eles com seu cajado:
— Ainda não acabou...
Sora e Pateta responderam empunhando respectivamente sua Keyblade e seu escudo.
— Pode vir, bola de neve!
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Marshmallow havia voltado a si, pronto para ameaçar Sora e seus amigos de novo. Sora se
esquivou de um ataque e se atirou em meio à neve, fazendo voar colunas espessas do pó branco. O
gigante de neve respondeu disparando uma rajada de sopro gelado contra eles.
— Wak! — gritou Donald, sendo completamente congelado.
— Donald! — gritou Sora, quando a rajada gélida se voltou em sua direção. Marshmallow
podia não ser uma Heartless, mas ainda era um oponente poderoso.
Sora ficou mais aliviado quando viu que Donald estava se mexendo novamente — embora
mais duro — e rapidamente lançou uma magia de fogo contra o gigante de gelo.
— Sora, vamos dar mais uma pancada na cabeça dele! — disse Pateta na base de mais uma
árvore inclinada por conta da neve.
— Já tô indo!
Quando Marshmallow se preparou para pisoteá-lo, Sora saiu correndo por baixo de seu pé e
segurou Pateta novamente. Eles esperaram pelo momento certo e então soltaram a árvore, acertando
ainda outro golpe na cuca de Marshmallow.
O gigante de neve rugiu — e espetos de gelo brotaram de seu corpo. Ele começou a bater os
pés e se debater por inteiro pelo campo de neve, destruindo tudo em seu caminho.
— Eita, eita, eita!
Sora e Pateta saíram correndo freneticamente de um lado para o outro, até que finalmente se
esconderam atrás de um pedregulho. Donald se juntou a eles. Foi quando Marshmallow saiu de seu
estado de fúria e começou a procurar os três alvos.
— Agora! — gritou Sora, deixando o esconderijo em meio a um pulo, mas o gigante de neve
tinha um disparo de seu sopro gelado pronto para ele. Sora conseguiu se esquivar por pouco, mas
Marshmallow continuou com o ataque.
Recobrando o fôlego, Sora, Donald e Pateta fitaram o Golias de neve. Ele gradualmente os
estava forçando a se aproximarem cada vez mais do grande precipício atrás deles. Eles tinham que
fazer alguma coisa...
Mas Marshmallow bateu com os braços no chão, polvilhando a neve pelo ar — e foi então
que eles notaram que o próprio chão embaixo de seus pés estava tombando.
— Uh-ohhh!
— Gwawawaaak!
— Ahhh-hoo-hoo-hoo-hooey!
O trio gritou enquanto despencava de cabeça.

— Ainda bem que a neve é macia. Podíamos fazer isso centenas de vezes — resmungou
Sora, zonzo e esparramado no chão.
— Não! Não vamos — grasnou Donald, irritado, enquanto tirava a neve da roupa.
— Tem certeza que não quer ir de novo? — Como sempre, Pateta levava tudo na boa.
Sora deu um grande suspiro e se levantou num pulo.
— Nããão, obrigado!
Eles olharam em volta, mas não havia nem sinal de Marshmallow.
— Vocês acham que os outros conseguiram?
Espero mesmo que sim, pensou Sora. Donald e Pateta estavam pensando o mesmo.
— Não acho que o monstro de neve tenha pegado eles.
— Eles provavelmente voltaram para o palácio.
Podem nos jogar aqui pra baixo o quanto quiserem, a gente ainda vai tentar ajudar a Anna
e a Elsa. Tenho certeza que o mesmo vale pra elas — elas também ainda se importam uma com a
outra, mesmo depois de tudo.
— Faz sentido. Pra gente também. Ainda temos que falar com a Elsa.
Pode até ser que a gente não tenha conseguido ficar no topo da montanha por muito tempo,
mas e daí?

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— De volta ao palácio de gelo! — declarou Sora, preparando-se para o que seria sua terceira
viagem ao castelo de Elsa.
Já tô me acostumando a subir essas montanhas cheias de neve e até que é divertido descer
deslizando pelas colinas. Só o que eu acho que cansei mesmo foi de cair lá de cima.
Quando os três chegaram ao campo de neve, Sora notou alguém mais ao longe.
— Aquela é a Elsa...?
Ele olhou mais atentamente e viu um homem carregando uma mulher desacordada em cima
do ombro, uma mulher que parecia muito ser a rainha.
— Quem é aquele cara? — Alguma coisa não estava certa ali. Sora nunca tinha visto aquele
sujeito antes, e ele não se parecia nada com Kristoff.
— Acha que é alguém que veio do castelo para escoltá-la para casa? — propôs Pateta. Sora
tinha a sensação que não se tratava bem disso.
— Isso não me parece ser uma escolta.
É, se ela estivesse voltando para casa por vontade própria, não estaria inconsciente. Os três
deram mais uma olhada com atenção.
— Wak, vejam só aquilo! — exclamou Donald. Havia algum tipo de névoa negra emanando
do corpo do sujeito.
— Escuridão? — perguntou Pateta com uma expressão tensa no rosto.
Sora juntou os lábios numa linha firme.
— Temos que ir atrás deles!
Sora, Donald e Pateta tentaram alcançá-lo, mas o homem misterioso era surpreendentemente
rápido. Não conseguiam sequer se aproximar.
Quando Sora já estava começando a entrar em pânico, Marshmallow apareceu novamente
em meio a uma cortina de neve. Todos se prepararam para lutar, mas, estranhamente, o homem de
neve gigante passou diretamente por eles, como se sequer os tivesse visto. Parecia estar de olho em
alguma outra coisa.
— Ei! É bom não ter machucado os nossos amigos! — gritou Sora, mas Marshmallow o
ignorou e continuou andando.
— Elsaaa! — berrou o gigante.
— Ei, espera! — exclamou Sora, indo atrás dele. — Você... também tá procurando a Elsa?
O gigante de gelo parou e ergueu os braços para ele de forma ameaçadora. Sora logo viu que
seu palpite estava certo.
— Opa! Caaalma! Você quer salvá-la do bandido? A gente tá do mesmo lado — disse Sora.
Marshmallow abaixou os braços e a expressão em seu rosto se tornou um tanto triste.
— Elsa... — O homem de neve colossal suspirou seu nome, cabisbaixo.
— Acho que ele só queria manter a Elsa em segurança — supôs Pateta.
É, aposto que ele tá certo, pensou Sora. Marshmallow havia arremessado Anna e os outros
para fora do castelo e depois perseguira Sora e seus amigos apenas para que pudesse manter Elsa
longe de qualquer tipo de perigo.
Sora respirou fundo e voltou a chamá-lo:
— Ei. A gente devia se juntar, grandão.
Marshmallow assentiu devagar.
— Se juntar?! — grasnou Donald, em protesto. Ele não era muito fã da ideia, afinal, eles
eram inimigos até pouco tempo antes e a segunda vez que caíram da montanha tinha sido culpa de
Marshmallow.
Mas Sora não seria dissuadido.
— Qual é! — exclamou. — A gente também quer ajudar ela. Por que não? — Ele ergueu o
olhar para Marshmallow. — E aí, o que acha?
Dessa vez, o homem de neve gigante assentiu com um entusiasmo muito maior e, com isso,
os quatro partiram em equipe.
— Sora! — Donald ainda estava convencido, então Pateta foi até ele.
— Uma coisa ótima do Sora é que ele sempre faz amizade com qualquer um — sussurrou.

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— Iuuupi... — Donald suspirou em meio a um breve sorriso, aceitando que havia perdido
aquela rodada.
— Donald! Pateta! Vamos.
Os dois correram atrás de Sora.

Como eles agora eram amigos de Marshmallow, seu novo recruta lhes deu uma carona em
seus grandes ombros.
— Que vista incrível! — Sora se levantou e examinou a linda paisagem coberta de neve.
— Isso não é hora de ficar de turismo! Temos que alcançar a Elsa! — ralhou Donald, numa
tentativa de fazê-los andarem mais rápido.
— A gente sabe disso, né? — Sora disse a Marshmallow, que assentiu e a acelerou o passo.
Pouco depois, eles ouviram uma voz:
— Para. Me põe no chão!
É o Kristoff. Finalmente encontramos eles! Mas e quanto à Anna?
— Me faz um favor e espera aqui. Se você vier junto, o Kristoff pode acabar se assustando.
Frente ao pedido de Sora, Marshmallow pôs todos no chão.
— Não, Sven! Não vamos voltar. Ela tá com o amor verdadeiro.
Sora, Donald e Pateta foram correndo até Kristoff e Sven e viram que estavam discutindo
sobre alguma coisa. Sven estava tentando fazer Kristoff ir para algum lugar? A rena continuava
batendo com a cabeça nele.
— Kristoff!
— Sora.
— Você tá bem?
A discussão parou por um instante enquanto Sora se aproximava.
— Sim, tudo certo. Que bom vocês estão a salvo.
— Pra onde foi a Anna? — perguntou Sora.
— Ela voltou pra casa.
— Aconteceu alguma coisa?
A dor no rosto de Kristoff permaneceu enquanto ele respondia:
— A Anna foi atingida no coração pela magia de gelo da Elsa. Se o gelo não for removido,
ela vai congelar para sempre. Só um ato de amor verdadeiro pode aquecer um coração congelado.
Então eu a levei de volta a Arendelle e para o verdadeiro amor dela, o Hans.
Verdadeiro amor...? Hans...? O que tá rolando aqui?
Confuso, Sora fez direto a primeira pergunta que lhe veio à cabeça:
— Mas... e quanto a você?
— O que tem eu? — Kristoff respondeu à pergunta de Sora com outra pergunta.
— Hã, eu meio que achei que vocês eram...
— Nããão! Eu só tava ajudando pra ela não se perder.
— Sério? Ah, mas vocês pareciam tão...
Os dois estavam surpresos, então Pateta terminou a frase:
— Perfeitos juntos!
— É, que nem eu e a Margarida! — acrescentou Donald. Margarida era sua namorada lá do
Castelo Disney.
Enquanto Kristoff ficava com o rosto todo vermelho de vergonha, uma poderosa lufada de
vento começou a soprar.
— O quê?
Kristoff ergueu a cabeça e olhou para o Castelo de Arendelle na base da montanha, de onde
a nevasca estava vindo. O que estava acontecendo lá...?
— Anna — murmurou ele, saindo correndo logo em seguida. Sven foi logo atrás.
Foi quando Marshmallow se aproximou do trio, que ainda estava um pouco pasmo.

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— Elsa... — grunhiu o gigante de neve, apontando um dos dedos para Arendelle.
— É onde a Elsa está?
Marshmallow respondeu com um urro.
Então a Elsa tá no castelo...! Sora olhou para Arendelle e então começou a correr.
— Vamos lá!
Donald, Pateta e Marshmallow o seguiram em meio ao poderoso vento que soprava em sua
direção. Os quatro tentaram deslizar pela encosta para chegar direto em Arendelle, mas a neve e o
vento estavam piorando. Eles tentaram avançar um passo de cada vez, mas isso também não saiu
bem como o planejado. Pior ainda, a neve estava começando a arder em contato com a pele.
Eles já estavam ficando sem ideias, quando Marshmallow entrou em sua frente para proteger
os demais do frio intenso. Isso deixou as coisas um pouco mais fáceis.
— Valeu.
O homem de neve gigante rugiu em resposta.
Ainda assim, a nevasca não parece que vai parar tão cedo. Na verdade, ela só tá piorando.
Temos que nos apressar.

O mar em volta de Arendelle agora estava completamente congelado. Vários navios estavam
ancorados ali, presos no gelo em ângulos estranhos.
Anna se arrastava fracamente pela superfície gelada, as pontas dos dedos tremendo de leve e
cada respiração deixava sua boca envolta por uma nuvem branca. Ela também estava prestes a
congelar por inteiro. Foi assim que Kristoff a encontrou.
— Anna!
Ouvindo seu nome, ela percebeu quem estava vindo:
— Kristoff... — murmurou.
Ele correu até ela, mas Anna ouviu o leve tilintar de uma espada sendo desembainhada. Um
homem estava a ponto de golpear sua irmã com ela — um homem chamado Hans. Anna lançou um
último olhar melancólico para Kristoff, que vinha correndo desesperadamente para salvá-la, antes
de virar as costas para ele e disparar em direção a Elsa.
Hans desferiu um ataque com sua espada, mas pouco antes de acertar a investida, Anna se
lançou entre eles para proteger sua irmã, sua mão direita estendida.
— Nããão! — gritou Anna, sua última palavra antes de se tornar gelo.
Quando as pontas de seus dedos congelaram, a lâmina se partiu em pedaços tão logo entrou
em contato com sua mão e o impacto lançou Hans para trás com tudo.
— Anna...
Quando finalmente chegaram, Sora, Donald e Pateta se depararam com a estátua de gelo que
antes era Anna. Chegamos tarde demais...!
Hans estava caído inconsciente sobre o mar congelado, mas uma sombra negra começou a
espiralar em volta de seu corpo, lançando-se sobre Sora e seus amigos e engolindo-os por inteiro.
Quando abriram os olhos, estavam cara a cara com um Heartless que tinha a forma de um
enorme lobo branco — Sköll.
Sora empunhou sua Keyblade e Pateta fez o mesmo com seu escudo.
— Acham mesmo que isso vai ajudar a Anna? — perguntou ele.
— Não sei... mas é melhor tentarmos alguma coisa! — respondeu Sora, encarando o inimigo
com um olhar intenso.
— Vamos nessa! — exclamou Donald.
Foi quando um aliado inesperado apareceu atrás do trio em meio a um poderoso urro —
Marshmallow aparentemente fora ajudá-los na batalha. O gigante de neve rapidamente pegou Sora,
o colocou em suas costas e os dois foram juntos atrás de Sköll.
O Heartless lobo lacerou Marshmallow com as garras afiadas, mas o homem de neve gigante
sequer vacilou. Em vez disso, usou seus braços para atacar como se fossem marretas, atordoando

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Sköll. Donald aproveitou a abertura para disparar magias contra a criatura enquanto Pateta atacava
com seu escudo. Sora pulou de cima de Marshmallow e golpeou o Heartless com a Keyblade.
Sköll uivou e começou a girar a cauda. Sora ficou na defensiva, saindo do caminho.
— Parece que temos mais companhia! — alertou Pateta.
Sora ergueu o olhar e viu diversos Heartless menores que pareciam versões pequenas e
autônomas da cabeça de Sköll.
— Deixem eles comigo! — gritou Donald, interceptando os recém-chegados.
Marshmallow também se juntou a ele e os dois cuidaram das cabeças de lobo enquanto Sora
focava em Sköll. O Heartless deu mais um uivo, alertando Sora para que abaixasse seu centro de
gravidade e assumisse posição defensiva, preparando-se para outro ataque feroz de sua cauda.
Mas em vez disso, o lobo deu um grande salto no ar e se transformou em um orbe de trevas
gigantesco. Gotas negras feito tinta começaram a cair de sua superfície.
— Gwoooorgh! — Marshmallow se colocou à frente dos outros e suportou toda a carga do
ataque em meio a um rugido ensurdecedor.
— Você consegue! — gritou Sora, torcendo por ele enquanto balançava a Keyblade para
atingir Sköll. — Vamos...!
Finalmente, ele quebrou a barreira criada pelo orbe!
A enxurrada violenta se cessou e o Heartless voltou à forma de lobo, encarando os inimigos
ameaçadoramente. Com o que restava de suas forças, Sköll assumiu novamente a forma de esfera
sombria, se alçou no ar e explodiu em meio a um brilho negro.
Marshmallow se posicionou na frente de Sora, Donald e Pateta, protegendo-os do ataque
final, mas foi demais até mesmo para ele. Quando a força da explosão jogou os quatro longe com
tudo, as sombras se dispersaram em meio a uma lufada de vento.

Quando deu por si, Sora havia voltado. Mas ali, até o próprio tempo parecia ter congelado.
Só o que conseguia ouvir era o choro de Elsa, abraçada à forma congelada de sua irmã. Kristoff,
Sven e Olaf estavam mais ao lado, observando-a, incapazes de fazer qualquer outra coisa.
Elsa chorava e chorava — e então, um milagre aconteceu. Anna começou a descongelar, de
pouco em pouco, nos braços da irmã.
Olaf foi o primeiro a notar, um gigantesco sorrindo se formando em seu rosto. Sven então
cutucou Kristoff, incitando-o a erguer o olhar. Quando ele finalmente levantou a cabeça, seu rosto
se iluminou com esperança.
Sora, Pateta e Donald também seguraram o fôlego. Ia ficar tudo bem!
— Anna! Elsa! — eles gritaram enquanto corriam em direção às irmãs, quando as sombras
negras os pegaram de novo.
Essa vez, no entanto, não foi como da última. Sora, Donald e Pateta estavam presos em um
domo negro e, do lado de fora, o tempo parou por inteiro. Quem apareceu em meio às trevas para
confrontá-los foi Larxene.
— Então o amor encheu ambos os corações de luz — comentou ela, observando as irmãs, e
então deu meia-volta. — Dois em um só mundo... por essa eu não esperava mesmo.
— Primeiro o Marluxia, agora você. O que é tudo isso?! — perguntou Sora, aproximando-se
um passo de Larxene. Não conseguia esconder o quanto se sentia frustrado.
— Ah, entendi, você topou com o Marluxia. Então por que eu tô explicando isso de novo?
Eu disse antes: os Novos Sete Corações. Se você der bobeira e não encontrar os seus sete guardiões
da luz, vamos precisar de outro grupo a quem recorrer.
— Deixem as pessoas inocentes fora disso!
O que a Organização XIII tá planejando conseguir arrastando a Anna, a Elsa e a Rapunzel
pros planos deles? Sora estava furioso.

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— Uhh, olha só essa atitude. Já é um garotinho crescido agora. Bom, talvez você deva fazer
seu trabalho e encontrar os outros guardiões da luz — provocou Larxene, inclinando-se para frente
e apontando para Sora.
Isso já tá ficando chato! Para de ficar me dando ordens e tirando com a minha cara!
— Por favor, nem vocês encontraram os seus treze. O rei disse que ainda falta um inquiridor
das trevas — retrucou ele, lembrando-se do que o Rei Mickey lhes havia dito quando ele voltou dos
Mundos Adormecidos. Até a verdadeira Organização XIII devia estar com um membro faltando.
Mas a boca de Larxene se contorceu em um sorriso.
— Ah, não, já estamos prontos.
— Hã? — disse Sora, arfando. Não estava esperando por isso.
Larxene o ignorou e desapareceu em um manto de trevas sem dizer nenhuma outra palavra.
O domo que os aprisionava também desapareceu.
— Eles têm todos os treze? — Sora disse para si mesmo. — Então se a gente não encontrar
os nossos sete, eles vão atrás da Elsa e da Anna.
As irmãs estavam se abraçando com toda a alegria após superarem suas tantas dificuldades.
Pateta e Donald foram andando até Sora, claramente ansioso.
— Vai ficar tudo bem. Elas são fortes.
— E agora é a nossa vez!
Seus dois amigos haviam ficado a seu lado no melhor e no pior — eles sabiam bem do que
estavam falando.
— Tem razão — disse Sora, desviando o olhar para as irmãs. — Elas têm uma à outra.
— Anna...
— Ah, Elsa.
As duas se abraçaram, cada uma delas tranquila por ver que a outra estava em segurança.
— Você fez todo esse sacrifício por mim? — Elsa segurou as mãos de sua irmã mais nova.
— Eu te amo. — Anna devolveu o olhar de Elsa.
— “Um ato de amor verdadeiro aquecerá um coração congelado” — disse Olaf, mais ao
lado, completamente em êxtase.
— O amor... aquecerá. O amor... — repetiu Elsa, abrindo um sorriso quando as peças enfim
se encaixaram.
— Elsa? — Anna a fitou com um olhar curioso.
— Mas é claro. O amor! — Elsa abriu um grande sorriso para Anna, para a irmãzinha que
ela amava mais do que jamais amara alguém, e abriu os braços largamente.
O que veio de suas mãos dessa vez foi uma brisa quente que começou a derreter o gelo. O
gelo dançava, reluzindo e cintilando pelo ar, limpando o céu e aquecendo o reino congelado até que
ele fosse restaurado a toda a sua glória de beleza verdejante.
— Isso! — Sora, Donald e Pateta exclamaram frente à visão de Elsa e Anna paradas lado a
lado com um grande sorriso estampado nos rostos.
Esse mundo vai ficar bem de boa!
— Vamos, pessoal. É hora de ir.

— Foi mal o atraso.


Depois de Riku e Mickey tê-los chamado de volta à Torre Misteriosa, Sora, Donald e Pateta
correram para lá assim que deixaram Arendelle.
— Tudo bem. Vocês chegaram o mais rápido que puderam. — Mickey já estava esperando
por eles lá, com Riku logo a seu lado.
Os cinco e Yen Sid estavam felizes por poderem ver uns aos outros de novo, mas Sora foi
direto ao assunto:
— A Organização diz que já tem suas treze trevas.
— E devemos acreditar que é verdade? — indagou Mickey, pensativo.

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— Hmm... Não sei, mas tem uma outra coisa que eles tão sempre mencionando. Eles estão
atrás dos “Novos Sete Corações”, o que parece um código pra “vamos perturbar mais princesas”.
— Bem, uma vez que o tempo das princesas de coração originais de proteger a luz pura
chegou ao fim, elas repassaram a luz a outras. Nosso inimigo certamente deve estar ciente disso. Se
os “Novos Sete Corações” é como desejam chamá-las, que assim seja — acrescentou Yen Sid após
ouvir o relato de Sora.
Sete princesas novas. Ele havia conhecido Rapunzel, Anna e Elsa...
— Mas a Kairi não repassou o poder dela. Ela é uma das novas sete? — perguntou Sora, um
pouco apreensivo.
— Deve ser. Mesmo assim, ela escolheu empunhar uma Keyblade e lutar conosco como um
dos guardiões da luz — respondeu o rei. Kairi estava atualmente treinando com Axel.
— É... — murmurou Sora, pensativo. Então Kairi era uma princesa e também uma guardiã.
O fato de ela poder usar uma Keyblade era reconfortante, mas com a forma como as coisas estavam
indo, não havia como saber quando a Organização poderia escolher ir atrás dela.
Enquanto Sora ficava pensando consigo mesmo, Donald deu um passo à frente e falou em
tom de desculpa:
— Nós ainda não achamos o Terra.
— Ei, pelo menos achamos o Ventus. Vanitas disse que ele está dentro do coração do Sora
— disse Pateta, informando aos outros sobre uma das descobertas que haviam feito em sua jornada.
— Além disso, Ansem, o Sábio, disse o mesmo em seus dados, portanto, é quase certo que
seja verdade — comentou o Grilo, entrando na conversa.
Embora o nome de Ventus fosse o único mencionado nos dados de Ansem, essa descoberta
podia se juntar às outras coisas que eles já sabiam e, quem sabe, levá-los mais perto da verdade.
Mickey parecia satisfeito.
— Isso é ótimo! — ele disse a Sora. — Agora podemos salvar o Ven.
— Talvez, mas a Aqua é a única que sabe onde ele está escondido — Riku lhes lembrou
com a voz séria. — Ainda temos que encontrá-la antes.
Sora abriu a boca e...
— Eu vou — declarou ele com firmeza. Donald e Pateta trocaram um olhar preocupado.
Eu vou. Tenho que salvar a Aqua.
Mas essa sensação... será que ela vem do Ventus?
— Isso é sábio? — perguntou Mickey, inseguro, mas a verdadeira questão veio de Yen Sid:
— Você precisa do poder do despertar, Sora. Já o possui?
— Hã... não? Provavelmente não. — Sora abaixou o olhar, confuso com o próprio coração.
— Sem este poder, você não está pronto para desbravar o reino das trevas — o feiticeiro lhe
disse com firmeza, balançando a cabeça.
— Qual é...
Sora se recusava a ceder. Ele podia não ter recuperado o poder, mas tinha plena consciência
do quão perigoso era o reino das trevas. Além disso, seu coração o estava chamado, dizendo que ele
precisava ajudar Aqua. E então Riku deu uma risada.
— Qual é a graça? — perguntou Sora, visivelmente aborrecido.
— Desculpa. É que o Mestre Yen Sid te conhece um pouco bem demais. Ele disse que você
tentaria montar um resgate meia-boca — explicou Riku, ainda com um sorriso no rosto.
Donald, Pateta, o Grilo e Mickey também começaram a rir. Todos sabiam como Sora era.
— Isso aí! Podem rir!
Sora abaixou o olhar, mas então Riku prosseguiu, mais gentil dessa vez:
— Sora, eu sei que está se voluntariando porque está preocupado, comigo e com o Mickey.
— É...
Riku pôs uma mão no ombro do amigo.
— Bom, obrigado. Mas o poder do despertar é importante. Você pode vir ao resgate quando
consegui-lo. Parece justo?
— Sim. Tá certo — respondeu Sora, finalmente aceitando o que Riku estava tentando dizer.
Tenho certeza que o Ventus também vai entender. Ainda não é a hora certa.
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— Mas se cuida. Não vai dar uma de doido — disse ele, erguendo o olhar para o amigo.
Riku respondeu com um aceno firme da cabeça.
— Sim, senhor.
Os outros três estavam assistindo à conversa ao lado e começaram a sussurrar entre si:
— O Sora é que é o doido.
— Não, não exatamente. Ele só não pensa.
— Se pelo menos ele escutasse o Mestre Yen Sid igual ele escuta o Riku, já seria um bom
começo. — Como constantes companheiros de Sora em suas aventuras, Donald, o Grilo e Pateta o
conheciam bem até demais.
— Tô escutando agora! — Sora lhes alertou, virando para eles.
Depois que todos deram umas boas risadas, Yen Sid olhou para a equipe reunida e lhes deu
suas instruções:
— Muito bem. Sora continuará sua jornada para fortalecer seus poderes enquanto Mickey e
Riku se concentrarão na busca por Aqua.
— Sim, senhor! — todos responderam, seus corações e vozes em união.

Naquele deserto árido e desolado, a poeira espiralava no ar em meio à treze pilares de pedra.
— Então, por que você voltou? — perguntou Marluxia.
— Mas que belo jeito de cumprimentar sua velha comparsa — retrucou Larxene, diante do
que Marluxia apenas riu. — E aí, por que você acha que o velho caduco trouxe a gente de volta? Ele
deve saber que a gente traiu a Organização quando ela tava sob o comando do Xemnas.
No Castelo do Esquecimento, Marluxia e Larxene haviam traído a Organização, mas foram
eliminados antes que pudessem alcançar seu objetivo. Marluxia explicou calmamente:
— Xehanort não se importa com você ou comigo. Para ele, não passamos de cascas vazias.
Era assim também com a velha Organização. Xehanort precisa de treze receptáculos que abriguem
sua essência.
— Casca? Eu não — reclamou Larxene. Ela nunca tinha sido boa recebendo ordens. — Tá a
fim de outro golpe?
— Ah, por favor, né? — disse uma terceira voz mais ao lado. — Vocês já não conseguiram
da última vez. Precisam ser espertos, que nem eu.
Marluxia se virou para ver Demyx, o antigo número nove, parado sobre o próximo pilar da
fileira com uma cítara nas mãos.
— O quê?! Você não é esperto! — ralhou Larxene, sobressaltada com a aparição repentina.
— Bom, você ouviu o que o Marly disse. Eu não tenho que ser esperto. — Demyx sempre
fora conhecido como um preguiçoso desde os dias da velha Organização. Ele tinha até um apelido
para Marluxia.
— Nem habilidoso, agradável ou atraente. Uma tigela de cereal seria um receptáculo melhor
— disparou Larxene, apontando um dedo para ele.
Mas Demyx não pareceu ligar muito — apenas parou de tocar sua cítara por um momento
para passar o dedo pelo nariz.
— Eita, agora você pegou pesado — disse. — Eu sou extremamente imponente... quando eu
quero. O que, devo reconhecer, é quase nunca.
Larxene ainda não estava indo na dele.
— Por que você não foi pra mundo nenhum? Tá fazendo corpo mole?
— Claro que não. Me deixaram no banco — admitiu Demyx, a voz tranquila.
— Hein?
Marluxia se juntou a conversa entre eles:
— Saïx trouxe Vexen para a equipe. Devem estar planejando usar Réplicas.
— Aqueles brinquedinhos? — Larxene parecia repugnada com a ideia. Em sua opinião, o
plano com Riku Réplica no Castelo do Esquecimento era um fiasco completo.

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— Nada disso. As Réplicas são bem mais reais do que você lembra — comentou Demyx. —
Quer dizer, uma até roubou o meu lugar!
Larxene caiu na gargalhada. Ele era pior que uma Réplica?
— Mas é claro que roubou! Você é burro feito um tijolo.
— Ha, ha, ha... — murmurou Demyx numa voz suave demais para que fosse escutada sob as
risadas de Larxene.
— As últimas Réplicas de Vexen não são meros fantoches. A Réplica de Riku que usamos
no Castelo do Esquecimento era apenas um protótipo. A seguinte, feita a partir das memórias de
Sora, era real o suficiente para se juntar a nós. E Vexen afirma que as novas serão humanas em
todos os sentidos. Se ele chegar a terminá-las.
— Ah... Mas então... eu meio que disse pro Sora e pros outros bobões que a gente já tava
pronto. Foi mal. — Larxene tinha uma tendência a se comportar de forma impulsiva... assim como
Demyx, na verdade.
Foi quando um quarto membro se juntou à reunião:
— Deixem que eles acreditem nisso — retumbou a voz enquanto outro Corredor das Trevas
se abria sobre um pilar.
— Ugh, Xemnas — comentou Larxene com uma repulsa desmedida. Xemnas a ignorou e
continuou falando:
— Se pensarem que temos todas as treze trevas, eles entrarão em pânico. E o pânico leva à
falta de preparo.
— É, pode crer. — Era difícil de dizer se Demyx realmente concordava com ele, mas estava
claramente desinteressado no assunto.
— Por que esse troço é um membro mesmo? — perguntou Larxene, lançando um dedo em
sua direção novamente.
— Ei, qual é! Apontar é rude — retrucou Demyx sem parar de tocar sua cítara.
— Os seis primeiros membros da Organização original eram todos aprendizes de Ansem, o
Sábio. Os membros de número sete e oito se juntaram logo em seguida. O décimo terceiro membro
era Roxas, um portador da Keyblade. Agora, mas e quanto a vocês? Como acreditam que escolhi os
números de nove a doze?
Os números sete e oito eram Saïx e Axel, respectivamente. Por sua vez, os números de nove
a doze eram, em ordem, Demyx, Luxord, Marluxia e Larxene.
— Porque os nossos corações são superpoderosos — sugeriu Larxene.
Xemnas balançou a cabeça.
— Errado. Vocês foram reunidos para outro propósito.
— O quê? Para que possamos apodrecer no fim da fila? — A resposta veio da escuridão que
começou a se reunir no topo de ainda outro pilar vazio. Quem surgiu em meio a ela foi Luxord.
— Você também? Quê isso, a Organização reciclada? — disse Larxene, revirando os olhos
frente à toda a situação.
— Acontece que eu tenho um papel importante. Não fui deixado “no banco” — Luxord lhe
informou, a voz tranquila.
— Cê tava ouvindo? Nada legal — comentou Demyx, ainda ao som de sua cítara.
— Devemos sempre guardar nossas cartas pelo tempo que for necessário — respondeu
Luxord, confiante. Ele fechou os olhos por um momento. Mas Larxene imediatamente o desafiou a
mostrar sua mão:
— Que “papel importante”? Aquela caixa idiota que o Xigbar diz ser real, mas não conta
nada a respeito?
— Isso você terá que perguntar ao Xigbar. Agora, Xemnas. Qual é este “propósito”? Você
não nos convidou de volta só pelos velhos tempos — disse Luxord, jogando suas cartas com primor.
— Vocês quatro revelarão o seu maior segredo — respondeu Xemnas. — O antigo legado
da Keyblade que dorme dentro de vocês.
Todos os quatro voltaram sua atenção para ele.

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EM MAR ABERTO, UM NAVIO CHEIO DE PIRATAS CANTAVA EM CORO:

Yo-ho, yo-ho, eu sou um pirata sim


O Kraken saltou do fundo do mar
Correi, amigos, yo-ho
E ao Baú o pardal confinou
Correi, amigos, yo-ho
Yo-ho, yo-ho, eu sou um pirata sim
Uma deusa pensou que poderia o salvar
Correi, amigos, yo-ho
E trouxe um canalha de volta dos mortos
Correi, amigos, yo-ho
Yo-ho, yo-ho, eu sou um pirata sim
O Holandês Voador está à caça
Correi, amigos, yo-ho
Para o pardal punir por sua afronta
Correi, amigos, yo-ho
Yo-ho, yo-ho, eu sou um pirata sim
No seu baú seu segredo dorme
Correi, amigos, yo-ho
O coração de Davy Jones ainda bate
Correi, amigos, yo-ho
Yo-ho, yo-ho, eu sou um pirata sim

Conforme o sol se punha nas águas do Caribe, o céu estava tão lindo quanto de costume nas
Ilhas do Destino. Sora cantarolava alegremente enquanto olhava para a luz minguante a bordo de
um navio.
— Yo-ho, yo-ho, eu sou um pirata sim!
Eventualmente, o sol desapareceu por completo, deixando o barco sob um céu estrelado.
Enquanto Sora continuava cantando junto ao mastro, Donald perguntou:
— Por que você tá todo felizinho?
— Porque nós somos piratas de novo! — respondeu Sora.
Estava usando um chapéu de pirata, um paletó um tanto antiquado sobre um colete marrom-
avermelhado e uma camisa encardida, calças listradas em tons de cinza e botas. Seu rosto também
estava sujo de terra, o que combinava com suas roupas evocava imagens de um certo homem que
eles conheceram antes. As roupas de Donald e Pateta também haviam se transformado em trajes
piratas semelhantes. O escudo do Pateta tinha agora a forma do leme de um navio, enquanto a ponta
do cajado de Donald se tornara uma esfera armilar.
— É, você sempre gostou desse mundo — disse Pateta com um remo nas mãos.
— Como não gostar? Mas... bem que a gente podia ter um barco maior.
Talvez fosse mais correto chamar a embarcação na qual estava o ligeiramente desapontado
Sora de jangada do que de navio. Exatamente como a que ele, Riku e Kairi construíram juntos nas
Ilhas do Destino, na verdade. Ela tinha um mastro no meio, mas nem mesmo isso a tornava um
veículo adequado, e ela jamais resistiria a uma tempestade.
— Tem alguma ideia de pra onde estamos indo? — perguntou Donald. Ele também tinha um
remo, mas não fazia ideia de para onde estavam indo.
— Pra onde mais? À beira do mundo! — exclamou Sora, apontando um dedo em direção ao
horizonte. Só havia um destino verdadeiro para os piratas, e era até onde o oceano os levaria.
Pateta se levantou e fez uma saudação marítima:
— Capitão Sora!

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— O que o aflige, Sr. Pateta?
— A beira do mundo! — Pateta apontou em uma direção diferente.
— Aye! — Sora se virou para olhar.
— O mar está acabando, senhor!
— Aye! O mar está acabando! — disse Sora, estufando o peito orgulhosamente como um
capitão e deu uma boa gargalhada antes de encontrar o olhar de Donald.
— Acabando?! — os dois exclamaram em uníssono.
O topo de uma enorme cachoeira apareceu bem diante da jangada — o mar realmente estava
acabando. As águas quase imediatamente se agitaram, como se estivessem em uma tempestade, e
Sora agarrou o mastro.
— Tudo a estibordo!
Embora Donald e Pateta tivessem começado a remar com toda a força sob o comando de
Sora, simplesmente não era o suficiente.
— Mas não dá tempo, capitão! — gritou Pateta quando a jangada caiu na beira do mar.
Os gritos de Sora e seus amigos ressoaram sobre a água.

Quando o trio finalmente acordou, estavam em uma extensão aparentemente interminável de


areia branca.
— Onde viemos parar dessa vez? — Sora olhou para o céu e gemeu.
— Que tal irmos andando?
— Tá...
Seguindo a sugestão de Pateta, Sora se levantou e começou a caminhar em meio ao deserto.
A luz do sol os açoitava com força e a areia parecia não ter fim. Eles não tinham a menor ideia de
onde poderiam estar.
— Estamos andando há uma eternidade — Pateta choramingou enquanto seus companheiros
tropeçavam desanimados.
— Estou exausto — reclamou Donald.
— Que piratas. Não vamos chegar a lugar nenhum sem um navio.
Embora provavelmente não tivesse nada a ver com os resmungos de Sora, uma pequena
forma apareceu vagamente à distância. E olhando mais de perto, parecia ser...
— Um navio... — murmurou Sora enquanto parava. Donald e Pateta também pararam.
— Sora... Aqui é terra firme. Wak! — exclamou Donald quando finalmente viu o que Sora
estava olhando. Uma enorme embarcação se assomava a alguns metros de distância.
O trio olhou um para o outro.
— É mesmo um navio! — eles gritaram em uníssono, começando a correr atrás do barco.
Apesar de não estar no mar, de alguma forma estava abrindo caminho pela areia do deserto.
Foi quando uma figura veio correndo até eles por trás. Ao passar pelos três, a pessoa gritou
uma saudação:
— Salve, Sora!”
— Hã? Jack Sparrow!
A voz pertencia a um pirata solitário — Sora e seus amigos pararam quando perceberam que
também pertencia a um velho amigo. O pirata parou ao lado deles.
— Capitão Jack Sparrow — corrigiu, soando um tanto ofendido.
Donald e Pateta trocaram um olhar — já tinham ouvido isso antes.
— Claro que é! — disse Pateta. Donald expressou sua concordância com uma risada.
— Ei, Jack. Onde estamos? — perguntou Sora, mas Jack já estava correndo de novo antes
que pudesse terminar a pergunta.
— Chega disso. O navio está fugindo!
— Hã?
— Ajudem-me a alcançar o Pérola antes que ele fuja!

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O Pérola — o Pérola Negra, para ser preciso — era o navio de Jack.
— Aye, aye, Capitão! — disse Sora com um grande sorriso antes de se juntar a Jack em sua
perseguição.
Após uma inspeção mais detalhada, o navio não estava se movendo sozinho — estava sendo
carregado por pequenas coisas brancas. Pequenas coisas brancas muito rápidas.
— São caranguejos?
— ...Caranguejos?
Donald e Pateta especularam enquanto corriam. Enquanto isso, Sora fez tudo que pôde para
acompanhar Jack. O Pérola Negra levantava nuvens de areia enquanto disparava adiante.
E foi então que os Heartless chegaram.
— Vamos nos livrar deles, Sora!
— Aye!
Jack sacou sua espada da bainha em sua cintura e Sora também empunhou sua arma. Assim
como antes, os dois perseguiram o Pérola, as lâminas brilhando. Jack e Sora abriram caminho por
entre os Heartless e, quando finalmente alcançaram o navio, Jack estendeu a mão para agarrar uma
corda pendurada na lateral.
— Aqui em cima! — gritou ele, estendendo a mão para agarrar Sora, enquanto Donald e
Pateta se penduravam em suas pernas. Jack subiu pela corda com os três a reboque.
— Muito bem. — Jack sorriu quando finalmente subiu ao convés, ofegante.
Sora, Donald e Pateta também subiram a bordo, então se cumprimentaram com sorrisos
radiantes estampados nos rostos.
— Conseguimos!
Um pirata precisa do seu navio, afinal.
O Pérola Negra continuou avançando pelo deserto como antes, até que passou por uma
elevação bem grande na areia. E do outro lado, finalmente, estava o mar.
Um grupo de rostos familiares aguardava a chegada do Pérola Negra ao longo da costa.
Havia Gibbs, o imediato do Pérola, os companheiros de armas de Jack, Will e Elizabeth — e então
o Capitão Barbossa, que já fora inimigo jurado de Jack. Havia também uma mulher que Sora nunca
tinha visto antes acariciando as costas de um caranguejo branco, assim como o resto da tripulação
do Pérola Negra.
Jack cumprimentou Gibbs assim que desceu do navio:
— Senhor Gibbs.
— Eu, capitão.
— Já percebi. Eu espero que me dê conta de suas ações.
— Ações? — Um olhar questionador cruzou o rosto de Gibbs.
— Tem havido uma perpétua e virulenta falta de disciplina em meu navio. Por quê?
— O senhor... está no Baú de Davy Jones, capitão — sussurrou o imediato para lhe explicar.
— O Baú de Davy Jones? — Sora disse atrás de Jack, virando a cabeça de um lado para o
outro. Ele nunca tinha ouvido falar desse lugar.
Uma expressão preocupada se formou no rosto de Jack por um momento. E então, como se
irritado consigo mesmo, ele disse de volta para Gibbs:
— Eu sei disso. Eu sei onde estou. Não pense que eu não sei.
Sora imaginou que Jack estava agindo com mais coragem do que estava sentindo quando se
virou para ele com sua arrogância típica:
— Estou no Armário de Davy Jones. Com certeza — prosseguiu.
Sora inclinou a cabeça, confuso. Quem é esse Davy Jones e por que ele tem uma praia no
baú? Nunca ouvi falar dele antes.
— Jack Sparrow.
Quando Barbossa se dirigiu ao capitão, Sora, Donald e Pateta ficaram tensos ao ver seu
antigo inimigo. Mas Jack parecia quase amigável ao se aproximar de Barbossa:
— Ah, Hector! Faz muito tempo. Não faz?
— Faz. Isla de Muerta, se lembra? Me baleou.
— Nada disso.
174 | K i n g d o m H e a r t s I I I : A R o m a n t i z a ç ã o
O primeiro nome de Barbossa aparentemente era “Hector”.
Will e Elizabeth caminharam até Sora enquanto ele observava com curiosidade a conversa
dos dois capitães.
— Sora. Nos encontramos de novo.
— É ótimo ver todos vocês.
— Ah! — exclamou Sora. — Will. Elizabeth. Tem... algo diferente em você?
A Elizabeth que Sora e seus amigos conheciam costumava usar belos vestidos compridos,
mas ela agora era uma verdadeira pirata.
— É, tá parecendo toda valente — comentou Pateta.
Elizabeth respondeu:
— Bem, eu passei por algumas aventuras. Mas nunca pensei que encontraria vocês aqui.
— Falando nisso... onde exatamente é “aqui”? Que história é essa de baú?
Foi Will quem respondeu às perguntas de Sora:
— O Baú de Davy Jones. Jack deixou de pagar uma certa dívida com Jones. Então Jones
enviou o Kraken para devorar Jack e foi assim que ele acabou aqui.
— Então... o Baú de Davy Jones... Vocês tão dizendo que estamos além... — Sora parou.
— Além da morte? — concluiu Pateta. Donald deu um gritinho admirado.
— E estamos aqui para resgatar Jack de seu destino. — Elizabeth olhou para Jack, que agora
estava falando com a mulher desconhecida. Ela tinha longos dreadlocks e um ar misterioso.
— Tia Dalma, dando uma voltinha, hm? Você empresta um agradável sabor de macabro a
qualquer delírio. — disse Jack em tom amável.
Tia Dalma apenas abriu um sorriso astuto para ele.
— Ele acha que somos alucinação — explicou Will, e Jack Sparrow virou-se alegremente
para Sora, Donald e Pateta.
— He, he... E inclui até esses três farsantes.
Antes que os “três farsantes” pudessem responder, Elizabeth se colocou na frente deles:
— Jack, somos reais. Estamos aqui. Viemos resgatar você!
— Não me diga. Quanta gentileza. Mas parece que como eu possuo um navio e vocês não,
são vocês que precisam de um resgate. E eu não sei se eu estou a fim.
— Jack, Lorde Beckett está com o coração de Davy Jones — disse Will. — Ele controla o
Holandês Voador.
— Está dominando os mares — acrescentou Elizabeth.
Jack hesitou por um momento diante disso, e Tia Dalma escolheu esse instante para quebrar
o silêncio:
— E ele precisa ser detido. A Corte da Irmandade foi convocada.
— É só deixar vocês sozinhos por um minuto e olha o que acontece. Tudo vai por água
abaixo! — exclamou Jack, exasperado enquanto olhava para o mar.
Sora ficou ao lado dele, confuso.
— Tô perdido. O que tá rolando?
— Bem, hã... parece que esse tal de Beckett que eles mencionaram está tentando conquistar
o oceano.
— Ah. — Sora assentiu diante do resumo sucinto do Pateta.
— O mar pertence a todos! — exclamou Donald, indignado.
— É! Sem conquistadores — disse Sora com o punho cerrado. O Jack pode fingir que não
se importa, mas tenho certeza que ele tá chateado. Ele não deixaria isso pra lá.
— Ouça, Jack — disse Gibbs. — O mundo precisa de você e bem depressa.
— E você de uma tripulação — acrescentou Will, mas Jack apenas deu de ombros.
— Por que eu devo viajar com um de vocês? Quatro já tentaram me matar no passado.
Sora jogou a mão para o alto com entusiasmo.
— Jack, nós estamos do seu lado!
— Aye, vocês sim, amigos. Nunca conseguiria ter alcançado o Pérola sem vocês. Sora,
Donald, Pateta, estão contratados.
— Boa!
175 | K i n g d o m H e a r t s I I I : A R o m a n t i z a ç ã o
Com um olhar de soslaio para a empolgação quase excessiva de Sora, Jack passou na frente
dos demais rostos ali reunidos.
— Agora, quanto ao restante... — Ele fez uma pausa. — Tia Dalma, está contratada.
A mulher respondeu com nada além do sorriso misterioso que sempre levava nos lábios.
Jack então parou diante de Gibbs.
— Gibbs, pode vir.
O imediato sorriu.
— Levantar âncora, todos vocês! Preparar para partir!
Dadas as ordens, Jack abriu sua bússola. Mas, em vez de guiá-lo para o norte, a agulha
girava loucamente sem parar. Barbossa riu diante disso, segurando uma carta náutica em mãos, com
Will e Elizabeth logo atrás dele.
— Jack... Para onde está indo, Jack? — perguntou.
Um pouco frustrado, Jack Sparrow fez sinal para que os três embarcassem no Pérola Negra
com um aceno do queixo.

Uma vez que todos estavam a bordo, Sora assumiu o leme. Depois de algumas aulas de Jack,
sua técnica estava perfeita. O único problema era... que ele não sabia para onde estavam indo.
E eu pensando que aquele deserto era enorme — mas o mar é mesmo infinito. Bom, talvez
não completamente, já que chegamos aqui caindo da beira dele.
Eu nem sei mais se faz sentido continuar velejando.
Sora se sentou com Donald e Pateta na sombra do mastro e olhou fixamente para o longe.
— Então, a gente tem um destino, né?
— Eu já não sei mais — Pateta suspirou.
Do outro lado do convés, na frente dos três, Jack olhava fixamente para a carta náutica.
— O Jack tá só inventando — lamentou Donald.
Tia Dalma passou andando lentamente na frente do trio entediado.
— Unam seus destinos a Jack Sparrow... e vocês logo sofrerão a ira de Davy Jones — ela
disse com um sorriso malicioso.
— O cara que o Will falou? Quem ele pensa que é, afinal? E o que o Jack fez pra ele?
Tia Dalma os observava com interesse.
— Sério? Vocês não sabem quem é Davy Jones? E dizem ser homens do mar?
Ela não parece preocupada, mas... tem alguma coisa estranha nela. Não sei dizer o quê.
Mais importante que isso, como eu respondo à pergunta dela?!
— Vamos colocar dessa forma... nós somos de outro mar.
— Hmm, são, é?
Era difícil dizer o que Tia Dalma pensava de sua explicação — mas ela logo desviou o olhar
para Jack e continuou falando em seu ritmo desfalecido de sempre.
— Os destinos de Jack e Davy Jones estão entrelaçados. Jones ergueu o precioso Pérola de
Jack das profundezas e fez de Jack capitão por treze anos. Em troca, Jack prometeu dar sua própria
alma a Jones como pagamento. Mas treze anos se passaram e Jack não o pagou. Então Jones enviou
o Kraken para devorar Jack, levando ele e o Pérola de volta às profundezas. Mas... se Jones
descobrir que Jack escapou deste destino, vai querer puni-lo com algo ainda pior. E os amigos de
Jack também.
Ela se virou para enfrentar Sora, Donald e Pateta.
— Você tá falando da gente?
— Quer dizer que o Kraken vai nos devorar?
Donald e Pateta balbuciaram com medo.
— Ah, deixa o Kraken tentar. Eu não tô com medo! — retrucou Sora, cheio de coragem.
Tia Dalma olhou demoradamente para o rosto dele, genuinamente interessada pela primeira
vez desde que se encontraram.

176 | K i n g d o m H e a r t s I I I : A R o m a n t i z a ç ã o
— Hmm... Nem um pouquinho? Isso é raro. A maioria dos homens corre para a terra só de
ouvir falar do Kraken. Não você. Mas Jack tem medo. Ele quer se livrar de sua dívida com Davy
Jones. É por isso que precisa da caixa.
— Caixa?!
Sora e seus amigos se entreolharam. A Organização XIII também estava atrás de uma caixa.
— É um baú... — continuou Tia Dalma. — Onde Davy Jones trancou a parte de si que o
machucava. A dor que lhe causava era grande demais para seguir vivendo... mas não o suficiente
para fazê-lo morrer.
— E... que parte dele é essa? — perguntou Sora.
— Seu coração — Tia Dalma respondeu com um sorriso.
Heartless, corações e uma caixa... a Organização XIII com certeza teria interesse em tudo
isso. Eles tão tramando alguma coisa aqui também?

Em outro mar, — um mar cujas águas ainda tocavam as águas nas quais Sora estava — um
grande navio velejava.
Dois homens estavam no convés, ambos vestidos com casacos negros.
— Ah, como ele faz isso? Uma criatura sem coração e ainda, de alguma forma, capaz de
continuar existindo... Nem mesmo minha melhor Réplica consegue realizar tal proeza. O segredo
deve estar naquela caixa. Eu preciso saber quais mistérios ela contém — Vexen disse com voz cheia
de fascínio.
Luxord estava do outro lado do convés, ouvindo-o.
— Acredito que nossas ordens eram encontrar a caixa e tomá-la. Nada mais. Contenha esta
sua curiosidade descontrolada.
— Uma visão sempre tão limitada. Por que a Organização me buscaria tão logo eu estivesse
recompleto se não para afirmar minha proeza intelectual e investir em minha pesquisa? Cada passo
que dou é um passo para todos nós.
— Ah, mesmo? E em direção ao que exatamente estamos dando esses passos?
Os olhos de Vexen se estreitaram.
— Luxord, estou detectando... um indício de deslealdade em suas palavras?
— O quê? Não seja ridículo. Mas, para ser claro, eu sirvo à Organização. Não tenho sua
mesma necessidade de agradar Xemnas. Ele sabe bem como manipular os outros. Sempre soube.
Era verdade. Luxord não compartilhava nenhum vínculo especial com Xemnas, Xehanort ou
mesmo Ansem, o Sábio.
Apesar do escárnio de Vexen, sua explicação soou como se estivesse tentando convencer a
si mesmo tanto quanto a Luxord.
— Tudo o que desejo é liberdade para continuar a minha pesquisa. Ansem, o Sábio, se
recusou a nutrir os meus talentos. Então eu deixei minha sorte nas mãos de Xemnas... ou melhor, de
Xehanort. Simples assim.
— Compreendo. E não te importa como ele usa a sua pesquisa?
— Nem um pouco. Só com o que eu me preocupo é em completar o receptáculo humano
perfeito — declarou Vexen.
Luxord fechou os olhos por um momento.
— Está tudo muito bem. Mas eu conheço este mundo melhor que você. Por favor, fique fora
do caminho.
— Ah, claro. Considerando que aquelas pestes apareceram, eu dificilmente conseguiria fazer
alguma coisa — respondeu o acadêmico, referindo-se a Sora e seus amigos.
— Eu já sei o que fazer com as “pestes”. Então poderá retomar os seus estudos enfadonhos.
— Ah, esse é o meu garoto. Estarei assistindo das sombras, então — disse Vexen, e depois
desapareceu em um manto de trevas.

177 | K i n g d o m H e a r t s I I I : A R o m a n t i z a ç ã o
Assim que os últimos raios de sol afundaram no horizonte, os resquícios de sua luz foram
pontuados por uma explosão verde e o Pérola Negra apareceu em meio às ondas — de cabeça para
baixo. O navio conseguiu se endireitar debaixo d'água, mas isso não mudava o fato de que todos
ficaram completamente encharcados.
Sora não conseguiu esconder seu desagrado:
— Valeu, Jack. Você podia ter avisado.
Pateta aproveitou a oportunidade para entrar na conversa:
— Sim, ficou tudo de pernas pro ar e de cabeça para baixo!
— Bom, pelo menos voltamos à terra dos vivos — disse Sora.
— Ainda bem! — suspirou Donald enquanto Jack parecia murchar um pouco.
De toda forma, eles haviam escapado do Baú de Davy Jones e emergiram no Caribe.
— Não temam. Tudo de acordo com o plano. — Como sempre, Jack se recusava a levar
qualquer coisa a sério.
— Mas isso não é motivo para ficar tranquilo — comentou Barbossa. O velho capitão estava
observando algo à distância.
— Um navio! — exclamou Will, apontando para a enorme embarcação.
— Eu nunca vi um como esse — murmurou Elizabeth.
Assim que ela disse isso, um enxame de pequenos Heartless veio voando do navio. Em seu
rastro veio outro monstro com grandes asas de dragão — o Abutre Enfurecido. O Heartless gigante
atacou com raios de luz que atingiram a água logo abaixo do Pérola, criando ondas que sacudiram o
navio por inteiro.
— Heartless! — Sora invocou sua Keyblade.
— Barbossa, você se aliou a esses monstros de novo?
— Não ofenda minha honra. Por que eu conspiraria com eles?
— Mas você já conspirou com eles.
— Podem discutir isso depois? — interrompeu Elizabeth antes que os dois perdessem mais
tempo discutindo.
De repente, Tia Dalma sussurrou algo no ouvido de Sora:

“Use essa chave para me libertar, Sora, e você tem minha promessa solene — todo o poder
sobre o mar que um dia desejou será seu.”

— Hã?
— Preparem-se! — Will gritou em alerta para o Sora assustado.
O fato de seus inimigos estarem no ar tornou impossível para eles revidarem.
— Hmm... Bem que eu queria que pudéssemos chegar um pouco mais perto — disse Pateta.
— O quê? Andar no ar? Não podemos fazer isso! — retrucou Donald... mas isso deu uma
ideia a Sora:
— Podemos sim!
Sora começou a correr e saltou do Pérola Negra, pousando em um dos Heartless menores,
as Vaporioposas. A criatura tinha asas e uma âncora estava presa em seu traseiro.
— Sora!
— Donald e Pateta, protejam o navio! Eu cuido dos Heartless.
Sora montou a Vaporioposa no céu, então saltou nas costas de suas companheiras enquanto
elas se aproximavam para atacá-lo. Estava chegando cada vez mais perto do Abutre Enfurecido,
mas o Pérola Negra continuava sendo atingido por suas esferas brilhantes.
— Tenho que me apressar!
Sora finalmente se aproximou o suficiente para pular e acertar o Abutre Enfurecido com um
golpe descendente de sua Keyblade.
— Tooooma... ISSO!

178 | K i n g d o m H e a r t s I I I : A R o m a n t i z a ç ã o
Um único golpe não resolveria o problema, é claro. Quando estava prestes a despencar no
mar, Sora encontrou outra Vaporioposa para subir a bordo e voltar até o Abutre Enfurecido. Com o
canto do olho, viu os outros lutando sua própria batalha a bordo do Pérola, e sentiu que isso
renovou sua determinação.
Com um último golpe, seu inimigo desapareceu num grande clarão.
— Beleza!
Mas infelizmente, a derrota do Abutre Enfurecido também marcou o desaparecimento das
Vaporioposas.
— O quê...? Calma!
E Sora caiu de cabeça em direção à água.
— Essa nãããããão!

— Sora?
— Sora!
Enquanto Sora lentamente retomava a consciência, se deu conta de que as vozes chamando
seu nome pertenciam a Donald e Pateta. Eles olharam em seu rosto.
— Cadê os outros? — Sora perguntou enquanto se sentava. Eles pareciam estar numa praia
em algum lugar.
— Depois que você caiu, nós viemos te procurar. Acho que eles devem ter ido em frente.
— Isso é deserção! — gracejou Donald.
— Ah... e eu fiquei tão feliz por termos visto eles de novo — disse Sora tristemente... mas o
trio não estava sozinho.
— Está assim tão ansioso para navegar com o Capitão Jack Sparrow?
Aparentemente, eles não estavam completamente desertos, afinal.
— Jack!
Sora, Donald e Pateta se viraram para ver seu amigo parado diante deles. Um caranguejo
branco caiu da bainha da calça de Jack e disparou pela praia.

Enquanto isso...
O Destemido era um navio da Companhia das Índias Orientais, atualmente limpando os
mares de todos os piratas para que pudesse governar as águas sem ser desafiado. O navio estava sob
o comando de Lorde Cutler Beckett, um nobre enviado pela Companhia das Índias Orientais e
conhecido por seu tratamento implacável com os saqueadores.
Abaixo do convés, Lorde Beckett estava agora confrontando ninguém menos que o Capitão
Jack Sparrow:
— Talvez queira considerar uma proposta alternativa. Uma que requer de você absolutamente
nada além de informação — disse Beckett enquanto colocava algo para beber em um copo.
Jack aceitou o copo de Beckett e o esvaziou enquanto apresentava suas demandas:
— Com relação à Corte da Irmandade, sem dúvida. Em troca de uma boa recompensa...
saldar minha dívida com Jones... e garantir a minha liberdade...
— É claro. É só um bom negócio.
— Se é que estou para divulgar, o que eu divulgaria?
—Tudo. Onde é o encontro? Quais são os planos deles?
A Corte da Irmandade era uma reunião de todos os capitães piratas do mundo, e Barbossa
estava tentando convocá-la. Seu plano era libertar a deusa do mar e ganhar sua ajuda contra Beckett
e suas forças. Isso era o que Beckett queria saber.
Por outro lado, Jack esperava fazer um acordo com o implacável nobre para se proteger de
Davy Jones.
179 | K i n g d o m H e a r t s I I I : A R o m a n t i z a ç ã o
— Vamos? — perguntou Jack, assumindo a dianteira.
— Vamos o quê? — Sora perguntou atrás dele.
— Que pirata! Não chegaremos a lugar algum sem um navio. Então, vamos arranjar um.
— Sim! — Exultante, Sora ergueu o punho no ar enquanto corria atrás de Jack.
Pateta e Donald riram enquanto o seguiam.
— O Sora e o Jack são farinha do mesmo saco.
— Até o jeito de falar é parecido!
Mas Sora parou de repente, lembrando-se do que Tia Dalma havia dito a ele no convés do
Pérola Negra...

“Use essa chave para me libertar, Sora, e você tem minha promessa solene — todo o poder
sobre o mar que um dia desejou será seu.”

O que ela quis dizer com isso? Libertá-la como?


— Sora?
— Qual o problema?
Donald e Pateta fitaram o rosto de Sora, inquietos.
— Ah, nada não. Tô legal — disse ele com um sorriso tranquilizante, então correu para
alcançar Jack.

Eles não foram muito longe antes de chegarem a um beco sem saída. Tudo o que havia à
frente era uma enseada — a ilha onde tinham ido parar era bem pequena.
— Poxa, não tem mais pra onde ir? — disse Pateta. — Acho que vamos precisar mesmo de
um navio.
— Acha que a gente consegue nadar por aqui até um? — perguntou Donald, preocupado.
Por outro lado, Sora não parecia nada perturbado.
— Tá suave! Eu sou de uma ilha, tá lembrado? Nado melhor do que você pensa!
— Eu também!
Sora e Donald correram direto para a água, apenas para parar quando Jack os chamou:
— Infelizmente, não sou dotado com o uso de magia como vocês três. Perdoem-me se eu
deixar a exploração submarina para vocês.
Pateta se virou para Jack antes que pudesse entrar atrás de Sora e Donald.
— Você não sabe nadar, Jack?
— Eu sou um pirata, não sou? Claro que sei nadar... só não por muito tempo.
— Bom, então tá, deixe que a gente encontra o navio!
Com isso, Sora, Donald e Pateta mergulharam na enseada.
O que os recebeu no fundo do mar foi um maravilhoso recife de coral tão bonito quanto
todos os que tinham visto na casa de Ariel. Também havia diversos tesouros a serem encontrados
nos destroços naufragados perdidos por ali.
— Boa, a gente com certeza vai achar um navio por aqui. — Sua magia permitia que eles
falassem debaixo d'água.
Os três amigos nadaram para ainda mais fundo.
— Vejam! Tem algo brilhando! — exclamou Pateta.
Um olhar mais atento revelou o que pareciam ser duas antenas brilhantes ondulando em
cima da areia. Havia um baú do tesouro bem entre elas.
— Parece suspeitamente conveniente — disse Pateta.
— Vou dar uma olhada. — Sora nadou em direção ao brilho.
180 | K i n g d o m H e a r t s I I I : A R o m a n t i z a ç ã o
— Sora, pode ser perigoso.
— Mas Donald! Nenhum pirata que se preze ignora um tesouro.
Donald soltou um suspiro de bolhas de seu bico.
Assim que Sora começou a inspecionar o baú, as antenas se contraíram depressa e então um
enorme Heartless em forma de peixe do fundo do mar — o Pescado Elétrico — irrompeu da areia,
sua boca escancarada.
— Eu sabia! — Donald gritou enquanto empunhava seu cajado.
— Imaginei que isso ia acontecer — disse Sora, invocando sua Keyblade.
O trio enfrentou o Pescado Elétrico, mas foram rapidamente derrubados quando o Heartless
aquático os atingiu a uma velocidade incrível. A criatura então começou a girar depressa e atacou
novamente, mas Sora conseguiu nadar para fora do caminho a tempo.
Tendo errado o alvo, o Pescado Elétrico começou a nadar descontroladamente, o que deu a
Sora a oportunidade de acertar sua cauda com sua Keyblade.
Donald enfrentou o peixe demônio de frente com suas magias enquanto Pateta o atingia com
seu escudo. Seus esforços combinados conseguiram atordoar o Heartless. Sora então desferiu um
golpe final com a Keyblade, jogando o Pescado Elétrico contra uma parede de pedra.
— Conseguimos!
O Heartless desapareceu, deixando para trás uma grande abertura. As cavernas continuavam
além do buraco.
— Vamos dar uma olhada! — disse Sora enquanto nadava em direção à passagem.
As águas foram ficando gradualmente mais rasas à medida que avançavam e, pouco depois,
eles chegaram a uma costa arenosa dentro de uma caverna — com um grande navio ancorado.
— Wak...
— Nossa...
— Que legal!
Eles sussurraram baixinho para si mesmos enquanto olhavam para a embarcação.
— Uhul! É o nosso próprio navio! — Sora e seus amigos gritaram de alegria enquanto saíam
correndo para seu prêmio, apenas para verem que havia alguém no convés, olhando para eles.
— Tem certeza disso?
— Jack?
Jack Sparrow já estava a bordo do navio.
— Achado não é roubado.
— Como ele chegou aqui tão rápido? — ponderou Pateta.
Jack não conseguiu prender a respiração por muito tempo, e eles não sentiram que alguém os
havia seguido — então como ele tinha chegado ali?
— É meu. Savvy?
Donald e Sora não concordaram:
— Nada de savvy!
— Jack, você já tem o Pérola Negra.
— Aye, ao qual este navio não chega aos pés. Mas você pega o que pode, amigo — disse
Jack, completamente imperturbável. Ele fez questão de voltar a trabalhar no navio, mas, após uma
pausa dramática, acrescentou: — Muito bem. Meu navio tem um capitão, mas parece que ainda
preciso de uma tripulação. Suponho que vocês terão que servir. Não demorem. Subam a bordo!
Ele sorriu para seu público estupefato.
Eles não podiam se recusar a embarcar no navio, então foram em frente e se juntaram a Jack
como sua tripulação. Sora foi novamente designado ao leme do navio.
— Tudo pronto, timoneiro?
— Pronto, capitão, mas... não estamos meio... presos? — respondeu Sora, olhando de forma
enfática para o teto da caverna. Como iam sair dali?
— Ora, Sora, sei que você já saiu de apertos muito piores que esse. Basta seguir o comando
do seu coração.
Sora assentiu diante do conselho de Jack e então fechou os olhos. Ele os abriu novamente,
seu olhar voltado direto para frente.
181 | K i n g d o m H e a r t s I I I : A R o m a n t i z a ç ã o
— Abram alas! — Assim que as palavras deixaram a boca de Sora, a parede da caverna
diretamente à frente desmoronou, abrindo caminho para as extensas águas do mar adiante.
Sora guiou o navio em frente.

Seu novo navio navegou num ritmo decente por um tempo — até que uma névoa sinistra
começou a se levantar ao redor deles. Uma única embarcação emergiu da escuridão até se tornar
visível. Era idêntico ao estranho navio que emboscou o Pérola Negra.
— São os Heartless!
Sora e seus amigos se prepararam para uma luta, até que Pateta disse:
— Mas vejam. Dessa vez, tem alguém a bordo.
O homem no convés usava um casaco negro — um membro da Organização XIII.
— Não é a companhia que eu estava esperando — Jack gemeu de cansaço, aparentemente
lembrando-se de seu último encontro com a Organização.
O homem do navio tirou o capuz, revelando o cabelo loiro curto e o bigode. Eles já haviam
cruzado espadas com ele neste mundo antes — era Luxord, o antigo número dez da Organização.
— Parola! — gritou.
O direito à parola fazia parte do Código Pirata. Um capitão poderia invocar a parola para
iniciar negociações com outro capitão, e ninguém de nenhuma das tripulações tinha permissão para
interferir. Esta não era a primeira vez que Luxord usava a parola para negociar com Jack.
— É claro... — Jack suspirou. Então, encolhendo os ombros, levantou a mão.
Alguns minutos depois, Luxord estava a bordo do navio.
— Você tá com a Organização de novo? — Sora perguntou secamente atrás de Jack.
— Sim. Surpreendente, não acha, eles terem me dado a honra? Nunca conte suas cartas até
que todas sejam distribuídas — respondeu Luxord.
— Jack! — exclamou Sora — Não fica dando bola pra esse cara não!
— É! — concordou Donald.
Embora eles tivessem chegado a um acordo com Luxord no passado, o apostador da sorte
era esquivo o suficiente para que isso se mostrasse bastante desafiador.
— Ora, vamos — disse ele. — Vocês são mesmo tão pouco sofisticados que recusariam uma
conversa cavalheiresca?
— O que foi que disse?! — Sora se irritou com o tom zombeteiro de Luxord. Não me trate
feito uma criança.
Mas Jack levantou a mão para acalmar Sora e então deu um passo em direção a Luxord.
— Sora, para trás. Este é o Código. Não se deve atacar um pirata a bordo do navio... quando
este pirata oferece uma trégua.
Luxord pareceu satisfeito com a advertência gentil de Jack.
— Ah, sim. E como eu poderia amar jogos e competições sem respeitar as regras? Porque
apenas vencendo de forma justa a vitória tem qualquer sabor.
— Mas... claro, o Código na verdade é mais uma orientação do que de fato regras. Diga o
que quer — respondeu Jack, o mais confiante possível.
— Estou procurando... por uma caixa. Um baú, talvez. — Luxord parecia avaliar a reação
deles, e Jack deu a ele uma, embora pequena.
Uma caixa — seria essa a caixa da que falara Tia Dalma? A que continha um coração?
— Sabe qual é? — perguntou Luxord, pressionando por mais.
Agora ciente de que suas vulnerabilidades estavam expostas, Jack começou a tentar se
esquivar da pergunta:
— Sim. T-Talvez. Não! Eu sei de uma caixa. Mas tal caixa não é uma caixa com a qual você
queira brincar, amigo. Acredite.
— Sério? Uma aposta, então.

182 | K i n g d o m H e a r t s I I I : A R o m a n t i z a ç ã o
— E de que natureza seria essa aposta? — Jack deu de ombros frente ao convite de Luxord.
— Que tal uma pequena corrida até aquela charmosa cidade portuária que você tanto ama?
— Port Royal?
Foi lá que Sora conheceu Jack e os outros.
— Sim. Quem chegar primeiro é o vencedor. E o prêmio: você me conta tudo sobre esse baú.
— Contra o quê?
— Eu lhe darei aquilo o que desejar.
Jack refletiu sobre a aposta por um momento e então abriu um sorriso.
— Feito!
— Jack! — Sora não pôde deixar de protestar. Qualquer oferta que viesse de Luxord só
podia ser uma armadilha!
Mas Luxord sequer reconheceu a presença de Sora:
— Então temos um acordo.
A escuridão envolveu o apostador — e ele então voltou ao convés de seu próprio navio.
— Agora, vamos começar! — exclamou.
— Tripulação! — vociferou Jack. — Preparar para zarpar!
Sora ainda não conseguia acreditar.
— Mas Jack...!
— A todo pano!
Jack marchou pelo convés, dando ordens a torto e a direito, enquanto Sora o seguia infeliz a
cada passo do caminho.
— Ei... Jack!
O capitão ainda estava dando os comandos necessários para colocar o navio em movimento
e Sora ainda estava tentando chamar sua atenção.
— Com vontade, marujos!
— Jack, escuta!
Com um alto “o quê?!”, Jack finalmente se virou para olhar para Sora.
— Você não pode deixar que ele ponha as mãos nessa caixa. Você sabe mesmo o que é isso
que ele tá procurando?
— Digamos que... há uma eventual possibilidade de que ele queira o baú que contém o
coração de Davy Jones. Mas eu não faço a menor ideia de por que ele cobiçaria essa coisa.
— É uma caixa preta?
— É mais preto do que azul... então sim!
A caixa que a Organização queria era com certeza preta. Sora pensou em tudo isso por um
momento, então conversou com Pateta e Donald:
— Hmm... Acham que é ela?
— Pode ser.
— E vencer a corrida a manteria fora das mãos da Organização XIII — ponderou Pateta.
— Ei, tem razão!
— Sobre o que os três aí estão murmurando?
Jack poderia ficar irreprimivelmente irritado com seu trio de marujos negligentes, mas Sora
começava a sentir que as coisas estavam melhorando.
— Basicamente, temos que vencer essa corrida.
— Precisamente — disse Jack. — Quem não chora, não mama. Talvez você tenha as
qualidades de um pirata, afinal.
— É! — Sora comemorou alegremente em resposta à pequena lição de protocolo de Jack.
Ele saiu correndo e pegou o leme. Conduzir um navio pirata era moleza!
— Vamos em frente! — ordenou Jack, e Sora atendeu ao chamado girando o leme.
O vento soprava forte e o navio deles não poderia estar em melhores condições. O navio de
Luxord vinha correndo logo ao lado, mas não era páreo para o deles, que deslizava habilmente por
entre as ondas.
— Vigias, relatório! — ganiu Jack.
— Estibordo, tudo limpo!
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— O porto também!
Donald e Pateta telefonaram de seus postos em ambos os lados do navio. Eles haviam
deixado o navio de Luxord para trás e não havia sinais de nenhum outro inimigo na água.
— Essa já tá no papo — cacarejou Sora.
Mas sua confiança não durou muito, pois logo em seguida uma névoa se levantou ao redor
deles e um grupo de navios liderados pelo próprio Luxord emergiu bem em sua cola.
— O jogo só acaba quando termina. Fogo! — As bocas dos canhões se iluminaram com
chamas e bolas de canhão começaram a cair em volta do navio de Sora, sacudindo-o violentamente.
— Atenção, marujos! Estão se aproximando! — gritou Jack. — Deem a volta! Preparem-se
para responder ao fogo!
— Aye, aye! — Sora prontamente seguiu suas ordens, virando o navio para que os canhões
enfrentassem a frota inimiga.
— Fogo!
Donald e Pateta dispararam os canhões frente ao comando de Jack e a barragem conseguiu
afundar um dos cinco navios que os estavam atacando.
— Não tem como pegarmos todos de uma vez? — ponderou Pateta.
Um sorriso diabólico surgiu no rosto de Jack:
— Por sorte, este navio é bastante notável. Aguentem firme, rapazes! — disse ele, lançando
um olhar para sua tripulação perplexa, e então puxou uma corda que estava pendurada no mastro
principal. — Içar âncoras!
O navio subitamente saltou em direção o céu.
— Eita!
Sora, Donald e Pateta agarraram-se ao leme, mastro e tudo o que estava à mão enquanto o
navio voava pelo ar e caía entre os navios inimigos. Quando atingiu a água, a enorme onda que se
ergueu atingiu os inimigos em cheio.
— Uau! — exclamou Donald quando os navios hostis afundaram. Só o que restou foi o que
transportava Luxord.
— E agora para o golpe de misericórdia!
Sora e seus amigos rapidamente embarcaram no navio inimigo, mas ele já tinha visto dias
melhores. Vários Heartless apareceram no convés e se prepararam para enfrentá-los.
— Assim que acabarmos com esses caras, vai estar feito!
Os quatro se lançaram para a batalha no convés estreito e finalmente derrotaram o último
dos Heartless. Assim que as criaturas se foram, Luxord emergiu da escuridão, oferecendo uma salva
de palmas por sua vitória.
— Magnífico! Eu saúdo todos vocês, cavalheiros.
— Você tá tramando alguma coisa — disse Sora, ainda pronto para lutar.
— Admita! — acrescentou Donald com um olhar zangado.
— Mas longe disso. Eu sei quando fui superado — Luxord afirmou com naturalidade, como
se a perda não significasse nada para ele.
— Você foi superado antes mesmo de começar, amigo. Mas admiro sua boa disposição para
admitir a derrota. — Jack parecia bastante satisfeito com sua vitória.
Em resposta, Luxord disse:
— Sim... Agora, acredito que te devo o seu prêmio. Mas me esqueci de perguntar o que você
quer. Talvez... possa me esclarecer?
— Aye, essa é fácil. Eu quero o baú que está a bordo do Holandês.
— Não, Jack, não diga a ele! — gritou Pateta, em pânico, o único do grupo a perceber que
Jack acabara de revelar a localização da caixa.
— Mesmo? — Os olhos de Luxord se estreitaram.
Percebendo seu erro, Jack se voltou para Sora.
— Não é bom?
— Ah, Jaaack... — grunhiu Sora, invocando sua Keyblade ao lado dos amigos.
— Bem... eu não disse a ele em qual Holandês. — Relutantemente, Jack sacou sua espada.
— Você o enganou! — disparou Donald.
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Luxord sorriu.
— Na verdade, apenas fui mais esperto.
— Você sabia que ele diria onde ela estava! — Sora protestou enquanto Luxord exalava um
triunfo presunçoso.
— Sempre estive muito mais interessado no jogo a longo prazo. Agora, vamos ver aonde
isso nos leva. Isso é, se conseguirem me acompanhar — ele disse como forma de despedida e então
realizou seu ato de desaparecimento das trevas mais uma vez.
No mesmo instante, um grupo de Heartless voadores apareceu do alto e atacou Sora e os
outros longe, jogando-os longe.
— Agh!
Os quatro caíram no convés de seu próprio navio. Embora eles rapidamente tenham pulado
para ver o que Luxord faria a seguir, ele e seu navio não estavam mais à vista.
— Atrás dele!
Infelizmente, o navio deles estava muito danificado da batalha anterior para ser muito útil,
então eles partiram para Port Royal.
— Não. Não faz sentido. O navio está mais pra lá do que pra cá depois daqueles disparos.
Vai precisar de reparos. Procurem caranguejos. Eles vão ajeitar o navio.
— Caranguejos? Por que caranguejos? — perguntou Sora. completamente confuso.
Enquanto conversavam, o navio conseguiu chegar ao cais.
— Não ligue para os detalhes, amigo. Os caranguejos brancos. Savvy?
— Aye, aye.
Apesar da estranheza do pedido de Jack, Sora, Donald e Pateta desembarcaram em Port
Royal e começaram a caçar caranguejos brancos.
Eles encontraram as presas escondidas ao lado de barris, ao longo das estradas e espalhadas
por quase toda a cidade. Qual era a de todos aqueles caranguejos?

Após juntarem um bom bocado dos pequenos crustáceos brancos, os três amigos voltaram
ao cais e encontraram Jack esperando por eles.
— Pronto, amigos. Pode navegar em qualquer mar. — Jack deu uma longa olhada em Sora.
— Agora, Sora, uma última pergunta: há algum motivo específico para você querer este navio? —
perguntou ele, aparentemente muito interessado em como Sora responderia.
Última? O que ele quer dizer com isso? Sora pensou por um momento.
— Sim, para explorar os mares, livre como o vento.
— Boa resposta! Você é um pirata... Capitão Sora! — exclamou Jack, apontando para seu
jovem amigo.
— Mas, Jack... por que você fica dizendo “última”, como se estivesse partindo?
— Ah... é porque este eu já seguiu seu curso, amigo — disse enquanto caranguejos brancos
começavam a cair de seu corpo.
— “Este” você?”
— Aye, o eu substituto que a deusa do mar enviou aqui para ajudá-los. Claro, qualquer eu
continua sendo eu. Posso ser duplicável, mas sou sempre incomparável. O mar, ele sorri para nós,
Sora, e vamos deixar isso assim, tudo bem? Por ora, o verdadeiro eu tem um compromisso crucial...
na Baía Naufrágio, onde a Irmandade Pirata enfrentará Beckett e seu grupo em uma batalha para
reconquistar nossa liberdade.
— Então nos deixe ajudar.
No entanto, a forma de Jack já estava começando a brilhar e desaparecer.
— Não, cabe aos piratas resolver isso. Mas não você, Sora. Você é livre como o vento agora.
E chegará longe.

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Essas foram as palavras finais de Jack antes que ele desaparecesse em uma última explosão
ofuscante de luz. Tudo o que restou foi uma enorme coleção de caranguejos brancos, que saíram
correndo das tábuas do cais de volta para o mar.
— Então o Jack estava nos mostrando o caminho.
— Mesmo tendo sido enganado — disseram Donald e Pateta, tristes pela partida do amigo.
O Jack pode ter ido embora, mas eu não vou esquecer o que ele disse.
Sora já estava decidido.
— Jack... Ele disse que essa batalha cabia aos piratas. Mas uma luta para piratas...
Ele olhou de Donald para Pateta, esperando que eles terminassem a frase, e eles assentiram
de volta para ele. Unidos com um único propósito, os três amigos ergueram os punhos no ar e
gritaram juntos:
— ...É uma luta pra gente!
— Vem! Vamos achar o verdadeiro Jack!
Não há tempo a perder. Temos que zarpar e ir atrás de Davy Jones!

Enquanto isso, em um banco de areia no Caribe, Davy Jones estava cara a cara com Jack
Sparrow. Ao lado de Jones estavam Beckett e Will, enquanto Jack estava acompanhado por
Elizabeth e Barbossa.
Eles estavam no meio de uma verdadeira parola.
Do pescoço para baixo, Davy Jones parecia um monstro dos mares e até tinha tentáculos de
polvo onde normalmente se teria cabelo e barba. Sua perna direita perdida havia se transformado na
de um caranguejo, e sua pele e roupas estavam cobertas de cracas. Por alguma razão, ele estava em
uma banheira de água do mar.
Will havia tomado o lugar de Jack como refém de Beckett.
— Você fez um trato comigo, Jack. Entregar os piratas — disse Beckett. — E aqui estão
eles. Não seja tímido. Venha. Pegue sua recompensa.
Elizabeth e Barbossa olharam para Jack com uma terrível descrença. Jack começou a pedir
desculpas aos dois, mas foi a vez de Davy Jones fazer suas exigências:
— Sparrow. Seu débito comigo ainda deve ser pago. Cem anos de servidão a bordo do
Holandês. Pra começar.
— O débito foi pago, amigo.
— Você escapou — Jones retrucou com raiva.
Elizabeth interrompeu com uma ideia própria:
— Eu proponho uma troca. Will fica com a gente... e você leva o Jack.
— Feito — respondeu Will.
Mas Jack, é claro, não aceitou nada disso:
— Desfeito.
Mesmo assim, Beckett aprovou o acordo:
— Feito.
Barbossa estava do lado da oposição:
— Jack é um dos Lordes Piratas. Você não tem o direito.
Elizabeth olhou para o pirata mais velho.
— Rei — ela o lembrou suavemente. Ela recebera o título absoluto algum tempo antes.
Jack tirou o chapéu e se curvou para ela, dizendo:
— Como ordenar, dona moça.
— Salafrário!
Enfurecido, Barbossa desembainhou a espada e atacou Jack, que saiu do caminho no último
segundo. A única vítima foi uma das bugigangas amarradas no cabelo de Jack. Na ponta do dread
cortado agora caído na areia havia uma moeda de prata, uma das peças de oito.

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— Calma aí, amigo. Você não gostaria de danificar a vantagem, não é? — Jack deu de
ombros para Barbossa, que recolheu a bugiganga caída na areia e sorriu de volta.
— Agora...
Jack e Will seguiram em frente, trocando de lugar. Davy Jones olhou para seu novo membro
de tripulação com uma expressão satisfeita no rosto, enquanto o próprio Jack parecia extremamente
desconfortável.
— Avise à Irmandade — disse Beckett. — Você pode lutar e, sendo assim, todos morrem.
Ou você pode não lutar e, neste caso, só a maioria morre.
— Vamos lutar. E você morre — Elizabeth respondeu ousadamente antes de partir.

Sora, Donald e Pateta estavam navegando em alta velocidade para encontrar Jack quando o
navio de Luxord emergiu novamente de uma muralha de neblina.
— Luxord!
Seu navio foi completamente consertado após a batalha — não restou um arranhão.
— Ahh, então vocês sabem como ser rápidos. Sim, é preciso mesmo se maravilhar com sua
celeridade. Mas tal comportamento compulsivo acabará por lhes trazer nada além de sofrimento —
Luxord disse baixinho para si mesmo. Com um estalar de dedos, seu navio desapareceu na névoa
mais uma vez.
— Perdi ele de novo. Ele está planejando roubar o baú no meio da batalha — disse Sora com
desgosto. Mesmo sabendo exatamente o que Luxord planejava, eles simplesmente não conseguiam
sair na frente.
— Para a Baía Naufrágio!
— Rápido! — Pateta e Donald também estavam ansiosos para acabar de uma vez com todas
essas rixas marítimas.
Com isso, eles todos seguiram em direção ao conflito final.

Sora seguiu em frente com o navio, segurando firme no leme enquanto avançava.
Eles enfim chegaram à Baía Naufrágio. Todos os navios ancorados ali pareciam pertencer a
piratas, mas o trio conseguiu identificar o Pérola Negra entre eles. Will e Elizabeth estavam pasmos
no convés do Pérola, e Sora também avistou vários caranguejos brancos caindo no mar a bombordo
do navio. Tinha acontecido alguma coisa ali também?
Sora levou seu navio ao lado do Pérola Negra e chamou Elizabeth:
— Pessoal! Vocês tão bem?
— Sora... É um prazer ver vocês! — Will gritou de volta. Sora, Donald e Pateta correram
para o Pérola.
— Estivemos todos muito preocupados com você — disse Elizabeth quando todos enfim se
reuniram. Ela parecia desanimada.
Caranguejos brancos corriam entre ela e Sora. Sério, qual é a desses caranguejos?
— Cadê o Jack? E a Tia Dalma?
— Receio que você tenha perdido algumas coisas enquanto esteve fora — disse Elizabeth.
Will respondeu à pergunta, embora parecesse difícil para ele:
— Jack... Ele... foi levado por Cutler Beckett.
— Sim, e Beckett comanda Davy Jones e o Holandês Voador.
— Barbossa achou que poderíamos derrotá-los se libertássemos Calypso, a deusa do mar,
que era, na verdade, Tia Dalma presa em forma humana. Mas não funcionou.
A explicação deles ainda não explicava muita coisa.
— Aye, uma deusa caprichosa Calypso é — proferiu Barbossa, inclinando-se sobre o batente
do estibordo para observar o mar. Ele tinha ouvido toda a conversa.
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— E agora? — perguntou Pateta.
Barbossa já havia desistido:
— Nada. A última esperança se foi.
Sério, o que tá acontecendo aqui? Essa Calypso estava presa na forma de Tia Dalma, e aí
quando não conseguiram libertá-la, os caranguejos tomaram o navio... ou algo assim...?

“Use essa chave para me libertar, Sora, e você tem minha promessa solene — todo o poder
sobre o mar que um dia desejou será seu.”

O que Tia Dalma havia dito a Sora surgiu em sua mente. O Jack falso e o navio que eles
encontraram por acaso bem quando precisavam... Tia Dalma — Calypso — os estivera ajudando
esse tempo todo. Se ela já tinha feito tanto por eles, talvez pudesse ser convencida a ajudar um
pouco mais.
— Vocês não podem desistir agora. Todos podemos lutar, juntos. O mar pertence a todos!
— Sora declarou ferozmente, tentando animar Will e Elizabeth.
— Fui eu que disse isso. Não copia as minhas expressões! — protestou Donald.
— Hã? Você disse?
— Às vezes entra por um ouvido e sai pelo outro — disse Pateta.
— Espera... sério?
— Sim!
Elizabeth não pôde deixar de sorrir para os três. De repente, o estrondo baixo de um trovão
preencheu o ar, acompanhado por nuvens sinistras que rodopiavam sobre eles. O poderoso vento do
oceano chicoteava seu cabelo em volta do rosto.
— Não acabou. Ainda há esperança para nós — disse ela, a voz suave.
Ela então levantou a cabeça e entrou em ação:
— Vocês, me escutem. Escutem! — Não havia mais nenhum traço de desespero em sua voz
quando ela subiu no batente e agarrou a corda, examinando a tripulação. — A Irmandade ainda
aguarda o nosso sinal, o Pérola na liderança. E vão ver homens livres e liberdade! O que o inimigo
vai ver é o brilho de nossos canhões, eles vão ouvir o tinir de nossas espadas... e verão a coragem de
nossos corações quando tivermos sucesso e eles falharem. Cavalheiros... icem as bandeiras!
— Icem as bandeiras!
— Icem as bandeiras!
Will se juntou ao clamor de Elizabeth, seguido por Sora. Logo, Donald, Pateta e todos os
homens a bordo do Pérola se juntaram ao vozerio desafiador.
Uma tempestade estava se formando e a chuva estava começando a cair em torresmos.
Do outro lado da água, o navio de Davy Jones — o Holandês Voador — chegou com uma
frota logo atrás.
O mar começou a girar com um poderoso redemoinho que lançou o Holandês e o Pérola
com tudo um contra o outro. Uma feroz batalha de canhão começou.
Sora, Donald e Pateta correram para se juntarem ao Pérola, mas assim que chegaram à beira
do navio — Luxord apareceu no convés.
— Eu sabia que era você!
Em meio à forte chuva que martelava o navio, Luxord só tinha olhos para o Holandês — não
estava interessado em Sora.
— Então aquele é o Holandês Voador — murmurou.
— O baú que o Jack te disse tem o coração de Davy Jones nele. Não tem como ser o baú que
vocês tão procurando! — disse Sora, mas Luxord não seria dissuadido.
— Ninguém sabe o que há no baú que estamos procurando. Se for uma caixa preta, então
devemos coletá-la, simples assim.
Espera, ninguém sabe...?
— Vocês não sabem o que tem nela? Então por que precisam dela? Como vão saber que
encontraram?

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— Me pegou. Lamentavelmente, o alto escalão não se dignou a nos contar. Mas disseram
que a caixa contém “esperança”.
A Organização XIII está procurando esperança...?
Grandes gotas de chuva continuaram a cair no convés. Enquanto isso, a troca de tiros de
canhão só ficou mais intensa.
Luxord finalmente se virou para Sora.
— Isso é tudo que vai conseguir de mim — disse. — Hmm, está caótico demais para
encontrar a caixa assim. Talvez eu remova aquele navio de cena.
Com um estalar de dedos de Luxord, grandes tentáculos semelhantes a lulas emergiram do
mar ao redor do Pérola, agarrando o navio e erguendo-o enquanto o Holandês Voador continuava
seu ataque à curta distância.
— Agora, isso deve me dar tempo para procurar — disse o membro da Organização antes de
desaparecer em uma explosão de escuridão.
— Ei!
— O Will e os outros precisam de nós!
— Sim, eu sei! — disse Sora, voltando a si. Temos que fazer alguma coisa sobre aquele
monstro! E o Holandês!
Ele decidiu começar com o navio de Davy Jones.
— Fogo! — exclamou.

Enquanto isso, o convés do Holandês Voador balançava violentamente graças ao aguaceiro


implacável, à barragem dos canhões de Sora e às águas agitadas do mar. Jack fazia o possível para
caminhar silenciosamente pelo convés, lançando olhares furtivos ao seu redor enquanto avançava.
Ele carregava consigo o Baú da Morte.
— Então você conseguiu o que queria. Talvez seja você o melhor jogador entre nós. No
entanto, devo exigir que me entregue isso. — Luxord estava bloqueando o caminho de Jack.
— Perdão? Você deve estar enganado, amigo. Não vou te dar nada.
— Então eu invoco o direito da paro...
— Opa, não! Nada de parola — retrucou Jack, correndo e inclinando-se ameaçadoramente
perto dele. — Olhe em volta. Estamos um pouco ocupados. Além disso, eu já tenho tudo o que
quero, amigo.
Jack abriu a boca e soprou direto no rosto de Luxord. Luxord se encolheu e cambaleou para
trás por causa do fedor — e então acabou perdendo o equilíbrio, caindo do Holandês Voador de
cabeça no mar.
Assim que teve certeza de que Luxord havia sumido, Jack levou a mão à boca e soprou para
verificar o cheiro. Ele imediatamente afastou a cabeça e engasgou.
— É. Ainda funciona — ele se gabou, retomando então seu progresso pelo convés... apenas
para encontrar o próprio Davy Jones.
— Jack Sparrow... — disse ele. — Está perdido? Prisioneiros não devem ficar no convés. O
seu lugar é na cela!
Jack não era páreo para Jones sozinho, então ele deu meia-volta e saiu correndo.
— Chegamos! — Foi nesse momento que Sora fez sua entrada, com a Keyblade em mãos e
Donald e Pateta a seu lado, é claro.
Depois de parar os tentáculos com seus canhões, Sora e seus amigos avistaram Jack e então
abordaram o Holandês.
Jack se virou com um sorriso atrevido.
— O jogo virou, amigo. — Ele se pôs ao lado de Sora e sacou sua espada.
— Dificilmente. Só mais alguns vermes para se juntarem à minha tripulação! — Jones tirou
seu próprio lâmina da bainha.

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Sora disparou em frente e saltou do assoalho de madeira encharcado do convés para desferir
um ataque aéreo. Mas pouco antes que o golpe pudesse acertar, Davy Jones o derrubou de lado com
um chute giratório. Jack aproveitou a abertura para avançar com sua espada e parte da barba de
tentáculos de Jones caiu no chão.
— Urgh! — Jones saltou para longe dos inimigos.
Mas então — os tentáculos colossais os atacaram do mar. Eles aparentemente não seriam
derrotados tão facilmente.
Donald mudou para a defesa, enfrentando os tentáculos com magia. Vários dos apêndices se
encolheram e recuaram para a água, mas os que permaneceram lançaram um contra-ataque sinuoso
em Donald. Pateta interveio para protegê-lo com seu escudo. Sora tentou correr para ajudar, mas
Davy Jones o interceptou com um golpe de sua espada.
— Eu sou o único com quem você deveria se preocupar, garoto.
As investidas de Jones eram como uma dança, forçando Sora e Jack a lutar em turnos, tanto
na ofensiva quanto na defensiva. Finalmente, Jack tirou uma pequena bomba do bolso e a jogou em
Jones. O ataque foi bem-sucedido, deixando o pirata monstruoso atordoado, e Jack conseguiu
desferir um poderoso golpe de sua espada.
Enquanto isso, o Holandês Voador e o Pérola Negra estavam se aproximando do centro do
redemoinho.
— Quer se render?
Jones mal estava conseguindo ficar de pé, mas ainda assim atacou com uma investida final e
desafiadora. Jack se defendeu habilmente de cada ataque.
— O baú. Entregue!
— Jack! — gritou Sora, correndo para ajudar.
— Fique fora disso, garoto! — rugiu Jones. Tentáculos se ergueram do mar para bloquear
qualquer interferência.
Davy Jones saltou para o alto do mastro e Jack o seguiu. O ar se encheu de faíscas conforme
suas espadas se chocaram repetidas vezes.
Eles estavam praticamente no meio do vórtice agora e o Pérola Negra se posicionou ao lado
da batalha travada a bordo do Holandês Voador. Os dois navios estremeceram ao se chocarem, e o
Baú da Morte caiu das mãos de Jack no convés.
Will rapidamente se balançou em uma corda e agarrou a caixa, mas um tentáculo veio
rodopiando em sua direção e a derrubou de suas mãos. Davy Jones desceu do mastro, ansioso para
recuperar a caixa preciosa. Jack correu para detê-lo.
Uma terceira batalha de espadas começou entre os dois piratas, mas dessa vez, a obsessão de
Jones lhe deu força renovada, e Jack logo foi jogado no chão. Agora Jones finalmente reivindicaria
seu prêmio — se Elizabeth não estivesse no meio do caminho.
— Megera! Não verá misericórdia em mim.
— Eu sabia e trouxe isto! — gritou ela, sacando sua própria lâmina. Mas, apesar de suas
habilidades, ela não era páreo para ele e logo foi jogada no chão do convés.
Davy Jones deu um passo em direção a ela, mas foi interrompido pela espada de Will, que o
atingiu por trás. Jones deu um grito de angústia e parecia que finalmente cairia — até que falou um
momento depois como se nada tivesse acontecido:
— Rapaz tolo. Já se esqueceu? Sou um patife sem coração!
Ele se virou e chutou Will através do navio.
Will caiu com tudo no convés, mas rapidamente conseguiu se sentar.
— Ah... o amor. Um lamentável vínculo — disse Jones, aproximando-se de Will. — E
também, facilmente extirpável.
— Isso não é verdade! — Agora, Davy Jones foi confrontado por Sora, Donald e Pateta, que
finalmente conseguiram se livrar dos tentáculos obstinados que os estavam atacando.
Will e Elizabeth se amavam e haviam prometido se casar.
Sora tinha mais a dizer:
— Ainda posso ter muito a aprender sobre o amor, mas sei o que significa compartilhar o
meu coração com os outros. E será preciso mais do que você para quebrar um vínculo como esse.
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Jones apenas ironizou.
— O que um fedelho como você sabe sobre o coração?
— O fedelho viu muito mais do mundo do que você imagina — interrompeu Jack, fazendo
menção a seu jovem amigo. Donald, Pateta, Will e Elizabeth concordaram.
— Ha! E eu com isso? Diga-me, William Turner: você teme a morte? — Jones voltou sua
espada para Will.
— E você?
Davy Jones se virou diante da pergunta para encontrar Jack segurando o Baú da Morte. A
tampa estava aberta e ele tinha uma adaga pressionada contra o conteúdo.
— Que decepção — comentou o homem que observava a cena do alto do mastro. — Então
era disso que estavam falando quando disseram “coração”. Estivemos perseguindo a caixa errada
esse tempo todo. — Curiosamente, o observador não era Luxord, mas Vexen.
Agora que tinha visto o que o baú continha, ele desapareceu em um manto de trevas.
— É inebriante segurar a vida e a morte na palma de sua mão — ponderou Jack, sua lâmina
a um golpe de acabar com uma vida.
— Você é um homem cruel, Jack Sparrow.
— É tudo uma questão de perspectiva.
— Será? — disparou Davy Jones, furioso, e então se virou e mergulhou sua espada com
tudo no peito de Will.
Com um grito angustiado, Sora pulou nas costas de Jones, e Donald e Pateta não ficaram
muito atrás. Ele bateu no pirata monstruoso com os punhos, esquecendo-se de invocar sua Keyblade
em meio à raiva, enquanto Donald e Pateta se agarravam a Jones para prendê-lo.
— Will? Will? Olha pra mim. Olha pra mim! — Elizabeth correu até Will, segurando seu
rosto entre as mãos enquanto suplicava freneticamente, mas a vida já lhe desaparecera dos olhos.
Davy Jones conseguiu se livrar de seus três atacantes.
— Não vai evitar meu julgamento! — Ele avançou para acabar com Sora, Donald e Pateta
com sua espada.
E então — congelou.
Apenas sua cabeça podia se mover e seus olhos lentamente se fixaram na causa. O tesouro
do Baú da Morte — o próprio coração de Jones — fora perfurado pela adaga.
Quem o esfaqueou foi Will. Ajoelhado ao lado dele estava Jack, que havia colocado a adaga
na mão de Will e guiado seu braço.
E assim terminou a história do infame Davy Jones.
Até Elizabeth, ainda segurando o rosto de seu amado desfalecido nas mãos, virou-se para
testemunhar os momentos finais do lendário patife. Davy Jones caiu no mar com um último uivo de
agonia e, com isso, finalmente acabou — ou pelo menos a ameaça que ele posava.
Enquanto eles travavam a batalha, o Holandês Voador e o Pérola Negra chegaram ao limite
do centro do redemoinho. A tempestade estava cada vez mais forte.
— Ela vai nos afundar! Rapidez ou é Baú pra todo mundo! — Barbossa gritou do leme do
Pérola quando ele se aproximou do Holandês. Apenas o Pérola estava tentando escapar das garras
do redemoinho.
Mas Elizabeth estava imóvel ao lado de Will. Ela precisava fugir com o resto deles, mas só o
que Sora podia fazer era assistir enquanto ela sofria, chorando enquanto segurava o corpo de Will.
— Jack, não podemos salvá-lo? — perguntou ele.
Jack foi andando até Elizabeth e a confrontou com a verdade cruel:
— Parte do navio e tripulação. O Holandês precisa de um capitão. Elizabeth, diga adeus.
Ao perfurar o coração de Davy Jones, Will se tornou o novo capitão do Holandês Voador.
Seu destino havia sido selado, e seu destino agora era eternamente ali.
— Não! Eu não vou deixar você!
Com Elizabeth incapaz de aceitar a realidade, Jack não teve escolha a não ser arrancá-la de
seu amado caído à força e levá-la para a segurança. Sora, Donald e Pateta saltaram do Holandês,
deixando Will para trás.
Então, o Holandês Voador e seu novo capitão foram engolidos pelo redemoinho.
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Por fim, a chuva parou e o mar voltou a ficar calmo. Mas Elizabeth ainda não conseguia
ficar de pé sozinha.
— Que felicidade, Jack! — exclamou Gibbs quando Jack veio correndo. — A armada ainda
está ali. O Destemido se aproxima a estibordo e acho que é hora de usarmos a mais velha e nobre
tradição pirata.
O Destemido estava sob o comando de Beckett e ele havia reunido uma armada que estava
posicionada para destruir o Pérola Negra.
— Nunca respeitei tradições. — Jack brincou de volta. Ele se virou para Barbossa no leme e
para o resto da tripulação com um comando singular e forte. — Ao ataque!
O Pérola Negra virou a proa em direção ao Destemido, que também virou para combatê-lo
de frente. Ele navegou a toda velocidade contra o Pérola, um esquadrão esmagador de navios de
guerra logo atrás.
— Não é nada pessoal, Jack. É só um bom negócio — Beckett disse maliciosamente com
uma risada... até que seu sorriso congelou em seu rosto.
O Holandês Voador de repente emergiu das profundezas ao lado do Pérola Negra, tão feroz
e indomável quanto de costume. Em seu leme estava Will, que havia assumido o manto de seu
lendário capitão.
— Preparem os canhões! — exclamou.
A luz voltou aos olhos de Elizabeth.
— A todo pano! — gritou Jack e Barbossa rapidamente transmitiu a ordem ao resto da
tripulação:
— É! A todo pano!
Will e Barbossa giraram as lemes de seus respectivos navios e o vento carregou o Pérola
Negra e o Holandês Voador até o Destemido em questão de segundos.
— Fogo! — gritou Jack, seguido por Gibbs, Will, Barbossa e Elizabeth, alto o suficiente
para deixar suas vozes roucas.
Uma tempestade de bolas de canhão atingiu o Destemido de ambos os lados ao mesmo
tempo, despedaçando o navio e enviando-o para o fundo do mar.
A derrota do Destemido foi tão devastadora que o resto da armada rapidamente deu meia-
volta e fugiu.

Todos os outros estavam jogando seus chapéus para o alto e comemorando a vitória, mas
Elizabeth ficou de lado, os olhos grudados no Holandês Voador.
Sora ficou preocupado quando a notou.
— O Holandês Voador precisa de um capitão. Acabaram de casar e, agora, ela e o Capitão
Turner devem viver em mundos diferentes — Gibbs explicou a Sora.
O Holandês era um navio fantasma e Will morreu uma vez e voltou, desta vez para viver
para sempre. Sora olhou para o Holandês Voador.
Will olhou para Elizabeth do convés de seu navio.
— Um dia em terra, dez anos no mar. É um preço alto — continuou Gibbs. Will poderia
voltar à terra para encontrar Elizabeth, mas apenas uma vez a cada dez anos.
— Will... — Sora não pôde deixar de dizer o nome do amigo cujo destino fora tão trágico.
Gibbs foi até Elizabeth e disse:
— Sua carruagem a aguarda, alteza. — Ele indicou um bote içado no ar. Elizabeth começou
a seguir em sua direção.
— Sra. Turner — Barbossa se dirigiu a Elizabeth.

192 | K i n g d o m H e a r t s I I I : A R o m a n t i z a ç ã o
O resto da tripulação fez fila para se despedir dela. Donald e Pateta também tinham palavras
de despedida para acrescentar:
— Elizabeth...
— Se cuida.
Depois de parar diante de cada um de seus amigos por um momento, Elizabeth foi andando
até Jack e sorriu.
— Jack... Obrigada.
E com isso... Elizabeth embarcou em sua carruagem.
— Um dia não é tempo o suficiente — disse Sora, entristecido.
— Ah, sempre há tempo o suficiente para que os corações digam o que é verdadeiro — Jack
o lembrou. — Sora, você sabe disso melhor do que ninguém. Basta um instante para se conectar aos
seus amigos. Aos seus companheiros.
Sora se juntou a Jack para dar uma olhada em volta. Estavam cercados por companheiros e o
tempo não importava quando se tratava de fazer amigos. O que realmente importava era o quanto
eles se importavam, os sentimentos que compartilhavam. Foi isso o que Sora percebeu agora.
— Sempre há tempo o suficiente.
Jack sorriu.
É isso mesmo, o tempo não importa — e se esse é o caso, tenho certeza que a nossa conexão
ainda é forte.
Sora olhou para o céu, entregando seu coração a seus amigos.
— E eu vou encontrá-los.
As águas do mar eram incrivelmente belas. Sora, Pateta e Donald avistaram o navio que os
ajudou nessa aventura balançando nas ondas a uma curta distância de onde o Pérola e o Holandês
se amontoavam.
Após um tempo — talvez tendo cumprido o seu papel — o navio se transformou novamente
em milhares de caranguejos brancos que desapareceram no mar.

***

Interlúdio: C R EP ÚSCU LO

Kairi se observava no espelho.


Em sua cama estava uma mala de Yen Sid, entregue a ela por Merlin. A mala estava aberta e
vazia, e ao lado dela estava o vestido que ela sempre usava.
Kairi deu uma pequena volta na frente do espelho. Seu novo traje era da mesma cor do
vestido antigo, mas este tinha um cinto e um capuz. No lado esquerdo da saia havia uma seção de
babados com estampa quadriculada, enquanto no lado direito havia pregas pretas. Havia também
dois bolsos grandes.
Ela examinou a roupa nova e então deu outra olhada no espelho, segurando uma mecha dos
cabelos. O Riku cortou o cabelo recentemente, não foi?
Seu próprio cabelo tinha crescido um pouco durante o tempo que passara ali treinando com
Axel. Como será que o Sora preferiria? Curto ou longo?
Kairi pegou uma tesoura de uma mesa no canto da sala e a estudou, abrindo e fechando as
lâminas, como se para testar. Então voltou para o espelho e segurou as pontas do cabelo.
Hmm, talvez na altura dos ombros. Só vamos esperar que eu consiga cortar direito!

Eu ganhei roupas novas do Mestre Yen Sid. Acho que você também.
Sei que disse antes que o tempo não importa de verdade aqui, mas isso não impede que o
meu cabelo cresça. Ou que o meu estômago comece a roncar!
193 | K i n g d o m H e a r t s I I I : A R o m a n t i z a ç ã o
O Lea (Axel) está indo bem, e eu também. Nós estamos bem próximos agora, na verdade,
embora eu ainda o pegue olhando para o meu rosto de vez em quando. Do que será que ele está se
lembrando quando olha para mim...?
Enfim, estou pensando em cortar o cabelo. Acho que é uma boa forma de começar a nova
jornada que nos espera. Ou quem sabe, talvez ela já tenha até começado.
Onde vocês estão agora? O que estão fazendo?
Vocês me salvaram antes, então espero poder sair daqui e salvar vocês.
Me pergunto se vou poder ser amiga de todos os seus amigos — os que você já conheceu e
os que ainda não conheceu. As pessoas que precisam da sua ajuda.
Estou indo bem aqui. Por favor, fique seguro até nos vermos novamente.

Axel sempre assistia ao pôr do sol atrás das montanhas assim que o treinamento do dia
terminava, e hoje não foi diferente.
Kairi o chamou por trás:
— Oi, Axel!
Ele se virou para olhar, apertando um pouco os olhos.
— Olha só, curti o visual. Até cortou o cabelo — disse ele, um tanto distante.
Era a primeira vez que ele via o novo corte de cabelo de Kairi, mas não comentou muito a
respeito. Ela também não achava que Sora ou Riku diriam o que achavam.
— Aham. E aí, vai provar a sua? — perguntou Kairi.
Axel pareceu perdido por um momento, mas então sacudiu a cabeça.
— Hã... sei lá. Talvez depois.
— Mas você sempre veste a mesma coisa.
— Se não tá quebrado, pra que consertar? É assim que você me encontra na multidão. Eu
procuro ser sempre fácil de lembrar.
Ele parecia ter uma certa pessoa em mente — mas quem? Pensar nisso causou uma pontada
no peito de Kairi.
— Que atencioso — disse ela.
Axel riu do comentário, um pouco envergonhado.
— Nah, que nada...
Kairi se sentou ao lado dele e observou enquanto o sol afundava no horizonte.
— Nosso treinamento está quase acabando.
— É... — Axel piscou e se virou de volta para o pôr do sol.
— A Naminé está em algum lugar dentro de mim. Se podemos libertar o Roxas, também
podemos libertá-la.
— Acho que sim.
— A Naminé foi feita quando o Sora me libertou do coração dele. Então, agora que ela
voltou a ser parte de mim, eu achei que estivesse tudo bem. Mas ela não pode ver essa floresta,
sentir o vento em seu rosto, nada disso. E se pudesse, seria diferente para ela.
O cabelo na altura dos ombros de Kairi balançava suavemente com a brisa enquanto Axel a
ouvia em silêncio.
— O tempo dela foi curto, mas ela o vivenciou e isso o torna dela. Que direito eu tinha de
tomar esses sentimentos e experiências dela? Eles não são meus. Nada está como deveria. Nem para
ela, nem para o Roxas.
— Eu sei. — Axel concordou com a cabeça. O sol estava quase completamente posto.
Mas Kairi agora entendia. Ela sabia que o céu brilhava num fraco tom de vermelho por um
tempo, mesmo depois do sol ter se posto, criando um momento entre a luz e a escuridão — quando
o céu ficava mais bonito.
Axel gradualmente começou a falar:

194 | K i n g d o m H e a r t s I I I : A R o m a n t i z a ç ã o
— Quando eu era moleque, conheci um garoto que era bem esquisito. Sei lá como, a gente
virou amigo rapidão. Nunca vi ele de novo. Na real, quase esqueci dele. Aí eu conheci o Roxas.
Nem consegui acreditar. Os dois eram idênticos. Ah, eu não contei pro Roxas. Não queria que ele
também sumisse.
Esse devia ser um segredo que Axel guardava com carinho. Afinal, ele não tinha contado
nem para o Roxas.
— O nome do garoto era Ventus. É um dos portadores da Keyblade perdidos que estamos
procurando. Acha que ele ainda me tem memorizado?
Ah, entendi. O Axel conheceu o Ventus há muito tempo. Eles estavam conectados há todo
esse tempo — todos nós estávamos.
Kairi colocou um dedo na cabeça e sorriu:
— Com certeza. Bem memorizado.
— Agora que estamos pra voltar, eu tô preocupado com tudo.
Axel deu um suspiro que não era bem um suspiro. Seus olhos pareciam úmidos — talvez ele
estivesse olhando para a luz há tempo demais.
— Bom, não precisa mais se preocupar sozinho, Axel — Kairi o tranquilizou.
Axel não tinha nada a dizer em resposta e simplesmente assistiu enquanto o sol afundava até
o final do caminho.

Enquanto isso, em Twilight Town, um portal escuro se abriu perto da mansão antiga na
floresta fora da cidade. A primeira pessoa a sair foi um imponente homem barbado de meia-idade, e
o outro um homem mais jovem com longos cabelos acinzentados — Ansem, o Sábio, e Ansem, o
Inquiridor das Trevas. Ambos usavam casacos negros.
— Já tava na hora! — exclamou Pence, e Hayner rapidamente colocou a mão em cima da
boca do amigo.
— Eeeei, cala a boca!
Os dois homens passaram pelos portões da mansão.
Ansem, o Sábio, olhou para o segundo andar, para a janela do que antes era o quarto de
Naminé. Ela passava todo o seu tempo desenhando lá.
— E agora? — pressionou o homem mais jovem.
— Por favor. Eu já fiz vítimas o bastante — respondeu o Ansem mais velho.
— Sim, você fez. Todas as crianças sacrificadas em nome da sua pesquisa... Então conserte
as coisas.
Ansem, o Sábio, lamentava profundamente seu passado vergonhoso, mas, no fim das contas,
era irreversível. Ele balançou a cabeça em silêncio.
— Já disse que eu não a levei — comentou. — Foi o desaparecimento dela o que me levou a
interromper a pesquisa.
Mas o falso Ansem não simpatizava com a dor de seu antigo mentor.
— E isso o torna honrado? Você usou Roxas e Naminé e se livrou deles. Duvido que haja
sequer um pingo de misericórdia em você. Você levou a garota e a escondeu. Agora, mostre-me os
dados que está escondendo aqui.
— Roxas e Naminé... se há um motivo para que eu siga respirando, é para me redimir pelo
que fiz a eles.
Pence, Hayner e Olette estavam ouvindo a conversa de seu esconderijo atrás dos portões.
— Ele disse “Roxas” — Pence sussurrou para os amigos.
— Sim — respondeu Hayner, assentindo.
— Esse homem precisa de nós — disse Olette e, com isso, os três amigos entraram em ação.
Nesse meio-tempo, a conversa continuava:
— Se você de fato encontrar a garota, o que espera que vá acontecer? — Ansem, o Sábio,
perguntou ao Heartless que havia adotado seu nome.

195 | K i n g d o m H e a r t s I I I : A R o m a n t i z a ç ã o
— A memória da criança guarda um mistério a desvendar: um concernente à batalha que
buscamos entre a luz e as trevas. Você sabe de alguma coisa e foi por isso... que interrompeu os
experimentos.
Ansem, o Sábio, balançou a cabeça diante da acusação.
— Você está completamente equivocado, Xehanort.
— É o que logo veremos. — Xehanort-Ansem agarrou Ansem, o Sábio, pelo ombro e
começou a forçá-lo em direção à mansão.
— Iuhu! Com liceeença! — Pence saiu do esconderijo aos pulos e gritou.
— Quem é você? — perguntou Xehanort-Ansem, virando-se com raiva.
Tentando ganhar tempo, Pence disse:
— Ah, bom, eu tô procurando um amigo que morava por aqui.
— Ninguém mora aqui. Vá embora — disparou o Heartless.
— Mas senhor...
— Não, não, não! Nem mais um passo. Saia!
Quando Xehanort-Ansem deu alguns passos em direção a Pence, Olette aproveitou a brecha
para correr até Ansem, o Sábio, e pegar sua mão.
— Por aqui! — Ela saiu correndo em volta da mansão com ele a reboque.
Xehanort-Ansem se virou ao perceber que fora enganado.
Agora foi a vez de Hayner entrar em cena — com uma voadora.
— Ô, otário! — Mas pouco antes de acertar o ataque, uma estranha figura obscura surgiu
das costas do Ansem malvado e pegou o menino pelo pé. — ...ou não!
— Hayner! — Pence chamou o amigo, que agora balançava impotente no ar.
A criatura arremessou Hayner em direção ao muro que cercava a área, mas no último
momento, ele foi salvo por...
— As coisas ondulantes?
Precisamente falando, eram Penumbras, Nobodies de baixo escalão. Elas abaixaram Hayner
no chão e então se posicionaram em volta de Xehanort-Ansem e seu guardião.
— Elas... me protegeram.
— Hayner! Anda logo!
— Ah... certo.
Pence e Hayner saíram correndo e fugiram pelos portões.
— Eu sirvo à Organização. Isso é traição — Xehanort-Ansem disse suavemente, sua boca se
torcendo para formar um sorriso. — Entendo o que está acontecendo. Como queiram, então.
E com isso, os Nobodies se jogaram contra o Inquiridor das Trevas e seu guardião.

O plano das crianças para ganhar tempo funcionou perfeitamente.


Olette foi correndo com Ansem, o Sábio, até uma passagem subterrânea. Hayner e Pence se
juntaram a eles logo depois.
— Vocês estão bem? — perguntou Olette, preocupada.
Recuperando o fôlego, os dois meninos lhe abriram sorrisos aliviados:
— É, acho que sim.
— Ninguém conhece os cantos e recantos de Twilight Town melhor que a gente.
— Vocês são os amigos de Roxas — disse Ansem, o Sábio, surpreso.
— Isso aí — respondeu Hayner. — Você também conhece ele?
— Ah, sim. E muito bem — afirmou Ansem.
— Que sorte! Acho que valeu a pena ficar de olho na mansão antiga, afinal. Porque esse
cara aqui é o que eu chamo de pista. — Pence tirou uma foto de Roxas e os três do bolso.
— Essa é a única prova que temos de que o Roxas era nosso amigo. — Olette abriu um
sorriso enquanto olhava para a foto.
— Conta sobre ele. Queremos conhecê-lo melhor — disse Hayner, ansioso.

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Foi quando alguém se aproximou por trás deles.
— Meu caro mestre. O senhor está seguro.
— Quem tá aí?
Todos os quatro se viraram para encarar ainda outro homem de casaco negro — um homem
que certa vez usara o nome de Vexen como membro da Organização XIII.
— Even, é você? Então... aqueles Nobodies foram obra sua.
Hayner e seus amigos se juntaram com medo quando os Nobodies em questão apareceram
atrás de Even. No entanto, eles não mostraram sinais de agressão.
Even fez uma reverência.
— Estive esperando por isso. Desisti de uma vida normal para me infiltrar na Organização.
E quando soube que Xehanort havia saído à sua busca, vi que também era a minha chance de
encontrá-lo. — O acadêmico endireitou-se novamente e olhou seu mentor nos olhos. — Pois veja,
eu também desejo me redimir.
Intrigado com este pedido, Ansem esperou para ouvir mais.

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SORA CORRIA POR UMA ENORME PONTE SUSPENSA VERMELHA.
— Uau! — Ele gritou de alegria e parou.
Cada lado da ponte bastante larga era sustentado por uma fileira de grossos cabos suspensos,
amarrados em torres em forma de quatro portões torii carmesins empilhados uns sobre os outros. A
visão era surpreendente, especialmente em comparação com as simples passarelas de madeira das
Ilhas do Destino. O sol estava se pondo sobre uma cidade cheia de arranha-céus mais ao longe.
Estranhamente, havia muitos carros vazios ao longo da ponte...
— Legal!
— Vem, vamos lá! — ralhou Donald, mas as reclamações não fizeram nada para acalmar o
entusiasmo de Sora.
— Ah, mas eu quero dar uma olhada na cidade grande!
— É, ela parece bem empolgante — acrescentou Pateta, caminhando ao lado de Donald. A
cabeça de Sora estava girando de um lado para o outro, tentando desesperadamente absorver tudo.
— Me sinto tão metropolitano! Hã, cosmopolitano?
— Nada-politano! — Donald girou para trás e disparou diante da tagarelice de Sora, o que
arrancou um sorriso de Pateta.
Sora sacou seu Gummifone e começou a tocar na tela.
— Que foi agora? — Donald perguntou a ele, irritadiço.
— Tenho que contar pro Riku como esse lugar é incrível.
— Mas nós acabamos de chegar. Ainda nem fizemos nada.
— Incrível? Vou te mostrar algo incrível! — Mas antes que Donald pudesse reclamar mais,
a ponte tremeu em meio a um barulho ensurdecedor. Quando os três se viraram instintivamente para
ver o que havia causado isso, viram fumaça e chamas subindo no ar.
E voando ao redor de tudo isso estavam...
— Os Heartless!
— Vamos!
Os três heróis prepararam suas armas e entraram em ação. Foi quando algo passou com tudo
por eles, vindo da direção das chamas — uma pessoa usando uma espécie de capacete e traje de
proteção. Enquanto derrapava pelo asfalto, o que parecia um... robô? grande, vermelho e um pouco
gordinho pousou ao lado deles.
— Go Go! Você tá bem? — Um garoto que vestia um traje azul e preto saltou da parte de
trás do robô vermelho.
— O quê...?! — exclamou Sora, surpreso.
— Go Go. — O garoto a examinou por um momento, preocupado, e então se voltou para o
robô. — Baymax!
— O traje da Go Go a protegeu de maiores ferimentos, mas o golpe que recebeu na cabeça
causou uma concussão leve. Devemos ter cuidado e não movê-la até que possamos estabilizar
totalmente sua cabeça.
— Beleza.
O garoto se levantou e, quando Sora veio correndo com seus amigos, pôde notar o olhar de
alívio atrás do visor de seu capacete.
— Que maneiro! É um robô! — exclamou Sora com um sorriso, olhando para ele.
— Olá. Eu sou Baymax, seu agente pessoal de saúde — respondeu ele.
— Maneiríssimo! — Sora não conseguiu se conter enquanto examinava o grande robô.
Pateta tentou trazer o amigo de volta à realidade:
— Hã, Sora. Lembra do nosso outro problema?
— Os Heartless! — acrescentou Donald.
— Ops! É verdade!
Finalmente voltando a si, Sora se afastou de Baymax e correu em direção aos Heartless.
— Ei! Quem são vocês? — O garoto gritou atrás deles.
Os três pararam e se apresentaram.
— Eu sou o Sora.
— Donald.
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— E eu sou o Pateta.
O garoto sorriu e então lhes deu seu próprio nome:
— Meu nome é Hiro. Vocês... podem nos ajudar a enfrentar essas coisas?
— Claro! — O trio respondeu em uníssono.
Hero então acrescentou:
— Nós somos a Operação Big Hero.
Após trocarem uma última olhada, Sora e Hiro se lançaram contra os Heartless. Baymax se
juntou a eles e, juntos, os cinco enfrentaram os Heartless em meio aos carros ao longo da ponte.
Algumas das criaturas partiam para cima deles do ar, enquanto outras disparavam projéteis do chão.
Os heróis seguiram em frente, eliminando Heartless e se escondendo atrás de carros para
evitar ataques enquanto avançavam, até que toda a sua cobertura foi subitamente varrida por um
enorme e Heartless robótico — o Troll de Metal.
— Vem, Baymax! — exclamou Sora, e então o robô rotundo o deixou subir em suas costas,
assim como Hiro estava fazendo antes.
Baymax se lançou no ar com a ajuda dos propulsores a jato em seus pés e os dois partiram
para a ofensiva. O Troll de Metal balançou seu machado gigante ameaçadoramente, mas um soco
sólido de Baymax logo o deteve.
— Conseguimos! — Sora desceu das costas do robô e bateu com a mão na de Hiro.

Após a batalha, Hiro levou Sora, Donald e Pateta a uma garagem mal iluminada, onde as
notícias sobre seu confronto contra os Heartless mais cedo estavam sendo exibidas em uma grande
tela de computador. Segundo a reportagem, Hiro e seus amigos haviam perdido a luta.
— Nada legal — disse Go Go, a primeira pessoa que Sora tinha encontrado na ponte, lendo
o artigo ao lado de Hiro.
— As pessoas gostam de espetáculos, não da verdade — lamentou uma garota de traje rosa.
— É, quem precisa de jornalismo de qualidade quando dá só pra inventar as coisas? — A
reclamação partiu de um jovem que estava vestido de forma semelhante, mas de verde.
— Eu não entendo. Quer dizer, eles não viram como a gente foi demais?! Claro, aquelas
coisas até que mandaram bem, mas a gente tinha bolas químicas, braços com laser e um cuspidor de
fogo! — disse um monstro azul com uma voz jovial.
Baymax havia retirado sua armadura vermelha e a colocara no canto, revelando que era na
verdade completamente branco.
— Bem, não adiantou de nada. Eles nos venceram — disse a garota de rosa.
— De onde eles vieram? — Go Go disse com desconfiança, os braços cruzados.
O sujeito de verde olhou para Sora e seus amigos.
— Por que não perguntamos aos caras que realmente os derrotaram? — ele sugeriu, e a
garota de rosa concordou.
— Hiro, você não nos apresentou.
Hiro se levantou.
— Ah, certo. Bem, hã, essa é... a turma!
A garota de traje amarelo que havia caído na ponte quando eles chegaram àquele mundo era
Go Go. Eles chamavam o jovem de armadura verde de Wasabi e a garota de rosa de Honey Lemon.
Com isso, faltava apenas o monstro, que veio andando até Sora.
— Eu sou o Fred. Fica suave. Não é o meu corpo de verdade. — O monstro retirou a cabeça
do seu traje bastante único.
Os cinco mais Baymax faziam seis — a Operação Big Hero. Parecia um conjunto bem legal.
— Esses três são Sora, Donald e Pateta, a, hã... — disse Hiro, apresentando Sora e seus
amigos aos outros.
Sora rapidamente terminou para ele:
— Operação Keyblade Hero! — E então fez sua melhor tentativa de uma pose legal.

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Donald e Pateta também fizeram o possível para posar, mas os membros da Operação Big
Hero não pareceram impressionados.
— Estou detectando contrações mínimas em seus rostos e ombros, talvez devido à baixa
temperatura da garagem. Para remediar isso, darei um abraço em cada um e os aquecerei com
minha fonte interna de calor.
O peito de Baymax começou a brilhar com uma cor quente.
— Ei, por que você disse aquilo?!
— Sora, você sabe que o Donald e eu não temos Keyblades.
— E? Nós somos heróis ou não?
— Não somos não, não aqui.
Go Go interrompeu a discussão:
— Os monstros. Contem como conseguiram derrotá-los.
— Eles se chamam Heartless e são atraídos pela escuridão nos corações das pessoas.
— Uhh, agora sim! Luz contra escuridão. Conflito clássico! — Fred parecia estranhamente
animado com a explicação de Sora.
— Dá pra se acalmar, Fred? Isso é sério — Wasabi disse a ele.
Honey Lemon suspirou.
— Muito sério. Nós não temos como enfrentá-los.
— Calma. Então vamos só desistir? — perguntou Go Go.
— Com nosso conjunto de habilidades atual, — disse Baymax — minha análise indica que
nossas chances são de 0,0000...
Hiro o interrompeu com uma cara que não parecia nada feliz:
— Sim, já entendemos, Baymax.
— Ei, não esquenta. Nós três cuidamos dos Heartless pra vocês. Certo, Donald, Pateta? —
Sora disse alegremente, então começou a sair da garagem. Os Heartless têm um líder em algum
lugar desse mundo e é nosso trabalho eliminá-lo.
Mas Hiro os deteve.
— Espera. Nós também vamos.
— Tá tudo bem. A gente dá conta — disse Donald.
Hiro olhou para o chão por um momento antes de encontrar seus olhos novamente.
— Nós temos que ajudar. Meu irmão ajudaria.
O resto de sua equipe concordou com a cabeça e Sora sabia que era melhor não protestar
mais. Mas eles ainda não estavam nem perto de vencer os Heartless.
Wasabi deu de ombros e perguntou:
— Ótimo, mas... não precisamos de um plano?
— Vamos treinar! Quando heróis são derrotados, eles ganham novos poderes. Tá na hora do
shugyo! — exclamou Fred, fazendo uma pose ridícula.
— Você leu isso na Geek Trimestal? — Go Go gemeu.
Hiro sorriu e ofereceu sua própria opinião:
— Até que o Fred não tá errado. Eu tenho uma ideia. — Ele foi até um canto da garagem e
pegou uma estranha engenhoca que parecia um par de óculos de sol ou algo do tipo.
— Isso é um dispositivo de RA, Sora.
— “Dispositivo de RA”? — Sora repetiu, confuso com o termo desconhecido.
— Isso. Legal né? Ele cria uma sobreposição de CG que amplia sua visão. Enquanto estiver
com ele, o dispositivo vê e registra tudo o que você faz.
Mas a explicação só deixou Sora cada vez mais confuso.
— ...Tem que colocar no seu rosto — disse Hiro, enfim.
Sora seguiu as instruções e colocou os óculos... o visor... o “dispositivo de RA” no rosto.
Agora tinha umas leituras estranhas em sua visão, mas nada muito drástico — até que Hiro deu um
passo para o lado, revelando um Heartless atrás dele.
— Heartless! Donald!! Pateta!!! — Embora Sora tenha invocado sua Keyblade como faria
normalmente, seus dois amigos apenas olharam para ele, surpresos.
— Você tá bem?
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— Não tem nenhum Heartless aqui.
— Uou! Calma, Sora. É só tirar o dispositivo de RA — Hiro exclamou apressadamente.
Quando Sora seguiu sua orientação, o Heartless desapareceu. Ele o colocou de volta e lá
estava ele de novo.
Depois de várias rodadas disso, Sora finalmente descobriu o que estava acontecendo:
— Uau! Não faço ideia de como você tá fazendo isso, mas é muito maneiro!
— Valeu. Mas, até agora, os dados do mapa cobrem apenas San Fransokyo. Ainda tenho que
expandi-lo.
— Agora podemos começar o shugyo? — perguntou Fred, interrompendo a explicação.
— Ainda não, Fred. Ele ainda está aprendendo — repreendeu Hiro.
— Sora, você só precisa passar por alguns percursos que o Hiro programou. Que nem um
minigame — Honey Lemon disse a ele, e Go Go continuou de onde ela parou:
— Vamos rastrear seus movimentos e então poderemos...
— Shugyo, shugyo, shugyo! — interrompeu Fred, pulando animadamente atrás dela. Ela se
virou para olhar para ele e suspirou:
— Então poderemos começar com o shugyo.
— Acho que esse tal de shugyo é tipo um treinamento. É uma boa ideia. Nós também
devíamos praticar.
— Fale por si mesmo.
Pateta e Donald tinham suas próprias opiniões sobre o assunto.
— Posso praticar shugyo instalando novos dados de combate — sugeriu Baymax, embora
Sora só estivesse confuso de novo.
O que é “instalar”?
— Ei. Vamos experimentar — disse Hiro, dando de ombros, e então Sora voltou a ligar o
dispositivo de RA.

Correr por toda San Fransokyo para o shugyo realmente acabou sendo como um jogo. Havia
Heartless por toda parte e os membros da Operação Big Hero estavam ali ao lado de Sora.
Quando ele subiu correndo por uma parede, Go Go parou e o observou fazer a subida.
— Interessante. A gravidade... não tem efeito.
Quando Sora derrubou alguns Heartless à distância usando seu poder de Tiro Certo, Wasabi
olhou para os próprios braços e disse:
— Ei, espera. Minhas lâminas a laser... podem ser projéteis!
Sora usou uma transformação de sua Keyblade para derrotar ainda mais Heartless, o que fez
com que Honey Lemon chegasse a uma nova conclusão.
— Uhh! Muda-se a arma, muda-se o ataque.
E quando Sora lançou uma magia, Fred gargalhou de alegria.
— Um ataque congelante! Fogo... e gelo. Totalmente opostos... ou assim pensávamos!
Sora finalmente alcançou o objetivo, onde pulou nas costas de Baymax e voou pela cidade.
Cara, que divertido! E essa cidade é enorme!
— Valeu, Sora. Já devemos ter dados o suficiente — disse Hiro através do dispositivo de
RA. O shugyo estava concluído. — E acho que você inspirou umas ideias novas.
Quase ao mesmo tempo, Sora pôde ouviu os outros membros da equipe conversando
animadamente com Hiro:
— Sim! Hiro, acho que tem um jeito de reduzir o excesso de resistência ao nível de
supercondutividade polarizando o campo da ponte magnética suspensa. Vou precisar checar os
números quando voltar, mas devo conseguir aumentar drasticamente minha velocidade. Posso usar
o efeito Meissner que ocorre nos polos magnéticos.
— Ei, se liga! Meus cálculos indicam que, ao mudar a forma dos meus emissores de plasma
a laser de uma configuração fechada para uma aberta, posso expandir o alcance efetivo do campo

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magnético. Isso, por sua vez, resolverá quaisquer instabilidades da distribuição Maxwelliana.
Cara, eu nunca teria pensado nisso!
— Ajustar o arranjo atômico usando reações químicas abre a porta para transições de fase
em diferentes formas! A única questão é em que densidade as substâncias isotópicas adaptáveis
podem coexistir no mesmo espaço. Se conseguirmos obter as condições corretas, as possibilidades
de combinações são infinitas.
— Um herói que domina dois poderes, fogo e gelo, é invencível! Nenhum malfeitor será
capaz de resistir a eles! Ei, você não acha? Ei, tá me ouvindo?
Mesmo que Sora não fizesse a menor ideia do que eles estavam falando, o entusiasmo era
contagiante.

De volta à garagem, a equipe se ocupou com os preparativos para a batalha. Sora, Donald e
Pateta deram uma mãozinha. Enquanto isso, Hiro removeu um pequeno chip do computador e o
inseriu no peito de Baymax.
— E... agora sim.
Apenas alguns segundos depois, um boletim de notícias foi transmitido no monitor e todos
se reuniram para assistir:
— Interrompemos a programação para dar esta notícia de última hora. Momentos atrás, o
Distrito Sul da cidade foi atacado por inúmeras criaturas não identificadas. Testemunhas indicam
ter perdido as vítimas de vista durante a confusão. Muitos também afirmam ter visto estranhos
símbolos de coração flutuando próximo aos desaparecidos. A polícia municipal está pedindo aos
cidadãos que fiquem em casa. Para aqueles que estão chegando agora, há apenas alguns minutos,
o Distrito Sul foi atacado por...
Todos eles sabiam o que fazer:
— Tá na hora.
Beleza, vamos começar a festa!

As ruas estavam cheias de cidadãos em pânico fugindo de uma horda de Heartless, que
estavam atacando no chão e dos alto dos telhados. A Operação Big Hero e a Operação Keyblade
Hero decidiram lutar separadamente e cobrir mais terreno.
— Tentem me pegar — disse Go Go enquanto ganhava mais e mais velocidade. Ela correu
por uma parede e então eliminou os Heartless que a perseguiam com um único ataque descendente.
Wasabi disparou rápidas rajadas de plasma a laser.
Honey Lemon tirou uma bola da bolsa e a atirou contra os inimigos.
— Tive uma ideia! — exclamou, diante do que a bola explodiu em uma nuvem de fumaça.
— Ei! Não posso mirar no que não posso ver! — reclamou Wasabi, mas Honey Lemon
simplesmente pegou uma segunda bola e a jogou também. A fumaça se tornou sólida, prendendo os
Heartless no lugar.
— Melhor? — ela perguntou a Wasabi alegremente.
— Muito melhor — disse ele enquanto explodia os Heartless imobilizados, eliminando
todos de uma vez.
Agora era a vez de Fred:
— Congelem! — ele gritou a plenos pulmões enquanto soltava um sopro gelado da boca de
seu traje de monstro.
Assim que os Heartless congelaram, ele mudou para uma rajada de fogo.
— Hein?
Mas tudo o que fez foi libertá-los do gelo. Então dessa vez ele tentou disparar fogo e gelo ao
mesmo tempo.
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— Ah, saquei... Tem que ser um combo!
O fluxo de elementos opostos rapidamente acabou com os Heartless.
Quanto a Sora, ele estava no alto de um prédio, ocupado enfrentando um enorme Heartless
dinossauro chamado Catastrocoro com Donald, Pateta e Baymax, agora de armadura vermelha.
— Chegamos!
O resto da Operação Big Hero se juntou a eles.
— Aí, não dá pra escolher um do nosso tamanho?
— Tá do tamanho certo para mim.”
— Vejam enquanto eu frito ele com o meu friornado! O único tornado feito de gelo e fogo!
Inspirado pelo entusiasmo de Fred, Donald também não pôde deixar de se exibir:
— Você mexeu com o mágico da corte errado.
Pateta se juntou a eles:
— E com o capitão da guarda errado.
— Prepare-se para enfrentar a Operação Keyblade Hero! — acrescentou Sora.
— E os grandes combatentes do crime, a Operação Big Hero! Juntos, somos invencíveis —
disse Hiro e, com isso, a verdadeira batalha começou.
Cada um dos membros da equipe atacou o Heartless com suas habilidades potencializadas e
a luta não foi exatamente uma luta.
Baymax acertou um soco foguete no Catastrocoro e Sora seguiu com um golpe descendente
de sua Keyblade. O Heartless gigante desapareceu, liberando um coração que flutuou pelo ar.
— Boa, Baymax!
O robô estendeu a mão, que ainda estava fechada em um punho.
— O quê? — perguntou Sora.
Baymax respondeu:
— Agora fazemos um soco-bate.
— Soco-bate?
— Para mostrar entusiasmo. Foi o Hiro que me ensinou.
— Então, tipo... assim?
Sora fechou a mão em um punho e então deu uma batidinha na mão fechada de Baymax.
— Bra-la-la-la-la-la-la — disse o robô, puxando a mão para trás e agitando os dedos no ar.
— Bra-la-la-la-la-la-la?
Sora imitou o gesto, o que arrancou uma risada de Hiro enquanto os observava.

O dia estava acabando e todos se sentaram na ponte com picolés de chocolate nas mãos. O
sol estava se pondo sob o horizonte enquanto eles observavam.
— Foi incrível... ou foi totalmente incrível?! — vociferou Fred enquanto saltitava todo
animado de um lado para o outro. Wasabi estava mais ao lado, observando incrédulo.
— Sim, eu fui muito bem — exclamou Donald.
— Sua magia é incrível! Acha que eu poderia estudá-la algum dia? — Honey Lemon
perguntou a ele.
— Por que não?
— Você fez o dia do Donald — disse Pateta.
A uma curta distância dos outros, Sora estava sentado junto a Hiro, Go Go e Baymax na
parte mais alta da ponte. Todos eles também estavam tomando picolé — bom, exceto o robô.
— Meu irmão queria ajudar as pessoas. Agora, nós tentamos fazer o mesmo — disse Hiro, a
voz suave, quase para si mesmo.
— O seu irmão? — perguntou Sora.
— Sim, o Tadashi. Teve um incêndio e... agora ele se foi. Mas ele sempre quis fazer a
diferença. Ele se importava com as pessoas. Por isso trabalhou tão duro para criar o Baymax.
— Eu lamento.

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Sempre que alguém contava a Sora sobre algo doloroso ou triste, ele não podia deixar de
sentir um pouco daquela tristeza. Mas havia uma força por trás da dor quando Hiro disse:
— Ele ainda tá aqui. No Baymax. Em todos nós.
— O Tadashi, ele vive nos seus corações.
Sora olhou para Hiro, que abaixou o olhar.
— Sim. Certo. Ele sempre fará parte da gente de alguma forma — disse Hiro, finalmente
levantando a cabeça novamente.
— E, quando vocês fraquejarem, ele vai fazer a diferença. — Sora se juntou a ele olhando
para o céu vermelho do pôr do sol.
De repente, o som de um sino familiar surgiu na mente de Sora, logo seguido pela lembrança
de tomar picolés com outras pessoas ao seu lado. Só que o sabor era sal marinho, não chocolate.
Espera, era mesmo uma memória? Ou era um sentimento — uma emoção preciosa que pertencia a
outra pessoa dormindo em algum lugar?
Quem estava ao seu lado eram Hayner, Pence e Olette.
— Sora. Você tá bem? — A voz de Hiro trouxe Sora de volta ao presente.
O que é isso que eu estou sentindo? Do que estou me lembrando...? Nós assistimos ao pôr
do sol juntos naquele dia e...
— Sim. Eu tô legal — respondeu Sora, sentindo uma presença em algum lugar dentro de si,
bem no seu íntimo.
Ele levou a mão ao peito e voltou os olhos para o sol poente. É, só pode ser a memória dele.
— Tô contigo — Sora sussurrou para o pôr do sol.

A escuridão recaiu sobre San Fransokyo. À medida que os outdoors e as luzes se acendiam,
o clima da cidade se transformou lentamente. Sora caminhava por uma das ruas com Donald, Pateta
e os membros da Operação Big Hero. Com o líder dos Heartless derrotado, era hora de dizer adeus
àquele mundo — ou assim Sora pensou.
De repente, eles se depararam com várias formas grandes e sombrias nadando no ar em uma
das principais vias da cidade. Em uma inspeção próxima, eles eram compostos de vários pequenos
cubos que mudavam constantemente de configuração, e suas cores também mudavam de preto para
branco e para vermelho em um borrão deslumbrante.
— O quê?! — vociferou Go Go.
— Legal, eles voltaram — disse Honey Lemon.
— Ah, a gente cuida disso — disse Wasabi.
— Hora da lição — exclamou Fred, colocando o capacete de seu traje de monstro de volta
no lugar. — Ao ataaaque! — Ele gritou enquanto decolava. Wasabi, Honey Lemon e Go Go foram
logo atrás.
Mas Hiro gritou para que parassem:
— Espera! Hã, pessoal! Eles não são como os outros! — Aparentemente, ele tinha percebido
alguma coisa quando observou os cubos.
Sora, Donald e Pateta esperaram para ouvir mais.
— Não pode ser. Microbôs?
— Microbôs? Você sabe o que eles são? — perguntou Sora.
Hiro pensou por um momento sobre como responder.
— Microbôs foram projetados para fazer qualquer coisa por meio de um neurotransmissor
que comunica o que você estiver... — Ele parou quando percebeu que Sora e Pateta não estavam
entendendo uma palavra do que estava dizendo, então tentou simplificar: — São uns robôs em
miniatura que eu inventei. Aconteceram umas coisas ruins e eu achei que eles tinham desaparecido
por completo. Mas aqueles inimigos são semelhantes até demais. O que significa que alguém os
está controlando. A questão é: quem? Poderia ser...?
Parecia que Hiro já tinha uma ideia de quem poderia ser o culpado.

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— Eu vou voltar à garagem para investigá-los mais a fundo. Vocês podem ir atrás deles?
— Claro! — Sora, Donald e Pateta responderam em uníssono.
— Precisamos de você nas coisas científicas — acrescentou Sora, o que trouxe um sorriso
aliviado ao rosto de Hiro.
Hiro então olhou para Baymax:
— Baymax. Fique com eles.
O robô olhou para Sora e seus amigos e disse:
— Tudo bem, Hiro. Sora, Donald, Pateta, serei seu agente pessoal de saúde.
— Obrigado, Baymax. Estamos em boas mãos. Vem, vamos nessa!
Com Baymax agora os acompanhando, Sora e seus dois companheiros saíram correndo atrás
de uma das massas de cubos. Infelizmente, Sora ainda não conhecia muito bem o layout de San
Fransokyo. A cidade parecia completamente diferente à noite.
— Pra que lado aquela coisa foi?
— Não faço ideia.
Todos os prédios pareciam exatamente iguais para Sora e o grupo rapidamente se deu conta
de que estavam perdidos. Então, quase como se estivesse ciente da situação de Sora, Hiro entrou em
contato através do dispositivo de RA.
— Sora, eu marquei a posição do alvo. Você pode checar com o dispositivo de RA.
— Entendido! — respondeu Sora, notando então que havia agora um novo local marcado
em seu visor. O trio correu em direção ao marcador e encontraram o inimigo no que parecia ser o
centro da cidade.
— Alvo localizado — afirmou Baymax, apontando um dedo para o céu. A massa de cubos
sobre eles se espalhou como uma estrela do mar.
— Eles não são microbôs... cuidado! — Hiro alertou através do dispositivo de RA.
A massa de cubos se reuniu brevemente em uma bola, depois se desenrolou novamente. Sora
e seus amigos avançaram para enfrentá-la, mas nenhum de seus ataques teve qualquer efeito sobre
essa anomalia que mudava de forma.
— Não vale! Por que não conseguimos feri-lo? — reclamou Sora.
— A magia não funciona.
— O que a gente faz?
Como vamos vencer essa coisa...?
Enquanto eles se desdobravam para bolar uma ideia, os cubos assumiram por um breve
momento a forma de um coração antes de dispararem novamente.
— Que estranho — disse Sora enquanto observava o inimigo sair voando.
Hiro o contatou novamente pelo fone de ouvido.
— Sora, vocês estão bem?
— Ah... Sim, mas o alvo escapou. Tem alguma pista?
— Várias. Em algum lugar dentro daquela coisa, existe um núcleo. É o que alimenta todo o
conjunto. O núcleo é a única forma de feri-lo.
— E só agora ele diz? — Wasabi interrompeu durante a orientação de Hiro.
— Wasabi! O que foi? — perguntou Hiro.
— Digamos apenas que tá difícil.
— Equipe, relatório — disse Hiro.
Honey Lemon respondeu:
— Até agora, tudo bem.
Go Go e Fred não ficaram muito atrás:
— Galera, já tô cansada de ficar só desviando dessa coisa.
— O Fred tá ficando frustrado!
Aparentemente, todos estavam enfrentando complicações.
— Pessoal, estou a caminho — disse Hiro, anunciando sua intenção de entrar em ação.
— Não, Hiro! — Honey Lemon disse rapidamente.
— Hiro, você analisa os Obscubos — acrescentou Fred.
— Calma, você disse “Obscubos”? — perguntou Wasabi.
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— É. Eles são cubos e são obscuros. Tô chamando eles do que eu vejo. Todo vilão precisa
de um nome legal.
— É, mas esse não é legal — disse Honey Lemon. Ela claramente estava bastante ocupada
acompanhando a ameaça recém-nomeada, mas disse a Hiro: — Vamos reunir o máximo de dados
que pudermos dos Obscubos.
— Hiro, descobre um jeito da gente vencer essa coisa! — insistiu Wasabi. Ele também não
estava diminuindo o ritmo de suas investidas.
— Mas pessoal, não posso deixar vocês aí sozinhos. — Hiro hesitou.
Go Go foi rápida em lembrá-lo do que era mais importante:
— Hiro. Nós somos uma equipe. E as equipes dividem as tarefas. Precisamos de você na
garagem. Confiamos em você, então confia na gente.
— Beleza — respondeu Hiro. — Vou procurar uma forma de expor o núcleo dos Obscubos.
Só continuem me mandando os dados.
— Entendido — a Operação Big Hero disse em uníssono.
Tendo ouvido toda a conversa, Sora compartilhou um aceno solidário com Donald e Pateta.
— Hiro, o que a gente faz? — perguntou.
— Vocês protegem os outros. Vou marcar a posição deles no seu visor de RA.
As localizações de toda a equipe da Operação Big Hero apareceram, assim como Hiro disse
que aconteceria.
— Pode deixar! — Sora disse a Hiro e então invocou sua Keyblade em mãos. — Hora de ir,
Baymax!
— Está bem. — O robô se apressou junto a ele.
— Sora, os Obscubos vão ser difíceis de abrir. Você terá que avaliar a situação de todos e...
— Improvisar! Eu sei. Esquenta não! — Sora respondeu alegremente enquanto esmagava
um Heartless que apareceu em seu caminho com sua Keyblade.
Ele começou com Go Go. A partir daí ele ajudou Wasabi, depois Honey Lemon, depois Fred
e, assim que todos estavam seguros, Hiro o contatou novamente:
— Escuta, Sora! Os Obscubos convergiram para um único local. O que quer que esteja
acontecendo não pode ser bom. Estou quase terminando de identificar o núcleo. Se precisar da
minha ajuda...
— Nah, tá de boa, Hiro. Deixa com a gente.
— Valeu.
Tudo o que aparecia no visor do dispositivo de RA eram os Obscubos, que estavam todos
fluindo em direção ao meio da cidade, mudando de uma forma estranha para a outra à medida que
avançavam. Sora e seus amigos fizeram deste o seu destino.
— Tá, tem um monte deles. — Go Go não conseguiu esconder seu espanto ao observar a
escala dos Obscubos.
— O que acham que eles vão fazer? — perguntou Pateta, preocupado.
— Não acho que a gente vai querer descobrir — respondeu Wasabi ao chegar. Parecia que o
resto da Operação Big Hero havia se juntado à festa.
— Vamos destruir essa coisa! — gritou Fred, fazendo uma pose de batalha que não era nem
um pouco intimidadora.
— É! — disse Donald, brandindo seu cajado.
Honey Lemon não estava tão otimista:
— Mas, sem uma estratégia, vamos apenas desperdiçar as nossas forças.
— Se soubéssemos onde atacar... — disse Sora, e todos deram uma olhada no inimigo.
Foi quando Hiro o contatou novamente através do dispositivo de RA:
— Sora! Eu consegui! Estou te enviando uma atualização do programa de RA. Ele vai te
mostrar onde fica o núcleo: o ponto fraco dos Obscubos. Vou até aí para ajudar.
Mas antes que ele pudesse dizer mais alguma coisa, a transmissão parou de súbito.
— Hã? Que estranho. Tá travado? — Sora se perguntou em voz alta, quando de repente uma
figura de casaco negro apareceu diante dele. — Hiro, quem é esse no visor?

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— Não é o visor. Ele está mesmo aqui — disse Pateta, respondendo à pergunta de Sora. Sem
demora, Sora empunhou sua Keyblade e o resto da Operação Big Hero se preparou para lutar.
— Já acabaram com a brincadeira? — disse a figura encapuzada.
— O quê? Calma, essa voz... — Sora nunca confundiria aquela voz com a de qualquer outro.
— Pera aí. Você... conhece esse cara? — perguntou Wasabi.
— E agora... o supervilão aparece — disse Fred.
— Ele com certeza tem a vibe — disse Honey Lemon.
O garoto misterioso parou e calmamente tirou o capuz.
— Engraçado.
— Riku...? Mas... — Sora abaixou a Keyblade quando viu o rosto de seu melhor amigo. Este
não era o Riku que ele conhecia agora, é claro, mas o Riku como ele era há cerca de um ano.
— Como se esse experimento idiota já não fosse uma chatice. — Riku estendeu a mão, a
palma virada para cima, e um pequeno quadrado vermelho surgiu sobre ela.
— Onde ele conseguiu aquilo? — perguntou Hiro, sua voz claramente em estado de choque,
a transmissão voltando a funcionar.
— Hiro, você sabe o que é? — perguntou Sora.
— Ainda não está pronto — afirmou Riku, pegando o objeto vermelho em seus dedos e
erguendo-o em direção ao céu.
— Sim. É o primeiro chip que fiz pro Baymax. Está cheio de programações de combate.
Diante disso, os membros da Operação Big Hero compartilharam um suspiro coletivo.
— Programações? — Sora perguntou de volta.
— Sim, dizem ao Baymax como reagir — respondeu Hiro.
Sora ainda parecia não ter entendido, então Pateta o pediu para esclarecer:
— Quer dizer... que é como o coração dele?
— Tipo isso...
— Mais então! — Riku disse para o ar, sem prestar atenção ao resto do grupo. Ele jogou o
chip nos Obscubos e desapareceu em um manto de trevas.
— Riku! — Sora gritou atrás dele, mas Riku não podia mais ouvir.
Os Obscubos mudaram de forma e rapidamente envolveram o chip, brilhando e girando. A
forma que eles assumiram começou a formar vários apêndices agitados que jogaram os membros da
Operação Big Hero longe.
— Essa não! — gritou Sora.
— Sora, estou a caminho — exclamou Hiro, tenso. — Eu cuido da minha equipe. Vocês
enfrentam os Obscubos! Lembre-se de usar o dispositivo de RA para localizar o núcleo!
— Pode deixar!
Com sua estratégia decidida, Sora se virou para enfrentar o inimigo.
Ele avançou em direção aos Obscubos, então saltou para o alto e lançou um disparo mágico.
Baymax veio voando logo atrás dele e Sora pousou em suas costas.
— Vamos ao trabalho, Baymax!
— Potência máxima liberada.
O robô desferiu um soco e a luz verde dos Obscubos se transformou em um carmesim
profundo. A massa em movimento então começou a desmoronar, cubo por cubo tombando no chão,
apenas para subir de volta ao ar segundos depois na forma de um punho colossal e agarrar Sora com
uma força esmagadora. Mas Donald rapidamente disparou uma sucessão de feitiços e fez com que
os Obscubos caíssem em pedaços de novo.
A luta continuou por algum tempo e, quando Sora, Donald e Pateta estavam começando a
perder força, a estranha massa finalmente parou.
A equipe da Operação Big Hero olhou para os Obscubos, inquietos, esperando para ver o
que viria a seguir. Após um momento, os Obscubos se desfizeram, revelando o núcleo lá dentro —
um Heartless em forma de cubo. Sora logo o eliminou com um golpe de sua Keyblade e o chip
vermelho saiu voando.
Hiro tentou correr para pegar o chip, mas alguém chegou antes dele — o Riku de preto.
— Ah, isso não é pra você. Pelo menos não até terminarmos.
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Antes que os outros pudessem alcançá-lo, ele saltou para longe deles.
— Riku... é você? Por que você tá desse jeito? — perguntou Sora.
— As aparências enganam, mas o coração? Você sabe que sou eu — respondeu Riku.
— Eu sei que o Riku não faria isso. Não sem um bom motivo.
— Um motivo? Desde quando isso importa? Nós dois tentamos superar um ao outro desde
que éramos crianças.
— O quê...? — Foi a única resposta que Sora conseguiu exprimir.
Donald e Pateta se colocaram na frente de seu amigo de forma a protegê-lo.
— Não dê ouvidos a ele, Sora!
— Esse casaco significa que ele está com a Organização XIII! E isso significa que ele não é
o Riku de verdade.
— Mais esperto do que parece — bufou Riku... ou o Riku das Trevas, melhor dizendo.
— Nós derrotamos o Ansem e o Xehanort... cada um deles. Mas mesmo assim, todos eles
voltaram, certo? Então, talvez esse “Riku” também tenha voltado, da época em que o Ansem o
possuiu — supôs Pateta.
Ele tinha razão. Ansem e todos os outros que eles derrotaram no passado haviam voltado.
Sora se voltou para Riku.
— É, do passado! — exclamou Donald.
— O quê? Como? — perguntou Sora.
— Diferente de um certo mago que vocês conhecem, eu tive de seguir as regras para viajar
no tempo. Tive que deixar o meu corpo para trás.
— Isso é familiar...
Sora se lembrou das palavras que o Jovem Xehanort lhe havia dito durante seu encontro no
mundo dos sonhos: “Aquele é o Xehanort reduzido apenas a um coração. O ser que você e seus
amigos chamavam de Ansem”.
O Riku das Trevas continuou de onde a memória de Sora parou:
— O coração de Xehanort abandonou seu corpo para poder viajar de volta no tempo. Ele
precisava contar ao seu eu mais jovem sobre os grandes planos que tinha preparado. — Ele devia
estar se referindo ao homem de robe marrom. — Seu coração permaneceu ali, no passado,
esperando por anos até que você e eu aparecêssemos. O coração de Xehanort me possuiu e se
tornou Ansem, o primeiro adversário que vocês enfrentaram.
Eles haviam encontrado o homem de robe marrom naquela noite tempestuosa — o início de
sua primeira aventura. Foi ele quem induziu Riku a seguir pelo caminho das trevas, para que
pudesse reivindicar seu corpo.
— O resto dele, a parte que deixou para trás, assumiu o nome de Xemnas e criou a primeira
Organização. Era tudo parte de um plano maior para colocar Xehanort em contato com os corações
certos, o suficiente para formar a verdadeira Organização XIII. Eles podiam vir de qualquer lugar,
de qualquer tempo... contanto que ele tivesse os receptáculos adequados para colocar seus corações.
Xemnas era o Nobody de Xehanort. Uma casca vazia que não tinha coração, mas que de
alguma forma ainda conseguira manter sua consciência.
Havia uma parte que Sora ainda não entendia.
— Receptáculos? — perguntou. E como assim “adequados”?
Donald e Pateta se viraram para Sora e disseram a resposta ao mesmo tempo:
— Réplicas!
— Isso mesmo. O Programa Réplica foi um sucesso. Somos tão reais quanto pessoas.
— Então faz as malas e vaza! O que ainda está fazendo aqui? — indagou Sora, confuso.
— Vendo se é possível recriar um coração a partir de dados.
— O quê? — Esse era exatamente o mesmo plano que o rei e Riku haviam proposto para
que trouxessem Roxas de volta.
O Riku das Trevas riu como se tivesse lido suas mentes.
— Desculpa, roubamos a sua ideia? — Ele olhou para o chip em sua mão e então desviou o
olhar para Baymax. — O balão ambulante ali tem um “coração”. Pelo menos essa é baboseira na
qual devo acreditar.
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Sora discordou:
— Existem corações a toda a nossa volta. Você só precisa vê-los para que se tornem reais.
— Um coração pode crescer em qualquer lugar... até mesmo em um robô.
Hiro apareceu ao lado de Sora.
— Onde você conseguiu isso? É o meu chip, eu que fiz!
— Ah, puxa, sinto muito por isso. Mas prometo que vou colocá-lo de volta onde encontrei
— disse o Riku das Trevas enquanto olhava para Hiro, e então começou a rir novamente.
— O que quer dizer?
O Riku das Trevas deu de ombros.
— Acho que vou voltar ao trabalho agora — ele respondeu sem dar maiores detalhes antes
de desaparecer em meio às sombras.
— Espera!
— Sora! Nós temos que detê-lo. Pessoal...
Sora e Hiro começaram a ir atrás dele, mas então pararam e se viraram para ver que Go Go e
os outros ainda estavam tentando recuperar o fôlego.
— Todos estão sofrendo de exaustão aguda. Eu recomendo descansar — disse Baymax.
Hiro abaixou o olhar por um momento e então concordou.
— É, tem razão. Vamos nos reagrupar.

De volta à garagem, o clima estava pesado, mesmo depois de todos terem descansado. Não
demorou muito para que o desânimo e a melancolia fossem demais para Fred:
— Qual é, pessoal. Pra que essas caras feias? Esqueceram que a gente venceu?!
— Fred. Agora não — advertiu Go Go.
— O nome dele é Riku? E vocês conhecem ele? — perguntou Hiro.
— Sim... Bom, eu conheço um “ele” — respondeu Sora. Quem quer que fosse quem eles
tinham visto era idêntico ao Riku.
— Aquele é falso! — acrescentou Donald.
— O falso está com a Organização XIII, nossos arqui-inimigos — disse Pateta.
Isso só levantou mais perguntas para Wasabi, Honey Lemon e Go Go:
— Tá, mas como ele conseguiu o chip do Hiro?
— E o que ele quis dizer com “experimento”?
— E o que eles querem?
Sora desviou o olhar para o chão enquanto explicava tudo da melhor forma possível:
— Ele disse que estão tentando recriar um coração a partir de dados, mas eu não sei o que
eles realmente querem. Nenhum de nós sabe. Esses caras, eles aparecem... e, em vez de lutarem de
forma justa, eles atacam o coração e dizem coisas pra tentar irritar a gente. São covardes. E agora
estão fazendo isso com vocês também. É culpa nossa.
Quem poderia dizer o que a Organização queria dessa vez?
— Não — interrompeu Hiro. — Isso pode ser bom. Talvez aquele chip finalmente possa me
dar algumas respostas.
— Você disse que o criou, né?
— Sim. Esse Baymax... ele na verdade é o segundo modelo — disse Hiro, virando-se para o
robô em questão. — Hã, sem ofensa.
— Sou um robô. Não fico ofendido — respondeu Baymax no mesmo tom gentil de sempre.
Hiro abriu outro sorriso e começou a explicar novamente:
— É uma longa história. Mas o primeiro Baymax e o chip que eu criei... desapareceram
numa outra dimensão junto com os microbôs. O chip voltou... — Hiro parou por um segundo. —
Então o primeiro Baymax também pode ter voltado.
Ele parecia chateado com isso — talvez o desaparecimento do primeiro Baymax estivesse
conectado a algumas memórias dolorosas para ele.

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Uma atmosfera sombria instantaneamente decaiu sobre os membros da Operação Big Hero.
Até que Baymax a dissipou com algumas palavras:
— Aqueles que sofrem uma perda precisam do apoio de amigos e entes queridos.
Foi quando um estrondo súbito sacudiu a garagem. Hiro correu para o monitor e começou a
digitar freneticamente no teclado. Uma imagem dos Obscubos destruindo a cidade de novo surgiu
na tela. A batalha não tinha acabado, afinal.
— Pessoal, vamos lá!
Todos rapidamente responderam ao chamado.

Enquanto isso, em outra parte de San Fransokyo, Malévola e Bafo caminhavam pela rodovia
como duas figuras completamente destoantes na paisagem urbana. Os Corredores das Trevas então
se abriram atrás deles, revelando o Riku das Trevas.
— Por que está bisbilhotando por aqui? — perguntou ele.
Malévola olhou para trás.
— Isso não seria da sua conta.
— Abuse e a escuridão a consumirá novamente.
A bruxa deu uma longa olhada no Riku das Trevas.
— Que coisa interessante de se dizer. Pois vou fazer tudo o que eu quiser. E você também
deveria — ela retrucou, completamente imperturbável.
A reação do Riku das Trevas foi igualmente confiante:
— Ah, eu pretendo. — Com um sorriso, ele desapareceu de volta na escuridão.
— Quem é ele? Amigos seu? — perguntou Bafo.
— Sim. Embora eu não possa te dizer de “quando” — Malévola disse em resposta enquanto
eles seguiam seu caminho.

Os Obscubos pairaram no céu azul do dia seguinte no alto de um prédio no meio da cidade.
Sora, Donald, Pateta e a equipe da Operação Big Hero olharam para o adversário.
— Espero que tenha aprendido uns truques novos — disse Go Go.
— É, agora vai ter que enfrentar todos nós — acrescentou Wasabi.
— Isso mesmo — concordou Honey Lemon.
— O Fred quer destruir!
— A nossa probabilidade de sucesso é...
— Não precisa calcular os números, Baymax — disse Hiro, interrompendo o robô antes que
pudesse terminar. — Não é a soma das nossas partes. É a soma dos nossos corações.
— É — Sora concordou com um aceno de cabeça.
Foi quando uma voz familiar subitamente falou com eles:
— Que resulta no quê? Me mostrem.
Quando desviaram o olhar na direção de onde veio a voz, encontraram o Riku das Trevas
parado no alto de uma turbina flutuante modelada com base nas tradicionais meias de vento em
forma de carpa. O Riku das Trevas logo saltou de seu poleiro e atacou o núcleo dos Obscubos,
destruindo instantaneamente todo o construto. O núcleo vermelho brilhante então explodiu em três.
O Riku das Trevas segurou o chip vermelho na mão.
— Quase lá.
— O quê?! — perguntou Sora, mas só o que o Riku das Trevas fez foi chutar os núcleos que
pulsavam em um carmesim intenso.
— Essa pilha de lixo coletou os dados que precisávamos: o terror de ser atacado sem aviso.
O desespero de não ter para onde correr. O desejo de vingança...
— Um coração é mais que isso! — Sora gritou para ele.
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Cada membro da Operação Big Hero também tinha algo a dizer, começando com Wasabi:
— É trabalhar em equipe.
Donald e Pateta se juntaram a eles:
— Rir de algo engraçado!
— Confiar nos amigos — acrescentou Hiro.
Sora foi o último a falar:
— Em todo coração, há esperança.
Enquanto o grupo de heróis assentia com toda a convicção, o Riku das Trevas simplesmente
voltou a sorrir.
— Tem razão — ele concordou, segurando o chip diante de si. — Foi por isso que garanti
que a nossa criação enfrentasse vocês. Agora, os dados contêm um coração completo.
— Um coração nascido de um confronto? Isso não pode ser real — Sora rapidamente
disparou de volta para ele.
— O que foi que você tinha dito? Eu só preciso vê-lo para que se torne real? — O Riku das
Trevas sorriu e disse: — Então, vamos vê-lo.
Ele ergueu a mão para o céu, abrindo um portal para os Corredores das Trevas em meio ao
ar, o qual começou a sugar os Obscubos.
— Primeiro, precisamos de um receptáculo.
Os Obscubos vermelhos então começaram a cair do portal negro em uma forma esférica.
— O que está acontecendo? — perguntou Go Go, inquieta.
— Outra forma dos Obscubos? — teorizou Honey Lemon, curiosa apesar do perigo.
— Não parece tão ruim quanto a última — disse Fred disse, tentando se tranquilizar.
Como capitão da guarda, Pateta se certificou de que todos continuassem atentos:
— Pode ser uma armadilha.
— Normalmente é — concordou Wasabi.
— A gente consegue vencer! — exclamou Donald.
Sora invocou sua Keyblade e Hiro prendeu a respiração.
— Espera! — Hiro gritou de repente. — Aquele... é o Baymax.
Todos congelaram onde estavam.
— O quê?! Não pode ser.
Toda a equipe desviou o olhar nervosamente para o céu, onde a forma dos Obscubos aos
poucos mudava para a de um Baymax obscuro com espinhos afiados nos ombros.
— Baymax... — Hiro chamou o robô.
Mas o Riku das Trevas virou as costas e dissipou friamente suas esperanças:
— É inútil. Este fantoche perdeu seu coração. Ele não vai acordar.
— Ele não é um fantoche! O Baymax, ele é como da minha família. Por favor! Me devolve
o meu amigo.
O Riku das Trevas riu da súplica sincera de Hiro.
— Sim... eu prometi que colocaria isso de volta onde encontrei. — O chip voou da mão do
Riku das Trevas e deslizou direto para a entrada no peito do Baymax das Trevas. Os olhos do robô
instantaneamente começaram a brilhar em vermelho. — Mas tem uma peça faltando. Sora, você é
quem vai completar este coração.
— É, até parece — retrucou Sora, sua Keyblade pronta para a batalha.
— Não se pode ter um coração sem tristeza... sem perda. Perceba: você vai destruir o amigo
do Hiro bem na frente dele. — E com isso, o Riku das Trevas desapareceu em um portal escuro,
rindo sem parar.
— Espera!
Sora tentou ir atrás dele, mas então o Baymax das Trevas disparou pelo ar, com o objetivo
de desferir contra Hiro um golpe esmagador com o punho.
— Hiro!
O resto da Operação Big Hero correu para proteger o amigo do ataque, mas logo foram
dispersos, cada um atirado para um lado diferente do terraço. Sora, Donald e Pateta se juntaram às

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pressas aos esforços defensivos e finalmente conseguiram parar o ataque do Baymax das Trevas. O
Baymax deles foi o último a chegar, desferindo um golpe que jogou sua contraparte sombria longe.
— Hiro...
Go Go e os outros correram até o jovem amigo. O Baymax das Trevas havia desaparecido
de vista quando caiu do telhado, mas se recuperou durante a queda e voou de volta para o alto do
prédio. Sua mão direita desproporcionalmente grande parecia ser composta de Obscubos, brilhando
com uma luz ameaçadora que sugeria o poder que continha.
Donald e Pateta correram para confrontá-lo.
— Hiro, fala. O que deveríamos fazer? — perguntou Sora, sua Keyblade ainda em mãos.
Cerrando os punhos nervosamente, Hiro deu um passo à frente, onde Donald e Pateta faziam
o possível para manter o Baymax das Trevas longe.
— O Baymax significa tudo pra mim. Mas aquele chip não é ele. Eu já cometi esse erro uma
vez. O Tadashi não ia querer que existisse um Baymax que machuca as pessoas. Sora, ele tem que
ser detido.
Sora assentiu, entendendo o que ele queria dizer. Ainda assim, eu sei que dói lutar contra
alguém que significa tanto para você. O Hiro não precisa passar por isso.
— Tá bom. Ajuda a Go Go e os outros. Pode deixar esse cara com a gente.
— Valeu — Hiro respondeu com um sorriso.
Sora correu para enfrentar o Baymax das Trevas. O robô se lançou no ar, derrubando Donald
e Pateta no processo.
— Essa não!
Uma batalha no céu os colocaria em desvantagem.
Hiro olhou para o inimigo e gritou:
— Sora, leva o Baymax!
— Tá bem! Baymax!
O robô vermelho atendeu ao chamado de Sora, saindo correndo e levantando voo. Sora
pulou em suas costas e os dois voaram em direção ao Baymax das Trevas.
Baymax perseguiu sua contraparte sombria pelo céu sobre San Fransokyo e Sora podia ver
até o oceano ao longe. Vez ou outra, o Baymax das Trevas lançava cubos negros para despistar seus
perseguidores, forçando Sora a tirá-los do caminho enquanto serpenteavam por entre os prédios.
A mão esquerda do Baymax das Trevas começou a brilhar em vermelho — aparentemente
feita de vários pequenos cubos — e então se soltou e disparou em direção a Sora e Baymax, que se
esquivaram enquanto se aproximavam do inimigo.
— Temos que detê-lo! Vamos, Baymax!
— Entendido. Aumentando a potência ao máximo.
O robô atingiu o Baymax das Trevas com um soco devastador, enquanto Sora saltou das
costas de Baymax e atacou de cima com sua Keyblade. Fragmentos de cubos negros se espalharam
do ponto de impacto e o Baymax das Trevas ficou imóvel.
Baymax acelerou atrás do robô corrompido, que continuou a cair em direção ao chão. De
repente, o Baymax das Trevas ganhou vida novamente e agarrou sua contraparte vermelha pela
perna. Os dois robôs lutaram por um momento enquanto caíam, acabando travados em uma posição
com Baymax embaixo. Se continuassem assim, o heroico robô seria o primeiro a bater no chão.
Felizmente, Baymax disparou seu braço esquerdo contra o Baymax das Trevas à queima-
roupa. O golpe separou os dois, causando danos severos ao inimigo. Uma vez livre, Baymax se
endireitou e pousou com segurança, enquanto o Baymax das Trevas, agora perfeitamente flácido,
caiu em meio a um grande estrondo no chão logo abaixo.
Hiro e o resto da Operação Big Hero vieram correndo — mas estavam principalmente
preocupados com o Baymax das Trevas. Sora se perguntou o que tornava o primeiro Baymax tão
importante para eles. Imaginou que não era de fato o Baymax, mas a conexão que ele representava
para outra pessoa — provavelmente para o irmão mais velho de Hiro.
— Então... a gente venceu? — perguntou Wasabi.
Hiro foi andando até onde o Baymax das Trevas estava deitado, uma expressão triste em seu
rosto. O corpo do robô soltava faíscas e fumaça preta, como se tivesse entrado em curto.
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— O modo de segurança ativa quando ele está sob muito estresse, então ele provavelmente
só tá dormindo. Vamos ter que destruir o chip se quisermos ter certeza. — Hiro se ajoelhou ao lado
do robô caído.
— Mas... tem certeza disso? — perguntou Honey Lemon.
— Pois é, cara... — disse Fred. — Não precisa ir tão longe.
— Talvez a gente encontre outro jeito — acrescentou Go Go.
Mas Hiro apenas balançou a cabeça.
— É a coisa certa a fazer. — Ele removeu o chip da entrada do Baymax das Trevas.
Os cubos negros que cobriam o braço direito do robô começaram a desaparecer enquanto a
armadura escura se transformava em cubos e se desfazia em uma explosão de luz vermelha.
Tudo o que restou foi outro Baymax, completamente branco. Seus olhos estavam fechados.
— O Tadashi faria a mesma coisa — disse Hiro, colocando uma mão delicadamente sobre o
corpo do robô.
— Mas Hiro... esse não é o coração do Baymax? — perguntou Sora.
Hiro balançou a cabeça gentilmente e respondeu:
— Tá tudo bem. O Baymax tá aqui. — Ele levou a mão ao próprio peito e olhou para o chip.
— Sou eu... quem deve fazer.
Hiro fechou os dedos em volta do chip — e o esmagou.

De volta à garagem, Hiro deu o último comando para ativar Baymax:


— Ai?
— Olá. Ei sou Baymax, seu agente pessoal de saúde.
Conforme o esperado, o robô acordou e aplausos irromperam de todos os lados.
O robô completamente branco estendeu os braços diante de Hiro e lhe deu um abraço. O
outro Baymax então veio e deu outro abraço nele por trás. A turma toda estava exultante.
— Dois Baymaxes! — Fred foi o primeiro a exclamar.
— Isso é demais, Hiro! — disse Sora.
— Sim, valeu.
Sora aproveitou o momento para tentar pedir um favor:
— Então, hã, será que eu posso levar um deles comigo?"
Ambos os Baymaxes olharam para Sora.
Por sua vez, Hiro foi pego de surpresa pela pergunta, o que talvez fosse de se esperar.
— Hã, acho que não.
— O que? Qual é!
— Não. Quem vai fazer os reparos?
— Um. Só unzinho! Vai, por favooor?
— Ele é o meu agente pessoal de saúde!
Enquanto Hiro e Sora iam e vinham, todos na garagem começaram a rir.
Ah, acho que não vou conseguir o meu próprio Baymax no fim das contas. Voar com ele em
outros mundos teria sido tão legal...
Mas tudo bem. Talvez eu te veja de novo um dia, Baymax.

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216 | K i n g d o m H e a r t s I I I : A R o m a n t i z a ç ã o
SORA, DONALD E PATETA ESTAVAM PROCURANDO O PRÓXIMO MUNDO A BOR-
do da Nave Gummi quando um toque familiar subitamente preencheu a cabine.
— Hã? — Sora puxou o telefone do bolso.
— Sora, tem alguém nos ligando no Gummifone — disse o Grilo Falante enquanto pulava
no ombro de Sora para ver melhor a tela. Donald e Pateta também se aglomeraram de ambos os
lados, ansiosos para descobrir quem estava ligando, e Sora apertou o botão.
— Temos péééssimas notícias! — Teco guinchou na tela.
Tico rapidamente empurrou Teco para o lado.
— Perdemos totalmente o contato com o rei e o Riku! Eles estão sozinhos no reino das
trevas! — ele relatou.
— O quêêê?! — Todos na Nave Gummi gritaram em choque.
— Viu? Eu sabia que devia ter ido! — reclamou Sora.
— Tico, como a gente chega lá? — perguntou Donald.
— Agora podemos perguntar? — disse Sora, lembrando-o do que aconteceu da última vez
que falaram sobre isso.
Como sempre, Pateta os manteve focados:
— Não podemos mais usar aquela portona de antes. Ela sumiu por completo.
— É, a gente fechou depois de que vencemos o Ansem — disse Sora, agora dirigindo sua
irritação para Pateta.
O Grilo fez uma pausa pensativa.
— E certamente não podemos perguntar ao rei ou ao Riku.
— Porque vocês não me deixaram perguntar — retrucou Sora.
Antes que eles pudessem discutir mais, Teco interveio:
— Apenas o Rei Mickey pode abrir uma porta para o reino das trevas.
— Hã?
— É porque ele tem uma Keyblade das trevas especial. Ele descobriu como abrir o caminho
— Tico disse a todos enquanto lutava com Teco para ficar na frente da telinha pequena.
— Ah... — Sora contemplou a situação por um momento.
— Poxa, e o que a gente faz? — perguntou Pateta, desanimado.
Sora lançou o olhar adiante.
Se a Keyblade do rei pode abrir portas para o reino das trevas...
— Que meu coração seja nossa chave guia. Ela nos mostrará o caminho — disse, invocando
sua Keyblade em mãos e apontando para frente diante deles. A Keyblade começou a emanar uma
forte luz e, assim como quando abriram o caminho para o Olimpo, um portal apareceu dentro do
Oceano de Intermédio.
— Um portão! — eles exclamaram.
— Mas pra onde ele leva? — perguntou Sora.
Donald e Pateta logo o pressionaram:
— Não importa! Vamos!
— Rápido, Sora!
— Beleza! — Sora respondeu com firmeza, assumindo o controle da Nave Gummi e os
guiando através do portal.

Eles chegaram a uma praia com o céu claro, o mar azul e o som das ondas — as Ilhas do
Destino, o mesmo pequeno lugar onde a jornada de Sora e seus amigos havia começado.
— Por que vocês acham que aquele portão nos trouxe aqui? — Sora se perguntou enquanto
ele, Donald e Pateta caminhavam pela praia. Não havia nada ali que parecesse estar diferente que de
costume... exceto pelo que ele acabara de ver na areia. — Uma Keyblade?
Ele pegou a arma, que devia pertencer a outra pessoa.
— Parece tão velha — comentou Donald.

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Sora inspecionou cada centímetro da Keyblade — nunca tinha visto uma assim antes. A cor
era bem escura e ele não reconheceu a forma do chaveiro.
— Como ela veio parar aqui? — murmurou ele, virando-a de um lado para o outro.
— Hmm, talvez seja outra chave guia — sugeriu Pateta.
— Claro, mas para nos guiar pra onde?
Sora pegou a Keyblade e ouviu para onde seu coração lhe dizia para apontá-la. Um feixe de
luz se formou na ponta da lâmina e foi direto para a entrada do Lugar Secreto. Quando a luz enfim
se desfez, ela revelou...
— Uma porta!
— Vamos lá.
Donald e Pateta estavam ansiosos para ir, mas então Sora se colocou na frente deles e disse:
— Vocês não.
— Hã?! — Donald e Pateta ficaram chocados.
— O reino das trevas... ele não é seguro pra vocês — disse Sora, aproximando-se sozinho da
porta. Mas Donald e Pateta não iriam aceitar isso sentados:
— Pode esquecer. Eu vou.
— Sim. Você não dá uma dose inteira sem nós.
Sora se virou para encará-los.
— Qual é, pessoal, parem pra pensar. Até o rei e o Riku sofreram no reino das trevas.
Alguém precisa ficar aqui fora, só por precaução. Se acontecer alguma coisa com o resto de nós,
vocês dois precisam continuar.
Donald e Pateta pareciam cabisbaixos.
— Sora... — disse Donald, a voz suave, e depois com mais raiva: — Para com isso!
Pateta também não estava pronto para desistir:
— Nós entendemos, mas não queremos que você vá pra um lugar perigoso sozinho.
Sora apenas lhes abriu um sorriso.
— Obrigado, galera. Mas eu vou ficar bem. Vou garantir que o Riku e o rei estejam bem.
Confiem em mim. — Ele pontuou a reafirmação com uma pose heroica.
Pateta e Donald trocaram um olhar e então se voltaram para Sora.
— Promete que vai se comportar?
— E voltar pra casa são e salvo?
— Sim — disse Sora, assentindo com firmeza para os amigos preocupados.

Enquanto isso, no reino das trevas, na beira da água, Riku e Mickey travavam uma batalha
contra uma Torre Demoníaca. Não estava indo bem — quando Riku se distraiu ao ver Mickey em
apuros, ele foi atirado do outro lado praia.
— Riku! — A massa rodopiante de Heartless não perdeu a abertura que Mickey deixou em
sua defesa quando começou a correr atrás do amigo. A Torre Demoníaca engoliu o rei, atirando sua
Keyblade com tudo no chão.
— Mickey! — Riku gritou de onde estava na areia.
O rei estava completamente imobilizado, preso dentro da massa negra como breu. Então, de
dentro da escuridão saiu uma figura escondida por um manto de trevas rodopiante.
— Essa Keyblade...
A figura pegou a arma caída de Mickey.
— É ela? — O rei engasgou quando a escuridão se desfez para revelar seu rosto.
— Mickey... está atrasado.
— Aqua? — disse Riku, quase para si mesmo.
A mulher que se virou para encará-los tinha os cabelos azul-claros e olhos dourados — os
olhos dourados de alguém que fora consumido pela escuridão.
— O que aconteceu? — Mickey perguntou tristemente.

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A força com a qual Aqua segurava a Keyblade aumentou.
— Você me abandonou, foi isso. Me deixou nesta prisão de sombras por mais de uma
década, sabendo o que aconteceria comigo...
— Sinto muito. É tudo culpa minha. — O rosto de Mickey estava cheio de tristeza. Ele não
conseguia nem olhar para ela.
— Eu cheguei a esta costa depois de vagar sem parar — sibilou Aqua enquanto caminhava
até a beira da água. — Esperei uma eternidade para que a ajuda viesse. Mas ninguém apareceu. Eu
perdi a minha Keyblade. Não tinha mais como voltar enfrentando os Heartless. Você deveria saber
que eu estava presa.
Enquanto falava, ela finalmente parou com os pés junto à água.
— Tem alguma ideia de como é solitário aqui? De como é aterrorizante não ter ninguém? Só
o que resta no meu coração é o tormento e o desespero... e agora, posso dividir com vocês! —
gritou Aqua, virando-se para encará-los.
Riku deu um passo à frente.
— Não precisa — disse. — Já tenho os meus próprios.
Ele fechou os olhos por um momento, sentindo a presença de outra versão de si mesmo. Não
muito antes desta segunda viagem ao reino das trevas, os dois haviam se encontrado bem ali, na
Margem Negra. Riku e quem ele costumava ser — sua réplica.
E essa Réplica estava com ele agora — estivera com ele o tempo todo.
Você vem comigo?
Eu sei, não preciso perguntar. Onde um de nós vai, o outro segue. Você é a escuridão no
meu coração, então você sempre estará comigo.
Eu não seria quem sou agora sem você.
Riku abriu os olhos e os focou em Aqua. O poder crescendo dentro dele se transformou em
uma Keyblade. Sem dizer uma única palavra, ele deu um passo em direção à mestra caída que o
esperava em meio à luz que pairava sobre a água — mas a Torre Demoníaca avançou para bloquear
seu caminho, com Mickey ainda em suas garras. Essa batalha não seria fácil.
— Dá o fora!
Riku atacou a Torre Demoníaca com todo o poder que emanava de dentro de si. A Torre em
si era uma enorme massa de Sombras menores mescladas. Ela rodopiava no ar como um vórtice,
ocasionalmente se erguendo em uma enorme coluna que se lançava contra Riku. Acontece que ele
não estava disposto a deixá-la derrotá-lo — ele salvaria Aqua da escuridão que a havia dominado.
Foi quando a Torre Demoníaca se enterrou no chão para revelar Aqua. Ela o atacou com
magia, mas ele se esquivou dos feitiços e a perseguiu. Aqua golpeou Riku com sua Keyblade e usou
o recuo do choque de sua arma contra a dele para se afastar — e justamente nesse momento, a Torre
Demoníaca ressurgiu do chão e jogou Riku longe. Agora que Aqua não estava mais a vista, ele
voltou a atacar a massa colossal de Heartless.
Riku golpeou com sua Keyblade de novo e de novo, colocando toda a sua força em cada
investida. Mas não importava quantas Sombras destruísse, mais chegavam para tomar seu lugar. Ele
não chegaria a lugar nenhum desse jeito.
— Sora... — Riku não sabia por que o nome do amigo deixou sua boca enquanto ofegava.
Foi quando uma porta se abriu no céu, emanando uma luz ofuscante e — e então o próprio
Sora apareceu. Ele veio voando e caiu no chão ao lado de Riku.
— Consegui! — Sora exclamou com um sorriso, o qual Riku devolveu.
A conexão entre os dois tomou então uma forma visível — um halo brilhante que se formou
ao redor deles. Suas Keyblades se fundiram, produzindo uma poderosa torrente de luz.
Os Heartless não foram páreos para a explosão devastadora e se espalharam, finalmente
liberando Mickey de sua prisão. Riku tentou correr até o rei, mas Aqua estava logo em seu encalço.
Pouco antes de sua Keyblade atingir as costas dele, Sora saltou entre os dois e bloqueou o ataque.
— Como, Sora? — perguntou Riku.
Sora mostrou a ele a Keyblade que havia encontrado nas Ilhas do Destino. Era também a que
Aqua certa vez empunhara — a Defensora do Mestre.

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— Eu... tive uma ajudinha — respondeu Sora. — Cuida do rei. Deixa isso comigo. — Ele se
virou para enfrentar Aqua com a Keyblade em mãos.
— Certo. — Riku correu para Mickey.
Sora o observou por um momento, mas então dedicou toda a sua atenção a Aqua.
Finalmente estou encontrando com ela pela primeira vez, mas não parece assim. Não por
causa da escuridão — tem alguma coisa no fundo do meu coração que a conhece.
Eu tenho que encontrar um jeito de pará-la aqui.
Aqua veio voando em sua direção, mas Sora a segurou com sua Keyblade. O golpe deixou
suas mãos dormentes e ele trincou os dentes. Com um pequeno sorriso, Aqua voltou a se afastar.
Ele não podia se dar ao luxo de pegar leve, nem mesmo um pouco. Ela não havia apenas
abraçado a escuridão, mas era também uma Mestra da Keyblade.
Sora atacou Aqua, mas assim que a alcançou, ela se dividiu em três cópias. Ele não sabia
dizer qual delas era a verdadeira. Sora tentou atacar a Aqua mais próxima com magia e a cópia se
desfez em partículas de trevas. Ele mal conseguiu erguer a Keyblade a tempo de interceptar um
golpe descendente de outra Aqua que veio do lado — e, logo em seguida, a terceira Aqua disparou
por trás e o jogou para o alto com uma poderosa investida.
Sora conseguiu se recuperar no ar pouco antes de pousar. Parecia ser justamente o que as
duas Aquas estavam esperando, porque ambas se lançaram contra ele no mesmo instante. Sora se
apressou e contra-atacou com uma magia que eliminou ambas as atacantes, o que queria dizer que
só o que restava agora era a Aqua verdadeira. Ele aparou a Keyblade dela e usou o impulso para se
aproximar e acertar um golpe sólido.
Aqua caiu de joelhos, uma das mãos sobre o peito. A Keyblade em suas mãos — a Keyblade
de Mickey — irradiava uma forte luz enquanto uma névoa escura envolvia seu corpo. A Keyblade
então escorregou de seus dedos, desaparecendo em meio a um clarão luminoso.
Aqua caiu na superfície da água turva e começou a afundar.
— Então... este é o fim — disse ela, a voz suave, e então fechou os olhos.
— Aqua!
De repente, Sora estendeu a mão para ela.
O que teria sido o que ela viu?
Foi luz? Ou foi...?
— Sora...
Aqua estendeu a mão para segurar a dele — e então o mundo ficou completamente branco.

Por muito tempo, as ondas foram o único som aqui nesta praia.
Apenas as ondas quebrando na escuridão. Nada mais.
Achei que nunca mais ouviria outra coisa.
Ninguém viria me salvar. Afinal, eu não pude salvar mais ninguém. Eu quebrei a minha
promessa. Eu falhei.
Eu sinto muito.
Posso me sentir afundando cada vez mais nessa escuridão. Em breve estarei longe demais e
ninguém nunca mais me encontrará.
— Aqua!
Ouço uma voz chamando meu nome. A voz do Ventus.
— Aqua!
A do Terra também. Eles parecem tão preocupados.
E o céu atrás deles... é azul. E tão brilhante.
O que aconteceu comigo?
— Ven... Terra...
Eu também digo os seus nomes.

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Talvez eu consiga cumprir a minha promessa, afinal... eu tenho que cumpri-la, não importa
o que aconteça.
A escuridão está atrás de mim... e estou acordada.

— Aqua!
Sora e Riku estavam olhando para o rosto de Aqua. Estavam nas Ilhas do Destino com ela e
Mickey, bem na beira do mar, como da última vez que os dois voltaram da Margem Negra.
Os olhos de Aqua se abriram lentamente e ela se sentou.
— São vocês... — Confusa, ela assimilou seus arredores.
— Ainda bem! Você acordou — Mickey disse a ela.
— Mickey... — Um minúsculo indício de compreensão começou a surgir no rosto de Aqua.
— Essas são... as Ilhas do Destino?
— Isso mesmo — respondeu Mickey.
Aqua ainda parecia um pouco atordoada.
— Quando eles caíram nas trevas? — ela perguntou, mas Riku balançou a cabeça e sorriu.
— Você está no reino da luz.
Quando Aqua olhou para ele, lágrimas começaram a brotar em seus olhos.
— Está em casa — disse Sora, estendendo a mão para ela.
As lágrimas transbordaram e Aqua chorou de alegria.
— Está em casa!
— Bem-vinda de volta.
Donald e Mickey correram e a abraçaram, Sora e Pateta se juntando a eles logo depois. Riku
hesitou, mas então lentamente se juntou aos demais.
O silêncio solitário finalmente havia acabado.
O sol acolhedor das Ilhas do Destino brilhou sobre todos.

Aqua seguiu caminhando em direção ao seu antigo campo de treinamento, acompanhada por
Sora, Donald e Pateta. O terreno era irregular e o céu estava cheio de nuvens escuras e pesadas.
Mas ela tinha acabado de voltar do reino das trevas e Pateta estava preocupado:
— Tem certeza disso, Aqua? — ele perguntou quando o Castelo do Esquecimento apareceu
diante deles.
— Se quiser, podemos te levar até a torre do Mestre Yen Sid pra você descansar com o Riku
e o rei — sugeriu Sora, com Donald assentindo logo atrás.
Mas Aqua apenas balançou a cabeça e sorriu enquanto continuava andando.
— Obrigada. Mas... o Ven está me esperando. Eu prometi acordá-lo. Disse que voltaria logo,
mas não cheguei nem perto. Mereço uma bronca.
Ela parou diante do castelo imponente.
Aquela certa vez fora a Terra da Partida, onde ela e seus amigos treinaram juntos, mas agora
estava irreconhecível. Existia como o Castelo do Esquecimento desde o dia em que Aqua selou a
terra para manter Ventus seguro.
Aqua respirou fundo, convocou sua Keyblade e apontou para os portões do castelo.
Uma fechadura apareceu e, quando a luz de sua Keyblade a alcançou, eles foram atingidos
pelo que parecia uma poderosa rajada de vento. Houve um grande estrondo, seguido pelo som de
uma porta se abrindo.
Toda a estrutura do Castelo do Esquecimento começou a se reorganizar até assumir uma
aparência completamente diferente — até as nuvens se dispersaram para revelar um céu azul claro.
Em pouco tempo, o castelo era a casa que ela conhecia novamente.
— Prontos? — perguntou Aqua e, com isso, eles entraram.
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O lugar era exatamente como ela se lembrava, mas Aqua acelerou ao longo dos corredores,
sem parar para ver tudo. Ela enfim chegou a uma grande entrada, a qual revelou Ventus sentado em
um trono no fundo do salão.
— Ven. — Aqua correu até o amigo e o segurou em seus braços. — Me desculpe por ter
demorado tanto.
Ventus, no entanto não demonstrou nenhum indício de que ia acordar.
— Ven, acorde. Abra os olhos, por favor! — Aqua o segurou pelos ombros e o sacudiu. —
Por quê? Seu coração nunca chegou a voltar?
Mas a resposta veio de uma voz que nenhum deles esperava ouvir ali:
— Truquezinho legal esse. Não me admira que ninguém conseguiu encontrá-lo.
Todos se viraram surpresos, prontos para uma luta.
— Vanitas! — exclamou Sora.
Aqua se ergueu e se colocou na frente de Ventus, de forma a protegê-lo.
— Por quê está aqui?
— Ah, desculpa interromper a reuniãozinha tocante, mas vocês certamente não vão me negar
um momento com o meu irmão, vão?
Sora, Donald e Pateta atacaram Vanitas com as armas em mãos, mas ele saltou por cima
deles e se empoleirou nas costas do trono onde Ventus seguia dormindo.
— Então o Ventuzinho quer continuar dormindo. Mas o que é que eu faço com você? —
disse ele, a voz com um toque de humor.
— Cale-se!
Aqua saltou no ar e partiu para cima de Vanitas com um golpe de sua Keyblade. Mas ele
simplesmente bloqueou a investida com a sua própria, sequer se preocupando em se levantar.
— É melhor se acalmar aí, “Mestra”. — Vanitas empurrou Aqua para trás e então se lançou
atrás dela enquanto ela voava pelo ar. Ambos pousaram no meio do salão quase ao mesmo tempo.
— Aqua, eu cuido dele! — disse Sora.
— Não — ela respondeu por cima do ombro. Sua voz era firme. — Eu vou acabar com isso.
— Mas... você ainda não se recuperou.
— Desculpe, mas você me viu muito fraca com muito frequência. Agora é a minha vez de
brilhar — ela respondeu com um sorriso e então se virou para encarar Vanitas novamente, erguendo
uma barreira ao redor dos dois. Ele não seria capaz de ferir Ventus, mas Sora e os outros também
não poderiam ajudá-la.
— Aqua! — gritou Sora.
Ignorando sua preocupação, Aqua disparou contra Vanitas e atacou. Ele afastou a Keyblade
dela e a empurrou para trás, mas Aqua não perdeu um segundo e rapidamente se lançou de volta ao
ataque. Quando Vanitas tentou usar magia contra ela, Aqua respondeu na mesma moeda.
Suas Keyblades se chocaram, se separaram e então voltaram a colidir, de novo e de novo.
Quanto tempo isso ia durar? A fadiga estava cobrando o preço para ambos.
Vanitas ignorou o cansaço e lançou outro feitiço, mas desta vez, ele mirou em Ventus. A
barreira rachou.
Vanitas disparou outra rajada mágica.
Aqua tinha que fazer alguma coisa ou Ven se machucaria...
Ela correu para frente e se jogou na frente do feitiço, levando todo o dano em seu lugar.
Enquanto estava caída no chão, Vanitas caminhou lentamente em sua direção e parou sobre ela.
— Aqua! — gritou Sora... e então ele ouviu uma voz:
— Eu... tenho que acordar...

Ela parecia vir do fundo do seu coração. Sora respondeu:


— Sim. Me diga o que fazer.
— O poder de despertar...
— Não dá. Eu ainda não tenho — disse Sora. Ainda não estou nem perto...
— Você nunca o perdeu. Ele dorme... até que alguém precise dele. Chame-o...

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— Eu estou chamando... de todo o coração — Sora disse suavemente, pensando no que
poderia haver sob a escuridão. Eu tenho que salvar todo mundo.
— Obrigado por sempre cuidar de mim, Sora.
Uma luz ofuscante envolveu Ventus e o trono no qual ele estava sentado — e em um piscar
de olhos, a luz perfurou a barreira.
A luz era Ventus, finalmente acordado.
— Aqua!!
As Keyblades de Ventus e Vanitas se chocaram e a barreira quebrou e caiu em pedaços.
Sora, Donald e Pateta rapidamente correram para proteger Aqua, enquanto Vanitas saltava
para um lugar seguro.
— Três guardiões é trampo demais pro meu gosto — disparou. — Mas agora que o meu
irmão acordou... tenho certeza que ele virá me visitar. — Ele abriu um caminho para os Corredores
das Trevas atrás de si e escapou.
Ventus ajudou Aqua a se levantar.
— Aqua, você tá legal? — perguntou Sora, preocupado, enquanto se aproximava.
— Sim. Estou bem, Sora — ela respondeu com um sorriso.
Ao lado dela, Ventus estava olhando para Sora com certa perplexidade — por que ele se
parecia tanto com Vanitas?
— Hã?! Você... é o Sora?
— Sim. Oi, Ventus. — Sora estendeu a mão direita.
— Entendi — disse Ventus, a voz suave. — Você foi a minha segunda chance.
— Hein?
Mas em vez de explicar mais, Ventus apenas estendeu a mão e apertou a de Sora.
— Me chama de Ven.
Sora assentiu. Quando os terminaram de se cumprimentar, Aqua estendeu a mão e a colocou
gentilmente sobre a cabeça de Ventus.
— Bom dia, Ven.
— Bom dia, Aqua. — Ventus devolveu o sorriso.
Foi um momento de grande alívio e felicidade para todos — e agora a verdadeira batalha
poderia começar.

***

Interlúdio: CONV E R SA SECR ETA

Enquanto isso, na praça de Radiant Garden, dois homens estavam conversando.


— O QUÊÊÊ...?! — gritou Demyx.
Vexen rapidamente colocou a mão sobre a boca do outro homem.
— Quieto, idiota!
— Mas, cara, por que você me escolheria? — Demyx começou a choramingar assim que
Vexen tirou a mão.
Vexen o encarou com uma careta.
— Não posso deixar que os escolhidos fiquem sabendo disso, entendeu?
— Ah, já saquei! É porque fiquei de banco! — retrucou Demyx, indignado.
— Eu também fiquei! — disparou Vexen, e foi a vez de Demyx cobrir sua boca com a mão.
— O quê...? Ei, quieto!
Depois que Demyx o soltou, Vexen pigarreou desajeitadamente.
— Tá, cara, olha. Papo reto? Trair aqueles caras seria estupidez. Se eles descobrirem, a
gente já era. Quer dizer, o que eu ganho com isso?
— Perdão — respondeu Vexen, a voz suave.
— Hã? Pelo quê?

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— Homens como nós... na busca da ciência, às vezes cometemos erros terríveis. Perdemos
de vista a nossa missão de ajudar as pessoas. Mas agora, eu posso ajudar alguém com a minha
pesquisa. Agora, posso me redimir — Vexen confessou com total sinceridade, seu olhar focado em
um ponto distante.
No entanto, Demyx não estava nem um pouco interessado.
— Eu não sou um cientista — ele afirmou com naturalidade, então acenou em despedida e
começou a ir embora.
— Calma, calma, calma! — Vexen colocou a mão no ombro de Demyx e o puxou para trás.
— Qual é, cara. Eu sou um inútil, um covarde. Nós nem somos amigos. Posso contar numa
mão quantas vezes a gente já conversou, em menos de uma mão! Eu nem te conhecia na vida antiga!
— Certo, certo! Mas ouça — disse Vexen, gesticulando para que ele se aproximasse. Então
sussurrou uma coisa no ouvido de Demyx. A suspeita no rosto de Demyx logo deu lugar à surpresa.
— Hã? Nem a pau!
— É verdade. A coisa toda foi ideia dele.
— Hã? Mas de jeito nenhum.
Quaisquer que fossem as informações que Vexen acabara de compartilhar com ele, Demyx
aparentemente achava difícil aceitar.
— Ele também quer se redimir. Mas ele é um dos escolhidos, então suas mãos estão atadas.
Por isso estou agindo em nome dele. Por isso preciso que você aja em meu nome caso tudo dê
errado. Como você disse, estamos longe de ser amigos. Ninguém jamais suspeitaria de você.
— Hmm... — Demyx pareceu refletir sobre a ideia por um momento. — Então eu não vou
precisar lutar?
— Correto. E o mais importante, nada de aquecer o banco.
Isso trouxe um sorriso ao rosto de Demyx.
— Ha! Aí sim, pô! Conta comigo — ele cacarejou, pulando no ar e fazendo pose de macho.
Vexen não ficou impressionado.
— Boa! É hora do Demyx! — disse Demyx com um sorriso enquanto seguia seu caminho.

Enquanto isso, no laboratório de Ansem, o Sábio, também em Radiant Garden, Ienzo estava
imerso em pensamentos diante de uma tela, como sempre fazia.
— Percorremos um longo caminho para que pudéssemos reconstruir o coração de Roxas.
Mas um receptáculo... Sem isso... — disse a si mesmo, os olhos fechados.
Já temos os dados dos quais precisamos e a análise fornecida pelos servos do rei se provou
bastante útil. Simplesmente não temos um receptáculo — e uma pessoa viva é algo fora de questão.
É o plano B ou nada agora. Enquanto tivermos o backup, Roxas ainda poderá existir pelo menos
em forma de dados.
— Mas... o plano B não é uma solução definitiva — Ienzo murmurou para si mesmo
quando, de repente, um portal escuro se abriu atrás dele.
— Finalmente. Já tava na hora.
Assustado, Ienzo girou assim que Demyx deixou o portal com algum tipo de objeto grande
pendurado no ombro. Um objeto que parecia ter forma humana.
— Uhh. Lugar bacana.
— Demyx? É você?! — perguntou Ienzo.
Ele era da Organização — como podia ter chegado até ali...?
— Opa, Zexion! Quanto tempo! — Apesar da apreensão de Ienzo, Demyx ergueu a mão
alegremente para saudá-lo e então colocou seja lá o que fosse o que estava carregando no chão. —
Como tá sendo a humanidade? Eu voltei pros Nobodies, mas, tipo... não consigo deixar de pensar
que me passaram a perna, sabe? A gente tem muito que bater um papo.
— Ei, vai com calma. O quê? — Ienzo estava um pouco confuso.
Talvez pretendendo confundi-lo ainda mais, Demyx continuou:

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— Ah! Foi mal, desculpa. Tô meio adiantado. Na real, eu tô aqui numa missão ultrassecreta.
Pelo visto, eu passo tão despercebido por todo mundo que sou o cara perfeito pra fazer uma entrega
especial. — O portal escuro atrás dele ainda estava aberto e Demyx gesticulou de volta para ele com
um floreio. — Ta-dááá!
Alguém saiu do corredor. Esse alguém era...
— Mestre Ansem! — Ienzo engasgou.
— Ah, como vai, pequeno Ienzo? — disse Ansem, o Sábio, com um sorriso gentil enquanto
entrava lentamente no laboratório.
Dilan e Aeleus irromperam na sala, alarmados com toda a comoção.
Os olhos de Ienzo se desviaram para o chão e seus ombros começaram a tremer.
— Me disseram que o senhor tinha enlouquecido. Que tinha nos abandonado. Eu era só um
garoto... mas eu devia saber. Lamento profunda e verdadeiramente.
Ansem, o Sábio, colocou as mãos silenciosamente sobre os ombros de Ienzo e então ergueu
o rosto do menino para que pudesse ver seus olhos.
— Acredito que o que importa é que você reconheça o erro. Acalme-se, Ienzo. Fui eu quem
foi consumido pelo ódio, quem falhou com você em minhas obrigações como mentor. Me perdoe.
Ienzo, Dilan e Aeleus ouviram em silêncio.
— Então, hã... podemos ir seguindo com o roteiro aqui? — disse Demyx enquanto colocava
a cabeça entre Ienzo e Ansem, arruinando o momento de silêncio. Pelo menos agora ele tinha a
atenção de todos. — Eu trouxe um presente de Vexen. Por enquanto, ele só conseguiu um, mas, ei,
ele achou que vocês saberiam o que fazer com essa coisa.
Ienzo examinou o pacote que Demyx lhe havia entregue e...
— Um receptáculo! — exclamou.

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NOVE PESSOAS SE REUNIRAM DIANTE DE YEN SID NA TORRE MISTERIOSA.
— Por fim, estamos todos reunidos. Primeiro: Sora, Riku, Donald, Pateta, Mickey. Me
faltam palavras para agradecer pelo que fizeram.
Os cinco inclinaram a cabeça.
Os olhos de coruja de Yen Sid se voltaram então para outros dois.
— E vocês, Aqua e Ventus: temos sorte por tê-los de volta.
— Obrigada. Só queria que pudéssemos ter voltado para ajudar antes. — Aqua se virou para
os outros ao seu lado e abaixou a cabeça em sinal de agradecimento. — Somos gratos a todos por
terem nos resgatado.
— Obrigado — acrescentou Ventus.
— Eu me sinto mal por deixar vocês na mão. Nós tentamos, mas ainda não encontramos o
Terra — disse Mickey, um pouco chateado.
— Não se sinta. Ele estudou com o Mestre Eraqus, assim como nós. Ele é responsabilidade
nossa. — Aqua olhou para Ventus e os dois assentiram juntos.
— O Mickey me disse que você me salvou no reino das trevas — disse Riku. — Eu devia
ter ido te ajudar imediatamente. Mas eu era muito inexperiente. Me perdoe. Sei que a decepcionei.
— Algum tempo atrás, ele havia trabalhado com Sora, Mickey, Donald e Pateta para selar a porta
para o Kingdom Hearts deste mundo.
Aqua balançou a cabeça.
— Não, é bem pelo contrário.
— Você sabia que o Riku é um Mestre da Keyblade de verdade agora? — Pateta interveio
mais ao lado, todo orgulhoso.
— Que maravilha — disse Aqua com um sorriso.
— O rei também — Donald disse a ela.
— Isso é ótimo!
Mickey riu timidamente com as palavras de aprovação. Na época em que Aqua estava à sua
busca, Mickey ainda era um portador de Keyblade em treinamento.
— Mas o Sora precisa de uns ajustes — acrescentou Donald, incisivo.
Sora não ficou nada feliz com o comentário.
— É, esfrega mesmo...
Todos deram uma risadinha. Aqua então se virou para ele.
— Fico feliz em ver que você não mudou nada.
— Hã? — Sora estava confuso. Como ela poderia saber se eu mudei? Será que a gente se
conheceu em algum lugar antes?
— Sora, você provavelmente não se lembra...
— Hã... Hmmmmmm... — Sora coçou a cabeça, tentando ao máximo se lembrar.
— Tudo bem. — O alto astral de Aqua não foi abalado por seu esquecimento.
Axel, que não estava participando da conversa, pigarreou.
Yen Sid respondeu imediatamente:
— Ah, sim. Não nos esqueçamos dos nossos novos portadores da Keyblade. Lea, Kairi,
vocês progrediram bastante.
— Fala aí. E é “futuro Mestre da Keyblade Master” pra...
— Kairi? — Aqua reagiu ao nome, interrompendo Axel no meio da frase. Ela correu até
Kairi e olhou para o pingente em seu peito. — Incrível! É mesmo você.
— Você a conhece? — perguntou Mickey.
— Quando você e eu nos conhecemos em Radiant Garden, os Unversed tentaram atacar uma
menina. Você se lembra?
— Puxa vida! Aquela menina era a Kairi?
A discussão de Aqua e Mickey sobre esses eventos passados de nada adiantou para refrescar
a memória de Kairi.
— Acho que deve ter funcionado... o feitiço que eu lancei em você.
— Sinto muito, aqueles dias são turvos para mim. Mas parece que eu teria tido problemas
sem você. Obrigada. — Kairi inclinou a cabeça em direção a uma Aqua sorridente.
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2|Kingdom Hearts III: A Romantização
— Não por isso. Você era muito, muito pequena. Qualquer um esqueceria, com a memória
turva ou não.
Ainda alheio àquilo tudo, Axel pigarreou outra vez e interveio:
— Isso tudo é bem comovente, galera, mas onde é que eu me encaixo? O Ven é a cara do
Roxas... ou é o Roxas que é a cara do Ven? E agora eu tenho que explicar tudo isso pra ele, o que
por si só já é uma história longa do caramba. E pelo visto todo mundo já conhece todo mundo e é
uma quantidade insana de gente pra poder memorizar! — Ele reclamou, cada vez mais frustrado.
— Desculpa, Lea — respondeu Ventus.
— Você se lembra de mim? — perguntou Axel, apontando o dedo para a têmpora, como
costumava fazer.
— Sim, é claro! Nós somos amigos. Nem acredito que você virou um portador de Keyblade,
igual a mim.
— Sim... — A irritação de Axel deu lugar a um sorriso.
— Axel, você conhece o Ven? — perguntou Sora, mas isso apenas confundiu Ventus.
— Axel? Quem é Axel
— Viu, viu, viu? Só dor de cabeça — reclamou o ex-Nobody. Foi quando o Grilo Falante
saltou para fora do capuz de Sora.
— Mais um? — engasgou Axel, surpreso.
O Grilo tinha algo a dizer a todos:
— Não se preocupem, pessoal. Para nos ajudar, eu dei um Gummifone a cada um de vocês.
Eles têm uma síntese de tudo o que aconteceu até agora. Assim, se quiserem, vocês podem dar uma
lida. E se alguém tiver alguma dúvida, podemos ligar uns para os outros.
Basicamente, se alguém estivesse confuso sobre a sua situação ou a dos seus companheiros,
ele ou ela poderia encontrar as informações lá.
— Esse é o nosso Grilo.
— Ele está sempre preparado.
Diante dos elogios de Donald e Pateta, o Grilo estufou o peito, cheio de orgulho.
— Bom, temos os nossos sete guardiões — disse Mickey, todo animado, mas Sora, por
outro lado, ainda parecia tenso.
— Sim. Mas... eu queria que o Roxas, a Naminé e o Terra também pudessem estar aqui
com a gente.
— Desde quando você fica choramingando pelos cantos, Sora? — cutucou Riku. — Qual é.
O Terra só pode estar com o Organização. O que significa que teremos uma chance de salvá-lo.
— Deixem isso com o Ven e comigo — disse Aqua. — Nós o traremos para casa.
Ventus estava tão determinado quanto ela.
— Sim, eu fiz uma promessa ao Terra. Disse que estaria lá quando ele precisasse de mim.
— E eu vou atrás do Roxas — acrescentou Axel. — Ainda não sei bem como, mas... vou
trazê-lo de volta.
Ao lado dele, Kairi colocou a mão sobre o peito.
— A Naminé está bem aqui, segura comigo. Sei que vamos encontrar uma forma de ajudá-
la. Confie em mim, eu não vou desistir.
— A Kairi está certa. Estamos todos juntos nessa, Sora — disse Mickey, a voz gentil.
— E o Donald e eu não temos uma Keyblade, mas sempre estaremos lá para ajudar a te
manter firme. A gente te dá cobertura, não só agora, mas sempre — Pateta disse ao amigo.
Todos os olhos na sala estavam em Sora agora. É... acho que eu não tô mesmo sozinho, né?
Enquanto uma sensação calorosa crescia no peito de Sora, Donald deu um breve puxão na
perna de sua calça.
— Três meias-doses dão uma dose inteira!
— Isso de novo?
Todo mundo riu da reação irritada de Sora.
Yen Sid logo trouxe todos de volta ao assunto em questão:

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— É uma pena não termos todos os nossos amigos aqui. Mas os nossos sete guardiões da luz
se uniram. Talvez se possa dizer que temos nove guardiões, com Donald e Pateta. Com o tempo, sei
que os outros logo estarão conosco.
— É.
Yen Sid sorriu suavemente com a resposta de Sora, então continuou:
— Hoje, vocês descansam. Pela manhã, vocês viajam para o lugar destinado.
— Certo! — os heróis disseram em coro.

Aqua e Ventus desceram os degraus da torre juntos sob um céu escuro cheio de luzinhas
cintilando ao longe.
— As estrelas aqui são tão bonitas. Eu percebi quando chegamos.
— Sim — concordou Aqua, juntando-se a ele e olhando para cima. Toda aquela vastidão
estrelada era o Oceano de Intermédio que eles certa vez haviam atravessado.
— Ficamos sem isso por tanto tempo.
— Eu sei.
Ventus se sentou nos degraus ao lado de Aqua.
— Me lembro de sonhar bastante. Com você e o Terra. Com Sora e os amigos dele também,
eu acho. E tinha mais umas pessoas que eu não reconheci. Ah, e eu vi uns bichinhos bem esquisitos!
É como... se eu tivesse participado de uma grande aventura.
Aqua se sentou ao lado de Ventus e abraçou os joelhos junto ao peito.
— Eu também estive em outros lugares. Mas logo... as coisas voltarão ao normal. — Ela
soava quase como se estivesse tentando convencer a si mesma de que era verdade.
A reação de Ventus foi tirar seu Wayfinder do bolso e erguê-lo para as estrelas. O pequeno
amuleto era um símbolo de sua amizade, um que Aqua havia feito para eles antes de cada um seguir
o seu próprio caminho. Terra também ainda devia ter o dele.
— Vamos contar essas histórias quando o Terra tiver voltado — disse Ventus.
Aqua pegou seu próprio Wayfinder e, erguendo-o para o céu, assentiu. Mais ao alto, sobre
suas cabeças, as estrelas que enchiam o céu brilhavam sem fim.

Enquanto isso, em Twilight Town, uma mulher com um manto negro caminhava por uma
rua mal iluminada pela luz do sol poente.
A mulher era Malévola, e Bafo estava reclamando no seu ouvido de novo.
— Cansei dessa caça ao tesouro idiota! Todas as caixa que encontramos não deram em nada.
— Concordo. Nossa busca termina hoje — respondeu ela, sem sequer desviar o olhar para o
companheiro.
— Como é que é?!
— Não se pode encontrar o inencontrável. A caixa não existe — explicou Malévola, ainda
olhando para o longe.
— Eu sabia que eles tavam tirando com a nossa cara!
A fada bateu com o cajado no chão e finalmente se virou para Bafo.
— Silêncio, imbecil — retrucou. — Quis dizer que a caixa não existe agora.
— Isso é algum tipo de charada? Onde é que a gente devia procurar?
— Luz e trevas estão fadadas a se enfrentarem. Uma Guerra da Keyblade se aproxima.
Precisamos apenas esperar pelo momento destinado. Não importa os vencedores, a caixa será
revelada — respondeu Malévola, virando-se em seguida.
Bafo ainda não parecia entender.
— Só isso?! Mas quando vai ser o meu grande momento?

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— Você o terá muito em breve. Quando enfim eu possuir a caixa, nosso verdadeiro trabalho
poderá começar.
Ainda de costas viradas para Bafo, Malévola abriu caminho para os Corredores das Trevas e
os adentrou.
— Ei...!
Bafo correu atrás dela.

Também em Twilight Town, mais ou menos ao mesmo tempo, Axel estava dando uma
mordiscada em um picolé de sal marinho enquanto assistia ao pôr do sol da torre do relógio. Estava
segurando mais dois picolés além do seu.
— Bem, Roxas... eu já devia estar lá por você agora, mas cá estamos nós — disse ele frente
ao crepúsculo. Foi quando sentiu alguém atrás de si.
— Você não devia se despedir do seu verdadeiro lar? — perguntou um homem que vestia
um casaco negro igual ao de Axel.
Saïx.
— Por quê...?
— Não estou aqui para lutar. Relaxe.
Saïx sentou-se ao lado de Axel e arrancou um dos picolés de sua mão.
— Ei!
— Você não pode comer tudo isso. Por que você comprou três deles? Um pelo Roxas e dois
para dar sorte? — perguntou Saïx, seu tom leve e livre de qualquer hostilidade enquanto começava
a tomar o picolé.
— Sei lá eu. Porque eu tava a fim, tá bom? Por que você tá aqui? — Axel desviou o olhar de
Saïx e voltou para o seu próprio picolé.
— Deu pra memorizar? — disse Saïx, usando a frase de efeito de Axel. — Quando ainda
éramos amigos, nós costumávamos nos infiltrar no castelo.
Axel assentiu.
— Sim...
Quando ainda éramos amigos, é? Acho que isso significa que não somos mais agora.
— E então nós fizemos uma amiga lá, uma garota. Viramos aprendizes de Ansem, o Sábio,
para resgatá-la.
— É, e falhamos. Um dia, ela simplesmente sumiu! — disparou Axel, de uma forma que era
reminiscente de seu eu mais jovem.
— Você desistiu.
— Eu não desisti — retrucou Axel, parando para pensar por um momento. Seus olhos se
desviaram para algum lado que não fosse para Saïx ou o pôr do sol. — Um dia, somos aprendizes.
No próximo, Ansem, o Sábio, vai lá e some. No dia seguinte, somos Nobodies. Um dia depois,
estamos fazendo o trabalho sujo do Xemnas. Eu não consegui te acompanhar.
Enquanto falava, Axel jogou as mãos para o alto com picolé e tudo. Saïx seguia apenas
olhando para frente enquanto tomava seu próprio picolé.
— Seguir o Nobody de Xehanort era a única forma de descobrir o que aconteceu com ela.
Ela era seu rato de laboratório.
Axel apontou o picolé de sal marinho intocado em sua mão esquerda para Saïx e disse:
— E aí? Encontrou ela? Porque eu te ajudei a subir na hierarquia, então espero que tenha
valido a pena.
— Receio que não. Nem uma única pista. Comecei a me perguntar se não a havíamos
imaginado. Talvez ela nunca tivesse existido. E então, com o tempo, encontrei um novo propósito.
Percebi que poderia ser mais forte.
Dessa vez, Axel fez um gesto com as duas guloseimas congeladas nas mãos.
— Bom, você estragou tudo! Vê se acorda e dá o fora de lá.

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Saïx apenas o observou em silêncio.
— Encare a realidade. O Roxas é como essa nossa outra amiga. Se foi para sempre. Você
precisa aceitar isso.
— Vai sonhando. Eu vou trazer ela de volta. Todos eles! Principalmente o Roxas! Vou até te
arrastar pra casa!
Apesar do desespero na voz de Axel, Saïx apenas terminou seu picolé e se levantou.
— As marcas sob os seus olhos. Elas sumiram.
Axel ficou surpreso por um segundo.
— Sim. Não preciso delas.
— Eu sempre te disse que elas te impediam de chorar. As lágrimas invertidas — disse Saïx
com um sorriso.
Irritado, Axel balançou seu picolé.
— Quer dar o fora? Eu vou te espancar amanhã!
— Não espero menos.
A escuridão envolveu Saïx quando ele partiu.
Axel ficou sozinho, olhando para o sol poente com seus dois picolés restantes.

Riku estava sentado em meio à areia de uma das praias das Ilhas do Destino, contemplando
o seu próprio pôr do sol.
Ele, Sora e Kairi escolheram voltar para casa na véspera da batalha.
— Há quanto tempo você sabia que eu estava com você? — alguém perguntou ao lado dele.
Riku olhou para o lado.
— Você me salvou.
Lá estava sua própria Réplica, que respondeu apenas com um suspiro cínico.
— Acho que você veio junto por um motivo — ponderou Riku. Ele percebeu então que a
Réplica ao seu lado não estava realmente ali, mas sim em seu coração.
— Eu não cheguei muito longe como uma Réplica. Eu fui um fracasso e, depois que você e
o Sora seguiram em frente, meu corpo caiu em ruínas e a escuridão tomou minha mente quebrada.
Eu estava pronto para desistir e deixar acontecer, mas então você apareceu.
— Você interpretou isso como um sinal? — Riku perguntou para a Réplica com um sorriso.
— Talvez. Prefiro enfrentar meu fim com você do que na escuridão.
— Isso... é o que você quer?
Riku lembrou o que eles disseram um ao outro naquela época, antes de se enfrentarem pela
última vez em combate:

“Porque eu sou você.”


“Não, eu sou eu.”
“'Eu sou eu', ele diz. Deve ser bom ser real.”

Você não estava errado.


Você encontrou o seu caminho de volta para mim — porque você é eu.
— Sim. Mas ainda não terminei. Tenho uma última coisa a resolver. — A Réplica desviou o
olhar para o pôr do sol.
— Leve o tempo que precisar — disse Riku, juntando-se a ele para fitar o horizonte.

Enquanto isso, Sora havia se virado para olhar para Riku.


— Ei, por que o Riku tá sozinho? — perguntou.

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Kairi estava sentada ao lado dele no tronco da paopeira. Antes de sua aventura começar, era
ali que eles iam para conversar sobre todo tipo de coisa.
— Ele disse que precisava de um tempo para si mesmo. Vamos deixá-lo em paz.
— Tá bom... — respondeu Sora, mas claramente ainda estava preocupado com Riku. Afinal,
seu amigo estava sentado ali sozinho na praia, mas parecia muito estar conversando com alguém...
De repente, algo apareceu no rosto de Sora.
— Aqui!
— Hã?
Era uma fruta em forma de estrela — uma fruta paopu.
— A luta de amanhã será a mais difícil de todas — disse Kairi com uma expressão séria no
rosto. — Eu quero fazer parte da sua vida, seja como for. Só isso.
A lenda da fruta paopu dizia que se duas pessoas dessem a fruta uma à outra para comer,
suas vidas nunca mais seriam separadas, não de verdade. Não importava o quão longe estivessem,
eles sempre encontrariam o caminho de volta um para o outro.
Sora aceitou a fruta paopu de Kairi. Ela tinha outra da mesma fruta na outra mão.
— Kairi, eu vou te proteger.
Kairi balançou a cabeça e respondeu:
— Deixa que eu te protejo.
Os dois ofereceram a fruta paopu um ao outro, deram uma mordida e depois compartilharam
um sorriso. O sol poente brilhava sobre os dois — sobre aqueles ali em seu mundo.

A terra árida e varrida pelo vento recebeu os passos dos nove heróis.
— Está na hora. O Cemitério das Keyblades nos espera — informou Mickey.
Todos assentiram, direcionando os olhares para o destino.
— Tem alguém vindo — anunciou Sora, a voz suave.
Do outro lado de uma nuvem de poeira, Mestre Xehanort se aproximou deles em meio ao
deserto, seu andar calmo e sem pressa.
Ele parou diante dos heróis reunidos e começou a falar:
— Diz a lenda que, certa vez, a escuridão já cobriu o mundo. Sabemos tão pouco sobre a
Guerra da Keyblade... apenas que ela foi só o início. Se a ruína leva à criação, então o que outra
Guerra da Keyblade faria? Quando a escuridão cair, seremos considerados dignos da preciosa luz da
qual fala a lenda?
Ansem apareceu ao lado de Mestre Xehanort:
— Ou toda a criação será devolvida às sombras? Hoje, vamos recriar a lenda e descobrir.
Em seguida, Xemnas também deu um passo à frente, ocupando seu lugar do outro lado de
Mestre Xehanort:
— Mas antes... sua luz brilha forte até demais. Ela deve se extinguir para que a verdade
enfim possa ser vista.
Vanitas apareceu na frente dos três anteriores:
— Apenas quando suas esperanças forem quebradas por batalha após batalha, a chave de
Kingdom Hearts poderá ser reivindicada.
— E quebrar você é o que vamos fazer — disse o Jovem Xehanort, que apareceu ao lado de
Vanitas. — Já foi escrito.
A escuridão fluiu dos cinco vilões e cercou toda a área, bloqueando o próprio céu. A nuvem
se abriu e inúmeros Heartless, Nobodies e Unversed começaram a cair das alturas sobre Sora e os
outros guardiões da luz.
— Olha só quantos são! — Sora invocou sua Keyblade e se preparou para se defender.
— Certo, turma. Preparem-se! — exclamou Mickey quando o número de Heartless seguiu
crescendo e crescendo sem parar.

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Todos os heróis prepararam as armas para a batalha. O número de criaturas que os cercavam
estava aumentando rapidamente em uma horda quase infinita. Sora pensou na exaustiva batalha que
havia enfrentado em Hollow Bastion. Mas eu não tava sozinho naquela época e não estou sozinho
agora. Com todos os meus amigos juntos, a gente pode vencer isso.
Uma rápida olhada mostrou a ele Riku, Donald e Pateta, Aqua e Ventus, Axel e Kairi, todos
lutando com tudo de si.
Depois de conseguirem eliminar os Heartless em suas imediações, Sora e os outros pararam
para recuperar o fôlego.
— Estão todos bem? — perguntou Mickey enquanto examinava a equipe. Quando viu que
estavam, ele relaxou um pouco, aliviado.
— Anda, vamos! — exclamou Sora. Mas quando estavam prestes a seguir em frente, outra
figura apareceu mais ao longe.
Ventus foi o primeiro a notar:
— Terra! — gritou ele, correndo antes que qualquer um pudesse dizer alguma coisa.
Aqua foi atrás dele, chamando seu nome com um quê de apreensão. Ventus não sabia que o
corpo de Terra estava sob o controle de Xehanort.
— Terra! Te encontramos! — Ventus exclamou ao pegar a mão do amigo.
Com a voz um pouco mais cautelosa, Aqua implorou:
— Terra, por favor, diga que está aí.
Em vez de responder, Terra a observou em silêncio. Seus olhos azuis pareciam olhar através
dela, e ela colocou uma mão no ombro de Ventus para afastá-lo.
— Quê isso, Aqua?
— Eu sei que você não é ele — disse ela enquanto se posicionava diante de Ventus, de
forma a protegê-lo. — Agora, liberte o nosso amigo!
Foi quando o cabelo de Terra ficou branco e seus olhos azuis viraram dourados.
— Ele é o décimo terceiro — Mickey disse suavemente.
— Hoje é o dia que todos vocês perdem — Terranort disse calmamente aos nove heróis.
— O quê?! — vociferou Aqua.
Uma névoa escura começou a se solidificar atrás de Terranort.
— Antes mesmo de enfrentarem os treze, cada um de vocês terá o coração arrancado do
corpo. Mas não temam. A χ-Blade ainda será forjada.
Terranort invocou sua Keyblade em mãos. Além da névoa escura, no alto dos penhascos que
se erguem sobre o deserto, incontáveis Keyblades permaneciam cravadas no terreno, como lápides.
— Nós não vamos perder pra você.
Com um sorriso afetado pelo desafio de Sora, Terranort se lançou contra Ventus, fechando a
distância em um único momento, e desferiu um golpe devastador no garoto com sua Keyblade.
Ventus foi lançado longe e caiu no chão em meio a uma nuvem de poeira.
— Ven! — Aqua engasgou.
— Já deu! — gritou Sora enquanto para cima do inimigo. Mas Terranort bloqueou o golpe
de Sora com sua Keyblade e também o atirou no chão.
Em seguida, Terranort voltou sua atenção para Kairi, disparando contra ela. Axel se lançou
em sua frente, mas também acabou sendo jogado longe.
— Axel!
Terranort segurou sua Keyblade sobre a cabeça de Kairi, pronto para atacar. Lutando para
ficar de pé, Sora correu e jogou os braços ao redor dela, a fim de protegê-la.
— Não! Sora! — Mickey gritou quando Donald e Pateta passaram correndo por ele, cada
um de um lado.
O escudo do Pateta bloqueou a investida da Keyblade de Terranort pouco antes que atingisse
Sora. O impacto fez com que os dois cambaleassem para trás e Donald aproveitou a oportunidade
para despejar toda a sua força mágica em um feitiço tão poderoso que formou emblemas brilhantes
no chão abaixo dele:
— Zettafulgor!

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Um raio de luz tremendamente poderoso disparou do cajado de Donald e atingiu Terranort
em cheio, encobrindo-o e arremessando-o longe. Completamente exausto, Donald desmaiou e
Pateta e Mickey correram até ele.
Aqua foi ver como estava Ventus, enquanto Riku e Kairi foram ajudar Axel.
— Isso não pode ser verdade — murmurou Sora.
Eles estavam completamente perdidos. Ele mal conseguia acreditar no que acabara de ver —
Terranort havia derrotado três deles com quase zero esforço.
Além disso, outro turbilhão de trevas surgia por trás de seus amigos caídos, despejando uma
nova torrente de Heartless sobre eles.
Riku correu até Sora e o agarrou pelo ombro.
— Recomponha-se, Sora! Nós ainda não os perdemos. Eles ainda têm seus corações. Mas
nós temos que protegê-los.
— Certo! — Sora concordou com um breve aceno de cabeça. O Riku sabe. A gente não pode
deixar eles nos impedirem aqui.
O fluxo de Heartless incontáveis diante deles começou a girar para o alto em um vórtice.
— Vamos lutar juntos — disse Aqua quando veio se juntar a eles, a Keyblade em mão. Ela
olhou de volta para o rei. — Mickey, Kairi, Pateta, cuidem dos outros.
— Não, temos que procurar um lugar seguro enquanto ainda podemos — implorou o rei de
onde estava ajoelhado ao lado de Donald.
Observando a tempestade se formando no céu, Riku respondeu:
— É tarde demais para isso.
Massas de Heartless serpenteavam pelos desfiladeiros, aglomerando-se em um rio colossal
que vinha em disparada contra eles. A legião de Heartless — a Onda Demoníaca — era tão grande
que eles mal conseguiam entender o que estavam vendo. Não era nada parecida com qualquer coisa
que tivessem visto no reino das trevas. Todos olharam com espanto e assombro enquanto a Onda
Demoníaca se elevava no céu como um redemoinho.
— Não pode ser... não... — As memórias de seu tempo nas trevas começaram a ressurgir na
mente de Aqua. Os Heartless aterrorizantes que voltavam de novo e de novo, independentemente de
quantas vezes ela os derrotasse... tinha sido exatamente assim.
Talvez sentindo essa fraqueza repentina em sua mente, a tempestade de Heartless a levou.
— Aqua! — gritou Riku. Ele observou a Onda Demoníaca engolir Mickey, Pateta, Donald e
o resto de uma só vez.
Kairi se ajoelhou, como se para proteger Axel, mas também rapidamente foi levada. Sua
mão se ergueu em direção à de Sora — mas seus dedos passaram pelo ar vazio.
O que eu devo fazer? O que eu posso fazer? Todos se foram. Já não sei mais o que fazer.
Quando Sora sentiu toda a força deixar o seu corpo, sua Keyblade escorregou de suas mãos
e desapareceu.
Tem alguma coisa que eu possa fazer?
Sora caiu de joelhos e gritou, caindo para frente sobre as mãos em meio à poeira.
— Sora! — Riku correu até o amigo.
— Eles se foram. A Kairi, o Donald... o Pateta, o rei... se foram pra sempre. — Sora ergueu
a cabeça devagar, os olhos cheios de lágrimas. — O que a gente faz? Sem eles, eu... toda a minha
força vinha deles. Eles me deram tudo. Sozinho, eu sou inútil. Nós perdemos... acabou. — A voz de
Sora estava embargada pelas lágrimas.
Riku considerou confortar Sora com uma mão em seu ombro, mas preferiu se levantar.
— Sora, você não acredita nisso. Eu sei que não — ele assegurou ao amigo e então seguiu
andando em direção à Onda Demoníaca para enfrentá-la ele mesmo.
Enquanto Sora observava, os Heartless atacaram e Riku recebeu toda o impacto de frente. A
maré de Heartless se dividiu em dois contra a Keyblade de Riku, fluindo para os lados e ao redor
dele. Mas nem isso foi suficiente — por fim, a escuridão também o engoliu.
Sora arfou — e o mundo então ficou preto.

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E então, assim como previsto, a escuridão prevaleceu e a luz pereceu...

Dois jovens estavam sentados diante de um jogo de tabuleiro em uma sala cheia de uma luz
calorosa. Uma única peça de xadrez branca estava no tabuleiro, cercada por treze peças pretas — a
formação sugeria que havia sido enviada sozinha contra as fileiras inimigas.
— Xeque-mate — disse o garoto de preto, colocando uma de suas peças pretas diante do rei
solitário de seu oponente.
O outro garoto, vestido de branco, olhava fixamente para o tabuleiro.
— E assim, a escuridão prevalece e a luz perece. Você precisa de uma estratégia nova.
— É a minha vez, não é? — respondeu suavemente o menino de branco, Eraqus. Ele então
moveu sua peça branca restante de volta para o seu próprio lado do tabuleiro.
— Hã? — ofegou o menino de preto, Xehanort.
— Ainda não acabou.
— Qual é. Não vale. Você tava na palma da minha mão.
É verdade, ele devia ter vencido. No entanto, neste jogo, “xeque-mate” era uma posição que
permitia uma jogada final. Se Xehanort capturasse a última peça de seu oponente em seu próximo
movimento, o jogo terminaria. Mesmo que Eraqus levasse a peça de volta ao seu lado do tabuleiro,
Xehanort ainda seria capaz de pegá-la no próximo turno.
— Sim, foi por pouco. Mas um jogo não tem graça se você souber como vai acabar. A luz é
mais do que aparenta. Eu te disse — comentou Eraqus, diante do que sete novas peças apareceram
na borda do tabuleiro para proteger sua peça restante. Ele sorriu. — Há luzes que vêm do passado.

O jogo ainda não acabou.

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— ONDE EU TÔ?
Sora se levantou e olhou em volta. Ele não fazia ideia de onde estava, apenas que era um
lugar muito claro e que podia ouvir o som da água. Parecia que o céu e o mar se estendiam para
sempre à sua volta, mas mesmo isso era incerto. Ele não sabia se o que estava vendo de fato era o
mar ou apenas... água. Água que se estendia até tão longe que ele não conseguia ver a costa. Havia
também um sol mais ao alto, brilhando sobre ele.
O que aconteceu comigo? Eu... caí na escuridão?
Quando Sora começou a andar, cada passo levantava um pequeno respingo. As nuvens no
céu acima se refletiam na água sob seus pés.
De repente, uma voz vinda de algum lugar falou com ele. Era alta e desconhecida:
— Não consegue ficar longe, não é?
— Olá? — disse Sora.
Uma partícula de luz desceu do alto e emanou um forte brilho assim que pousou na água,
revelando uma pequena criatura que parecia um bichinho de pelúcia em forma de gato.
Ele olhou para Sora.
— Meu nome é Chirithy. E esse é o Mundo Final.
— Eu sou o Sora. O que é... o “Mundo Final”?
“Final”? Teve muitas vezes que eu achei que as coisas tinham chegado ao fim, mas então
esse aqui é o verdadeiro fim...?
Chirithy tinha a resposta:
— Não há mais nada além daqui. Você esteve aqui em várias ocasiões antes, em suas visitas
à Estação do Despertar, maaas... eu deixei passar. As bordas entre o sono e a morte se tocam e não
se pode evitar um cruzamento ocasional.
Mas Sora focou em uma das palavras que Chirithy disse:
— Espera, “morte”?
Eu tô morto?
— Sim. O fim natural para aqueles cujos corações e corpos pereceram juntos. Mas alguns
persistem e chegam aqui.
— Meu coração e meu corpo pereceram? Hã, mas então quer dizer...? — Sora não conseguia
entender nada disso, então ele apenas disse a primeira coisa que veio à cabeça.
Tanto o meu coração quanto o meu corpo pereceram, mas eu ainda estou persistindo...?
Então quer dizer que eu não tô morto?
— Algo o está segurando aqui, se recusando a deixá-lo partir. Você está por um fio.
— Mas e os meus amigos? — perguntou Sora. Era a pergunta mais importante em sua mente.
— Receio que ninguém mais tenha chegado com você. E se não estão aqui, ou se foram para
sempre... ou estão se agarrando ao mundo de onde você veio.
Sora invocou sua Keyblade em mãos.
— Eu vou voltar!
— Opa, opa! — Chirithy chamou por Sora quando ele começou a correr. — Mas como,
exatamente? Você não pode simplesmente ir embora como nas suas outras visitas.
— O quê? — Sora parou e olhou para a pequena criatura.
— Eu te disse. Nas outras vezes, você veio aqui por vontade própria. Dessa vez, é muito
diferente. Para se tornar o seu velho eu novamente e voltar ao mundo real, você primeiro terá que
reunir os seus pedaços neste mundo.
— Ahh! Por que eu tô em pedaços?! — Sora freneticamente olhou para si mesmo. Calma
aí, eu não cheguei mesmo a olhar pra mim desde que cheguei nesse lugar. Meu corpo ainda tá
aqui... mais ou menos, só que tá transparente. Então ele se foi, mas não de verdade?
— O quê? Não, não literalmente, claro. Você está conceitualmente em pedaços. Por dentro,
quem sabe? Mas por fora, você está bem.
— Ah, então tá. É que você me deu um baita susto! — Sora fez sua Keyblade desaparecer,
soando muito mais como ele mesmo.
— Mereço... — Chirithy suspirou, mas Sora não pareceu ouvir. Recompondo-se, o pequeno
ser felino olhou de volta para Sora. — Normalmente, apenas um coração pode vir ao Mundo Final.
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Mas como você claramente conseguiu reter algum tipo de forma, isso só pode significar que o seu
corpo também foi lançado nesse mundo.
— Tá, então... se eu conseguir achar o meu corpo, quer dizer que vou poder voltar?
— Precisamente. Só que tem muito de você pra achar. Vai demorar um bocado — disse
Chirithy, desaparecendo então em meio a outra luz brilhante.
Só que nada disso me dá nem ideia de por onde começar...
Sora ergueu o olhar e viu ele mesmo ao longe — vários de si mesmo, na verdade.
Ele foi atrás de um deles e, quando finalmente o tocou, o outro Sora se transformou em luz e
foi absorvido por seu corpo. Depois de tocar vários outros Soras, ele avistou um aglomerado de
pequenos cristais brilhantes. Eles dançavam juntos na forma de uma estrela nebulosa, mas pareciam
prestes a se dispersar a qualquer momento. Sora levou os dedos a uma das estrelas.
— Que estranho. Eu corro e corro, mas não consigo alcançar o papai. Ah! Deve ser pique-
esconde. Eu adoro pique-esconde! Vou achar o papai, ele vai ficar orgulhoso.
— Hã, oi? — disse Sora, mas a estrela não pareceu notar que ele estava lá.
— Hmm... não tô achando ele em lugar nenhum. Eu desisto, papai! Pode sair! Apareça! Eu
procurei tanto por ele... será que ele não tá me procurando? Espera, essa é a voz do papai. Estou
ouvindo a voz dele! É essa luz! Agora eu entendi. Eu só tenho que correr até a luz! — A estrela
então ficou em silêncio.
Sora pensou no que Chirithy lhe havia dito, que aquele era um mundo aonde normalmente
apenas corações podiam ir.
Ele decidiu tentar falar com outra das estrelas:
— Olá?
— Ah, que bom. Se você está falando comigo, acho que eu ainda devo existir. Sinto uma
consciência, ou talvez memórias. Emoções. Todas essas coisas passam pela minha mente, uma atrás
da outra, mas nada parece real. E isso nunca me importou. Eu tinha me contentado a simplesmente
esquecer. Deixar tudo de lado.
— Como assim? — perguntou Sora.
A estrela apenas continuou brilhando.
— Mas teve uma coisa da qual não consegui me desfazer, um fragmento que não fui capaz
de esquecer. Talvez esse resquício de memória seja o que me manteve aqui esse tempo todo...
A estrela ficou quieta, como se o que quer que a estivesse mantendo ali finalmente tivesse
desaparecido. Sora continuou pegando mais de suas cópias, parando para falar com ainda outras
estrelas aqui e ali.
— Eu realmente importava? — perguntou uma delas. — Eu estava mesmo lá? Eu achava
que tinha encontrado o meu lugar, rodeado de pessoas em quem confiava. Mas olha só. Eu me fui e
eles continuam se encontrando como se nada tivesse acontecido. Hã? Calma, a mesa não está posta
do mesmo jeito de sempre. Tem copos demais... ah. Adicionaram um novo membro, foi? Não
demorou muito. Essa era a minha cadeira. Esse era o meu lugar à mesa. Eles estão brindando com o
novato, um atrás do outro. Não, esse não é o meu lugar. Talvez nunca tenha sido.
— Quem disse que o amor e o ódio são dois lados da mesma moeda é um mentiroso — disse
outra. — Toda vez que os nossos olhos se encontravam, a gente se jogava na garganta um do outro.
A ideia de que somos amigos é ridícula. Eu finalmente estou sozinha aqui e, olha, que alívio! Só
que... não é um alívio tão grande quanto imaginei. É estranho. Como se alguma coisa... estivesse
faltando. É assim que isso funciona? Será que eu sempre voltava pra outra briga só para podermos
passar mais tempo juntos? Talvez não seja tão simples quanto “gostar” ou “odiar”. O coração é uma
coisa complexa. Me pergunto se ele também se sente sozinho assim... afinal, para que haja uma
briga, precisa haver dois.
— Nós passamos tantos anos juntos. Uma vida inteira. Nem sempre era tudo flores, claro.
Nós tínhamos os nossos problemas. Nossas mágoas também. Mas eu agora aprecio tudo isso, cada
minuto que passamos juntos é inesquecível. Nós vivemos tanta coisa juntos. Eu não me arrependo
de nada. Ou pelo menos era o que eu pensava. As ocasiões especiais se destacam, mas não há nada
mais precioso que os dias tranquilos entre elas. No fim, é desses momentos que a vida é feita.

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— “'Não tenho mais nada a te ensinar”. Eu achei que essas palavras o deixariam feliz, mas
seu rosto foi tomado por amargura. Eu compartilhei com ele tudo o que sabia, cada uma das minhas
técnicas. O que mais ele queria de mim, afinal? Eu nunca soube a resposta. O tempo passou... e cá
estamos. Mas agora que os nossos caminhos se separaram, acho que entendo. Ele queria o mesmo
que eu. Não era só uma questão de repassar conhecimentos. O que importava era a nossa conexão.
O vínculo entre os nossos corações.
Nenhuma das estrelas chegou a interagir com Sora. Depois de dizerem o que tinham a dizer,
elas ficaram completamente indiferentes.
Sora também notou que seu corpo estava, pouco a pouco, começando a parecer mais real
novamente. Também não conseguia mais ver através de si mesmo.
Ele tentou falar com outra das estrelas brilhantes:
— Olá?
— Bom dia — respondeu a estrela.
— Ah, legal! Você fala. — Sora ficou muito feliz ao receber uma saudação de volta depois
da maioria das outras estrelas sequer ter reconhecido a sua presença.
— Você parece uma pessoa. Como foi que reteve a sua aparência? Você é especial?
A estrela tinha a voz de uma garota. Sora não a reconheceu, mas ela parecia inquieta.
— Hmm... não sei muito bem os detalhes.
— Como todos nós — disse a estrela, então apenas brilhou em silêncio.
— Então, você é o coração de quem? — Se ela era só um coração, então onde exatamente
estava o seu corpo?
— De mais ninguém. Me tomaram o meu nome, tudo a meu respeito.
— Sem chance! Não podem simplesmente tomar o seu coração — exclamou Sora. Afinal, se
ela estava ali falando com ele agora, isso era prova de que ela ainda existia.
— Só porque ele anseia por outra pessoa.
— É? Tem alguém vindo por você?
— Não tenho certeza. Ele mudou a ponto de se tornar irreconhecível, seu coração trocado
pelo de outra pessoa. Mas, se ele recuperasse o seu antigo eu, ficaria aflito com a minha ausência.
Então escolhi esperar aqui, onde ele pode me encontrar.
Sua forte convicção lembrou Sora de alguém... mas quem? De quem ela o lembrava?
— Boa! Você tem que acreditar.
Sora olhou atentamente para a aparição brilhante. Ela não desiste mesmo — parece muito
com a Aqua. Mas tem outra pessoa em quem ela me faz pensar mais...
— Acreditar? Ah, se refere a saber no meu coração que ele vai voltar? Sem qualquer prova?
— Exato, acreditar. Eu achei que tava tudo acabado pra mim, mas um amigo meu me olhou
nos olhos e disse: “você não acredita nisso”.
A estrela reluzente riu e brilhou com as palavras de encorajamento de Sora.
— Então, hã... quem fez isso com você? Os Heartless roubam corações, então... um Nobody?
— Foi... alguém.
— Sério? Hmm... — Sora se sentou ao lado da estrela e olhou para o céu. — Bom, eu queria
poder ajudar... mas a minha situação não tá melhor.
— Você primeiro deve resolver as tarefas que estão à frente.
— As tarefas à frente? São tantas.
A estrela cintilou de uma forma que de alguma forma sugeria um sorriso:
— Mais um motivo para você se esforçar.
— É, tem razão. Eu só queria saber o que fazer — disse Sora, ansioso. Ele ainda não tinha
visto nenhuma outra pessoa naquele mundo, e mesmo que visse, provavelmente seriam apenas
estrelas como a sua parceira de conversa ali.
A estrela brilhante tinha mais a dizer:
— Cá está você, à beira do abismo, mas ainda se apega a quem você é. Você possui um forte
senso de propósito. E, nesse propósito, encontrará seu rumo.
— Obrigado — respondeu Sora, levando suas palavras a sério. Ele se levantou. — Que bom
que a gente se conheceu. Você me animou. Espero que o seu amigo te encontre logo.
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A estrela piscou alegremente e disse:
— Obrigada. Eu também.
— Ah, ei. Se por acaso eu topar com ele, vou dizer que você tá aqui. Como é o nome dele?
— perguntou Sora.
A estrela se aproximou um pouco mais de seu ouvido e lhe contou.
— Nosso segredo — disse ela então, e ficou em silêncio, assim como as outras estrelas.
Quem era ela?
Apenas um momento se passou antes que uma plataforma gigante se erguesse embaixo de
Sora, como uma enorme pedra feita de gelo sólido. A massa veio seguida de outras semelhantes em
tamanhos grandes e pequenos, acumulando-se no que mais parecia uma espécie de estrutura. Dentro
dela havia ainda mais Soras do que antes.
— Beleza, hora de pegar mais um pouco!
Sora começou a perseguir suas cópias com entusiasmo. Alguns dos Soras estavam voando,
alguns sentados de cabeça para baixo, enquanto outros corriam sem rumo.
Durante sua perseguição, Sora acabou esbarrando em ainda outra estrela. A estrela se dirigiu
a ele pelo nome:
— Sora?
Ei, eu já ouvi essa voz antes. Mas não me lembro onde...
— Sim?
— Sou eu, Naminé — a estrela disse de volta.
— Naminé? — disse Sora, chocado.
— Estou tão feliz por você ter conseguido reter a sua identidade. — A estrela brilhou e deu
um breve rodopio.
— Por que você tá aqui? — perguntou Sora.
— Eu estava no coração da Kairi, mas então uma poderosa escuridão nos atingiu... e depois
eu acordei aqui.
A resposta de Naminé o preocupou. Se Naminé estava dentro de Kairi, mas agora estava ali,
isso queria dizer...?
— E a Kairi? — perguntou ele.
— Estou sentindo o coração dela.
— Ela está lutando com todas as forças para impedir que você desapareça — disse a Naminé
em forma de estrela, sua voz suave e gentil.
— Então, o motivo pelo qual eu retive a minha forma nesse lugar...
— É porque ela está te mantendo inteiro. Vá até ela. — Naminé concluiu por ele.
— Estou tentando. Mas e quanto a você? Não posso simplesmente te deixar presa aqui.
A Naminé em forma de estrela emanou um pequeno brilho luminoso.
— Está tudo bem. Sério. A Kairi é de onde eu vim. Então, assim que ela estiver a salvo de
novo, é para a Kairi que eu voltarei.
Sora tinha mais a dizer:
— Naminé, eu sei que tenho que te agradecer. O digespaço não conta. Eu mesmo é que
tenho que dizer. Mas... não assim. Você e o Roxas não podem me dizer que estão de boa com isso.
Eu sei o quanto estão sofrendo. Eu... senti essa dor através do Roxas.
Ele não tinha ideia de que expressão Naminé teria no rosto se ela ainda tivesse uma forma.
A Naminé estrela brilhou por um momento antes de falar:
— É dele que todos sentem falta. Não de mim.
Sora logo discordou:
— Errado. E quanto a mim? A Kairi, o Donald, o Pateta? O rei! O Roxas também, ele sente
sua falta! E uma outra pessoa especial que eu conheço não vai te decepcionar.
Eu também quero te ver, Naminé.
— Sora. Obrigada.
Você fez muito mais por mim do que eu já fiz por você... mas eu ainda preciso te agradecer
direito. Preciso te trazer de volta da Kairi. E se vou fazer isso, preciso me restaurar.
Sora deu um passo em direção aos muitos outros Soras ainda distantes.
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— Bom, então eu vou salvar a Kairi, pra que pelo menos você possa ficar livre desse lugar.
Tá bem?
Ele estava prestes a sair correndo quando Naminé o chamou:
— Ah, espere!
— Hein?
— Enquanto navegava pelas memórias, eu falei com o Terra, o portador da Keyblade que
esteve procurando. Ele tem uma grande força de vontade e isso o manteve ligado ao reino da luz.
Vou tentar seguir essa conexão. Talvez seja o suficiente para inclinar a balança para o outro lado.
Naminé comentou um fato interessante que Sora nunca havia se dado conta.
— Hã? — disse ele. A Naminé conheceu o Terra...?
— Hmm... vamos apenas dizer que você pode contar comigo? — ela disse a Sora. Seu tom
sugeria que ela estava sorrindo gentilmente.
— Essa parte sua me lembra a Kairi. Obrigado, Naminé. Ah! Esse não é o obrigado oficial!
— Aham. — Ela cintilou, aparentemente satisfeita com as palavras de Sora.
— Bom, até mais!
— Tome cuidado — Naminé gritou para Sora enquanto ele seguia seu caminho.

Sora continuou coletando os fragmentos de si mesmo.


— Caramba, por que tem tantos de mim?! — Sora resmungou com o número aparentemente
interminável.
Ele saltou de onde estava — e todas as pedras gigantes desapareceram, deixando apenas o
céu e a água rasa de antes. Então uma luz desceu em sua direção, uma luz que ele logo reconheceu.
Quando tocou a água, Chirithy apareceu em um clarão.
— Vejo que encontrou todos eles.
— Aham! — exclamou Sora, fazendo uma pose triunfante.
Mas a reação de Chirithy não foi tão alegre.
— Então não é hora de partir?
— Nossa, valeu — disse Sora, um pouco irritado.
— Que foi? Estou te fazendo um baita favor aqui, sabia? Não força.
Chirithy parecia estar ficando de mal humor, mas Sora não deixou que isso o afetasse. Em
vez disso, perguntou algo que estava em sua mente:
— Ei, Chirithy. Você ainda tem a sua aparência, né? Não gostaria que eu te ajudasse a
encontrar os seus pedaços?
— Ah, não funciona assim comigo.
— Então, tipo... você tá esperando alguém vir te resgatar? — perguntou Sora, pensando no
que Naminé havia dito.
— Hmm... mais ou menos?
— Bom, fala quem! Eu encontro.
Sora colocou a mão atrás da orelha e se inclinou junto a Chirithy, esperando uma resposta
sussurrada como a da garota estrela. Mas a pequena criatura felina não parecia querer compartilhar
o nome com ele.
— Hã, não, não, não, não, tudo bem. Ele não se lembra do passado. Além do mais, tenho
certeza de que ele está muito mais feliz com seus novos amigos. Mas eu vou esperar. Ele vai chegar
aqui um dia. — Chirithy aparentemente tinha sua própria opinião sobre a situação.
— Então tá... mas eu voltarei aqui pra te visitar — disse Sora, se abaixando um pouco para
dar uma olhada melhor em Chirithy.
— O quê?! — exclamou Chirithy, recuando um passo.
— Você e eu somos amigos agora.
Amigos — Chirithy olhou para baixo por um segundo antes de encontrar o olhar de Sora
novamente. Parecia estar se lembrando de algo de muito tempo atrás.

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— Sério? Sinto falta de ter amigos.
— Bom, até mais! E obrigado! — Sora se virou e estava prestes a ir embora quando parou
por um momento.
Chirithy o observou com curiosidade.
— Hããã... pode me dar uma dica de como salvar os outros?
— É sério? — Chirithy parecia um pouco exasperado. — Você é um portador de Keyblade
ou não? Você já não aprendeu a restaurar o coração de alguém depois que ele foi perdido?
— Restaurar os corações? É a mesma coisa que... o “poder de despertar”? — Sora parou
para pensar.
— Não tenho certeza, mas... que tal tentar?
— Não. — Ele se lembrou do que Hércules dissera. — Vou precisar de todo o meu coração.
Sora sabia o que precisava fazer agora. Contanto que eu queira ajudar meus amigos de todo
o meu coração — o caminho se abrirá para mim!
— Certo.
Assentindo com determinação, Sora segurou sua Keyblade com ambas as mãos e a apontou
para a água. A luz formou uma Keyhole que então se transformou em um símbolo caleidoscópico
mágico, do qual a luz começou a fluir em direção ao céu.
— Procure pela luz na escuridão! — Chirithy gritou para Sora quando ele saltou para dentro
do círculo.
O brilho engoliu Sora e, com isso, ele se foi.
Chirithy olhou para onde ele estava e disse suavemente:
— Que seu coração seja sua chave guia.

E então, Sora estava de volta ao Cemitério das Keyblades.


— Sora, você não acredita nisso. Eu sei que você não.
Mais uma vez, Riku caminhou para enfrentar os Heartless enquanto Sora se ajoelhava no
chão. A Onda Demoníaca se lançou contra ele e a Keyblade de Riku a partiu no meio, mas isso não
o salvou. Sora só pôde assistir, estendendo a mão impotente enquanto seu amigo era tirado dele.
A Onda Demoníaca Tide então engoliu Sora também, deixando-o sozinho na escuridão.
— Riku!
Aquela luz ao longe — deve ser o Riku.
Sora lutou para atravessar a escuridão, tentando desesperadamente alcançá-la.
— Riku! Responde!
Sora foi abrindo caminho em direção à luz e... quando voltou a si, estava no Olimpo — mais
especificamente, no lar dos deuses.
O Riku tá aqui? Este lugar tá tão vazio...
— Não tem ninguém aqui... — murmurou Sora, a voz suave.
Foi quando alguém saltou do seu capuz para o chão, tornando sua presença conhecida.
— Poxa, eu estou aqui!
— Grilo! Você tá bem!
Era o Grilo Falante, seu companheiro constante. Claro que ele ainda estava lá. O Grilo saltou
para as mãos de Sora.
— Olha, “bem” pode ser um exagero, mas o que estamos esperando? Temos que encontrar
os outros!
Ele tem razão. Não importa o que aconteça, eu nunca vou estar sozinho.
Sora abriu um sorriso e assentiu para o Grilo, então começou a subir os degraus diante de si.
Além das portas do templo, Riku estava flutuando sobre um braseiro gigante.
— Riku!
O corpo de seu amigo estava translúcido, assim como o seu também estivera pouco antes.
Sora correu até Riku, pensando que talvez também fosse ter que buscar os pedaços de Riku. Mas

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antes que Sora pudesse alcançar seu amigo, um Heartless apareceu em seu caminho — o Lich. Com
uma caveira no lugar da cabeça, era a imagem de um anjo da morte. O Lich tirou o coração de Riku
de seu corpo, o amarrou em correntes, o puxou para dentro de seu corpo e fugiu.
Para piorar a situação, o Lich deixou Heartless menores como Sombras para trás para manter
Sora ocupado. Mas Sora não ia deixar que isso o impedisse. Ele finalmente encurralou os Heartless
e lutou pelo coração de Riku.
De início, o confronto foi mais físico e íntimo, mas logo se tornou mágico e, pouco depois,
parecia que Sora havia vencido. Mas então um corredor escuro se abriu atrás do Lich. A criatura
deixou o coração de Riku para trás, mas conseguiu escapar. Enquanto isso, o coração de Riku saiu
voando em uma direção diferente.
— Ei! Espera! — gritou Sora, correndo atrás dele.
O Grilo pulou no ombro de Sora.
— Não precisa se preocupar, Sora. Ele vai voltar para o lugar onde desapareceu, assim como
você. Temos que nos concentrar em resgatar os outros.
Ah, então o coração de Riku tá voltando pra casa?
— Certo!
Tranquilizado pelas palavras de sabedoria do amigo, Sora mergulhou nos Corredores das
Trevas atrás do Lich.
Ele tá indo atrás dos corações de todo mundo — o que significa que se eu for atrás dele,
também vou poder trazer os outros de volta.
Sora perseguiu o Lich passagem escura após passagem escura, cada uma delas o levando a
um mundo que ele havia visitado antes. Sora encontrou Aqua no Caribe, Pateta em Arendelle,
Donald em Monstrópolis, Ventus na Caixa de Brinquedos e Mickey no Reino de Corona, antes de
finalmente derrotar o Lich e recuperar o coração de Axel em San Fransokyo.
No entanto... Sora ficou apenas fitando tristemente o horizonte da cidade após a vitória.
— Bom, Sora, eu diria que estivemos em todos os mundos que podemos visitar — comentou
o Grilo de seu poleiro no ombro de Sora.
— Mas ainda falta um. Cadê o coração da Kairi?
— Puxa, queria saber...
Ambos estavam ficando preocupados.
Foi quando os Corredores das Trevas se abriram para revelar o Jovem Xehanort.
— Você! — Sora ficou instantaneamente tenso, pronto para uma luta.
O Jovem Xehanort examinou Sora calmamente e então abriu um sorriso.
— Toda aquela farra pelos Mundos Adormecidos e você ainda não aprendeu nada. Sonho a
sonho, você quase se afundou nas trevas do sono. E agora está nessa de novo?
Sora relembrou sua experiência nos Mundos Adormecidos. Era verdade — ele havia cruzado
os limites do sono muitas vezes em suas viagens.
— O Lich que esteve enfrentando, ele não é como os outros Heartless. Ele existe para lançar
corações nas profundezas das trevas. Se o perseguir, condenará seu coração a este mesmo abismo.
Sora cerrou os dentes e pressionou a mão sobre o peito. As profundezas das trevas? Não,
meu coração tá bem aqui, comigo.
— Você tá errado. Meu coração é forte.
— O que você acha que é o poder do despertar? Ele é para atravessar corações e alcançar
mundos. Não para atravessar mundos e alcançar corações. Há um alto preço a pagar por usar este
poder de forma tão tola.
Com seu aviso entregue, o Jovem Xehanort se afastou de Sora.
— E daí? Tá preocupadinho comigo agora?
— Não. Você não tem salvação.
— O quê...?
Sora não fazia nem ideia do que o Jovem Xehanort queria dizer. Mas a Organização tinha o
hábito de tentar brincar com o seu psicológico.
O Jovem Xehanort se virou para dar uma última proclamação:
— Você pagou o preço. E ele está no fundo do abismo.
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Ele então abriu os Corredores das Trevas e desapareceu.
— Espera! — Sora estava prestes a correr atrás dele, mas então ouviu o Gummifone tocando
em seu bolso.
— Sora! — O Grilo o cutucou de seu ombro. Sora pegou o telefone e atendeu.
— Rápido, Sora! O caminho para o Cemitério das Keyblades está aberto! — Tico guinchou
animadamente da tela.
Teco empurrou Tico para fora do caminho e acrescentou:
— Eu e o Tico encontramos um novo caminho!
Um sorriso se formou no rosto de Sora.
— É claro! Esse é o único lugar que ainda não vimos!
— Vamos nessa! — exclamou o Grilo.
Sora invocou sua Keyblade. Como quando viajou para o Cemitério das Keyblades a partir
do mundo de Chirithy, uma Keyhole apareceu no chão e ele mergulhou na abertura.

Sora caiu pela escuridão em direção a uma luz distante mais abaixo.
E junto a esta luz... estava Kairi.
— Sora.
— Kairi!
Os dois entrelaçaram os dedos.
— Te encontrei! — Sora sorriu para ela.
Eles soltaram as mãos um do outro e começaram a flutuar através da escuridão lado a lado,
movendo-se em direção à luz.
— Viu só? Eu não tinha dúvida de que você conseguiria.
— A luz na escuridão. Era você. Foi você que me impediu de desaparecer.
Como Princesa de Coração, Kairi tinha uma habilidade milagrosa.
— Tudo o que eu fiz foi acreditar que você não iria — disse ela, olhando fixamente para o
esplendor mais adiante.
— Eu me sinto mais forte com você, Kairi. — Sora sorriu e Kairi respondeu também com
um pequeno sorriso.
Ela estendeu a mão para a esquerda e segurou a mão de Sora com sua, e os dois seguiram
voando em direção à luz.
— Os outros estão mais à frente. Vamos.
Enquanto o brilho os encobria, Sora se lembrou de uma coisa. Rapunzel havia revivido
Flynn e depois Anna salvou Elsa. As três faziam parte dos Novos Sete Corações. E, por acaso, Kairi
também. Todas possuíam um poder muito especial para proteger aqueles com quem se importavam.
Eu também quero poder proteger os meus amigos, mas se não fosse pela Kairi, eu não teria
conseguido voltar.
— “Eu te disse, Sora. Você está seguro comigo.
— É!
Sora foi para a luz com Kairi guiando o caminho.

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SORA ESTAVA NO MEIO DO DESESTO, SUA MÃO DIREITA SEGURANDO COM FIR-
meza a mão direita de Kairi.
— Você tá bem?
— Sim. Obrigado, Kairi.
Kairi sorriu de volta para ele. Quando Sora olhou ao redor, viu que todos os outros também
estavam lá.
— Deu certo mesmo!
Eu tô tão feliz! Sora sentiu o nó apertado de emoções dentro de si lentamente se desfazendo.
O desespero tinha ameaçado consumi-lo por inteiro — mas foi graças a todos aqueles que ele viu ali
agora que ele conseguiu voltar. Sora soltou a mão de Kairi devagar. Tudo ia ficar bem.
Donald e Pateta sorriram valentemente.
— É claro!
— Agora vamos pegar esses caras!
O entusiasmo deles encheu Sora de alívio, e ele olhou para frente novamente:
— Certo!
Todos logo concordaram e seguiram em frente. Mestre Xehanort e seus companheiros — a
verdadeira Organização XIII — os esperavam do outro lado do deserto.
Ventus foi o primeiro a avistar a figura à frente em meio ao turbilhão de poeira:
— Terra! — gritou ele, correndo antes que qualquer um pudesse dizer alguma coisa.
Aqua foi atrás dele, chamando seu nome com um quê de apreensão. Ventus não sabia que o
corpo de Terra estava sob o controle de Xehanort.
— Terra! Te encontramos! — Ventus exclamou ao pegar a mão do amigo.
Com a voz um pouco mais cautelosa, Aqua implorou:
— Terra, por favor, diga que está aí.
Em vez de responder, Terra a observou em silêncio. Seus olhos azuis pareciam olhar através
dela, e ela colocou uma mão no ombro de Ventus para afastá-lo.
— Quê isso, Aqua?
— Eu sei que você não é ele — disse ela enquanto se posicionava diante de Ventus, de
forma a protegê-lo. — Agora, liberte o nosso amigo!
Foi quando o cabelo de Terra ficou branco e seus olhos azuis viraram dourados.
— Ele é o décimo terceiro — Mickey disse suavemente.
— Hoje é o dia que todos vocês perdem — Terranort disse calmamente aos nove heróis.
— O quê?! — vociferou Aqua.
Uma névoa escura começou a se solidificar atrás de Terranort.
— Antes mesmo de enfrentarem os treze, cada um de vocês terá o coração arrancado do
corpo. Mas não temam. A χ-Blade ainda será forjada.
Terranort invocou sua Keyblade em mãos. Além da névoa escura, no alto dos penhascos que
se erguem sobre o deserto, incontáveis Keyblades permaneciam cravadas no terreno, como lápides.
— Nós não vamos perder pra você.
Com um sorriso afetado pelo desafio de Sora, Terranort se lançou contra Ventus, fechando a
distância em um único momento, e desferiu um golpe devastador no garoto com sua Keyblade —
ou é o que teria feito, se alguém não tivesse interceptado o ataque.
— Quem é você?
Quem havia bloqueado e afastado a Keyblade de Terranort era um homem encoberto por
uma armadura.
— Te peguei, Xehanort — disse ele, forçando a figura possuída a recuar.
— Terra? — disse Aqua, a voz suave.
Aquela armadura já havia pertencido ao seu amigo. E o que estava dentro dele agora — era a
consciência latente de Terra. Embora não houvesse ninguém fisicamente na armadura agora, os
pensamentos e desejos que habitavam dentro dela ainda lutavam para proteger a todos.
— Não é possível! — Terranort pareceu entrar em pânico quando a Consciência Latente
veio andando ameaçadoramente em sua direção.
— Como esperei por este momento.
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Sua Keyblade se lançou como um chicote e envolveu a arma de Terranort, e a Consciência
Latente então puxou a Keyblade de volta com força suficiente para lançar Terranort no ar. Terranort
rapidamente soltou sua Keyblade enlaçada e ajustou sua trajetória no ar para que pudesse atacar o
inimigo blindado de frente. Mas a Keyblade da Consciência Latente se transformou no que parecia
um canhão gigante e disparou uma poderosa rajada de luz.
Terranort soltou um grito de angústia quando o disparo o jogou para trás. Mas a Consciência
Latente não iria simplesmente deixá-lo escapar. Assim que Terranort recuperou sua Keyblade, foi
forçado a se defender de uma investida furiosa.
— Terra!
— Não, Ven! — Aqua deteve Ventus quando ele tentou entrar na luta.
— Mas...
— Eles primeiro — Aqua disse enquanto se virava.
Ventus seguiu seus olhos até uma vasta horda de Nobodies, Heartless e Unversed que
praticamente enchiam o céu — e estava vindo diretamente para eles. O chão tremeu e retumbou
quando uma escuridão negra se espalhou — e dela emergiu a Onda Demoníaca.
— Vamos manter os outros afastados.
Aqua e Ventus se lançaram contra o exército que vinha avançando.
— Beleza. A gente consegue! — respondeu Sora, e então ele, Donald e Pateta se viraram
para enfrentar a Onda Demoníaca.
Riku, Mickey, Kairi e Axel também prepararam suas Keyblades para a batalha.
Sora atacou com tudo a Onda Demoníaca, que era como um tsunami composto por centenas
de milhares de Sombras. Pateta fez o possível para bloquear qualquer golpe desferido contra Sora,
mas sempre que os Heartless conseguiam atingi-lo, Donald estava lá para curá-lo com um feitiço.
Enquanto isso, Riku e o rei lutavam contra a horda de Heartless, Nobodies e Unversed. Era
como lutar com todos os diferentes inimigos que já haviam enfrentado de uma só vez.
— Tudo certo aí, Riku?
— Estou bem! E você?
Assim como no reino das trevas, Riku podia ver ali o quanto Mickey se importava com ele.
A amizade deles era um pouco diferente da dele com Sora. Ele e Mickey eram abertos um com o
outro, claro, mas ainda havia uma certa distância respeitosa entre os dois. Essa distância não existia
entre ele e Sora, mas ainda era confortável para Riku mesmo assim.
Acho que é, tipo... porque nós sabemos que estamos lá um pelo outro.
Riku arriscou uma rápida olhada para o lado para ver como estava Kairi, que lutava ao lado
de Axel. Os frutos de seu treinamento eram evidentes em seu trabalho em equipe.
— Deixa comigo! — Kairi exclamou para Axel enquanto aparava o ataque de um Nobody.
— Que bom que você tá aqui do meu lado, Kairi!
— Digo o mesmo pra você, Axel!
Embora os dois estivessem trocando gracejos como sempre faziam durante o treinamento,
aquela não era hora para brincadeiras. Axel atirou sua Keyblade envolta em chamas no inimigo.
— Eu só queria me sentir melhor com tudo isso.
Esses Nobodies costumavam trabalhar pra mim, afinal. Lutar contra eles... meio que dói. E
não doeria se eu não tivesse um coração agora. Eu posso sentir essa tristeza e solidão. É, eu podia
fingir emoções naquela época, mas não é como se eu não lembrasse como elas eram.
A Keyblade de Axel voltou para sua mão.
Se eu tivesse perdido todas as minhas memórias, — que nem aconteceu com o Roxas — aí
eu não estaria pensando nessas coisas todas.
Enquanto isso, do outro lado do campo de batalha, Ventus e Aqua estavam enfrentando um
Heartless gigante.
Eu nunca esqueci o Ventus. Mas se você não voltar a essas memórias de vez em quando,
elas simplesmente vão embora. Aposto que é por isso que tantas coisas tem voltado para mim
ultimamente. Mas ainda há muito mais que eu tenho que lembrar.

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— Aqua! — gritou Ventus, que correu até a amiga quando o soco de um Heartless gigante a
deixou de joelhos. Ele bloqueou o próximo ataque destinado a ela com sua Keyblade e aproveitou o
recuo para se lançar contra o inimigo e finalizá-lo.
— Obrigada... mas me parece que não é hora para conversar — Aqua respondeu enquanto se
levantava e seguia a batalha contra ainda mais Heartless.
Ventus fez o mesmo e partiu para cima de um Unversed.
Nunca pensei que nós dois lutaríamos lado a lado de novo. Espero que nós três possamos
também ficar juntos de novo logo — mas agora, vou confiar na parte dele que o Terra deixou
naquela armadura. Ele vai voltar para nós, assim como o Ventus voltou. Eu sei que vai.
Os Heartless, Nobodies e Unversed continuavam chegando — não importava quantos eles
abatessem, sempre havia mais para tomar seu lugar. Parecia que a escuridão estava bloqueando o
próprio céu. Mesmo assim, eles não podiam desistir.
— Vamos acabar com isso! — exclamou Sora enquanto desferia um golpe tão poderoso
contra a Onda Demoníaca que toda a forma da massa sombria mudou.
Mas quando Sora voltou ao chão, ficou observando enquanto a Onda Demoníaca começava
a girar em um vórtice em torno de si mesma.
— Qual é...
— Tem algo errado — disse Pateta.
— Cuidado! — gritou Donald.
Todos os Heartless, Nobodies e Unversed foram sugados pelos ventos que ela provocou,
formando um furacão de trevas colossal.
Logo o rei, Riku, Kairi, Axel, Aqua e Ventus também estavam olhando com admiração.
— E agora? — Pateta perguntou enquanto recuava um passo, usando seu escudo para se
proteger do vento.
— Sora? — perguntou Donald com um olhar incerto.
— Eu cuido dessa coisa! — Sora saiu correndo, eliminando qualquer Heartless que entrasse
em seu caminho enquanto avançava em linha reta até a Onda Demoníaca.
— Sora! — gritaram Donald e Pateta atrás dele.
Quando Sora saltou no ar e estava prestes a se chocar contra a Onda Demoníaca com a
Keyblade em mãos, uma luz ofuscante o engoliu por inteiro.
— Precisa de uma mão?
Parado em meio à luz estava um garoto que Sora nunca tinha visto antes, muito menos
conhecido. O garoto tinha cabelos prateados e um lenço vermelho em volta do pescoço.
— Hã?
Sora ofegou e, de repente, já estava de volta ao chão. Quando abriu os olhos novamente,
milhares de Keyblades estavam reluzindo no ar sobre ele. Era como se todas as Keyblades cravadas
no chão como lápides tivessem ganhado vida própria, reunindo-se para atacar a Onda Demoníaca.
Sora saltou sobre o agregado de Keyblades e disparou sobre elas diretamente contra o
vórtice negro. As Keyblades se lançaram contra a Onda Demoníaca e a fizeram em pedaços.

“Precisa de uma mão?”

Não sei quem era aquele cara, mas aposto que foi ele que chamou todas essas Keyblades
pra luta. Consigo sentir as emoções em cada uma delas — devem ser os desejos dos portadores da
Keyblade de tempos antigos.
Os Heartless sobreviventes da Onda Demoníaca se juntaram novamente para formar o que
mais parecia um grande cometa negro que veio voando em direção a Sora. Mas as Keyblades se
espalharam para protegê-lo do ataque e, junto a todas elas, Sora se tornou um raio de luz e partiu a
massa escura.
Quando pousou de volta no chão, Sora ergueu o olhar para as milhares de Keyblades. Com
seu propósito cumprido, as armas, orgulhosas, se despedaçaram em fragmentos brilhantes.
— Sora! Você está bem? — gritou Riku, correndo até ele.
— Tô sim — ele respondeu com um sorriso.
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— O que foi aquilo? — perguntou Mickey, olhando para onde as Keyblades estavam apenas
um momento atrás.
Aqua respondeu:
— Portadores da Keyblade... de um passado distante.
Eu sabia. Eu senti os corações dos portadores da Keyblade de tempos antigos.
Estamos todos conectados...
— É a luz do passado — acrescentou Ventus, também olhando para o céu.
— Vejam — disse Kairi, avistando e apontando para alguém ao longe.
— Parece que mandaram o chefão — resmungou Axel.
Quem vinha caminhava em direção a eles pelo campo de batalha vazio... era Riku — um
Riku que era um pouco mais jovem do que o que estava com eles agora. Ele riu dos guardiões.
— Você! — gritou Riku, dando um passo à frente.
Mickey rapidamente se aproximou para segurá-lo.
— A Organização está usando corações. Os que Xehanort dominou no passado e sobre os
quais tem influência. Então, esse deve ser você de quando Ansem controlava o seu coração.
— Sim. Como eu poderia esquecer? — Riku disse meio para si mesmo, abaixando a cabeça
por um momento.
Entretido com o seu desgosto, o outro Riku — o Riku das Trevas — abriu bem os olhos,
mostrou os dentes e riu alto.
— Eu diria que foi o nosso melhor momento.
— Errado — disse Riku, encarando seu eu mais jovem. — Foi meu momento de fraqueza.
— Tem certeza? Que tal descobrirmos?!
O Riku das Trevas começou a emanar um miasma negro, e então, atrás dele, uma gigantesca
sombra na forma do Mestre Xehanort se assomou ameaçadoramente. Ela estendeu os braços para os
lados, preenchendo todo o céu.
— Um verdadeiro teste para a Marca da Maestria! — vociferou o Riku das Trevas.
Xigbar escolheu este momento para fazer sua entrada:
— Temos que nos certificar que você não vai dar mole e falhar uma segunda vez — ele
disse com um sorriso de escárnio.
Axel respondeu com um comentário sarcástico:
— Dar mole? Pois fique sabendo que a gente falhou com estilo, chefia.
— Pelo menos você admite. Bem, se os guardiões aí acham que são os bonzões, terão que
provar pro velhote uma última vez. Garoto, manda ver — retrucou Xigbar, batendo a mão no ombro
do Riku das Trevas e desaparecendo em um redemoinho de sombras.
O Riku das Trevas berrou, fazendo com que a figura escura atrás dele crescesse ainda mais.
Várias Torres Demoníacas irromperam do chão em volta de Sora e seus amigos. O Riku das Trevas
também recuou em meio às sombras, deixando o mundo envolto em escuridão.
As Sombras eram tão numerosas que era difícil dizer se faziam parte de uma torre, uma onda
ou apenas criaturas individuais. Mas uma coisa era certa: havia o suficiente delas para consumir o
mundo inteiro. As criaturas atacavam desordenadamente e, enquanto Sora e os outros guardiões se
livravam de qualquer uma que aparecesse no caminho, não parecia ter fim. E não eram apenas as
Sombras — ou mesmo os Heartless — que os ameaçavam. Também havia Nobodies e Unversed em
meio à horda inimiga.
— Em formação! Agora! — gritou Aqua.
Todos se reuniram em um círculo, mas estavam sendo pressionados uns contra os outros.
Dentro do anel defensivo, Mickey olhou para a Keyblade em sua mão.
Acabou para nós...? Não, não podemos cair aqui!
Mickey começou a levantar sua Keyblade — apenas para ser interrompido por Riku. Mickey
olhou para ele, mas Riku apenas balançou a cabeça em silêncio.
— Se você tentar usar a magia do tempo contra todos eles, não terá força o suficiente para a
batalha final.
Mickey abaixou o olhar, melancólico.
— Vou tentar abrir caminho — anunciou Aqua. — Pessoal, preparem-se!
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— Sozinha? Isso é loucura! Eu ajudo! — disse Ventus. Os dois atacaram os Heartless, mas
não conseguiram fazer muito mais que isso.
— Só dois não melhora — disse Kairi.
— É, se separar é uma péssima ideia! — acrescentou Axel, pontuando a declaração com um
golpe de sua Keyblade. Mesmo enquanto discutiam, mais e mais Sombras caíam do céu como uma
chuva negra.
— Tem muitos deles! — gritou Pateta, com medo, agachando-se sob seu escudo.
— É o nosso fim! — Donald rapidamente se juntou a ele.
Vai ser que nem da última vez... ou foi o que Sora pensou, até que um orbe de luz atravessou
a escuridão acima e caiu sobre seus inimigos. A luz cresceu e formou uma coluna radiante que
atirou as Sombras para todos os lados, e os guardiões tiveram que proteger os olhos diante dela.
Quando os abriram novamente para ver o que tinha acontecido, diante deles estava Yen Sid.
— Mestre Yen Sid!
O feiticeiro que também era um Mestre da Keyblade juntou as mãos envoltas no forte brilho
e rapidamente as ergueu, lançando uma explosão de luz que destruiu toda e qualquer Sombra que
tocou e, desta forma, criou um caminho livre em meio à horda.
— Vão, meus jovens campeões. Vou segurá-los aqui por tanto quanto puder.
— Não vamos deixá-lo para trás! — bradou Mickey.
Donald e Pateta se entreolharam e então, assentindo, correram para o lado de Yen Sid.
— Vocês vão em frente!
— Eu e o Donald ficaremos aqui. Nós dois vamos ajudar o Mestre Yen Sid!
Os dois prepararam suas armas para dar cobertura para o feiticeiro.
— Donald... Pateta... — A voz de Sora soou cheia de tristeza. Eles tinham ficado ao seu lado
ao longo de todas as suas aventuras até agora e ele odiava ter que deixá-los.
— Você é uma dose inteira sozinho, Sora — disse Donald em resposta.
— Não se preocupe. Nós já, já nos encontramos com você! — acrescentou Pateta com um
sorriso sincero.
Sora e Mickey olharam para os amigos.
— Beleza!
— A gente se reúne depois!
Yen Sid então gritou:
— Depressa!
Sora e o resto de seus companheiros correram pelo caminho brilhante que o feiticeiro havia
aberto para eles.

Os sete guardiões da luz finalmente chegaram a uma encruzilhada no deserto marcado por
incontáveis Keyblades cravadas no solo marrom-avermelhado. Aqua, Ventus e Terra já haviam
passado por ali antes.
Sora e os outros pararam no meio da encruzilhada. Treze figuras vestidas com casacos
negros caminhavam em direção a eles com Mestre Xehanort no centro.
— Hoje, nos juntamos a estes outros portadores e deixamos nossa marca no destino. Eu
esperei pacientemente... mas juntos, devemos desvendar os segredos da Guerra da Keyblade. Agora,
vamos forjá-la. A chave definitiva: a χ-Blade! — disse ele, invocando sua Keyblade em mãos e
mergulhando-a no chão.
Em meio a um estrondo ensurdecedor e enormes nuvens de poeira, muralhas grossas com
símbolos arcanos gravados em suas paredes se ergueram do deserto, eliminando qualquer outro
caminho possível para Sora e seus companheiros e prendendo-os em um labirinto. Os guardiões da
luz se viram cercados pelos quatro lados e, além do labirinto, podiam ver o Mestre Xehanort parado
no alto de um pilar de pedra solitário mais ao longe. Logo abaixo dele, as doze figuras de casacos
negros restantes estavam adiante como uma barreira no topo de uma ampla plataforma quadrada.

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— Vamos nessa — Sora disse a seus amigos, e eles então adentraram o labirinto que os
convidava a seguir em frente.
Após avançarem por um tempo, eles chegaram a uma bifurcação no caminho. Sora estava se
perguntando qual seria a melhor forma de atravessar os corredores estreitos do labirinto com tantas
pessoas quando Riku deu uma ideia:
— Parece que nos separar em dois grupos pode ser nossa melhor opção.
— É, concordo.
Riku seguiu por uma das passagens e Mickey avançou pela outra. Aqua e Ventus seguiram o
rei, enquanto Kairi e Axel se juntaram a Riku.
— Cuidado, pessoal — disse Kairi.
— Você também — respondeu Sora, e então deu um longo suspiro.
O Donald e o Pateta não estão mais comigo, mas isso não significa que eu tenho que fazer
isso sozinho. Só tenho que escolher com cuidado...
— Agh! — O grito de Mickey trouxe Sora de volta ao presente. Ele podia ver o rei lutando
contra vários membros da Organização no caminho da direita.
— Vossa Majestade! — Sora gritou e saiu correndo.
Barreiras se ergueram do chão e vieram deslizando em sua direção para impedi-lo, mas ele
conseguiu evitá-las enquanto corria para ajudar seu amigo.
Mickey estava cercado por Marluxia, Larxene, Luxord e Xemnas. Aqua e Ventus, por outro
lado, não estavam em lugar nenhum. Será que ele os havia mandado na frente enquanto cuidava das
coisas ali?
Luxord jogou uma série de cartas da esquerda de Mickey, enquanto Larxene lançou uma
rajada de raios de sua direita. O rei saltou alto no ar para evitar os dois ataques, mas foi justamente
quando Marluxia decidiu se lançar contra ele com sua foice. Mickey deu um giro rápido no ar e a
lâmina por pouco não o atingiu, passando zunindo e deixando um rastro de pétalas escarlates.
Sora correu até o lado do rei quando ele pousou.
— Vossa Majestade!
— Sora!
Assim que os dois se juntaram, o combate recomeçou com tudo. Com um sorriso arrogante
estampado no rosto, Xemnas flutuou pelo ar e invocou uma barreira de espinheiros negros ao redor
do campo de batalha.
Marluxia se lançou em ainda outra investida com sua foice e Larxene manteve as coisas
intensas com suas facas de arremesso eletrificadas. Enquanto isso, Luxord foi atrás deles valendo-se
de artifícios traiçoeiros de suas cartas de baralho. Mesmo com tudo isso, Sora e o rei estavam
começando a ganhar vantagem, até que...
Com outro sorriso presunçoso, Xemnas estendeu as mãos e lançou uma forte luz negra que
encobriu Luxord e infundiu seu poder em seu corpo. Com uma última risada convencida, Xemnas
desfez a barreira negra ao redor de todos e desapareceu.
— Xemnas!
Luxord, Larxene e Marluxia continuavam lá.
Quando Luxord abriu as cartas decoradas com símbolos pretos em sua mão, elas piscaram
em vermelho por um momento.
— Exatamente o que eu precisava — disse ele, espalhando as cartas em todas as direções.
As cartas cresceram em tamanho e rapidamente formaram um grande cerco ao redor de Sora
e Mickey. Então, enquanto os dois assistiam ao desenrolar disso tudo, Luxord lançou sua carta final
diretamente contra Sora.
— Sora, cuidado! — Mickey correu às pressas para protegê-lo.
— Não! — Sora gritou quando a carta destinada a ele sugou o rei para dentro em meio a um
grande clarão. Ela voltou para a mão de Luxord, só que agora com a imagem de um Mickey preso.
— Sora, um último jogo. As regras são simples. Só o que precisa para vencer é me encontrar
entre essas cartas e me abater — disse o malandro cavalheiro.
As cartas ao redor de Sora começaram a girar em círculos. Luxord então estalou os dedos e
desapareceu, deixando Sora sozinho com Marluxia e Larxene no anel de cartas.
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— Não se preocupe. Eu vou te libertar! — Sora atacou uma das cartas com a Keyblade.
— Que pena — Luxord disse quando a carta desapareceu.
Foi quando Marluxia apareceu, atacando por trás com sua foice. Sora, no entanto, conseguiu
bloquear a investida e logo partiu para a próxima carta. Infelizmente, Larxene, gargalhando como
sempre, entrou em seu caminho. As facas crepitantes que ela atirou jogaram Sora com tudo de
costas no chão, mas ele rapidamente se ergueu e correu para a carta seguinte.
— Impressionante — Luxord comentou quando sua posição foi revelada. Sora fechou a
distância entre eles num único salto e o atingiu em cheio com sua Keyblade.
— Você nasceu para esse tipo de jogo — disse Luxord, ofegando quando o golpe o fez cair
de joelhos. As cartas rotativas se espalharam e um miasma negro começou a fluir dele. Com uma
risada abafada, Luxord arremessou uma carta para Sora, que a pegou.
— O que é isso?
— Uma carta curinga. Você mereceu. Fique com ela. Pode virar o jogo.
— Vamos jogar de novo algum dia — disse Sora, observando a carta em sua mão. — Em
condições normais.
Luxord sorriu e respondeu:
— Eu gostaria muito disso, Sora.
Com isso, ele se transformou em pura escuridão e desapareceu de vista, deixando para trás
uma única carta, aquela com a imagem de Mickey. Em um clarão, o rei foi libertado de sua prisão.
— Obrigado — disse Mickey.
Sora fez um sinal de positivo em resposta — mas seu reencontro logo foi interrompido por
um relâmpago retumbante.
— Sempre soube que ele era um inútil!
Larxene veio voando contra eles logo após a descarga elétrica, mas Sora e Mickey trocaram
um rápido olhar e saíram do caminho às pressas.
— Vocês me dão nos nervos! — gritou ela, lançando-se diretamente contra Sora enquanto
atirava uma faca voando diante de si. Sora a rebateu, mas desta vez Larxene saltou bem alto no ar e
jogou ainda mais facas, que se cravaram no chão e crepitaram com eletricidade.
Evitando o ataque por um fio, Sora acertou um rápido golpe de sua Keyblade em Larxene
quando ela finalmente voltou ao chão. O golpe foi o suficiente para acabar com ela.
— Tá de brincadeira? — Consumida pela dor, Larxene caiu de joelhos enquanto a escuridão
se dissipava de seu corpo.
— Você vai se recompletar — Sora a tranquilizou. Igual aconteceu com o Axel e o Ienzo.
Como será que ela era como humana...?
— Eu não pedi o lixo da sua opinião. Eu perdi! Pra um bando de perdedores que nem vocês!
Mas... podia ser pior. Virar a carcaça pro coração daquele velho? Não, valeu. — Larxene desviou o
olhar para o céu.
— Então por que ajudá-lo?
— Eu meio que só tava indo na onda — disse ela, sem a menor preocupação.
— De quem...? — perguntou Sora.
Larxene lhe lançou um rápido olhar de canto de olho.
— Segredo — ela disse com um dedo encostado nos lábios e então se esvaiu no vazio.
Agora faltava apenas Marluxia, contra quem Mickey estava duelando enquanto Sora estava
ocupado com Larxene. Sua foice deixava rastros de pétalas vermelhas flutuando no ar enquanto os
dois trocavam golpes.
Quando Sora correu para se juntar à luta, Marluxia atirou sua foice contra ele para detê-lo.
Aparentemente, ele manteve os olhos em Sora mesmo enquanto estava ocupado. Sora rebateu a
foice, levantando outra chuva de pétalas vermelhas. Mickey aproveitou esse momento para lançar
um feitiço e Marluxia teve que se teletransportar para conseguir se esquivar. Dessa vez, Sora estava
pronto para um contra-ataque, disparando uma enxurrada de energia brilhante que jogou o vilão
com tudo no chão.
— Suas pestes...

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Como havia acontecido com seus companheiros, uma névoa escura começou a fluir do corpo
de Marluxia enquanto ele caía de joelhos, subindo em direção ao céu. Sua foice desapareceu em
uma chuva de pétalas quando atingiu a terra ao lado dele.
— Ah... então agora tudo volta para mim. — Marluxia riu com pesar.
— Ei, isso é uma risada sincera? — perguntou Sora.
Marluxia levou a mão ao próprio peito e voltou seus olhos dourados para Sora.
— Sim... meu coração está se lembrando de como sentir.
— Sério? Isso é bom — respondeu Sora, devolvendo o olhar.
— E agora, estou prestes a recuperar a minha identidade... o propósito da minha existência...
Graças a você, Sora — disse Marluxia. Com isso, ele desapareceu na névoa negra.
— Sora!
— Vossa Majestade!
Os dois amigos compartilharam um sorriso.
— Eu vou atrás do Xemnas enquanto você encontra os outros — disse Mickey.
— Beleza!
Sora o deixou e voltou para a bifurcação inicial do labirinto. Desta vez, ele escolheu o outro
caminho. Embora as paredes fossem mais agressivas em suas tentativas de detê-lo do que antes,
Sora se aproveitou das coberturas disponíveis com inteligência enquanto prosseguia.
Ele podia ver Riku à frente, enfrentando a outra versão de si mesmo. Ansem estava mais ao
lado, observando tudo de braços cruzados. Parecia que Axel e Kairi tinham ido na frente.
— Riku!
— Sora! — Riku gritou de volta. Ele bloqueou um ataque de seu sósia sombrio enquanto
Xigbar disparava uma saraivada de suas Pistolas Laser. Sora e Riku assentiram um para o outro e
então cada um escolheu um alvo para perseguir.
Sora decidiu começar com Ansem, que começou a flutuar pelo ar e atacava enquanto uma
barreira de lasers o protegia. Mas a barreira não durava para sempre e Sora esperou até que Ansem
ficasse desprotegido para pular e atacar com sua Keyblade.
O Riku das Trevas estava focado apenas em Riku, enfrentando-o em um duelo de Keyblades
frenético mais ao longe. Então só sobrou Xigbar, que disparava pelo campo de batalha de forma
imprevisível. A luta continuou assim por um tempo, até que...
— Sombras! — rugiu Ansem enquanto criava uma enxurrada de esferas negras. Enquanto
Sora e Riku resistiam ao ataque, Ansem se afastou e evocou uma névoa obscura. Com um sorriso
irônico, ele se virou para partir.
— Espera! — Riku gritou enquanto corria atrás de Ansem.
Mas então uma voz gritou:
— Aonde pensa que vai? — E, de repente, o Riku das Trevas se lançou contra ele outra vez.
Ansem olhou para trás com um sorriso malicioso, até que finalmente sumiu de vista quando
o Riku das Trevas jogou Riku no chão.
— Riku! — Raios brilhantes disparados das Pistolas Laser de Xigbar iam perseguindo Sora
enquanto ele corria até o amigo. Sora protegeu Riku da chuva de projéteis usando sua Keyblade.
— Ei, bora acelerar isso aí! Bola pra frente! — provocou Xigbar.
Agora era Sora contra Xigbar e Riku contra o Riku das Trevas. Essa era a única forma como
Sora poderia acompanhar os movimentos imprevisíveis de Xigbar. O Riku vai ficar bem, disse a si
mesmo. Aquele cara pode parecer com ele, mas não chega nem perto.
Sora dedicou toda a sua atenção a Xigbar, rebatendo seus disparos com rajadas de luz de sua
Keyblade. Com rapidez e destreza, Sora fechou o espaço entre ele e o inimigo ardiloso, que havia se
desestabilizado por um instante, e o atingiu com vários ataques. O ciclo se repetiu várias vezes, até
que, finalmente, Xigbar não aguentou mais.
— Imaginei. Se eu tivesse uma Keyblade, seria diferente... — murmurou ele. Um miasma
negro começou a subir de seu corpo, exatamente como quando Luxord, Marluxia e Larxene foram
derrotados. Era o que acontecia quando Nobodies encontravam seu fim. Havia também uma certa
tristeza em Xigbar quando ele caiu de joelhos no chão.
— Como se você fosse merecer usar uma — disse Sora com ceticismo.
257 | K i n g d o m H e a r t s I I I : A R o m a n t i z a ç ã o
— Ah, mas eu mereço — retrucou Xigbar. Usando as Armas Laser de apoio, ele se levantou.
— O que quer dizer?
— O velho gagá prometeu me passar a dele. Por que mais você acha que eu toleraria todas
as asneiras dele?
Ele tá falando do Mestre Xehanort? Porque eu não acredito nem por nada que um cara que
nem o Xigbar poderia virar um portador da Keyblade.
— Seria um desperdício com você.
— Até parece. — Com uma careta desafiadora estampada no rosto, Xigbar desapareceu em
meio a um redemoinho de trevas.
Sentindo que alguém o estava observando de cima, Sora ergueu o olhar e viu que na verdade
ele havia se teletransportado para o topo de uma das muralhas de pedra. Ele então lentamente
cambaleou para trás e caiu da borda oposta.
Suas Pistolas Laser continuaram lá por um tempo, mas também acabaram se dispersando em
uma névoa escura.
— Vocês não podem me deter! — rugiu o Riku das Trevas, trazendo Sora de volta de seus
devaneios. Riku e sua versão sombria estavam no meio de uma discussão acalorada. Sora correu
para ajudar seu amigo com a Keyblade em mãos.
— Toma essa! — gritou Sora, desferindo uma saraivada de golpes contra o Riku das Trevas,
seguido por Riku, que também atacava sem parar. Os dois atuavam com uma coordenação quase
telepática enquanto surravam o Riku das Trevas.
Finalmente, Riku deu o golpe de misericórdia e jogou o inimigo longe.
O Riku das Trevas se ergueu com as pernas trêmulas enquanto um vapor negro começava a
emanar de seu corpo e envolver sua forma na escuridão.
— Você não é... real — disse ele, cambaleando. Riku ofegou. O Riku das Trevas prosseguiu:
— Eu... sou o verdadeiro... — Ele respirava com dificuldade e parecia prestes a desmaiar.
— Você não é o meu eu do passado? De quando o Ansem me possuiu? — perguntou Riku,
surpreso. Ele esperava que Sora respondesse, mas a resposta veio de outra pessoa.
— Não, você venceu o Ansem e ainda está aqui. Esse cara... sou eu! — disse uma voz.
Ah — eu consigo sentir.
É aquele cara que o Riku conhece tão bem, aquele que ajudou ele na Margem Negra quando
a escuridão quase o engoliu. O cara com quem ele tava falou nas Ilhas do Destino.
É o Riku Réplica que vive dentro do seu coração.
Afinal, o Riku Réplica e o Riku das Trevas eram idênticos em tudo, inclusive na escuridão
que usavam como roupa.
O Riku Réplica se lançou rapidamente contra seu gêmeo obscuro e pressionou a mão em seu
peito. O Riku das Trevas urrou quando a escuridão começou a espiralar do ponto de conexão, até
que ele assumiu a forma de alguém vestindo um casaco negro com o capuz erguido.
— Eu sabia. É uma Réplica. Um receptáculo que logo se esvaziará. Estive esperando por
uma chance como essa.
A escuridão novamente começou a espiralar em volta do Riku Réplica e do Riku das Trevas.
Após um momento, o Riku Réplica saiu voando com o Riku das Trevas debaixo do braço, deixando
para trás apenas a Réplica vazia com o casaco negro.
— Ei! O que está fazendo? Pegue o receptáculo! — exclamou Riku.
— Não. — O Riku Réplica sorriu de volta para Riku. — O mundo já tem você. Há outra
pessoa que precisa mais da Réplica. Você sabe de quem estou falando.
A Réplica vazia tombou no chão. De repente, Riku se deu conta.
— Naminé. Está salvando ela.
O Riku Réplica olhou para ele com um sorriso, ainda segurando o Riku das Trevas.
— Boa sorte — respondeu ele, e com isso, os dois desapareceram, sua luz branca misturada
com a escuridão do seu velho eu.
Ela era especial para mim.
E agora eu finalmente posso ser meu próprio eu. Eu — e ninguém mais.
Embora os dois meninos não pudessem ouvir suas palavras, eles as sentiram.
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Riku e Sora observaram a Réplica de casaco negro caída em meio ao chão.
— Isso é uma réplica, pra Naminé? — perguntou Sora.
Riku pensou por um momento antes de responder:
— Sim. Queria que pudéssemos ajudá-la agora. Mas primeiro...
— Eu sei — Sora concordou. Temos uma prioridade maior agora.
— Eu vou atrás do Ansem.
Ele pode ter fugido pra algum lugar, mas não podemos simplesmente ignorá-lo.
— Beleza. Eu vou ajudar os outros. — Sora sabia que havia outros que ainda precisavam de
ajuda à frente, então foi correndo encontrá-los.
Agora sozinho, Riku olhou para a Réplica.
— Espera só um pouco mais. Assim que tudo isso acabar, eu juro... — disse ele, soando
quase como se estivesse pedindo perdão.
E então, de repente, Riku não estava mais sozinho.
— Aí! Achei que vocês já tinham ido embora — disse o recém-chegado.
— Você é... da Organização! — Riku empunhou sua Keyblade diante do homem de casaco
negro que se aproximou de um portal negro.
— Ei, sossega aí! Não tô aqui pra lutar, prometo. Escuta. Meu nome é Demyx — disse o
homem, dando de ombros. Ele parecia totalmente relaxado, dadas as circunstâncias atuais. — É
uma longa história, mas eu meio que tô do seu lado. Ah, verdade, aqui.
Ele tirou um Gummifone do bolso, na esperança de acabar com as suspeitas de Riku.
— Viu? Todas as crianças legais têm um, né? Foi o Zex... er, o Ienzo que me deu. É prova o
bastante pra você?
— Por que está aqui?
O Gummifone não foi suficiente para fazer Riku abaixar sua Keyblade, então Demyx se
aproximou de seu ouvido e começou a sussurrar:
— Estou numa missão ultrassecreta. Pelo visto, estão tentando achar mais uma Réplica. E eu
ouvi um boato de que talvez pudesse encontrar uma aqui. Foi o Zex... er, o Ienzo que disse. Então
eu só tava matando tempo. — Ele se abaixou e pegou a Réplica do chão.
— Tem certeza que sabe o que está fazendo? — disse Riku, finalmente deixando qualquer
dúvida de lado.
— Esquenta com isso não! Não quero me gabar, mas eu já fiz isso antes. — Demyx voltou
ao seu portal com a Réplica pendurada no ombro.
— Isso não é só um receptáculo vazio — Riku disse a ele. — Está cheio de memórias
importantes. Me prometa... que tomará cuidado com ele. Entregue em segurança, tudo bem?
Com um grande sorriso estampado no rosto, Demyx se virou para Riku, sempre muito sério,
e fez um sinal de positivo.
— É hora do Demyx!

***

Interlúdio: QU EM É VOC Ê?

De volta ao mundo do Olimpo, quando toda esta aventura estava apenas começando, Sora e
seus amigos haviam derrotado os Heartless, Hades e os Titãs poucos momentos antes.
Enquanto isso, uma fada má e seu capanga chegaram a uma cidade agora livre de Heartless
em uma caçada. Enquanto observava tudo se desenrolar, Xigbar sussurrou baixinho para si mesmo:
— Que seu coração seja sua chave guia.
Uma voz se dirigiu a ele abruptamente por trás:
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— Imagine isso: um bode preto esconde uma carta e então manda um bode branco para
procurá-la. Quais poderiam ser suas intenções?
Xigbar examinou a área em busca de quem estava falando e então viu Luxord emergindo
dos Corredores das Trevas.
— Ótimo, uma charada. Exatamente o que eu preciso. — Xigbar deu de ombros, aquele seu
habitual sorriso sarcástico estampado no rosto.
Luxord não deu atenção às suas palavras. Em vez disso, produziu e escondeu cartas em uma
série de truques de ilusionismo.
— Existem muitas possibilidades. Talvez ele tenha esquecido onde ela está escondida ou
talvez esteja pregando uma peça... ou talvez a carta realmente tenha desaparecido. Posso pensar em
vários motivos logo de cara. Mas palpites assim são inúteis.
— Bom, então apenas siga suas ordens, simples assim — disse Xigbar, sentindo-se cansado
das implicações de Luxord.
— Sim, foi o que sempre fiz. Eu segui as ordens dos superiores sem questionar. Entretanto,
às vezes não consigo deixar de ler a estratégia do meu oponente — respondeu Luxord.
Xigbar bufou.
— Muito tempo no trabalho?
Luxord era, antes de mais nada, um jogador. Qualquer membro da Organização que viesse
questionar sobre a caixa seria um problema para Xigbar. Ele sabia muito bem que estava bancando
o bobo naquela história, pelo Mestre Xehanort e pelo mundo inteiro. Não podia deixar que ninguém
começasse a acreditar que havia um significado mais profundo por trás da encenação.
— Se o conteúdo da caixa de fato é desconhecido, por que é assim tão importante para a
Organização? Além disso, foi Xehanort ou Xemnas quem deu a ordem?
— Bem, é complicado — respondeu Xigbar, cerrando os dentes mentalmente diante da
tenacidade irritante de Luxord.
— Tudo com que Xehanort se importa é o confronto entre as sete luzes e as treze trevas. É
improvável que tenha tamanho interesse nesta caixa misteriosa. O que significa que a ordem veio...
de Xemnas. Ou daquele que me informou da minha tarefa: você.
Luxord fitou Xigbar com um olhar que ele normalmente reservava para um jogo de cartas
especialmente acalorado — direto e procurando por toda e qualquer pista. Acontece que Xigbar não
pretendia revelar nada.
— Até parece! Só pode ter sido o Xemnas.
— Minhas investigações sugerem o contrário.
A resposta de Luxord fez com que Xigbar parasse por um momento, mas ele rapidamente se
adaptou e incorporou sua surpresa real à encenação:
— Pô, mano... tu perguntou pra ele?
— Quais são as suas intenções?
Convencer seu oponente de que ele está em vantagem também é importante em jogos como
aquele. Na verdade, era uma estratégia essencial — e foi por isso que Xigbar se voltou para Luxord
e começou a falar como uma criança inventando desculpas:
— Olha, eu não sei o que tem dentro da caixa. Mas ela tem sido protegida por portadores da
Keyblade... desde muito tempo atrás. Você não tá curioso? Soube que ela contém informações vitais
para todos os usuários da Keyblade. Segredos.
— E onde foi que soube disso? — perguntou Luxord.
— Hmm, não me lembro. — Xigbar desviou o olhar, fingindo esquecimento. — Eu tô
sempre com os olhos e ouvidos bem abertos, mas já viajei pra tantos lugares diferentes que é difícil
lembrar de tudo certinho, sabe qual é? — prosseguiu Xigbar, tentando fazer parecer que aquilo tudo
não era nada demais.
Luxord jogou uma carta em sua direção, e Xigbar a agarrou no ar antes que pudesse cortá-lo.
— Se esta caixa é mesmo tão importante quanto diz, por que agora?
Xigbar não tinha resposta para isso.

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— Acredito que tenha descoberto que existem outros que também a estão à sua busca e você
precisa encontrá-la primeiro, a fim de manter sua conexão com a caixa em segredo daqueles à sua
volta. Xigbar, quem é você de verdade?
Ainda segurando a carta, Xigbar encarou Luxord com um olhar de seu único olho.
No final, foi Luxord quem quebrou a tensão. Com um sorriso irônico, ele disse:
— Não importa. Não faz diferença para mim. Tanto faz. Me contento em fingir ignorância.
Então você também está fingindo que não sabe, hein?
Xigbar não estava disposto a dar respostas, então Luxord abriu um portal escuro e partiu.
— A pergunta é quem é você, Luxord — disse Xigbar, jogando a carta fora.

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APÓS DEIXAR MICKEY PARA SEGUIR PELO CAMINHO DA ESQUERDA, AQUA E
Ventus logo encontraram Terra — ou melhor, Terranort — e Vanitas.
— Terra! — gritou Ventus, mas Aqua o deteve.
— Olhe bem. Esse não é o Terra!
Esse na verdade é o Xehanort, apenas usando a forma do Terra. Qualquer deslize aqui pode
significar o nosso fim.
— Talvez não, mas eu ainda vou continuar chamando o nome dele. Temos que iluminar o
caminho de volta para casa — protestou Ventus, olhando para o amigo de cabelos prateados. Suas
palavras foram tão sinceras que Aqua não sabia bem como responder.
Mas então Vanitas deu um passo à frente e acabou com o momento.
— Ei, galera. Tô me sentindo um pouco excluído aqui.
— Vanitas. Você também vai voltar para casa — informou Ventus, invocando sua Keyblade.
Mas Vanitas ainda não havia terminado.
— Hã? Mas a minha casa é dentro de você. Você sabe o que vai acontecer, né? Eu vou
simplesmente desaparecer dentro de você para sempre. Você não tem amor pelo seu próprio irmão?
— Nós não somos irmãos. Somos iguais — declarou Ventus.
O riso soou dentro do capacete de Vanitas.
— Você acredita nisso? Então você é mesmo ingênuo.
— Hã? — Essa não era a resposta que Ventus esperava.
— Isso pode te chocar, mas nós não somos iguais como você pensa. Eu só fiquei escondido
dentro de você por muito, muito tempo. Tudo que o Xehanort fez... foi me arrancar de você.
Mas não importava qual era a verdade. No fim, dava no mesmo.
Ventus apontou sua Keyblade para Vanitas.
— Então volte para de onde veio!
— Hmm… Me obrigue — provocou Vanitas.
— Se é trevas o que está procurando, Ventus, — disse Terranort — então eu tenho mais que
o suficiente para todos.
No entanto, desta vez foi Aqua quem invocou sua Keyblade para detê-lo.
— Chega! Pare de usar o nosso amigo para os seus jogos.
— Uma Mestra da Keyblade empunhando sua chave com raiva? Vergonhoso — zombou
Terranort.
Aqua abaixou sua arma.
— Temos assuntos pendentes. Eu caí na escuridão e, por dez anos, vaguei pelo reino das
trevas. Agora... finalmente estou aqui. — Terranort sorriu de ante de sua resposta séria. — E só tem
uma coisa que eu quero, de todo o coração. Xehanort... eu vou tirá-lo do Terra para sempre!
Aqua entrou em ação, atacando Terranort com sua Keyblade. Ao lado dela, Ventus se lançou
contra Vanitas. Aqua e Terranort chocaram Keyblades com uma força terrível, enquanto Vanitas
jogava Ventus longe com sua própria chave.
— Aqua! Ven! — gritou Sora enquanto vinha correndo para a arena.
— Sora! — Aqua e Ventus disseram praticamente ao mesmo tempo.
Assentindo com a cabeça, os três se viraram para enfrentar seus inimigos em comum.
— Deixem o Terra comigo... Congele! — exclamou Aqua enquanto lançava um feitiço que
deixou Terranort.
Sora também tentou atacar com magia, mas Vanitas atrapalhou.
— Ei, sou eu que você quer! — gritou Ventus enquanto atacava Vanitas por trás com sua
Keyblade. Vanitas bloqueou a investida sem sequer se virar e então se lançou contra Ventus em um
intenso vai-e-vem que afastou os dois do resto dos combatentes.
Vanitas levantou a mão no ar, convocando um aglomerado de Keyblades sobre o qual ele
então saltou. Ventus foi correndo atrás dele. Ele estava sozinho por ora, já que Sora e Aqua estavam
ocupados com Terranort. Ventus concentrou seus ataques na armadura de Vanitas.
Quando a batalha os aproximou novamente dos outros, o combate assumiu um ritmo muito
mais confuso e frenético, com Sora ajudando hora Ven, hora Aqua, conforme ditava a situação.
Quanto tempo poderia durar uma luta tão intensa?
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Eventualmente, um golpe brutal de Ventus acertou em cheio, deixando Vanitas incapacitado
e rachando todo o visor do seu capacete. Sora sentiu um nó na garganta quando viu o rosto de
Vanitas. Ele correu até Ventus.
— O seu rosto...!
Enquanto Aqua e Terranort seguiam ocupados trocando golpes no ar, Vanitas riu baixinho.
— Eu sou o pedaço de Ventus que lhe foi tirado — disse. — E você é o pedaço do qual
Ventus precisava para ser inteiro de novo. Então... por que você e eu não seríamos exatamente
iguais? Você me define, Sora, da mesma forma que Ventus o faz. Somos irmãos que, juntos,
formamos um todo maior. — A semelhança espantosa entre o rosto de Sora e o que havia por trás
da máscara de Vanitas era evidência irrefutável disso.
Sora cerrou os dentes.
— Então por que você não fica do nosso lado? Em vez de com a escuridão?
— Porque eu sou a escuridão. E eu estou do seu lado. Sou a sombra que vocês projetam.
Como poderia estar mais perto? — disse Vanitas com um sorriso.
— Mas eu não... — Sora começou a dizer, mas Ventus interrompeu antes que ele pudesse
concluir o raciocínio:
— Mas eu não pedi por isso. Nunca quis ser dividido em dois desse jeito. Devíamos ser
livres para escolher. Não apenas luz, não apenas escuridão. Nós decidimos o que somos.
Vanitas baixou o olhar por um momento.
— Mas... Ventus, eu decidi quem eu sou. Não vê?
— E a escuridão é o que você é? — perguntou Ventus.
— A escuridão é que eu sou — respondeu Vanitas, a voz tranquila, enquanto uma névoa
negra começava a subir de seu corpo.
— Tudo bem — respondeu Ventus, mas Sora não conseguia entender.
Viver na escuridão, sozinho e incompleto — não era certo.
— Como assim, “tudo bem”? Vanitas!
Ele queria respostas, mas Vanitas simplesmente sorriu e se dissolveu no vazio escuro. Para
Ventus, o fim de sua contraparte destinada foi o fim de uma luta longa e exaustiva.
— Aqua...! — Mas não havia tempo para ficar parado. Ventus se virou para a amiga e correu
para se juntar a ela na batalha. Sora não estava muito atrás.
Terranort se viu em apuros contra as Keyblades de Ventus e Aqua e, quando Sora se juntou
à luta com disparos de luz, eles finalmente conseguiram acertar alguns golpes certeiros.
Ele deve estar enfraquecido agora...
Uma fumaça negra começou a emanar de Terranort.
— Terra!
Aqua e Ventus correram para onde ele estava.
— Aqua... Ven... — Terranort agarrou a cabeça, murmurando os nomes dos amigos em
meio à dor que o acometia.
— Terra, por favor…
— Volte... Terra!
Os dois suplicaram, tentando ajudá-lo a se levantar junto a seus braços, mas ele os afastou e
gemeu em agonia.
— Terra! Seus amigos estão aqui! — exclamou Sora.
Mas os gemidos de Terranort se tornaram um urro quando uma onda de trevas irrompeu de
seu corpo, transformando-se em correntes que açoitaram Sora, Aqua e depois Ventus como chicotes,
mantendo-os suspensos no ar, completamente imóveis.
No centro das correntes, Terranort continuava a se contorcer.
— Você tem que lutar contra as trevas! — gritou Sora, mas suas palavras não pareciam ter
qualquer efeito.
— Vocês nunca conseguirão quebrar essas correntes. Eles são nossos laços! — Terranort riu
enquanto voltava a se erguer devagar. As correntes que imobilizavam Aqua e Ventus ganharam
vida, girando os dois e depois jogando-os no chão. — Vocês não têm poder sobre mim!

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— Pare, Terra! Por favor, pare! — bradou Sora, mas ele estava preso e impotente para fazer
qualquer coisa além disso. Aqua e Ventus pareciam já ter perdido a consciência.
— Adeus — declarou Terranort, e então as correntes de Aqua e Ventus os alçaram ao céu.
— Terra… eu cumpri a minha promessa — Ventus sussurrou de repente enquanto lágrimas
começavam a cair de seus olhos.
Mas Terranort permaneceu imóvel enquanto se preparava para atirar os dois com tudo de
uma grande altura.
E ele o teria feito — não fosse pela sombra negra que os pegou.
— Como?! — exclamou Terranort enquanto se virava às pressas em estado de choque. Não
havia ninguém lá.
Quem salvara Aqua e Ventus tinha sido ninguém menos que a Figura Negra que costumava
ficar atrás dele. Embalando Aqua e Ventus em um dos braços, a grande sombra quebrou as correntes
que prendiam Sora, colocou os dois heróis inconscientes no chão e se virou para encarar Terranort.
— Você caiu nas trev... — ele começou a dizer, mas a Figura Negra rapidamente o agarrou
pela cabeça, calando-o enquanto ele lutava para se libertar.
Atrás dele, a Figura Negra rasgou as ataduras que cobriam sua boca e falou com uma voz
rouca e grave:
— Um dia, eu vou…
Essa é a voz da Terra! Tem que ser! Sora sabia disso em seu coração.
— Um dia... eu vou... consertar isso... Eu voltarei a esta terra... e protegerei... os meus
amigos! — O ex-guardião de Terranort o ergueu ainda mais alto.
— Terra! Agora! — Sora gritou enquanto preparava sua Keyblade.
Um feixe de luz disparou dela e atingiu Terranort diretamente nas costas. Ao mesmo tempo,
o coração de Terra emergiu da figura sombria, brilhando em meio a uma grande luz. Dentre outro
forte clarão, seu coração se lançou em direção ao peito de Terranort.
O homem foi banhado em luz enquanto seu cabelo escurecia de prata para castanho e sua
velha aparência lhe era retornada.
E então Terra estava diante deles.
— Aqua! Ven! — Mesmo tendo acabado de voltar ao mundo, Terra imediatamente correu
para onde seus dois amigos estavam. Ele tomou Ventus em seus braços enquanto Aqua lentamente
se sentou ao lado dele.
— Terra... é você? — perguntou Aqua, lágrimas escorrendo de seus olhos.
— Sim — respondeu Terra. — Você nunca parou de iluminar o meu caminho de volta.
Ventus se mexeu em seus braços.
— Você tá aqui...
— Eu também te ouvi, Ven. Você me encontrou, assim como prometeu.
Agora eram os olhos de Terra que estavam cheios de lágrimas, e Ventus não estava muito
atrás. Terra puxou seus dois amigos queridos para um abraço apertado.
— Obrigado — Terra disse a eles.
— Aqua e Ventus precisam descansar. Terra, cuide deles — disse Sora, sorrindo diante do
trio reunido.
— Não, Sora. Eu vou também. — Ventus se levantou e tentou segui-lo, mas ainda estava
muito fraco. Terra estendeu a mão para lhe dar apoio.
Sora se virou para ele.
— É isso que ele quer. Que a gente cometa um erro. Que nos coloquemos em perigo.
— Sora, vá — disse Aqua. — Nós o alcançaremos.
Eles podem não conseguir lutar agora, mas tenho certeza que, se descansarem um pouco,
já, já vão estar prontos de novo.
— Certo. Deixa comigo! — Sora respondeu com um sorriso no rosto, e então correu de
volta para o labirinto.

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Nas profundezas do labirinto, Axel e Kairi estavam em um confronto direto com Xemnas,
Saïx e outra figura de casaco negro.
— Bem, acho que era inevitável. Quem é o intruso aí? — perguntou Axel, fitando com um
olhar incisivo o membro desconhecido do trio cuja identidade era obscurecida por seu capuz. Seja lá
quem fosse, tinha quase a mesma altura de Kairi.
— De fato, inevitável. E este nosso “convidado” tem uma velha rixa a acertar com você.
Você é um traidor das trevas, assim como esta coisa é da luz.
— Bom, acho que posso viver com isso — gracejou Axel, dando de ombros.
Uma velha rixa? O que ele quer dizer com isso?
— É um ser de quem não temos memórias. Um verdadeiro Nobody, vindo do limiar do
esquecimento — explicou Xemnas.
— O ser diante de vocês foi recriado... a partir dos registros deixados por Vexen e dos
muitos experimentos realizados pelo Jovem Xehanort — disse Saïx, assumindo de onde Xemnas
havia parado.
A figura encapuzada apenas ficou em silêncio.
— Foi apagado de todas as memórias e não possui absolutamente nenhum conhecimento de
quem realmente é — disse Xemnas, olhando para o terceiro membro da nova Organização. —
Mesmo eu me havia esquecido de sua existência. Mas, como os outros, não conseguia me lembrar
por quê. Verdadeiramente, o peão perfeito criado para esta batalha.
Xemnas lançou um olhar para o ser de casaco negro.
— E quem é? — disse Axel secamente.
Foi Saïx quem respondeu:
— Vocês chamaram um dos Novos Sete Corações. Devem estar desesperados.
— Se eu sou um traidor, — retrucou Axel — então acho que Kairi aqui é o trunfo.
— O quê? — perguntou Kairi.
— Então não é desespero o que vejo em você. É apenas tolice... e loucura. — Saïx parecia
desapontado.
— Sem a batalha entre as sete luzes e treze trevas, Kingdom Hearts requer os sete corações.
É por isso que buscamos destruir os guardiões. Você é mesmo tolo o bastante... para acreditar que
pode nos derrotar? — explicou Xemnas, suas palavras pingando de desprezo.
— O que você acha?! — retrucou Axel.
— Acho que você vai perder, Axel — Saïx respondeu sem rodeios.
— Aham, até parece!
Ninguém notou que a figura silenciosa de casaco negro reagiu ligeiramente a isso:
— Axel... — sussurrou ela, tão baixo que apenas Saïx escutou.
— Mesmo que você possua a força, este ser não pode ser derrotado por suas mãos. Mesmo
que... ambos tenham perdido as memórias.
— Muito bem... vamos descobrir! — exclamou Axel, aceitando o desafio de Saïx. Ele
invocou sua Keyblade, que desta vez assumiu a forma de suas velhas armas, um par de chakrams
flamejantes, e as arremessou no estranho de casaco negro.
Mas a figura produziu uma Keyblade e rebateu o ataque — e a Keyblade era idêntica à de
Sora. Axel e Kairi não conseguiram conter o choque.
— Espera... essa Keyblade...
— É igual à do Sora.
— Você é...? — Axel vacilou. — É você, Roxas?
— Roxas...? — O de casaco negro repetiu o nome, a voz suave.
Saïx escutou novamente e então disse em voz alta:
— Não, não é o Roxas, Axel.
— Roxas... Axel... — disse o estranho, desta vez hesitando e levando a mão à cabeça. Com
um grito poderoso, a figura se jogou contra Axel, mas Kairi bloqueou o ataque da Keyblade com a
sua no último segundo.

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— Uma garota? — Kairi ofegou quando viu seu rosto sob o capuz por um segundo antes de
afastá-la com sua Keyblade. Infelizmente, não teve tempo de confirmar suas suspeitas.
— Está comigo? — disse Axel.
— Sim — respondeu Kairi.
Xemnas se foi pelos Corredores da Escuridão e então a luta começou.
A figura de preto bloqueou uma investida de Kairi e foi atrás dela, mas Axel se jogou com
tudo e interceptou o ataque antes que pudesse atingir sua amiga.
Já não havia mais qualquer dúvida — aquela arma com certeza era uma Keyblade. Assim
que Axel aparou o ataque, Saïx atacou com sua Claymore, sua ponta azul colidindo com o vermelho
da Keyblade de Axel. O impacto jogou Axel no ar, forçando-o a dar uma cambalhota antes de
pousar mais ao longe. Ele sequer teve tempo de recuperar o fôlego quando o estranho se lançou em
um novo golpe.
Axel e Kairi mal estavam conseguindo aguentar — pelo menos até Sora vir ao resgate.
— Kairi! Axel!
A chegada oportuna de Sora trouxe um sorriso ao rosto de ambos.
— Sora!
— Que bom te ver!
Com a adição de um terceiro membro ao grupo, os heróis agora estavam de volta à luta —
mas, mesmo assim, o combate estava longe de equilibrado. Seus oponentes eram muito fortes.
A certa altura, eles conseguiram deixar o estranho de joelhos... mas Saïx logo os atacou
novamente com rajadas de energia azul de sua Claymore. Sora se jogou com tudo na frente de
Kairi, a fim de protegê-la. Axel correu até onde seus companheiros haviam caído e interceptou Saïx
enquanto ele se preparava para acabar com eles, gritando seu nome humano:
— Pare com isso, Isa!
A incrível força do ataque de Saïx deixou Axel de joelhos.
“Sei que eu não vou te esquecer. Acredite, eu tento o tempo todo.”
Os olhos de Saïx brilharam com uma luz sinistra enquanto encarava Axel, que se deu conta
de que já não sabia mais se seu antigo amigo sequer o reconhecia.
Foi quando Xemnas voltou.
— Houve um tempo em que confiei em você para lidar com traidores. E agora, sua traição
supera todas as outras. Quais suas últimas palavras para o seu superior? — ele disse imperiosamente
enquanto caminhava até Axel.
— Bom, deixa eu ver. Que tal “você nunca foi o meu superior”?
— Ah, sempre o peão rebelde. Tirado do tabuleiro no início do jogo. Completamente inútil e
esquecido.
Diante das palavras cruéis de Xemnas, Axel o encarou com um olhar afrontoso. E apesar de
sua situação, sua voz soou cheia de confiança:
— Tá brincando? Tem ideia de como eu sou popular? Tem um monte de gente torcendo por
mim. Foi mal, chefia. Ninguém para o Axel. Deu pra memorizar?
Com isso, Axel se lançou em direção a Xemnas e atacou seu rosto com sua Keyblade de cor
carmesim — mas o vilão a parou com uma mão.
— Isso era para ser uma Keyblade? Ou é algum tipo de piada? — Com um aceno de mão,
Xemnas quebrou a Keyblade de Axel. Ele então estendeu os braços, criando uma cúpula de esferas
brilhantes à sua volta, as quais começaram a disparar como projéteis contra Axel. — Nossos planos
foram frustrados por você muito mais vezes do que me importo de contar. Agora isso acaba. Vou
expurgar essa luz em você... com as trevas!
Xemnas materializou sua Lâmina Etérea e lentamente a ergueu sobre a cabeça de Axel. Mas
antes que pudesse desferir o golpe final, uma mão negra, enluvada, segurou a lâmina. Um chiado
crepitante acompanhou a fumaça que se soltava de seus dedos.
Quem impedira a Lâmina Etérea de atingir seu alvo fora o estranho de casaco negro.
— Mudando de lado de novo?
— Precisamos dele vivo — disse uma voz feminina. — Você sabe disso.

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— Precisamos apenas de seu coração para forjar a chave. Não precisamos de sua alma. Ah...
mas é verdade. Vocês eram “amigos”. Então... você tira a vida dele.
A estranha se levantou e apontou sua Keyblade para Axel.
— Quem... é você...? — perguntou Axel enquanto olhava para ela.
A essa altura, eu conheço todos os membros da Organização — da velha e da nova. Então
por que não conheço ela? Ou será que conheço, mas simplesmente não me lembro?
Essa voz — já ouvi antes. Era como a da Kairi, mas, de alguma forma, diferente.
Quem é você?
— Não faz isso — disse Sora, aproximando-se e segurando sua Keyblade com delicadeza.
A garota deixou escapar um arquejo, mas rapidamente virou o rosto e afastou a mão de Sora
de sua Keyblade. Então, como se contendo algo dentro de si, ela girou e o atacou com sua arma.
Mas... parecia quase como se estivesse lutando mais consigo mesma do que contra Sora. Ela
martelava sua Keyblade contra a dele, de novo e de novo, e ele apenas resistia à tormenta.
— Espera... tá tudo bem! Você pode parar agora! Tá tudo bem... Xion.
A garota congelou quando o nome deixou os lábios de Sora.
Ele disse o meu nome — mas não foi o Sora. Foi outra pessoa. Eu conheço essa voz. Eu a
reconheceria em qualquer lugar.
Xion agarrou sua cabeça e gritou.
— Fantoche inútil.
Xemnas jogou a garota longe com um chute, o que finalmente derrubou seu capuz. Diante
do rosto e dos cabelos negros da garota, uma dor aguda percorreu as têmporas de Axel.
Sim, eu me lembro agora. Mas por que demorou tanto?
— Xion! — gritou Axel, arrastando-se rapidamente para agarrar a perna de Xemnas antes
que ele pudesse se aproximar dela. O chute havia arremessado Xion com tudo contra Sora, o que o
derrubou e a fez perder a consciência em seguida, assim que caiu no chão.
Eu não vou deixar você machucar eles de novo.
— Sua Keyblade não existe mais. E você ainda acha que pode brincar de guardião da luz?
Pode esperar sua vez... perdedor. — Xemnas menosprezou friamente os esforços de Axel, soltou
sua perna e então cravou o calcanhar nas mãos do aspirante a herói. Axel só conseguiu estender a
mão, impotente, enquanto ele se virava de volta para Xion e se preparava para acabar com ela com
sua Lâmina Etérea.
Mas então, o corpo de Sora brilhou. Uma luz saiu de seu peito e foi quase simultaneamente
acompanhada por outro feixe de luz que desceu do céu. Xemnas rapidamente se afastou num salto e
o feixe deixou uma nuvem de poeira que espiralou no ponto de onde ele acabara de sair.
Uma voz falou logo atrás dela:
— Tire as mãos dos meus amigos.
A poeira baixou para revelar outra figura de casaco negro.
— Não pode ser! — Em choque, Xemnas deixou escapar.
A figura respondeu tirando o capuz.
— Roxas... — Axel disse o nome de seu amigo. Eu finalmente... finalmente te encontrei. E
agora me lembro de tudo.
— Minha vez. — Roxas segurou suas duas Keyblades em posição de ataque e fitou Xemnas
com um olhar firme.
— É impossível. Como conseguiu um receptáculo?
— Igual a vocês — Roxas disse a Xemnas, que, embora tentasse disfarçar o nervosismo, não
estava conseguindo.
— Igual como...?
— A maioria dos membros da Organização, eles viajaram pra cá do passado como corações.
E vocês tinham réplicas prontas e esperando. Uma para cada um deles.
— Quem lhes contou? — perguntou Xemnas.
Roxas ajudou a esclarecer sua confusão:
— Eu devo o meu retorno a muitos. Algumas são pessoas que você conhecia.
— Ansem, o Sábio. Zexion... — Xemnas proferiu os nomes de alguns possíveis suspeitos.
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— E outros também. Parece que você não é tão bom em conquistar o coração das pessoas
quanto pensa. — Roxas o informou com uma Keyblade apontada para dar ênfase.
— Ah, entendi... — Xemnas riu consigo mesmo.
— Havia uma última coisa que eu precisava para me tornar completo novamente. Uma
conexão. O Sora me ajudou a encontrar o caminho de volta pra cá... para os meus amigos.
— Roxas — disse Sora com uma voz cheia de esperança. Ele estava parado ao lado de Kairi.
A gente sempre soube que você voltaria pra nós.
— Eu não preciso de corações. Vou espalhar todos eles ao vento — disse Xemnas, e então
instantaneamente se teletransportou para trás de Kairi, puxando-a pelo braço direito.
— Kairi!
— Sora!
Os dois jovens portadores da chave gritaram o nome um do outro, mas a escuridão já estava
começando a envolver Xemnas.
— Que diferença uma luzinha faz? Vocês têm outras. Assim como temos mais trevas para
repor nossos números.
Xemnas então desapareceu em meio às trevas, levando Kairi consigo. Sora tentou ir atrás
deles, mas Saïx entrou em seu caminho. Sora e Roxas prepararam suas Keyblades para a batalha,
enquanto Axel se levantava para tentar se juntar a eles.
Mas Xion o deteve.
— Descanse, Axel. O Roxas lutará no seu lugar. E eu lutarei pela Kairi.
— Sim... quando o assunto é Keyblades, vocês são os veteranos — ele reconheceu com um
sorriso, ao qual Xion respondeu com um aceno suave.
Então ela, Sora e Roxas se lançaram contra Saïx.
Só o que Axel podia fazer era observar enquanto tudo acontecia.
Será que esses três dão conta do recado? O Saïx é um oponente implacável até nos dias
mais tranquilos, mas agora ele surtou de vez.
Todos aqui são meus melhores amigos. Bom, menos o Sora. Não que ele também não seja
um bom amigo, mas... argh, acho que isso não importa. Mas o Roxas — eu tava atrás dele. A Xion,
eu esqueci. E o Saïx — a gente se conhece há tanto tempo que nem lembro como era a vida sem ele.
Eles são todos meus melhores amigos. E agora, eles estão se enfrentando.
Talvez seja culpa minha.
Você mudou e, segundo você, eu também.
A gente acabou tomando rumos diferentes em algum lugar do caminho, mas você sempre foi
meu amigo. Ainda é.
Ou será que eu entendi errado?
Finalmente, um golpe certeiro de Sora acabou com a luta para Saïx. Uma névoa negra como
breu começou a sair de seu corpo enquanto ele se curvava no chão.
Axel correu até o amigo.
— Por que... tão triste? — perguntou Saïx, olhando para Axel.
Triste...? O quê, você acha que eu vou chorar?
— Você deixou eles te reduzirem a isso? — Axel gritou com fúria.
— Achei... que tivesse superado as marcas sob os seus olhos.
— E? — Axel passou a mão num dos pontos sob os olhos onde costumava ter as tais marcas.
“Eu sempre te disse que elas te impediam de chorar. As lágrimas invertidas.”
As palavras que Saïx havia dito no dia anterior lhe passaram pela cabeça.
— Você parece... que precisa delas... — Saïx comentou num tom calmo.
— Para. Com a encenação toda! Achei que fosse tudo por ela.
— No início — respondeu Saïx com um sorriso fraco. — Eu sacrifiquei tudo para tentar
encontrá-la. Você foi quem saiu por aí e fez outros amigos. Deixou tanto ela quanto eu para trás.
Me enfureceu a forma como você simplesmente saiu de nossas vidas.
Saïx deixou escapar um suspiro de dor e pressionou a mão sobre o peito. Axel rapidamente
colocou a mão no ombro do amigo.
— Eu perdi... todo o senso de propósito...
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— Eu não te esqueci — disse Axel, mas Saïx manteve os olhos no chão. A névoa escura
começou a obscurecer sua forma.
— Sim... eu sei. Você não faria isso. Mas... eu fiquei com ciúmes.
— Você admite.
— Bom, se eu voltar... você não vai me ouvir dizer isso uma segunda vez.
Saïx tentou se levantar e estava prestes a cair quando Axel o pegou nos braços. Um sorriso
surgiu no rosto de Saïx quando a escuridão começou a reivindicar seu corpo.
— Até mais, Isa.
— Até mais, Lea.
Os dois amigos se despediram e Saïx se foi. A brisa varreu os restos da escuridão dos braços
de Axel, e ele a observou flutuar em direção ao céu. Finalmente, ele se levantou devagar.
— Você vai ajudar a Kairi.
— Certo — concordou Sora, assentindo, e então disse: — Tenho que ir! Boa sorte.
E com isso, saiu correndo de volta para o labirinto. Axel o observou partir e então se virou
de volta para Roxas.
— Muito bem. E agora?
Roxas apenas olhou para ele com um sorriso tranquilo no rosto, mas os dois então ouviram
um soluço suave. Lágrimas escorriam dos olhos de Xion, e Roxas rapidamente correu até ela.
— Acho que eu... devia ter trazido uns picolés — brincou Axel, incerto, coçando a cabeça.
Isso trouxe um novo sorriso aos rostos de Roxas e Xion. Axel estendeu a mão e envolveu os dois
em um grande abraço.
Bom, pelo menos agora todos nós somos uns bebês chorões.

Finalmente, Sora chegou à plataforma alta que ficava além do labirinto. Quando o labirinto
se ergueu do chão, era aqui onde os doze membros da verdadeira Organização XIII de Xehanort
estavam. Agora eram nove a menos.
Riku e Mickey estavam esperando lá por Sora.
— Riku! Vossa Majestade!
— Sora! — Mickey disse de volta.
— Já era hora — disse Riku.
— Desculpa! — Sora teve que recuperar o fôlego conforme ia se aproximando. No mesmo
momento, uma poderosa rajada de vento cheia de poeira soprou contra eles mais à frente. Conforme
foi passando, eles viram que Ansem, Xemnas e o Jovem Xehanort estavam agora em seu caminho.
E então, atrás do trio, em uma alta coluna rochosa, estava o próprio Mestre Xehanort.
— Xemnas! Cadê a Kairi? — indagou Sora, preparando sua Keyblade para a batalha.
— Calma! Ela está com problemas? — Riku quis saber.
— Sim, o Xemnas a levou — revelou Sora, sem jamais desviar os olhos do vilão em questão.
— Acalme-se, garoto — disse Mestre Xehanort com ar de reprovação.
— É Sora! — ele gritou de volta.
Um sorriso condescendente surgiu no rosto do velho.
— As treze trevas e as sete luzes se enfrentaram nove vezes, produzindo essas nove chaves.
— Quando Mestre Xehanort disse isso, nove chaves apareceram em um anel com ele ao centro. —
Faltam apenas quatro... mas essas quatro chaves serão produzidas aqui e agora.
— Aham, tá bom. E o que te faz pensar que de algum jeito a gente te ajudaria com isso? —
Sora gritou de volta desafiadoramente. O sorriso confiante não deixou o rosto do Mestre Xehanort.
— Você se esquece que eu planejo para cada eventualidade.
Este lembrete de que eles haviam levado Kairi enfureceu Sora, mas foi Riku quem retrucou:
— Se você invocar Kingdom Hearts, nós vamos te derrotar e vamos fechá-lo de novo —
disse ele, apertando ainda sua Keyblade com ainda mais força.
— Talvez. Isso é... se sobreviverem até lá!

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Com um gesto majestoso de sua mão, Mestre Xehanort conjurou uma tormenta de Keyblades
que despencou sobre suas cabeças.
— Ugh!
Enquanto os heróis se ocupavam tentando ficar fora de perigo, Ansem, Xemnas e o Jovem
Xehanort avançaram para o golpe final. Sora sabia muito bem quão formidável cada um deles era.
Ansem se lançou contra Mickey e o atingiu com sua barreira de lasers, mas antes que qualquer um
pudesse reagir, Xemnas atacou com orbes brilhantes das Lâminas Etéreas em suas mãos. Enquanto
isso, o Jovem Xehanort lançou um raio de luz que atingiu Sora como um chicote.
A terra urrou quando Mestre Xehanort ergueu as mãos para o céu, evocando uma tempestade
de nuvens sobre o campo de batalha. Sora perdeu Riku e Mickey de vista quando o chão sob eles se
elevou, tornando-se o que mais parecia um palco gigantesco. O aglomerado de Keyblades emergiu
das nuvens e formou uma corrente no ar, ocasionalmente mergulhando com tudo em cima de Sora.
Quando as nuvens finalmente se abriram, um a um, Ansem, Xemnas e o Jovem Xehanort se
juntaram ao ataque novamente.
— Sora! — Riku veio correndo e chamou a atenção de Ansem com um golpe direto de sua
Keyblade. Os dois se enfrentaram no ar, afastando-se de Sora.
Enquanto isso, Mickey apareceu para desafiar o Jovem Xehanort. Com isso, restou apenas
Xemnas, que Sora atacou com uma explosão de magia. O feitiço atingiu Xemnas em cheio, o que o
deixou atordoado por um momento e deu a Sora a chance perfeita para se aproximar e atacar com
sua Keyblade.
A batalha feroz se estendeu e se estendeu mais e mais, e justo quando Sora começou a se
questionar se algum dia ela terminaria, ele acertou um golpe bastante satisfatório que jogou o Jovem
Xehanort de mãos e joelhos no chão, uma névoa escuro deixando seu corpo. Desaparecer assim era
o destino de todos os membros caídos da nova Organização, e ainda assim ele estava rindo.
— Qual é a graça? — perguntou Sora.
O Jovem Xehanort olhou para ele.
— Eu te disse. Há um alto preço a pagar por tudo isso — disse ele, a voz cheia de propósito.
— E que preço seria esse?
— Eu vou voltar ao meu tempo e viver a minha vida. Mas Sora, você já era. Sua jornada
termina aqui.
— O quê?
O Jovem Xehanort se ergueu com dificuldade.
— Adeus, Sora. O seu tempo... neste mundo... — Mas antes que pudesse terminar, o miasma
negro o engoliu, sem deixar nada para trás.
Riku também tinha levado Ansem ao limite, e com um último e poderoso golpe de sua
Keyblade, o Inquiridor das Trevas finalmente sucumbiu.
— Ansem...
Ansem sorriu de volta para Riku.
— Que... jornada você e eu tivemos...
Riku nunca quis enfrentar Ansem sozinho, ou abrigá-lo em seu corpo, é claro, mas ele havia
tomado a forma do vilão emprestada em certo ponto.
— Sabe, é estranho. Acho que vou sentir sua falta — confessou Riku.
— Sua força é mais vasta que as trevas. Eu sabia que nunca tive chance. Parte de mim queria
desafiar o destino... mas quando fomos traídos, descobri que eu não me importava. E então, nada
mais pareceu importar.
Dizer tudo isso de alguma forma pareceu algo catártico para Ansem. Ele se recostou para
que pudesse ver melhor o céu.
— Está na hora de seguir em frente, garoto. Há mais a se buscar... então partam agora e
busquem... — E com essas palavras finais, Ansem também voltou para a escuridão.
Agora restava apenas Xemnas. Ele havia forçado Mickey a recuar até a borda da plataforma.
Sora e Riku olharam um para o outro e então correram para ajudar o rei. Sora disparou uma rajada
de magia contra Xemnas, que se esquivou sem sequer olhar para trás. Riku usou essa distração para

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atacar Xemnas com um golpe da Keyblade que se mostrou impossível de escapar, e então Mickey
fechou o pacote com um feitiço.
Com isso, seu último oponente se tornou incapaz de continuar lutando. Xemnas olhou para o
miasma negro emanando de suas mãos e ofegou.
— Superado... mais uma vez...
— Eu sei que você tem um coração. O que está sentindo? Valeu a pena? — Sora queria
saber. Como um Nobody, Xemnas procurava aprender mais sobre o coração. Mas o que será que o
motivava agora?
— Eu sinto... o vazio onde meus companheiros costumavam ficar. Eu os dei por certo. E
agora, não tenho... nada. Meu primeiro acesso de emoção em anos... até onde consigo me lembrar...
E é... solidão. Está vendo? Um coração é apenas dor.
Xemnas lentamente virou as costas para Sora e deu alguns passos.
— A dor faz parte de ser humano, Xemnas — Sora disse a ele.
— Mesmo? Deve exigir... uma força incrível... — comentou Xemnas, a voz suave, e então
desapareceu no esquecimento como os demais.
Este fora o último de seus três inimigos. Só o que faltava era o próprio Mestre Xehanort, que
os observava de seu poleiro rochoso. Riku e Mickey caíram de joelhos, tentando recuperar um
pouco de força, mas seus olhos jamais se desviaram do inimigo. Sora também estava ofegante pela
exaustão, mas não era o suficiente para fazê-lo abaixar sua Keyblade enquanto olhava para o velho.
Doze Keyblades pairavam no ar em volta do Mestre Xehanort. Assim como ele pretendia,
outras três se juntaram às nove originais.
— Doze chaves temos agora. Falta apenas mais uma!
Mestre Xehanort ergueu uma última Keyblade sobre a cabeça e então lançou um raio roxo
crepitante para os céus. As nuvens começaram a espiralar escuras por onde o raio havia passado e,
pouco depois, uma forte luz começou a brilhar em meio à abertura.
— Agora, Sora. O confronto final entre as trevas e a luz.
O corpo de Kairi surgiu logo atrás do Mestre Xehanort, pairando de olhos fechados, talvez
inconsciente. Ela veio flutuando pelo ar até ficar bem diante de Xehanort.
— Kairi! — exclamou Sora, imediatamente começando a correr em sua direção.
— Você precisa de motivação — declarou o velho, e então golpeou Kairi com sua Keyblade.
Sora só pôde observar enquanto Kairi era envolta em luz, assumindo uma forma de cristal
que então se estilhaçou.
— Kairi! — berrou Sora enquanto disparava pelo precipício. Ele logo alcançou o topo, onde
se lançou contra Mestre Xehanort em uma investida poderosa, enquanto Riku e Mickey observavam
tudo de baixo, mal conseguindo respirar. — Por que ela?!
Mas a raiva de Sora foi em vão, já que Xehanort simplesmente rebateu o ataque com uma
onda de sua própria Keyblade.
— Eu consegui — entoou o velho.
— Por quê?! — gritou Sora quando caiu de volta no chão, as lágrimas escorrendo por suas
bochechas.
Embora estivessem exaustos demais para reagirem a tempo, Riku e Mickey reuniram o que
restava de suas forças enquanto avançavam pelo penhasco em direção ao assassino de Kairi.
— Xehanort!!! — Riku alcançou o velho mestre primeiro, mas também foi simplesmente
repelido com uma força abismal.
— Você vai pagar! — Um instante depois, Mickey também atacou. — Última!
— Paraza[1]!
Os feitiços foram lançados quase simultaneamente, mas o de Xehanort foi um pouco mais
rápido. O tempo parou para Mickey, deixando-o congelado no ar. Riku também foi acometido pelo
efeito do feitiço Paraza.
— Vossa Majestade! Riku! — Sora gritou desesperado.
Então, algo começou a dispersar as nuvens acima. A fonte da luz era Kingdom Hearts.
— Agora... a Guerra da Keyblade finalmente chegará ao fim!

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As treze Keyblades começaram girar em torno de Master Xehanort enquanto ele erguia as
mãos para o céu. Ele e as Keyblades começaram então a subir em direção a Kingdom Hearts.
Finalmente, ele ergueu sua própria Keyblade sobre a cabeça e, em meio a um forte clarão,
ela se transformou na χ-Blade.
— A χ-Blade está completa. Kingdom Hearts! Eu invoco sua verdadeira forma. Abra agora e
mostre-me o Mundo futuro.
Um raio negro emanou da χ-Blade e adentrou Kingdom Hearts, que começou a assumir uma
coloração escura e crescer tanto que praticamente tomou todo o céu. Incontáveis cometas de luz
belíssimos caíram de Kingdom Hearts, atingindo o solo abaixo.
É isso... não há mais esperança pra gente agora. Não consigo pensar em nenhuma saída.
Sora caiu de joelhos quando a força deixou seu corpo. Ele quase não conseguia mais chorar.
Mas então ouviu duas vozes, e dois pares de mãos o levantaram:
— Ei, não desista.
— Achamos que mais umas meias-doses poderiam ajudar.
— Donald... Pateta...
Os dois grandes amigos de Sora estavam lá olhando para ele em meio à chuva de luz.
— Típico. Você não consegue fazer nada sem a gente, Sora — repreendeu Donald, tentando
encorajá-lo a recuperar sua garra.
Pateta lhe deu um tapinha no ombro.
— Agora enxugue essas lágrimas, Sora, e vamos deter o Mestre Xehanort!
Sora esfregou os olhos com sua manga.
— Sim... mas... ele controla Kingdom Hearts agora. E a Kairi... — lamentou.
— Você, preocupado? — A terceira voz pertencia a Roxas.
— Pessoal — disse Sora quando Roxas, Xion e Axel chegaram, seguidos de perto por Aqua,
Terra e Ventus.
— Foi mal a demora. Tinha uns assuntos que a gente precisava resolver — disse Axel.
Enquanto isso, dois membros da equipe que se pareciam muito um com o outro — Roxas e
Ventus — se entreolharam com curiosidade.
— Mestre Xehanort... — Terra ofegou enquanto fitava o espetáculo no céu com repulsa.
— Ele conseguiu. Ele abriu Kingdom Hearts — disse Aqua.
— E agora? — Ventus perguntou a ela. Infelizmente, ela não tinha uma boa resposta.
— Ainda temos uma esperança — alguém disse. Era Mickey, que desceu ao chão junto a
Riku em meio a uma cambalhota quando o efeito do Paraza de Xehanort passou.
— Vossa Majestade, Riku, vocês estão bem? — perguntou Sora, tenso.
Os dois garantiram que estavam ilesos.
— Estamos.
— Sim.
— Que esperança? — Ventus perguntou a Mickey.
— É o Xehanort. Durante o teste da Marca da Maestria, nós descobrimos que ele transcende
o espaço e o tempo. Ele é um portal. E podemos usar isso para prendê-lo — explicou Riku.
Portais são aquelas passagens para outros mundos que o Joshua mencionou quando eu
visitei os Mundos Adormecidos no teste da Marca da Maestria. O próprio Joshua era um portal,
assim como o Jovem Xehanort, provavelmente. Isso significa que o seu eu mais velho também é um.
Se pudermos tirar vantagem disso, talvez tenha um jeito de deter o Mestre Xehanort, afinal.
— Mas não será fácil — disse Mickey. — Aqua, Riku, vou precisar da ajuda dos dois se
quisermos expulsar Xehanort deste mundo.
— Entendido — Aqua concordou.
Mas Sora apressadamente se colocou na frente dela.
— Esperem. Eu faço isso. — Diante dos olhares confusos de todos, ele disse: — Kingdom
Hearts é uma ameaça muito maior. Deixem que eu cuido do Xehanort... enquanto vocês o fecham.
Mickey refletiu sobre a ideia de Sora. Ele não parecia disposto a ceder.
— Certo, Sora.

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— Deixa comigo — Sora disse com firmeza, e então seguiu adiante. Donald e Pateta logo se
juntaram a ele, cada um de um lado.
— Você não pode se esquecer da gente — declarou Donald, determinado.
Ele está certo. Claro que está. Nós três passamos por tudo juntos.
— Sem Keyblades, também não vamos ser de muita ajuda aqui — Pateta disse baixinho
depois que eles se afastaram um pouco dos outros.
— Três meias-doses juntos de novo — disse Sora, e o trio juntou as mãos como já haviam
feito tantas vezes antes.
— Vamos indo. As trevas estão se espalhando — incitou Terra enquanto observava o Mestre
Xehanort e Kingdom Hearts mais ao alto.
— Sora. — Xion foi andando até ele.
— Ah, oi.
— A Kairi vai ficar bem. Eu posso sentir isso — ela lhe disse. Xion tinha uma conexão
especial com Kairi, afinal.
— Obrigado — respondeu Sora, a chama da esperança reacendida dentro dele. Ele se virou
para enfrentar Mestre Xehanort com determinação redobrada, sua Keyblade pronta para a ação.
Todos os portadores de Keyblade presentes — Riku, Mickey, Terra, Aqua, Ventus, Roxas,
Axel e Xion — apontaram suas chaves para Kingdom Hearts e Xehanort.
— Vamos! — gritou Sora do centro da equipe, dando o sinal para que todos enviassem a luz
das Keyblades para Kingdom Hearts. Sua própria luz atingiu Mestre Xehanort diretamente.
Um portal emergiu do peito de Xehanort.
— O quê?!
E então o mundo — e Sora — foram banhados em um branco ofuscante.

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GLOSSÁRIO:

[1]
Paraza: Quarto nível da magia “Paro” (Stopza, no original).

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QUANDO SORA VOLTOU A ABRIR OS OLHOS, ELE VIU RUAS LADEADAS POR BE-
los edifícios brancos sob um céu azul.
— Eita! Onde a gente tá? — Sora disse a si mesmo. Donald e Pateta estavam logo ao lado
dele, igualmente contemplando o novo ambiente.
Era uma cidade curiosa.
Os edifícios pareciam ter brotado da superfície azul clara da água como árvores — ou uma
espécie de vida vegetal aquática. Além disso, parecia haver várias outras ilhas como a que ele
estava. Cada uma delas era coberta por um grande arranjo em forma de cone cheio de pequenas
casinhas brancas empilhadas umas sobre as outras. Se tratava-se de um lago ou de um oceano não
ficou imediatamente aparente, mas a água separava essas cidades da mesma forma. Estavam todas
conectados apenas por teleféricos.
Mas não havia uma única alma viva à vista, humana ou não.
— Que bonito — comentou Pateta enquanto examinava a vista.
Donald, por outro lado, não parecia feliz.
— Admira outra hora.
Eles estavam na beira de um píer que se estendia até a água, e havia uma ponte que levava
de volta à própria cidade.
— Certo. Temos que achar o Mestre Xehanort — disse Sora, olhando para as ruas à frente.
Seus dois amigos assentiram.
— Tá fazendo silêncio até demais — comentou Pateta.
— Não tem ninguém por aqui — acrescentou Donald.
Nenhum dos dois conseguiu esconder o nervosismo quando deixaram a ponte e chegaram à
cidade propriamente dita. O lugar realmente parecia abandonado.
Foi quando algo chamou a atenção de Sora — Mestre Xehanort estava atravessando uma rua
um pouco mais adiante.
— Ei! — Sora saiu correndo à sua procura. Mas então viu Xehanort novamente, mas não
onde devia estar. Ele agora estava subindo uma escadaria de frente para eles. — Hã?
Donald e Pateta alcançaram Sora, que parecia completamente confuso. Ele tava ali não faz
nem um segundo... será que ele se teletransportou de alguma forma? Não, não é isso...
— O que tá rolando?
Eles viram Mestres Xehanorts aparecendo e sumindo por todas as ruas que os cercavam.
Após um tempo, os Xehanorts começaram a assumir uma aparência diferente. Os novos Xehanorts
pairavam sobre o chão e usavam um casaco negro com linhas vermelhas e uma máscara com três
chifres curvos no alto da cabeça. Havia um total de doze deles dispostos no ar, olhando para Sora,
Donald e Pateta de todos os lados.
— É sério isso? — Sora preparou sua Keyblade, seguido por Donald e Pateta, que também
empunharam suas armas.
— A Organização? — perguntou Donald.
— Não acho que sejam eles que moram aqui — disse Pateta e, no mesmo instante, as doze
Réplicas de Xehanort desapareceram de vista.
Sora avançou com cuidado, atento a seus arredores, quando foi surpreendido por uma das
Réplicas, que apareceu em sua frente e o atacou. Assim que acertou o golpe, ela se lançou de volta
ao ar. Sora não hesitou e pulou atrás dela para contra-atacar.
As Réplicas se teletransportavam pelo ar enquanto lutavam, atacando uma após a outra.
Enquanto isso, uma delas permaneceu no chão para manter Donald e Pateta ocupados. Sora tentava
reagir com sua Keyblade, mas simplesmente.
Em dado momento, todas as doze réplicas subiram ao ar e se organizaram em um círculo
mais ao alto. O céu escureceu enquanto um símbolo arcano se formava, lançando uma chuva de
raios sobre a cidade abaixo. Quando o ataque finalmente cessou, todas as Réplicas avançaram todas
juntas contra Sora.
Sora fez o possível para resistir às investidas com sua Keyblade, enquanto Donald o curava
com sua magia e Pateta os protegia com seu escudo. De pouco em pouco, eles começaram a minar a
resistência de seus oponentes.
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— Hora de acabar com isso! — gritou Sora, partindo para um ataque final, acompanhado de
perto por Donald e Pateta.
Finalmente — com os esforços combinados da luz de uma Keyblade, da magia de um cajado
e da boa e velha pancada de um escudo — a última das Réplicas de Xehanort foi destruída.
O céu clareou, deixando Sora e seus amigos ofegantes sob o sol brilhante. Eles estavam
completamente exaustos.
— Só podia ter sido para cá.
Essa voz...
— Mestre Xehanort! — exclamou Sora, sua Keyblade de volta em mãos.
O homem estava examinando um prédio a frente com um olhar perplexo. Ele então se virou,
erguendo as mãos dramaticamente, como se estivesse prestes a começar um discurso.
— Contemplem esta cidade: uma antiga sede do poder para todos os portadores da Keyblade.
É o elo de onde todos os mundos nascem. Aqui, eu e os meus outros eus poderemos ser um.
Unidos... em Scala ad Caelum.
As doze Réplicas que eles haviam derrotado ressurgiram e se transformaram em nuvens de
energia negra que então voaram em direção a Mestre Xehanort. Ele absorveu todas elas, seu corpo
começando a emanar uma aura escura, flutuando em meio ao ar. A aura se revirava e girava como
um redemoinho.
Do olho da tempestade escura emergiu o Mestre Xehanort, agora trajando uma armadura e
um capacete em forma de cabeça de bode.
Sora, Donald e Pateta estavam prontos.
— Anda!
— Vamos pegá-lo!
— É!
Mestre Xehanort acenou com a mão e o mundo ao redor deles começou a se contorcer. Os
prédios subitamente trocaram de posição, primeiro virando de lado e depois de cabeça para baixo.
Sora caiu no chão, que era o céu apenas um momento antes — a cidade estava completamente
invertida, como se estivessem dentro de um espelho, confundindo tanto os seus sentidos que era
quase impossível distinguir esquerda de direita ou cima de baixo.
Ao longo de todo este processo, Mestre Xehanort permaneceu seguro no ar.
— Estamos apenas começando — disse ele e, em meio a um clarão, se lançou em frente com
a Keyblade em mãos, jogando Sora longe com uma investida. Pateta conseguiu segurar o amigo
antes que ele caísse no chão.
— Obrigado, Pateta!
— Você está bem? — perguntou o capitão da guarda, preocupado.
— Cuidado, Sora! — Donald gritou de onde estava bombardeando Xehanort com sua magia.
Um dos feitiços atingiu o alvo, e Sora aproveitou a oportunidade para se aproximar.
Com um movimento de seu pulso, Mestre Xehanort fez o mundo girar novamente, desta vez
noventa graus para a direita — e Sora se viu caindo direto na água.
Ao afundar, ele viu que as camadas de edifícios continuavam até as profundezas. Talvez
fossem outras cidades que haviam afundado sob as ondas. Mas não havia muito tempo para pensar.
Donald e Pateta logo vieram nadando em sua direção.
Mestre Xehanort também não deixaria que um pouco de água ficasse entre ele e seu alvo.
Estar debaixo d'água desacelerou Sora. Se ele não conseguia balançar a Keyblade direito para atacar
enquanto nadava, então talvez a resposta fosse...
— Magia! — exclamou Donald antes que o próprio Sora pudesse dizer.
Ambos começaram a girar na água, disparando feitiços por todos os lados. Mestre Xehanort
estava pronto para revidar com seus próprios ataques mágicos, mas felizmente Pateta estava lá com
seu escudo para protegê-los.
E então Xehanort desapareceu.
Sora nadou até a superfície com Donald e Pateta, atento para qualquer coisa que o inimigo
pudesse estar tramando. Em meio à água, eles podiam ver que os edifícios da cidade, outrora
impressionantes, estavam agora em ruínas.
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Havia escombros espalhados por toda parte e uma névoa fraca pairava no céu. Mestre
Xehanort desceu lentamente do alto. Sora correu até ele, pulando de uma pilha de escombros para a
outra. Enquanto isso, Xehanort evocou pilares de fogo do chão para persegui-lo. Sora se esquivou
do perigo e continuou se aproximando enquanto a risada do Mestre Xehanort ecoava pelas ruas.
Ele disparou esferas de energia negra que Sora bloqueou com a Keyblade. Mas quando Sora
finalmente chegou até ele, Xehanort o agarrou pela garganta.
— Vou te mostrar a futilidade de suas ações.
Quando Xehanort o jogou longe, Sora conseguiu se endireitar no ar pouco antes de bater no
chão, então voltou imediatamente ao ataque. O garoto lutou com todas as forças de sua alma e, ao
final de uma longa e exaustiva batalha, finalmente fez Mestre Xehanort parar. A armadura do velho
rachou e sua Keyblade caiu no chão. Ele não conseguia nem ficar de pé.
Após um momento, sua armadura e capacete se estilhaçaram num piscar de olhos, deixando-
o de joelhos e indefeso. Sora o observava com raiva, sua Keyblade ainda pronta, só por precaução.
Mas então, Xehanort abiu um sorriso cheio de arrogância e desapareceu em meio a uma
explosão de trevas.
Sora examinou o céu e encontrou o que parecia ser uma torre de relógio que ficava no centro
daquele mundo, assomando-se sobre eles e quase os desafiando a irem até lá. A parte superior da
torre tinha a forma de um T, com o mostrador do relógio no centro, estruturas nas laterais e um
telhado plano. Enquanto o resto da cidade fora destruída, esta torre permanecia imaculada e intacta.
Sora, Donald e Pateta correram para o estágio final — o telhado da torre do relógio.
Quando chegaram, encontraram uma arena perfeitamente quadrada para a batalha. Mestre
Xehanort estava esperando por eles.
Sora apontou sua Keyblade para ele acusadoramente.
— Isso acaba aqui, Xehanort!
— Você achou que podia me conter aqui... sabendo tudo o que sabe sobre conexões? —
Mestre Xehanort ergueu a mão direita diante dele e, em meio a um grande clarão, a χ-Blade se
materializou em suas mãos. — Há apenas um céu, um destino! — declarou ele, como se fosse uma
verdade irrefutável, e então apontou a χ-Blade para o alto.
As nuvens no céu começaram a girar ameaçadoramente, uma luz nebulosa espreitando pelas
lacunas entre elas. Foi exatamente como no começo de tudo, no Cemitério das Keyblades.
Isso só pode ser...
Donald segurou seu cajado com mais força e Pateta ajeitou o escudo em suas mãos. Os
dedos de Sora apertaram a empunhadura de sua Keyblade.
Vai ficar tudo bem. O Donald e o Pateta estão comigo.
O Riku, o Rei Mickey e todos os meus amigos também estão dando o seu melhor.
A lacuna nas nuvens aumentou no céu atrás de Mestre Xehanort.
Nós temos que detê-lo. E nós vamos!
Um grande estrondo metálico ecoou quando as Keyblades de Sora e Xehanort se chocaram.
— Meteoro! — Sora uniu forças com Donald para atacar Mestre Xehanort com pedregulhos
mágicos que caíram do céu.
Sem perder tempo, Sora então saltou sobre o escudo do Pateta.
— Vamos! — Após ganhar impulso, os dois se lançaram diretamente contra Xehanort.
Mas o velho mestre conseguiu parar o ataque e afastar Sora, e então elevou no ar, virando-se
para o céu. Um círculo de símbolos arcanos surgiu no chão abaixo e se ergueu atrás dele, levando
Sora e seus amigos consigo.
— Venha, Kingdom Hearts! — Mestre Xehanort estendeu a χ-Blade para o céu e um raio de
luz emanou dela, disparando em direção à abertura nas nuvens. Um coração resplandecente e
colossal se revelou em seu interior.
Kingdom Hearts havia chegado.
Esferas de luz começaram a cair sobre Sora, Donald e Pateta. Se vinham do Mestre Xehanort,
do céu ou do próprio Kingdom Hearts — isso era incerto. Só o que sabiam era que Xehanort tinha
que ser detido.

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— Só deixe acabar, garoto. — disse Mestre Xehanort, voltando ao chão em uma coluna de
luz. Sora bloqueou um golpe da χ-Blade, contra-atacando com várias investidas próprias.
Donald e Pateta correram até ele e, assentindo para mostrar que tiveram todos a mesma ideia,
ficaram atrás do escudo de Pateta e se lançaram diretamente contra Xehanort. Atordoado por um
momento, o velho voltou a flutuar no ar.
Temos que vencê-lo. E rápido. Tá todo mundo contando com a gente.
Mestre Xehanort se virou para Sora e então apontou a χ-Blade para o céu, gritando:
— Me ilumine!
Kingdom Hearts irradiou uma forte luz e Sora imediatamente sentiu um peso no peito. A
escuridão começou a cobrir seu corpo e seus olhos assumiram um brilho carmesim. Sora sentiu sua
força se esvair de uma só vez e se curvou quase como uma Sombra. Mesmo com movimentos mais
erráticos, ele continuou a ir atrás de Xehanort.
A cada golpe que acertava, luz se desprendia do corpo do velho. Sentindo que os fragmentos
luminosos restaurariam sua força, Sora continuou atacando Xehanort com sua Keyblade.
A raiva é escuridão? Eu com certeza com raiva agora, mas... acho que um pouco de raiva
também pode proteger os outros.
Eu...
Os pensamentos de Sora foram interrompidos quando incontáveis raios de luz começaram a
cair no campo de batalha. Esquivando-se da melhor forma que pôde, ele então saltou em direção a
Kingdom Hearts. Ainda envolto nas trevas, ele caiu sobre Master Xehanort com sua Keyblade
pronta para o ataque.
O inimigo caiu no centro do símbolo flutuante em que estavam e Sora pousou a uma curta
distância, agora de volta ao seu antigo eu. Assim que o fez, pilares gigantescos apareceram ao redor
do campo de batalha com figuras de casacos negros sentadas em tronos sobre eles. Havia treze no
total, e elas começaram a atacar, desaparecendo então num piscar de olhos.
Bloquear suas investidas e contra-atacar pareceu eliminar os pilares de uma vez por todas.
Quando todos haviam desaparecido, Mestre Xehanort reapareceu, flutuando no ar novamente. Sora
apontou sua Keyblade para ele, disparando um feixe de luz em sua direção, assim como quando
selava uma Keyhole.
Mas a luz se desfez antes de atingir o alvo. Mestre Xehanort riu.
— Isso acaba aqui e agora! — ele urrou, e então se elevou ainda mais alto com a grande lua
atrás de si. Kingdom Hearts foi tingido por uma tonalidade escura e o feixe da χ-Blade foi disparado
diretamente contra Sora.
Sora conseguiu levantar sua Keyblade a tempo, mas a força do impacto o fez voar para trás
nas profundezas das trevas. Sora flutuou pelo abismo por um tempo.
Estou... caindo na escuridão...?
Eu... eu...
Não. Não posso desistir agora.
Não quando tenho meus amigos aqui comigo. Ainda tenho que proteger todo mundo.
Sora estava prestes a sucumbir à escuridão quando duas luzes se aproximaram: uma azul e
outra verde. Eram Donald e Pateta — as outras duas meias-doses que formavam uma dose inteira.
Sora abriu os olhos para ver que Donald e Pateta haviam se juntado a ele para segurar sua
Keyblade contra o ataque de Xehanort. Três luzes brilharam da Keyblade, fundindo-se em um feixe
radiante que destruiu completamente o de Xehanort e fez o mestre caído tombar do céu.
De volta ao alto da torre, Mestre Xehanort caiu de joelhos e desabou diante dos três heróis.
— Por quê...? Como...?
— Agora acabou! Você perdeu!
E mesmo assim, Xehanort apenas sorriu de volta, olhando para o céu.
— Não, veja. É tarde demais...
Kingdom Hearts estava brilhando intensamente em meio ao céu. Atrás de Sora, Pateta e
Donald discutiam o assunto:
— É sério isso?
— Eu não sei.
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— O que vai acontecer? — perguntou Sora.
— Um expurgo. O mundo voltará ao seu estado original — respondeu Mestre Xehanort,
erguendo-se devagar até conseguir ficar de joelhos. Ele parecia quase aflito enquanto explicava: —
O Mundo começou na escuridão. E, dessa escuridão, veio a luz. Da luz, vieram as pessoas e as
pessoas tinham corações. O mal cresceu nestes corações, criando ainda mais escuridão. E a
escuridão se espalhou pelo Mundo como uma praga. A luz, o símbolo da esperança do Mundo, foi
devorada pelas sombras. Deixando nada além de ruína... um fracasso completo. Mas a primeira luz,
a luz de Kingdom Hearts... ela pode nos dar um novo começo. Um Mundo vazio, puro e brilhante...
— Essa decisão não era sua — Sora disse a ele. Ninguém tem o direito de escolher isso pelo
mundo inteiro.
Mestre Xehanort usou a χ-Blade para se apoiar enquanto tentava ficar de pé novamente.
— E de quem era? — Sua voz tremia de raiva. — O Mundo precisa de alguém que se erga e
o lidere. Alguém forte, que impeça os fracos de poluírem o Mundo com sua escuridão infinita.
Alguém que dite seus destinos!
Mas Sora precisava lhe dizer o erro de seus atos:
— Então... você não é essa pessoa, Xehanort.
O velho mestre o encarou com uma careta.
— Um líder de verdade sabe que o destino está além do seu controle... e aceita isso.
As palavras do garoto pareceram despertar o interesse de Xehanort. Ele estreitou os olhos e
disse suavemente:
— Você... me lembra de um velho amigo.
— Veja! — gritou Pateta.
Uma fechadura se formou em Kingdom Hearts e então se tornou um enorme círculo mágico
com belas imagens que mais pareciam algo tirado de um caleidoscópio. Vários feixes de luz vieram
voando dela — e Sora os reconheceu.
— Vocês conseguiram! — exclamou.
Eram Riku, Mickey, Roxas, Xion, Axel, Terra, Aqua e Ventus — os outros guardiões da luz.
Mickey seguiu até Sora, Donald e Pateta.
— Vocês estão bem?
— Kingdom Hearts está se fechando do outro lado — explicou Riku. — Mas conseguimos
seguir nossos corações até você.
— Mestre Xehanort... — Terra se virou para aquele que o havia traído e estava prestes a se
aproximar dele quando Aqua o segurou pelo braço. Mas depois que viu a expressão gentil em seu
rosto, ela o soltou.
Terra se aproximou e parou diante de Xehanort.
— A luz é mais do que aparenta. Como eu te disse.
Os olhos do velho se arregalaram de surpresa diante dessas palavras.
— Sua raposa astuta... — disse ele.
Terra começou a brilhar — e então Mestre Eraqus emergiu de dentro dele. Ele e seus três
alunos estavam juntos novamente.
— Agora, entregue a χ-Blade, Xehanort — Mestre Eraqus disse calmamente.
— É tarde demais — Xehanort insistiu.
Mestre Eraqus balançou a cabeça devagar e então se virou para Sora.
— Para nós, talvez... mas não para eles.
— Não. Eu consigo! — Xehanort apertou ainda mais a χ-Blade, mas então Eraqus pegou
uma das empunhaduras com a mão direita. Com um sorriso suave, ele colocou a mão esquerda no
ombro de Xehanort.
— Chega. Xeque-mate.

Quantas décadas se haviam passado desde aquele dia?

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Eraqus e Xehanort, muito antes de se tornarem mestres, estavam sentados diante de um jogo
de tabuleiro em uma sala ali mesmo em Scala ad Caelum. A única peça que restava no tabuleiro era
um rei branco, declarando vitória.
— Eu disse que podia ficar surpreso — disse Eraqus, enquanto Xehanort virava o rosto num
acesso de raiva.
— É, você me pegou.
— Hã? Sério?
— O quê? — perguntou Xehanort. Ele não esperava que Eraqus ficasse tão surpreso.
— É que você nunca admite quando perde.
— É porque eu nunca perco.
— Ah, qual é.
Os dois amigos abriram um sorriso e riram, e Xehanort então parabenizou o amigo:
— Bom jogo hoje.
— Eu tento.
— Talvez eu não chegue tão longe quanto você. — Xehanort balançou o rei no tabuleiro
com um dedo. — Quando o mundo precisar de um defensor, vão escolher você, Eraqus.
— V-Você acha? — disse Eraqus, surpreso, e então coçou a cabeça timidamente.
— Mas isso não significa que eu não vou estar lá por você — acrescentou Xehanort.
— É. E eu vou estar lá por você.
Os dois compartilharam outro sorriso e deram mais uma risada.

A vida costumava ser tão tranquila naquela época.


— Muito bem feito. — Mestre Xehanort se aproximou de Sora e lhe ofereceu a χ-Blade.
— Terra, Aqua, Vem — disse Mestre Eraqus. — Perdoem seu professor tolo.
— Mestre! — Aqua e Ventus correram até o professor e o abraçaram.
— Mestre! — Terra se aproximou um momento depois, observando Eraqus.
— Ven, eu o fiz passar por uma experiência tão terrível...
Mestre Eraqus pôs um braço em volta das costas do menino e Ventus pressionou a cabeça
contra o peito de seu mestre.
— E Aqua, eu a deixei com um fardo tão pesado.
Aqua só pôde responder com um pequeno soluço em meio às lágrimas.
— Terra, cuide deles por mim. Por favor.
Terra encontrou o olhar do Mestre Eraqus e assentiu.
Mestre Xehanort, que assistia ao reencontro, começou a tropeçar, mas seu velho amigo o
segurou. Enquanto dava um ombro a Xehanort, Eraqus disse suas palavras finais:
— Pronto, meu amigo?
— Sim... — Mestre Xehanort disse com um sorriso.
Os dois foram envolvidos pela luz, que os levou de volta à sua juventude, ainda que apenas
por um instante. Os dois jovens sorriram um para o outro e desapareceram em um clarão. Kingdom
Hearts banhou o mundo em seu esplendor.
— Sora, vamos fechá-lo — orientou Mickey.
Sora assentiu e ergueu a χ-Blade.
— Pessoal, me ajudem.
Ao sinal de Sora, todos os guardiões se posicionaram atrás dele. Sora apontou a χ-Blade para
o alto — para Kingdom Hearts — e deixou a luz explodir de sua ponta. Quando o feixe encontrou
Kingdom Hearts, ele começou a brilhar até que sua luz encobriu o mundo inteiro.

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E então eles estavam de volta ao Cemitério das Keyblades. Haviam retornado de Scala ad
Caelum para a encruzilhada em meio às Keyblades ancestrais.
— Finalmente acabou — Mickey disse com um sorriso.
Sora balançou a cabeça, de costas para os outros.
— Não...
— Nós vamos encontrar a Kairi. Vamos voltar até o Mestre Yen Sid. Vamos descobrir uma
forma — Riku disse para Sora.
— Não, eu sei o que fazer. — Sora levantou a cabeça novamente e então se virou para os
amigos. — Minha jornada inteira começou no dia que eu a perdi. E toda vez que a encontro... eu a
perco de novo. Eu achei que nós finalmente íamos ficar juntos. Mas ela tá lá fora, sozinha.
Sora baixou os olhos por um momento, mas logo olhou de volta para seus amigos.
— Nem por mais um segundo — disse com firmeza. Ele havia se decidido e não havia nada
que pudesse dissuadi-lo.
Donald e Pateta foram até ele.
— Nós também vamos!
— Isso aí!
Sora balançou a cabeça tristemente.
— Obrigado, Donald, Pateta. Mas dessa vez, eu tenho que ir sozinho.
Mickey se aproximou e expressou suas próprias preocupações sobre o plano:
— Sora, escuta. O poder do despertar não é para ficar indo atrás de corações! Ainda que
você encontre mesmo a Kairi, pode ser que nunca mais volte para casa.
— Vou sim. E nós dois vamos voltar antes que vocês percebam — Sora assegurou ao rei
com um sorriso confiante.
— Por favor... — Mickey não desistiu de tentar convencê-lo.
— Deixe-o ir, Mickey — disse Riku, ajoelhando-se ao lado do rei. — Ele está decidido de
coração e mente. Agora, confie nele.
— Certo... viaje em segurança, Sora.
— Obrigado — respondeu Sora. Riku e todos os seus outros amigos tinham fé nele nos bons
e maus momentos, e ele era verdadeiramente grato por isso.
E então, enquanto todos olhavam, Sora ergueu sua Keyblade para o céu. Um feixe de luz
saiu dela, abrindo o caminho em frente.

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UM HOMEM DE CASACO NEGRO ESTAVA SENTADO SOZINHO EM UMA PEDRA
no Cemitério das Keyblades enquanto uma outra figura semelhante vinha caminhando lentamente
em sua direção.
— E aí? — perguntou o homem sentado.
O outro homem tirou o capuz e se revelou — um Xehanort mais jovem.
— Sim. Ele repele a escuridão. É útil — disse Xehanort, olhando para o casaco em questão.
— Te disse! Mas fala, como foi? A turnê — o outro homem perguntou num tom alegre.
Xehanort sentou-se ao lado dele.
— Eu descobri... o motivo da minha existência.
O homem jogou a cabeça para trás dramaticamente e então se virou para olhar o rosto de
Xehanort com interesse.
— Ohhh? Conta mais.
Xehanort baixou o olhar e assim o fez:
— Em todo o mundo, as pessoas vivem vidas aparentemente tranquilas. Elas acreditam
serem morais e virtuosas, mas é tudo atuação. A escuridão espreita no fundo do coração de todos.
Sua luz é uma farsa completa.
O homem ouviu tudo atentamente.
— Parece que a sua viagem pelo mundo abriu seus olhos, mas você viu um pouco mais do
que esperava. Deve ter visto muita escuridão — comentou.
Xehanort se inclinou para trás e olhou para o céu, que estava cheio de nuvens.
— Aqueles que são fracos e desejam um grande poder simplesmente tiram a força dos mais
poderosos e convencem a si mesmos de que a merecem. É assim que as pessoas são corrompidas
pelas trevas. Elas acreditam no que querem acreditar, usando motivos vazios como justificativa.
Elas repetem esse ciclo e sua escuridão cresce.
— Então você acha que os fracos sentem que precisam justificar suas ações para reconhecer
sua identidade. E não rola fazer vista grossa? — disse o homem.
Xehanort permaneceu onde estava.
— Não, é melhor que sejam governados pelas trevas. — Ele voltou sua atenção para o outro
homem, então prosseguiu: — As pessoas têm a ilusão de ter poder, mas isso é mentira. Elas não
passam de ovelhas fingindo ser lobos. Mas eu admito, consigo entender o porquê.
— Ah, essa aí pra mim é novidade, um portador da Keyblade que quer ficar amiguinho da
escuridão? Por que não esquece deles e deixa que a escuridão os consuma?
Enquanto o homem misterioso parecia completamente despreocupado com o assunto em
questão, Xehanort entrelaçou os dedos e baixou o olhar para o chão, sua expressão resoluta.
— Porque se for deixado de lado, o mundo cairia no caos. Precisa haver ordem.
— Tem certeza disso? Por que não ficar só de boa e ver o que rola? — perguntou o homem,
levantando-se.
Xehanort, no entanto, não ergueu o olhar ao responder:
— Compreender corações é difícil, as emoções dentro deles mais ainda. Eu apenas me dei
conta de que é fácil ignorar aquilo que não se compreende.
— Tá bom, tá bom... o mundo precisa de você, nisso a gente concorda — disse o homem, de
costas para Xehanort.
— Não sei o que posso fazer, mas eu vou agir. O que vem a seguir é muito importante —
afirmou Xehanort.
Então o homem se virou.
— Eu acho que deixar uma falsa luz ditar o futuro seria... bem nada a ver. E aí? Você pode
mudar isso, você tem esse poder. O que você quer para o mundo?
— Poder, é...? — Xehanort finalmente tirou os olhos dos pés e, olhando para o outro, disse:
— Quem sabe? Meu treinamento está chegando ao fim e o teste não está longe. Talvez eu consiga
enxergar com mais clareza.
— Você vai deixar o teste decidir? Escuta aqui, o resultado desse trem aí não importa. Tu já
acredita que o mundo precisa de você. Parece que já sabe até o caminho que tem que seguir —
aconselhou o homem.
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Xehanort olhou para suas mãos.
— Engraçado. De alguma forma, eu consigo sentir para onde devo ir e o que devo fazer.
Sim, até mesmo esse casaco, há algo de familiar nele, como se eu estivesse destinado a usá-lo.
— Hmm... não. Você logo vai largar dele. — O homem o interrompeu antes que ele pudesse
dizer mais alguma coisa, apontando para o casaco.
— O que quer dizer?
— Quero dizer que, um dia, você não vai mais precisar mais dele.
Xehanort não conseguia entender o que exatamente aquilo significava.
— Como assim?
— Se você realmente possui um grande poder, a escuridão não pode te controlar. Não vai
precisar de um casaquinho besta pra ficar em segurança. Na verdade, será você quem vai controlar a
escuridão. Já eu, por outro lado, sou muito cagão pra tirar o meu. — O teatrinho melodramático de
medo do sujeito tornou difícil levar a sério sua afirmação. Xehanort não foi na onda. Afinal, não era
a primeira vez que conversavam, e o homem sempre se comportava assim.
— Quem é você de verdade? Uma espécie de vidente?
O homem olhou para o céu por um momento enquanto ponderava sua resposta, até que se
virou e disse:
— Bom, eu poderia mentir e dizer que sim, quando na verdade sou um grande artista ou até
um estudioso. Poderia te dizer que sonho com a paz mundial, quando na verdade planejo sua
destruição. A verdade é o que você vê com os olhos, não o que ouve.
— Então, seu nome?
O homem virou de volta.
— Mas eu não acabei de...?! — Ele começou a reclamar, olhando para Xehanort sob o
capuz. Mas então... — Deixa quieto, acho que não faz mal. Meu nome é ——.
Após revelar seu nome, o homem se afastou novamente.
— Sou um Mestre Perdido.
— Mestre... Perdido...? — repetiu Xehanort, a voz suave, enquanto o homem se afastava a
passos lentos.
— Que seu coração seja sua chave guia — disse ele, como se para se despedir, e então
desapareceu.

Cerca de setenta e cinco anos depois, de volta ao Cemitério das Keyblades...


Xehanort — agora um Mestre da Keyblade e muito, muito mais velho que antes — fechou
os olhos, perdido em pensamentos. Ele sorriu. O vento dançava sobre ele, exatamente como naquele
dia, muito tempo atrás.
— Qual a graça, ô vovô? Que tal dividir com a gente? — A pergunta veio de Xigbar, que
estava com Saïx a seu lado.
— Estou aqui hoje por conta de um encontro predestinado, muitos e muitos anos atrás,
quando eu ainda era um jovem rapaz. Eu nunca soube quem ele era e talvez nunca vá descobrir.
Mas agora vejo a verdade da qual ele falava.
A reminiscência de Xehanort rendeu uma gargalhada zombeteira de Xigbar.
— Não temos tempo pra historinha de ninar. Sem o moleque, ainda nos falta um décimo
terceiro receptáculo e, dos outros doze, só três de nós estão aqui agora. Tem certeza absoluta de que
os outros voltaram pras suas respectivas épocas?
Diante da declamação de Xigbar, Saïx voltou sua atenção para as treze colunas de pedra que
se assomavam um pouco mais ao longe. Ele se teletransportou para o topo de uma delas, e Mestre
Xehanort e Xigbar logo foram atrás dele, posicionando-se em suas próprias colunas. Saïx ergueu a
mão e três das outras colunas foram preenchidas por espectros de outros membros da verdadeira
Organização XIII.

287 | K i n g d o m H e a r t s I I I : A R o m a n t i z a ç ã o
Isso tudo fez com que o Mestre Xehanort se lembrasse de uma outra coisa. Esses pilares já
estavam ali naquela época. Todos os treze. Será que eu já sabia o significado desse número mesmo
naquela época?
— Marluxia e Larxene estão aqui nesta época, tentando localizar os Novos Sete Corações —
disse Saïx. — Luxord também está em algum lugar desta era, mas depois do nosso último encontro,
ele saiu em busca de alguma coisa, sob suas ordens. Não é verdade?
— Ah, isso, certo... — Xigbar deu de ombros, tentando se livrar da pergunta intrometida. —
Bem, vamos apenas dizer que o que ele está<br>fazendo nos beneficiará a longo prazo, mas não é
nada muito relevante nesse exato momento. Continue.
— Escondendo o jogo, como de costume — comentou Saïx, desviando o olhar então para
Mestre Xehanort. O velho aparentemente não tinha nada a dizer sobre o comportamento de Xigbar.
— Muito bem. Os corações de Ansem, Xemnas, Vanitas, Riku Réplica e do Jovem Xehanort
voltaram todos para o lugar de onde vieram e foram novamente reconstituídos. Cada um deles está
procurando um guardião da luz.
Imagens de todos os mencionados, exceto Riku Replica, apareceram em torno do Mestre
Xehanort. Xigbar as examinou e então se voltou novamente para os espectros nas colunas de pedra.
— Então aqueles que viraram humanos e depois voltaram a ser Nobodies somos eu, você,
Luxord, Marluxia e Larxene, o que dá cinco. Os do passado que foram transferidos pra Réplicas são
Ansem, Xemnas, Vanitas, Riku Réplica e o velhote mais novo. Aí a gente soma com o próprio
coroa e o total sobe pra onze. Acho que ainda faltam dois.
Depois que Xigbar deu um resumo do estado atual da Organização XIII, Mestre Xehanort
assumiu as rédeas:
— Agora devemos discutir o motivo pelo qual nos reunimos aqui hoje. Minhas encarnações
de tempos passados, receptáculos aos quais transferi meu coração, minha essência, foram destruídos.
Assim, fui restaurado ao que vocês veem agora. Para que alguém desapareça por completo, seu
coração e corpo devem ser restaurados à sua forma original. Este é um dos motivos pelos quais eu
distribuí meu coração em vários receptáculos. Ansem e Xemnas surgiram de Terra, ou melhor, de
sua forma mais nova, que também foi restaurada. No entanto, meu coração voltou para mim,
enquanto o dele continua perdido. Eu decidi preencher este receptáculo vazio com o meu coração.
O exato mesmo coração que anteriormente residiu no interior do jovem Terra.
Uma imagem de Terranort apareceu na frente de Xehanort.
— E com isso, dá doze. Então quem a gente usa pra substituir o moleque? — perguntou
Xigbar, curioso para saber.
— Vinte Réplicas foram criadas por Vexen. As primeiras doze não passavam de fantoches,
pouquíssimo humanas. O primeiro protótipo foi o do Riku Réplica e então o No. i foi feito. Isso nos
deixa com seis. Os corações de Ansem, Xemnas, Vanitas, Riku Réplica e Jovem Xehanort... cinco
receptáculos, sobra um. Vexen e Demyx são candidatos, mas, na melhor das hipóteses, reservas. O
plano para a última Réplica é dar a ela um coração que esteja conectado ao de Sora.
Uma imagem de Vexen tomou forma, flanqueada por Riku Replica e No. i. Xigbar nunca
tinha visto a segunda figura, mais baixinha, antes.
— Conectado ao Sora? Alguém em mente?
— O segundo protótipo que foi criado, No. i. Embora apagado da memória, ele permaneceu
nos registros de Vexen. Sua existência está fortemente vinculada às memórias de Sora e, portanto,
há de ser mais que adequada às nossas necessidades.
Todas as memórias de No. i haviam sido apagadas do mundo, e Saïx não era exceção. Mas,
estranhamente, os registros de alguma forma sobreviveram a esse expurgo.
— No. i... um número imaginário, que apropriado — Xigbar murmurou enquanto olhava
para a Réplica em questão.
— Enquanto o Jovem Xehanort está ocupado transferindo corações, eu devo cumprir com o
meu dever. Irei buscar Vexen — explicou Saïx.
Xigbar não pôde deixar de sorrir.
— Eficiente como sempre. Parece pra mim que você tem tudo eficientemente sob controle.
Bom, vou lá fazer a minha parte. — Ele deu de ombros e entrou nos Corredores das Trevas.
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— O plano, tal qual combinamos — Saïx disse ao Mestre Xehanort e então se foi.
Agora sozinho, Mestre Xehanort falou suavemente para si mesmo:
— Que seu coração seja sua chave guia.

— Aqui é...
Até onde Sora sabia, esta era apenas sua segunda visita àquele lugar, ao mundo feito de céu
e mar. Mas diferente da última vez que esteve ali, Sora estava inteiro e nada parecia fora do normal.
Foi quando uma partícula de luz desceu do céu, gritando com uma voz fofa e muito familiar.
— Chirithy — disse Sora.
— Mas já voltou? — De fato era Chirithy, a criaturinha que mais parecia o cruzamento de
um gato e um bichinho de pelúcia. — Qual o problema?
— Bem...
Sora então explicou tudo o que havia acontecido até então, e sobre como queria encontrar
Kairi. Um olhar conturbado surgiu no rosto de Chirithy.
— Mesmo com o poder do despertar, você não pode simplesmente trazer alguém de volta.
— Mas o coração da Kairi ainda não se perdeu. Ela ainda está com a gente, certo? — Sora
perguntou desesperadamente.
— Talvez, mas dessa vez, receio que a situação seja muito pior — disse Chirithy, segurando
a cabeça com as patas.
Sora tinha visto o corpo físico de Kairi sendo despedaçado com os próprios olhos — mas
isso não queria dizer que o coração dela se perdera para sempre.
— Ei, eu já restaurei seis corações. O que é mais um?
— Acontece que não é assim que devia funcionar. O poder do despertar é para despertar e
restaurar corações adormecidos, não restaurá-los depois de terem desaparecido completamente da
existência. Você já fez isso seis vezes antes e, como resultado, conseguiu alterar grandemente o
curso da própria história. Você quebrou um tabu da natureza.
— Um tabu...? — Sora repetiu o termo desconhecido.
— Um ato proibido. Quebre um tabu da natureza e você vai acabar pagando um preço
extraordinário.
“Você pagou o preço. E ele está no fundo do abismo.”
O Jovem Xehanort tinha dito algo semelhante em San Fransokyo, quando Sora estava atrás
dos corações de seus amigos. Era como um presságio.
— Eu já ouvi isso antes. E qual é o preço...?
— Você vai perder os seus poderes. Não vai mais conseguir usar o poder do despertar —
Chirithy o advertiu.
Sora sorriu.
— É só isso? De boa.
Não como se eu já não tivesse perdido o poder do despertar antes. Só o que eu preciso fazer
é aprender de novo.
Chirithy ainda tinha uma expressão séria no rosto.
— Mas não é só isso. Você também... vai sumir desse mundo. E sem os seus poderes, não
vai poder voltar para o mundo de onde veio.
Isso fez com que Sora parasse por um momento. Mas ele logo fitou Chirithy com um olhar
cheio de determinação.
— Tô nem aí.
— O quê?! — Chirithy guinchou em choque.
— Tem muita coisa que eu não entendo, mas sei que isso é tudo que eu posso fazer agora.
Tenho que fazer tudo o que puder pra trazer a Kairi de volta. Esse é todo o motivo por trás da minha
jornada. — Eu sei como eu me sinto, e nada vai mudar isso.
— Não tenho como te impedir, tenho...?

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— Não, eu tenho que seguir o meu coração — Sora respondeu com um sorriso.
— Hmm... bom, nesse caso, isso é mesmo um adeus. Então me escute com atenção.
Sora indicou que entendia. Então permitiu que sua Keyblade abrisse o caminho em frente.

Enquanto atravessava as trilhas do tempo, Sora pensou no que Chirithy lhe havia dito:
“Você vai voltar ao passado de novo, mas não poderá reescrevê-lo dessa vez. Não importa
o que aconteça, você terá que aceitar e seguir em frente.”
Sora se viu parado no Cemitério das Keyblades quando todos os nove acabaram de chegar,
logo antes de Ventus avistar Terra.
O conselho de Chirithy continuou a passar por sua mente:
“O coração que você tem agora, ele já existia naquele momento. Ele tinha voltado àquele
passado antes. Nada pode mudar esse fato. O lugar para onde você voltará é uma fenda no tecido
do tempo que foi criada quando você mudou o seu destino e então o mudou de novo. Para não se
afastar muito do verdadeiro poder do despertar, você entrará e passará pelos corações dos
guardiões, até chegar ao coração de Kairi.”
Terra chegou e Ven correu até ele.
“Cada emoção que cada um dos guardiões sentiu... tristeza, ansiedade, medo, bondade.
Tudo o que eles viram e tudo o que sentiram na ocasião, você abrirá um caminho dentre tudo isso,
atravessará os corações deles e mergulhará cada vez mais fundo.”
Então Aqua, que desconfiava de Terra desde o momento de seu reencontro, segurou Ventus
pelo ombro. Esta era outra cena do passado que Sora havia testemunhado em primeira mão.
“Não tenho certeza do que estará esperando por você no final ou do que você sequer será
capaz de fazer, mas, seguindo a conexão dos corações, você descobrirá uma verdade maior, uma
que com certeza vai ajudá-lo.”
O cabelo de Terra ficou prateado, revelando que ele era Terranort o tempo todo.
“Mas... nesse fluxo de tempo passado, você terá apenas até o momento em que partiu para
cá, então terá que encontrar e restaurar o coração de Kairi antes disso. Esse é o único conselho
que posso lhe dar. Fora isso, só o que me resta dizer é: que seu coração... seja sua chave guia.”
Até aquele momento, Sora estava dentro de seu eu passado, mas quando Terranort atacou
Ventus com sua Keyblade, ele saiu. E ao fazê-lo, notou um pequeno brilho perto de seu peito.
— Esse... é o coração do Ven...
Quando Ventus perdeu a consciência, seu coração tinha ido para lá. Sora tentou falar com a
luz e se viu em um lugar muito escuro. Um lugar que na verdade muito se parecia com o que ele
sonhara antes de sua jornada começar.
— Ven! Ven! — Sora gritou desesperadamente.
— Não, deixe-o em paz.
As palavras não foram ditas em voz alta, ou mesmo diretamente em sua mente, mas Sora de
alguma forma ainda as reconhecera.
— O quê?!
— Ele é puro demais... e um coração puro pode ser muito descuidado.
— Quem é você? — Sora perguntou à fonte.
— A escuridão.
— Escuridão...? Vanitas? — exclamou Sora, mas foi engolido por uma grande escuridão que
surgiu embaixo de si.

Quando Sora acordou — estava sozinho nas ruínas do Cemitério das Keyblades. Por algum
motivo, nenhum de seus amigos estava lá.

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A escuridão que o havia engolido também se foi, mas não por muito tempo. Desta vez, veio
na forma de um vórtice que gradualmente se transformou em um Heartless com uma espada em
cada mão — o Inferno Negro χ.
Sora bloqueou seu primeiro ataque e afastou as espadas para então desferir um golpe próprio
com sua Keyblade.
O que... o que é essa coisa?
Mas Sora não deixou essa pergunta incomodá-lo muito. Embora o Inferno Negro χ fosse
duro na queda, Sora ainda conseguiu derrotar o monstro. Ele deixou o mundo como qualquer outro
Heartless normal — em meio a um clarão iluminado.
Então o próprio Sora foi alcançado pela luz, e ouviu vozes baixas falando ao fundo:
“Já deu!”
“Axel!”
“Não! Sora!”
“Donald, não!!”
“Zettafulgor!”
“Ven...”
A última voz Sora ouviu claramente — pertencia a Aqua.
De repente, Sora se viu de volta onde tudo começou, naquele lugar escuro dentro do coração.
— Esse... é o coração da Aqua? — disse Sora enquanto olhava em volta. Enquanto o coração
de Ventus estava em paz, o de Aqua... estava cheio de medo.
Ainda dentro do coração de Aqua, Sora viu a si mesmo no deserto.
— Isso não pode ser verdade.
Estou falando comigo mesmo.
— Recomponha-se, Sora! Nós ainda não os perdemos. Eles ainda têm seus corações. Mas
nós temos que protegê-los — Riku disse enquanto mais Heartless apareciam. Esta era ainda outra
cena do passado.
Aqua olhou para a Torre Demoníaca e sussurrou:
— Não pode ser... não...
O terror dentro dela pareceu consumir Sora e, através dos olhos de seu coração, Sora viu um
exército de Anti-Aquas voando pelo ar.
Agora eu entendo. A Aqua teve que enfrentar os Heartless de novo e de novo no reino das
trevas, e isso criou medo em seu coração. E aí quando tudo isso voltou à tona — foi por isso que
ela não conseguiu fazer nada.
— Então... esse é o medo e o desespero que a Aqua sente. E agora... eu também sinto.
A Onda Demoníaca consumiu os dois, e então — Sora e Aqua estavam na Margem Negra. A
Anti-Aqua com olhos seus olhos de brilho dourado se lançou para ele.
Então essa é a forma do medo no coração dela. Eu tenho que me livrar dessa coisa!
Sora bloqueou a terrível investida da Anti-Aqua com sua Keyblade e então retaliou com seus
próprios feitiços e ataques. A Anti-Aqua logo foi derrotada, e a luz então o encobriu novamente
junto à verdadeira Aqua.
Foi então que eu também fui tomado pelo desespero — quando perdi meus amigos e desabei
completamente. Depois disso, conheci o Chirithy e fui procurar o coração de todo mundo, né?
“Terra! Te encontramos!”
“Terra, por favor, diga que está aí.”
“Quê isso, Aqua?”
“Eu sei que você não é ele.”
“Agora, liberte o nosso amigo!”
Mais uma vez, Ventus avistou Terra — ou quem ele acreditava ser Terra.
Ah, é... eu já tinha voltado quando isso aconteceu.
Mas quando Sora abriu os olhos, tudo o que viu foi o mesmo espaço escuro. Mas eu conheço
esse lugar. É o meu coração. Eu passei pela fenda...?
Sora ainda se perguntava o que estava acontecendo quando uma luz se aproximou, calma e
gentil. Ele logo viu que na verdade era uma menina.
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— Sora?!
— Naminé?!
Sim — era Naminé.
— O que está fazendo aqui? Você também se perdeu, assim como eu? — perguntou ela,
pairando em meio ao coração de Sora.
— Bem, é uma longa história. Mas fala, por que você ainda não voltou ao coração da Kairi?
“Hoje é o dia que todos vocês perdem.”
Sora ouviu a declaração de Terranort vindo de algum lugar fora daquela área escura. A luz
pálida daquele reino iluminava os dois enquanto ele falava com Naminé.
— Porque... eu ainda não consigo. Mas... estou chamando pelo coração do Terra. E eu o
trouxe para cá.
— O Terra?
— Não, o coração do Terra está muito imerso nas trevas. Em vez disso, eu trouxe à tona os
pensamentos mais pessoais e poderosos do Terra. Esta é a tristeza, a raiva, o lamento do Terra...
— Os pensamentos do Terra...?
“Como esperei por este momento.”
Fora daquele lugar escuro, a Consciência Latente fez sua entrada no campo do Cemitério das
Keyblades. Aquela era a manifestação daqueles pensamentos poderosos de Terra, que Naminé havia
conduzido até ali.
A Consciência Latente impediu a investida de Terranort.
— Espírito miserável! — ralhou Terranort.
A Consciência Latente respondeu empunhando sua Keyblade.
— Enquanto Mestre Xehanort residir em você, será uma ameaça para a Aqua e o Ven.
— Quão nobre, você daria sua vida pelas deles? — zombou Terranort.
— Você deve ser removido da existência... a todo custo.
A Consciência Latente atacou, Terranort fez o mesmo e os dois então se chocaram em um
confronto violento.

Ainda sob a luz pálida ao lado de Naminé, Sora não conseguia ficar apenas olhando.
— Naminé, consegue chamar o Terra?
— Não, sua raiva é forte demais. Ele não vai me responder — disse ela, incapaz de esconder
sua própria ansiedade.
— Se qualquer um deles se machucar, vai ser ruim pro Terra — disse Sora. — De toda
forma, você tem que ir embora. Vá para o mundo de oceano e céu.
— E você?
Sora se virou para Naminé e abriu um sorriso.
— Eu cuido disso.

— Desapareça! — gritou Terranort. No mesmo instante, a Figura Negra surgiu atrás dele e
agarrou a Consciência Latente pela cabeça, tentando esmagar seu capacete com a mão.
Foi quando Sora voltou ao mundo em um rompante ofuscante de luz — e bem a tempo, pelo
visto. Sora disparou na velocidade da luz e atingiu a Figura Negra com força o suficiente para a
desfazer em uma névoa escura.
— Como pode estar aqui?! — Terranort exclamou enquanto recuperava o equilíbrio.
Sora sorriu.
— Ei, eu também posso viajar pra outras épocas, sabia? Achou que você era o único com
esse poder?
— Como ousa...?!
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A explicação irreverente fez Terranort tremer de raiva. Ele se lançou contra Sora com uma
velocidade violenta.
Embora estivesse usando o corpo de Terra, seus movimentos e habilidade com a Keyblade
eram todos de Xehanort. Sua Keyblade se chocou com a de Sora com uma força gigantesca,
suficiente para jogar Sora de joelhos no chão. Enquanto estava com sua atenção voltada para
Terranort, a Figura Negra surgiu de repente atrás dele, tomando-o em suas garras. Sora estava
indefeso quando Terranort correu para desferir o que certamente seria um golpe fatal.
Mas então, ele foi protegido do ataque.
O golpe destinado a Sora quebrou o capacete da Consciência Latente e o resto da armadura
caiu em pedaços que desapareceram em uma brilhante explosão de luz.
— Terra!
— Já que você também seguiu pelo caminho proibido, também deve estar pronto para fazer
o sacrifício supremo — disse Terranort com um sorriso arrogante, e então balançou sua Keyblade
no ar em direção a Sora, criando uma onda negra.
Sora resistiu ao ataque e, quando se dispersou, Terranort estava bem na sua frente. Com uma
risada, Terranort atacou Sora com sua Keyblade e o jogou longe. Mas assim que pousou, Sora
rapidamente se ergueu num salto e voltou para a luta.
Sora estava prestes a desferir seu próprio ataque quando a Figura Negra interveio.
— Sai da frente! — Sora disparou uma magia contra ela, o que tirou a Figura Negra de cena
e permitiu que ele focasse em Terranort.
A batalha não durou muito mais além disso. Terranort cambaleou para trás, exausto por um
momento — mas não completamente.
Com um urro gutural, ele chamou a Figura Negra novamente para atacar Sora.
— A escuridão o espera! — ele gritou furioso quando a Figura Negra agarrou Sora e o
ergueu do chão. Sora podia ver a escuridão subindo do corpo de seu inimigo.

O que aconteceu com a gente depois disso? Ah, sim, a gente entrou naquele labirinto e
depois nos separamos.
Eu e o Riku vencemos o Xigbar e o Riku das Trevas, e aí eu derrotei o Marluxia, a Larxene
e o Luxord com o Mickey. Depois disso, lutei contra o Terra e o Vanitas junto com a Aqua e o Vem
— mas calma, aquela coisa atrás do Terra acabou nos salvando, não foi?
Aquela coisa que eu tava enfrentando um momento atrás?
Tenho certeza que eu perdi a luta, então por que estou vivo aqui agora?
Sora estava afundando devagar, afundando em uma água terrivelmente escura.
O que... aconteceu comigo...? Eu saí dos pensamentos do Terra... e nós lutamos juntos
contra o Terranort...
Sora olhou na direção em que estava afundando e viu que havia luz abaixo.
É isso! Esse é o coração do Terra... ele deve ter me protegido!
Sora entrou em seu próprio coração e voltou para Terra, Aqua e Ventus. Ele observou
enquanto os três se reuniam novamente e então foi ao encontro de Kairi e Axel. Eles estavam
enfrentando Xemnas, Saïx e uma outra pessoa — uma garota que ele não reconhecia.
— Tá tudo bem... Xion.
Sora já sabia o nome que ia dizer ali, mas não foi ele quem o disse. Tinha sido outra pessoa
dentro dele — Roxas.
E lá dentro, no interior do seu coração, Sora encontrou o coração de Roxas.
O coração de Roxas — a luz que ele emanava se agitava pelo ar como pássaros, voando
livremente para onde quisessem ir. Ele estava cercado pelas memórias mais preciosas de Roxas,
Axel e Xion. A voz de Roxas fez com que todos se lembrassem novamente.
Sora tentou abrir uma Keyhole, mas por algum motivo, ela não aparecia.
— Por quê...?

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— Sora... — Era a voz de Roxas. — Eu preciso da sua ajuda. Há... algo que eu e os meus
amigos temos que reivindicar, algo que conectava os nossos corações. É o que me liga a este
mundo... a última chave. Preciso da sua ajuda para recuperá-la.
— Pode deixar. Eu tenho uma ideia. Espera pelo meu sinal — Sora respondeu com uma voz
firme e então libertou o coração de Roxas com sua Keyblade. Dessa vez, funcionou.
Sora voltou ao seu eu do passado e Roxas fez a jornada de volta com ele.
Foi quando chegou o momento pelo qual Sora estava esperando a luta toda. A Kairi foi
levada... logo depois que o Roxas voltou. Tenho certeza disso.
— Roxas! Agora!
Com sua Keyblade em mãos, Sora atacou Xemnas, que desviou da investida e o jogou para o
lado. Esse foi o sinal para que Roxas e Xion entrassem em ação. Saïx tentou interceptá-los, mas
Axel interveio para mantê-lo ocupado. Roxas atacou Xemnas com toda a força usando suas duas
Keyblades e então Xion fez o mesmo com a dela. Ela se lançou para o lado para seguir com a
ofensiva, mas isso deu a Xemnas um momento para levantar suas Lâminas Etéreas e afastá-los.
E então Kairi se lançou contra ele do alto com sua Keyblade pronta para o ataque.
Xemnas conseguiu evitar sua intensa série de investidas com um recuo rápido. Espinhos de
energia negra emanaram então de suas mãos e prenderam Kairi no lugar, e quando Sora tentou
ajudá-la, ele também foi preso.
— Agora observem... enquanto seus amigos lentamente desaparecem no vazio — disse
Xemnas, seus olhos voltados para Axel, Roxas e Xion. — Esses peões inúteis devem ser eliminados
do tabuleiro! — ele gritou.
Saïx correu contra Roxas e os outros. Sora ficou inconsciente em suas amarras, mas uma
pequena esfera de luz deixou seu corpo, levando seu coração para dentro de Roxas.
— Parece que vamos ter que fazer isso do jeito difícil... anda, Isa, sai dessa!
Roxas e Xion correram para enfrentar Saïx ao comando de Axel. Após uma luta cansativa,
as chamas de Axel finalmente encerraram a batalha contra seu ex-amigo.
— Roxas! Xion! — gritou Axel, e eles assentiram de volta. — Peguem o que é nosso!
Os três atacaram Xemnas todos ao mesmo tempo. Ele apertou o peito, gemendo de dor,
quando algo que mais parecia a letra X emergiu de dentro dele. O símbolo se dividiu em três, cada
um voando em direção a Roxas, Axel e Xion.
— Essa... essa é a marca? — perguntou Xion enquanto observava a luz em forma de X que
adentrava seu peito.
— Sim. Essa é a marca que o Xemnas nos deu. É o que nos conectou desde o início. É a...
fundação... do laço que temos — explicou Axel. Era uma marca compartilhada por todos os três ex-
membros da Organização.
— A marca vai desaparecer junto com o Xemnas e tudo bem. Eu só queria recuperá-la para
mim. Foi assim que o nosso laço surgiu — acrescentou Roxas.
— Essa... essa é a conexão que precisávamos — disse Xion enquanto olhava para sua marca
com carinho.
— Era por isso que eu precisava da ajuda do Sora. Para que pudéssemos acabar com essa
luta... de uma vez por todas! — disse Roxas quando as amarras que prendiam Sora e Kairi caíram
junto à barreira em volta do campo de batalha.
E então, o coração de Sora deixou Roxas e voltou ao seu próprio corpo.
“Eu não preciso de corações. Vou espalhar todos eles ao vento!”
Mas apenas um momento depois, Kairi mais uma vez foi levada por Xemnas. Então Saïx foi
derrotado e Sora voltou a um lugar ainda mais profundo dentro de seu coração.

Eu visitei os corações de cinco guardiões — o do Ven, o da Aqua, o do Terra, o do Roxas e


o meu. Devo conseguir encontrar a Kairi se chegar aos outros dois.
A pergunta é, quando é o momento certo...?

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A batalha ainda não havia terminado — assim como antes, Sora enfrentou Ansem, Xemnas e
o Jovem Xehanort no alto da plataforma que ficava além do labirinto.
Mas o corpo de Kairi foi despedaçado como da primeira vez.
Não consigo ver isso acontecer de novo... Por quê...? Por quê?!
Não. Eu já tinha visto essa parte da história. Eu vou ter minha chance. Sei que vou.
Mais uma vez, Mestre Xehanort congelou o tempo com uma magia e Kingdom Hearts então
apareceu em meio ao céu.
Foi quando uma voz o chamou:
— Sora... Sora...
— Vossa Majestade...?
— Sou eu! Que bom que a minha voz está te alcançando. — Mickey de alguma forma estava
falando com ele.
— Vossa Majestade! A Kairi...
— Eu sei, mas ainda podemos salvá-la.
Todos os heróis se reuniram para discutir a terrível situação, enquanto Sora continuava
ouvindo Mickey falar no fundo de seu coração.
— O que está acontecendo? — Sora perguntou ao rei.
— O Mestre Xehanort tem vários truques na manga. A Kairi é um dos sete corações e foi
por isso que ele a cristalizou: para que possa usá-la como garantia até que Kingdom Hearts seja
aberto. Ela é seu último recurso.
Mickey e Riku explicaram a situação como haviam feito no passado, contando a ele sobre
Mestre Xehanort ser um portal.
Aquele portal...
Foi quando Xion disse a Sora algo muito importante:
“A Kairi vai ficar bem. Eu posso sentir isso."
Mas isso ainda não dizia a Sora como exatamente trazer Kairi de volta. E assim, a batalha
final terminou e a Kairi não voltou. Mesmo que eu continue a busca com o meu eu do passado, não
vou encontrá-la. O que eu faço...? Kairi, cadê você?
Foi quando Sora se deu conta de uma coisa.
Ele havia saltado pelo portal do Mestre Xehanort naquele momento. Se fosse encontrar Kairi
em algum lugar, provavelmente seria lá.
— É isso!
Sora se lançou no portal ainda mais rápido que seu eu do passado. Ele sabia o que estava por
vir. Era aquela cidade — Scala ad Caelum.

Sora chegou exatamente onde pensou que chegaria, pouco antes do seu eu do passado e dos
outros. Ele avançou pelas ruas da cidade e, pouco depois, avistou Kairi. Quando foi atrás dela,
encontrou um bando de Nobodies e Heartless, um dos quais estava brilhando com uma luz em seu
interior. Ele logo partiu para cima dele.
Um cristal brilhante emergiu do Heartless assim que ele o derrotou e voou para a palma da
mão de Sora.
— Posso sentir o coração da Kairi...
Agora que tinha uma parte dela consigo, Sora seguiu para ainda mais longe na cidade em
busca de outras imagens de Kairi. Havia todo tipo de desafio e Heartless esperando por entre suas
avenidas, mas um a um, ele encontrou os fragmentos do coração de Kairi. Ou pelo menos a maioria
deles. Muito bem, vamos ver...
— Foram cinco... quantos ainda faltam? — Sora perguntou a si mesmo.
— Faltam mais dois — respondeu uma voz.
Sora se virou e encontrou Mestre Xehanort parado diante de si.

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— Por quê você tá aqui...?! — Sora invocou sua Keyblade em mãos, mas Xehanort apenas
lhe abriu um sorriso.
— Fui eu quem escondeu os fragmentos de Kairi que está procurando. É claro que estou
aqui. Mas não importa... você veio sozinho?
— Sim.
Mestre Xehanort riu.
— Está pronto para pagar o preço definitivo?
— Chega! São só mais dois! Eu vou salvar a Kairi! — gritou Sora, frustrado.
Xehanort olhou para a cidade.
— Infelizmente, está um pouco atrasado.
— Essa não...
— Parece que você não conseguiu recuperar Kairi no tempo futuro. Então cá está você, mais
uma vez, em tempos já passados. No entanto, agora que o outro “você” chegou, está condenado a
repetir o mesmo destino. — Mestre Xehanort riu da preocupação no rosto de Sora. — O que poderá
fazer? Está ficando sem tempo.
Sora observou seu outro eu se aproximar da cidade. Sua única opção aqui era se fundir mais
uma vez à sua versão anterior e lutar. E assim ele fez, empunhando sua Keyblade.
Ele enfrentou os doze Xehanorts — ou melhor, as Réplicas de Xehanort.
— Pronto?
Após a batalha contra as Réplicas, Sora voltou às profundezas de seu coração.
Tá, então eu lutei no meu próprio corpo dessa vez, mas o que eu faço agora? Nesse ritmo,
vou ficar sem tempo pra trazer a Kairi de volta. Só mais dois... mais dois fragmentos...
Espera! E se...? E se eu conseguir rastrear os corações de mais dois guardiões...?
Mas como...? Todos sempre me disseram para apenas seguir o meu coração, mas... seguir
meu coração…?
Corações estão todos conectados... talvez eu possa seguir a conexão...
— É isso! — Sora ergueu sua Keyblade em direção ao céu.
Os corações dos últimos dois guardiões — Riku e Rei Mickey.

Enquanto isso, no Cemitério das Keyblades, os oito guardiões restantes empunhavam suas
Keyblades em direção a Kingdom Hearts, disparando oito luzes nele.
— Pessoal, aguentem firme! — Mickey disse aos outros, que assentiram um pouco ansiosos.
— Então... se não conseguirmos impedi-lo, o que acontece? — perguntou Axel.
— Eu não sei… Mas... não há dúvida em minha mente de que esse é o verdadeiro Kingdom
Hearts. Eu não posso... imaginar o que acontecerá se ele tiver sucesso. — disse Aqua.
— Se o contivermos, talvez ele desapareça. — disse Ventus.
— Não — corrigiu Terra. — Apenas a χ-Blade tem o poder de detê-lo.
— Mas... — disse Ventus, desanimado.
No entanto, Riku permanecia calmo.
— Nós precisamos confiar no Sora.
— Isso mesmo! — Mickey concordou com um sorriso.
— Vejam! — Xion exclamou em voz alta, direcionando a atenção de todos para Kingdom
Hearts, que começava a ficar cada vez mais escuro. Todos decidiram abaixar suas Keyblades por
um momento, esperando para ver no que resultaria essa mudança.
— Estão... vendo isso? — perguntou Axel.
As palavras mal deixaram sua boca quando doze Mestres Xehanorts — as Réplicas de
Xehanort — deixaram Kingdom Hearts como cometas negros.
— Preparem-se! — alertou Riku, mas, de repente, um tornado negro lançou todos eles no ar.
Kingdom Hearts estava completamente negro agora e o céu à sua volta estava cheio de fechaduras.
Axel finalmente conseguiu se endireitar.

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— Eita, isso é um problema sério — disse.
Perto dali, Xion quase foi levada pelo vento para uma das fechaduras, até que Roxas a
segurou pela mão.
— Xion!
— Obrigada, Roxas!
As doze Réplicas de Xehanort cercaram os oito guardiões no ar.
— Estamos presos! — exclamou Ventus.
— Vamos! Temos que trabalhar todos juntos! — Terra disse a ele.
— Confiem no nosso vínculo! — acrescentou Aqua, tentando encorajá-los.
— Riku, você está pronto? — perguntou Mickey.
— Sim... a gente consegue! — respondeu Riku e, com isso, a batalha começou.
Guardiões e Réplicas disparavam pelo céu em um combate caótico, cada um deles trocando
constantemente de oponente. Mesmo os guardiões que tinham acabado de se conhecer trabalharam
em equipe com aqueles que eram velhos amigos.
Enquanto Riku enfrentava várias das Réplicas de Xehanort de uma só vez, bloqueando seus
ataques combinados com sua Keyblade, Sora estava em seu coração. Juntos, eles conseguiram virar
o jogo contra seus inimigos.
Com isso, um sexto fragmento de Kairi surgiu na palma da mão de Sora.
Mas então, num dado momento, as Réplicas conseguiram jogar cada um dos guardiões em
uma das fechaduras no céu, até que apenas Mickey e Riku permaneceram no final.
— Essa não, os outros! — Mickey tentou alcançar seus amigos, mas uma das fechaduras o
estava puxando...
— Mickey! — Riku voou até ele e o tirou do caminho.
Sora aproveitou a oportunidade e passou do coração de Riku para o de Mickey bem quando
seu amigo foi arrastado para dentro da fechadura.
Agora sozinho, Mickey tombou no. Mas ele ainda não estava pronto para desistir. Reunindo
toda a força que ainda restava dentro de si, Mickey se levantou novamente. Ele se tornou um com a
luz e com Sora.
— Não... eu não posso desistir!
Mickey pegou sua Keyblade e cambaleou em direção à fechadura. As Réplicas de Xehanort
não facilitaram para ele, mas ele bloqueou e repeliu seus ataques enquanto abria caminho em frente,
um passo de cada vez.
Todas as Réplicas de Xehanort se juntaram para criar um laser que dispararam contra ele.
— Não importa a distância... a luz conectará os nossos corações! — ele gritou enquanto
segurava o peso da ofensiva com sua Keyblade.
Foi quando Sora saiu de trás de Mickey e o ajudou a conter o raio. Juntos, os dois então o
jogaram de volta contra as Réplicas.
— Nós estamos... todos nós... juntos! — Sora e Mickey disseram em uníssono.
Com as Réplicas de Xehanort derrotadas, o rei enfim conseguiu lançar um disparo de luz na
fechadura. Ele então começou a cair do céu, completamente esgotado, e Sora lhe estendeu a mão.
— Sora...? O que está fazendo aqui...? É... mesmo você?
— Eu segui a conexão... de mim até o Riku e do Riku até você.
O último fragmento de Kairi veio flutuando de Mickey e Sora o reivindicou.
— Agora são sete. Todas as luzes que eu precisava, incluindo a sua. Eu cuido do resto.
E com isso, Sora foi voando para a fechadura.

Sora flutuava em um céu noturno com centenas — milhares de fechaduras.


— Onde eu tô...?

297 | K i n g d o m H e a r t s I I I : A R o m a n t i z a ç ã o
Um raio de luz brilhante passou por Sora enquanto ele tentava se reorientar. Ele tocou uma
fechadura e então mudou abruptamente de direção, dirigindo-se para outra. O fio de luz repetiu esse
processo de novo e de novo, ligando várias das fechaduras umas às outras.
— Essa luz... é a luz do rei!
A luz estava indo em direção a Sora e, quando colidiu com ele, pulsou intensamente por um
segundo antes de desaparecer.
Sora notou que agora havia uma Keyblade em sua mão.
De alguma forma, eu sei o que fazer. Preciso abrir as fechaduras e conectá-las à luz dessa
Keyblade — e isso vai trazer a esperança de volta pra todos nós.
Sora segurou a Keyblade com ambas as mãos e disparou um feixe de luz particularmente
poderoso que passou de fechadura em fechadura, traçando constelações por todo o céu.
Por fim, a luz de Sora passou pelas fechaduras nas quais os guardiões haviam caído e se
conectou a eles do outro lado. Os guardiões recuperaram a consciência, invocaram suas Keyblades
em mãos e liberaram sua própria luz.
Os sete fragmentos de Kairi, em forma de pétalas de flores cor-de-rosa, apareceram diante
do peito de Sora, e a luz dos guardiões convergiu sobre eles, tornando-se cada vez mais brilhante à
medida que os fragmentos de cristal se fundiam para formar uma única flor.
A flor de cristal foi flutuando até o céu, fazendo com que uma última fechadura maior se
formasse. Mais uma vez, Sora disparou a luz de sua Keyblade para destrancá-la.
Houve um grande clarão — e então alguém apareceu, libertando-se de dentro da fechadura,
enquanto vinha flutuando devagar.
— Kairi!
— Sora!
Ela voou até ele com os braços bem abertos. Sora também estendeu as mãos para ela e os
dois se abraçaram sob as estrelas.
Finalmente te encontrei. Agora vamos acabar com essa luta de uma vez por todas!
Eles mal haviam se reunido quando a escuridão começou a se tornar uma tempestade sobre
eles. Sora se virou.
— Kairi, está pronta pra isso?
— Sim...
Sora e Kairi prepararam suas Keyblades diante dos raios negros de trevas.
As nuvens convergiram e se materializaram como um novo inimigo usando um capacete de
bode, enquanto uma plataforma composta de símbolos arcanos tomava forma sob seus pés. Sora e
Kairi avançaram para enfrentar Xehanort, que tinha doze Keyblades idênticas nas costas e uma
décima terceira na mão.
— Sumam! — urrou o Xehanort de Armadura enquanto se lançava do céu contra os dois
heróis com suas Keyblades prontas para o ataque.
Colunas de chamas irromperam do solo como gotas de lava e começaram a persegui-los por
todo o campo de batalha.
— A escuridão os consumirá! — Xehanort rugiu enquanto invocava uma fechadura gigante
que expelia escuridão em meio ao céu.
Kingdom Hearts e a lua brilhavam intensamente acima enquanto enormes meteoros caíam
sobre Sora e Kairi. O Xehanort de Armadura caiu na gargalhada.
— Insolentes!
— Você vai perder! — exclamou Kairi, mas foi derrubada pelo impacto de um dos meteoros.
— Kairi! — disse Sora, estendendo a mão para ela.
Suas mãos se uniram e os dois então subiram ao céu juntos.
— Luz! — Sora e Kairi gritaram como um só, e seus desejos se manifestaram como grandes
asas brilhantes.
Ainda de mãos entrelaçadas, eles voaram para cima do Xehanort de Armadura. A mão de
Kairi estava quente e um pouco suada. Sora olhou em seus olhos e ambos abriram um sorriso. Os
dois então se soltaram e ergueram suas Keyblades sobre as cabeças.
Quando suas Keyblades se cruzaram, houve um pulso brilhante de luz.
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Sete fechaduras se abriram no céu. Cada uma delas disparou um orbe brilhante que dançou
pelo ar e se transformou em uma pessoa sobre Sora e Kairi. Eram os guardiões — Aqua, Terra,
Ventus, Roxas, Xion, Axel e Riku.
Riku se afastou dos outros quando viu Mickey caindo, envolto em luz, e estendeu a mão
para pegá-lo. Finalmente, estavam todos juntos de novo.
Os guardiões reunidos pousaram em meio à plataforma na área desértica e todos ergueram
suas Keyblades. A luz produzida por cada uma das chaves se uniu para formar um feixe ofuscante
que se lançou contra o Xehanort de Armadura.
— Meus amigos... são o meu poder! — exclamou Sora.
A enxurrada radiante consumiu o Xehanort de Armadura, sem deixar qualquer vestígio para
trás. Com a luta agora vencida, Sora e Kairi desapareceram em uma explosão de luz.
De repente, Axel se deu conta disso.
— Cadê o Sora e a Kairi? Eles estavam aqui.
— Estavam, mas contanto que estejam juntos, eles vão ficar bem — Riku disse a ele com
um sorriso enquanto olhava para o céu. Lá em cima, Kingdom Hearts estava desaparecendo.
— Agora, vamos seguir o coração do Sora! — disse Mickey.
Um lindo círculo de símbolos que pareciam saídos de um caleidoscópio apareceu no ar, com
uma fechadura gigante no centro. Os guardiões — Aqua, Terra, Ventus, Roxas, Axel, Xion, Riku e
Mickey — se transformaram todos em orbes de luz e voaram para dentro.

Com as mãos unidas, Sora e Kairi aterrissaram no reino de céu e mar.


— É tão bonito... — sussurrou Kairi enquanto olhava para o horizonte cintilante, onde os
dois azuis se tornavam um.
Sora examinou a palma da mão esquerda livre. Por um segundo, ela pareceu transparente,
assim como quando visitara este mundo da primeira vez, mas depois voltou ao normal. Sora fechou
a mão em um punho e se virou para a garota a seu lado.
— Kairi, vamos. Todos estão esperando.
— Tá bem — ela concordou.
Temos que voltar para casa. Todos estão esperando.
— Ah! — Sora então exclamou e soltou a mão de Kairi.
— Qual o problema?
— Bem... meu amigo devia estar aqui, mas… Eeei! Chirithy!
Chirithy não apareceu do céu desta vez, mas bem ao lado dele.
— Eita! — gritou Sora. — Ei, por que não disse nada?
— Só estava tentando dar a vocês um pouco de privacidade — retrucou Chirithy, irritado.
Kairi examinou a criatura com curiosidade.
— É um prazer conhecê-lo.
— Ah, igualmente! Fico feliz que esteja bem. — Chirithy desviou o olhar timidamente.
— Chirithy, estamos indo pra casa — disse Sora. — Você devia vir com a gente.
— O quêêê...?! — exclamou Chirithy, recuando num pulo.
— Vai por mim, não é o suficiente ficar esperando por alguém com quem você se importa. É
verdade que os corações ficam conectados onde quer que vocês estejam. Se for impossível ficarmos
juntos, tudo o que podemos fazer é esperar. Mas, se for possível ficarmos juntos, então é assim que
tem que ser.
Kairi olhou para Sora em silêncio enquanto ele explicava.
— Sora... — murmurou Chirithy.
— Sabe, esse é mesmo um lugar lindo. Mas você curtiria muito mais com alguém com quem
se importa. Antes, quando eu tava observando com a Kairi, me lembrei de como é importante...
compartilhar momentos com os amigos. É por isso que você vem com a gente. Eu vou te levar pra
ver o seu amigo, Chirithy.

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Chirithy finalmente assentiu, agora à beira das lágrimas. Sora estendeu a mão para ele.
— Certo! Vamos lá!
O mundo foi banhado pela luz, bem como Sora.

Agora de volta ao Castelo Disney, Mickey, Donald, Pateta e o Grilo foram recebidos em
casa por Minnie, Margarida e um Pluto muito animado. Yen Sid chegou um pouco depois, trazendo
Tico e Teco consigo, cada um num ombro, e o céu do castelo foi então iluminado por uma chuva de
fogos de artifício. De mãos dadas em uma das muralhas, Sora e Kairi assistiram à exibição enquanto
Chirithy saltitava alegremente ao lado.
A próxima parada foi a Terra da Partida, restaurada à sua antiga glória. A Keyblade do
Mestre Eraqus, a Defensora do Mestre, fora cravada no chão com uma coroa de flores pendurada.
Aqua, Terra e Ventus estavam diante dela, cada um segurando seus amuletos Wayfinders. Chirithy
observava a cena de certa distância, um pouco nervoso. Mas quando Ventus o avistou, Chirithy
correu e pulou em seus braços estendidos. Aqua e Terra o chamaram de volta, enquanto Sora e
Kairi observavam alegremente.
Axel e Roxas assistiram ao pôr do sol da torre do relógio em Twilight Town. Nenhum deles
estava usando um casaco negro. Xion chegou e se sentou ao lado deles, e também estava vestindo
roupas novas. Logo depois, Saïx apareceu carregando quatro picolés. Ele entregou um para Roxas e
outro para Xion, sentando-se então ao lado de Axel. Foi quando Hayner, Pence e Olette se juntaram
à festa. Eles também trouxeram seus próprios picolés.
Um pouco mais alto que os outros na torre do relógio, Sora e Kairi também desfrutaram da
especialidade de Twilight Town enquanto assistiam ao pôr do sol. A Nave Gummi lançou uma
sombra sobre eles quando passou um pouco mais acima.
No laboratório de Radiant Garden, Naminé dormia em uma cadeira branca enquanto Ienzo a
observava. Ansem, o Sábio, e Vexen estavam ocupados trabalhando em alguma coisa diante de um
monitor. Sora e Kairi também estavam ali. Sora pressionou sua Keyblade sobre o peito de Kairi e
uma pequena luz saiu de dentro dela.
Finalmente, Naminé acordou e Dilan e Aeleus a levaram para fora do laboratório. A Nave
Gummi pousou na frente do castelo e Riku estendeu a mão para ela enquanto pétalas de flores
flutuavam pelo ar. Após um momento, a Nave Gummi levantou voo.
A última parada foi nas Ilhas do Destino. Riku, Terra e Ventus estavam apostando corrida
em direção às docas enquanto Aqua e Mickey assistiam. Em outro canto da praia, Lea, Isa e Roxas
jogavam um disco de um lado para o outro. Xion e Naminé estavam coletando conchas thalassa ao
longo da costa. Enquanto isso, Hayner, Pence e Olette construíam um castelo de areia com Donald e
Pateta na praia.
Foi quando Riku ergueu o olhar. Na pequena ilha do outro lado da ponte, Sora e Kairi
estavam sentados de mãos dadas no tronco da paopeira. Mickey, Donald e Pateta seguiram o olhar
de Riku e logo todos os outros estavam observando os dois.
Sora estava dizendo algo para Kairi e uma lágrima escorreu por sua bochecha. E então, Sora
se foi. Desapareceu, como se tivesse derretido no pôr do sol.

Sora não fazia mais parte do mundo.

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302 | K i n g d o m H e a r t s I I I : A R o m a n t i z a ç ã o
DE VOLTA À ENCRUZILHADA NO CEMITÉRIO DAS KEYBLADES, UMA ÚNICA
Keyblade caiu do céu e ficou cravada de pé no chão. Um homem estava lá para tirá-la do solo,
como se já soubesse desde sempre onde e quando ela chegaria. A Keyblade era a mesma que Mestre
Xehanort costumava usar.
O homem vestia um casaco negro e, atrás dele, havia uma caixa preta.
— Finalmente, de volta ao seu lugar — murmurou o homem.
Quatro caminhos se ramificavam da encruzilhada, nos quais a poeira começou a subir ao
longe. Da nuvem emergiram quatro figuras, oscilando como miragens em um dia quente de verão e
ficando cada vez mais sólidas à medida que se aproximavam.
Elas usavam máscaras — um unicórnio, uma serpente, um urso e um leopardo.
O homem da máscara do unicórnio foi o primeiro a falar:
— Você nos convocou de volta?
— Sim — respondeu o homem de casaco negro.
— É você, Luxu? Você parece diferente.
— Faz muito tempo que não ouço esse nome — respondeu o homem de casaco enquanto
tirava o capuz, revelando um rosto com um tapa-olho cobrindo um dos olhos. — Hoje em dia me
chamam de Xigbar, mas ei, o que preferirem — acrescentou.
— É mesmo você? — perguntou a mulher com a máscara da serpente.
— Sim, mas um tempo atrás, eu tive que abandonar a minha forma antiga. Já usei muitas
outras aparências desde então, mas ainda sou eu embaixo disso tudo.
— O que aconteceu? Por que estamos aqui? Diga logo — o homem da máscara do urso
exigiu saber.
— Eu tinha uma tarefa a cumprir. E depois de todos esses anos, acabou.
— Qual tarefa? — perguntou a mulher com a máscara da serpente.
Xigbar, que um dia fora conhecido como Luxu, parou e olhou em volta. Duas outras figuras
observavam a cena se desenrolar do topo de um penhasco.
— Acho que a Ava não conseguiu, afinal — disse Xigbar.
— O que quer dizer? — perguntou o jovem com a máscara do leopardo.
— Eu disse a ela, claro como o dia, o que eu precisava fazer.
— E foi por isso que decidiu excluí-la? — o homem com a máscara do leopardo perguntou
novamente.
— Até parece. A Ava tinha sua própria missão e ela a cumpriu.
Frustrado, o homem da máscara do urso rosnou:
— Já ouvi o bastante! Luxu, qual era a sua tarefa?
Xigbar olhou para a caixa preta a seus pés e disse:
— Espero que gostem de histórias longas.

Naquele assento junto à janela em Scala ad Caelum, os jovens Xehanort e Eraqus seguiam
sentados um de frente para o outro, diante de um jogo de tabuleiro.
— Ah, verdade. — Eraqus tirou todas as peças do jogo antigo de cima do tabuleiro e então
arrumou sete peças novas em seu lugar.
— O que é isso?
— Fiquei sabendo de um jogo novo.
Xehanort olhou para a organização, confuso.
— Sete peças pretas... e?
— Apenas observe...
Eraqus posicionou uma única peça de rei branco no tabuleiro.

303 | K i n g d o m H e a r t s I I I : A R o m a n t i z a ç ã o
Sora acordou em uma cidade desconhecida, cercado por diversas luzes de néon ofuscantes.
Ele nunca tinha visto nada assim antes.
Da mesma forma, Riku também acordou em uma cidade estranha. As ruas à sua volta eram
ladeadas por prédios altos, com luzes brilhando em suas janelas.
No alto de um dos edifícios mais altos, um único garoto observava as ruas abaixo.
Enquanto isso, em outra parte da cidade, um homem vestindo um casaco preto examinava as
ruas e prédios brilhando sob a luz do luar.

Na Terra da Partida, Riku e Terra estavam frente a frente no grande salão do castelo, onde
Terra havia passado pelo teste da Marca da Maestria.
— Bom, olha só você — Terra disse calorosamente, e o elogio fez com que Riku ajeitasse
um pouco mais a postura.
— Obrigado. Eu finalmente cumpri a promessa que fiz a você.
— Cumpriu. Agora não me resta mais nada a te ensinar. Você é um verdadeiro Mestre da
Keyblade e também um grande líder para aqueles à sua volta. Encontrou até mesmo a força para
salvar os seus amigos.
Riku balançou a cabeça.
— Não é o suficiente.
— O fato de ter conseguido chegar até aqui prova o quão forte você é. Foi por isso que eu te
escolhi — disse Terra, colocando as mãos sobre os ombros de Riku.
— Foi esse o motivo?
— Esperava mais? — disse Terra, se encolhendo de vergonha.
— Sim — Riku respondeu francamente, e os dois caíram na gargalhada.
Foi quando Aqua e Ventus entraram no salão.
— E aí, pessoal, qual é a graça? — perguntou Ventus.
— É segredo — respondeu Terra com um sorriso.
Ventus não ficou muito feliz com isso.
— Ah, qual é, me conta!
Aqua os observou alegremente por um momento, até que se virou para Riku.
— Tem certeza disso? — perguntou ele.
— Sim, mas não se preocupe. Não estou sozinha dessa vez — respondeu ela. Terra e Ventus
assentiram.
Os três ficaram parados lado a lado, vestiram suas armaduras e finalmente partiram para as
Travessias de Intermédio.
— Boa sorte — Riku disse para eles quando o portão se fechou.

Um ano se passou desde então.


Riku estava visitando uma pequena casinha localizada num canto de Radiant Garden, e um
grupo de rostos familiares estava lá com ele.
— Mas se ainda nos lembramos dele, então ele ainda deve estar conosco — disse Aerith.
— Sim, isso faria sentido — respondeu Leon.
— Mas nós procuramos o Sora por toda parte e não encontramos pista alguma — disse
Riku. — Se ele estivesse mesmo por aí, vocês não acham que já teríamos encontrado alguma coisa
a essa altura?
Yuffie colocou um dedo na cabeça.
— Hmm...
— O Cid esteve analisando os dados já há um ano. As pessoas no castelo não estão fazendo
o mesmo? Ninguém descobriu nada ainda? — perguntou Leon.
304 | K i n g d o m H e a r t s I I I : A R o m a n t i z a ç ã o
Riku se virou para Cid, que estava sentado ao computador.
— Bom... nada disso é bem da área de competência deles.
— Qual é, Cid! Dá alguma coisa pra gente, por favor! — suplicou Yuffie.
Cid se virou para encará-la.
— Fica quieta! — ralhou ele. — Eu tô tentando! Eu tô quase encontrando alguma coisa,
tenho certeza!
— Cid, você é um milhão de vezes pior que um disco quebrado! — A resposta de Yuffie fez
com todos dessem risada.
— A propósito, como estão os outros? — perguntou Leon. Aparentemente, era algo que o
estava incomodando.
— Bom, o Mickey, o Donald e o Pateta estão procurando pistas em todos os mundos por
onde o Sora já passou. O Terra, o Ven e a Aqua foram ao reino das trevas. E o pessoal de Twilight
Town está estudando as memórias do Roxas e da Xion.
— E quanto à Kairi? — perguntou Aerith, preocupada.
Ele baixou o olhar.
— A Kairi... ela acredita que seu coração possa ter uma pista com relação ao Sora. Ela já
está adormecida há um ano, enquanto examinam seu coração.
— Então não houve progresso... — disse Aerith, também parecendo desapontada.
— Mas o quê...?! Que diabo é isso?! — Cid exclamou de repente, levantando-se num salto.
Riku e os outros se reuniram à sua volta e olharam para a tela.
— O que houve?
— Esse computador, o de Twilight Town e o do castelo estão todos conectados à mesma
rede. Eles me mandaram todos os dados deles, eu juntei com as coisas que já tinha e olha só aqui —
respondeu Cid, inclinando-se em direção à tela.
Ali, no monitor, havia um rosto muito familiar.
— Sora?! — Riku se inclinou mais perto.
— O Sora tá dentro do computador?! — perguntou Yuffie.
— Não, não. Esses são só os dados que eu construí com base no Sora e suas habilidades de
luta — respondeu Cid, sentando-se novamente em sua cadeira.
— Então você deu um ataque cardíaco na gente à toa? — reclamou Yuffie.
— Não, aquele grupo que o Sora tava enfrentando... sabe...? Batalhão-sei-lá-o-quê? Bom, eu
também recriei os dados deles. — Conforme Cid descrevia, vários portais se abriram diante do Sora
no monitor. Treze no total.
— A verdadeira Organização XIII... talvez os dados deles nos levem aonde o Sora está —
ponderou Aerith.
— Bom, isso me passou pela cabeça, mas eu devo ser melhor nisso do que achava porque os
dados deles... eles são tão poderosos que eu não consigo acessar nada — Cid disse a ela.
— Você pode usar os dados do Sora para obter acesso? — sugeriu Leon.
— Ah, boa ideia. Vale a tentativa — disse Cid, digitando rapidamente no teclado.
— Sim, vamos tentar — Riku disse enquanto observava a versão de seu amigo na tela.
Sora passou correndo por um dos portais e enfrentou o membro da Organização do outro
lado. Ele eventualmente derrotou todos os treze, mas...
— Nem sinal do moleque — disse Cid, e Yuffie ficou igualmente desanimada.
— Que chatice.
De repente, houve um lampejo de luz atrás deles. A visita inesperada era a Fada Madrinha, a
mesma que certa vez usara sua magia para ajudar Cinderela.
— Fada Madrinha! — exclamou Aerith, surpresa.
— Oh, ho, ho, espero não tê-los assustado — disse ela alegremente.
— De forma alguma. O que a traz aqui? — Leon perguntou à fada.
— Ora, querido, foram Merlin e o Mestre Yen Sid que me pediram para vir. Agora, onde
está o... ah, Riku! Sim, Riku é o nome dele — respondeu ela, olhando ao redor da sala.
— Aqui — disse ele, andando até ela. — Eu sou o Riku.

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— Ora, é um prazer conhecê-lo. Agora, eu gostaria que me contasse sobre os sonhos que
vem tendo, querido — disse a Fada Madrinha com um sorriso, sua varinha mágica na mão.
— Hã? Os meus... sonhos? — Riku pensou por um momento.
Aquilo foram sonhos...?
— Tem um. Estava escuro... e eu estava cercado de prédios altos. Estava procurando pelo
Sora, quando senti alguém me observando de algum lugar mais alto.
— E?! — pressionou Yuffie.
— E isso é tudo que eu lembro. — Riku balançou a cabeça.
Isso é tudo que eu tenho. É só um sonho sobre uma noite numa cidade estranha que eu
nunca vi antes.
— Ugh. Mas e o que acontece depois?! — Cid podia ter ficado decepcionado, mas a Fada
Madrinha pareceu entender muito bem.
— Ah, já sei.
— Por que o sonho do Riku? — perguntou Leon.
— Ah, porque o Mestre Yen Sid estava preocupado. Vocês não estavam tendo sorte na
busca por Sora. E como Riku já esteve nos sonhos de Sora antes, ele achou que talvez Riku pudesse
ser a chave. Foi por isso que ele e Merlin me pediram para vir aqui e dar uma olhada nos sonhos
dele, porque sonhos são a minha especialidade — respondeu a Fada Madrinha.
— Então os sonhos do Riku podem... ter a chave? — ponderou Aerith.
— Sim, querida. Tenho certeza de que há algo neles que nos leve ao Sora.
— Nos meus sonhos...? — disse Riku, a voz suave.
A Fada Madrinha riu.
— E... nos dos outros dois — ela acrescentou com uma piscadela.

— Esse lugar...
Sora estava de volta naquele mundo de mar e céu — só que o céu não estava mais claro. A
noite havia caído sobre o mundo. Ele não sabia dizer se o céu escuro estava refletido na água ou se
a água escura estava refletida no céu. As estrelas estavam acima ou abaixo dele?
A única coisa da qual tinha certeza era a lua lá no alto.
— Pelo menos... eu tô inteiro — disse Sora enquanto olhava para si mesmo. Ele se levantou
e tentou chamar alguém: — Ooooi! Tem alguém aí?
Não houve resposta. Ele tentou novamente:
— Olááá?
Desta vez houve um som suave. Podia ter sido a água — ou passos vindo em sua direção.
— Oi...
Sora começou a correr quando ouviu o que parecia ser uma voz fraca. Tem alguém aqui!
— Aqui! — gritou Sora. Ele conseguiu avistar uma pessoa mais ao longe e então começou a
correr o mais rápido que pôde.
— Estou te vendo — disse a pessoa em questão, iluminada pela luz das estrelas.
— Ei, você não é...? — Sora conhecia aquele cara. Na verdade, nunca chegou a conhecê-lo,
mas já o tinha visto antes.
— Você me conhece?
— Sim, você é o Yozora, né? — respondeu Sora. Ele o tinha visto naquele jogo na Caixa de
Brinquedos.
— Como sabe disso? Quem é você?
— Sou o Sora. E, na verdade... tem uma coisa que eu tenho que te pedir... — Sora lembrou
que também tinha ouvido aquele nome em um outro lugar antes.
Mas assim que ele se apresentou, Yozora começou a fazer perguntas:
— Sora? Seu nome é Sora?
— Hã? Você sabe quem eu sou?

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307 | K i n g d o m H e a r t s I I I : A R o m a n t i z a ç ã o
— Claro, já ouvi falar de você.
Parecia que Yozora também conhecia Sora.
— Se você tá aqui, então esse não pode ser o mundo real, pode? Mas calma... aquela garota,
ela me falou de você. Talvez você seja real, afinal — Sora pensou em voz alta.
— Já acabou? Não, este não é o mundo real e sim, eu estou aqui. Mas esta não é a minha
verdadeira aparência. Como me reconheceu como Yozora?
— Hã? — disse Sora, sem saber ao certo onde ele queria chegar.
— E por que está usando o nome “Sora”?
— Porque... eu sou o Sora.
— Se você é quem diz ser e foi o destino que nos trouxe aqui, então... meu caminho está
claro. — Yozora fechou o punho e, de repente, estava segurando o que parecia ser uma espécie de
arma de longo alcance.
Sora fechou os olhos e se preparou. Quando os abriu novamente, se encontrou em um lugar
que nunca tinha visto antes. Ou... talvez tivesse. Em um sonho. Ruas repletas de prédios e prédios
iluminados com luzes de néon.
Ah, talvez este seja o mundo do jogo do Yozora — aquele que eu entrei quando tava no
mundo do Woody.
Ou talvez não...? Parece tudo tão diferente.
Cara, como eu tô boiando aqui.
— Eu vim para este lugar por acidente e enfrentei alguns desafios. Então, me disseram para
“salvar Sora”.
— Hã?! Então qual é a da arma? — perguntou Sora.
Mas Yozora simplesmente invocou uma espada vermelha brilhante em sua outra mão.
— Hora de acabar com isso — disse ele, desferindo um ataque com a espada.
Sora invocou sua Keyblade para que pudesse bloquear a investida. Mas a luta acabou antes
mesmo de começar.
— Mas como...?
O ataque de Yozora atingiu Sora em cheio e o deixou de joelhos.
— Desculpa, mas eu não perco — Yozora disse quando Sora começou a brilhar e então se
transformou em cristal.
Yozora colocou a mão na forma congelada de Sora e disse suavemente:
— Eu vou te salvar.
Uma luz surgiu do cristal e envolveu o mundo — e então Yozora estava de volta àquele
reino de nada além de mar e céu.
Ele fechou os olhos em silêncio.
Quando os abriu novamente, estava sentado no banco de trás de um carro.
— Comandante! Comandante! — Os olhos de Yozora logo se desviaram para quem estava
falando com ele do banco do motorista. — Impressionante, não é?
Yozora olhou pela janela do carro.
Tenho pensado coisas tão estranhas ultimamente. Como se tudo isso é real... ou não. Nada
disso... faz sentido pra mim.
Aquela voz era a dele — ou a de Sora?
Tudo o que podia ver além da janela era a extensa paisagem urbana.

308 | K i n g d o m H e a r t s I I I : A R o m a n t i z a ç ã o

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