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E, conforme o
relógio avançava para 2082, ninguém sabe o que está por vir. O mundo mudou de
inúmeras maneiras desde o dia em que uma cardeal empata se sentou diante de
um changeling alfa, a empata tentando esconder suas emoções, o alfa tentando
ver sob sua pele.
Houve guerra, destruição, amores encontrados.
Lealdades foram testadas.
Um modo de vida derrubado.
Sangue correu vermelho quando aqueles que detinham o poder destruíram
vidas inocentes.
Soldados morreram.
Crianças nasceram.
Vínculos se formaram.
Corações se entrelaçaram.
Antigas inimizades foram esquecidas e existe uma paz frágil... E o mundo
está em uma encruzilhada crítica.
Será que os vínculos se manterão?
Ou o reino do caos reinará?
Caros Leitores,
Obrigado por vir comigo nesta viagem para o mundo Psy-Changeling. Tem sido um
passeio selvagem e imprevisível, não tem? Eu me diverti muito, e com cada nova
história, eu me apaixonei cada vez mais por este mundo e os personagens que
vivem nele.
Não apenas, mas quero explorar a miríade de conexões que unem esses
personagens diferentes juntos. Ao escrever este livro, o mais difícil não era como
trazer personagens para que todos tivessem a chance de brilhar, mas onde - porque
nunca existe uma única conexão. Cada personagem está ligado a vários outros
através de laços de matilha, de amizade, de sangue, de lealdade e, claro, de amor.
Mesmo assim, nem tudo o que eu queria acrescentar chegou a este livro, então
estarei compartilhando mais de uma cena excluída em meu boletim nos próximos
meses. Você pode assinar o boletim gratuitamente em meu site: nalinisingh.com.
Espero que gostem de Allegiance of Honor - e aqui está o próximo livro e a segunda
temporada da série Psy-Changeling.
Parte
01
Capítulo 1
*****
1 Um grande ninho de uma ave de rapina, especialmente uma águia, construído tipicamente alto
em uma árvore ou em um penhasco.
controle do esquadrão, eles tinham sua inocência sufocada pelo treinamento, que
procurava transformá-los em assassinos impiedosos e nada mais.
Muito rapidamente se transformou numa troca fascinante: os changeling e
crianças humanas ensinavam aos jovens Arrows como rir e se divertir, enquanto
que os jovens Arrows faziam seus companheiros mais selvagens pararem e
pensarem mais frequentemente de que há outra forma de fazer. Mas a melhor coisa
eram as amizades que começaram a se formar, com as crianças conversando entre
si através de comunicadores entre as sessões.
A matilha colocou parede de escalada, assim como balanços na área,
embora também fosse um campo aberto para brincadeiras ao ar livre. Não existiam
muito seres humanos sem matilha que viviam nesta área, mas os raros que viviam
sabiam que eram bem-vindos para utilizar os equipamentos e participar da
atividade educativa.
— Meninos.
Julian e Roman congelaram onde estavam correndo à frente, duas estátuas
pequenas em jeans e camisas. Os lábios de Sascha se contraíram. Ela levou um
tempo para aprender esse tom, mas era muito eficiente no sentindo de conseguir
que sua dupla favorita de problema em dobro prestasse atenção.
Os garatos de Tamsyn foram as primeiras crianças changeling que Sascha
conheceu, e adorava cada pedacinho deles, ela era culpada por mimá-los – mas
também aprendeu a discipliná-los conforme cresciam. Não porque eram
impertinentes de uma forma ruim, mas porque ambos tinham personalidades
fortes e precisavam entender isso agora, Sascha era a chefe quando estavam com
ela.
As regras de hierarquia da matilha existiam por uma razão, e para os
filhotes DarkRiver, existiam para dar-lhes uma base sólida sobre a qual se apoiar.
Sem confusão, sem medo. Apenas um lugar seguro onde podiam flexionar sua
própria força e desenvolver suas personalidades.
Estranhamente, o tom também parecia funcionar no gato de estimação dos
meninos, Ferocious, que – graças a defesa feroz de Roman e Julian de seu animal
de estimação – tendia a pensar em si mesmo como um grande leopardo, também.
Hoje, no entanto, Ferocious estava em casa, então Sascha precisava lidar apenas
com os gêmeos, ambos estavam agora em seu primeiro ano de escola.
Alcançando as duas adoráveis estátuas, e Naya ainda segurando suas
mãos, Sascha disse, — Vocês podem se mover agora, mas fiquem perto. — Estas
reuniões para brincarem só funcionariam, a longo prazo, se todos se sentissem
seguros.
Arrows eram Arrows porque nasceram com habilidades psíquicas letais.
Os Arrows adultos que ajudavam a supervisionar essas sessões ampliaram
seus próprios escudos impenetráveis para abranger as mentes dos Arrows jovens,
para que as crianças não atacassem por acidente, e se sentissem livres para brincar
sem preocupação de perder o controle sobre seus poderes letais.
Independentemente disso, Sascha também sempre adicionava uma camada de
proteção sobre as mentes de todas as crianças humanas ou changeling na
atividade educativa.
Diferentemente da maioria dos seres humanos, changelings tinham fortes
escudos naturais, mas não havia nenhum ponto em correr riscos.
Ashaya geralmente participava também, e entre elas, podiam cobrir todo o
grupo. As raras vezes que a cientista não estava, Fatih assumia. Ao contrário de
Sascha e Ashaya, a vidente não tinha um filho, mas adorava brincar com as
crianças e estava sempre feliz em ajudar. E uma vez que Faith podia criar ilusões
hiper-realistas que fascinavam as crianças, era uma visitante popular.
Hoje, Sascha alcançou a área de jogos para encontrar as duas mulheres no
atendimento. O marrom rico da pele de Ashaya brilhava a luz do sol, seus lindos
cachos selvagens firmemente presos numa trança. Os cachos eram castanho-
escuros, à primeira vista, mas continha tantos tons, desde o preto puro aos fios
dourados. A outra mulher vestia calça jeans e um moleton super grande do UC
Berkeley que parecia ser de seu companheiro.
Ao lado dela, Faith cumprimentou Keenan com um high five2 antes de
Ashaya soltar seu filho de seis anos para voltar a brincar. Os filhotes DarkRiver,
assim como dois de seus amigos humanos, já escalavam as estruturas da escalada.
Hoje a escola foi apenas de manhã, então teriam mais tempo para brincarem, e as
crianças estavam claramente encantadas com a ideia. Os Arrows tinham sua
própria escola, mas ficaram felizes em espelhar o intervalo no meio do dia.
2
— Nós podemos ir brincar, querida Sascha? — Perguntou Julian, sua
expressão travessa a atingiu bem no coração.
— Sim, vocês podem, Sr. Ryder.
Sua resposta solene fez os gêmeos rirem tanto que seus olhos adquiriram o
tom verdes-ouro de seus leopardos antes de Julian estender a mão para Naya
enquanto Roman fazia o mesmo para a outra mão dela. — Vamos, Naya!
Naya agarrou as mãos de ambos os meninos ao mesmo tempo, em um feito
impressionante de coordenação para uma criança começando a andar, e partiram.
— Esses dois meninos são enérgicos, — Sascha disse para Faith e Ashaya, — são
incrivelmente pacientes com ela. — Enquanto ela observava, os gêmeos levantaram
Naya num balanço apropriado para crianças começando a andar e se certificaram
que estava segura.
Naya chutou alegremente suas pernas.
— Eles são, — Ashaya concordou com um sorriso enquanto continuava
mantendo um olho sobre as crianças. — Parte do problema é a personalidade, mas
também é uma prova de como estão sendo criados e como DarkRiver, como
matilha, cria suas crianças. — Ela franziu a testa quando uma menina humana
quase escorregou – apenas para ser carregada em segurança por um filhote com o
pensamento rápido.
— Maureen teve que levar sua bebê ao médico, — disse Ashaya, referindo-
se a uma das vizinhas humanas dos DarkRiver. — Ela nos pediu para cuidar das
suas duas filhas.
Sascha já havia estendido automaticamente seus escudos para ajudar Faith
e Ashaya, tendo cuidado um especial para proteger as crianças humanas. Suas
mentes eram ainda mais vulneráveis do que as das crianças changeling. — Eu as
cobri.
— Eu amo isso. — Vestida com um fino suéter com decote em V azul royal
que realçava o vermelho escuro de seu cabelo e ficava lindo contra sua pele
cremosa, Faith empoleirou-se num banco que as crianças utilizavam como
obstáculo para saltar ou escalar, como um clube reproduzindo tudo aquilo que sua
imaginação criasse. — Há tanta promessa aqui, tanta luz.
Os claros olhos azuis-acinzentados de Ashaya encontraram os castanhos
de Faith. — Sei exatamente o que quer dizer. As crianças não têm noção de raça,
guerra ou diferentes ideologias políticas. Apenas diferenciam um bom amigo de um
mau.
Um motor de carro soou, fraco, mas inesperado o suficiente para que
Sascha instintivamente olhasse naquela direção. É claro que não podia ver nada
através das árvores, mas sentiu uma batida telepática logo depois. A mente era
familiar, todo controle e poder: Judd Lauren, ex-Arrow, poderoso telecinético e
atual tenente dos SnowDancer.
Querendo saber por que ele havia dirigido desde o covil nas altas
montanhas da Sierra Nevada, Sascha respondeu ao seu contato telepático com
uma pergunta. Veio para ver como conduzimos uma sessão? Os SnowDancers, em
sua maioria, estavam envolvidos com os adolescentes Arrows mais velhos até o
momento, mas sabia que estavam discutindo sobre uma creche.
Marlee está comigo, o tenente respondeu. Ela está curiosa se tem algumas
crianças Psy da idade dela que pudessem brincar de jogos telepáticos com ela. Toby
brinca com ela, mas ela sabe que ele a deixa ganhar.
Sascha não pode evitar seu sorriso com a menção do primo de Marlee e
sobrinho de Judd, um doce menino de apenas treze anos de idade, com um ligeiro
dom empático e um coração generoso. A maioria deste grupo é jovem, mas tenho o
número de telefone do Vasic. Deixe-me ver se ele conhece alguma criança que
gostaria de ter um companheiro telepático não-Arrow.
Ela e Vasic terminaram sua conversa no momento que Judd chegou com
Marlee. O cabelo loiro avermelhado da menina de dez anos de idade estava numa
trança única para um lado de sua cabeça; ela usava calças de lona preta
apropriadas para o ar livre, juntamente com uma camiseta azul clara com a
imagem de uma margarida amarela e branca na parte da frente.
O rosto se iluminou ao ver Sascha, a sobrinha de Judd correu para abraçá-
la.
O trabalho de Sascha ajudando Toby a lidar com o elemento empático de
suas habilidades significava que era uma visitante muito mais regular ao covil do
que a maioria de seus companheiros de matilha. Ela sentia como se conhecesse
todas as crianças SnowDancer. — Olá, querida. — Ela apertou esta criança mais
forte. — Conhece Faith e Ashaya, não é?
— Oi, — disse Marlee com um sorriso, embora permanecesse aninhada
contra Sascha.
— Marlee! — Era Keenan, chamando de seu posto no topo de sua escalada.
Marlee pulou para falar com o menino mais novo. Como todas as crianças
que cresceram numa matilha, estava acostumada a ter amigos de todas as idades.
Conforme crescia, era esperado que tomasse conta dos filhotes ou ajudasse a
quaisquer anciãos que precisassem, de modo que os laços da matilha iriam
continuar a se formar entre jovens e velhos.
Era estranhamente semelhante à forma como grupos familiares Psy
funcionavam, pelo menos em termos de continuidade entre gerações. De acordo
com os registros escolares de Sascha, sua avó materna, Reina Duncan, havia
desempenhado um papel na supervisão de seu desenvolvimento quando Sascha
era mais jovem.
Essa supervisão foi feita a distância, na posição de Reina como chefe da
família Duncan. E parara logo antes da morte de Reina – quando Nikita ficou com
o poder por detrás do trono. Na verdade, Sascha não estava certa se sua mãe não
manipulara as coisas desde o início, mas era a assinatura de Reina que estava em
seus antigos registros escolares e registros de condicionamento.
Não era família como os changelings conheciam, mas era família.
Ela pensava nas outras semelhanças que existiam entre as raças quando
Vasic entrou com crianças Arrows, incluindo uma menina e um menino em torno
da idade de Marlee. Com exceção destes três últimos – que eram vigiados por Judd,
e cautelosamente se estabeleceram ao lado de uma árvore para brincar dos jogos
psíquicos que Sascha sabia que foram projetados para aumentar a agilidade
telepática e habilidade – todas as crianças já brincaram juntas anteriormente.
Como resultado, não demorou muito para eles participarem dos jogos em
andamento.
Atualmente, o esquadrão não tinha nenhuma criança tão jovem como Naya,
e seu habitual companheiro de matilha de dois anos de idade tinha um check-up
com seu médico hoje. Mas a bebê de Sascha nunca esteve sozinha. As crianças se
revezavam para empurrá-la, e uma criança Arrow de três anos com gordinhas
bochechas vermelhas e macios cachos castanhos se balançava num balanço
vizinho com a ajuda de Vasic, então pareceu cair numa conversa séria com Naya.
Sascha podia sentir a felicidade de sua filha. Naya logo tentou alcançar sua
nova amiga usando suas habilidades telepáticas, mas Sascha delicadamente a
lembrou de pedir permissão primeiro, e mostrou como fazer para ela. Mesmo
enquanto fazia isso, monitorava as outras crianças sob seus cuidados para
detectar quaisquer sinais de desconforto. Não apenas em termos de acidentalmente
se machucarem psiquicamente, mas porque era uma empática, e não podia deixar
de observar seu bem-estar emocional tanto quanto seu estado físico.
Dez minutos depois tomou conhecimento de um tumulto no jogo de futebol
em andamento no campo ao lado do playground.
Um filhote em forma de leopardo aparentemente beliscou o bumbum de
uma criança Arrow, que deve ter revidado psiquicamente, pela maneira que a
criança Arrow de repente se acalmou e olhou pálida em direção ao jovem Arrow
que deveria conter o golpe antes dele fazer qualquer dano.
Os olhos azuis de Abbot encontraram os de Sascha e Ashaya. O que faço
agora? Ele parecia perguntar.
— Eu cuido disso. — Ashaya caminhou até os dois malfeitores e apontou
para um lugar sob uma árvore.
Ambas as crianças se arrastaram em direção a arvore, de cabeça baixa.
Ashaya os fez sentar lá, longe dos jogos, com apenas um ao outro como companhia,
por quinze minutos.
Então fez o filhote pedir desculpas por morder – após pedir a ele para se
transformar para que a criança Arrow pudesse entendê-lo.
— Tudo bem, — disse o garoto Arrow com uma generosidade que
imediatamente fez o filhote DarkRiver sorrir. — Eu deveria ter pensado antes de
agir. Isso é o que o professor diz para fazer. Eu poderia ter te machucado.
— Não deveria morder, — o filhote confidenciou num sussurro
envergonhado. — Meus dentes são realmente fortes.
O menino Arrow concordou, vendo claramente o paralelo.
— Bons meninos. — Ashaya os abraçou antes de liberá-los para participar
das brincadeiras – o que fizeram juntos.
Enquanto isso, Naya se divertia telepaticamente com sua nova amiga vocal
enquanto Faith e Vasic as empurravam nos balanços. O teletransportador, que
perdeu seu braço esquerdo após um falho experimento de bio-fusão, parecia testar
uma nova prótese. Seu acabamento de metal reluzente fascinava as crianças, com
Vasic muitas vezes se agachando para que elas pudessem tocar suas mãozinhas
pequenas no metal, acariciando com curiosidade e fazendo perguntas.
Quantos agora? Sascha perguntou quando ele se inclinou para um filhote
curioso, ciente que o brilhante engenheiro por trás da prótese era obcecado por
encontrar uma que funcionasse com os sistemas danificados de Vasic.
Esta não conta – é uma peça que Samuel usa para testar diferentes
componentes, o teletransportador disse a ela conforme se levantava e continuava
empurrando Naya, que estava longe de ficar cansada do balanço. Desta vez, está
verificando um mecanismo computronic que espera que vá corrigir um problema de
acúmulo de calor.
Isto está funcionando?
Vasic balançou a cabeça, seu belo rosto estava inexpressivo, mas não frio.
Já posso sentir os níveis de calor subindo no ponto de junção. Na verdade, você e os
outros podem lidar com os escudos enquanto eu saio para removê-lo?
Claro. Com Judd, Faith, Ashaya, Sascha e Abbott, tinham muita energia
psíquica ao seu dispor.
Vasic saiu apenas cerca de um minuto, e Sascha estava dando a uma
criança sedenta um copo de água dos suprimentos que Faith trouxe com ela,
quando avistou Roman prestes a voar do topo de um brinquedo.
— Não. — Ela sabia que ele ia cair de modo errado, provavelmente quebraria
o braço... Mas ele se transformou no meio da queda, aterrissando rolando, o que
tirou o ar de seu corpo felino, mas sem fazer qualquer dano.
Com o coração acelerado, Sascha parou de correr. Os filhotes de leopardo
precisavam de independência, lembrou a si mesma pela milésima vez. Mas ela o
observou até ter certeza de que realmente não havia se machucado – um fato que
ficou evidente quando caminhou com a cauda orgulhosamente levantada e uma
expressão de satisfação no pequeno rosto lindo.
Foi quando percebeu que a atenção de Naya estava voltada para o filhote
mais velho.
Ela conseguiu conter seu gemido até a criança que veio tomar uma bebida
sair correndo para se juntar aos seus companheiros. — Naya vai começar a pular
dos brinquedos logo, não é?
Ashaya afagou a mão dela. — Ela vai sobreviver. Keenan está bem e não é
um gato. Para que saiba, ele fraturou o braço na primeira vez que seus amigos
leopardos tentaram ensiná-lo a subir em árvores, mas foi apenas uma vez.
— Isso não é muito tranquilizador, — Sascha disse sombriamente.
Rindo com um calor que desmentia os anos que passara presa num frio
silêncio, a outra mulher empurrou as mangas de seu moletom, a temperatura na
floresta relativamente fria, apesar de quão perto estavam do verão. — Estou
ansiosa para ver os truques que surgirão de uma criança Psy-Changeling.
Uma criança Psy-Changeling.
Sim, Naya era isso. Única... E estava sendo caçada por causa disso.
Capítulo 2
3
alta visibilidade. Agora se parecia com milhares de outros rapazes da cidade. Ele
não era. Jon era um dos Esquecidos, parte da geração jovem que exibia
impressionantes novas capacidades psíquicas.
DarkRiver prometeu apoiar o menino se quisesse parar de usar as lentes de
contatos, parar de tingir seu cabelo branco-ouro, mas Jon decidiu que era mais
seguro para seus amigos e sua irmã mais nova se ficasse fora do radar até que
fosse mais velho e mais forte. — Impede as pessoas de olharem para mim, também,
— ele disse para Lucas, esfregando o lugar em seu pescoço onde uma vez teve uma
tatuagem da gangue Crawlers. — Quero apenas ser um dos jovens, sabe?
Lucas entendia bem mais do que Jon provavelmente percebia. Clay, Talin,
Noor e DarkRiver foram as primeiras famílias de verdade que Jon já teve, pela
primeira vez havia pessoas ao seu redor em quem podia confiar, não importava o
quê. Ele odiava ser lembrado de que era de alguma forma diferente de seus
companheiros de matilha.
— É algo que viu na água ou que capturou sob o cais? — Clay perguntou
ao menino que ele havia adotado. Poderia ter se revelado problemático, dado o
passado de Jon, mas de todos os homens em DarkRiver, era Clay quem melhor
entendia o que era ser um garoto perdido.
Ele e Jon se ligaram como duas peças de um quebra cabeça.
Agora, o garoto balançou a cabeça enquanto ao seu redor os outros
adolescentes olhavam para qualquer lugar, menos para seu alfa ou Clay. —
Estávamos jogando conversa fora e parecia interessante, então, hum, — sua pele
dourada ficou rosa, — esses caras me penduraram sobre o pier pelos meus
tornozelos e eu peguei.
Sua pantera se impressionou com a engenhosidade do grupo e bufou um
riso pelo comportamento de filhote, em seguida, Lucas pegou a garrafinha segurada
por um dos outros adolescentes. Ele podia ver porque isso chamou a atenção deles.
A garrafa era em vidro verde limão e estava parcialmente coberta por cracas4.
Boiando sobre a água iluminada por penetrante luz solar, brilhava como uma jóia.
— Vocês abriram?
4 Um crustáceo marinho com uma concha externa, que se prende permanentemente a uma
variedade de superfícies.
Mais uma vez, foi Jon quem falou. Definitivamente um dominante, e para
Lucas era o único que certamente cresceria para se tornar um membro
fundamental da matilha. Lucas não hesitaria em deixar Naya sob os cuidados de
Jon; isso dizia tudo sobre sua confiança e fé no menino.
— Sim, senhor. — A voz de Jon era tão clara quanto um sino. — Nós vimos
a rolha e brincávamos sobre encontrar uma mensagem em uma garrafa. E depois...
— levantando uma mão, ele passou um fino pedaço de papel enrolado para Clay.
— Não queria tentar colocar novamente, talvez rasgasse.
— Você fez a coisa certa. — Desenrolando com cuidado, Clay segurou o
papel fino para que ele e Lucas pudessem lê-lo.
Meu nome é Leila Savea e sou uma bióloga marinha. Fui sequestrada
enquanto trabalhava sozinha no Oceano Pacífico uma milha da costa de Samoa e
estão me mantendo numa cinzenta prisão fria desde então. Eles marcaram meu
rosto, cortaram, disseram que assim um teletransportador que usa rostos para ir a
lugares não poderia me encontrar. Não sei se isso é verdade ou se só queriam me
machucar.
Sou muitas vezes drogada, mas eles se atrasaram com a dose hoje. Eu posso
escrever hoje.
Uma semana, talvez dez dias atrás, me tiraram desta sala para testar drogas
em mim e quando não estavam olhando, roubei uma garrafa que estava nas
prateleiras externas. Havia um monte de garrafas. Como se em algum momento
alguém tivesse uma coleção, mas estão todas cobertas de poeira agora.
Peguei o papel e caneta em outro momento, quando um deles esqueceu o
jaleco no meu quarto.
Vou esconder esta carta na garrafa e se eles me tirarem deste lugar, vou
procurar água. A água a levará para algum lugar. A levará para meu povo.
Eles não vão me quebrar.
5
pequenas antenas concebidas para emitir um sinal que embaralharia qualquer
equipamento de radar ou sonar que apontasse para ela.
Abaixo da água, o oceano era dos BlackSea.
Qualquer um que rompesse as fronteiras claramente anunciadas e
legalmente definidas da cidade sabia que seria pena de morte – e BlackSea a
aplicaria. O mundo os machucou demais para os BlackSea acreditarem na
misericórdia. Especialmente quando alguém chegava tão longe dentro do oceano
por acidente. Não, alguém que tentasse se esgueirar por cima ou por baixo de
Lantia fazia com pleno conhecimento do que arriscavam.
— Temos muitos dos nossos jovens aqui, — ela acrescentou.
— Protegidos por milhares dos nossos mais fortes, — Malachai a lembrou.
— Está tomando más decisões por causa da raiva e cansaço. Vá.
Maine era a primeira aqui – alfa em termos dos changeling terrestres – mas
sabia muito bem que Malachai não hesitaria em jogar o corpo dela no mar. Não
que fosse ter sucesso. Ou sobrevivesse. Ainda assim, o fato de que um de seus
segundos de lealdade de sangue ameaçara isso, mesmo que implicitamente, era
motivo suficiente para prestar atenção. — Os mantenha seguros, — ela ordenou, e
girando em seus calcanhares, foi para a borda mais distante da cidade.
Ela poderia ter ido para a água em vários outros pontos de Lantia – toda a
cidade foi construída para garantir o fácil acesso ao oceano – mas era importante
o seu povo vê-la, ver que estava presente, forte e no controle.
Especialmente agora.
Quando se despiu e mergulhou sob as ondas, o sal, um gosto familiar, e a
lâmina fria do mar sobre a pele dela como um beijo de boas-vindas, vários outros
corpos deslizaram com ela. Eles deslocaram-se na água; elegantes, rápidos e feitos
para o oceano.
Esta era a casa deles. Defenderiam-na até a morte.
E encontrariam seus desaparecidos. Cada. Um.
Capítulo 4
Quero matar a Coorporação – murmurou Mercy após ler o e-mail que Lucas
enviou para todas os sentinelas sobre o sequestro de BlackSea. — Picá-los em
pedacinhos e jogá-los naquele canhão que visitamos no Arizona.
— Os falcões podiam se opor a toda aquela carne rançosa em seu território,
— disse seu companheiro, suavemente, de onde estava ao lado dela, lendo uma
mensagem do seu alfa.
— Hmm. — Mercy colocou seu telefone na superfície plana mais próxima, e
então se recostou contra a grade da varanda da velha cabana.
Dada sua necessidade de estar mais perto da curandeira DarkRiver com a
gravidez bem avançada, ela e Riley tomaram a decisão de deixar sua casa habitual
uma semana antes. Pediram qualquer cabana desocupada em terras DarkRiver,
mas o colega de matilha que atualmente vivia na antiga cabana de Mercy a ofereceu
alegremente pelo tempo que precisassem.
Tudo que Rina pediu foi que contassem tudo sobre o número e o sexo – ou
sexos – dos filhotes para que ela pudesse ganhar a aposta. Quando Mercy ameaçou
atirar na jovem soldado em vez disso, Rina riu e se retirou, mas não sem abraçar
Mercy primeiro com o carinho selvagem de um membro da matilha que sabia que
seu toque nunca seria rejeitado.
A lembrança a fez sorrir enquanto dizia: — Carne rançosa é muito ruim. E
os falcões são nossos aliados. — Embora diferente dos lobos, a aliança DarkRiver-
WindHaven ainda era um trabalho em andamento, não nos primeiros estágios, mas
não muito avançado.
— Já sei. — Ela estalou os dedos. — Posso despejar os pedaços na terra
SnowDancer. Os lobos não têm senso de gosto, então ninguém vai notar.
Seu lindo companheiro lobo rosnou para ela.
Rindo, passou os dedos pela espessa seda castanha do cabelo dele. Ele
estava inclinado sobre a grade, com osolhos em seu telefone enquanto ela se
recostava contra a grade. — Hawke?
Riley acenou com a cabeça, mudando ligeiramente para que pudesse
acariciá-lo mais facilmente, aqueles cílios incongruentemente bonitos e lindamente
visíveis nesta posição. — Ele convocou uma reunião de tenentes as cinco, hoje.
Provavelmente discutiremos a situação de BlackSea. — Guardando seu telefone,
ele se levantou, um homem de ombros largos com olhos castanho-chocolate que a
olhava como se ela fosse seu tudo.
Mulher e leopardo, cada parte de Mercy o adorava.
Acariciando-a e fazendo-a sorrir, Riley colocou a mão sobre a barriga. —
Como se sente?
— Como se estivesse eternamente grávida. — Segundo seus três irmãos, ela
estava mais perto de vinte e sete meses. De acordo com as curandeiras de
SnowDancer e DarkRiver, eram apenas oito meses.
Olhando para sua barriga, onde o braço direito de Riley, forte e quente
descansava sobre a curva da mesma enquanto usava a mão esquerda para
massagear sua nuca, ela falou com seus bebês em seu melhor tom de se
comportem. Um tom que ela e os hooligans ouviram muitas vezes de sua própria
mãe durante a infância. — Vocês devem sair cedo, — ela disse aos bebês que já
amava além da vida. — Os nascimentos múltiplos vêm sempre cedo. —
Provavelmente para que a mãe não explodisse ou caísse de cabeça diretamente
sobre a barriga.
Riley mordiscou sua orelha.
Rosnando, ela enfiou a mão sob a camisa dele para tocar seus dedos sobre
as rugosas linhas de seu abdômen. Deus, seu companheiro acelerava seu motor.
— Sexo poderia fazer os bebês nascerem, — disse ela, beijando sua garganta.
Estremecendo, ele começou a deslizar a mão para cima para cobrir seu
peito, então de repente piscou e balançou a cabeça. — Você acabou de fazer isso.
— Era uma acusação de olhos semicerrados.
Arreganhando os dentes para ele, ela começou a desfazer os botões da
camisa enquanto ele estava distraído. — Seus filhos estão me deixando louca. —
Gravidez múltipla de changeling nunca chegava ao final. Nunca.
Aparentemente, os filhotes não tinham esse memorando.
— É assim que vai ser? Serão minhas crianças cada vez que forem
impertinentes?
— É claro. — Empurrando a camisa de Riley, ela massageou seus ombros
musculosos com um profundo prazer e um ronrono dentro dela. — Meus filhos
serão anjos, — ela disse quando ambos sabiam que era ela quem trouxera os genes
do inferno. Então, novamente, a família Kincaid se gabava por Drew. — Embora os
bebês tenham me dado peitos espetaculares.
O olhar de Riley caiu, sua respiração presa. — Seus seios sempre foram
espetaculares.
Afundando os dentes no lábio dele, ela torceu um dedo. — Venha me beijar.
Seu companheiro não tentou resistir. Ele se moveu para cobrir o lado de
seu rosto com uma mão grande, de pele áspera, e então seus lábios estavam sobre
os dela e seu corpo inteiro doendo por ele. Quando ele deslizou aquela mão para
tocar seus seios pesados, seu ronrono se transformou num gemido.
Aqueles seios eram uma dor na bunda quando ela queria correr durante a
patrulha – não que fosse capaz de fazer isso após seu equilíbrio se tornar o de uma
cabra bêbada – mas precisava admitir que eram um tipo de diversão.
Especialmente quando Riley fazia isso. Estremecendo quando ele simplesmente
empurrou a camiseta e a alça do sutiã para baixo de seu ombro para substituir a
mão com a boca, ela entrelaçou os dedos em seu cabelo e se manteve firme para o
passeio.
Agradeceu aos céus pela cabana ficar no fundo do território DarkRiver e
rodeada pela floresta, dando-lhes infinita privacidade – porque Mercy não queria
se mover agora.
— Deus, — ela sussurrou roucamente em algum momento após Riley tirar
a camiseta e o sutiã para deixá-la apenas com um par de shorts. — Os lobos têm
todos os movimentos.
Ele riu; suas pupilas cercadas por um anel âmbar do lobo ao olhar para
cima para encontrar seu olhar antes que reivindicasse seus lábios num beijo
possessivo que a fez se contorcer. — Quero você dentro de mim, — ela disse; suas
mãos agarrando o cabelo dele.
Ele roçou a lateral de seu peito com suas garras. — Seja boa, gatinha. —
Uma mordida em seu lábio. — Você está...
— Grávida e em pleno modo de ataque ao meu companheiro. — Changelings
eram conhecidos por serem sexualmente ativos durante toda a gravidez, mas seu
superprotetor companheiro foi obstinado na semana passada, preocupado em
causar dano inadvertido para ela ou os bebês. — Sinto sua falta.
Sim, ela estava sem vergonha.
Um grunhido retumbou no peito dele. — Você não pode mais brincar comigo
assim.
Mamilos doloridos pela vibração, ela acariciou sua nuca exatamente como
ele gostava... Então sorriu seu sorriso mais pecaminoso. — Se pudesse alcançar
minha barriga, eu cuidaria disso sozinha.
Seus olhos se aqueceram. — Bruxa.
— Sua bruxa. Agora fique comigo antes que eu morra de desejo. — Ela
acariciou seus ombros incríveis, seu peito incrível. Seu corpo a fez querer morder,
agarrar e subir em cima dele.
— Mercy, e se...
Ouvindo a preocupação em seu tom, passou os dedos pelos cabelos dele e
parou de tocar para segurar seu olhar. — Nada dará errado. — Eles não estavam
mais falando sobre sexo. — Estou tão saudável quanto um boi, e assim estão os
bebês.
Seu companheiro havia perdido sua família, exceto seus irmãos, então teve
sua irmã sequestrada e torturada por um monstro. Quanto a Drew, o maldito lobo
de olhos azuis continuava sendo baleado! O fato de Brenna estar curada e feliz, e
Drew prometendo não ser um alvo de novo, não apagavam as cicatrizes que seu
companheiro carregava em seu enorme coração.
Acariciando o rosto dele com suas mãos, ela falou com o lobo e com o
homem. — Qualquer sinal de problema e estarei na curandeira.
Ela o deixou ver sua sinceridade, senti-la através de seu vínculo de
acasalamento. — Sou horrível ficando grávida, mas quero muito ser mãe, Riley, e
quero ver você ser um pai. Não colocarei isso em risco, não importa o quê.
Ele respirou fundo, inclinando-se para pressionar sua testa contra a dela.
— Eu sei. Eu só...
— Eu sei, querido. — Beijando e acariciando até que ele já não tremia, ela
se rendeu quando ele tomou o controle do beijo. Esse tipo de rendição não vinha
instintivamente de qualquer parte dela, mas se seu tenente Sênior SnowDancer
Riley Kincaid podia deixá-la ver seu medo, deixá-la segurá-lo, então a Sentinela
DarkRiver Mercy Smith tinha zero problemas dando-lhe o controle que ele
precisava para amá-la agora.
Ele foi muito mais suave do que costumava ser, mas tudo bem, porque
suave ou áspero, seu companheiro sempre a tinha gemendo em questão de
minutos. Esse registro não corria o risco de ser quebrado hoje.
Eles finalmente entraram e foram para a cama, onde certo lobo a distraiu,
então mordeu seu ombro possessivamente enquanto empurrava lento, profundo e
oh-tão-forte.
Apesar de seu delicioso esforço, os filhotes permaneceram presunçosos,
teimosos e felizes dentro de seu corpo, exatamente como os diabinhos que eram.
Capítulo 5
Judd retornou à toca SnowDancer uma hora antes, sua sobrinha animada
no banco do passageiro da unidade de tração nas quatro rodas. Ela estabeleceu
conexão com seus companheiros de jogos Arrows, o que Judd não esperava, pelo
menos não tão rapidamente. As crianças Arrows da idade de Marlee já estavam
profundamente condicionadas, e as mudanças no esquadrão não estavam em vigor
o suficiente para que pudessem quebrar esse condicionamento totalmente.
Mas ele se esqueceu de adicionar Marlee nessa equação.
A filha de seu irmão tinha uma maneira de fazer amigos onde quer que
fosse, sua personalidade como um alegre raio de sol. As crianças Arrows se viram
apanhadas na tempestade feliz que era Marlee Lauren, saíram um pouco
atordoadas, mas ansiosas para vê-la novamente.
Se ele alguma vez tivesse duvidado de suas inclinações rebeldes, tudo que
Judd teria que fazer era pensar no que teria acontecido com Marlee na Net, como
sua personalidade seria esmagada numa caixa fechada, seu sol preso até que seu
mundo fosse cinza. Era uma imagem infernal, que afirmava cada decisão que
tomou para ajudar a derrubar o Silêncio e a estrutura podre que o sustentava.
Agora a garota que o cumprimentara naquele dia com um grande abraço e
as palavras, Eu te amo, tio Judd!, aprendia habilidades florestais com o grupo de
sua idade enquanto Judd estava com vários companheiros de matilha na
exuberante grama verde do lado de fora da toca, olhando para os dados enviados
pelos DarkRiver. Ao ler sobre o cativeiro de Leila Savea e sua possível localização,
ele considerou se tinha algum contato no Canadá.
A resposta foi não, mas conhecia um grande número de teletransportadores
telecinéticos capazes do mundo, era um deles. Eles poderiam detectar este símbolo,
eliminar locais muito mais rápido do que os pesquisadores a pé ou mesmo no ar.
Então virou a página em seu telefone e percebeu que o símbolo não foi
usado apenas em paredes de subestação, mas em antigos pólos de poder, em
armazéns, em caixas elétricas colocadas em casas e nas extremidades das ruas.
Guardando seu telefone, ele balançou a cabeça para seu alfa. O ouro-
prateado dos cabelos do outro homem brilhava sob o sol da montanha, seus olhos
eram o azul claro e perigoso de seu lobo. Esses olhos podiam ser frios e
intimidantes como Hawke, mas hoje, a expressão do alfa era dura, com raiva
dirigida para aqueles que enjaulavam os fracos e indefesos.
O alfa dos lobos de SnowDancer não tinha tempo para covardes.
Nem Judd. — Nem mesmo Vasic conseguiu estreitar isto, — disse a Hawke,
sua própria raiva um beijo frio em suas veias. — Muitas opções. — Mesmo que
metade da metade fosse destruída ao longo dos anos, isso ainda deixava milhares
de possíveis acessos. — Quando tento me concentrar no símbolo, ele se dispersa
em nada. — Ele tentou encontrar palavras para explicar uma habilidade que era
parte integrante dele. — Meu cérebro não pode segurar um único ponto porque há
muitos idênticos.
Hawke assentiu com a cabeça. — Eu imaginei, mas precisávamos tentar. —
Sua camisa preta se esticou sobre os ombros quando ele colocou as mãos nos
quadris e olhou para os outros que estavam com eles na Zona Branca, do lado de
fora da toca. — Alguma outra ideia?
Enquanto seus companheiros de matilha franziam o cenho, Judd percebeu
o silêncio em torno deles. Isso o teria agradado uma vez, quando desertara da Net.
Agora, simplesmente parecia errado. Deveria haver filhotes rindo e perseguindo
uns aos outros aqui nesta hora do dia enquanto mãos macias puxavam sua perna
e pediam para ele jogar bola ou para fazê-los voar.
Em vez disso, apenas Hawke, Judd, Indigo, Riaz, Drew e Sienna estavam
sob o sol da montanha, com os tenentes Cooper, Tomás, Jem, Kenji, Matthias e
Alexei ouvindo através da comunicação móvel que Riaz segurava.
Quem também estava presente através do comunicador era Riley, o tenente
Sênior SnowDancer e cunhado de Judd. O outro homem estava atualmente
baseado no território DarkRiver. Sua companheira queria estar mais perto da
curandeira DarkRiver agora que estava tão perto de dar à luz, e ninguém havia
discordado dela. Esta era a primeira gravidez conhecida entre changeling lobo-
leopardo. Apesar da saúde robusta de Mercy, os dois bandos estavam preocupados
com complicações.
Riley tinha o pior, embora segurasse bem naquela maneira tranquila a La
Riley, a qual fazia parecer que ele estava perfeitamente bem. A única razão pela
qual Judd sabia que não era bem assim era por causa de sua companheira. Brenna
olhou para seu irmão mais velho três semanas atrás e deu-lhe um abraço que Riley
aceitou com força esmagadora.
Foi um instante depois que Judd apanhou um brilho de puro pânico nos
olhos castanhos escuros de Riley. Ao contrário de Brenna, Judd não podia ajudar
o outro homem com afeição, mas o que podia fazer era assumir mais dos deveres
de Riley. Todos os tenentes da matilha fizeram o mesmo, e aqueles que não eram
tenentes ajudavam em outras áreas, dando a Riley a liberdade de se concentrar em
sua companheira e seus bebês que nasceriam em breve.
Ele mais do que merecia esse direito.
No entanto, Riley continuava participando das reuniões remotamente. Ele
era demasiado protetor e dominante para esquecer suas responsabilidades. Hawke
também fez questão de ainda ter Riley cuidando de certas tarefas do bando, a fim
de manter o outro homem longe da obsessão com os futuros nascimentos –
especialmente o possível risco para Mercy.
Vozes quebraram a tranquilidade indesejada, Tomás e Alexei fazendo mais
duas perguntas sobre toda a situação com os membros BlackSea desaparecidos.
Kenji e Riaz, como os dois tenentes que trabalharam mais de perto com os
changelings água, os informaram. O que não estava em questão era o fato de que
a Coorporação estava por trás dos sequestros – os eventos em Veneza no início do
ano, em que Blacksea deu aos SnowDancer um resumo detalhado, provou para
além de qualquer razoável dúvida.
Cooper, no entanto, tinha uma pergunta que nunca consideraram antes. —
Como a Coorporação sabe onde agarrar as pessoas de BlackSea, ou como lidar com
elas depois? — Perguntou o tenente. — Mal consigo entender como funciona
BlackSea, e eles são nossos aliados.
— Bem, inferno. — A voz de Jem. — BlackSea deve ter um traidor, talvez
mais de um.
Hawke soltou um suspiro. — Não admira que Miane não mencionasse isso.
Judd não precisava de nenhuma explicação adicional – nenhum alfa
desejaria expor a roupa suja de seu bando. Que Miane Leveque havia confiado em
SnowDancer e DarkRiver tanto quanto fez era um sinal do desespero dos Blacksea.
Tentaram encontrar seus membros sozinhos e falharam. As pessoas de Miane
podiam governar a água, mas precisavam de ajuda quando suas pessoas eram
abduzidas para a terra.
— Há matilhas de lobos no Canadá. — Indigo cruzou os braços sobre a
camiseta branca, seu cabelo preto preso em um elegante rabo de cavalo e seu corpo
longo e magro, ombro a ombro com o brincalhão lobo de olhos azuis, que era seu
companheiro – e outro cunhado de Judd. Que também era o rastreador do bando,
encarregado de caçar e executar os desonestos.
A família Kincaid os tornou fortes.
A companheira de Judd era tão dura quanto qualquer um de seus irmãos.
— Temos um bom relacionamento com a maioria deles, — acrescentou
Indigo. — Só depende se Miane quer que nós estendamos a mão.
O bonito rosto de Drew estava extraordinariamente solene, os ricos cabelos
castanhos caíam despenteados, de seja lá o que ele fizera antes dessa reunião. —
O BlackSea deixou claro que não querem que se saiba quantas pessoas foram
levadas cativas.
Judd podia entender o cuidado do outro bando. Os changelings à base de
água tinham significativo poder agora, mas era um delicado equilíbrio.
A sua dependência da água e dos seus locais isolados fazia com que os mais
fracos fossem presas fáceis – e a Coorporação havia reconhecido isso. BlackSea
não poderia dispor de qualquer um para fazê-lo.
— O Canadá está cheio de água, — Sienna apontou de sua posição fora do
círculo de Hawke, sua camiseta azul marinho com marcas de tinta e pequenas
impressões de mão indicavam que ela viera de uma troca no berçário – e que os
filhotes estiveram em modo indisciplinado.
Apesar de sua posição como companheira de Hawke e suas próprias
violentas habilidades psíquicas, a sobrinha cardeal de Judd fez a escolha de ir
passo a passo através do mesmo treinamento que seus colegas. Como resultado,
não era tecnicamente um membro sênior de SnowDancer com direito a estar nesta
reunião, mas Hawke pediu para ela participar de tais reuniões quando e se ela
pudesse, porque futuramente, seus companheiros de bando começariam a
procurar nela respostas de sua capacidade como companheira de seu alfa.
Era bom para Sienna começar a assumir esse papel agora, mesmo enquanto
continuava seu treinamento de soldado normal. Judd esperava que sua sobrinha
protestasse, já que deixara claro que não queria passar por cima da hierarquia –
não que alguém tivesse contestado seu direito de fazê-lo depois do que fez em
defesa de SnowDancer – mas Sienna concordou com o pedido de Hawke e parecia
se concentrar muito em aprender todos os aspectos do que significava ser a
companheira de um alfa poderoso.
O amor dá muito mais do que leva. E o amor nos faz querer dar.
Palavras do Padre Xavier Perez. O amigo e companheiro rebelde de Judd
estava atualmente em algum lugar na América do Sul, procurando a mulher que
amava. O macho humano já deveria ter chegado a ela, mas sofreu ferimentos
significativos no dia em que chegou ao Peru, após um motorista perder o controle
do veículo e subir na calçada. Apenas no mês passado que finalmente ficou bem o
suficiente para continuar sua busca no terreno acidentado.
Judd se ofereceu para teletransportar Xavier para seu destino, assim como
Kaleb, mas Xavier era inflexível em que ele mesmo precisava fazer isso.
Preciso provar que a mereço.
Compreendendo a profundidade da necessidade de Xavier de uma maneira
que não teria antes de conhecer Brenna, Judd voltou sua atenção para o assunto
em questão. Riaz acenava com a cabeça para Sienna. — BlackSea deve ter pessoas
de alto risco usando os lagos canadenses como seu habitat primário, — disse o
outro tenente. — Miane não vai querer comprometê-los. Por outro lado, isso
significa que os changelings da água têm muitos olhos e ouvidos no país, caso
precisem deles.
— Ficaremos com a liderança de Blacksea, — disse Hawke. — Riaz, Kenji,
fique em contato com eles, ofereça nossa ajuda. — Ele empurrou as mangas de sua
camisa. — Lucas também pediu para todos nós ficarmos com os ouvidos abertos
para qualquer coisa relacionada à Naya. Parece que alguns Psy na Net estão
olhando na direção dela, e o interesse não é amigável. — O azul-lobo dos olhos de
Hawke se tornou frio enquanto falava, o poder que saía dele uma força quase
palpável.
Havia uma razão para que mesmo um Psy fosse muito cuidadoso ao lidar
com fortes alfas changeling. Às vezes, Judd se perguntava como sua sobrinha
lidava com seu companheiro. Sienna era um poder, um afiado em circunstâncias
brutais, mas era jovem... E desafiava Hawke desde o instante em que colocou o pé
na cova, nunca retrocedendo, mesmo quando seria prudente. Era um lembrete de
que sua sobrinha tinha sua própria raia selvagem, selvagem o suficiente para lidar
com o lobo selvagem que era seu companheiro.
— Lucas ficará bem se eu transmitir as notícias para meus contatos? —
Judd perguntou, não dizendo o nome de Kaleb, embora todos presentes aqui
soubessem que ele e o telecinético mais perigoso do mundo eram amigos. Era um
velho hábito proteger a identidade do outro homem, desde o momento em que os
dois – e Xavier – eram rebeldes trabalhando nas sombras.
Hawke fez um curto aceno de cabeça. — Use seu julgamento, fale somente
às pessoas que confia para cuidar dos interesses de Naya.
Kaleb não era bom em qualquer sentido comum da palavra, mas Judd sabia
que o outro homem nunca prejudicaria um filho DarkRiver, pela simples razão de
que DarkRiver era importante para sua companheira. E o que era importante para
Sahara, Kaleb protegia. — Farei isso agora. — Separando-se do grupo, fez a ligação.
Era cedo em Moscou, mas tinha a sensação de que o outro homem estaria
acordado.
Ele estava certo.
— Lançarei um programa de rastreamento na Net para ouvir menções a
criança, — Kaleb respondeu após Judd explicar a situação.
Compreendendo como Kaleb via os montantes complexos de dados que
poderia peneirar num instante, Judd agradeceu ao amigo.
A resposta de Kaleb foi simples. — DarkRiver protegeu e cuidou de Sahara
quando ela precisou.
Essas palavras diziam muito sobre a lealdade de que este homem mortal
era capaz, dos limites em que iria para proteger as raras pessoas que ganharam
essa lealdade. Também sugeria outro aspecto de sua personalidade, da vingança
implacável que ele aplicaria se alguém alguma vez prejudicasse Sahara.
Preto e branco, ambos existiam em Kaleb.
Viver no cinza era algo que ele fazia com facilidade.
— Já ouviu algo de Xavier? — Judd perguntou, tendo há muito tempo aceito
a dualidade da natureza que era Kaleb Krychek.
— Há uma semana, — respondeu Kaleb. — Ofereci teletransportá-lo, mas
ele continua insistindo que precisa andar sozinho durante este tempo.
Kaleb nunca realmente demonstrou emoção, nem mesmo entre amigos.
Provavelmente apenas Sahara via esse lado dele. Mas naquele momento, Judd teve
a sensação de que o outro homem estava frustrado com a intransigência de Xavier.
Judd também. Mas algumas coisas ninguém podia forçar. — Ele sabe que pode
nos pedir ajuda a qualquer momento.
Que responderiam imediatamente a esse chamado era um juramento não
dito.
Kaleb não respondeu a isso – nada precisava ser dito, não entre dois
homens que lutaram lado a lado por tanto tempo. — Eu tenho que ir, — ele disse
em vez disso. — Encontro com Ena Mercant.
Judd levantou uma sobrancelha. Ele estava fora da PsyNet por quase
quatro anos, mas tinha laços profundos com seus companheiros Arrows. Como
resultado dessa conexão e as informações a que lhe deu acesso, sabia que os
Mercants continuavam sendo um poder fantasma. Dizia-se que a família tinha
mais espiões na Net do que todos os outros combinados. Silver Mercant era auxiliar
de Kaleb, mas Ena Mercant era a matriarca reclusa da família, que não era vista
em público há anos. — Você a chantageou?
— Recebi um convite, — respondeu Kaleb. — Estou pensando em levar
Silver para testar qualquer alimento ou bebida oferecida com venenos. Ena tem
uma reputação de eficiência implacável.
Lá estava, aquele senso de humor que a maioria do mundo simplesmente
não entendia, muito menos compreendia. Judd sabia que Kaleb nunca seria nada
mais que cinza, mas seu amigo tinha muito mais luz nele desde que Sahara voltou
para sua vida. Judd entendia o que o amor poderia fazer a um homem. Ele também,
uma vez andou na escuridão, uma vez acreditou que seria nada além de um
assassino, sua capacidade de separar as células de um corpo uma maldição.
Precisou que certa loba teimosa ensinasse um novo caminho, o lembrasse
que era um homem, que tinha direito à vida e ao amor. Brenna nunca afastou os
olhos da escuridão dentro dele – ela a abraçara simplesmente como outra faceta de
sua natureza. Como Sahara abraçou Kaleb. Como esperavam que a Nina de Xavier
abraçasse seu amigo.
— Mandarei um grupo de busca se não voltar de sua reunião, — disse para
Kaleb. — Embora até mesmo os Arrows concordem que se um Mercant enterra um
corpo, permanece enterrado. — Curiosamente, nenhum Mercant nunca esteve na
equipe; essa família tinha uma maneira de sustentar seus filhos.
— Vê porque os quero do meu lado, — disse Kaleb antes de desligar.
Judd retornou à reunião para encontrar os outros discutindo detalhes de
algo que a curandeira de SnowDancer, Lara, havia proposto em conjunto com a
curandeira de DarkRiver, Tamsyn, duas semanas antes. As duas curandeiras
recomendaram fortemente uma festa SnowDancer-DarkRiver, a ser organizada em
torno do nascimento dos bebês de Mercy e Riley. Hawke e Lucas concordaram,
então agora era um caso de descobrir os detalhes e descobrir quem deveria fazer o
quê.
— Coloque Mercy no comando, — disse Indigo, para surpresa de Judd.
Não por Indigo nomear uma leopardo – as duas mulheres eram amigas
íntimas. Não, era porque o planejamento de festas não estava exatamente na
descrição do cargo de uma dominante predatória changeling. As maternais e
submissas eram muito mais experientes em assumir o controle de todos aqueles
que precisavam ser controlados para fazer um evento.
Então Indigo acrescentou: — Ela está ficando louca, e isso é algo que ela
pode trabalhar com Riley absorvendo o lado lobo das coisas. Para o material físico,
ela pode arrastar ajudantes de qualquer dos bandos.
— Luc sugeriu o mesmo. — Os olhos de Hawke brilharam com humor
lupino. — Acho que o gato teme que Mercy arranque a cabeça de alguém se não
tiver algo para fazer agora que não pode fazer a patrulha e as curandeiras pediram
a ela para não ir trabalhar na CTX.
Judd sabia que Mercy trabalhava em comunicações quando não estava
cumprindo seus deveres como sentinela de DarkRiver. Era um trabalho que
poderia fazer, mas exigiria viagens diárias, e provavelmente cansativas, de ida e
volta a San Francisco, o que também significaria que não estaria muito perto da
curandeira DarkRiver durante a maior parte do dia.
Ninguém queria correr esse risco, menos ainda, Mercy ou Riley.
— É uma boa idéia, — Judd se viu dizendo depois de processar os pontos
de Indigo. — Mercy é sociável e tem experiência em comunicações. Além disso, com
ela já fora da rotação, não significará uma mudança na lista de serviço de
DarkRiver.
— E não temos que nos preocupar que não levará em conta a perspectiva
do lobo, — disse Drew numa voz que demonstrava abertamente o amor por seu
irmão e a companheira leopardo de Riley. — Ela e Riley querem que os filhotes
cresçam na casa dos DarkRiver e SnowDancer.
Hawke sorriu. — A minha aposta é quatro filhotes lobo.
Com os olhos dourados indo para lobo, Riaz bufou. — Falamos de Mercy
aqui. Provavelmente produzirá todos os filhotes. Cinco como ela.
Os outros vaiaram sua previsão, fazendo suas próprias apostas conforme
falavam. Judd fez uma aposta de dois e dois. A palavra era que o animal changeling
dos bebês estaria ligado ao domínio de cada um dos respectivos progenitores, e
Judd não estava disposto a apostar contra Mercy ou Riley. Era o emparelhamento
dominante mais equilibrado que já vira. E achava que Mercy não estava grande o
suficiente para carregar quíntuplos. Trigêmeos ou quadrigêmeos eram muito mais
prováveis.
Um aumento repentino no nível de ruído invadiu a discussão amigável do
grupo.
Capítulo 6
Nina,
Estou sentado, cercado pela imagem fantasma do que uma vez foi nossa
aldeia. São meros três meses desde o ataque Psy e não há nada mais aqui. Todos
os corpos desapareceram, bem como as casas. Nenhum sinal permanece do lugar
vibrante que era nossa casa.
Posso ouvir você rir com a ideia de que eu escreva uma carta. Nunca te escrevi
notas românticas de amor como Jorge fazia para Fiorella, mesmo após me dar tantas
dicas que poderia ter me batido na cabeça com um martelo. Por que eu deveria
escrever cartas, eu pensava, quando minha Nina está aqui ao meu lado, e posso
amá-la com a minha voz, minhas mãos, meu corpo?
Mas agora eu perdi você e tudo que me resta é papel e tinta.
Vi você passar do penhasco para dentro do rio. Eu fiz você saltar. Achei que
você estaria segura, que as águas a levariam para longe da carnificina.
O silêncio aqui é feio, obsceno. Um manto pesado.
Nos meses desde que os Psys assassinaram todos aqueles que amamos, eu
voltei aqui muitas vezes esperando que você fizesse o seu caminho de volta, mas não
encontrei nenhum traço de você. Ninguém sabe de uma mulher que saiu do rio.
Ninguém ouviu falar da minha Nina. Não estou desistindo. Eu nunca vou desistir.
Porque no dia em que tive idade suficiente para lembrar os meus próprios
pensamentos, eu sabia duas coisas: que eu era um homem de Deus, e que um dia,
eu me casaria com você.
Eu vou te encontrar, Nina. Não importa o que seja preciso ou quanto tempo
eu tenha que procurar. Vou te encontrar.
Seu Xavier
Capítulo 7
Kaleb não falou a sério quando disse a Judd que estava pensando em levar
Silver com ele para o encontro com Ena Mercant, mas quando sua assessora sênior
entrou em seu escritório enquanto ele abotoava o casaco de seu terno azul marinho
com riscas, ele considerou isso por um instante. Porque os Mercants eram...
Incomuns.
Em termos políticos e em termos de sua rede de inteligência, sua
importância era de longo alcance. A maioria das pessoas os via como jogadores
fantasmas que desejavam manipular fantoches em posições de poder, mas Kaleb
sempre viu algo diferente: uma família que havia permanecido uma família,
independentemente do Silêncio. Eles eram uma unidade totalmente integrada, com
profunda lealdade de sangue um pelo outro.
Kaleb contratou Silver primeiramente porque queria uma proximidade com
os Mercants, a manteve mesmo após descobrir que conseguir a confiança dos
Mercants não era nada tão simples. Foi uma decisão fácil: Silver era a melhor
assistente que já tivera, alguém que trabalhava de maneira eficiente com ele e para
ele – conforme evidenciado pelo fato de que estava aqui tão cedo naquela manhã.
No entanto, Silver também tinha a capacidade crítica para tomar decisões
independentes e tomar as medidas necessárias para dar ação a essas decisões.
Kaleb não confiava nela. Ele confiava em poucas pessoas, mas há muito
decidiu que ela trazendo a família Mercant com ela ou não, Silver, sozinha, tinha
um valor considerável.
Ela provou aquele valor com sua próxima pergunta.
— Senhor, — disse. — Gostaria que eu o acompanhasse nesta reunião?
— Não, — ele respondeu, ao mesmo tempo criando um filtro psíquico para
qualquer menção à filha de Lucas Hunter. Seria executado silenciosamente em
segundo plano desde que não o desligasse. — Acho que sua avó e eu deveríamos
conversar sozinhos.
A expressão de Silver não se alterou. Ela sempre estava friamente composta,
não importava a pressão, com o cabelo loiro gelo preso ordenadamente num
sofisticado coque e seu corpo vestido com terno e saia combinando com saltos
altos. Hoje o terno era cinza, a camisa branca. Os saltos eram negros. Kaleb só
notava coisas assim porque os via como ferramentas – Silver era inteligente demais
para usar saltos impraticáveis, a menos que eles lhe dessem alguma vantagem.
— Se eu puder fazer uma sugestão, — ela disse.
Kaleb assentiu. Ele estava bem consciente de sua própria força e poder,
mas arrogância era uma falha que tentava não cultivar. Conduzia apenas a
resultados amargos. Como no caso de Ming LeBon, lutando para fazer um lugar
para si no mundo após perder o controle sobre o plantel mais letal de assassinos
já conhecidos. Se Ming ainda tivesse a lealdade dos Arrows, teria mais poder do
que Kaleb.
Mas onde Kaleb tinha Sahara para mantê-lo ancorado, para mantê-lo o
mais honesto que podia ser, Ming não tinha ninguém que pudesse realmente
confiar. Era difícil construir essa confiança quando subordinados viviam em
constante medo de morte ou tortura, desde que Ming não tolerava erros. Kaleb
também não tolerava, mas não punia erros que eram genuínos – ou aqueles feitos
na busca de um objetivo que valesse a pena. Ele era conhecido por promover não
só vencedores, mas também aqueles que falharam e, então, se reerguiam e
tentavam novamente. Fazer o contrário era abafar toda a inovação.
Acima de tudo, seu povo sabia que ele nunca esquecia aqueles que foram
leais.
Como não esqueceu Silver quando chegou a hora de promover alguém para
coordenar a Rede de Resposta de Emergência em todo o mundo. Sim, Sahara tivera
que cutucá-lo, mas apenas porque ele não queria perder a atenção de Silver para
a rede, não porque não tivesse confiança na sua competência para a tarefa.
— Avó Mercant está predisposta a trabalhar com você, — disse Silver
enquanto aqueles pensamentos passavam rapidamente por sua cabeça. — Não
insulte a inteligência dela em nenhum momento, mentindo ou contornando a
verdade, e sairá da reunião com tudo o que quiser.
Kaleb segurou o olhar de Silver, a cor de uma sombra de luz incomum que
era a marca do ramo da árvore genealógica Mercant. Seu irmão tinha os mesmos
olhos, bem como sua mãe e sua avó. — Entendido, — ele disse. — Estou surpreso
que esteja me oferecendo conselhos que podem me ajudar a superar sua própria
avó.
— Não é sobre superar, — Silver respondeu. — Trata-se de garantir que não
cometa um erro que custará para ambas as partes a longo prazo.
Kaleb compreendeu o contexto: Os Mercants, por algum motivo, decidiram
recebê-lo no rebanho. Tudo que ele precisava fazer era aceitar aquelas boas-vindas
e trabalhar com eles. — Obrigado, Silver.
Inclinando a cabeça, ela passou um organizador fino que era um protótipo
de uma das empresas de Kaleb. — Se pudesse assinar este contrato antes de ir.
Kaleb examinou o texto para se certificar de que estava exatamente como
queria, e assinou. — Sem interrupções, a menos que seja uma emergência.
— Sim, senhor.
Depois de já ter obtido um ponto nas coordenadas visuais que lhe deram,
Kaleb teletransportou-se para o local da reunião – embora pudesse ter se
teletransportado diretamente na sala de Ena Mercant. Apesar de sua tendência a
ficar de fora dos holofotes, ele tivera uma recente visão do rosto dela. Nem todos os
teletransportadores podiam usar tanto pessoas quanto lugares, mas Kaleb nascera
com a habilidade.
No entanto, usá-la nestas circunstâncias seria um insulto grave à sua
anfitriã.
Não pude resistir, sussurrou uma familiar voz telepática, levada através de
seu vínculo e aumentada pela própria força de Kaleb até que Sahara pudesse
alcançá-lo telepaticamente, não importando a distância que os separava. Como é o
santuário interior de Ena Mercant?
A escuridão dentro de Kaleb se estendeu sob a luz que era Sahara. Ainda
está na cama? Ele a deixara quente, sonolenta e ruborizada de seu beijo quando
se teletransportou para o escritório.
Sabe quão sexy fica quando veste estes ternos? Foi a resposta dela.
Especialmente quando abotoa sua camisa, então coloca suas abotoaduras. Assistir
você é como ter um sonho erótico ao acordar.
Kaleb sorriu. Sim, eu sei. Sahara havia deixado isso claro pela maneira que
o assistia, pelo número de vezes que o arrastara para a cama após tomar seu banho
e se vestir. Devo parar?
Venha para casa e me provoque após esta reunião. Você saiu muito cedo.
Seu sorriso interior aprofundou-se mais enquanto mantinha o rosto
inexpressivo. Tenho um império para comandar.
Pfft. O que é outro milhão ou cinco quando você tem... Eu nem sequer sei
quanto dinheiro você tem.
Muito. E é nosso, não meu. Ele construíra o império para ela, construíra
tudo para ela. Esta localização da casa de Ena Mercant é idêntica à imagem que
mostrei a você. Um chão frio de pedra escura, paredes cinza de aço, sofás de um
cinza mais escuro.
Sério? Uma pitada de decepção. Esperava algo inesperado. Ela é uma
Mercant depois de tudo.
Kaleb olhou ao redor da sala, viu o que havia perdido quando entrou. Há
um vaso de rosas vermelho-escuro ao longo de uma parede. Um único e violento
toque de cor no cinza. Talvez um lembrete sutil de que aqueles que cruzam contra
os Mercants têm mortes sangrentas?
Não brinque, Sahara ordenou; seu tom de voz não mais brincalhão. Essas
pessoas são perigosas.
Eu também, ele lembrou à mulher que se preocupava com ele, que o amava,
com cicatrizes internas e todo o resto. Mas prometo não tomar nada como garantido.
Os Mercants podem ser inimigos letais.
Ele andou para as grandes janelas inclinadas com vista para um
desfiladeiro enevoado. Começava a anoitecer nesta parte do mundo, mas as janelas
de Ena não davam para a brilhante cidade com luzes cintilantes. Não, para além
do desfiladeiro havia rocha escarpada, e então, o mar batendo. Isto é interessante.
Ele enviou para Sahara uma imagem do que estava vendo.
Seus sentidos o alertaram para outra presença quase no mesmo instante.
Virando-se, ele viu uma mulher que era Silver com mais cinquenta anos de
vida. Os mesmos olhos, o mesmo rosto bem definido. A diferença era que o cabelo
de Ena Mercant era seda branca e ela não usava um terno de saia, mas calças que
se moviam fluidas ao redor das suas pernas, a cor do tecido semelhante ao do café
com leite que Sahara fez Kaleb tentar três dias antes. A blusa de Ena era da mesma
cor e do mesmo tecido e descia até os quadris enquanto cobria seus braços.
Em seus pés estavam sapatilhas pretas. Ela também usava um colar de
prata que vinham abaixo de seus seios e ancorava um pingente de metal
ornamentado com um núcleo vermelho.
Psys raramente usavam joias, mas Kaleb tinha um sentimento que isto não
era apenas uma joia. — Ena, — ele disse, deliberadamente usando seu primeiro
nome.
Ena Mercant podia ser uma sombra de poder, mas Kaleb era uma potência.
Melhor que ela não se esquecesse disso. Sua decisão não era arrogância,
mas frio pensamento tático que levou à sua meteórica ascensão – e que o manteve
no topo da cadeia alimentar. Mesmo Pax Marshall, que estava flexionando sua força
contra muitos outros, deu a Kaleb um amplo espaço.
— Kaleb. — A voz de Ena Mercant tinha uma aspereza que parecia natural.
— O que acha da vista?
Voltando-se para a vista conforme ela vinha ficar ao lado dele, ele disse, —
É semelhante a minha própria visão em casa. — Seu deque se projetava sobre um
desfiladeiro tão íngreme quanto. — Não quer estar mais perto de uma área
metropolitana? — Essa era a escolha feita pela maioria dos Psy.
— Você quer? — Os olhos de Ena permaneceram nas ondas de formação de
espuma à distância.
— Não, mas sou um teletransportador.
Uma inclinação graciosa da cabeça de Ena. — Um ponto bem feito. — Ela
moveu a mão. — Venha, sente-se, vamos conversar.
***
Sascha desligou depois de uma conversa inquietante com Ivy Jane. Sua
companheira E e presidente do Grupo Empático havia ligado para discutir as
informações que acabara de receber de Kaleb Krychek. Vindo após a possível
ameaça para Naya sobre a qual Lucas alertara Sascha anteriormente naquele dia,
a deixara preocupada em vários níveis.
Naya era sua primeira prioridade e sempre seria, mas havia dezenas de
milhares de crianças na PsyNet, também. Mesmo que a Honeycomb significasse
que a PsyNet não entraria em colapso sobre eles como fez nas seções antes do
despertar dos Es, a desintegração e a fraqueza escondida dentro disso deveria estar
tendo um impacto em todos aquelas jovens mentes em desenvolvimento.
Frustrava-a que não fosse capaz de dar quaisquer respostas a Ivy. Parte
disso era porque ela estava fora da PsyNet desde sua deserção, e recebia as
informações de segunda mão, mas principalmente porque todos estavam
tropeçando no escuro. Ninguém sabia a extensão exata dos danos causados por
uma centena de anos de condicionamento forçado, apagando emoções.
— Chegando, — ela disse quando Naya fez um som de questionamento da
sala de estar.
Teria soado como li te para a maioria das pessoas. Sascha sabia que sua
filha estava pedindo seu leite. Deixando de lado as questões perseguindo seus
pensamentos por agora – Naya era muito boa em pegar nuances emocionais –
Sascha respirou fundo para se acalmar. — Já vou, querida.
Ela acabara de pegar o leite para aquecê-lo lentamente no fogão quando Ivy
ligara. Naya gostava quando Sascha fazia seu leite dessa forma, especialmente se
polvilhasse um pouco de chocolate.
— Tal mãe, tal filha, — dizia Lucas com um sorriso pecaminoso cada vez
que via Sascha polvilhando chocolate no leite de Naya. Não muito, nunca o
suficiente para prejudicar a saúde do seu bebê. Apenas o gosto mais ínfimo para
tornar isto um agrado às vezes, agora que Naya começava a se tornar mais
aventureira com suas escolhas alimentares. O leite seguraria Naya até que Lucas
chegasse em casa e pudessem jantar juntos – changelings tentavam ter refeições
junto com seus filhotes sempre que possível.
A mente de Naya tocou a dela então, enviando para ela pensamentos
famintos.
Os lábios de Sascha puxaram para cima nos cantos, todo o estresse de
repente se derretendo. — Eu sei que não está morrendo de fome, pequenininha, —
disse ela, inundando sua resposta com emoção para que Naya entendesse o que
ela queria dizer.
O bebê deles era inteligente, mas ainda era um bebê.
Risos culpados soaram da área de estar. Mesmo enquanto seu sorriso se
aprofundava, Sascha disse a si mesma para ser firme. Era extremamente difícil
quando Naya era inteligente o suficiente para saber que podia sair de problemas
sendo adorável, e quando Sascha tinha pavor de alguma vez ferir o coração de seu
bebê como o seu foi ferido quando era uma criança vulnerável. Conscientemente,
entendia que uma correção suave não era nada como as duras lições que foram
ensinadas a ela quando criança, mas precisava verdadeiramente se esforçar para
colocar isso em prática.
Toda vez que começava a reincidir em ser demasiada permissiva, lembrava
a si mesma que Naya era uma criança feliz e bem estabelecida, sabia que era
profundamente amada. Ela pedia por carinho sempre que precisava, com zero
expectativa de ser recusada ou rejeitada – a ideia simplesmente não fazia parte de
sua visão de mundo, exatamente como Sascha queria para ela. Ela também estava
segura o suficiente para ser desobediente.
Lucas tivera que perseguir Naya pela casa inteira na hora de dormir na
última noite – seu andar ainda podia ser um pouco instável, mas ela era um foguete
quando se tratava de rastejar. Vestindo apenas uma fralda, ela rira ruidosamente
e dissera um alto e firme Não cada vez que Lucas a pegava e colocava em seu berço.
Depois disso, escalava para fora – ela descobriu como escapar um mês antes
– e o jogo começaria novamente. Claro que, uma vez que Lucas era um gato, ele se
divertiu tanto quanto sua filha. Enquanto isso, Sascha estivera sentada na sala de
estar com uma xícara de chocolate quente e apenas aproveitara a visão de seu
companheiro brincando com o filhote deles.
Ela precisou fingir severidade quando Naya correu e apresentara seu caso
com sons altos e gesticulações selvagens das mãos. — Não, Naya, — ela disse,
mordendo a língua num esforço para não rir. — É hora de dormir. Vá com o papai.
Nesse ponto, Naya rosnou para ela, os olhos brilhando de malícia.
E Sascha quebrou, rindo tanto que precisou abaixar sua xícara de chocolate
quente antes que a derramasse. Lucas sacudiu a cabeça enquanto Naya sentava
no seu bumbum coberto de fralda e se juntava a ela, batendo as mãos por ter feito
a mamãe rir. — Nenhuma disciplina. — Lucas rosnou de brincadeira para ela antes
de pegar seu bebê mal comportado. — E você, — um carinho rosnado que fez Naya
rir mais e acariciar a bochecha dele, — hora de dormir.
Ele finalmente conseguiu fazê-la dormir – caminhando com ela pressionada
contra seu peito nu.
Hoje, seu filhote brincava na sala de estar do lado de fora da cozinha.
Sascha trancou a porta para garantir que Naya não abrisse a trava e saísse para a
varanda, e Lucas deixou toda a área principal do aerie à prova de crianças, para
que Naya ficasse livre para vaguear quanto quisesse. Uma grande parte do tempo
ela praticava suas habilidades em caminhar. E não importava quantas vezes caía,
levantava novamente após uma pequena pausa.
Bebê teimoso e determinado.
Espreitando para fora da cozinha, Sascha encontrou-a concentrada em
empilhar os blocos do alfabeto coloridos que Faith e Vaughn deram a ela como
presente. Ao lado dela estava um mais do que ligeiramente gasto lobo de pelúcia,
também conhecido como O Brinquedo Que Não Deve Ser Nomeado. Hawke dera
aquilo à Naya quando era uma recém-nascida, e continuou sendo seu brinquedo
favorito para aconchegar-se, para grande desespero de seu pai.
Embora Lucas gostasse quando Naya ficava toda leopardo com o brinquedo,
rosnando e lutando com o lobo. Então, sorria e dizia, — Essa é minha garota.
Rindo baixinho e fazendo uma nota para roubar o brinquedo para uma
lavagem após Naya dormir uma noite naquela semana, Sascha voltou sua atenção
para agitar o leite aquecendo lentamente. Enquanto esperava atingir a temperatura
ideal, pegou um organizador com a outra mão para terminar de ler uma nota de
Tamsyn sobre o evento conjunto DarkRiver-SnowDancer que ela e Lara
propuseram para celebrar o nascimento dos bebês de Mercy e Riley.
Os lobinhos-gatinhos, depois de tudo, pertenceriam a ambas as matilhas.
É uma boa desculpa para reconhecer quão profundamente as duas matilhas
estão ligadas agora, a curadora da matilha escrevera. Acho que precisamos
reconhecer isso, fazer com que todos se acostumem com o fato de que, com o
nascimento dos lobinhos-gatinhos, nos tornaremos verdadeiramente duas partes
independentes de um todo muito mais forte.
À sua mensagem original, Tamsyn adicionou uma atualização: SnowDancer
sugeriu que Mercy assumisse a liderança nesta matéria. Posso ver o ponto deles.
Sascha sorriu. Lucas decidira sobre Mercy também, mas estivera esperando
para ouvir uma resposta dos lobos, ver se insistiriam numa abordagem mais
próxima. Ele ficaria chateado que ele e os lobos – especialmente Hawke – estavam
na mesma vibe.
Sorrindo, enviou uma mensagem para Tamsyn, agradecendo a curadora
pela atualização e dizendo que a passaria para Lucas quando ele voltasse para
casa. Ela e seu companheiro revezavam as tarefas de cuidar da criança durante as
vezes que Naya estava em casa, mas nunca ficavam fora de contato um com o outro
ou com a matilha.
Como alfa, Lucas tinha a carga de trabalho mais pesada, mas Sascha fez
seu próprio lugar em DarkRiver, era o principal ponto de contato para diversas
questões para que ele pudesse ficar livre para se concentrar no quadro mais amplo.
Ela sentia falta de Naya quando ficava longe dela, mas filhotes changeling
prosperavam na interação social com outros companheiros de matilha. Como
resultado, Naya ficava muitas vezes na creche ou em encontros de brincadeiras
com amigos.
Consciente das responsabilidades que caíam sobre os ombros do par alfa,
seus companheiros de matilha estavam mais do que dispostos a assumir o
comando total dos referidos encontros para brincar, mas Sascha e Lucas
assumiam alguns turnos como anfitriões.
Naya precisava ver seus pais tanto quanto qualquer outro filhote.
A matilha era construída sobre os laços de família.
Deixando de lado o organizador enquanto o leite aquecia a apenas um pouco
mais quente do que a temperatura que Naya gostava, ela desligou o fogo e
cuidadosamente derramou o leite em um copo com canudinho. Estaria na
temperatura certa no momento em que colocasse nas mãos impacientes de Naya.
Ela estava polvilhando chocolate preto – de seu estoque pessoal, cortesia de seu
companheiro – quando sentiu uma ondulação ao longo da ligação de acasalamento
que a ligava ao homem que era seu coração.
Ela sorriu e olhou para Naya. — O papai está quase em casa.
Com o rosto se iluminando, Naya correu para a porta com as pernas
bambas. Ela bateu as pequenas palmas contra ela, enquanto dizia: — Pa-pai! Pa-
pai! — O desenvolvimento de sua fala e habilidades de compreensão estavam mais
perto da linha de tempo Psy do que a changeling, um resultado provável do
constante contato telepático com sua mãe.
Sascha fechou a tampa do copo de canudinho antes que ela andasse
descalça para pegar sua filha. Só depois que a segurava firme que desbloqueou a
porta e a abriu para a escuridão do começo da noite. Lucas pulou para a varanda
menos de um minuto depois.
Ele claramente correra como um louco desde onde normalmente
estacionava seu carro durante a noite; changelings tomavam cuidado para não
estragar o ambiente em que habitavam, e se isso significava uma longa corrida
para casa, que assim fosse. A camiseta de Lucas estava grudada no peito dele,
aquele peito arfando. Dada sua condição física, ele deve ter corrido muito rápido.
— Correndo para bater seu melhor tempo? — Sascha perguntou enquanto
Naya estendia os bracinhos para seu pai, contorcendo-se animada.
O sorriso de Lucas era puro pecado, seus olhos verdes todo pantera então.
Dando um beijo na bochecha de Naya depois de pegá-la em seus braços, ele puxou
Sascha para perto com um aperto na nuca dela e reivindicou sua boca num beijo
distintamente adulto. Mesmo após mais de três anos como sua companheira, os
ossos de Sascha se derretiam.
Pressionando as mãos contra o peito dele, o coração batendo forte e rápido
sob as palmas das mãos dela e o cheiro de suor e homem ao seu redor, ela se
levantou na ponta dos pés, apenas quebrando o beijo quando seus pulmões
protestaram. — Estou feliz que está em casa. — Ela não o via desde as seis horas
daquela manhã, quando ele tivera que sair para uma chamada de conferência
internacional realizada na sala de comunicação da sede de DarkRiver em
Chinatown. A respeito do frágil e novo Acordo Trino, teria participantes demais
para ele fazer a reunião da tela de comunicação da casa deles.
Desde que Sascha não tinha reuniões externas, ela escolheu ficar em casa
com Naya, embora elas mal tivessem ficado em casa. Além da sessão de jogos da
tarde, saíram durante uma hora de manhã para que Naya pudesse brincar com o
bebê de Anu – a doce criança de dois anos de idade e que Naya ficara amiga
rapidamente.
Sascha aproveitou a oportunidade para tomar um café com Anu enquanto
as duas observavam seus filhos brincarem. Ela esperara histórias de travessuras
dos jovens da alegre mulher maternal, a tarefa de Anu na matilha era monitorar a
saúde emocional do grupo de onze a treze anos de idade, mas Anu a chocou com a
notícia de que as crianças não fizeram nenhuma travessura durante a semana
passada.
— O bom comportamento não vai durar, — ela previu com solenidade falsa,
seu bonito rosto rechonchudo definido em linhas suspeitas. — Estão apenas
embalando-nos numa falsa sensação de segurança. Então... Atacam!
Sascha estava pensando que ela deveria compartilhar o comentário de Anu
com Lucas quando ele beliscou seu lábio inferior.
— Estou feliz por estar em casa, — ele disse. — Foi um inferno de dia. —
Outro beijo, este forte e rápido, antes de olhar para Naya novamente. — Por que
está puxando o cabelo do papai?
O sorriso de Naya era pura alegria felina. — Ooo!
Sascha ficou com o estômago tenso, num esforço para combater o riso;
sabia que isso só incentivaria sua filha. Mas, Deus, era difícil – ela não tinha ideia
de como Tamsyn fazia isso com seus gêmeos. Que, aliás, ensinaram a Naya a
palavra oops, como uma forma de responder quando pego causando problemas.
Ela só podia pronunciar ooo, mas o seu significado era claro. Ela também sabia os
nomes dos gêmeos, embora não pudesse dizer Roman e Julian ainda, apenas Ro e
Jul.
— Ooo está certo. — Lucas rosnou para Naya.
Naya rosnou de volta, o som tão adorável e o orgulho de seu filhote em fazer
isso tão enorme, tão feliz, que mais uma vez Sascha simplesmente não conseguiu
manter uma cara séria. Afastando-se para esconder os olhos molhados e a risada
para que Naya não percebesse quão facilmente podia sair de problemas sendo fofa,
ela respirou fundo. Só quando estava sob controle, se virou e pegou Naya em seus
braços. — Vamos lá, vamos tomar seu leite para que seu papai possa tomar banho.
Seguindo-as, Lucas fechou a porta e trancou-a novamente. — É seguro
liberar a artista fujona.
Sascha amava segurar Naya, amava sentir seu peso quente, mas aprendera
que filhotes de leopardo changeling evoluíam melhor se lhes fosse permitido certa
independência desde uma idade jovem. Quando Naya quisesse um abraço, a
encontraria. Então roubou outro beijo na bochecha antes de colocar Naya no tapete
de brincadeiras no qual sua filha havia empilhado seus blocos. Então assistiu seu
companheiro caminhar em direção ao chuveiro.
O suspiro dela foi profundo.
Era injusto quão bom ele parecia num velho par de jeans e uma camiseta
simples.
Olhando por cima do ombro enquanto ele alcançava as telas de segurança
dobradas e arrumadas que usavam para separar as áreas de estar e dormir quando
tinham convidados, Lucas sorriu. — Segure esse pensamento até que a nossa
princesa esteja dormindo.
Sascha continuou encarando sua pantera selvagem, deixando o gato saber
que vira aquilo rondando sob sua pele. — Oh, eu pretendo.
Uma risada antes de caminhar o resto do caminho para o chuveiro
localizado fora da área do quarto.
Indo para a cozinha, Sascha pegou o copo com canudinho e trouxe para
Naya. — Aqui está, menininha.
Naya segurou o copo à prova de crianças com mãos firmes, dedinhos ao
redor das alças de cada lado. Seus olhos se arregalaram quando ela tomou o
primeiro gole do canudinho projetado para garantir que o leite não derramaria caso
caísse das mãos dela. — Cho!
— Sim, chocolate. Você foi muito boa na casa de Anu – pensei que merecia
um mimo. — Levantando-se, foi até a cozinha para terminar os preparativos do
jantar. A refeição de Naya era fácil – quando Sascha deixou os gêmeos naquela
tarde, Tamsyn lhe dera um novo pote de ensopado apropriado para crianças, o qual
Naya amava.
Se somente a comida dos adultos fosse tão simples.
— Certo, — ela disse, e continuou o que estava fazendo antes de parar para
fazer o leite de Naya.
Ela ainda era uma péssima cozinheira no geral, mas aprendera a fazer
algumas coisas que eram à prova de falhas, e uma vez que Lucas garantira que
fossem alimentados por três dias seguidos, era justo ela pegar sua vez.
No entanto, não apenas suas habilidades como cozinheira eram sombrias,
ela não parecia nem um pouco sexy quanto Lucas cozinhando. Especialmente
desde que ele tinha uma tendência a caminhar ao redor da casa vestindo apenas
calças, os jeans pendurado precariamente baixo. Suspirando novamente com a
lembrança – então sorrindo porque ele provavelmente sairia do chuveiro com nada
além de uma toalha em torno dos quadris, ela colocou a batata com queijo que já
havia preparado no forno.
Seu plano era colocar isso com o frango que colocara para assar antes da
ligação preocupante de Ivy Jane. Ela cruzou os dedos para que o frango não
queimasse ou ficasse mal cozido. Mantinha-se como seu inimigo, juntamente com
uma série de outras coisas.
Pegando o organizador, entrou na sala de estar. Ela observou Naya
enquanto Lucas tomava banho, então deixou o trabalho de lado pelo dia. Mas
primeiro ela precisava responder a... — Epa!
Ela pulou ante a sensação de algo mordendo seu tornozelo, olhando para
baixo bem a tempo de ver uma cabeça preta peluda desaparecer sob a pequena
mesa de brinquedo rosa ao lado dela. Com os olhos arregalados, Sascha chegou
mais perto na ponta dos pés, estava prestes a olhar por baixo da mesa quando
sentiu uma profunda necessidade de fazer isso com seu companheiro ao lado dela.
Lucas, ela sussurrou, pegando-o através do vínculo de acasalamento.
O chuveiro desligou um segundo depois, e um Lucas gotejando, uma toalha
branca enrolada ao redor dos quadris exatamente como imaginara, entrou. — Qual
é o problema?
Sascha apenas apontou para a mesa e fez-lhe sinal para se ajoelhar.
Reconhecimento desceu naqueles olhos que rapidamente passaram de humano
para pantera, ele se ajoelhou ao lado dela. Então, juntos, pressionaram seu peso
sobre as palmas das mãos e olharam debaixo da mesa que Naya gostava de usar
para colocar seus brinquedos quando ela estava arrumando.
Olhos verdes de leopardo brilharam para eles antes de um pequeno filhote
de pantera pular para os braços deles, ou tentar. Ela não era muito coordenada,
mais deslizou pelo chão do que correu. Orgulho queimou em seus olhos, em sua
presença mental, em seu rosnado.
Lucas rosnou de volta, rindo e esfregando a cabecinha de Naya quando ela
tentou se lançar sobre ele. Sua concentração era de uma criança muito jovem,
então ela se virou para Sascha e tentou subir no colo dela, Sascha tendo se sentado
sobre os joelhos.
O coração de Sascha se abriu à primeira vista da nova forma de sua filha.
Preto escuro como o pai, exceto por aqueles olhos verdes brilhantes, suas rosetas
de leopardo escondidas no preto, Naya era surpreendentemente bela.
Lutando contra as lágrimas de felicidade, ela disse, — Inteligente, menina
inteligente. — Disseram a ela que crianças changeling transformavam-se com cerca
de um ano de idade, e com o aniversário de Naya a apenas uma semana de
distância, Sascha esteve atenta – mas pensou que sentiria uma mudança mental,
quando Naya se transformasse pela primeira vez. — Por que não senti você mudar?
— Porque é normal para ela. — Lucas virou de costas sobre o tapete de
brincadeiras, indiferente ao seu estado molhado.
Tomando o convite silencioso, Naya imediatamente correu para subir
laboriosamente no peito dele. Ela teve que descansar depois, seu corpo minúsculo
subindo e descendo sob a mão de Lucas. Uma vez recuperada, ficou de pé no peito
dele e tentou bater de brincadeira no rosto dele. Ele desviou-a com mãos suaves,
mas de uma forma que dizia a Naya que estava tudo bem continuar esta
brincadeira. — Ela sempre é Naya, independentemente da forma que toma.
— Mas quando você muda, parece mais selvagem. — Sascha não sabia de
que outra forma explicar isto.
— Ela é um bebê, mais perto de seu estado primitivo.
Naya olhou para cima e ronronou quando Sascha acariciou-a, e caiu sobre
a barriga, com as pernas abertas. Sascha ajudou-a a voltar para seus pés, onde
mais uma vez começou a luta com o pai, com a certeza de que Lucas poderia
facilmente lidar com os ataques dela.
— Sem garras. — Lucas pegou uma pequena pata e bateu nas garras.
Quando Naya fez sons de choramingos, garras ainda para fora, Lucas
liberou suas próprias garras, então as retraiu. Um segundo, dois, três, a cabeça de
Naya inclinou para o lado... E suas garras deslizaram para dentro. — Boa menina.
— Lucas beijou seu rosto.
Feliz, Naya virou para Sascha. Incapaz de resistir, Sascha pegou seu doce
bebê e abraçou-a. Seu pequeno coração batia tão rápido, sua pele tão macia.
Memórias colidiram na mente de Sascha do dia que segurou pela primeira vez um
filhote em forma animal. Julian era maior que Naya na época, mas tão lindo
quanto. Ela nunca poderia ter imaginado que um dia estaria segurando seu próprio
filhote. Seus olhos arderam.
Naya só permitiu que Sascha a segurasse por pouco tempo antes de se
contorcer para ser colocada no chão. Circulando Lucas e Sascha – caindo e se
levantando e escorregando – Naya rosnou e ronronou e tomava um descanso de
vez em quando contra seus pais.
Sascha, uma mão sobre o peito nu de Lucas, não podia deixar de observá-
la. — Lembra-se do dia que segurei Julian pela primeira vez?
— Quer dizer o dia que você se entregou?
Sascha sorriu por entre as lágrimas incipientes. — Eu gostaria de poder ter
mantido aquelas botas que ele mordeu.
— Você me manteve. Sou uma lembrança melhor. — Lucas levantou uma
perna para que ficasse dobrada no joelho, a toalha caindo imediatamente aberta
em ambos os lados da sua coxa musculosa.
A mente dela dividiu-se em duas. — Pare com isso, — ela ordenou para a
linda pantera adulta no chão enquanto uma linda pantera bebê tentava morder o
braço dele com dentes minúsculos de pantera. — Não posso ter você sendo todo
sexy enquanto Naya está sendo toda adorável.
Seu coração poderia explodir de forma permanente.
Ele riu, movendo sua parte da frente – e aquela toalha não se manteria por
muito tempo. Antes que pudesse arrastá-la para o lugar, o ar encheu-se de luz e
uma grande pantera negra agora estava ao lado dela. Deleitada, Naya tentou
morder a cauda de Lucas, mas não conseguiu pegá-la porque ele se mexeu.
Movendo-se naquela maneira adorável e cambaleante, ela tentou persegui-la – e
Lucas mexeu-a novamente.
Sascha riu enquanto Naya tentava pegá-la novamente.
O jogo simples a manteve entretida e animada até que se arrastou para o
colo de Sascha e adormeceu com a rapidez da criança que era. Acariciando suas
mãos através da pelagem macia de Naya, Sascha pegou um flash de luz pelo canto
do olho. — Agora você está nu. — Ela tentou encarar seu companheiro sem olhar
para seu corpo. — Quer me matar?
Rindo, Lucas moveu-se de modo que estava apoiado em seu braço por trás
dela, a parte inferior do seu corpo na maior parte fora do campo de visão dela. —
Mal posso esperar para levá-la para corridas, para ensiná-la sobre a floresta,
mostrar-lhe como subir até o aerie.
O coração sobrecarregado de Sascha bateu. — Oh Deus, ela será tão mais
móvel. — Enquanto ainda seria um bebê em todos os outros sentidos.
Lucas bateu em seu nariz. — Ela é um gato. Também vamos ensinar-lhe as
regras.
— Ela começará a saltar da sacada? — Era força em movimento quando
Lucas fazia isso. A ideia do corpinho de Naya voando de tão alto fez Sascha quase
hiperventilar.
Esfregando suas costas, Lucas fez um ronronar reconfortante em seu peito.
— Não amanhã ou no dia seguinte. Ela precisará de tempo para construir sua
força.
Sascha tinha a sensação de que ele estava aliviando-a ante o salto inevitável
de Naya, e ela estava bem com isso. Qualquer mulher teria de ser acariciada e
tranquilizada quando seu bebê estava prestes a começar a voar de uma varanda.
— Ela é tão bonita como um gato, também.
— É claro que ela é. — Lucas esfregou seu nariz contra ela. — Ela é sua
filha.
— Nossa.
— Nossa. — Dedos tecendo em seu cabelo solto, Lucas beijou-a com um
sorriso em seus lábios enquanto sua filha dormia no colo dela. Em algum momento
durante o beijo, Naya mudou espontaneamente de volta para a forma humana – e
o jantar queimou. Nem Lucas nem Sascha se importaram. Não com sua criança
roncando docemente em seus sonhos.
Capítulo 9
O arquiteto, aquele que uniu a Coorporação, aquele que teve a previsão para
ver a queda do Silêncio no horizonte e entendeu o vácuo de poder que deixaria no
mundo, considerou os dados mais recentes sobre o Acordo Trino.
Se bem sucedido, a Trindade e a consequente Unidade Federativa Terrestre
matariam a Coorporação, embora agora, o acordo parecesse tentar se manter à
tona. Ainda assim, o arquiteto não tomava nada como garantido. A Coorporação
tomara a decisão de ficar abaixo do radar para reagrupar-se após um membro do
escalão superior ser capturado pelo Esquadrão Arrow, mas isso não significava que
não poderiam agir em interrupções de pequena escala.
A Aliança Humana, por exemplo, teria pouca paciência para os assuntos da
Trindade se insurgentes anti-humanos começassem a criar problemas no seu
território. Como mostrou, o Arquiteto conhecia um destes grupos. Tudo o que
precisava era de um empurrãozinho para o local correto e um catalisador para
iluminar seu fusível destrutivo.
Era uma coisa pequena, mas todo o caos precisava começar em algum
lugar.
Quanto à operação muito maior posta em movimento por outro dos
principais membros da Coorporação... O Arquiteto olhou para o resumo sobre
Nadiya Hunter. Estava lamentavelmente vazio, mas então, a criança ainda não
tinha um ano de idade, de acordo com fontes da Coorporação. Sua importância
como símbolo, no entanto, começava a crescer à medida que a raça Psy saía de seu
estupor pós-Silêncio e começava a olhar ao redor.
O colega do Arquiteto na Coorporação estava certo: matar a criança do jeito
certo tinha o potencial para incitar uma guerra sangrenta entre Psy e changeling,
os seres humanos apanhados no fogo cruzado. Seria um golpe decisivo que
quebraria a Trindade permanentemente e qualquer esperança de uma paz
prometida que frustrava severamente os planos da Coorporação.
No entanto, um único erro e a fúria de DarkRiver e seus poderosos aliados
se concentrariam exclusivamente sobre a Coorporação. O Arquiteto conhecia
changelings predatórios bem o suficiente para entender que eles não parariam até
que cada e todo membro da Coorporação estivesse morto.
Os prós e contras da jogada em Nadiya Hunter precisava de mais
planejamento – mas todas as peças estavam no local, se e quando o Arquiteto
decidisse que era hora de pressionar o avançar.
Capítulo 10
Kaleb não ficou surpreso quando, tarde da noite, Ivy Jane Zen pediu que
ele mostrasse para ela os novos danos perigosamente sutis na PsyNet. A presidente
do Grupo Empático provou ter aço debaixo do seu suave exterior. Ele estava
surpreso por ela aparecer na Net sem escolta Arrow.
Onde está Vasic? O teleportador era o marido de Ivy e segundo no comando
do esquadrão.
Ivy respondeu sua pergunta não formulada em vez do que ele perguntou.
Sou empática, Kaleb. Sei exatamente o quanto você ama Sahara.
E Sahara chamava os Es de amigos. Assim, Kaleb nunca tocaria um fio de
cabelo na cabeça deles, a menos que se transformassem em ameaça para a mulher
que era seu coração. Então, é claro, os aniquilaria em pedaços sangrentos.
Kaleb não gostava de ser tão transparente. A escuridão girou dentro dele
numa posição agressiva, muito utilizada para combater o inimigo, até mesmo os
facilmente confiáveis. Rompendo escudos, Senhora Presidente?
A resposta de Ivy foi risos. Não foi preciso. Vi vocês dois juntos, lembra? Você
olha para ela como... Como se ela fosse um raro e belo presente. — Sua voz mental
ficou mais suave. Para valorizar, proteger. Eu sei, porque vejo o mesmo nos olhos de
Vasic quando ele olha para mim.
No mundo físico, de pé no convés de sua casa, Kaleb levantou uma
sobrancelha. Vasic sabe que está aqui sozinha?
Sahara sabe que está acasalada a um Neanderthal superprotetor?
Os lábios de Kaleb curvaram-se. A resposta afiada de Ivy estava tão perto
da que Sahara poderia ter dito em circunstâncias semelhantes. Está pronta?
Escudos levantados? — Ele podia não apreciar a forma como certos Es eram tão
bons em ver através da pele de um homem, mas não deixava nenhum dano chegar
a eles.
Sem os Es, a Net estaria morta e Sahara precisava da Net para respirar,
para viver.
Sim.
Encontre-me nestas coordenadas na PsyNet. Ele já estava naquela escura e
doente localização desprovida de outras mentes Psy, seus escudos tão eficazes que
teve que alertar Ivy de sua presença antes que ela pudesse avistá-lo.
Sua própria presença psíquica mantinha faíscas de cores despercebidas em
qualquer mente, exceto para aqueles de Designação E.
Kaleb experimentou a dura crueldade do Silêncio, em primeira mão, mas
até mesmo ele teve dificuldade em imaginar a extensão brutal do condicionamento
que cada E deve ter sofrido até ser completamente sufocado.
Para Kaleb, o fato dos Es terem sobrevivido provava uma resistência mental
sem paralelo em qualquer outra designação na Net. Já pensou em trabalhar para
uma das empresas? Ele perguntou à Ivy quando ela se moveu para examinar a
seção morta e desintegrando-se.
Por quê? Procurando por uma nova contratação?
Kaleb já tinha dois Es em sua equipe. Como tal, estava muito à frente da
curva – os Es eram tão requisitados que até mesmo aqueles mais adequados para
o trabalho corporativo estavam sendo solicitados para assumir trabalho pesado na
Honeycomb.
Convidados, não ordenados.
Essa era a diferença entre o Grupo Empático e muitas das outras
organizações na PsyNet. Foi assim que tiveram o apoio do Esquadrão Arrow ou
ninguém levaria seus pedidos não-empáticos a sério. Cem anos de silêncio
ensinaram os Psys que apenas os cruéis e os sangues-frios sobreviviam.
Kaleb acreditava na mesma coisa até que encontrou Sahara novamente. A
mulher por quem extinguiria o mundo – exceto se ela pedisse para ele salvá-lo –
ela não se perdeu, apesar do horror que sobreviveu. Ela saiu disso com sua alma
e seu espírito intacto, ainda era a mesma generosa Sahara que estendeu pela
primeira vez a mão da amizade em direção a um menino que conhecia apenas dor
e isolamento.
Se existia um osso cruel no corpo dela, ainda não havia encontrado.
Então vieram os empáticos. Kaleb viu aquelas faíscas empáticas de cor,
começou a compreender a força mental que deve ter tomado um E para não
quebrar, apesar de estar num domínio psíquico por décadas. Ele sabia o que era
ser controlado, ter essa coleira puxada até que não conseguisse respirar.
Aqueles que subestimavam os Es, um dia teriam uma surpresa muito
desagradável.
Achei que poderia estar cansada de política a essa altura, ele disse a Ivy.
Posso oferecer um pacote de remuneração que a deixará imediatamente num
percentual superior de assalariados no mundo, e trabalharia num ambiente muito
menos estressante.
Você é muito bom, ela disse com aberta diversão, mas me ajustei na minha
posição no Grupo Empático.
Apesar de sua oferta, Kaleb pensara muito; Ivy Jane Zen começou sem
saber se poderia conduzir, mas atualmente, era uma força a ser reconhecida. A
oferta está aberta a qualquer um alto-Gradiente que queira um emprego mais regular,
das nove às cinco.
Enquanto a Honeycomb precisava de todos os Es na Net, tornou-se claro
que nem todos os Es podiam suportar a pressão. Alguns Es permaneciam úteis em
outras capacidades, nomeadamente em profissões médicas especializadas e
empresas que queriam uma vantagem sobre seus concorrentes durante as
negociações. Empáticos éticos podiam não permitir escaneamento ativo sem a
permissão do indivíduo que estava sendo escaneado, mas como changelings
pegavam aromas sem tentar, Es pegavam as correntes emocionais em qualquer
situação.
Mesmo no modo passivo, inclinavam a balança a favor dos seus
empregadores.
Ivy ficou em silêncio por um longo tempo conforme se concentrava na seção
problemática da Net, mas quando falou, sua resposta foi inesperada. Vou manter
isso em mente. Não recomendaria postos de trabalho na maioria das empresas para
meu povo, mas você... Sim. Como se adivinhando sua surpresa, ela disse, Por causa
de Sahara. Ela nunca o deixaria maltratar um E.
Mais uma vez, Kaleb não estava certo se gostava de ser de qualquer forma
previsível. Sahara, ele falou telepaticamente para mulher que segurava seu coração
em suas mãos desde o dia em que se encontraram, por favor, pare de me fazer
parecer legal ou de confiança. Especialmente para aqueles de Designação E.
O riso de Sahara era luz na escuridão, um brilho que englobava os cantos
mais retorcidos de sua alma. Sem chance disso acontecer. Debaixo do brilhante
céu noturno, nos arredores de Moscou, ela saiu da casa para envolver os braços ao
redor dele por trás. Os Es sabem exatamente quão perigoso você é – mas também
sabem que você e suas habilidades estão do lado deles.
Estou apenas de um lado. Ele fechou uma de suas mãos sobre a dela. O
seu.
Cuidará dos meus amigos, não vai, Kaleb?
Pare de pedir tanto.
Eu também te amo.
Seus lábios se curvaram ligeiramente quando ele voltou sua atenção para a
PsyNet, e Sahara voltou para dentro da casa – depois de um beijo em suas costas
que fez sua alma agredida enrolar-se de prazer. O que vê? Ele perguntou a Ivy.
O desgaste é novo, mas a doença em si não é tão ruim quanto era no pré-
Honeycomb, ela murmurou. Naquela época, a PsyNet estava literalmente
apodrecendo pedaço por pedaço, como se tivesse gangrena.
Kaleb esperou.
O Honeycomb não é visível aqui, Ivy continuou depois de uma pequena
pausa, mas está presente para os meus sentidos empáticos. Este fino líquido de fios
emocionais é tudo o que impede esta seção de entrar em colapso. Ela indicou a
escuridão sem vida na frente deles.
Mas? Kaleb podia não ser um E, mas passou a vida inteira aprendendo a
ler as pessoas. Primeiramente para que pudesse prever os movimentos do
psicopata que governou sua infância, e depois porque percebeu que conhecer as
pessoas era conhecer seus segredos. E segredos significavam poder.
A desintegração abaixo da superfície? Disse Ivy. Está corroendo a base sobre
a qual o Honeycomb fica, e com cada segmento desgastado, o peso da secção morta
fica mais pesada. Fino como está aqui, os laços do Honeycomb poderiam
simplesmente partir e se elas partirem...
Kaleb fez uma varredura da área. A seção podre estava despovoada, mas
havia mentes ancoradas a curta distância da escuridão. Se entrasse em colapso,
levaria centenas, talvez milhares dessas mentes, como uma banheira de
hidromassagem sugando tudo ao seu redor. Quer que eu mova essas mentes? Kaleb
não podia fazer isso sozinho, mas a NetMind poderia fazer alguns ajustes.
Não. A voz de Ivy mantinha uma consciência do risco de sua decisão, das
vidas que estavam em jogo. Se forem embora, levam a parte deles do Honeycomb
com eles. Não haveria efetivamente nada segurando esta secção da Net no lugar –
isso pode criar um desgaste tão grande que poderia causar uma catastrófica reação
em cadeia.
Extinguindo as mentes que queriam salvar.
Vou colocar parte da minha consciência para monitorar esta área. Era uma
tarefa que Kaleb teria normalmente dada à NetMind, mas começava a ter a suspeita
perturbadora que, conforme a Net se desgastava, assim seria com a neosentiência
encarregada disto.
Os sinais estavam lá por um longo tempo, se ele pensasse nisso. Lapsos de
concentração, perda ou sumiço de pedaços de dados, uma nítida falta de
crescimento desde que Kaleb era uma criança. Sim, a neosentiência crescia num
ritmo glacial em comparação com uma mente Psy, mas não havia demonstrado
desenvolvimento em mais de duas décadas.
Na verdade, parecia regredir, para um estado ainda mais infantil.
A única razão para que Kaleb não houvesse notado antes foi porque estava
distraído pelo potencial violento da DarkMind. Embora nunca tivesse diferenciado
entre sua aceitação das gêmeas neosensitivas, a manipulação da DarkMind sempre
necessitou de mais atenção.
Inadvertidamente escondendo a degeneração sutil das gêmeas.
Kaleb considerou compartilhar essa suspeita com Ivy, tomou a decisão de
que os Es já estavam sobrecarregados. Mais uma preocupação poderia prescrever
um colapso fatal. Isso a alertará se o risco de falha total da Net neste local atingir
setenta e cinco por cento. Nesse ponto, o risco de não mover as mentes
ultrapassariam o perigo de um possível colapso e reação em cadeia.
A atenção de Ivy permaneceu nele. Pode manter essa monitorização a longo
prazo sem ariscar a si próprio?
Sensitivos. São perigosos para si mesmos, acima de tudo, com sua
preocupação com os outros.
Sim, ele disse no mesmo instante que o pensamento passou por sua cabeça.
Como um duplo cardeal, o único na Net, Kaleb tinha as melhores
habilidades psíquicas que sua mente aprendeu a utilizar sem derreter no processo.
Um programa de monitoramento único que nem sequer se registrava conforme
usava seu medidor psíquico interno. Não quando ele poderia causar um terremoto
cataclísmico sem chegar perto de queimar.
Kaleb olhou para a seção morta novamente. Isso é tudo que vê?
Fios partidos, ela murmurou. Bordas desgastadas. Como um pedaço de
tecido natural se partindo, fio por fio.
Se foi a ausência de empáticos ativos que causaram o dano, a desintegração
não faz sentido. Não com tantos Es conscientes agora. Kaleb podia ver faíscas de
cabeças coloridas dentro da podridão, sendo absorvidos por ela.
É como... Como se algo estivesse agindo contra nós e é mais forte. Ivy fez um
som de frustração antes de sua presença mental congelar no lugar. A NetMind, eu
senti.
Kaleb também sentiu e desta vez, as neosentiência passaram uma imagem
que era impossível interpretar mal. A estrutura da Honeycomb, mas com
aproximadamente a cada terceiro hexágono ausente, disse ele para o benefício de
Ivy Jane, sem certeza de que a NetMind havia falado com os dois.
Estamos esquecendo um componente vital, Ivy sussurrou. Sem isso, a Net
nunca será completa. Uma pausa. Outra designação perdida?
Kaleb sacudiu a cabeça no plano físico. Impossível. Tenho acesso a dados
ultrassecretos de antes da queda do Silêncio. Nenhuma outra designação foi
enterrada como os Es foram enterrados.
Quando peço esclarecimentos a NetMind, tudo que tenho é uma cascata de
emoções – perda, dor fragilidade. Lágrimas encheram a voz psíquica de Ivy. É muita
dor, Kaleb. Assim como a DarkMind.
Kaleb pensou no momento logo após o despertar dos Es e da criação da
Honeycomb. A NetMind era uma esperança maravilhosa, o riso alegre em sua
mente. Elas perderam a esperança, ele se encontrou dizendo, embora não fosse um
especialista em emoção.
A resposta de Ivy era grossa com tristeza. Sim, você está certo. A NetMind se
segurou por tanto tempo, escondeu os Es, nos protegeu, mas agora percebemos que
não podemos parar a dor. Não totalmente.
E sem a NetMind, a DarkMind não poderia existir.
Abrindo os sentidos, Kaleb alcançou as gêmeas neosensitivas, perguntou o
que estava faltando, o que precisavam. As emoções que voltaram foram de uma
perda surpreendente, imagem após imagem de um corpo com órgãos arrancados
por mãos indiferentes, deixando o paciente sangrando e quase morto.
Quando? Caleb perguntou, usando um calendário virtual e um relógio com
vinte e quatro números nele.
As páginas do calendário começaram retroceder numa velocidade
desumana enquanto os ponteiros do relógio giravam para trás, mais e mais e mais.
Todos pararam num minuto após a meia-noite do ano de 1979.
O alvorecer do Silêncio.
Capítulo 12
6 Menção ao livro Moby Dicky, onde Ahab é o capitão que teve a perna arrancada pela baleia.
numa gaiola, que estava com seu amante e seu amigo debaixo de um céu iluminado
pelo sol. Livre.
Um olhar escuro de sua comandante mortal antes dela respirar fundo, e ele
sentiu os músculos começarem a relaxar.
— Suponho que não teve sucesso em bloquear o símbolo Canadian Cheap
Electric? — Ele disse a Vasic.
O outro homem balançou a cabeça. — Judd estava certo. Há muitos
resultados idênticos no logotipo da CCE e não posso me concentrar no rosto de
Leila por causa dos danos da cicatriz. — O cinza inverno de seus olhos virou um
frio ártico.
— Zaira tem uma ideia sobre isso, — disse Aden ao seu melhor amigo. —
Consiga toda a informação com ela.
Um aceno imediato de Vasic. Embora o teletransportador não fosse ciente
dos detalhes da infância de Zaira, esteve com ela durante o último resgate,
compreendia sua fome para libertar a presa.
— A Trindade, — disse Vasic quando os sons chegaram até eles da outra
parte do Vale, onde aparentemente uma aula de artes marciais estava em
andamento. — Se mantendo?
— Frágil. Há muita divisão histórica na mistura.
— Uma reunião de cúpula seria útil. — Vasic se agachou para acariciar um
cãozinho branco que veio correndo a partir de suas aventuras em todo o Vale.
Conforme ele acariciava, o anel de casamento que usava em seu dedo anelar direito
captava a luz, criando uma faísca dourada. — Se não fosse o risco óbvio.
— Sim. — Zaira cruzou os braços e afastou os pés. — Geraria um alvo fácil
para a Coorporação ou qualquer outra pessoa que pudesse querer tirar uma grande
porcentagem das grandes potências do mundo.
Aden considerou as palavras de Vasic, pensou na avaliação de risco de
Zaira, sentiu uma ideia germinar. — Usamos as táticas da Coorporação contra eles,
— disse ele. — Nenhuma grande cúpula central, mas pequenas centrais que
introduzem as peças-chave em cada região e umas as outras.
— Limitar a propagação de informações sobre as reuniões, ao conseguir a
coesão. — Vasic balançou a cabeça lentamente.
— Em Veneza, — disse Zaira, os olhos levemente franzidos em pensamento,
— A Aliança Humana e eu tínhamos um acordo. Manter a paz. — Ela se inclinou
para Rabbit, o cão de estimação, quando chegou mais perto, o rabo abanando
rapidamente. — Simplesmente saber que seu vizinho está aberto ao diálogo poderia
eliminar um grande número de problemas localizados.
— Começarei a testar a ideia, — Aden disse, então olhou para Vasic. —
Como está Tavish? — De acordo com a decisão do esquadrão em colocar crianças
Arrows em famílias com Arrows ativos, o jovem menino telecinético era agora parte
da unidade familiar de Ivy e Vasic – uma unidade que incluía o cão que, no
momento, estava deitado de costas, língua pendurada em êxtase e as pernas no ar
enquanto Zaira esfregava a sua barriga.
— Adaptando-se ao pomar. — A voz de Vasic segurava uma profunda alegria
tranquila quando falou de sua casa. — Ele passa muito tempo com o avô.
Então, Aden pensou, a criança estava em boas mãos. Zie Zen – que, na
verdade, era o bisavô de Vasic – tinha mais sabedoria nos seus ossos que a maioria
das pessoas um dia teria, nem mesmo se vivessem duas vidas.
— Você pode ficar? — Zaira perguntou a Aden. — Nós poderíamos treinar.
Aden amava lançar sua inteligência e habilidades táticas contra Zaira, mas
teve de sacudir a cabeça hoje. — Tenho uma reunião com Devraj Santos às cinco.
Os Esquecidos solicitaram a assistência do esquadrão para lidar com as
novas habilidades psíquicas selvagens surgindo em seus filhos. Aden achava que
a mudança começou muito antes, especificamente com a geração de Santos, mas
o líder dos Esquecidos não contava nada sobre suas próprias habilidades.
No entanto, após sua conversa com Ivy, Aden tinha outra questão crítica
para discutir com Dev. A rede psíquica dos Esquecidos era uma coisa viva e
vibrante em comparação com a desintegração mortal puxando a PsyNet a partir
das costuras. Era possível que o outro homem tivesse informações úteis para Aden
que pudessem passar para o Es. — Pode me dar uma carona, — disse ele a Vasic,
— ou devo pedir a Nerida?
— Venho buscá-lo em três minutos. — Vasic levou Rabbit, deixando Aden
e Zaira sozinhos.
Naquele ponto a mulher que era de Aden o arrastou para perto com um
aperto em sua camiseta e começou a beijá-lo loucamente. Você se tornou uma perita
nisso, ele falou telepaticamente com ela quando suas células do cérebro
começaram a funcionar novamente.
Nós praticamos o suficiente. Dentro de sua mente, ela era fogo negro. Na
frente dele, era beijos de lábios inchados, um toque possessivo e fria determinação.
— Vou ver Miane mais tarde.
— Tenha cuidado. — Aden segurou seu rosto. Tão delicados eram seus
ossos em contraste com a intensidade de sua vontade. — A Coorporação poder ter
perdido, mas estão apenas hibernando, esperando por uma chance – e sabem como
você é importante para mim.
— Também sabem que luto como um Berserker7. — O sorriso de Zaira era
todo dentes. — Após o último assassino que matei, terão um sério problema de
recrutamento procurando alguém para me caçar.
Aden pensou na gravação que viu de Zaira com a ponta de uma lâmina
tocando os olhos do assassino. Ela estava controladamente fria na superfície
enquanto lutava uma batalha primitiva em seu interior. Ela ganhou a batalha, não
desistiu para a raiva que vivia dentro dela. E fez seu ponto: Não mexa com uma
Arrow, especialmente se for uma Arrow pequena com seus cabelos escuros e olhos
meia-noite e de caminhada perigosa.
— Tenha cuidado de qualquer maneira, — ele disse; seu coração ali para
ela ver. — Eu preciso de você. — Zaira era dele, a única pessoa em todo o mundo
que pertencia primeiro a ele.
Aden. Zaira tocou seus dedos nos lábios dele, o rubi em seu anel uma
representação silenciosa da chama que vivia dentro dela. — Você também tenha
cuidado. Ou vou te matar.
Aden sentiu o riso sacudir seus ombros. — Ordem escutada e
compreendida, comandante.
— Bom. — Deslizando uma mão para sua nuca, Zaira o puxou para perto.
— Agora me beije novamente antes de Vasic retornar.
Nina,
Já se passaram dez meses desde que os Psys vieram. Dez meses desde que
vi você pular na água. Dez meses desde que prometi que estaria bem atrás de você.
Eu não fui. Sinto muito, Nina. Lutei com eles, lutei para mantê-la segura, para
impedi-los de saber para onde você havia ido. Não sou covarde, juro isso. Não estou
vivo e escrevendo esta carta porque me escondi. Eu lutei, Nina. Lutei tanto.
Eles me nocautearam, um a um com golpes telepáticos. Os corpos daqueles
que amamos caíram sobre mim. Quando voltei à consciência, eles pesavam sobre
mim... E soube que eles salvaram minha vida. Por causa do meu irmão mais novo e
Jorge, os soldados perderam o fato de que eu ainda estava vivo, ainda tinha pulso.
Eu vivo por causa deles.
Mesmo assim, aqui eu me sento em um bar bebendo a minha vida, porque
para que serve estar vivo quando estou sozinho; sem Deus, sem família, sem amigos,
sem você? Eu faria qualquer coisa, lutaria contra qualquer um, se você estivesse
aqui. Mas você se foi e abandonei a Deus por sua crueldade.
Xavier
Capítulo 13
Quarenta e oito horas depois que Aden primeiro disse à Lucas da possível
ameaça à Naya, o DarkRiver atualizara todas as suas precauções de segurança
sobre seus filhotes. A pantera dentro dele estava num clima muito mais calmo
agora que sabia que sua filhote e todos os filhotes sob sua supervisão estavam bem
protegidos, Lucas tinha muito mais paciência para lidar com a questionável
estrutura que era a Trindade.
— Aden está se preparando para testar intimamente a cúpula da Trindade,
isso agiria como apresentações entre vários grupos, — ele disse a Vaughn.
O sentinela DarkRiver estava esparramado numa cadeira do outro lado da
mesa de Lucas do QG da matilha em Chinatown. Com o cabelo âmbar amarrado
numa trança elegante em sua nuca e os olhos mais gato do que homem, o melhor
amigo de Lucas não estava envolvido com a Trindade – política não era realmente
o ponto forte de Vaughn, mas como todos os sentinelas de Lucas, era muito
inteligente.
Lendo o memorando após Lucas virar a fina tela do computador em direção
a ele, Vaughn balançou a cabeça. — Diga a ele para rejeitar a ideia de planejamento
de cada uma destas reuniões antes da hora. Monte uma equipe confiável para
despistar juntamente com uma ou duas horas de pré-aviso no máximo.
Lucas levantou uma sobrancelha. — Difícil reunir essas pessoas
rapidamente.
— Então, leve mais tempo para fazer as ligações – mas se não há planos,
então ninguém pode caçar os participantes enquanto um grupo.
Era a resposta de um predador.
— Você está certo. — Muito melhor, ele percebeu; melhor ir devagar do que
se apressar e dar ao inimigo ter exatamente o que queria.
— Meu trabalho aqui está feito. — Vaughn se levantou com uma graça
felina, um sorriso em seus olhos que se tornaram cada vez menos raro nos anos
desde que encontrara sua companheira F-Psy. Antes disso, Vaughn era um
solitário, mesmo no meio de uma matilha. Um amigo leal, um sentinela de
confiança, mas sempre se mantendo um pouco afastado.
Parte disso era sua natureza jaguar, mas parte disso era o eco de uma dor
queimando a alma.
— Olá, Srta. Naya, — o jaguar disse agora, descendo para pegar o pequeno
filhote que correu para dentro da sala.
A pantera de Lucas rosnou em boas-vindas dentro dele.
Na verdade, a corrida do seu filhote era mais tentativa de fuga, mas estava
tão animada em ser capaz de trocar as formas que fazia isso a cada chance que
tinha. Desnecessário dizer que mantê-la dentro da roupa tornou-se uma proposta
fracassada. Ainda bem que changelings estavam acostumados a bebês nus
tumultuando alegremente ao redor.
Este bebê estava no berçário ao lado, devia ter escapado pela porta de
conexão para os escritórios. Não que alguém se esforçasse muito em segurar os
filhotes. A única vez que a porta estava trancada era quando estavam em reuniões
com parceiros de negócios que não eram confiáveis o suficiente para os DarkRiver
estarem despreocupados com seus filhos.
Confiança empresarial era um animal muito diferente da confiança que
vinha com sendo da família.
Permitindo que Vaughn a segurasse contra seu peito com uma mão capaz,
Naya ronronou. Ela adorava o jaguar.
— Cuidado. — O coração de Lucas doía ao ouvir o som da felicidade de seu
filhote.
Vaughn riu, usando um dedo para esfregar o topo da cabeça de Naya. —
Vou para casa para uma corrida antes de me encontrar com Faith.
Naya rugiu ou tentou. Saiu mais um ruído de gatinha.
Sorrindo, Lucas traduziu. — Acho que ela quer ir. Mas você não fará muito
correndo com ela.
Os olhos de Vaughn capturaram os seu, uma sombra quase dourada. —
Tudo bem se eu levá-la? Estou com o jetcycle, mas posso mudar para um SUV.
Lutando contra seus instintos superprotetores, Lucas disse, — Ela ama
motocicletas. — Vaughn era um motorista habilidoso, e a facilidade que manobrava
a moto daria-lhe uma vantagem se alguém tentasse seguir Vaughn e Naya com o
objetivo de fazer mal.
Lucas não roubaria a alegria de sua filha em nome de mantê-la segura.
— Sim, — Vaughn concordou. — Ela é um pequeno demônio da velocidade.
— Ele colocou Naya em seu ombro, onde ela enrolou-se como se fosse ficar para
sempre, envolvendo seu rabo ao redor do pescoço dele para ancorar-se. — Vou
correr em forma humana, segurá-la quando ela cansar. Mande-me mensagem
quando e onde quer que eu a deixe. — Ele puxou de brincadeira o rabo de Naya.
— Vamos, senhorita Naya. Vamos correr. Mas primeiro vamos assinar que você
saiu do berçário para que os professores não se preocupem.
Naya rosnou e fez ruídos de bye-bye para Lucas quando Vaughn saiu pela
porta. Lucas confiava em seu amigo incondicionalmente. No entanto, ainda tinha
o desejo de jogá-la para cima e segurá-la em seus braços.
Foi preciso dentes rangendo de vontade para lutar contra o desejo primitivo.
Ela estava segura. Vaughn era um changeling predador letal. Ele lutaria até
a morte para protegê-la... E era bom para o jaguar dele abrir o coração para um
pequeno membro impotente da matilha. Lucas esperava que o obstinado amor de
Naya por Vaughn ajudasse o outro homem a curar-se da perda cambaleante que o
devastara quando criança.
O telefone de Lucas tocou.
Olhando para longe da porta através da qual Vaughn e Naya
desapareceram, ele atendeu para encontrar sua companheira na outra
extremidade. É claro que ela pegou sua luta silenciosa contra instintos formados
quando era um menino indefeso para proteger seus pais de um ataque mortal. Ele
foi torturado, também, mas Lucas poderia suportar isso. Observar seus pais
morrerem diante dele havia marcado sua psique de uma forma permanente.
Sascha entendeu os impulsos competidores brutais dentro dele.
— Estou bem, — ele disse a ela. — Vaughn levará Naya para casa. Onde
quer que a deixe?
— No aerie. Voltarei na hora que ele realmente a trouxer. — Um sorriso na
voz de Sascha. — Sabe que ele a sequestra por horas e ela é uma sequestrada
muito feliz.
— Ele permite que ela pinte a dedo as paredes de sua toca, é por isso. — O
filhote sempre aparecia completamente limpa, sem um pingo de tinta sobre ela,
mas Naya não conseguia manter um segredo.
— Esqueça as paredes, Faith me disse que ela chegou em casa na última
vez para encontrar Naya pintando a dedo o Vaughan.
Rindo da ideia do intenso sentinela felizmente agindo como tela para uma
criança entusiasmada, Lucas perguntou, — Como vai a lição? — Sascha estava no
território SnowDancer, trabalhando com Toby Lauren.
— Ele está mais reticente do que o habitual. Lara me avisou, disse que
poderia estar nos primeiros estágios do adolescente aborrecido.
— Lembro-me dessa fase. Ser rude é uma exigência.
— Não posso imaginar Toby grosseiro. — Uma pausa, um farfalhar. — É
melhor eu ir. Ele está ficando inquieto.
Desligando, Lucas transmitiu as alterações sugeridas por Vaughn sobre a
ideia da reunião para Aden, em seguida, levantou-se e dirigiu-se para o local de
trabalho. Precisava esticar seus músculos, ver como ia o projeto. Também impedia
de se preocupar constantemente sobre Naya.
Às vezes, um alfa precisava relaxar e confiar em sua matilha para vigiar algo
que importava mais que um terreno ou o local onde as pessoas trabalham ou onde
algo é construído.
****
Nina,
Continuo escrevendo essas cartas sabendo que elas morrerão comigo, mas
não posso parar. Você é a pessoa a quem eu sempre disse os meus segredos. Agora
tenho outro: falei com um homem no bar há cinco minutos.
Não um homem. Um soldado. Um Psy.
Como os que vieram à nossa aldeia, vieram para aniquilar porque recusamos
a permitir que eles estrangulassem todo o comércio na região, cortando-nos da nossa
subsistência. A única diferença é que este Psy parece ainda mais perigoso. Bebi
tequila e contei sobre o assassinato perverso do seu povo.
Ele pensou que eu estava bêbado, que não sabia com quem eu falava.
Ele estava errado.
Posso vê-lo ainda da minha nova posição no fundo do bar. Ele está esperando
por quem seja lá que ele veio ver. Vestido com roupas civis, ele tenta se misturar e
engana a maioria das pessoas, mas eu sei como os soldados Psy andam e sei como
seus olhos varrem uma sala.
Vou matá-lo.
Posso ouvi-la em minha cabeça, dizendo-me para não cometer este pecado
mortal, mas a bebida, o sangue e o sofrimento lavaram minha fé. Tudo que eu quero
é vingança. Se não consegui matar os homens e mulheres que levaram você para
longe de mim, que levaram todos que sempre amei para longe de mim, então eu
matarei os seus irmãos.
Xavier.
Capítulo 15
O antigo conselheiro psy e uma vez líder do Esquadrão Arrow, Ming LeBon
precisava ser parte do Acordo Trino, não apenas para fins informativos, mas porque
poderia perder oportunidades de negócios lucrativas. Ao contrário de Nikita
Duncan, o negócio não ocupava o papel central na hierarquia pessoal de
importância de Ming, mas ele há muito aprendera que o dinheiro era poder.
Como os lobos e o esquadrão certamente bloqueariam sua candidatura para
assinar o acordo, ele teria que entrar através da maioria. Então seria político.
Preferia usar o medo para atingir seus objetivos, mas isso podia ser
contraproducente nessa situação. Não, era melhor se começasse a entrar em
contato com grupos menores e lisonjeá-los com seu interesse.
Também sondou uma série de grandes corporações Psy que não poderiam
estar tão felizes sobre o acordo como pareciam estar em público. Juntos,
assegurariam que a petição de Ming para assinar com a Trindade fosse um
sucesso. Claro, então descobriria como tomar o controle do acordo de cooperação
e usá-lo para sua vantagem.
O Acordo Trino era potencialmente influente para ser deixado em mãos que
não tinham experiência em empunhar esse tipo de poder.
Capítulo 17
Acho que Lucas e Hawke deviam dançar um tango para abrir a festa. Sim?
P.s. Atualização sobre os bebês: Ainda estou grávida de catorze meses. Sascha
reprimiu uma gargalhada quando respondeu à mensagem de Mercy de sua posição
enrolada numa poltrona num canto do escritório particular de Lucas na sede
DarkRiver em Chinatown. Ele tinha um escritório público muito mais elegante em
outro andar, mas este era o centro da sede. — Porque o sorriso? — Lucas olhou de
onde estava na frente de uma tela de comunicação, tendo acabado os detalhes de
um novo projeto de negócios que DarkRiver estava entrando com um grande grupo
familiar Psy. Sascha leu a mensagem. — Estou votando sim para o tango, —
acrescentou. — Quero ver você e Hawke, bochecha com bochecha. — A carranca
de Lucas era muito alfa. — Ela precisa dar à luz para que possa parar de ficar
entediada e trazer problemas.
— Acho que ela concordaria com você. — Em sua última atualização, Mercy
escreveu: Acredito que meu umbigo desapareceu. Posso ter que lançar uma nova
moda a partir de um buraco de donut.
Lucas voltou para o comunicador quando soou uma chamada recebida. —
BlackSea, — ele murmurou para ela antes de tocar na tela para responder.
A mulher que fez a ligação tinha maçãs do rosto afiadas, pele impecável e
uma sombra que, de repente, Sascha pensou, não estaria fora de lugar em qualquer
família Psy. Psys no Silêncio tinham uma maneira clínica de misturar os genes com
a vantagem psíquica da família, até que os tons de pele em cada extremidade do
espectro fossem menos comuns do que aqueles no meio. De acordo com Riaz, um
dos tenentes SnowDancer que mais frequentemente tratava com BlackSea, Miane
era o produto de um acasalamento devotado entre um pai egípcio e uma mãe
argelina.
O resultado era uma mulher impressionante e poderosa.
Seus cabelos negros eram cortados numa franja de corte reto sobre os olhos
ligeiramente inclinados que eram atualmente um avelã translúcido. No entanto,
Sascha viu essas íris ficando obsidiana. Não deveria ser desconcertante, não
quando os olhos de Psy podiam ficar completamente negros. Mas a escuridão nos
olhos de Miane... Era tão escuro quanto a parte mais profunda do oceano, um eco
sussurrante de um tempo mais primitivo.
— Lucas. — O tom da alfa BlackSea era frio, mas Sascha sentiu a tensão
fervente sob a pele. Como empática, não poderia tecnicamente sentir a ressonância
emocional de uma pessoa de longe, mas os tecnicismos não eram tudo. Era sua
crença que empatas aprendiam a ler as pistas emocionais sutis sem perceber.
Sascha havia discutido isso com Ivy Jane e com o jovem Toby. Ambos
concordaram, embora Toby tenha colocado de forma diferente: — Desde que
sentimos as emoções o tempo todo, acho que nos acostumamos a separar todos os
tipos. Como os changelings são capazes com o cheiro.
Um comentário astuto de um garoto astuto.
— Miane, — respondeu Lucas, enquanto Sascha ficava fora da visão. — A
informação de Tanique deu alguma pista?
Uma sacudida da cabeça de Miane. — Nós nos concentramos no Canadá,
porque temos que começar em algum lugar, mas até agora, nada deu certo.
— Estamos aqui para ajudar se precisar.
A alfa de BlackSea assentiu antes de seguir para o motivo de sua chamada.
— Falei com Aden Kai. Ele sugeriu que eu assistisse a uma reunião da Trindade
em duas horas com o cabeça de uma família Psy e dois CEOs da Aliança Humana.
Todos os três têm interesses nas áreas costeiras que tocam nossas águas.
— Está se perguntando por que o curto prazo?
— Kai diz que é para deter a possibilidade de uma interrupção violenta, e
que estou recebendo uma hora de aviso extra, porque levará mais tempo para
chegar ao local da reunião. Mas enquanto estou predisposta a gostar dos Arrows,
estou bem ciente de que têm motivos e objetivos próprios, nem todos os quais se
alinham com BlackSea.
DarkRiver, entretanto, Sascha percebeu, era um aliado oficial. Changelings
não faziam tais pronunciamentos levemente.
— É legítimo. — Lucas apoiou as mãos nos quadris, o fino algodão de sua
camisa branca esticando sobre seus bíceps. — Eu tomaria as precauções usuais
independentemente – não sabemos os motivos de todas as partes que assinaram o
acordo.
Miane fechou a sessão com um rápido aceno e não adeus.
Assistindo seu companheiro usar a tela de comunicação para lidar com uma
rápida atualização de contrato, Sascha se perguntou se Lucas sabia que estava se
tornando uma figura poderosa em todo o mundo. Provavelmente não. Tais
pensamentos iriam contra sua natureza. Ele nunca buscou o poder pelo poder e
nunca o faria – mas como Miane acabara de demonstrar, Lucas chegou a ser
considerado digno de confiança por uma influente rede de changelings.
Outro telefonema veio quando terminou o que fazia e se virou para Sascha.
Ela pegou sua sobrancelha levantada. — Jen Liu e eu não temos uma ligação
agendada hoje.
Descobriu que a matriarca do grupo familiar Liu queria seus comentários
sobre um bando de changeling que discutia sobre negócios com Liu. — Nossos
contatos nessa área são lamentavelmente tênues, — disse a mulher de cabelos
prateados com um rosto afiado e pontudo. — Não estou pedindo dados privados;
simplesmente desejo saber se são respeitáveis no sentido comercial.
— Muito, — respondeu Lucas. — São pequenos, mas se assumirem um
projeto e você não entrar no caminho deles, uma vez que os planos estão
concluídos, terminarão no tempo e dentro do orçamento.
— Obrigada. Se precisar de feedback semelhante sobre uma empresa Psy,
não hesite em contactar-me.
Foi quando Sascha percebeu que Lucas não tinha apenas a confiança dos
changelings em todo o mundo, mas que ganhava uma reputação entre os Psy
também. — Naya, — ela sussurrou, a compreensão se acomodando em seus
ombros como um cobertor quente.
Seu companheiro enviou-lhe um olhar interrogativo.
— Changeling e Psy, — ela disse, — ambos sabem que de todas as partes
envolvidas, você nunca comprometeria a Trindade. Você – nós – temos uma criança
que precisa crescer num mundo unido.
Os olhos de seu companheiro eram repentinamente mais pantera que
humanos. — Uma avaliação justa, não é, gatinha?
— Sim. — Ela desenrolou as pernas da poltrona e se levantou para
caminhar até ele, envolvendo seus braços ao redor de sua cintura enquanto
estavam cara a cara. — Não se importa que eles saibam?
Com a cabeça inclinada para encontrar seu olhar, Lucas sacudiu a cabeça.
— Não se esta é a consequência – se as pessoas confiam em mim, confiam na
Trindade por predefinição.
Um toque mental inquisitivo através da mente de Sascha. — Naya está se
divertindo com Clay.
O mais silencioso dos sentinelas era uma das pessoas favoritas de Naya.
Ela aconchegava-se contra seu ombro e olhava com os olhos arregalados enquanto
ele se movia, não importa o que ele estivesse fazendo – e, excepcionalmente para
Naya, ela não exigiu que fosse colocada no chão para poder explorar sozinha. Clay
disse que era porque ele tinha experiência com meninas, graças à sua filha adotiva,
Noor.
Sua companheira, Talin, tinha uma posição diferente sobre isso. — Ele
sempre teve um coração mole, — a mulher de cabelos cor de caramelo brincou um
dia, enquanto ele segurava Noor num braço e Naya no outro. — Ele costumava
assistir festas de chá comigo quando éramos crianças. Ele até bebia o chá falso e
me dizia que estava delicioso.
Clay olhou furioso para a mulher que chamava de Tally. — Espere até que
eu tenha minhas mãos livres.
Seu brilho devia ter sido aterrador – Clay era um leopardo perigoso. Mas
Noor rosnou e fingiu bater em Clay, fazendo Naya cair numa gargalhada histérica
de bebê que por sua vez, também desencadeou risos tanto em Sascha quanto em
Talin. O sorriso de Clay enrugou suas bochechas, a sentinela, uma vez irritada e
silenciosa, agora um homem profundamente em paz e encantado com a vida.
Sascha, sorrindo com a memória, respondeu ao toque telepático de Naya
com um beijo psíquico. Estou eu aqui, querida.
— Tenho pensado que Naya devia encontrar Nikita, — Lucas disse quase ao
mesmo tempo.
A boca de Sascha se abriu. — Você nem gosta dela.
Nikita era parte de uma máquina que havia esmagado inúmeros
changelings sob sua bota, foi de fato um membro da organização que
conscientemente escondeu os piores seriais killers do planeta. Essa ação levou à
morte de centenas, incluindo a irmã mais nova de Dorian, uma perda que devastou
o sentinela e enfureceu Lucas.
SnowDancer quase perdeu Brenna para o mesmo psicopata assassino.
— Talvez não goste dela, — disse Lucas, — mas ela te manteve viva em
circunstâncias difíceis e é a avó de Naya. — Ele passou o polegar sobre a bochecha
dela, tátil como sempre.
Sascha nunca teve que se perguntar sobre o amor de Lucas por ela, seja no
plano emocional ou físico. Tampouco teve que se preocupar em voltar a sentir fome,
como fez por tantos anos de sua vida. — Ainda assim, — disse, tentando dar
sentido à sugestão dele e falhando, — confiar nela com acesso a Naya?
A expressão de seu companheiro escureceu. — Prefiro que Naya a conheça
desde a infância do que crescer curiosa a respeito dela – filhotes curiosos têm uma
maneira de se meter em encrenca.
Sascha não podia discutir com isso. Ela viu exatamente o quanto os
adolescentes de DarkRiver podiam se meter em encrencas; uma adolescente
curiosa sobre sua poderosa e letal avó tinha o potencial de se meter em problemas
mais perigosos que a maioria. — Acho que Nikita nunca a machucaria, — disse
ela, colocando a mão no músculo tenso do braço de Lucas.
— Concordo, — ele disse. — Caso contrário, curiosidade felina ou não, não
a deixaria a menos de 100 metros de nossa criança. — Deslizando uma das mãos
para envolver o pescoço dela, ele trancou seu olhar com o dela. — Se fizermos isso,
tem que ser logo. Nikita ainda está fraca da tentativa de assassinato, suas defesas
baixas. Naya pode realmente encontrar a mulher debaixo da máscara.
Ao contrário da pantera que era seu companheiro, o coração empático de
Sascha não estava acostumado a pensar com um pragmatismo tão impiedoso, mas
sabia que Lucas tinha razão. Eles teriam que colocar Naya e Nikita em contato
enquanto havia uma chance de Nikita se ligar com seu bebê – porque uma vez que
a mãe de Sascha estivesse ligada com uma criança, lutaria até a morte para
proteger essa vida vulnerável.
Sascha só entendeu isso depois que estava fora da PsyNet.
— Vou trabalhar um tempo com Sophie, — ela disse. — Vamos ter certeza
que Nikita não saiba, então não pode se preparar. — A assistente mais antiga e
confiável de Nikita, Sophia Russo, era muito dona de si e desafiaria Nikita se
achasse que era bom para sua chefe.
— Sophia ainda se preocupa com o quão difícil Nikita está se recuperando?
Assentindo, Sascha disse: — Pelo menos Anthony está de olho nela. Se
alguém puder fazer minha mãe descansar, diria que é ele. — Independentemente
de tudo o que acontecia com Nikita e com o diretor do Psy Clã NightStar, Sascha
sabia que Nikita respeitava Anthony.
— O pai de Faith é um homem valente e corajoso.
O pronunciamento solene de Lucas fez seus lábios tremerem e sua mente
parou de puxar o fio da ansiedade que era a preocupação com a mãe que a
abandonara... E a salvara. — Se os escudos dela não fossem tão herméticos, — ela
admitiu num sussurro culposo, — eu provavelmente esqueceria a ética e daria uma
espiada em suas emoções.
Os olhos verdes da pantera cintilavam em aprovação. — Você e todos os
outros que sabem sobre esses dois, eu aposto. — Um beijo mordiscando, o qual era
puro gato provocando. — Falarei com Vasic, — ele disse então, — ver se ele aceita
teletransportar você.
Sascha assentiu; consciente de que ela e Naya não podiam ser vistas
entrando no domínio de Nikita. — Se Vasic não puder fazê-lo, teremos que pensar
em outro plano. Minha mãe não aceitará qualquer outro teleportador em seu
domínio enquanto estiver fraca.
— Vasic é um Arrow, — apontou Lucas. — Perigosos como são.
— Ele também está ligado a uma E. — Nikita considerava empáticos fracos
por sua emoção, mas também aceitava que eram bons juízes de caráter.
— Além disso, — disse Lucas, os olhos entreabertos em pensamento, —
Aden deixou claro que os Arrows não querem dar um golpe. Isso tem que refletir
em suas decisões.
Sascha teve um pensamento súbito. — E se Anthony estiver com ela quando
eu entrar? — Ela sussurrou, sua mente retrocedendo para a sala de espera do
hospital e a presença silenciosa e intensa de Anthony.
Lucas fez uma pausa no ato de desabotoar sua camisa para trocar para sua
camiseta preferida e jeans, agora que estava prestes a sair do escritório. Qualquer
pessoa que o chamasse enquanto estava no campo encontraria o alfa changeling
ao contrário do CEO da DarkRiver. Era uma distinção leve e mantinha as pessoas
em seus dedos agora que DarkRiver não estava mais em perigo de ser descartado
como um bando pequeno, sem importância.
Com uma expressão presa em seu rosto, ele disse: — Se ele estiver... — Um
sorriso muito malicioso, muito felino. — Eu daria tudo para interrompê-los e aliviar
nossa curiosidade sobre o que exatamente eles fazem atrás de portas fechadas.
Os ombros de Sascha tremeram, sua preocupação com a mãe foi
surpreendida pelo prazer de que Nikita pudesse estar fazendo algo com Anthony,
por mais improvável que fosse, dadas as pessoas envolvidas. Qualquer
relacionamento que Anthony e Nikita tivessem nunca seria previsível ou
compreendido por outros. — Você é um gato às vezes.
— Miau.
Rindo, ela se esquivou de seu escritório antes que cedesse ao desejo de
acariciá-lo – porque não pararia por aí. Seus companheiros de matilha poderiam
pegá-los e nunca os deixariam esquecer. Em vez disso, foi procurar sua filhote. A
voz animada de Naya anunciou sua presença bem antes de Sascha a ver. Ela ainda
estava com Clay, que verificava especificações de construções numa tela de
comunicação; longe de exigir atenção, Naya estava felizmente pendurada sobre o
ombro dele e conversando com Dorian enquanto o outro sentinela trabalhava numa
mesa de desenho atrás de Clay.
Outro bebê pequeno, de apenas alguns meses de idade, estava num
carrinho de pelúcia na mesa ao lado de Dorian. Este estava pacificamente
adormecido, todo cílios escuros e bochechas gordas. Ela estava vestida com meias
brancas e uma peça cor de rosa com uma impressão de margaridas na frente. Uma
fita branca amarrada suavemente ao redor de sua cabeça, sobre um sedoso cabelo
escuro.
Sascha só queria pegá-la e abraçá-la.
— É isso mesmo? — Perguntou Dorian a Naya, desenhando uma linha
usando o velho esquadro que preferia a ferramentas da mais alta tecnologia quando
se tratava de seu trabalho arquitetônico. Seus cabelos brancos e loiros brilhavam
sob o sol que atravessava as janelas laterais deste nível do edifício de tamanho
médio, a área planejada para maximizar o espaço e a luz.
— Você não disse. — Olhando para o bebê adormecido ao mesmo tempo em
que respondia a Naya, Dorian estendeu a mão e tocou a ponta do nariz do bebê.
Ela sorriu em seu sono e pareceu se acomodar ainda mais.
— Sim, — disse Dorian quando Naya falou com ele um pouco mais.
Inclusive a palavra Dor várias vezes. Naya definitivamente conhecia seus
companheiros de matilha.
— Esta é Mialin Corrina, — disse Dorian, como se tivesse compreendido
completamente a pergunta de Naya. — Ela pertence a Ria e Emmett. Pode brincar
com ela quando ela ficar um pouco maior.
Sascha encostou-se a uma parede do espaço de trabalho e apenas observou
os quatro. Ela não ficou nem um pouco surpresa quando a assistente
administrativa executiva de Lucas, Ria, chegou e ficou ao seu lado. Balançando a
cabeça, a mulher mais baixa disse: — Juro, esses caras fazem meus ovários
explodir.
— É ainda pior quando é seu próprio companheiro, não é?
— Oh, Deus, sim. — Ria suspirou, seus olhos castanhos se aqueceram de
amor enquanto se demoravam em seu bebê. — Emmett faz uma coisa quando conta
suas histórias enquanto a acaricia para dormir. Meu coração faz boom cada vez.
Tenho zero de força de vontade por horas depois – o homem poderia me pedir para
dançar nua enquanto toca bateria de bongo e eu faria isso.
Sascha assentiu com simpatia. — A primeira vez que entrei no quarto e vi
Naya dormindo no peito de Lucas enquanto ele dormia também, sua mão sobre
sua bunda de bebê nua. — Sascha suspirou, esfregando um punho sobre seu
coração. — Não acho que tenha me recuperado.
— Pensando em Emmett com nosso bebê... — Ria fungou, o lábio inferior
tremendo.
Sascha envolveu um braço em torno da mulher normalmente resistente
como aço. — Eu sei. — Ela deixou cair um beijo no cabelo castanho-avermelhado
de Ria, em casa com os privilégios de pele afetuosos permitidos aos companheiros
de matilha que estavam próximos. — Seus ovários aprenderão a aguentá-los.
Ria riu fungando.
Ouvindo o som, Dorian olhou para ela. — Olá. — O belo macho, que estava
cheio de impiedosa raiva e tristeza quando Sascha o conheceu pela primeira vez,
caminhou para puxar Ria do abraço de Sascha e envolvê-la em seus braços. —
Pensei que seus olhos só disparavam fogo.
Ria deu-lhe um soco no braço. Teve efeito zero, já que ele era feito de puro
músculo.
Rindo, a sentinela beijou sua bochecha. — Você tem as especificações que
eu pedi?
— Aqui. — Ria empurrou o organizador em seu peito, mas sem qualquer
força. — Quanto você corrompeu minha filha hoje?
— Ela definitivamente terá uma coisa para arquitetos loiros quando crescer,
— disse Dorian com um sorriso de quebrar-coração.
Aproximando-se de sua filha, Ria beijou as bochechas gordas de Mialin,
afastou os cabelos finos que escaparam sob a fita, e apenas sorriu. — Olhe para
ela, como um anjo.
Ela se virou para Naya, pegou o rosto do bebê de Sascha em suas mãos e a
sufocou em beijos. Naya riu e beijou-a. — Sua amiga Mialin poupa seu mau
comportamento para as três da manhã, — disse ela com outro beijo antes de se
virar para Dorian. — Emmett trará minha avó em uma hora para pegar nossa
filhote para um tempo de bisavó.
— Oh, cara, — reclamou Dorian. — Só a pegamos por algumas horas.
— Hoje. — Ria o cutucou no estômago.
Observando seus companheiros de matilha e os dois filhotes ao sol, Sascha
não sentia medo, apenas uma determinação feroz de mantê-los seguros. Qualquer
um que tentasse ferir os jovens de DarkRiver acabaria sangrando. Mesmo um
empático tinha um ponto de ruptura – empurre-a muito longe e ela bateria de volta.
Forte.
O mundo pensava que conhecia os Es e o que podiam fazer. Não.
****
Tendo deixado seu companheiro e filha na sede da cidade, Sascha trabalhou
em seu escritório enquanto Naya brincava alegremente com seus amigos no
berçário lá embaixo, e Lucas passou a segunda metade do dia num canteiro de
obras com Dorian e Clay. Ele e os dois sentinelas terminaram suas discussões
quando Clay recebeu um telefonema. O outro homem fez um movimento com a
mão para que Lucas permanecesse enquanto terminava o telefonema.
— Teijan, — ele disse depois de desligar. — Os Ratos pegaram um sopro de
alguma coisa – sinais de mercenários entrando na área geral.
Lucas estreitou os olhos. — Que tipo de mercenários?
— Bom o suficiente para que os ratos estejam tendo problemas para
conseguir qualquer tipo de bloqueio sobre eles. Tudo que têm são sussurros na
comunidade africana da cidade. — Clay cruzou os braços, os músculos esticados
sob o mogno reluzente da pele. — A comunidade está com medo de quem são essas
pessoas e se são pró-DarkRiver o suficiente para passar qualquer informação que
tenham, mas não parecem saber muito mais que isso do grupo chamado Máscara
da Morte.
Tirando o capacete de segurança amarelo brilhante que usava, Dorian
passou a mão pelos cabelos úmidos de suor. — Bom nome se quiser intimidar as
pessoas.
— Parece que neste caso, o nome se encaixa. — A mandíbula de Clay era
uma linha brutal. — De acordo com a pesquisa de Teijan, ninguém nunca os pegou,
mas estão espalhando boatos de serem responsáveis por massacres e sequestros
na maior parte do continente africano.
A mente de Lucas foi imediatamente para a conversa ameaçadora sobre
Naya, mas sabia que os mercenários poderiam estar aqui por uma centena de
razões diferentes – incluindo a escolha de Lucas ou Hawke, ou mesmo Nikita. —
Qualquer ponto em invadir bancos de dados da Execução?
Foi Dorian quem respondeu. — Se os ratos estão tanto no escuro, a
Execução não terá ideia de que esses desgraçados estão sequer na cidade. — O
olhar azul vívido do sentinela ficou sombrio. — Mas o que quer que vá acontecer,
será logo. Todos nós sabemos que grupos como este não entram numa área a
menos que estejam se preparando para atacar.
Nina,
Não matei o homem, o Psy. Eu tinha uma arma, planejava atirar nele sem
aviso, porque essa é a única maneira que pode surpreender um soldado de elite, mas
quando eu teria puxado a arma no beco atrás do bar, minha mão congelou no meu
bolso.
Não era medo, não era nervosismo.
Era telecinesia.
Enquanto o observava caminhar em minha direção, eu pensei que ele vinha
para me matar, e tenho vergonha de admitir que eu senti alívio. Finalmente, não mais
dor, não mais pena, não mais ver você saltar para a água uma e outra vez.
Mas quando ele me alcançou, o homem não me matou. Ele disse: — Se atirar
em mim, agirá contra seus próprios interesses. Estou aqui para deter outro massacre.
Eu ri dele, mas ele me desafiou a vir com ele.
— Ou prefere se afogar em álcool?
Suas palavras me cortaram. Ser julgado por um assassino Psy? Não.
Eu vou com este soldado Psy, esse homem que anda como um assassino.
Xavier
Capítulo 18
Foi Clay quem os chamou com uma atualização – o leopardo ficou tomando
conta da cena após a partida de Lucas. Chegaram ao aerie nesse ínterim. Deixando
Naya ocupada com seus blocos de brinquedo, os dois saíram para a varanda para
conversar com Clay. Lucas respondeu ao chamado visual e colocou o sentinela no
alto-falante num volume que Sascha pudesse ouvir, mas que não alcançaria Naya.
— É a mesma equipe mercenária que os Ratos nos informaram, — disse
Clay. — Confirmamos a identidade usando vários contatos, cortesia das conexões
de Nikita. — Sascha já havia recebido um telefonema de Max Shannon. Ele fez a
ligação dela com Nikita, que queria ver em primeira mão que Sascha e Naya
estavam bem.
Sascha ouviu o tom implacável da voz de sua mãe, sabendo que se Nikita
não estivesse tão fraca como agora, teria arrancado a verdade das mentes dos
mercenários. O fato de que estariam babando como legumes depois não a teria
incomodado nem um pouco.
— Como diabos ficaram camuflados por tanto tempo? — Lucas perguntou,
enquanto o estômago de Sascha se acalmava.
Talvez ela e sua mãe não fossem tão diferentes depois de tudo.
— É uma equipe de primeira. Entram e se instalam, então não se movem
até que o momento seja perfeito. É quase impossível pegá-los se não percebê-los
no momento que entrarem.
— Isto soa como se eles estivessem falando. — Tremores finos começaram
a correr mais uma vez sobre a pele de Sascha.
A última palavra de sua declaração foi quebrada.
Lucas apertou sua nuca. — Lembre-se, — ele murmurou tão baixo que só
ela podia ouvir, — fez o que fez para proteger nossa filha. Esses bastardos a teriam
levado, machucado-a.
Sascha acenou com a cabeça, ao telefone, Clay disse: — Tenho um deles
falando muito rápido, ameaçando-o com o que aconteceu na estrada. — Uma borda
de diversão na voz do sentinela.
— Nunca torturaria ninguém, — Sascha deixou escapar, seu estômago
revirando com a ideia disso.
— Eu sei disso, Sascha, — disse Clay com uma suavidade inesperada. —
Os idiotas não.
Seu acordo imediato aliviou seu súbito medo de que seus companheiros de
matilha a vissem como um monstro agora que sabiam o que podia fazer.
— Estavam conscientes da força DarkRiver antes de assumirem o trabalho,
— continuou Clay, — mas o dinheiro na mesa foi suficiente para compensar o risco.
Estavam totalmente focados em Dorian como ameaça, esperavam que Sascha fosse
um alvo fácil.
O furioso grunhido de Lucas reverberou através de seus ossos. — Psy? —
Ele rosnou enquanto ela o acariciava para acalmá-lo como ele fez anteriormente
por ela.
— Quatro Psy e três changelings, — Clay respondeu. — Leão, se pode
acreditar. Dominantes não tão fortes ou nós nunca teríamos conseguido a verdade
deles tão rapidamente, mas fortes o suficiente.
— Leão? — Lucas sacudiu a cabeça.
Vendo a confusão de Sascha, ele disse: — Os Leões são tudo sobre família,
tudo sobre construir uma matilha e aderir a ela, mais do que qualquer outro
changeling felino no mundo. O trabalho mercenário é para solitários.
— O pior é que esses três são uma família, — acrescentou Clay. — Irmão e
duas irmãs. — A voz do sentinela tornou-se áspera em suas próximas palavras. —
Foram contratados para sequestrar Naya. Sascha era descartável, mas Naya
deveria ser levada viva ou não receberiam a segunda metade do pagamento.
A fúria rugiu através de Sascha, empurrando para longe quaisquer ecos
persistentes de culpa. Ela sentiu a mesma raiva em Lucas. Seu aperto ameaçou
quebrar o telefone. — Quem era o cliente?
— Tudo anônimo, com a entrega a ser arranjada depois que tivessem Naya.
— Os olhos de Clay brilharam, duros e ferozes. — Mas a leoa que é a líder dos
mercenários não é estúpida. Teve seu especialista em eletrônica – seu irmão mais
novo – executando um rastreamento. O irmão conseguiu vincular a primeira
metade da transferência de dinheiro a uma pequena empresa mantida por um
bando de jaguatiricas do sul do Texas: SkyElm.
Sascha franziu a testa, incapaz de imaginar por que um bando de pequenos
changelings felinos, cujas marcas eram também preto sobre o dourado, iriam
querer atacar DarkRiver.
Ao lado dela, as garras de Lucas saíram, mas sua voz era racional. —
Alguma vez tivemos algum negócio com eles?
— Mercy estava comigo o tempo todo. — Clay tocou sua orelha para indicar
como Mercy assistiu ao interrogatório. — Ela buscou informações quando comecei
e diz que nunca tivemos nenhum contato real com este bando. Do que foi capaz de
desenterrar, são bem considerados em sua região, embora seja uma possibilidade
remota deles serem os mais fortes. E são parte da Trindade. — A voz de Clay tomou
uma borda áspera de um rosnado. — Não faz sentido, a não ser que seja uma
armação, ou...
— Ou estão na Coorporação, também, — Sascha terminou suavemente,
porque changelings não eram um grupo unânime sob qualquer aspecto. Cada
bando tinha suas próprias ideias sobre quaisquer alianças políticas. Dado o quão
bem a Coorporação executou suas primeiras tentativas de fomentar problemas
entre as três raças, bem como seu sucesso em arrebatar os nadadores mais
vulneráveis de BlackSea, eles sem dúvida tinham membros changeling:
conselheiros que estavam traindo seu próprio povo pelo poder e lucro.
— Investigue as evidências separadamente, — Lucas rosnou, então provou
que sua mente permanecia fielmente clara apesar de sua fúria. — Pode haver um
esquema mais profundo em jogo.
— O quê? — Clay praguejou assim que falou. — A Coorporação... Ou,
inferno, Ming LeBon pode estar tentando nos enfurecer o suficiente para derrubar
SkyElm. Por quê?
— Para atrapalhar a Trindade, para nos fazer de bandidos? Quem diabos
sabe? Use quem quer que precise para esclarecer isto até o fundo – e explore o
sistema de inteligência de Nikita através de Max. — Lucas apertou a mão no cabelo
de Sascha. — Não faremos qualquer movimento até que saibamos com certeza.
DarkRiver não está prestes a ser manipulado por um bando de bastardos famintos
de poder.
Parte
02
Capítulo 20
Sienna não podia acreditar no que Hawke fez. Ela simplesmente não podia
acreditar! Ela acabara de retornar à Toca SnowDancer depois do almoço com Kit e
pretendia atualizar Hawke sobre o que o jovem soldado lhe disse sobre o humor da
cidade no rescaldo da tentativa de sequestro de Naya no dia anterior.
Kit também compartilhou algumas notícias pessoais em confiança, mas não
pediu a ela para não contar a Hawke. As pessoas não esperavam que os
companheiros guardassem segredos uns dos outros. E Sienna sabia que Hawke
não diria uma palavra se lhe dissesse que não podia comentar sobre o assunto. Na
verdade, planejava descarregar nele, porque enquanto estava feliz por Kit, o
leopardo era um de seus amigos mais próximos e sentia um desejo egoísta de dizer
para ele adiar as coisas um pouco mais.
Só que seu companheiro não estava aqui para conversar com ela. Deixou
uma mensagem em seu comunicador privado, dentro de seus aposentos. Uma
mensagem. — Eu vou matá-lo, — ela murmurou, seguindo pelo corredor da Toca
perto da enfermaria. — Vou torcer seu pescoço de Alfaness, então vou chutar o
seu...
Ela parou antes de bater no peito de seu tio Walker. — Preciso ir, — ela
disse, tentando contorná-lo.
Ele a parou pelo simples expediente de colocar uma única mão em seu
braço. Sienna congelou. Nunca desrespeitaria o homem que era seu pai em todos
os aspectos que importavam. — Tio Walker, eu preciso sair, — disse; sua pele
vibrando com sua urgência. — Hawke saiu para enfrentar Ming!
— É uma reunião de negócios, — disse Walker.
Sienna respirou fundo. — Você sabia? — Traição era uma bofetada em seu
rosto. — Por que não me contou? — Mesmo que estivesse furiosa com Hawke, podia
entender o comportamento dele. Seu companheiro alfa era tão protetor dela que,
às vezes, agia antes de pensar. E quando se tratava de Ming LeBon, era mais lobo
selvagem que homem civilizado. Isso não desculpava o que ele fez, mas pelo menos
fazia sentido.
Mas seu tio se deixar levar por ele quando sabia exatamente o tão bem
Sienna podia cuidar de si mesma? Ela encarou incompreensivelmente os planos de
seu rosto, sua expressão calma em face de sua raiva.
— Hawke é incapaz de pensar claramente com você em qualquer lugar perto
de Ming. — Walker manteve seu olhar com o incomum verde claro dele. — Mas
você teria insistido em ir com ele.
— Claro que eu insistiria! — Sienna apertou as mãos. — Ming é um telepata
de combate! — Ele poderia esmagar os escudos naturais de Hawke e abri-los com
muito menos esforço do que qualquer outro TP do planeta, matá-lo em segundos.
— Judd está com ele.
Alívio e traição a perfuraram em medidas iguais. — Ele também? —
Perguntou. — Sou a única adulta Lauren que não foi informada dos planos de
Hawke? — Walker fechou ambas as mãos em volta dos ombros dela, mantendo-a
imóvel quando ela teria rompido.
— Hawke fez isso com a cabeça fria, Sienna. — O menor indício de um
sorriso. — Frio o suficiente para saber que seria melhor pedir perdão do que
convencê-la do sentido de seu plano.
— Não me proteja, tio Walker! — Ela rugiu. — Não sou mais uma criança!
Sou a companheira dele.
Walker olhou para ela por um longo momento, o suficiente para que ela
começasse a querer se mexer. Mas, em vez de desgastá-la dessa maneira, do jeito
que só ele podia fazer, inclinou a cabeça. — Sim, — disse ele. — Hawke deveria ter
falado com você. Quanto a Judd e a mim, — sua expressão mudou, revelando uma
ternura que a destruiu, — não podemos evitar. Você é um pedaço do nosso coração.
Toda sua raiva desmoronou.
Caindo em seus braços, ela deixou seu calor, seu amor e sua força envolvê-
la, aterrá-la, seu rosto pressionado no azul enfumaçado de sua camisa, seus olhos
ardendo. Walker foi a âncora calma na feia tempestade de sua infância depois que
sua mãe morreu, a única pessoa que sabia que podia contar, mesmo quando estava
presa à um monstro. Foi ele quem transformou os Laurens em família, recusando-
se a deixá-la ir, não importava o quê. Nunca a traiu.
— Sinto muito por gritar, — ela disse quando conseguiu falar após a onda
de emoção. — Estou apenas preocupada com Hawke.
Relaxando a parte de trás da cabeça dela, Walker disse, — Pode sentir
qualquer problema através do vínculo de acasalamento?
Ela balançou a cabeça, a percepção a acalmando o suficiente para que
pudesse pensar além da sua preocupação e raiva. — Por que ele está conversando
com Ming? Hawke o odeia, quer rasgá-lo em pedaços minúsculos com suas garras
nuas.
— Vamos sair. Vou contar o raciocínio dele para você.
— Seja o que for, ainda vou estrangulá-lo quando ele voltar.
***
Nina,
Xavier
Capítulo 21
Anoitecera quando Hawke e Judd dirigiram pela trilha final até a cova.
Impaciência agarrava Hawke. Procurando alguma coisa para tirar sua
mente da fome de ver sua companheira, ele disse: — A que horas você e Brenna
vão para o território de Cooper? — Ele sabia que os dois planejavam visitar amigos
no escritório satélite. — Dirigindo, certo?
Judd sacudiu a cabeça. — Decidimos pegar um voo rápido às oito da
manhã, uma vez que nossa visita só será de dois dias, de qualquer maneira. Vai
nos dar mais tempo no chão. — Ele trouxe o veículo para a garagem subterrânea
sob a cova. — Boa sorte com Sienna. — As palavras diziam que precisaria disto.
Deixando o tenente para lidar com o veículo, Hawke correu da garagem para
os aposentos dele e de Sienna. Ele estava na metade do caminho quando percebeu
que o laço de ligação o puxava na direção oposta. Invertendo o curso, correu para
a escuridão noturna e através das árvores por quase vinte minutos até que a viu
em pé numa elevação, olhando para os campos abaixo.
A lua estava cheia esta noite, seu corpo esboçado contra um céu pontilhado
de estrelas. Isso o atingiu novamente, que ela era dele. Sua companheira.
Extraordinária, forte e... Furiosa.
Estremecendo com o olhar que ela lhe lançou com os olhos cardeais indo a
um negro perigoso, ele se preparou. — Sentiu minha falta?
Ela rosnou antes de puxá-lo perto para um beijo, as mãos enterradas em
seu cabelo. Foi um beijo de reinvindicação, para marcar, de boas-vindas com raiva.
Gemendo, ele tinha as mãos nos quadris, o corpo tornando-se duro num único
pulso, quando ela o afastou. — Se fizer isso comigo novamente, não vou perdoá-lo.
Ele esperava raiva, mas não essa borda frágil em sua voz. — Walker deveria
falar com você, garantir que você soubesse o que estava acontecendo.
— Meu companheiro deveria ter falado comigo. — A obsidiana do seu olhar
cintilou com uma chama translúcida, seu tom uniforme.
O intestino de Hawke se torceu; não era raiva. Era mais profundo, mais
forte. — Iria querer ir, e de nenhuma maneira maldita eu a levaria. — Mesmo a
ideia dela em qualquer lugar perto de Ming fazia seu lobo ameaçar transformar-se
numa máquina primitiva de matar.
— Olhe para isto! — Sienna estendeu uma mão, em que dançou uma chama
vermelha e âmbar. — Não sou impotente! Sou a pessoa menos desamparada do
mundo!
Hawke enfiou as mãos no cabelo dela, agarrando-a. — Mas você é minha
para proteger! — Seu coração batia como um bumbo. — Se alguma coisa
acontecesse com você...
Ele não podia dizer, nem sequer podia pensar. — Perdi muitas pessoas,
querida. Não posso te perder.
Quando Sienna cobriu seu rosto, suas mãos eram ferozes e gentis. — Você
não vai. Nós estamos nisto juntos. — Suas unhas cavaram um pouco em sua pele.
— Confie em mim! Trate-me como sua companheira!
A voz de Hawke se transformava cada vez mais num grunhido. — Por que
pensaria o contrário?
— Por que você me esconderia coisas? — Sienna gritou, seu peito arfando.
Eles se entreolharam por um único e interminável instante antes que seus
lábios se fechassem num beijo tão apaixonado que Sienna subiu em chamas ao
redor deles. Devia estar preocupado, mas nunca se preocupou com a mulher que
lhe pertencia. Seu fogo frio sempre conhecia o bando. E definitivamente conhecia
seu companheiro.
Ele a levou para o chão, ou talvez ela o levasse. Ele rasgou suas roupas, ela
rasgou as dele; seus corpos nus deslizaram um contra o outro e quando ele puxou
sua coxa e a cutucou com seu pênis, encontrou-a molhada e pronta. Então ela
mordiscou o lábio enquanto lhe arranhava as costas e tudo acabou.
Ele empurrou profundamente, prendendo-a contra a terra.
Um golpe, dois, e Sienna o apertava tão firmemente que não podia se conter.
Ele mordeu seu ombro com os dentes quando gozou, com tanta força que sabia
que deixaria uma marca. Bom. Ele queria que ela visse sua marca. Suas unhas
garantiram que ele usaria a dela.
Fogo flamejou vermelho quente, em seguida, âmbar selvagem em torno
deles, um beijo perigoso de sua companheira muito perigosa. Uma companheira
que ainda estava chateada com ele quando o fogo afundou na terra para deixá-los
deitados abraçados e nus sob as estrelas, nem um pouco capazes de respirar
adequadamente durante pelo menos cinco minutos.
Hawke poderia ter lidado com uma companheira irritada. Não conseguia
lidar com a dor que via na expressão dela.
Com a mão segurando o lado do rosto dela, ele disse: — Me desculpe. —
Era difícil para um alfa dizer isso, mas nunca para sua companheira, nunca
quando estava tão errado. — Eu estava tentando protegê-la, mas isso feriu você.
Sou tão idiota, desculpe.
Os olhos de Sienna permaneceram escuros, sem estrelas, mas ela estendeu
a mão sobre o coração dele. — Estava tão apavorada por você.
Hawke pensou em como ficaria louco se soubesse que ela estava sozinha
com Ming, e queria chutar sua própria bunda. — Eu levei Judd, — ele disse, mesmo
sabendo que não era defesa para o que fez a ela, a dor que infligiu. — Mas fui um
idiota. Admito. Não farei isso de novo.
Os lábios de Sienna puxaram um pouco nos cantos, as primeiras estrelas
apareceram em seus olhos. — Acho que isso pode virar história, — disse ela,
enquanto o alívio o golpeava seu estômago. — Uma desculpa sem reservas de meu
Alfaness.
Esperto, ele a acariciou enquanto falava, desculpando-se tanto com seu
toque quanto com suas palavras. — Sério... Eu pensei com meu coração, não com
meu cérebro.
— Ugh. — Sienna empurrou seu peito. — Pare de difícultar ficar com raiva
de você.
Sua expressão se transformou na próxima respiração. — Não fará isso de
novo? Deixar-me de fora de uma decisão que afeta a nós dois?
Puxando-a para seu peito enquanto rolava sobre suas costas, ele afastou o
cabelo do rosto dela. — Eu prometo.
Sienna assentiu com a cabeça. — Ok. Sei que sempre cumpre suas
promessas.
O punho ao redor do coração dele começou a se abrir. — Quer saber por
que fui à reunião?
Quando ela acenou com a cabeça, ele disse a ela, homem e lobo ambos
supremamente presunçosos quando a expressão dela mostrou admiração por sua
tática. — Não esperava que aceitasse a ideia de Judd e lidasse com ele desse jeito,
— ela disse depois, levantando seus pés. — Você é ferozmente inteligente, mas não
costuma pensar sorrateiramente.
Seu lobo decidiu levar isso como um elogio. — Sorrateiro é para gatos, —
ele rosnou. — Mas tenho passado muito tempo com Lucas ultimamente. Acho que
me influenciou.
O sorriso de Sienna foi afiado. — Gosto da ideia de brincar com a base
financeira de Ming. — Seus olhos se estreitaram com o pensamento. — Sabe que
Devraj Santos o odeia, também?
Hawke assentiu com a cabeça. Não tinha detalhes reais sobre o que Ming
fez com a esposa de Dev, Katya, mas não precisava saber – porque o que sabia era
que ela foi mantida em cativeiro por Ming LeBon. O ódio de Dev por Ming era algo
que percebeu na última vez que o líder dos Esquecidos visitou o território
SnowDancer para conversar com as crianças Esquecidas integradas em
SnowDancer – protegidas por serem reivindicadas como lobos para o mundo
exterior.
Hawke disse algo sobre Ming que implicava Ming estar morto, e Dev
concordou; a voz dele segurando um frio quase metálico que era quase Psy – exceto
pela fúria atrás dela, a raiva que Hawke quase podia provar.
— Katya deu um tiro na cabeça dele. O filho da puta sobreviveu.
Passando a mão pela curva sexy das costas de sua companheira enquanto
a lembrança das palavras irritadas de Dev ecoava por sua mente, ele disse: — Os
Arrows também devem odiá-lo. — Isso foi fácil de adivinhar com a deserção sob a
liderança de Ming, mesmo sem a estreita ligação de Judd com os atuais Arrows em
serviço ativo.
— Hmm. — Sienna bateu no lábio inferior inchado pelos beijos com um
dedo. — SnowDancer pode pegar Ming desprevenido algumas vezes, mas
eventualmente ele descobrirá todas as nossas principais entidades de negócios e
começará a evitar qualquer coisa que possa ter um impacto.
Hawke mostrou os dentes. — Só isso já é satisfatório. — Isso significaria
que o bando estava forçando Ming a tomar decisões financeiras que não estavam
no seu melhor interesse.
— Sim, mas se tivermos outras pessoas envolvidas...
Hawke não estava acostumado a jogar com pessoas fora de seu bando –
tudo bem com Lucas, já que o gato provou sua lealdade com o laço de sangue entre
os dois bandos. Mas podia ver os pontos positivos da ideia de Sienna. — Muitas
pessoas envolvidas nisso e será muito difícil para Ming prever quem poderia ter
interesse no que – ou quem poderia desenvolver um interesse.
Sienna assentiu com a cabeça. — Dev tem experiência financeira, mas não
tenho certeza sobre os Arrows – sei que Judd não recebeu treinamento financeiro
como Arrow. Ele aprendeu tudo sozinho. Não queremos colocar ninguém em má
posição.
Hawke beliscou os lábios dela por isso, rosnou quando ela cravou as unhas
nele em resposta. Não foi uma reclamação. — Será apenas muito divertido se todos,
exceto Ming, saírem vencedores, — ele concordou. — Vou pedir a Judd para
verificar se os Arrows têm alguns técnicos em finanças. Temos pessoas que
podemos emprestar para eles se não o fizerem. — Ele correu uma mão pelo escuro
vermelho rubi do cabelo de Sienna. Sim, pensou seu lobo, isso é melhor. Trabalhar
com minha companheira, ter ideias juntos.
Sorrindo para ele, ela passou um dedo pelo nariz dele. — Sinto seu lobo
rondando. Quer correr? Tenho que fazer uma varredura de qualquer maneira.
— Sim. — O lobo queria seus dedos em sua pele, queria beliscá-la com os
dentes, brincar com ela sob o luar.
Empurrando-o, Sienna estendeu a mão. Ele tomou seu tempo se
levantando, desfrutando da visão de seu corpo nu beijado pelo luar e vestido só
com o lindo cabelo que amava brincar em qualquer forma. Seu sorriso, porém, era
a parte mais bonita dela. Ele manteve a imagem em sua mente enquanto se
transformava; a dor dilacerante e o deslumbrante êxtase da mudança que o
atravessava enquanto seu corpo explodia em milhões de partículas de luz e depois
se transformava em outra forma.
Ainda era ele. Sempre. Em qualquer forma.
Ele sacudiu seu corpo para acertar sua pele no lugar, descobriu que sua
companheira vestia seus jeans. Pegando a camiseta dela enquanto ela estava de
costas, ele começou a se afastar.
— Hawke! — Seu grito ultrajado veio um segundo depois. — Devolva isso!
Com uma gargalhada, aumentou o ritmo.
Um grito enfurecido ecoou nas correntes de ar, mas Sienna não veio atrás
dele. Quando ele olhou para trás, a viu vestindo a camisa rasgada dele – aquela
destroçada graças as irritadas e impacientes mãos dela mais cedo. Usando as
metades rasgadas, amarrou a camisa na lateral de seu abdômen, então sorriu para
ele e pegou sua calça jeans.
— Acho que você precisa disso, — ela disse, antes de balançá-las e jogá-las
sobre o lado da elevação.
Deixando cair a camiseta dela, ele voltou para ela, e sem aviso, beliscou sua
bunda. Ela gritou, apertando uma mão sobre a parte que ele mordeu, e se virou
para olhá-lo com serenidade em seus olhos. — Você está encrencado.
Fogo arqueou a meio centímetro do nariz dele.
Fazendo um som mais comum a um cachorro assustado do que um alfa
durão, ele saltou para trás... Para ouvir sua companheira rir tão forte que mal
podia respirar. Quando ele rosnou novamente, ela riu mais forte. E então ela estava
de joelhos, suas mãos em seu pêlo e ela pressionava seu rosto nele enquanto o
vermelho escuro de seus cabelos caía ao redor dele, e a vida era perfeita.
***
***
***
Ming Lebon terminou sua conversa com Pax Marshall uma hora antes sem
saber nada sobre a razão do Marshall Group ter repentinamente vendido todas as
suas ações em negócios associados à LeBon Enterprises. O arrogante jovem
telepata que tomou as rédeas do império Marshall insistiu que a mudança era
simplesmente parte do plano de negócios de longo prazo da família.
Mas Ming ouviu sussurros de seus espiões dentro do grupo Marshall que
Pax Marshall estava perseguindo um contrato lucrativo com os lobos SnowDancer.
Isso não podia ser uma coincidência.
Enviava uma mensagem ordenando a um desses espiões que obtivesse mais
detalhes quando recebeu uma carta com o selo oficial da Trindade. Afirmando que
todo o corpo de signatários havia votado sobre seu pedido de adesão. Apesar dos
acordos de bastidores que fez, esse voto não foi a seu favor.
Ele esmagou a carta em sua mão. — SnowDancer. — Ming não estava
acostumado a ser tão descaradamente bloqueado de qualquer coisa: a maioria das
pessoas estava com muito medo dele para tentar.
Também não estava prestes a permitir que os lobos o empurrassem para
uma situação em que perderia seu status na frente do mundo inteiro. As emoções
não lhe importavam, mas o impacto em sua base de poder poderia ser catastrófico.
Ele já podia visualizar o fluxo, o efeito dessa única rejeição e em consequência, ver
as oportunidades perdidas, desbastando suas alianças financeiras.
Jogando a carta amassada no lixo, decidiu que se SnowDancer e seus
aliados queriam uma guerra, teriam uma. Ming era um telepata de combate, mas
também era um mestre em estratégia. Ninguém poderia vencê-lo nesse campo de
batalha. Certamente, não lobos conduzidos por um desejo feroz de vingança.
— Envie-me o rascunho da minha proposta, — disse ele ao seu ajudante.
Ele finalizaria essa proposta, então, quando fosse o momento certo, enviaria
a todas as partes, incluindo lobos e Arrows. Ele não faria isso furtivamente. Não,
queria que o mundo assistisse e testemunhasse à queda da Trindade.
Capítulo 24
Lucas havia atribuído várias pessoas para rastrear dados sobre o bando de
jaguatirica ligado ao assalto à Sascha e Naya, mas foi Dorian quem acabou fazendo
a maior parte do trabalho pesado.
Ele fraturou a perna no acidente, mas o que nem ele nem Jason deixaram
saber, decidindo que Sascha não precisava da preocupação adicional, era que
também tinha várias costelas quebradas e graves contusões na parte superior do
peito. As costelas quebradas eram uma dor na bunda para todos – até Tamsyn não
conseguiu curá-las totalmente, então Dorian estava fora do serviço ativo por
algumas semanas.
Tamsyn também ordenou ao sentinela para evitar colocar peso sobre sua
perna coberta de gesso durante três dias. — Ou vou reverter a cura que já fiz e
ficará preso com um gesso por meses em vez de catorze dias.
Como resultado, Dorian foi com seu computador para a cabana de Mercy e
Riley num daqueles dias. Lá, de acordo com a mensagem que Lucas recebeu de
Mercy, o sentinela loiro lhe fez companhia, fazendo com que Riley não se
estressasse tanto, e pesquisou tudo sobre o bando de jaguatiricas.
Tenho certeza que ele está hackeando coisas que poderiam prendê-lo,
observou Mercy. Cuidado com os homens de terno preto.
Foi no quarto dia de suas férias forçadas, enquanto passava o resto do
tempo deitado em sua própria casa, que enviou uma nota para Lucas: Tenho um
relatório sobre as jaguatiricas.
Lucas poderia ter pedido esse relatório pelo comunicador, mas queria
verificar o sentinela, ver que estava, de fato, seguindo as ordens e se curando
adequadamente. Vaughn, Clay e Emmett – assim como Tammy, é claro – entravam
e saíam da casa de Dorian e Ashaya desde que ele estava de castigo, e mantinham
Lucas atualizado, mas sua pantera não ficaria satisfeita até que visse o outro
homem com seus próprios olhos.
Dorian, mais do que qualquer outro dominante no bando, poderia ser
teimoso sobre lesões. Sempre se forçava demais, muito rápido, resultado do fato de
que esteve por tanto tempo latente, incapaz de mudar para sua forma de leopardo.
Onde outros poderiam ter cedido ao desespero, Dorian canalizara sua dor para um
esforço incessante para se destacar. Era por isso que se formou como arquiteto,
aprendeu a pilotar, aprendeu a hackear, tudo ao mesmo tempo, e sendo um
atirador de elite. Não só para sublimar a dor que vinha de não ser capaz de mudar,
mas para manter sua mente ocupada, por isso não ficou louco.
A alegria de Lucas no dia que descobrira que Dorian mudou pela primeira
vez foi uma fúria crua dentro dele. Hoje, quando o sentinela loiro se encontrou com
Lucas na entrada de sua casa, Lucas observou seu equilíbrio no gesso, então
examinou seu peito. — Como estão suas costelas?
Esfregando levemente o suave cinza escuro de sua camiseta, Dorian deu
um sorriso torto. — Quase curada e não, não estou mentindo. Minha companheira
insiste em me examinar todas as noites para verificar o progresso da minha cura.
Desde que Ashaya era uma cientista – e mais importante, amava Dorian
com uma paixão furiosa – Lucas assentiu. Pela primeira vez, pareceu que o
sentinela estava seguindo ordens quando se tratava de sua saúde. — Quer
conversar dentro ou fora? — A habilidade arquitetônica de Dorian refletia-se na
casa que construiu. Todos os painéis de vidro eram cobertos por vegetação e
folhagem, com exceção de claras áreas engenhosas que deixavam entrar a luz do
sol, até que estar dentro era como andar na floresta.
Depois de sua casa, para Lucas, a casa de Dorian era seu desenho favorito
no território do bando.
Mas hoje, sua pele coçava, queria estar lá fora. Ainda assim, uma vez que
Dorian estava ferido e poderia querer sentar-se em um lugar confortável, seguiria
a preferência do outro homem.
Mas Dorian disse, — Definitivamente fora. Olhe para aquele céu.
Era um caldeirão de cores, o sol se pondo.
Dorian olhou por cima do ombro quando saiu. — Keen! Quer chutar sua
bola por aí?
A resposta veio imediatamente. — Sim!
O filho adotivo de Dorian correu segundos atrás dele, com uma bola de
futebol segura em suas mãos. — Oi, Lucas!
Levantando o garoto de seis anos e meio de idade em seus braços, Lucas
disse, — Novidades, Keenan?
— Ganhei uma estrela dourada na escola. — Os olhos cinza-azulados de
Keenan brilharam, o marrom escuro de sua pele com um brilho interior. — Por
ajudar meu amigo com matemática.
— Bom. Deixou o bando orgulhoso. — Desarrumando o cabelo do menino,
o colocou no chão, o homem e a pantera tão felizes em ver tanta alegria aberta
numa criança que era demasiada solene quando veio para o bando. — Ouvi que
está tendo aulas especiais. — Tornou-se óbvio que Keenan era altamente talentoso,
mas embora o trabalho escolar normal fosse tão fácil para ele que ficava entediado,
não queria se separar de seu grupo escolar.
Seus pais concordaram com a escolha dele, assim como Lucas. Mesmo uma
criança talentosa deve ter a chance de ser uma criança, ter aulas de arte e música
com seus amigos, brincar com eles durante os intervalos, participar de atividades
de grupo onde se tratava mais de comunicação e trabalho em conjunto do que
conhecimento específico.
— Crianças no Silêncio não eram permitidas ter amigos, — Ashaya disse a
Lucas quando surgiu a questão da educação de Keenan, sua voz cheia de emoção.
— Não quero essa solidão para meu filho, e tenho medo que seja o que vai acontecer
se ele pular etapas e terminar muito mais jovem do que seus colegas.
Como resultado, DarkRiver autorizara uma bolsa de educação especial, o
que significava que Keenan tinha um professor auxiliar cuja tarefa era trabalhar
com ele em lições mais avançadas enquanto permanecia entre seus colegas de
classe habituais. Quando a classe fazia matemática, Keenan fazia matemática
também, apenas num nível mais difícil. Quando chegava a hora de uma aula de
esportes ou de música, as fazia com seus colegas de classe.
Ashaya e Dorian poderiam ter pagado facilmente pelo professor assistente,
mas os filhotes eram considerados responsabilidade da matilha como um todo, pois
era o coração do bando.
Era a honra de um alfa garantir que tinham o que precisavam para
prosperar.
— Sim! — Keenan pulou na frente de Lucas. — O nome da minha nova
professora é Shonda e ela faz meu cérebro doer.
Lucas se aproximou da altura de Keenan. — Isso é uma coisa boa?
Um assentimento determinado. — Gosto de pensar muito. — Ele olhou para
Dorian. — Vai me ver chutar a bola, pai? Posso conseguir acertar o gol às vezes,
agora.
Quando Lucas se levantou, sentiu mais do que viu a emoção que caiu sobre
Dorian ao pedido inocente. Engolindo, o sentinela disse: — Lucas e eu o vigiaremos
enquanto conversamos.
Com um sorriso luminoso como o sol, Keenan correu uma curta distância
para a seção de folhas espalhadas na frente da cabana enquanto Lucas e Dorian
se apoiavam contra as árvores. — É um soco no coração cada vez que me chama
de pai, — o sentinela admitiu num tom duro. — Bem aqui, porra. — Ele apertou o
peito acima do coração, como se o órgão doesse.
— Quando ele começou?
— Depois da perna. — Dorian bateu no gesso, um pouco colorido de verde.
— Ele disse: Papai, isso é igual ao que eu tinha no meu braço! — O sentinela sorriu.
— Ele estava tão animado e foi tudo tão natural. Não é grande coisa, sabe? Exceto
que é para mim.
Lucas entendeu. Ganhar a confiança de uma criança era um dom que nada
poderia superar. — Ouvi sobre BlackSea, — ele disse num silêncio emocionado. —
Reduziram a visão que Tanique viu de Edward's Pier para vinte locais possíveis e
planejam verificá-los um por um. Claro, isso é, se o lugar for mesmo no Canadá.
Dorian cruzou os braços. — Me sinto tão terrivelmente impotente.
— Estamos aqui se BlackSea precisar de nós. — Apesar de suas palavras
racionais, Lucas sentia a mesma frustração que Dorian. Ser dominante era
proteger. — Miane e seus tenentes devem estar enlouquecendo agora. — Leila
Savea era apenas uma dos muitos BlackSea desaparecidos.
— Sim. — Uma longa pausa. — Me lembra de Kylie. Quando segurei minha
irmãzinha nos meus braços e não havia nada que eu pudesse fazer para trazê-la
de volta à vida.
A memória esmagou Lucas. De uma jovem sorridente cuja vida foi roubada
de uma forma sangrenta e brutal. — Fizemos o desgraçado pagar, — ele disse com
um rosnado. — Nada a trará de volta, mas nunca esqueça que fizemos justiça por
sua memória.
Dorian assentiu com a cabeça. — Olho para Keenan e sinto essa dor no
peito, porque ele nunca vai conhecer a tia engraçada e amorosa que teria tido.
Quase posso ver como ela teria brincado com ele, como o ensinaria a driblar. —
Engolindo, sorriu quando Keenan fez um gol. — Mas acho que ela está por perto,
cuidando de nós. Kylie faria isso.
Ashaya saiu da cabana antes que Lucas pudesse responder, duas canecas
na mão e os pés descalços. Seu corpo estava vestido por uma simples roupa laranja
que fazia com que a pele ficasse mais escura do que a do seu filho, assim como os
olhos azuis-escuros que compartilhava com Keenan.
— Café. — Seu sorriso era sol, banindo a escuridão – e seus olhos estavam
focados em Dorian, como se tivesse sentido a dor que ondulou sobre a alma de seu
companheiro, e saindo em resposta a isto.
— Obrigado, Shaya, — disse Lucas, deliberadamente usando o nome que
Dorian a chamava como um puxão silencioso, puxando o sentinela de volta para o
belo presente. Se havia uma coisa que Lucas sabia, era que Kylie queria apenas
alegria para seu adorado irmão mais velho.
A provocação funcionou.
Rosnando baixo em sua garganta enquanto aceitava sua caneca, Dorian
puxou Ashaya para seu lado, os cachos elétricos de seus cabelos soltos brilhando
com mechas escondidas na luz do pôr do sol. — Por que trouxe café para ele? —
Ele resmungou. — Agora ele nunca vai sair.
Ashaya riu e beijou Dorian, seus dedos se demoraram em seu queixo por
um longo momento antes de se virar para enfrentar Lucas. — Ouviu que Mercy
estava tentando fazer flexões?
Lucas quase cuspiu o café numa gargalhada. — Ela conseguiu?
— Ela me disse que fez sete quando Riley a obrigou a parar, — disse Dorian,
com seu divertido leopardo nos olhos. — Pode imaginar o rosto dele quando entrou?
Era uma imagem impagável. — Pobre Riley. — Lucas tinha uma boa ideia
do que Mercy estava fazendo com suas travessuras, porque quando uma fêmea
changeling predatória dominante amava, amava com cada gota de seu ser.
— Enquanto eu estava lá, — acrescentou Dorian, — entrei na brincadeira.
Fingi que minhas costelas estavam me matando e precisava de todos os tipos de
assistência. Pensei que Riley iria me estrangular num certo momento.
Sacudindo a cabeça em reprovação risonha, a companheira cientista de
Dorian gentilmente acariciou o peito dele, justo quando Keenan a chamou. —
Deixarei vocês dois conversarem. Estive no laboratório o dia inteiro trabalhando no
implante da Aliança Humana. — Seu sorriso desapareceu nas bordas. — Me fará
bem esticar minhas pernas com nossa futura estrela de futebol.
Dorian fechou a mão dele sobre a dela, as sobrancelhas se juntando. —
Espera. O que não está dizendo?
Ashaya olhou como se para assegurar que Keenan estava feliz em seu jogo
antes de responder. — Ainda não sei ao certo. — Sua voz estava perturbada. —
Mas... Tenho um sentimento muito ruim que os implantes começarão a falhar em
meses, se não antes. Não me refiro simplesmente à eficácia. Quero dizer, uma
degradação que afetará o cérebro.
Lucas puxou uma respiração silenciosa, toda a diversão imediatamente
apagada. — Está falando sobre o mesmo implante que está na cabeça de Bo? —
Ele perguntou, referindo-se ao líder efetivo da Aliança Humana. — O que protege
a mente dele contra a manipulação psíquica? — Os escudos humanos naturais
eram muito mais fracos do que os sólidos como rocha possuídos por changelings.
Assentindo, Ashaya disse, — Não compartilhei minhas preocupações com
ele ainda. Amara e eu queremos estar certas, além de qualquer dúvida – porque o
primeiro grupo que recebeu os implantes? Estão além do estágio onde uma
remoção cirúrgica é segura.
Esse grupo incluía Bo e suas melhores pessoas.
— Não mencionarei isso. — Prometeu Lucas enquanto Dorian acariciava
Ashaya contra ele, murmurando coisas para ela que a faziam assentir e sussurrar
em resposta.
— Merda. — Disse Dorian depois que Ashaya partiu para brincar com
Keenan. — Se esses implantes falharem, perderemos Bo.
Isso seria desastroso. Embora o outro homem tivesse cometido erros em
suas interações iniciais com DarkRiver e SnowDancer, ele provou ser alguém de
cabeça fria, com quem poderiam construir um relacionamento. Ainda mais crítico,
tinha o carisma e a paixão de alcançar milhões de seres humanos e convencê-los
a acreditar na importância vital de unir-se sob a bandeira da Aliança. Perder Bowen
Knight desintegraria a Aliança, Lucas estava convencido disso. Não era forte o
suficiente para sobreviver sem ele, ainda não.
E se perdessem a Aliança, a Trindade cairia.
O mundo não podia pagar pela queda da Trindade. No instante em que o
fizesse, a Coorporação entraria em cena e o caos reinaria.
— Espero que Ashaya e Amara refutem sua própria teoria. — Era uma
esperança muito fraca: juntas, Ashaya e sua irmã gêmea eram as melhores do
mundo em seu campo.
Os olhos de Dorian refletiam o mesmo desolador conhecimento, mas apenas
acenou com a cabeça. — Então, as jaguatiricas. — Sua expressão escureceu ainda
mais. — Nossas informações estavam desatualizadas. Eles costumavam ser um
bando pequeno, mas forte e estável em sua região, mas ficaram presos na
insanidade que atingiu os Psys.
— Está falando literalmente? — O intestino de Lucas se apertou quando se
lembrou da violência assassina que esmagou quase toda a raça Psy no começo
deste ano.
— Sim. SkyElm era – é – baseado ao lado de uma grande vila de Psys. As
jaguatiricas têm abundância de espaço para perambular, mas o principal
assentamento do bando sempre foi perto da fronteira, uma coisa histórica que
ninguém se preocupou em mudar porque os dois lados se mantiveram reservados.
— Olhando para cima quando sua companheira e filho riram, Dorian suspirou.
— Mas quando os Psys começaram a perder suas mentes por causa da
merda que acontecia em sua PsyNet, o bando foi pego de surpresa. — Dorian bebeu
mais do café, mas não pareceu prová-lo, sua mente focada no que descobriu. —
Não consigo descobrir por que diabos o alfa não moveu seu povo, desde que o surto
na aldeia aconteceu após os primeiros surtos importantes em Nova York.
Nesse momento, pensou Lucas, o mundo inteiro sabia que os psíquicos
comuns de repente se tornaram vizinhos mortais. — Quantos? — Ele perguntou
calmamente. Dorian não estaria afetado se o bando tivesse perdido dois ou três
membros.
As palavras do sentinela foram brutais. — Há apenas sete sobreviventes.
De um bando de noventa e três fortes.
A mão de Lucas apertou tão forte ao redor de sua caneca que quase a
quebrou. — Como isso é possível? — As perdas eram muito altas para um bando
de changelings predatórios.
— As jaguatiricas estavam desequilibradas. — Os olhos de Dorian se
transformaram em pedacinhos de gelo. — SkyElm tinha muitos anciãos e crianças,
não tinham dominantes agressivos suficientes e fisicamente capazes de defender o
bando.
Garras empurrando sua pele, Lucas teve que fazer um esforço consciente
para não rosnar.
Ele tentava não julgar outros alfas, mas a situação que Dorian descrevia
nunca deveria ter acontecido. Era responsabilidade de um alfa assegurar que seu
bando tivesse um complemento equilibrado de dominantes no auge de sua vida. Às
vezes isso significava emitir um chamado aos bandos amigáveis por homens e
mulheres intrépidos, jovens que queriam tomar posições de nível mais alto do que
poderiam esperar em seus próprios bandos. Outras vezes, significava tomar a difícil
decisão de dissolver o bando, pedindo integração com um bando maior.
— Mesmo que as jaguatiricas não tivessem ninguém com quem se fundir,
— Lucas disse: — poderiam pedir recrutas de outros bandos de felinos. — Colegas
alfas como Lucas teriam autorizado transferências temporárias para apoiar
SkyElm até que o bando vacilante tivesse suficientes companheiros permanentes.
— Por que não?
— Fizeram a chamada, — disse Dorian, para surpresa de Lucas. — Acho
que só queriam jaguatiricas, não outros gatos. É por isso que nunca recebemos um
pedido de ajuda. — Um tenso encolher de ombros. — Não há muitas jaguatiricas
no país, e enquanto os outros bandos são saudáveis, também são pequenos, não
podem se dar ao luxo de perder membros. Mas, — o tom cortante de Dorian ficou
áspero, — todos, todos e cada um, se ofereceram para aceitar um pedido de fusão
se fosse feito. SkyElm disse que não estava interessado.
Era uma arrogância descarada, e isso levara à dizimação de quase todo um
bando. — Os sobreviventes, quem são?
— Dois são crianças, — começou Dorian. — Vivos porque um submisso os
agarrou no meio da carnificina, jogou-os num quarto, então se barricou dentro com
eles, cortando as mãos de qualquer um que tentasse passar.
Lucas rosnou em aprovação. Isso era exatamente o que um membro
submisso do bando estava destinado a fazer em tais circunstâncias, pegar todas
as crianças em sua vizinhança e mantê-las seguras. Pelo menos um membro do
SkyElm conhecia seu dever.
— Somente dois soldados, — continuou Dorian. — Ambos foram
gravemente feridos na luta, mas agora estão em pé e andando. A curandeira está
viva; estava na linha de frente, mas o alfa a afastou antes que estivesse muito
ferida. Uma das únicas boas decisões que parece ter tomado.
— O alfa está vivo?
Com uma expressão fria, Dorian assentiu com a cabeça. — Eu falei com um
amigo na área – ele diz que de acordo com alguns seres humanos presos em
edifícios perto da fronteira do enclave Psy/SkyElm e assistindo a luta abaixo,
dominantes da matilha protegiam o alfa acima de todos os outros.
— Esse não foi necessariamente o movimento errado – um alfa morto
poderia colapsar a coesão de um bando, especialmente se fosse um bando fraco
para começar. No entanto, numa situação em que filhotes eram mortos, proteger
aquelas vidas vulneráveis deveria ser o foco dos dominantes – e do alfa – o único
foco. Em DarkRiver, se alguma vez chegasse a uma situação tão horrível, até os
mais frágeis anciãos pegariam em armas e formariam uma linha de defesa.
Então Dorian disse a coisa mais inacreditável. — Ele perdeu seu próprio
filhote e companheira.
Piscando, Lucas olhou para seu sentinela. — Como isso é possível? — Numa
batalha onde Sascha e Naya estivessem sob ameaça, Lucas lutaria até a morte para
protegê-las. Ninguém passaria por ele, exceto rasgando-o em pedaços de merda.
— Não acho que foi de propósito, — disse Dorian, embora a raiva vibrasse
em sua voz. — Tanto quanto posso juntar, SkyElm deixou um lado de seu
assentamento desprotegido, acreditando que o perigo viria apenas da fronteira.
Um som de rachadura, café derramando pelo chão da floresta.
— Merda. — Colocando a caneca rachada no chão, Dorian sacudiu o café
que derramou em seus dedos. — Você pode descobrir o resto.
Lucas podia e não era bonito. — Não soa como se SkyElm tivesse a
capacidade de organizar um sequestro de qualquer tipo, muito menos contratar
um grupo mercenário. E por que diabos queriam atacar DarkRiver quando
poderiam ter nos procurado por ajuda?
Lucas teria aceitado os refugiados sem dúvida, DarkRiver era mais do que
grande e estável o suficiente para integrar os sete sobreviventes e fornecer-lhes
qualquer ajuda que precisassem. Enquanto os changelings leopardo formavam a
grande maioria de DarkRiver, o bando incluía Psys, humanos, um jaguar, e vários
companheiros linces. Era, de fato, o melhor bando para SkyElm ter abordado no
rescaldo do massacre.
Especialmente porque, ao contrário dos alfas dos blocos menores, Lucas
não se preocuparia com um desafio de domínio do alfa SkyElm. Ele era muito forte,
mantinha o poder por muito tempo, e seus sentinelas eram leais, sem qualquer
dúvida.
— Aqui está a coisa. — Dorian passou os dedos pelos cabelos. — SkyElm é
pequeno, mas têm um par de patentes, cortesia de dois companheiros de bando
idosos que inventaram coisas e abriram mão das patentes para o bando como um
todo. Bastien rastreou o dinheiro gerado por essas patentes e ele diz que há um
mês, alguém transferiu dois milhões de dólares para um banco no estrangeiro onde
a trilha fica fria.
De lá, Lucas percebeu, poderia ter sido canalizado para os mercenários. —
Preciso falar cara a cara com o alfa SkyElm. — Não importa seu desdém pelas
decisões do outro homem, Lucas não o julgaria culpado da tentativa de sequestro
de Naya sem sólida evidência. A Coorporação era muito boa em colocar amigo
contra amigo, em criar fraturas onde nenhuma existia anteriormente.
— Planeja deixar o território DarkRiver? — Dorian se endireitou, seu
leopardo uma presença verde selvagem em seus olhos. — Luc, sabe que não é uma
boa ideia.
— Não posso pedir a ele para vir aqui, não quando deve estar quase
quebrado. — O outro alfa perdeu seu bando, sua companheira e seu filho num
único horrível dia. Lucas não desejaria tanto mal a ninguém. — Preciso ir até ele.
Cartas para Nina
Nina,
Xavier
Capítulo 25
***
Lucas levou duas horas para correr para a base de SkyElm depois que Max
pousou o avião numa pista particular que pertencia a Nikita. Estava escondida no
centro de uma grande área, a pista de aterrissagem escondida da vista casual pelo
terreno, e mesmo se alguém estivesse curioso, a pista era oficialmente usada para
operações de pecuária e para as necessidades de transporte das pessoas que
trabalhavam com isto.
Não havia edifícios em qualquer lugar dentro de uma clara linha de visão.
Max ligou as luzes da pista de pouso pelo controle remoto, uma vez que
chegou perto o suficiente. No instante que pousou o avião no chão e estacionou,
desligou as luzes, mergulhando a área na escuridão, a lua escondida atrás das
nuvens.
O silêncio naquela pista, no entanto, não era nada comparado ao silêncio
gritante que cercava os aeries das jaguatiricas. Embora tivesse mudado em certo
ponto, pegando um par de jeans de um varal a um quilômetro atrás, os passos de
Lucas permaneceram silenciosos como os da pantera, não deixando nenhum
sussurro sair para quebrar o silêncio perturbador.
Talvez o poder esmagador disso fosse porque sabia que uma comunidade
destinada a abrigar cerca de uma centena de pessoas agora detinha apenas sete.
Enquanto, como os leopardos, as jaguatiricas eram solitárias por natureza, este
bando tinha uma longa história de viver em estreita proximidade um do outro,
provavelmente por causa do pequeno tamanho de seu bando.
Os sobreviventes deviam estar com transtorno de estresse pós-traumático.
Empurrando de lado o surto de piedade que vinha de ambas as partes de
sua natureza, lembrou-se que SkyElm podia ter ajudado a Coorporação. Mesmo se
não, as jaguatiricas selvagens eram noturnas na maior parte, e essa tendência
aparecia em changelings também, embora numa extensão menor. Não podia contar
com o bando dormindo, até mesmo no avançar da noite.
Com a guarda levantada, foi para as árvores e ficou em alerta, enquanto
caminhava para os dois únicos aeries onde podia detectar aromas frescos ao invés
da solidão empoeirada de casas deixadas desabitadas por meses. A primeira que
alcançou provou ser a casa das crianças. Podia apenas ver seus pequenos corpos
através da janela trancada: os dois estavam em forma de jaguatirica e enrolados
firmemente juntos, enquanto um macho adulto estava numa cama bem em frente
à porta do aerie.
Bloqueando. Mantendo as crianças seguras.
O submisso.
Lucas aceitaria prontamente tal coragem em seu próprio bando.
Consciente de que sentia falta do curandeiro, o alfa, e os dois soldados, ele
tomou extremo cuidado enquanto seguia em frente. Ele não tinha dúvidas de que
podia assumir os três dominantes, mas não queria transformar isso num banho
de sangue quando este devastado bando poderia não ter nada a ver com o ataque
a Naya.
Em vez de passar para o outro aerie, dentro do qual agora podia ver um
suave brilho de luz, ficou quieto e escutou. Sua paciência foi recompensada dez
minutos depois. Os soldados estavam abaixo, correndo um perímetro apertado
conforme tentavam proteger o resto de seu bando quebrado. Esses dois deveriam
estar sofrendo muito – os dominantes não deveriam sobreviver sobre seus
vulneráveis. Eles foram criados para lutar até a morte.
Se a jaguatirica alfa não fosse cuidadosa, poderia perder ambos para seus
próprios demônios.
Tendo conseguido o que queria, Lucas encostou silenciosamente ao longo
da árvore na estrada até que parou bem do lado de fora da grande janela aberta do
aerie, onde duas pessoas conversavam. A janela em si oferecia uma vista para uma
cozinha vazia, as pessoas estavam provavelmente em outra sala.
— Tem que dormir, Monroe, — sussurrou uma voz feminina. — Esteve
acordado por cinco dias seguidos, exceto por alguns cochilos aqui e ali.
— Não, tenho que ficar acordado. Preciso proteger. — O tom da voz
masculina estava errado, as palavras um pouco desconexas.
Falhadas. Quebradas.
— Você é nosso alfa. — A mulher soava à beira das lágrimas. — Precisamos
de sua orientação agora mais do que nunca, mas a falta de sono está fazendo você
ficar instável.
Grunhidos soaram de dentro, junto com o barulho de pés movendo-se para
frente e para trás pelo chão, para frente e para trás.
— Monroe. — A mulher, que devia ser a curandeira, tentou novamente. Ela
conseguiu controlar suas lágrimas incipientes e soou suave e persuasiva quando
disse, — Fiz uma xícara de chá para você. Vai relaxar...
O som da porcelana batendo na terra, o líquido espirrando na madeira. —
Não preciso de chá! — Era um rugido.
Preocupado com a curandeira e consciente de que os dois soldados
provavelmente não podiam ouvir a comoção de suas posições de vigia, Lucas entrou
no aerie através da janela. Seus olhos já haviam se adaptado à luz, então
atravessou a cozinha direto para a sala de estar. O alfa estava se aproximando de
sua curandeira, seu cabelo castanho cintilado de cinza e grudado em tufos e a pele
pálida de seu rosto manchada de vermelho, seus punhos apertados.
A curadora era uma mulher de aparência frágil, talvez com oitenta anos de
idade. Para seu crédito, ela não estava vacilante, estava de fato ainda tentando
raciocinar com seu alfa.
— Monroe Halliston. — Lucas encostou-se contra uma parede, sua postura
deliberadamente não ameaçadora. — Precisamos conversar.
Girando ao redor com um rosnado, o jaguatirica alfa veio pra cima dele
como um furacão. Lucas esperou a reação instintiva violenta, colocou o outro alfa
no chão em segundos, os pulsos do homem mais velho presos atrás de suas costas.
Quando o curador foi como se quisesse pedir ajuda, ele balançou a cabeça. — Vim
para conversar, — disse calmamente. — Se chamar os soldados, isso pode acabar
em sangue.
A mulher de pele de ébano engoliu, olhou para seu rosto, seus olhos
castanhos sobre as linhas que o marcaram desde o nascimento. — Lucas Hunter.
DarkRiver.
Enfurecido pelo som dessas palavras, Monroe Halliston tentou afastar
Lucas dele. Lucas o segurou no lugar com maior pressão. — Vim para conversar,
— ele reiterou.
— Não quero conversar com o bastardo que ajudou os Psys a nos matar!
O sangue de Lucas esfriou.
Tomando uma decisão rápida, voltou sua atenção para a curandeira. —
Chame seus soldados, — ordenou. — Diga a eles que não estou aqui para derramar
sangue, mas o farei se não entrarem pela porta nos próximos dois minutos. —
Lucas fez um reconhecimento completo antes de se aproximar dos aeries, sabia
que não havia ameaça lá que pudesse provar ser um perigo enquanto os
dominantes estivessem longe de seu lugar de vigia.
— Não siga as ordens dele! — Gritou o alfa, mas a curandeira pareceu
perceber que Lucas estava mortalmente sério.
Correndo até a porta, chamou os dois dominantes. Eles apareceram sem
fôlego na porta dentro dos dois minutos alocados, durante os quais, Monroe delirou
e delirou. Lucas colocou o outro alfa de pé, mas manteve seus olhos nos soldados,
olhando suas condições ásperas, as bolsas sob os olhos. — Mantenham as mãos à
vista, — ele disse num tom que não tolerava desobediência. — Não quero brigar
com vocês.
— Está segurando nosso alfa como refém. — Era uma declaração cansada
da metade masculina do par. — Temos que agir.
— Vou incapacitar você em segundos, — Lucas disse sobre Monroe,
gritando para eles intervirem. — Até o ponto em que os seus companheiros de
bando, incluindo os filhotes, ficarão desamparados.
Os dois soldados olharam para Monroe, que continuava exigindo que
brigassem. As caras tensas se afastaram para ocupar posições vigilantes junto à
porta, suas mãos entrelaçadas na frente de seus corpos, de acordo com a ordem
de Lucas. Suas ações disseram a Lucas que essa relação de alfa e matilha foi
quebrada muito antes de Lucas chegar – as ordens impensadas de Monroe
simplesmente colocaram o último prego no caixão.
Segurando o outro pulso do alfa num aperto inquebrável, Lucas pegou um
lenço azul marinho do chão. Devia ser da curandeira. Ele arrastou o alfa para uma
cadeira, depois usou o lenço para amarrar as mãos do outro homem na parte de
trás, para que pudessem ter uma conversa cara a cara.
Achava que Monroe Halliston não estava pensando com clareza suficiente
para tentar romper suas amarras por meio de transformação rápida, mas se o
fizesse, Lucas faria o que fosse preciso para controlar o outro alfa. — Culpa
DarkRiver pelas mortes de seus companheiros de matilha?
Com os olhos agora de um claro marrom esverdeado com uma pupila preta
alongada, o alfa mostrou seus dentes. — Tudo começou com você! — Ele gritou. —
Você e sua companheira Psy. — Ele cuspiu no chão, como se tivesse experimentado
algo sujo. — Sem você, os Psys teriam permanecido em seu mundo e nós teríamos
permanecido no nosso. Seguros.
Este não era o momento de dizer ao homem jaguatirica sobre a podridão na
PsyNet e como infectara a mente Psy. Os surtos de insanidade eram inevitáveis.
Sascha e outros empáticos como ela foram quem impediram os massacres de serem
ainda piores. Sem o efeito dominó da deserção de Sascha, aqueles Es talvez nunca
tivessem acordado a tempo.
— Você contratou mercenários para sequestrar minha filha, — ele disse;
um sentimento pesado em seu interior.
Um olhar malicioso apareceu sobre o rosto de Monroe Halliston enquanto a
curandeira levantava a mão trêmula para a boca e ambos os soldados visivelmente
empalideciam. — Prove. — Foi um desafio.
Capítulo 26
***
Menos de doze horas depois, DarkRiver tinha seis novos membros, ninguém
notou a ausência de Lucas, e Vasic Zen concordou em teletransportar Naya para
visitar sua avó materna na próxima semana.
— Desde que eu não seja necessário numa emergência, — disse o Arrow, —
pode entrar em contato comigo quando tiver preparado o encontro e farei o
teletransporte. — Os frios olhos cinza seguraram os olhos de Lucas. — Tem certeza
que quer sua companheira e criança dentro do território de uma das mulheres
mais perigosas do mundo?
— Nikita sabe que não deve me provocar. — Lucas não tinha a conexão
emocional com Nikita que Sascha tinha, a eliminaria sem hesitação se provasse
ser uma ameaça. — O esquadrão ouviu algo dos BlackSea? Algum progresso na
localização de Leila Savea? — Já fazia mais de uma semana desde a visão
psicométrica de Tanique Gray.
Vasic sacudiu a cabeça. — Nada. — Um olhar para o pequeno relógio de
jade na mesa de Lucas. — É melhor eu ir para casa. Ivy está planejando um jantar
especial para o Avô para o aniversário dele.
— Ashaya mencionou que era hoje. — A cientista respeitava profundamente
Zie Zen, e para Keenan, o homem mais velho era seu avô também. — Disse que
Keenan lhe fez um presente.
O sorriso de Vasic era suave, mas para um Arrow, isso igualava a um sorriso
gigante. — É um retrato do Avô feito em cores do arco-íris que ele solenemente
prometeu colocar em seu escritório – o teletransportei para visitar Ashaya e sua
família hoje cedo.
Essa promessa, Lucas pensou, dizia muito sobre Zie Zen. Um homem
poderoso que certamente tomou muitas decisões implacáveis em sua longa vida,
mas não perdeu sua alma. — Por favor, dê-lhe os melhores votos dos DarkRivers.
Estaremos sempre em dívida com ele. — Sem Zie Zen, Ashaya nunca teria escapado
das garras do Conselho Psy, e sem Ashaya, Dorian ainda poderia estar furioso com
o mundo, seu leopardo preso num grito agudo dentro de seu corpo.
Isso, no entanto, era simplesmente o exemplo mais óbvio de como Zie Zen
influenciou o bando de forma positiva. Lucas sabia que o ancião Psy tinha seus
dedos em muitas outras coisas, e como Nikita, protegia aqueles que eram seus.
Neste caso, isso incluía DarkRiver, uma vez que Keenan e Ashaya chamavam o
bando de casa.
— Eu vou, — prometeu Vasic antes de se teletransportar.
Sozinho, Lucas se virou para a escrivaninha e deslizou a tela do computador
para o centro de sua mesa. Só chegara em casa perto de uma da tarde, não teria
se importado com umas horas de descanso, mas entrou no escritório em vez disso
para que as pessoas pudessem ver que estava no território. Uma vez aqui, passara
o tempo sabiamente e eliminara tarefas acumuladas que lhe cabiam como chefe
das empresas DarkRiver. Mas nem tudo, isso levaria mais três horas, pelo menos.
Saindo para onde sua administradora estava sentada em sua própria mesa,
ele disse, — Vai atirar em mim se eu sair? — Ele poderia terminar amanhã de
manhã, mas precisava saber se havia algo urgente que havia esquecido.
Ria revirou os olhos. — Como se eu pudesse detê-lo.
Sorrindo, Lucas a tocou no nariz. — Todos nós sabemos que você é a chefe
deste escritório. — Ria poderia ser humana, mas era um dos membros mais fortes
da matilha, seu status na hierarquia era de uma dominante materna sênior.
Agora, seu cenho era furioso. — Toque-me no nariz novamente como se eu
fosse um filhote e vou quebrar sua mão.
— Chefe do escritório, — ele reiterou antes de mergulhar em seu próprio
espaço para pegar sua jaqueta de couro sintético. Pedira a moto de Vaughn
emprestada, e nessa velocidade, mesmo uma pantera sentia frio. Colocando a
jaqueta, voltou para Ria. — Ouvi dizer que Mialin pegou um resfriado.
Seu rosto se suavizou. — Apenas uma fungada. Emmett ficou com ela hoje.
— As sobrancelhas de repente se juntaram sobre o sedoso marrom de seus olhos,
e disse, — Como até mesmo sabe disso? Ela acabou de pegar esta manhã.
— Pode ser a chefe do escritório, — ele disse, fechando a jaqueta, — mas eu
sou o alfa de DarkRiver. — Cada companheiro de matilha era sua responsabilidade,
especialmente a menor de todas. — Tamsyn a olhou?
Acenando com a cabeça, Ria levantou para lhe dar um abraço inesperado,
o cheiro de seu corpo pequeno e curvado profundamente familiar à sua pantera. —
Você é um bom alfa, Luc.
As inesperadas palavras bateram forte nele depois do que viu nos SkyElm.
Ele a abraçou, segurando-a perto. — Obrigado, Ri-ri.
O acotovelando por usar seu familiar apelido cativante, ela o liberou para ir
até um canto do escritório. — Não se esqueça do seu capacete ou Sascha vai mexer
com seu cérebro.
Lucas aceitou a coisa negra e reluzente. — Estarei na casa de Dorian, depois
em casa, se precisar de mim.
Seu humor leve só durou até ele pegar a estrada para fora da cidade, seu
rosto ficando sombrio dentro do capacete. Porque não ia apenas ver como Dorian
se curava. O sentinela poderia estar fora do serviço ativo, mas continuava sendo
uma das pessoas mais confiáveis de Lucas. E, na noite passada, ele tinha uma
nova tarefa: encontrar o navio que deveria levar a filhote de Lucas e Sascha de San
Francisco para a Austrália.
Parte
03
Capítulo 27
Zie Zen sentou-se numa cadeira do lado de fora da casa de Ivy e Vasic, a
mão esquerda em sua bengala, e ouvia um menino de cabelos castanhos brincando
sob a luz calorosa do pôr-do-sol. Tavish estava rindo cada vez mais à medida que
os dias passavam, e hoje, enquanto perseguia um cãozinho branco pelo pomar,
não parou. O som era música alegre.
Sunny, eu queria que estivesse aqui para ver isso.
A única mulher que já amara queria esperança para seu povo, queria
alegria. Em vez disso, ficou desgastada por sua necessidade até que seu coração
não bateu mais, até que não havia força nela para respirar. Sua doce e gentil
Sunny. Uma empática durante o tempo em que a PsyNet se voltou contra
empáticos, quando queria apenas o silêncio frio. Aquela escolha a matou, e ao fazê-
lo, matou a melhor parte dele também.
— Avô. — Outra voz empática, doce, esperançosa e com um calor generoso
que afundou em seus ossos doloridos. — Ficará com frio. Aqui.
Foi somente quando Ivy colocou a manta oriental sobre seus joelhos que
viu que sua mão tremia na bengala, apesar do sol que jorrava sobre ele, sua pele
enrugada com as marcas da idade. — Obrigado, filha. — Ele tocou com sua mão
os suaves cachos caindo de Ivy conforme ela se curvava para arrumar a manta,
esta mulher que trouxe seu filho a vida.
Vasic podia não ser seu filho em termos absolutos, sua relação de duas
gerações distantes, mas era para Zie Zen filho do coração. E fez o que Zie Zen não
pode – Vasic salvou sua companheira empática, impediu que fosse esmagada sob
a necessidade interminável de seu povo. Um povo que finalmente se lembrou de
que os Es eram tesouros a serem apreciados.
Isso aliviou a dor centenária de Zie Zen de sentir o toque dela, saber que o
sonho de Sunny estava no caminho para se tornar realidade.
Ivy sorriu; o cobre translúcido de seus olhos luminosos e seu afeto e amor
por Zie Zen uma carícia aberta contra seus sentidos. Empáticos – não tinham
nenhum senso de autopreservação. Nunca tiveram. Provavelmente nunca teriam.
— Gostaria de uma bebida quente? — Ela perguntou enquanto o sol beijava
o dourado e creme de sua pele.
O cabelo de Sunny era cor de laranja amarela, os olhos azuis, mas ela
também era assim, sempre atenta aos outros. Era uma necessidade num empático,
este impulso nutritivo. — Não, — disse ele. — A manta é o suficiente.
— Ivy! — Tavish correu desordenadamente em direção a eles, os joelhos de
sua calça de veludo bege manchados com grama e sujeira. — Ivy! Ivy! — O garoto
de sete anos foi de encontro as pernas de Ivy, jogando seus braços ao redor delas
em selvagem afeto.
Rindo de um jeito que dizia à criança que era amada, sua afeição bem-
vinda, ela revirou seu cabelo. — Cuidado, muito rápido.
Tavish inclinou a cabeça e olhou para cima. — Terminou o jantar de
aniversário do vovô?
— Terminei. — Ivy encontrou os olhos de Zie Zen. — Espero que goste do
que escolhi.
— Não pode fazer nada que me desagrade, filha.
O olhar de Ivy brilhou molhado antes que ficasse distraída com as palavras
da criança Arrow que agora chamava o pomar de casa e olhava para Ivy e Vasic
como uma família. Pais que não o rejeitariam da maneira como seus pais biológicos
fizeram quando provou ter um perigoso presente telecinético. — Quer brincar? —
A desconfiança era um súbito intruso que espreitava nos olhos de avelã misturados
com o marrom.
Então Ivy se inclinou para pressionar um beijo na testa dele. — Por que
não?
A cautela desapareceu com um sorriso que era uma explosão de luzes das
estrelas, Tavish foi correr para a bola que o cãozinho branco, Rabbit, segurava. Ele
parou no meio do caminho, indo para Zie Zen, seu ritmo muito mais tranquilo. —
Vovô, — disse ele respeitosamente. — Você também gostaria de brincar?
Zie Zen ergueu a mão para o rosto do menino, tocou o calor inocente dele,
e pensou nas crianças que ele e sua Sunny poderiam ter criado se tivessem vivido
em outro tempo. — Vou gostar de te ouvir brincar, neto.
Tavish se inclinou, parecendo decidir fazer isso, e jogou seus braços em
torno de Zie Zen. Zie Zen fechou seus próprios braços em torno do menino, esta
centelha pequena e brilhante que havia aprendido a rir estava sob os olhos de Zie
Zen.
— Estarei ali, vovô. — Tavish apontou para o início do pomar após o abraço
chegar a um fim natural. — Pode me chamar se precisar de mim. Ok?
— Você é um bom neto.
Enchendo-se de orgulho, Tavish despediu-se e saiu correndo.
Ivy seguiu num ritmo mais lento depois de pegar a bengala caída de Zie Zen
e colocá-la contra o lado de sua cadeira. Ela logo ficou distraída com a brincadeira,
no entanto, uma que parecia envolver chutar a bola entre duas árvores, com Rabbit
em perseguição acalorada do objeto preto e branco sempre que passava por um
limite invisível.
Quando Vasic apareceu ao lado de Ivy, ela se virou para beijá-lo num
movimento tão fluido, que era como se os dois fossem um só ser. Zie Zen não
precisava ser um empático para sentir seu amor penetrante por Vasic, ou a devoção
apaixonada de Vasic por ela. O filho de coração de Zie Zen amava sua empática
como Zie Zen amava sua Sunny.
Mesmo enquanto o casal se separava, a mão de Ivy continuou no peito de
Vasic, Tavish chegou para puxar a mão de Vasic e pedir para ele participar da
brincadeira. Vasic tocou essa mão no ombro do garoto antes de se virar para
encontrar o olhar de Zie Zen. Vovô, você está bem? Sua voz telepática era pura
como um remoto lago de gelo ininterrupto, mas não havia frio dentro de Vasic.
Não mais.
Estou muito bem, filho. E ele estava. O sol estava quente em seus ossos que
se sentiam muito mais velhos do que sua idade. Era o peso da tristeza, o peso da
memória, o peso das promessas que fizera para si mesmo de ver os sonhos de
Sunny como seus.
Aqui, neste pomar ensolarado, enquanto seu filho brincava com uma
criança que escolheu Vasic como seu pai, e uma empática que ria com alegria
irrestrita, esse sonho se tornou realidade. A raça Psy não era mais um lugar apenas
de Silêncio arrepiante, a PsyNet não era mais uma paisagem em preto e branco
desprovida de laços emocionais.
O tempo de escuridão infinita terminou.
Ai está, Sunny. Acabou.
***
Vasic sentiu seu avô ir. Nenhum vínculo emocional mostrava-se na PsyNet,
apenas laços de acasalamento, outros ainda não. Mas Vasic sabia que eles
existiam, os sentia em sua alma. E soube quando sua ligação com seu avô se
rompeu para sempre.
O sofrimento o atingiu quando se teleportou a curta distância para Zie Zen.
A bengala do vovô estava caída no chão, mas a cabeça de Zie Zen não caiu.
Simplesmente se inclinou suavemente contra o encosto de sua cadeira. Seus olhos
estavam fechados, o mais leve sorriso em seus lábios. Era como se estivesse
dormindo, mas mesmo quando Vasic estendeu os dedos para verificar o pulso de
seu avô, soube que Zie Zen havia partido.
A mão de Ivy se fechou ao redor da dele enquanto ela aparecia ao seu lado,
as palavras que falou estavam sem fôlego de sua corrida para chegar a Zie Zen e
molhada com lágrimas. — Ele estava numa paz tão profunda antes de ir. Parecia...
Como uma linda canção do coração.
Ivy saberia, não só porque a esposa de Vasic era uma E, mas porque Zie
Zen estava ligado a ela no Honeycomb. O avô de Vasic sorriu ao pedido de Ivy por
uma conexão, então disse, — Fiz um ciclo completo, me juntando mais uma vez a
uma empática.
— Vovô? — A voz lamentosa de Tavish tirou Vasic de seu choque e tristeza.
Estendendo a mão, ele pegou a criança, apenas um braço era forte o
suficiente para a tarefa. Ele precisava segurar o menino e Tavish precisava ser
segurado. — O avô nos deixou, Tavish, — disse, achando difícil falar, mas sabendo
que, neste instante, a dor sentida pelo pequeno coração vulnerável em seu poder
era mais importante do que sua própria dor. — Mas ele estava pronto para ir.
Desde que Zie Zen contou a Vasic sobre sua Sunny, Vasic soube que seu
avô estava contando o tempo nesta terra. A raça Psy podia não acreditar em vida
após a morte, mas Zie Zen acreditava que sua Sunny esperava por ele. Ele só
precisava terminar seu trabalho aqui antes de ir até ela, para a mulher que sempre
amou.
— Mas ele não pode ir! — Era um grito de raiva de uma criança. — Diga a
ele para voltar!
Vasic sentiu o amor de Ivy, a infinita gentileza dela, cercá-los.
Alcançando o rosto molhado de Tavish, ela balançou a cabeça. — Todos nós
sentiremos falta dele, desesperadamente, mas você vê o sorriso dele? Isso significa
que estava feliz em ir para sua próxima aventura. — Ela chorava também, não fez
nenhum esforço para esconder suas lágrimas.
Ivy. A garganta de Vasic estava muito grossa para falar. Eu preciso de você.
Sua empata se dobrou contra seu peito um segundo depois, envolvendo
seus braços ao redor dele e de Tavish. Foi suficiente para mantê-lo, para que
pudesse fazer o que precisava ser feito.
Ele não podia chorar, não agora. Era um Arrow por muito tempo.
Não foi até a noite, o mundo silencioso e sua companheira segurando sua
cabeça contra seu ombro, que Vasic Zen clamou pelo homem que o fez quem era,
um homem que viveu uma vida com seu próprio sofrimento e que deixou o mundo
um lugar muito melhor do que estava antes que se tornasse um rebelde.
***
***
***
Aden não queria lidar com a Trindade ou Ming LeBon agora. Queria estar
lá pelo seu amigo, cuidar dos detalhes para que Vasic não precisasse. Mas Zie Zen
acreditou na Trindade, falou com Aden longamente sobre isso da última vez que
conversaram.
É uma crua construção de esperança, este Acordo Trino de vocês. Uma coisa
corajosa, audaciosa e desafiante, que desafia o mundo a ser melhor e exige que as
pessoas sejam o melhor que podem ser. Nunca deixe esta construção falhar, Aden,
enquanto ela permanecer, ela transmitirá esse desafio. Mais cedo ou mais tarde,
mesmo os surdos conscientes terão que escutar.
Por essa razão e só por essa razão, Aden obrigou-se a olhar para a proposta
que chegou na hora imediatamente após a passagem de Zie Zen, num momento
em que Vasic e Ivy não contaram a ninguém além de Aden e Zaira e os pais de Ivy.
Pelo menos Ming LeBon poderia ser absolvido do crime de tentar usar a morte de
Zen Zie em sua própria vantagem. Era a única coisa boa que Aden podia dizer sobre
a carta que fora enviada a todos os signatários do acordo.
Ming LeBon
Ajudados por amigos que estiveram ali a cada passo do caminho, Vasic e
Ivy fizeram o serviço memorial de Zie Zen no pomar, numa pequena elevação
inundada pelo sol que seu avô amava. Certa vez, quando falaram sobre isso, Zie
Zen pediu para ser cremado e espalhado pelos ventos como fizera com sua Sunny.
Mas primeiro, teriam esta cerimônia para os vivos que se afligiam por ele.
Zie Zen tinha uma guarda de honra de Arrows e Empatas – e uma cientista
talentosa.
A dor de Ashaya Aleine era tão profunda quanto a de Vasic, mas ela
caminhou com orgulho pelo homem que foi muito mais do que Vasic jamais soube.
Outra mulher, com os cabelos castanhos dourados e as mãos cobertas de
preto, esperava que o cortejo alcançasse a elevação. Vasic a conhecera num
contexto diferente, não entendeu quão profundamente ela estava entrelaçada na
rebelião de Zie Zen até que ela lhe mostrou a moeda de ouro levada por apenas dez
pessoas no mundo inteiro: as pessoas que tinham a confiança de Zie Zen.
Vasic também tinha uma dessas moedas.
Clara Alvarez gerenciava Haven, um lugar onde F-Psy fragmentados
poderiam viver em paz – e onde Samuel Rain atualmente residia. Ela segurava
ferozmente suas emoções, mas suas feições estavam tensas e ficou perto de seu
marido, um procurador respeitado.
Junto a esse procurador estava outro detentor inesperado de uma moeda:
Anthony Kyriakus, ex-conselheiro Psy, membro atual da Coalizão Governante,
aliado ocasional de Vasic, e um homem que publicamente fez oposição a Zie Zen
várias vezes ao longo das décadas. Vasic soube que os dois eram aliados apesar
das aparências, mas até este instante, não sabia quão profunda era a confiança
entre eles.
Vovô, eu tenho a sensação de que nunca conhecerei todos os seus segredos.
O filho de Ashaya, Keenan, estava com Tavish. Ele chorou – com idade
suficiente para entender que o homem que também chamara de avô nunca
acordaria. Tavish segurou a mão do garoto mais jovem e disse o que Ivy disse a ele,
enquanto o companheiro de Ashaya, Dorian, ficava atrás de ambas as crianças,
com as mãos em seus ombros.
Ivy caminhou com a guarda de honra, e ela era a força de Vasic, a força
gentil que mantinha todos juntos naquele dia.
E havia muitas pessoas.
Zie Zen não era apenas um homem que amava uma garota chamada Sunny
e um menino chamado Vasic, ele foi um dos maiores estadistas da sua raça. Vasic
soube que seu avô não se importaria de ser sepultado sem alarde, mas também
compreendeu que havia outros que precisavam saber da morte deste grande
homem. Ele pediu a Aden para lançar um único boletim para o mundo.
Foi viral dentro de cinco minutos.
Se o permitissem, milhares de pessoas teriam vindo aqui hoje, milhares de
pessoas cujas vidas foram tocadas e melhoradas por Zie Zen. Até mesmo seus
inimigos o respeitavam, haviam mandado palavras para reconhecer a perda de um
homem diferente de qualquer um que veio antes. A Psynet ficou em silêncio em
respeito... Então, cheia de histórias do impacto de Zie Zen em pessoas ao redor do
globo.
Vasic não viu nada como isso em toda sua vida. Nem o resto da equipe.
No final, ele e Ivy tomaram a decisão de limitar o funeral e o serviço
memorial aos mais próximos de Zie Zen, aqueles com quem Zie Zen teve contato
mais íntimo. Os outros foram convidados a contribuir com suas lembranças e
pensamentos sobre Zie Zen para um arquivo que seria organizado por dois
bibliotecários que estavam vivos por causa do bisavô de Vasic.
Cem pessoas estiveram aqui hoje.
Embora o coração de Vasic estivesse pesado, sua voz áspera, ele falou
quando chegou a hora. Zie Zen não esperaria nada menos. — Meu avô vivia no
Silêncio quando era um homem de convicção apaixonada, não destinado à fria
emoção, e trabalhava de dentro para mudar o que estava quebrado.
Vasic não falou da Sunny de Zie Zen, pois aquelas lembranças eram de seu
avô para compartilhar. Mas podia reconhecer que Zie Zen continuou por quase um
século, mesmo que seu coração tenha se quebrado aos vinte e três anos, quando
sua Sunny morreu. Mesmo sentindo falta dela a cada momento de cada dia. — Ele
nunca desistiu e nunca acreditou em nada impossível. Sua coragem era infinita.
Antes, Vasic não teria compreendido a profundidade do luto abrasador de
seu avô, ou compreendido seu valor infinito. Antes de Ivy. Antes que soubesse o
que era estar entrelaçado, coração e alma, com outra pessoa.
Ele a alcançou com a mente, encontrou-a esperando mesmo enquanto sua
mão apertava firme a dele, dando-lhe a força para continuar. — Mas mais do que
um grande estadista, — disse, — Zie Zen era um grande homem. Sinto-me honrado
em levar seu nome. Espero que o faça orgulhoso, avô. — Era um epitáfio muito
curto, mas veio de sua alma.
Um poderoso silêncio caiu, cem cabeças curvadas em respeito.
***
Vasic espalhou as cinzas do seu avô na próxima aurora, Ivy ao seu lado. —
Adeus, avô, — sussurrou. — Espero que encontre sua Sunny.
As cinzas de Zie Zen voaram com o vento, assim como o tempo daqueles
que nasceram em liberdade e foram enjaulados no Silêncio, só para vê-lo cair.
Agora... Agora era o tempo daqueles que nasceram no Silêncio lutarem pela
liberdade.
É hora do manto passar. A voz de Zie Zen de uma noite em que andaram
juntos pelo pomar. O velho deve dar lugar ao novo.
A sabedoria nunca é velha.
Sim, mas os jovens cuidarão do que eles construíram. Então construa, Vasic.
Este é seu tempo, filho. Reúna seus aliados confiáveis, sua empata suave e feroz, e
construa seu futuro.
— Vamos construir, — prometeu Vasic. — Hoje, amanhã e todos os dias por
vir.
Capítulo 29
Ivy sofreu com Vasic nos dias que seguiram à passagem de Zie Zen, mas
como ele, ela não podia desligar. Ambos tinham responsabilidades, não apenas
com Tavish e com a equipe, mas para com muitos outros. No caso dela, isso
significava a saúde de seus empáticos, e claro, a tensão da desintegração oculta do
tecido psíquico da PsyNet, uma desintegração que enfraquecia uma estrutura
psíquica que apoiava milhões de mentes.
No caso de Vasic, significava seus deveres como vice de Aden, bem como os
compromissos que fez a amigos e aliados. Foi no dia seguinte que espalharam as
cinzas de Zie Zen que Ivy, Vasic, Tavish e Rabbit regressaram a casa de uma
caminhada matinal através das árvores do pomar para encontrar uma mensagem
que Miane Levèque deixara em seu comunicador e no telefone que Vasic esquecera
na cabine.
— Vasic, eu sei que você perdeu seu avô apenas alguns dias atrás, — ela
disse, com a voz sombria, — mas temos o que poderia ser uma verdadeira pista
válida para Leila. Precisamos avançar o mais rápido possível. Se você não puder
fazer isso, eu entendo. — Compaixão no tom da alfa, sem julgamento. — Mas, por
favor, me avise dentro de uma hora para que eu possa refazer nossos planos.
O marido de Ivy teria uma justificativa para dizer não, mas não o fez. Ele
vestiu seu uniforme Arrow e enfiou uma única moeda de ouro em um bolso interno
em memória de seu avô. — Se salvarmos este changeling BlackSea, — ele disse,
sua voz potente com a memória e com determinação, — nós daremos um golpe na
Coorporação. Zie Zen teria apreciado isso.
Porque, pensou Ivy, todos os planos e intrigas de Zie Zen decorreram de um
único objetivo primordial: devolver a liberdade ao seu povo. — Sim, — ela
sussurrou. — Ele não nos agradeceria por deixar uma mulher presa quando
podíamos libertá-la.
Alisando as mãos sobre a frente de seu uniforme, ela cuidadosamente
dobrou e prendeu a manga de seu braço ausente. Vasic poderia ter tido seus
uniformes alterados então isso não seria necessário, mas com Samuel Rain
continuando a experimentar as próteses, ele havia deixado.
Essa escolha dizia algo poderoso sobre o homem que ela amava. Embora
ele tivesse se adaptado à perda de seu braço ao ponto de que as próteses muitas
vezes o aborreciam, ele continuava dando a Samuel uma chance. Tudo por uma
razão simples: a mente do outro homem era tão extraordinária que precisava de
um desafio, e este desafio mantinha-o focado e mentalmente saudável.
— Vá, — ela disse após completar sua tarefa autonomeada. — Você terá
cuidado?
Vasic segurou sua bochecha com a mão, seus olhos cinzentos como
tempestade hoje. Cheio de ecos de tristeza. — Sim, — prometeu. — Eu preciso
voltar para casa, para você.
O coração de Ivy doía com poder cru de suas palavras, o amor que vivia em
seu toque. Virando a cabeça, ela pressionou um beijo em sua palma. — Seu avô
tinha tanto orgulho de você, Vasic, — ela disse para ele depois, seus olhos presos
com os dele. — Nunca se esqueça disso.
Atraindo-a para perto, Vasic segurou-a por longos momentos. — Você
tomará cuidado na PsyNet? Essa estranha desintegração que você me mostrou
pode ser tão insidiosa quanto a podridão original.
— Eu vou, eu prometo. — Ivy não tinha intenção de levar sua jornada com
ele para um fim prematuro. Sim, havia dor aqui, mas também havia amor, riso,
esperança. — Vou ter uma conferência de comunicação com a Sascha e várias
outras Es para trocar ideias, soluções e explicações. — Ela se forçou a recuar. —
Eu te amo.
Você é meu coração, Ivy.
Segurando as palavras após ele se teletransportar, Ivy segurou suas
lágrimas, pôs um sorriso firme em seu rosto, e foi encontrar Tavish. Ela e Vasic
permitiram que ele ficasse em casa, não indo à escola do Vale até este ponto, mas
ela decidiu que isso mudaria amanhã de manhã. Como qualquer criança Arrow,
ele precisava da certeza da rotina e estar com seus amigos poderia vir a ajudar a
ocupar sua mente da perda que sua família sofreu recentemente.
— Tavish? Rabbit?
Arranhando as garras no chão, uma pequena bala branca saiu do quarto
de Tavish para se aproximar dela, sacudindo a cauda. Ajoelhou-se e acariciou o
cão que estava com ela desde antes de encontrar sua força, que de fato a ajudou a
encontrar sua força com a luta corajosa dele para sobreviver. O ato de acariciar
sua pele a confortava como sempre fizera.
— O que vocês dois estão fazendo? — Perguntou a Tavish quando o garoto
de sete anos chegou à porta.
— O trabalho escolar que o professor enviou, — ele respondeu; um sorriso
hesitante em seu rosto. — Vasic saiu?
— Sim, estamos todos voltando ao trabalho. — Dando a Rabbit um tapinha
final, ela se moveu para abraçar Tavish.
Rabbit se encostou ao lado dela e agora encostou seu corpo contra o de
Tavish.
— Eu tenho que ir à escola amanhã? — Uma tranquila pergunta com uma
agitação atrás dela.
Tavish foi abandonado por sua família quando foi designado para o
esquadrão, nessa altura, ele não foi incentivado a formar qualquer ligação de forma
alguma. Então veio essa nova família e um amanhecer cauteloso de esperança.
A morte de Zie Zen atingiu duramente essa esperança, mas Vasic e Ivy
estavam ajudando o garoto a trabalhar isso, sempre reiterando que, ao contrário
dos membros de sua família biológica, Zie Zen não escolheu deixá-lo para trás,
simplesmente chegou o tempo do homem mais velho viajar para o próximo estágio
de existência, qualquer que seja.
Ajoelhando na frente do menino, Ivy segurou as mãos dele. — O que o vovô
sempre dizia?
— Que a educação é importante e que o homem que tem mais informações
é o homem que pode mudar as marés do mundo, — Tavish repetiu quase palavra
por palavra.
Estava claro que não entendia tudo, mas compreendia o suficiente. —
Então, — Ivy disse, — escola amanhã. — Ela sorriu. — Seus amigos estão sentindo
sua falta, sabe. A professora me contou.
Um sussurro de sorriso aqueceu os olhos de Tavish. — Escola amanhã, —
ele concordou; então se abaixou para Rabbit. — Você pode brincar com o Rabbit e
comigo hoje?
— Ainda não. — Ivy o beijou na bochecha antes de se levantar. — Tenho
uma conferência pelo comunicador, então algum outro trabalho para ser concluído.
Mas minha mãe gostaria de sua ajuda em seu jardim. Você pode terminar o seu
trabalho escolar mais tarde.
O rosto de Tavish se iluminou. Entrando dentro de seu quarto, ele voltou
depois de ter mudado para suas roupas de jardinagem e com um chapéu na
cabeça. Eles pegaram suas luvas e ferramentas de tamanho infantil do galpão ao
lado da casa antes que Ivy o acompanhasse até a casa de seus pais. Sua mãe já
estava lá fora, na horta.
Obrigada, ela disse telepaticamente para a mulher com o corpo forte e
magro que havia dado à luz a ela.
Gwen Jane nunca mais seria a personificação quente e fofinha do instinto
maternal, mas ela lutou pelo direito de sua filha viver e ser feliz. Como o pai de Ivy.
Ela os amava com cada batida de seu coração.
Não é um problema, sua mãe respondeu telepaticamente também. A criança
tem um polegar verde e uma vontade de aprender. E é útil ter um telecinético ao redor
quando preciso de uma pá ou esqueço minhas luvas na casa.
Os lábios de Ivy se contraíram. Ela estava certa de que sua mãe estava
desenvolvendo um senso de humor, mas nunca tinha certeza. — Divirta-se, —
disse à Tavish, que já puxava as luvas e se preparava para as ervas daninhas.
Ela pediu a sua mãe para cuidar dele até o meio-dia, porque a conferência
pelo comunicador que estava prestes a ter não era nada que uma criança deveria
ouvir acidentalmente. Especialmente, não uma criança cuja mente estava
ancorada na PsyNet.
Ela iniciou a conferência assim que chegou em casa.
Após cuidar de alguns detalhes operacionais menores, ela e sua equipe
seguiram para a verdadeira razão para esta reunião. A fraqueza, as linhas de
fratura, a desintegração que ameaçava derrubar a Rede. Vários membros da equipe
receberam relatos de áreas instáveis de empatia na zona de sua responsabilidade.
Quando juntaram todas as peças, eles fizeram um quadro perturbador.
— É pior do que eu pensava, — disse Ivy, consternada. — Sahara, Kaleb
conseguiu descobrir mais dados sobre isso? — O poderoso Tk conhecia melhor o
DarkMind e a neosentiência tinha afinidade com a podridão que cobria essa
desintegração. E embora sua gêmea, a NetMind, amasse os Empatas, conhecia
Kaleb por mais tempo; Ele parecia ser capaz de falar com ela de uma forma que
mesmo Es não podiam.
— Não, desculpe, Ivy. — Os olhos azuis escuros de Sahara estavam solenes.
— Pedi para ele fazer contato antes desta reunião e ele disse que está recebendo as
mesmas imagens que recebeu antes – de corpos com seus órgãos violentamente
arrancados, um calendário que para no início do Silêncio.
Os cabelos se ergueram nos braços de Ivy, como fizeram a primeira vez que
Kaleb compartilhou as informações com ela. — Que diabos nós estamos perdendo?
Ninguém tinha respostas, nem mesmo Alice Eldridge, que havia completado
um estudo inovador e profundo de Empatas. — Independentemente da minha
memória falha, — a outra mulher disse, esfregando a testa, — Não sei se poderia
ajudar aqui. Não tenho nenhuma prova, mas acho que isso não é uma questão
empática. Há outro problema, um que estamos cegos por algum motivo.
Lentamente, rostos cansados e preocupados, com um peso em seus
ombros, a equipe encerrou a reunião, até que só Sascha e Sahara ficaram. Ivy
ficara desapontada com a falta de participação de Sascha na reunião – a cardeal
era o E mais antigo do mundo. Ela estava acordada por mais tempo, executou
inúmeros testes em suas habilidades, enquanto o resto deles ainda estava atolado
em Silêncio.
Sim, Ivy e os outros fizeram alguns avanços, mas os anos de estudos
intensivos e experimentação de Sascha deram-lhe uma profundidade de
conhecimento que nada poderia superar. Especialmente com o Es na Net
esforçando-se no seu limite para lidarem não apenas com o Honeycomb, mas com
a confusão e a necessidade de uma população acordando de um longo e silencioso
sono.
Ninguém teve tempo para fazer nada além de reagir.
Uma equipe dedicada de pesquisa da designação E era um sonho.
Como resultado, Sascha tomou a batuta de pesquisa não oficialmente, e Ivy
tinha esperanças de sua contribuição. Assumindo que a reticência da empata
cardeal tinha a ver com o fato de que depois de ter desertado ela não tinha mais os
dados em tempo real da PsyNet, Ivy ia reiterar a necessidade do conselho de Sascha
para o Grupo Empático.
Mas a outra mulher falou antes que ela pudesse e imediatamente ficou claro
que Sascha estava no encontro. Ela simplesmente estava absorvendo todos os
dados disponíveis e juntando as peças. — Sophia, — a cardeal disse com o cenho
franzido. — Você verificou a seção dela na Net?
Ivy assentiu com a cabeça. Ela não conhecia bem Sophia Russo, mas cada
E na parte do mundo de Sophia estava ciente de que a seção da PsyNet
imediatamente em torno da mente de Sophia era diferente. Estável. Profundamente
pacífica.
Tanto é assim que Es cansados e tensos no limite foram remanejados
deliberadamente para essa seção para recuperar o fôlego.
Entretanto, ninguém sabia que a diferença tinha a ver com a forma como
Sophia Russo estava ancorada na Net – a mente da assistente sênior de Nikita
Duncan foi tecida na PsyNet por milhões de conexões finas, ao invés de estar ligada
a um único link de biofeedback.
Em essência, Sophia Russo não foi levada para a Net, ela era parte do tecido
da própria Net. E em sua mente, a mente de um J-Psy que sempre aceitou a
escuridão tanto quanto a luz, a NetMind e DarkMind eram uma. Nenhuma divisão,
nenhuma fratura, nenhum dano, essa totalidade alegre refletida no lago claro e
fresco que era o ponto de âncora de Sophia.
— A área de Sophia é tão estável e pacífica quanto sempre, — ela disse a
Sascha, tal fato que lhe dando esperança.
— Totalmente estável? — Sascha pressionou. — Nada em sua zona de
influência?
Ivy franziu o cenho. — Eu verifiquei depois que Kaleb me mostrou pela
primeira vez a desintegração, mas não procurava isso em particular. — Medo
aderindo em suas veias, ela disse: — Dê-me três minutos. Farei uma avaliação
mais detalhada.
O que ela encontrou foi extraordinário.
Abandonando a Net, Ivy olhou para Sascha. — Como você soube? — Saiu
em um sussurro rouco.
— O que você viu? — Perguntou a cardeal Psy.
— A zona de influência de Sophia cresceu, Sascha. Não é o suficiente para
ser notado em um olhar casual, mas olhe novamente e é óbvio. — Onde uma vez,
dois ou três empatas poderiam ter permanecido nessa área em qualquer momento,
agora poderia acomodar quatro, talvez até cinco.
Sascha soltou um suspiro. — Eu não sabia, — disse ela. — Eu estava
esperando, porque desde que Sophia está firme, há uma chance de salvar a Net
antes de entrar em colapso. Nós só temos que descobrir o que a torna única.
Franzindo o cenho, Sahara disse: — Não pode ser apenas porque ela aceita
ambos os lados de sua natureza, permitindo que a NetMind e DarkMind sejam um
naquele momento, porque se isso fosse verdade...
— Então a Net deveria estar curando, mesmo que a um ritmo lento, — Ivy
completou, porque com a queda do Silêncio havia chegado uma onda tumultuosa
de emoção na Net. — É por causa de como a mente de Sophia é tecida na Net?
Afastando uma mecha de cabelo que escapara da trança, Sascha disse: —
É possível. Sophia está mais profundamente integrada na PsyNet do que qualquer
outra pessoa no planeta.
— Como poderíamos duplicar isso? — A pergunta de Sahara era dura.
— Poderia ajudar se soubéssemos como e por que a mente de Sophia Russo
ancorou dessa maneira.
Sascha fez um suave movimento de sua cabeça. — A história de Sophie é
dela para contar, mas eu perguntei uma vez o que eu poderia compartilhar se a
questão da gênese de seu ponto de ancoragem surgisse e ela me deu licença para
dizer que era um ato de sobrevivência instintiva. Acho que nem ela poderia nos dar
instruções.
Sua cabeça começando a bater como se fosse atingida várias vezes por um
martelo, Ivy olhou para o pequeno latido, para ver que Rabbit havia voltado
correndo da casa de sua mãe para lhe fazer uma visita. Ele sempre fazia isso,
felizmente correndo para frente e para trás quando seus donos estavam em dois
locais separados em uma única área. — Deixe-me colocar um pouco de água para
Rabbit, — ela disse para as outras mulheres e foi encher a tigela dele.
Quando ele começou a bebê-la, sua cauda abanando, ela encontrou-se
pensando na comunidade que seus pais ajudaram a construir neste canto de
Dakota do Norte, era um tipo de organismo vivo. Cada indivíduo único e separado,
mas juntos formando uma coesão...
Seus olhos se arregalaram.
Voltando correndo para o comunicador, ela interrompeu Sahara. — Você
pode perdir a Kaleb para ajudar a procurar quaisquer outras seções saudáveis e
atraentes a NetMind? Áreas como a de Sophia Russo?
— Isso é brilhante, Ivy. — Os olhos de Sascha sangraram em preto puro. —
Com Sophia sozinha, temos apenas conjecturas, mas se conseguimos encontrar
uma segunda mente que esteja ajudando a Net a se curar, podemos comparar
semelhanças e diferenças.
— Mas os seus Es já não teriam visto essas seções? — Sahara apertou seus
dedos contra suas têmporas, como se tivesse apanhado a dor de cabeça de Ivy. —
Ouvi pela primeira vez sobre Sophia de um deles.
— Vou alertar todo o Grupo Empático para estar atento, — disse Ivy, já
escrevendo aquela mensagem em sua cabeça. — Isso pode ser suficiente para agitar
lembranças importantes – porque se a área é pequena, um E pode não ter notado,
exceto pensar que ele ou ela se sentiu bem quando passava.
Ivy esperava que fosse esse o caso, porque o outro cenário era sombrio: que
Sophia fosse a única área saudável.
Capítulo 32
***
Vasic não ficou surpreso quando o Ps-Psy provou ser Tanique Gray. Os
filhos de Anthony Kyriakus nunca foram comuns e, dado seu pai, suas tendências
rebeldes eram quase esperadas. Porque já viu psicometria no trabalho antes, Vasic
manteve Tanique dentro da vista uma vez que teletransportou Miane e o jovem
macho para o local de cativeiro de Leila Savea, pronto para levá-lo para uma
unidade médica se fosse necessário.
Não achava que Miane e os outros changelings percebessem o custo das
habilidades do Ps-Psy. Provavelmente porque a psicometria era rara e tendia a
funcionar principalmente com museus e similares. Isso não anulava o perigo;
simplesmente o mantinha fora da vista do público. A última emergência que Vasic
ouviu falar, envolvia um Ps-Psy que foi convidado a verificar a procedência de uma
espada velha.
Recebera uma quantia considerável para lidar com a arma porque a maioria
dos psicométricos não tocava em nada com uma história conhecida de violência.
Como aconteceu, a compensação nunca poderia ser suficiente. O Ps-Psy conseguiu
gritar que a arma foi usada num massacre recente antes de parar de falar e
começar a convulsionar.
Ainda estava numa unidade de alta dependência numa instalação médica
privada. As chances de que acordasse eram mínimas, mas era mantido vivo porque
havia uma chance, e Ps-Psy eram valiosos o suficiente para que ninguém quisesse
desperdiçar a oportunidade, se existisse.
Hoje viu Tanique congelar no chão da sala principal, bem antes de chegar
à entrada do que deveria ser a cela de Leila Savea. Os músculos do homem mais
jovem se contraíram, suas mãos apertaram enquanto sua respiração se tornava
irregular.
Vasic não hesitou. Teletransportou o outro homem para fora do prédio e
para as árvores lá fora.
Miane virou para encarar Vasic. — Que diabos? Ele estava recebendo
alguma coisa.
— Ele estava prestes a entrar em convulsão. — Girando em seus
calcanhares, Vasic caminhou para onde teletransportou Tanique.
O irmão de Faith NightStar estava curvado, com as mãos nos joelhos, o
peito arfando enquanto aspirava ar.
— O que há de errado com ele? — Miane perguntou, mas não esperou por
uma resposta antes de retirar uma garrafa de água da mochila de um soldado
BlackSea próximo e caminhar para colocá-la aos pés de Tanique.
Vasic simpatizou mais com ela pela ação, por sua consciência que a vida de
sua colega de bando não era a única que tinha importância. Esperando até que ela
voltasse para seu lado, ele disse: — Um psicométrico pega ecos. Quanto mais velho
o objeto, mais maçante o eco. Quanto mais novo o objeto, mais chocante e mais
ruidoso.
Franzindo o cenho, a alfa de BlackSea disse: — Ele não estava lidando com
nada na hora.
— Por que acha que ele tirou os sapatos antes de entrar? — O prédio em si
era um objeto, e os pés descalços de Tanique estavam em uma parte crítica dele.
A percepção esfriou as feições de Miane. — Leila foi torturada nesse ponto,
— ela disse com voz fria e dura. — E aquela criança reviveu?
Aquela criança era um psicométrico altamente dotado que custava centenas
de milhares de dólares às instituições que o contratavam. Mas sim, ele parecia
jovem. Inocente. O suficiente para que Vasic fosse compelido pelo desejo de
protegê-lo como faria com Arrows novos que estavam fora de seu centro. — Vamos
descobrir logo. — Porque Tanique estava pegando a garrafa de água e bebendo.
— Ele está sentindo coisas da garrafa? — Miane franziu o cenho. — Merda,
nem pensei sobre isso machucá-lo.
Vasic sacudiu a cabeça. — Ele pode proteger-se contra sua sensibilidade a
ecos físicos da mesma maneira que poderosos telepatas podem se proteger contra
o ruído do mundo. — Tanique precisava deliberadamente abaixar seus escudos
para sentir qualquer coisa dos objetos ao seu redor.
— Estou feliz por ele. — Miane cruzou os braços. — Seria um inferno andar
pela vida sem saber qual objeto ou lugar poderia enviar você diretamente para um
pesadelo.
O psicométrico acabou com metade da garrafa, tampou-a e depois se
aproximou deles, mais do lado de Vasic que de Miane. — Obrigado, — ele disse a
Vasic, suas pupilas ainda imensamente dilatadas. — Nunca estive perto de um tão
recente evento violento.
Alguns poderiam ficar surpresos com isso, já que Tanique era filho de
Anthony e Anthony era conhecido por ser um operador cruel. Mas Anthony não
pensava em termos de explorar sua família. Ele devia entender o que a habilidade
de Tanique exigia dele, devia ter assegurado que seu filho nunca fosse convidado a
assumir tarefas que pudessem comprometê-lo permanentemente.
Vasic inclinou a cabeça. — Pegou alguma coisa útil que pudesse nos ajudar
a localizar a changeling BlackSea? — Ele formulou a pergunta de forma muito
deliberada para que Tanique não se sentisse forçado a detalhar a tortura de Leila
Savea.
Isso não ajudaria ninguém, e enquanto Miane Levèque pudesse mostrar a
aparência de calma, Vasic sabia que ela era changeling sob sua pele, tinha os
mesmos impulsos primitivos. Não havia sentido enfurecê-la mais.
— Nada, — disse Tanique após dar um olhar agradecido a Vasic. — Acho
que eu deveria me concentrar na porta. Uma vez que é a única rota pela qual
poderiam ter saído, tenho uma maior chance de pegar fatos sobre sua partida.
— Espere. — Miane foi como se para tocar o braço de Tanique, mas deixou
cair sua mão parcialmente. — Você sente as coisas das pessoas também? — Ela
perguntou, embora Vasic achasse que não era sua intenção original.
Tanique sacudiu a cabeça. — Apenas objetos inanimados, embora o
tamanho do objeto não tenha influência em minha capacidade. Peguei ecos de
árvores em raras circunstâncias, mas isso é quase tão perto quanto chego de ler
uma criatura viva.
— É bom saber. — Miane os acompanhou de volta para a porta. — Pegou
algo sobre as pessoas que estão mantendo Leila em cativeiro? São Psy?
Tanique demorou alguns segundos para responder. — Deve entender, — ele
disse finalmente. — O que vejo, tenho que interpretar. Vem em pedaços
caleidoscópicos numa corrida maciça... Como se estivesse num túnel de vento com
imagens passando por mim a uma velocidade rápida, e essas imagens estão em
estilhaços.
O jovem homem deixou de fora uma palavra crítica: emoção.
Essa era a psicometria secreta que de alguma forma conseguira passar
através do Silêncio – que quando liam um objeto, sentiam a ressonância emocional
ligada a ele. Por isso que muitos deles mudaram para datar apenas pinturas ou
outros objetos de arte. Coisas que eram altamente improváveis de ter uma história
íntima de violência. As armas estavam fora da agenda para a maioria dos Ps-Psy
por muito mais tempo que o período de Silêncio.
— Está me dizendo que não pode dizer nada com certeza? — Miane
perguntou, e embora tivesse que estar lutando contra um tumulto brutal de
emoções, seu tom era uniforme. — Sem essa pista sobre Edward's Pier, nunca
teríamos chegado tão longe.
— É diferente com as pessoas, — disse Tanique. — Especialmente quando
se passa rapidamente. A menos que um changeling mudasse no momento que eu
pegar, ou um Psy usasse sua habilidade de maneira óbvia, tudo que posso lhe dar
são minhas impressões.
Mais uma vez deixava de fora o impacto da emoção. Uma reserva de quando
teve que esconder esse aspecto de suas habilidades sob o Silêncio?
— Entendi, — disse Miane. — O que conseguiu?
— Duas pessoas. Uma fêmea, um macho. Nenhuma impressão real de seus
rostos. — Leila sangrava, foi recentemente espancada, seu rosto cortado. Devo dizer
ao alfa?
Essa última declaração foi enviada telepaticamente para Vasic. Não, ele
respondeu. Concentre-se apenas nos fatos práticos.
Em voz alta, Tanique disse: — Minha impressão é de armas em torno do
macho, não tanto em torno da fêmea, mas é isso. Nada que você possa usar para
fins de identificação.
A boca de Miane se apertou, mas não avançou mais quando Tanique foi até
a porta. Mantendo a voz baixa, ela falou com Vasic. — Ele está mais verde do que
percebi. Puxe-o para fora se achar que está em apuros – ele nos ajudou a chegar
até aqui e não pagarei isso estragando a cabeça dele.
Vasic não desviou os olhos de Tanique. — Mesmo com o custo da vida de
sua companheira de bando?
Com voz sombria, Miane disse: — Ele é filho de alguém também. — Essa
declaração foi seguida por uma que era muito mais pragmática. — E não pode nos
ajudar se estiver morto ou se seu cérebro estiver danificado por convulsões.
Na frente deles, Tanique passava as mãos pela porta. Satisfeito com tudo
que sentia, colocou um pé dentro, depois dois. Ele ficou lá por cerca de um minuto
antes de voltar para se juntar a eles. — Água, — disse. — A impressão esmagadora
é de água. Água salgada, — ele especificou. — Estão indo na direção da água
salgada.
Vasic sentiu a frustração de Miane. Havia oceanos cheios de água salgada.
Então Tanique disse: — Contida. A água salgada está contida. — Ele franziu
o cenho. — Concreto antigo e água salgada.
Isso imediatamente reduziu o foco, mas ainda lançava uma ampla rede. Em
algum lugar lá fora, havia uma piscina de água salgada ou reservatório onde Leila
foi levada para que pudesse nadar e recuperar o tônus muscular, ou onde estava
sendo treinada para uma operação.
— Mais alguma coisa? — Perguntou Miane. — Mesmo a menor migalha
poderia nos ajudar a diminuir a área de busca.
Tanique esfregou a têmpora. — Não faz sentido, mas captei uma imagem de
um felino de algum tipo. — Ele levantou as mãos instintivamente acima de sua
cabeça, colocando-as na forma de orelhas antes que parecesse perceber o que fazia
e as deixou cair. — Suas orelhas estavam eretas e tinham tufos pretos nos topos.
— Poderia ser um changeling?
Vasic tirou seu organizador do tamanho de sua palma e estava percorrendo
imagens de felinos enquanto Miane fazia aquela pergunta.
— Não sei, — disse Tanique. — Foi uma impressão muito fraca, poderia até
mesmo ter sido de uma incursão felina no edifício antes do cativeiro de sua
companheira de matilha aqui.
Vasic virou a tela do organizador em direção a Tanique. — O felino era
assim?
— Sim. O que é isso?
— Um lince canadense.
Miane soltou um suspiro. — Há várias matilhas de lince no Canadá, sem
falar no mundo, mas pelo menos temos um lugar para começar. — Ela estendeu
uma mão em direção à Tanique. — Obrigada. Devemos-lhe uma.
Vasic se perguntou se a alfa percebia que prometeu um favor ao PsyClã
NightStar.
Enquanto observava, Miane caminhou até o prédio, apertou a mão dela
contra ele e disse: — Nós vamos te encontrar, Leila. Não desista. Seu bando está
chegando.
Parte
04
Capítulo 33
Nina,
Ele confiou em mim com seu nome, o soldado Psy. Não vou escrever aqui – se
minhas cartas forem encontradas, não quero trair meu amigo.
Sei que deve pensar que esta é certamente uma dupla cruz, que ele me trairá.
Pensei o mesmo, até que percebi que ele não tinha razão para se aproximar, ou para
me querer com ele. Não sou ninguém, um fragmento quebrado de uma aldeia perdida.
No momento em que ele e eu nos conhecemos, eu era um bêbado, um tolo que era
mais obstáculo que ajuda.
Não, meu novo amigo não tinha motivo para me dar sua confiança, exceto que
viu que eu precisava de uma missão, uma razão para ser. Ao dar isso a mim, me deu
mais do que jamais saberá. Pela primeira vez, depois de muito tempo, me sinto como
Xavier novamente. Sinto ser o homem que era antes do assassinato manchar nossa
vila e vê-la pular na água.
Às vezes, até vislumbro a rara chama da esperança.
Seu Xavier
Capítulo 34
Era Vasic que Miane Levèque contatava com mais frequência agora com as
atualizações sobre a situação de Leila Savea, e Zaira, com quem a alfa de BlackSea
se encontrava para simplesmente conversar – uma mulher perigosa à outra, a
amizade delas era uma coisa crescente. Como líder do Esquadrão Arrow, Aden
poderia ter ficado insatisfeito com esse estado das coisas, mas sentia o oposto: sua
companheira e seu melhor amigo estavam construindo laços poderosos próprios.
Se o pior acontecesse, se Aden fosse assassinado, Vasic teria as habilidades
e os contatos para entrar e Zaira... Não, Aden não podia prever o que Zaira faria,
senão buscar vingança. E depois disso, ele tinha a convicção assombrosa de que
ela escolheria se juntar a ele. Então ele teria que ficar vivo. Isso era tudo que havia.
O pensamento ecoou em sua mente conforme agarrava um lado do
penhasco, não muito longe do aerie do bando RainFire, e balançava para cima. A
alguns metros dele, Remi, o alfa da pequena matilha de leopardos, fazia o mesmo.
Estavam vestidos de forma semelhante também; em calças escuras e camisetas,
botas nos pés e luvas nas mãos; a única diferença real era que a camiseta de Remi
era branca, a de Aden verde-oliva.
— Então, — disse Remi, com o bíceps abaulado enquanto tentava uma
travessia particularmente difícil sobre uma abertura irregular na face rochosa, —
já que os lobos estão mantendo Ming ocupado por agora e a Trindade não caiu, o
que você acha?
Aden manteve sua posição até que viu que Remi fez isso com segurança.
Escalavam separadamente, mas agiam como suporte um do outro, prontos para
enviarem um alerta em caso de acidente. Tal acidente era altamente improvável,
não com Remi tendo garras com as quais podia se conectar a cada minúscula
fenda, e Aden um escalador muito mais cuidadoso que seu amigo mais instintivo.
No entanto, tomar as coisas como certo fazia pessoas – e Arrows – morrerem.
— Sabia que BlackSea organiza reuniões regulares de seu povo? — Ele
perguntou depois que ambos começaram a subir novamente. — Eles vêm de todos
os cantos do globo. — Ele empurrou com os pés, pegou uma saliência, e saltou, de
modo que estava numa posição agachada verticalmente por um segundo antes de
conseguir se colocar na saliência e pronto para a próxima parte da subida.
Remi assobiou. — Bom movimento.
— Zaira me ensinou esse. — Sua amante era atualmente escaladora gato
da parede interna da rocha de RainFire. Ela foi forçada a isso pelos gatos menores
e menos poderosos que queriam saber como ela fazia isso sem garras.
A eles, Zaira poderia ter resistido. Mas quando a pequena Jojo pulou com a
ideia de ver Zaira fazer outra subida, bem, sua comandante dura tinha uma veia
vulnerável lá. Como vai a escalada? Ele disse telepaticamente para ela, a conexão
impecável neste intervalo.
Bastante monótona. Lancei um pequeno deslizamento para torná-la mais
emocionante, mas agora que fiz isso uma vez, não é um verdadeiro desafio.
Porque Zaira subia tanto com sua mente quanto com seu corpo, teria se
lembrado de cada aperto, cada movimento bem-sucedido. Não seja muito má com
os gatos.
Riso suave ao longo do vínculo negro sobre o negro que os ligava, a luz do
fogo de sua amante escondida dentro do negro. Todo o esquadrão precisava do fogo
dela, prosperava nele, ela aceitando ou não sua importância.
Sua honra está segura comigo. Zaira raramente ria alto, mas mente a mente,
estava se tornando viciado ao som de sua felicidade. Você terminou?
Na metade do caminho.
Eles se desconectaram sem necessidade de despedir-se. Ele e Zaira viviam
na mente um do outro, nunca intrusivos, justos... Presentes. Ele adorava ser capaz
de sentir a lâmina da mente dela no limite de sua consciência, gostava de saber
que se ela precisasse dele, podia responder dentro de segundos.
— Parece que nossos eventos de matilha circulam. — A voz de Remi trouxe-
o completamente de volta para aqui e agora. — Todos os bandos têm reuniões, e
tão diferente como BlackSea é, ainda são changeling, ainda bandos.
— O objetivo é reforçar os laços do bando? — Aden ainda estava construindo
seu próprio bando, tentando curar sua família quebrada, e não era tão orgulhoso
para ignorar o conselho de uma raça que era toda sobre família. Especialmente
quando o homem dando esse conselho era assumidamente um alfa reparador que
estava aprendendo bem ao lado de Aden.
— Claro, — Remi disse, quando acima deles, uma águia voou com graça
majestosa, circundando a rocha, como se assumindo sua atividade. — Mas
também é sobre celebrar eventos importantes como acasalamentos, nascimentos,
as conquistas de nossos filhotes. — Ele se arrastou sobre uma parte quase suave
de rocha. — Por quê? Está pensando num encontro?
Aden acenou com a cabeça quando o outro homem olhou de relance, o
cabelo marrom desgrenhado de Remi úmido de suor e caindo em seu rosto. — Se
um grupo cujos membros costumam nadar sozinhos pode fazê-lo, por que não o
esquadrão? — Ivy Jane já iniciara o processo, convidando Arrows para sua casa
para jantares. Ela até organizou uma festa informal – embora com uma lista de
convidados composta principalmente de Arrows a festa nunca seria estridente. No
entanto, seria necessário um esforço coordenado para conseguir a maioria de seu
povo em casa para um evento.
— Inferno, Aden, — Remi disse, — pelo que me disse, seu povo merece uma
festa seriamente épica.
Aden e o leopardo alfa estavam agora lado a lado, aproximando-se quando
o penhasco se estreitou. Ao encontrar-se com os olhos de Remi, a cor de um topázio
claro estriado com luz, ele disse: — Não acho que meus Arrows, crianças ou
adultos, estejam prontos para um evento tão desestruturado.
A razão pela qual a festa de Ivy funcionou foi porque era pequena o
suficiente para que ela tivesse contato pessoal com seus convidados, abrindo
caminho para o encontro. Qualquer coisa maior e os Arrows começariam a se
retirar atrás de uma proteção instintiva. Eles enterrariam suas emoções recém-
descobertas, recuariam em seu treinamento de décadas projetado para transformá-
los em máquinas remotas e desumanas.
Pois ser um Arrow era viver dentro de um conjunto estrito de regras.
Aden poderia suavizar isso, mas não poderia apagá-lo. Não quando as
pessoas de sua família eram das mais mortíferas do planeta – as regras e a
estrutura lhes davam a chance de ter vidas, e agora, de ter famílias. Um telepata
que não estava apavorado em destruir a mente de uma criança com um simples
deslizamento fazia um pai muito mais estável e feliz, como um telecinético que não
precisava se preocupar em esmagar a traqueia de uma criança por ser inconsciente
de sua força.
Esses erros simplesmente não aconteciam dentro do time.
O silêncio foi uma construção feia, mas ensinou ao esquadrão algo bom
junto com todo o mal.
— Hmm. — Remi apertou seu apoio, então sorriu. — Vamos falar sobre isso
no topo. Vejo você lá, Arrow.
Eles começaram a subir com um único foco. Como changeling, a maior força
e flexibilidade de Remi dava-lhe uma vantagem natural, mas Aden havia mapeado
toda a subida em sua cabeça antes de começar. Não precisava fazer uma pausa ou
repensar. Como resultado, foram equilibrados – e ergueram-se sobre a borda ao
mesmo tempo.
Rindo, Remi pegou a garrafa de água que carregava amarrada à coxa. —
Porra, isso foi impressionante para um homem sem garras.
Aden tomou um gole de sua própria garrafa. — Você não usou suas garras.
— As luvas de Remi estavam intactas.
O outro homem colocou de lado a água para arrancá-las. — Sim, bem, só é
divertido se for uma luta justa. Agora, se você fosse como seu amigo, o Tk, não
teria sido impedido.
— Vasic tem apenas um braço. — As tentativas de Samuel Rain de fazer
para Vasic uma prótese que funcionasse continuava falhando – a última de forma
espetacular. — A nova tentativa da prótese atualmente em teste se curvou numa
chuva de faíscas que atearam fogo à nova toalha de Ivy.
Aden estivera no pomar durante o incidente, então sabia em primeira mão
que a empática não ficou feliz quando viu o dano. — Ela pegou um martelo para
aquela prótese em particular. — E se tivesse aplicado um pouco de força demais
em seus golpes, bem, até mesmo os empáticos precisavam de escapes para o
sofrimento.
Não sabendo da tristeza que levou a reação irritada de Ivy, os ombros de
Remi tremiam. — Vasic pode ter apenas um braço, mas é telecinético. Eles se
movem de uma maneira que é quase como um changeling, mas diferente. Não
posso explicar.
Aden não precisava de mais explicações; viu Vasic subir, sabia exatamente
o que Remi tentava descrever. — Sim, ele nos bateria, mesmo com apenas um
braço.
— Fale por você. — O tom de Remi era insultado. — Mas a coisa da festa –
precisa de uma desculpa para dar estrutura. Alguma coisa boa aconteceu que
queira comemorar? — Uma pausa. — Sei que sua equipe perdeu um ancião
recentemente. É ainda mais importante que comemore alegria no rescaldo, que
mostre aos seus Arrows que a vida tem um monte de rostos diferentes.
Aden pensou nas conquistas das crianças, decidiu que sua confiança era
demasiado nova e frágil ainda para colocar junto sob um foco de celebração. Então
sentiu Zaira no fundo de sua mente, feliz por tudo que estava fazendo, e sabia. —
Tivemos várias ligações. Acasalamentos. — O esquadrão pegou e começou a usar
o termo changeling, e não eram os únicos na PsyNet.
— Ivy e Vasic casaram, — ele continuou pensando num pomar vestido de
sol e perfumado com flores de primavera. — Como fez Abbot e Jaya. — Realizado
nas Maldivas, o tradicional casamento indiano foi uma festa de cor e sensação que
fez Aden duvidar muito de que a grande maioria da família de Jaya era
verdadeiramente silenciosa. — O resto de nós não tinha nenhuma necessidade
familiar ou cultural para comemorar dessa maneira.
— Um acasalamento ou uma ligação a longo prazo é uma coisa grande, —
Remi contrariou. — Deve ser marcado e comemorado. — Os olhos do alfa eram
leopardo quando encontraram os de Aden. — Seus filhotes têm que seguir as regras
como os meus, mas temos que equilibrar isso, dando-lhes uma chance de correr
selvagens. — Um leve sorriso. — Seus filhos são, provavelmente, muito melhor
comportados que os nossos, mas dê-lhes uma oportunidade de perceber que as
regras foram relaxadas e prevejo doce caos.
Aden não podia nunca imaginar as crianças sob seu cuidado causando
caos..., mas então pensou na pequena Jojo o atacando em sua última visita,
rosnando e grunhindo brincalhona, sem, no entanto, arranhá-lo, e sabia que
queria que seus pequenos Arrows sentissem a mesma liberdade, mesmo que
continuassem aprendendo a controlar suas habilidades violentas.
— Um evento para comemorar os laços do esquadrão. — Ele assentiu com
a cabeça, os olhos na vista de árvores espalhadas e montanhas visíveis deste ponto
de vista. — Falarei com meus altos funcionários, verei o que precisamos fazer para
conseguir isso. Obrigado pelo conselho.
Estendendo sua garrafa de água para Aden, Remi disse: — Sabia que eu
era o cérebro desta dupla.
Aden sentiu seus lábios curvando na declaração do alfa leopardo, bem
quando outra mente tocou a dele. — Vasic perguntou se tenho tempo para
encontrá-lo para uma sessão de treino. — O pedido entre amigos ao invés de Arrow
para Arrow. — Convidei-o para se juntar a nós.
— Inferno, sim, — Remi disse. — Quero vê-lo subir.
Vasic entrou na parte inferior da face da rocha dez minutos depois, tendo
primeiro voltado para casa para trocar de roupa e calçar botas adequadas para a
escalada.
Em vez de telepatia – que deixaria Remi fora da conversa – Aden gritou o
tempo de escalada dele e Remi. — Veja se pode vencer isso!
Os olhos invernais de Vasic eram brilhantes à luz do sol do crepúsculo
quando levantou os olhos e ergueu o braço. Aden encolheu os ombros, ao lado dele,
Remi disse, — Uso mínimo de sua telecinese permitida – apenas o suficiente para
compensar seu outro braço!
Os olhos de Vasic se estreitaram. Afastando-se da face rochosa, a olhou
cuidadosamente durante vários minutos antes de voltar para tomar seu primeiro
aperto. Aden podia dizer dentro de minutos que Vasic realmente usava muito
menos Tk do que seria permitido sob a regra de Remi. — Ele está usando puro
músculo e inteligência.
Remi assobiou. — Eu te disse. O homem se move como um gato.
Ao observar seu amigo, Aden pensou nas intermináveis sessões de
treinamento que tiveram juntos no pomar, de quão duro Vasic trabalhou para
recuperar seu equilíbrio e fluidez em movimento. Perder um braço mudava tudo
sobre como uma pessoa se movia, mas Vasic nunca se queixou. Simplesmente
aprendeu a se adaptar.
Porque o homem que antes queria morrer agora tinha múltiplas razões para
viver.
— Está ficando lento em sua idade avançada, Zen!
Vasic olhou para o chiado de Remi e Aden viu a sombra que atravessou seu
rosto ao se lembrar do homem cujo nome ele usava – um nome que escolheu
carregar. Em seus calcanhares veio determinação. — Quer fazer uma aposta nisso?
Remi bufou. — Pareço mentalmente desafiado? Só um idiota apostaria
contra um Tk, armado ou não.
O riso surgiu nos olhos de Vasic antes de voltar para sua cuidadosa e
estranhamente fluida ascensão. Enquanto Aden se sentava sob a luz do crepúsculo
e observava seu melhor amigo assumindo o que deveria ser um desafio impossível,
enquanto um novo amigo sentava ao lado dele, e a companheira de Aden falava
com seus próprios amigos, ele sentiu um sentido vertiginoso de possibilidade e
esperança.
Ming LeBon podia estar se agitando, a Coorporação esperava nas sombras,
e os BlackSea desaparecidos permaneciam perdidos e sozinhos, mas hoje, esta
noite, era um sonho que um Arrow acharia impossível a seis meses antes.
Capítulo 35
O acaso colocou Lucas com Devraj Santos novamente quando Jamie enviou
uma nota no dia seguinte confirmando o sucesso da missão, com os detalhes
seguintes. Lucas olhou para a mensagem com sombria satisfação, depois deslizou
o telefone para que pudesse ligar o carro. Ele havia se oferecido para conduzir Dev
até o território de SnowDancer, onde o líder dos Esquecidos planejava checar as
crianças e famílias que SnowDancer havia dado abrigo.
Como Lucas tinha negócios com Hawke, era conveniente para ambos.
Descobriu-se que Dev pensava em tirar seu povo das terras do bando. —
Não que você não os tenha mantido seguros e os tenha tratado bem, — ele disse a
Lucas, — mas as crianças estão começando a precisar de mais e mais ajuda
especializada à medida que suas habilidades se desenvolvem. E enquanto Sascha
e os outros aqui são incríveis, acho que eles estariam melhores com os programas
de treinamento que nós estamos descobrindo com os Arrows.
Lucas assentiu. — Judd é realmente o único com o tipo de habilidades para
ensinar aqueles de seus jovens com novas habilidades perigosas, e não pode lidar
com todos. — Sienna ajudava, mas seu treinamento diferia de Judd e muito do que
sabia não era transferível.
— Não há como mover William, — explicou Dev, referindo-se a um menino
nascido com o incomum dom telecinético que fazia Judd tão mortal e tão
extraordinário ao mesmo tempo. — Judd pode ajudá-lo de formas que ninguém
mais pode, mas os outros? Falarei sobre os programas que estamos desenvolvendo,
dar-lhes a escolha.
— E a razão pela qual os moveu aqui, em primeiro lugar?
— Estamos comprando terras silenciosamente numa parte remota do
Estado de Nova York, — respondeu Dev. — É seguro, mas grande o suficiente para
que ninguém se sinta preso. Peguei a ideia do território Yosemite de DarkRiver,
para ser honesto – apesar de nossa área não ser tão grande, é grande o suficiente
para humanos e Esquecidos. — Passou uma mão pelo cabelo. — Na verdade, queria
revisar com você em termos de nossos protocolos de segurança.
Lucas ouviu, deu sua opinião, e perguntou a Dev se teve chance de pensar
sobre a desintegração perigosa da PsyNet, uma questão que Sascha trouxe no
jantar da noite anterior. Enquanto os Esquecidos não tinham nenhuma razão para
amar aqueles na PsyNet que uma vez os caçaram, Dev e seu povo entendiam que
a maioria dos Psy eram pessoas comuns lutando para sobreviver.
O outro homem se ofereceu para ajudar Sascha de qualquer maneira que
pudesse.
— Não consigo entender. — Dev apoiou o braço na porta, a janela abaixada
ao chegarem ao sopé das Sierras. — Se os Es estão acordados e a emoção está de
volta na Net, então devia estar curada. Os Esquecidos não fizeram nada de
extraordinário quando desertamos. — O franzir de cenho estava em sua voz. —
Apenas ficamos como a PsyNet era pré-Silêncio.
Os dois falaram sobre isso, mas não encontraram nada novo no momento
que Lucas colocou o veículo perto da cova.
***
Nina,
Tenho trabalhado com meu amigo Psy sempre que possível. Ele aparece
apenas raramente, mas nós encontramos formas de permanecer em contato
enquanto ele mantém sua cobertura. Na sua ausência, uso a acolhida que me foi
fornecida como homem de Deus para descobrir informações que nos ajudem a
combater o mal que governa a raça Psy.
Fiquei surpreso com quantos dos Psy me tratam com respeito, apesar de sua
descrença oficial em qualquer plano de existência além desta. Mais uma vez,
mostrou-me que nem todos os Psy são iguais. Eles têm seu bem e o seu mau, seu
preguiçoso e seu forte.
Ainda estou zangado com Deus, ainda cheio de raiva, mas há vislumbres de
esperança na escuridão. Não sei se voltarei a ser um homem de fé absoluta como já
fui, mas parece que minha fé é poderosa demais para ser morta até mesmo por
horror.
Mas uma coisa eu sei: nunca estarei completamente em paz com Deus até o
dia em que eu te ver de novo... Seja nesta vida ou na próxima.
Xavier
Capítulo 36
***
***
Nina,
Seu Xavier
Capítulo 40
Kaleb estava procurando por outra área da rede tão saudável quanto a de
Sophia Russo desde que Saara fez o pedido. A NetMind e DarkMind se provaram
singularmente inúteis nesse ponto. Tanto que Kaleb começava a se preocupar com
o comportamento das neosentiências gêmeas. Anteriormente, mesmo quando a
DarkMind se tornava errática, a NetMind permanecia inabalável e resoluta em seus
deveres.
O fato de que a neosentiências mais estável estava exibindo comportamento
errático próprio lhe dizia que o problema com a PsyNet era muito maior do que até
mesmo os empatas perceberam, a falha tão fundamental que causava danos
catastrófico aos órgãos do que era claramente um Sistema vivo.
Dada a falta de ajuda, Kaleb criou padrões de pesquisa bem definidos que
funcionavam continuamente. Ele dedicou uma porcentagem significativa de seu
cérebro à busca. E depois de tudo isso, encontrou apenas duas outras áreas que
pareciam impecáveis em sua saúde. Era possível que houvesse mais, uma vez que
basicamente executou uma busca manual, mas se assim fosse, deveria ser um
número altamente limitado.
A primeira área nova era bastante simples: emanava de Clara Alvarez.
Curiosamente, ela era uma ex-Justice Psy como Sophia Russo. Coincidência?
Foi a segunda área limpa que se revelou problemática.
Aquela pequena região isolada da Net era intocada, bonita, forte... E a mente
por trás do efeito, invisível. Muito bem blindada. Invisível. As únicas pessoas que
Kaleb sabia que tinham escudos eficazes eram Arrows. Detectou apenas que havia
uma mente ancorada na área porque um: era um duplo cardeal com poder
assistente, e dois: porque fez um ponto de honra aprender como divisar Arrows no
passado quando o esquadrão estava sob o comando do conselheiro Ming LeBon,
que os usava para matar seus inimigos.
Não tinha importância se um determinado assassinato exigia que um Arrow
desistisse de sua própria vida; o ex-Conselheiro tratou os homens altamente
treinados e extremamente inteligentes e mulheres do esquadrão como
substituíveis. Apesar de crescer aos cuidados de um psicopata, Kaleb nunca
cometeu o mesmo erro quando se tratava de seu próprio povo – e foi por causa de
Sahara. Ela o ensinou que as pessoas não eram descartáveis ou substituíveis por
ser o presente único, selvagem, extraordinário que ela era... E por como ela via o
mesmo nele.
— Não se machuque, Kaleb! Com quem vou brincar se você quebrar as
pernas?
— Você encontrará outros amigos. Há muitas crianças no complexo NightStar.
Um olhar de reprovação da menina de dez anos que estava atrás da árvore,
aquela com olhos azuis escuros que sempre se enchiam de luz quando ele fugia para
vê-la. — Mas você é apenas você. Só você é meu melhor amigo.
Era um fragmento de memória que o lembrava de permanecer Kaleb, não
importa como seu treinador psicopata tentasse quebrá-lo ao longo dos anos.
Porque Sahara amava Kaleb, ninguém mais. E somente ele a amava.
Sahara foi também aquela que o fizera ver que, às vezes, era melhor
estender a mão da amizade do que forçar o cumprimento pelo medo. Santano
Enrique o torturou até que Kaleb o odiava com cada pingo de seu ser. Sahara o
amava, e por ela, ele faria qualquer coisa.
Alinhado com esse pensamento, não tentou invadir a mente protegida.
Em vez disso, saiu da PsyNet, entrou em contato com Aden, e pediu ao líder
dos Arrows para encontrá-lo na PsyNet, no local. — Está vendo? — Ele perguntou.
— Você terá que explicar.
— A PsyNet, — apontou Kaleb. — Sem podridão, sem desintegração, nada
além de pura força. — Ele não precisava de um empático para confirmá-lo, podia
sentir essa força como um vento fresco e leve contra seus sentidos psíquicos.
Aden examinou o tecido psíquico cuidadosamente. — Você está certo.
— Os Es precisam saber quem está causando o efeito, — disse Kaleb. —
Isso lhes daria um terceiro ponto de dados para comparação.
— Vou verificar com o indivíduo em questão.
Kaleb deixou-o ir nisso; empurrar um Arrow era um esforço inútil.
A mensagem de Aden chegou dez minutos depois, enquanto Kaleb estava
numa reunião com a alfa dos Lobos BlackEdge: O Arrow é Stefan Berg, estacionado
em Alaris. Ele entrará em contato com Ivy Jane pessoalmente.
Kaleb sabia que só recebeu essa informação porque Sahara a
compartilharia de qualquer maneira, uma vez que soubesse disso dos empáticos.
Até mesmo Arrows, ao que parece, não esperavam que pares ligados guardassem
segredos um do outro. Desculpando-se com a loba alfa por um curto período de
tempo, agradeceu a Aden, depois passou todas as informações que descobriu para
Ivy Jane.
Stefan Berg, ele pensou enquanto voltava à reunião. Até onde Kaleb sabia,
o poderoso teletransportador na estação em alto mar nunca foi oficialmente um
Arrow. Entretanto, Aden Kai claramente considerava o homem como um dos seus.
Sim, nunca foi uma boa ideia assumir algo como certo com relação aos Arrow – ou
supor que sabia todos os seus segredos.
***
***
Dezoito horas após o alerta ter sido anunciado na rede da Aliança, Miane
recebeu a notícia de que o SUV que procuravam foi encontrado, abandonado e
incendiado num barranco. Ela fez a ligação errada. A Aliança abrigava claramente
um ou mais informantes da Coorporação. Isso não a surpreendeu – o dinheiro
falava, independentemente da raça.
A raiva ainda queimava gelada dentro dela.
Por aqueles que levaram seu povo, pelos traidores dentro da própria
BlackSea e por si mesma, por fazer a escolha errada. Ela sabia racionalmente que
tudo que fez foram más escolhas, mas isso não importava. Tudo que importava era
que esse telefonema errado pudesse ter matado um membro vulnerável de sua
matilha, que contava com Miane para acertar.
— Os serviços de emergência não encontraram nenhum corpo nos
destroços, — lembrou.
Essa verdade proporcionava uma fina camada de esperança, mas a raiva
que vivia nela não se aliviaria até que todo o seu povo estivesse em casa e aqueles
que ousaram prejudicá-los fossem brutalmente punidos. Havia força nessa raiva,
uma determinação de olhos frios e implacável.
No entanto, Miane sabia que nenhum alfa poderia funcionar como um
verdadeiro alfa se mantivesse sua raiva. Isso envenenaria a matilha inteira, não
deixando nenhum lugar que alguém quisesse estar. Changelings baseados na água
podiam não ser como outros grupos changelings, podiam ser únicos mesmo entre
seu próprio tipo, mas eram changeling e tinham um lado humano. Como tal, eles
eram sociáveis o suficiente para precisar de uma comunidade em algum nível.
E mesmo que as criaturas mamíferas em BlackSea muitas vezes achassem
difícil entender aqueles cujo sangue corria mais frio, eram um. Os traidores não
contavam, seriam eliminados no instante em que Miane confirmasse as identidades
dele. Todos os outros... Eles eram um, porque a água era vida e estavam unidos na
proteção desse precioso recurso.
Como estavam unidos por sua própria diferença.
Quando se tratava da alfa BlackSea, ela precisava funcionar da mesma
maneira que o alfa de qualquer outra matilha changeling. Miane precisava manter
seu povo unido, certificar-se que tivessem o que necessitavam para que suas almas
florescessem e permanecessem fortes. Para Persephone, uma menina que foi
mantida em cativeiro num pequeno quarto por meses, arrancada de sua mãe após
perder seu pai, isso significava uma festa para comemorar o aniversário que passou
sozinha, assustada e longe de casa.
Persephone não sabia que a data estava errada; só sabia que era a festa de
aniversário dela.
Miane pegou a criança ainda magra em seus braços enquanto
instintivamente mantinha seu equilíbrio na plataforma suavemente balançando no
centro da cidade flutuante que era o coração BlackSea. Havia um número
espalhado ao redor do mundo, mas Lantia era a maior, e era onde realizavam o
Conclave em anos alternados.
Para o mundo, o Conclave era o grupo dominante de BlackSea. Na verdade,
não era uma coisa, mas um evento – uma reunião anual de tantas pessoas
BlackSea como pudessem fazê-lo. A razão de não sempre mantê-lo em Lantia não
era de fato a temperatura da água, como os forasteiros poderiam assumir. Todos
os changelings saudáveis de BlackSea poderiam sobreviver e prosperar em tais
águas – o oceano, afinal, era profundo e docemente frio não importa onde estivesse
na terra.
Não, a razão pela qual o Conclave mudava de local entre Lantia e Cifica nos
trópicos, era que não era justo pedir sempre aos companheiros de matilha desse
lado do mundo para fazer a viagem.
Persephone e sua mãe perderam o último Conclave, estavam presas e
sozinhas naquela época. Como Leila estava agora.
Afastando sua raiva mais uma vez, Miane disse: — Você parece uma
princesa, — para a criança em seus braços.
Rindo, Persephone enrugou o tule rosa que cascateava sobre o braço de
Miane. — Presente da Mamãe. — Era mais do que ela costumava dizer; seu
discurso não era o que deveria ser para sua idade, o trauma que sofreu tendo
deixado mais de uma marca, mas os curandeiros do bando garantiram a Miane
que Persephone estava se curando.
As crianças são muito mais resistentes do que nós lhes damos crédito,
dissera seu maior curandeiro. Envolva-a em amor, mantenha-a segura, dê a ela o
espaço e a liberdade para falar sobre o que aconteceu, e Persephone superará isso,
crescerá no indivíduo forte e único que ela sempre deveria ser.
Miane poderia fazer isso, estava fazendo isso.
— Sua mãe dá bons presentes. — Miane estava tão orgulhosa da mãe de
Persephone. Olivia perdeu seu companheiro nas mãos dos bastardos assassinos
que levaram sua pequena família, e para muitos changelings, isso seria um golpe
fatalmente incapacitante.
Isso sem sequer levar em conta a tortura e prisão de Olivia.
Mas, em vez de enrolar-se e morrer, a outra mulher se levantou com uma
feroz força de vontade.
— Pelo nosso bebê, — disse Olivia a Miane, ainda ferida e machucada por
sua provação. — Pelo bebê que Cary e eu criamos juntos em águas frescas ao largo
da costa da Nova Zelândia. — As lágrimas eram grossas em sua voz, lágrimas que
se recusou a derramar. — Nunca permitirei que ela se sinta perdida, sozinha e com
medo de novo.
— Eu sei. — Miane tomara Olivia em seus braços, a abraçou por muito
tempo, até que a represa se abrisse, até que Olivia chorasse por seu companheiro
perdido. — Não tenho nenhuma dúvida de que será forte para Persephone, — disse
Miane depois. — Mas você vem a mim quando precisar chorar – e lembre-se que
ela também precisa sofrer.
Persephone poderia ser um bebê, apenas dois anos de idade, mas era a
menina do papai. — Fale com ela sobre o pai dela, — Miane aconselhou sua
companheira de bordo ferida na semana após o resgate de Persephone pelos
Arrows, — responda as perguntas dela, e se ficar muito difícil, venha para mim.
Miane ficou acordada com Olivia aquela noite inteira. Viram Persephone
dormir e, quando Olivia estava pronta, falou sobre o dia do sequestro, sobre como
ela e Persephone foram separadas à força de Cary, que foi forte, lutou arduamente
para proteger sua companheira e criança... E sobre como Olivia soube quando Cary
foi assassinado.
— O laço se partiu em dois. — Olivia deu uma palmada contra o coração.
— Ele rasgou, como se meu coração estivesse sendo despedaçado, e eu estava
sangrando tanto que não conseguia respirar, não podia pensar. — Ela ofegou por
ar, o eco da dor visceral, a alma retalhando vívida no marrom dos olhos dela. — Eu
queria desistir, morrer bem naquele momento, mas não consegui.
Seus olhos permaneceram em sua filha adormecida. — Encontrei Cary
depois de tanto tempo vagando sozinha. Tanto tempo, Miane. Ele me entendeu
como jamais ou nunca ninguém o fez. Ele era eu e eu era ele e estávamos juntos.
Agora... Agora estou em pedaços, mas Persephone está inteira e por ela, vou
suportar.
Miane sabia muito bem que Olivia não viveria até uma idade madura. A
ferida em sua alma era muito dolorosa. Ela lutaria contra a dor, viveria até
Persephone atingir a idade adulta, e então Olivia simplesmente não acordaria um
dia – ou desapareceria silenciosamente no fundo, para nunca mais emergir.
Quando chegasse o momento, Miane não tentaria detê-la.
Algumas feridas nenhum curandeiro poderia curar. Algumas dores
nenhuma droga poderia suavizar. Olivia tinha coragem suficiente para viver até
que seu bebê não fosse mais um bebê. Era tudo que sua alfa podia pedir a ela.
Persephone bateu as mãos nas bochechas de Miane e deu um beijo
exuberante nos lábios. — Feliz Aniversário!
— Sim, — ela disse, ligeiramente fazendo cócegas na garotinha, — feliz
aniversário para Persephone. — Levou a criança para uma mesa preparada com
bolo de aniversário, sanduíches minúsculos, comida bonita apropriada para mãos
pequenas e projetada para deleitar jovens papilas gustativas, biscoitos e bebidas.
Como todos os móveis em Lantia, a mesa era aparafusada usando
parafusos removíveis que se encaixavam em slots de outra forma ocultos,
construídos em todos os pisos e paredes. Isso significava que poderiam mover as
coisas ao redor como necessário, enquanto ainda os protegiam contra ondas
inesperadas que faziam a cidade balançar mais do que o habitual de vez em
quando.
Pela mesma razão, todas as bandejas de servir tinham uma garra de
borracha no fundo e os talheres e pratos estavam perto de inquebráveis enquanto
ainda eram biodegradáveis, caso voassem para a água. As pessoas de BlackSea
eram capazes de recuperar quase todos esses detritos acidentais, mas nunca
tomaram o oceano como garantido. Nunca tomaram a água como garantido.
— Minni! Minni!
Miane estendeu a mão para a outra criança correndo em sua direção. Ela a
pegou com facilidade, então quando a pegou em seu braço, usou seu aperto para
subir seu corpo e pousar em seu quadril. Nesse ponto, ela moveu o braço para
apoiar seu peso.
— Feliz aniversário, Sephnie! — Seu rosto de pele de ébano era brilhante
com bom humor.
Persephone sorriu e acenou para seu companheiro de matilha mais vocal.
Costas apontou para seus shorts pretos e camisa azul. — Eu também tenho
roupas de festa. — Ele bateu na camiseta preta de Miane, suas palavras seguintes
um sussurro alto. — Sua mãe não trouxe roupas de festa?
Mordendo o interior de sua bochecha pela pergunta solene, Miane tentou
parecer triste. — Sim, ela esqueceu. — Sua mãe a perdoaria. — Acha que ainda
ganho bolo?
Ambas as crianças acenaram firmemente.
Encurralando-os por mais alguns segundos, Miane colocou os dois
gentilmente no chão. Eles imediatamente correram para brincar juntos – embora
ela percebesse que Persephone continuava olhando para trás para verificar se sua
mãe estava à vista, como fazia mesmo quando mantida segura nos braços de sua
alfa.
Levaria tempo para ela aceitar que Olivia não a deixaria novamente. Uma
criança tão jovem que não entendia que sua mãe foi separada dela sob coação. Ela
só sabia que estava sozinha e assustada e sua mãe não estava lá.
O queixo de Miane doía, ela o apertava com tanta força.
Uma grande mão se fechou sobre seu ombro, espremendo. — Respire, —
ordenou Malachai. — Ela está em casa. Vamos trazer os outros para casa também.
Alguns, Miane sabia, voltariam para casa em caixas.
A raiva dentro dela ameaçou incendiar-se novamente, mas então o riso de
Persephone iluminou o ar e ela se lembrou de que às vezes, o bem ganhava e o mal
perdia. — Sim, — ela jurou. — Vamos trazer todo o nosso povo para casa. —
Incluindo Leila.
Vivos ou mortos, nenhum seria abandonado; nenhum seria esquecido.
Capítulo 41
Nina,
Adquiri um segundo amigo Psy. Acontece que meus dois amigos se conhecem
a mais tempo do que eu conheci qualquer um deles – mas me induzir em seu círculo
íntimo era uma questão de confiança que não podia ser apressada.
Tendo vislumbrado a guerra que estão lutando, as mentiras escondidas
debaixo de mais mentiras que procuram expor, entendo a cautela deles. Este
segundo homem, ele é muito mais suspeito do que o meu primeiro amigo e
impossivelmente mais perigoso.
De alguma forma, me tornei a voz da razão. Não ria muito. Acho que quanto
mais minto aos meus paroquianos, mais me descubro.
Mas nada mudará meu coração. Ele tem apenas o seu nome.
Amor,
Xavier
Capítulo 42
Kaleb estava em casa com Sahara quando recebeu a chamada de Ivy Jane,
e Sascha Duncan também entrou na discussão. Ele e Sahara estavam no deck de
sua casa nos arredores de Moscou, Kaleb passando por uma rotina de artes
marciais enquanto Sahara fazia yoga, o que a deixava tão graciosa.
A escuridão caíra do seu lado do mundo, e as estrelas estavam brilhantes
sobre suas cabeças enquanto se moviam silenciosamente no deck iluminado
apenas pelas delicadas lâmpadas de metal que Sahara havia arrumado. Ela
comprou essas lâmpadas num mercado em Istambul, quando a levou para jantar
uma noite, ambos disfarçados.
— Para que possamos agir tão jovens quanto somos, — Sahara lhe disse
com um sorriso, envolvendo os braços ao redor de seu pescoço. — Ninguém
olhando, ninguém esperando que nos comportemos.
Eles comeram num pequeno café escondido no fundo dos mercados,
cercado por moradores que os olhavam de lado até Sahara puxar seu truque
favorito e falar com eles em sua própria língua – até o subdialeto usado na área de
mercado. No momento que saíram, rapidamente era amiga da metade da clientela
e estava a caminho da encantadora outra metade. Ele apenas a viu rir, a observou
brilhar e ser feliz.
Ela se apaixonou pelas lâmpadas de metal vendidas no que parecia ser
metade das lojas nos mercados, escavou quatro para seu deck. Então comprou
para ele uma garrafa de gênio para seu escritório, a cor do vidro finamente soprado
em uma mistura entre vermelho e cereja. Chegando em casa um dia, encontrou a
garrafa cheia de desejos em branco que lhe permitiam escrever e cumprir à
vontade, com Sahara agindo como seu gênio.
E aquela garrafa nunca se esgotou, não importa quantos desejos cumpriu.
Dance para mim, ele escreveu em mais de um.
Assistir Sahara criar música com seu corpo era um presente que nunca se
cansava. Planejava perguntar se ela dançaria um pouco essa noite depois que
terminasse sua yoga, mas então recebeu o telefonema de Ivy Jane.
Ele teria ficado lá fora enquanto Sahara atendia em privacidade, mas ela
afastou a cabeça para dizer que Ivy e Sascha queriam que ele ouvisse.
Teletransportando uma toalha, esfregou o suor do rosto e deixou a toalha em volta
do pescoço quando se uniu à Sahara em frente à tela de comunicação da sala de
estar, na qual ela geralmente programava imagens de suas danças favoritas.
— Você pode muito bem saber. — As linhas de cansaço marcavam o rosto
de Ivy. — Já contei à Vasic e Aden. Em algum momento, teremos que tornar
público.
Quando começou a falar, o que lhes disse fez muito sentido. Em particular,
a quase total falta de conexões humanas era a única coisa que tornava a PsyNet
pós-Silêncio diferente da ShadowNet dos Esquecidos.
Infelizmente, ela também estava certa em sua compreensão do estado atual
das relações Psy-humanas.
— A maioria dos seres humanos ficará feliz em ver a raça Psy cair no
esquecimento, — disse Kaleb para Sahara uma vez que as outras duas mulheres
desligaram. — E a maioria dos Psys pensa que os seres humanos estão abaixo
deles. — O último era pura estupidez, mas o Silêncio fomentou uma arrogância
que levaria décadas para melhorar.
— Não sei, — Sahara murmurou; um olhar em seu rosto que significava
que estava traçando uma estratégia. — Talvez seja simplesmente um caso de dar
aos seres humanos e Psys razões para interagir. O coração fará o resto.
Kaleb levantou as sobrancelhas. — Todas essas situações darão infinitas
oportunidades de ignorar uns aos outros. Isto é, se não tentarem matar uns aos
outros.
— Não seja tão cínico. — Carrancuda, Sahara puxou as pontas da toalha
para mantê-lo no lugar. — Sabe que acredita no amor.
— Acredito em te amar. — Sempre a amaria.
Ela levantou na ponta dos pés. — Eu te amo mais.
— Impossível. — Ela era a vida dele, o sangue do seu coração.
Mãos em seus quadris, ele a levantou em seu beijo. Quando ela enganchou
as pernas ao redor dele, foi instinto avançar, pressionar suas costas contra a
parede. Então seus olhos pousaram na parede que era seu destino.
Ele parou.
Seguindo seu olhar, Sahara sorriu. — Nossa parede de memórias está
enchendo.
— Sim. — A fotografia que o parou foi de quando teletransportou no
território DarkRiver para pegá-la na casa de Faith e descobriu que Judd viera dizer
olá.
Kaleb não viu Sahara tirar a fotografia, mas era dele e Judd conversando,
o renegado Arrow sorrindo fracamente enquanto Kaleb estava com as mãos nos
bolsos das calças do terno, a cabeça ligeiramente inclinada numa posição de escuta
e os ombros relaxados sob o branco liso de uma camisa social de mangas
compridas.
Ele parecia... Aberto, sem proteção contra um homem que era letal se
quisesse ser. Mas então, Judd também era o homem que lutou por Kaleb quando
até mesmo Kaleb não acreditava em sua capacidade de se manter firme contra a
escuridão.
Algumas amizades são gravadas na pedra.
— Amo essa foto. — Colocando os braços ao redor de seu pescoço, Sahara
beijou sua mandíbula. — O pano de fundo de abetos, sua linguagem corporal e a
dele. É óbvio que são amigos. Bons amigos.
— Precisamos de uma com Xavier, também. — O padre era o único outro
homem que Kaleb considerava um amigo. — Quando estiver de volta. — O padre
Xavier Perez estava atualmente numa parte remota e montanhosa da América do
Sul à procura de sua Nina.
Kaleb e Judd se ofereceram para teletransportá-lo até a mulher que
acreditavam ser a amante por quem ele procurava, mas Xavier deixou claro que
precisava lutar sozinho nesta batalha. Nesse ínterim, Kaleb descobriu que era
difícil praticar a paciência enquanto um de seus amigos mais íntimos caminhava
sozinho no deserto. Isso o fez entender por que Judd e Xavier estavam tão
preocupados com ele nos anos antes de libertar Sahara de sua prisão.
— Você anda sozinho, meu amigo, — disse Xavier um dia, não muito tempo
atrás, a expressão do outro mantendo uma paz que vinha do fundo da alma.
Kaleb ainda podia se lembrar de sua resposta. — Há uma força em ser
invulnerável. — Uma resposta falsa mesmo assim, porque ele carregava em seu
coração uma vulnerabilidade que nunca desistiria, pois, desistir significaria
desistir de Saara.
Ela tentou baixar as pernas agora, riu e voltou à posição quando ele se
recusou a soltá-la. — Teremos uma foto com Xavier assim que ele voltar com Nina.
Kaleb ficou em silêncio.
— O que foi? Está tendo pensamentos profundos. — Os olhos azuis escuros
segurando os dele enquanto ela estendia a mão para tirar os cabelos de sua testa,
os pingentes em seu bracelete pegando a luz.
— Estou me perguntando como tantas pessoas se entrelaçaram em minha
vida. — Estava acostumado a pensar nele mesmo como um lobo solitário, apenas
com Sahara. Só que ele tinha Judd e Xavier, também.
E depois tinha Leon.
O pai de Saara continuava chamando-o de filho, continuava tratando-o com
uma afeição paternal distraída que Kaleb não sabia como processar. Ele foi
espancado e atormentado pela única figura paterna que conheceu. Sempre
entendeu que Leon era diferente, que o homem amava sua filha, mas Kaleb nunca
esperou que o calor paternal se voltasse em sua direção.
— Estas pessoas estão em sua vida porque você fez a escolha de ser amigo
deles. — Sahara esfregou o nariz suavemente contra o dele. — Escolheu não trair
a lealdade deles, mesmo quando poderia ter sido conveniente, e ficou com eles
quando precisaram de sua ajuda.
— Você me faz parecer bom. — Ele não era, e ela sabia disso.
— Você sabe como ser leal, Kaleb. — Um sussurro, a respiração dela
beijando seus lábios. — Como amar.
Ele não tinha nenhuma réplica. Ele era dela desde o momento que se
encontraram. — Por sua causa.
— Ser amada por você... — seus olhos brilharam como joias enquanto o
laço psíquico entre eles brilhava com aquela luz gloriosa que tocava até mesmo o
coração torcido dele.
Ele amava, era amado.
Kaleb não precisava de mais nada.
— Você ainda ocasionalmente cobiça dominação do mundo, no entanto, —
Sahara disse com um sorriso após pegar a ponta de seus pensamentos.
— Uma coisinha.
Com os ombros tremendo, ela apertou as pernas ao redor dele. — Se pode
amar tão profundamente, tão apaixonadamente, por que não os seres humanos e
Psys?
— Cem anos de ódio, desconfiança e arrogância.
Sahara acenou com a mão. — Uma coisinha.
E embora estivessem discutindo o possível e catastrófico fim da raça Psy,
Kaleb sentiu seus lábios se curvarem. — Claro. Você acredita que o coração vencerá
tudo.
Ela o empurrou. — Vou rir por último, Kaleb Krychek, só espere. — Depois
disso, ela o beijou, a coisa errada a fazer se quisesse condicioná-lo a mudar sua
opinião.
Mas Sahara não pensava assim. Nem ele. Não quando ele estava com ela.
— Vamos tomar banho, — ela disse contra os lábios dele. — Estamos
pegajosos do exercício, e preciso começar a planejar como fazer com que os
humanos e Psy olhem uns aos outros não como inimigos, mas como possíveis
amantes.
Quaisquer que fossem seus desentendimentos sobre a política racial, estar
nu com Sahara era uma das coisas favoritas de Kaleb. Ele amava deslizar as mãos
sobre a pele dela, adorava ter a mente ligada à dela enquanto a acariciava de
maneiras diferentes, até que soubesse exatamente o que lhe dava o maior prazer.
Claro, ela fazia o mesmo com ele.
Kaleb não se importava. Ele era dela para fazer o que desejasse.
Esta noite ele apertou as mãos no azulejo acima de sua cabeça enquanto
ela ria, roubava beijos e continuava discutindo com ele conforme a água caía em
suas costas. Ele encontrou seus argumentos com os seus próprios, mesmo quando
pressionou mais fortemente nela, sua ereção rígida empurrando impacientemente
contra seu abdômen. Estremecendo, ela se esfregou contra ele, e quando o beijou
desta vez, seu sorriso afundou nele, sua mão acariciando até a curva sobre a nuca
dele.
Ele amava o modo como ela o segurava, tão possessiva e exigente.
Kaleb. Ela fechou os dedos sobre seu pênis duro como pedra.
Seu corpo se sacudiu, mas não em rejeição. Ele simplesmente não estava
pronto para a sacudida de prazer que era o toque de Sahara. Quando serei usado
por você?
Talvez se nós causarmos mais alguns terremotos.
Acho que os sismólogos estão confusos o suficiente. Ele podia controlar seu
violento poder telecinético durante o sexo, mas apenas perfurando-o
profundamente na terra. Havia certas repercussões.
Mordiscando sua mandíbula, Sahara disse: — Quer parar?
— Nunca. Kaleb moveu uma mão para acariciar seu seio, acariciando a
redondeza de seda quente, e roçando a ponta de seu polegar sobre o nódulo duro
de seu mamilo. Gemendo na parte de trás de sua garganta, Sahara soltou-o, se
esfregando abaixo de seu pescoço. — Preciso de você.
Erguendo-a com as mãos sob as coxas, ele deslizou sua ereção através de
suas delicadas dobras antes de empurrar profundamente dentro dela. Ela estava
tão apertada em torno dele, mas se encaixavam; eles se encaixavam perfeitamente.
Ofegando pela entrada, ela envolveu os braços ao redor de seu pescoço, suas
pernas já enroladas ao redor de seus quadris. — Eu amo senti-lo dentro de mim.
Kaleb estremeceu com suas palavras, desfeito.
Ele balançou lentamente dentro dela, e quando ela puxou sua cabeça e
exigiu um beijo, abriu a boca sobre a dela e eles dançaram em amor. Lento e gentil,
pele deslizava contra pele e respirações se misturavam à medida que a água corria
pelas suas costas.
O terremoto foi inevitável.
Como foi a conversa solene depois do banho, quando ficaram emaranhados
na cama. Todas as piadas de lado, a PsyNet estava em sérios problemas. Não era
crítico, ainda não, então tinham um pouco de espaço para respirar, mas esse tempo
não duraria para sempre. — Nunca estará em risco, — disse ele para Sahara. —
Se necessário, posso transportar as seções limpas da Net conjuntamente, criar
uma rede pequena, mas funcional.
Sahara se levantou ao lado dele, apoiada no cotovelo, seus olhos
perturbados. — Você fez uma promessa.
Uma mão curvando-se ao redor de sua garganta, ele disse: — Vou mantê-
la. Vou lutar para salvar a PsyNet e a raça Psy. — Por ela, ele salvaria em vez de
matar. E por ela, ele construiria em vez de destruir. — Mas não vou me afundar
numa rede condenada, e nunca a deixarei em perigo. Nem mesmo você, enviou por
telepatia, pode me forçar a vê-la morrer enquanto eu puder evitar. Fora incapaz de
salvá-la uma vez. Nunca mais.
Uma emoção furiosa encheu os olhos dela. — Eu nunca faria isso, — ela
sussurrou; sua voz pura. — Nunca machucaria você desse jeito.
Ele percebeu que a deixara mais irritada do que desolada. — Então ande
comigo nisto, — ele exigiu. — Diga que não lutará comigo se eu tomar essa decidão.
Diga que faremos isso juntos.
Seus olhos seguraram os dele e sabia que seu olhar era obsidiana,
desprovido de estrelas. — Eu confio em você com cada minúscula partícula do meu
ser e cada canto da minha alma, — disse Sahara. — Se você disser que não há
esperança, que é hora do último lançamento de dados, então estarei ali ao seu lado.
Deslocando a mão para agarrar sua mandíbula, ele a beijou com força. —
Agora que resolvemos esse assunto, vamos descobrir como consertar isso, então
nunca teremos que jogar esses dados em particular. — Porque enquanto ele sabia
que a salvaria, Kaleb também sabia que a perda de milhões de outras vidas
devastaria sua Sahara.
Para mantê-la inteira, teria que garantir que a PsyNet não caísse.
Parte
06
Capítulo 43
Nikita leu o relatório curto e conciso que Ivy Jane Zen enviou através da
Coalizão Governante sobre a deficiência grave na Net.
Dos humanos.
Ninguém, Nikita pensou, viu isto chegando, e nem mesmo o poder e o
dinheiro à disposição do Conselho Governante e seus associados poderia corrigir
isso. Querendo confirmar essa suposição, contatou Sascha para perguntar se Psys
poderiam psiquicamente coagir os humanos a se ligarem com eles.
Outra E ficaria horrorizada e chocada com a pergunta, mas Nikita sabia
que enquanto Sascha ficaria igualmente horrorizada, não ficaria chocada. Sua filha
sabia como o cérebro de Nikita funcionava.
— Não, — Sascha respondeu; seus olhos cardeais salpicados com faíscas
de cor do que ela havia feito antes do telefonema de Nikita. — Ninguém sabe como
os seres humanos são integrados na Net sem ser uma parte ativa dela, mas
sabemos que a coerção não funciona. — Sua expressão se tornou sombria. — Caso
contrário, haveria outras seções saudáveis.
Sascha não precisou soletrar, não a Nikita: era uma cegueira voluntária
imaginar que não havia pelo menos alguns Psys em todo o mundo que
controlassem os humanos através de uma ligação telepática a qualquer momento.
Pessoalmente, Nikita sempre preferiu usar outros métodos – não por considerações
éticas, mas porque o controle mental era um desperdício de tempo e energia.
Após o telefonema para Sascha, fez um para Anthony, usando todas as
ferramentas à sua disposição para manter a discussão estritamente nos negócios
da Coalizão. Foi mais difícil do que deveria ser. Não só porque Anthony tinha um
intelecto afiado e uma vontade tão forte como a sua, mas porque ele, de alguma
forma, neutralizou suas defesas sem fazer um único ato agressivo.
Um homem tão poderoso, tão ferozmente cruel quando a ocasião exigia, e
não a eliminou do tabuleiro de xadrez enquanto estava ferida e indefesa? Alguém
que realmente a protegia?
Não se encaixava na cosmovisão de Nikita.
Nem sua relutância em ver a ação dele como uma fraqueza que ela poderia
explorar.
Ou sua escolha de ligar para ele quando poderia ter enviado um e-mail.
Terminando a ligação antes que ele visse muito profundamente, como tinha
o hábito de fazer, ela se afastou do comunicador montado na parede para sua mesa
e o sintetizador de couro preto de sua cadeira executiva. Como não havia nada que
pudesse fazer para ajudar os Es em sua busca por uma solução para a questão
humana, não perderia seu tempo nisso. Quando e se precisassem de suas
habilidades e conexões, seria procurada.
Como já havia cancelado todos os negócios da Coalizão para o dia, passaria
a segunda metade da manhã analisando a situação financeira de uma empresa de
jatos aéreos que pretendia adquirir para...
Dor percorreu seu abdômen antes que alcançasse seu assento.
Uma faca a apunhalando, repetidamente.
Agarrou o encosto da cadeira, respirando lentamente até passar. Os
cirurgiões e M-Psy fizeram um trabalho estelar, mas ela sofreu uma lesão crítica, e
havia alguns tipos de cura que simplesmente não poderiam ser acelerados.
Claro que de acordo com certas partes, ela estava nesta condição por causa
de sua impaciência para voltar ao trabalho.
Mantendo um aperto de ferro na cadeira, manobrou ao redor até que
conseguiu sentar. Tremores corriam por ela, interrompendo suas tentativas de
regular sua respiração. A fraqueza não era algo que aceitasse em si mesma, mas
atualmente não tinha escolha no assunto.
Uma batida na porta a interrompeu apenas alguns segundos depois; foi
acompanhada por um toque telepático que identificou a pessoa do outro lado como
sua assistente sênior, Sophia Russo. Entre, ela disse telepaticamente, desde que
sua respiração ainda era demasiada irregular para falar.
Sophia era uma das poucas pessoas que Nikita confiava em vê-la nessa
condição – a ex-J-Psy e seu ex-marido da polícia não trairiam Nikita, contanto que
ela não cruzasse as linhas morais que delimitaram. Muitos Psys em sua posição
veriam isso como um mau negócio de sua parte, mas Nikita valorizava a lealdade
– saber que não receberia uma facada nas costas era um presente inestimável digno
de algum reajuste de seus métodos e táticas.
Entrando, Sophia atravessou o tapete com um organizador fino na mão,
mas em vez de falar de trabalho, deu uma olhada no rosto de Nikita e balançou a
cabeça. Seus cabelos negros estavam num nó suave na parte de trás de sua cabeça,
sua pele puro creme no meio da luz do sol da manhã que derramava através do
vidro novo e significativamente reforçado. — Precisa descansar.
Nikita recuperou o fôlego. — Preciso trabalhar.
Sophia não se moveu. Seu corpo vestia uma saia preta bem arrumada e
uma camisa azul sem mangas, e as mãos enluvadas em fino material preto que a
protegia de detectar acidentalmente a vida das pessoas, seus horrores e sonhos
secretos, o que não era nada fácil. — Pode enviar instruções de sua suíte.
Os olhos azuis-violeta acompanharam o modo como a mão de Nikita estava
pressionada em sua mesa, num esforço para controlar o tremor. — Colapsar por
sobrecarga é por que você está em tão má condição quando já deveria estar no
caminho para uma recuperação completa.
Às vezes Nikita se perguntava por que mantinha Sophia no emprego. Claro,
era em parte porque a outra mulher lhe dizia a verdade, não importa o quê. — Há
pessoas me observando. As ações da Duncan começarão a cair novamente caso
alguém perceba o estado de minha saúde. — Era a razão dos médicos sempre vir
a ela, cortesia de um Tk empregado por ela. Todos eram pagos muito bem para
manter as bocas fechadas. Ela também lembrava a eles quem era e o que poderia
fazer com seus cérebros se a traíssem.
Os olhos de Sophia foram para o vidro das paredes atrás e à esquerda de
Nikita. — Mesmo se alguém estiver espiando seus movimentos, não podem saber
o que está fazendo se você sair. Até farei uma nota em seu diário informando que
está numa sala de conferência interna no improvável cenário que alguém seja capaz
de invadir nossos sistemas.
A outra mulher colocou seu organizador na mesa de Nikita, sua postura
resoluta... E preocupação em seu olhar. A J tinha um coração mais suave do que
gostava de fingir. Nikita sabia; reconhecia os sinais após criar uma filha com um
coração ainda mais suave.
— Fez o suficiente para manter a aparência hoje, — Sophia continuou. —
Também tem uma reunião num local externo amanhã, para a qual precisa estar
fisicamente apta. Posso fazer malabarismos com tudo o mais, para que mais
ninguém saiba em relação à sua saúde.
O abdômen de Nikita latejava, mas não podia arriscar a usar os mecanismos
de controle da dor que lhe ensinaram quando criança, senão poderia ignorar um
sangramento ou um rompimento por não conseguir senti-lo. — Tudo bem. Vou ler
o pacote de dados do jato aéreo lá em cima. — Primeiro, iria para a cama, tentar
dormir com o pior da dor. — Se a dor piorar, chamaremos um M-Psy para executar
uma varredura.
Sophia assentiu com a cabeça. — Enviarei os dados para seu organizador.
— A mulher mais jovem caminhou com Nikita até a porta, ficou ao lado dela quando
entrou no elevador.
Nikita não disse à Sophia para não acompanhá-la lá em cima. Estava mais
fraca do que se lembrava de estar a semanas – era possível que pudesse
desmoronar.
Ela confiava em Sophia para pegá-la.
Não foi até que colocou um simples pijama azul marinho e deslizou na cama
que percebeu que havia algo que não confiava em Sophia para fazer: manter seu
silêncio sobre a condição de Nikita quando se tratava de dois indivíduos específicos.
Sophia, ela disse telepaticamente. Não entre em contato com minha filha ou Anthony
sobre o estado atual da minha saúde.
Eu já fiz.
Nikita sabia que deveria disciplinar sua subordinada, mas simplesmente
não tinha energia. Discutiremos isso depois que eu descansar.
A voz que veio em sua mente segundos depois era um homem. Durma. Vou
garantir a sua segurança.
Posso me manter segura, disse Nikita... Ou tentou dizer. Só que seus olhos
estavam pesados por causa da exaustão de manter a pose de mulher cruel e
destemida com o que poderia ser uma ferida fatal, e se acostumara com aquela voz
masculina.
Anthony Kyriakus ainda não a decepcionara.
O sono caiu sobre ela numa onda negra, uma batida de coração após esse
pensamento passar por sua mente.
Cartas para Nina
Nina,
Xavier
Capítulo 45
****
****
Uma vez, Lucas pensou que nunca permitiria voluntariamente que sua
companheira e filha estivessem sozinhas num quarto com Nikita Duncan, mas ali
estava ele, atrás da parede do quarto de Nikita. Mesmo quando sentiu a súbita
aflição de Sascha, não entrou. Estavam acasalados o suficiente para que pudesse
distinguir a angústia aguda de um choque emocional menor, e isso parecia mais
parecido com o último.
A resposta silenciosa de Sascha através de seu elo de companheiro aliviou
sua preocupação.
Lucas nunca mudaria de opinião sobre Nikita Duncan, não depois das
coisas que a mulher fez como Conselheira, mas como disse à sua empata, melhor
uma criança que conhecia a sua avó poderosa – e era intrigante para o gato – que
ser tentada a descobrir sozinha.
Isso não significava que não estava tendo que lutar contra o desejo de
quebrar a porta e tirar sua companheira e filha de lá. Um telefonema de Mercy
relativo ao evento da matilha o distraiu por alguns minutos, mas mesmo assim, a
maior parte de sua atenção permanecia hiperfocada na porta atrás da qual
desapareceram dois pedaços de seu coração.
Sascha provou exatamente como o conhecia quando saiu. Imediatamente
entregou-lhe Naya, e deslizou sua mão na dele. Seus instintos protetores eriçados
se assentaram, suas garras não estavam mais em perigo de romper sua pele. Não
falaram até depois que Vasic os deixou em casa.
Lucas agradeceu ao teletransportador, que simplesmente assentiu com a
cabeça.
Mesmo depois que estavam sozinhos como uma família, Lucas e Sascha
esperaram até que Naya estivesse em sua sesta antes de abrirem esta caixa
particular.
Lucas colocou uma música suave e puxou sua companheira em seus
braços. Enquanto balançavam na batida preguiçosa, ela falou sobre o encontro
com a mãe. — Ela falou sério. — A voz de Sascha era áspera. — Que nunca me
viu como falha.
Lucas sabia que os outros jamais compreenderiam a importância das
palavras de Nikita, o quanto significavam para Sascha. A dor dentro dela que sua
mãe infligira não era mais uma cicatriz, mas tampouco aquela dor podia ser
facilmente esquecida. — Você nunca foi falha. — Isso ainda o irritava cada vez que
usava aquela palavra em relação a si mesma.
— Eu sei. — Ela passou a mão sobre suas costas enquanto levantava o
rosto para sorrir para ele. — Não ousaria discutir com um gato alfa.
Ele beliscou seu lábio inferior. — Espertinha.
Olhos dançando, ela o beijou de forma lenta e sexy. Somente quando ambos
estavam sem fôlego que ela quebrou o beijo para continuar falando. — Minha mãe
me disse para começar a ensinar à Naya disciplina mental.
Seus pelos se ergueram. — Por que parece que está considerando isso?
— Agora mesmo, — Sascha disse, — Naya está curiosa sobre todos e
qualquer coisa, e nunca tentaria suprimir isso. Mas também está perigosamente
aberta. Não só não a ensinei a ter cuidado com quem se conecta com telepatia como
nunca se conectar a mentes estranhas sem minha permissão...
— Como a ensinamos a não ir com estranhos. — Os músculos esticados de
Lucas começaram a relaxar.
Sascha assentiu. — Estava tão decidida a não sufocá-la de forma alguma,
dando-lhe a liberdade psíquica que nunca tive, que eu fui longe demais na outra
direção.
— Entendo, gatinha. — Lucas precisava lutar constantemente com seus
próprios impulsos superprotetores. — Se eu pudesse, embrulharia vocês duas em
algodão. — Além de cada membro vulnerável de sua matilha. — Você me ajuda a
lidar com isso. Vou ajudá-la a lidar com isso.
Sascha disse: — Minha mãe me deu uma série de dicas sobre como ensinar
a Naya o que ela precisa, mas pensei em falar com Shaya também. — Uma longa
pausa, enquanto Sascha colocava a cabeça contra seu ombro e balançavam com a
música. — Nikita me manteve em segurança, mas doeu. Ashaya está fazendo o
mesmo com Keenan sem prejudicá-lo. Ele é um filho psíquico forte e disciplinado
que não perdeu nada de sua personalidade ou alegria.
Lucas deu um beijo em seu cabelo. — Há também o fato de que está guiando
e ensinando-o enquanto ele vive numa matilha changeling. — Nikita nunca teve
que lidar com uma criança cercada diariamente de emoção primitiva e desenfreada,
ao invés da fria disciplina dos Psy sob Silêncio.
— Sim, você está certo. Várias das técnicas de Nikita entrariam em colapso
sob condições não-Silenciosas.
— Deveria falar com os Laurens também. — Walker Lauren, em particular,
lidava com crianças fora da PsyNet e fora do Silêncio por mais tempo que qualquer
outra pessoa que Lucas conhecesse. O irmão de Judd também foi professor na
PsyNet.
Sascha assentiu antes de se inclinar para olhar para ele novamente, seus
braços enganchados ao redor de seu pescoço e seus lábios inchados de seu beijo.
— Temos que escrever um novo livro de regras, não é?
A pantera de Lucas retumbou profundamente em seu peito. — É isso que
os rebeldes fazem. — E Sascha Duncan, cardeal empata, companheira de um alfa,
e mãe de uma criança Psy-Changeling, era a rebelde que havia soprado e aberto a
PsyNet.
Cartas para Nina
Nina,
Meu primeiro amigo, aquele que tentei assassinar. Sua vida mudou
drasticamente há algum tempo. Foi arrancado de um mundo e teve que aprender a
existir em outro, e por um tempo temia que ele não se adaptasse. Mas ele o fez e aqui
está como. Esse homem que vi uma vez como frio como gelo agora ama uma mulher
tão profundamente e tão apaixonadamente como eu te amo.
Sinto tanta alegria por ele, Nina. Por ver o olhar nos olhos dele, isso é
esperança. O mesmo Deus que te tirou de mim deu a ele essa chance. Ele não
concorda comigo, é claro. Não é um homem de fé. Acredita na honra, na fidelidade e
na posição por trás de suas ações, em vez de colocar fé em alguma entidade de outro
mundo.
As discussões e conversas que temos, Nina. Você adoraria. Ele me aceita por
quem sou e faço o mesmo por ele e nosso outro amigo, e nós três, nos desafiamos
uns aos outros. Sua bela mente é tudo que falta.
Mesmo depois de tanto tempo ter passado, ainda espero por você. Mas então
percebo que se você está viva, escolheu não vir a mim e meu coração se quebra. Diga
que não está zangada comigo, Nina. Por favor. Eu não poderia suportar se tivesse
me abandonado.
Xavier
Capítulo 47
Dez da noite em Veneza e Bowen Knight batia o dedo em sua mesa enquanto
lia o último relatório da equipe de implantes quando recebeu uma mensagem em
seu telefone. Não reconheceu imediatamente o remetente – não incomum, já que
todos na Aliança Humana tinham acesso aos seus dados de contato. Às vezes,
deixava o dia caótico, mas a maioria das pessoas eram boas em contatá-lo
diretamente se fosse uma questão que precisava ser levada à atenção do chefe de
segurança da Aliança.
A mensagem era simples: Precisamos conversar. Muito sensível para enviar
em linha insegura. Isaac
Fez uma busca rápida no número do remetente. Retornou uma listagem da
Beauclair Trucking baseada próximo de Vancouver, Canadá. Um pouco de
escavação e encontrou o nome do dono: Isaac Beauclair.
Beauclair e sua empresa aderiram à Aliança um ano antes. De acordo com
os registros mantidos pelo pessoal administrativo de Bo, ninguém da empresa
assistiu uma reunião da Aliança, mas pagavam suas dívidas como um relógio e o
proprietário fez dois pedidos de assistência para a Aliança.
Em ambos os casos, era um simples pedido de introdução de negócios.
Nada de incomum nisso. Muitos membros da Aliança se uniam pela mesma
razão – para expandir sua rede entre outras empresas humanas. Naturalmente,
com a Aliança agora parte da Trindade, com acesso muito mais simplificado para
Psys e negócios changeling, esse elemento de sua base de associados aumentou
novamente em uma porcentagem significativa.
Bo também tinha acesso a algumas bases de dados de segurança, e quando
executou o nome de Isaac por meio dessas, não viu nenhuma bandeira vermelha.
O proprietário da empresa muito bem-sucedida ainda dirigia um caminhão de
longa distância na ocasião e tinha um registro limpo. Nenhuma acusação de
contrabando, nada além de um número maior do que a média de multas por
excesso de velocidade. Este último era um emblema de honra com caminhoneiros
– eles sempre tentavam forçar seus caminhões, muitas vezes a tentação de estradas
vazias era demais.
A empresa de Beauclair, entretanto, era interessante: tinha reputação de
segurança e confiabilidade e, como resultado, muitas vezes carregava produtos de
alto valor que não podiam ser transportados de outra forma. Os
teletransportadores geralmente não se inclinavam a tal trabalho pragmático, e
mesmo depois de todos os avanços tecnológicos até o momento, às vezes a maneira
melhor e mais economicamente eficiente de mover certos itens de um lugar para o
outro era através da estrada.
Em vez de enviar uma mensagem, Bo ligou para Lily de onde ela estava em
seu próprio trabalho nas proximidades. Sua irmã hackeou um pouco a seu pedido,
encontrou o link direto para o sistema de comunicação a bordo do caminhão de
Isaac, e estabeleceu uma ligação segura. De acordo com os registros de Beauclair
Trucking, Isaac estava na estrada hoje.
— Basta tocar nisso e será ajustado, — Lily disse, então o deixou.
A ligação se completou sem qualquer dificuldade, foi respondida por áudio
apenas na outra extremidade.
— Quem é? — Foi a pergunta brusca.
— Bowen Knight. Você queria conversar.
O áudio se transformou em visual e áudio, e Bowen encontrou-se falando
com um homem de ombros largos que parecia extraordinariamente com sua foto
de identificação oficial. Isaac Beauclair tinha a pele branca tocada com bastante
sol que era quente ao invés de frio, arenoso cabelo castanho-avermelhado cortado
bastante ordenadamente, mas não impiedosamente, uma barba pura que era mais
vermelha que castanho avermelhado e olhos castanhos escuros. Pelo que Bo podia
ver, o outro homem usava o que parecia ser uma camiseta com faixas em preto e
branco.
— Não esperava uma resposta tão rápida, — disse Isaac. — Dê-me um
segundo para colocar o caminhão no automático.
Bo esperou enquanto o outro homem fazia isso, então Isaac voltou à tela.
— Temos alguns minutos antes de eu ter que retomar o controle manual. As
estradas são um pouco duvidosas nesta parte do meu percurso, um par de balizas
que não foram corrigidas.
— A linha está segura, — Bo disse a ele. — Fiz questão disso.
— Imagino que conhece seu negócio. — Isaac olhou por cima do ombro e
pareceu dizer algo que não foi apanhado pelos alto-falantes.
Quando se virou, seu rosto tinha um olhar sombrio. — Posso ter feito algo
que poderia explodir sobre a própria Aliança.
— Explique.
— Estacionei numa parada de caminhão há algumas horas, fui tomar um
café, usar o banheiro, coisas usuais. — Isaac deu de ombros. — Quando voltei,
havia este SUV estacionado ao lado do meu caminhão. Janelas escurecidas, pneus
4x4.
— Algo incomum nisso?
— Na verdade não. Vejo esses veículos de vez em quando – principalmente
os grandes CEOs ou celebridades que querem viajar incógnitas. Não costumam
ficar em paradas de caminhão, mas imaginei que talvez alguém desejasse café ou
precisasse do banheiro – mas ainda olhei atentamente por causa do alerta sobre o
outro SUV que saiu mais cedo. — Ele fez uma pausa e Bo teve a sensação que
estava ordenando seus pensamentos.
Isaac Beauclair o considerava um homem muito deliberado.
— Então saltei do meu caminhão, e quando estava fechando a porta, olhei
para baixo. — Seu rosto ficou sombrio. — O SUV estava todo coberto por uma
película escura, mas tinha um teto solar de vidro que não estava coberto e pude
ver através dele. Vi um homem no banco do passageiro dianteiro e uma mulher
atrás. Estava coberta com um cobertor, mas seu rosto estava todo cicatrizado e
machucado e parecia terrivelmente magra.
Bo podia adivinhar para onde isso ia. — Você interveio?
— Primeiro fui e chamei dois amigos que acabavam de parar seus
caminhões. Era um risco leve o motorista do utilitário voltar primeiro e partir, mas
o cara no carro dava a vibração de Psy. Sabia que precisava de apoio.
Bo assentiu com a cabeça; os seres humanos eram muito bons em
identificar Psys. Tinham que ser. Era um mecanismo de sobrevivência. Algumas
linhas familiares desenvolveram um segundo sentido estranhamente preciso sobre
Psys na vizinhança, embora fossem todos rápidos em afirmar que não era uma
habilidade psíquica. Bo nunca acreditou no último. Afinal de contas, Psys,
changelings e humanos vieram do mesmo estoque original. E a evolução, nunca
parou. — Seus amigos são humanos?
— Não, — respondeu o caminhoneiro. — Um deles era changeling – achei
que ficaria em pé mesmo se o Psy me tirasse. — Isaac se virou e falou sobre seu
ombro novamente, e mais uma vez, sua voz era muito silenciosa para o microfone
captar.
— Fui até a janela do lado do passageiro da frente e bati, — ele continuou
após voltar para o comunicador. — O cara desceu o vidro, perguntou se podia me
ajudar. Perguntei o que diabos estava acontecendo com a mulher na parte de trás,
e ele disse que estavam levando-a para um hospital após encontrá-la ao lado da
estrada. Soou plausível, mas foi quando ela acordou e disse: Ajude-me.
Isaac deu de ombros. — Isso foi suficiente para nós. Quebrei a janela de
trás para destrancar a porta enquanto meu amigo changeling arrastava o Psy
metade para fora da janela para manter a atenção dele. Nosso outro amigo manteve
a vigilância. Havia acabado de tirar a mulher quando um segundo Psy veio
correndo e me atingiu com um golpe telepático.
O caminhoneiro esfregou a têmpora. — Foi forte como o inferno, mas não
debilitante. Não acho que era tão forte, mas era forte o suficiente para nos
enfraquecer e isso deu a ele uma chance de ajudar os outros Psys a lutarem contra
meu amigo changeling. Acho que teriam vindo pela mulher, mas puxei uma arma.
Mais um encolher de ombros. — Tenho que ter proteção nessas rotas
isoladas, especialmente quando estou movendo equipamentos caros de alta
tecnologia. Então, se teletransportaram em vez disso – um dos meus amigos tem
uma foto parcial. Vou mandar.
Bowen assentiu com a cabeça. — A mulher, não a levou para um hospital?
— Ele descobriu que ela deveria estar atrás de Isaac, na cabine do caminhão.
Balançando a cabeça, Isaac abaixou a voz. — Estava assustada, implorou
que eu a levasse para o mar. — Ele soltou um suspiro. — Os olhos dela... Nunca
vi olhos assim. Como a parte mais negra do oceano, sem luz, sem sombra.
Bo sentiu os cabelos se levantarem na nuca. Pensou no pedido de BlackSea
para rastrear outro SUV preto, considerou o pedido feito pela passageira de Isaac,
e se perguntou... — Pode descrevê-la para mim?
— 1,60m, cabelo preto, pele marrom claro, herança das ilhas do Pacífico,
talvez. Não fala o nome. — Ele fez uma pausa. — Parece que alguém passou uma
fodida faca de caça no rosto dela.
A mão de Bo apertou o fone. — Quanto tempo antes de chegar ao oceano?
— Isaac não parecia ser o tipo de homem que faria a mulher esperar.
— Seis horas, — respondeu o caminhoneiro. — Estava bem no interior
quando a encontrei.
Isso dava a Bo muito tempo para entrar em contato com BlackSea. — Acho
que sei a quem ela pertence – dê-me um pouco de tempo para ver se consigo
confirmar. — Desligando com o aceno brusco de Isaac, puxou as informações de
contato do homem que avisou a Aliança sobre aquela pequena célula de fanáticos
anti-humanos.
Malachai Rhys.
Ao lado do nome do homem estava um título: Chefe de Segurança de
BlackSea.
Bo não esperava que seu telefonema fosse imediatamente respondido – os
changelings de água tinham a reputação de preferir sua privacidade e torná-la
difícil para qualquer um se apoderar deles. E agora, estavam compreensivelmente
chateados com a Aliança.
No entanto, Malachai respondeu dentro dos primeiros dois segundos. —
Sim?
— É Bo Knight.
— Aguarde enquanto confirmo.
Levantando uma sobrancelha, Bowen se recostou na cadeira. Quando
Malachai voltou à linha, disse: — Como exatamente você confirma?
— Temos métodos, — respondeu o homem BlackSea. — Você não ligou para
conversar.
— Não. Uma das minhas pessoas pegou uma mulher em má forma física
que quer ir para o mar.
— Nome?
— Ela não deu, mas tenho uma descrição. — Ele repetiu para Malachai. —
Parece uma das suas?
Uma pausa, como se o chefe de segurança BlackSea estivesse pensando em
confirmar ou negar. — Sim, — disse finalmente. — Podemos tomar conta dela se
nos der um local.
— A menos que chame um teletransportador, não a levará para o mar mais
rápido do que ela já está indo, — disse Bo ao outro homem. — Ela está num
caminhão de longa distância, seguro e quente. Sabe quão rápido esses
caminhoneiros dirigem. — E não havia nada mais na estrada que pudesse derrubar
um caminhão tão grande.
— Entretanto, nós precisamos saber onde ela está, — disse Malachai.
Foi a vez de Bowen fazer uma pausa. Se lhe desse os detalhes de Isaac,
então deixava o outro homem vulnerável. Por outro lado, BlackSea estendeu a mão
em amizade enquanto a Aliança os decepcionara em troca. Talvez tenha chegado a
hora de marcar o placar.
Ele enviou os dados. — Deve ter alguém para recebê-la na praia. Do jeito
que foi descrita para mim, não sei se tem força para alcançar o oceano.
— Vamos organizar isso. — O tom de Malachai mudou ligeiramente. —
Passe uma mensagem. Diga para ela resistir à tentação de mudar. Em sua
condição, a água perto do Canadá é muito fria para ela – diga que sua matilha está
a caminho e promete levá-la a águas mais quentes o mais rápido possível.
Desligando, Bowen passou a mensagem e alertou Isaac que poderia acabar
com alguma companhia ao longo do caminho. — Deve ser amigável, mas se te
derem problemas, me avise. Vou pedir alguns favores, pedir ajuda.
— Vou garantir que ela fique segura, — disse Isaac antes de desligar.
Bo recebeu outra mensagem uma hora depois: tenho uma escolta, na frente
e atrás. Isaac também enviou os números de identificação do veículo.
Quando Bowen verificou com Malachai, o homem de BlackSea confirmou
que eram veículos de BlackSea. — Não entrarão no caminho do caminhoneiro, mas
precisam estar lá para nossa companheira de matilha quando ela chegar à praia.
***
Leila Savea não sabia por que confiava no homem que a resgatou – talvez
porque a tivesse resgatado ou talvez fosse por ter visto a fotografia no seu painel.
Era dele rindo com uma mulher loura alta que estava em seus braços sem
nenhuma sugestão de medo em seu rosto, embora o homem que se apresentara
como Isaac era pelo menos tão grande e tão musculoso quanto Malachai.
O que quer que fosse, ela cedeu à sua necessidade de se limpar da feiúra
do que foi feito para ela tomando um banho demorado no chuveiro dentro dos
aposentos da cabine dele. Provavelmente esvaziou seu tanque de água, mas ele não
bateu na porta para dizer a ela para sair. Em vez disso, quando finalmente saiu,
foi para ver que ele deixou um par de calças de moletom e uma camiseta para ela
vestir.
As roupas estavam largas, mas ajustaram após enfiar a camiseta nas calças
de moletom num movimento muito pouco glorioso e apertar o cordão, em seguida,
enrolou a barra das calças.
Claramente, as roupas pertenciam a uma mulher mais alta e mais saudável.
A loira rindo? A ideia deixou Leila feliz, embora Isaac e a mulher fossem estranhos
para ela. E precisava de pensamentos felizes agora. Era tudo que a impedia de
romper, sua psique unida por um fio frágil.
Quando veio espreitar Isaac, ele olhou para ela com um sorriso bochechudo.
— Sabe, — ele disse antes de voltar sua atenção para a estrada, —não é a primeira
garota que resgatei.
A parte de Leila que a mantinha sadia na escuridão franziu o cenho. — Sou
uma mulher, não uma garota.
— Jessie também estava cheia de palavras. — Tanta emoção em sua voz
quando tocou os dedos na fotografia. — Ela dirige grandes plataformas agora.
Também me deixa louco.
— Sou uma cientista, — Leila se encontrou dizendo a ele, e ao fazê-lo,
recuperou uma parte do seu eu perdido. — Estudo as criaturas que chamam o
oceano de casa.
Isaac assobiou. Seu tom mudou nas próximas palavras, tornando-se
áspero. — Esses idiotas machucaram você muito. — Ele acenou com a cabeça para
frente. — Precisa de ajuda médica do seu povo?
Ela podia ver o brilhante veículo branco 4x4 através do parabrisas, a
paisagem pintada pela luz nublada do final da tarde. — Tem certeza de que essas
pessoas são minhas?
— Um cara chamado Malachai confirmou isso.
Seus olhos ameaçaram se encher de lágrimas.
Malachai não deixaria ninguém machucá-la. Ele era de Miane e Miane
protegia seu povo, não importa quão distante estivessem ou quão pequena sua
importância em relação ao resto do mundo. Cada membro do BlackSea era
importante para Miane.
Rastejando para sentar no assento de passageiro, ela se forçou a dizer, —
Eu poderia ir com eles. Estão indo muito rápido. — Só que ela não os conhecia e
Isaac era seguro. Isaac tinha uma barba como seu pai e amava uma mulher com
cabelo loiro e sardas espalhadas sobre o nariz e bochechas.
— Eu gostaria de ver o oceano, — Isaac respondeu com um sorriso que a
tranquilizou que não se importava com este desvio. — Faz um tempo.
— Meu nome é Leila. — Parecia certo dizer a este bom homem que a levava
para casa.
— Bonito. — Pegando algo do porta-copos, ele o segurou. — Você deve comer
um pouco mais se puder.
Pegando o que provavelmente era uma barra de proteína, ela a abriu com
os dedos inchados de quando o motorista da SUV havia torcido seus dedos por ela
tentar fugir numa parada. Ele também lhe deu um soco no rosto.
— Você tem alguém que cuida de você? — Isaac perguntou com aquele tom
áspero que era estranhamente reconfortante, como Malachai quando ficava áspero.
— Quando chegar em casa?
O pensamento de casa fez seu peito doer.
— Eu nado sozinha, — ela disse a ele após engolir uma mordida da barra
de proteína. — Mas vou para a cidade por um tempo, descansar nos braços da
minha família.
— Se sente solitária? — Ele agarrou uma garrafa de água fechada do seu
lado e entregou a ela. — Nadando sozinha, quero dizer? O oceano é um lugar
grande.
O riso saiu dela, inesperado e enferrujado. — Os caminhoneiros não dirigem
sozinhos por dia, às vezes?
— Ponto para você. — Ele riu e o som era um cobertor quente envolvendo-
a. — Mas não rodo sozinho muito mais. — Um olhar para a fotografia que dizia
mais do que palavras. — As raras vezes que o faço, eu ainda vejo pessoas – nas
paradas de caminhão. Nas paradas para dormir acabamos estacionando lado a
lado para tirar alguns cochilos. Nenhum caminhão para no oceano.
— Tenho amigos que nadam por lá. — Ela sorriu pelas lembranças de como
seus melhores amigos subiam em seu barco e invadiam suas prateleiras atrás de
biscoitos. Uma vez, depois que os demônios comeram seus biscoitos até não ficar
uma migalha, ela saiu de um mergulho para descobrir dois grandes sacos de
biscoitos deixados no convés, os suprimentos levados para ela em sacos
impermeáveis.
— As lacunas são mais longas que em sua linha de trabalho, — ela disse
para Isaac enquanto sua boca salivava por um gosto daqueles cookies de chocolate.
— Semanas em vez de dias, mas somos sociais à nossa própria maneira. — Seu
sorriso desapareceu sob uma náusea súbita, sua pele gelada. — Não sei se serei
capaz de nadar em minhas águas mais. Os sequestradores podem me levar de
novo.
Isaac lançou um olhar sombrio para ela que não aterrorizava – ela já o
conhecia bem o suficiente para entender que sua raiva estava dirigida às pessoas
que a torturaram e aprisionaram. — Você poderia nadar com um grupo por um
tempo, — ele sugeriu. — Combata sua necessidade de solidão para ficar nas águas
da sua terra.
Leila pensou em como já lutara tanto, de como sobreviveu ininterrupta e
sentiu um tremor de orgulho, uma emoção que pensava estar morta dentro dela.
— Pode ser bom nadar com meus amigos, — ela admitiu, sabendo que esses amigos
a receberiam apesar de suas próprias viagens normalmente solitárias.
Sua pele doía, com fome de água fria. Em casa, a água era tão clara que
podia ver feixes de luz solar atravessando para espalhar brilhos de luz como uma
exibição silenciosa de fogos de artifício. Mas agora, tão longe de casa, a memória
doía. Então se virou para outra coisa. — Vai me contar sobre sua Jessie?
Isaac sorriu, e então contou tudo sobre a garota dura e inteligente que
pegou numa estrada solitária tarde da noite, que repreendeu por pegar carona.
Aquela menina cresceu, cresceu ainda mais resistente e mais inteligente, e se
tornou uma das melhores motoristas de Isaac. Também se transformou numa
mulher linda e alta que parecia encontrar prazer em distrair Isaac... Até que um
dia ela parou de ligar, parou de enviar e-mails engraçados, parou de ser parte
integrante e diária da vida dele.
O coração de Leila apertou. — Não, — ela sussurrou. — Não quero um final
triste. — Não podia lidar com isso. Hoje não. Talvez não por muitos dias por vir.
Isaac piscou para ela. — Jessie apenas ficou doente e cansada da minha
cabeça dura e decidiu me mandar para o inferno. — Sua expressão se converteu
num cenho sombrio. — Ela começou a namorar aquele belo rapaz, Michel Benoit.
— Rosnou palavras que poderiam ter vindo de um dos grandes leões changelings.
— Sério, realmente? Um soldado?
Os ombros de Leila tremiam. — Como a conquistou? — Ela sabia que ele o
fez, havia acabado de notar a aliança de ouro em seu dedo anelar esquerdo. Era
visível na fotografia também, assim como o brilho de ouro na mão de Jessie.
Sacudindo a cabeça, o caminhoneiro barbudo disse: — É um conto de
verdade. — Começou a contar, rosnando cada vez que chegava a uma parte que
envolvia seu aparente inimigo mortal, Michel Benoit.
Estava tão apanhada em sua história que não soube quando adormeceu,
mas quando acordou, foi para uma escuridão iluminada pela lua e o perfume
salgado do oceano. Olhos queimando e coração batendo, ela começou a empurrar
a porta pesada. Isaac já havia destrancado, e quando a abriu, estava lá para pegá-
la.
— Isaac, — lágrimas rolavam quentes e molhadas em seu rosto, — você me
trouxe para casa.
Ele se recusou a soltá-la. — Eu o fiz, querida, mas sabe o que Malachai
disse. Não sobreviverá a um mergulho em sua condição atual.
Leila mal ouviu, a música das ondas quebrando um pulso visceral que batia
seu nome. Então, uma morena alta com características que lembravam Leila de
outro biólogo marinho que ela conhecia, uma mulher que vinha da Nação Lil'wat,
saiu de um dos veículos de escolta e se aproximou. Ela carregava o perfume do
oceano também, profundamente em sua pele.
Matilha.
A percepção foi suficiente para desviar a atenção de Leila do mar, mas não
para separá-la de Isaac. Ela não conhecia essa colega de matilha, nunca a viu
antes. Então a mulher telefonou, deu-lhe o telefone. Seu corpo inteiro tremeu,
porque era Miane na outra extremidade, dizendo que ela estava segura, que esta
mulher e seu companheiro a levariam para suas próprias águas.
— As águas canadenses são muito frias para você em sua condição atual,
— disse Miane com comando inerente em cada palavra. — Isso vai parar seu
coração mesmo se mudar. Permaneça na forma humana um pouco mais.
Tudo de Leila doía pela necessidade do mar, mas não podia contradizer sua
alfa. — Não mudarei. — Saiu em uma promessa trêmula.
— Só um pouco mais, pequena dançarina.
Pequena dançarina.
Ninguém a chamava pelo apelido de infância há uma eternidade. Claro,
Miane se lembraria – e ao fazê-lo, lembrava a Leila quem ela era sob as cicatrizes e
a dor. — Vou aguentar, — ela prometeu numa voz mais forte. — Até que eu esteja
em casa.
Pegando o telefone depois que Leila o devolveu, a morena apontou um iate
amarrado à distância, suas velas brilhando brancas sob o beijo prateado da lua,
em seguida, gesticulou em direção a uma pequena lancha nas águas rasas. — Está
pronta?
Leila engoliu em seco e olhou para Isaac. — Obrigada. Sua Jessie é uma
mulher de sorte.
Seu sorriso era o nascer do sol sobre um oceano. — Envie-me um cartão
com palmeiras nele algum dia. Nunca cheguei aos trópicos.
Jogando os braços ao redor de sua forma grande e robusta, ela sussurrou:
— Venha me visitar. Traga Jessie.
E então não podia lutar contra o puxão mais, se dirigia para a praia tão
rápido que seus joelhos ameaçavam desmoronar debaixo dela. A mulher morena e
um magro homem negro a ajudaram a entrar no bote. Ela arrastou a mão na água
e tentou não soluçar pela necessidade quando começaram a se afastar.
Casa, ela ia para casa.
Cartas para Nina
Nina,
A guerra explodiu. As ruas de San Francisco rastejam com soldados. Escrevo
isso no porão da igreja, num momento roubado. Em torno de mim estão os refugiados
que eu e outras pessoas sãs trouxemos.
Não há mais tempo para escrever. Devo ir, preciso ver se há outros que eu
possa ajudar.
Xavier
Capítulo 48
Dez minutos depois de receber a notícia de que Leila Savea estava em casa
segura com seu povo, Riley andou com Mercy no bosque perto de sua cabana, o
braço dela enganchado no dele. Ele se recusava a soltá-la – sua companheira alta
e levemente musculosa parecia que ia cair.
— Por que não engordou em nenhum outro lugar? — Ele rosnou para ela.
— Pelo menos estaria mais estável.
Ela mostrou os dentes para ele. — Cale-se. Posso me manter em pé. E para
sua informação, comi como um urso antes da hibernação, mas nossos filhos são
hooligans vorazes.
Riley esperou quando ela parou e prendeu a respiração.
Espere, em nenhum ponto em sua gravidez Mercy teve que recuperar o
fôlego durante uma simples caminhada. — Está tendo uma contração, — ele
acusou.
— A primeira. — Uma carranca dirigida a ele. — Apenas minúscula, de
qualquer maneira. Provavelmente algumas horas ainda, pelo menos.
— Claro que sim. — Sabendo que qualquer criança com o sangue de Mercy
em suas veias não seria de modo algum previsível, pegou seu telefone e ligou para
Tamsyn.
— Estarei aí em quinze minutos, — disse a curadora, claramente já na
vizinhança.
Isso era provavelmente de propósito, com Mercy atrasada. Não apenas em
termos de uma gravidez changeling múltipla, mas no geral.
— Oh, merda! — Mercy quase se curvou.
Coração disparando, Riley manteve sua calma e começou a acariciar suas
costas com o firme toque que ela gostava. Quando estava pronta, a ajudou a voltar.
Andaram um pouco mais, mas ficaram perto da cabana.
O instinto de Riley era levá-la a uma cama confortável, mas Mercy era uma
sentinela leopardo e conhecia seu corpo. Num ponto, ela apertou as palmas das
mãos contra uma árvore e empurrou enquanto ele massageava suas costas,
cavando seus polegares do jeito que ela exigia.
Mesmo quando ela rosnou para ele, seus olhos escuros como resultado da
dor crescente, ele beijou sua têmpora e acariciou-a, e depois que a contração
passou, sua bela e selvagem companheira se virou para ele. — Eu sinto muito.
Riley beijou suas bochechas e lábios, numa carícia que era tudo sobre
conforto. — Pode gritar comigo o quanto quiser. Faz-me sentir como se eu fosse
útil para alguma coisa. — Escovando seus cabelos úmidos, a segurou o tempo que
ela quis antes que começassem a andar novamente.
A bolsa de Mercy rompeu um minuto depois.
As contrações estavam tão próximas quando Tamsyn os alcançou que os
intervalos eram medidos em segundos, em vez de minutos. Não chegaram lá dentro.
Os filhotes nasceram rapidamente na grama macia do lado de fora da cabana, a
mão de Mercy agarrando Riley e suas costas apoiadas contra as dele enquanto
Tamsyn pegava suas crianças impacientes.
Que decidiram sair muito bem um atrás do outro.
Limpando o rostinho deles, a curadora colocou as crianças nos braços
trêmulos de Mercy. Riley deslizou seu próprio braço sob o dela para ajudá-la a
mantê-los seguros. — Olá, — Mercy sussurrou; uma suavidade para ela que, até
este instante, apenas Riley viu.
Ela beijou cada carinha irritada antes de olhar para ele. — Você é um papai
agora, lobo.
Seu sorriso era como se fosse partir seu rosto. — Isso aí.
— Venha, — ela murmurou enquanto os filhotes se acalmavam sob o toque
de sua mãe, o contato pele-a-pele que era tão importante para os recém-nascidos.
— Eles precisam sentir o toque do pai deles também.
Afastando seu apoio, ele veio ao redor para que pudesse apoiar Mercy com
uma perna atrás de suas costas e ainda ser capaz de segurar seus bebês. Ele abriu
a camisa quase sem pensar e então Mercy estava colocando três filhotes em seus
braços. Os hooligans vorazes eram fortes e saudáveis, mas minúsculos. Ele
acariciou cada rosto macio, atraiu seus aromas, sentiu seu coração se expandir
novamente para abrir ainda mais espaço para essas três preciosas almas.
Tamsyn, que cuidara de Mercy, finalmente os empurrou para dentro da
casa. Somente quando os três filhotes estavam aconchegados contra Riley na
cama, pele-a-pele, fez Mercy entrar no chuveiro por um minuto.
Vestida numa de suas camisetas, calcinha por baixo, voltou para seus
bebês. — Olhe para eles. São tão perfeitos. — Ela pegou um pé minúsculo, beijou
cada dedo do pé. Então fez o mesmo para os outros dois filhotes enquanto Tamsyn
sorria e os deixava em privacidade.
Quando Mercy pegou um filhote e o bebê choramingou ao toque do algodão,
ela tirou a camiseta e aconchegou seu filho em seu coração. O bebê se acalmou
imediatamente. — Riley, fizemos três bebês lindos, — ela sussurrou em admiração
aberta, seus olhos brilhando.
Com seus cabelos em cascata em ondas vermelhas sobre a pele de creme e
dourada, e seu rosto luminoso enquanto olhava primeiro para um bebê, então se
inclinava para beijar a mão frouxamente fendida de outro, a cabeça do terceiro,
Mercy fez seu coração parar. — Fizemos, — ele conseguiu dizer, fazendo
malabarismos com os dois filhotinhos que segurava sobre um braço para poder
fechar a mão livre sobre a nuca de Mercy. — Você é incrível.
Um sorriso cintilante. — Nunca se esqueça, lobo. — Inclinando-se, ela
beliscou seu lábio inferior. — Quero segurá-los todos novamente. — Ela se colocou
numa posição ligeiramente encostada contra a cabeceira da cama, almofadas
empilhadas atrás dela, e então Riley colocou os outros dois filhotes contra ela.
Seus rostos minúsculos pareciam sorrir, suas mãos macias espalhando-se
em sua pele.
Riley cuidava deles, sentindo uma alegria tão profunda que nenhuma parte
dele conseguia articulá-la. Sua companheira estava segura, assim como seus
filhotes.
Riley Aedan Kincaid não podia pedir mais nada.
Cartas para Nina
Nina,
Seu Xavier
Capítulo 50
***
Dez minutos depois, Riley viu os olhos de Mercy seguindo Hawke quando
entregou Ace para Lucas, antes de pegar Belle e Micah do leopardo alfa. Sabia por
que ela estava tão intrigada – os dois alfas estavam tratando os filhos como seus.
Isso não era geralmente uma escolha. Alfas eram tão territoriais sobre as crianças
em sua matilha como os pais eram sobre seus cachorrinhos ou lobinhos.
Lucas percebeu seus olhares. — Em termos de hierarquia de matilha e para
quaisquer necessidades disciplinares, Belle é minha, enquanto Micah e Ace são da
Hawke, mas são todos nossos.
Era uma coisa extraordinária para um alfa changeling predatório dizer...,
contudo ressoou com Riley. Ele era de Hawke, mas lutaria até a morte por Lucas
também, porque DarkRiver precisava de Lucas, e Mercy precisava de DarkRiver.
Sabia que sua companheira faria o mesmo por Hawke, não importa quantas vezes
pudesse ameaçar matá-lo.
Agora, ela roubou Belle, dando um cheiro em seu rosto doce. — Ouviu isso,
garota? Terá que lidar com dois deles.
— Ela pode lidar com isso. — Lucas tocou a bochecha de Mercy com a
afeição de alfa para colega de matilha. — Belle é sua filha, com um pouco de lobo
na jogada, mas não usaremos isso contra ela.
Hawke rosnou para o outro alfa, mas era difícil levar sua ameaça a sério
enquanto aconchegava Ace contra seu peito, suas mãos cobrindo o corpinho do
lobinho enquanto esfregava sua mandíbula suavemente contra o rosto de Ace. A
mão de Ace abriu e apertou o peito de Hawke, embora seus olhos estivessem
fechados.
Na outra extremidade da cama, Micah bocejava nos braços de Sascha
enquanto Sienna escovava suavemente o cabelo castanho escuro em sua cabeça.
Todas as crianças tinham aquela tonalidade escura que provavelmente se tornaria
um marrom escuro com destaques castanhos quando crescessem.
Uma mistura de seus pais.
Isso fez Riley sorrir ao mesmo tempo em que captava a primeira sugestão
de vozes animadas vindo em sua direção.
Seus irmãos e de Mercy, assim como os pais de Mercy entraram minutos
depois; só alegria, excitação e amor. Muito amor. Seus filhos nunca iriam carecer
de companheiros nem de cuidados. E quando voltassem para casa, o fariam para
pais que adoravam um ao outro e seus bebês.
Mercy olhou para a direita então, seus olhos brilhando com emoção. — Eu
te amo, Riley.
— Idem, Gatinha, — ele sussurrou, roubando um beijo enquanto seus
bebês passavam pela corte, e pela primeira vez na história conhecida, lobo e
leopardo adultos se misturavam com recém-nascidos nos braços, nenhuma
agressão protetora de nenhuma das partes.
Família, Riley pensou, SnowDancer e DarkRiver estavam se tornando
família por muito tempo. Belle, Micah e Ace acrescentaram o selo final a esse
vínculo.
***
Bastien mostrou os dentes ao seu irmão, Sage, quando Sage ousou tentar
tirar Micah dele depois que Bastien acabara de reivindicar seu sobrinho de Drew.
Sage empurrou de qualquer maneira, colocando um braço amigável em torno da
cintura da companheira de Bastien, Kirby, enquanto apertava contra suas costas
e olhava por cima de sua cabeça para o bebê nos braços de Bastien.
— Ei, amendoim, — disse, tocando um dedo no nariz do bebê dormindo.
Esse nariz enrugou, mas o bebê dormiu.
— Bastien, eu quero segurá-lo. — Kirby estendeu os braços sobre aquele
sussurro, e pôs Micah em seu abraço gentil.
O rosto iluminando-se, ela abraçou o bebê. — Ei, você. — Um beijo gentil
na suave bochecha de veludo... E o bebê fez um pequeno som que poderia ser um
grunhido feliz.
— Ouviu isso? — Os olhos de lince brilhando, a gata de Kirby estava curiosa
sobre este novo colega de matilha como o lado humano dela. — Ele gosta de mim.
— Claro que gosta de você. Ele conhece a família. — O coração de Bastien
era uma coisa enorme dentro de seu peito. — Cuide deles, — ele ordenou ao seu
irmão antes de ir buscar Mercy.
Sua irmã ainda estava sentada na cama, mais porque tantas pessoas
estavam empilhadas nela, falando e rindo, do que porque parecia de alguma forma
fraca. Abrindo caminho através da multidão, ele a pegou em seus braços apesar de
suas advertências risonhas e deu um beijo em sua bochecha. — Você fez bem,
Cenoura.
— Grr. — Garras escavaram seus ombros, mas ela o beijou. — Doeu como
uma cadela. — Uma pausa pensativa. — Acho que os homens também deviam dar
à luz.
Bastien estremeceu. — Sim, não. — Beijando-a de novo, a colocou na cama
antes que seu companheiro decidisse que a estava maltratando demais e viesse
atrás dele – Bastien estava confiante em suas próprias habilidades, mas não estava
prestes a ir contra um novo pai, que por acaso era um tenente SnowDancer
conhecido como A Muralha por sua teimosia obstinada e recusa em se render.
Ele captou os olhos de Lucas quando estava saindo da sala, balançando a
cabeça. Ele ainda não encontrara o indivíduo que pagara o capitão do navio que
deveria ser a prisão de Naya. Mas estava perto, tão perto que quase podia cheirá-
lo, quase estender a mão e pegar essa pessoa pela garganta, garras estendidas para
fazer dano sangrento.
Lucas assentiu; a expressão do alfa afirmando que tinha confiança nas
habilidades de Bastien.
Com o leopardo preenchendo sua pele, Bastien voltou para Kirby para
encontrar Sage embalando o bebê nos braços de Kirby. Isso significava que seu
irmão era muito bonito abraçando a companheira muito abraçável de Bastien.
Bastien sacudiu a cabeça. — Não pode roubar nenhum deles, Herb.
Sage conseguiu dar-lhe o dedo enquanto continuava sorrindo para o bebê.
Kirby, entretanto, virou com muito cuidado no aperto de Sage e entregou o bebê
para ele. — Apoie a cabeça dele, — ela instruiu enquanto o irmão de Bastien pegava
Micah com extremo cuidado.
— Ei, garoto. — O sorriso de Sage dividiu seu rosto. — Sou seu tio Sage.
Seu tio favorito.
Enquanto Sage se aproximava de Gray, que acabava de reclamar Belle de
sua tia Brenna, Bastien abraçou Kirby por trás. — Bonitinho, hein?
— Lindo, — Kirby concordou. — Eu quero um.
Bastien deu uma risadinha. — Vamos nos acostumar às mudanças
primeiro. — Kirby ainda estava se instalando em sua pele como lince; também
estava passando tempo com a família que nunca teve chance de conhecer quando
criança – e estava se tornando uma parte integrante dele. Este último não era muito
uma escolha. Os Smith e DarkRiver a abraçaram como uma das suas; Kirby se
encaixava como uma peça perdida.
Os filhotes, especialmente, adoravam brincar com Kirby. Ela era adulta,
mas sua forma de lince a fazia menor que leopardos adultos, e assim para os
filhotes, ela parecia uma companheira de brincadeiras do tamanho perfeito. O fato
de que passou a ser professora do jardim de infância e tinha paciência para brincar
e lidar com filhotes espirituosos fazia dela ainda mais que favorita.
Agora ela riu. — Pode estar certo, além disso, acho que estaremos de babá
dos filhotes muitas vezes.
— Esperemos que após ficarem um pouco maiores. Estou meio assustado
com seus tamanhos, — ele admitiu num sussurro subvocal. — Tão frágeis.
Kirby deu um tapinha em uma de suas mãos. — Você ficará bem. Tem as
mãos mais gentis. — Pegando uma daquelas mãos, pressionou uma fileira de beijos
na ponta dos dedos.
E lá estava seu coração estrondando novamente.
Cartas para Nina
Nina,
***
***
— A regeneração pode não funcionar, — ela disse para ele um longo tempo
depois; sentada apertada contra seu peito enquanto ele apoiava suas costas contra
uma árvore robusta com folhas verde escuro. — Esta é a segunda e última
tentativa.
Ele estava feliz em não ouvir nenhuma preocupação no tom dela que o faria
se sentir diferente sobre ela. Ela sabia que ele a amava, independentemente de sua
aparência física ou saúde. — Você é reverenciada como enfermeira.
— Tenho um aprendiz que age como meus olhos, e juntos, nós
conseguimos.
Pensava que ela era mais do que capaz de gerir, considerando a fidelidade
que engendrara em pessoas que costumavam ser leais apenas com aqueles que
conheceram durante toda a vida. — Tenho conexões agora, Nina. Posso levá-la a
melhores médicos, se quiser.
— Aprendi a viver como sou, até prosperar, mas posso fazer meu trabalho
melhor com ambos os olhos, ou pelo menos, com alguma visão. — Seus dedos
roçaram sua mandíbula. — Sou egoísta, também. Quero ver você de novo.
A alegria era uma dor doce em suas veias. — Então encontraremos os
melhores especialistas. — Ele sabia que Judd e Kaleb o ajudariam sem questionar;
família, ele aprendeu, tinha muitos rostos diferentes. A sua agora incluía dois Psys
com habilidades mortais.
— Há outros aqui, — disse Nina. — Tantas pessoas ainda isoladas,
descrentes das mudanças dentro dos Psys e pouco dispostas a retornar às vidas
que abandonaram para sobreviver. Muitos precisam de provas de que eles não
serão assassinados se retornarem às suas terras. Outros precisam de ajuda
médica, acesso a uma educação mais ampla...
— Estou com você. — Xavier lutou ao lado de seus amigos por anos. Agora
era a hora de caminhar ao lado de Nina. Ele se despediu de seus paroquianos no
início desta jornada, querendo entrar nela com todo seu coração e alma. Mas não
os abandonara. Nunca faria isso às pessoas que lhe deram tanto socorro quanto
ele dera a eles.
Ele os deixara nas mãos gentis e capazes de uma jovem de Deus que estava
pronta para sua própria congregação. Ela tinha força suficiente para oferecer um
ombro para aqueles em necessidade e coração o suficiente para abri-lo a qualquer
alma que atravessasse a porta.
Estava em paz com sua decisão de deixar San Francisco, não podia pensar
numa vida melhor do que vivê-la ao lado de Nina. — Pedirei todo o favor que tenho
para ajudar as pessoas que te mantiveram a salvo até que eu pudesse encontrá-la
novamente. — Até que ele pudesse segurá-la novamente, seu coração batendo
junto com o dela.
— Aguma vez me pedirá? — Nina repreendeu uma hora depois. —
Realmente, Xavier, está levando o conceito de dono de si muito longe.
Seu sorriso era uma alegria assustada em seu rosto, as lembranças se
acumulando através dele, de uma jovem Nina revirando seus olhos escuros quando
ele orgulhosamente lhe dizia que pediria sua mão só quando pudesse construir
uma casa digna de seu espírito. — Acho que nós dois esperamos tempo suficiente.
Pegando seu colar, ele o arrancou para soltar um anel de ouro com safiras
e diamantes, em sua palma. Ele o comprara anos antes, depois que chegou a San
Francisco e encontrou uma posição estável. Ser padre da Segunda Reforma não
pagava muito, mas Xavier não precisava gastar muito. Ele guardou tudo para o
anel de Nina. As pedras eram pequenas, mas a delicada beleza delas se encaixava
perfeitamente em sua estrutura óssea.
Ele se aproximou para levantar a mão dela. — Quer casar comigo, Nina?
— Hoje, se você organizar isso, — foi a resposta dela, seu sorriso tão
radiante como a lua.
***
Dois dias depois, quando Xavier chamou Judd para pedir ajuda para obter
ajuda especializada para a mulher que logo seria sua esposa, conseguiu muito mais
do que negociou. Judd não só o colocou diretamente no telefone com a curandeira
SnowDancer – que conseguiu que Nina fosse tratada nas melhores instalações do
mundo – o outro homem falou com seu alfa, e Xavier estava de repente em contato
com os Leopardos AzureSun.
A conexão dos leopardos com SnowDancer vinha através do pacto
SnowDancer-DarkRiver, com a alfa AzureSun, Isabella, a avó de uma Sentinela
DarkRiver. E foi dito orgulhosamente pela alfa que ela era o homônimo de um dos
três membros recém-nascidos de DarkRiver.
— Meus bisnetos, — disse a alfa, ao mesmo tempo em que não aparentava
nem um pouco ser uma bisavó.
Isabella Garcia era uma alfa poderosa que mantinha a lealdade de seu povo,
apesar de estar em sua oitava década. Até mesmo Xavier não percebeu que
changelings nem sempre iam pela força física em um alfa. A sabedoria também era
preciosa, com os sentinelas agindo como o braço físico do alfa.
Enquanto a base de poder de AzureSun estava em outra parte da América
do Sul, tinham contatos na região de Xavier sobre quem ele poderia chamar caso
precisasse. Também lhe deram permissão para acessar certos recursos que
ajudariam a facilitar a viagem dele e Nina enquanto lutavam para desfazer o dano
feito ao povo dessas montanhas.
— Embora o alfa de minha neta seja um jovem filhote, — disse Isabella, —
me ensinou o valor das relações além do bando, de tratar os vizinhos como família.
Levou um minuto para Xavier perceber que o jovem filhote era Lucas
Hunter. Um dos homens mais visíveis e poderosos do mundo, graças não só à força
de sua matilha, mas também por causa de quem e o que ele representava no Acordo
Trino.
E Xavier estava conectado a essa rede.
Tudo por causa de uma amizade formada com um soldado que viu pela
primeira vez num bar sem nome.
Então Kaleb o chamou, sendo alertado por Judd, e Xavier teve acesso a um
teletransporte sempre que precisasse de um para levar Nina aos médicos. Não era
a única coisa.
— Tenho riqueza que ninguém poderia gastar numa única vida ou mesmo
dez vidas, — disse o cardeal. — Criei uma fundação de caridade com uma renda
significativa que você possa usar à vontade para seu trabalho humanitário.
— Obrigado, meu amigo. — Xavier aceitou a generosidade sem argumentar,
porque entendia quão grande era este passo para Kaleb – este amigo de Xavier não
confiava facilmente, e muito menos permitia que pessoas entrassem em sua vida.
Oferecer tal presente era uma coisa preciosa. — Sua Sahara está bem?
— Sim. — O tom de Kaleb não se suavizou como o de outro homem quando
falava de sua amante, mas Xavier entendia esse seu amigo e sabia que Sahara
Kyriakus era o coração dele.
— E sua Nina? — Perguntou Kaleb.
Xavier sorriu. — Sim.
***
Mais tarde, enquanto ele caminhava sob um tapete de estrelas com Nina,
as mãos unidas e o aroma quente e terroso tão docemente familiar, ele disse: —
Escrevi cartas para você.
Um riso suave. — Finalmente. — Suas provocações o fizeram se sentir
jovem, selvagem, livre. — Vou ler todas assim que eu puder ver.
Ele não podia deixar de apertar a mão dela com mais força. — Eu gostaria
de ler algumas agora. — Antes de se casarem, antes que fosse tarde demais para
que Nina se afastasse. — Quero que saiba o que fiz... Quem eu me tornei.
Uma repreensão gentil em sua expressão. — Meu amor por você nunca vai
desaparecer.
Xavier não tinha dúvidas sobre a verdade de seu voto, mas ainda precisava
que ela entendesse o quanto mudou do jovem risonho que ela conheceu, não queria
roubá-la com falsas promessas. Então leu as cartas que falavam de batalha, de
violência, de sua amizade com Judd e Kaleb.
— Eu gostaria de encontrar seus amigos. — A mão de Nina permaneceu
firme na dele. — Nós dois fomos marcados pela vida, Xavier, mas não mudamos
onde importa. — Ela ergueu suas mãos entrelaçadas ao seu coração, depois ao
dela.
Sim.
Continuaram caminhando juntos, contentes em simplesmente estar um
com o outro. Ele falava às vezes, Nina em outros. Em certa ocasião, ele disse: —
Certa vez, disse a um dos meus amigos que o amor é a maior forma de lealdade.
Mas acho que da lealdade pode vir o amor.
— Claro. — Virando-se para ele, ela deitou a cabeça contra seu peito.
Ouvindo seus batimentos cardíacos, ele muitas vezes se encontrava
simplesmente observando-a respirar.
— Tantos laços, — ele murmurou enquanto os dois ficavam debaixo de um
céu noturno que lembrava os olhos cardeais de Kaleb. — Tantas conexões. Nosso
mundo está se tornando a entidade interligada que sempre deveria ser.
A maioria dessas conexões eram frágeis, quebráveis, ou escassamente
florescidas, mas os raros que atravessaram o Rubicão10, durariam. Tais como os
laços que o ligavam a Judd e Kaleb, os laços que ligavam Judd à sua companheira
e sua matilha, o laço que ligava Kaleb a Sahara e, através dela, a outra matilha.
Tal era o vínculo que ligava Xavier à sua Nina, e através dela, a todos os
aldeões que conhecia. Em troca, ele poderia ligá-la a tantos outros. Juntos, sua
10 A frase atravessar o Rubicão passou a ser usada para referir-se a qualquer pessoa que tome uma
decisão arriscada de maneira irrevogável, sem volta.
família atravessava continentes... E ele existia aqui mesmo, neste momento que
segurava Nina.
Parte
08
Capítulo 51
Bo não ficou surpreso quando recebeu uma visita de Malachai Rhys quando
o sol estava se pondo sobre Veneza numa exibição impressionante. O que o
surpreendeu foi a natureza pública daquilo. — Tinha a sensação de que você queria
manter o relacionamento Aliança-BlackSea oculto, — ele disse, estendendo a mão.
Malachai sacudiu-a após sair do táxi aquático que o levara do continente.
Então tirou seus óculos espelhados no que parecia um ato consciente. Percebendo
que era, pois ver os olhos era como conhecer o homem, Bo tirou os seus e enfiou-
os no bolso da camisa marrom de mangas curtas com detalhes em pinos de bronze
que usava sobre jeans.
Malachai enfiou as mãos nos bolsos com aquelas palavras, um grande
homem vestido com um terno preto perfeitamente adaptado e uma camisa branca
frisada. — Algumas pessoas só acreditam no poder que podem ver.
Os humanos sabiam disso melhor que qualquer outra raça do planeta. —
Certamente não nos prejudica estarmos ligados aos BlackSea. — Bo não estava
prestes a recusar um potencial aliado quando o mundo permanecia um lugar
turbulento – e quando a Coorporação estava quieta. Todos que sabiam do grupo
também sabiam que as víboras ressuscitariam, e que provavelmente planejavam
seu próximo movimento nesse instante.
Então, havia os grupos fanáticos menores, e não eram todos Psys.
— Você não sofreu nenhum ataque em consequência de resgatar Leila? —
O chefe de segurança de BlackSea perguntou enquanto começavam a andar ao
longo da borda do canal.
— Isaac pode cuidar de si mesmo. — Embora Bo tivesse oferecido ajuda da
Aliança caso precisasse dela. — Quem raptou sua companheira de matilha... — ele
fez uma pausa. — Essa é a palavra certa?
Malachai o olhou de lado, ao mesmo tempo penetrante e silencioso. — Nós
nos adaptamos a usar os termos comuns.
Bo leu o subtexto: ser muito diferente tornava difícil ser parte do mundo.
— Como eu dizia, — ele continuou, — quem sequestrou sua companheira
de matilha faria melhor simplesmente deixando passar. Nenhum ponto em caçar
Isaac e seus amigos e dando-nos mais pistas para seguir.
— Eu concordo. — O outro homem não disse mais nada até que passaram
um grupo de turistas tirando fotos de uma sacada que era uma delicadeza de
futilidades e curvas. — Qual seu preço por ajudar Leila? Foi um favor muito maior
do que o que fizemos.
Bowen considerou alavancar o resgate. Apesar da degradação projetada de
seu implante, até agora não sentiu nenhum efeito nocivo. Sua mente estava tão
afiada como sempre, e buscava constantemente pontos de vista para trazer mais
poder à Aliança. Os seres humanos foram esquecidos e esmagados na terra por
muito tempo. Foi Lily quem o convenceu a desistir de qualquer exigência
mercenária.
— Algumas coisas que fazemos, — ela disse, — definem nossa própria
humanidade. Perca isso e podemos muito bem ser Psys sob Silêncio.
Suas palavras cortaram a natureza cada vez mais implacável dos processos
de pensamento de Bo. Ele não queria salvar seu povo transformando-os na própria
raça que foi por muito tempo sua inimiga. Oh, a guerra foi óbvia, mas Psys violaram
as mentes humanas por séculos, roubando suas ideias, roubando sua vontade.
Esfregando o queixo contra a fúria de suas emoções, ele não falou até que
pudesse temperar seu tom. — Não queremos nada. — Uma aliança, uma verdadeira
aliança, não poderia ser comprada ou exigida. — Falei com Isaac, desde que teve
prejuízos por atrasar sua entrega para levar Leila ao oceano, mas ele diz que valeu
a pena levá-la para casa.
Malachai parou na beira de um canal tranquilo, os dois de pé lado a lado.
— De alguma forma, duvido que o chefe de segurança da Aliança Humana tenha
um coração tão magnânimo.
Bo cruzou os braços. — Ele não tem, mas também não faz negócios usando
a vida de inocentes como garantia. — Seu cabelo, que cresceu após tanto tempo
raspando, era suave sob seus dedos enquanto os empurrava pelos fios ondulados.
— Se precisa colocar um nome nisso, considere um sinal de amizade de nossa
parte.
Quando Malachai se virou para olhar para Bowen, seus olhos castanhos
pareciam mais claros, mais perto de um claro dourado, como se algo mais vivesse
além. E pela forma que Malachai olhava sem piscar, sua expressão tão
indefinidamente outra, esse algo realmente não pensava como um ser humano de
nenhum jeito, maneira ou forma.
Os pelos levantaram em sua nuca.
Bo, como a maioria dos seres terrestres, muitas vezes imaginava a
composição dos changelings água. Golfinhos eram uma forma conhecida, os
tubarões eram rumores, grandes serpentes de água confirmadas e baleias
sussurradas, mas, exceto isso, ninguém realmente sabia com certeza.
Um dos amigos de Bo, um marinheiro ao longo da vida que circunavegou o
globo mais de uma vez, jurava de pés juntos que foi resgatado por uma sereia
depois que caiu no mar durante uma enorme tempestade. Ficava bêbado e dizia
que os olhos dela brilharam na cor azul, a brilhante pele branca, e os cabelos como
milhões de flâmulas de luz. Admitiria que não viu as pernas, mas ela nadou como
se tivesse uma grande cauda e eu definitivamente vi suas guelras!
Bo não sabia se acreditava no outro homem, mas não havia dúvida de que
algo salvou a vida dele. Seus companheiros de tripulação verificaram que caiu ao
mar e desapareceu de vista antes que pudessem jogar um salva-vidas. Ficaram
extremamente chocados quando ele escalou de volta a bordo – especialmente
porque até então, a tempestade os levara a mais de cinquenta milhas náuticas de
onde caiu no mar.
Claramente, o oceano guardava muitos segredos.
Malachai... Não, Bo não conseguia entendê-lo, mas uma coisa era certa:
não podia ser uma criatura pequena. Changeling mudar a estrutura física poderia
ser estranho, com massa nunca igual de uma forma para a outra – ou isso era
como parecia aos olhos de Bo – mas Malachai tinha um senso inato de grandeza
nele.
Bo simplesmente não podia visualizá-lo como uma criatura pequena. Como
uma tartaruga.
— Existem tartarugas que mudam? — Ele perguntou por capricho.
Os lábios do chefe de segurança curvaram-se nas bordas. — Você sabe que
uma das criaturas mais antigas da Terra é uma tartaruga? — Perguntou, em vez
de responder à pergunta de Bo. — Duzentos anos na última contagem. Se um
changeling for isso, acha que ele ou ela podem viver centenas de anos?
Bo soprou um fôlego com a ideia dele. — Ver passar todos esses séculos,
toda a agitação e mudança...
— Um pensamento incrível, não é? Mas talvez um ser tão velho não se
importasse tanto com o mundo, seria feliz vivendo numa ilha distante, longe de
Psys, seres humanos e changelings igualmente.
Embora tentasse fortemente ler o outro homem, Bo não podia descobrir se
Malachai jogava conversa fora ou realmente dava-lhe uma resposta. — Acho que
alguém tão velho não seria como você ou eu, — disse, finalmente. — Não digo isso
em sentido pejorativo. Acho que eu veria tal ser como tendo se transformado em
algo diferente, uma nova entidade, com a qual já não teríamos muito em comum.
Mais uma vez, Malachai olhou para ele com aqueles olhos que não estavam
muito bem, a cor havia desbotado ainda mais. — Uma ideia interessante para um
chefe de segurança. Profundamente filosófica.
Bo deu de ombros. — Eu até posso ler sem mover meus lábios.
A risada do homem BlackSea foi profunda. — Também posso. Embora seja
difícil quando o mar está turbulento. — Divertimento vivo em seu rosto, ele disse:
— Que tal uma bebida?
— Eu conheço um lugar.
Caminharam novamente quando Bo levou Malachai ao boteco favorito de
Bo. Não falaram de política ou alianças, ou se Malachai estava mexendo com sua
cabeça com aquela conversa de tartarugas changeling de duzentos anos de idade,
mas o fato do chefe de segurança BlackSea tomar cerveja com o chefe de segurança
da Aliança Humana era notável em si mesmo.
E foi notado por aqueles que sabiam o que e quem era Malachai.
Alguns viram isso como um sinal do sucesso da Trindade. Outros o viam
como um possível problema. Outros ainda o viram e decidiram que nenhum pacto
ou união entre os dois grupos poderia ser permitido ter sucesso. Os seres humanos
e os changelings da água cobriam cada parte do planeta. Caso se unisse, poderiam
se tornar um poder imparável.
Mas ninguém fez nada naquele vívido dia veneziano, quando o sol caiu no
oceano e as estrelas começaram a brilhar.
Naquele dia, dois homens perigosos sentaram, tomaram uma cerveja e
discutiram as últimas partidas de futebol.
***
Não foi até que todos os seus convidados chegaram, e Lucas e Hawke
estavam no centro da área de treinamento dos empatas, prestes a comemorar
oficialmente as celebrações, que Lucas percebeu que ele e Hawke não discutiram
um aspecto crucial do evento: qual deles abriria?
Isso podia parecer um detalhe capcioso para aqueles que não entendiam de
mudar a cultura, mas não era. Tinha a ver com domínio e respeito. Se Lucas
abrisse a celebração, seria tomado como um insulto ao seu alfa pelos lobos. Se
Hawke o fizesse, os leopardos ficariam chateados.
Destruindo a ideia por trás desse evento.
— Merda, — Lucas murmurou baixinho ao mesmo tempo em que Hawke
disse: — Foda-se.
Eles se entreolharam. — Vamos tentar ambos falar ao mesmo tempo? —
Lucas perguntou num murmúrio subvocal.
— Acha que podemos fazer isso? — Hawke franziu o cenho.
Para qualquer um olhando para os dois, parecia que estavam discutindo.
Isso era aceitável. Todo mundo sabia que ele e Hawke não eram amigos, mesmo
que suas companheiras pensassem o contrário. — Não sei, mas se não fizermos
algo logo, vamos estragar tudo isso antes que comece.
Hawke esfregou a mandíbula raspada e foi dizer alguma coisa quando uma
voz se levantou da multidão, a qual ficou silenciosa à sua volta. — Eu digo que
joguem cara ou coroa.
Eles se voltaram para ver que o orador era Max Shannon.
Sorrindo, o ex-policial caminhou até eles e jogou uma moeda no ar antes de
pegá-la no dorso da mão, sua outra mão descendo sobre o topo para obscurecer
qual o lado que havia pousado. — Alguém discorda?
Resmungos saíram da multidão, misturados com riso.
A tensão quebrou.
Max era neutro, sua ideia uma genialidade. Ninguém poderia argumentar
contra o acaso.
Os humanos, Lucas pensou de repente, faziam a paz entre os changelings
por gerações.
Ele olhou para Hawke, pegou o brilho no olho do lobo antes de Hawke dizer,
— Coroa.
— Cara, então. — Cruzando os braços, Lucas esperou enquanto Max dava
um passo atrás e, com grande cerimônia, levantou a mão de cima da moeda.
O grunhido de Lucas anunciou o resultado mesmo antes de Max dizer: —
Coroa!
Houve aplausos e vaias na audiência, mas eram de bom humor.
Aplaudindo-o nas costas, Hawke disse: — Da próxima vez, gato.
Rapidamente, Lucas percebeu que resolveram o problema para todos os
eventos futuros que envolviam as duas matilhas. Iriam se desligar agora que o
padrão foi definido. Sem problemas de dominação ou insulto, apenas dois
poderosos predadores cuidando de respeitar o espaço do outro. — É melhor
acreditar. — Ele se moveu para ficar ao lado de Hawke enquanto o lobo oficialmente
abria as festividades.
Mas Hawke tinha mais a dizer, palavras que Lucas também teria falado se
tivesse ganhado o jogo. Conversaram sobre isso e chegaram a um acordo. — Vocês
estão aqui porque nós nos consideramos sua família. — Seus olhos examinaram o
público antes de olhar para Lucas.
— Todos e cada um, — Lucas disse, porque estas palavras precisavam ser
faladas por ambos. — Esperamos que tratem uns aos outros como família,
também. — Ele se perguntou o que Kaleb Krychek pensaria disso, mas o cardeal
Tk estava agora profundamente conectado a DarkRiver, quer ele gostasse ou não.
— Quanto aos convidados de honra... — Hawke e Lucas se afastaram para
revelar Mercy e Riley atrás deles, seus braços cheios de pequenos pacotes
embrulhados.
Que começaram a gritar com fúria e com o rosto vermelho bem na hora.
O riso ondulou pela clareira e de repente todo mundo estava se mexendo,
falando. Uma área especial foi reservada e preparada para os bebês e crianças
pequenas brincarem e caírem sem preocupação; enquanto Ben, Sakura, Keenan,
Noor, Roman e Julian lideravam no departamento de menores de dez anos,
correndo para brincar de algo que envolvia subir árvores. Uma garotinha de talvez
sete ou oito anos que estava com os ratos observou de olhos arregalados atrás
deles, mas presa à sua família.
Então Julian virou e se aproximou dela.
Ela permaneceu hesitante até que seu pai e Teijan – ambos disseram algo
que a fez sorrir e mostrar os dentes que eram afiados e pontudos como Lucas
observou. Julian mostrou suas garras em resposta, e de repente, as duas crianças
riram antes de correr para se juntar aos outros.
As crianças ligeiramente mais velhas, incluindo Marlee, logo se reuniram
para conversar entre elas.
Com relação aos leopardos e lobos no final da adolescência e no começo dos
vinte anos, estes fizeram a paz num evento de Ano Novo organizado por três deles,
e se dividiram em pequenos grupos para conversar e flertar.
Os adultos não estavam acostumados a trabalhar juntos, mas aprendiam o
caminho com aqueles que estavam e as conversas logo começaram a fluir
naturalmente.
Foram os pré-adolescentes e adolescentes mais jovens que permaneceram
em seus próprios grupos das matilhas. Não inesperado, desde que as crianças
dessa idade tendiam a ser difíceis, de qualquer maneira. Levaria tempo para se
adaptar, mas Lucas podia vê-los assistindo os adolescentes mais velhos
interagindo, sabia que cresceriam vendo tais interações como normais.
Logo depois, vislumbrou Jon caminhando em sua maneira adolescente para
a mesa de comida gemendo pelos pratos trazidos por gatos e lobos, que foi pedido
aos convidados que trouxessem. Então, claro que todos trouxeram presentes, não
apenas para os filhotes, mas outros que poderiam ser compartilhados entre as
crianças aqui esta noite.
Enquanto Lucas observava, Jon pegou a metade de um sanduíche... Bem
quando duas adolescentes lobo se aproximaram e sorriram para ele. Ambas
usavam vestidos tão curtos e sumários que tinha certeza de que se esgueiraram
naqueles vestidos fora de casa, colocando algo muito mais aceitável pelos pais.
Jon pareceu surpreso.
Abandonando seu sanduíche, começou a se afastar. As meninas seguiram.
Os ombros tremendo pela evidência de que talvez não demorasse muito para
os adolescentes mais jovens se adaptarem afinal, Lucas cutucou o ombro de
Hawke.
O lobo alfa segurava um filhote, mas seguiu o olhar de Lucas. — Oh, pelo
amor de Deus, — murmurou. — Ei, Heather e Dani!
Girando para olhar para seu alfa, as duas garotas engoliram em seco e
fugiram. Jon partiu para as árvores no instante em que já não o seguravam.
Enquanto isso, Lucas tentava manter uma cara séria enquanto Hawke disciplinava
as duas garotas. — Parece que me lembro de vocês vestindo roupas quando saíram
da toca.
— Estamos vestindo roupas, — protestou uma das moças.
— Oh?
A única palavra foi suficiente para fazê-las ficar vermelhas brilhantes e
abaixar as cabeças enquanto torciam as mãos juntas. Nenhuma matilha era
puritana, mas de adultos e crianças era esperado se vestissem adequadamente
para eventos formais. Tratava-se de disciplina e respeito – e, neste caso, de ser
adequado à idade.
Ninguém daria um segundo olhar para uma menina de dezoito anos vestida
num desses vestidos para ir ao clube. Mas apenas treze anos de idade, se Lucas
estivesse adivinhando suas idades corretamente, numa festa familiar? Era uma
maravilha que tivessem ficado sob o radar por tanto tempo.
— E o que eu disse sobre perseguir os meninos de DarkRiver? — Hawke
perguntou às duas lobas castigadas.
— Que os gatos são tímidos e devemos ser agradáveis.
Lucas quase engasgou, precisando cobrir com um ataque de tosse. Tímido?
Os gatos? Hawke lançou-lhe um olhar, como se dissesse: Que diabos nós
inventamos? Lucas não admitiu que dissera aos meninos de DarkRiver que os lobos
eram muito mais tímidos que os gatos e que precisavam ter cuidado.
— Mas Jon não é um gato, — uma das garotas apontou, olhando para cima
através de seus cílios. — Ele é humano.
— E ele é tãooooo bonito! — Sua amiga quase derreteu na terra.
Um único grunhido de Hawke e elas congelaram, como múmias.
Segurando seus olhares, seu alfa disse: — Vão se trocar, então estão
encarregadas de garantir que Ben não se meta em problemas.
Seus rostos caíram, seus olhares de desespero tão cômicos que os lábios de
Hawke se contraíram. — Por uma hora, — corrigiu. — Depois disso, tenho certeza
de que alguém precisará ser punido. — Ele estendeu a mão para abraçar as
meninas com um único braço. — Podem rebolar o quanto quiserem quando
estiverem um pouco mais velhas. Agora, ainda são filhotes. Agora vão vestir suas
próprias roupas.
Arrastando os pés, as duas desapareceram nas árvores, onde sem dúvida
esconderam as roupas com as quais enganaram seus pais. Hawke olhou para o
filhote em seus braços enquanto a criança resmungava em seu sono antes que sua
expressão se tornasse beatífica. — Sim, você terá problemas, também.
— Claro que vai. — Lucas bateu no nariz de Belle. — Não teríamos nossos
lobinhos ou gatinhos de qualquer outra forma.
— Não, — Hawke disse com um sorriso enquanto as duas meninas que
enviou voltavam em saias e bonitas camisetas. A dupla foi diretamente para Ben –
que estava pendurado de cabeça para baixo num ramo de árvore enquanto tentava
engolir o bolo em sua boca. Parecia ser uma competição, com Roman pendurado
na mesma posição ao lado dele.
Era uma matilha. Era vida. Era uma família.
***
Walker Lauren entrou na pista de dança com sua parceira. Que sorria para
ele, o toque mais leve de brilho labial rosa em sua boca. Ele não estava pronto para
sua menina crescer, e alguns meses após os dez anos de idade, ela ainda não estava
bem lá, mas estava perto o suficiente para que as coisas que não tinham interesse
um ano antes agora a intrigassem e fascinassem.
Como o brilho labial que ela disse que tinha gosto de morangos.
— Vamos, papai. — Marlee estendeu os braços em perfeita posição para
uma dança lenta.
Walker reprimiu um sorriso, porque naquele instante, ela era seu bebê de
novo, aquele pequeno pacote quente que embalara e balançara na escuridão da
noite, quando ninguém podia ver o quanto a amava. Na PsyNet, sob o Silêncio, tais
coisas eram proibidas, o amor de um pai por seu filho proibido.
Não mais.
— Só um segundo. — Ele alcançou a forma muito mais baixa e, segurando-
a facilmente com um braço ao redor de sua cintura, envolveu sua mão levantada
com a outra, seus braços num ângulo de noventa graus. — Coloque sua mão livre
em meu ombro.
Marlee obedeceu sua instrução tranquila, mas sua mente estava em outros
assuntos. — Não amasse meu vestido.
— Não vou. — Esse vestido era um que Marlee comprou numa viagem de
compras com Lara. Um azul vibrante que trazia a sombra verde-clara dos olhos de
Marlee, tinha um decote cintilante com o que Marlee chamava de joias e sem
mangas. A saia ia até aos tornozelos, com tule por baixo. Era o vestido de uma
menina se transformando numa garota grande. Marlee adorava.
Enquanto Walker a adorava.
Pressionando um beijo na testa dela, ele disse: — Seu cabelo está bonito.
Um sorriso incandescente. — Lara fez isso! — Marlee ergueu a mão de seu
ombro para acariciar os cachos louro morango preso no alto que a companheira
curadora de Walker havia penteado. — É verdade que você gostou?
— Eu amei isso. — Como professor e pai, Walker sempre tentou encorajar
qualquer criança sob seus cuidados, mas foi só depois de deixar a PsyNet que
finalmente teve a liberdade de dizer palavras tão doces para sua menina.
E para a garota maior que dançava nos braços de seu companheiro não
muito longe.
Sienna brilhava hoje à noite, seu vestido preto até o tornozelo feito de algum
tecido que refletia a luz de cem maneiras diferentes. Ao contrário do vestido de
Marlee, o de Sienna abraçava sua forma, as mangas compridas apertadas em seus
braços e o decote irregularmente assimétrico. O vermelho rubi escuro de seu cabelo
caía por suas costas, escondendo-a, mas ele viu o V profundo lá.
— Tio Walker, — ela disse com uma carranca quando a avisou que ficaria
com frio. Então ela jogou seus braços ao redor dele. — Eu também te amo.
Que sua perigosa sobrinha pudesse dizer isso para ele era um presente.
Que falasse sério era ainda maior. Os olhos de Sienna encontraram os seus quando
Hawke virou, e seu olhar cardeal estava cheio de deleite. Hawke a virou em seu
peito um segundo depois. Aterrissando com as mãos sobre o corpo de seu
companheiro, ela inclinou a cabeça na mesma hora que o lobo alfa curvou a dele.
Walker desviou o olhar do beijo que dizia mil coisas sem que uma palavra
fosse pronunciada, e para o rosto brilhante de sua filha. Um dia, ela também teria
um companheiro para amar, um companheiro que correspondesse o seu amor.
Quando esse tempo chegasse, a deixaria ir com sua bênção para viver uma vida
extraordinária, bela e cheia de liberdade, mas até então, a vigiaria.
Agora, captando seus olhos arregalados pelo interesse em algo que Drew
fazia com Indigo, ele copiou o movimento e mergulhou Marlee por cima de seu
braço. Ela riu de prazer, dizendo: — Mais uma vez, papai! — Quando ele a levantou.
Então ele fez de novo.
Marlee estava ruborizada e feliz quando a música terminou.
— Vamos Marlee-Barley, hora de dançar comigo. — Toby estendeu a mão.
O sobrinho de Walker estava na fase desajeitada, mas hoje ele estava em
calças pretas e uma camisa de mangas curtas em azul escuro que tinha dragonas11
e costura visível como detalhe. Seus cabelos, tão vermelhos e tão marcantes quanto
os de Sienna, estavam bem penteados, mas já caíam para frente. Eram seus olhos
– que mesmo com a luz das estrelas que faziam de Toby um cardeal, ainda traziam
uma doçura que era raro ver num menino da idade dele.
Walker se preocupava com Toby, mas doce como era, seu sobrinho parecia
se segurar, mesmo no meio de uma matilha de lobos. De acordo com Lara, ele
parecia ter o mesmo efeito em seus companheiros como um curandeiro novato,
gerando confiança e fazendo as pessoas se sentirem melhor com sua simples
presença.
Talvez fosse porque Toby tinha um dom empático ou talvez fosse
simplesmente que Toby tivesse nascido com uma profunda gentileza de espírito.
11 Dragona é uma peça metálica ornada com franjas de fios de seda ou ouro, e era usada como
distintivo no ombro do uniforme militar.
Ele seria esmagado sob o Silêncio, mas aqui, era livre para crescer em sua
personalidade.
Hoje à noite, ele tomou uma encantada Marlee como sua parceira de dança
e giraram numa dança rápida, ambos batendo os pés e movendo os braços com a
batida. Quando Ben, vestido com um pequeno smoking que Lara havia dito que
era mortalmente adorável, correu para se juntar a eles, riram e abriram espaço para
seu pequeno corpo.
— O que meu Benny fará quando Marlee amadurecer antes dele? — Ava
perguntou, vindo para ficar ao lado de Walker na ponta da pista de dança
temporária. Seus brilhantes cachos escuros estavam cobertos de azul metálico e
prata brilhante e varridos numa trança complicada. — Já está acontecendo.
— Ele é forte. Lidará com isso. — Ben e Marlee eram melhores amigos
apesar da diferença de idade entre eles, algum aspecto indefinível de cada um
falando com o outro. No entanto, como Ava, Walker podia ver essa relação se
alterando diante de seus olhos. Seus interesses eram divergentes, os levaria em
direções diferentes nos próximos anos.
— Mas, — disse Walker enquanto observava os filhos dançarem, — aconteça
o que acontecer, eu não posso vê-los nunca distanciados. — A relação deles era
muito forte, muito enraizada, e por todas as suas brincadeiras infantis, Ben era
estranhamente astuto. Como se visse as pessoas exatamente como elas eram.
Um menino como esse cresceria num homem extraordinário.
Ava suspirou. — Ela ainda vai quebrar o coração do meu pobre menino em
alguns anos. Nenhuma garota de catorze anos se interessa por um menino de dez
anos.
Envolvendo o braço suavemente em torno dos ombros de Ava, Walker a
segurou contra ele com os afetuosos privilégios de pele que se desenvolveram entre
eles durante o tempo que Walker estava acoplado a Lara. As duas mulheres eram
melhores amigas, Ava dentro e fora de sua casa, como Lara estava na de Ava.
Walker também gostava muito do companheiro de Ava, Spencer, e muitas vezes
jantavam com o outro casal enquanto Marlee gostava de passar tempo com Ben e
sua irmãzinha, Elodie.
A garotinha atualmente rindo espalhafatosamente com Naya Hunter,
ambas sentadas num tapete ao ar livre.
Seu riso de bebê fazia vários adultos próximos sorrirem. Walker também
não conseguiu resistir ao sorriso. — Não acho que uma coisa pequena como um
coração partido impediria Ben de perseguir Marlee assim que for velho o suficiente,
— ele disse.
Ava riu. — Você está certo. Meu filho faz da determinação teimosa uma arte.
— Erguendo-se na ponta dos pés, o braço ao redor de suas costas, ela tentou olhar
para os dançarinos. — Onde está Lara?
— Conversando com Tamsyn sobre os filhotes.
Olhando para onde estavam as duas curandeiras, Walker as viu se
afastarem depois de um rápido abraço. Lara virou na direção dele no mesmo
instante que Ava disse: — Lá está, meu querido. Vou levá-lo a uma dança antes
que fique muito apanhado em fotografar o evento.
Walker deixou Ava escapar e se moveu para encontrar sua companheira na
metade do caminho. Ela havia domado os cachos de seu cabelo preto num coque
esta noite e os reflexos vermelhos brilharam quando passou debaixo de uma
cascata de luzes minúsculas, mas nada brilhava tanto quanto seu sorriso quando
encontrou seu olhar. Seu vestido era no comprimento do tornozelo, a cor de um
escuro laranja sangue que parecia requintado contra o bronzeado natural de sua
pele.
Acariciava sua forma enquanto ela se movia, as curvas simples, graciosa e
elegante.
— As crianças estão felizes e ocupadas? — Ela perguntou quando o
alcançou.
— Sim. — Nem sempre foi fácil para Walker confiar nos laços da matilha,
especialmente quando se tratava das crianças, mas era um verdadeiro SnowDancer
agora, entendia que numa matilha saudável, uma criança nunca precisava
procurar muito longe por afeto ou assistência.
Mordendo o lábio, Lara puxou suas mãos. — Vamos fugir um pouco.
Walker nunca havia brincado, não quando criança, não quando jovem. Mas
estava acasalado com uma loba agora, e para uma loba, brincar era tão necessário
quanto respirar. Soltando as mãos de sua companheira, ele deslizou um dos seus
braços contra a parte inferior das costas. — Por aqui. — Sua altura facilitava para
ele ver através dos convidados misturados.
Ainda demorou vários minutos para navegar, porque amigos e
companheiros de equipe queriam dizer olá, mas finalmente os levou a um lugar na
sombra de uma cabana. Longe o suficiente da festa, de forma que podiam falar em
particular, mas perto o suficiente para que ainda pudessem ver as festividades. —
Quer ir para a floresta? — Afagando as mãos pelas costas, descansou-as na curva
de suas nádegas. — Eu quero.
Lara olhou para ele através dos grossos cílios. — Um homem mau. — Seu
sorriso desmentia suas palavras. — Levando-me para o mau caminho.
Walker ia dizer que era sua responsabilidade como seu companheiro
quando algo mudou o ar entre eles... Ou talvez algo mudou dentro dele. Não sabia
como descrever, mas sabia com certeza que o corpo de Lara não era mais o mesmo
de ontem. Inclinando-se, ele olhou nos olhos dela.
— Walker? — Lara levantou uma mão para sua bochecha. — Qual é o
problema?
Balançando a cabeça, ele tentou colocar um dedo sobre o que o
incomodava... E, oh. — Você fez um teste de gravidez hoje?
— Não, eu ia esperar até... — os olhos de Lara se arregalaram, uma mão
indo para seu abdômen. — Você tem certeza?
Ele assentiu. Não podia explicar como, mas tinha certeza. Era como se o
vínculo de acasalamento tivesse enviado um pequeno pulso de conhecimento, uma
advertência de que teria que tomar cuidado extra com sua companheira nos
próximos meses. — Sim, eu tenho certeza.
Lágrimas encheram seus olhos. — Walker, oh. Um bebê.
Ele a juntou em seus braços, seu próprio coração batendo tão brutalmente
dentro de seu peito que quase doía. — Eu amo tanto Marlee que é difícil respirar
às vezes, — ele disse a ela. — Mas nunca tive a chance de experimentar todas as
etapas de seu desenvolvimento. Precisava roubar tempo com ela. — Nas vezes que
ela não estava na creche e sua mãe, Silenciosa e sem rebelião, não estava por perto
para ver como Walker tratava sua filha – como se ela fosse preciosa. Como se fosse
a batida de seu coração.
— Não perderá nada desta vez. — Ela levantou seu rosto molhado de
lágrimas para o dele. — Passaremos por isso juntos, todos nós. Toda a família. —
Seu rosto brilhava. — Não posso esperar para contar às crianças.
Ele a amava ainda mais por amar Marlee e Toby como se fossem dela, por
tratá-los como uma mãe faria com seus bebês. — Juntos, — ele ecoou, e
segurando-a perto, olhou para onde Marlee estava agora sentada no chão comendo
um bolo com um Ben similarmente ocupado ao lado dela.
Enquanto observava, Ben ofereceu o que poderia ser uma decoração de
chocolate de seu pedaço. Ela o aceitou, dando algo do seu em troca. Quando
Spencer mudou de posição para tirar uma fotografia dos dois, Walker sabia que
pediria uma cópia.
— Acha que ela se lembra? — Perguntou a Lara. — Às vezes que eu pude
estar com ela? Às vezes que eu não podia buscá-la quando ela chorava?
— Marlee é uma das crianças mais bem ajustadas que conheço. — Lara
escovou sua mandíbula com os dedos. — O que quer que ela tenha perdido de sua
infância, sempre soube que você a amava.
Emoção subindo numa maré dentro dele, Walker estendeu a mão sobre seu
quadril. — Quando diremos à família?
— Depois que eu fizer o teste, uma dupla confirmação. — A voz de Lara
estava tremida. — Sinto como se eu fosse feita de champanhe, bolhas de felicidade
borbulhando em meu cérebro.
Walker nunca poderia ter inventado essa descrição, mas estava exatamente
certa. — Eu também, — admitiu, curvando-se até beijar sua respiração e poder
beber em sua alegria pura. — Eu também.
Capítulo 55
Judd não sabia bem como acabou carregando um bebê, mas alguém
entregou a criança para ele, e então se encontrou olhando para grandes olhos
castanhos que olhavam para ele com tanta curiosidade. Ela não era uma das filhas
recém-nascidas. Tinha certeza de que essa criança pertencia a um soldado
leopardo chamado Emmett e sua companheira humana, Ria.
O roubo de bebês era desenfreado na festa, as crianças passavam para ser
adoradas, beijadas e mimadas. Os lobinhos, gatinhos e gatinhos-lobinhos
pareciam levá-lo em seu passo, criaturas de matilha que eram. Mas como ninguém
parecia perceber que Judd tinha um bebê, afastou-se um pouco mais das luzes
principais para que pudesse passar mais tempo com aquela pequena criatura de
olhos castanhos.
— Olá, — ele disse, embora soubesse que o bebê era muito jovem para a
comunicação verbal.
Ela acenou com um punho para ele.
Agarrando-a num braço, pegou o punho oferecido em sua mão livre. Sua
pele era tão frágil, seus ossos tão macios, e seu aperto delicado, mas determinado
quando ela puxou seu dedo. Ele se viu sorrindo, fascinado por seus pequenos
movimentos, a maneira que ela claramente queria morder o dedo, embora tivesse
apenas a sugestão de seus dois primeiros dentes.
— Homem lindo, você apenas derreteu meu coração em uma poça.
Ele sabia que Brenna se aproximava. Podia senti-la sempre. Quando ela
parou do outro lado do bebê e suspirou, ele olhou para a extraordinária beleza de
seu olhar. — Por que está derretida?
— Seriamente sexy, seriamente perigoso homem com um bebê minúsculo
e adorável nos braços, ambos fascinados um com o outro? — Indiferente de seu
deslumbrante vestido vermelho papoula até o tornozelo, Brenna caiu
dramaticamente no chão, braços abertos. — Morta. — Firmando em seus cotovelos,
ela disse, — Especialmente porque é meu homem sexy segurando um bebê.
Ele a ajudou usando sua telecinese. — Quer segurá-la? — Ele perguntou;
estranhamente relutante em passar o peso macio e quente.
— Não, está tudo bem. Você continua segurando-a. — Brenna sorriu;
obviamente capaz de ler suas emoções. — O nome dela é Mialin Corrina. —
Beijando a bochecha do bebê, Brenna sussurrou: — Bonito, exatamente como essa
pequena gatinha.
Aquela gatinha sorriu e fez sons felizes que faziam coisas dentro de Judd.
— Alguma vez segurou Marlee ou Sienna? — Brenna perguntou.
— Marlee. — Não muitas vezes, somente quando foi capaz de deslizar a trela
de seus treinadores, e então só quando seu irmão estava sozinho, exceto pelo bebê.
— Ela costumava fazer isso, também. — Apertar o dedo e mais tarde, seu cabelo.
— Sempre achei tão pacífico segurá-la. — Sentir a batida de seu coração, o sopro
quente de sua respiração. — Nunca tive chance com Sienna.
Brenna acariciou seu antebraço. — Se eu estiver certa, você estará
segurando outro bebê muito em breve.
Judd começou a perguntar o que ela queria dizer quando percebeu a linha
de sua visão. Seu irmão Walker estava de pé nas sombras lançadas por uma
cabana distante, mas não havia dúvida sobre a alegria em seu rosto, ou a maneira
protetora que tinha a mão sobre o estômago de Lara.
O coração de Judd deu um grande pontapé. — Se alguém merece ser pai de
novo, é Walker. — Seu irmão era o melhor pai, o melhor homem que Judd já
conheceu.
Brenna se escondeu debaixo do seu braço quando o segurou. — Quer ter
filhos?
Judd olhou para o bebê agora sonolento em seus braços e viu-se acenando
com a cabeça. — Um dia. Quando estivermos um pouco mais velhos e mais... Como
Walker e Lara. Mais firmes. Sabe o que quero dizer?
— Sei exatamente. Eles estão enraizados, sólidos e ancorados. — Ela
deslizou seu braço em torno da cintura dele. — Ainda estamos encontrando nosso
caminho, descobrindo quem somos. Mas uma coisa que sei – você é meu e eu sou
sua e qualquer crescimento que fizermos estaremos juntos.
— Sempre. — Judd não podia imaginar a vida sem Brenna. Simplesmente
não fazia sentido para ele. — Acha que eu deveria devolvê-la?
— Achado não é roubado, eu digo.
Então ficaram com o bebê por uma hora, observando seu sono e tocando
seu nariz de vez em quando, ou escovando os dedos sobre seus pequenos punhos.
Foi Emmett quem finalmente veio reivindicar sua filha. — Vamos, garotinha, —
murmurou, tirando-a de Judd.
Suas mãos eram grandes e um pouco cicatrizadas, seu rosto áspero apesar
do fato de ter feito a barba, mas a ternura em seu abraço era interminável. O rosto
do bebê iluminou-se mesmo em sono ao som da voz de seu pai.
— Obrigado por nos deixar abraçá-la. — Ele sabia que Emmett devia estar
ciente da localização de sua filha a cada instante que ela não estava em seus
braços.
— Imaginei que ela não poderia estar mais segura do que com um Arrow.
Você protege o inocente, apesar de tudo. — Emmett beijou a testa de sua filha. —
Mas agora a bisavó desta gatinha quer vê-la e ela tem os primeiros direitos.
Quando o outro homem se virou e se afastou, Judd sentiu seu coração dar
outro chute. Porque durante muito tempo os Arrows foram os pesadelos, os bichos-
papões. Protegeram também, mas ninguém via. Agora, finalmente, o mundo
começava a entender. Já não importava muito para Judd, mas para seus irmãos...
Ele procurou e encontrou Vasic na multidão. O teletransportador estava
parado em silêncio ao lado de sua companheira enquanto conversava com Sascha,
mas ele estava envolvido. Estava presente. Como estava um homem que não era
Arrow, mas que caminhava pelas mesmas estradas perigosas. Pegando seu olhar,
Kaleb assentiu. Judd balançou a cabeça antes de voltar sua atenção para a loba
que o tomou em seus braços e lhe ensinou a viver.
— Vamos dançar, — ele disse. — Quero celebrar esta noite.
***
A perna de Annie doía, mas não era nada importante, não agora que usava
os anti-inflamatórios que Tamsyn havia prescrito. A relativa falta de dor a deixou
livre para desfrutar das festividades. Ela se acostumou com as mudanças nos
acontecimentos desde que esteve acasalada com Zach, mas esta era incomum em
mais de uma maneira. Não só por causa dos lobos, mas por todos os outros aqui
esta noite.
Foi quando o viu através da clareira. Ele estava parado junto às árvores,
separado de todos, enquanto seus olhos seguiam a mulher de olhos azuis escuros
que era prima de Faith. Annie sabia quem ele era, é claro – difícil para alguém não
reconhecer o homem que se dizia ser o mais poderoso Psy na Net.
Mas ver Kaleb Krychek na tela de comunicação era diferente de vê-lo
pessoalmente. O poder que pulsava dele... Era estranhamente familiar, mas talvez
estivesse enganando a si mesma. Ainda assim, precisava saber.
Movendo-se com cuidado e usando sua bengala para apoio, ela abriu
caminho através da clareira após verificar para ver que Rowan estava feliz nos
braços de uma de suas tias jovens. Lá estava ele, seu lindo menino.
Ela sentia como se sorrisse com todo o seu corpo.
O uso constante da bengala, os problemas com sua perna que resultaram
na mudança em seu equilíbrio durante a gravidez, tudo valia a pena.
É claro que Zach era um leopardo superprotetor que detestava vê-la com
qualquer dor. Se o satisfizesse, ficaria sentada na cama tomando chá e comendo
panquecas todos os dias. Com o sorriso ficando incrivelmente maior, ela olhou ao
redor e encontrou seu companheiro.
Ele estava preso no chão com seu sobrinho Bryan atrás dele. Bryan tinha
as mãos sobre os olhos de Zach enquanto pedia ao seu tio para adivinhar alguma
coisa. Ah, isso explicava porque Zach não se concentrou nela quando saiu de seu
assento confortável. Ela gostava daquele assento, amava como as pessoas
constantemente se aproximavam para socializar e como os filhotes espremiam seus
corpos quentes e pequenos ao lado dela quando queriam descansar.
Annie não era teimosa sem razão, e não havia razão para colocar pressão
desnecessária sobre sua perna quando podia se sentar agora e economizar sua
energia para mais tarde.
Como para acariciar seu companheiro.
Mas não podia sentar. Não essa noite. Não neste momento.
Os olhos de Kaleb se conectaram aos dela quando ainda estava a vários
metros de distância. Ele escanceou um instante depois, provavelmente acreditando
que ela se movia para se juntar a um grupo um pouco à sua esquerda. Contudo,
quando ela permaneceu no curso, ele voltou sua atenção para ela; ela estava perto
o suficiente agora para realmente ver aqueles olhos extraordinários, ver as estrelas
brancas em preto que era o olhar de um cardeal.
Após conhecer Sascha e Faith, percebeu que os olhos cardeais não eram
todos iguais. Cada um era distinto... E esse par, ela nunca, jamais esqueceria. Com
a garganta grossa, parou a cerca de meio metro dele, os dois longe o suficiente de
todos os outros para terem privacidade. Estava claro que ele não a reconhecia. Por
que deveria? Ela era uma menina pequena e magricela de sete anos na última vez
que a viu.
Ele também era criança, mas aqueles olhos. Aqueles olhos.
— Posso ajudar? — Perguntou, quando ela ficou em silêncio. — Posso
teletransportá-la para seu lugar se estiver com dor.
Annie sacudiu a cabeça, os olhos ardendo. — Foi você, — ela sussurrou.
Ele olhou para ela por vários segundos antes de seu olhar ir lentamente
para sua perna, então para a bengala em que ela descansava sua mão e seu peso.
Quando ele levantou aquele olhar estrelado para encontrar o dela novamente, ela
sabia que ele se lembrou. Lembrou-se do descarrilamento do trem bala, lembrou-
se da menininha presa sob um peso esmagador de metal, lembrou-se de levantar
o metal para que ela pudesse ser tirada.
— Eles salvaram sua perna.
Engolindo, ela assentiu. — Plassteel que cresceu enquanto eu crescia, —
ela disse a ele. — Foi a operação mais avançada da época. — Houve progresso
desde então, e Annie pensava em mais uma operação que corrigiria os problemas
restantes, mas depois ficou grávida e decidiu que a operação poderia esperar. —
Meu nome é Annie Quinn.
— Eu vi você com uma criança. — A voz de Kaleb era como meia-noite
enquanto a sensação de poder rodopiava em torno dele.
— Sim, ele é meu. Meu e de Zach. — Uma lágrima rolou pelo seu rosto. —
Graças a você, eu estou aqui e eu...
— Anjo, — a voz de Zach segurava uma borda tensa. — Por que está
chorando? — Ele colocou uma mão na parte inferior das suas costas, Rowan
embalado em seu outro braço.
Olhando para seu amado rosto, ela disse: — Zach, foi Kaleb. — Mais
lágrimas rolaram pelo seu rosto. — Todos aqueles anos atrás, foi ele.
A expressão sombria de seu companheiro se transformou num silêncio
respeitoso. Deslizando a mão por trás de Annie, estendeu-a para Kaleb. — É uma
honra.
Kaleb apertou a mão de Zach, embora Annie pudesse adivinhar que não era
um homem à vontade com privilégios de pele em qualquer nível – exceto com
Sahara.
— Fiz o que era necessário, — disse ele, sem alterar sua entonação ou
expressão.
— Fez o que era certo. — Annie se recusou a permitir que ele deixasse de
lado seu heroísmo. Ele era um menino de olhos tão velhos, e fez o que era certo.
Pelo que aprendeu dos Psys desde que se tornou parte de DarkRiver, sabia que a
escolha teria lhe custado.
Sob o Silêncio, uma criança telecinética seria estritamente
supervisionada... E provavelmente torturada num esforço para ensinar-lhe o
controle. — Foi um herói naquele dia, — ela disse através de uma garganta rouca.
— Nunca esquecerei o que fez.
Zach apertou um beijo em sua têmpora. — Obrigado por salvar minha
companheira, — disse à Kaleb depois. — Queria dizer isso ao menino de Annie com
olhos cardeais a um longo tempo.
Kaleb inclinou a cabeça ligeiramente. — Não há dívidas, — disse ele, como
se tentasse descobrir por que ela se aproximara dele e apresentasse aquela
resposta.
Sorrindo, enxugou as lágrimas. — Eu sei. Você é uma boa pessoa.
— Acredito que você seria uma das duas pessoas no planeta que diria isso.
A outra é a mulher que os changelings descreveriam como minha companheira,
então ela é compreensivelmente tendenciosa.
Isso a fez rir, enquanto Zach sorria. — Não posso dizer que o homem não é
honesto. — Ele esfregou a parte inferior das suas costas. — Quer dizer a ele ou eu?
— Eu quero. — Tocando seus dedos em seu bebê, ela disse, — Este é nosso
filho, Rowan. — Ela olhou para segurar os olhos de Kaleb. — Eu gostaria de colocar
seu nome como nome do meio dele. — Sem Kaleb, ela não estaria aqui, não teria
um companheiro e um filho. Era importante para ela honrar o ato de coragem do
rapaz que ele foi, de uma maneira que o tornasse parte de sua família.
Kaleb demorou alguns segundos para responder. — Tem certeza que quer
que ele esteja ligado a mim? — Ele perguntou finalmente.
— Sim. — Ela sabia o que o mundo via quando olhava para Kaleb Krychek,
mas ela via o garoto machucado que, no entanto, pensava nos outros. Ela estava
contente, tão feliz que ele encontrou alegria, que encontrou o amor. — Você será
sempre uma parte da nossa família, e espero que aceite esse convite no espírito
que é dado.
Os olhos de Kaleb deixaram os dela e encontraram o de sua companheira,
e Annie teve a sensação de que falava com ela. Quando olhou para ela, ele disse:
— Obrigado.
— Nós enviaremos nosso endereço, no caso de querer nos visitar. — Ela não
achava que Kaleb Krychek era o tipo de homem que visitava bebês e amigos, mas
ele era família agora e seria tratado como tal. — Espero que venha.
— Sim, — acrescentou Zach. — Será bem-vindo.
***
FIM