Você está na página 1de 168

0|Kingdom Hearts II: A Romantização VOL.

1
KINGDOM HEARTS II:
A ROMANTIZAÇÃO VOL. 1
EDIÇÃO ESPECIAL DO 20º ANIVERSÁRIO

KINGDOM HEARTS II: THE NOVEL VOL. 1 (A ROMANTIZAÇÃO)


TOMOCO KANEMAKI
ILUSTRAÇÕES: SHIRO AMANO
OBRA ORIGINAL: TETSUYA NOMURA, KAZUSHIGE NOJIMA

Traduzido, revisado e editado por Sorinha Phantasie.

Esse livro é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e incidentes são obra da
imaginação do autor ou usados de forma fictícia. Quaisquer semelhanças com eventos, locais ou
pessoas, vivas ou mortas, são coincidências.

KINGDOM HEARTS © Disney Enterprises, Inc.


Personagens da série de videogames FINAL FANTASY © 1990, 1994, 1997, 1999, 2000, 2001,
2002, 2003, 2005, Square Enix Co., Ltda.
Todos os direitos reservados.

Tradução em português brasileiro pela PHANTASIE TRANSLATE, 2017. A versão atual desta
tradução foi revisada e reenviada em 2022.
A tradução deste material foi elaborada e disponibilizada sem fins lucrativos. Se você pagou
pelo acesso a este livro, você foi enganado.
Conheça mais dos nossos projetos em www.phantasietranslate.com.br

A editora original deste livro apoia o direito à liberdade de expressão e o valor dos direitos
autorais. O propósito do direito autoral é encorajar escritores e artistas a produzirem as obras
criativas que enriquecem a nossa cultura.
A digitalização, o envio e a distribuição deste livro sem permissão prévia é um roubo da
propriedade intelectual do autor. Se você quiser permissão para usar material deste livro (exceto
para fins de resenha), favor contatar a editora. Agradecemos seu apoio aos direitos do autor.
1|Kingdom Hearts II: A Romantização VOL. 1
KINGDOM HEARTS II:
A ROMANTIZAÇÃO VOL. 1
EDIÇÃO ESPECIAL DO 20º ANIVERSÁRIO

ÍNDICE
CAPA
SOBRE ESSA EDIÇÃO
PÁGINAS COLORIDAS

PARTE 1: Os Sete Dias de Roxas


PERSONAGENS

PRÓLOGO: Primeiro Episódio

CAPÍTULO 1: O Primeiro Dia

CAPÍTULO 2: O Segundo Dia

CAPÍTULO 3: O Terceiro Dia

CAPÍTULO 4: O Quarto Dia

FRAGMENTO: Onde quer que você esteja...

CAPÍTULO 5: O Quinto Dia

CAPÍTULO 6: O Sexto Dia

CAPÍTULO 7: O Último Dia

PARTE 2: A Destruição de Hollow Bastion


PERSONAGENS

PRÓLOGO: Sozinho

CAPÍTULO 1: Torre Misteriosa

CAPÍTULO 2: Hollow Bastion

CAPÍTULO 3: Coliseu do Olimpo

CAPÍTULO 4: Twilight Town

CAPÍTULO 5: Sob um único céu...

CAPÍTULO 6: Space Paranoids

2|Kingdom Hearts II: A Romantização VOL. 1


SOBRE ESSA EDIÇÃO
Kingdom Hearts II foi um verdadeiro marco.
A porta de entrada de muitos fãs para a franquia, esse jogo foi um dos maiores
responsáveis por tornar as aventuras de Sora, Donald e Pateta tão conhecidas e especiais
no coração de todos. Também foi um grande divisor de águas: depois dele, nenhum jogo
conseguiu cativar todos os fãs de forma tão unânime, seja por sua jogabilidade — uma
evolução completa da apresentada no primeiro jogo — ou por sua história, que toma
rumos nunca antes pensados. Embora a narrativa da franquia já estivesse indo por um
caminho um pouco mais maduro desde Chain of Memories, foi só em Kingdom Hearts
II que tivemos um maior desenvolvimento dos personagens, com novas facetas de sua
personalidade sendo apresentadas e novos conflitos surgindo em sua jornada pelos
mundos da Disney.
E por falar em mundos, esse jogo tem uma enorme coleção deles, cada um único
e com sua devida importância à narrativa, seja por conta da ameaça iminente dos novos
inimigos — os Nobodies e a Organização XIII — ou mesmo de Malévola e seu mais
novo braço direito, Bafo, que saem em busca de mais Heartless para o seu exército. Os
mundos originais também brilham no jogo, desde os primeiros momentos do prólogo
em Twilight Town, onde conhecemos Roxas e nos perguntamos o que aconteceu com
Sora, até os instantes finais no grandioso quartel general da Organização XIII. Lembro
de ter jogado Kingdom Hearts II no lançamento e a emoção de cada nova descoberta, de
cada nova cena, de cada novo personagem — tudo isso me acompanha até hoje.
Infelizmente, mesmo quem ama Kingdom Hearts II de paixão concorda que foi
também nesse jogo que a história da série começou a ficar mais confusa, principalmente
para aqueles que começaram direto nesse título ou simplesmente pularam do primeiro
para ele, sem passar pela ponte de intermédio que era Chain of Memories. Assim que
acaba a abertura, já tínhamos nossa primeira pergunta: Afinal, quem é esse Roxas? O
que aconteceu com Sora, Donald e Pateta depois que foram dormir no jogo anterior?
Ansem está ajudando os heróis? Para piorar, antes que as primeiras perguntas fossem
respondidas, outras vão surgindo pelo caminho: O que exatamente são os Nobodies?
Eles realmente não têm coração? Por que aparentemente existem dois Ansems? Tentar
compreender tudo o que estava sendo introduzido ali era uma tarefa extremamente
complexa — e que só foi se tornando ainda mais difícil com o passar do tempo e o
lançamento de novos jogos.
E é exatamente aí que os romances da série entram em cena. “Kingdom Hearts
II: A Romantização VOL. 1 - Edição Especial do 20º Aniversário” reconta a primeira
parte dessa história de forma a destacar seus momentos mais importantes e elucidar
todas as dúvidas que aqueles que jogaram o jogo original tantos anos atrás ainda possam
ter. Além disso, essa “edição definitiva” conta com uma revisão completa em todo o
texto da nossa tradução original, diversos ajustes no layout das páginas, um tapa no
visual final do livro e modificações específicas para melhorar a experiência geral do
leitor, como a reorganização dos perfis de personagens, aqui divididos nas duas partes
da história, enquanto na versão americana eram inseridos todos já nas primeiras páginas,
o que acabava dando diversos spoilers que estragavam a experiência de quem nunca
teve contato prévio com a obra.
Se você sempre quis conhecer mais da história da franquia, mas nunca soube por
onde começar, pode ter certeza que os romances são um excelente ponto de partida.
Aqui você vai encontrar uma narrativa envolvente e extremamente fiel à história do
jogo, com explicações claras e diretas de vários elementos que a mídia original sempre
deixou só na superfície, isso sem contar todas as cenas inéditas que mostram novas
3|Kingdom Hearts II: A Romantização VOL. 1
interações e um mergulho profundo nos pensamentos e sentimentos dos personagens
que aprendemos a amar ao longo de toda essa jornada. São conteúdos exclusivos que
certamente vão arrancar uma lágrima até de quem já conhece todas as falas do jogo de
cor e salteado — uma experiência única que você não encontra em nenhum outro lugar.
Por isso, é chegada a hora de embarcar no trem fantasma de Twilight Town e
pegar uma carona por esse mundo mágico e cheio de nostalgia. Seja ao lado de novos
ou velhos companheiros, permita-se desligar do mundo real por um instante e mergulhe
fundo na história mais aclamada de toda a franquia. Não importa se você é um fã de
primeira viagem ou se perdeu as contas de quantas vezes já revisitou essa aventura, este
é o lugar onde todos os corações se tornam um.
Mesmo o meu — e mesmo o seu. Deu pra memorizar?

Em uma noite chuvosa de outono,


Sorinha Phantasie.

4|Kingdom Hearts II: A Romantização VOL. 1


5|Kingdom Hearts II: A Romantização VOL. 1
6|Kingdom Hearts II: A Romantização VOL. 1
7|Kingdom Hearts II: A Romantização VOL. 1
8|Kingdom Hearts II: A Romantização VOL. 1
9|Kingdom Hearts II: A Romantização VOL. 1
10 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
11 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
12 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
13 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
14 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
APÓS FECHAREM A KEYHOLE, SORA E SEUS AMIGOS PENSARAM QUE ENCON-
trariam as princesas paradas diante da porta de Hollow Bastion, aguardando seu retorno. Mas em
vez disso, passaram pela porta para se depararem com um lugar estranho, envolto em névoa.
— Hã...? — Donald inclinou a cabeça.
— Onde estamos? — murmurou Sora, olhando em volta. E, de repente, foi tomado por uma
estranha sensação.
— Ah, parece que você também é especial.
Diante da voz repentina que viera de algum lugar atrás dele, Sora se virou.
— Quem tá aí?!
Viu um homem parado sozinho mais adiante. Ele trajava um casaco negro, fitando Sora por
debaixo de um capuz que lhe cobria o rosto.
— Ansem...? — disse Pateta, incerto, e ergueu o escudo atrás de Sora.
— Esse nome me soa familiar... — murmurou o sujeito, como se para si mesmo, e então
voltou a falar com Sora: — Você me lembra dele.
— O que isso significa?! — disparou Sora, erguendo a Keyblade. Não fazia ideia do que o
homem estava falando.
— Significa que você não está completo. Um ser incompleto. Permita-me... testar a sua
força. — O homem se aproximou, parecendo flutuar sobre o chão, e disparou esferas de luz de suas
mãos. O ataque atingiu Sora e o jogou longe.
— Sora! — gritou Pateta, correndo para defendê-lo, mas o homem sacou duas espadas
gêmeas de seu manto e o atirou para trás.
— Chamas! Trovoada! Nevasca! — Donald lançava suas magias contra o sujeito, mas todas
se dissipavam, inofensivas, sem sequer chamuscarem o casaco negro.
— ...Impressionante — disse o homem. — Isso será interessante...
— Do que você tá falando...?! — gritou Sora, voltando a se levantar.
— Por ora, está além da sua compreensão. Nós nos encontraremos novamente — respondeu
o sujeito, a voz suave. As lâminas desapareceram de suas mãos.
— Quem é você?!
— Eu sou... um mero invólucro. — E com isso, o homem desapareceu feito fumaça no ar.
Ainda segurando a Keyblade com força, Sora fitou o vazio, confuso. Foi quando uma voz
que conhecia falou com ele:
— Bom trabalho, Sora.
Virou-se e se deparou com Leon, parado mais adiante.
— A gente voltou...?
— O que houve? — perguntou Leon, notando como ele parecia desnorteado.
— Esquece, não foi nada.
Sora abriu um sorriso e correu rumo à batalha final — a batalha contra Ansem.

Quando deu por si, estava parado em outro lugar. Era a borda do mundo — ou pelo menos
era o que lhe parecia. Rochas dentadas e decadentes se assomavam em meio a um litoral negro.
Mas parando para pensar, ele já não tinha sentado num lugar como aquele, para conversar
sobre o futuro?
Um mar azul... um céu azul...
O cenário simplesmente flutuou em sua mente e ele balançou a cabeça. Não, pensou, isso
não pode ter acontecido.
Então abaixou o olhar, fitando o próprio corpo.
Estava usando uma roupa negra da qual não conseguia se lembrar — um casaco, para ser
preciso. Sabia que estava olhando para si mesmo pela primeira vez, mas, de uma forma estranha,
nada em sua aparência parecia errado.
— Então você chegou — disse uma voz atrás dele.

15 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
Virou-se e viu uma figura muito semelhante a ele — alguém vestindo um casaco negro, o
rosto completamente coberto debaixo de um capuz. Sua própria expressão também devia estar
oculta para o outro homem.
— Eu fui vê-lo.
Vê-lo?
Quase perguntou de quem o sujeito estava falando, mas tinha a vaga sensação de que já
sabia. Guardou a pergunta para si.
— Ele se parece bastante com você.
Sim — e eu provavelmente me pareço bastante com ele. Ele e eu somos como dois lados da
mesma moeda...
— Quem é você? — perguntou ao outro homem.
— Sou o que restou. Uma casca vazia. Ou talvez seja tudo o que sempre existiu.
Franziu o cenho diante da resposta evasiva do sujeito.
— Me referi ao seu nome.
Sim — queria saber o nome da pessoa diante de si.
— Meu nome não tem importância. Mas e quanto a você? Você se lembra do seu verdadeiro
nome? — Soava quase como se o homem estivesse debochando dele.
Abriu a boca para responder... para dizer o nome dele.
O nome daquele que habitava as profundezas de sua memória.
— O meu verdadeiro nome... é...

E assim... a história começa.

16 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
17 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
SOB A FRACA LUZ QUE ENTRAVA PELA JANELA DO QUARTO, ROXAS ABRIU OS
olhos devagar.
— Outro sonho sobre ele... — murmurou, levantando-se da cama para abrir a janela.
O ar quente e ligeiramente úmido do verão invadiu o cômodo. Seus cabelos acastanhados
brilhavam num tom dourado como mel em meio à luz.
De seu quarto no segundo andar, Roxas podia ver uma boa parte da cidade.
Um sonho — desde que suas férias de verão começaram, Roxas vinha tendo os mesmos
sonhos todas as noites. Sonhos sobre um céu azul vívido que pairava sobre um mar brilhante da
mesma cor, e sobre um garoto cujo nome representava o céu. O nome do garoto era...
— ......Sora.
Roxas o murmurou para si mesmo e piscou os olhos azuis.
O garoto do sonho, Sora, tinha um sorriso tão brilhante quanto o céu. Ele até que parece
legal, pensou Roxas. Mas não sabia dizer como se sentia sobre o garoto.
Ao longe, podia ouvir sinos tocando. Era o monumento mais distinto da cidade — a torre do
relógio sobre a estação. Os dois sinos que se projetavam de ambos os lados diziam a hora a todos os
cidadãos de Twilight Town.
Roxas se alongou e pulou da cama. Tirou seu pijama — uma camiseta branca e bermuda
capri — e vestiu uma jaqueta branca e calças pretas antes de deixar o quarto.

Roxas seguiu para o ponto de encontro — um velho depósito sob os trilhos do trem. Seus
amigos, Hayner, Pence e Olette, já estavam lá, conversando sobre alguma coisa.
— Oi, Roxas — disse Olette assim que o viu.
— Ah... oi. — Roxas desviou o olhar para os amigos, cada um sentado em um canto.
— Roxas, você também tem que ouvir essa! — disparou Hayner, um pouco alto demais,
como sempre. Estava vestindo calças e sapatos de tecido camuflado e uma camiseta com estampa
de caveira, e, como sempre, o cabelo castanho-claro ondulado estava impecavelmente estilizado. —
Cara, isso não te deixa puto? — disse aos outros.
— Pode crer, isso é errado — concordou Pence, balançando a cabeça furiosamente, embora
os cabelos pretos rebeldes sequer tenham se mexido. Pareciam grossos o suficiente para machucar
caso caíssem nos olhos e talvez por isso ele os usasse presos com uma faixa na testa. Vestia uma
camiseta de basquete da Dog Street alguns números maior que o seu, estampada com a logo da
marca e o personagem cachorro estilizado correndo atrás de ossos. Caía como uma luva para seu
tipo físico robusto.
— O Seifer foi longe demais dessa vez — acrescentou Olette. A regata laranja com trevos
de quatro folhas estampados na cintura era sua camiseta preferida. Ela sempre tratava a todos com
doçura, independentemente da situação. Ainda que se tratasse de Seifer.
— Quer dizer, é verdade que tem tido umas coisas sendo roubadas pela cidade. E a gente
nunca se deu muito bem com o Seifer. Então se ele quiser pensar que fomos nós, não posso culpá-
lo. O que me deixa bolado mesmo é que ele tá saindo por aí dizendo pra todo mundo que nós somos
os ladrões! Agora a cidade toda trata a gente como se fôssemos um bando de criminosos! Já ficou
tão puto assim na vida? — Hayner disparou tudo de uma só vez, sem sequer parar para respirar, e
então desceu do caixote que costumava usar como banco, balançando o punho. — Porque eu não!
Nã-hã, nunca. Tá, o que fazer...?
Hayner se virou e olhou para Roxas, que não estava prestando muita atenção. Roxas fez uma
pausa, o rosto tomado pela surpresa, e então se levantou num pulo.
— Hã, bem... Podíamos encontrar os verdadeiros ladrões. Isso esclareceria tudo.
— Ei, até que parece divertido — disse Pence, levantando de sua cadeira.
Não muito satisfeito, Hayner projetou os lábios, fazendo bico.
— Mas e quanto ao Seifer?
Ao lado dele, Pence correu até a caixa que chamavam de baú do tesouro e a inspecionou.

18 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— Primeiro, temos que limpar os nossos nomes — disse Roxas. — Quando encontrarmos o
verdadeiro culpado, todo mundo vai sair do nosso pé.
— Essa não! — Pence ergueu o olhar da caixa, carregando uma câmera compacta nas mãos.
— Que foi? — Hayner desviou o olhar para Pence, sentindo-se ofendido com a interrupção.
— Sumiram! As nossas —— sumiram!
Roxas, Hayner e Olette saíram correndo para olhar na caixa.
— O quê? Como? Todas as nossas —— sumiram? — disse Olette, e então tocou a garganta,
fitando Roxas com um olhar inquieto.
Não apenas suas coisas tinham sumido — a palavra também se fora...?
— Roubadas... — disse Roxas. — Até a palavra —— foi roubada?
Hayner assentiu e o fitou nos olhos.
— Não tem como o Seifer ter feito isso.
Roxas assentiu em resposta.
— Certo, hora de fazer uma busca! — Hayner saiu correndo do ponto de encontro. Pence e
Olette o seguiram.
— Beleza! — Roxas fez menção de ir atrás... e o mundo começou a girar. — ...Hã?
Sentiu as pernas perderem as forças, mas quando percebeu que estava tombando no chão, a
escuridão já estava envolvendo sua mente.
Uma voz profunda pareceu falar de algum lugar:
— O coração dele está retornando. Sem dúvidas, ele logo despertará.
Mas Roxas não sabia de quem se tratava.

Já faz um ano desde que eu prometi a ele, pensou Naminé.


Sora estava adormecido na cápsula em forma de botão de flor. Já fazia um ano desde que
entrara nela.
Ela desviou o olhar para o chão. Talvez estejamos apenas sendo usados.
— ...Naminé.
Voltou-se lentamente para a pessoa que falara com ela.
O homem vestia um casaco negro, assim como os membros da Organização. Havia doçura
nos olhos que entrevia embaixo do capuz — olhos que jamais poderiam mentir.
Ela tinha passado o último ano sem fazer nada além de desenhar... mas para ele, fora um ano
muito difícil.
— Não vai demorar muito mais.
Ele estava com o olhar fixo em Sora, ainda adormecido.
Tudo o que ele faz é pelo Sora... e por todos os mundos. Mas e quanto a mim? O que estou
fazendo aqui? Naminé perguntava a si mesma.
— De alguma forma, ele parece solitário — disse ele.
— Eu não me preocuparia.
Um pequeno sorriso se formou nas pontas da boca de Naminé. Ela desviou sua atenção de
volta para Sora.
Em breve... Em breve, o Sora vai acordar. Mas o que ele fará então?
E quanto a nós? Teremos que encontrar o mesmo destino que aquela cópia, a Réplica? Não
há outra forma?
Naminé pensava no garoto de cabelos acastanhados que surgira no mesmo momento que ela.

Que... que voz foi aquela ainda agora?


Roxas olhou em volta. Sabia que tinha ouvido alguém falando. Sobre o coração dele estar
retornando.
19 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
20 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— Roxas? — Ele ergueu o olhar e viu que Pence o fitava com uma expressão aflita no rosto.
— Vem, vamos lá.
— Sim...
Pence segurou sua mão e o ajudou a se levantar, e os dois então deixaram a área embaixo
dos trilhos. No lado de fora, havia um pequeno beco em declive que levava à estação mais acima e
ao pátio abaixo.
— Roxas, o que está fazendo?! — gritou Hayner da base da ladeira.
Se seguissem em frente, chegariam à praça do bonde no centro da cidade.
— Acelera! — Hayner gritou outra vez.
— Beleza! — Roxas saiu correndo atrás de Pence.
Mas aquela voz... de onde tinha vindo?
E aqueles sonhos... sobre o Sora. O que tudo isso quer dizer?
— Por aqui! — chamou Hayner.
Roxas seguiu sua voz através do portão e disparou em direção à praça.

A quietude da sala era quebrada apenas pelo som do maquinário.


A única luz no ambiente turvo vinha das telas de computador. Um homem seguiu em
direção a uma delas e digitou alguma coisa no teclado.
O rosto do sujeito estava coberto de faixas de pano vermelhas e cintos de couro pretos.
Precisava documentar algumas coisas. Os experimentos que levaram a tudo aquilo... a raiz de todo
aquele mal estava dentro de si.
Pequenos ruídos eletrônicos quebraram o silêncio da sala.
— Parece que temos alguns contaminantes — murmurou para si mesmo.
O nome do sujeito era DiZ. Era a sigla para “Darkness in Zero”[1].
Era o nome que havia escolhido para si — e o fardo que trouxera para a própria vida.

— Tá na hora de começarmos com essa investigação! — declarou Pence assim que Roxas os
alcançou. Os quatro estavam reunidos no meio da praça para debater sobre o assunto.
— Já descobriu quem foi roubado? — perguntou Hayner.
— Com certeza! — respondeu Pence. — O Wallace da loja de itens, a Jessie da loja de
acessórios, a tia Elmira da loja de doces... e...
— É praticamente todo mundo na cidade que tem uma loja! — exclamou Olette.
— Bom, acho que vamos ter que dar uma volta e ir perguntando de um a um — disse
Hayner em meio a um suspiro.
— Tem razão — concordou Roxas. Todos seguiram para a loja de itens.
— Roxas — disse Wallace, antes que qualquer um tivesse a chance de sequer abrir a boca.
— Nunca pensei que você pudesse fazer algo assim tão desprezível...
— A gente não roubou nada, beleza? — disse Roxas.
Wallace apenas balançou a cabeça.
— Eu gostaria de acreditar em você, mas... quem mais teria roubado aquilo?
— Pode nos dizer o que foi roubado? — perguntou Olette, logo ao lado de Roxas.
— Como se vocês já não soubessem — disse Wallace, a voz fria feito gelo. — Olha, não
vou falar com vocês. Vão à loja de acessórios e falem com a Jessie.
Aparentemente, ele não tinha a menor dúvida de que Roxas e seus amigos eram os ladrões.
— Que saco... Bom, melhor falarmos com a Jessie. — Hayner girou sobre os calcanhares e
desviou o olhar para a loja de acessórios.
Pence fez o mesmo.

21 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— Ainda que o Seifer estivesse espalhando boatos sobre a gente... o Wallace não parecia um
pouco convencido demais de que nós somos os culpados?
— Bom, pois é, a culpa é do Seifer! Por que mais todo mundo ia achar que fomos nós sem
nenhuma prova? — disse Hayner.
Tanto Pence quanto Olette inclinaram as cabeças, pensativos.
— Ei... nós todos somos suspeitos ou sou só eu? — ponderou Roxas em voz alta.
— Dizer que você é culpado é o mesmo que dizer que todos nós somos! — Hayner cerrou os
punhos com força.
— Mas... — Desalentado, Roxas abaixou a cabeça. Tenho certeza que o Wallace parecia
suspeitar só de mim, de ninguém mais.
— Isso aí — disse Pence. — Além do mais, você nunca conseguiria roubar nada sozinho
sem ser pego.
— Acho que você tá certo... Ei! O que quer dizer com isso, Pence?
Quando Roxas ergueu o olhar, Pence cobriu a cabeça para se proteger de uma possível
retaliação e saiu correndo.
— Bem, é verdade. — Olette deu uma risadinha. — Você jamais tramaria algo assim tão
escandaloso. — Ela disparou atrás de Pence.
— Ah, qual é! Você também, Olette?! — reclamou Roxas, e foi correndo atrás deles. — Ei!
Esperem por mim!
Hayner bateu em disparada para alcançá-los. Os quatro pararam de uma só vez diante da loja
de acessórios.
— Ah, é você, Roxas... — A voz atrás do balcão pertencia à bela lojista, Jessie. — Queria
que você não me desapontasse. Você costumava ser um dos meus clientes favoritos.
— Eu não sou ladrão! — Roxas sentia que já estava começando a ficar repetitivo. Doía ser
considerado culpado desse jeito.
— Mas ninguém mais roubaria algo assim — disse Jessie.
Roxas abaixou a cabeça. Hayner começou a falar atrás dele:
— O Roxas disse que não foi ele!
— Bom, não importa. — Jessie deu um breve suspiro.
— O que foi roubado? Pode nos contar alguma coisa? — perguntou Olette, persistente.
Os ombros de Jessie afundaram, como se ela não quisesse falar a respeito.
— Enfim, você vai ter que achar um jeito de limpar o seu nome. A Elmira da loja de doces
também está bem decepcionada.
— Vamos, Roxas. — Pence o empurrou gentilmente para longe do balcão, aparentemente
convencido de que não havia por que fazer mais perguntas ali. Os quatro seguiram penosamente
para a loja de doces.
— Eu não sou ladrão... — murmurou Roxas.
— Sabemos disso. É por isso que estamos perguntando por aí, não é? Afinal, nós também
fomos roubados!
Hayner bateu amigavelmente em suas costas enquanto corriam em direção ao balcão.
— Oi, tia! — disse ele. Elmira ergueu o olhar.
— Ah, olá, Hayner. Um picolé de sal marinho para você? — disse ela, a voz lenta e
descontraída como de costume.
— Queríamos perguntar se alguém roubou algo seu — disse Hayner. Os outros se juntaram
à sua volta, todos olhando para tia Elmira.
— Ó, céus, sim. Algo importante — respondeu, e o gato preto empoleirado em seu colo
miou suavemente.
— Só pra senhora saber, não fomos nós — declarou Roxas de súbito.
Tia Elmira desviou o olhar para ele de imediato.
— Eu acredito em vocês — disse a ele em meio a um fraco sorriso, a voz suave e calorosa.
— Obrigada, senhora — disse Olette. — E então, o que levaram de você?
— Não consigo nem dizer a palavra, mas... foi a minha ——. Minha preciosa ——. — Ela
parecia bastante entristecida com isso.
22 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— Também levaram as nossas! — exclamou Pence.
— Então o culpado tá rondando por aí roubando ——. E não só as ——, mas a palavra ——
também — disse Hayner, olhando para Roxas.
Ele assentiu. Mas por que um ladrão roubaria ——?
— Será que o Seifer sabe alguma coisa sobre isso? — murmurou Olette.
— Vamos ter que perguntar pra ele — disse Roxas. Os outros assentiram. — Obrigado, tia
Elmira, de verdade!
Eles acenaram para ela e partiram rumo ao pátio.

— Ladrões!
A voz de Fuu ecoou pelo pátio no momento em que viu Roxas e seus amigos.
— Isso foi baixaria, tá ligado?! — acrescentou Rai.
— Ah, é?! — Hayner saiu correndo na direção deles.
Parados em meio ao pátio estavam Fuu, uma garota magra de olhar incisivo e que falava de
um jeito estranho, sempre com frases entrecortadas, e Rai, um garoto marombeiro que nutria nada
menos que o maior dos respeitos por Seifer. Junto a eles estava Vivi, um menino muito tímido que
raramente dizia uma palavra. O trio era a comitiva de Seifer.
— É melhor retirar o que disse! — disparou Hayner.
Estava a ponto de cair para cima de Rai quando Seifer entrou em cena a passos largos, vindo
do caminho que levava ao Alto da Estação.
— Bela volta por cima, loirinho.
Hayner deu um pulo e se virou.
— Como é que é?!
Mas Seifer passou diretamente por Hayner e encarou Roxas.
— Já podem devolver a —— agora.
— Não fui eu que roubei — disse Roxas, encarando-o de volta.
— Vocês são os únicos que pegariam ela, tá ligado? — retrucou Rai, logo atrás de seu herói.
— Era uma prova inegável de que a gente deu a maior surra em vocês — prosseguiu Seifer.
— E aí, o que vocês fizeram? Queimaram? Não que que a gente precise de uma —— pra provar
que vocês são um bando de perdedores.
— Revanche! — declarou Fuu.
Rai deu uma gargalhada.
— É! Vai ser incrível, tá ligado?!
— Se você se ajoelhar e implorar, talvez eu deixe isso pra lá — disse Seifer, todo cheio de
si, e sacou a espada de brinquedo que era sua arma padrão.
— Roxas... — disse Olette, inquieta.
Mas Roxas se aproximou um passo e então se ajoelhou, abaixando a cabeça.
— Ha, ha, ha! Implorando perdão? — zombou Rai.
Em vez disso, Roxas pegou outra espada de brinquedo que estava caída no chão e então se
lançou contra Seifer.
— Ei! Isso é sério?!
— Pode apostar que é!
Os dois meninos lutaram por um tempo, até que Roxas finalmente atirou a espada de Seifer
de suas mãos. Ficou encarando-o enquanto Seifer tentava recuperar o fôlego.
Hayner deu um pulo, vibrante.
— É isso aí, Roxas!
Como se tivessem puxado o tapete de baixo de seus pés, Seifer simplesmente saiu andando,
deixando sua espada no lugar onde tinha caído.
— O Seifer não tá se sentindo tão bem, tá ligado?! — disse Rai.
— Decidimos no torneio! — Acrescentou Fuu.

23 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
Os dois foram atrás de Seifer, e então Vivi os seguiu a passos curtos.
— Bom trabalho, Roxas! — Pence tirou a câmera do bolso, mirou e se preparou para bater
uma foto.
— Hã? Ah, beleza... — Notando que as lentes estavam apontadas para ele, Roxas fez uma
pose de vitória e abriu um sorriso.
O obturador estalou. E no mesmo instante...
Alguma coisa surgiu do meio do nada e surrupiou a câmera de Pence.
— Eita! — Sobressaltado, Pence caiu para trás.
— O que é isso?! — exclamou Hayner conforme a coisa se esgueirava e saltitava em direção
ao beco que levava à praça mais adiante.
— O ladrão! — gritou Olette.
Ainda com a espada de brinquedo em mãos, Roxas correu atrás dele.
— E-Ei, vai devagar, Roxas! — Ele ouviu o grito de Hayner, mas não ia parar.
Esse é o ladrão...! Roxas tinha certeza absoluta disso.
A criatura estranha saiu em disparada do pátio, depois cruzou a praça do bonde — era
ridiculamente rápida. Por fim, se enfiou em um buraco na parede aos fundos da praça.
— Ele tá indo praquela mansão assombrada...? — murmurou enquanto se agachava para
passar pelo buraco, adentrando o bosque escuro e silencioso.
No bosque, havia uma gigantesca casa antiga na qual ninguém morava — assombrada, pelo
que diziam. A coisa parecia seguir diretamente para o espaço aberto em meio às arvores, onde
Roxas podia ver, ainda que bem parcamente, a pequena trilha de terra que levava à construção.
A criatura parou em frente ao portão da mansão. Roxas empunhou sua espada de brinquedo
e se aproximou sorrateiramente.
Mas, de repente, a coisa ficou completamente imóvel — e, ao mesmo tempo, Roxas ouviu
uma voz que parecia falar diretamente com o interior de seu corpo:
“Nós viemos por ti, meu senhor.”
— Hã? — indagou Roxas.
A coisa disparou para cima dele.
— Ngh! — Ele golpeou a criatura que se contorcia e serpenteava à sua volta. Tinha certeza
que a tinha atingido, mas a espada parecia passar através dela. — Isso não é nada bom... Por que
não consigo atingi-lo?
No momento em que abaixou a espada, o mundo ao seu redor começou a se distorcer.
— De novo não...!
Era como o que havia acontecido consigo no ponto de encontro.
Mas não exatamente a mesma coisa. Dessa vez, podia ouvir uma espécie de som eletrônico
bem baixo. Foi quando uma forte luz se formou ao redor da espada de brinquedo em suas mãos.
Parecia haver uma espiral de números rodeando-a.
— Hã?
E diante de seus olhos, a espada se transformou — em uma chave gigante.
— O que... é essa coisa?
A chave parecia puxá-lo para frente, mexendo-se sozinha para atacar a criatura.
— Uou! — Dessa vez, quando a chave fez contato, Roxas sentiu o impacto.
Deu um segundo e depois um terceiro golpe, e então a estranha criatura desapareceu como
se houvesse sido uma mera ilusão desde o princípio. Da mesma forma, a chave gigante que estava
carregando voltou a se tornar um pedaço de plástico.
Ele não fazia ideia do que estava acontecendo.
Uma chave gigante... e uma criatura estranha. Aquela voz vinda do nada... e aqueles sonhos.
— Roxas! — Era a voz de Hayner.
Jogados no chão, bem no ponto onde estava a criatura, havia o que pareciam alguns pedaços
de papel. Roxas recolheu um deles. Era uma foto sua junto a Wallace, da loja de itens.
— Você tá bem?! — exclamou Pence, finalmente chegando ao local. Olette se juntou a eles
apenas um momento depois.
— Sim... Vejam. — Roxas ergueu a foto.
24 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— São as que foram roubadas? — disse Hayner, fitando-a.
— Acho que sim...
Pence e Olette juntaram as outras fotos.
— Bom, parece que é tudo o que tinha sumido — disse Pence, recolhendo sua câmera.
— De volta ao ponto de encontro? — sugeriu Olette.
— Sim... — Roxas assentiu.

Um conjunto de homens de casacos negros se sentava em um grande salão de mármore


branco brilhante. Seus capuzes ocultavam os rostos, o que tornava suas expressões indecifráveis.
Havia sete no total e seus assentos correspondiam a uma espécie de ordem numerada. Seis assentos
estavam vazios — os de número quatro, cinco, seis, onze, doze e treze.
— Parece que finalmente o encontramos — disse o homem no assento de número um, a voz
grave e profunda.
— Roxas? — perguntou o homem no assento de número dois. — Ou o herói...?
— Ambos.
O número oito desviou o olhar do assento elevado do número um e deu de ombros. Outro
sujeito balançou a cabeça devagar.
— Ambos de uma vez? É impossível...
— Então os anseios de um certo alguém devem estar sendo colocados em prática... —
murmurou outro deles.
— ...Isso me cheira a ele — ribombou o número um.
— Ele quem? — O número nove inclinou a cabeça.
O homem no assento de número três falou pela primeira vez:
— Não pode ser...
O número nove se inclinou para ver além de seu vizinho no assento de número dez.
— Espera, de quem vocês tão falando? — perguntou, intensamente curioso.
— Quieto.
— Tch. Tanto faz. Ei, Axel... — Recebendo essa reprimenda do número dez, o número nove
tentou se voltar para o número oito.
No assento de número oito, Axel cruzou os braços sem dizer nada.
— O quê, você também? — O número nove suspirou dramaticamente.
— Já deu, Demyx — disse o número dois.
— A hora de agir chegou — concluiu o número três.
Axel franziu as sobrancelhas bem de leve.
E se...? E se tivesse conseguido deter Roxas quando teve a chance?
Se tivesse contado a Roxas todas as coisas das quais guardava segredo, talvez não tivessem
chegado a esse ponto. Mas não fora capaz de trair a Organização.
Não — ele com certeza os traíra. Quem matou todos naquele castelo, quem levou Riku a
Naminé — tinha sido ele.
Entretanto, não fora uma traição total.
Ainda havia dúvidas borbulhando dentro dele. Por que eu estou aqui? O que eu quero?
Como posso me tornar inteiro de novo?
Mesmo agora, ele não tinha certeza.
O que eu devia ter feito? O que devo fazer?
Roxas...
— Temos que discutir a estratégia... Axel?
Sobressaltado com o chamado, Axel ergueu a cabeça.
— Você é quem mais sabe sobre os portadores da Keyblade — disse o número dois.
Axel assentiu.

25 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
De volta a seu recanto, os quatro amigos examinaram as fotos, uma a uma.
— O que tá rolando nessa foto? — indagou Hayner.
Um sorriso cruzou o rosto de Olette.
— Você conseguiu dizer “foto”!
Tudo o que fora roubado — inclusive a palavra — havia sido recuperado. Roxas olhou para
a foto nas mãos de Hayner.
— Sou eu e o Wallace. Eu fui o primeiro cliente depois que ele assumiu a loja, aí tiramos
uma foto juntos.
— Fotos são como memórias. — Olette inspecionou outra delas. — Você parece bem feliz
nessa, Roxas.
A foto em questão mostrava Roxas ao lado de Jessie, da loja de acessórios.
— Com uma garota! — Hayner se inclinou mais para perto, tentando espiar a foto, e então
assobiou.
— Então, tipo, mais alguém notou que todas as fotos roubadas são do Roxas? — observou
Pence, um pouco nervoso, enquanto examinava as outras fotos.
— Hã? Sério? — Olette espiou as fotos abertas como um leque nas mãos de Pence. Era
mesmo verdade: Roxas estava em cada uma delas. — Então era por isso que todos achavam que
tínhamos sido nós.
— Quer dizer que o Seifer não tava acusando a gente no fim das contas...? — disse Hayner.
— E quanto ao verdadeiro ladrão? Quem era?
Roxas balançou a cabeça.
— Não sei. As fotos simplesmente tavam jogadas lá.
Não sabia explicar o que exatamente era aquela criatura estranha. Só o que sabia... era que
muitas coisas estranhas estavam acontecendo consigo.
— Então como vamos provar que não foi a gente que roubou?! — disse Hayner, perplexo.
— Bom, se todas as fotos eram dele... e se o ladrão na verdade quisesse roubar o verdadeiro
Roxas ou sei lá? — debochou Pence.
— Qual é, fala sério! Por que alguém ia querer roubar um cabeça de vento que nem ele?
— Com licença! — Roxas ergueu o punho para Hayner, jocoso.
— Ei! Para! — Hayner cobriu a cabeça, dando risada.
— Ah, pessoal! Olha só! Tem uma foto de todos nós juntos aqui. — Olette ergueu uma foto
que mostrava os quatro reunidos em frente à mansão assombrada.
— É, e eu tô bonitão, né não? — disse Hayner.
— Não sei onde. — Pence deu risada.
Ao lado deles, Roxas fitou a foto. É verdade, pensou. Essa foto de todos nós juntos... é
importante. Mas ele não conseguia se lembrar de quando a haviam tirado.
Do outro lado da cidade, ouviram os sinos começarem a tocar.
— Hora de ir, hein? — disse Olette. Os meninos assentiram.
— Eu vou devolver as fotos pra todo mundo no caminho de volta. Nos vemos amanhã! —
Juntando todas as fotos, Hayner partiu.
— Beleza!
— Até.
Olette e Pence o seguiram rumo à saída.
Roxas foi o último a sair. O pôr do sol de Twilight Town brilhou diante de seus olhos.
Tão brilhante...
Roxas fechou os olhos.
E no mesmo instante, o mundo escureceu.

26 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— Onde... eu estou?
Estava ouvindo uma voz dentro de sua cabeça.
— Quem tá aí? — perguntou Roxas.
— Quem é você?
Era uma voz que já tinha ouvido antes. Era...

---------- Restauração a 12% ----------

DiZ sentiu uma presença atrás de si, mas não tirou os olhos do monitor.
— Aqueles canalhas da Organização... eles nos encontraram.
O homem de casaco negro olhou por cima do ombro de DiZ, fitando o rosto do garoto que
estava estampado na tela.
— Mas... por que os Nobodies roubariam fotografias?
— Ambos não passam de dados para eles. Os tolos jamais saberiam dizer a diferença.
Estamos ficando sem tempo. Diga à Naminé que ela deve se apressar.
Ele assentiu em resposta, apenas uma vez, e partiu para falar com Naminé, deixando a sala
estéril e inorgânica e subindo as escadas de volta para a mansão. Era muito difícil que alguém
sequer se aproximasse daquele lugar e o ar fedia a bolor. Mas ao final do corredor no segundo andar
ficava o quarto dela.
Quando ele abriu a porta, Naminé também sentiu sua presença e logo fechou o caderno de
desenho para ocultar a figura na qual estava trabalhando. A sala era completamente diferente do
resto da casa — era completamente branca, assim como aquele castelo.
— O que estava desenhando? — perguntou ele, seguindo em direção à janela.
— ...O castelo.
— Ah. Bem... o tempo está se esgotando.
Naminé ergueu o olhar e o fitou, mas ele não se virou para ela.
— Eu prometi... — murmurou a menina.
— Hã?
— Nada...
Você, que escolheu não dormir. E o Sora, que está dormindo...
Eu prometi para ambos, mas... talvez não tenha conseguido cumprir as minhas promessas.
Naminé segurou o caderno de desenho junto ao peito e se levantou.

----------
GLOSSÁRIO:
[1]
Darkness in Zero: “Escuridão Nula”. | Pronúncia: Dárknés in Zírôu (/ˈdɑː(r)knəs/ /ɪn/ /ˈzɪərəʊ/)

27 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
28 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
LUZ, UMA FECHADURA E UMA CHAVE GIGANTE...
Sora, o garoto de seus sonhos, portava aquela chave.
Ela pertencia a Sora... e, se não estava enganado, se chamava...
— Key... blade?
Roxas acordou do sonho e se sentou de imediato, olhando para a mão. Lembrava-se da
sensação de empunhar aquela chave gigante. No dia anterior, havia enfrentado a estranha criatura
com ela — com a Keyblade.
Haveria alguma conexão entre os sonhos e a vida real? A chave e a arma de Sora em seus
sonhos eram a mesma.
Eu não compreendo...
Coçando a cabeça, Roxas pulou da cama, se vestiu e só então saiu de casa. Rumo ao ponto
de encontro, é claro.
O que havia visto no dia anterior... era como todos os sonhos que vinha tendo ultimamente.
As fotos roubadas, aquela criatura estranha, e então a Keyblade.
Roxas se abaixou para pegar um graveto que estava caído no meio da calçada e o balançou
como uma espada.
— O que foi aquilo...? — murmurou.
É claro, o graveto não ia simplesmente se transformar na Keyblade do nada. Mas então por
que sua espada de brinquedo tinha se transformado no dia anterior?
Suspirou e jogou o graveto longe. Ele deu meia-volta e então bateu numa parede — ou devia
ter batido. Mas em vez disso, atingiu um homem de casaco negro.
— Opa!
Um grande capuz encobria o rosto do sujeito com sombras e Roxas não conseguia dizer se
tinha ficado muito bravo com aquilo.
— Desculpa por isso — disse Roxas, acenando apologeticamente, mas o homem lhe virou
as costas e partiu sem dizer nada.
Roxas nunca tinha visto ninguém como aquele sujeito na cidade. Mas... será que ele o
conhecia de algum lugar? Assim que o estranho pensamento lhe cruzou a mente, ele balançou a
cabeça, como se para esquecê-lo. Por que olharia para alguém que nunca tinha visto antes e acharia
que são conhecidos?
— Hm. Esquisito... — Roxas deu de ombros e saiu correndo para encontrar seus amigos.

Todos os outros já estavam sentados em seus lugares de costume no ponto de encontro,


tomando seus picolés de sal marinho.
— Bom dia — disse Roxas, o último a chegar. Sem dizer nada em resposta, Hayner lhe deu
um picolé. — Valeu.
Roxas se sentou num caixote de madeira para poder degustá-lo. Aquele picolé, com seu
sabor agridoce incomum, era uma iguaria de Twilight Town e nenhum dos quatro conseguia resistir.
— Vocês acham que a gente sempre vai poder ficar junto assim? — disse Pence de repente.
— Espero mesmo que sim — disse Olette, como se estivesse pensando sobre a mesma coisa.
— Hã? — Hayner parecia perplexo. — Da onde você tirou isso?
— Ah, hã, você sabe... Tava só pensando alto. — Pence deu uma mordida em seu picolé.
— Bom, eu duvido que a gente vá poder ficar junto pra sempre — disse Hayner. — Mas
amadurecer não é assim mesmo? O que importa não é o quanto a gente se vê, mas o quanto a gente
pensa uns nos outros. Certo?
Diante dessas palavras, Roxas ergueu o olhar. Pence e Olette também ficaram olhando para
Hayner. Um silêncio absoluto os rodeou por alguns instantes.
E então Pence começou a rir.
— Tirou essa de um biscoitinho da sorte?
Olette também deu uma risada.

29 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— Ei! Beleza então, chega de picolé pra você! — Hayner deu um pulo, levantando-se, e, de
cara amarrada, passou os olhos por cada um dos demais. Quando viu que Roxas não havia dado
sequer uma risadinha, franziu o cenho ainda mais.
— Qual é, que cara de morte é essa, galera?
— Talvez seja por causa daquele ladrão de ontem... — Olette fitou o chão com um olhar
entristecido.
— Nã-hã... Sabem o que é? É que a gente não quer que as férias de verão acabem! Só isso!
— Hayner fez um gesto furioso.
Era verdade, faltava apenas uma semana para as férias de verão acabarem.
— Então que tal isso? Vamos todos pra praia!
— Pra praia? — repetiu Roxas.
A praia — isso lhe fazia pensar nos sonhos.
— A gente não foi pra praia o verão inteiro! — prosseguiu Hayner. — O mar azul! O céu
azul! Vamos pegar o trem e partiu!
Como sempre, Hayner agia como se estivesse dando um discurso. Convencidos, Roxas e os
demais se levantaram, mas abaixaram as cabeças quando se deram conta de uma coisa.
— Não? Ah, qual é! — Notando a expressão em seus rostos, Hayner também pareceu ficar
chateado.
— Bem... estamos praticamente quebrados, então... — explicou Olette, a voz baixa.
As férias de verão estavam quase acabando e eles já tinham gastado praticamente todo o
dinheiro que tinham no bolso. Esse fato era verdade para todos eles, inclusive para Hayner.
— Deixa comigo — declarou ele, sem se deixar abalar. — Hora de ir pra Rua do Mercado!
E com essas palavras, Hayner saiu correndo do ponto de encontro.
— É o que ele diz, mas... — disse Pence, preocupado, voltando o olhar para Roxas.
— Vem, só vamos atrás dele — disse Roxas.
Pence e Olette assentiram e então saíram correndo atrás dele.
Os três seguiram pelos becos como se estivessem brincando de pique, até que viram Hayner
parado na ladeira que levava para a Rua do Mercado mais acima.
Estava olhando para um pôster de anúncio do Struggle[1].
— Faltam só dois dias — disse.
O Struggle era uma espécie de torneio de Twilight Town, no qual os competidores
batalhavam entre si com uma espada especial feita para o evento. As rodadas preliminares já tinham
acabado. Hayner e Roxas haviam chegado às semifinais. Seifer também.
— Você e eu temos que chegar na final! — Hayner disse a Roxas. — Desse jeito, não
importa quem vença, nós quatro podemos dividir o prêmio.
— Beleza, combinado — disse Roxas. Todos assentiram.
— Prometa!
— É uma promessa!
Hayner abriu um sorriso e, após apertarem as mãos, se virou para olhar para os outros.
— Muito bem, vamos aos negócios. Uma passagem pra praia custa novecentos munny[2] —
começou a falar, a voz como a de um professor de matemática. — Quanto seria pra nós quatro?
— Três mil e seiscentos munny — respondeu Olette imediatamente.
— E mais trezentos pra cada um, para gastarmos lá. Quanto daria isso?
Dessa vez, Pence respondeu:
— Mil e duzentos munny. Somando isso ao custo do trem, daria ao todo... quatro mil e
oitocentos munny.
— Pra gastar com o quê? — indagou Roxas.
— Biscoitos de polvilho, claro — gralhou Hayner. — O que mais você compraria na praia?
— Bom, tem sempre as melancias.
Hayner fez um bico torto diante da objeção de Roxas.
— Caras demais. Custam, tipo, dois mil munny cada.
— ...Ah.
Agora que Roxas não tinha mais protestos, Hayner abriu um sorriso.
30 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— Então precisamos de quatro mil e oitocentos munny no total. Quanto temos agora?
— Eu tenho oitocentos — disse Pence.
— Seiscentos e cinquenta — acrescentou Olette, a voz apologética.
— Só cento e cinquenta — disse Roxas. — Desculpa.
— Já dá mil e seiscentos munny! Só precisamos de mais três mil e duzentos! — anunciou
Hayner. — Vamos fazer uns bicos e tirar uma grana. Temos até a hora do trem partir pra ganhar
oitocentos munny cada!
Depois de dar a tarefa para eles, Hayner partiu em direção à praça do bonde.
— Hm... — Olette inclinou a cabeça.
— Ele não tinha dito pra deixar com ele? — Pence deu de ombros, um sorriso impotente
estampado no rosto.
— Bom, tanto faz. Vamos trabalhar para podermos ir! — disse Roxas.
Seguiram todos para a praça, onde havia um quadro de avisos que costumava estar sempre
cheio de anúncios procurando ajuda.

DiZ digitou algo no teclado diante do grande monitor na sala escura.


Ele se aproximou e começou a falar por trás dos ombros de DiZ:
— Me chamou?
— Suas ações imprudentes nos colocarão em problemas — disse DiZ sem se virar. — Você
foi até lá, não foi?
— ...Sim.
Então DiZ já sabia que ele tinha ido até lá sozinho para ver o garoto.
Roxas — o garoto necessário para o despertar de Sora. Àquela altura, para ele, Roxas não
era nada além disso.
— Ele deve parecer uma pessoa completamente diferente, não? E tudo o que foi preciso foi
uma pequena interferência em suas memórias...
— Tem uma tarefa para mim? — disse ele, interrompendo o que DiZ estava dizendo.
— Sim... encontramos um pequeno problema. — Por fim, DiZ se virou para encará-lo. —
Preciso que vá até lá novamente. E certifique-se de que seus caminhos se cruzem...

Roxas fez alguns bicos e, não muito depois, já tinha conseguido bons mil munny. Seguiu
então rumo à estação.
— Ei, Roxas! — Hayner, Pence e Olette também tinham terminado seus bicos e já estavam
esperando na frente da estação.
— O que conseguiu, Roxas? — perguntou Olette.
— Só isso. — Ele lhe entregou o dinheiro que havia conseguido e ergueu as sobrancelhas,
bastante satisfeito consigo mesmo.
— Uau! Bom trabalho, pessoal! Então, somando essa quantia ao que tínhamos no início,
agora temos... — Ela sacou uma bela bolsinha laranja bordada. — Tá-dáá! Cinco mil munny!
Deixou a bolsa nas mãos de Roxas. Estava pesada, cheia de trocados.
— Beleza! Vamos pegar as passagens! — Pence saiu correndo para a estação na frente,
junto à Olette.
Geralmente seria Hayner quem tomaria a dianteira — mas ele sequer se mexeu.
— ...Não podemos ficar juntos pra sempre — murmurou Hayner. — Então temos que fazer
do nosso tempo juntos algo memorável.
Roxas ficou surpreso.
— Hein?
— Te peguei!
31 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
Como se estivesse envergonhado pelo que acabara de dizer, Hayner deu um tapa amigável
na barriga de Roxas e saiu correndo atrás de Olette e Pence.
— ...Hayner! — Frustrado, Roxas começou a perseguir o amigo, mas suas pernas perderam
a força debaixo de si. — Hã?
Aquilo de novo.
Enfrentando a mesma sensação estranha que tivera no dia anterior, Roxas retesou as pernas
para que não caísse no chão — quando de repente alguém o agarrou pelo braço e o puxou.
Roxas ganiu de surpresa e ergueu o olhar. Era o mesmo sujeito de casaco negro que havia
visto naquela manhã e o estava ajudando a ficar de pé.
— Ah... desculpa. Obrigado... — disse Roxas, de alguma forma conseguindo recobrar o
equilíbrio e não cair novamente.
O homem se inclinou em sua direção e sussurrou próximo a seu ouvido:
— Consegue sentir o Sora?
— O quê...? — Quando Roxas começou a pergunta, os sinos de Twilight Town tocaram.
— Roxaaas! — Hayner enfiou a cabeça para fora das portas da estação e gritou seu nome.
— Tô indo! — respondeu, voltando-se novamente para o sujeito. Mas não havia ninguém lá.
Ele tava parado bem aqui...!
— Vamos, Roxas! — gritou Hayner, e Roxas cruzou a praça.
O que aquele cara tava dizendo? O que tem o Sora?
— Rápido!
Roxas correu estação adentro e viu Hayner inclinado diante do guichê de passagens. Olette
já estava esperando na plataforma.
— Quatro estudantes! — disparou Hayner para o vendedor.
— Roxas, o dinheiro! — disse Pence, pulando de um pé para o outro ao lado de Hayner.
— Beleza! — Roxas correu para se juntar a eles e pôs a mão no bolso. Mas a bolsa que
Olette tinha dado a ele não estava lá. — O quê...? Sumiu!
— Hã?! — Hayner se virou do guichê.
— Ele pegou! — Roxas saiu correndo para a saída da estação.
— Aonde está indo? — Notando que havia algo de errado, Olette desceu as escadas da
plataforma atrás dele.
— Vocês me viram cair ainda agora, né? Foi aí que eu fui roubado — disse Roxas, a voz
corrida. — Aposto que foi aquele cara que pegou!
Confuso, Hayner inclinou a cabeça.
— Que cara?
— Ele não pode ter ido muito longe... — Roxas estava para sair e procurar pelo sujeito fora
da estação, mas Hayner o segurou pelo ombro.
— Do que você tá falando? Não tinha cara nenhum — disse a Roxas, sem rodeios.
— Hã? Mas ele... — Roxas parou de falar diante do tocar dos sinos da estação, anunciando a
partida do trem.
— O trem está partindo — disse Olette, a voz cheia de pesar.
— Ah... Mas é sério! Tinha um cara lá! Ele pegou...
— Não importa, Roxas... — Hayner suspirou profundamente.

Por que eu disse aquilo para ele...?


Ele escondeu o rosto ainda mais fundo debaixo do capuz enquanto seguia de volta para a
mansão, a mente perdida em pensamentos.
“Consegue sentir o Sora?”
Não havia por que dar a Roxas tanta informação assim. Na verdade, falar isso para ele era
uma má ideia. No entanto, naquele momento, assim que ele tocou Roxas, não conseguiu evitar, teve
que fazer a pergunta. Queria saber se Roxas realmente conseguia sentir Sora.

32 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
Agora que ele tinha se acalmado um pouco, a sensação lhe parecia estranha.
Quando Sora acordaria? Ele estava começando a ficar frustrado consigo mesmo, incapaz de
fazer nada além de assistir enquanto Sora dormia naquela cápsula.
E ele sentia que devia ter mais memórias do tempo que passara com Sora. Talvez fosse por
isso que queria saber — será que Roxas conseguia sentir Sora?
A bolsa cheia de munny estava no bolso de seu casaco. Não podiam deixar que as crianças
fossem à praia. Não deviam sequer sair da cidade. Foi por isso que ele lhes roubou o munny.
Tinham razões para intervirem. Embora, a princípio, situações que requeressem sua intervenção
direta não deviam acontecer.
Será que Sora realmente acordaria?
Ao longo de todo aquele ano, ele vinha se sentindo tão impotente quanto se sentira naquela
época — na época em que tudo o que podia fazer era observar o corpo adormecido e indefeso de
Kairi. Ele nunca mais queria se sentir daquela forma de novo, e por isso acabou travando uma
batalha imprudente... e escolheu se tornar aquilo. Escolheu assumir aquela forma.
Estou fazendo a coisa certa...?
Ele não sabia. Mas, ao menos por ora, precisava acreditar que estava.
Ele cruzou o portão da mansão e abriu a porta da frente.
— Bem-vindo de volta.
Era Naminé, esperando por ele logo na entrada.
— O que está fazendo aqui? — perguntou ele, colocando o capuz de volta sobre a cabeça.
Naminé abriu um sorriso entristecido.
— É porque... eu fiquei sabendo que você queria ver o Roxas.
— ...Sim.
Foi tudo o que ele disse antes de subir apressado pelas escadas.
— Está tudo bem — disse ela, a voz suave, enquanto ele ia se afastando. — Eu consigo
sentir o Sora.
Ele não respondeu.

O sol poente era deslumbrante.


Do alto da torre do relógio sobre a estação, Roxas e seus amigos podiam ver a cidade inteira.
Estavam assistindo ao pôr do sol, cada um com um picolé de sal marinho nas mãos.
— Está derretendo — disse Olette, olhando inquieta para o picolé nas mãos de Roxas, que
começava a gotejar.
— Ah... Desculpa...
Roxas não conseguia entender como tinha acabado perdendo todo aquele munny.
Tinha tanta certeza de que vira aquele sujeito — mas ninguém mais tinha visto.
— Ei, se anima de uma vez! — disparou Hayner.
— Mas não faz mesmo o menor sentido. — Pence suspirou.
Exatamente — não faz sentido.
— Foi estranho — murmurou Olette.
— Pode crer — concordou Hayner.
Embora Roxas os tivesse dito que o homem que não conseguiram ver tinha roubado o
munny, nenhum de seus amigos o acusou de estar mentindo. Mas aquilo só o fazia se sentir pior.
Àquela altura, já deviam estar todos na praia, comendo biscoitos de polvilho.
— Consegue sentir o Sora...? — resmungou em voz alta sem nem perceber.
— Hã? — Hayner piscou para ele, confuso, mas então se levantou, logo depois de terminar
seu picolé. — Bom, podemos tentar de novo amanhã.
— É. As férias de verão ainda não acabaram! — disse Pence, tentando encorajá-lo.
— Mas por hoje, acho que provavelmente é melhor voltarmos para casa. — Olette também
se levantou.

33 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— Sim... — disse Roxas, mas não conseguiu forçar um sorriso.
— Até!
Hayner e Pence começaram a descer da torre.
Olette se virou enquanto seguia atrás deles.
— Não se preocupe muito com isso, tá certo?
Roxas assentiu e então se levantou.
Além do horizonte, o sol estava afundando. Devia ser só mais um pôr do sol, como qualquer
outro, mas algo lhe parecia diferente.
Por que será? Alguma coisa está a ponto de mudar...?
— Vamos, Roxas! — gritou Pence lá de baixo.
— Tá, já vou! — Roxas virou as costas para o do pôr do sol e desceu correndo pelas escadas
da torre. Podia sentir o calor dos últimos raios do sol em suas costas.

---------- Restauração a 28% ----------

— Naminé... rápido — murmurou DiZ, fitando o monitor.


O número na tela tinha subido apenas um pouco, sem muito sinal de uma mudança notável.
Ainda assim, se comparado ao ano anterior, era justo dizer que fora um avanço significativo.
DiZ percebeu que a porta atrás de si estava aberta, então girou a cadeira para trás.
— Então você voltou.
— É tão difícil assim fazer uma praia? — perguntou ele, apertando a bolsa laranja que
levava em seu punho.
— Só estaríamos dando ao inimigo outro ponto de entrada.
Dando de ombros, ele começou a mexer com a bolsa, jogando-a no ar e pegando-a de volta
com as mãos.
— ...O que devemos fazer com isso?
— Dá sempre para comprar uns picolés de sal marinho. — DiZ deu uma risada baixa e se
voltou para o computador outra vez. — Objetos daquela cidade devem ser mantidos fora do mundo
real. Pode deletar isso.
Continuando a brincar com a bolsa, ele pareceu ignorar DiZ.

----------
GLOSSÁRIO:
[1]
Struggle: “Confronto”. | Pronúncia: Is-trâ-gôul (/ˈstrʌɡ(ə)l/)
[2]
Munny: Um trocadilho com a palavra “Money”, que significa “Dinheiro”. | Pronúncia: Mâ-ní (/ˈmʌni/)

34 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
35 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
EM MEIO À ESCURIDÃO COMPLETAMENTE NEGRA, HAVIA UMA MENINA COM A
pele alva e cabelos de linho.
— Quem é você? — perguntou Roxas.
Mas ela apenas abriu um sorriso, sem proferir uma única palavra.
E a consciência de Roxas foi aos poucos retornando da escuridão absoluta para a luz. Seu
despertar no terceiro dia foi tranquilo e sereno.
— Quem era aquela garota...? — murmurou, sentando-se sem muita pressa. De repente, teve
a sensação de que havia alguém no canto do quarto, e então se virou. — Hã?!
Lá estava ela, a garota do sonho. Não podia ser real.
Roxas esfregou os olhos, e, quando os abriu novamente, ela tinha sumido.
— Um sonho...?
Sentia que tivera outro sonho comprido na noite anterior. E então, no final... aquela garota
tinha aparecido.
De alguma forma, ela lhe parecia familiar... e doce.

Havia um bilhete que fora deixado para ele na área sob os trilhos:

“Me encontrem na estação.


É hoje o dia que a gente vai pra praia!
E não esquentem com o munny!”

Era de Hayner. Roxas guardou o bilhete no bolso e saiu para seguir rumo à estação.
Enquanto descia para a Rua do Mercado, viu Olette e Pence.
— Ei! — gritou. Os dois começaram a correr em sua direção... mas então sua visão voltou a
ficar turva. — Hã?
Olette e Pence haviam simplesmente parado enquanto andavam, como uma gravação que
fora pausada.
— Olá, Roxas.
Enquanto Roxas permanecia parado onde estava, completamente atônito, a garota que
aparecera em seus sonhos naquela manhã apareceu diante de seus olhos. Podia vê-la com mais
clareza agora. Seus cabelos loiros claros — a cor não muito diferente da do seu próprio — iam um
pouco além da altura de seus ombros, e ela tinha olhos azuis que contrastavam com seu vestido
completamente branco. Sua pele era tão pálida que parecia quase translúcida.
— Quem...? — Ele começou a dizer.
Ela ergueu o dedo junto aos lábios e inclinou a cabeça.
— Queria vê-lo ao menos uma vez.
— Eu?
— Sim, você.
Ela o fitava com tamanha intensidade que quase o deixava arrepiado.
Roxas desviou o olhar. E assim que o fez, o mundo se distorceu outra vez.
— Hã...?
Pence correu até ele.
— A Olette me arrastou com ela pra fazer compras.
— Quer vir com a gente? — Olette abriu um sorriso.
— Hã... eu tinha acabado de ver... — Roxas desviou o olhar para o ponto onde a garota
estava parada. Não havia ninguém lá.
— Roxas, você tá bem? — disse Pence, preocupado.
— Não... digo, sim... Não é nada...
Olette o fitou com um olhar confuso.
— Bem, tá certo. Nos vemos depois...

36 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
Ela e Pence seguiram para a Rua do Mercado.
— Aquela garota... — murmurou Roxas.
Ela disse que queria me conhecer. Também quero vê-la de novo, pensou. Tinha a sensação
de que ela poderia explicar todas as coisas bizarras que vinham acontecendo com ele.
Os sonhos estranhos... a criatura esquisita... e aquela garota.
Roxas saiu em disparada.

Naminé observava Roxas do alto de um edifício.


Nós dois passamos a existir juntos, como irmãos gêmeos. Nossos corações estão conectados
ao mesmo lugar.
Não...
Todos os corações em todos os mundos buscam um único coração — Kingdom Hearts.
Mas, Roxas, a parte mais importante é que... nós nascemos do mesmo lugar, da mesma
forma, e as mesmas pessoas estão tentando nos usar.
A Organização e DiZ — ambos querem nos usar. Porque a forma como fomos criados é
muito especial.
E nós dois estamos procurando pela mesma coisa.
Embora talvez você já tenha se esquecido a essa altura...
— E aê, Naminé.
Ela ergueu o olhar diante da interrupção repentina.
— Você...
Parado diante dela estava alguém que Naminé acreditava que havia morrido no Castelo do
Esquecimento — um jovem rapaz de casaco negro e cabelos vermelhos.
— Parece que você e eu continuamos nos esbarrando por aí.
— ...Axel. — Sem a menor hesitação na voz, Naminé desviou o olhar para encontrar com o
dele. Podia jurar que Sora o havia eliminado no Castelo do Esquecimento...
— Não sou um fantasma, se é o que está pensando — disse Axel, um sorriso presunçoso se
formando em seu rosto. Então, ao lado dela, olhou para Roxas lá embaixo.
— O que está fazendo aqui? — perguntou a menina.
— Só seguindo ordens. — Sua expressão era neutra enquanto dizia isso.
— ...Entendo. — Naminé franziu o cenho e desviou o olhar.
— E quanto a você?
— Eu? — Deu uma mordida no lábio.
E quanto a mim...? O que eu quero fazer? O que devo fazer?
Eu não sei.
— Você é a única que pode salvá-lo.
— O quê...? — Ela ergueu a cabeça.
— Deu pra memorizar?
— Axel...
Ele não disse mais nada, apenas abriu um pequeno sorriso e desapareceu.

Procurando pela garota, Roxas correu até o pátio.


Seifer e sua comitiva estavam matando tempo ali, como de costume, conversando sobre
alguma coisa qualquer. Seifer foi o primeiro a vê-lo.
— Ei... Roxas.
Mas antes que Roxas pudesse responder, algo começou a rodeá-lo — sombras negras que
surgiram do chão à sua volta.

37 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— Quem ousa? — gritou Fuu. As sombras se ergueram do chão, assumindo a forma de
estranhas criaturas prateadas.
— Mais deles?! — Roxas se preparou para lutar.
Havia três delas ao seu redor, o mesmo tipo de criatura que o ladrão das fotos.
Seifer também estava pronto.
— Não sei quem eles são, mas já passaram dos limites! Aqui! — Ele jogou para Roxas uma
espada de brinquedo normalmente utilizada por participantes do Struggle.
— Beleza! — Roxas a pegou e atacou uma das coisas prateadas... mas assim como antes,
seus golpes não pareciam surtir efeito. — Como...? O que eu faço...?
Ele segurou a espada de brinquedo com mais força.
— Roxas! Use a Keyblade! — exclamou a voz de uma garota.
Era ela.
E então o tempo à sua volta parou novamente.
— Hã? — Olhou ao redor, tentando encontrar a fonte da voz, até que finalmente a encontrou
no alto de um prédio.
Foi quando as criaturas o atacaram.
— Roxas! — gritou Naminé e, dessa vez, quando ele estava prestes a revidar... tudo foi
tomado pela escuridão.
— O quê...? Uou!
A escuridão o engoliu e ele começou a cair.
Mas, lá de cima, podia ver uma luz bem fraca. Foi flutuando em sua direção.
Uma pequena mão branca se ergueu em sua direção. No momento em que a segurou, uma
luz etérea cintilou, encobrindo tudo à sua volta.
— Quem...? — disse Roxas.
A garota estava flutuando com ele, segurando suas mãos em meio ao espaço vazio.
— Meu nome é Naminé. — Ela abriu um sorriso suave. — Roxas... você se lembra do seu
verdadeiro nome?
Ele balançou a cabeça. Verdadeiro nome... o que ela quer dizer com isso?
— Basta, Naminé. — Um homem de casaco negro apareceu de súbito atrás dela, agarrando-
a pelo braço.
A voz do sujeito parecia familiar para Roxas.
— Mas se ninguém contar a ele, o Roxas vai... — Naminé ergueu o olhar para o rosto
encapuzado do homem e então parou de falar.
Se ninguém me contar... eu vou o quê?
— É melhor que ele não saiba a verdade.
Aquela voz, era a mesma...
“Consegue sentir o Sora?”
...a mesma voz que lhe fizera aquela pergunta.
— Ei! Você é aquele trombadinha! — gritou Roxas.
O homem lhe virou as costas, sem muita pressa. Roxas não conseguiu ver seu rosto, mas...
parecia estar dando uma risadinha.
— Q-Qual é a sua?!
O homem soltou Naminé e ergueu a mão, em silêncio. No espaço turvo atrás de Roxas, um
buraco feito de uma escuridão ainda mais profunda se abriu.
— Hã?
O homem empurrou Roxas pelo peito com força, fazendo-o cair de costas no buraco.
Ele gritou... e então acordou em meio à poeira, estirado no chão do pátio que parecia o
mesmo de sempre.
— Seifer, faz uma pose aí, tá ligado?! — exclamou Rai, vibrante.
— Que tal assim?
— Demais!
As vozes de Rai e Seifer foram seguidas por um flash e pelo estalido do obturador de uma
câmera. Aparentemente, estavam tirando fotos com Roxas desmaiado no chão.
38 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— Bora mais uma, tá ligado?!
Roxas se levantou num pulo e correu em direção a Rai.
— Ei, o que estão fazendo?!
— Recordações — disse Fuu.
— Aquelas aberrações de macacão branco meteram o pé, tá ligado?! — disse Rai.
...Elas foram embora?
— O que... eram aquelas coisas? — Roxas perguntou a Seifer, que o estava fitando.
— Forasteiros, nada além disso. — Seifer assentiu, cheio de determinação. — E se não
começarem a seguir as regras por aqui, vou ter que tomar medidas disciplinares.
— É, o Seifer tá sempre cuidando da cidade, tá ligado? — gralhou Rai, enquanto Fuu se
virava para a entrada do pátio.
Hayner, Pence e Olette estavam lá, observando os acontecimentos.
— Hmph... — Hayner fechou a cara e virou as costas. Pence e Olette trocaram olhares e
então o seguiram.
— Espera! — Roxas saiu correndo para alcançá-los.
— Ei, não vá amarelar no torneio amanhã! — gritou Seifer enquanto se afastava.
Roxas fingiu não ter ouvido.

Quando Roxas chegou de volta ao ponto de encontro, o clima ficou pesado.


— ...Você saiu com a galera do Seifer hoje? — disse Pence, parecendo um pouco chateado.
— Não, não foi bem assim... — No momento seguinte, Roxas redirecionou o tópico da
conversa com uma pergunta nervosa: — Ah, é, como foi a praia? Não era hoje?
— Bom... — respondeu Olette, desviando o olhar para Hayner. — Não seria a mesma coisa
se não fôssemos nós quatro.
— Desculpa... — Roxas abaixou a cabeça, cheio de pesar. Hayner sequer olhava para ele,
então Roxas tomou a iniciativa e se aproximou dele. — Ei, e se formos amanhã? Podíamos comprar
uns biscoitos de polvilho e...
Hayner jogou a cabeça para o lado, sem rodeios.
— Eu prometi que estaria em outro lugar.
— Ah... ah!
Foi quando Roxas finalmente se lembrou — amanhã seria o torneio do Struggle.
— Tô dando o fora. — Hayner se levantou e foi embora.
Um silêncio pesado se assomou com sua saída, e Olette deu um pequeno suspiro.
— Roxas... — disse Pence.
— Desculpa. — Roxas abaixou a cabeça outra vez.

---------- Restauração a 48% ----------

Ele estava ao lado de DiZ na sala escura. O computador fazia um leve zunido que vinha
acompanhado de múltiplos estalidos.
— Aquela Naminé era feita de dados? — perguntou ele.
— Não — respondeu DiZ. — Naminé hackeou os dados por conta própria. Veja só o que fez
agora... Completamente fora do meu controle!
Frustrado, ele bateu com o punho no teclado. O computador apenas apitou suavemente.
— Acalme-se. — Ele disse a DiZ, um pouco exasperado. Essa é a primeira vez que o vejo
demonstrar alguma emoção, pensou.
39 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— Não importa — disse DiZ. — Contanto que Naminé cumpra com o seu propósito, não
precisamos nos preocupar com o que será de Roxas.
Diante dessas palavras, ele girou sobre os calcanhares e começou a partir.
— Aonde está indo?
Ele deixou a sala sem responder.

Naminé observava Sora, ainda adormecido dentro da cápsula.


Temos que fazer isso para que você possa acordar... e para que os mundos também possam,
pensava. Ainda que tenhamos que sacrificar outra pessoa... o Sora precisa acordar.
Não tem mesmo problema? Isso... é certo?
Nós não devíamos existir. Nunca devíamos ter nascido.
Eu sei disso... mas ainda tenho um desejo. Eu quero existir aqui. E quero permanecer nas
memórias de alguém.
Ei, Sora... o que você faria?
Nos diria as mesmas coisas que disse à cópia, à marionete — à Réplica?
Que nós somos apenas nós, e ninguém mais?
Que temos os nossos próprios corações dentro de nós?
E ainda assim... nós não temos corações. Buscamos corações porque não temos um próprio.
É assim tão errado buscar algo que perdemos?
Nós não temos corações... Mas o que é um coração, afinal?
Consigo sentir... estou sentindo você. Consigo pensar... estou pensando em você.
Nós conseguimos desejar coisas... e desejamos corações.
Mas isso não significa que nós já temos corações? Ou um coração... é algo diferente?
E quanto ao Axel? Ou o Ansem? E os outros membros da Organização que morreram no
Castelo do Esquecimento?
O que é um coração?
Eu não sei. Sora... você sabe?
O mistério do grande coração... Kingdom Hearts. Não faz sentido para mim.
Ei, Sora... pode me contar?

40 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
41 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
“PROMETE?”
“Prometo.”

A conversa surgira em sua cabeça em um sonho... mas quem estava prometendo o que para
quem? Espreguiçando-se na cama, Roxas tentou pensar em meio à névoa de seus sonhos.
— Uma promessa... — murmurou, sentando-se devagar.
De sua janela, podia ver aquele cenário já tão habitual — a cidade era a mesma de sempre.
Mas aquele dia era especial. O Struggle era um dia festivo em Twilight Town.
Foi quando Roxas se lembrou de como Hayner estava chateado no dia anterior. Sua
animação caiu por terra.
— Ah, que confusão...
Não é que ele tivesse se esquecido da promessa. Só não tinha lembrado naquele momento.
Quatro competidores haviam chegado às semifinais — Roxas, Hayner, Vivi e Seifer. Os
quatro lutariam entre si e o que restasse poderia enfrentar o atual campeão, Setzer.
— Bom... acho que é melhor eu ir nessa.
Roxas deu um pulo da cama, jogou as roupas por cima do corpo e saiu correndo de casa.

Pessoas de todo canto da cidade estavam reunidas no pátio, em volta da grande arena
quadrada que havia sido montada no centro.
— Pra quem você vai torcer? — Pence perguntou à Olette.
— Pros dois, bobinho — respondeu ela.
No meio da arena, Wallace — que, como gerenciava a loja de armas, normalmente assumia
o papel de mestre de cerimônias — estava discutindo alguma coisa com o promotor do torneio.
— É melhor o Roxas chegar logo — comentou Pence, inquieto.
Hayner, parado logo ao lado, não tinha dito uma única palavra o dia todo.
— Sabe, Hayner... — começou Olette.
— Vou dar uma olhada nas regras — disse, interrompendo-a, e foi até o quadro de avisos no
qual as regras do Struggle haviam sido afixadas.
Deixados para trás, Olette e Pence trocaram olhares. Foi quando ouviram o alto estrondo dos
fogos de artifício, sinalizando a abertura das festividades, seguido pelo grande burburinho da
plateia. As finais do Struggle estavam prestes a começar.
— Aí está você, Roxas! — exclamou Pence assim que o viu chegar ao pátio.
— Desculpa! Hã...
— Se está procurando o Hayner, ele tá logo ali — indicou Olette, a voz cheia de gentileza.
Roxas assentiu e correu até o quadro de avisos.
— Senhoras e senhores, amigos do Struggle de Twilight Town! Está na hora do evento mais
eletrizante do verão! Isso mesmo! Hoje é o dia do Struggle, com a luta pelo título! — anunciou
Wallace, e a plateia começou a gritar e torcer alucinadamente. Ao lado do mestre de cerimônias
estava o vencedor do ano anterior, um olhar de extrema confiança estampado em seu rosto. —
Quem será aquele que conseguirá chegar ao topo e enfrentará o nosso campeão, Setzer?
— Vai ser o Seifer, tá ligado?! — gritou Rai.
— E quem vencerá a luta pelo título e se tornará o nosso novo campeão do Struggle?
Em contraste ao fervor da plateia, uma sensação gelada praticamente emanava de Hayner,
que continuava parado diante do quadro de avisos, uma expressão sinistra estampada no rosto.
— Hã, Hayner... — Roxas tentou juntar as palavras para se desculpar pelo dia anterior. Mas
Hayner apenas lançou o olhar para ele por um breve momento antes de encarar o quadro de avisos
novamente.
— Muito bem! Agora é hora de apresentar os lutadores de hoje! Os quatro moleques que
lutaram duro para passar pelas preliminares!
Roxas suspirou quietamente por baixo da voz pujante do mestre de cerimônias.

42 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— Um finalista habitual e presidente do comitê disciplinar de Twilight Town: Seifer!
Ouvindo o anúncio de seu nome, Seifer ergueu o queixo e entrou na arena com um sorriso
quase imperceptível.
— Uma surpresa completamente inesperada: quem diria que ele chegaria tão longe esse
ano? Vivi!
Um pouco distante do resto da comitiva de Seifer, Vivi também seguiu para a arena.
— Um favorito do subúrbio e conhecido por seus problemas de atitude: Hayner! É a sua
primeira vez nas finais!
— Hay-ner! Hay-ner! Hay-ner! — entoaram Pence e Olette.
Determinado a dizer alguma coisa, Roxas tentou novamente:
— Hayner, hã... Sobre ontem, eu...
— Prepare-se. Você é o próximo — disse Hayner, marchando para a arena a passos largos.
— E o lutador de número quatro, que por acaso é o meu cliente favorito: Roxas!
Um grande regozijo ecoou pelo local conforme a plateia ovacionava toda de uma só vez, e
Roxas então subiu na arena, completamente dividido.
— E então, quem vencerá o Struggle ardente deste verão?! Quem levará para casa o grande
prêmio, o grande símbolo do Struggle, o Troféu Quatro-Cristais?
Os quatro lutadores na arena se reuniram em volta do grande troféu de bronze adornado com
quatro cristais de cores diferentes.
— E não só isso, o vencedor terá a chance de enfrentar o nosso campeão detentor do título!
Setzer assentiu em resposta ao título de “campeão”.
— Agora, que os jogos comecem! — declarou o mestre de cerimônias.
Seifer e Vivi deixaram a arena, seguidos por Setzer. Apenas Roxas e Hayner ficaram. O
produtor entregou a cada um deles uma espada oficial do Struggle.
Hayner pegou a sua e a apontou diretamente para Roxas.
— Ei... me desculpa por ontem — disse Roxas, com a arma ainda pendurada junto ao corpo.
Sentia-se tão culpado que não conseguia olhar Hayner nos olhos. Afinal, havia feito uma
promessa e se esquecera dela.
Vendo Roxas de cabeça baixa daquele jeito, Hayner abaixou a espada e suspirou.
— O quê, ainda tá preocupado com isso? Já faz um dia inteiro, deixa pra lá, cara.
Aquilo sim soava como o Hayner que ele conhecia.
— É... eu tô com muita coisa na cabeça... — murmurou Roxas.
Muitas coisas estranhas vinham acontecendo com ele ultimamente. Aqueles sonhos, aquelas
criaturas estranhas... e o fato de ter esquecido da promessa que havia feito.
— Desculpa, cara... Ei, pelo que eu tô me desculpando? — disse Hayner, como se estivesse
surpreso consigo mesmo. Isso fez Roxas sorrir.
Assistindo à cena do lado da arena, Pence e Olette assentiram alegremente um para o outro.
— Prontos, Strugglers? — disse o produtor.
— Tudo na boa! Certo, Roxas?
— Certo.
Hayner e Roxas assentiram.
— A primeira partida do dia nas finais do torneio do Struggle será entre Roxas e seu melhor
amigo, Hayner!
Roxas correu até o ponto de partida marcado por linhas no meio da arena.
Que bom que ele não tá chateado comigo, pensou Roxas. Agora posso lutar pra valer.
As regras do Struggle eram simples — bastava lutar com as armas fornecidas e quem fosse
nocauteado primeiro perdia. E quem não lutasse justo seria imediatamente desqualificado.
— Lá vai, Roxas! — gritou Hayner.
— Todos prontos? — anunciou o mestre de cerimônias. — Que comece...
— O Struggle! — completou a plateia e, com isso, a batalha começou.
Hayner não perdeu um segundo antes de se lançar contra Roxas.
— Uou! — Roxas bloqueou sua investida.

43 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— Estive treinando em segredo! — disse Hayner, um sorriso estampado no rosto. — Você
não vai conseguir me vencer!
— É? Bom, garanto que eu também não vou perder! — Roxas contra-atacou e a espada de
brinquedo atingiu o queixo de Hayner.
Algo que parecia uma careta cruzou o rosto de Hayner e Roxas aproveitou a deixa para
atingi-lo no corpo com um golpe fulminante.
— Ah-aaaai! — Hayner tentou recobrar o equilíbrio, mas, sem sucesso, acabou caindo de
costas no chão.
— E o vencedor é Roxas! — Wallace correu até eles e segurou a mão de Roxas, erguendo-a
em meio ao ar. A plateia foi ao delírio. — Nem mesmo a amizade pode segurar esse garoto! E
Hayner também lutou muito bem!
Roxas soltou o pulso da mão de Wallace e foi até Hayner, que continuava caído no chão.
— Você tá bem?
— Eu perdi! Ahhh, não acredito! — esbravejou Hayner.
Roxas deu um pequeno suspiro de alívio e ajudou Hayner a se levantar. Hayner bateu nas
calças para limpar a poeira.
— Acho que te ensinei bem.
— Foi bem divertido lutar com você — disse Roxas.
— Bom, pra mim não foi, sabichão! — Hayner fechou a cara, fazendo bico.
— Ei, vamos achar um jeito de te animar.
— Nah, tô de boa.
Em algum ponto durante o gracejo dos amigos, Seifer apareceu ao lado deles.
— Saiam da frente.
Roxas e Hayner deixaram a arena, abrindo caminho para Seifer. Do lado oposto, Vivi o
encarava, a espada do Struggle em mãos. Sob a aba do chapéu de Vivi, seus olhos eram difíceis de
ver — mas estavam escuros e vazios.

Ele olhava para a cápsula onde Sora estava dormindo.


Sora estava bem na sua frente, mas ele não conseguia senti-lo, não mais que antes. O que
poderia fazer para que isso acontecesse?
Ele ergueu o braço em sua direção, mas a parede da cápsula deteve sua mão, impedindo-o
também de tocar Sora.
“Eu consigo sentir o Sora”, dissera Naminé, a bruxa com o poder de controlar as memórias
das pessoas.
Agora, ele se sentia inseguro — estaria ela manipulando suas memórias?
Não, não podia ser. Ele tinha escolhido ficar com suas memórias. Tinha escolhido não selar
a escuridão em seu coração.
Era por esse motivo que olhava para Sora agora naquela forma. Ele já havia abandonado seu
antigo nome. E não só seu nome, como sua aparência também.
Mas... ele não podia se encontrar com Sora daquela forma. Não queria e também não podia.
Ele ficou olhando para a própria mão, a que erguera para tocar o outro garoto.

Ditditditditdit, apitava o computador em meio à sala escura.


— O quê, mais dessa escória? — reclamou DiZ. — Não, isso é...
Olhou de perto para o que havia chamado de “escória”, estampada na tela. Era uma figura
que conhecia. Não podia deixar que se aproximasse.
DiZ se levantou em silêncio e subiu as escadas.

44 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
A plateia ovacionava em meio ao pátio. Na arena, Seifer estava caído no chão após uma
investida de Vivi.
— Quando foi que o Vivi ficou tão forte? — observou Hayner junto ao ouvido de Roxas.
Enquanto Seifer se levantava, aturdido, Rai e Fuu correram para o seu lado.
— Hã... bem, o vencedor é Vivi, terminando a luta com um movimento rápido feito trovão!
— anunciou Wallace, o mestre de cerimônias.
Em meio aos aplausos alucinados, Seifer se aproximou de Roxas devagar.
— Seifer...? — disse Roxas, hesitante, notando o olhar soturno em seu rosto.
Os olhos de Seifer brilharam e ele respondeu com a voz baixa:
— Aquele não é o Vivi.
— Hã? — Roxas não fazia ideia de onde Seifer queria chegar.
— Acaba com ele — disse Seifer, a voz fria feito gelo, e então deixou o pátio, seguido por
Fuu e Rai.
O Vivi não era o Vivi? O que aquilo significava...?
Roxas olhou para Vivi, parado em meio à arena, e ele o fitou de volta. Um calafrio lhe subiu
a espinha. Os olhos de Vivi pareciam brilhar sob aquele enorme chapéu em sua cabeça — algo um
tanto quanto assustador.
— Parece que o Seifer desistiu da luta pelo terceiro lugar — comentou o produtor,
aproximando-se de Hayner.
— Então agora eu tô em terceiro? Aí sim! — Hayner fez uma pose de vitória.
— Pronto para a batalha final, Roxas? — disse o produtor.
— Hã... sim.
Quando Roxas se virou para ir para a arena, Hayner lhe deu um tapa nas costas.
— Não vá esquecer a nossa promessa de novo!
— Eu sei. — Roxas acenou para ele e subiu na arena de novo.
— Muito bem, rapazes. Jogo limpo. — O produtor entregou as espadas de brinquedo para
Roxas e Vivi.
Os dois lutadores seguiram para os pontos de partida e encararam um ao outro.
— E agora, a partida que vocês estavam esperando: Roxas contra Vivi!
Roxas empunhou sua espada e Vivi o fitou diretamente nos olhos, sem mexer um músculo
sequer.
— Muito bem! Que comece...
— O Struggle! — exclamou a plateia, e, no mesmo instante, Roxas disparou contra Vivi.
Mas Vivi se esquivou com um grande salto — e Roxas pensou que ele pousaria mais para
trás, mas, em vez disso, Vivi se lançou para frente.
— Eita! — Roxas conseguiu se esquivar por pouco.
— R... Ro... Roxas... — disse Vivi, balançando sua espada. Aquela voz não parecia
normal... de alguma forma, quase parecia mecânica.
— Vivi?
— ...Roxas! — Vivi ergueu sua arma.
Roxas se preparou para bloquear a investida — e então aconteceu outra vez.
O mundo se distorceu... e então parou.
— De novo não!
Roxas olhou em volta e viu que Hayner, Pence e Olette estavam congelados com as mãos
para cima, parados em meio a seus gritos de torcida.
Por algum motivo, os olhos de Vivi brilhavam de uma forma estranha.
— ...Vivi?!
Uma forte luz envolveu seu corpo e então deu lugar a uma daquelas estranhas criaturas
prateadas. Outras duas apareceram, como se brotassem em meio ao ar, e foram se retorcendo até o
chão. Agora havia três delas, contorcendo-se em sua direção enquanto cercavam Roxas.

45 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
46 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— Droga, essas coisas...
Ele empunhou a espada de brinquedo, e dessa vez ela emanou uma forte luz, transformando-
se naquela chave gigante — a Keyblade.
— Acho que isso significa que vou ter que lutar com eles...! — disse Roxas, atacando as
criaturas com a Keyblade.
Era exatamente como quando enfrentara uma delas diante da mansão assombrada. Não era
fácil atingi-las, já que ficavam dançando e se sacudindo, mas agora Roxas sentia que conseguia.
Uma vez com a Keyblade em mãos, podia sentir que estava transbordando poder.
Eu não vou perder pra essas coisas. Não pra um bando de Penumbras.
A Keyblade reluzia em meio a um forte brilho conforme acabava com as Penumbras e as
mandava para o vazio.
Quando a luta terminou, Roxas continuou ali parado, extremamente ofegante, examinando o
cenário, mas o tempo continuava parado. Hayner e os outros continuavam travados, imóveis como
manequins.
— E agora...? — Roxas franziu o cenho.
Espera... Como é que eu sei como essas coisas se chamam? Mas eu sei — elas se chamam
Penumbras. São nossas servas.
Enquanto continuava ali aturdido, ouviu o som de alguém batendo palmas atrás de si.
— Quem tá aí?!
Roxas se virou e deparou-se com um homem de casaco negro.
— Roxas, muito bem! Luta, luta, luta! — O tom do sujeito tinha uma pontada de zombaria.
E embora o casaco parecesse o mesmo, Roxas sabia que não era a mesma pessoa que roubara seu
dinheiro na frente da estação de trem.
Mas quem era ele...?
O homem se aproximou a passos firmes.
— Então você não se lembra mesmo, hein? — disse, como se quisesse confirmar alguma
coisa, e puxou o capuz para trás, revelando os cabelos vermelhos brilhantes.
Era pra eu me lembrar de alguma coisa? Pensou Roxas. Mas eu nunca vi ele antes.
— Sou eu. Você sabe, o Axel.
— Axel? — repetiu Roxas.
— Isso sim é o que eu chamo de amnésia. Vou te contar, isso com certeza não é trabalho pra
uma Penumbra — prosseguiu Axel, como se falasse consigo mesmo, e esticou os braços para
ambos os lados. Em cada uma de suas mãos surgiu uma arma circular com um conjunto de lâminas
por toda a sua extensão.
— Calma lá — protestou Roxas. — Fala o que tá acontecendo!
Axel não parecia hostil, então queria lhe perguntar: Por que todas aquelas coisas estavam
acontecendo com ele? O que aquilo significava?
— Essa cidade é criação dele, né não? Quer dizer que não temos tempo pra tirar dúvidas.
Você vem comigo, consciente ou não. Depois eu te explico a história.
Para Roxas, aquilo não tinha nem pé nem cabeça. Criação de alguém? Ir com ele? Aonde?
Axel preparou seus chakrams e Roxas recuou um passo. E então — o mundo se distorceu
novamente.
— Uh-oh — murmurou Axel, examinando o cenário.
Mas Roxas não conseguia mais esconder sua frustração. Ele atirou a Keyblade no chão.
— O que tá acontecendo aqui?!
A Keyblade se chocou num baque metálico e saiu girando em meio à poeira.
Estava furioso. Todas aquelas coisas que estavam acontecendo, e ele era o único que parecia
por fora. Tinha alguma coisa começando e ele não fazia ideia de o que era. Era angustiante — e
revoltante. Não sabia sequer como fazer aquilo parar.
— ...Roxas.
Axel disse seu nome de novo e ele ergueu o olhar.
No mesmo instante, a Keyblade voou de volta para sua mão, como se, de alguma forma,
algo a atraísse até ela.
47 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— Número treze. Roxas, o escolhido da Keyblade — vociferou Axel, os olhos voltados para
a Keyblade brilhante, enquanto se posicionava para a luta com os chakrams em mãos.
— Então tá bom! Foi você que pediu! — disparou Roxas, preparando-se para lutar com a
Keyblade também.
— Boa! É assim que eu gosto! — Axel deu um grande salto e o atacou com os chakrams,
atingindo Roxas com uma voadora que o jogou longe.
Axel era muito, muito mais forte que as Penumbras. Mas havia algo estranho nele, pensava
Roxas enquanto cambaleava para tentar recobrar o equilíbrio.
O que seria...? O que lhe fazia parecer tão estranho?
— Hora de esquentar as coisas! — Uma rajada de chamas surgiu das mãos de Axel,
lançando Roxas para trás outra vez. — Ha, ha! Boa, Roxas!
Axel estava rindo — por que estava se divertindo tanto?
Na verdade, lutar com ele até que era meio divertido. Roxas já estava extremamente irritado
com todas aquelas coisas que vinham acontecendo consigo e não conseguia suportar esse tal de
Axel jogando todo aquele papo estranho pra cima dele com aquela cara de sabe-tudo presunçoso —
ainda assim, lutar com ele até que não era tão ruim.
O que está acontecendo? Por que estou me divertindo lutando com ele? Ele obviamente está
pegando leve comigo... mas por quê? O que isso significa?
Mesmo enquanto seu monólogo interno questionava tudo, Roxas se lançava contra Axel
com a Keyblade em mãos. Com um sorriso no rosto, Axel bloqueou a investida com seus chakrams.
— Ha! Esse é o Roxas que eu conheço!
— Axel... O que você sabe?! — indagou Roxas, a respiração pesada.
O rosto de Axel, daquele ângulo próximo e pessoal, pareceu triste por um instante — ou será
que só estava vendo coisas?
Mas por quê...? O que Axel sabia?
— Não posso te contar agora — disse Axel.
— É claro que pode! — gritou Roxas, erguendo a Keyblade com toda a força.
E então, mais uma vez, o mundo se distorceu e estremeceu.
No meio da arena, um flash de luz surgiu, acompanhado de um som estranho — uma espécie
de ruído eletrônico. O flash então deu lugar a outro homem, que ficou ali parado, olhando
diretamente para Roxas. Tinha faixas de pano vermelhas cobrindo-lhe o rosto e vestia uma capa
também vermelha.
— ...Quem é esse? — disse Roxas.
— Então era mesmo você...! — Axel deu um salto e disparou seus chakrams contra o recém-
chegado, mas eles ricochetearam contra uma espécie de barreira, uma parede de luz.
— Roxas, o que este homem diz é tolice — disse o sujeito com voz de barítono.
— Roxas, não deixa ele te enganar! — gritou Axel.
Roxas se voltou para ele outra vez.
Me enganar? Me enganar como?
Que parte é tolice? Por que esses caras tão vindo falar comigo?
Ele não sabia. Não conseguia entender nada.
— Roxas!
— Roxas!
— Roxas!
Não conseguia nem mais dizer qual deles estava chamando seu nome. Começava a sentir
que as vozes pareciam vir de dentro de sua cabeça.
O ar estremeceu. Sua cabeça doía.
— Hayner... — murmurou Roxas.
Conseguia dizer os nomes de seus amigos.
— Pence...
Conseguia pensar em seus amigos.
— Olette...
Conseguia sentir sua amizade.
48 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— Hayner! Pence! Olette! — gritou.
Eram os nomes das pessoas que queria ver mais que tudo, tanto que sentia seu coração se
quebrando por eles.
E então aquela sensação estranha que envolvia o ar se dissipou. Axel e o homem de capa
vermelha haviam desaparecido. Diante dele, Vivi perdeu a força nas pernas e caiu devagar.
— O quê? O que aconteceu aqui?! — exclamou Wallace, o mestre de cerimônias. Uma onda
de júbilo se ergueu dos espectadores.
— Hã...? Como foi que eu cheguei aqui? — murmurou Vivi, e então foi deixando a arena a
passos curtos.
— Roxas! — Hayner e seus outros dois amigos correram até ele.
— Senhoras e senhores, Roxas, o vencedor do Struggle deste ano! — anunciou Wallace.
Olette deu um pulo de alegria. Roxas, no entanto, ainda parecia infeliz.
— Roxas...? — disse Hayner, preocupado.
— O quê...?
— Você tá bem? Você sabe que venceu, né?
— Ah. Sim... — Então ele tinha vencido o Struggle. Mas não sentia a menor vontade de
abrir um sorriso.
E naquele instante, a plateia começou a ovacionar novamente:
— Set-zer! Set-zer!
O detentor do título, Setzer, já estava lá, no meio da arena, deleitando-se com a apreciação
do público.
— Roxas, vai começar! — disse Olette.
Por fim, ele ergueu o olhar. Mas estava mais preocupado com as coisas que havia visto do
que com a batalha contra Setzer.
Axel... O homem de capa vermelha...
Os sonhos... As Penumbras... A Keyblade. E Sora. Estaria tudo conectado?
— Muito bem, vocês dois. Joguem limpo, hein — disse o produtor. — Vocês estão no topo
do placar.
— Só há lugar para um aqui em cima — respondeu Setzer.
— Bem, que o melhor homem vença!
Roxas seguiu para o ponto de partida e empunhou sua arma. Agora que havia enfrentado
aquele cara, — Axel — sentia que conseguiria vencer.
Setzer se inclinou junto a Roxas enquanto seguia para o seu lugar.
— Ei, pirralho... que tal você entregar a partida pra mim? — sussurrou.
— Hã? — disparou Roxas.
No mesmo instante, ouviu Hayner gritar para ele:
— Roxas! Foco!
— Deixe-me vencer e eu farei com que valha a pena — pressionou Setzer.
— Se toca — retrucou Roxas em meio aos gritos da plateia.
— Roxas, nossa nova estrela em ascensão, contra Setzer, o campeão detentor do título! —
anunciou o mestre de cerimônias. — O vencedor dessa partida será o campeão deste ano e ostentará
o título até o ano que vem, pessoal! Muito bem, que comece...
— O Struggle!
No instante em que todos gritaram a palavra, Roxas fechou a distância entre ele e o garoto
mais alto, atingindo Setzer no peito com toda a força.
— O quê?! — Setzer caiu de costas, batendo de bunda no chão sem a menor dignidade. —
Eu não devia...
Sua indignação foi ofuscada pelos berros estridentes que se juntavam numa só palavra:
— Roxas! Roxas! Roxas! — Estavam todos gritando seu nome.
— Roxaaas! — Hayner foi correndo até ele, seguido por Pence e Olette.
— Você conseguiu! — Olette pulava para cima e para baixo, extremamente animada.
Toda a população da cidade se juntou ao redor deles.

49 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— Meus parabéns, Roxas! — O produtor lhe entregou o cinturão de campeão e o grandioso
troféu. A plateia, vibrante, ovacionou.

— Ai, ai, ai...


Algo atingira as costas de Axel com tamanha violência que ele acabou batendo com a parte
de trás da cabeça. Esfregando o machucado, ele se levantou. Ergueu o olhar diante da cidade negra,
iluminada apenas por uma ou outra placa de néon. O cheiro da chuva estava impregnado no ar e a
“lua” no céu parecia pequena dali.
Aquele homem, o sujeito que ficara fazendo joguinhos mentais com Riku no Castelo do
Esquecimento — ele se chamava DiZ.
Até certo ponto, Axel compreendia o que havia acontecido naquele castelo, mas não sabia
quem era DiZ, ou o que queria. Ele também tinha entrado na cabeça de Naminé.
“...Isso me cheira a ele.”
Era o que o líder da Organização havia dito. Haveria alguma conexão entre DiZ e aquele
homem? E se Axel estivesse certo, haveria algum segredo aterrador por trás de Roxas?
Isso significaria que Axel havia cometido um grande erro no Castelo do Esquecimento, o
que acabou por resultar na união de DiZ, Naminé e Riku...
— Não pode ser... — murmurou Axel, falando consigo mesmo, enquanto caminhava pelas
ruas da cidade negra.
Aquela cidade, coberta pela escuridão... e Twilight Town, parcamente iluminada pelo pôr do
sol. Os dois lugares eram um tanto semelhantes. Afinal, ambos tinham algo a ver com Roxas.
Mas se tivesse que dizer qual dos dois combinava mais com Roxas... Axel não tinha certeza.

A torre do relógio que se assomava sobre a estação tinha cerca de quinze metros de altura e
o pôr do sol que viam lá de cima parecia ainda mais bonito que de costume.
Os quatro amigos estavam sentados em uma borda que se salientava pouco acima da face do
relógio, desfrutando da glória da vitória do dia. Com o Troféu Quatro-Cristais em mãos, Roxas
observou o sol que afundava no horizonte. Ele cutucou um dos cristais com a unha e ele se soltou
suavemente. Primeiro, tirou o cristal amarelo de seu adorno e o deu para Olette.
— Ah! — disse ela, sobressaltada.
Então deu o vermelho para Hayner e o verde para Pence.
Por fim, Roxas arrancou o cristal azul e o ergueu diante do sol poente no horizonte. Ele
brilhou reluzentemente, refletindo os últimos raios de luz do dia.
— Como prometido — disse aos amigos.
— Obrigado, Roxas! — disse Pence, erguendo também seu cristal verde diante da luz.
— Mais um tesouro pra gente dividir. — Hayner ergueu seu cristal bem alto, o olhar fixo
nele, como se o oferecesse para o céu.
— Também tenho um presente... para todos nós! — Olette pegou quatro picolés de sal
marinho que tinha consigo.
— Aí sim!
Olette distribuiu os picolés e, assim que Roxas pegou o seu, acabou tropeçando.
— O quê...?! Ahh!
Enquanto caía do alto da torre do relógio, tudo à sua vista afundou em meio à escuridão.

50 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
51 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
UMA MENINA DE UNIFORME ESCOLAR IA CAMINHANDO LENTAMENTE RUMO À
praia. O caminho se estendia das pacatas casas da cidade em direção a uma pequena colina que
bloqueava a visão do mar.
A brisa agitou os cabelos vermelhos da menina. O vento sempre mudava no fim da tarde,
soprando da terra em direção ao mar.
— Ei, Kairi! — exclamou outra menina.
Kairi parou e se virou. A outra menina, vestida com o mesmo uniforme, corria para tentar
alcançá-la. Seus cabelos castanhos, enrolados para cima nas pontas, saltitavam a cada passo.
Quando ela a alcançou, Kairi se virou para o mar novamente e ambas seguiram juntas em
sua direção, os passos lentos em meio ao crepúsculo.
— Tá a fim de dar uma passada na ilha? Faz tanto tempo que não vamos lá — disse sua
amiga, Selphie. — O Tidus e o Wakka estão muito entretidos com aquele jogo de bola deles e não
querem ir comigo...
— Desculpa — respondeu Kairi. — Mas hoje não.
— Ah, por que não?
Elas já tinham chegado quase que no topo da colina.
— Você se lembra daqueles garotos que costumavam sair com a gente? — disse Kairi.
Selphie teve que parar para pensar por um momento, inclinando a cabeça antes de se lembrar
de um nome.
— ...O Riku?
— Isso. — Kairi assentiu, fitando-a com um olhar cheio de expectativa.
— O que aconteceu com ele, afinal? Sinto tantas saudades.
— Ele está longe. Mas sei que vamos vê-lo de novo.
Nós vamos, Kairi disse a si mesma. Ele prometeu.
— Sim — Selphie assentiu. — É claro que vamos.
O sol já estava quase para se pôr, mas a brisa continuava vindo do mar, bagunçando os
cabelos das meninas.
— E o outro garoto? — incitou Kairi, sem olhar para Selphie, seus olhos fixos no oceano.
O outro garoto. Sim — tinha também um outro garoto. Tenho certeza que tinha.
— Que outro garoto? — Selphie parecia confusa.
Então ela não se lembra. Kairi continuava olhando para a água. Mais adiante, podia ver as
pequenas ilhotas salpicadas sobre o mar azul.
Até um ano atrás, eles todos costumavam subir aquela colina e descer correndo para a praia
a toda velocidade quase todos os dias. Havia pequenos barquinhos nas docas para que as crianças
seguissem para as ilhotas do arquipélago conhecido como Ilhas do Destino.
— Aquele que estava com o Riku e comigo o tempo todo — disse Kairi. — Nós
brincávamos juntos naquela ilha. Sabe, por um tempo, eu conseguia escutar a voz dele... mas agora
ela se foi.
Selphie ergueu o olhar para ela, confusa.
— Agora não consigo me lembrar do rosto ou mesmo do nome dele. Me sinto terrível por
isso. Então disse a mim mesma que não vou voltar na ilha até me lembrar de tudo sobre ele.
— Tem certeza de que não o inventou...? — disse Selphie.
Kairi não respondeu. O sol já estava tocando o horizonte. Seus últimos raios cintilaram em
sua direção e o vento se acalmou. Tudo o que conseguia ver era a luz. Foi quando ouviu o farfalhar
das ondas, que soavam como um nome...
— Naminé?
Era uma voz, vinda de algum lugar... e ela a arrastou para as trevas. Lá, em meio à escuridão
infindável, havia um garoto.
— Naminé? O que está havendo comigo? — perguntou o garoto de cabelos acastanhados.
Kairi respondeu com outra pergunta:
— Quem é você...?
O garoto pareceu um pouco consternado com aquilo.

52 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— E esse não é o meu nome — prosseguiu a menina, corrigindo-o enquanto o fitava nos
olhos. — Me chamo Kairi.
— Kairi... eu te conheço. É a garota que ele gosta. — Ele abaixou o olhar.
Ele? Ele quem?
— Por favor, me dê um nome! — disse ela, praticamente implorando.
— Eu... sou o Roxas.
— Certo, Roxas... mas pode me dizer o nome dele?
De repente, tudo pareceu se enevoar e distorcer, como a imagem de uma TV sem sinal.
Kairi piscou. O garoto tinha sumido. Não havia nada à sua volta além de escuridão, não
importa para qual direção olhasse. Entretanto, sentia algo terno naquela escuridão.
— Vai, me fala! — gritou.
Uma voz a respondeu:
— Você não lembra o meu nome? Valeu mesmo, Kairi!
— Hã?
Era a voz de um garoto — mas não conseguia ver ninguém.
— Acho que não tem jeito... Tá bom, acho que posso te dar uma dica!
Embora ele continuasse a falar, a estática pareceu aumentar outra vez.
— Começa com S!
Começa com S? Kairi estava para pedir mais dicas, mas uma luz vinda de algum lugar
perfurou a escuridão. Foi se propagando até encobrir tudo, brilhante o suficiente para lhe ferir os
olhos — e então ela desmaiou outra vez.
Naminé — o som das ondas...

— Kairi!
Selphie estava olhando para ela, preocupada.
Certo... Elas estavam no caminho para a praia. Kairi deixou que Selphie a ajudasse a se
levantar e fitou o oceano de novo.
— Kairi?
As ilhas que flutuavam na água e, mais adiante, o sol poente.
— Ei... Kairi?!
Ela saiu em disparada, descendo a colina e correndo em direção à praia. Era o que nós
sempre fazíamos, descíamos correndo pela colina. Passavam pelas dunas gramadas e chegavam à
areia. Também costumávamos correr de pés descalços.
— Kairi! — Selphie lutava para conseguir acompanhá-la, e, quando finalmente chegou à
praia, já estava sem fôlego.
Sem se virar, Kairi tirou uma pequena garrafa de sua bolsa. A garrafa continha um pedaço
de papel muito bem dobrado.
— O que é isso? — perguntou Selphie.
Com um pequeno sorriso no rosto, Kairi se abaixou para colocar a garrafa na água. A
correnteza das ondas a levaram embora e ela começou então a vagar suavemente em meio ao mar.
— Uma carta. Eu a escrevi ontem, para o garoto que não consigo me lembrar. Eu disse que
não importa onde ele esteja... eu o encontrarei algum dia. E então, quando terminei de escrever, me
lembrei que tínhamos feito uma promessa... uma bem importante. Essa carta é o onde tudo começa.
Sei que é.
Ela sorriu, fitando a garrafa que balançava sobre as ondas.
— Uau — disse Selphie. — Espero que chegue até ele.
— Vai chegar.
Ficaram as duas observando enquanto a garrafa se afastava.
Ela vai chegar até você. Tenho certeza disso.

53 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— Começa com S... — murmurou Kairi, e então ergueu a voz em meio à brisa do oceano:
— Certo, Sora?

---------- Restauração a 79% ----------

— O Sora está voltando.


Diante dessas palavras, Axel ergueu o olhar. Quem havia falado fora o número três da
Organização XIII.
— Então... — Axel começou a dizer, mas engoliu a pergunta que queria fazer. Então o que
vai acontecer com o Roxas?
Era uma reunião que havia sido convocada abruptamente. Já imaginava sobre o que seria,
mas não via por que revelar seus próprios objetivos.
— Então não temos outra escolha senão destruir o número treze — pronunciou o número
sete, a voz fria.
Por um breve momento, todos ficaram em silêncio.
— Então temos que eliminar o traidor, é isso? — disse o número nove, Demyx.
Axel franziu as sobrancelhas. Aquelas palavras lhe davam nos nervos. Na verdade, tudo o
que os outros haviam dito o irritava.
O fato de que os membros da Organização XIII compartilhavam do mesmo objetivo em
nada os influenciava a se aproximarem uns dos outros. Alguns deles costumavam ser mais amigos
quando ainda eram humanos. Se isso fazia alguma diferença para os outros, Axel não sabia dizer, e
também não precisava saber.
Para um membro da Organização, havia apenas um único objetivo — obter um coração.
Mas só por que não temos corações, não quer dizer que não sejamos capazes de sentir
nada, pensou Axel. Simplesmente sabemos que... de alguma forma, somos incompletos. Quando
soubemos que cada um de nós carecia de um coração, fez todo o sentido. Porque com certeza nos
falta alguma coisa.
— Axel — disse o número um.
Axel ajeitou a postura frente à rara ocasião em que seu líder se dirigia claramente a alguém.
— Você eliminará o Roxas.
Mantendo a boca fechada, Axel fitou o número um nos olhos.
— Não me escutou, Axel?
— Não, escutei perfeitamente. — Um pequeno sorriso lhe surgiu no canto dos lábios e ele
então desapareceu do salão.

54 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
55 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
NA SALA BRANCA DA MANSÃO, NAMINÉ DESENHAVA EM SILÊNCIO.
E então... o que eu desenho hoje?
— Ah...! — exclamou de leve, apenas por um instante, e então ergueu o olhar do caderno
de desenho.
Tinha escutado alguma coisa — uma voz.
— ...Sora? — disse, quem quer que fosse.
Uma pontada de pesar tomou-lhe o rosto e ela voltou a focar no caderno de desenho. Foi
quando a porta se abriu.
— Naminé.
Era ele, parado diante da porta. Parecia um pouco ofegante — algo incomum para ele. Mas
Naminé já sabia por quê.
— ...Você sentiu o Sora?
Ele tinha muitas perguntas próprias a responder.
— O que aconteceu?
— Não sei dizer.
— ...Ah.
Naminé notou que ele carregava algo em sua mão — um cristal azul.
— O que é isso?
— Isso... é dele. — Ele ergueu o cristal diante da luz, fazendo-o reluzir e brilhar.
— Dele...?
— Do Roxas. — Ele o guardou no bolso e se virou.
— Você foi ver o Roxas de novo?
— Eu não o vi.
Naminé gostaria de saber como ele tinha pegado algo que pertencia a Roxas sem tê-lo visto.
Em vez disso, fez uma pergunta diferente:
— Então se encontrou com outra pessoa?
— Outra pessoa? — Ele se virou para olhá-la novamente. — De quem está falando?
— Você saberia se tivesse encontrado. Não se preocupe com isso — respondeu Naminé,
fitando um dos desenhos que havia pendurado na parede da sala. Mostrava um garoto de cabelos
acastanhados junto a um homem de cabelos vermelhos, ambos vestindo casacos negros.
— ...Se você diz.
E com essas palavras, ele deixou a sala.
Por que ele e eu sempre evitamos falar sobre coisas importantes? Ponderou Naminé. Nunca
conseguimos dizer o que precisamos um ao outro.
Ainda não conseguimos.

DiZ estava examinando a tela na sala do computador no subsolo da mansão. Sentindo outra
presença, ele se virou.
— Aí está você. O progresso dele é impressionante. — Apontou para o número na tela.
— Então, o que aconteceu? — perguntou ele, tirando o cristal azul do bolso para colocá-lo
na bolsa bordada que tinha pegado no outro dia.
— O encontro de Naminé com Roxas pôs seu coração em contato com o de Kairi —
explicou DiZ. — E isso, por sua vez, afetou Sora. Compreende?
— Naminé... ela é mesmo especial — comentou ele, mexendo na bolsa, inquieto.
— Ela não nasceu como os outros Nobodies — explicou DiZ, sem rodeios. — Ela consegue
mexer com os corações e memórias de Sora e daqueles ligados a ele.
Naminé era especial.
A escuridão no coração de uma pessoa poderia se tornar um Heartless. Quando isso
acontecia, um Nobody nascia. Mas Naminé se originou de uma garota que não tinha escuridão em
seu coração — sua existência em si era única.

56 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— ...Mas ela é o Nobody de quem?
Por trás de suas faixas, DiZ sorriu com a pergunta. É verdade — ainda não contei para ele.
— Eu poderia lhe contar. Mas primeiro... será que pode me dizer seu verdadeiro nome?
Ele puxou o capuz para trás. Dentre as feições reveladas por ele estavam um par de olhos
dourados e um longo cabelo prateado.
— É Ansem.
Seja lá qual fosse a resposta que DiZ esperava receber, Ansem não era uma delas. Tal
resposta só poderia ser uma piada, ou pelo menos lhe soava como uma.
— He, he... Ha, ha, ha, ha! É uma honra, Ansem!
Enquanto DiZ continuava com suas risadas, ele cobriu o rosto com o capuz novamente e
deixou a sala.

Estava caindo em meio a uma escuridão infinita.


Caindo, caindo e caindo.
Eternamente...
Roxas acordou de súbito, completamente encharcado, suando frio. Sentiu-se um pouco
melhor ao ver que estava em casa, em seu quarto.
— Foi só um sonho — murmurou em meio a um grande suspiro.
Ou será que não tinha sido?
Ele havia escorregado e caído da torre do relógio — e não conseguia se lembrar de nada
depois disso.
— Qual parte... foi um sonho?
Não conseguia distinguir os sonhos da realidade.
Tinha sonhado com aquela garota de novo. E a havia visto na cidade no outro dia. Agora já
não tinha certeza de o que era real.
— Naminé... Keyblade... Axel... Sora... Kairi... Riku... Ansem... — listou todos os nomes
para si mesmo.
Tinha conhecido Naminé. Tinha lutado usando a Keyblade. Tinha enfrentado Axel. E então
tinha o sujeito coberto de faixas vermelhas. E o homem do casaco negro.
Kairi, a garota que Sora gostava. Riku, o amigo de Sora.
Quais partes ele havia sonhado? Não sabia dizer.
Roxas saltou da cama e começou a se vestir sem muito entusiasmo.
Hayner, Pence e Olette. Os três eram seus amigos e essa era a verdade incontestável. Então
é claro que precisava ir atrás deles — só faltavam mais três dias de férias de verão. E ainda não
tinham conseguido ir para a praia.
Roxas deixou o quarto.

Um trem que ia passando ribombou sobre o ponto de encontro. Olette estava discutindo com
Hayner, o que não costumava acontecer com muita frequência.
— Só temos mais três dias de férias de verão! — exclamou Hayner. — Nem vem falar desse
trabalho.
— Mas a gente combinou que ia terminar hoje. Não é, Roxas? — Ela o fitou, buscando
apoio de sua parte.
Roxas não ajudou em nada:
— Hã, ontem... eu caí da torre do relógio, não caí?
— Não estaria aqui se tivesse caído! — disse Hayner.
— Mas, cara, foi por pouco! — Pence deu uma breve risada.

57 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
Então ele não tinha caído...? Roxas inclinou a cabeça. Tinha tanta certeza de que caíra... ou
será que tinha sido só mais um sonho?
— Parem de mudar de assunto!
— Tá bom, beleza... — Hayner se levantou com um suspiro. — Você venceu. A gente faz o
dever de casa. Hoje vai ser o dia daquela redação livre idiota...
Até então, Roxas tinha esquecido completamente que tinham um trabalho para entregar
quando as férias terminassem. Só mais três dias, e então voltavam para a escola.
Escola? Espera, eu ia para a escola?
— E aí, alguma ideia brilhante para abordarmos? — indagou Hayner.
Diante da pergunta, Roxas ergueu o olhar.
— Talvez a gente pudesse estudar as coisas que tem acontecido comigo. Vocês sabem, os
sonhos e aquelas coisas brancas...
Hayner o interrompeu:
— Esquece.
— Por quê? — protestou Roxas.
Pence e Olette trocaram olhares.
— Sabe como tem rolado umas coisas estranhas com você e com a cidade toda desde que
aquelas fotos foram roubadas? — disse Hayner.
Roxas assentiu.
— Bom, amanhã vamos todos investigar a cidade e descobrir o que tá acontecendo — disse
Pence, a voz animada.
— Um monte de gente vai ajudar — acrescentou Olette, abrindo um sorriso reconfortante
para Roxas.
Era a primeira vez que Roxas ouvia falar disso.
— Tudo isso por mim?
— Bom, sim. Por que não? — Hayner cruzou os braços e estufou o peito.
Uma investigação na cidade inteira... por mim? Isso me deixa... muito feliz. Estavam todos
pensando nele, afinal.
Notando que Roxas tinha ficado um pouco encabulado, Pence começou a falar:
— Então, fiquei sabendo de um rumor estranho circulando por aí. Querem ouvir?
— Um rumor estranho? — disse Olette.
Pence fez uma cara sinistra para conseguir o efeito certo e então prosseguiu com uma voz
sussurrada macabra, como uma velha senhora contando uma história ao redor de uma fogueira de
acampamento:
— Sabem os degraus de pedra da Estação Pôr do sol? Nós os usamos o tempo todo sem nem
pensar nisso, mas... e essa nem é a parte estranha... o número de degraus é diferente quando você
sobe ou desce!
— É sério?! — indagou Hayner.
— E tem outras seis histórias esquisitas assim — disse Pence em sua voz normal. — São
tipo “Os Sete Mistérios de Twilight Town”.
— Podemos investigá-los pro nosso trabalho! Pence, você é um gênio! — exclamou Hayner.
Olette também assentiu.
— Pode ter ainda mais lendas urbanas circulando por aí — acrescentou Pence. — Vamos
nos separar e dar uma olhada.
Hayner disparou em direção à saída.
— Beleza! A Olette e eu vamos procurar alguns outros rumores. Partiu!
— Devagar, Hayner! — disse Olette, correndo atrás dele.
— Isso deixa você comigo, Roxas — disse Pence, aproximando-se um passo. — Vamos
tentar o trem primeiro. Para a estação!
Roxas assentiu e os dois saíram correndo juntos do ponto de encontro.

58 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
Twilight Town tinha duas linhas de trem — a que levava até a praia e uma linha local que
percorria toda a cidade. Do outro lado da linha local ficava a Estação Pôr do sol, junto ao terraço
residencial.
— Lá vou eu, Pence! — Roxas subiu num skate que encontrou jogado do lado de fora e
disparou rumo à estação.
— Ei, Roxas! Não vale! — Pence tentou correr atrás dele.
Fazia um tempo, na verdade, desde a última vez que tinha andado de skate. Gostava da
sensação do vento em seu rosto conforme avançava pelas ruas.
Quando pensou no dia seguinte, sentiu-se melhor do que vinha se sentindo há um bom
tempo. Amanhã, todos se juntariam para ajudá-lo a investigar os segredos por trás de todas as coisas
estranhas que vinham acontecendo com ele. Sabendo disso, sentia que nem mesmo os sonhos ou
aquelas criaturas prateadas podiam incomodá-lo.
Após cruzar a cidade com o skate, ficou esperando que seu amigo o alcançasse na frente
da estação.
— Demorou um pouquinho, hein, Pence!
Pence chegou lá correndo, a respiração ofegante e a camiseta encharcada de suor, já que
estava um pouco acima do peso. Ele bufou e fitou Roxas com um olhar cheio de repreensão.
— Ah... Desculpa. — Aquilo fez com que Roxas se sentisse um pouco mal. Fez uma
reverência apologética com a cabeça.
— Ah, de boa. Vem, vamos pegar o trem.
Pence lhe abriu um sorriso e subiu as escadas da estação, abrindo a porta adiante. Roxas o
seguiu. Tinha quase certeza que não havia custo para embarcar na linha local.
Continuaram subindo os degraus até a plataforma, onde viram que já havia um trem para a
Estação Pôr do sol esperando.
— A hora chegou! Nossa caça pelos Sete Mistérios começa aqui! — disse Pence com sua
voz sinistra, abrindo um sorriso cheio de expectativa.
— Não sem a gente! — anunciou Hayner, disparando para a plataforma junto a Olette.
— Caramba, já encontraram novos rumores? — perguntou Pence.
— Nada na Rua do Mercado — disse Olette.
— Seus tapados, vocês não vão deixar a gente pra trás. A gente também vai pro terraço! —
Hayner saiu correndo e entrou no vagão.
Olette parecia exasperada.
— Francamente... isso não é uma corrida, Hayner.
— Bem, agora é! — exclamou Hayner, colocando só a cabeça para fora.
Roxas e Pence trocaram olhares.
— Acho que vamos todos — disse Roxas. Pence e Olette entraram no trem junto a ele.

O ronco familiar do trem era relaxante, embora Roxas costumasse ouvi-lo do lado de fora,
não de dentro. Os quatro estavam sentados em lugares separados, olhando pelas janelas. A luz do
pôr do sol brilhava suavemente em meio ao vagão.
— Tão bonito... — disse Olette, e pegou algo do bolso: seu cristal amarelo, o que Roxas lhe
dera do troféu do Struggle. Com um largo sorriso, ela o ergueu contra a luz, fazendo-o cintilar.
Hayner e Pence fizeram o mesmo, pegando seus próprios cristais. Todos reluziram em suas
respectivas cores.
Então Roxas levou a mão ao bolso — mas o cristal não estava lá. Não conseguia encontrá-
lo. Seu cristal azul... onde poderia tê-lo deixado?
Os outros estavam com os seus, brilhando diante da luz baixa que emanava do sol. Roxas os
fitou com uma expressão vazia no rosto.

59 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
Parando para pensar, ele já tinha perdido algo desse jeito, quando tinha toda razão para
acreditar que ainda estava consigo — a bolsa de Olette.
As fotos, a bolsa de Olette e agora o seu cristal.
Por que as minhas coisas ficam desaparecendo?

Assim que o trem parou, Hayner saiu aos pulos.


— Vem, Olette! Rápido!
Ela parou para trocar olhares com Roxas e Pence, e então correu atrás de Hayner.
— Por mim, podemos ir sem pressa — disse Pence, a voz tranquila, seguindo então para a
plataforma. Roxas foi logo atrás.
A Estação Pôr do sol ficava em uma subida de onde dava para ver toda a vizinhança.
Supostamente, os degraus que davam na subida eram um dos Sete Mistérios.
— São esses, não são? Os degraus que mudam de número quando você sobe e quando você
desce? — disse Roxas, observando-os.
— Hm, na verdade... — Pence abriu um sorriso enquanto examinava os degraus. — Essa é a
coisa mais idiota de todas, mas...
— O quê? — disse Roxas.
Pence começou a descer por eles.
— Quem contou foi o Rai. E ele ficou dizendo, tipo, “toda vez que eu conto dá um número
diferente, tá ligado?!”. Então é isso. — Ele deu de ombros.
Se era o Rai quem estava contando, sempre daria um número diferente.
— Quer dizer... que ele só contou errado? — Roxas suspirou.
Pence assentiu.
Roxas abaixou os ombros, decepcionado.
— Ah, francamente...
— Ei, tem umas outras coisas estranhas por aí — disse Pence. — Na verdade, achei que a
Olette iria querer usar na apresentação da escola, então coloquei todas num mapa.
— Sério? Bom trabalho, Pence!
Pence desdobrou um mapa e Roxas se aproximou para pegá-lo. Havia cinco lugares na
vizinhança marcados com um X. Um deles se tratava dos degraus onde estavam parados.
— E quanto aos dois últimos? — disse Roxas.
— Te conto depois que a gente investigar os cinco primeiros. — disse Pence com um sorriso
estampado no rosto.

Ele atravessou o corredor que levava à sala onde Sora estava dormindo. Havia uma série de
cápsulas alinhadas junto às paredes do local, mas apenas duas estavam sendo usadas. Ele ergueu o
olhar para os dois que dormiam profundamente dentro delas, os leais servos do rei, Donald e Pateta.
As outras estavam todas vazias, embora algumas apresentassem vestígios de que já haviam sido
utilizadas no passado. Mas quem quer que tenha dormido nelas não é problema meu, pensou. Ainda
assim, ele sentia um aroma muito poderoso, bastante semelhante ao seu.
Ele abriu a porta. Diferente do corredor, a sala adiante estava cheia de uma luz branca e
serena. No meio do espaço aberto, Sora estava dormindo. Até então, ele não conseguia sentir Sora
sem que olhasse diretamente para ele. Mas aquele dia fora diferente. Naquele dia, ele sentiu Sora o
dia inteiro. Sentiu que Sora estava voltando para seu coração.
Ele queria ver Sora. Queria ver Sora acordado, e logo.
Mas a forma que tinha assumido, sua forma atual — ele não conseguiria olhar Sora nos
olhos daquele jeito. Talvez ele nunca mais pudesse deixar que Sora voltasse a ver seu rosto.

60 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
Ele sentia que não tinha voltado a ver Sora de fato desde aquela noite — a noite em que suas
ilhas foram destruídas.
Será que Sora algum dia poderia perdoá-lo de verdade?
Ele abaixou o capuz de seu casaco, revelando os cabelos prateados, e observou Sora com os
olhos âmbar. Aquela forma que ele odiava mais que qualquer um...
Ele havia se apresentado como Ansem para DiZ. Não era exatamente uma mentira.
Exatamente... eu sou o Ansem. Aquele que encobriu o mundo com as trevas.
Seus olhos continuaram fixos em Sora.

Assim como os degraus de pedra, os outros quatro mistérios no mapa de Pence acabaram
não sendo nada digno de nota.
O rumor que levava o nome de “amigo atrás da parede” veio de umas crianças que jogaram
uma bola e não notaram que ela tinha batido na parede e quicado de volta para elas, enquanto que
“os gemidos do túnel” eram apenas Vivi praticando para o Struggle. A história do “saco animado”
surgiu por conta de um cachorro que gostava de se enfiar em sacos e saía pulando dentro deles. A
misteriosa “cópia maligna” não passava do reflexo das pessoas que passavam diante do espelho
d’água de uma fonte.
— Sabe... quando se para pra investigar, esses mistérios não são assim tão misteriosos —
reclamou Roxas em meio a um suspiro.
— Eu sei, eu sei. Mas o próximo vai ser mesmo demais! O mistério número seis! — disse
Pence, animado, no mesmo instante que Hayner e Olette chegaram correndo.
Os dois anunciaram seus achados logo na sequência:
— Temos outra pista!
— O mistério do trem fantasma!
Pence encolheu os ombros.
— Sim, todo mundo conhece o mistério número seis.
— É? Bom, eu não! — disparou Hayner, desapontado pelo furo que trabalharam tão duro
para encontrar não se tratar exatamente de um.
— Por onde esse trem passa? — Roxas perguntou a Pence.
— Dá pra ver ele da Colina do Sol Poente.
A Colina do Sol Poente, nos recantos do terraço, era famosa como o melhor mirante para os
pores do sol de Twilight Town.
— Bem, e qual é o mistério? — indagou Roxas.
— Dizem que o trem está sempre vazio... — disse Pence com sua voz sinistra de novo. —
Sem piloto, sem condutor, sem passageiros... sem retorno.
— Ele passa quando a noite começa a cair — acrescentou Olette.
— Vamos dar uma olhada!
Diante da orientação de Hayner, todos assentiram e seguiram para a Colina do Sol Poente.

Do topo da Colina do Sol Poente, podiam ver o sol afundando ao longe, junto ao mar. Para
ver os trilhos do trem, precisavam ficar na beira de um precipício bastante íngreme, onde a única
coisa que os impedia de cair era uma cerquinha baixa.
— Se os rumores estiverem certos, ele vai passar aqui a qualquer minuto — disse Hayner,
atirando-se ao chão.
Ao lado dele, Roxas se deitou de barriga para baixo e começou a cochilar. Olette também se
esticou no chão, enquanto Pence se sentava devagar, as pernas estendidas diante dos outros.
— A gente tem que ir pra praia ano que vem — murmurou Olette, observando o pôr do sol.
Hayner se inclinou para frente.
61 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— Sim. É melhor arranjarmos uns bicos assim que as férias começarem.
Ano que vem — era verdade. Ano que vem haveria outras férias de verão. Aquelas estavam
quase acabando, mas eles teriam o ano seguinte para tentar de novo.
Deixando a mente se perder em pensamentos, Roxas notou que aquele fato extremamente
óbvio o deixara mais animado.
— Ah, olha só. Um bando de vagabundos. O que estão fazendo aqui?
Os quatro se viraram diante da voz repentina e se depararam com Seifer.
— E do que te importa? — retrucou Hayner, a voz soando imensamente aborrecida.
— Não me importo. Mas quero saber mesmo assim.
— Estamos esperando o trem fantasma — disse Pence, como se não se preocupasse com
nada no mundo.
— Esperando o trem fantasma? — Seifer caiu na gargalhada.
Era uma gargalhada maldosa, e Roxas não conseguia suportar aquilo. Levantou-se e encarou
Seifer com um olhar incisivo, afiado como uma lâmina.
— Por que olhar pra você sempre me tira do sério? — comentou Seifer, estalando o pescoço.
— Não sei. Talvez seja o destino.
— Destino, é? Nesse caso, vamos ser amigos. — Por algum motivo estranho, a expressão no
rosto de Seifer se suavizou. — Não gosto de cooperar com o destino.
— E quando foi que você já cooperou com alguma coisa? — disse Hayner.
Seifer levou o punho ao peito e abriu um sorriso, depois lhes virou as costas.
— Seifer...? — disse Olette atrás dele.
— Eu sei. Amanhã. — Seifer acenou sem olhar de volta para eles e então foi embora.
Foi quando, ao longe, Roxas ouviu o apito de um trem.
— Lá vem ele! — gritou, correndo até a beirada.
— Roxas...? — disse Hayner, a voz baixa, logo atrás dele.
— O trem! Ele tá chegando!
Lá estava ele, passando bem devagar diante de seus olhos. Diferente dos trens que cruzavam
a cidade, aquele era violeta. Conseguiu enxergar através das janelas frontais, na cabine onde deveria
estar o piloto — e não havia ninguém lá.
— É mesmo verdade!
O trem adentrou um túnel e desapareceu de vista.
— E não tem mesmo ninguém a bordo! — Roxas virou de volta para os outros. — Qual é a
pegadinha? Tem que ter algum tipo de explicação idiota, né?
Seus amigos não olharam para ele — apenas trocaram olhares uns com os outros. Hayner
parecia dúbio, Pence um pouco surpreso e Olette preocupada.
E nenhum deles disse uma única palavra.
— Então é de verdade, né? Vamos pra estação! — Roxas saiu correndo.
— Devagar aí, Roxas! — Hayner correu atrás dele, com Pence e Olette logo em seu encalço.
Na colina iluminada pelo brilho do pôr do sol, um homem de casaco negro surgiu em meio a
uma nuvem de estática e seguiu em silêncio atrás de Roxas e seus amigos.

Quando subiram os degraus da Estação Pôr do sol, Roxas ficou completamente anestesiado,
mal se lembrando sequer de respirar.
O trem violeta estava parado na plataforma.
— Vem, vamos dar uma olhada lá dentro! — Quando Roxas disparou em direção às portas
do trem, Hayner o agarrou pelo braço. — Qual o problema?!
— Hã... você vai se machucar.
Hayner estava com os olhos focados além de Roxas, fitando o trem — ou melhor, o espaço
vazio sobre os trilhos.
Roxas olhou de volta e viu que não havia trem algum.

62 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— Mas... hein?!
O quê? Ele estava bem aqui!
— O trem está se aproximando. — O anúncio da estação ecoou por toda a plataforma. Logo
em seguida, um trem local surgiu, parando lentamente. As portas se abriram e os passageiros foram
descendo, inclusive Fuu e Rai.
— Veio um trem lá da praia e ele não tinha piloto. Não é? — disse Roxas, inexpressivo.
— Vamos voltar — disse Pence, pensando mais em si mesmo do que em qualquer outro.
— Mas vocês também viram, não é?
— Anda logo.
Atrás deles, Hayner balançou a cabeça e empurrou Roxas em direção ao trem local.
— Vocês não viram?! — protestou Roxas.
— ...Não. Não vimos. — disse Hayner, a voz baixa, enquanto empurrava Roxas a bordo.
O outro trem... ele não tinha estado lá. Roxas fora o único que o havia visto.
A campainha que sinalizava a partida tocou e Olette e Pence trataram de saltar para dentro
do vagão, juntando-se aos outros dois. O trem os levou de volta ao centro da cidade.

Nenhum deles falou durante a viagem de trem, nem quando desembarcaram na Estação
Central e deixaram o prédio.
Finalmente, Hayner quebrou o silêncio, tentando acabar com o clima melancólico.
— Bom, hora de voltar pra casa e fazer essa redação.
— Os rumores eram todos falsos. Fim — disse Pence, fitando Roxas com um olhar cheio de
preocupação.
— Ainda dá pra fazer parecer bom se a gente escrever sobre todo o trabalho que tivemos —
salientou Olette, seu tom sempre gentil.
De repente, Roxas parou, olhando para o chão com uma expressão miserável no rosto.
— Mas e quanto ao último? — murmurou. — O sétimo mistério?
— Quem liga?! — disparou Hayner.
Roxas o ignorou.
— Eu ligo. Vamos, Pence — disse, aproximando-se do garoto mais robusto.
— Tanto faz! — Hayner saiu correndo, claramente bravo. Olette ficou olhando para ele, até
que finalmente se virou.
— Roxas...? — disse ela, ansiosa.
Mas Roxas lhe virou as costas, olhando diretamente para Pence.
— É naquela mansão assombrada. — Pence suspirou.
— Na mansão assombrada?
Pence e Olette trocaram olhares e então foram atrás de Hayner.
Eu não entendo... Por que tá todo mundo agindo desse jeito? Pensou Roxas. O trem estava
lá. Ele parou na plataforma. Será que isso significa mesmo que ninguém mais conseguia vê-lo?
Então por que será que eu fui o único que conseguiu?
Ele não conseguia compreender nada daquilo.
Enquanto o brilho vermelho do sol banhava toda a praça em frente à estação, Roxas partiu
em direção à mansão assombrada.

Naminé havia acabado de finalizar o desenho de uma menina de cabelos vermelhos no meio
de uma página de seu caderno. Pousou os lápis de cera em tons pastéis sobre a mesa, suspirando
brevemente antes de erguer a cabeça.

63 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
A sala estava coberta com os desenhos que havia feito ao longo do último ano. Eram todos
baseados em cenas que conhecera através das memórias de Sora, ainda que não tivesse algo assim
para chamar de seu.
Eu não tenho memórias próprias...
Embora não houvesse brisa, sentiu o leve balançar das cortinas. Naminé se levantou.
Quando espiou por um vão no canto das cortinas, viu três pessoas paradas lá fora.
Fechou os olhos em silêncio e começou a pensar nele — aquele que era como uma outra
versão de si mesma.
Estou sentindo pena dele...? Então deveria sentir pena de mim mesma?
Não... não há por que ter pena de mim. Eu pude conhecer o Sora, afinal.
Mas ele—
Algo distorceu o ar na sala branca. E então... Naminé desapareceu.

Ele correu até chegar à mansão, mal parando sequer para respirar. A área externa estava tão
quieta quanto de costume.
Não havia nada lá... Nada iria acontecer.
Roxas fitou o portão com seu gigantesco cadeado.
— Sabe uma coisa... — disse uma voz atrás dele.
Roxas deu um pulo.
— Ah...! O quê...? Pence?
Seu amigo estava parado bem ali.
— A gente ia dar uma olhada na mansão amanhã. Afinal, é o lugar mais suspeito de todos.
— Pence agia como se não houvesse nada errado, também com o olhar voltado para a construção.
— Ah. Entendi... — Roxas abaixou a cabeça, um pouco deprimido por ouvir ainda mais
uma coisa que não sabia.
— Até a galera do Seifer ia ajudar.
Surpreso, Roxas ergueu o olhar.
— O Seifer?
— Aham. — Pence deu uma breve risada desajeitada e então deu de ombros. — O Hayner
pediu pra ele.
Roxas não imaginava que Seifer ajudaria com tudo aquilo. Na verdade — nunca imaginara
que Hayner pediria isso a ele.
Olhando para Pence com um pequeno sorriso no rosto, Roxas começou a se sentir tímido e
então se voltou para a mansão novamente. Conseguia ver cortinas brancas esvoaçantes em uma
janela do segundo andar.
— E aí, Pence... o que estamos procurando?
— Hã, bem, dizem que tem uma garota que aparece numa janela do segundo andar, ainda
que ninguém more aqui há anos.
Roxas fitou a janela com toda a atenção.
“Roxas...”
Pensou ter ouvido a voz de uma garota vinda de algum lugar.
Era aquela garota — Naminé.
— Roxas? — Ouviu a voz de Pence sobreposta à dela.
De repente, o mundo se distorceu e estremeceu. Mas não foi uma sensação desagradável,
como de costume.
Naminé estava chamando por ele...

64 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
Naminé estava com o olhar fixo na grande mesa ao centro da sala. Roxas começou a ser
gradualmente “desenhado” diante dela, como numa pintura. Entretanto, não sabia dizer se aquela
era a palavra certa. Mas dizer que ele estava sendo pintado na sala se aproximava mais da verdade
do que dizer que ele simplesmente surgira ali.
— Naminé? — Ele a chamou pelo nome e ela respondeu com um sorriso silencioso.
Ele parecia um pouco sobressaltado enquanto examinava a sala e seus olhos então pousaram
em um desenho em particular.
— Esse... sou eu? E aquele cara, o Axel...?
Era um desenho que Naminé havia feito de Roxas e Axel, parados um ao lado do outro.
— Vocês são melhores amigos — disse ela.
Era verdade. Aqueles dois costumavam ser amigos — bom, Axel acreditava que ainda eram.
Roxas era seu melhor amigo, talvez seu único amigo.
E Axel era o mesmo para Roxas — provavelmente.
— Corta essa. — Roxas balançou a cabeça.
— Você não quer saber a verdade sobre quem você realmente é?
Eu iria querer, pensou Naminé. Se fosse ele, eu iria querer saber. Por que eu fui criada?
Por que estou aqui? Eu já quis saber tudo isso.
— Bom, ninguém sabe essas coisas melhor do que eu — retrucou Roxas.
Naminé abaixou o olhar.
— É claro...
— Mas... eu não entendo o que tem acontecido ultimamente.
Diante dessas palavras, ela apontou para um dos desenhos na parede — um desenho de Sora,
ao lado de Donald e Pateta.
— Você conhece esses três, não conhece?
— Ah, sim... Sora, Donald e Pateta — murmurou ele, examinando o desenho. — São dos
meus sonhos.
Naminé respirou fundo e foi falando devagar:
— Cerca de um ano atrás... aconteceram algumas coisas e eu tive que separar as memórias
acorrentadas no coração de Sora. Mas agora, estou reconectando todas elas, do jeito que eram antes.
Isso me tomou muito tempo, mas, em breve, Sora voltará a ser como era. No entanto, esse processo
também está afetando você, Roxas.
— Quer dizer... os sonhos?
— Sim. Você e o Sora estão conectados.
Diretamente atrás de Roxas, havia um desenho onde ele e Sora estavam de mãos dadas.
Naminé fixou o olhar neste desenho antes de prosseguir:
— E para que o Sora se torne completo de novo... ele precisa de você.
Porque o Sora não está completo desde aquele dia. Desde o momento que você foi liberado
do coração dele.
— De mim? Pra quê? — disse Roxas.
— Você porta metade do que ele é. Ele precisa de você, Roxas.
Mas quem precisa de mim? Pensou ela, desolada.
— Naminé... quem é você?
Voltou o olhar para ele novamente.
— ...Sou uma bruxa com poderes sobre as memórias de Sora e daqueles à sua volta.
Roxas franziu o cenho.
— Uma bruxa?
— É como o DiZ me chama. Mas não sei por que tenho esse poder... apenas o tenho. Não sei
nem mesmo se há uma forma certa de usá-lo.
Ela balançou a cabeça. Não sei praticamente nada com certeza, pensou. Mas era por isso
que queria saber como Roxas se sentia. O que iria fazer.
— Bom... não posso te ajudar com isso. — Confuso, Roxas abriu um sorriso desajeitado.
Sem conseguir evitar, ela sorriu de volta.

65 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
Os dois compartilharam alguns momentos de silêncio. Então, como se simplesmente não
conseguisse olhar para ela por muito tempo, Roxas desviou sua atenção para a sala novamente.
Dentre o significante número de desenhos presos à parede, os que retratavam homens de casacos
negros lhe chamaram a atenção. Naminé notou que algo sobre esses homens pareceu prender seus
pensamentos. Mas naquele momento, ele provavelmente não sabia mais sobre eles do que ela.
— Engraçado... de repente, sinto como se eu nem me conhecesse — disse Roxas. — Acho
que eu gostaria de saber... o que você sabe de mim que eu não sei?
— Você... — Naminé ergueu o olhar e, com a voz suave, finalmente disse a ele: — Você
não deveria existir, Roxas.
Suas sobrancelhas se franziram com força.
— O quê...? Como pode dizer algo assim? Mesmo que fosse verdade!
Vê-lo transtornado daquele jeito também a encheu de angústia. O que havia dito para ele
também era verdade para ela.
Você e eu... nenhum de nós deveria existir. Assim como eles.
— Sinto muito — disse Naminé, apologética, desviando o olhar para o lado. — Acho que
certas coisas... é mesmo melhor não dizer.
Se Roxas não precisava saber, não havia motivo para que ela continuasse falando com ele.
No instante que sentiu isso, Roxas desapareceu da sala.
Não há mais nada sobre o que possamos conversar. É melhor que ele não saiba de tudo
isso. Eu também nunca quis saber, afinal.

— Roxas? Roxas!
Ouvindo a voz de Pence, Roxas se contraiu.
— Hã? — Olhou ao redor e viu que Naminé não estava lá. Estava de volta à frente da
mansão assombrada.
— Você viu ela? — indagou Pence.
— A janela... — Roxas apontou para a janela do segundo andar, onde as cortinas brancas
estavam balançando. Sentia como se Naminé ainda o estivesse observando lá de cima... mas não
conseguia vê-la.
— Ah, que droga. São só as cortinas se mexendo. Aposto que deve ter uma corrente de ar lá
dentro, já que o lugar tá caindo aos pedaços.
— É... — Roxas assentiu.
Só podia ter sido um sonho.
Eu nunca devia ter existido...? Por que ela diria algo assim?
— Bom, vamos voltar pro ponto de encontro. O Hayner e a Olette estão esperando. — Pence
correu em direção ao bosque e Roxas o seguiu.
Naminé...
“Você não deveria existir.”
Roxas olhou de volta para a mansão mais uma vez. Não havia ninguém na janela.

Ele atravessou a mansão a passos lentos.


O trem... Aquilo certamente não tinha sido necessário. Ele não conseguia entender por que
DiZ deliberadamente faria algo tão arbitrário.
Ouviu um suave tamborilar de passos atrás de si. Virando-se, ele se deparou com Naminé, a
cabeça abaixada de forma miserável, os ombros esguios tremendo.
— ...Naminé?
— Certa vez, você disse que deixaria a escuridão lhe mostrar o caminho. — Ela não olhou
para ele enquanto falava, sua voz quase inaudível.
66 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
Ele notou que ela devia estar chorando.
— Sua escuridão pertence a você... Você precisa dela.
— Aonde quer chegar? — Ele se aproximou um passo.
— O mundo... precisa da escuridão. A luz só existe porque existe escuridão. Mas... e quanto
a nós? — Ela finalmente ergueu o olhar em sua direção. — E quanto a nós?
Nós não somos seres de trevas, nem de luz, ponderou Naminé.
Por que nós sequer nascemos?

Olette os cumprimentou assim que voltaram ao esconderijo debaixo dos trilhos.


— E aí, pessoal. Como foi?
— A garota da janela era só uma cortina balançando com o vento — reportou Pence, jocoso.
Roxas procurou por Hayner, mas ele não parecia estar lá. Ele... tá bravo comigo de novo?
— Imaginei que seria algo assim — disse Olette. — A redação já está pronta.
— Beleza! — Pence deu um pulo de alegria.
— E aí, querem ir atrás do Hayner? Ele deve estar na estação. — Olette notou como Roxas
estava olhando em volta. Foi até ele. — Sabe, nós só temos mais dois dias juntos.
— Hã? — Algo naquelas palavras fazia parecer que havia uma espécie de significado
especial por trás delas.
— As férias de verão, lembra? — disse Olette.
— Ah... certo.
Só mais dois dias de férias de verão. As aulas estariam voltando antes que se dessem conta...

Dessa vez, ele não estava visitando a sala do computador, mas uma das outras tantas salas da
mansão. Como a condição de Sora havia se estabilizado, DiZ já não passava mais tanto tempo na
frente da tela. Aparentemente, também já estava quase terminando os documentos que tanto ficava
digitando.
— Por que o deixou ver o trem? — perguntou ele.
Diante da pergunta, DiZ ergueu a cabeça com indícios do que parecia ser um sorriso.
— Porque ele perdeu a viagem para a praia.
— Hmph... Isso é quase doce da sua parte.
DiZ desviou o olhar.
— Agora... e quanto a você? Os buracos na sua memória estão começando a se preencher?
— Sim... a neblina está clareando — respondeu ele, fechando os olhos.
O que lhe veio à cabeça foi aquela ilha... O mar. O céu. Sora e Kairi abriram um sorriso em
sua memória.
Ele se sentou em uma cadeira de frente para DiZ.
— O mesmo está acontecendo a todos que possuem laços com Sora. Em breve, para eles, ele
será como um bom amigo que esteve longe por um ano. — O olho de DiZ piscou e ele abriu um
sorriso de satisfação.
— Estive esperando e agora quero saber. O que você busca, afinal?
Seu olho se abriu novamente.
— Vingança.
Ele olhou para o chão. Não esperava ouvir aquela palavra saindo da boca de DiZ.
— Agora, os toques finais — disse DiZ. — Primeiro, temos que nos livrar de Naminé.
Ele franziu o cenho por baixo do capuz.
— Ela fez um trabalho esplêndido com Sora, mas já passou da hora de desaparecer. Roxas
não é o único que nunca devia ter existido. Cuide disso, Ansem.
Sem responder, ele permaneceu imóvel.
67 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
No alto da torre do relógio, Hayner mordiscava seu picolé de sal marinho enquanto assistia
ao pôr do sol.
— Amanhã, vamos vasculhar a cidade — disse assim que notou que os outros se juntaram a
ele, mas sem desviar o olhar do sol poente.
— E depois de amanhã tem o festival — acrescentou Pence, virando para Roxas e Olette.
— O último dia do verão! — disse Olette, animada.
— Nem me lembre! Me dá dor de barriga só de pensar! — Hayner esfregou o estômago da
forma mais dramática que pôde.
— Pra mim, que o culpado por isso é todo esse picolé que você toma — debochou Pence.
Ao lado, Roxas observava seus amigos. Mais dois dias de férias de verão. Só dois dias para
que ficassem juntos.
Pelo menos, ainda eram dois dias inteiros...
“Você nunca devia ter existido.”
Era o que Naminé lhe havia dito.
Ele não deveria existir? Era o melhor amigo de Axel?
Meus melhores amigos são o Hayner, o Pence e a Olette, não são?
Os sinos da torre do relógio tocaram com seu clamor estrondoso. Podia ouvir um trem
assobiando ao longe. Hayner e os outros estavam conversando e dando risada. Ainda assim... tudo
lhe parecia estar acontecendo há quilômetros de distância.
Roxas fitou o sol baixo, ainda brilhante demais, e lágrimas surgiram em seus olhos.
Só mais dois dias de férias de verão.

---------- Restauração a 98% ----------

68 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
69 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
A CIDADE ERA COBERTA PELA ESCURIDÃO. O BRILHO DAS LUZES DE NÉON AQUI E
ali, na tentativa de atenuar as trevas, só deixava a escuridão ainda mais profunda. Na meia-luz,
sombras ainda mais negras rastejavam, erguendo-se do chão em movimentos retorcidos enquanto
assumiam a forma de Heartless.
Eles me cercaram. Eu empunhava uma arma em cada mão — duas Keyblades.
Conforme ia abatendo os Heartless, a adrenalina da luta me tomou o corpo. Eu ergui o
olhar para o céu negro. Havia um garoto parado lá em cima, ao topo de um telhado, com cabelos
prateados e uma venda que lhe cobria os olhos.
Ele parecia ter a minha idade, mas não sabia dizer ao certo. Como eu, vestia um casaco
negro — entretanto, claramente não era um de nós.
Eu lancei uma das Keyblades em sua direção. Mas ele a pegou e pulou do prédio, seguindo
em minha direção. Eu saltei e corri para enfrentá-lo e, no instante em que passamos por uma placa
de néon, tive a certeza de que ele conseguia ver o rosto escondido embaixo do meu capuz.
Ambos saltamos do prédio e pousamos no chão quase ao mesmo tempo. Logo em seguida,
todos os Heartless em volta se dispersaram e nós saltamos para trás para tomar distância um do
outro. Ele empunhava minha Keyblade como se fosse algo perfeitamente natural. Aparentemente,
conseguia empunhar uma arma que nem sequer devia permanecer em suas mãos.
Ele correu em minha direção com a Keyblade em riste. O som de metal contra metal
ressoou e faíscas voaram.
Nossa força era equivalente — bem, talvez eu fosse um pouco mais forte. Talvez.
Dentre outra rajada de faíscas, ele caiu.
— Por quê? Por que você tem a Keyblade?! — gritou.
Era exatamente o que eu queria saber.
Por que eu nasci? Por que estou aqui? Por que estou lutando contra você? E como é que
você também consegue usar a Keyblade?
— Cale-se! — gritei... e lancei a Keyblade em sua direção, pronto para finalizá-lo.

Roxas se ergueu na cama com um grande impulso. Aquele sonho não fora como os demais.
Não eram o Sora e os outros... era eu. Eu mesmo estava no sonho.
Levantou-se da cama e olhou de volta para a janela a tempo de ver uma pomba batendo as
asas e alçando voo.
Refletindo sobre o sonho, ele se vestiu e saiu de casa.
Hoje era o dia da investigação. Talvez assim a gente consiga entender o que está por trás de
todas essas coisas estranhas que estão acontecendo comigo.
Checou o relógio — já passava da hora que devia ter se encontrado com eles. Subindo no
skate, Roxas disparou em direção ao ponto de encontro.
Quando chegou, deixou o skate apoiado numa parede do lado de fora e respirou fundo antes
de entrar. Os outros três já estavam lá, discutindo alguma coisa.
— Cara, não consegui dormir nada essa noite... — Coçando a cabeça, Roxas se aproximou
para se juntar aos amigos. — Galera...?
Tentou tocar o ombro de Hayner — mas sua mão o atravessou por inteiro.
Os três pareciam completamente absortos numa conversa animada. Mas embora estivessem
se mexendo e gesticulando como se estivessem conversando, Roxas não conseguia ouvir suas
vozes. Eles viram alguma coisa e caíram na gargalhada — completamente em silêncio. E então
correram através dele, deixando o ponto de encontro.
— O quê...? — murmurou Roxas.
Havia uma única foto pousada sobre o tanque de água inutilizado que tinham tomado posse.
Era a foto tirada diante da mansão assombrada, com Hayner, Pence, Olette — mas sem Roxas.
Saiu correndo atrás deles. Os raios de luz baixos que iluminavam o beco estavam tão
deslumbrantes quanto de costume.

70 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
Mas... não tinha mais ninguém lá fora.
Ele estava para seguir em direção à Rua do Mercado, quando sentiu uma presença atrás de
si. Uma forma negra se formou e então alguém saiu de dentro dela — Axel.
— Olha só no que deu — disse Axel. — Eu recebi ordens terríveis... e vou ter que te destruir
se você se recusar a voltar comigo.
Roxas o encarou com o olhar vidrado. O que Naminé tinha dito...?
— Nós... somos melhores amigos, né?
Era o que ela lhe contara. Roxas, no entanto, não tinha nenhuma memória sobre isso.
Mas... nós somos amigos.
— Bom, claro, mas não vou deixar que me transformem numa Penumbra pra... Ei, espera!
Você se lembra agora?!
— Hã, sim... — gaguejou Roxas. Não era verdade. Ele não se lembrava. De nada.
— Ótimo!
Axel parecia genuinamente feliz, muito mesmo. Roxas sentiu um pequeno aperto no peito.
Mas não podia permitir que se preocupasse com isso. Axel tinha acabado de dizer que ia destruí-lo.
Se descobrisse que Roxas de fato não se lembrava... ele provavelmente o faria.
— Mas, sabe, só pra garantir mesmo — prosseguiu Axel, o rosto ainda bem animado. —
Deixa eu ver... tá, qual é o nome do nosso chefe?
Aproveitando a chance enquanto Axel estava de guarda baixa, Roxas pegou um graveto que
estava caído no chão.
— Roxas? — disse Axel, a voz agora inquieta.
Roxas se posicionou para uma luta, empunhando o graveto como uma espada.
— Qual é, não acredito... — murmurou Axel.
O graveto nas mãos de Roxas se transformou na Keyblade.
— Axel...
Mas quando Roxas chamou seu nome, Axel empunhou seus chakrams. E então — parou de
se mexer. Estava pausado, assim como antes, quando Naminé o ajudou no pátio. Foi quando uma
voz profunda começou a falar, vinda de algum lugar:
— Roxas. Para a mansão. A hora chegou...
Para a mansão? Hora de quê?
Não importa... Eu só quero ver os meus amigos.
— Hayner... — gritou Roxas. — Pence...
Mas não houve resposta.
— Olette...!
A cidade estava em silêncio. Não conseguia ouvir nada. Parado diante de si, congelado no
tempo, estava seu “melhor amigo”, Axel.
Mas o Axel nunca foi meu melhor amigo. Não pode ter sido, ou eu me lembraria dele.
Meus amigos são aqueles que moram aqui, o Hayner, o Pence e a Olette...
Gritou seus nomes novamente:
— Hayner! Pence! Olette!
Sua voz ecoou pelas ruas vazias de Twilight Town.

— Temos intrusos — disse DiZ.


Ele se ergueu e fitou a tela, que mostrava um mapa de Twilight Town com pontos brilhantes
que representavam os intrusos. E os pontos estavam se multiplicando.
— Isso não é nada bom — murmurou ele, empunhando uma espada que mais parecia uma
asa de demônio.
— E quanto à Naminé? — perguntou DiZ quando ele estava para deixar o local.
— Está na sala de sempre.
— ...E? Não tinha dito para se livrar dela?

71 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
Ele podia sentir o peso do olhar de DiZ em suas costas. Mas não se virou para responder:
— Ainda pode ser feito. Mesmo depois que Sora acordar.
— Já está na hora. Roxas chegará aqui na mansão a qualquer momento. Não sei o que está
tramando... mas tudo está prosseguindo de acordo com as minhas teorias.
Diante dessas palavras, ele finalmente olhou para DiZ.
— Seus objetivos não são os mesmos que os meus. Espero que não se esqueça disso.
Um pequeno sorriso se formou no rosto de DiZ — ou talvez fosse só a imaginação dele.
— Quando o Sora acordar... essa nossa aliança termina. Certo?
DiZ o fitou sem dizer nada, nunca tirando os olhos de seu rosto, não mais oculto pelo capuz.
Com um breve sorriso, ele deixou a sala.

O tempo começou a se mover novamente. Axel deu um grande suspiro. Parecia que eles
ainda eram melhores para dar a volta na situação.
— O Roxas que eu conheço já não existe mais — murmurou Axel, como se para confirmar o
fato para si mesmo. — Tá bom, já entendi como tem que ser...
Ficou olhando para o pôr do sol. O Roxas que ele conhecia tinha mesmo partido?
O que Axel podia fazer para encontrá-lo novamente?
Em breve... Sora acordaria.
Como poderia separar Sora e Roxas?
— Nada bom... — Axel franziu o cenho. Um espaço negro se formou atrás de si e, entrando
por ele, Axel desapareceu.

Roxas disparava em direção à mansão assombrada. Aqui e ali, em meio à cidade, surgiam
mais e mais daquelas criaturas prateadas, as Penumbras.
Por quê...? O que estava acontecendo com Twilight Town?
— Hayner... Pence... Olette... — Resfolegante, ia murmurando seus nomes como um feitiço,
enquanto lançava a Keyblade contra qualquer Penumbra que cruzasse seu caminho.
Se passasse pela parede quebrada e atravessasse o bosque, finalmente chegaria à mansão
assombrada, e lá provavelmente conseguiria descobrir alguma coisa.
— Hayner...
Estava sempre fazendo as coisas mais idiotas ao lado de Roxas. Os dois lutaram juntos no
Struggle e às vezes chegavam mesmo a discutir, mas sempre faziam as pazes logo depois.
— Pence...
O amigo gordinho, sempre tão doce e atencioso. Era também muito bom com computadores,
sempre de olho no que estava acontecendo na cidade e pronto para compartilhar qualquer notícia.
— Olette...
Estava sempre sorrindo. Honesta e conscienciosa, era sempre a responsável por manter os
outros na linha.
Não conseguia acreditar que esses três não eram de fato seus amigos. Não podia acreditar.
E não só eles, mas Seifer e sua turma também, e todos os outros da cidade. Todos eles —
eram todos seus amigos. Nunca poderia pensar algo diferente disso.
Ele finalmente atravessou o bosque.
— Por quê...? — murmurou, erguendo o olhar para a mansão assombrada.
O portão estava tão bem trancado quanto de costume com seu cadeado gigante.
— Não me chama aqui pra me deixar trancado pra fora...
Atrás dele, várias Penumbras se reuniam e empurravam, tentando alcançá-lo.
De repente, uma memória de seus sonhos lhe veio à cabeça. Uma grande fechadura... e em
sua mão, a Keyblade.
72 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
Como Sora abria aquelas coisas nos sonhos?
Roxas se afastou um passo do portão e ergueu a Keyblade, apontando-a para o cadeado. Um
facho de luz irradiou da Keyblade — e o portão se abriu.
— Pronto! — Roxas nem sequer olhou para trás, disparando para o interior da mansão.
Quando as criaturas prateadas estavam a ponto de ir atrás de Roxas, um homem de casaco
negro bloqueou seu caminho.
O portão se fechou lentamente atrás dele e as Penumbras então o cercaram. A arma que
empunhava nas mãos era uma espada que mais parecia a asa de um demônio — a Soul Eater.
— Venham pegar — zombou das criaturas.
Todas de uma vez, elas se lançaram em sua direção.

O interior da mansão era escuro e empoeirado. Mas por que Roxas sentia que conhecia
aquele lugar? No segundo andar, ao final do corredor, deveria ficar...
Disparou pelo saguão e subiu as escadas, dois degraus de cada vez. As Penumbras ainda
vinham atrás dele, mas pareciam bem mais fracas agora. Quando parava para pensar na primeira
vez que enfrentou uma delas, mal podia acreditar que se tratavam das mesmas criaturas. A
Keyblade também parecia mais leve em suas mãos. Não sabia dizer se a diferença estava em si ou
nas coisas à sua volta.
Abriu a porta no final do corredor do segundo andar.
— Aqui é...
De alguma forma, ele sabia o que encontraria — a sala branca onde havia conversado com
Naminé no dia anterior. Vários desenhos cobriam as paredes. Roxas os examinou um a um, com a
atenção que não teve a chance de dar antes.
Naminé havia se declamado uma bruxa que podia controlar as memórias das pessoas.
Os desenhos ali presos nas paredes eram esboços que fizera das memórias de alguém — as
memórias de Sora e as suas próprias também.
Parou diante de um desenho em específico. Alguém vestido de preto correndo ao longo de
um prédio negro.
Esse... sou eu.
E no momento que se deu conta disso, uma forte dor tomou sua cabeça.
E sua mente voltou no tempo.

Estava andando numa cidade negra, iluminada apenas por placas de néon — a mesma do
sonho que tive esta manhã.
Axel também estava lá, como se estivesse esperando por mim. Senti minha determinação
hesitar quando o vi, mas continuei caminhando.
— Já se decidiu? — disse ele quando passei na sua frente.
Me virei para encará-lo.
— Por que a Keyblade me escolheu? Eu tenho que descobrir.
Essas memórias inexplicáveis sempre surgiam no meu coração. Coisas que eu nunca vi,
pessoas que nunca conheci.
Por que eu portava a Keyblade? Por que fui separado de Sora? Por que eu sequer surgi?
Eu queria descobrir.
— Você não pode se voltar contra a Organização! — gritou Axel.

73 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
Ele se lembrou — Eu estava com a Organização.
Roxas esfregou as têmporas ainda latejantes e então se virou. Naminé estava lá, em silêncio.
— A Organização XIII... é um grupo do mal — disse, como se para si mesmo.
Naminé balançou a cabeça e olhou para o chão enquanto falava:
— Do mal ou do bem... não sei dizer. É um grupo de pessoas incompletas que desejam se
completar. E para isso, estão desesperadamente buscando uma coisa.
— Que coisa? — perguntou Roxas.
Ela ergueu o olhar e respirou fundo por um instante.
— Kingdom Hearts.
— ...Kingdom... Hearts? — Não conseguiu segurar um sorriso enquanto repetia as palavras.
— Engraçado? — disse Naminé, questionando sua reação.
— Não, é que... — Roxas deu um passo em sua direção, balançando a cabeça. — Acho que
eu estive fugindo da pergunta que realmente quero fazer. O que vai acontecer comigo agora? Só me
conta isso. Nada mais importa de qualquer jeito.
Ele apenas queria saber. O que vai acontecer comigo? Por que tudo isso aconteceu?
Hayner, Pence, Olette. Sora, Donald, Pateta... Naminé e Axel, o homem de preto.
Pessoas que conhecia e pessoas que não conhecia. Mas talvez conhecesse as pessoas que não
conhecia. Talvez não conhecesse as pessoas que conhecia.
Não sabia mais o que era o quê.
— Você é... — Naminé começou a dizer... mas então sua imagem cintilou e desapareceu,
como uma espécie de miragem.
— Naminé? — Roxas foi correndo até onde ela estava, mas um homem surgiu em seu lugar
em meio a um flash de luz.
O homem de vermelho.
O mesmo que apareceu quando o Axel estava falando comigo no dia do Struggle...

As Penumbras surgiam tão depressa quanto eram derrotadas, mas ele continuava destruindo
as criaturas prateadas.
Foi quando um grito cortou o ar:
— Socorro! Por favor!
Ele se virou. Parecia a voz de alguém que ele conhecia — a voz dela.
Mas era Naminé, parada diante do portão. Naquele instante, não lhe restaram dúvidas sobre
de quem ela era o Nobody.
— Por favor, não deixe mais que eles machuquem o Roxas! — Ela se agarrou a suas costas
desesperadamente. — Somos Nobodies, nunca devíamos ter existido. Mas isso... isso é horrível!
Ele abaixou a Soul Eater e a abraçou junto a seu corpo.
E então uma voz surgiu em meio às Penumbras:
— Quer dizer que o Roxas tá lá dentro?
— Axel... — murmurou Naminé.
Ele ergueu o olhar, apenas para se deparar com um homem de cabelos vermelhos parado
mais adiante. Provavelmente um membro da Organização. Ele empunhou a Soul Eater novamente.
— Quem é você? — rosnou.
Em resposta, Axel simplesmente empunhou os chakrams. Em meio à tensão, Naminé se
voltou para ele:
— Seu nome é Axel... Ele é amigo do Roxas. É um Nobody. E também é um membro da
Organização... mas ele...
Com um sorriso no rosto, Axel a interrompeu:
— Deixe-me dizer uma coisa, Naminé... Você e eu queremos exatamente a mesma coisa.
Deu pra memorizar?
Naminé balançou a cabeça.

74 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— É a mesma coisa... e ao mesmo tempo não é. Mas não tenho tempo para explicar.
Escutando a conversa dos dois, ele encarou Axel com um olhar severo.
— Eu lamento, Axel. — Diante das palavras de Naminé, um portal se abriu atrás dela e dele.
Foram engolidos por ele e então desapareceram.
— Ei, qual é?! — disse Axel, correndo em meio ao espaço vazio.
Não havia mais nada lá, a não ser pelo portão trancado que bloqueava seu caminho. Estalou
a língua, frustrado, e ficou olhando para a mansão que se assomava diante de si.

O homem de capa vermelha começou a falar num tom mensurado:


— Não há conhecimento que possua o poder de mudar o seu destino.
— Mesmo que não haja... eu ainda quero saber. Tenho o direito de saber — disse Roxas, a
voz abafada. Não importava o que fosse, ele queria entender qual era seu destino... o que iria
acontecer consigo.
— Um Nobody não tem direitos. Nem sequer o direito de existir.
— Mas o que é um Nobody?! — gritou Roxas, perdendo a calma, e então o homem de
casaco negro apareceu entre eles em meio a um portal de trevas.
— DiZ, estamos sem tempo. São Nobodies demais!
Como se seguindo o som de seu apelo, outro portal negro se materializou atrás de DiZ.
— Roxas... — Era Naminé, saindo de dentro dele, sua voz alta e urgente. — Nobodies como
nós são apenas metade de uma pessoa. Você não vai desaparecer. Vai se tornar completo!
— Eu... vou desaparecer? — disse Roxas.
DiZ se virou e agarrou Naminé pelo braço.
— Chega deste motim!
— Não, você não vai desaparecer! Vai... — Naminé começou a dizer a Roxas, mas DiZ
cobriu sua boca com a mão e a puxou consigo em direção ao portal.
— Ei, espera! — Roxas correu até eles, ou pelo menos tentou... mas o homem de casaco
negro estava em seu caminho.
Lutando com tudo de si, Naminé se esgueirou da mão sufocante de DiZ e ergueu a voz:
— Roxas! Nós vamos nos encontrar de novo! E aí poderemos conversar sobre tudo. Eu
posso não saber que é você e você pode não saber que sou eu... mas vamos nos encontrar de novo!
Algum dia, em breve! Eu prometo!
— Não! Espera! — Roxas tentou alcançá-los, mas bem diante de seus olhos, Naminé
desapareceu, levada pela escuridão. — Naminé!
O portal de trevas se fechou e, em seguida, o homem de casaco negro também desapareceu.
— O que foi... que aconteceu...? — murmurou Roxas, atordoado. E então gritou: — O que tá
acontecendo aqui?!
Balançou o braço, frustrado, e acabou acertando uma cadeira. A mesa balançou, fazendo
com que uma única folha caísse no chão.
Era um desenho de Roxas e Sora de mãos dadas.

DiZ soltou o braço de Naminé e então a empurrou. Ela caiu no chão da sala do computador.
Na tela, havia uma imagem de Sora.
— E pensar que um mero Nobody agiria de forma assim tão egoísta... — resmungou DiZ
entredentes.
Enquanto isso, ele ajudou Naminé a se levantar.
— Por que... os Nobodies nascem? Por que sequer temos que existir? Você sabe as
respostas, não sabe? — indagou Naminé, segurando a mão dele enquanto se reerguia.
— Não tenho obrigação de dá-las a você — respondeu DiZ, sem olhar para ela.
75 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— Não se lembra? Eu sou uma bruxa.
DiZ deu uma boa risada dela e então se virou, sua capa balançando atrás de si.
— Acha que pode me coagir? Você não tinha feito uma “promessa” para Sora e Riku?
— Mas não prometi nada para você — retrucou Naminé.
Não tinha. Naminé não tinha feito nenhuma promessa para DiZ. Minha única promessa foi...
— Vou dizer só mais uma coisa — disse DiZ. — Se não tivesse chegado a tais extremos
para início de conversa, Roxas não estaria sofrendo tanto assim. Não é verdade?
— Saber algo doloroso ainda é melhor que não saber nada. Ser capaz de ajudar alguém é
melhor, ainda que doa. Eu não tenho nenhuma memória. Não sei de nada, assim como a Réplica. E
é por isso que eu quero saber. Assim como o Roxas.
— E o que isso fará de bom para você?
No instante em que DiZ refutou seu argumento, ele notou que a tela atrás do sujeito os
estava alertando sobre alguma coisa. Naminé também tinha notado.
Havia um intruso na mansão — provavelmente Axel.
— O que você sabe, DiZ? — indagou Naminé.
Quando notou o que ela estava fazendo, ele instintivamente sentiu que não devia avisar a
DiZ. Ela continuou a interrogá-lo:
— O que espera conseguir?
— Vingança — respondeu ele, antes que DiZ pudesse dizer qualquer coisa.
Atrás de DiZ, a tela indicava que Roxas havia se infiltrado na sala do computador da mansão
simulada. E que Axel o estava esperando mais adiante.
Axel, o melhor amigo de Roxas...
Ele havia dito que ele e Naminé queriam a mesma coisa. A mesma, que ao mesmo tempo
não era a mesma, ela havia dito.
Se ele estivesse no lugar de Axel, não conseguiria destruir Roxas. Tinha certeza disso.
Isso queria dizer que, naquele momento, só estavam ganhando um pouco de tempo para
Roxas. Isso não deveria causar problemas.
— Esse velhote está nos usando para conseguir sua própria vingança pessoal — disse ele. —
Não é verdade?
— Está mesmo pretendendo me trair, Ansem? — A voz de DiZ estava tomada de raiva.
Entretanto, DiZ refletiu, se Ansem de fato fosse traí-lo... essa não seria a primeira vez.

No segundo andar da mansão, numa sala que ficava no lado oposto à sala branca que era
ocupada por Naminé, Roxas desceu por uma escadaria oculta que levava ao porão.
Havia apenas uma coisa da qual sabia. Eles me trouxeram aqui e agora eu tenho que seguir
em frente. Ainda que eu dê a volta, não vou recuperar nada do que importa pra mim.
Passando pela porta do porão, havia um enorme computador instalado. O monitor mostrava
uma imagem de Sora.
A dor de cabeça voltou — mais memórias estavam retornando.

— Cale-se!
Lancei a Keyblade em sua direção — mas uma forte escuridão começou a emanar dele, uma
escuridão inacreditavelmente poderosa.
Ele estava de pé novamente, com a aparência de outra pessoa. Mas não tive a chance de ver
de quem. O poderoso turbilhão de trevas me jogou para trás.
E então ele me levou para aquela mesma sala do computador no porão.
Minha cabeça estava doendo, mas conseguia ouvir duas pessoas conversando:
— Vai funcionar? — perguntou o homem de casaco negro, o que havia me derrotado.
76 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— Se conseguirmos sustentar a cidade simulada até que Naminé termine de reatar os elos
das memórias de Sora. — Era o homem de capa vermelha.
— O que vai acontecer com o Roxas?
— Ele possui metade dos poderes de Sora dentro de si. No fim, terá que devolver para ele.
Até lá, precisará de uma nova personalidade para despistar seus perseguidores.
Uma nova personalidade? Eu me tornei outra pessoa?
“Cidade simulada”? Ele estava falando de Twilight Town? Mas então e quanto ao Hayner,
o Pence e a Olette?
— Que pena... — murmurou o homem de preto.
— É o destino de um Nobody — disse o de vermelho.
O destino de um Nobody...?
O que é um Nobody?!

A memória que retornara tão dolorosamente à sua cabeça era uma verdade terrível e
indesejável.
A Keyblade surgiu nas mãos de Roxas em meio a um forte brilho.
Ele se encolheu, segurando as lágrimas que se formavam em seus olhos, e então golpeou o
computador com a Keyblade, de novo e de novo.
Todas as suas memórias eram falsas — e não só suas memórias. Seus amigos, até mesmo a
cidade — tudo. Era tudo falso.
Como...?
Roxas ficou olhando para o computador destruído.
Então, atrás de si, uma porta se abriu. Passou por ela correndo e, do outro lado, Axel estava
a sua espera. Roxas murmurou seu nome.
— Você se lembra mesmo de mim dessa vez? Mas que honra! — Um sorriso cruel e
distorcido se formou no rosto de Axel enquanto invocava seus chakrams.
Acontece que eu não me lembro, pensou Roxas. E não sei por que você tá me seguindo.
Naminé havia dito que Axel era seu melhor amigo. Mas se esse era o caso, então por que
Axel estava tentando destruí-lo?
Mas mais que isso — tudo naquela situação era tão repulsivo. Estava tão repugnado que
aquilo o estava deixando doente.
— Mas agora é tarde demais! — berrou Axel. Chamas irromperam no ar à sua volta.
Se o Axel quer me destruir... então beleza! Pode tentar!
Nesse instante, Roxas sentiu um enorme poder cruzar seu corpo e em meio a um forte flash
de luz, uma Keyblade surgiu em cada uma de suas mãos.
— Duas?! — exclamou Axel, lançando-se contra ele, mas Roxas cruzou as Keyblades e
bloqueou a investida. — Hm. Nada mal, Roxas...
Axel abriu um sorriso e então outra memória começou a voltar.

Naquela cidade iluminada apenas por luzes de néon, Axel gritou para mim:
— Você vai deixá-los furiosos, e eles vão te destruir!
Isso aconteceu logo depois da memória que voltou para mim na sala branca.
— Ninguém sentiria minha falta — retruquei, e então comecei a seguir meu caminho.
— Isso não é verdade... — murmurou Axel. — Eu sentiria.
Na época, fingi que não o tinha escutado. Nós somos Nobodies, não temos corações. Como
poderíamos “sentir falta” de alguém?
Mas agora eu entendo como ele se sentiu.

77 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
78 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
Roxas contra-atacou Axel com as Keyblades, fazendo-o cair de joelhos. Mas — Roxas não
conseguiu desferir o golpe final.
— Axel...
É verdade... nós éramos o único par de melhores amigos na Organização.
— A gente se encontra de novo na próxima vida. — Uma névoa negra se formou ao redor de
Axel enquanto falava.
— Sim. Estarei esperando.
— Bobinho. Só por que você tem uma próxima vida...
A respiração de Axel estava ofegante, seus ombros pesados enquanto a escuridão o engolia.
Roxas só desviou o olhar bem depois que ele já tinha desaparecido.

Um trem atracou tranquilamente na estação de Twilight Town — o trem fantasma, decorado


com tons de violeta.
O passageiro que desembarcou dele vestia um casaco negro, assim como os membros da
Organização. Era bem baixinho e o capuz de seu casaco não era capaz de esconder suas duas
grandes orelhas.
O Rei Mickey desceu rapidamente pelas escadas da plataforma e partiu em direção à cidade.

Enquanto DiZ tremia de raiva, ele respondeu com a voz tranquila:


— Não, eu não vou te trair. Você disse que nossa aliança duraria até que Sora acordasse.
Bom, isso já está para acontecer. Tudo até lá é você quem define. Mas depois disso, eu... nós
cuidaremos das coisas por conta própria.
Ele não pretendia se envolver nos planos de vingança de outra pessoa.
Além do mais, ele queria ajudar Naminé, que era o Nobody dela, e Roxas, que era o Nobody
de Sora. O que o Nobody dela queria provavelmente era a mesma coisa que ela própria queria. O
que o Nobody de Sora queria provavelmente era a mesma coisa que o próprio Sora queria.
Era mesmo verdade que Nobodies nunca deviam ter existido...? Isso significava que nenhum
deles deveriam ter a permissão de existir?
Era como a dualidade da luz e da escuridão.
Os mundos não eram feitos apenas de luz — e a escuridão nem sempre era maligna. E fui eu
mesmo que encontrei essas respostas.
Ainda que Nobodies não devessem existir, isso não significava que era certo feri-los.
Naminé o chamou pelo nome dele:
— ...Riku.
— Não sou o Riku — disse. — Sou o Ansem. Vamos embora, Naminé.
Riku tomou Naminé pela mão e fez menção a partir.
— Para onde? — perguntou ela, cheia de incerteza.
Sou um Nobody, pensou ela. Para onde eu poderia ir...?
— Bom... parece que tem alguém aqui que pode nos dizer — disse Riku.
— Hã? — Naminé podia sentir que Riku estava sorrindo por baixo de seu capuz e ergueu o
olhar para ele.
— Você, garanta que Sora acordará de forma apropriada — disse para DiZ. — Olhe para a
tela. Roxas está quase chegando na sala onde Sora está. Você não planejava deixar todo o resto com
o próprio Sora?

79 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
Ele não sabia o que havia acontecido entre Roxas e Axel, mas aparentemente estavam certos
em não interferir. O fato de Roxas estar seguindo para a sala da cápsula comprovava isso.
DiZ deu uma breve risada. Riku não gostou nada disso.
— Qual é a graça?
— Ah... não é nada. Vou até lá para me encontrar com Roxas. — E com essas palavras de
despedida, DiZ desapareceu.
— Vamos, Naminé — disse Riku, apertando sua mão.
— ...Certo.
A realidade é dura, pensou ele. Mas ainda assim... temos que seguir em frente.
Riku e Naminé deixaram a sala em silêncio.

Aquele lugar parecia a sala onde Naminé costumava ficar. Paredes brancas, teto branco, até
mesmo o chão era branco. E bem no meio do espaço vazio havia uma espécie de cápsula em forma
de um botão de flor. Diante dela, o homem de capa vermelha o fitava em silêncio.
— Finalmente — disse DiZ. — O escolhido da Keyblade.
— Com quem você tá falando? — disparou Roxas, encarando-o. — Comigo ou com o Sora?
— Com a metade de Sora, é claro. Você reside nas trevas. O que eu preciso é de alguém que
possa viajar pelo reino da luz e destruir a Organização XIII. — A voz de DiZ ea como uma espécie
de ronco baixo.
— Por quê? Quem é você?
— Sou um servo do mundo. E se sou um servo, você, na melhor das hipóteses, não passa de
uma ferramenta. — Como se suas próprias palavras o divertissem, DiZ começou a rir.
— Isso... era pra ser uma piada? Porque eu não tô rindo! — Roxas disparou contra DiZ,
atacando-o com a Keyblade, mas ela o atravessou sem fazer impacto.
— Minhas desculpas, — disse DiZ — mas isso é apenas uma projeção feita de dados.
Roxas gritou em meio a uma fúria inexprimível.
Angústia... fúria... ódio. O que devia fazer com esses sentimentos? O melhor que conseguiu
foi atacar DiZ desenfreadamente com a Keyblade. Ainda que fosse só uma ilusão, ele precisava
descarregar esses sentimentos ou sentia que acabaria explodindo.
Então DiZ desapareceu, voltando a se materializar mais adiante com as costas voltadas para
a cápsula.
— Estou aqui — disse, os olhos vidrados em Roxas.
— Eu... eu te odeio demais... — disparou Roxas.
— Você devia compartilhar um pouco deste ódio com Sora. Ele é bonzinho até demais.
— Não! Meu coração é só meu!
Roxas o atacou novamente com a Keyblade... mas DiZ voltou a desaparecer e a Keyblade
atingiu a cápsula.
— ...Hã?
As pétalas começaram a se abrir em silêncio.
— Sora...
Sora flutuava dentro da cápsula feito uma nuvem, os olhos fechados.
Minha outra metade... Meu...
O garoto dormindo lá dentro não era um sonho. Era real.
— Você tem sorte... — murmurou Roxas. Sora parecia tão tranquilo que o deixava triste. Ele
se aproximou do garoto na cápsula. — Parece que as minhas férias de verão... acabaram.
Enquanto falava, a voz baixa e serena, uma luz os envolveu. Uma luz doce e tranquila.
Uma luz plena.
— Sora...
E com o sussurro de Roxas, ele despertou.

80 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
81 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
ALGUÉM ESTAVA CHAMANDO POR ELE.
Quem tá aí...?
Quem estava dizendo seu nome?
— Sora!
— Sora, acorda!
As vozes eram familiares. Ele piscou os olhos até finalmente abri-los e diante de si estavam
Donald e Pateta.
Sora tirou um momento para se espreguiçar e então saltou da cápsula preguiçosamente,
abraçando os dois que esperavam para vê-lo.
— Donald! Pateta!
Todos se abraçaram e ficaram de mãos dadas, extremamente felizes com a reunião.
— Puxa vida, isso é o que eu chamo de soneca! — O Grilo Falante saltou do capuz de Sora
e se lançou ao chão.
— Quer dizer que a gente tava dormindo? — disse Sora.
O Grilo balançou sua cabecinha.
— Suponho que sim, senão não estaríamos tão sonolentos...
— Quando é que vocês acham que fomos dormir? — ponderou Pateta.
Sora também estava confuso.
Quando foi que a gente pegou no sono? O que estávamos fazendo antes disso? Sora não
conseguia se lembrar.
— Vamos ver — disse Sora, pensando alto. — Nós derrotamos o Ansem, certo?
— Sim. — Pateta assentiu.
— Restauramos a paz no mundo... encontramos a Kairi... Ah, é! E aí fomos procurar o Riku.
Acho que até aí tá tudo certo.
— E depois? — disse Donald.
— Depois... — Sora começou a dizer. — Hm, depois... Hã...
Os quatro imergiram em meio a seus pensamentos. Parecia claro que nenhum deles tinha
quaisquer memórias do que acontecera depois disso.
— O que diz no seu diário, Grilo? — perguntou Pateta.
Se acontecera durante sua jornada, o Grilo teria feito alguma anotação a respeito.
— Caramba, só tem uma frase — disse o Grilo.
Os outros espiaram o diário minúsculo. Tinha o tamanho certo para que um grilo pudesse
carregar e as letras eram pequenas demais para que conseguissem ler, mas podiam ver que havia de
fato apenas uma única frase curta escrita na página.
— “Agradecer Naminé” — leu o Grilo. — Hmm. De quem será que se trata?
Sora, Donald e Pateta trocaram olhares. Naminé...?
Não conseguiam se lembrar de ter ouvido um nome como aquele.
— Bom, se encontrarmos alguma Naminé, temos que dizer obrigado.
Sora assentiu diante da declaração sensata por parte de Pateta.
— Por ora, por que não saímos daqui e vemos onde estamos? — sugeriu o Grilo, pulando de
volta para o ombro de Sora.
Donald e Pateta checaram seus equipamentos — o cajado de Donald e o escudo de Pateta —
e começaram a procurar uma saída.
O chão, o teto, as paredes, era tudo branco, e em um dos cantos da sala havia uma grande
porta. Quando a abriram, uma forte luz invadiu o ambiente... e, do lado de fora, depararam-se com o
gigantesco jardim de uma mansão, repleto de pilares de pedra desmoronados.
— Que lugar é esse, afinal? — disse Donald, semicerrando os olhos diante da luz do sol.
— Não sei, mas é bem empolgante! — Pateta olhava em volta com uma intensa curiosidade.
Eles atravessaram o jardim rumo a um enorme portão que fora deixado aberto e, do outro
lado, chegaram a um bosque sinistro.
Sora recuou um passo, apreensivo.
— Parece bem escuro ali dentro...
— Será que é melhor voltarmos para a mansão? — perguntou Pateta.
82 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— Virou um gatinho medroso enquanto estava dormindo, Sora? — provocou Donald.
— Claro, até parece! Anda, vamos lá! Donald! Pateta!
Sora disparou em direção ao bosque. Enquanto avançavam, Donald se escondeu atrás dele.
— Parece que alguma coisa vai aparecer e dar o bote na gente...
— Olha só quem é o gatinho medroso agora — disse Sora, dando risada.
Ainda assim, aquele bosque...
Não só o bosque. O jardim também. Parecia tudo vagamente familiar. Será que eu já estive
aqui antes? Ponderou Sora.
— Tem uma luz por ali! — Pateta correu até lá com Sora e Donald logo atrás.

Axel fitava distraidamente o sol que afundava em meio ao mar.


O infindável som das ondas estava começando a incomodá-lo. Estava nos recantos mais
longínquos de Twilight Town, no fim da linha do trem, em uma praia deserta. Era a mesma praia
que Roxas e seus amigos queriam visitar.
Levantou-se do pedaço de madeira no qual havia se empoleirado e se encolheu quando
sentiu a dor percorrer suas costelas.
— Aaaaai... Ele podia ter pegado um pouco mais leve comigo...
Axel ainda não havia se recuperado muito bem de sua luta contra Roxas. Sentou-se de volta
no pedaço de madeira, repousando os cotovelos sobre os joelhos enquanto observava as ondas que
iam e vinham.
Os outros membros já suspeitavam dele, visto que era o único sobrevivente do Castelo do
Esquecimento. Não conseguia imaginar que voltar para a Organização seria seguro para ele.
— Putz, cara, o que eu faço...?
Alongou-se com cuidado e se levantou novamente, estreitando os olhos diante do pôr do sol.
Estava deixando o mar vermelho, assim como o céu.
As ondas lhe tocavam os pés, deixando-os molhados.
— Axel — disse uma voz familiar logo atrás dele.
Alarmado, ele se virou. Era...
— Naminé...
Ele enrijeceu a postura, desconfiado, mas ela apenas abriu um sorriso desconfortável.
Havia uma outra pessoa parada atrás dela. Embora vestisse o mesmo casaco negro, não era
um membro da Organização — disso Axel tinha certeza. Tinha a impressão de que era o mesmo
sujeito que havia encontrado em frente à mansão.
Forçando seu corpo ferido a se mexer, Axel empunhou seus chakrams.
— Axel, não... — Naminé olhou para trás, em direção ao outro homem, cujas mãos vazias
repousavam junto ao corpo, inertes, na tentativa de mostrar que não era o inimigo.
Axel respirou fundo e se sentou mais uma vez no pedaço de madeira.
— Muito bem, qual o seu nome?
— ...Ansem.
— Ansem? Por algum motivo, duvido muito disso.
Ansem — ou melhor, Riku — se esquivou da pergunta:
— Meu nome não importa. Vim aqui para lhe oferecer um trato.
Axel fingiu que aquilo não o inquietava enquanto voltava o olhar para Riku.

Atravessando o bosque, havia uma pequena cidade com construções feitas majoritariamente
de tijolos.
— Tem pessoas aqui! Podemos perguntar a alguém onde estamos. — Donald correu até elas
para perguntar.
83 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
Observando-o, Sora inclinou a cabeça.
— Hmm...
— Qual o problema, Sora? — perguntou Pateta, preocupado.
— Sabem... acho que eu já estive nessa cidade.
Não sabia dizer por que, mas era o que estava sentindo — alguma coisa dentro dele conhecia
aquele lugar.
— Quack! Sora! O nome desse lugar é Twilight Town! — gritou Donald, virando para eles.
Twilight Town... esse nome também lhe era familiar.
Foi quando o badalar de gigantescos sinos ecoou pela cidade.
— Poxa, olha só esses sinos — comentou Pateta. — Me faz lembrar de Traverse Town.
Aquela cidade também tinha um grande sino...
— Ah. Acho que faz... — disse Sora, distante, parecendo extremamente concentrado em
alguma coisa. — Na verdade, acho que sei um lugar aonde temos que ir.
Um lugar aonde precisava ir... um lugar aonde sempre ia. Sora pensou ter se lembrado de
algo assim. Saiu correndo.
— Ei, Sora, aonde está indo?! — gritou Pateta, correndo atrás dele.
— Venham! Por aqui!
— Wak! — Donald, ainda escutando as pessoas que lhe contavam sobre Twilight Town, deu
um pulo e os seguiu.
Subiram uma ladeira, viraram uma esquina... e então...
— Calma lá, Sora! — Pateta estava ofegando e arfando.
— Não sai correndo desse jeito — ralhou Donald, empinando o traseiro com uma expressão
carrancuda no rosto.
— Hmm... É aqui. — Sora parou diante do canto isolado de um beco, atrás de uma grande
grade com o portão fechado.
— O que é aqui? — Donald abriu o portão e entrou sem hesitar, os pés palmados estapeando
o chão conforme andava.
— Ei, o que querem aqui?! — gritou uma voz irritada. Sora e Pateta trocaram olhares e
correram atrás de Donald.
Coçando a cabeça, Sora começou a procurar uma desculpa:
— Hã, nada... só queríamos saber o que tinha aqui atrás...
Do outro lado da grade havia dois garotos e uma garota, todos com aproximadamente a
mesma idade que ele.
— Agora já sabem — disparou um garoto de cabelos espetados que ocupava o maior lugar
onde se podia sentar. — Esse canto é nosso.
— Hm... — começou a dizer um garoto mais encorpado, seu rosto tomado por uma
expressão atônita, e ele se aproximou de Sora para fitá-lo mais de perto.
— O quê?
— Vocês... são novos por aqui, né? Eu sou o Pence. — Ele abriu um largo sorriso.
O outro garoto pareceu ceder e saltou de onde estava. A garota também se levantou do
caixote de madeira onde estava sentada.
— Hayner — disse o garoto de cabelos espetados. — É um prazer conhecê-los, mas temos
coisas a fazer, então nos vemos depois. — Ele deixou o local pelo portão da grade.
— Meu nome é Olette — disse a garota, apresentando-se calorosamente. — Ei, vocês já
terminaram o dever de casa de férias? Essas redações livres são as piores, né?
— Dever de casa? — disparou Sora, um pouco confuso.
— Ei, como vocês se chamam? — perguntou Pence.
Sora trocou olhares com seus amigos. Imperturbável, Pateta foi quem o respondeu:
— Somos Sora, Donald e Pateta.
— E aê? — acrescentou Sora, estendendo a mão para apertar a dele, mas Pence e Olette
apenas olharam um para o outro.
— Sora, Donald, Pateta... Nós acabamos de conhecer alguém que estava procurando vocês
— disse Olette.
84 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
O trio olhou de um para o outro de novo.
— Ele parecia estar com bastante pressa — disse Pence. — Estava usando um casaco preto e
não consegui ver o seu rosto, mas tinha umas orelhonas grandes e redondas.
— O rei! — exclamou Donald, dando um pulo.
— Onde foi que vocês viram ele? — perguntou Sora.
— Na estação.
— Na estação! Valeu! — Sora assentiu para os outros dois. O rei tá procurando a gente!
— Bom, é melhor voltarmos ao nosso trabalho! — Olette também seguiu para o portão.
— Até mais. — Pence foi atrás dela.
— Beleza, vamos pra estação! — disse Sora, e os outros dois assentiram.
Eles saíram em disparada, — ou pelo menos começaram — mas Pateta parou de súbito,
fazendo com que Donald e Sora dessem de cara com suas costas.
— Ei, por que fez isso? — reclamou Sora.
Pateta se virou para ele devagar.
— Hã... pra que lado fica a estação?
— Ah... é pra cá! — Sora começou a correr colina acima.
— Wak! Para de sair correndo do nada! — disse Donald, tentando alcançá-lo.
— Sora? Como é que você sabe? — disse Pateta.
— Eu só sei! — gritou Sora por cima do ombro.
Era verdade. De alguma forma, ele simplesmente conhecia aquela cidade. Subindo a colina,
eles encontraram a praça em frente à estação.
— É aqui? — perguntou Pateta.
Sora fez uma pausa e então caminhou em direção ao prédio.
— Provavelmente.
— Vossa Majestade? — gritou Donald.
— Talvez ele não esteja aqui — disse Pateta, perplexo... e então, de repente, os três foram
cercados por criaturas prateadas que nunca tinham visto antes. — Eita!
— H-Heartless?! — Donald empunhou o cajado.
— Não... Essas coisas não são Heartless!
Sora disparou contra as coisas prateadas que se contorciam à sua volta. No instante seguinte,
a Keyblade já estava brilhando em suas mãos e ele a usou para atacar as criaturas que tentavam se
esquivar com seus movimentos contorcidos.
— Chamas!
— Aqui vou eu!
Donald ergueu seu cajado e Pateta se lançou contra as coisas com o escudo em riste. Mas
não importava quantos derrotassem, mais inimigos surgiam para cercá-los novamente.
— Eles continuam vindo!
Diante do grito de Donald, uma figura negra surgiu e exterminou as criaturas.
O recém-chegado era meio metro menor que Sora — não, um metro menor. Carregava uma
Keyblade em suas mãos e seu capuz não conseguia ocultar o par de grandes orelhas redondas.
Sora se inclinou mais perto para se certificar de que realmente estava vendo o que achava
que tinha visto, e então, notando as orelhas, Donald e Pateta praticamente montaram nele. O
resultado foi que os três despencaram no chão com Sora por baixo, mas eles nem pareceram notar,
exclamando em conjunto:
— Vossa Majestade?!
— Shh! — O Rei Mickey se virou para eles, fitando-os com um dedo nos lábios. — Vocês
precisam subir a bordo do trem e deixar a cidade. O trem sabe o caminho. Aqui, peguem isso.
Em sua mão havia uma pequena bolsinha de pano decorada. Sora a pegou e a examinou de
perto. Era muito mais pesada do que parecia — provavelmente porque estava completamente cheia
de munny.
— Vossa Majestade? — disse Donald, hesitante, mas o Rei Mickey já havia saído em
disparada e estava do outro lado da praça.
— O rei... — murmurou Sora, ainda olhando para a bolsa. — Era mesmo ele?
85 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
86 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— Devia ser... Não, tenho certeza que era! — disse Pateta, olhando para a direção por onde
o Rei Mickey seguira até finalmente desaparecer de vista.
Donald pulou onde estava, extremamente animado.
— Agora sabemos que ele está bem!
— O rei estava preso no reino das trevas junto com o Riku, não estava? — disse Sora. —
Mas a gente acabou de ver ele...
— Sim. — Donald assentiu.
Sora abriu um sorriso de orelha a orelha.
— E se o rei tá aqui, quer dizer que o Riku também tá!
— Só pode estar! — concordou Donald, cheio de convicção.
— Bom, eu vou procurar o Riku. Aí vamos poder voltar pras nossas ilhas juntos. A Kairi tá
lá esperando por nós! O que vocês dois vão fazer?
— Poxa, Sora... — disse Pateta, em tom de reprovação. — Precisa mesmo perguntar?
Vendo seu rosto, Sora deu uma risada.
— Ei, qual é a graça?! — ralhou Donald.
— A cara de vocês!
Donald e Pateta olharam um para o outro. Seus rostos estavam mesmo bem engraçados. Os
três caíram na gargalhada juntos.
— Tá, o que me dizem, galera? — disse Sora, determinado, quando se recuperaram. —
Vamos nos juntar pra mais uma aventura?
Donald e Pateta assentiram.
Se o trem sabe aonde nos levar, como disse o rei, o Riku tem que estar lá, pensou Sora. Ele
tinha que encontrar Riku... e então voltar para casa, para as ilhas, onde Kairi estava esperando.
— Vamos nessa!
Sora subiu correndo pelos degraus da estação, e já estava seguindo para a plataforma quando
alguém chamou por eles:
— Espera aí!
— ...Hayner? — Sora olhou para trás, deparando-se com Hayner, Pence e Olette, os três
esperando na base das escadas que levavam à plataforma.
Finalmente, Hayner se aproximou, pelejando para dizer o que queria:
— Ei, Sora...
— O quê?
— Não é nada, mas... — Hayner olhou para o chão. O que quer que fosse o que estava
tentando dizer, parecia importante.
Pence foi quem deu continuidade ao assunto:
— Viemos ver você partir. Parecia algo que precisávamos fazer.
— Ah... sério? — disse Sora. — Valeu!
Assim que as palavras deixaram sua boca, o sinal indicativo da plataforma tocou.
— É melhor se apressarem e comprarem logo as passagens. — Olette lembrou a ele.
Sora correu até a bilheteria e procurou no bolso pela bolsinha cheia de munny que o Rei
Mickey lhe havia dado.
— Hã? — Vendo a bolsa, Olette inclinou a cabeça.
— O que foi? — perguntou Donald.
Em resposta, Olette tirou uma bolsinha que também carregava no próprio bolso. Era idêntica
à que estava nas mãos de Sora, inclusive o bordado.
— São iguais — observou Pateta.
— Sim. — Olette assentiu, um pouco confusa.
— Três passagens, por favor — disse Sora, junto à janela da bilheteria. Enquanto tirava
algumas moedas da bolsa, um pedaço de papel e um pequeno cristal azul caíram no chão. — Ei, o
que é isso?
“Mais um tesouro pra gente dividir.”
Quando olhou para o cristal, as palavras pareceram vir de algum lugar no fundo de seu
coração. Quem havia dito aquilo?
87 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
88 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— Sora, anda logo! — gritou Donald, subindo as escadas da plataforma aos pulos.
— Aham... — Sora pôs o pedaço de papel de volta na bolsa e guardou o cristal consigo.
Pateta também começara a chamar por ele:
— Qual o problema, Sora? Vamos!
— É que... eu tenho a sensação que nós não vamos ver essa cidade de novo. — Por algum
motivo, aquela sensação de separação parecia tomar conta de si.
— Ah, você tá pensando demais — disse Pateta, despreocupado como de costume.
— É... tem razão. — Sora subiu os degraus da plataforma devagar, quase se arrastando por
eles. De alguma forma, estava se sentindo... terrivelmente triste.
— Sora! Rápido! — Donald já estava esperando junto às portas do trem.
Hayner e seus amigos foram subindo os degraus, atrás de Sora. E... também pareciam tristes.
Decidido, Sora resolveu que tentaria deixar essa sensação de lado:
— Beleza, vamos nessa!
Donald e Pateta assentiram e entraram no vagão.
— Tchau! — Sora se virou para Hayner e seus amigos e se forçou a lhes abrir um sorriso.
— Ei, Sora... tem certeza que já não nos vimos antes? — disse Hayner, com Pence e Olette
olhando para ele, um pouco surpresos.
— Absoluta — respondeu Sora, mas sua cabeça estava inclinada, como se estivesse inseguro
de sua resposta. — Por que a pergunta?
Não tinha como ele já ter visto Hayner e os outros antes.
Mas então... por que estou tão triste por deixá-los pra trás agora?
— He, he... sei lá. — Hayner abriu um sorriso desajeitado.
Lágrimas começaram a se formar nos olhos de Sora e uma gota escorreu por sua bochecha.
— Hã...?
Ele não fazia ideia de por que estava chorando. Correu para limpar o rosto. Estava se
sentindo triste, porém feliz. Feliz, mas, ainda assim, triste...
— Você tá bem? — Preocupada, Olette se aproximou para olhá-lo de perto.
— T-Tô. Não sei de onde veio isso. — As lágrimas já tinham parado.
— Recomponha-se — disse Hayner, encobrindo o susto com um tom de brincadeira.
— Beleza... a gente se vê.
Hayner, Pence e Olette seguiram Sora até a porta do trem. Não sabia o que dizer a eles,
então apenas acenou e subiu a bordo. Enquanto se entreolhavam, as portas se fecharam num baque.
O trem lentamente começou a arrancar. Sora ainda conseguia ver o trio na plataforma,
olhando para o trem — observando-o em silêncio, sem sequer acenar para ele.
A bolsa do Rei Mickey estava em seu bolso, junto àquele pequeno cristal.
— Sabem... — murmurou Sora. Donald e Pateta pararam de olhar pelas janelas e se
voltaram para ele. — Eu tô... triste.
Ele apertou o cristal em seu bolso.
Algo em seu peito doía. Não sabia dizer por que se sentia assim.
— A gente vai voltar — disse Donald, encolhendo os ombros.
— Sim — acrescentou Pateta. — Podemos visitar o Hayner e os outros depois.
— Vocês tão certos. — Sora assentiu enquanto o trem adentrava uma forte luz, guiando-os
rumo a uma nova jornada.

89 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
Chegará o dia em que esta batalha, nascida da confusão, terá fim?
Cada um vive isto de maneiras diferentes.

Pode ser a realidade aquilo o que se oculta?

A razão é a mera existência.


Ainda assim, pode-se acreditar nas memórias.

Não tema. Confie seu corpo ao suave som das ondas.


Aos poucos, seu descanso passageiro terminará...

E tudo terá início.

90 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
91 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
92 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
93 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
94 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
SENTINDO QUE SORA E SEUS AMIGOS HAVIAM PARTIDO EM SUA JORNADA,
Naminé abriu os olhos. Soltou as mãos, até então unidas como numa oração, e as repousou ao lado
do corpo, voltando o olhar para o homem de casaco negro parado a seu lado.
— Também devemos partir? — disse Ansem, que na verdade era Riku.
Estavam em uma praia bastante quieta, não muito longe de Twilight Town.
— Vocês dois sequer têm pra onde ir? — indagou Axel, sentado em uma das rochas que
pontilhavam a costa.
— Você tem? — retrucou Riku, fitando o horizonte.
— Eu nunca tive pra onde ir, desde o princípio. Nobodies como nós não pertencem a lugar
nenhum, ponto final. Nenhum lugar pra onde ir, nenhum lugar pra chamar de lar. Não é verdade,
Naminé?
Ela não respondeu, apenas desviou o olhar para a areia.
Ele está certo. Nobodies como nós não sabem por que nasceram ou para onde devem ir.
— O trato já terminou — disse Riku, atrás de Naminé. — Não temos mais que escutar esse
cara, não é? — Suas palavras pareciam buscar confirmação da parte dela.
— Bem... — Naminé hesitou, incapaz de erguer o olhar.
O que ela deveria fazer agora?
Deveria ir com Riku? Deveria se separar de Axel?
O Riku e eu somos diferentes, pensou. Mas o Axel e eu... somos iguais.
Como se tivesse captado sua hesitação, Axel se levantou e alongou.
— Vou ter que seguir um caminho diferente. Você e eu, nós não queremos a mesma coisa.
Assim como você e o DiZ não queriam. Só não sei com relação à Naminé.
Diante de suas palavras, Riku estremeceu por um momento.
— Eu... eu quero ajudar o Sora e seus amigos — disse Naminé, os olhos ainda baixos, mas
com uma forte determinação em sua voz.
— Bom, esse cara aí vai se livrar de você — comentou Axel. — Igual fez com o Roxas.
Naminé se virou para Riku rapidamente.
— O DiZ... disse para você me eliminar?
Riku não se mexeu.
— Ele disse, não disse...? — indagou outra vez, e Riku finalmente assentiu para ela, um
gesto rápido e sucinto. — Então é melhor que eu não vá com você...
— ...Isso não é verdade.
Naminé balançou a cabeça.
— Vamos, Naminé — disse Axel, chamando por ela.
Sem uma palavra sequer, ela assentiu para Axel e um portal negro se abriu atrás deles.
— Aonde você vai? — Riku cerrou os punhos para se impedir de correr atrás dela.
— Não sei... mas nós vamos nos encontrar novamente, Riku. — Ela lhe abriu um sorriso.
— ...Isso é uma promessa? — perguntou Riku, hesitante.
Ela abaixou a cabeça apenas por um instante.
— Sim. Uma promessa. Podemos seguir caminhos diferentes por ora, mas vamos nos ver de
novo. Não é?
— Sim. Eu prometo. — Riku assentiu com mais força.
Por fim, Naminé e Axel desapareceram em meio ao portal negro.
— Sinto muito, Riku — disse ela, a voz suave, mas o sussurro nunca chegou a alcançá-lo.
Sozinho na praia, tudo o que Riku podia ouvir era o som das ondas, levando suas memórias
de volta para as ilhas.

95 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
96 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
O TREM PAROU SEM MUITO ESTARDALHAÇO.
— Esse é o último ponto? — Donald inclinou a cabeça diante da vista que tinha pela janela.
— Lugarzinho engraçado — comentou Pateta, olhando para Sora com uma expressão
inquieta no rosto.
Uma neblina leve obscurecia o cenário fora do trem, tornando difícil dizer em que tipo de
lugar haviam chegado. Só dava para saber que estavam em terra firme.
— Vamos — disse Sora. Os outros dois assentiram.
Quando se aproximaram da porta, ela se abriu diante deles, como se soubesse que deveria
fazê-lo, e os três tentaram a pisar fora do trem, hesitantes.
— Vocês já viram esse lugar antes? — Pateta girava a cabeça de um lado para o outro.
Donald fazia a mesma coisa.
— Não.
A “terra firme” parecia ser uma ilha flutuando em meio ao ar.
— Esse deve ser o lugar pra onde o Rei Mickey disse pra gente ir. Vamos lá! — Sora saiu
em disparada.
— Sora, espera! — Donald tentou segui-lo, mas caiu de bico no chão.
— Esqueceu como é que se corre depois de dormir por tanto tempo, é? — Caçoou Sora,
olhando para ele por cima do ombro.
Donald se ergueu num pulo e, em meio a um “Quack!” indignado, seguiu furioso em
direção à Sora, batendo o pé enquanto o fazia.
— Já chega, você vai ver!
Mas Sora ficou parado, perplexo, os olhos vidrados no trem atrás de si.
— Sora! — bufou Donald. O garoto não se mexeu.
— Oi? Sora? — Pateta finalmente se juntou a eles.
Em silêncio, Sora apontou para o trem — ou melhor, para onde o trem estivera até então.
— Sumiu...
— Wak?! — exclamou Donald. Não havia nada além de espaço vazio. Até os trilhos tinham
desaparecido.
— Acho que vamos ter que seguir em frente — disse Sora.
— É, parece que sim — concordou Pateta, a voz despreocupada, aparentemente mais
interessado no que havia no meio da ilha. — Vejam, tem um prédio ali.
Sora e Donald seguiram seus olhos em direção a uma torre bastante alta que se assomava em
direção ao céu noturno.
— Acham que tem alguém lá? — perguntou Pateta.
— Só tem um jeito de descobrir! — Sora saiu correndo outra vez.
E então o trio ouviu o som agudo de tecido sendo rasgado.
— Hã? — O garoto começou a procurar o rasgo em suas roupas.
— Abriu um buraco aqui — disse Pateta, observando o rasgo que se formara na lateral,
debaixo de seu braço.
Sora não teria notado sozinho, mas aparentemente crescera bastante durante o ano que havia
passado dormindo. As bermudas largas do portador da Keyblade agora mal alcançavam seus joelhos
e serviam meramente como shortinhos curtos.
— Poxa, Sora, você tá mesmo crescendo rápido. — Pateta assentiu, impressionado.
Donald concordou, mas acrescentou:
— Mas ainda é bem baixinho.
— Ei, o que quer dizer com isso? — ralhou Sora.
Foi quando outro barulho os interrompeu — dessa vez, algo estranho que parecia vir da
direção da torre.
— Ouviram isso? — Pateta levou uma mão à orelha erguida e inclinou um pouco a cabeça.
— Com certeza!
Sora saiu correndo até a fonte do barulho. Uma figura robusta de armadura estava espiando
dentro da torre por um pequeno vão aberto no meio das portas duplas. À primeira vista, não parecia
particularmente suspeito.
97 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— O que está fazendo? — perguntou Donald.
O sujeito respondeu sem sequer olhar para trás:
— He, he. Eu enviei alguns dos meus lacaios lá pra dentro pra ver se o mestre dessa torre aí
é tão grande e durão quanto dizem. Ouvi histórias de que é um feiticeiro muito poderoso, o que faria
dele um guarda-costas perfeito pra mim.
A voz, extremamente arrogante, era masculina. O trio trocou olhares.
— Mas não importa quão durão ele seja — prosseguiu. — Quando for um Heartless, vai
fazer tudo o que eu mandar!
Donald deu um pulo diante do termo familiar.
— Um Heartless?!
Sora e Pateta enrijeceram a postura, prontos para uma luta.
— Isso mesmo. São aquelas coisas que vêm da escuridão no coração das pessoas. Ora, e
com todos esses Heartless do seu lado, minha querida amiga Malévola vai conquistar tudo! E como
eu tenho uma dívida a pagar, estou dando uma volta por vários mundos diferentes e criando um
exército de Heartless especialmente pra ela!
Ele gesticulava com os braços como se os estivesse dando um sermão, ainda que não tirasse
os olhos do vão que dava na torre.
— Ora, por que estou falando com um bando de nanicos, afinal? — continuou dizendo. —
Anda logo, sumam daqui! Já estou atrasado com a minha agenda!
E mais uma vez, ele os dispensou.
— Você devia procurar algo melhor pra fazer — disse Pateta.
E o trio tinha certeza de que tinham derrotado Malévola, não tinham?
— Quem disse? — O sujeito diante da porta finalmente se virou para encará-los. — O
quê...? Ahhh! São vocês!
Ao mesmo tempo, Donald e Pateta deram um pulo para trás, também pegos de surpresa, e
então exclamaram:
— Bafo!
Então aquele era o nome do sujeito diante da porta.
— O que os dois otários estão fazendo aqui?!
— O que você tá fazendo aqui?! — retrucou Donald.
— Hã... conhecem ele? — Sora sussurrou para Pateta, finalmente começando a entender o
que estava acontecendo.
— Com certeza! O Bafo costumava causar problemas no nosso mundo o tempo todo. Vossa
Majestade o baniu para outra dimensão muito tempo atrás. Como será que ele fugiu...? — Pateta
cruzou os braços, pensativo.
Bafo caiu numa gargalhada alta e maléfica.
— Quer saber como, é? Bom, a Malévola me tirou de lá, foi desse jeito! E agora o seu
mundo... não, todos os mundos pertencerão a quem vos fala! — anunciou ele, completamente cheio
de si, e então fez um breve adendo: — E à Malévola, é claro.
O trio trocou risadinhas suspeitas.
— À Malévola, é? — comentou Sora.
— Qual a graça?! — Notava-se que a qualquer momento começaria a sair vapor dos ouvidos
de Bafo, ou pelo menos era o que parecia. — Ora, os poderes da Malévola são tão grandiosos que...
Sora o interrompeu:
— Ela já era.
— Hã?
— Desculpa, mas a Malévola não vai poder te ajudar agora — disse Pateta, a voz suave e
descontraída. Donald segurou o bico fechado para conter uma risada.
— Vocês! — Quando Bafo finalmente deduziu o que havia acontecido, começou a tremer de
raiva. — Então vocês são os culpados!
— Bom... — Sora deu de ombros, como se estivesse confessando um episódio de travessura.
— Podemos ter tido algo a ver.

98 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
Bafo rosnou, abaixando o olhar para os pés e tremendo enquanto tentava se conter. O trio
trocou olhares, pensando o que fazer a seguir, mas Bafo finalmente berrou outra vez:
— Esquadrão Heartless! Formação!
Diante do chamado, diversos Heartless se ergueram do chão.
— Eita! — Sacando o cajado, Donald pulou para trás, esquivando-se de um que surgira logo
a seu lado.
— Na verdade... até que isso vai ser divertidinho! — Sora esfregou o nariz, ansioso, e
empunhou a Keyblade.
— Poxa, Sora, eu acho que não! — disse Pateta, parecendo um pouco confuso.
O círculo de Heartless foi se fechando cada vez mais à sua volta.
— Não vai levar nem um segundo! — Sora se lançou contra eles.
Donald disparou uma bola de fogo de seu cajado.
— Chamas!
— Ó, céus... Ah-hoo-hoo-hoooey! — Pateta avançou contra os Heartless do outro lado.
Como esperado, cerca de um segundo depois, todos os Heartless haviam sido derrotados.
Sora abriu um sorriso para Bafo.
— Quer continuar nessa?
— Esperem só! Ninguém, e eu digo e repito, ninguém mexe com o grande Bafo! — A
tremedeira se tornara um surto violento.
— Tá, “grande” Bafo. Quem é que mora nessa torre, afinal? — perguntou Sora casualmente,
as mãos unidas atrás da cabeça.
— Ah, vocês não sabem, é? Bem, é o velho Yen Sid. Mas claro, agora ele já deve ser um
Heartless! — desdenhou Bafo.
Ao ouvir o nome, Donald deu um pulo de surpresa.
— O Mestre Yen Sid está aqui?! — Ele empurrou Bafo da frente, escancarou as portas e
bambaleou a toda velocidade torre adentro.
— Yen Sid? Quem é esse? — Sora perguntou a Pateta, confuso.
— É o professor do rei! — respondeu Pateta, já a meio caminho da torre.
— Uau! Deve ser poderoso! — O último dos três os seguiu.
— Ei! Podem ir parando por aí, seus moleques! — Bafo começou a correr atrás do trio, mas
as portas se fecharam em sua cara num boom, com força o suficiente para jogá-lo rolando para trás.
— Vocês não vão se safar dessa!
Mas, dentro da torre, Sora e seus amigos nunca chegaram a ouvir a bazófia de Bafo.

Em meio ao farfalhar suave das ondas, ele seguia sem rumo junto à costa. Tinha apenas uma
coisa a fazer — ajudar Sora.
Mas... estava sozinho de novo.
Teria cometido um erro ao permitir que Axel e Naminé se reencontrassem? Não fosse por
isso, não estaria sozinho agora.
Mas Axel e Naminé eram ambos Nobodies — seres que DiZ dissera que nunca deveriam ter
existido. Seria mesmo verdade? Era mesmo tão errado que Nobodies existissem?
O que aprendera com DiZ não lhe era suficiente para que pudesse chegar a uma conclusão.
Precisava saber mais que DiZ — saber mais sobre a Organização. Por isso havia tentado abordar
Axel com um acordo. Precisava de informação sobre as coisas que DiZ sabia, sobre as coisas que
Axel sabia... e sobre os segredos dos mundos.
O acordo fora um sucesso e os dois trocaram informações. Graças a isso, descobriu mais
sobre a verdade e mais sobre a Organização do que DiZ jamais soube.
Axel também lhe oferecera informações sobre o líder da Organização.
Riku se sentou na rocha onde Axel estivera até poucos momentos antes e fitou o ponto onde
o céu encontrava o mar.

99 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
Queria voltar para o mar deles... para a ilha. Queria correr pela praia com Sora. Esse era o
maior desejo que tinha em seu coração.
Mas o coração de Riku também continuava assolado por dúvidas. Será que havia feito a
coisa certa? Não havia outra forma de fazer com que Sora despertasse. A única opção era destruir
Roxas — ou melhor, devolvê-lo a Sora.
Mas por conta do que Axel e Naminé disseram, não sabia mais se sua escolha fora a correta.
Ficava até mesmo se perguntando se poderia ter havido alguma alternativa, afinal.
Riku ergueu o capuz. Precisava seguir seu caminho o quanto antes possível.
De repente, uma voz alta se dirigiu a ele:
— Ah, então era aqui que você estava.
Voltou-se em direção à voz.
— Mickey... digo, Vossa Majestade...
Parado diante de si estava um querido amigo seu — Mickey Mouse, o rei de seu próprio
mundo. Ainda trajando o mesmo casaco negro de quando deixaram o Castelo do Esquecimento, ele
parecia exatamente o mesmo de quando Riku o vira pela última vez, em todo e qualquer aspecto.
— Você me deixou com as suas coisas e foi embora. Puxa, estive te procurando por toda
parte. — disse o Rei Mickey, a voz suave e gentil. Na verdade, tinha um sorriso sincero no rosto. —
Vai dar um abraço no seu companheiro dessa vez? E não precisa me chamar de “Vossa Majestade”,
lembra? Só Mickey.
É verdade, lembrou Riku. Lá no Castelo do Esquecimento, eu tinha ficado tão feliz em vê-lo,
tão feliz por não estar sozinho... e eu o abracei.
Mas não posso fazer isso agora.
E... também não posso simplesmente chamá-lo de “Mickey” agora.
Não com essa aparência.
— Vossa Majestade... eu... — Riku puxou o capuz ainda mais para frente, obscurecendo
todo o rosto.
— Puxa, Riku, acho que é melhor me contar o que aconteceu.
Riku assentiu devagar.

O trio subia as escadas da torre, derrotando todo Heartless que encontravam pelo caminho.
— Toma essa! — Sora desferiu um golpe com a Keyblade.
— Sora! Eles não vão pegar leve! — exclamou Pateta, bloqueando uma investida.
— Heartless, Heartless e mais Heartless! As coisas não mudaram nem um pouquinho! —
reclamou Donald, erguendo seu cajado.
Era verdade. Embora houvessem fechado aquela grande porta, os mundos continuavam
infestados de Heartless.
— Bem, então que bom que nós voltamos ao trabalho. — Pateta jogou outra das criaturas
longe com seu escudo.
— Então... os mundos não estão em paz, afinal? — disse Sora, mais para si mesmo que para
os outros. Seus companheiros trocaram um olhar apreensivo.
— O Mestre Yen Sid deve saber nos dizer o que está acontecendo.
Sora e Donald assentiram.
— Bom, vamos chegar no alto dessa torre primeiro! — declarou Sora, seguindo em frente e
correndo escada acima com os outros dois logo em seu encalço.
Finalmente, eles chegaram ao que parecia o topo da torre. Do outro lado da porta, havia uma
pequena sala.
— Ufa...
Recuperando o fôlego depois das batalhas ao longo da escadaria, o trio ergueu o olhar... e se
depararam com o olhar fixo de um homem com a barba branca feito neve e um robe azul. Lembrava

100 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
a Sora um pouco de Merlin, lá de Traverse Town, mas o feiticeiro diante de si agora tinha uma
expressão muito mais severa, o que lhe fazia terrivelmente intimidador.
— É uma honra vê-lo novamente, Mestre Yen Sid — disse Donald, ajoelhando-se com uma
perna só diante dele. Pateta fez o mesmo.
— E aê, de boa? — Sora não pôs o mesmo esforço em seu cumprimento. Donald o agarrou
pela cabeça e o forçou a se ajoelhar também. — Que foi?!
— Sora! Mostre um pouco de respeito! — sibilou Donald enquanto o outro lutava para
conseguir se soltar.
— Então você é o Sora? — perguntou Yen Sid.
Sora tirou Donald de cima de si e se ergueu com um sorriso no rosto.
— É um prazer conhecê-lo, Mestre Yen Sid.
Yen Sid abriu um sorriso quase imperceptível em retorno.
— Muito bem... vocês já encontraram o rei?
Pateta se levantou e enrijeceu a postura na mais plena atenção.
— Encontramos, mestre, mas não chegamos a falar com ele.
— Sim... o rei tem estado bastante ocupado nos últimos tempos.
Yen Sid assentiu e fez um gesto para Donald, que continuava ajoelhado, indicando que já
bastava de sua deferência. O feiticeiro prosseguiu com uma expressão bastante séria no rosto:
— Portanto... me parece que a tarefa de instruí-los recaiu sobre os meus ombros. Vocês têm
uma jornada bastante perigosa pela frente. Devem estar bem preparados.
O trio trocou um olhar.
— Quer dizer... que temos que sair em outra aventura? — disse Sora, desolado. — Eu só
queria encontrar o meu amigo Riku pra podermos voltar pras ilhas...
— Sim, eu sei. No entanto, tudo em sua jornada, Sora, está conectado. Se você encontrará o
caminho de volta para as ilhas, seja sozinho ou com seu amigo... e se suas ilhas continuarão da
forma como as deixaram... — Enquanto Yen Sid falava, Sora mantinha a atenção completamente
voltada para ele. — A chave que conecta tudo isso é você, Sora.
— Eu... sou a chave? — repetiu Sora.
— Portador escolhido da Keyblade. Você é a chave que abrirá a porta da luz.
Pateta inclinou a cabeça.
— Mas... a gente já não fechou a porta?
— Não faz o menor sentido os Heartless ainda estarem por aí! — esbravejou Donald.
Yen Sid abaixou o olhar por um momento antes de falar novamente:
— Seus esforços passados preveniram uma imensa efusão dos Heartless provindos da
grande escuridão. Não tenham dúvidas quanto a isso.
Parecia razoável. Afinal, haviam derrotado Ansem e fechado a porta.
— Entretanto, os Heartless são a encarnação das trevas... e ainda há trevas em todo coração.
— A voz de Yen Sid era baixa e sinistra. — Os Heartless são menos que antes, mas enquanto existir
escuridão, será difícil eliminá-los.
— Poxa, então quer dizer... que se o coração de todos estivesse cheio de luz, os Heartless
desapareceriam! — disse Pateta.
Yen Sid abaixou a cabeça e então prosseguiu:
— Como sempre, os Heartless estão vagando pelos mundos, em busca de corações. Vocês
devem se manter vigilantes.
— Pode deixar conosco, Mestre Yen Sid! — respondeu Pateta.
— Entretanto... vocês também terão outros inimigos com os quais se preocupar.
Alarmados, os três trocaram olhares novamente.
— Em certas ocasiões, quando alguém que possui um coração forte e uma grande força de
vontade, seja ela uma pessoa boa ou má, se torna um Heartless, a casca vazia que é deixada para
trás começa a agir por conta própria. Isto é um Nobody.
— Um Nobody? — repetiu Donald.
— Um receptáculo vazio cujo coração lhe foi roubado. Um espírito cuja existência se
mantém mesmo quando o corpo perece... Não, na realidade, Nobodies nem sequer existem de
101 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
verdade. Podem aparentar terem sentimentos, mas não passa de um truque. Eles apenas fingem
terem corações. Vocês não se devem deixar enganar.
Nobodies... aqueles que não existem de verdade. Nunca haviam ouvido falar a respeito.
Podiam não ter ouvido falar — mas, ainda assim, Sora sentia que, de alguma forma, já sabia
sobre os Nobodies. Sentiu o coração palpitar.
Por que ouvir sobre esses Nobodies tá fazendo isso comigo?
— Pode ser que vocês encontrem um número alarmante dos Nobodies mais comuns, mas
estes não passam de cascas vazias. Eles podem tentar feri-los, mas logo acabarão se desfazendo em
meio à escuridão. — Yen Sid fez uma pausa e então apontou para o espaço vazio ao lado deles. A
imagem desfocada de um homem de casaco negro se materializou ali.
— Quem é esse...? — perguntou Sora, a voz baixa. Sentia que já havia visto aquele sujeito
antes... mas não conseguia se lembrar muito bem.
— Este é um dos Nobodies mais poderosos que formaram um grupo chamado Organização
XIII. Eles comandam os Nobodies mais fracos.
— Organização XIII... — murmurou Sora, tentando gravar as palavras em sua mente.
— Enquanto os Heartless agem por instinto, Nobodies atuam em um nível muito mais
elevado — explicou Yen Sid. — Podem pensar e planejar. E parece que, sob ordens da Organização
XIII, estão trabalhando em prol de um grande objetivo.
— Poxa, e sabemos do que se trata? — perguntou Pateta.
Yen Sid balançou a cabeça.
— Não conseguimos sequer conjeturar. O rei pressentiu o perigo e saiu em uma jornada para
confrontá-lo. Agora está viajando de mundo em mundo, enfrentando os Heartless enquanto busca
descobrir o que a Organização XIII e os Nobodies estão planejando.
Um complô com objetivo desconhecido: A Organização XIII. Sora não conseguia entender
por que seu coração havia acelerado ao ouvir o termo.
Seja como for, isso não muda os nossos objetivos, pensou. Encontrar o Riku e o rei.
Se encontrassem o rei, que estava investigando a Organização, então também descobririam
onde estava o Riku e o que a Organização estava planejando.
— Então acho que é melhor acharmos o rei primeiro! — exclamou Sora, a voz cheia de
determinação. Donald e Pateta trocaram olhares.
Não havia o que temer. Aquela não era uma nova aventura. Continuavam na mesma jornada
de antes. Ainda era a viagem de Sora para encontrar Riku, cumprir a promessa que fizera para Kairi
e voltar para as Ilhas do Destino.
Foi quando o Grilo Falante saltou de seu esconderijo no bolso de Sora.
— Uou! — Sora deu um pulo, sobressaltado.
— E não podemos nos esquecer de agradecer à Naminé! — E com essas palavras, o Grilo se
enterrou de volta em seu bolso.
— Sim, é verdade — destacou Pateta. — Temos que agradecer à Naminé!
O trio sorriu de um para o outro. Satisfeito com seu otimismo, Yen Sid inclinou a cabeça e
indicou uma porta no canto da sala.
— Antes de partir, você precisará de roupas de viagem mais apropriadas — disse a Sora. —
Essas parecem um tanto pequenas para você.
Donald e Pateta deram uma risada.
— É verdade, Mestre Yen Sid — disse Pateta, incapaz de guardar a história cômica para si.
— Ainda agora mesmo, abriu um buraco na roupa do Sora.
— Eu convoquei três fadas boas para cuidar disso. Podem ser um pouco exigentes quando o
assunto são roupas, mas basta pedir e elas criarão novas vestimentas para você — disse Yen Sid,
ainda voltado para Sora, a voz extremamente atenciosa.

102 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
Os dois caminhavam em meio a uma névoa pesada. Por quanto tempo teriam que avançar
sem sequer um caminho para seguir?
— ...Axel? — disse Naminé, chamando pelo homem de cabelos vermelhos que ia andando
avidamente, apenas alguns passos a sua frente.
Ele parou, mas não se virou para ela.
— O quê? Precisa de um tempo?
— Não, não é isso... — disse Naminé, fitando suas costas largas.
— Mudando de ideia sobre vir comigo, então?
— ...Eu não me arrependo de nada — disse a ele, e então começou a andar novamente. —
Aonde vamos?
— Vamos ver. — Axel também voltou a caminhar.
— O que vamos fazer? — pressionou Naminé.
— Ainda não decidi. — Os passos de Axel se mantiveram constantes dessa vez.
— O Roxas não vai voltar.
Diante dessas palavras, Axel parou onde estava e desviou o olhar para ela.
— Esse era o plano dele... O plano do DiZ, não era? Disso eu me lembro.
A expressão no rosto dele era dura, fechada feito uma fortaleza. Vendo isso, era impossível
acreditar que Axel não tinha um coração.
Coração. Ela revirou a palavra em sua mente. O que significava, afinal?
O que era um coração?
— O Riku está sozinho agora.
— Isso a incomoda? — Axel deu uma pequena risada, observando-a enquanto abaixava o
olhar. — Ele é humano, você sabe. Não é um Nobody.
— Ainda assim... — Naminé parou de falar.
Axel continuou a repreendê-la:
— Mesmo que tenha aquela aparência agora.
— A aparência dele não tem nada a ver com isso.
Naminé tinha certeza disso. Contanto que ainda tenha seu coração, sua aparência de nada
importa, repetiu para si mesma.
E então, ao se dar conta de uma coisa, ela ergueu a cabeça.
— Ei, Axel. Se nós tivéssemos corações...
— Bom, não temos. Deu pra memorizar? — disse Axel, interrompendo-a bruscamente. — E
você sabe, somos traidores da Organização. Só pra constar. Sabe o que isso significa?
— Sim, eu sei.
— Então continue andando.
Naminé mordeu o lábio e seguiu em frente.

Quando Sora, Donald e Pateta entraram na sala dos fundos, três fadas que mais pareciam
doces titias velhinhas os receberam com grandes sorrisos nos rostos. Com seus robes e chapéus
coloridos, — um verde, um azul e um vermelho — elas imediatamente começaram a tagarelar:
— Ora, vejam só quem está aqui, queridas! Sora, Donald e Pateta. — A primeira a falar foi a
que de vermelho.
— Se está procurando roupas novas, você veio ao lugar certo! — disse a de azul.
— Eu faço o design — disparou a de verde.
— Calma, calma, devagar aí! — disse Sora, um pouco frustrado. — Podem pelo menos me
dizer os seus nomes?
As fadas se apresentaram com certo egocentrismo:
— Eu me chamo Primavera.
— Eu sou a Flora.
— E meu nome é Fauna.

103 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
Pareciam fadas um tanto avoadas. Então a de azul se chamava Primavera, a de vermelho se
chamava Flora e a de verde se chamava Fauna.
— Bom, Sora, por que não começamos? — Fauna sacudiu sua varinha mágica esguia e todo
o traje de Sora se tornou verde.
— Ah, assim não vai ficar bom! — dessa vez, Primavera deixou suas vestimentas azuis.
— As duas não têm a menor ideia do que estão fazendo — declarou Flora e, com um girar
do pulso, as roupas de Sora ficaram vermelhas.
— Não, assim fica muito melhor!
— Fica?
— Ah, mas o que é isso?
— Assim fica ótimo!
O turbilhão de magia prosseguiu e as roupas de Sora mudavam de cor tão depressa que seus
olhos começaram a doer.
— Ah, qual é, podem se decidir de uma vez? — reclamou.
— Muito bem... todas juntas agora, queridas, e sem mais discussão — disse Flora, e as
outras duas sacudiram a cabeça em consentimento. — Vamos nessa!
As varinhas mágicas dispararam um jato de faíscas cada e o traje de Sora se tornou muito
mais estiloso, preto com detalhes de outras cores espalhados aqui e ali.
— Ó, céus!
— Uhh, nada mal mesmo.
— Ah, sim, ele está numa elegância só.
Em resposta, Sora fez uma pose espertinha, exibindo suas novas vestimentas. Seus amigos
caíram na gargalhada.
— Ei! Não riam de mim!
— Mas...! — Donald não conseguia conter sua risada grasnada.
— Ficou bem legal, não acham?
— Aham — concordou Pateta.
As fadas também pareciam bastante satisfeitas.
Sora examinou as roupas e deu um pulo para testar o caimento. Do lado de fora da janela,
uma silhueta suspeita observava a cena, mas ninguém lá dentro chegou a notar.
— Ah, e o Mestre Yen Sid também tem algo para vocês — disse Fauna, empolgada.
— Uau! Obrigado, Fauna, Flora e Primavera! — exclamou Sora.
— Não por isso, querido.
As três fadas acenaram alegremente para ele, sacudindo as mangas de seus robes.
Sora se curvou para elas como um príncipe em um grande baile e então disparou de volta
para a sala do feiticeiro.

Os homens de casaco negro estavam reunidos no salão de mármore branco impecável. Seus
capuzes ocultavam seus rostos — assim como suas expressões. Apenas seis dos treze assentos
estavam ocupados. Os que pertenciam aos cinco membros perdidos no Castelo do Esquecimento, ao
número treze, Roxas, e ao número oito, Axel, estavam vazios.
O número dois, Xigbar, foi quem iniciou a discussão:
— Então a Keyblade está em movimento.
— Isso não faz parte do plano? — disse Xaldin, o número três.
— Até parece. Perder o número treze... isso é, o Roxas... certamente não fazia — retrucou
Xigbar, abaixando o olhar em seguida. — A gente tinha que ter garantido que o nosso querido
heroizinho ficasse incompleto.
— E quanto ao Axel? — O número nove, Demyx, mencionou com a voz suave o último
membro que faltava.
Luxord, o número dez, respondeu sem rodeios, sentado em seu assento de nível inferior:

104 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
105 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— Ele aparentemente nos traiu.
— Sério? Ele? — Demyx praticamente guinchou.
— Ele estava envolvido no incidente do Castelo do Esquecimento... Eu avisei que tinha tido
um dedo dele na queda de Marluxia e dos outros e mesmo assim alguém não o eliminou. — Saïx, o
número sete, encarou Xigbar por baixo do capuz, os olhos com um forte brilho em meio às sombras.
— Ei, ele foi o único que teve contato direto com o portador da Keyblade — respondeu
Xigbar, sem se desesperar.
— Observem-nos. — Xemnas passou a ordem com uma voz serena.
— Saïx, você vai atrás do Axel. Demyx, você segue o garoto. — Xigbar traduziu para os
demais, como se tivesse acesso privado aos pensamentos de Xemnas.
— O garoto? Tá falando do Roxas? — Demyx se levantou.
— É, isso aí... O Roxas. — Xigbar abriu um sorriso sombrio e trocou olhares com Xemnas.

— E aí, o que achou, Mestre Yen Sid? — Sora, agora devidamente vestido, foi correndo em
direção ao feiticeiro.
— Ah, muito bom mesmo — respondeu Yen Sid, aproximando-se de sua janela. — Aqui.
Este é o meu último presente antes de partirem.
Flutuando do outro lado do batente estava a Nave Gummi. Donald grasnou de deleite e se
lançou contra a janela.
— Beleza! Vamos nessa! — Sora parecia pronto para saltar direto pela janela. Esperava só
uma confirmação de Donald e Pateta.
— Calma, calma, só um momento — disse Yen Sid em tom reprobatório. — Devido a seus
esforços anteriores, os mundos retornaram a seus estados originais. Isso significa que os caminhos
entre eles desapareceram.
Ele queria dizer que não poderiam simplesmente viajar de mundo em mundo como antes?
Os ombros de Sora despencaram.
— Isso é um problema... — comentou Donald, apoiando-se na janela para olhar a nave.
— Nada temam. Se o que o rei suspeita se provar verdade, os mundos terão preparado novos
caminhos, os quais vocês deverão conseguir usar se destrancarem certos portões. Sobre como farão
para destrancá-los, a Keyblade lhes servirá como guia.
A arma reluziu na mão de Sora.
— Embora os mundos possam parecer separados e fora de nosso alcance, — disse Yen Sid
— todos seguem conectados por laços invisíveis. Assim como nossos corações.
Sora assentiu.
— Nossos corações... estão conectados.
Ele estava ligado a Riku... e a Kairi, e ao Rei Mickey. E a todas as pessoas que conheceram
em sua jornada...
— Precisamente... — disse Yen Sid. — Mas estejam avisados. Os Heartless e os Nobodies
usarão seus próprios caminhos, os Corredores das Trevas, para viajarem de mundo em mundo. E
eles poderão tentar conectar essas passagens sombrias aos portões entre os mundos.
Sora assentiu novamente, dessa vez com mais convicção.
— Muito bem. Isso é tudo o que posso lhes dizer. Avante, Sora, Donald e Pateta. Seus
amigos e os mundos estão à sua espera.
O trio olhou de um para o outro e todos assentiram juntos.
— Beleza, estamos indo! — declarou Sora, pulando para a Nave Gummi que flutuava a seu
encontro. Donald e Pateta saudaram Yen Sid uma última vez e, depois que o feiticeiro sorriu em
retorno, pularam atrás de Sora.
O ronco do motor ficou cada vez mais alto, até que a Nave Gummi finalmente disparou
rumo ao Céu Além.

106 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
De repente, uma sombra negra como tinta foi caindo no chão, esvoaçante, em meio à sala
das fadas.
— Céus, o que é isso? — Primavera se afastou um passo, apreensiva.
Tratava-se de um único corvo que, carregando em suas garras um pedaço de tecido negro,
grasnou um terrível som:
— Kraak!
As fadas fitaram o tecido, temerosas.
— Já não vimos isso em algum lugar antes...? — disse Primavera.
— Creio que sim... — ponderou Fauna. — De quem será que era...?
— Da Malé...?
Quando Primavera começou a citar o nome, Flora imediatamente a interrompeu:
— Não! Não devemos nos lembrar do nome dela! Ai, estou com um péssimo pressentimento
sobre isso! — Tremendo, ela cruzou os braços, abraçando o próprio corpo.
— Ah, ela era uma bruxa desprezível. Essa não, as memórias estão voltando! Isso não é
nada bom! O que vamos fazer? — disse Primavera, inquieta, andando de um lado para o outro.
Diante delas, o tecido negro começou a se contorcer devagar... aos poucos assumindo a
forma de uma pessoa.
— Talvez seja melhor contarmos ao Mestre Yen Sid! — exclamou Fauna.
— Sim, é o que devemos fazer! Rápido! — concordou Flora.
As duas saíram voando da sala, deixando o tecido negro para trás... junto à Primavera. O
tecido, que agora assumira a forma de um vestido, se ergueu sozinho no ar e se transformou numa
certa bruxa que devia ter permanecido perdida em suas memórias.
Primavera gritou o nome da feiticeira que havia aprisionado sua amada princesa em um
emaranhado de espinhos amaldiçoados.
A princesa se chamava Aurora e a bruxa se chamava...
— Malévola!
Primavera disparou atrás das outras, deixando Malévola analisar a sala com um certo grau
de familiaridade.
Por fim, gargalhou, uma risada alta e cruel.

107 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
108 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
RIKU E O REI MICKEY ESTAVAM SENTADOS CADA UM EM UMA PEDRA, AMBOS
assistindo ao pôr do sol.
...Assim como Riku costumava fazer com Sora e Kairi.
Quanto tempo se passara desde então? Deviam ser anos, mas ainda assim a memória fazia
parecer que fora ontem.
Eu gostaria de voltar para casa, se pudesse, pensou Riku. Mas na minha forma atual, não
posso. Este era o caminho que havia escolhido para si mesmo.
— É melhor partirmos. — O Rei Mickey disse a Riku.
— Certo. — Riku se levantou.
Tinham conversado sobre muitas coisas — sobre tudo o que acontecera, e o que poderia
haver adiante. Na verdade, ele gostaria de ficar junto ao Rei Mickey, mas havia coisas das quais
precisava cuidar sozinho.
— Se você usar os Corredores das Trevas, poderá ir e vir entre os mundos da forma que
melhor lhe convir. Sabe como fazer isso, não é?
— Sim.
Antes, ficar próximo ao Rei Mickey se provara tão doloroso para Riku que ele começou a
viajar sozinho por esses corredores. E agora, por conta disso, ganhara um gigantesco poder — e a
forma de outra pessoa.
Não tinha certeza se isso era bom ou ruim.
Apenas um filete de sol continuava visível no horizonte e agora o ocaso pintava o céu de um
violeta pálido.
— Vossa Majestade, quero que me prometa uma coisa.
Com essas palavras, o Rei Mickey finalmente se levantou.
— E o que é?
— Ainda... ainda que encontre o Sora e os outros, me promete que não vai contar para eles
sobre mim?
— Certo. Não vou contar. — O Rei Mickey assentiu solenemente.
Riku começou a andar por entre a areia.
— Bom, eu vou indo.
— Riku! — ouviu o Rei Mickey gritar atrás de si. — Vamos nos separar agora, sabe... mas
vai ficar tudo bem.
Riku olhou de volta para ele.
— Você não está sozinho, Riku.
Já tinha ouvido aquelas palavras antes. Era o que o rei lhe havia dito naquele castelo — o
Castelo do Esquecimento.
— Sim. Eu sei. Você, o Sora e todos os outros... Vocês sempre estarão comigo. — Riku
abriu um sorriso.
O Rei Mickey sorriu em resposta.
— Até mais, Vossa Majestade.
Com essas palavras, Riku adentrou o vão em meio ao espaço que se abrira diante de si — o
Corredor das Trevas.

A Nave Gummi voava através do Céu Além.


— Não consigo ver nada! — anunciou Donald, o bico pressionado contra a escotilha.
Sora se juntou a ele e enfiou o rosto no vidro para olhar lá fora.
— Pior que não, nadinha mesmo. Mas o Rei Mickey tinha preparado a Nave Gummi pra
gente, não tinha?
— Sora! Donald! Venham cá! Tô vendo uma coisa daquele lado! — exclamou Pateta,
também com o rosto pressionado contra a escotilha do lado oposto.
— Onde?

109 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— O quê? Onde?
Os outros dois dispararam em sua direção. Donald subiu em Pateta e Sora enfiou a cabeça
debaixo de seu focinho.
— Vocês estão me esmagando! — protestou Pateta.
— Você tá no caminho! — retrucou Donald.
— Olha, tá bem ali!
Todos espremidos junto à pequena escotilha, um empurrando o outro para lá e para cá, o trio
viu um mundo flutuando ao longe.
— Só um? — reclamou Sora enquanto a Nave Gummi se aproximava.
— Não é o suficiente — disse Donald, desanimado, e finalmente desceu de cima de Pateta.
Pateta fitava o mundo solitário com olhos vidrados.
— Mas... acho que é um mundo que a gente conhece.
— Sei não... — Sora parecia um pouco incerto, o nariz ainda grudado na janela.
— Vejam, tem um castelo bem no meio — apontou Pateta.
Donald prontamente o escalou outra vez, piscando os olhos.
— É Hollow Bastion! — exclamou, dando um salto.
— É verdade! — Batendo com a cabeça no queixo de Pateta, Sora começou a pensar em voz
alta, todo feliz. — Como será que tá a galera...?
A Nave Gummi se aproximou de Hollow Bastion a toda a velocidade.

— Malévola! Malévola?! — Uma voz áspera ecoou pelos corredores silenciosos.


Aquele era um lugar onde o mal costumava residir, a fortaleza vazia — Hollow Bastion.
Bafo espiou furtivamente o grande salão enquanto vagava perdido. O castelo havia mudado
bastante desde quando Sora estivera lá em busca de Kairi. Não parecia haver ninguém ali, o que
passava uma impressão ainda maior de solidão e decadência.
— Será que eles acabaram mesmo com ela? — murmurou Bafo, inquieto. — E esse castelo
também não é nada do que ouvi falar. Nem um brilhinho nem nada... O que vai ser do nosso plano
agora...?
Abatido, ele abaixou a cabeça.
Uma enorme janela no grande salão dava vista para toda a cidade. Fumaça subia das
construções lá embaixo, prova de que havia pessoas morando ali. As ruas pareciam até bastante
animadas — o que também não batia com o que Malévola lhe havia dito.
Foi quando um único corvo pousou na borda da janela em meio a um grasnado rouco.
— Malévola...? — murmurou Bafo, e o pássaro voou rumo ao salão.

Sora saltou na Nave Gummi e deu outro pulo de pura alegria.


— É mesmo Hollow Bastion!
Donald e Pateta o seguiram, parando um instante para assimilar o cenário.
— Poxa, parece meio diferente agora — disse Pateta, pensando em voz alta enquanto olhava
para o castelo mais ao longe.
— Espero que o Leon e os outros estejam bem. — Esperando encontrá-los o quanto antes,
Donald avançou pela praça pavimentada com tijolinhos... e então deu um pulo, surpreso. — Quack!
— Qual o problema, Donald? — Indo atrás dele, Sora também deu um pulo. — Eita!
Havia uma horda de Heartless diante deles.
— Acho melhor nos prepararmos pra mais umas lutas, hein? — disse Pateta, resfolegante.
— Beleza, vamos lá! — exclamou Sora.

110 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
Todos partiram para cima da horda, Donald com seu cajado e Pateta com seu escudo. Pouco
depois, todos os inimigos já haviam sido derrotados, libertando os corações cativos e desaparecendo
em meio ao ar.
— Que rápido! — disse Sora em meio a um sorriso, pousando a Keyblade sobre os ombros.
— Acho que aqui é o mercado da cidade — disse Donald, olhando em volta. Heartless não
costumavam espreitar em áreas onde havia uma grande concentração de pessoas, assim como em
Traverse Town.
— Tio Donald? — disse alguém de repente.
Donald se virou.
— Wak?
A voz pertencia a um de seus sobrinhos, Luisinho, empoleirado no balcão de uma loja.
— Nossa, há quanto tempo! — Pateta correu até a vitrine aberta. Sora foi logo atrás.
— Então vocês ainda tão gerenciando uma loja, é?
— Isso aí. Bom ver você, Sora!
Pelo que parecia, os irmãos Huguinho, Zezinho e Luisinho gerenciavam lojas aqui e ali,
espalhadas pela cidade.
— O Tio Patinhas também tá por aqui! — gritou Zezinho, do outro lado da rua.
— Está?! — disse Donald, voltando-se para ele.
— Quem é esse? — sussurrou Sora, aproximando-se de Pateta. O nome não lhe era familiar.
— O tio do Donald. É um grande homem de negócios! — respondeu Pateta. — Antes dos
Heartless aparecerem, ele estava viajando na Nave Gummi com o rei. Ia ajudar a montar um sistema
de tráfico.
— Sistema de tráfego! — corrigiu Donald, irritadiço.
— O Tio Patinhas tá logo ali! — apontou Huguinho, e Donald saiu em disparada. Sora e
Pateta correram para alcançá-lo.
— Devagar, Donald!
— Tio Patinhas? — disse Donald para um pato com jeitão de cavalheiro e cartola na cabeça
que estava parado diante de uma construção que mais parecia um congelador gigante.
— Que barulheira toda é essa? — O cavalheiro em questão se virou. Tinha uma espécie de
picolé nas mãos. — Ora, se não é o Donald. Olá, meu jovem!
Patinhas deu um pulo, surpreso, assim como Donald costumava fazer, e abriu um sorriso
caloroso. A semelhança familiar era notável. O pato usava um par de óculos e um terno azul.
— E o Pateta também! Ora, os dois parecem estar muito bem!
— O senhor também, Tio Patinhas.
Mas Patinhas abaixou o olhar diante das palavras de Donald.
— Ah, quisera eu... Estive tentando recriar meu sabor de picolé favorito dos velhos tempos.
Achei que poderia fazer uma nota...
— Picolé?! — exclamou Sora, enfiando a cabeça entre Donald e Pateta.
— E quem é este? — perguntou Patinhas.
— Sou o Sora! — Após a breve apresentação, o jovem fitou atentamente o picolé que
Patinhas tinha em mãos.
— É amigo nosso — explicou Donald.
Patinhas olhou para Sora com certo interesse.
— Gosta de picolé, meu jovem?
— Sim! — Sora assentiu, os olhos vidrados.
Fazia uma eternidade desde a última vez que comera algo do tipo, pensou, inclinando-se
inconscientemente mais para perto. Ainda assim, tinha a sensação de que tinha tomado um picolé
daqueles em algum lugar...
Devia ter sido em casa, nas Ilhas do Destino, mas era como se não fosse...
— Qual o problema, Sora? — perguntou Pateta, notando a confusão no olhar de Sora.
— Ah... não é nada. Hã, Sr. Patinhas, posso provar um? — A expressão no rosto de Sora
voltou ao sorriso esperançoso de antes.
Patinhas deu um longo suspiro.
111 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— Bom, pode ficar com esse, mas... sabe...
— Sério? Puxa, obrigado, Sr. Patinhas! — Sora pegou o picolé da mão de Patinhas.
— Não, não, eu preciso te avisar...
— Hmm, mal posso esperar! — Ignorando as tentativas de Patinhas de detê-lo, Sora deu
uma grande abocanhada no picolé. — ...Blééé!
Ele estendeu o braço para afastá-lo do rosto, que se contorceu numa careta enojada. Donald
pegou o picolé e o cheirou antes de dar uma mordida.
— ...É horrível! — Ele fez a mesma cara que Sora, e então foi a vez de Pateta provar.
— Nossa, é bem ruim mesmo... — disse Pateta, pesaroso.
— O que é isso?! Nem tem gosto de picolé! É amargo! — reclamou Sora.
— Eu tentei avisar... — disse Patinhas em meio a outro suspiro, e então abaixou os ombros.
— Ainda não consegui acertar.
— Que tipo de picolé era pra ser? — perguntou Donald.
— Também não me lembro muito bem.
— ...Assim deve ser bem difícil mesmo. — Pateta cruzou os braços e também se permitiu
um suspiro. Ao lado dele, Sora batia o pé.
— Ahh, eu quero picolé! — gritou para o céu.
— Bom, será que poderiam esperar um pouco? — disse Patinhas. — Acho que eu consigo...
não, tenho certeza que eu consigo recriar aquele sabor direito!
Pateta assentiu.
— Acho que vamos ter que esperar.
— Até depois, Tio Patinhas — disse Donald.
— Até... — Patinhas assentiu sem muita força, e o trio seguiu adiante em meio à cidade.
— Eu quero picolé! Qual é! Picolé! — Sora continuava insistindo, sua paixão por doces
falando mais alto. Pateta inclinou a cabeça.
— Você gosta tanto assim de picolé?
— Todo mundo gosta de picolé!
— Wak! Pode apostar! — concordou Donald.
— Viu? É doce, geladinho e... hã? — Sora fez uma pausa, o rosto novamente tomado pela
sensação de confusão.
— O quê? Picolés são exatamente desse jeito.
— Hm... É, doces, gelados e... sei lá. — Sentia como se estivesse se esquecendo de alguma
coisa. Gelado, doce e... o que mais? — Enfim. É isso que faz dos picolés tão demais!
Resoluto, ele assentiu para si mesmo. E então...
— Sora!
A voz viera de algum lugar sobre suas cabeças. O trio encontrou a fonte parada nos telhados
acima — uma garota de cabelos negros curtos.
— Yuffie?!
— E aí! — Ela desceu num salto e correu até eles.
— Parece que você tá muito bem — disse Sora.
— O que esperava? — Yuffie abriu um sorriso.
— Como estão o Leon e os outros? — perguntou Donald, bamboleando em sua direção.
— Estão ótimos! Ei, Sora, você cresceu um pouco, foi? — Yuffie ficou ao lado de Sora,
comparando suas alturas.
— He, he, he... — Sora deu uma risadinha, orgulhoso, mas então lhe fez uma pergunta séria:
— Ei, Yuffie, você viu o Riku ou o Rei Mickey?
— Não. — Ela balançou a cabeça.
Então... eles provavelmente não tinham estado ali. Sora abaixou o olhar, desanimado.
— Ah.
Yuffie lhe abriu outro sorriso.
— Mas tinha a impressão de que veria vocês de novo.
— Podemos nunca nos encontrar novamente, mas jamais esqueceremos uns dos outros —
disse Sora, engrossando a voz e fingindo um jeitão sério. — Né não?
112 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
113 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
Era o que Leon lhe havia dito quando se despediram na última vez que esteve em Hollow
Bastion.
— Essa é a sua interpretação do Leon?
— Isso! Exatamente!
Sora e Yuffie trocaram um olhar e deram risada.
— Estão todos na casa do Merlin. Vamos lá! — Yuffie saiu correndo, seguida de perto por
Sora, Donald e Pateta.

Em uma sala feita de mármore branco, um grande espelho refletia Demyx, que se preparava
para sair em sua missão. Era particularmente caprichoso com relação a seu penteado, manipulando
meticulosamente os fios acastanhados com um pente, a fim de deixá-los bem erguidos.
Saïx o observava de trás com o que parecia ser uma expressão de desgosto. Em um contraste
absoluto a Demyx, Saïx nunca estilizava os longos cabelos azuis. A cicatriz em forma de X em seu
rosto era todo o estilo do qual precisava.
— O que você quer? Tô meio ocupado. — Irritado, Demyx se virou.
Em vez de responder, o outro homem simplesmente desapareceu.
— Com licença?! — Demyx gritou para o espaço vazio onde Saïx estivera parado.
E então, como se para assumir o lugar de Saïx, Xigbar surgiu com o capuz erguido, cobrindo
até mesmo seus olhos.
— Já tá pronto?
— ...Tô, tô, quase lá — respondeu Demyx, apático. — Sabe, Xigbar, não acho que eu sou a
melhor escolha pra espionar alguém.
— Ordens são ordens, e você não pode sair peitando o maioral em pessoa. Ou já se
esqueceu?
— ...Hmph.
Não tinha sido a mais satisfatória das respostas. Demyx fechou a cara e se apoiou na cítara
que carregava em suas mãos.
— Enfim, você vai poder dar um oizinho primeiro — acrescentou Xigbar.
— Hã?
— O herói e a sua comitivazinha já puseram o pé na estrada. Saïx ouviu as vozes deles.
— Aham... — disse Demyx, mais como um suspiro que como resposta, e então franziu o
cenho. Não conseguia ouvir as vozes.
Podia ter tido um número designado a ele, mas sabia perfeitamente bem que não era bom de
briga. Só o que fazia era controlar água tocando música. Não se via como alguém particularmente
forte. E seguir o portador da Keyblade — ou melhor, seguir o Roxas — não lhe parecia lá algo
muito divertido.
Ainda assim, não podia desafiar a Organização. Por esse único motivo, precisava seguir suas
ordens à risca.
— Hora de ir — disse Xigbar.
— Tá, tá... — Demyx pôs a cítara nos ombros e se desfez em meio ao ar.
— Que cara mais chato. — Xigbar deu uma risadinha consigo mesmo e, assim como ele,
desapareceu do quarto.

Dentro da casinha, Leon, Aerith e Cid analisavam uma grande tela de computador com
expressões bastante sérias nos rostos. Aerith deu um breve suspiro e, no momento seguinte, a porta
se abriu num estrondo. Os três lá dentro se ergueram, prontos para se defender, mas era apenas
Yuffie, parada ali com um grande sorriso.
— Não assuste as pessoas assim, Yuffie... — ralhou Leon.
114 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
E então outras três pessoas surgiram de trás dela: Sora, Donald e Pateta.
— Conheçam o Comitê de Restauração de Hollow Bastion! — anunciou a ninja, voltada
para os recém-chegados.
— Ah! Sentimos saudades! — Aerith os recebeu com um sorriso contente.
— Parece que estão todos em ótima forma — comentou Cid, levantando-se da cadeira em
frente à tela.
— Você também podia dizer oi, Leon — incitou Yuffie.
Leon cruzou os braços com firmeza e murmurou:
— Eu sabia.
— Sabia o quê? — perguntou Sora, sem a menor ideia do que ele podia estar falando.
— Recentemente, todos de repente se lembraram de vocês três, todos ao mesmo tempo.
Os três em questão trocaram olhares confusos.
— Se... lembraram? — disse Sora. — Ei, quer dizer que tinham se esquecido da gente?
Donald deu um pulo furioso.
— Poxa, muito obrigado!
— Sentimos muito. — Aerith curvou a cabeça, pesarosa.
Mas... como poderiam tê-los esquecido para começo de conversa?
— E então, onde estiveram esse tempo todo? — Yuffie perguntou a eles.
— Estávamos dormindo, eu acho — disse Pateta, soando bastante despreocupado.
— Mas vocês não têm uma única preocupação mesmo, né? — comentou Cid.
— Tá tudo bem agora. — Aerith lhes abriu um sorriso doce. — Estamos todos juntos de
novo, não estamos?
— É. Também estamos felizes em vê-los! — Sora assentiu.
Ver todos reunidos ali levantou seu ânimo. Tivera medo de que talvez nunca mais pudessem
voltar a se ver.
— Ah, é... Hã, estamos procurando o Riku e o Rei Mickey. Viram eles?
Em silêncio, Aerith e os outros olharam em volta para ver se alguém tinha visto, mas então
todos balançaram a cabeça.
— Ah, beleza... — Sora abaixou a cabeça, desapontado.
— Avisem se houver algo que possamos fazer para ajudar, tudo bem? — disse Aerith,
aproximando-se um passo.
— Sim. Obrigado.
Que bom que ela quer ajudar, pensou Sora.
— Não vá agradecendo ainda não... — advertiu Cid, desviando o olhar para Leon enquanto
se sentava de volta em sua cadeira.
— Essa cidade está com um problema. Um problema dos grandes — explicou Leon.
— Quer dizer, tipo os Nobodies? E os Heartless? — deduziu Sora.
— Isso! Exatamente! — Yuffie se inclinou mais para perto.
— Parece um trabalho pra gente.
— Então vamos direto ao assunto — disse Leon. — Sora, Donald, Pateta... Estávamos
esperando que pudessem nos dar uma mão por aqui.
Sora cruzou os braços e deu uma risada da forma séria como Leon fizera a pergunta.
— Como se fôssemos dizer não?
— Hm... Tinha esquecido de com quem estamos lidando. — Leon seguiu em direção à
porta. — Venham comigo ao pátio do castelo... tem algo lá que vocês precisam ver.
Quando Sora e seus amigos estavam para segui-lo, uma nuvem de fumaça branca surgiu em
meio a um poof! misterioso e bloqueou o caminho.
— Oh-ho, então aí estão vocês.
Parado diante deles estava Merlin, o mago.
— Merlin! — Donald correu até ele.
— O Sora e a galera disseram que vão ajudar! — informou Yuffie, animada.
— Ah, esplêndido. Estamos contando com vocês.
— Sim, senhor! — exclamou o trio em coro.
115 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— Ah, Aerith... já deu aquela coisinha para eles?
— Ah! — Com o lembrete de Merlin, Aerith começou a procurar alguma coisa no bolso. —
Aqui... São presentes para vocês. — Ela estendeu três cartões diante deles. — O Leon achou que
gostariam de tê-los.
Sora, Donald e Pateta pegaram um cada. O cartão de Sora tinha seu nome estampado junto a
uma imagem do castelo e mais algumas palavras:
— Membro Honorário do Comitê de Restauração de Hollow Bastion! — leu, orgulhoso.
— Cartões de afiliados! — gralhou Donald, erguendo o seu sobre a cabeça.
Animado, Pateta agarrou o seu com ambas as mãos.
— Bem legal, né?
— Valeu, Le...hã?! Ele saiu sem a gente?! — inquietou-se Sora, notando que Leon já não
estava mais na casa. Ele não tinha nem esperado para ver se estavam indo junto. — Uh-oh!
O trio saiu às pressas — mas as ruas lá fora estavam fervilhando de Heartless.
— Wak! — Donald deu um pulo diante da quantidade de inimigos.
— Poxa, por que ainda tem tantos Heartless por aí? — reclamou Pateta, cabisbaixo com a
ideia de terem que encarar mais um confronto.
Na verdade, parecia haver mais deles desde que fecharam a porta.
— Bom, é melhor acharmos o Leon! — exclamou Sora, brandindo a Keyblade contra os
inimigos. Os outros dois assentiram.
Da casa de Merlin, o pátio do castelo ficava a apenas algumas ruas de distância, após um
lance de escadas.
— Vem, vamos!
Enquanto seguiam para lá, tiveram que contornar os Heartless que se lançavam contra eles
de todas as direções. Sora subiu os degraus até o topo de uma gigantesca muralha. De lá, mais ao
longe, pôde ver um grande castelo — um que reconheceu imediatamente.
— Foi onde enfrentamos a Malévola, não foi? — disse Sora, sem tirar os olhos dele. Pateta
se inclinou para tentar enxergar.
— Essa é a muralha do castelo?
— Sim, afinal, estamos indo pro pátio dele! — disse Donald com um ar de sabichão.
Sua batalha contra Malévola parecia ter sido há tanto tempo. Enquanto Sora fitava o castelo,
pensativo, Pateta se aproximou por detrás dele.
— O Leon deve estar esperando por nós. Vamos.
— Certo!
Eles avançaram até se depararem com uma parte da fortaleza diante de si.
— Esse é o pátio interior? — perguntou Donald, sem desacelerar.
— Só pode ser — respondeu Pateta.
— Demoraram um bocado, hein.
O trio encontrou Leon olhando para o castelo de uma abertura na fortaleza, assim como
estavam fazendo antes.
— Vejam aquilo. — Leon apontou para uma massa negra que se contorcia por todo o
território em volta do castelo. — Queremos restaurar Hollow Bastion, fazer com que volte a ser
como antes. Ou quem sabe... talvez até algo melhor. Ainda há muito a fazer, mas podemos lidar
com tudo... Exceto por aquilo.
Ele desviou a cabeça em direção à horda de criaturas prateadas mais ao longe.
— Aquilo tudo são... Nobodies? — murmurou Sora.
Leon assentiu.
Aquelas criaturas que haviam enfrentado em Twilight Town — não os Heartless, mas
Nobodies, como Yen Sid os havia chamado.
— Wak! Mas também tá cheio de Heartless! — Após dar uma boa olhada no aglomerado de
inimigos, Donald deu um pulo.
Então, por algum motivo, Hollow Bastion estava infestada tanto de Nobodies quanto de
Heartless.
— Sora, você sabe o que está acontecendo? — perguntou Leon.
116 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— Tem um cara chamado Bafo que está tramando alguma coisa com os Heartless, tudo parte
de um plano dele. Mas ele é um baita otário. Acho que podemos lidar com ele. Na verdade, nós
temos mesmo que nos preocupar é com... — Sora cruzou os braços e inclinou a cabeça.
Pateta terminou a frase por ele:
— Esses Nobodies e os sujeitos no comando deles, a Organização XIII. — Ele deu um breve
suspiro, e então...
— Chamou? — disse uma voz desconhecida, dirigindo-se a eles com um tom de barítono
profundo e intimidador.
— Estão indo muito bem. — A saudação seguinte pertencia a outro sujeito.
— Quem tá aí?! — gritou Sora.
— É uma reunião. Devíamos celebrar. — A voz profunda deu uma risada baixa e sinistra.
— Sora! — exclamou Leon.
Ele se virou, deparando-se com um grupo de Nobodies.
— Wa-waaak! — Donald deu um pulo, alarmado, agarrando o cajado com força.
— Eu cuido desse lado! — Com a Gunblade em mãos, Leon se lançou contra os Nobodies.
Sora disparou em direção ao outro lado.
— Beleza, deixa esse lado comigo!
— Chamas! — Os Nobodies deslizaram por baixo da magia de Donald. Seus movimentos
eram tão estranhos que era quase impossível atingi-los.
— Parem de ficar se contorcendo! — gritou Sora, finalmente conseguindo acertar um deles
com a Keyblade.
— A Keyblade... uma arma verdadeiramente maravilhosa... — disse aquela voz.
— Apareçam! — exigiu Sora, ainda atacando os Nobodies incessantemente.
— He, he...
A risada sarcástica parecia ecoar dentro de seu cérebro. Sora sacudiu a cabeça. Aquela voz...
aquela risada. Era tudo terrivelmente perturbador.
E não só perturbador — algo mais...
— Sora! — O chamado de Leon o trouxe de volta ao presente.
Quando Sora se virou, finalmente os viu — um grupo de homens trajando casacos negros.
Estavam parados sobre a parede oposta, fitando Sora e seus amigos.
— A Organização XIII! — exclamou Pateta.
Haviam seis deles, seus rostos completamente cobertos pelas sombras de seus capuzes.
— Ah, boa! Posso acabar com vocês todos de uma vez! — gritou Sora, perdido em meio à
frustração. Não conseguia suportar o som de suas risadas.
— Uma pena... E eu aqui pensando que podíamos ser amigos — disse o homem ao centro
em meio a uma nova gargalhada.
Foi quando um espaço negro se formou atrás deles e todas as figuras desapareceram então
em meio às trevas.
— Ei, espera! — gritou Donald, correndo em frente para tentar segui-los.
— Opa, cuidado aí! — Alguém da Organização se materializou novamente bem diante do
bico de Donald.
— Donald! — Atrás dele, Sora imediatamente empunhou a Keyblade, pronto para lutar. —
Você! Se manda!
— Não é muito educado descer a lenha em mim desse jeito — provocou o sujeito.
— Eu tô falando sério! Se manda daí!
— Pode falar o quanto quiser, mas não pode fazer nada a respeito, então... — O homem deu
de ombros, como se a ameaça de Sora não lhe preocupasse nem um pouco.
— Então vamos fazer você se mandar! — exclamou Donald. — Chamas! — Ele ergueu o
cajado, mas o disparo mágico se dissipou antes mesmo de alcançar o casaco do sujeito.
— Claro, isso até que poderia funcionar... se eu fosse um velho raquítico. Só que não. Eu tô
com a Organização XIII. Não tem nada de “velho raquítico” em mim.
— Ha! — disparou Sora, indignado. — Um belo de um discurso pra alguém que fica de fora
enquanto seus lacaios Nobodies que vão pra briga!
117 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— Ah, não... Acho que vocês nos entenderam mal — disse o homem, completamente
inabalado, e inclinou a cabeça como se parando para pensar em alguma coisa. — Que tal se eu te
fizer lembrar como a galera com quem estão lidando é durona?
— Me fizer lembrar? — repetiu Sora.
O que ele quer dizer com isso? O que nós esquecemos? O que eu esqueci?
— Bwaha, ha, ha, ha! — O sujeito caiu na gargalhada. — Isso mesmo! Ele costumava me
olhar exatamente desse jeito.
Sora o encarou.
— Então você acha que pode mexer com o meu psicológico dizendo essas coisas aleatórias?
— Bom... quem sabe? — disse ele, convencido, como se quisesse provocar Sora ainda mais,
e então ergueu um dos braços. Uma escuridão negra como tinta se formou sob seus pés. — Seja
bonzinho, hein!
O homem desapareceu, parecendo derreter em meio à negritude.
— Espera! — Sora correu até o ponto onde o homem estava e Donald disparou ao seu lado,
derrapando até dar de cara no chão.
O sujeito, no entanto, sumiu sem deixar rastros.
— Mas que esquisito... Quem olhava pra ele do mesmo jeito? — Sora abaixou a Keyblade.
De quem ele tava falando?
— Acho que ele só tava tentando te confundir — garantiu Pateta, inclinando a cabeça.
— É, você tá certo. Só eu sou eu!
Sora assentiu consigo mesmo e ajudou Donald a se levantar de onde tinha caído. Quando o
fez, o cartão de afiliação do comitê escorregou de seu bolso.
— Ops! Não quero perder isso...
Sora o recolheu — e o cartão começou a brilhar.
— Hã?
Surpreso, ele o soltou e o cartão começou a flutuar em meio ao ar. Ao mesmo tempo, a
Keyblade também foi tomada por um forte brilho.
— O que está acontecendo? — Leon correu até eles.
— Acho que, talvez...
Sora ergueu a Keyblade em direção ao céu e um raio de luz emanou dela. Mais adiante, o
brilho do cartão de afiliado tomou a forma de uma fechadura. As duas luzes se chocaram em meio
ao click de uma tranca se abrindo.
— Sim, é isso mesmo — murmurou Sora, abaixando a mão novamente.
— Então esse era um daqueles portões dos quais o Mestre Yen Sid estava falando? — disse
Pateta, observando enquanto a fechadura luminosa se dissipava. Sora assentiu.
— Deve ser.
— Puxa vida! Conseguimos! — Donald fez uma pose de vitória.
— Desculpa a pressa, Leon... Mas parece que outros mundos estão chamando. — Sora
acenou para ele.
— Sim, é o que parece.
— Nós voltaremos! — Donald fez um gesto com o cajado em vez de usar a mão.
— Organização XIII... Eles parecem um problema dos sérios — disse Leon. — Tomem
cuidado lá fora.
— Tomaremos. — Sora assentiu com firmeza. — Nos vemos em breve.
Sora olhou para onde a fechadura tinha se formado. Talvez o rei estivesse do outro lado do
portão... e o Riku também. O pensamento fez seu coração acelerar.
Mas... quem era “ele”? De quem aquele sujeito estava falando?

118 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
119 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
A DUPLA ANDAVA EM SILÊNCIO.
O ar estagnado deixava a respiração um pouco mais difícil. Não havia nada que se pudesse
ver em nenhuma direção — apenas uma névoa densa e sombria que lhes obscurecia a visão.
Era como se estivessem andando em círculos há eras. Naminé tentou olhar em volta. Talvez
realmente estivessem, pensou.
— Axel?
— ...Oi? — Seus passos não pararam.
— Aonde está indo?
— ...Para a nossa base de operações — respondeu Axel, dessa vez por cima do ombro. — O
que você vai fazer?
Ela olhou diretamente para ele.
— Como assim?
— Se eu retornar com você na garupa, vou poder viver sem ser taxado de traidor — disse,
abrindo um sorriso torto.
— Talvez. Axel, o que você quer fazer?
— Evitar ser eliminado, de preferência.
— Então vai me oferecer para a Organização?
— ...Bom, você vê alguma outra opção? — A expressão em seu rosto estava congelada em
um sorriso forçado.
Ele não tinha ideias. Não sabia o que fazer.
E também não tinha um coração, o que significava que não havia emoções para guiá-lo.
— Eu tenho um pedido — disse Naminé, determinada. — Eu quero... ver a Kairi.
Axel franziu o cenho. Naminé era um Nobody. Se encontrasse Kairi, seu verdadeiro eu...
Naminé desapareceria.
— Tá falando sério?
— Bom... — Ela olhou para o chão. — Não é natural?
— Então por que quis vir comigo? — Axel estendeu ambos os braços, furioso.
— Porque... porque você parecia solitário.
— O quê? — As rugas de irritação na testa tornaram-se ainda mais profundas.
— Você parecia solitário — repetiu Naminé, reerguendo o olhar.
— Solitário? Eu, um Nobody, solitário? Isso não faz o menor sentido!
— Sabe, Axel... Às vezes me pergunto se é possível que nós na verdade tenhamos corações.
— É, bem... é impossível. — Ele lhe virou as costas.
Nós não temos corações.
Ainda assim... eu conheço o sentimento. Eu estava me sentindo solitário. Me sinto solitário
desde que o Roxas foi embora...!
Isso significa que eu tenho um coração? É isso que faz eu me sentir desse jeito?
— Axel... — Naminé começou a dizer.
— Desculpe incomodá-los quando estão tão ocupados, mas... — A frase foi finalizada não
pela voz de Naminé, mas pela de um homem.
Axel ergueu o olhar, deparando-se com alguém que conhecia. Não havia sequer sentido sua
presença se aproximando!
— Saïx...! — rosnou, e o outro homem abaixou o capuz devagar, sorrindo serenamente. O
cabelo azul comprido escapou do capuz, mas não cobria a cicatriz em seu rosto.
— Naminé, corra!
Ela hesitou com o grito de Axel, mas então saiu em disparada. Diante dela, um portal se
abriu em meio ao ar.
— Axel...!
— Tá tudo bem... vai! Eu te alcanço.
Naminé assentiu e se lançou na abertura.
— Então também está tentando bancar o herói agora? — disse Saïx, sem rodeios, encarando
Axel com um olhar severo.

120 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
O número oito empunhou seus chakrams, esperando conseguir ganhar tempo. O suficiente
para que Naminé ao menos encontrasse Riku.
De passo em passo, foi recuando devagar. Para ser sincero, Axel não achava que conseguiria
vencer Saïx em um confronto direto. O melhor que podia fazer era encontrar uma abertura e arriscar
uma investida.
— O que vai fazer agora? — perguntou Saïx, observando o portal se fechar sem esboçar
qualquer reação discernível.
— Nada que seja da sua conta.
Saïx deu de ombros.
— Devo discordar, se você for trair a Organização.
— ...Então quer dizer que eu ainda não sou um traidor? — Axel deu uma breve risada.
— Não podemos deixar que transforme o herói em um Heartless.
— Hã? Do que está falando?
Aparentemente, os dois não estavam na mesma página.
O objetivo da Organização era reaver Roxas — o portador da Keyblade — e tê-lo sob seu
controle. Não era? Bom, para ser preciso, o objetivo era usar a Keyblade de Roxas para destruir os
Heartless, coletar todos os corações e, com isso, recuperar seus próprios corações.
Então queria dizer... que a Organização tinha desistido de Roxas? Se tinham Sora, não
precisavam mais de Roxas? Era isso?
— Nossos objetivos estão constantemente evoluindo — explicou Saïx, sereno, dando um
passo em direção a seu alvo, que continuava a se afastar.
Em resposta, Axel deu um pulo para trás.
— Ah é? Hm... Isso é novidade. Então quais são as suas ordens dessa vez? Pode me contar
— disse Axel em tom de escárnio enquanto criava alguma coisa atrás de Saïx. A olho nu, não
parecia nada mais que um ponto negro.
Ele tinha saltado por um motivo.
Só precisava de mais um pouco de tempo e distância, e o homem de cabelos azuis não era do
tipo que atacaria sem que fosse provocado de alguma forma.
— Minhas ordens são para acabar com você!
Agora que Saïx estava bem próximo, Axel se lançou por cima dele e saiu correndo para o
outro lado. A jogada que tinha armado estava agora logo a sua frente: uma distorção que se formara
suavemente em meio ao ar. Sabia que não tinha chance de derrotar o número sete em batalha, mas
tinha total confiança em sua velocidade e esperteza.
— O quê...?! — Saïx se virou. Mas Axel já havia mergulhado no portal.

O trio desembarcou da Nave Gummi em um mundo que nunca tinham visto antes.
— Olha só, esse lugar é novo... — Pateta inclinou a cabeça.
A vastidão quase completamente desprovida de luz era coberta de formações rochosas.
Parecia o interior de uma caverna.
— Olha ali a saída! — Donald apontou para um grande portão brilhante ao topo de uma
escadaria.
— Parece que também tem uma porta ali naquela pedra — disse Pateta, chamando a atenção
deles para o lado oposto. Ali, podiam ver uma porta de correr feita a partir de dois blocos de pedra
maciços.
— Pra que lado a gente vai? — perguntou Sora, confuso, em meio aos outros dois.
De repente, um grito estridente cortou o ar.
— Uou! Sora! São Heartless! — Pateta ergueu o escudo e se lançou contra eles.
Havia uma mulher caída no chão perto da porta de pedra, cercada de Heartless.
— Wa-wa-waaak! — Donald se juntou a Pateta e os dois logo acabaram com os inimigos.

121 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— Você tá legal? — Sora foi ajudá-la a se levantar, mas a mulher balançou a cabeça e se
ergueu sozinha.
— Obrigada, mas... estou bem. Quem são vocês, afinal?
— Eu sou o Sora. Esse é o Donald e aquele é o Pateta. Estamos tentando achar os nossos
amigos.
Ela assentiu e deu uma olhada na porta ao topo da escadaria antes de se apresentar.
— O nome é Mégara, mas podem me chamar de Meg. Sou amiga de um herói local.
— Herói? — Donald olhou para ela, curioso.
— Sim. O herói deste mundo... mas o heroísmo dele está por um fio.
— Quem é ele? — perguntou Pateta.
— Hércules. Ele passa o dia todo, todos os dias, lutando no Coliseu lá em cima. — Ainda
olhando para a porta brilhante, Mégara suspirou. O trio trocou olhares.
— Lutando contra quem? — perguntou Sora. — Os Heartless?
— Não... Hades fica enviando competidores barra pesada para enfrentá-lo. Monstros, para
falar a verdade.
— Hades?
Diante do nome desconhecido, eles olharam de um para o outro novamente.
— Sim, o Senhor do Mundo Inferior — explicou Mégara. — Estava indo vê-lo. Talvez eu
consiga fazer que ele dê um tempo pro bonitão. Se alguma coisa acontecesse com aquele garoto...
— Poxa, parece que vocês são mais que só amigos — disse Pateta.
— O quê...? Não somos não! — retrucou ela, um leve rubor se formando nas bochechas.
Sora cruzou os braços e olhou para o cavaleiro.
— Bom, a gente não pode simplesmente abandonar ela aqui sendo que ela tá tentando ajudar
um amigo.
— Mas eles não são só amigos! — enfatizou Pateta.
— Então a gente definitivamente não pode! — disparou Donald.
— Deixa que a gente bate um papo com o Hades pra você — declarou Sora.
Mégara ergueu a cabeça.
— É sério? Bom, acho que essa eu não posso recusar.
— Deixa com a gente!
Sora levou o polegar ao peito, cheio de orgulho, e Donald e Pateta fizeram o mesmo.
— Beleza, vamos nessa!
Eles assentiram um para o outro e arrastaram a porta de pedra até abri-la.

Enquanto isso, nas entranhas mais profundas do Mundo Inferior, seu governante, Hades,
estava recebendo um visitante bastante familiar.
— E aí, vai fazer o que a respeito do Hércules? Ele fez picadinho de cada um dos lutadores
que você mandou.
O convidado era ninguém menos que Bafo, andando incansavelmente de um lado para o
outro enquanto murmurava consigo mesmo:
— Daqui a pouco o Mundo Inferior não vai ter lugar nem pra uma pulga! Putz, aposto que a
essa altura já deve ter um bom bocado de guerreiros novos aqui embaixo.
Com o comentário de Bafo, Hades imediatamente franziu o cenho, lançando-lhe um olhar
cheio de desdém. O Senhor dos Mortos era alto, com uma pele azulada de aspecto enfermiço e
cabelos em brasa, tomados por uma chama infernal.
Diante de Hades e Bafo havia um poço que emanava uma névoa verde amarelada junto a um
aroma de pura podridão.
— ...Então, basicamente eu tenho toda uma escala de guerreiros caídos que posso colocar de
volta no jogo — proclamou Hades, pensativo.
— Como assim? — indagou Bafo, cruzando os braços para tentar parecer confiante.

122 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— Vê esse buraco no chão? É um portal para o calabouço mais negro e profundo do Mundo
Inferior. — Hades o examinou com um sorriso nefasto. — O que significa que eu posso invocar o
pior dos piores na hora que eu bem entender.
— Sério...? — resmungou Bafo, sentindo o sorriso de Hades lhe causar um calafrio que
subiu por sua espinha, e então recuou um passo.
Hades deu uma risada sinistra, fosse por conta do medo de Bafo ou por seu próprio plano, e
balançou as mãos em direção ao poço. Um raio de luz crepitante surgiu em suas mãos e então
disparou rumo às profundezas.
Bafo recuou ainda mais diante do terrível rugido que se sucedeu.
— ...Não me diga...? — disse ele, acuado, cobrindo o rosto em meio ao terrível fedor e o
grande clarão de uma luz macabra.
Diante da gargalhada quase maníaca de Hades, Bafo espiou por entre os vãos de seus dedos
e viu um homem vestido de vermelho e carregando uma enorme espada. Uma terrível ferida em seu
rosto havia fechado seu olho direito permanentemente, e os cabelos, cortados bem rentes à cabeça,
já começavam a ficar grisalhos. Seu braço esquerdo estava enfiado dentro do robe.
— Vamos direto ao assunto, Sr. Não-tão-bonzinho. Eis o trato que eu vou te oferecer —
disse Hades, todo animado. — Eu te livro do xilindró, sem amarras. Vai ser livre feito um pássaro.
O homem desviou sua atenção de Hades para Bafo.
— Credo... — Bafo recuou um passo, inquieto com o olhar penetrante de seu único olho.
— E tudo isso só por um trabalhinho — prosseguiu Hades, só sorrisos. — Lutar com o
Hércules no Coliseu... até a morte!
Inabalável, o sujeito ergueu os cantos da boca para formar o que parecia um sorriso.
— Esta é a minha história. E você não faz parte dela. — Ele ergueu a espada e a apontou
diretamente para Hades.
— Você esqueceu com quem está falando?! Eu sou o Senhor dos Mortos!
— Não me admira que ninguém queira morrer.
Diante de suas palavras, os cabelos flamejantes de Hades se ergueram numa brasa vermelha
e furiosa.
— Você tá frito! — gritou, lançando-se contra o sujeito.

Sora e seus amigos foram avançando cada vez mais fundo em meio às cavernas sombrias,
acabando com todos os Heartless que surgissem pela frente.
— Uma donzela não devia ficar sozinha num lugar como esse — disse Pateta, usando seu
escudo para tirar do caminho qualquer Heartless que viesse em sua direção.
— Não mesmo, de jeito nenhum! — concordou Donald, e, com um balançar de seu cajado,
outro deles virou pó.
— Mas enfim... Tiveram a impressão de que não estamos tão fortes quanto de costume? —
Pateta examinou seu escudo, como se ele pudesse lhe dar a resposta.
— Ah, é só a sua imaginação — respondeu Sora, sossegado, e pousou a Keyblade sobre os
ombros. — Ou será que é só você?
— Poxa, talvez seja... — Pateta inclinou a cabeça, não muito convencido.
— Mas e aquele herói... o Hércules? Como será que ele é? — comentou Sora, obviamente
intrigado com a ideia.
— Bom, deixa eu ver... — Pateta cruzou os braços, ponderando. — Provavelmente é alto,
bonito e bem gentil...
— Então o completo oposto do Sora? — provocou Donald.
— O quê...? Ei! — Sora começou a correr atrás dele.
— Viu? Você ataca seus amigos! — Enquanto corria, Donald bateu em alguma coisa e caiu
de bunda no chão. — Quack!

123 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
124 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— Ops... Mil perdões. — A pessoa em quem tinha esbarrado curvou a cabeça, de forma a se
desculpar.
— Hã? ...Gah!
Quando o trio notou o casaco da Organização que o sujeito vestia, prontamente empunharam
suas armas novamente, enquanto que ele recuava um passo.
— Vai, sebo nas canelas! — exclamou.
Diante de suas palavras, um grupo de Nobodies surgiu, contorcendo-se diante de Sora e seus
amigos, mas não os atacaram — em vez disso, simplesmente avançaram pelo caminho por onde
Sora tinha vindo, ignorando completamente os três.
Sem perder tempo, o sujeito da Organização correu atrás de seus lacaios.
— Que diabos foi isso? — Sora ficou apenas observando enquanto ele desaparecia de vista.
— Ele não era um dos membros da Organização XIII? — perguntou Pateta.
— Devia ser... — Mas Sora também estava confuso.
— Olha, tem uma porta ali! — anunciou Donald, olhando para o lado onde o sujeito estava.
Sora e os outros dois se depararam com uma porta gigantesca, muito semelhante aos portões
do Mundo Inferior onde tinham encontrado Mégara.
— Vocês acham... que o Hades vai estar do outro lado? — disse Pateta.
Sora e Donald assentiram. Abriram a porta e espiaram pelo vão.
— Tem alguém ali precisando da nossa ajuda! — exclamou Donald.
Na grande câmara redonda, um homem de cabelos grisalhos estava caído no chão. Diante
dele havia outro homem, alto e de pele azulada. O trio foi entrando sem perder tempo.
— O que pensam que estão fazendo? — No lugar do cabelo, o homem alto tinha chamas que
ardiam em um vermelho furioso. Hades encarou os recém-chegados.
— Eu podia te perguntar a mesma coisa! — retrucou Sora, e imediatamente correu para
frente do homem caído no chão, protegendo-o com a Keyblade.
Foi quando mais alguém surgiu às sombras de Hades:
— São aqueles nanicos de novo!
— Bafo! — gritaram Donald e Pateta.
— Sabia que você não era flor que se cheire! — Sora se preparou para uma luta.
— Hades! — gritou Bafo. — São eles! Eles que tão tentando interferir com o nosso plano!
— Ah, é? Verdade? — De braços cruzados, Hades abriu um largo sorriso. — Imagino que
sejam amigos do Hércules ou algo assim, né não?
— Então você é o Hades? Bom, estamos aqui pra falar com você — disse Sora.
— Não... Vão, agora... — murmurou o homem caído.
— Não podemos fazer isso! — Pateta correu até ele para tentar ajudá-lo a se levantar, mas
Hades planou até lá e jogou Pateta longe.
— Nevasca! — Donald disparou sua magia, mas a rajada de gelo derreteu antes sequer de
tocar os robes de Hades.
— O que está havendo...?
Sora se lançou contra ele num ataque... ou pelo menos tentou. A força pareceu ser drenada
de suas pernas e, em vez disso, simplesmente perdeu o equilíbrio e tombou no chão.
— Não conseguimos fazer nada! — exclamou Donald, balançando o cajado em vão.
— Tô me sentindo estranho... — murmurou Sora. Não conseguia juntar forças para voltar
a se erguer.
— Ah, vocês finalmente notaram! Sabem, é assim que funciona: no Mundo Inferior,
“heróis” são “zeróis”. Coisa do território — gralhou Hades, e se lançou contra Sora.
— Ngh! — Quem bloqueou o ataque de Hades foi o homem que até então estava caído.
Hades riu, sabendo que mal precisaria erguer um dedo.
— Ainda tem toda essa força pra lutar, é...?
— Vão, agora! — gritou o guerreiro de vermelho.
— Mas...! — protestou Sora, finalmente ficando de pé outra vez.
— Não podemos enfrentá-lo aqui! Me escutem. Temos que ir!
Sora, Donald e Pateta cederam e saíram da câmara às pressas.
125 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— Mas e aquele cara? — disse Sora, preocupado, checando o que estava acontecendo lá
atrás por cima do ombro.
O sujeito em questão também estava correndo, só um pouco atrás deles.
Pateta também virou a cabeça, as orelhas balançando com o vento, e então abriu um sorriso
para Sora.
— Ah, que bom, ele conseguiu!
Donald parou para recuperar o fôlego.
— Despistamos ele?
— Não conte com isso — respondeu o homem.
— Ele está certo. Venham cá, a festa está só começando! — Hades surgiu logo ao lado do
mago, sem fazer nenhum barulho além das palavras zombeteiras.
— Wak!
Bafo chegou pela retaguarda com uma onda de Heartless.
— Podem ir parando aí!
— Fujam! — gritou Sora. Os quatro começaram a fazê-lo, apenas para se deparar com
Heartless do outro lado também. — Eita!
Sora derrapou até parar, mas o homem misterioso já estava investindo contra os inimigos,
aniquilando os Heartless com um único golpe de sua grande espada.
— Caramba! — exclamou Donald, maravilhado.
— Vamos! — O homem não perdeu tempo, e os outros o seguiram aos tropeços.
— Ei, senhor, você é muito bom — disse Sora, assim que o alcançou. O homem deu um
sorriso de canto de boca.
— Diga, você é um herói? — perguntou Pateta e, diante disso, o homem parou onde estava.
Os outros três fizeram o mesmo, como se o estivessem tomando como exemplo.
— Não, não sou um herói. Sou só... Auron.
— Auron? — repetiu Donald.
— Meu nome. — Ele parecia um pouco constrangido.
O trio confirmou que tinham tido todos a mesma ideia, então se alinharam rapidamente
diante dele e fizeram pose de sentido.
— Eu sou o Sora!
— Donald!
— Pateta!
Eles se apresentaram um após o outro e Sora estendeu a mão para apertar a dele. Mas notou
que estava esperando que Auron o saudasse com o braço esquerdo — que estava paralisado.
— ...Ah.
Vendo Sora parado ali com aquela expressão de desconforto no rosto, Auron se permitiu
uma risadinha.
— Parece que estávamos destinados a nos conhecer. Talvez vocês precisem de um guardião.
— Guardião? Valeu, mas... sei que podemos nos virar sozinhos. — Sora puxou a mão de
volta e a esfregou atrás da cabeça, abrindo um sorriso.
— Aham... — Auron deu outra risada, dessa vez um pouco mais perceptível. — Enfim,
vamos indo.
— Certo! — E mais uma vez, eles seguiram em frente.

Enquanto isso, mais acima, a brilhante luz do sol preenchia o Coliseu. Por ora, não havia
nenhum jogo sendo realizado e, por conta disso, um membro da Organização conseguiu se esgueirar
pela arena silenciosa.
Demyx não conseguia usar seus poderes naquelas cavernas, como se o lugar estivesse sob o
efeito de uma espécie de maldição. Na verdade, parando para pensar, antes de ir àquele mundo,
Xigbar tinha tagarelado em seu ouvido sobre algum tipo de talismã. A Pedra do Olimpo — era isso.

126 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— Sei lá. Esse tipo de trabalho não é a minha praia...
De repente, um homenzinho robusto com chifres de bode na cabeça surgiu diante dele.
— Eita!
— O que está fazendo aqui? — indagou o sátiro.
— Hã, bom, sabe como é que é... — Pego em flagrante, Demyx coçou a cabeça.
— Está aqui para os jogos?
— Hã? Er...
— Meu nome é Phil. E você...?
— Hã... eu tô é dando o fora! — Demyx correu em direção à construção de pedra que servia
como sala de preparação para os competidores.
— Ei! Pode ir parando aí! — Phil começou a persegui-lo, mas acabou cercado por uma roda
de Nobodies. — O que pensam que estão fazendo?!
Enquanto Phil gritava atrás dele, Demyx desapareceu sala adentro.

— A porta! — gritou Donald, correndo até ela com o resto da equipe logo atrás. — Uh-oh...
Não quer abrir.
Ele a empurrou com toda a força, sem sucesso.
— Lá vai!
Pateta tentou adicionar sua própria força, mas a porta continuava inerte. Aparentemente, não
estava apenas fechada, mas trancada. Havia uma gigantesca fechadura bem no meio dela.
— Parece que estamos presos. — Pateta olhou para Sora com uma expressão pesarosa.
Mas então a Keyblade de Sora brilhou.
— Ah! — Ele a ergueu.
— Isso a abrirá? — perguntou Auron, observando seus esforços.
— É, acho que sim.
Mas assim que Sora disse isso, um terrível rugido ressoou atrás deles, acompanhado de um
odor mais terrível ainda.
— Wak?! — exclamou Donald quando se deparou com a fonte: era o gigantesco cão de
guarda de três cabeças do Mundo Inferior, Cérbero.
Auron encarou a criatura tranquilamente com a espada em riste.
— Vão! — gritou para os outros antes de se lançar à ação.
Sora assentiu e rapidamente ergueu a Keyblade em direção à fechadura. A arma brilhou e
destrancou a porta.
— Vamos! — gritou Donald, empurrando-a até abrir.
— Auron?! — chamou Pateta.
O guerreiro estava ocupado enfrentando Cérbero.
— Apenas vão!
— Não podemos deixá-lo pra trás!
Sora partiu para cima de Cérbero e, saltando em meio ao ar, o atacou em um dos olhos. O
monstro gigante urrou.
— Tch. — Auron estalou a língua, frustrado, mas então avançou pelo lado oposto.
Sora e Auron se lançaram juntos para atacar os dois rostos ainda ilesos de Cérbero.
— Vamos dar o fora daqui, Sora!
— Beleza!
Auron disparou em direção à porta com Sora logo atrás. Não muito longe, Cérbero, ainda
que ferido, se lançou numa última investida.
— Rápido, Sora! — gritou Donald.
Eles fecharam a porta com tudo bem nas caras de Cérbero. Sora mostrou a língua para a
porta fechada e então abriu um sorriso.
— Pronto!

127 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— Hã? — Donald olhou de um lado para o outro. — Cadê o Auron?
Pateta também examinou a caverna. Auron devia ter passado pela porta com eles — mas não
estava em lugar nenhum.
— Ele sumiu...? — Sora deu mais uma olhada pelo local. Nem sinal do Auron. — Ah...
Bom, de qualquer jeito, o Auron é bem forte. Tenho certeza que sabe cuidar de si mesmo. Vamos
achar a Meg! Aí depois a gente tenta de novo.
Donald e Pateta assentiram e o trio então subiu as escadarias dos portões do Mundo Inferior
que levavam ao resplandecer reluzente do Coliseu.

Do outro lado da porta no alto das escadas, o grandioso Coliseu de pedra se assomava diante
de seus olhos.
— Nossa, isso é mesmo incrível... — suspirou Donald, olhando para as gigantescas paredes.
— Onde será que está a Meg? — disse Pateta, seguindo em direção ao centro da arena.
— Eu quero ver o herói! — Sora saiu correndo em frente.
As duas figuras paradas em meio à arena, uma grande e outra pequena, pareciam entretidas
numa discussão bastante séria:
— Vamos, campeão...
— Hã, com licença... — disse Pateta, a voz baixa e discreta.
— Eu volto já! — O mais baixinho passou trotando pelo trio sem sequer olhar para eles.
— Poxa, o que será que tá pegando? — divagou Pateta em voz alta, um pouco apreensivo.
— Olá. Quem são vocês...? — Parecendo um pouco perdido, o sujeito mais alto desviou o
olhar para os recém-chegados.
— Eu sou o Sora!
— Donald aqui!
— E Pateta!
O rapaz alto sorriu diante de suas apresentações tão animadas.
— Meu nome é Hércules.
— Então você é o herói? — perguntou Pateta.
— Bom... é, acho que sou. — Hércules deu uma risadinha tímida. Vestia uma armadura
marrom sobre o físico assombroso, com olhos azuis e dentes brancos e reluzentes. Tinha uma aura
imponente, um herói de cabo a rabo.
Sora o fitou com um olhar cheio de admiração.
— Então, estamos procurando uma moça chamada Mégara...
— Estão atrás da Meg?
— Isso. — O garoto assentiu.
— Ah, nesse caso... — Hércules se virou, mas então, de repente, alguém surgiu em meio a
uma névoa negra.
— Hades! — gritou Sora, assumindo posição de luta com a Keyblade.
— Qual o problema, vossa heroêza? Se sentindo meio indisposto? — disse Hades, voltado
para Hércules, ignorando o trio descaradamente. — Achava que se manter em forma perfeita fazia
parte do trabalho de um herói. Sabe qual é?
— Hades, temos que conversar! — insistiu Sora, mas o Senhor dos Mortos continuou
agindo como se ele não existisse.
— Eu vim para dar uma notícia muito, muito interessante — prosseguiu Hades. — Parece
que a sua querida e amada Megzuda acabou se perdendo no Mundo Inferior.
— Ou seja, você a sequestrou! — Hércules o encarou.
— Nah, por que se prender a detalhes?
Hércules assobiou e um cavalo alado veio voando em direção à arena.

128 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— Aonde pensa que vai? Já se esqueceu? Você tem uma disputa muito importante hoje...
contra a sanguinária Hidra! — Hades lhe abriu um sorriso malicioso. — Quer dizer, se você não
ficar, vai saber que tipo de acidentes não podem acontecer?
— Não seriam exatamente acidentes se fossem causados por você — interveio Sora.
— É como eu disse: detalhes, quem precisa deles?
Hércules cerrou os punhos.
— Você não passa de um covarde!
— Pois é, nem todos podem ser heróis. — Hades deu uma risada entredentes e estalou os
dedos, provocando o herói, para só então desaparecer.
Hércules gemeu de frustração e bateu com os punhos nas coxas.
— Deixa com a gente! — disse Sora, absolutamente confiante.
— Mas... tem certeza? Vocês três não parecem tão durões assim.
— Temos certeza! — Donald bateu no peito, cheio de orgulho.
— Além do mais, nós estávamos no Mundo Inferior até ainda agora — acrescentou Pateta.
Hércules se voltou para eles novamente.
— Estavam?
— Aham. — Sora assentiu. — Só que... não conseguíamos lutar lá. O Hades disse que tinha
algo a ver com o Mundo Inferior.
Hércules cruzou os braços, contemplativo, e então disse:
— Bom, tem uma pedra com o poder de proteger seu usuário contra a maldição do Mundo
Inferior: a Pedra do Olimpo. Os deuses do Monte Olimpo a usam sempre que precisam descer lá.
Mas... ela foi roubada. — Ele franziu o cenho.
— Hã? Quem a roubou? — perguntou Sora.
— Ainda não sabemos, mas o Phil disse que viu alguém suspeito.
— Quem é Phil? — perguntou Donald.
Hércules olhou para o caminho por onde o homem mais baixinho e robusto tinha seguido.
— Eu estava conversando com ele até ainda agora. Ele foi tentar ir atrás do tal sujeito... Não
consegui impedi-lo.
— Como era esse sujeito? — perguntou Pateta, inquieto.
— O Phil disse que ele usava um casaco negro com um capuz que cobria o rosto. E ele tinha
cúmplices: um monte de criaturas brancas estranhas.
O trio trocou um olhar. Um casaco negro e criaturas brancas estranhas?
A Organização!
— Alguém que vocês conhecem?
— Parece que é um dos bandidos que a gente tá enfrentando — disse Sora, sem rodeios.
— Sério? Bom, nesse caso, talvez eu devesse mesmo pedir que vocês ajudem a Meg. —
Hércules finalmente pareceu aceitar que os recém-chegados poderiam salvá-la.
— Diga, se a gente conseguir recuperar a Pedra do Olimpo, será que podemos pegar ela
emprestada um pouco? — perguntou Pateta, tomando cuidado com as palavras.
— Claro... Afinal, vocês nunca conseguiriam enfrentar o Hades sem ela — disse Hércules
com um sorriso no rosto.
Sora, Donald e Pateta assentiram, determinados.
— Certo. Não se preocupe, vamos salvar a Meg! — anunciou Sora.
— Conto com vocês. — Hércules apertou sua mão.
— Vamos atrás do Phil! — disse Sora, e os três desceram de volta para as cavernas escuras.

Lá embaixo, junto aos portões do Mundo Inferior, o trio encontrou Phil estirado no chão.
— Phil!
— Hã? Ai, ai...
Pateta correu até ele e o ajudou a se levantar.

129 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— Você tá bem? — disse Donald, olhando para Phil com uma expressão preocupada.
— É, mais ou menos... Mas quem são vocês três, afinal? — Phil os encarou, aparentemente
considerando que também eram suspeitos.
— Eu sou o Sora, esse é o Donald e aquele é o Pateta! O Hércules nos mandou atrás de
você. Vamos pegar o ladrão da Pedra do Olimpo e salvar a Meg!
Phil ergueu as sobrancelhas, cético.
— Sério? O campeão mandou vocês?
— Pode apostar! — gabou-se Donald.
— Enfim, pode deixar o cara de preto com a gente — disse Sora.
A princípio, Phil ainda parecia um pouco incerto, mas então finalmente cedeu.
— Muito bem. Se o campeão tá falando, acho que vou ter que acreditar nele... O sujeito que
eu tava seguindo correu direto pro Mundo Inferior.
— Valeu!
O trio partiu em direção à porta de pedra. Do outro lado, voltaram a se sentir — ainda mais
fracos que antes. Mas os Heartless continuavam a atacá-los.
— Essa maldição do Mundo Inferior tá me pegando de jeito... — suspirou Sora, finalmente
acabando com os Heartless diante de si.
— Temos que pegar essa Pedra do Olimpo de volta, e rápido! — Donald bateu na cabeça de
um Heartless com seu cajado em vez de usar magia.
— E se não encontrarmos o sujeito da Organização antes de toparmos com o Hades? —
disse Pateta, preocupado.
— Então vamos ter que dar um jeito de lidar com ele! — declarou Sora com uma confiança
que ele não tinha o menor motivo para estar sentindo.
— Ei... São vocês! — exclamou uma voz jovial.
— Hã?
Sora se virou e parado mais a frente estava um sujeito com o tradicional casaco negro da
Organização, rodeado de Nobodies. Levando em consideração a voz, não era o mesmo com quem
tinham falado em Hollow Bastion. Não passava uma impressão muito ameaçadora, e seu cabelo era
quase comprido demais para ficar arrepiado do jeito que ficava.
— Hã, pera aí um pouco... Roxas? — disse Demyx, tímido.
Roxas...? Sora nunca tinha ouvido aquele nome, se é que a palavra sequer era um nome.
Perplexo, ele inclinou a cabeça.
— Como é que é?
— ...Roxas? — perguntou o sujeito outra vez.
— Do que ele tá falando? — Pateta sussurrou para Sora, que balançou a cabeça.
— Vai saber?
Donald ergueu uma sobrancelha.
— Ele é doido!
— Poxa vida... Não tem jeito mesmo, né? — Demyx encolheu os ombros, simplesmente
ignorando Donald.
— O que não tem jeito? — indagou Sora.
Mas ele também pareceu ignorar isso. Demyx pegou um pedaço de papel, passou os olhos
por ele e então os revirou.
— “Se o espécime falhar em responder, use agressão para liberar sua verdadeira natureza”?
Na boa, eles escolheram o cara mais errado possível pra essa... — Aflito, o sujeito coçou a cabeça.
— Você é bizarro — disparou Sora.
Novamente, Demyx não respondeu — em vez disso, simplesmente ergueu sobre a cabeça
uma pedra redonda que mais parecia uma medalha.
Só podia ser a Pedra do Olimpo, pensou Sora.
— É o ladrão! — declarou Pateta.
Demyx curvou os ombros, como se estivesse profundamente ofendido.
— Mas quanta grosseria!
Em sua mão, a Pedra do Olimpo brilhou.
130 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— Wa-wa-waaak! — Donald se lançou contra o grupo de clones de Demyx que surgiram
para atacá-los. Mas as cópias não eram sólidas; eram translúcidas.
— Vamos começar a festa! — gralhou o sujeito, e três de seus sósias começaram a girar.
— Donald, Pateta! Vamos pegá-los!
Sora correu para cima das cópias com a Keyblade empunhada. Elas respingaram como se
fossem líquidas e então se desfizeram.
— Essas coisas são feitas de água?! — gaguejou Sora, ensopado com o que costumavam ser
seus oponentes.
— Vamos ver se gostam de virar gelo! Nevasca! — Donald lançou uma magia contra eles.
Pateta também se lançou num ataque giratório, golpeando-os com seu escudo.
— Cara... eu disse pra eles que esse não era o meu tipo de trabalho... — Demyx levou as
mãos à cabeça, frustrado enquanto via suas cópias, uma atrás da outra, se desfazerem em respingos
em meio ao chão.
Sora aproveitou a oportunidade para se lançar contra ele com a Keyblade em riste.
— Droga! — Tremendo, Demyx recuou. — Ei, qual é... Roxas...
— Olha, ninguém aqui sabe o que isso significa!
— Bom, hã... — Demyx inclinou a cabeça para um lado e depois para o outro, estalando o
pescoço, e então aproximou o rosto do de Sora. — Só vou dizer uma coisa: Roxas, volta pra gente!
— Quem afinal é esse Roxas?
Diante da óbvia irritação de Sora, Demyx deu meia-volta depressa e desapareceu em meio à
escuridão. No mesmo instante, as cópias restantes perderam a forma, se dissolvendo até que fossem
meras poças no chão.
— Que sujeito engraçado — disse Pateta.
— É... — Sora abaixou a Keyblade, fitando o chão.
Roxas... Sentia que já tinha ouvido aquela palavra, mas não sabia dizer onde.
Ainda assim, ele já sabia o que significava, ou então não teria feito aquela pergunta — Quem
afinal é esse Roxas?
Era o nome de alguém.
Alguém que ele provavelmente conhecia. Mas ele nunca tinha visto ou ouvido falar de
alguém chamado Roxas.
— Qual o problema, Sora? — perguntou Pateta, o rosto tomado pela preocupação.
— Ah... Não é nada. — Sora deu uma risada. — Aquele cara era mesmo estranho!
Pateta também abriu um sorriso, enquanto Donald examinava o chão da caverna.
— Ah, é! A Pedra do Olimpo! — Sora correu até Donald.
— Ele não levou embora? — disse Pateta.
— Está bem aqui! — Donald recolheu a pedra brilhante e a entregou para Sora.
Ele ergueu a Pedra do Olimpo sobre a cabeça e a luz que emanava dela os envolveu.
— Poxa, será que isso deu fim à maldição? — ponderou Pateta, observando o brilho que
recaía ao redor deles.
— Deve ter dado! Vamos, a Meg precisa da nossa ajuda!
Donald e Pateta assentiram e o trio então partiu para as profundezas do Mundo Inferior.

Em meio às foças mais profundas e obscuras, eles finalmente encontraram Mégara — que
estava sendo feita de prisioneira.
— Meg! — Quando correram até ela, notaram que estava acorrentada a uma pedra.
— Sora, atrás de você! — gritou.
O trio se virou e deu de cara com Bafo.
— Bwaha, ha, ha! Qual o problema? Não conseguem lutar no Mundo Inferior? Ora, ora, se
não é o meu dia de sorte! — Bafo se aproximou com uma horda de Heartless atrás de si.
Sora sorriu com a Keyblade em mãos.

131 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— Nem tanto assim!
— Atacaaar! — ordenou Bafo, apontando para o trio.
— Quer briga? Cai dentro! — Sora e Pateta partiram para cima da horda enquanto Donald
ficou para trás para tentar libertar Meg.
— Ha! Iá! Toma essa! — Sora foi eliminando um Heartless atrás do outro, até que logo
tinha caminho livre até Bafo.
— Ei! Vocês não deviam estar todos fracos e molengas aqui embaixo? — reclamou Bafo.
— Desculpa se te demos esperança!
Diante da resposta autoconfiante de Sora, Bafo começou a suar frio e logo foi recuando.
— Hã, esse lugar me dá calafrios. Eu cuido dos palermas aí na próxima vez! — E com esse
anúncio, ele virou as costas e saiu correndo.
— Ei! Você não vai escapar! — Sora tentou segui-lo, mas então outro inimigo surgiu em seu
caminho em meio a uma nuvem de fumaça. — Hades!
— Hmm, olha só isso. São um bando de machões agora, hein? — zombou Hades.
De repente, uma poderosa voz ecoou pelas masmorras:
— Desculpem pelo atraso!
Quem estava fazendo a entrada galante era ninguém menos que Hércules, junto a seu cavalo
alado, Pégaso.
— Ah, finalmente, o nosso herói. Só tem um probleminha, bem pequititucho: aqui embaixo,
você não vale de nada!
— Você está prestes a descobrir o quanto está errado! — Hércules se lançou contra ele a
toda velocidade, a espada em riste, e então atacou.
— M-Mas o quê?! — gritou Hades.
— Uau! — A batalha acabou tão rápido quanto a exclamação de Sora, e Hades caiu de
joelhos no chão.
— Muito bem, vocês conseguiram... me deixar irritado! — urrou Hades, e uma luz branca
azulada surgiu sob seus pés, consumindo-o até desaparecer.
Hércules virou para o trio com um sorriso no rosto.
— E aí, o que acharam? Foi heroico?
— Foi incrível! — Donald deu um pulo em puro deleite.
Mégara, finalmente livre de suas correntes, se jogou nos braços de Hércules.
— Nossa, parece que a gente nem ajudou tanto assim — murmurou Sora, fazendo bico.
Nesse instante, a Pedra do Olimpo brilhou e flutuou em meio ao ar, onde sua luz se tornou
uma fechadura.
— Outro portão se abriu...! — Sora ergueu a Keyblade e disparou um raio brilhante contra a
fechadura, até que a ouviram sendo destrancada.
Depois que a luz se dissipou, a atmosfera no Mundo Inferior voltou a seu estado lúgubre de
costume e a Pedra do Olimpo, como se tivesse terminado o trabalho do dia, caiu em meio ao chão.
— É melhor levar isso de volta. — Sora a recolheu e entregou a Hércules. — Obrigado.
— Mas quem são vocês três, afinal? — perguntou Hércules.
— Nós somos heróis! — respondeu Donald.
Meg sorriu para eles.
— Para mim, parecem mesmo.
— Sim, claro — disse Hércules. — Heróis mirins.
O trio trocou olhares e também deu uma risada.
— Bom, hora de irmos. — Sora disse a Hércules e os três então partiram em sua jornada
para outro mundo.

132 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
133 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
A NAVE GUMMI DISPARAVA ATRAVÉS DO CÉU ALÉM.
— Tá logo ali dessa vez! — exclamou Donald, espiando pela janela da nave. Podiam ver um
mundo mais ao longe.
— Digam, aquela ali não é Agrabah? — comentou Pateta, enquanto tentava distingui-lo. O
deserto e o palácio pareciam familiares.
— Como será que estão o Aladdin e a Jasmine? — disse Sora, descontraído, enquanto
observava o mundo desértico.
Devagar, a Nave Gummi começou a pousar em Agrabah.

Aquele lugar era conhecido como os Corredores das Trevas — uma série de escadarias em
meio à negritude desoladora. Esses corredores se conectavam a todos os mais diversos mundos... e
eram fechados para eles.
Riku seguia caminhando por eles.
— Socorro! Por favor!
Diante do grito que viera de trás de si, Riku imediatamente se virou. Era a segunda vez que
confundia aquela voz com a de outra pessoa.
— Naminé...
Ela curvou a cabeça por um instante e então ergueu os olhos para encontrar com os dele.
— Por favor, Riku... você tem que ajudar o Axel.
— O que houve?
Os olhos azuis claros e brilhantes de Naminé faziam Riku se lembrar dela... de Kairi.
— A Organização está atrás dele. — Mais uma vez, ela abaixou ligeiramente a cabeça. —
Ele me ajudou a fugir.
Perseguido pela Organização — era mais ou menos o que ele esperava. Se fosse dado como
traidor, eles não deixariam que se safasse tão facilmente.
— Não posso fazer nada para ajudá-lo — disse Riku.
— Por que não?
Ele não tinha uma boa resposta para ela. Por que não podia ajudar Axel?
Se assim decidisse, poderia fazer alguma coisa... mas do que adiantaria ajudar um Nobody?
— É por que o Axel é um Nobody? Se for esse o caso, então por que queria tanto me ajudar?
Por que eu sou o Nobody da Kairi? Por que, se eu me for, a Kairi ficará incompleta?
— Naminé...
Ela estava olhando para baixo, os ombros tremendo. Ele se aproximou e a abraçou.
— O coração do Axel está machucado — disse ela.
— Pensei que Nobodies não tivessem corações. — Assim que disse isso, Riku duvidou das
próprias palavras.
Será que Nobodies realmente não tinham corações? E quanto à Naminé? E o Roxas?
Como DiZ lhe havia dito antes, esses dois surgiram de uma forma especial. Isso queria dizer
que eles eram diferentes?
Os membros da Organização também eram únicos dentre os Nobodies — isso era óbvio.
Mas será que isso era tudo?
— O coração do Axel diz que ele está se sentindo solitário.
— Como?
— Não sei dizer. — Naminé balançou a cabeça. — Eu também não compreendo.
Talvez ele precisasse ter mais uma conversa com Axel. Riku deu um pequeno suspiro e se
abaixou para olhar Naminé nos olhos.
— Quem está atrás do Axel?
— É um membro da Organização... Ele estava nos escutando. — Ela parecia escolher as
palavras com cuidado.
— Sobre o que vocês estavam falando?

134 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— Sobre... a Kairi. — Ela disse o nome baixo, mas com toda a clareza.
Os ombros de Riku retesaram um pouco.
— Eu queria vê-la. Achava que era algo que eu precisava fazer, e pedi ao Axel para me levar
até ela. Mas... o homem da Organização me ouviu e tentou me capturar. Axel o segurou para que eu
pudesse fugir. — A história deixou sua boca toda de uma vez e, parecendo notar alguma coisa, ela
ergueu a cabeça. — ...A Kairi está em perigo?
Riku assentiu.
— Não vamos deixar a Organização pegá-la. Além disso, o Axel disse para você fugir, não
disse? Ele vai ficar bem. Rápido pelo menos eu sei que ele é.
Ele abriu o que parecia o esboço de um sorriso, e ela o retribuiu, só um breve sorriso, como
se ele de fato a tivesse conseguido tranquilizar.

Sua respiração estava ofegante. Nunca tinha corrido desse jeito antes, pensou Axel.
— Mas que droga...
Ele jogou o cabelo para trás e olhou para a lua que pairava no céu noturno imutável. As
luzes de néon incomodavam os olhos, mas o fulgor da gigantesca lua era ainda mais ofuscante que
seu lampejo cintilante.
A lua era um coração. Exatamente aquilo que ele nunca poderia ter.
No fim, não conseguira encontrar nenhum lugar para onde ir. Então lá estava ele, de volta à
cidade de arranha-céus brilhantes.
Se estou tentando fugir do Saïx, — da Organização como um todo — então o que estou
fazendo aqui?
A verdade o atingiu em cheio — Nobodies não tinham um lugar para chamar de lar.
— O que eu faço agora...? — murmurou, o rosto ainda voltado para a lua lá em cima.
Um coração. Talvez a resposta estivesse mais perto do que imaginava.
De repente, sentiu algo se esfregando em sua perna.
— O quê...? Eita! — Axel deu um pulo. Era um grande cachorro amarelo. — Ei, o que está
fazendo aqui?
O cachorro ergueu o olhar para ele, o rabo balançando violentamente.
— Está sozinho?
Como que em resposta, o cachorro deu um único latido bem baixinho.
— Olha, não tenho tempo para brincar. — Axel deu um tapinha em sua cabeça e começou a
andar por entre os prédios. Havia um lugar aonde tinha que ir.
Naminé desejava se encontrar com Kairi.
Ele não sabia o que aconteceria se elas se encontrassem. Mas algo aconteceria — isso pelo
menos era certeza.
Sora e Kairi. Roxas e Naminé.
Se Naminé encontrasse Kairi, talvez alguma coisa acontecesse com Sora — com Roxas.
Ele queria reuni-las.
— Ei, não me segue, beleza? — Ele se virou e ergueu um dedo de advertência diante do
nariz do cachorro, que latiu outra vez. O animal quase parecia entendê-lo.
Nunca tivera uma conversa como aquela com um cachorro antes — nem com nenhum outro
animal, para dizer a verdade.
Axel inclinou a cabeça e o cachorro o imitou.
— Olha, eu tenho que ir.
Axel abriu uma fenda negra no espaço e adentrou a escuridão.
O cachorro inclinou a cabeça de novo e então se sentou diante do portal que se fechava,
como se para esperar por ele.

135 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
Toda aquela história o enojava.
Saïx estava olhando para os arranha-céus, rastreando a presença de Axel. Ele queria um
coração mais que qualquer coisa. Mas o que poderia fazer para conseguir um?
Lá estava ele, desejando um coração com tanto afinco, enquanto Axel conseguira ganhar um
sem fazer absolutamente nada.
O homem de cabelos azuis havia sido o primeiro a se juntar à Organização após os membros
fundadores. Ele devia ser especial. Assim como o número treze — Roxas, o portador da Keyblade
— era especial.
Axel não era. E ainda assim...
Ele se lembrou do que Naminé, a bruxa, havia dito. Axel parecia solitário. O próprio Axel
negou esse fato, mas ela estava absolutamente certa. Axel estava solitário. Ele havia perdido Roxas.
Solitário. Isso não queria dizer que ele tinha um coração?
Como ganhou um? Por que apenas ele? Seria este um efeito do seu contato com o garoto ou
o resultado de mais alguma coisa?
Ele não fazia ideia...
Enquanto lançava o olhar de um lado para o outro em sua busca, Saïx deparou-se com um
cachorro amarelo e então parou. O cachorro se voltou para ele em meio a um latido alto e agressivo.
Saïx fechou a cara, franzindo a pele cicatrizada entre as sobrancelhas, e ergueu a mão para
abrir um Corredor das Trevas atrás do cachorro.
Se algo ficasse em seu caminho, bastava livrar-se do que quer que fosse.
O cachorro olhou para trás por cima do ombro e, por algum motivo, começou a balançar o
rabo todo animado, e então se lançou diretamente para as trevas.
— ...Hm?
Saïx pensou ter visto uma pessoa andando em meio aos corredores. Estreitou os olhos. Não,
tinha certeza.
Devagar, ele começou a adentrar o portal.

As ondas lambiam a costa das Ilhas do Destino com seu constante e suave farfalhar. Kairi
estava parada na areia, vendo o sol afundar além do horizonte.
— Talvez esperar não seja o suficiente... — murmurou.
— Exatamente! — respondeu outra voz quase antes de ela terminar a frase.
Kairi se virou. A apenas alguns passos de distância estava um homem de cabelos vermelhos
e casaco negro.
— Se você tem um sonho, não fique esperando. Aja. Uma das regrinhas da vida. Deu pra
memorizar?
Kairi recuou um passo enquanto Axel falava. Era bizarro, inexplicável — mas, por algum
motivo, estava aterrorizada.
— Quem é você?
Ele deu de ombros.
— Sou o Axel. Por acaso, sou um conhecido do Sora.
— Sora...? — repetiu Kairi.
Sora — o nome do querido amigo dela.
— Por que não vamos vê-lo? — disse Axel.
Ela olhou fixamente para a mão que ele ergueu em sua direção. Se fosse com esse sujeito,
esse Axel... conseguiria ver o Sora?
— Nós temos algo em comum, Kairi. Nós dois sentimos falta de alguém com quem nos
importamos. Sinto até que já somos amigos, não acha?
Ela não moveu um músculo sequer.

136 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
Mais adiante, nos corredores, Riku e Naminé se depararam com uma luz brilhante.
— Aquelas são... as Ilhas do Destino? — perguntou Naminé, semicerrando os olhos.
Ele não respondeu, o rosto obscurecido sob o capuz, e manteve a atenção voltada ao forte
brilho em frente. A luz parecia ficar cada vez maior, até que finalmente tiveram um vislumbre da
areia fina e água azul.
E então Naminé disse o nome da pessoa que identificou do outro lado do portal:
— ...Axel?
— Parece que tivemos a mesma ideia — disse Riku, um pouco aliviado.
Naminé parou no lugar onde estava.
— Então... ela está lá? ...A Kairi?
Uma garota de cabelos vermelhos estava olhando para Axel.
— Hm... Ainda não sabemos se ele é nosso amigo ou não. O mesmo vale para a Kairi —
disse Riku em meio a um breve sorriso.
— Riku, vamos lá.
— Certo. — Ele assentiu... e então, de repente, um cachorro amarelo veio correndo em sua
direção. — Pluto?!
Definitivamente era ele — o cachorro do Rei Mickey. Pluto corria em círculos ao redor da
dupla, completamente eufórico.
— Por onde esteve, garoto? — Riku se aproximou para acariciá-lo, mas Pluto se virou e
rosnou para alguém atrás deles.
— Então nos encontramos de novo, Naminé.
O que deixara Pluto daquele jeito fora um membro da Organização — Saïx. Antes que o
garoto percebesse, a Soul Eater surgiu em sua mão.
— Riku, não é?
— Meu nome não importa — ralhou Riku.
— E aquelas devem ser as Ilhas do Destino, suponho. E Axel também está lá. Ora, ora.
Saïx ergueu uma das mãos e, de súbito, uma horda de Nobodies começou a se contorcer em
direção ao brilho.
— Não tão rápido! — Riku se colocou diretamente em seu caminho.
— Mas qual é o problema? Machucaria ver sua terra natal, sua ilhas, sendo corrompidas? —
provocou Saïx. — Ainda que você mesmo já tenha feito isso antes?
Riku deixou escapar um pequeno arquejo.
Sim — certa vez, suas ilhas caíram nas trevas. Chegou a pensar que nunca mais conseguiria
voltar para casa outra vez. Não deixaria que ninguém fizesse mal a esta casa agora.
— Pluto! Vai! — gritou Riku, e Pluto respondeu com um latido profundo antes de saltar em
direção à luz.
— O que exatamente você acha que esse cachorro fará a respeito? — indagou Saïx.
— Não te devo resposta nenhuma — disparou Riku, e desferiu contra Saïx um golpe da Soul
Eater que o jogou longe.

O único barulho entre Axel e Kairi era o pacífico farfalhar das ondas — o som característico
das Ilhas do Destino.
Foi quando o latido de um cachorro quebrou o silêncio.
— Ah! Você de novo?! — Axel se virou e viu o mesmo cachorro que tinha encontrado na
cidade, o rabo tão agitado quanto antes.
Pluto trotou até Kairi e latiu três vezes. De repente, como se o tivessem seguido, um círculo
de Nobodies rodeou Kairi.

137 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— É sério isso? Tinha que trazer essas coisas contigo...? — murmurou Axel, armando-se
com seus chakrams. Eliminar seus companheiros Nobodies seria desagradável, mas não podia
deixar que Kairi se machucasse.
A garota tentou recuar conforme as criaturas iam se fechando à sua volta.
E então, de repente, uma fenda se abriu atrás de Kairi.
— Hã? — Axel parou. Pluto correu até o portal e pulou por ele. — Ei, espera aí...!
Kairi olhou de volta para Axel e então, sem mais hesitar, seguiu Pluto em meio à escuridão.
Como se esta fosse sua intenção, o portal se dissipou e ela desapareceu.
— O que está acontecendo...? — murmurou Axel. Ele lançou seus chakrams e os Nobodies
se dissolveram, até que não restasse nada deles. — Pra onde você foi agora, Kairi?
Em meio a um grande suspiro, Axel criou seu próprio portal ali na praia, deixando-se ser
engolido por ele.

O portal negro que levava às Ilhas do Destino se fechou. Saïx não parecia saber que Pluto
não era um cachorro qualquer — ele pertencia ao Rei Mickey.
Depois da investida devastadora de Riku, Saïx se reergueu devagar.
— Não podia esperar nada menos do grande Ansem — proclamou. — É isso o que eu devia
dizer, não é? Ou talvez...
— Você não sabe do que está falando! Eu vou proteger essas ilhas!
Riku se lançou contra ele, cheio de fúria, mas, dessa vez, a Claymore — a espada de Saïx —
estava lá para bloquear a Soul Eater.
— Como espera proteger alguma coisa sendo que você se encobriu com as trevas? Você
vendeu a sua alma por poder. Valeu à pena?
— Cale-se. — A Soul Eater empurrou a Claymore para trás com uma terrível investida.
— Riku! Não! — gritou Naminé, correndo diante de Saïx para ficar em seu caminho. —
Não deixe a escuridão controlar o seu coração. Você já a derrotou antes. Você a tornou sua força,
lembra? Não pode deixar ele te enganar!
— Você não tem nada a ver com isso! — Saïx lhe deu um tapa na cara com força o bastante
para atirá-la no chão.
— Também me sinto mal por você. — Naminé disse a ele.
— Do que está falando? — disse Saïx, encarando-a de cima.
— Você ainda nem notou... que também tem um coração.
Diversos Nobodies emergiram de uma fenda em meio aos corredores.
— Um coração? Eu tenho um coração? Ninguém quer ouvir suas bobagens!
Saïx empunhou sua espada sobre Naminé, pronto para atacar... mas Riku estava lá com a
Soul Eater para interceptar o golpe.
— Hmph. Não tenho tempo para esses jogos. — A escuridão surgiu de uma fenda atrás de
Saïx. — Vão e ajudem o seu querido herói.
E com isso, ele desapareceu.
— Você está bem? — Riku ajudou Naminé a se levantar.
— Agora eu compreendo... — murmurou ela.
— Naminé...? Compreende o quê?
Ela ficou em silêncio por um instante e então, enquanto se levantava, balançou a cabeça.
— Não é nada. Temos que encontrar a Kairi.
— Certo... — Riku assentiu e então notou que estava olhando para as próprias mãos.
Eu vendi a minha alma por poder...
Será que esse poder poderia ser usado para o bem?

138 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— Com certeza seria bem quieto lá embaixo sem o Gênio — comentou Pateta.
Após pousar em Agrabah, o trio encontrou Jafar à solta, sendo que ele devia estar preso em
sua lâmpada, e o derrotou novamente. A lâmpada destrancou outro portão e eles logo voltaram para
a Nave Gummi.
— Se bem que foi muito estranho ver que o Jafar tava causando todo aquele problema de
novo — disse Sora.
— Pois é! Mesmo depois de já termos derrotado ele e tudo mais! — reclamou Donald.
— Poxa, será que tem alguma coisa acontecendo com todos os mundos? — Parecendo
captar suas preocupações, Pateta inclinou a cabeça.
Agrabah estava infestada de Heartless e, de alguma forma, Jafar havia escapado e estava
espalhando o caos. Definitivamente tinha algo estranho acontecendo.
— Ei!
— O que foi, Donald?
Donald estava observando o Céu Além pela janela de novo, e Sora foi se juntar a ele.
— Um mundo novo! — Donald indicou alguma coisa mais adiante.
— Onde?
— Logo ali!
Estreitando os olhos, Sora conseguiu distinguir um mundo envolto em névoa.
— Mas tem outro ali daquele lado também — disse Pateta, apontando para algo mais ao
longe, além de Hollow Bastion.
— Aquela não é... Twilight Town? — Sora conseguiu identificar um trem e uma torre do
relógio. Ele se espremeu contra a janela. — Quero ir pra lá.
— Mas esse é mais perto! — reclamou Donald, olhando para o outro lado e batendo o pé.
— Mas eu quero ir pra lá.
Enquanto Sora pressionava o nariz contra o vidro, Donald e Pateta trocaram olhares. Ele
parecia um pouco diferente do normal — e, de alguma forma, isso era desconcertante.
— Quero ver o Hayner e o resto da galera — insistiu Sora.
— Tá, beleza. — Donald não parecia muito feliz com isso.
Sora imediatamente se virou e lhe deu um abraço.
— Valeu, Donald!
— Wak!
A Nave Gummi mudou de curso e disparou em direção a Twilight Town.

Algo quente e molhado lhe estava tocando a bochecha. O que é isso...?


Kairi foi recobrando a consciência devagar e então descobriu do que se tratava: era a língua
rosada de um cachorro.
— Ei, faz cócegas! — Ela sorriu para Pluto.
— Você tá bem? — Alguém a perguntou. Kairi imediatamente ergueu o olhar.
— Eu... hã...?
Pluto não era o único que estava ali com ela. Havia dois garotos e uma garota, todos a
fitando com expressões preocupadas.
— Abriu um buraco na parede e você e esse cachorro saíram voando dele. Quase mataram a
gente do coração! — disse um garoto mais robusto, soando um pouco aliviado.
— Meu nome é Kairi. — Ainda no chão, ela olhou para o trio. — Como vocês se chamam?
— Hayner — disse o garoto com o cabelo bem estilizado.
O garoto corpulento e a garota fizeram o mesmo:
— Eu sou o Pence.
— E eu sou a Olette.
— Ei... — disse Kairi. — Por acaso vocês conhecem um garoto chamado Sora?
Ouvindo aquele nome, os três trocaram olharam.

139 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
O pôr do sol em Twilight Town estava tão bonito quanto sempre.
— Vamos ver o Hayner, o Pence e a Olette! — Sora saiu correndo pela cidade como se já a
tivesse visitado dezenas de vezes... ainda que tivesse estado lá apenas uma vez antes.
— Ei, Sora! Não corre desse jeito! — Donald se lançou atrás dele e acabou batendo em suas
costas com toda força quando Sora parou de súbito. — Wak! Também não vai parando desse jeito!
— Um skate! — Sora se atirou no veículo jogado no meio da rua.
— Hã, S-Sora?
— Sora...?
Os outros dois ficaram ali parados, atônitos, enquanto Sora andava em círculos ao redor
deles, e então pulou com o skate em meio ao ar.
— Uhul! — celebrou Pateta, e Donald o cutucou nas costelas.
— Ei, você já viu ele andando de skate assim antes?
— Poxa, acho que não...
Enquanto os dois murmuravam um com o outro, Sora realizou um grab aéreo, claramente
apreciando seus talentos recém-descobertos. Quando estava para executar um salto extremamente
alto, um garoto de casaco azul veio correndo na direção deles.
— S-Socorro! Lá no pátio! É o Seifer! Por favor, alguém nos ajude! — Vivi continuou na
correria, avançando em meio à praça do bonde.
— Parece que devíamos dar uma olhada! — Sora disparou em cima do skate.
— Quack!
— Sora, espera!
Donald e Pateta tiveram que persegui-lo novamente.

— Se ficar por aqui, certeza que o Sora vai aparecer. — Pence disse à Kairi.
— É, ele disse que ia voltar — acrescentou Hayner, confiante.
— Certo! — Kairi assentiu, bastante animada, e, ao lado dela, Pluto latiu, contente.
— Por que demorou tanto, Kairi?
Todos se levantaram diante da nova voz.
Um buraco negro havia surgido na parede, o mesmo de quando Kairi tinha chegado, e quem
emergiu dele dessa vez foi Axel.
— Alguma coisa me disse que você estaria aqui. — Ele seguiu em direção à Kairi com um
meio sorriso no rosto.
— Ei! — Hayner se lançou contra ele com o corpo inclinado, na tentativa de acertar Axel
com a cabeça, mas ele se esquivou sem a menor dificuldade, fazendo com que Hayner conseguisse
apenas dar com a cara no chão.
Pence tentou fazer o mesmo e, assim como o amigo, acabou caindo de cara no chão.
— Vou te falar, Kairi... foi muita coragem a sua pular no meio da escuridão daquele jeito —
elogiou Axel enquanto a agarrava pelo braço.
— Me solta!
Aparentemente, ele não tinha intenção de se explicar enquanto a arrastava de volta para o
portal. Pluto os seguiu.
— Ei, espera!
Hayner se levantou num pulo e tentou segui-los... mas os dois já tinham desaparecido, sem
deixar rastros.

140 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
Eles seguiram Vivi até uma grande área aberta. No meio dela, dois garotos e uma garota
estavam caídos no chão enquanto Vivi corria em círculos ao seu redor, completamente angustiado.
Mas ele não era o único — os três também estavam cercados por criaturas prateadas estranhas que
se contorciam sem parar. Penumbras.
— Galera, é com a gente!
Diante da deixa dada por Sora, o trio disparou contra a horda.
— Toma essa!
Uma vez tendo aprendido a lidar com aqueles seus movimentos serpenteantes bizarros, as
Penumbras até que não eram tão difíceis de enfrentar.
Mas eram muitas delas.
— Por que tem tantas? — reclamou Donald.
— Continua firme, Donald! — exclamou Sora, eliminando uma Penumbra atrás da outra.
Alguma coisa naquilo tudo lhe dava uma sensação estranha. Era quase como... se já tivesse
lutado ali antes.
E desde quando eu ando de skate...? Pensou consigo mesmo.
— Finalmente! Acabamos com todas! — disse Sora enquanto atacava a última Penumbra
com a Keyblade.
Foi quando ouviu alguém aplaudindo.
— E tudo num único dia de trabalho! — disse Sora, sem conseguir evitar de fazer pose
enquanto se virava.
Mas em vez de um espectador impressionado, deparou-se com um membro da Organização.
— Impressionante. — Saïx continuou batendo palmas, seco, enquanto se aproximava do trio
que continuava em pose de luta.
— O que você quer?! — indagou Sora.
Saïx parou e então começou a falar deliberadamente:
— Vocês viram um homem chamado Axel? Creio que ele esteja aqui em algum lugar...
— Como se a gente ligasse — disparou Sora.
— Vejam vocês, Axel não está mais agindo de acordo com os nossos interesses — avançou
o sujeito, sem prestar atenção à hostilidade de Sora.
— Ele também é da Organização? — perguntou Pateta.
— Sim. — Ele assentiu.
— Uh, tretas internas! — Donald parecia um tanto intrigado.
— Não é uma Organização muito organizada — acrescentou Sora.
— Considere-se avisado. — Saïx apontou um dedo para Sora, sua voz perigosamente serena.
— Axel não permitirá que nada o impeça de transformá-lo em um Heartless.
— Pô, valeu por tomar conta da gente, senhor! — Sora deu a língua para ele. — Mas tenho
certeza que conseguimos nos virar bem de boa!
— Que bom ouvir isso. Embora eu não possa falar pelo Axel, partiria os nossos corações se
alguma coisa acontecesse a você.
— Corações? Vocês não têm corações! — disparou Donald.
Os membros da Organização eram Nobodies. O que queria dizer que não tinham corações.
— É verdade, não temos corações. Mas nos lembramos de como era. Isso é o que nos torna
especiais. — Saïx puxou o capuz para trás devagar, revelando seus cabelos azuis e a expressão
tranquila em seu rosto bem-apessoado, acompanhada de sua cicatriz em forma de X.
— O que quer dizer? — perguntou Sora.
— Quer dizer que nós sabemos muito bem como ferir um coração — respondeu Saïx, e uma
fenda negra se abriu no ar atrás de si. — Sora, continue enfrentando esses Heartless.
Sora o ignorou e se inclinou mais para perto de Donald.
— Vamos pular lá atrás dele — sussurrou.
— Por quê? — Donald sussurrou de volta.
— É só uma ideia, mas talvez ele nos leve direto pro mundo da Organização!
— Não seja imprudente — ralhou Saïx. — Quer acabar como o Riku?
141 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
Diante disso, Sora ergueu a cabeça. Riku? Aquele cara conhecia o Riku?
— Ei, calma!
Saïx recuou e desapareceu em meio às trevas.
— Espera!
Sora correu atrás dele, mas o portal se dissipou diante de seu rosto. Ele franziu o cenho.
— Como assim, acabar como o Riku? — disse para si mesmo.
— Ei, vocês! — exclamou outra pessoa.
— Quack? — Donald se virou, deparando-se com os garotos que antes estavam caídos no
chão. Agora, estavam todos de pé, encarando-os.
Sora não notou, perdido em pensamentos. Acabar como o Riku? O que aconteceu com ele?
— Que tal darem o fora da minha cidade? — disse um dos garotos, Seifer, o tom violento e
agressivo. — Já causaram problemas o bastante.
— Tá bom! Já estávamos indo! — retrucou Donald, enquanto Sora continuava pensativo,
claramente preocupado. — Vamos, pessoal.
Um pouco apreensivo, Donald deu um tapa nas costas de Sora, incitando-o a andar.
— Ei, espera um minuto! — disse o garoto.
— Se decide de uma vez! — bufou Donald... mas imediatamente cravou os olhos no objeto
que Seifer carregava nas mãos. Era um grande troféu decorado com quatro cristais de cores
diferentes que brilhavam em meio à luz da tarde.
— Isso vai para o cara mais forte de Twilight Town. Devia ficar com você.
Sora finalmente voltou a si e, surpreso, apontou para si mesmo.
— Comigo...?
— É.
— Obrigado, mas... a gente não precisa.
Ignorando-o, Seifer correu até Pateta e atirou o troféu em suas mãos.
— Uou! — exclamou Pateta, não esperando que fosse tão pesado, e então desviou o olhar
para Sora, aflito.
Aparentemente satisfeito por ter entregado o troféu, Seifer deixou o pátio com o resto de seu
grupo — Vivi e os outros dois que estavam caídos no chão, Fuu e Rai.
— O que a gente faz com essa coisa...? — Sora olhou para o troféu com uma expressão
vazia no rosto.
— Ah, ei! Sora! — disse uma voz diferente, e o trio logo se voltou para a fonte, deparando-
se com Pence.
— Pence, não é?
— Você conhece uma garota chamada Kairi?
Ouvindo aquilo, os três deram um pulo, todos ao mesmo tempo.
— K-Kairi?! — exclamou Sora. — Conheço sim, com certeza!
— Então é melhor virem pra estação! Vamos, temos algo importante pra contar pra vocês!
— Pence saiu correndo e o trio rapidamente partiu em seu encalço.
— Kairi... Riku...
Ouvindo Sora murmurar os nomes de seus amigos, Donald e Pateta tiveram o mesmo receio.
— Não é meio estranho ouvirmos falar sobre eles dois assim tão de repente? — Pateta disse
a Donald, bem baixinho, correndo com o troféu sob o braço.
Donald assentiu.
— Será que a Organização também sabe alguma coisa sobre a Kairi?
Aquele sujeito da Organização tinha mencionado o Riku e agora Pence estava falando da
Kairi. O que exatamente estava acontecendo naquela cidade tão pacata?

Depois de uma pequena viajem pelos corredores, eles emergiram na praia nas imediações de
Twilight Town.

142 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— Me larga! — Kairi se puxava para trás, mas quando Axel soltou seu braço, acabou
tombando na areia.
— Tudo bem aí?
— Não me toca!
Um pouco desgostoso, Axel coçou a cabeça.
— Bom, olha... eu, hã... — De repente, quando estava começando a tentar se explicar, Pluto
pulou em suas costas e o atirou de cara na areia. — O quê?! Você ainda tá me seguindo?! Ai!
— Você veio me ajudar...? — perguntou Kairi. O cachorro balançou o rabo para ela, ainda
em cima de Axel.
— Sai logo daí! — gritou Axel, tentando se levantar, mas isso o deixou aberto para um
ataque frontal de língua. — Ui! Para...!
Eventualmente, Axel notou que Kairi observava a cena com certa surpresa e finalmente tirou
Pluto de cima de si. Seu casaco negro, cabelos vermelhos e rosto estavam completamente cobertos
de areia. Pluto pareceu perder o interesse nele e se lançou contra Kairi para lambê-la em seu lugar.
— Ah, corta essa! — Ela deu uma risadinha.
Axel suspirou e tentou tirar a areia de... todo o corpo. Depois, alongou os ombros. Kairi
desviou o olhar para ele.
— Você... não é um bandido?
— Não sou — respondeu Axel, completamente sério. — Mas também não sou exatamente
um mocinho.
— Mas o cãozinho gosta de você — comentou.
Axel abaixou o olhar e, de fato, lá estava Pluto, balançando o rabo de um lado para o outro.
— Só por que um cachorro gosta de alguém não significa que essa pessoa seja boa. Deu pra
memorizar?
— Não sei o que está tentando dizer.
— Bom... eu também não.
Ele havia arrastado Kairi consigo, mas não sabia bem explicar por quê. Sentindo-se perdido,
ele inclinou a cabeça.
— Hã, quer dizer... Você não quer ver o Sora?
— Sim! — respondeu ela com firmeza.
— Isso pode ser um problema — disse outra voz.
Ambos se sobressaltaram, e Saïx emergiu de uma fenda no espaço atrás de Kairi.
— Kairi...! — Axel tentou chegar até ela primeiro, mas Saïx conseguiu pegá-la uma fração
de segundo antes.
— Me larga...! — Kairi começou a gritar. Aconteceu tudo num único instante, e Pluto latia
com toda a ferocidade para Saïx.
— Kairi! — exclamou Axel outra vez enquanto a garota lutava para se soltar de Saïx. Ele
empunhou os chakrams para se lançar contra Saïx quando uma poderosa onda de choque o atingiu.
— Traidores como você merecem perder tudo — disse Saïx.
Axel grunhiu e caiu de joelhos com a dor por conta do golpe direto. Após uma única
investida, já sentia sua consciência se esvaindo. Sua visão estava escurecendo. Não conseguia dizer
se vira Saïx desaparecendo com Kairi no portal negro ou se eram apenas seus próprios olhos que
estavam se fechando.
É assim que eu vou virar uma Penumbra...?

Hayner e Olette estavam amontoados na praça da estação, profundamente entretidos em sua


conversa. Foi quando Olette notou Sora e seus amigos.
— Sora...!
— Então você voltou mesmo, hein? — disse Hayner.
— O Pence tava falando da Kairi... como vocês conhecem ela? — perguntou Sora.

143 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
144 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
Hayner e seus dois amigos se entreolharam e então desviaram o olhar para o pavimento de
pedra vermelho.
— Vai, digam!
Pence foi o primeiro a falar:
— A Kairi veio aqui para Twilight Town.
Pateta ficou tão estarrecido que quase derrubou o troféu.
— E? — Sora estava praticamente implorando.
— Ela disse que estava procurando você — respondeu Olette.
— Digam onde ela está! — Ele aproximou o rosto dos deles. O trio trocou outro olhar.
— Um sujeito de casaco negro apareceu e levou ela embora — explicou Hayner, claramente
chateado. — Desculpa.
Sora abaixou a cabeça.
— Sentimos muito mesmo — repetiu Hayner. Ele mordeu o lábio, genuinamente pesaroso.
Isso fez Sora erguer o olhar.
— Não é culpa sua — disse a eles num tom mais alegre. — Vai, se animem!
— Mas... — Olette olhou para o chão, aparentemente pronta para desabar em lágrimas.
— É, quem sou eu pra falar...? — Vendo-a tão chateada, Sora imitou sua postura.
Por que a Organização levaria a Kairi? E como sabiam quem era o Riku? Havia muitas
coisas que ele não conseguia entender. Era tão frustrante.
— Sora...? — Pateta se aproximou, fitando ansiosamente seu rosto inquieto.
— Eu tenho que ajudar a Kairi! — disparou Sora.
— Iac?! — Alarmado, dessa vez Pateta realmente derrubou o troféu, o que por sua vez
acabou assustando Donald.
— Wak!
Os quatro cristais do troféu se soltaram de seus respectivos lugares e saíram rolando pelo
pavimento de pedra — um azul, um vermelho, um verde e um amarelo.
Sora, Hayner, Pence e Olette recolheram um cada.
— Isso é... — murmurou Sora, distante, erguendo o cristal azul.
— O que foi, Sora?
— Nada, é só que... — Ele segurou o cristal diante da luz do pôr do sol. Ele brilhou,
refratando os raios vermelhos.
Atrás dele, Pateta tirou o cristal azul da bolsa que o Rei Mickey lhes havia dado. Hayner,
Pence e Olette também ergueram seus cristais. Os cinco cristais reluziram, dois deles azuis.
“Mais um tesouro pra gente dividir.”
Sora se virou, sentindo como se tivesse ouvido a voz de Hayner vindo de algum lugar mais
ao longe. Mas as crianças de Twilight Town estavam quietas, olhando para seus respectivos cristais
em meio aos últimos raios do sol.
“Promete?”
Certo — ele tinha prometido à Kairi que a encontraria novamente.
Não... espera. Para quem ele tinha feito aquela promessa? De dividir o prêmio entre eles
quatro... Quatro?
— Sora!
— Sora?
Donald e Pateta estavam ambos olhando para ele, preocupados.
— Hã? O quê...? — Sora olhou em volta, sem muita certeza do que estava acontecendo.
O que houve comigo?
Ele estava segurando o cristal em sua mão. Apenas uma bela pedrinha que nunca tinha visto
antes... Enquanto a examinava mais de perto, ela começou a brilhar.
— Quack! — Donald recuou um passo.
A luz do cristal formou uma grande fechadura no ar e Sora empunhou a Keyblade em sua
direção. Um raio de luz disparado da arma se encontrou com a fechadura e uma tranca se abriu em
meio a um click.

145 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— O-O que aconteceu? — Pence olhava para o brilho que começava a se dissipar no ar com
olhos esbugalhados.
— Uma nova rota se abriu — disse Sora, inspecionando o cristal azul outra vez. — E a Kairi
e o Riku estão esperando em algum lugar dela.
— É melhor correrem, então. — Olette sorriu para ele.
— Vocês vão voltar de novo, né? — disse Hayner.
— Pode apostar! — Sora lhes abriu um sorriso e fitou o pôr do sol novamente.
Por algum motivo, aquela cidade era sempre cheia de mistérios... mas ele sabia que queria
voltar. Era um lugar especial, diferente de Hollow Bastion ou das Ilhas do Destino.
— A gente se vê depois! — Sora acenou para Hayner e seus amigos.
Eles semicerraram os olhos diante do garoto que brilhava em meio à contraluz do pôr do sol
deslumbrante. Mas não era apenas Twilight Town que era especial — Hayner, Pence e Olette
também eram. De alguma forma, eram diferentes dos outros amigos que Sora conhecia.
Seria por que ele estava dormindo ali...? Ou teria algum outro motivo...?
Sora apertou o cristal com força. Mais um tesouro pra gente dividir.

146 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
147 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
ENQUANTO CONTINUAVAM EM SUA JORNADA NA NAVE GUMMI, SORA SE PER-
mitiu um suspiro profundo. Donald e Pateta olharam um para o outro. Empoleirado em seu assento
na cabine, Sora estava lastimosamente abraçado a seus joelhos.
— Sora? — Donald o fitou no rosto.
Ele não respondeu.
— Sora! — gritou Donald, mais alto dessa vez, e ele finalmente ergueu a cabeça, alarmado.
— Vai, você tem que manter o queixo erguido!
— Mas o rei, o Riku... e agora eu também perdi a Kairi de novo... — murmurou Sora, nem
um pouco encorajado.
Donald pulou para cima e para baixo.
— Não fique triste!
— É, você é a chave que conecta tudo, esqueceu? — acrescentou Pateta, parando junto a ele.
Sora só pareceu mais devastado com isso, afundando o rosto nos joelhos de novo.
— E é por isso que é tudo culpa minha.
— Ah, não foi o que eu quis dizer — disse Pateta, colocando a mão nos ombros arqueados
de Sora. — É só fazer o que fizer sentido pra você que nós com certeza vamos encontrá-los.
— Isso aí! — disse Donald, assentindo.
— ...É. Valeu, pessoal — murmurou Sora, sem qualquer indicação de que havia de fato se
animado. Preocupados, Donald e Pateta trocaram olhares de novo.
— Já sei! Diga, Sora, por que não vamos ver o Leon e o resto do pessoal? — sugeriu Pateta.
— É, também quero vê-los! — Donald deu um pulo, quase como se quisesse literalmente
pular de cabeça na ideia.
— Mas... — hesitou Sora. — Temos que achar o Riku e...
— Talvez o Leon já consiga nos dizer alguma coisa a essa altura — disse Pateta.
— Tá... É, talvez. — Sora soltou os joelhos e o um breve sorriso se formou em seu rosto. —
Vamos lá!
Como se em resposta, a Nave Gummi disparou em direção a Hollow Bastion.

Bafo ia caminhando sem rumo por uma salinha nas entranhas mais profundas do castelo de
Hollow Bastion.
— O que diabos está fazendo?
— Estou tentando ajudá-la, Malévola... — esquivou-se Bafo, temeroso.
— Hmph. Por tudo o que me contou, você dificilmente tem sido de qualquer ajuda —
murmurou Malévola. — O garoto, por outro lado...
— Que garoto? — Bafo teve que perguntar.
— Não é da sua conta — respondeu Malévola, curta e grossa, enquanto se lembrava do
garoto com quem costumava conversar naquela sala.
Ela lhe havia dado poder, um quarto só para si e a garota. E, ainda assim, o garoto lhe virara
as costas. Era verdade, Malévola o estava usando... Mas o fato de ela tê-la abandonado sem a menor
hesitação parecia um pequeno espinho em seu coração.
Suas sobrancelhas finas e bem delineadas se franziram enquanto voltava a encarar Bafo.
— Ainda assim... explique-me o que está acontecendo.
— Bom, sabe, tem essa Organização XIII que tem ficado no caminho.
— Deixe que esses tolos joguem o seu joguinho — disse ela, desdenhosa.
Bafo tentou explicar:
— Mas...
Com um olhar incisivo, Malévola o interrompeu:
— O quê? Você não tem nada além de desculpas para mim?
— Aquele moleque com a Keyblade! Ele também tem sido uma baita pedra no sapato...
— Sora e seus lacaios?

148 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
Bafo confirmou, assentindo vigorosamente algumas vezes.
— Entendo... Muito bem. Suponho que seja melhor você me contar o que aconteceu durante
a minha ausência, Bafo.
Ele não perdeu tempo e logo começou a contar a história do que Sora e seus amigos vinham
aprontando.

Todos os seis homens de casacos negros estavam reunidos pela primeira vez em um bom
tempo. Xemnas serenamente deu início à discussão:
— Então a princesa...
Kairi, uma das princesas, caíra nas garras da Organização. Seu objetivo não era abrir a porta
das trevas, mas quanto mais peças tivessem sob seu controle, melhor.
— Você cuidou do Axel? — perguntou Xigbar.
— Certamente — respondeu Saïx. Tecnicamente, não vira o fim de Axel. Mas era difícil
imaginar que ele houvesse sobrevivido.
— Tem mesmo certeza que ele se foi? — indagou Xaldin. — Ele voltará para causar mais
problemas se não o tiver eliminado.
Xemnas deu fim ao interrogatório:
— Deixem Axel por ora.
— E quanto ao portador da Keyblade? — Saïx perguntou a Demyx, esperando desviar o
foco da conversa para longe de si.
Demyx apenas coçou a cabeça, impotente, e murmurou como uma criança que estava
levando uma bronca:
— Bom, eu... Hã...
— Você falhou? — pressionou Saïx, enquanto Demyx lutava para encontrar as palavras.
— Eu disse... Não sou bom pra esse tipo de trabalho...
— Bom, você terá uma chance de compensar por isso depois — disse Xigbar, soando como
se mal conseguisse conter o júbilo que a hipótese lhe trazia.
— As circunstâncias estão mudando a todo momento — disse Xemnas, a voz suave e
tranquila. — Devemos prosseguir com nosso trabalho com toda a seriedade.
Os outros membros o fitaram atenciosamente.

Ele conseguia ouvir o som das ondas...


— Axel!
Eu virei uma Penumbra...?
— Axel!
Alguém estava chamando seu nome. Ele abriu os olhos.
— ...Nami...né?
— Ah, graças aos céus!
Naminé se sentou na areia, cobrindo o rosto com o braço. O sol da tarde era ofuscante,
pensou Axel, enquanto assimilava seus arredores, ainda estirado no chão. Aquela parecia ser a praia
nas imediações de Twilight Town. Notando um homem de casaco negro junto à Naminé, ele
imediatamente se sentou.
— Não se mexa ainda. — Era a voz de Riku.
Tranquilizado, Axel permitiu-se deitar-se... até que notou que o estava fazendo no colo de
Naminé, e logo se sentou de novo.
— Axel...? — disse ela, inclinando a cabeça, apreensiva.
— Ah... Eu, hã... — Ele tentou inventar uma desculpa para ficar sentado quando devia
descansar, mas sua visão ficou turva e ele se viu obrigado a abaixar a cabeça de novo. Ainda não
149 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
podia se mexer. Usando seu colo como travesseiro, ele aceitou a gentileza com gratidão... e uma
pontada de vergonha.
— Você não é tão durão quanto aparenta. — Riku deu uma breve risada.
Axel lhe lançou um olhar cheio de desdém e então fechou os olhos.
— Nem todo mundo na Organização é tão forte quanto o Roxas — murmurou.
Naminé colocou sua pequenina mão na testa de Axel e ele não conseguiu se obrigar a afastar
o toque suave e reconfortante.
— Aquele outro, o Saïx... Ele é bem forte — destacou Riku.
Os olhos de Axel se abriram ligeiramente.
— Conhece ele?
— Sim. — Riku desviou o olhar para o horizonte. — Ele levou a Kairi.
Axel fechou os olhos novamente. Toda vez que os abria, o pôr do sol brilhava tanto que
chegava a machucar.
— Eu sei.
Riku não se mexeu, ainda focado na linha entre o céu e o mar.
— Sinto muito — disse Axel, mantendo os olhos fechados.
Então Riku se voltou para ele.
— Você devia agradecer à Naminé. Foi ela que te salvou do desaparecimento.
Diante dessas palavras, Axel fez um esforço para levantar as pálpebras de novo. Naminé o
estava observando em silêncio. No passado, ele havia se aproveitado dela por conta de seus poderes.
Nunca imaginou que esses mesmos poderes o salvariam.
— Desculpa... Er, digo, obrigado.
Teve que fechar os olhos de novo, junto ao som das palavras que deixavam sua boca. Nunca
tinha se desculpado com ninguém antes. Nem agradecido nada a ninguém.
Sem um coração, nunca houvera necessidade de fazê-lo.
Se não tinha um coração, havia algum sentido em dizer que se sentia solitário ou que sentia
muito ou que era grato por qualquer coisa?
As palavras não podiam ser de coração se não havia um coração com o qual senti-las.
Era uma verdade dolorosa. Mas mesmo esse sentimento, dor — o que poderia significar para
alguém que não tem um coração?
— E então, o que vai fazer agora? — Ele perguntou a Riku.
Riku se agachou perto dele para lhe responder com outra pergunta:
— Como posso ajudar a Kairi?
Axel abriu os olhos e então, devagar, começou a se erguer.
— ...Vai ter que se infiltrar no castelo. — Sua visão continuava embaçada e o corpo inteiro
doía. Mas não era hora de tirar um cochilo na praia.
Naminé o observava com uma preocupação evidente.
— E como eu faço para entrar no castelo? — perguntou Riku, ajoelhando-se na areia com
uma expressão semelhante no rosto.
— Não, deixa que eu vou. — Axel espiou sob o capuz de Riku, fitando-o nos olhos.
— Como isso vai funcionar? Você não é um fugitivo?
— Eu dou meus pulos. Você fica pra trás, só observando. O castelo é bem grande, sabe? —
O canto da boca de Axel se curvou para formar um sorriso. — Nesse meio-tempo, vou dar uma
olhada para descobrir o que a Organização tá tramando.
Ele se levantou, embora as pernas ainda estivessem bambas.
— Naminé, vamos garantir que você se encontre com a Kairi — disse a ela. — Você espera
na mansão.
— Sério? — Naminé se ergueu num salto e Axel sorriu para ela.
— Riku, volte à cidade de vez em quando. Vou explicar pra Naminé sobre a Organização.
— Axel fez um gesto quase imperceptível com o braço direito e criou uma passagem atrás de si. —
Vocês dois vão ajudar o Sora — disse a eles dentre um grande sorriso. — Deu pra memorizar?
— Você não quer transformar o Sora num Heartless? — perguntou Riku, de pé outra vez.
Axel deu de ombros.
150 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— Mudei de ideia.
— O que quer dizer com isso?
— Não sei se tô a fim de te contar.
Ainda com um sorriso no rosto, Axel desapareceu em meio ao portal negro.

O trio chegou em Hollow Bastion e seguiu para a casa de Merlin.


Sora ainda parecia apático. Então, enquanto avançavam, uma gigantesca horda de Heartless
cruzou seu caminho.
— Ah! — Quando recuaram um passo, esperando encontrar uma forma de contornar a luta,
os Heartless simplesmente fugiram.
— Tem mais Heartless que antes? — disse Pateta, preocupado.
Assim que disse isso, pequenos grupos de Nobodies também surgiram mais à frente, como
se estivessem perseguindo os Heartless, e, em meio a seus movimentos contorcidos, também
desapareceram de vista.
— Poxa, será que tá acontecendo alguma coisa? — disse Pateta, olhando para Sora.
— Vamos dar uma olhada com o pessoal! — incitou Sora.
Os outros dois assentiram e todos avançaram pelo mercado e subiram as escadas para a área
residencial da cidade. Na subida, Donald parou, subitamente lembrando-se de alguma coisa.
— Será que aquele picolé está pronto?
No alto dos degraus estava Patinhas, andando de um lado para o outro como antes, com um
picolé nas mãos.
— Tio Patinhas! — Donald bamboleou em sua direção.
— Ora, olá, meus rapazes. Continua tudo bem vocês?
— Sim! E com você, tio Patinhas? — perguntou Donald.
— Ah, eu estava tão perto de recriar aquele sabor... — Patinhas suspirou pesaroso diante do
picolé azul claro em suas mãos.
— Posso provar? — Sora se inclinou em direção à guloseima tentadora, assim como antes.
— Bom, vá em frente, mas...
Assim que Patinhas respondeu, Sora se inclinou só um pouco mais e deu uma mordida.
— Não tem gosto de nada — murmurou. A bela cor do picolé prometia uma sobremesa
deliciosa, mas não havia sabor nenhum.
— Eu me livrei da amargura, mas... — Patinhas parecia desconsolado.
— Você esqueceu como devia ser o sabor? — perguntou Donald.
— Juro pela minha vida, não consigo lembrar... Que cidade era aquela onde eu costumava
tomá-lo...? — Patinhas pareceu se afundar em profunda concentração.
— Tenho certeza que você vai ter acertado na próxima vez que passarmos por aqui!
Sora lhe abriu um sorriso, tentando encorajá-lo. Mesmo uma única mordiscada de um picolé
completamente sem sabor parecia tê-lo alegrado um pouco.
— Mal podemos esperar! — acrescentou Sora, e Patinhas assentiu. Ele se voltou para os
companheiros. — Vamos, temos que encontrar o Leon e o pessoal!
Consideravelmente mais animado agora, ele saiu correndo pela rua.

Quando chegaram ao distrito residencial, ele estava fervilhando de Heartless — e não só


Heartless, mas Nobodies também, circulando por ali como se a cidade fosse deles.
— O que tá acontecendo aqui? — indagou Sora enquanto atacava os Nobodies. Como
alguém conseguiria restaurar Hollow Bastion daquele jeito?
— Sora!

151 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
Ouvindo seu nome, ele se virou e deparou-se com Yuffie, que carregava sua estrela ninja
gigante consigo.
— Então vocês voltaram! — Ela foi correndo até eles.
— O que aconteceu com esse lugar? — perguntou ele.
— Hm, bem... — Yuffie arremessou a estrela ninja, eliminando os Heartless próximos. —
Talvez não devêssemos ter aberto os portões do castelo.
— Do castelo...? Aquele castelo? — O lugar onde haviam enfrentado Malévola permeou a
mente de Sora.
— Sim. Ah, mas encontramos o computador que o Ansem usava!
— Isso é uma ótima notícia! — disse Donald, esbordoando os inimigos com seu cajado.
— O Leon e o resto do pessoal estão indo pra lá agora. Por que não vão atrás deles?
— Beleza! — Sora obliterava mais algumas das criaturas enquanto respondia. — Espero que
a gente consiga descobrir alguma coisa sobre o Riku e a Kairi...
— E sobre o rei também! — acrescentou Pateta, impelindo um Nobody com seu escudo.
— He, he. Bom, não machuca dar uma olhada! — exclamou Yuffie, como se estivesse se
divertindo como nunca na vida. — Deixem a cidade comigo, galera!
O trio acenou com as cabeças e se enfiou em meio ao aglomerado de Nobodies e Heartless,
disparando em direção ao castelo.

Em Hollow Bastion, os Heartless e Nobodies não infestavam apenas a cidade — também


estavam à espreita por todo o caminho até o castelo. Finalmente, o trio chegou a um pequeno pátio
que felizmente estava vazio.
— Por que tem tantos?! — esbravejou Donald, gesticulando com o cajado em meio a seu
temperamento habitual. Os Heartless e Nobodies não eram particularmente fortes, mas certamente
havia muitos deles.
— Por aqui, Sora — disse uma voz suave. Eles se viraram depressa, deparando-se com mais
uma amiga.
— Aerith! Vocês acharam o computador do Ansem?
— Aham. E o rei está muito interessado nele.
Donald e Pateta se sobressaltaram diante dessas palavras.
— O rei?!
— Ele está com o Leon. — Aerith sorriu enquanto entregava as boas novas.
— Uhul!
— Nós vamos ver o rei!
Donald e Pateta se abraçaram e dançaram em círculos, celebrando com as mãos juntas.
— Hã, Aerith... o Riku está com eles? — perguntou Sora timidamente. Ela balançou a
cabeça em resposta. Isso o deixou um pouco cabisbaixo, mas ele logo se recuperou. — Bom...
Talvez o rei saiba alguma coisa sobre ele!
— Talvez! — disse Aerith. — Venham, vamos até o estúdio.
Eles assentiram e adentraram o castelo por uma pequena entrada lateral. Então, ao final de
um labirinto de corredores, encontraram uma porta bastante modesta.
— Aqui. — Aerith lhes mostrou a entrada e o trio avançou.
A pequena sala redonda estava abarrotada de livros e repleta de frascos de vidro quebrados.
Os detritos sobre a grande mesa sugeriam que alguém estivera trabalhando em algum tipo de
projeto ali e, mais adiante, havia um único retrato pendurado na parede.
— Esse é... o Ansem? — Pateta inclinou a cabeça diante da pintura. O homem aparentava
ser mais jovem que o Ansem com quem se lembravam de ter lutado.
— Aqui deve ser o estúdio do Ansem — murmurou Sora.
— Aí estão vocês — disse uma outra voz.
— Leon! — Os três correram até ele, inclinado contra a parede mais adiante.

152 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— O Rei Mickey também tá aqui, né?! — disparou Sora, quase ávido demais.
— Vocês logo o verão.
Donald bateu o pé.
— Logo quando?
— Aqui, isso vai distraí-los nesse meio-tempo. — Leon manipulou algo na parede atrás de si
e, sem fazer o menor barulho, ela se abriu. — O laboratório de computação do Ansem fica por aqui.
Diante desta informação, o trio passou pela passagem sem esperar um momento sequer.

O Rei Mickey vagava pelos corredores sinuosos. Ele também queria ver Sora, Donald e
Pateta, mas tinha algo a mais pesando em sua cabeça. Havia sentido uma certa presença ali em
Hollow Bastion. Tinha certeza disso.
O rei ergueu o olhar para a parede quebrada e murmurou o nome com a voz baixinha:
— Riku...
Depois que seguiram rumos diferentes em Twilight Town, Riku havia desaparecido em meio
aos Corredores das Trevas, comprometendo-se a ajudar Sora. E se Riku estava atrás de Sora, não
seria estranho deparar-se com ele ali.
Mas o Rei Mickey só o sentiu por um momento e agora a sensação se fora.
Se pudesse, também gostaria de ver Riku... mas talvez fosse demais pedir por isso agora.
Talvez fosse sua própria culpa seu amigo ter sido tomado daquela forma.
O Rei Mickey decidiu vasculhar a área mais uma vez.

Riku avançava em silêncio pelo castelo de Hollow Bastion. Passara uma grande quantidade
de tempo ali antes e, embora algumas partes do lugar tivessem desmoronado, ainda era sem a menor
sombra de dúvidas o castelo do qual se lembrava. Onde cada palavra doce de Malévola se tornava
um convite que o puxava para as trevas.
Sob o capuz, ele abaixou o olhar.
Aquelas memórias eram dolorosas, mas fazia sentido para ele usá-las agora. Como estava
tentando se redimir pelo que fez no passado, a dor era ironicamente reconfortante.
Além do mais, Sora e os outros dois não eram os únicos que sentira em algum lugar da
grande cidade. O Rei Mickey também estava lá.
Talvez eu tenha traído o rei, pensou Riku.
Ainda que o tenha feito, eu já me decidi. Mas... quando escolhi deixar as ilhas, eu sabia que
faria tudo o que fosse preciso. E agora, estou fazendo tudo o que for preciso para ajudar o Sora.
Será que tudo o que estou fazendo é cometer os mesmos erros, de novo e de novo?
Ele deu um breve suspiro e ergueu o olhar novamente. E então chamou pelo nome da bruxa
que o tentara a sucumbir às trevas quando tudo aquilo começou:
— Malévola.
Nada à sua volta mudou. Chamou novamente, dessa vez mais alto:
— Malévola!
Quando sua voz se dissipou, o espaço vazio diante de si se distorceu e a bruxa surgiu em
meio a um redemoinho negro.
— Quem é você? — disse Malévola, a voz fria como gelo. Riku puxou o capuz para trás.
— Eu vim aqui para vê-la.
Os arcos finos de suas sobrancelhas se retraíram.
— Ansem...? Não. Você... é o Riku?
Ele assentiu em silêncio, contando-lhe a verdade.

153 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
No final da passagem havia outra sala com um grande computador e sua tela e, do lado
oposto à instalação, um misterioso dispositivo vermelho.
— É isso? — Sora correu até o computador e começou a digitar coisas no teclado. A
máquina estalava e zunia suavemente. — Cadê a Kairi? E o Riku?
Sora começou a apertar as teclas com mais força, esperando que a tela respondesse, mas não
conseguia fazer com que nada acontecesse.
— Vai! Fala alguma coisa! — Ele bateu com as mãos no teclado, frustrado.
Leon se aproximou por trás dele e o deteve.
— Vai com calma... Tá querendo quebrar?
— Desculpa... Acho que me empolguei um pouco demais. — Sora se virou para Leon, os
ombros caídos. Era extremamente irritante estar tão perto de uma potencial informação sobre Kairi
e Riku sem fazer ideia de como usar aquela enorme máquina para acessá-la.
— Ah, dá um tempo! Sai da frente, Sora! — Donald o tirou do caminho e começou a tentar
por conta própria.
— Você sabe como usar, Donald?
Ele olhou para Sora, encabulado.
— Na verdade não, mas...
— Então do que adianta...? — reclamou Sora.
Um instante depois, um bipe que soava bastante importante começou a vir do computador.
— Conseguimos! — exclamou Sora, checando a tela... mas ainda não mostrava nada.
Em vez disso, uma voz ameaçadora ribombou pela câmara:
— Atenção, usuário atual. Isto é uma advertência. O uso impróprio futuro deste terminal
resultará em ação defensiva imediata.
— Quem tá aí? — disse Sora.
— Sou o Programa Master Control. Eu supervisiono este sistema.
O que aquilo queria dizer? Confuso, Sora tentou fazer mais perguntas:
— Você sabe alguma coisa sobre o Riku ou a Kairi?
— Iniciando ação defensiva — anunciou a voz. — Vocês agora estão sob custódia.
Um raio de luz foi disparado do dispositivo atrás deles.
— Corram! — gritou Leon, mas era tarde: assim que o raio atingiu Sora, Donald e Pateta, os
três desapareceram.

154 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
155 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— SORA!
O garoto acordou ao som de seu nome.
— Donald...?
— Ah, que bom!
Pateta também se inclinou em cima dele, apreensivo.
— Onde estamos...?
Sora se encontrou em um estranho lugar banhado por uma luz azulada em meio a uma rede
de linhas brilhantes que pareciam se conectar a algum lugar. Sora estreitou os olhos.
— Que tipo de mundo é esse, afinal?
— Vocês estão dentro de um sistema de computador central — disse uma voz desconhecida.
— Um sistema de quê?! — repetiu o trio, notando um homem empoleirado em frente a uma
tela. Usava uma roupa coberta de linhas azuis radiantes, semelhante à sala em si, e ele lhes abriu um
sorriso gentil.
— Um sistema de computador, para processamento de dados. Este sistema é uma cópia de
um que foi criado por uma empresa chamada ENCOM — explicou o sujeito, desimpedido, e então
se ergueu para se aproximar deles. — O programa original foi destruído, mas esta cópia foi
adquirida por outro usuário. O novo usuário atualizou e customizou os programas, renomeando o
sistema para “SO Hollow Bastion”. Ele usava o sistema para a manutenção da cidade e também
para conduzir uma pesquisa pessoal.
O trio tentou assimilar tudo aquilo, ainda completamente desnorteados. Finalmente notando
como estavam perdidos, o homem coçou a cabeça.
— Meu nome é Tron. Sou um programa de segurança — disse a eles com um grande sorriso
no rosto. — Mas agora estou sob custódia, assim como vocês.
Mas isso não pareceu clarear as coisas.
— Você entendeu alguma coisa do que ele disse? — Sora sussurrou para Pateta.
— Hã, talvez a gente devesse só se apresentar — disse Pateta, não muito preocupado com
isso. Sora e Donald concordaram.
— Eu sou o Sora.
— E eu sou o Donald.
— É um prazer conhecê-lo, Tron. Eu sou o Pateta.
Tron cruzou os braços.
— Com essa configuração, imagino que sejam usuários.
— Usuários? — Sora inclinou a cabeça.
Em vez de explicar, Tron expressou sua preocupação para com outra coisa:
— É melhor saírem daqui depressa. Não há como saber o que o MCP fará com vocês.
Sora não conseguia acompanhar nada do que Tron dizia.
— MCP...?
— O Programa Master Control. Ele controla todo o sistema. Se ficarem por aqui, acabarão
sendo desresolucionados!
— Desresolucionados?! — Donald deu um pulo.
— Então como que a gente sai daqui? — perguntou Sora, desesperado. Desresolução parecia
algo bem ruim.
— Este terminal deve poder enviá-los de volta ao mundo dos usuários. — Tron fez menção
à tela atrás de si.
— Uhul! — Pateta correu até lá.
— Mas o MCP cortou a energia cinquenta microciclos atrás. Se conseguíssemos reativar o
núcleo de energia no desfiladeiro, poderíamos trazer a energia de volta. O problema... é que estamos
presos aqui. — Tron indicou a porta em um dos cantos da sala.
— A porta não abre?
— Isso mesmo...
Sora se aproximou e empunhou a Keyblade. A Keyblade brilhou — e a porta se abriu.
— E aí? Como chegamos nesse tal de núcleo de energia? — Sora abriu um sorriso para o
novo amigo.
156 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— Notável! Parece que vocês têm funções únicas — disse Tron, observando maravilhado.
— Seguirei com vocês até o desfiladeiro. Vão precisar de alguém que possa interagir com o núcleo
de energia, correto?
— É... Valeu, Tron! — disse Sora.
Ele respondeu com um aceno amigável da cabeça.

Fora da cela havia um corredor estreito e Heartless de um tipo que nunca tinham visto antes
pareciam estar só esperando para emboscá-los.
— Ora bolas, eles também estão aqui?! — Pateta ergueu o escudo.
— O MCP provavelmente os liberou para poder lidar com a sua infiltração — disse Tron,
imperturbável.
— Sério? Que droga! — Com a Keyblade em mãos, Sora partiu para o combate e acabou
com os Heartless.
— Você é mesmo incrível! — exclamou Tron, impressionado, depois que a batalha acabou.
— É, sabe como é.
— Mas como foi que o MCP os capturou para começo de conversa? — perguntou Tron
enquanto prosseguiam.
— Não sei dizer... Ah, é! Tron, você sabe alguma coisa sobre Kairi e Riku? — indagou
Sora, esperançoso.
— Kairi e Riku?
— São amigos dele! — explicou Pateta.
— Não... Eu não sei — respondeu Tron. — Mas talvez vocês descubram alguma coisa se
acessarem a PDT.
— PDT...? — repetiu Sora.
— É um banco de dados restrito. Não sei qual é a senha atual, então não tenho acesso a ele.
Mas as palavras-chave que levaram o MCP a prendê-los devem estar lá, junto a outros dados
privados — explicou Tron enquanto avançavam pelo corredor.
— O que isso significa?
— Significa que o MCP deve ter sido programado para prender automaticamente alguém
que perguntasse sobre a Kairi ou o Riku.
Sora olhou para Donald e Pateta.
— Enfim, temos que tirar vocês daqui primeiro — disse Tron. — Vamos.
Eles assentiram e atravessaram a passagem adiante.

A equipe chegou a uma área bastante espaçosa com um gigantesco dispositivo no centro.
— Esse é o núcleo de energia? — perguntou Sora.
— Isso mesmo. — Tron começou a digitar alguma coisa em um teclado que havia diante do
dispositivo. O terminal zumbiu em meio a um farfalhar baixo e o azul luminescente dos circuitos
brilhou até se tornar um branco cintilante.
— E aí, missão cumprida? — disse Sora.
— Sim. — Tron abaixou a cabeça, parecendo um pouco tímido. — Na verdade... será que
vocês poderiam fazer algo por mim?
— Com certeza! — Sora respondeu imediatamente.
— Não querem ouvir o que é primeiro?
— Você ajudou a gente, então agora é a nossa vez — disse Donald, radiante, como se
declarando o óbvio.
— Vocês são mesmo usuários. Suas ações são totalmente ilógicas.
Mais uma vez, Sora repetiu o que ele disse:
157 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— Ilógicas?
Tron teve que sorrir.
— Esqueça. — Ele balançou a cabeça e seguiu para um pequeno terminal no canto da sala,
similar ao que havia na cela. Tron começou a manusear o teclado e então a tela brilhou.
— E aí, o que você quer que a gente faça?
Tron se voltou para eles.
— Encontrem o meu usuário. Ele lhes dará a senha de acesso à PDT.
— Entendido! — respondeu Donald em meio a uma saudação.
— Hm...
— PDT é o nome que o meu usuário deu ao banco de dados — explicou Tron por cima do
ombro. — Cópias de todos os programas do sistema original estão armazenadas lá, junto a qualquer
coisa que seja sensível ou restrita.
— Um banco de dados restrito? Então é lá onde ficam todas as coisas secretas? — perguntou
Pateta, observando o programa que mais parecia uma pessoa, seus dedos dançando sobres as teclas.
— Sim. Várias das minhas funções me foram tomadas no meu último embate contra o MCP.
Por isso eu preciso da senha. Mas se conseguir entrar na PDT, posso acessar o meu programa de
backup original e restaurar todas as minhas funções. Então poderei fazer com que esse sistema volte
a ser como era antes do MCP assumir o controle e mudar tudo. Da forma como deveria ser: um
sistema livre para vocês, os usuários.
Confuso, Pateta inclinou a cabeça.
— Poxa, Tron...
— O quê? — Ele fez uma pausa e olhou para trás.
— O MCP também não é um desses programas? Você sabe quem foi que fez ele?
— Bom...
Eles esperaram, mas Tron não parecia ter uma resposta.
— Na verdade, eu não sei — admitiu, abaixando um pouco os ombros.
— Tá, só temos que achar o seu usuário e perguntar a senha pra ele — disse Sora. — Qual o
nome dele?
— Então vocês não sabem? Meu usuário é o usuário deste sistema: Ansem, o Sábio.
— Ansem?!
Os três olharam novamente de um para o outro. Nunca imaginaram que Ansem teria criado
um sistema como aquele.
— Sabe, Tron... — Sora começou a dizer.
— Sim? — Assim que Tron respondeu, as constantes luzes azuladas da sala começaram a
brilhar em um tom de vermelho. — Parece que o MCP está atrás de nós. Vou manter este terminal
ativo e funcionando. É melhor vocês deixarem o sistema, agora!
Ele se voltou para a tela novamente.
— Hã, Tron, o Ansem tá...
— Nós vamos conseguir a senha! — Pateta puxou Sora pelo braço.
— Certo. Vocês precisam ir. Rápido! — incitou Tron, e uma forte luz emanou da tela. O trio
desapareceu em meio a ela, assim como quando chegaram.

Leon ficou olhando para a tela depois que seus amigos desapareceram — a ficou encarando,
na verdade. Se tentasse mexer com o computador, era provável que o mesmo também acontecesse
consigo. Não podia tocar ali se não tivesse certeza absoluta do que estava fazendo.
— Sora... — murmurou.
E então, de repente, uma luz brilhou atrás de si.
— O que é isso agora?!
Quando se virou, Sora, Donald e Pateta se materializaram diante de seus olhos.
— O que vocês...?

158 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— Conseguimos! — Ignorando completamente o choque no rosto de Leon, o trio se abraçou
com toda a alegria.
— Onde vocês estavam? — indagou Leon.
Eles se soltaram e explicaram tudo para Leon. Nem tudo o que Tron havia dito fez muito
sentido para eles, mas conseguiram repassar as partes mais importantes.
Quando pararam de falar, Leon deu um grande suspiro.
— Então, basicamente, não podemos acessar os dados de pesquisa do Ansem se não
soubermos a senha... Mas vocês já derrotaram o Ansem...
— Poxa, talvez a gente nunca vá conseguir achar essa senha. — Pateta cruzou os braços,
tentando pensar.
— Quer dizer que estamos num beco sem saída — disse Leon.
O grupo trocou olhares, tentando ver se alguém tinha alguma ideia.
— Será que a gente não consegue descobrir alguma coisa se dermos uma olhada no estúdio
do Ansem...? — disse Sora, pensando alto.
— Muito bem — concordou Leon. — Vocês três procuram no estúdio. Eu vou dar mais uma
olhada nesse computador.
O trio assentiu e seguiu de volta pela passagem adiante.
— Vocês acham que “PDT” quer dizer alguma coisa? — ponderou Pateta.
Sora inclinou a cabeça.
— Processamento... de Dados... e sei lá mais o quê?
— Enfim, vamos ver se encontramos alguma pista! — Donald correu em direção ao estúdio
de Ansem com Sora e Pateta logo atrás.
O estúdio, obviamente, continuava uma bagunça. Eles abriram até o último livro, folhearam
as anotações espalhadas pela mesa, reviraram absolutamente tudo.
— Digam, pessoal, o que estão aprontando?
Donald, pego de surpresa em meio a seus pensamentos, se ergueu num pulo de seu lugar em
cima da mesa — e só então reconheceu a voz.
— Vossa Majestade!
Não muito bem escondido sob um casaco negro, lá estava o Rei Mickey. Pateta prontamente
o tomou em um grande abraço e Donald logo se juntou a eles. O rei deu risada, a saudação deles
praticamente o jogando no chão.
— Uou!
— Por onde o senhor andou, Vossa Majestade?! — perguntou Donald, fitando-o de perto.
— Shh! — O Rei Mickey ergueu um dedo diante dos lábios. — A Organização XIII pode
estar ouvindo.
Ele se levantou devagar, olhando de um lado para o outro.
— É bom vê-lo novamente, Vossa Majestade! — Sora abriu um sorriso quando Donald e
Pateta finalmente conseguiram se acalmar.
— Estavam procurando alguma coisa?
— A senha da PDT.
— PDT? — O Rei Mickey inclinou a cabeça, pensativo. — O que isso quer dizer?
— Hm, bem... — Sora não tinha exatamente uma resposta. O recém-chegado apontou para
alguns rabiscos na parede.
— Hã? — O trio se aproximou para olhar mais de perto.
Tinham vasculhado tudo naquela sala, mas não prestaram atenção em uma anotação que
havia sido feita na parede — uma única frase, rabiscada em letras pequenas.
— “Porta das Trevas”? — Sora tocou as letras com as pontas dos dedos. — P... D... T...
— PDT! — Donald e Pateta exclamaram em uníssono.
— A Porta das Trevas... Era o que Ansem estava tentando abrir — explicou o Rei Mickey.
Todos se entreolharam. — Mas isso só pode acontecer com as sete princesas... Lembram?
O trio assentiu. Com a ajuda dos outros inimigos que enfrentaram, Ansem havia capturado
as sete Princesas de Coração para que pudesse abrir a porta.
— Mas e então, o que estão tentando fazer? — perguntou o Rei Mickey.
159 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
Sora explicou a parte que conseguia entender.
— Se encontrarmos a senha, vamos poder acessar os dados de pesquisa do Ansem.
O rei abriu um sorriso.
— Ah! Então talvez consigam descobrir onde ele está!
— Ah, para de brincadeira — disse Sora. — A gente já derrotou o Ansem! Você sabe disso.
Por que o rei iria querer encontrar Ansem tanto tempo depois de o terem derrotado? O Rei
Mickey pareceu ficar encabulado consigo mesmo.
— ...Parece que eu tenho muitas explicações a dar.
— Estamos ouvindo, Vossa Majestade! — Donald ficou bem perto do rei, como se não
pudesse suportar perdê-lo de vista nem por um único momento.
— Mas pessoal, não tem alguém esperando pela sua ajuda?
Sora, Donald e Pateta trocaram olhares novamente.
— Não se preocupem — disse o rei dentre um sorriso reconfortante. — Estarei bem aqui na
cidade. Não vou a lugar nenhum. Se os Heartless atacarem, vou ficar e lutar junto com os outros.
— E nós também! — Sora sorriu de volta.
— É uma promessa, certo?! — pressionou Donald.
— A gente se vê quando vocês voltarem. — O rei assentiu para eles e o trio partiu de volta
para o laboratório de computação.

Quando chegaram, encontraram Leon olhando para a tela, perplexo.


— Leon! — Sora correu até ele.
— Descobriram a senha?
— Sim! — disse Pateta.
— Então vão entrar de novo?
Sora assentiu.
— Nos vemos já!
Leon passou os dedos por algumas teclas e o raio laser do dispositivo atrás deles novamente
disparou contra Sora, Donald e Pateta.
Após alguns momentos no escuro, um brilho azulado familiar iluminou a sala ao redor deles
— aparentemente, estavam no mesmo lugar onde haviam conhecido Tron.
— Cadê o Tron? — indagou Sora, procurando pelo amigo... até que finalmente o encontrou,
caído no chão. — Tron!
Sora correu até ele, que pareceu acordar quando ouviu chamar seu nome. Ele se levantou,
fraco e vacilante.
— Não compreendo. Por que estão aqui...?
— Viemos te dar a senha!
Tron esfregou a testa, parecendo transtornado.
— Por que não só transmitiram os dados?
— “Transmitir”? — perguntou Donald, mas antes que Tron pudesse explicar, suas pernas
cambalearam e quase cederam sob seu corpo. Por pouco, Sora conseguiu segurá-lo.
— Ei, você tá legal?
Tron abriu um sorriso fraco.
— Vou ficar bem... quando acessarmos a PDT.
— Bem, beleza, mas... — Os três ficaram olhando para ele, preocupados.
— Vamos indo. — Ainda aos tropeços, Tron tentou avançar e, para ajudá-lo, Sora pôs o
ombro embaixo de seu braço.
— Tem certeza que você tá bem?
— Sim...
Era difícil dizer por conta da luz azulada, mas Tron parecia terrivelmente pálido.
— O MCP fez alguma coisa com você? — perguntou Pateta, inquieto.

160 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— ...Não se preocupem. — Tron sorriu, sem confirmar nem negar nada. — A PDT não fica
longe. Vamos.
Os quatro prosseguiram com Tron apoiado em Sora. A rota para a PDT estava enfestada de
Heartless, mas eles logo conseguiram atravessá-la.
A sala que abrigava o banco de dados restrito tinha três grandes telas.
— Essa é a PDT? — disse Sora.
— Sim... Agora, qual é a senha? — Tron pousou as mãos sobre o teclado diante das telas.
— Hã, Bela... Branca de Neve... — Tron digitou os nomes conforme Donald lhe passava.
Pateta continuou a lista:
— Aurora, Alice, Jasmine, Cinderela...
Antes de dar o último nome, ele se virou para Sora.
— Kairi — pronunciou Sora, devagar.
— Kairi, certo? — Tron olhou de volta para Sora para confirmar. Ele assentiu.
— K-A-I-R-I...
Assim que Tron terminou de digitar, a tela começou a piscar.
— Funcionou! — Ele pulou e fez uma pose de vitória.
A senha lhes havia conferido acesso à PDT. Ele posicionou a mão com a palma para baixo
sobre um painel diante da tela e sua roupa começou a brilhar em tons de azul e branco.
— Estou bom como novo! Todas as minhas funções foram restauradas! — Tron disse a eles
com um sorriso no rosto. Ele de fato parecia mais saudável.
— Que ótimo, Tron! — Sora sorriu de volta... mas então, de súbito, o toque de um alarme
preencheu a câmara.
Uma voz começou a gargalhar de forma sinistra:
— Ha, ha, ha, ha! Finalmente, tenho total acesso à PDT! Meu domínio sobre o sistema agora
está completo. Poderia ter previsto uma senha assim tão simples...
— Isso acaba agora, MCP! Não vamos deixar que faça isso! — gritou Tron.
— Hm, o que é isso? Um programa de destruição de emergência para a cidade. Vejamos
como ele funciona...
— Não! — Os dedos de Tron cruzaram o teclado num piscar de olhos.
— Programa! Você mudou a senha! — vociferou o MCP. Tron o ignorou.
— Isso deve nos dar algum tempo — disse ao trio.
— Tron, conta pra gente o que tá acontecendo! — exclamou Sora.
— O MCP está carregando um programa hostil na torre I/O.
— Poxa, isso quer dizer que Hollow Bastion vai ser destruída?
— Wak! O que a gente faz?!
— Devemos proteger a cidade dos usuários. Vamos seguir para a torre! — disse Tron, e o
trio logo assentiu em resposta.

Um enorme pilar com luzes vermelhas ao longo de toda a sua extensão se assomava rumo ao
céu estranho daquele mundo. Sora ergueu o olhar em sua direção.
— Então essa é a torre I/O...?
Ao lado, Tron seguia até um terminal próximo quando ouviram um grande estrondo — e
algo gigantesco caiu do céu. Dois braços de aspecto poderoso se projetavam de um corpo redondo
coberto de espinhos.
Podia ser um Heartless, mas Sora percebeu que se tratava do programa hostil que deveria
destruir a cidade. Ele definitivamente radiava hostilidade.
— Lá vem ele! — Sora empunhou a Keyblade.
— Estou decepcionado com você, programa — declarou a voz do MCP, vindo de algum
lugar sobre suas cabeças. — Por que insiste em se aliar a esses usuários egoístas?

161 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— Porque eu quero ajudá-los. — Tron deu um passo em frente. — Há algo escrito no meu
código que me comanda a fazer o que é certo.
— Mesmo? E que comando seria este?
Tron ponderou sobre a pergunta por um instante antes de responder, olhando para seus
novos companheiros.
— Não sei dizer ao certo.
— Amigos ajudam uns aos outros, simples assim! — declarou Sora. — Uh-oh! Cuidado!
Assim que Sora terminou de falar, o programa disparou um laser de seu braço.
— Ngh! — Tron se esquivou e começou a correr.
— Chamas! — Donald conjurava suas magias enquanto Pateta se lançava contra o programa
com seu escudo em mãos.
E então, em meio a um grande tinido, o programa ficou imóvel por um instante.
— Hã...? Ele parou?
— Não baixem a guarda! Ele só travou!
Tron se lançou sob o programa e sacou o pequeno dispositivo que estava carregando para
começar a digitar algo nele.
— Sora! — chamou. O dispositivo emitiu um raio que pareceu avariar o programa.
— Deixa comigo! — Sora deu um salto e atacou o programa com a Keyblade.
No instante seguinte, uma forte luz irrompeu dos vãos entre suas peças e o inimigo caiu aos
pedaços. Tron e Sora bateram as mãos no alto.
— Conseguimos!
— Isso já tira um grande peso das costas — acrescentou Donald, animado.
— Muito bem, é melhor eu tirar os usuários daqui.
Tron seguiu rumo ao terminal mais ao lado e se abaixou junto ao teclado.
— Com todas as minhas funções de volta à ativa graças ao backup, acho que tenho uma
chance de reaver o controle do sistema do MCP. Tenho que trabalhar rápido. É o que o meu usuário
iria querer. — As teclas iam estalando enquanto ele falava.
— O que o seu usuário... o que o Ansem iria querer... — murmurou Sora. Donald e Pateta
olharam para ele.
— Sora...?
— Eu sei. Vou contar a ele. — Sora assentiu. Tron ainda estava concentrado na tela. —
Escuta, Tron...
— Sim? — Ele parou e se voltou para eles.
— Nós não conseguimos a senha com o Ansem. — Sora disse a ele. — A gente só meio que
achou ela lá no mundo dos usuários. Foi por acaso. E tem mais uma coisa. O Ansem... ele era nosso
inimigo. Quer dizer... ainda é, eu acho.
Tron estreitou os olhos de leve e então se levantou.
— Na verdade... ele também é meu inimigo. — Sua voz soou determinada.
— Como assim? — perguntou Sora.
— Ansem pegou o sistema original da ENCOM e o customizou para uso pessoal. Eu fazia
parte desse sistema original, e o Ansem também me modificou. É isso o que faz dele o meu usuário.
O trio assentiu, conseguindo acompanhar o raciocínio.
— Mas também foi ele quem fez o MCP ser como é agora. O Ansem que eu conhecia jamais
faria isso. Sinto muito por não ter lhes contado.
— Tá na boa, mas... — Sora inclinou a cabeça. — Agora é que eu não tô conseguindo
entender mesmo.
Ansem tinha criado aquele sistema para proteger Hollow Bastion, mas depois ele o alterou?
Se esse fosse o caso, Sora não fazia ideia do que Ansem poderia estar tentando fazer.
— Não creio que entender esteja na minha programação — disse Tron. — Mas creio que
serão usuários como vocês que finalmente vão conseguir compreender. Vocês têm a habilidade de
tomar rotas ilógicas e ainda chegar às respostas que buscam. — Ele deu de ombros em meio a um
sorrisinho tímido. — É melhor irem logo, antes que o MCP comece a agir outra vez!
Tron fez menção para que ficassem diante da tela.
162 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— Todos os dados que precisarem da PDT poderão ser acessados através do terminal do
meu usuário. Vou manter um canal de acesso dedicado aberto para vocês. E como mudei a senha,
vocês não terão que se preocupar com o MCP por um tempo.
— Canal... de acesso? — repetiu Sora.
Por algum motivo, Tron deu risada.
— Sabia que perguntaria. É um elo muito importante entre os nossos mundos. É como nos
mantemos conectados.
Aquilo fazia sentido — ou pelo menos parecia certo.
O trio assentiu e, por fim, um dispositivo na tela disparou o raio já familiar contra eles.
— Sora. Meus amigos são a nova senha! — Tron disse a eles enquanto iam se apagando e
pixelando em meio à transferência.
Os amigos do Tron.
— Isso quer dizer...?
Tron ergueu um dedo diante dos lábios e então abriu um sorriso.
— Não deixem o MCP escutar. É melhor irem!
— Obrigado, Tron! Se cuida! — disse Sora enquanto acenavam para Tron.
— Vocês também. E desejem o meu melhor para os outros usuários! — Eles ouviram Tron
dizer enquanto desapareciam do sistema.

— Tudo resolvido! — anunciou Sora, cheio de entusiasmo, assim que voltou ao laboratório
de computação em Hollow Bastion.
— Vejam isso. — Leon apontou para a tela, como se só estivesse esperando para lhes dizer
alguma coisa.
A tela do computador mostrava pequenas caricaturas de Sora, Donald e Pateta com a palavra
“OBRIGADO!” como legenda.
— Aguenta firme, Tron — disse Sora, a voz suave, enquanto olhava para a imagem.
— E aí... Por onde começamos? — perguntou Leon.
— Já sei! Vamos acessar a PDT! — Sora foi até o computador e inclinou-se sobre a tela.
Atrás dele, Donald e Pateta examinavam a sala, procurando alguma coisa.
— O rei está checando a situação na cidade — disse Leon. — Não se preocupem, ele logo
vai voltar.
— Bom saber! — Donald sorriu aliviado.
— Tá... como a gente usa isso aqui? — perguntou Sora.
— Só um segundo. — Leon começou a digitar. — Ei, está pedindo uma senha.
Ele se voltou para o trio, esperando que tivessem alguma coisa.
— Ah, essa é fácil! — Pateta se aproximou da tela, animado. — É...
— Sora! — O garoto o interrompeu, falando o próprio nome.
— Sora...? — Leon franziu o cenho, incerto, enquanto voltava a digitar.
— Donald!
— Pateta!
Os outros dois completaram a lista.
A senha era “os amigos do Tron” — o que só podia ser seus nomes.
— Ora, vejam só... Direto ao ponto — comentou Leon.
— Funcionou? — Sora fitava as mãos de Leon sobre o teclado.
— Sim, entramos. Agora tenho que ir à cidade para ver como estão as coisas.
— Você não vai dar uma olhada nos dados? — reclamou Sora. — Não foram exatamente
fáceis de conseguir!
— Eu volto já. Sora, por que não vai começando a carregar e copiar os dados?
Sora piscou, um pouco confuso com as instruções.

163 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— São só umas tecladinhas. Fácil, não é? — Leon se foi em meio a um breve aceno e não
olhou para trás.
— ...Acha que consegue? — disse Donald, não parecendo muito confiante.
— Talvez, se você não ficar no meu pé! — Sora se aproximou do teclado e, respirando
fundo, tentou apertar o maior dos botões. A tela imediatamente exibiu alguma coisa: uma série de
perguntas para eles. — Eita...! Tá fazendo alguma coisa!
— “O que gostaria de pesquisar?” — disse Pateta, lendo em voz alta.
— Riku e Kairi! — Catando as teclas com os indicadores, Sora digitou seus nomes.
O monitor exibiu uma barra de progresso e então ficou vermelho, claramente indicando que
algo estava errado. Uma voz veio do computador:
— Não há dados.
— Não acredito... — Sora desabou, desconsolado. — Nem o computador do Ansem sabe...?
Eu realmente achei que íamos encontrar alguma coisa sobre o Riku e a Kairi aqui. Ele se
afastou da estação de trabalho e Pateta assumiu seu lugar.
— O que está fazendo? — perguntou Donald.
— Bom, pensei que podíamos perguntar ao computador sobre os Nobodies.
Completamente concentrado, Pateta franziu o cenho e preencheu o campo de busca. Dessa
vez, a tela respondeu com várias linhas de texto incompreensíveis.
— O que é isso tudo? — murmurou Sora, atrás de Pateta.
— Os dados estão corrompidos. — A mesma luz vermelha de antes se acendeu enquanto o
computador falava.
— E quanto à Organização XIII? — Pateta tentou novamente.
Após alguns segundos, aconteceu outra vez: as linhas de texto, o alarme e a voz inorgânica
do computador anunciando que os dados estavam corrompidos.
— Computador idiota! — Sora bateu no teclado com os punhos.
— Sora! — Pateta tentou detê-lo, mas Sora continuou batendo, sem querer que o afastassem.
— Vai acabar quebrando! — ralhou Donald.
Mas então a imagem de uma pessoa apareceu em meio à tela. Era um homem mais velho, os
cabelos e a barba de um loiro pálido, e usava um cachecol vermelho sobre o que parecia um jaleco
de laboratório.
— Quem é esse cara? — perguntou Sora enquanto fitavam o sujeito desconhecido.
— Vejam só, parece que já colocaram tudo nos trilhos! — exclamou uma voz atrás deles.
— Vossa Majestade! — Donald deu um pulo. O rei tinha voltado.
— Shh! — O Rei Mickey levou um dedo aos lábios novamente, pedindo silêncio. — Muito
bem! Esse computador deve nos dizer o que precisamos saber.
Ele se aproximou da tela.
— Mas ele só fica dizendo que os dados aí dentro estão com problemas — disse Pateta,
abatido, e Donald balançou a cabeça, concordando.
— Só o que conseguimos foi a foto de um cara que não conhecemos — acrescentou Sora.
O Rei Mickey olhou para o monitor.
— Ora, é o Ansem! — exclamou.
Sora, Donald e Pateta trocaram olhares, confusos. O sujeito na tela era alguém que nunca
tinham visto antes. Não tinha como ser o Ansem. Sora cruzou os braços.
— Qual é, tá tentando brincando com a gente de novo?
— Você se esqueceu de como era o Ansem, Vossa Majestade? — perguntou Pateta, um
pouco preocupado.
— É claro que não! Este é Ansem, o Sábio! — disse o Rei Mickey, ainda focado na tela.
— Quack?
— Hã, Vossa Majestade, poderia vir aqui um minuto? — Sora agarrou o rei pelo braço e o
levou de volta ao estúdio de Ansem. Donald e Pateta os seguiram.
O quadro no estúdio era um retrato de Ansem. Aquilo devia lembrar ao Rei Mickey de como
ele era, pensou Sora. Ele parou em frente ao quadro.
— Olha, esse é o Ansem. Sabe, o cara que a gente deu um baita duro pra derrotar?
164 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
— Ah, é verdade... Eu nunca terminei de explicar.
— Wak? — Donald olhava para o rei com uma expressão inquieta no rosto.
— O homem neste quadro de fato é o mesmo que tentou tomar o controle de Kingdom
Hearts, aquele que vocês derrotaram. Mas, na verdade, vocês estavam enfrentando o Heartless dele.
Ele não era o Ansem de verdade. Só saía por aí dizendo a todos que era.
Diante da revelação do Rei Mickey, tudo o que o trio conseguiu fazer foi ficar olhando para
a pintura.
— Espera... O quêêêêê?! — Os três gritaram em uníssono, sobressaltando o rei.
— A gente passou por toda aquela encrenca pra vencer um impostor? — Abatido, Sora
abaixou a cabeça.
— Sim, uma fraude. Mas ele ainda tinha que ser detido — disse o Rei Mickey, tentando
consolá-lo.
— Puxa, isso é deprimente — resmungou Donald, voltado para a pintura.
Pateta era o único que parecia confuso em vez de desapontado:
— Mas... se ele era uma fraude, então o que aconteceu com o verdadeiro Ansem?
— É o que estou tentando descobrir — respondeu o Rei Mickey. — Ansem, o Sábio, deve
saber tudo sobre os planos da Organização XIII e sobre o que vem acontecendo com os mundos.
Tenho certeza que vai poder nos ajudar. Eu cheguei bem perto de encontrá-lo uma vez...
Pateta ainda parecia desconcertado.
— Não me diga que tem mais — disse Sora. — Já tô perdido o suficiente desse jeito!
— Bom, vamos ver... — Pateta começou a dizer, tentando colocar os pingos nos is. — Um
sujeito chamado Ansem, que não era de fato o Ansem, se tornou um Heartless?
O rei assentiu.
— Então quer dizer que um Nobody foi criado quando isso aconteceu? — Pateta olhou de
novo para o quadro.
— Isso mesmo! E esse Nobody é o líder da Organização.
— O quêêê?! — gritou o trio, atônito.
— Eu sei que cheguei a conhecer esse Ansem falso antes... — prosseguiu o Rei Mickey,
erguendo o olhar para a pintura. — E também já vi o líder da Organização XIII. Era meio como
estar ao lado do mesmo sujeito.
— E onde foi que você conheceu esse cara? — perguntou Sora.
— Puxa... Não consigo me lembrar. — O Rei Mickey cruzou os braços, parecendo frustrado.
— Mas Ansem, o Sábio, o verdadeiro Ansem... Ele deve saber quem de fato é o impostor. É por
isso que eu tenho que encontrá-lo.
Sora encarou o quadro, furioso. Se não fosse por aquele Ansem falso, nada daquilo teria
acontecido. Riku e Kairi estariam seguros.
Foi ele que começou tudo isso.
Sora odiava o sujeito com tanta força que mal conseguia pensar. Eu odeio ele. De verdade.
Nunca tinha abominado alguém daquele jeito antes. Independentemente do quão furioso ou
triste alguém o tivesse feito ficar no passado... odiar alguém daquele jeito era algo impensável para
ele até então.
Pensou em Riku e Kairi. Onde estariam agora? O que estariam fazendo?
Então, lembrando-se de súbito, ele se virou para o Rei Mickey.
— Ah, é verdade! Vossa Majestade, você sabe onde está o Riku?
O rei deu um pequeno pulo, como se a pergunta o tivesse pegado de surpresa, e manteve as
costas viradas para Sora enquanto respondia:
— Ele... Eu lamento. Não posso ajudar.
Sora deu a volta para olhar nos olhos do Rei Mickey.
— Sério? Você não sabe? Tem certeza?
Mas o rei o evitou e lhe virou as costas novamente.
— Sinto muito, Sora.
O garoto conteve mais reclamações e, em vez disso, fez outra pergunta:
— E quanto à Kairi? A Organização XIII deve ter raptado ela.
165 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
166 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1
Dessa vez, o rei se virou e olhou para ele.
— Essa não...!
Pensativo, ele desviou o olhar de volta para o quadro e se dirigiu a cada um deles:
— Sora, Donald, Pateta... Eu estava planejando conseguir ajuda com Ansem, o Sábio. Mas...
agora sei que me esqueci de algo muito importante. Ajudar os outros deve sempre vir antes que
pedir ajuda aos outros. Eu devia me atentar mais a isso. — Devagar, o Rei Mickey se virou para
olhar para eles. — Estamos sãos e salvos e somos livres para escolher. Então não há por que não
escolhermos ajudar os nossos amigos.
Sora e os outros dois assentiram solenemente.
— Vamos procurar pelo Riku e pela Kairi juntos — disse o rei, mas antes que alguém
pudesse responder, um grande estrondo os interrompeu e sala sacudiu.
— Wak?! — gralhou Donald.
— Lá fora! — Sora se virou para a porta.
— Parece que vamos ter que começar ajudando os nossos amigos aqui! — A expressão no
rosto do Rei Mickey estava sombria enquanto disparava em direção à saída.
— Donald, Pateta! Vamos nessa! — disse Sora, e os dois assentiram para ele. Os três
seguiram o Rei Mickey para fora do castelo.
Estavam indo fazer a coisa mais importante de todas — ajudar seus amigos.

167 | K i n g d o m H e a r t s I I : A R o m a n t i z a ç ã o V O L . 1

Você também pode gostar