Você está na página 1de 83

Outra Vez o Amor?

The Kyriakis Baby

Sara Wood

Versão Sabrina 1261

Ela fará qualquer coisa para ter a filha de volta!


Crystal e o magnata grego Leon Kyriakis romperam um romance tórrido no passado.
Inconsolável, ela acabou por se casar com o irmão mais novo de Leon. E pagou um preço
muito alto por isso: foi presa por fraude. Incapaz de provar sua inocência, Crystal, viúva,
perdeu a guarda da filha para... Leon! Crystal jurou fazer o impossível para ter a filha de
volta, mesmo que isso significasse ter de, mais uma vez, dividir a mesma cama com
Leon.

Disponibilização, Digitalização e Revisão: Clarice


Copyright © 2001 by Sara Wood
Originalmente publicado em 2001 pela Silhouette Books, divisão da Harlequin Enterprises
Limited.
Todos os direitos reservados, inclusive o direito de reprodução total ou parcial, sob qualquer
forma.
Esta edição é publicada através de contrato com a
Harlequin Enterprises Limited, Toronto, Canadá.
Silhouette, Silhouette Desire e colofão são marcas
registradas da Harlequin Enterprises B.V.
Todos os personagens desta obra são fictícios.
Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas
terá sido mera coincidência.
Título original: The Kyriakis Baby
Tradução: Sulamita Pen
Editora e Publisher: Janice Flprido
Editora: Fernanda Cardoso
Editoras de Arte: Ana Suely S. Dobón, Mônica Maldonado
Paginação: Dany Editora Ltda.
PRÓLOGO

Crystal, sentada, com os olhos arregalados de pavor, nada via a sua frente. Disse a si mes -
ma que o advogado, a quem aguardava, traria uma resposta.
“Onde estará minha filha?”, era a pergunta que martelava em sua cabeça, pondo-a louca.
Gemeu, desanimada. Teve pena de si mesma, perdida em um mundo tenebroso, sem
nenhuma luz no horizonte.
Apenas duas semanas atrás, escutara, petrificada, o primeiro jurado pronunciar o
veredicto de culpada. Desde então, tudo se transformara em borrões sem sentido. Na prisão
feminina de Leyton, recebera de seu cunhado, Leon, um bilhete brutal em sua concisão: “Estou
com sua filha”.
A partir daquele momento, nada mais conseguira escutar, e sua vida sofrera um corte
radical. Alexandra, sua menina, ainda um bebê, sumira da face da terra.
Crystal nem saberia dizer se se alimentara nesses quinze dias. Só dormia quando seu
corpo e sua mente chegavam à exaustão, por ter de suportar aquele inferno. Quando ador-
mecia, era atormentada por pesadelos e acordava coberta de suor, soluçando.
Naquela manhã, ao se preparar para o horário de visita, notou, chocada, que os meses de
tensão haviam esboçado uma rede de rugas finas ao redor de sua boca. A testa estava marcada
por sulcos, um deles bem fundo entre as sobrancelhas.
Leon era o responsável também por aquilo.
Comprovara, diante do espelho barato, que os cabelos estavam mais finos e sem brilho.
Com uma careta, prendera as madeixas sem cor em um rabo-de-cavalo, sem se importar com
os fios que escapavam.
Estava horrorosa. E daí? Não dava a mínima que a vissem daquela maneira. Aliás, nada
mais importava.
Alexandra, sua filha de apenas seis meses, fora levada embora.
Seu bebé, a razão de sua existência. O único milagre salvo do casamento terrível com
Taki. A natureza alegre de Lexi, sua doçura, suas risadas e covinhas, que a faziam sorrir a
despeito das preocupações. O amor materno era uma paixão doce que a surpreendera pela
profundidade.
E agora Lexi desaparecera. Deprimida, Crystal tirou uma fotografia do bolso e fitou -a,
com o olhar vazio.
Atormentava-a imaginar se Lexi estaria comendo, se es tranharia os outros, se...
— Ah, minha filhinha! — Crystal gemeu, já sem forças para chorar.
Um som de vozes, anormal de acordo com as regras impostas na sala dos visitantes, fez
com que erguesse a cabeça.
Não era o advogado, mas um homem alto, espadaúdo e moreno. Grego, sem a menor
dúvida. Seu traje impecável destoava em meio às camisetas e calças folgadas dos demais.
Leon. O homem sem coração que lhe roubara Lexi.
E viera para regozijar-se com a desgraça alheia!, Crystal conjeturou, com uma forte dor no
peito. Para dar-lhe uma lição de moral e reivindicar o direito de ficar com a sobrinha.
Crystal endireitou as costas, pronta para a batalha. Lutaria por seus direitos de mãe, de
justiça e de ser humano.
Ah, ele fora um tolo por ter vindo! Poderia mandar prendê-lo...
Que absurdo! Leon era bastante esperto. Se viera, na certa tinha algo importante para
dizer.
A imaginação começou a fervilhar. Lexi morrera. Asfixiada no berço. Um acidente. Uma
doença incurável...
Crystal engoliu em seco e se ergueu com tal ímpeto que derrubou a cadeira. Leon
virou-se e, ao ver-lhe a aparência, encarou-a com espanto. O que em nada a incomodou.
— Ela está morta? — Crystal gritou, histérica.
Consternado, Leon negou com um gesto de cabeça.
— Não!
Crystal começou a tremer de alívio e uma carcereira ordenou-lhe, com rispidez, que se
sentasse. As pernas não lhe obedeceram e se uma colega prisioneira não houvesse endireitado
a cadeira, Crystal teria caído.
Sua filha estava viva!
— Obrigada, meu Deus! — sussurrou, emocionada. Crystal tremia que os joelhos batiam
na mesa baixa de metal. Em pânico, ordenou a si mesma que se acalmasse. Teria de agir com
racionalidade e conseguir, apesar de todos os erros cometidos por sua natureza impulsiva, que
Leon lhe entregasse Lexi.
Se o acusasse e dissesse tudo o que pensava dele, Leon acabaria na cadeia. Mas o instinto
de cautela aconselhou-a a não fazê-lo.
Ele era o responsável pelo bem-estar de Lexi. Se o aborrecesse, talvez nunca mais visse a
filha.
Leon conversou com uma policial. Seu vigor e seu traje caro chegavam a ser uma
indecência no meio daquelas pessoas apagadas e depressivas. Caminhou como se o contato
com os detentos pudesse contaminá-lo.
Na realidade, aquele lugar era um horror. A atmosfera causava repulsa, as paredes nuas
eram mais sinistras que as de Alcatraz, o tinir das chaves e o ranger das portas, os dois dos sons
mais pavorosos do mundo. E Crystal teria de ouvi-los todos os dias dos próximos cinco anos.
E era inocente. Inocente!
Crystal torturava-se em pensar no que perderia naqueles sessenta meses da vida de Lexi.
As primeiras palavras, os primeiros passos, o dia em que fosse para a escola. Os afagos diários.
Sorrisos. Risadas. Braços amorosos, pequenos e roliços...
Céus, tinha direito àquelas alegrias de mãe. Lexi era sua carne e seu sangue. Leon não
podia esconder sua filha.
A resolução de manter-se tranquila desapareceu, quando Leon aproximou-se. Incapaz de
conter a fúria, Crystal levantou-se de novo.
— Onde está minha filhinha? O que você fez com ela?
— Sente-se. — Leon fez um sinal para impedir duas guardas de segurá-la.
A autoridade era uma segunda natureza dele. Mas não com ela!
— Responda, droga!
Tenso e com olhar feroz, Leon se acomodou na cadeira em frente à mesa de Crystal.
Mesmo sentado, dominava o recinto. Era mais alto e vigoroso que a média dos homens. Aliás,
tudo em Leon ia muito mais longe que a média. Inclusive suas feições atraentes.
Os cabelos eram os mais negros e os olhos escuros, os mais hipnóticos que já vira. As
pessoas que o conheciam, dependendo do sexo ou do tipo de relacionamento, eram atraídas
ou sentiam-se intimidadas ou perturbadas. Mas ninguém esquecia o encanto carismático de
Leon Kyriakis.
Nem ela. Apesar de tudo, Crystal ainda sentia o mesmo apelo sexual de quando se
amavam sem restrições. Antes de ele cometer a traição cruel.
Leon a fitou com ardor, o que só aumentou o ódio de Crystal. Por alguns segundos, a
hostilidade atingiu ambos, até ela sentir o rosto em fogo pela expressão cheia de desprezo.
— Sente-se, Crystal, ou terá de voltar a sua cela com seu tricô e sua caneca de chocolate.
E eu, para o aeroporto.
Alarmada, ela obedeceu e sufocou uma infinidade de respostas ácidas. Era mesmo uma
idiota. Sabendo que teria de agir com cautela, não pudera se controlar.
As lágrimas toldaram-lhe a visão, e a agonia de seu coração ficou visível no rosto pálido.
— Não suporto mais! Se você for capaz de ter um pingo de piedade, diga-me onde está
minha filha!
Leon afastou a cadeira para trás e franziu a testa.
— Em segurança.
Deu um tossidela e arrumou um dos punhos, talvez por estar meio centímetro mais curto
que o outro.
— Graças a Deus — ela sussurrou, engasgada.
Leon estendeu-lhe um copo com água, e Crystal admirou-se do contraste entre as duas
mãos. A dele, bronzeada, larga e pulsante. A dela, branca, pele e ossos, de uma morta-viva.
Crystal ergueu o copo, mas teve de deixá-lo na mesa de novo, por não conseguir firmar a
mão.
Nada de melodramas. Apenas argumentos razoáveis. Para o bem de Lexi...
— Como está ela?
Leon contraiu os lábios e Crystal perguntou-se o que o teria aborrecido. Ficou
aterrorizada. Se ele perdesse a pa ciência, poderia recusar-se a escutá-la.
— Por favor, eu preciso saber — implorou, inclinada para a frente.
— Alexandra está bem e feliz. — E Leon recuou.
Crystal disse a si mesma que ele a odiava. Como faria para vencer aquela rodada?
Mordeu o lábio inferior, ansiosa para saber da filhinha amada.
— Está muito perturbada? Ela... chora muito?
— Não.
— Não minta para mim! Eu a conheço!
— Se estou dizendo que não chora, é porque é verdade. Alexandra só resmunga quando
está cansada, com fome ou quando quer carinho, mas para logo. É muito alegre. Eu não sou
mentiroso, venho de uma família honesta.
— Eu também sou. Não mereço estar na prisão, acusada de fraude.
— Ah, mas que injustiça! — zombou, com cinismo. Não adiantaria tentar convencê-lo do
contrário. Leon estava persuadido de que ela era uma criminosa.
— Lexi está bem mesmo? Alimenta-se direito?
— Quantas vezes mais terei de repetir? Faça o favor de raciocinar. Por que eu deixaria
que algum mal lhe acontecesse?
Certo, os gregos amavam as crianças, e na certa Lexi deveria estar sendo mimada demais.
Embora contente por isso, a sensação de perda era enorme.
Talvez sua filha pudesse mesmo viver sem a mãe. Mas e ela?
Crystal estremeceu e abraçou-se. Ficava feliz de conhecer os pequenos segredos que
agradavam Lexi.
— Ela está com o ursinho? Talvez você não saiba que Lexi tem um cobertor amarelo que...
— Estão com ela. Tirei de sua casa tudo o que pertencia à menina.
Crystal se espantou com o detalhe.
— Você planejou tudo, para o caso de o júri me pronunciar declarar culpada!
— É claro que sim. Não podia deixar a filha de meu fa lecido irmão ficar em mãos de uma
estranha.
— Ela é minha vizinha, e Lexi a conhece. E será tempo rário. Espero ser libertada logo...
— E como faria, se fosse o contrário?
— Se isso acontecesse, minha vizinha a traria para a unidade das mães com bebês.
Leon ainda não lhe dissera onde Lexi se encontrava. Apavorou-se ao pensar na filha
abandonada em algum lugar.
— Quem está tomando conta dela, se você está aqui, Leon?
— Marina, minha...
— Sua esposa! — ela o interrompeu e sentou-se, atônita. Óbvio, e quem mais poderia
ser?, Crystal refletiu, sem deixar de perceber um resquício de dor naquele olhar profundo e a
amargura estreitar-lhe os lábios. Ele não era feliz! Crystal tivera adoração por Leon, quando
ainda estudavam, e faria qualquer coisa por ele. Até o dia em que o vira sair de um restaurante
com uma loira maravilhosa pendurada em seu braço. O mundo desintegrara-se no mesmo
instante.
— Uma festa de noivado — o obsequioso garçom grego dissera, com os bolsos do
avental cheio de gorjetas.
Acima da entrada, uma faixa por si só ilustrativa: “Leon e Marina”. Corações
entrelaçados. O garçom recolhera os cardápios com as mesmas inscrições da faixa, e Crystal,
estarrecida, entendeu que tudo fora planejado com antecedência. Leon fazia os preparativos e
ao mesmo tempo jurava-lhe amor, enquanto dormiam juntos.
— Leon! — Crystal gritara com selvageria.
Ele a fitara e empalidecera.
— Crystal!
Todos a olharam. Leon, com medo do escândalo, trocara palavras rápidas com um jovem
a seu lado. O rapaz chegara perto dela e se apresentara. Era Taki, o irmão caçula de Leon.
Ele a levara para casa e explicara que Leon era o herdeiro dos Kyriakis, e a noiva, herdeira
dos Christofides.
— Nossas famílias estão unidas há gerações — Taki dissera. — É assim que tudo funciona
entre nós. Procuramos o sexo com a mulher que nos agrada e casamos com uma virgem
conveniente.
Crystal fora usada como uma prostituta. Uma humilhação insuportável abatera-se sobre
ela.
Com o coração partido e o amor-próprio chafurdando na lama, acabara sucumbindo às
atenções respeitosas de Taki. Casara-se com ele, alheia à necessidade de Taki de suplantar o
irmão.
Taki acreditara que Leon ficaria com ciúme. Que absurdo! Se estava casado com Marina,
uma mulher bem nascida, elegante, rica e sofisticada!
E era Marina quem estava tomando conta de sua filha. Crystal arrepiou -se, com o cenho
franzido. O que uma mulher fútil entendia de crianças?
— Acho melhor ela saber o que está fazendo, Leon, ou você terá de ajustar contas
comigo!
— Marina tem uma filha também.
Leon tinha uma menina! A realidade atingiu-a como uma facada.
— Ótimo! Assim você não precisa da minha.
— Não preciso mesmo.
— Então por que ficou com ela?
— Não tive escolha.
— Ah, é?
— Lexi precisava de um lar.
— Ela precisa de mim! De sua mãe!
— Não de uma de sua espécie.
— Sou ótima mãe.
— Em sua opinião.
— Eu interporei uma apelação...
— Não adiantará. As evidências são claras. É melhor acos tumar-se com a situação, Crystal.
Será mais fácil.
— Farei qualquer coisa para ter minha filha de volta.
— Fora de questão.
Encolerizada, Crystal bateu no tampo e derrubou o copo, que espalhou água em seu
vestido.
— Se você fosse um pai de verdade, saberia o que é ter um filho arrancado de suas mãos!
Deus, Leon não tinha coração!, Crystal concluiu, ao ver-lhe o jeito cínico. Como podia o
único grego no mundo que não gostava de crianças ter lhe roubado a filha?
— Isso acontece com frequência. Quando um lar se desfaz, os filhos ficam com parentes.
— Mas eu não morri! Você não tem o direito de sequestrar minha menina. Eu poderia
mandar prendê-lo.
— O que não seria uma atitude sensata.
— E por quê?
— Porque isso não traria sua filha para você.
Crystal sacudiu o vestido molhado.
— Pode ser que não. Mas eu ficaria muito feliz, e o prejudicaria.
— E de que isso lhe adiantaria?
De nada, teve de admitir. Só afastaria as chances de en contrar Lexi.
— Repito, Leon: farei qualquer coisa para ter minha filha comigo.
— Só que estar na prisão traz uma pequena desvantagem para você.
— O que existe dentro de seu peito? Uma pedra, em lugar do coração? Ela deveria estar
comigo...
— Alexandra pode ser sua filha, mas você não é uma mãe adequada.
Aquilo era uma calúnia!
— Que absurdo!
— Como pode se dizer inocente, Crystal? Você trapaceou não só membros de minha
família, como também nossos amigos e pessoas com quem mantínhamos laços comerciais.
Deixou-os na miséria!
— Mas... não fui eu!
— Você me dá nojo! Será que ao menos tem ideia das consequências de seu crime na
união de nossa sociedade? O banco de nossa família aqui em Londres sempre foi visto como o
lugar mais seguro do mundo. As pessoas confiavam em nós. Não era à toa que Taki se
embebedava! Ver sua esposa destruir a honra e os negócios dos familiares. Ele perdeu o
emprego e sua própria honra...
— Honra?
— Sim! Será que já ouviu falar nisso?
— Seu hipócrita! — Crystal atacou-o, esquecida da desonestidade de Taki. — Como pode
falar em honra um homem que esqueceu seus compromissos e casou-se com outra?
Crystal sentiu que o atingira em cheio.
— Eu não poderia ter agido de outra forma...
— Claro! Teve de “honrar” os acordos familiares. Você me usou e vem falar de honra?!
Leon empalideceu.
— Não mude de assunto. Taki ficou apavorado com o que você fez. E um ladrão qualquer
aproveitou-se de sua embriaguez, agrediu-o para roubar e deixou-o morrer na sarjeta. Foram
seus atos, Crystal, que causaram a morte dele.
— Mentira! — gritou, atônita pelas acusações errôneas. — Eu sou... eu sou...
— Culpada de tudo. Espero que entenda por que não posso nutrir a menor simpatia por
sua pessoa. Você destruiu a coisa mais importante para mim. Minha família... meu único
irmão...
— Não...
— Por acaso negará que se casou com ele só por vingança?
— Eu o amava.
— Mentirosa! Ele disse que você queria o divórcio!
Crystal mordeu o lábio inferior. Deus era testemunha do quanto não quisera se separar,
mas não tivera saída. Leon nem sonhava com o quanto aquilo lhe custara.
— Sim, mas...
— Não precisa procurar desculpas. Conseguiu me arruinar por eu ter me casado com
Marina. Taki não passou de um instrumento útil. Ah, desculpe-me se lhe retribuo a acusação...
Crystal escondeu o rosto ente as mãos. Leon queria destruí-la por acreditar que ela fizera
o mesmo com sua família. A quem, como todo grego, era profundamente devotado.
Desesperada, entendeu que deveria tentar convencê-lo dos fatos.
— Por favor, escute-me, Leon. Suas conclusões estão erradas. Sou inocente...
— Lógico. Você e todas que estão aqui dentro.
— Não...
— Sabia o que estava acontecendo, Crystal. Você era a diretora financeira.
— Mas aí que está! Eu era... só no nome. Juro.
— Basta! Já cometeu perjúrios suficientes!
— Leon, você não está me dando nenhuma chance...
— E por acaso deu alguma a Taki? Ou àqueles que agora vivem de donativos? Minha
família terá, durante anos, de fazer esforços sobre-humanos para devolver o que lhes é devido.
E graças a você!
Seria inútil. Leon era implacável.
— Como pudemos nos tornar inimigos? — Crystal perguntou, mais para si mesma. —
Antes...
— Éramos amantes. Eu acariciava seu corpo, nós nos beijávamos e nossos corações
pulsavam juntos...
— Leon...
Ele tocou-lhe a face, com os dedos trêmulos por uma paixão malcontida, e Crystal se
afastou, por achar que fosse de ódio.
— Não podia imaginar que você fosse capaz de acusar Taki.
— Mas foi ele, Leon!
— Pena que o júri não tenha concordado com essa tese.
Crystal desistiu. Não era a traição do marido que importava, mas sim o futuro de
Alexandra.
— Pode duvidar de mim o quanto quiser. Odeie -me, Leon. Esqueça que eu existo, se lhe
agradar. Mas, por favor, deixe-me ficar com minha filha.
— Jamais. Não permitirei que a filha de Taki seja criada em uma prisão inglesa por uma
mãe fria e insensível. Ela nem mesmo está mais aqui.
Crystal, atordoada, mal podia falar. Lexi estava na Grécia! Não havia mais esperança de tê-
la. Começou a suar, acometida por uma sensação de náusea.
— Você é um monstro!
— Eu? E que espécie de mãe é você? Por acaso pensou nela, enquanto se entregava a
suas atividades ilícitas? Refletiu no que aconteceria com Lexi, se elas fossem descobertas? Será
que seu desejo egoísta de vingança deixou-a tão cega?
— Eu... amo... minha... filha... — Crystal gaguejou, entre soluços.
— E eu tenho as melhores intenções. Pode ficar descansada. Alexandra ficará comigo e
será muito bem cuidada. Está feliz e em segurança. Nós a ensinaremos a ser bem-educada,
honesta e honrada.
A afirmação pareceu a Crystal respeitosa, mas vazia de afeição e calor.
— Só isso?
— O que é muito mais do que você poderia lhe dar.
— Leon!
Infeliz e com o rosto molhado pelas lágrimas, Crystal se apavorou por ter de aceitar o
inconcebível.
Sua menina teria os carinhos de outra mulher, que leria histórias para ela dormir, que a
veria crescer e tocaria sua pele sedosa.
— Leon, e quanto ao amor? — Crystal implorou por compreensão e piedade com o olhar.
Em meio ao silêncio e à tensão, ela sabia que ambos pensavam no passado, quando
tinham sido tão felizes, sem se importar com o mundo.
— O amor é a ilusão dos tolos.

CAPÍTULO I

Na mansão de Leon, Alexandra, agora com dois anos e meio de idade, dormia nos braços
do tio. Ele fazia planos de torná-la sua herdeira, depois que se livrasse da ex-mulher e da filha
dela.
Leon não via a hora de Lexi entender que a família recebera aquelas terras como
recompensa por atos de heroísmo. Como o pai fizera com ele, Leon mostraria à sobrinha a co -
lina onde um sentinela vira os sarracenos que singravam os mares da Grécia no século XVI,
ameaçando capturar a ilha de Zakynthos.
E caminhariam da praia, onde os navios dos Kyriakis haviam ancorado para a batalha
decisiva, até a varanda coberta por videiras, onde se encontravam no momento. E diria a Lexi
que as propriedades costeiras, as planícies férteis e as colinas seriam dela.
Lexi murmurou sem acordar e aconchegou-se mais. Leon sorriu e acariciou-lhe as mechas
loiras e sedosas. Lembrou-se, com pesar, de quando fazia o mesmo com os cabelos brilhantes
de Crystal.
O que o levou a recordar-se do aspecto chocante, quando a vira na prisão, dois anos
atrás. Quase cedera, em um momento de fraqueza, ao ver tanta angústia e aquela deterioração
física alarmante.
Mas Crystal não se mostrara arrependida, e ele tivera de ater-se à realidade. Prometera ao
pai enfermo proteger a integridade moral de Lexi.
A garotinha se espreguiçou e abriu os olhos azul-celestes, iguais aos da mãe. Sorriu,
afetuosa. Lexi o encantava.
— Mamãe...
Leon estremeceu e segurou-a junto ao peito.
— Está tudo bem, estou aqui, meu amor.
Leon sabia que Lexi estava sonhando. Ainda dormiria mais uns vinte minutos. Será que a
pequena ainda se lembrava da mãe?
Alexandra encolheu-se e sossegou com os carinhos.
Leon, inquieto, levantou-se e foi para o escritório. Deitou-a em um sofá largo e protegeu-
a, colocando travesseiros em ambos os lados.
A casa estava silenciosa. Marina, que ainda morava ali, insistia para que todos fizessem a
sesta depois do almoço. O que dava a ele algum descanso.
Andou de um lado a outro, com a testa franzida. O momento temido aproximava-se. Lexi
logo começaria a perguntar por sua mãe.
O que dizer ou... o que mostrar?
Fitou a gaveta trancada na escrivaninha. Impelido por uma vontade que parecia não ser a
sua, aproximou-se e, com dedos trêmulos, enfiou a chave na fechadura. Nada o impediria de
continuar. Nem mesmo a necessidade de proteger as feridas em seu interior.
Com a pulsação batendo forte em seus ouvidos, tirou a fita de vídeo da gaveta e
encaixou-a na abertura. Espiou para ver se Lexi dormia, sentou-se em uma poltrona e fixou-se
nas imagens a sua frente.
Como Crystal era linda quando namoravam! Tinha vinte anos e estudava economia na
universidade onde ele fazia pós-graduação.
A alegria de viver iluminou a tela, e Leon sentou-se na beira do assento, para observar
Crystal executar, com suas curvas voluptuosas, uma divertida paródia da dança do ventre. Crys -
tal exalava sexo por todos os poros, e Leon aqueceu-se.
Rindo, ela arruinou o efeito erótico com uma série exuberante de saltos.
— Mamãe!
— Lexi! — Leon virou-se, alarmado.
Alexandra estava sentada e fitava a tela com olhos arregalados. Os pêlos da nuca de Leon
se arrepiaram. A menina não sabia o que estava dizendo.
Praguejou e apertou o botão para desligar. Lexi escorregou sobre os travesseiros, correu,
ligou o vídeo e subiu no colo do tio.
— Mamãe — desafiou-o, quando ele tornou a desligar.
Tinha de ser uma coincidência. Alexandra na certa imitava a filha de Marina, que não
parava de chamar pela mãe. Lexi chamara Marina várias vezes de mãe, e fora por isso
repreendida aos gritos por sua ex-mulher, sempre irascível.
Leon sorriu. A sobrinha, tão pequena, já demonstrava ser determinada, resoluta e
teimosa como qualquer Kyriakis. Com as vantagens de contar com as armas femininas.
Empoleirada em suas pernas, abraçou-o pelo pescoço, com ar de súplica, e cobriu-lhe o
rosto de beijos.
— Lexi viu.
O dano, se houvera algum, já fora feito, Leon considerou. O melhor seria ambos
aproveitarem o final da gravação. O que ele também desejava, e muito.
— Está bem.
— Ah, muito obrigada! — Lexi agradeceu, solene.
Ele achou graça e a abraçou, e os dois ficaram de olhos fixos no monitor. Lexi encantou -
se com a performance de Crystal. E, para deleite da garota, em um dos saltos mortais de lado,
Crystal mergulhou de cabeça em um pequeno lago, de onde emergiu rindo, com os olhos
brilhantes e os cabelos enfeitados com ramos aquáticos.
— Acabou — Leon avisou, quando a tela escureceu.
A memória foi responsável pelo resto. Ele largara a filmadora, tomara Crystal nos braços e
a beijara até ela ficar sem ar.
Sete anos depois, ainda podia sentir o cheiro e o gosto daquela boca ansiosa e molhada.
Crystal ria, quando ele a puxou para o bosque próximo.
Leon levantou-se com Lexi no colo e sugeriu um banho de piscina, satisfeito por ela não
ter feito perguntas.
Teria de decidir o que dizer à sobrinha. Deveria contar que a mãe estava presa? Ou seria
melhor fornecer-lhe um versão mais amena? E se a garota perguntasse quem era a mulher que
aparecera no filme caseiro?
Se lhe contasse, Lexi ficaria encantada. Queria tanto conhecer a mãe quanto ele desejava
afastá-las. Leon arrepiou-se. Depois que Crystal fosse solta, ele não teria mais sossego.
Lexi cantava, enquanto tentava vestir um maiô com uma margarida enfeitando a parte de
trás.
O tio atento e amoroso prendeu-lhe os cabelos com um elástico.
Leon adorava aquela menininha. Ela conseguira penetrar na camada de gelo que lhe
rodeava o coração e descongelá-lo. Naquela altura, não podia mais conceber a vida sem a
sobrinha.
Fez uma jura silenciosa. Crystal jamais teria a filha de volta. Não enquanto ele fosse vivo.

— Sra. Kyriakis, quais são seus planos, agora que está em Zakynthos? — o jovem
funcionário da imigração quis saber.
Crystal não se alterou, embora estivesse nervosíssima. Retornar ao país era o que mais
desejara fazer nos últimos dois anos, mas aprendera a dominar-se na prisão.
— Simples. Vou pegar um bronzeado!
Com uma falsa demonstração de alegria, Crystal indicou o bronzeador mal equilibrado
sobre suas coisas que haviam sido jogadas para fora da mala.
— Sei. E onde pretende ficar? — O rapaz consultou uma relação.
Crystal esticou o pescoço para ver o que lhe pareceu uma lista de nomes. A imaginação
fértil encarregou-se dos detalhes. Sequestradores. Terroristas. Traficantes de drogas. Ou talvez
pedófilos. E se ela estivesse na lista dos indesejáveis?
— Qual seu hotel?
— Ah, sim... — Crystal caprichou no sorriso. — Estou à procura de alguma coisa barata.
Uma amiga disse-me que é fácil encontrar quartos para alugar. O senhor não teria algum para
recomendar-me?
O funcionário não respondeu, e fitou-a com olhar crítico.
— A senhora tem um sobrenome grego.
Crystal lembrou-se do que teria de dizer. Respirou fundo e procurou acalmar-se.
— Meu marido... morreu na Inglaterra há mais de dois anos.
O moço não se importou com o ar de tristeza de Crystal. Ela reconheceu o mesmo
distanciamento dos funcionários prisionais, que ouviam mentiras demais e muitas histórias
tristes para incomodar-se com elas.
— Ele tem família aqui?
O advogado dissera que havia muitos Kyriakis na lista telefônica e que sua chegada não
provocaria comentários. Crystal esperava que aquele rapaz estivesse apenas fazendo jus ao
salário que recebia.
— Meu marido morou e trabalhou na Inglaterra. Sua família, onde quer que esteja, opôs-
se e não compareceu a nos so casamento. Mas o que é isso? Está tudo em ordem, não está?
Pretendo apenas passar as férias ao sol. Acabo de en frentar uma cirurgia. Preciso descansar e...
— Hum... As pílulas.
Ele verificou os remédios homeopáticos contra enjoo e exaustão. A sentença de prisão
fora revogada, por causa do estado de debilidade em que Crystal se encontrava. Devia
agradecer ao advogado por ter conseguido sair. Querido John!
Consultou o relógio. Ele deveria estar a sua espera, perguntando-se sobre seu paradeiro.
— Algum encontro marcado?
Crystal admirou-se. O sujeito era um ótimo inquisidor.
— Nunca estive aqui antes.
— E por que quis ver as horas?
— Preciso comer em intervalos regulares e tomar os remédios no horário certo. Com a
diferença de duas horas no fuso horário, estou aflita para não me confundir.
— Ah, sim...
Crystal sentiu uma fraqueza súbita.
— Tenho de me sentar. — Passou a mão na testa quente e, sem esperar permissão,
largou-se sobre um banco encostado na parede. — Não devo ser a única pessoa que chega sem
acomodação definida. Como o senhor pode ver, não tenho dinheiro, nem roupas suficientes
para me demorar por aqui. Não carrego drogas e nada ilegal. Sou apenas uma mulher comum
que precisa de um pouco de areia, mar e sol para melhorar.
Indiferente à fraqueza de Crystal, o funcionário jogou os pertences na mala, de qualquer
jeito.
— Sei. A senhora poderia esperar um pouco? Como se lhe restasse uma escolha!
Crystal esperou uma hora. E mais uma. Exausta, enrodilhou-se no banco duro e
adormeceu.

— Sra. Kyriakis? — O jovem a sacudiu pelo ombro. — Está dispensada. Aproveite suas
férias.
O alívio despertou-a. Estava livre!
— Já não era sem tempo... — resmungou e olhou no relógio. Dormira demais. — Que
boas-vindas!
O homem deu de ombros, como quem apenas cumpria uma obrigação.
Crystal arrumou a mala, fechou-a e saiu da sala.
Mal podia acreditar. Enfim, chegara perto de sua pequena Lexi. Não demoraria para
segurá-la de novo nos braços. Ansiosa, esperava o momento de ouvi-la pronunciar “mamãe”.

O funcionário voltou ao escritório e fez uma ligação.


— Ela está a caminho — advertiu.
Leon agradeceu, desligou seu celular e guardou-o no bolso do paletó. Tenso, esperou sob
a sombra dos pinheiros e dos tamarindos, no lado oposto ao da entrada do aeroporto.
Ao primeiro telefonema, ele se surpreendera e duvidara. Mas a descrição correspondia
com perfeição. Era Crystal, e o rapaz o alertara para a possibilidade de sequestro.
Leon enfiou as mãos trêmulas nos bolsos. A felicidade de uma criança dependia de sua
habilidade de lidar com a situação. O inesperado não lhe dera tempo de decidir o plano de
ação. E não poderia cometer erros.
Teve um sobressalto ao ver Crystal.
Ela parou, atirou a cabeça para trás, e o sol iluminou-lhe a fisionomia alegre.
— Está muito enganada se pensa que vai levar Lexi! — Leon murmurou.
Crystal poderia querer vingar-se e causar-lhe o maior número de problemas. Mas ele
estava em sua pátria e contava com muitas pessoas para zelar por seus interesses.
E dos de Lexi. Deus que a protegesse.
John Sefton, advogado de Crystal, insinuara que ela poderia ficar com a menina. Mas
Crystal teria coragem de privar a filha do único lar que conhecia?
Decidida, Crystal passou pelo ponto de táxi e foi notada pelos motoristas.
— Poli oraya — eles comentaram, admirados.
Leon admitiu que Crystal voltara a ser muito atraente, apesar do período passado na
prisão.
Ao observá-la caminhar com desenvoltura, demonstrando energia, era impossível deixar
de pensar em vigor sexual.
— Esqueça isso, você tornou-se um celibatário — Leon repreendeu-se, consciente de sua
excitação.
Crystal estava mais bela do que nunca. Esguia, apesar do busto farto, cintura fina e
quadris voluptuosos.
Usava um vestido de alças da mesma cor dos olhos, e os cabelos loiros brilhavam. O
vento ondulava a saia, permitindo visões rápidas das pernas longas e das coxas bem torneadas.
Leon respirou fundo, quando ela parou, à espera de alguém. E sua libido parecia
recuperar-se num instante, tomando conta de sua mente e de seu corpo.
Um carro parou perto de Crystal e ela abraçou, toda sorridente, o homem que saiu do
veículo. Era John Sefton, o advogado. Leon o conhecera havia mais de dois anos, durante as
discussões sobre a custódia.
Leon estranhou a efusividade dos cumprimentos, não próprias de um profissional e de
uma cliente. Irritado por ver as carícias que o homem fazia com a mão troncuda, adiantou-se,
antes que elas se tornassem mais íntimas.
— Mas que ótimo! Agora estão soltando os presos em meu país!
Crystal engoliu em seco ao ouvir a voz eivada de veneno, desvencilhou -se do abraço de
John e virou-se.
— Você! — Ela corou, ao notar o cinismo de Leon, que a observava de cima abaixo.
— Claro. Eu moro aqui, lembra-se? E você, veio fazer o quê?
— Vim para combinar uma visita.
Custódia estava fora de questão. John lutara por isso, desde que Crystal fora presa, sem
sucesso. Visita era outra coisa, e, além disso, Crystal talvez pretendesse tirar Lexi dali, depois de
a menina acostumar-se com ela.
— Eu lhe telefonarei, Kyriakis, depois de falar com Crystal — John avisou, um tanto em
jeito.
— Sério? — Leon virou-se para Crystal. — Tenho meia hora livre, podemos discutir sobre
isso. Sem seu... namorado.
Crystal apertou os lábios, irritada.
— Sabe muito bem que John é meu representante legal.
— Com outras esperanças.
— Não seja ridículo! — Crystal indignou-se.
— Então pergunte a ele.
— Meu relacionamento com minha cliente só interessa a ela, sr. Kyriakis.
Leon teria razão?, Crystal indagou a si mesma. Absurdo! Ele pretendia apenas causar
atritos entre ela e John, que se tornara um amigo e um aliado.
— John trabalhou demais em meu caso. É bondoso e vale dez de você. Sem ele, eu
estaria sozinha no mundo. — Crystal lembrou-se dos dias terríveis que enfrentara. — John
sempre esteve a meu lado e encorajou-me, quando eu me desesperava. E não parou de
batalhar por minha libertação antecipada.
— Quanta dedicação! E foi bem remunerado?
O ar ameaçador de Leon fez John recuar, o que deixou Crystal aborrecida. Precisava do
advogado para fazer frente a seu cunhado.
— Isso não é de sua conta. Olhe, o sol está muito quente para mim. Será que podemos
achar um sombra? Ou poderíamos ir agora mesmo para sua casa.
Crystal encarou Leon, de queixo erguido. E ao perceber nele uma expressão mais suave,
teve a impressão de flutuar em águas perigosas e profundas.
Devia ser o calor que a derretia. Passou a língua nos lábios ressequidos e afastou os
cabelos da nuca úmida.
— Quero falar-lhe a sós, Crystal. Senão, nada feito.
— Não aceite, Crystal! — John protestou.
— E o que importa isso, John? É o que nós queremos, e Leon não me fará mal nenhum. —
Crystal segurou o amigo pelo braço e beijou-o no rosto. — Ligarei mais tarde. Tenho o número
de seu celular. Preciso resolver com Leon sobre as visitas a Lexi antes de voltar para a
Inglaterra.
— Não gosto disso. Não tome nenhuma decisão, nem as sine nada.
— Não se preocupe, John. Eu...
— Podemos ir? — Leon interrompeu-a, irritado.
— Que homem apressado! — Crystal sorriu para John. — Até mais tarde.
Enquanto John se afastava em seu carro, Crystal refletiu que tudo caminhava melhor do
que esperavam.
Por acreditar que Leon nem mesmo a receberia, ela e John planejavam recorrer aos
tribunais, um processo sempre moroso, para as visitas.
John trouxera tudo de que Crystal iria precisar, no caso de uma permanência mais longa.
Medicamentos, roupas para ela e Lexi, brinquedos e o dinheiro minguado que sobrara, depois
de pagar advogado e custas, da venda da casa onde ela e Taki haviam morado.
— Eu lhe agradeço por sua compreensão, Leon. Como está minha filha?
— Muito bem.
— Feliz?
— Estou delirando de felicidade — Leon zombou, fingindo não entender.
Crystal conteve a zanga. Se Leon lhe restringisse as visitas, o tribunal seria acionado.
Afinal, ela era a mãe.
— Tem alguma foto consigo?
Leon não poderia ficar insensível. Ele devia saber o quanto Crystal desejava ver Lexi, e
também que um tribunal levaria aquilo em conta.
Sem dizer nada, enfiou a mão no bolso interno do paletó e, de uma carteira de couro,
tirou algumas fotografias.
Crystal, arfante e pálida, fitou os retratos da filha, a quem não via fazia dois longos anos.
Rindo, radiante e saudável, de maiô ou com vestidos lindos, os cabelos loiros presos ou soltos.
No iate, na piscina, rodeada de presentes...
Leon devia adorar a sobrinha, Crystal concluiu, com lágrimas nos olhos. E Lexi, na certa,
retribuía. Deus, e se estivesse cometendo um erro?
— Ela está muito bem, Crystal. Por que macular a felicidade de uma criança?
Um nó na garganta impediu-a de responder.
John dissera que Leon sempre se referia a Lexi sem amor. Também conhecia a afirmação
de Leon de que tomaria conta de Lexi para cumprir seu dever e honrar a promessa feita ao pai.
Crystal deduzira que a filha dele devia ser a favorita, e o interesse por Lexi, mínimo.
Entretanto, o oposto parecia-lhe a realidade. Se Lexi não o interessasse, Leon não
guardaria consigo fotos tão lindas. Trêmula, Crystal o estudou e pareceu ver um lampejo inde -
finível no olhar do cunhado. Seria de triunfo?
— Volte para sua casa, Crystal. Evite sofrimentos para você e para ela. Imagine o choque
e os danos que lhe causará, se aparecer de repente.
Leon pareceu-lhe sincero. E por que John mentiria, sendo que a ajudara tanto? Onde
estaria a verdade? Como saber se não iria estragar o futuro da filha? Jamais faria nada
semelhante!
Com o peito apertado, refletiu que talvez a viagem tivesse sido inútil.

CAPÍTULO II

Cystal franziu o cenho. Leon faria qualquer coisa para que ela abandonasse a filha para
sempre. E havia algo errado. Lexi estava sozinha nas fotos...
— Posso dar uma espiada nas outras fotografias?
— São só essas de minha querida sobrinha que trago comigo.
A sinceridade dele só poderia ser fingida. Aquilo confirmava suas suspeitas!
— Que coisa extraordinária! Um pai carrega as fotos da sobrinha, e não da própria filha.
— Crystal sorriu com doçura, ao vê-lo desconcertado. — Será que não existe algum motivo
especial?
— E qual poderia ser?
— Intenção de enganar. Sabendo que eu estava aqui, trouxe as fotos de propósito.
— Um gesto de bondade.
— Não acredito. Você foi bem claro e insensível. Não quer que eu veja minha filha. Por
que me deixaria mais ansiosa? Para me provocar? Duvido. Você não se arriscaria a aumentar
meu desejo de vê-la.
— Para que visse como a menina está sendo bem tratada.
— Você não me engana! John me contou sobre sua indiferença em relação a ela.
— Ah, é?
— E cortou-me o coração saber que não se importa com Lexi.
— Ela é...
— Eu sei. Lexi é uma Kyriakis, filha de seu irmão. Isso não quer dizer que a ame. Tive a
impressão de que minha filha é um empecilho. E está em sua companhia por causa de seu
maldito orgulho e por você achar que é melhor do que eu.
— A última frase espelha a realidade dos fatos.
— Pois é o que veremos! — Crystal gritou, com ódio. — Lexi precisa de mim, e viajei até
aqui para insuflar um pouco de amor na vida de minha garotinha.
— Só trará incerteza e perturbação, Crystal.
— De jeito nenhum! Mal posso acreditar que quase cedi. Como posso ter sido tão
estúpida e não confiar em meus instintos? Com o maior cinismo, reuniu alguns retratos para
fingir que Lexi é muito importante para você.
Leon enfureceu-se e fechou os punhos.
— E é!
— Invente outra! — Crystal menosprezou-o, de cabeça erguida. — Imagine se sua esposa
e sua filha não ocupam lugar de destaque! Você é desprezível, Leon. Tentar impe di-la de ver a
única pessoa que a ama! Provarei que está com ela de má vontade. O seu show de devoção não
resistirá.
— Pois está muito enganada! E lhe aviso para desconfiar das palavras de Sefton. Ele tem
motivos ocultos.
— Claro! John se importa!
— Com o quê? Analise o que o homem disse.
— Que você é astuto, aliás, a mais pura verdade. Encontrá-lo por aqui não foi
coincidência. O funcionário da imigração o avisou e, enquanto eu esperava feito uma idiota,
você recolheu as fotos de Lexi pela casa.
— Staphos ligou-me, sim. Nós sempre pescamos juntos. Ele desconfiou que você fosse a
viúva de Taki. Mas eu sempre carrego essas fotos, e esperava vê-la só daqui a dois anos. Será
que você fugiu?
— Claro que não! Fui solta há seis meses.
— Tão desesperada para ver a filha e levou seis meses para chegar até aqui.
Mais uma vez a injustiça a feriu.
— Estive doente, Leon. Apenas por isso minha sentença foi reduzida.
— E, pelo jeito, recuperou-se de maneira admirável!
— Alimentação decente, vida saudável e consciência limpa.
— Posso acreditar em duas das afirmações. Crystal entendeu que não poderia lutar com
ele. Estava esgotada. Tinha de evitar a ansiedade e a ira. Leon fazia seu sangue ferver. O que
acontecera com seu autocontrole? Uma palavra mais ríspida, e ela se perdia.
— Isso não nos levará a lugar nenhum. Precisamos entrar em um acordo. Conversaremos
melhor se eu estiver abrigada em uma sombra. Ainda não estou curada, e esse calor me sufoca.
Talvez uma taberna...
Leon deu de ombros e pegou a mala de Crystal.
— Meu carro está ali. Se insiste em perder tempo...
— Não considero perda de tempo lutar para ver minha filha.
Crystal seguiu Leon, arrasada. Necessitava de energias, e queria estar alerta para
enfrentar as próximas dificuldades.
— Vai se demorar muito?
Cansada de esquivar-se e ciente de que eram observados pelos motoristas que passavam,
ela decidiu usar de franqueza:
— O quanto for necessário.
— Então será melhor encontrarmos um lar onde possa envelhecer e ficar grisalha. —
Sorriu, zombeteiro.
Crystal bateu com a mão na testa.
— Ah, esqueci! Eu tenho um lugar para ir.
— E onde é? — Leon estranhou.
— Aí é que está o problema. Eu não sei. O endereço estava com John. Ele encontrou
alojamentos baratos para alugar, na cidade.
— Em geral, seu advogado fica no Hotel Zantos. Cinco estrelas, duas piscinas, sauna...
Crystal muito cansada, nem o escutou. Sua fraqueza não lhe permitia continuar aquela
discussão. Precisava de um banho e de repouso.
— Tenho de ligar para ele — Crystal avisou com voz fraca e suspirou. — Por favor, Leon,
você tem um telefone?
Ele a fitou, tenso.
— Vamos atravessar a rua até a sombra das árvores — Leon decidiu, em meio à confusão
de pessoas e do barulho de outra aeronave que chegava.
Muito fraca e à beira das lágrimas, Crystal permitiu que Leon a conduzisse, com a mão
passada em sua cintura.
O conforto instantâneo a confundiu. Crystal deveria se irritar com o inimigo. Mas fazia
muito tempo que um homem não a tocava.
Não se sentia protegida, desde a última vez em que estivera junto com Leon. Ele se
despedira com um beijo, uma noite antes de seu noivado com Marina.
Crystal estremeceu. A pressão do braço de Leon era uma segurança falsa. Ele a atiraria às
feras, se pudesse.
Leon inclinou-se para o lado de Crystal, quando alcançaram o outro lado.
— Tudo bem?
A respiração dele revolveu-lhe algumas mechas. Quente, perturbadora. Aguçava seus
sentidos e enfraquecia suas defesas. Nisso, Leon largou a valise e virou-a de frente para ela.
Crystal cerrou as pálpebras e teve certeza de que ele apro ximava os lábios dos seus.
Estava exausta demais para lutar contra aquele apelo assustador, hipnótico... e maravilhoso.
Precisava fugir. Rápido!
— Não estou me sentindo bem, Leon...
— Nesse caso, esqueçamos a taverna e as acomodações baratas e vamos melhorar um
pouco o nível.
— Só quero falar com John... “E dormir por cem anos.”
— Tocante. — Leon, indiferente ao pedido, puxou-a até o automóvel. — Relaxe. Se
continuar se contorcendo, romperá alguns tendões. Por que está preocupada? Pode ficar certa
de que não pretendo raptá-la.
— Uma vez foi o bastante, não é mesmo? — Crystal criticou-o, tensa, já sentada no banco
do passageiro.
Fervendo de irritação, Leon inclinou-se para prender o cinto de segurança de Crystal.
Incapaz de resistir, ela inalou o aroma cítrico e másculo e teve vontade de beijar-lhe a nuca.
Fraca, esgotada pela viagem e pela disputa emocional, Crystal não o impediu de
completar a tarefa.
De repente, Crystal arregalou os olhos, ao perceber que sua bagagem ficara para trás.
— Minha valise! Podem roubá-la!
As íris negras de Leon faiscaram, e Crystal susteve a respiração, ao sentir uma descarga
elétrica atingir seu coração sofredor.
Ele era um homem casado!, ela condenou os próprios sentimentos.
— Sua mala está segura, Crystal. Somos honestos nesta ilha.
Crystal estremeceu. As palavras de Leon tiveram o sabor de uma facada.
Enfim, ele fechou o cinto e recuou. Em seguida saiu, bateu a porta e, com fisionomia
severa, voltou para pegar a valise. Por alguns instante, Crystal conseguiu respirar melhor. Na
certa a ansiedade e o calor a afetavam.
Aquilo era péssimo. Nos próximos dias teria de achar disposição para enfrentar Leon e
suas artimanhas. E, pelo jeito, também um tribunal.
Depois, se ganhasse o direito de passar algum tempo com a filha, precisaria estar em
plena forma física para corresponder às necessidades de Lexi.
Suspirou. Alugaria um carro e iriam passear na praia. Poderiam fazer castelos de areia,
brincar na água e se divertir. Por menos que pudesse se demorar, pretendia forjar um
relacionamento amoroso forte com sua filha. O período de doença intensificara uma certeza.
Teria de mostrar a Lexi o que era o amor verdadeiro.
Recostou-se, preocupada. O caminho de retorno para a Inglaterra seria árduo e arriscado.
Uma travessia de barco pelas ilhas Jônicas, parada em algum lugar secreto da Grécia, e depois o
longo trajeto pela Europa.
Durante a viagem, teria de dedicar-se tão-só a Lexi, para distraí-la e não permitir que a
menina se entristecesse.
Na Inglaterra, o plano parecera-lhe viável. A rota fora traçada, e John viera com um
relatório otimista sobre abrigos em angras isoladas e rodovias pouco usadas. Mas se não
estivesse em condições...
Amedrontada pelo que poderia acontecer, passou a mão trêmula na testa, enquanto
Leon assumia seu posto. Se não tivesse energia, não poderia lutar. Lexi se sentiria abandonada
e confusa. O medo de fracassar deixava Crystal mais doente.
— Você parece estar em frangalhos. Acho que um quarto miserável só irá piorar seu
estado. — Leon deu a partida.
— Um hotel luxuoso está fora de minhas posses — Crystal admitiu, pensando em uma
cama macia, um bom serviço de quarto e suíte.
— Espere para ver o que vou lhe sugerir. Se não gostar do lugar aonde vou levá-la,
ligaremos para seu advogado e iremos para um desses casebres infestados de ratos.
Crystal achou que nem se incomodaria com roedores, se tivesse um leito para se deitar.
Suspirou e notou que Leon não lhe desfitava os lábios entreabertos.
— Parece-me promissor... — ela murmurou.
— Por que não encosta a cabeça e dorme um pouco? Eu a acordarei, quando chegarmos.
A contragosto, Crystal acabou por aceitar a sugestão.
Lexi estava perto, Crystal refletiu, sonhadora. Quase em seus braços. Suspirou e, já
adormecida, levou a mão ao seio esquerdo defeituoso.
Leon sacudiu a cabeça e advertiu-se para não se esquecer de que Crystal só pensava em
vingança. Ela faria qualquer coisa para feri-lo. E Lexi fora a arma escolhida.
Sabia que não poderia manter mãe e filha separadas. A corte acabaria por entender o
amor de Crystal e conceder-lhe o acesso à menina. Sua única esperança era poder convencê-los
de que Crystal não tinha um caráter idôneo.
Relanceou um olhar para ela e voltou-se de novo para a estrada, carrancudo. Precisava
afastar de sua visão aquele busto farto e esquecer que ardia de desejo por Crystal.
Procurou raciocinar sobre o mais importante. Crystal iria visitar a filha e faria uma
tentativa de levá-la embora. Líquido e certo. Ficou tenso ao pensar em Lexi, doce, inocente e
vulnerável, arrastada pela Europa por dois estranhos.
“Sefton, seu miserável!” Leon enfureceu-se. Não confiava no advogado de Crystal, nem
um pouco.
Teria de manter Crystal afastada. E para isso tinha de reunir evidências de que ela não
estava em condições de aproximar-se de Lexi sem prejudicá-la.
Uma ideia começou a se formar. Uma que poderia matar dois coelhos com uma só
cajadada.
Ele possuía uma arma infalível: sexo.

CAPÍTULO III

— Encantadora. — Crystal surpreendeu-se com a elegante sala de estar da villa.


Piso de lajotas caríssimas, mobiliário entalhado da melhor qualidade, sofás convidativos e
almofadões enormes. Viu-se estirada neles, lânguida.
— Não posso ficar...
— Estou fazendo chá — Leon avisou, da área da cozinha. — Depois lhe mostrarei o resto.
— Chá!
Crystal deliciou-se com o som da água caindo na chaleira.
— Está bem. Mas depois terei de ligar para John. Recriminou a si mesma não só por sentir
que a ideia a aborrecia, mas também por admirar os ombros largos de Leon.
— Acho que deve haver um bolo de chocolate em algum lugar — ele murmurou e
abaixou-se para procurar na parte de baixo dos armários.
A postura expôs quadris estreitos e musculosos sob o tecido de linho da calça.
Crystal contraiu os lábios, exasperada por reparar no que não devia. Leon sempre tivera
um físico espetacular. Apavorada com o acelerar de seu pulso, virou-se e concentrou-se nas
dúvidas.
— De quem é esta casa? Não posso permitir-me pagar por ela — considerou, parada ao
lado de uma mesa de jantar de mármore, enfeitada com objetos azuis de porcelana de
tamanhos variados. Levantou um deles. Eram chineses! — Leon! Este imóvel é seu?
Ele a fitou, sorrindo, o que fez a pressão de Crystal subir. Arrumou dois pratos e um
apetitoso bolo de chocolate sobre a mesa.
— É. Mas não moro aqui.
O que significava aquilo? Leon parecia muito à vontade e familiarizado com tudo. Puxou
uma cadeira de ferro e sen tou-se diante de Crystal.
— Espero que isto aqui não seja um esconderijo para sua amante.
— Minha o quê?
Era uma loucura, mas Crystal teve a impressão de que Leon pensava neles. Talvez se
lembrasse de como... Encarou-o e teve certeza de que ele também se recordava.
— Leon! — Crystal pigarreou, furiosa. — Não sei por que me trouxe até aqui, mas se for
para...
— Para? — Sorriu, divertido. — E por que não aproveitar?
Crystal piscou, alarmada.
— Para comer o bolo? — O sorriso de Leon sempre a deixava com as pernas bambas. —
Pensou que eu me referia a quê?
Crystal enrubesceu, mas estava certa de que não se enganara. Leon achava que as
mulheres caíam a seu redor com um simples estalar de dedos. Por isso esperava que ela
cedesse ao primeiro olhar.
Crystal refletiu amargurada que, além do pouco respeito que lhe tributava, na certa Leon
achava que ela não aguentaria, por estar sem uma companhia masculina havia muito. Afinal,
ele só a usara para satisfazer seu prazer sexual.
— Não estou com fome.
Ele que entendesse como quisesse.
— Pois eu estou. — Leon mordeu um pedaço da fatia de bolo e as palavras tiveram nítida
conotação sexual.
“Por isso ele me trouxe até aqui!” Crystal ficou arrasada. Chegara a imaginar que Leon se
comportava com gentileza. Mas não iria usá-la de novo!
— Então, coma, enquanto ligo para John. — Crystal levantou-se. — Onde está o telefone?
Leon segurou-lhe o braço.
— Espere um pouco. Não pode perder uma oportunidade dessas. Quer um lugar para
ficar, não quer?
— Prefiro uma choupana cheia de ratos a ficar neste ninho de amor com você.
— Isto aqui nunca foi um ninho de amor, Crystal. Esta é apenas uma das quatro casas de
campo que construí para o negócio de férias e turismo. Diversificação.
Crystal não se convenceu. Porcelanas muito valiosas, cortinas de alto luxo, os mais
modernos equipamentos de cozinha, bustos de terracota nos nichos, abajures de Murano,
madeira ricamente entalhada...
— Mercado luxuoso esse, hein?
— Claro.
— E quem são os ocupantes? Os vasos e as flores?
— Ainda não a terminei, por isso não foi ocupada.
— Sei... por isso tem chá e bolo.
— Minha decoradora usa a casa de vez em quando.
— Entendi. Por acaso ela é bonita e loira? — Crystal odiou a si mesma pela pergunta.
— Como adivinhou? Isso a preocupa, Crystal?
Leon era mesmo perigoso. Um conquistador! E Lexi estava em seu poder!
— Sua mulher é quem deveria se preocupar.
— Ex-mulher — Leon a corrigiu.
Crystal arregalou os olhos.
— Oh, eu não sabia...
Não conseguiu interpretar a expressão de Leon. Lembrou-se do próprio casamento, que
desintegrara, deixando marcas indeléveis. Seria dor o que vira nos olhos dele?
— Desculpe-me, Leon. Eu...
— Não quero falar sobre isso.
— Sim, lógico.
Era incrível, mas Crystal desejou consolá-lo.
— Fique — ele pediu, tenso.
Impossível. Livre, Leon se tornava ainda mais perigoso.
— Não posso abandonar John, depois de todo o trabalho que teve.
— Não deve ter sido tanto assim.
— Eu disse que telefonaria.
— Crystal, aqui é muito mais conveniente. Na verdade, estamos em minhas terras. Minha
casa está do outro lado do bosque das oliveiras.
O que Leon queria dizer com aquilo?, Crystal animou-se. Ele não a traria para tão perto de
sua residência, se não pretendesse deixá-la ver Lexi. Ou tratava-se apenas de um jogo cruel?
Provocá-la e depois levá-la embora? Uma armadilha?
— Seja franco. Por que me trouxe até aqui?
— Simples. Apenas gostaria de ficar de olho em você, enquanto estivesse na ilha.
— Para me espionar!
Leon deu de ombros.
— Você não está fazendo nada de errado, está? A villa está vazia e fica perto de sua filha.
Será que pode recusar meu oferecimento?
A tentação era grande.
— Depende com quem terei de partilhar a hospedagem.
— Com ninguém, a não ser com alguém que seja convidado. — Leon tentou pegar-lhe na
mão, sem conseguir. — Gostaria de ficar perto de Lexi, não é?
Céus, como confiar em Leon?
— Sim, mas...
— Vou cuidar do chá, enquanto você resolve.
Simpático demais... Ele planejava algo.
— Já pensei. Não quero ser espionada.
Leon trouxe um bule branco e azul e sentou-se perto dela.
— Crystal, você está cansada e não se sente bem. — A voz preocupada lembrou-a de
uma necessidade perigosa de carinho e de um ombro amigo. — Não irá querer perambular por
aí até encontrar o quartinho miserável que Sefton lhe arrumou, não é?
Mas era o que faria. Só em imaginar, sentiu-e mais fraca.
— Agora você resolveu bancar sir Galahad?
Leon deu um risadinha amigável, mas Crystal o conhecia muito bem.
— De modo algum. Mas raciocine comigo. Suponhamos que você adoeça em algum beco
imundo na cidade de Zante. Seria um escândalo quando soubessem de nosso parentesco.
— Ah, sua preciosa reputação!
— Pois então. — Leon fez que não percebeu o sarcasmo. — Seria imperdoável se eu não
oferecesse hospitalidade à esposa de meu falecido irmão. Independente do que ela tenha feito
e do que penso a seu respeito.
Crystal pegou uma fatia de bolo e mordiscou a cobertura de chocolate. Leon achou graça
ao vê-la comer depois de afirmar que não estava com fome.
— Faz sentido. Você não pode parecer vingativo diante do tribunal.
— Tribunal? — Ele retribuiu o sarcasmo. — E eu que achei que poderíamos entrar em um
acordo sem precisar de medidas drásticas!
Embora com o coração disparado, Crystal manteve a serenidade.
— Até há pouco, você estava preocupado apenas com o bem-estar de Lexi. O que o fez
mudar de ideia?
— Sua determinação em vê-la, custe o que custar. Você é a mãe, e não posso impedi-la.
Caso contrário, as más línguas...
— E isso será péssimo para sua reputação.
— Minha honra seria conspurcada. Ninguém entenderia que só me importo com os
interesses de Lexi. Não gosto disso, Crystal. Mas, se agirmos com sensibilidade, não vejo como
poderei recusar-lhe.
— Ah, Leon... — Crystal murmurou, desarmada. Ele juntou as migalhas com a ponta do
indicador.
— Entretanto, se eu permitir a possibilidade de visitas e passeios, quero resolver isso com
você, e não com um advogado. Não pretendo ver Lexi envolvida em uma desagradável disputa
legal. Prefiro ter o direito de opinar sobre o que é melhor para ela. E para isso teremos de
resolver a minha moda. Certo?
Crystal não acreditava. Além de Leon reconhecer-lhe os direitos de mãe, ela não
desperdiçaria as economias e poderia voltar com a filha para a Inglaterra mais cedo do que
imaginava.
— Agradeço, Leon. — Crystal sorriu, encantada. — Eu também não quero vê-la sofrer.
Apenas preciso estar com minha filha.
— Então concorda em ficar aqui na villa?
— Sim! Sim! — Crystal ria e chorava.
Leon não sabia o que fazer, envolto por uma onda súbita de compaixão. Mas... talvez
pudesse tirar vantagem daquele descontrole.
Um leve sentimento de repulsa foi logo substituído por simpatia... e desejo. Leon
empurrou a cadeira e curvou-se na direção dela.
Mesmo se concedesse mais do que pretendia, estava em seu território, e Crystal ficaria
sob seu comando. Sob a orientação de Sefton e nos tribunais, ela talvez conseguisse visitas não
supervisionadas. E não estava em seus planos deixar Lexi saber da verdade de imediato.
Enxugou-lhe os olhos com gentileza, afagou seu rosto e secou-lhe os lábios. Fez o
possível para ignorar o olhar de surpresa e conter a vontade de beijá-la. Não deveria assustá-la.
— Agora que resolvemos não brigar, por que não toma seu chá e vamos conhecer os
arredores?
— Leon! Estou tão feliz!
Ele quase desistiu, envergonhado. Mas não via outra maneira de conseguir o que queria...
para o bem de sua sobrinha. Precisava protegê-la de Crystal.
— Venha ver a paisagem — ele convidou, caloroso. — Só por ela vale a permanência.
Crystal se ergueu, esquecida do pranto. Do lado fora existia uma piscina rodeada por uma
varanda onde se viam plantas em profusão. Crystal inalou o perfume das laranjeiras e dos
limoeiros do lado oposto.
No horizonte, colinas onduladas e muito verdes. Do pomar até as encostas arborizadas,
estendia-se um vale fértil com ciprestes escuros, oliveiras prateadas e vinhedos. Um cipres te
magnífico e solitário ao lado da piscina elevava-se como uma rocha de malaquita de encontro
ao céu azul.
— Gosta?
Crystal sentiu-se em paz ao fitar aquela beleza interminável. Era deslumbrante. Poderia
ficar horas inalando os aromas trazidos pela brisa e sentindo o sol aquecer seu corpo cansado.
— Muito...
— Poderá nadar a hora que quiser. De dia ou de noite. É bem reservado.
Crystal viu a si mesma dentro da água cor de turquesa. Espreguiçadeiras infláveis para a
piscina, uma bola multi-colorida. Ela e Lexi brincando, espalhando água, rindo...
— Lexi gosta de água? — perguntou, horrorizada por nada saber sobre a filha.
— Nada como um peixe. Ela adora isto aqui. É melhor do que uma cabana, não é?
— Tenho certeza de que John escolheu um lugar acolhedor.
— Esqueça Sefton, vamos ver dentro. No térreo há uma suíte com terraço — Leon
explicou, conduzindo-a pelo living.
— Não entendo. Você estava tão hostil, quando nos encontramos... Parece obra do
demônio.
Leon achou graça, e segurou-a pelo braço. Acariciou de leve a pele sensível, e Crystal teve
de controlar-se para não gemer.
— E você pode me culpar? Tenho de proteger os interesses de Lexi. — O calor de seu
olhar dirimia as dúvidas de Crystal. — Mas entendi que não tenho escolha. Pelo bem da me-
nina, precisamos tentar um comportamento civilizado.
Crystal sorriu, felicíssima. Naquela casa, longe da interferência de Leon, poderia passar
longas horas com sua filha. Fazer piqueniques, ler histórias, aprender a conhecê-la. Sentia-se
atordoada com a excitação.
— Quando poderei vê-la, Leon?
— Banheiro, quarto... — Ele fingiu não ter escutado, e acendeu a luz. — O que acha?
Espetacular. Crystal mal acreditava em tanta sorte. A decoradora tinha um estilo
invejável. O recinto espaçoso possuía piso de lajotas e uma cama de baldaquino. Leon afastou
as cortinas de tecido fino e abriu as portas de veneziana. A luz do sol iluminou o ambiente.
— Veja o terraço. — Ele fez um gesto amplo.
Crystal saiu e disse qualquer coisa sobre as belas rosas.
— Gostaria de ver Lexi amanhã, Leon.
— Claro. Vamos subir.
— Leon! — Crystal gritou, incrédula. — Verdade mesmo?!
Ele parou, virou-se no alto da escada e quase colidiu com Crystal, perdida em seu mundo
de sonhos. Leon a segurou com firmeza, e Crystal teve consciência de que as pernas
amoleciam, com o aumento da pulsação dele.
— Leon...
Ela sentiu-o estremecer, e a atração a manteve cativa dele. Inclinou a cabeça para trás, e
seus cabelos esvoaçaram como fios de ouro. Um gesto de rendição.
Desnorteada, Crystal procurou esquecer a vontade de ser beijada. Mas continuou a fitá -lo
com os lábios entreabertos e o corpo tenso.
Leon se afastou de repente.
— Acho que você está muito cansada. Deixarei sua mala na suíte de baixo, e poderá
descansar em paz.
— Sim.
Estava mesmo exausta de tanto enfrentar as diversas emoções. E Leon, mesmo
percebendo o quanto a perturbava, evitara beijá-la. Ele a menosprezara.
Vermelha da cabeça aos pés, achou que interpretara mal as intenções dele. Leon não
tinha culpa de ser tão atraente e de ela ser tão sensível a esse encanto.
Confusa, não conseguia raciocinar.
Leon jogou a valise no chão, aborrecido. Talvez por ter se enredado com uma mulher que
só via sexo diante de si.
Crystal respirou fundo para acalmar-se, convencida de que estivera prestes a cometer um
equívoco terrível.
— Estou tão esgotada que nem sei mais o que faço.
— Tem razão. Você precisa se alimentar. Mandarei buscar alguma coisa.
Crystal deu-se conta de que Leon ia sair, e ela não sabia onde se encontrava. Foi até a
porta e abriu-a.
A casa de Leon ficava a quilômetros de distância de qualquer lugar. Sem nenhum tipo de
transporte a seu dispor, transformara-se mais uma vez em prisioneira.
— Leon, não me deixe!
Ele a fitou, com olhar intenso e espantado, sem dizer nada. Mas nem precisava. Crystal
levou a mão à boca.
— Eu quis... dizer...
— Mais tarde. — E ele saiu.
Crystal começou a desfazer a mala, porém, o cansaço a venceu. Despiu-se, tomou um
banho e fechou as venezianas. Na obscuridade, foi para a cama.
Mesmo sem ter ideia de onde se encontrava, sabia que em breve veria a filha.
Tanta coisa acontecera naqueles dois anos! Tocou a cica triz profunda de seu seio. Tivera
sorte. Poderia ter morrido, se o caroço não houvesse sido descoberto a tempo. A pele já não
estava tão vermelha, e o ferimento cicatrizara. Os enjoos diminuíam. O cansaço também logo
cederia.
Quando o tumor maligno fora diagnosticado, só tivera um pensamento: ver Lexi antes de
morrer.
Mas driblara a morte. Os médicos acenaram-lhe com uma expectativa de vida normal. O
futuro estendia-se a sua frente e cada dia era abençoado. Fizera votos de viver intensamente
todas as horas. Não desperdiçaria o precioso presente que recebera.
O perigo de perecer tão jovem a ajudara a distinguir coisas importantes das triviais.
Lexi era importante. Precisava ter a filha de volta, para o bem de ambas. Leon só se
preocupava com a honra e a reputação. Apenas ela, como mãe, poderia dedicar à filha um
amor verdadeiro.
Um dia, Leon também entenderia isso. Talvez ele até renunciasse ao direito de ficar com a
sobrinha, o que a faria deixar de lado o plano de rapto, que no momento lhe parecia aterrador.
Mas ela o faria, se precisasse.
Pelas fotos, teve certeza de que Lexi era maravilhosa. Mal podia esperar para estar com
sua pequena e beijá-la.
— Amanhã, coração — prometeu, enroscada nos lençóis. — Será o primeiro dia de
nossas vidas, juntas para sempre. Nada de sofrimento ou coração partido. Apenas Lexi. Nunca
se sentira mais feliz. Tudo voltava à normalidade. Suspirando, adormeceu.

CAPÍTULO IV

Crystal acordou, recordou-se de onde estava e ouviu ruídos vindos da sala de estar. Seria
um assaltante? Quem mais além de Leon e da decoradora teriam a chave?
Alarmada e nua, saiu da cama à procura das roupas e derrubou no chão o frasco de pílulas
e a máquina fotográfica.
— Droga!
— Crystal, tudo bem?
Era a voz de Leon. Ainda bem. Crystal rastejou pelo piso de lajotas à procura do remédio,
que, na certa, não encontraria para comprar na ilha.
— Crystal...
Leon já estava ao lado da porta.
— Não... quer dizer, sim! — ela gritou, localizando o frasco intacto. — Não entre! Onde
está o interruptor?
— Espere um pouco...
Crystal ouviu a maçaneta girar.
— Não! Não estou vestida!
O barulho cessou. Crystal enrolou-se no lençol e abriu a porta. Leon estava no corredor,
estático. Parecia mumificado.
— Derrubei algumas coisas e não consegui acender a luz.
— À esquerda.
Crystal achou o ponto e escondeu-se na sombra.
— O que está fazendo aqui, Leon?
— Trouxe algumas coisas para você jantar e também um lanche para amanhã.
Espantada, Crystal fitou o relógio. Eram nove e trinta. Da noite.
— Ah, obrigada, é muita bondade, mas... Espere aí um minuto.
Tornou a se fechar no quarto, acendeu a luz e largou a coberta. Leon pretenderia ficar na
casa? Com o pulso acelerado, remexeu nas roupas. Por um motivo desconhecido, deteve-se nos
dois únicos trajes apresentáveis. Um vestido vermelho decotado de saia curta, e outro, longo,
verde e de frente única.
Ou seria melhor usar uma blusa e jeans?
Bem, Leon estava com camisa de manga longa, gravata, calça bem talhada e sapatos
combinando.
Crystal se decidiu pelo verde. Pelo menos só as costas ficariam à mostra. E, apesar de as
duas peças terem sido compradas em uma loja de roupas de segunda mão, quando as
economias começavam a minguar, sentiu-se elegante. Estaria à altura de um Kyriakis,
sobrenome que também era seu, e apresentável para encontrar-se com Lexi.
— Tem certeza de que está bem, Crystal?
— Sim. Já estou indo.
Ela agarrou a roupa e lembrou-se de que não podia usar sutiã por causa do decote baixo
das costas. Paciência.
— Já descasquei as batatas.
— O quê?
— Quer salada de berinjela ou queijo como entrada?
— Salada. — Crystal estava faminta.
Deveria ter posto o jeans, mas queria causar uma boa impressão.
— Stifado, está bem? — Leon gritou, da cozinha.
Crystal saiu do aposento e foi, descalça, até onde Leon se encontrava ocupado em picar e
misturar.
— Não sei o que é isso — ela respondeu, ao aproximar-se.
Leon a fitou apenas por um instante e voltou a atacar o alho com violência. Crystal teve a
impressão de que ele arfava.
— Carne de boi. Alho, louro, tomates e vinho tinto. — Refletiu que, para sua paz de
espírito, seria melhor que Crys tal estivesse bem afastada dele, e até mesmo na outra aldeia.
— Leon, não quero parecer desagradável, mas como apenas alimentos orgânicos.
Desculpe-me, mas não gosto de in gerir inseticidas.
— Não se preocupe, tudo isto vem de minhas terras, e não uso nenhum agrotóxico. Nada
de produtos químicos. Acho que cada um pode escolher o que deseja comer, mas todo cuidado
é pouco com crianças. Supervisiono toda a alimen tação de Lexi.
— Que surpresa agradável! Isso é muito importante para mim. — Crystal observou o que
ele fazia. — Não precisava se incomodar.
Leon espiou o braço macio e desnudo, e os dentes de alho sofreram mais um
pulverização vigorosa.
— O prato principal está quase pronto. Logo poderemos comer. E precisamos conversar,
antes que se encontre com Lexi.
Com o cenho franzido, misturou o alho com o suco de limão e as ervas, como se fossem
uma panacéia para a agitação que enfrentava.
Pensara que seria fácil resistir à vontade de beijá-la e tocá-la. Era importante não parecer
que era ele a tomar a iniciativa. Mas seu autodomínio sofria fortes revezes toda vez que Crystal
suspirava ou mirava-o com aqueles doces olhos azuis.
A sedução teria de partir de Crystal. Assim, poderia ir aos tribunais e impedi-la de ver Lexi,
com a alegação de conduta imoral. Mas o plano não daria certo se continuasse a comportar-se
como um adolescente ansioso.
— Leon? — Ela tocou-lhe o cotovelo, e ele deu um pulo.
— O que é?
— Se você está aqui, quem ficou cuidando de Lexi?
Leon afastou-se e bateu a xícara de medida que iria usar para o arroz.
— Marina.
— Sua ex-mulher... Então vocês continuam amigos?
O que responder?, Leon perguntou-se. Pelo menos seus hormônios tinham entrado em
baixa, à menção de Marina.
— Ainda moramos sob o mesmo teto.
— Meu Deus!
— A residência é bem grande.
— Vocês estão juntos por causa de sua filha?
— É. Por causa de Soula.
— E como Lexi se comporta dentro desse esquema?
Crystal era linda, ele refletiu, sem ouvir a pergunta. Pele perfeita e rosto encantador,
mesmo sem nenhuma maquiagem. Cabeleira revolta, que o fazia pensar em...
— O que foi?
— Seus cabelos...
Crystal ergueu as mão para ajeitar as mechas. Com o movimento, ergueu os seios, e os
mamilos túrgidos tornaram-se evidentes sob o tecido colante. Com a garganta seca, Leon
concluiu que ela não usava sutiã.
— E isso porque eu pretendia aparecer respeitável... Você mencionou comida, e eu saí
sem me pentear. Espere, vou arrumá-los e volto num instante.
— Não é necessário, Crystal. Está bem assim.
Leon, com as mãos trêmulas, acabou derrubando metade do arroz do chão.
Rindo, Crystal abaixou-se e procurou uma pá de lixo nos armários. E Leon teve de
aguentar, impávido, a visão ten tadora dos quadris delineados sob a saia.
O que Crystal estava fazendo? Pretendia seduzi-lo? A roupa, os sorrisos... Bem, teve de
admitir que aquilo vinha de encontro a seus planos. Tornou a medir o arroz.
Talvez não demorassem para fazer amor, Leon imaginou, exultante.
Crystal indagou a si mesma qual seria o motivo do distanciamento dele. Se receava que
ela fosse atacá-lo, podia esquecer.
— John também é um bom cozinheiro.
— Ah, é?
— Ele faz um excelente espaguete à bolonhesa.
— Creio que alguns italianos devem discordar de sua opinião.
Crystal deu risada e continuou a elogiar o amigo, para fazer Leon acreditar que estava
interessada em John.
— Eu o tenho em alta consideração — Crystal afirmou, com sinceridade e olhar distante.
John fora maravilhoso. O porto seguro onde se apoiara.
— Poucos advogados são tão dedicados a seus clientes. Eu já lhe disse que devo minha
liberdade a ele.
Leon fez ar de pouco-caso, concentrado na preparação do jantar. Crystal considerou que
deveria fazer o possível para convencê-lo, antes de mais nada, de que ela não era nenhum
monstro, mas sim uma pessoa cuidadosa e sensível. Jogou o arroz no cesto de lixo e lavou as
mãos.
— Em que posso ajudar?
— Já está tudo encaminhado. A carne foi para o forno, e espera o arroz e as batatas.
Crystal pegou a garrafa de vinho tinto aberta e duas taças.
— Então, vamos nos sentar no sofá para conversar.
Relutante a princípio, Leon verificou o forno e aceitou o vinho.
— Viva! — ela saudou, com esperança de que ele se descontraísse. Queria jantar em paz.
— Giamas. — Leon fez o brinde e bebeu um gole. Em seguida, deixou o copo na mesa a
seu lado e a encarou.
— Yammas. — Ela experimentou uma forte onda de calor a envolvê-la.
A taça escapou das mãos trêmulas de Crystal, e Leon precipitou-se para salvá-la. Com a
mão aberta para proteger-lhe o vestido dos respingos, impediu que caísse ao chão.
Paralisada, Crystal sentiu as costas da mão de Leon tocarem seu busto.
Entreolharam-se, ele, impassível. Crystal semicerrou as pálpebras e entreabriu os lábios.
De novo!
Estavam a centímetros um do outro. Crystal corou e pôde sentir o calor que emanava do
corpo de Leon, sua respiração e seu magnetismo.
Leon pôs a taça de Crystal ao lado da sua e usou o lenço para limpar gotas de vinho do
ombro desnudo.
— Devo estar nervosa...
Leon limpou a própria mão, cuidadosamente, e tornou a olhá-la com intensidade.
— Por que o nervosismo, Crystal?
Ela engoliu em seco, reconhecendo que pensamentos loucos apoderavam-se de sua
mente. Era terrível...
— Por causa de Lexi? — ele sugeriu, em voz baixa.
—É.
— Vou dar uma espiada no arroz. — Leon foi para a cozinha, carregando o copo e o
poder de atração.
Crystal deu um suspiro de alívio e procurou entender por que não controlava seus
sentimentos e por que não resistia aos encantos do cunhado.
— Tome. — Leon serviu-lhe mais vinho. — Este copo está limpo.
Crystal forçou um sorriso e tomou um gole, enquanto Leon voltava para as panelas.
— Sou mesmo uma desastrada.
— Procurarei me lembrar de comprar copos plásticos, quando você for me visitar —
caçoou. — A melijanosalata está pronta. Vamos comer.
Crystal anotou a palavra “visitar”.
Leon acendia os candelabros da mesa. A luz bruxuleante deixava seu rosto másculo ainda
mais bonito.
— Maravilhoso!
— Obrigado. Fique à vontade.
— Hum, divino! — Crystal acabara de experimentar a salada de berinjela. — Nem sei
como agradecer-lhe pelo jantar, pela gentileza, por tudo.
— É simples. Precisarei de sua cooperação.
Ela deveria ter adivinhado!
— Pode falar. — Crystal escondeu o desapontamento entre as garfadas.
— Há um pequeno problema sobre você encontrar-se com Lexi.
Crystal sentiu-se enjoada.
— Não...
— Por favor, não se trata de nada intransponível. Mas Lexi não sabe nada a seu respeito.
— Só isso? Bem, isso é simples. Poderemos dar-lhe as informações necessárias. Eu
também trouxe fotografias.
— Não é bem assim. Quero dizer que... ela nem mesmo sabe que você existe.
— Leon! — Crystal deu um grito, horrorizada. — Como teve coragem de fazer isso com
ela? E comigo?!
— O que eu deveria dizer-lhe? Que a mãe tinha ido embora? Lexi não tem noção de
tempo. Também não poderia afirmar que você voltaria logo. Além disso, acreditei que a volta
não seria tão rápida.
— Mas ela acabaria perguntando por mim, mais dia, menos dia.
— Eu sei. Devo confessar que me pareceu que seria mais fácil se ela ignorasse a verdade
durante os primeiros anos passados comigo, com Marina e Soula.
Crystal teve a impressão de que a apunhalavam no peito.
— Ela... chama Marina de... mãe?
— Não. Crystal, Lexi ainda é muito nova para entender. Eu planejava dizer -lhe tudo na
época certa, mas você retornou mais cedo do que eu imaginava. Alexandra é ainda muito
pequena, mal saída das fraldas. A última coisa no mundo que desejo é perturbá-la, e tenho
certeza de que você pensa do mesmo modo.
Crystal fitou-o com de olhos arregalados. A situação era apavorante. Seria necessário
grande esforço antes que Lexi a aceitasse. E pior: não poderia levar a menina de volta à
Inglaterra sem que a filha aprendesse a ter amor pela mãe e a confiar nela.
— O que você sugere?
Leon parecia preocupado. Talvez ele gostasse mesmo de Lexi. Crystal mordeu o lábio e
largou o garfo. Um passo em falso e perderia a filha para sempre.
— Entendo como você se sente...
— É mesmo, Leon?
— Imagine termos um filho, ele se revoltar contra nós e perguntar quem somos...
Crystal viu os lábios apertados e seria capaz de jurar que ele escondia um sofrimento.
— Teve problemas com sua filha, não é?
— Sim. Embora as circunstâncias sejam diferentes. — Leon forçava-se a comer.
Crystal sentiu ternura e vontade de protegê-lo.
— E como resolveu isso?
— E quem disse que resolvi? — Amargurado, tomou um gole de vinho, sem conseguir
comer. — Cometi um erro, Crystal. Em minha ignorância, imaginei que poderia voltar a fazer
parte da vida de Soula e tudo ficaria bem. Não pude e não ficou. — Inclinou-se para a frente,
com olhar feroz. — Lexi não será perturbada nem por você, nem por ninguém. Ela é feliz, e
farei qualquer coisa para mantê-la assim.
Crystal desanimou. Havia percalços inimagináveis em seu caminho.
— Se você sabe o que houve de errado com Soula, desta vez poderá agir com acerto.
— Posso. — Leon tirou os pratos e trouxe outros, recusando oferta de ajuda. — E é
como faremos. Eu a apresentarei a Lexi como uma conhecida de seu pai.
Leon destampou a caçarola de cerâmica. O aroma convidativo não a tentou.
— Você está roubando o momento com que eu venho sonhando faz dois anos. Ela é
minha filha...
— Eu sei. — Segurou-lhe a mão em um gesto de consolo, sem perder a expressão
determinada. — E é por isso que terá de concordar comigo.
— Não.
— Precisará escolher entre sua necessidade e a de Lexi. É uma situação muito delicada.
Primeiro vocês terão de se tornar amigas. Não quero que lhe diga que é sua mãe, até a menina
estar pronta para saber.
Crystal esfregou os olhos para afastar as lágrimas que os toldavam.
— Não sei se poderei aceitar, Leon. Esperei até agora para ouvi-la dizer “mamãe”. Isso é
pedir demais. Não poderei evitar um olhar de sofrimento, quando estiver com ela. Qualquer um
poderá perceber.
— Só eu estarei lá, ninguém mais.
— E Marina?
— Quase nunca aparece.
— Soula...
— Está sempre preocupada com os próprios problemas. — Leon apertou-lhe os dedos. —
Tente, Crystal. Por Lexi. Eu poderia usar de minha reputação para lutar contra você nos
tribunais. Mas não quero isso. Lexi ficará com traumas, marcas indeléveis para o resto da vida.
Você já esperou tanto... Um pouco mais não fará diferença.
— Você não sabe o que está me... pedindo — protestou, com os lábios trêmulos.
Leon acariciou-lhe a face, e o desejo envolveu-a como uma maré.
Nisso, o celular tocou, na extremidade da mesa. Leon pra guejou em grego e atendeu.
— Ne? Ah, ela está aqui... — Franziu a testa, zangado, e estendeu o telefone. — Sefton.
Crystal respirou fundo e procurou voltar à normalidade.
— Alô?
— Estou ficando louco de tanto pensar em como você está — John queixou-se,
aborrecido.
— Sinto muito.
— Onde está, Crystal? Sabe que horas são?
— Eu... estava procurando um lugar... John, esqueci completamente! Cheguei aqui e
acabei adormecendo.
— Aqui onde? E o que ele está fazendo aí?
— Leon permitiu que eu usasse uma de suas casas — explicou, sentindo-se culpada e com
remorso. — Amanhã vou encontrar-me com Lexi, não é ótimo? Ela aceitou o prato de carne e
agradeceu.
— Onde, Crystal? Preciso estar lá. E onde se hospedou?
— Não tenho ideia. E você? Está no Hotel Zantos? — Ela ouviu Leon rir com desdém e
sorriu. — Eu telefonarei.
— Quero saber onde e quando poderei buscá-la.
— Nós nos encontraremos depois, e eu lhe contarei sobre meus progressos. Explicarei
tudo, com detalhes. Preciso fazer isso sozinha. Não quero entornar o barco. Leon tem sido
muito compreensivo. — Serviu-se de arroz e legumes. — Preciso desligar, John. Estamos
discutindo sobre as providências a serem tomadas. Por favor, escute: não faça isso comigo. Só
porque...
Crystal piscou e baixou a mão.
— Ele desligou! — exclamou, atônita.
— Batatas? — Leon ofereceu, educado.
Crystal pôs no prato já cheio uma porção generosa de batatas sauté.
— Não entendo, Leon. Nós nunca discutimos antes.
— Talvez você sempre tenha concordado com tudo o que Sefton dizia. Não se preocupe
com isso agora. Temos coisas mais importantes para discutir. Quer uma sugestão? De manhã,
você passará pelo olival, irá até minha mansão e tomaremos café. Lexi sempre fica brincando
no jardim. Farei a sugestão de irmos até a praia. O oceano margeia minhas terras, e construí
uma casinha ali. É um lugar muito bonito. Não gostaria de vê-la nadar?
— E se eu recusar?
— Minha porta ficará fechada, e você terá de usar de meios legais para ver a garota. E
mesmo que consiga o direito a visitas, não facilitarei em nada sua vida.
Apesar das restrições, a proposta era tentadora. Ver a filha brincar, rir... Passar o dia com
Lexi!
— Está bem, Leon. Eu concordo.
A boa comida e o vinho deixaram-na mais alegre e relaxada. Nada lhe importava, a não
ser sua menina.
— Obrigado. Sei que você também pensa em fazer o que é melhor para ela.

CAPÍTULO V

Enquanto comiam, Leon contou histórias sobre a ilha. A voz melodiosa e o amor profun -
do por sua terra natal aqueceram-na tanto quanto o vinho.
— Vamos tomar café e conhaque lá fora? — ele sugeriu, quando terminaram a
sobremesa. — Tem um pedacinho de pudim no canto de sua boca...
Crystal passou a língua nos lábios e saboreou o gosto de canela, mel e nozes.
— Obrigada. Lá fora será ótimo.
O relato de Leon trouxe nomes mágicos à imaginação de Crystal. Afrodite, Apolo,
Homero, Odisseia, Troia, Zeus.
A piscina iluminada por lâmpadas subaquáticas a fez perder o fôlego. A cor de água -
marinha contrastava com a escuridão aveludada. O céu estrelado parecia uma renda cintilante.
No terraço, Crystal teve a impressão de estar em outro mundo. A quietude e o silêncio só
eram interrompidos por cantos ocasionais de cigarras ou pelo som de algum lagarto que se
arrastava pela moita.
— Uma sensação de paz verdadeira — Crystal murmurou, ao puxarem as cadeiras.
— Um pouco diferente de Londres.
Ela sorriu e sentou-se, inalou o perfume das rosas e lembrou-se do que Leon contara.
Muito tempo atrás, os venezianos diziam que Zakynthos era a flor do leste, a ilha do
amor. Leon descrevera tudo com frases apaixonadas. A paisagem muito verde, os olivais, os
ciprestes e os pinheiros, os tapetes de flores primaveris e os mares cristalinos.
Falara sobre o caloroso senso comunitário, os valores sempre presentes de cortesia,
hospitalidade e respeito. Com os olhos da mente, Crystal viu os idosos ladeando um tabuleiro
de xadrez em um kafenion, e os meninos de íris negras pastoreando as cabras nas montanhas.
Ficou ansiosa para visitar Zante e ver o porto movimentado, lotado de balsas e barcos
pesqueiros.
Leon contara também que uma vez as praias do sul foram tomadas por tartarugas
marinhas que botaram na areia mais de cem ovos cada uma, depois de cavar ninhos com as
nadadeiras posteriores. Dissera que muitas ainda vinham desovar ali, e que as crias, pequeninas
como mãos de crianças, saíam à noite em uma arremetida confusa rumo ao oceano.
Era mesmo diferente de Londres. Um lugar ideal para alguém recuperar o bem-estar da
alma e do corpo.
— Os turistas que vierem a esta ilha e a esta villa não irão querer partir, Leon.
— O que eu considero uma demonstração de extremo bom gosto.
Morar ali era uma ideia muito atraente, embora impraticável, Crystal disse a si mesma.
Para ficar com Lexi, teria de afastá-la das garras de Leon.
— Você tem tudo.
— Ninguém consegue ter tudo, Crystal.
— John o acha um privilegiado.
— Então ele deve ser cego. Cuidado...
— Não sei por que não gosta dele, Leon. Olhe, não estraguemos esta noite agradável. —
Havia muitos anos que não se sentia tão bem e tão perto de sua meta. — John tem sido muito
bondoso comigo, e nem mesmo sei o motivo.
— Porque você é bonita.
Com o coração disparado, Crystal se virou para olhá-lo. Leon estava muito sério.
— Sou?
— Estonteante.
Leon gostaria de se deixar embriagar com aquela visão. Crystal... Os olhos grandes e
solenes. O rosto delicado. A pele acetinada, cálida e vibrante que tocara antes do jantar. Os
cabelos loiros e sedosos. Os ombros perfeitos e as costas nuas. O busto farto. A cintura
estreita.
Ele sentiu uma pressão forte no peito.
Crystal se inclinou para a frente, e a fenda da saia permitiu a visão das pernas longas e
bem torneadas. Leon conheceu o sinal de perigo, quando não encontrou o cálice de conhaque.
Tudo se precipitava. Crystal era muito sensual, e ele estava faminto demais.
— Leon! Veja! — Ela o tocou no joelho, apontando, excitada. — Morcegos!
Os morceguinhos esvoaçavam sobre a piscina e mergulhavam para beber... enquanto
Leon sentia o corpo consumir-se pelas chamas e a cabeça a ponto de explodir.
Os dois se entreolharam, e a costumeira eletricidade atingiu a ambos. Sem saber como,
Leon abraçou-a, e Crystal segurou-o pela nuca, puxando-o para mais perto.
Leon mal conseguia respirar. Por alguns segundos, eles permaneceram imóveis, em um
patamar tenso de expectativa.
A espera era deliciosa e quente. Leon admirou a fragrância e a perfeição da cabeleira e da
pele de Crystal, além da intensa volúpia em sua expressão ardente.
Aproximou o rosto, e Crystal gemeu, entreabrindo os lábios. Leon cerrou as pálpebras e
não conseguiu evitar um gemido, ao recordar a loucura que os invadia quando faziam amor.
Embora desejasse arrancar-lhe o vestido e repetir os momentos de paixão dos quais se
lembrava tão bem, Leon limitou-se a erguer-lhe o queixo com delicadeza. Passou-lhe a ponta
do indicador pela garganta. Eles não se desfitaram, enquanto aproximavam as bocas.
Leon nunca experimentara um desejo tão intenso. Seu mundo resumia-se na boca
carnuda, sexy e trêmula de Crystal, que deixava entrever dentes brilhantes na escuridão.
Ele tocou de leve nos lábios macios com os seus. Estavam úmidos. Com a língua, sentiu o
gosto de mel. Sugou-lhe o lábio inferior, depois o superior e os cantos.
Crystal se arrepiou em seus braços. Leon teve certeza de que nunca sentira sabor mais
doce.
Eles se levantaram juntos, e Leon beijou-lhe com suavidade o queixo e a linha do pescoço.
Não ousava extravasar o que sentia, mas Crystal mostrava-se impaciente.
Com os dedos afundados nos cabelos dele, ela lhe puxou a cabeça. Os beijos de Leon
tornaram-se mais exigentes. Crystal mordiscou-lhe os lábios, como se quisesse devorá-los.
Moveu o corpo de encontro ao dele em uma dança sinuosa, o que fez Leon esquecer
tudo o que planejara.
— Crystal...
— Beije-me, por favor.
Leon, angustiado, trouxe-a com força para mais perto de si e beijou-a com avidez,
esquecendo-se de tudo o que não fosse sua ânsia.
Era como deveria ser. O arfar de Crystal. A sedução da boca carnuda. Os dedos delicados,
que exploravam os ombros e o peito largos, fazendo Leon sentir-se um gigante.
A tensão entre eles aumentava, alimentada pelos afagos ansiosos. O doce desespero de
sentir e tocar um ao outro.
Crystal, com o rosto maravilhoso em sua vontade frustrada, agarrou-se nos botões da
camisa de Leon e abriu-a de uma só vez.
Ele sentiu a face macia de encontro ao tórax e experimentou a agonia dos lábios que o
exploravam.
Sedento, ele a abraçou e percebeu que, apesar de Crystal ter emagrecido, as costas
continuavam impecáveis. O laço verde da cintura desfez-se com facilidade. Mais um pouco e
Leon teria os seios entre as mãos.
“Não!” Crystal contorceu-se entre seus braços, voltando à realidade. Embora quisesse
demais, não podia.
— Não, Leon.
Mas ele continuava a lutar com a tira do pescoço. Seria tão bom... Cada célula exigia e
gritava. Ela fitou os olhos escurecidos pela luxúria e teve vontade de chorar.
— Não.
Leon baixou os braços. Crystal recuou e evitou fitar o torso bronzeado que minutos atrás
acariciava.
— Por quê?
Porque em seu seio havia uma depressão horrível, uma cicatriz que apavorava. Crystal
temia o desencanto de Leon e não se achava com coragem de enfrentar aquela situação.
Sofria, pois sabia que os homens como ele não perdoavam uma recusa.
Leon afastou-se, a passos largos, sem esconder a ira.
— Leon, por favor...
Ele estacou, à espera de explicações, e virou-se de uma só vez, com o olhar faiscante.
— Trata-se de um jogo, não é mesmo? Excitar-me, levar-me à loucura, enxotar-me e
manter-me em seu poder... Vamos lá, o que é isso, Crystal?! — A fúria de Leon era quase
palpável. — Não sou uma criança com quem pode brincar. Não sou Taki, nem Sefton...
— Desculpe-me, eu não queria... perdi a cabeça.
Leon imprecou em grego, fora de si. Esmurrou a palma da mão, incapaz de conter -se. Os
lábios estreitaram-se em um ricto de maldade, e o queixo assumiu a aparência de uma rocha.
Olhou a camisa sem os botões e Crystal baixou os cílios, envergonhada com a violência de
seu ardor.
— Não gosto de ser provocado, Crystal.
— Não foi nada disso.
— Então o que foi?
Crystal não saberia dizer por que perdera a consciência, atirando-se em um caldeirão de
desejos e sensações.
— Não sei...
Leon mirou-a por alguns segundos, imaginando uma vingança. Depois, deu-lhe as costas e
entrou na casa, antes que dissesse alguma bobagem.
Não entendia o que se passara. Crystal estivera tão próxima de render-se e...
Deus que o ajudasse. Se ela não sucumbisse para provar sua inadequação como mãe, ele
teria de encontrar outro meio de proteger Lexi.
Mas tudo o que lhe ocorria era a sensação de perda, porque ela o rejeitara. Odiava
Crystal, tanto quanto a si mesmo.
Crystal permaneceu em silêncio, atordoada pelas consequências de sua inibição. Quando
ouviu bater a porta, saiu correndo atrás dele.
— Leon! — Crystal estendeu os braços para impedi-lo de prosseguir. — E Lexi?
— Agora pensa nela, não é? Primeiro, você, mais adiante, ela, bem longe de suas
prioridades. Meu Deus, Crystal! Nunca vi tamanho egoísmo! Só se importa com suas vontades,
seus jogos de poder. Sua mente estreita não lhe avisou que eu poderia me ofender e recusar -
me a deixar que visse sua filha?
— Não. — Crystal agarrou-lhe o braço, mas ele se desvencilhou. — Não faça isso
comigo...
— Há várias coisas que eu gostaria de fazer, todas elas indizíveis.
Leon segurou-a com força e puxou-a de encontro a si com tanta força que Crystal sentiu-
lhe a excitação. Com um sorriso de desprezo, ele a beijou e depois limpou a boca com as costas
da mão.
Ambos ofegavam, chocados por terem se deixado levar pelo momento. Detestavam o
que tinham feito, impulsionados por emoções perigosas que os incendiara.
Sentiam-se amedrontados por aquela fome descontrolada que não media consequências.
Crystal, escondendo a boca com o punho fechado, pensou que fosse cair.
— Vá embora! — Leon sibilou, lúgubre, selvagem e mais ameaçador do que nunca.
— Mas... Lexi — ela choramingou. Enojava-a implorar, mas teria de fazê-lo. — Deixe-me
vê-la.
Nos poucos segundos que se seguiram antes de ele responder, Crystal teve a impressão
de que a estraçalhavam.
— Por que não? — Leon se adiantou e segurou-a pelo queixo com força. — Mas agora a
situação será diferente.
A respiração forte e quente no rosto de Crystal a fez estremecer.
— Di... diferente?
— Poderá estar com Lexi e verá mais do que poderia desejar. Terá noção de como aquela
menina é feliz, de como a ilha é seu lar e de que ela morreria de tristeza em qualquer outro
canto. Você sucumbirá por ver o quanto Alexandra me ama. Sofrerá por entender que não
precisa de você e que a vida dela será melhor se nunca souber que é sua filha!
Crystal não resistiu e largou-se no chão. Viu Leon sair, fechar a porta e escutou o carro
afastar-se.
Dobrou-se, tamanha sua dor. Apertando a barriga, arrastou-se até a cadeira mais próxima,
soluçando. Cometera um engano terrível. O encontro com Lexi estava arruinado, e talvez com
consequências terríveis.
Muito bem, se dissesse a Leon por que o recusara, na certa ele pensaria que se tratava de
uma tentativa de angariar simpatia. E não faria a menor diferença. Ele estava com o orgulho
ferido, ansioso por uma briga e uma vingança.
Decidiu não lhe contar nada. Não discutiria um assunto tão pessoal com ninguém, muito
menos com Leon. Ele que tirasse as conclusões que quisesse.
Admitiu ter ficado assustada com o que Leon dissera. Se Lexi era feliz... Além disso, era
evidente que qualquer criança iria preferir morar na ilha do que em Londres.
Os soluços vieram com mais força, e as lágrimas desceram quentes por suas faces.
Apavorava-a a ideia de não ser suficiente o que tinha a oferecer a Lexi. Por que John
afirmara que Leon cuidava dela por obrigação?
Desesperada, agarrou-se nos braços da poltrona e bateu em um objeto duro. Era um
telefone.
E se falasse com mais alguém? Se ouvisse mais uma opinião? Endireitou-se e discou alguns
números com os dedos vacilantes.
— John! Sou eu, Crystal. Eu... gostaria de falar com você... Será que poderia vir até aqui?
Por favor!

Leon sentou-se no tronco nodoso e torcido de uma oliveira que caíra durante uma
tempestade e cujos galhos, por milagre, ostentavam flores e folhas. Gostaria de ter certeza de
que sua força era igual à daquelas árvores.
Não ousava entrar no carro de novo. Nos primeiros cem metros, saíra da estrada duas
vezes. Se insistisse, acabaria matando a si mesmo, antes de chegar ao destino. E, apesar das
promessas que Crystal representava, não valia o sacrifício.
Por isso, saíra do veículo e sentara-se ali, procurando acalmar-se. Recusava-se a pensar na
paixão que o envolvera e que estragara seus planos.
Tivera a intenção de evitar que Crystal visse Lexi. Pretendia ser o seduzido. Assim, poderia
declarar ao tribunal que ela, além de cometer estelionato, dormira com o cunhado na mesma
noite em que chegara à ilha. E poderia pedir uma ordem formal para impedi-la de ver Lexi.
Teria sido uma manobra moralmente suspeita, mas daria a Lexi a proteção definitiva. E,
por tabela, a ele também.
Cerrou os dentes. Perdera a cabeça e por isso teria de passar horas na companhia de
Crystal, sabendo de sua ânsia de ficar para sempre com a filha. E aquilo o apavorava.
Inalou o aroma das madressilvas e das flores das laranjeiras. Estirou as pernas sobre a
terra fértil e vermelha, e seu coração encheu-se de amor por aquilo tudo.
A propriedade era dos Kyriakis fazia gerações. E depois dele, passariam para Lexi.
Apertou os dentes. Sefton deixara escapar que Crystal estava determinada a levar a filha
de volta à Inglaterra. Aquele era seu pior receio. Sua Lexi tinha raízes ali e não poderia viver em
nenhum outro lugar.
Crystal tinha de ser convencida a partir para Londres. Os fins justificavam os meios.
Determinado em seu projeto, levantou-se para voltar para casa. Nisso, escutou um carro
aproximar-se da villa. Esgueirou-se por entre as árvores e espiou.
Crystal saiu da casa, o rosto pálido sob a luz da varanda. Falou com Sefton em voz baixa, e
ele respondeu.
Leon ouviu um grito abafado e viu Sefton tomá-la nos braços.

CAPÍTULO VI
Se estivesse mais despreocupada, Crystal teria adorado o passeio pelo olival na manhã
seguinte.
John fora maravilhoso, confortara-a até a madrugada e aconselhara a perseverança. A
confiança do advogado restaurara sua energia e, depois de um sono reparador, sentia-se mais
otimista para enfrentar Leon.
Nervosa, seguiu a trilha rumo à mansão, usando um short branco, miniblusa azul e com a
mochila nas costas. Nem mesmo prestou atenção ao aroma de manjericão e menta, a sua
passagem.
Aterrorizava-a a ideia de que a filha não fosse gostar dela ou que Leon a tivesse
influenciado para odiar a mãe.
Embora passasse o tempo aprendendo o idioma grego na prisão, não estava convencida
de que entenderia o tagarelar de Lexi ou os murmúrios malévolos de Leon aos ouvidos da
sobrinha.
Homens! Crystal estremeceu. Tudo por causa do orgulho ferido.
Na subida, o caminho alargou-se. Na colina, menos de um quilômetro à frente, avistou
uma linda casa de pedra.
Sim, morar naquele paraíso seria o sonho de qualquer criança. Entretanto, era preferível
ter uma mãe que a amasse e um canto aconchegante em qualquer lugar da Inglaterra a viver ali
sem amor. Com o resto de seu dinheiro, Crystal compraria uma casinha no campo. E criaria
galinhas.
De perto, a mansão mostrava sua magnificência. Frontões triangulares e venezianas
enormes ladeavam as janelas altas. Portas francesas, abertas, permitiam a entrada da brisa
matinal. Ansiosa, tocou a campainha, e a porta foi aberta por uma beldade de jeans e camiseta.
Crystal ficou furiosa. Não era Marina! Na certa, alguma babá ocasional para tomar conta
de Lexi!
— Olá. Você é Crystal? — perguntou a jovem alta, esguia e de longas pernas.
— Sou.
— Entre. — A moça atravessou o hall de mármore e pé-direito altíssimo com uma
confiança que deixou Crystal ainda mais desconfiada.
Chegaram aos fundos da residência, e a moça apontou para um porta dupla e aberta.
— Leon está no jardim — avisou com o mesmo laconismo, e afastou-se.
Se todos fossem tão secos quanto ela, seria difícil convencer Lexi de que não se tratava
de um monstro.
Deteve-se no terraço, pálida. Avistou Leon sentado sob a sombra de uma seringueira, em
meio a um jardim fabuloso. Crystal levou a mão à boca para não gritar. Ali estava Lexi!
— Ah, minha querida... — murmurou, enxugando as lágrimas que ameaçavam cair. —
Minha filhinha adorada!
O coração de Crystal ameaçava explodir de amor. A garota vestia um conjunto florido que
deixava à mostra os joelhos com covinhas. Dos cabelos presos em rabo-de-cavalo escapavam
mechas finas e rebeldes que emolduravam o rosto delicado. Era uma menina linda.
Crystal suspirou e ficou mais animada. O amor as uniria e quebraria as barreiras.
Concentrada, Lexi brincava com satisfação. Separava pilhas de pétalas de rosas em um
carrinho de madeira. Amarelas, brancas, cor-de-rosa e vermelhas.
Era insuportável a vontade de correr para apertar a filha nos braços. Crystal mordeu o
lábio e permaneceu atrás de uma coluna, observando-a sem ser vista. Arrepiou-se diante
daquela injustiça.
A brisa desmanchou as pilhas de pétalas, e Lexi fez um ar de choro.
— Papai! — a menina lamentou-se.
Crystal não conteve um grito, horrorizada. Leon e Lexi viraram-se, e Crystal escondeu o
rosto, mas Leon aproximou-se, ao vê-la.
— Há quanto tempo está aí? — resmungou em voz baixa, para não ser ouvido por Lexi.
— O bastante. — Crystal fitou-o, furiosa, e prosseguiu: — Como ousa deixar que ela o
chame de pai? Quantos recursos ainda usará para afastar minha filha de mim?
— Eu a corrijo — ele afirmou, frio e distante. — Mas Lexi insiste. Você verá que tem
opinião própria.
— Também lhe disse maldades mentirosas a meu respeito? — Crystal sentia o rosto
quente de cólera.
— Eu não disse nada. Não perderia meu tempo falando de você. Bem, está pronta? Sugiro
que arrume uma expressão mais cativante.
Chegara o momento tão esperado. Crystal teria de se acalmar.
— Estou. Apenas mais uma coisa, Leon. Se eu perceber que você está tentando
influenciar a opinião de Lexi a meu respeito, falarei com John e tomaremos as medidas legais. A
menina deverá ter a oportunidade de conhecer e de amar a mãe. Fui clara?
— Cristalina. Imagino que você e Sefton devem ter discutido o assunto à exaustão ontem
à noite.
— Hum? Ah... sim.
— E hoje de manhã? Será que ele a ajudou em algum serviço mais pessoal?
Crystal enrubesceu.
— Você mesmo se encarrega da espionagem ou tem alguém que faz isso em troca de
pagamento?
Leon sorriu com maldade.
— Sua evasiva respondeu a minha questão. É um erro para uma mulher em sua posição
comportar-se com tanta liberdade. Eu... Sefton... Quem será o próximo? Não pode cometer o
menor deslize, sob pena de ver-se muito prejudicada.
Apesar da ira, Crystal encarou-o com frieza. Leon tinha razão. Precisaria de ser cuidadosa.
John insistira em ficar até ela adormecer. Fora um gesto de bondade, apesar de ele saber que
Leon poderia interpretar mal a situação, pois a mantinha sob vigilância.
— Estou com minha consciência limpa — afirmou, de queixo erguido. — Agora quero
falar com minha filha.
— Lembra-se de nosso acordo?
— Sim, e eu manterei minha palavra. Mas aviso: nada de truques.
— Não precisarei de nenhum.
Crystal não gostou daquele excesso de confiança. Leon levantou a mão na direção da
casa. A moça de longas pernas chegou, silenciosa.
— Natasa, quer trazer café para nós?
A moça sorriu com simpatia.
— Claro. E suco de laranja para Lexi? Se você quiser, fiz biscoitos hoje de manhã... —
Fitou-o com cumplicidade.
Leon deu uma risadinha e bateu na barriga, fazendo graça.
Crystal, irritada por não entender o significado de tantos sorrisos, desejou que a moça
sumisse para sempre.
— Que jovem prestativa! — Crystal arrependeu-se de imediato de ter feito o comentário.
— Ela cozinha divinamente e está decidida a aumentar minha cintura — Leon disse, sério,
olhando Natasa afastar-se. — Ela é uma jóia. Um diamante entre as mulheres.
— Uma pérola. — Crystal cerrou os punhos.
— Não neste caso. Diamantes são eternos.
— Está insinuando que Natasa será um acessório permanente na vida de minha filha?
— Anastásia será bem-vinda para ficar aqui o tempo que ela quiser.
Será que ele pretendia montar um harém?, Crystal perguntou-se, e imaginou o que Leon
teria feito na véspera, ao voltar com tanta raiva e frustrado.
— Espero que ela seja boa para Lexi.
— É perfeita. Venha e descobrirá como sua filha é feliz.
Desceram os degraus até o jardim.
— Lexi? — ele chamou com gentileza.
A menina virou a cabeça, viu Crystal e continuou a arrumar as pétalas.
— Esta é uma conhecida de seu pai verdadeiro que chegou de Londres.
— Olá — Crystal falou em grego e gostou da expressão de surpresa que viu no rosto dele.
Lexi tornou a olhar de relance e voltou a sua ocupação.
Crystal engoliu em seco, desapontada, embora reconhecendo que não se poderia esperar
outra coisa.
Leon sentou-se na cadeira de vime com um sorriso presumido. Crystal ajoelhou-se no
gramado perto de Lexi, apertando as mãos para não ceder à tentação de tomar a filha nos
braços e cobri-la de beijos.
— Eu trouxe um presente para você — Crystal prosseguiu, sempre em grego.
Lexi a encarou e tornou à organização das pétalas. Crystal entendeu que a filha não era
uma criança que poderia ser comprada, o que demonstrava grande força de caráter.
Como as de Leon, as mãos da filha, com dedos finos e longos, agiam com muita destreza.
Crystal precisou de uma grande dose de autocontrole para se manter firme. Teria de
passar por aquela provação, para evitar consequências bem piores.
Com movimentos calculados, tirou a mochila do ombro e não conseguiu abrir os fechos,
por causa das mãos trêmulas. Lexi, que observava a cena de maneira furtiva e com a testa
franzida, estendeu as mãozinhas rosadas para ajudá-la. Crystal pensou que fosse desmaiar de
emoção, ao sentir o calor da pele da filha. Era uma verdadeira tortura.
— Obrigada. — Crystal esboçou um sorriso radiante. — Que menina inteligente! Veja, isto
é para você.
Crystal abriu a mochila e deixou-a na frente de Lexi, que, indecisa, consultou Leon. Mas
prestava atenção ao outro lado.
— Muito obrigada — Lexi agradeceu, educada.
Crystal percebeu que a filha gostara e que já examinava o conteúdo da bolsa. Apanhou a
boneca macia de pano, tirou dela o chapéu de sol e soltou o velcro que mantinha o vestido
preso. Apareceu um biquini rosa. Lexi ficou encantada.
Crystal, inclinada para a frente, mal ousando respirar, apontou para a mochilinha nas
costas da boneca. Dentro, um frasco de protetor solar, escova de cabelos, toalha, óculos
escuros e um par de sandálias de salto. Tudo em miniatura.
— Ah! — Lexi exclamou, extasiada, e Crystal teve certeza de que não se sentiria mais feliz
mesmo se houvesse ganhado um milhão de libras.
Mordeu o lábio, ressentida, quando Lexi correu para mostrar a boneca e os acessórios
para Leon, mas lembrou a si mesma que não passava de uma estranha para a filha.
Lexi virou o brinquedo de todos os lados e tirou uma das partes do maiô diminuto. Leon
recebeu a escova com solenidade e seguiu instruções para arrumar as tranças de lã amarela,
enquanto Lexi se entregava à tarefa difícil de en caixar os óculos no lugar.
— Gostou?
Lexi nem mesmo a olhou, ocupada em espalhar o creme no corpo da boneca.
— Agradeça pelo presente, Lexi — Leon instigou a sobrinha.
A menina abraçou-o pelo pescoço e escondeu o rosto. Aquilo deixou Crystal arrasada.
— Vamos lá, querida — Leon insistiu.
— Obrigada — Lexi disse, muito séria, e se afastou dele.
— Fico contente por você ter gostado.
— Crystal, vamos tomar café — ele a convidou, impessoal.
Descoroçoada, Crystal ficou em pé e aceitou a cadeira que lhe era indicada, enquanto
Natasa chegava com a bandeja.
— Obrigado, Natasa. Não vai tomar café conosco? — Leon reparou nas duas xícaras.
— Hoje não, Leon. Estou fazendo tiropitta.
Natasa acariciou a cabeça de Lexi. A menina fitou-a com o maior dos sorrisos, o que só
piorou o ânimo de Crystal. A troca de agrados familiares entre a moça e Leon acentuou -se, e
Natasa fingiu que o ameaçava com o bule de café.
Crystal não entendeu por que se preocupava com o olhar de Leon fixo nas costas de
Natasa, quando ela se afastou.
— Lexi, vamos para a mesa.
— Ela não pode ficar brincando? — Crystal perguntou, ao ver a relutância da filha.
— Não. Lexi precisa sentar-se conosco, se quiser comer.
— Mas...
— Nem meio “mas”. Essa é a regra aqui.
Lexi deu um beijo na boneca, deixou-a de lado e escalou a cadeira que Leon segurava
para ela.
— Boa menina... — Leon aprovou e foi recompensando com um sorriso sublime.
— Posso pegar um biscoito? — Lexi perguntou, de um só fôlego.
— Claro, mas só um!
Crystal sorriu ao ver Lexi estender a mão e fazer bico para Leon, como quem esperava vê-
lo fraquejar. Sem con seguir, pegou um biscoito, deixou-o no prato e partiu-o ao meio.
— Dois — ela afirmou, petulante.
Leon apertou os lábios para não rir.
— Não consigo ganhar de Lexi — murmurou.
— Fico feliz com isso — Crystal confidenciou, sorrindo para a filha. — Lexi, que nome
dará à boneca?
— Mamãe — a menina respondeu, sem hesitar.
Crystal engasgou. Leon bateu-lhe nas costas e entregou-lhe um copo com água gelada.
— É uma obsessão, mas passageira — ele explicou em inglês. — Ela quer imitar Soula.
Lexi começou a tagarelar com Leon, falando depressa e deturpando as palavras. Crystal
não entendeu tudo o que a filha dizia, mas ao vê-la gargalhar concluiu que ambos gostavam
muito um do outro.
Leon continuava atento e antecipava-se aos problemas. Afastou o copo de plástico
colorido da frente das pequenas mãos que se movimentavam com gestos exuberantes.
Lexi herdara seu entusiasmo e seu ímpeto, Crystal refletiu.
No momento seguinte, Leon segurou Lexi e voltou-a para o centro da cadeira, antes que
a sobrinha irrequieta caísse. Também aconselhou-a com gentileza para não comer depressa.
Nisso também Lexi se parecia com a mãe, Crystal conjeturou, lembrando-se de como o
pai a admoestava por não fazer nada devagar.
— Gostou da bolacha? — Leon quis saber da sobrinha.
— Sim. E você?
— Tanto que estou pensando em comer outra. Que tal?
Lexi bateu palmas.
— Sim, sim!
Crystal notou que Leon era rigoroso quanto às boas maneiras. Lexi não falava com a boca
cheia, nem interrompia a conversa dos mais velhos. E era admirável que a filha aceitasse as
regras de bom grado.
Devia ser porque ambos se amavam. Leon olhava para a pequena com a maior ternura, e
era plenamente correspondido.
Crystal sentiu-se excluída daquela afeição. Leon se tornara pai e mãe para Lexi, e opunha-
se a qualquer um que pretendesse tomar seu lugar.
John se enganara. Leon adorava a sobrinha, por isso tivera a confiança de convidar a mãe,
uma desconhecida, para a visita.
Crystal empalideceu devido ao sofrimento.
Lexi balançava as pernas gorduchas e pequenas embaixo da mesa. Leon acariciou uma
delas, enquanto respondia qualquer coisa para a criança.
Crystal fechou os olhos, angustiada. Leon fazia o possível para apossar-se de sua filha!
— Crystal, está tudo bem?
— Não.
— Quer voltar para a villa ou irá cònosco para a praia? — Leon indagou.
— Irei com vocês.
— É mesmo? Já não viu o suficiente? Isso não vai ser fácil para você... Lexi, meu bem, se
já terminou, pode ir brincar. Espere, deixe-me limpar sua boca.
Lexi esticou a boquinha e esperou Leon terminar a tarefa.
— Beijo! — Lexi pediu, alegre.
— Doçura... — Leon sussurrou e beijou-lhe a face rosada. Crystal não entendeu o que Lexi
dizia.
— Sim, querida. — Leon afastou alguns fios de cabelos dos olhos da garota. — Eu
também te amo muito.
Crystal desviou o olhar, incapaz de suportar a cena.
— Escute — Leon cochichou. — Não faça isso com você mesma. Já testemunhou que sua
filha está bem e feliz...
— E que é amada.
— Muito. Você deveria imaginar que depois de dois anos a vida de Lexi estaria assentada.
Sou seu tutor legal. Assumi o compromisso de devotar-me a ela.
— Não imaginei que seria desse jeito. — Crystal fitou-o com os olhos cheios de lágrimas.
— Você deu a impressão para John de que Lexi era um empecilho.
— Isso não é verdade. Ou ele é um péssimo analista de caráter, ou estava determinado a
pensar mal de mim, ou... queria que você viesse até aqui e ficasse desapontada.
— E por que faria isso? — Crystal indignou-se.
Leon deu de ombros.
— Talvez porque goste de se sentir útil e queira confortá-la.
Crystal refletiu com amargor que Leon poderia estar certo.
— Mas Lexi precisa saber quem eu sou.
— Para quê?
Crystal lançou-lhe um olhar feroz.
— Porque ela está confusa. Chama você de pai e a boneca de mãe. Isso não é normal,
Leon. Ela quer ser como Soula, que conhece seus pais.
Leon suspirou. Soula também estava perturbada, por culpa de Marina. E não podia tirar a
razão de Crystal. A procura de Lexi pelos pais tornava-se uma questão e tanto. Não queria que
a sobrinha acabasse enfrentando uma confusão mental semelhante à de Soula. E a melhor
solução seria manter Crystal fora de cena. Poderia resolver tudo sem o envolvimento
emocional da mãe. Não queria mais ataques histéricos dentro daquela casa.
— Entendo o que quer dizer, mas a situação será bastante dolorosa para você.
— Já enfrentei muito sofrimento. Além de humilhações e medo.
As palavras de Crystal atingiram-lhe o âmago. Os olhos azuis demonstravam o tamanho
das amarguras que já enfrentara. Mas Leon procurou suprimir qualquer resquício de
compaixão.
— Por que sofrer mais? Dê-se por satisfeita de ver que sua filha está bem e volte para
Londres.
Crystal gemeu. O plano de raptar Lexi tornava-se menos tentador a cada segundo que
passava. Mas teve certeza de que não iria embora. Pelo menos tentaria ser amiga da filha,
mesmo que falhasse no intento.
— Não posso fazer isso sem ser reconhecida como mãe dela. Sei que será duro para mim,
mas ela tem o direito de saber quem sou. Acho que não é pedir demais querer visitar minha
filha.
— Mas isso é tudo que quer?
A pergunta a pegou de surpresa, e Crystal receou revelar a verdade no olhar. A expressão
de simpatia de Leon desapareceu.
— Eu... gostaria de ficar com Lexi nas férias, quando ela for mais velha.
— Enquanto Lexi for menor de idade, não sairá de Zakynthos sem mim!
— Nesse caso, terei de reclamar meus direitos no tribunal — desafiou-o.
Lexi se entretinha em encher a mochila da boneca com pétalas.
— Você gastará seu dinheiro à toa, e Sefton deve saber disso. Pode procurar um outro
advogado e entenderá a situação legal. Lexi está sob minha guarda, e poderá vê-la duas vezes
por ano.
— Não me conformarei com isso! — Crystal gritou.
— Então terá de morar aqui na ilha. E o que aconteceu com um amigo meu. A ex-mulher
dele, que é alemã, teve de abandonar o lar e o emprego na Alemanha e se mudar para
Zakynthos, para poder ver os filhos.

CAPÍTULO VII

Sentada, imóvel, Crystal observava Leon ler uma história para Lexi dormir. Se não fosse a
sombra do que seria o futuro ao lado da filha, o dia poderia ter sido idílico.
Haviam caminhado pelos jardins maravilhosos, ouvido o cantar dos pássaros e s entido a
fragrância das plantas nativas. Fizeram um piquenique na praia próxima da villa.
Lexi pulara e dançara à frente deles, a própria imagem da felicidade. De vez em quando
Leon a chamava de volta, para mostrar-lhe novidades. Um lagarto pequeno, os girinos no
regato, uma cabeça de cobra, uma enguia escondida no lago, os insetos debaixo de um
eucalipto...
Crystal tivera de conter a vontade de expandir os conhecimentos de Lexi, pois Leon
explicava-lhe tudo em grego fluente.
A linguagem mostrara-se mais uma barreira, até Lexi expressar-se, para surpresa de
Crystal, em inglês. Leon explicara que Marina, nascida e criada na Inglaterra, falava a língua
materna com Soula.
— Lexi deverá crescer bilíngue — ele dissera.
Crystal, aborrecida por Leon nada ter lhe contado, passara o resto da tarde concentrada
em Lexi. Construíram castelos na areia, escavaram um buraco para o mar encher de água, onde
ambas entravam e saíam. Os risos compartilhados valeram todas as lágrimas derramadas.
Crystal erguera a filha nos braços, quando uma onda maior as apanhara de repente. Tinha
sido um momento glorioso.
Leon terminou a história e beijou o rosto sonolento de Lexi. Crystal, apesar da vontade de
chorar, manteve-se firme. As alegrias que tivera superavam as tristezas.
Lexi teimara em ficar acordada até mais tarde, e Leon permitira. Crystal sabia que a
concessão fazia parte do plano de convencê-la da felicidade da filha, que cooperava de maneira
inconsciente. Lexi recusara-se a dormir na praia, mas aconchegara-se no peito desnudo de Leon
por um bom tempo.
Crystal invejara os dois. Lexi, enrodilhada, e Leon, bronzeado e musculoso, estirado sob o
guarda-sol.
Era uma cena muito terna e frustante, pois a fez desejar que Leon fosse o pai de Lexi.
Crystal admirou o físico perfeito e os cabelos negros, que teimavam em vir para a testa.
Lexi, a criança mais adorável e linda que já vira, permanecera confiante nos braços de
Leon. Tivera de admitir que a pequena estaria sempre segura com ele.
Lembrou-se ainda da alegria da filha quando agarravam punhados de areia e
atiravam-nos na água.
— Boa noite, Lexi — Leon murmurou, trazendo Crystal de volta ao presente.
— Boa noite.
— Para Crystal também — ele pediu.
— Boa noite para Crystal.
Todos riram, e Lexi arrumou a boneca sob o cobertor.
— Durma bem, Lexi. — Crystal, emocionada, caminhou para a porta.
— Boa noite, mamãe.
Crystal e Leon estacaram. Crystal virou-se, com o coração derretendo de tanta felicidade.
E viu Lexi abraçando e beijando a boneca.
Leon não podia se mover. Ao notar primeiro a alegria e depois o desapontamento de
Crystal o perturbara mais do poderia imaginar. E admitiu que Lexi continuava a exterio rizar
sinais de privação.
Preocupado, viu Crystal empalidecer, sufocar um soluço e sair correndo do quarto.
Passou a mão da testa, como que enraizado no mesmo lugar. Nos últimos dez dias, Lexi deixara
aparente várias vezes a vontade de ter um pai e uma mãe verdadeiros.
Leon fez uma careta. Os eventos haviam transcorrido com muita rapidez. Precisava tomar
uma atitude coerente.
Crystal, ofegante, abaixou-se no meio da escada. Leon foi sentar-se a seu lado, muito
tenso. Exausta, Crystal só queria retornar à villa, tomar uma xícara de chá e dormir meses a fio.
— Vá embora! — ela resmungou, irritada.
— Crystal, sinto muito pelo que aconteceu.
Ela se surpreendeu com a sinceridade dele.
— Sinto muito — Leon repetiu.
— E... eu e... esqueci — murmurou, confusa por ele acariciar-lhe o rosto. — Era a
boneca... eu deveria ter imaginado... mas...
A alegria fora intensa, e o desapontamento, uma facada no peito.
Leon tomou-lhe a mão.
— Foi um momento triste para você. — Ergueu-lhe o queixo. — Pobre Lexi... Tenho sido
um cego.
— Cego? — Crystal repetiu, mergulhada em um nevoeiro.
— Às necessidades dela.
Abismada, Crystal o encarou, esperançosa. Leon não se preocupava com o sofrimento
dela, mas sim com o de Lexi. E, se aceitasse que a sobrinha precisava da mãe, acabaria por
permitir e até incentivar o relacionamento entre elas.
— Leon! — Desesperada, agarrou-lhe o braço. — Sei que quer que eu desista e volte para
casa, mas não pode nos afastar. Será um grande erro. Você entende, não é? Ela quer a mãe!
— Uma mãe, talvez. Mas... você?
— Não sou uma criminosa! E mesmo se fosse, não faria diferença. Lexi quer a mãe dela!
Não Marina, nem Natasa ou qualquer outra! Ela quer a mim. Em algumas horas, percebi que lhe
falta alguma coisa. Deixe-me fazer parte de seu mundo. Ela precisa de mim.
— Está pedindo demais.
— Não estou. Se você se importa mesmo com Lexi, terá de deixar seu ódio e sua ideia de
vingança de lado e pensar no que é melhor para ela.
Crystal conteve a respiração, enquanto esperava por uma resposta.
— Preciso de tempo para pensar.
— Quanto?
— Não sei! O tanto for necessário. Não pretendo arredar pé e...
— E?
— Além do prejuízo moral que isso causará a nós dois.
— Por que eu haveria de querer fazer mal a minha filha? — Crystal sentia um nó na
garganta. — Serei cuidadosa, sensível. Aceitarei a fantasia de ter sido amiga do pai dela, até
você achar que é hora de contar a verdade.
— Isso poderá demorar muito.
— Tenho uma vida inteira para esperar. É só o que me importa.
— Nunca vi ninguém tão determinada... Pensarei no assunto e farei o que achar melhor
para Lexi. O que você acha não conta. Agora, por favor, pare de tirar meu sangue!
Crystal o soltou. Ela o apertara com força, enterrando as unhas na pele.
— Oh, desculpe-me... Eu me empolguei...
— Você sempre faz isso.
Crystal deixou cair os ombros.
— Não posso agir de outra forma, quando se trata de minha filha. Você tem de entender.
— É, foi mesmo um dia exaustivo para você.
— Eu adorei cada instante.
Apesar de tudo, Crystal não o perderia por nada deste mundo. Atordoada, levantou -se,
segurou-se no corrimão e começou a descer devagar os degraus.
Parou e reuniu as energias para atravessar o hall imenso. Leon disse algumas palavras
para Natasa e foi abrir a porta maciça de madeira entalhada, com expressão indefinível.
— Eu o verei amanhã — ela sugeriu, por medo de que ele adiasse o próximo encontro.
Trôpega, desceu os degraus externos.
— Espere, eu a levarei de volta.
Uma tocha iluminava a alameda à frente.
— Acharei o caminho sozinha...
Mal acabou de falar, Crystal tropeçou. Leon, que vinha atrás, segurou -a pela cintura. Ela
se desvencilhou depressa, sentindo a excitação dele.
Leon faria um favor a si mesmo, se voltasse para Natasa!, Crystal amargurou-se.
— Mulher teimosa! Está cansada demais.
— E também com vontade de ficar só.
Contendo o pranto e irritada com sua falta de energia, Crystal tornou a tropeçar. Leon
segurou-a de novo, dessa vez com força.
— Pare de lutar comigo. Não vou deixá-la voltar sem companhia nesse estado.
— Claro, isso iria contra sua reputação.
— Imagine se a encontrassem desmaiada em minhas terras!
— Prefiro rastejar do que fazer você passar por essa vergonha! — Crystal ironizou.
— Você é obstinada demais. -- Leon suspirou. -- Lexi teve a quem puxar. Ela não desiste
diante de um desafio.
Crystal esboçou um sorriso terno.
— Que bom...
Crystal achou desestimulante o trajeto de volta.
— A villa está muito longe, não é? — ele comentou, ao ver o cenho franzido dela.
— Tudo bem, Leon. — Suspirou, resignada. — Estou mesmo em frangalhos e, como não
há outra condução disponível, terei de aceitar sua oferta.
Puseram-se a caminhar.
— Foi muito difícil manter-se como uma estranha para Lexi?
— Você estava certo. Foi muito doloroso.
— E assim mesmo quer repetir a tortura.
— Lógico. Ela é minha filha e eu a amo muito.
— Reconheça que é cansativo cuidar de Lexi.
E como! As pernas, pesadas como chumbo, puxavam-na para baixo.
— É só descansar e ficarei nova em folha.
— Crianças pequenas exigem demais...
— Está sugerindo que não darei conta de ficar com ela?
Leon apertou-lhe a cintura.
— Relaxe. Só estou fazendo um comentário. Você poderia descansar amanhã. Nadar,
passear...
— Está brincando! Quero ficar com Lexi!
— Sei disso, mas preciso de tempo para pensar.
— E não pode fazê-lo quando estou por perto?
— Não. Não posso.
— Não vou atrapalhar. Ficarei brincando com...
— Crystal, não posso me concentrar com você ao redor. Por favor, conced a a si mesma
um descanso. Vi o esforço que lhe custou hoje chegar até o fim. Por que tanto sofrimento? Não
disse que tem a vida toda para esperar?
Crystal teve de dar-lhe razão. Não estava mesmo em condições de emocionar-se tanto
todos os dias.
Continuaram a andar, pisando sobre pés de hortelã, manjericão e tomilho.
Leon, notando que Crystal continuava vacilante, parou e apoiou -a. Ela fitou, hipnotizada,
o arfar do peito largo sob a camisa azul e branca.
— Sei que você tem muita energia e entusiasmo, como Lexi. Mas não está bem no
momento, e precisa recuperar suas forças, Crystal. Descanse amanhã. Durma o dia todo, se
quiser. Que diferença fará?
Leon afastou os fios de cabelos dourados, que esvoaçavam diante do rosto dela. Crystal
se arrepiou ao toque de seus dedos e o olhou. Temendo cometer um ato insano, desviou o
olhar para a noite aveludada além daquele ombro largo.
— Não usará isso contra mim? Não alegará no tribunal que, em vez de estar com Lexi,
preferi ficar dormindo?
— Não. Só que não quero vê-la chorar na frente da menina. Se você se impuser esforços
demasiados, poderá perder o controle. Imagino como deve estar se sentindo, por não
compartilhar da vida dela...
— Sei que você entende. — Crystal tornou a perder o equilíbrio.
— Eu deveria ter vindo de carro.
Andavam como namorados, encostados um no outro, mas devia ser por ele ter receio de
precisar carregá-la, se desmaiasse, Crystal refletiu.
Ela queria apenas aconchegar-se naqueles braços, dormir e acordar ao lado dele.
Por mais concessões que fizesse, Leon era seu inimigo, e Crystal lutaria com unhas e
dentes para ficar com a filha.
A villa surgiu, silenciosa e solitária.
— Obrigada — ela disse, cabisbaixa. — Boa noite.
Leon continuou a caminhar ao lado dela.
— Eu a levarei até a porta.
— Para ter certeza de que não tenho nenhuma orgia preparada aí dentro?
— Mesmo que tivesse, sei que você não aguentaria — ele brincou.
— Bobagem, esqueça o que eu falei. Você foi muito bondoso em trazer-me até aqui.
— Espere, deixe que eu abro.
Crystal percebeu que estava enfiando a chave no buraco errado e encostou-se no
batente.
— Lexi não abre o coração com facilidade, não é? — Crystal murmurou, pesarosa.
— Ela precisa de tempo para analisar as pessoas. Costuma fitar a todos com aquele seu
olhar e espera que saiam correndo e gritando.
— E isso me machuca mais do que você possa imaginar. Conseguiu fazer-me passar por
um inferno, Leon.
— Crystal... — Seguiu-a até o meio da sala, onde ela pa rou, magoada.
— Vá embora!
— Não posso.
Crystal gemeu, confusa. Desejava-o e odiava-o ao mesmo tempo.
— Por quê?
— Não sei... Ou talvez eu saiba muito bem. Eu me sinto responsável por...
— Tarde demais! — E Crystal se precipitou para o quarto. — Eu queria ter sabido por você
que nada mais havia entre nós e que já estava noivo. Queria que tivesse acreditado em mim,
quando me acusaram de estelionato...
Crystal não suportou falar mais nada. Rompeu em pranto, bateu a porta de seus
aposentos e escorou o trinco com uma cadeira.
Despiu-se, tomou um banho e se enfiou embaixo das cobertas. Apenas quando apagou a
luz da cabeceira escutou a porta da frente fechar-se. E os soluços retornaram com força.

Leon achou difícil concentrar-se. Dormira mal, sem conseguir tirar da cabeça o desamparo
do semblante de Crystal. Mesmo àquela hora, dez da manhã, Crystal permanecia em sua visão,
em seu corpo...
Nem mesmo podia contar com a companhia de Lexi, que fora para a cidade no carro de
Natasa, ambas alegres e rindo. A sobrinha não largara a boneca nova. Levava-a ao banheiro, ao
desjejum e ao passeio, sempre lambuzada de protetor solar e mochila nas costas, como Lexi.
Seu pensamento vagava como o de um sonâmbulo. Via os cabelos dourados e sedosos
emoldurando a fisionomia suave. O rosto aflito. Braços irrequietos, pois não podiam embalar
Lexi. Um corpo. Ah, o corpo!
Depois de perder a segunda mensagem no correio eletrônico e não conseguir terminar
um balancete simples da companhia, levantou-se irritado e foi trocar de roupa para ir à praia.
Nadaria até ficar exausto e não pensaria em mais nada. Nem mesmo em lábios carnudos
pedindo para serem beijados.

Vinte minutos mais tarde, Leon soube que tomara uma decisão acertada. Passou pelo
jardim, ouviu o zunir das abelhas e sentiu o corpo relaxar.
Um abutre pairou nas alturas. Cardos delicados cor de malva acarpetavam os olivais. A
brisa agitava as folhas das tamareiras. Borboletas com caudas semelhantes às das andorinhas
enfeitavam as ervas rasteiras, como se fossem jóias.
Parou no alto da baía arenosa e admirou a curva exuberante. E seu pulso acelerou, ao
avistar outra silhueta magnífica. Crystal.
Leon gemeu, sabendo que teria de voltar, mas suas pernas levaram-no para a frente.
Ela queria ficar a sós. Descansar e recuperar-se. E ele também. E não teria nenhum
descanso com Crystal por perto.
Haviam concordado em não ficar juntos. O fogo acendia-se com facilidade...
Mas Crystal estava lá. Desacompanhada. Uma força inexorável o arrastava e fazia-o
esquecer as precauções.
— Que surpresa... — Leon ouviu-se fizer.
Ela estava sentada em uma cadeira de praia. Ao contrário da véspera, quando usara um
maiô inteiriço, naquela manhã vestia um biquini minúsculo que realçava as curvas
espetaculares. Em uma atitude estranha para Leon, Crystal protegeu os seios com as mãos, o
que o fez olhar ainda com mais atenção para o local.
Leon apertou as unhas nas palmas das mãos e tentou parecer indiferente, sentando-se ao
lado dela.
— Não pretendia perturbá-la — ele fingiu alegria —, mas pensei em dar um mergulho.
Como ambos estavam com óculos escuros, ficava difícil desvendar o significado da
expressão de cada um. Crystal sorriu, hesitante, talvez imaginando qual seria o veredicto dele.
— Eu também. Acordei mais bem-disposta e resolvi aproveitar a praia, para amenizar a
saudade de ontem.
— Tivemos a mesma ideia. Importa-se se eu ficar?
— E como eu poderia? Afinal, a praia é sua. Mas irei embora, se você começar a “rosnar”
para mim.
— Não “rosnarei”. Também quero passar algumas horas sossegadas. Feito?
Crystal deu um sorriso encantador.
— Feito. — Virou a cabeça para trás para aproveitar o sol, o que fez o contorno do busto
erguer-se.
Leon resolveu olhar para o oceano.
— Fico feliz que tenha melhorado. — Como não lhe ocorresse um assunto, ele resolveu
ser sincero.
— Eu precisava mesmo de uma pausa. Há muito tenho vivido sob pressão.
— Posso imaginar.
Apesar de Crystal ter sido a responsável pelas próprias desditas, Leon não pôde deixar de
sentir compaixão por ela. Lexi era uma estranha para a mãe...
Ele a mirou, ao ouvir um suspiro. Crystal estava de olhos fechados e sua pel e brilhava ao
sol.
— Onde está Lexi, Leon?
— Fazendo compras com Natasa na cidade.
Pelo enrijecer do maxilar dela, Leon compreendeu que não a agradava saber que outra
mulher atendia às necessidades da filha.
— Natasa parece gostar muito de Lexi. Ela... a chama de mãe?
Leon começava a convencer-se de que não poderia excluir Crystal da vida de Lexi, e aquilo
o amedrontava. As implicações da mudança eram assustadoras.
— Chamou-a uma vez.
— Oh, Deus!
— Isso também aborreceu Natasa, que tratou de esclarecer que não era a mãe dela, nem
se candidatava ao posto. — Atento à ansiedade de Crystal, resolveu explicar o parentesco: —
Minha cunhada adora crianças.
— Ela é irmã de Marina?
Leon anuiu.
— O marido dela morreu há seis meses, de câncer. Desgostosa, Natasa prometeu a si
mesma que não se casaria mais, nem teria filhos, o que acho um absurdo. Ela é muito dedicada
a Lexi e adora crianças. Quero que Natasa seja feliz. Ela sofreu muito por causa do marido, e
ainda sofre.
— Pobre Natasa! Deve ter sido terrível ficar viúva sendo tão jovem... Os sonhos, os planos
de futuro...
A história de Natasa despertou uma comoção profunda em Crystal, bem acima do normal.
— Crystal? — Leon tocou-lhe o braço.
— Eu estava pensando... Foi rápida?
— A morte de Thor? Por sorte, sim. Eles vieram ficar comigo, o que a ajudou a enfrentar a
situação. Todos sabíamos que o estado dele era terminal.
— Deve ter sido duríssimo para todos...
Leon sentiu-se compelido a trocar confidências com Crystal, coisa que nunca fizera com
ninguém.
— Eu ficava com muita pena quando a ouvia chorar de noite. Queria ajudá-la, mas não
podia fazer muita coisa. E isso me atormentava bastante.
— Ninguém pode sofrer por outra pessoa. Cada um tem de enfrentar sua própria cruz. É
impossível passar por cima da dor. Temos de atacá-la de frente, e por isso saímos fortalecidos.
Você não podia fazer mais nada, a não ser apoiá-la.
— Acha mesmo?
— Sem dúvida. Natasa parece gostar muito de você.
— E eu, dela.
Natasa, para Leon, era uma corda salva-vidas.
— Você a está ajudando a superar o trauma, e ela mima vocês dois como uma mãe
afetuosa. — Crystal arregalou os olhos, inquieta.
— Crystal, Natasa jamais será a mãe adotiva de Lexi. Quando o marido morreu, ela pediu -
me para tomar conta de minha casa. Natasa precisava de um contato familiar, mas não queria
viver como uma parasita. Minha governanta estava para se aposentar, e aquilo
pareceu-me um bom ajuste.
— E os comentários, por vocês morarem sob o mesmo teto?
— Marina e Soula também estão lá. Natasa é muito devotada à irmã, e nós somos para
ela a extensão de sua família.
— Pobrezinha! Espero que ela encontre a felicidade algum dia.
Leon refletiu que havia vários estágios de felicidade e, apesar de não poder se queixar,
concluiu que já conhecera um nível bem mais elevado, quando namorava Crystal, que lhe
trouxera uma enorme alegria de viver.
— Acho que vou nadar um pouco — Crystal murmurou.
Leon observou que, se fosse nos velhos tempos, ela teria dado algumas cambalhotas.
Embora em alguns momentos ainda demonstrasse a impetuosidade antiga, na maioria das
vezes ela se mantinha reprimida e triste.
Depois de algum tempo, ele tirou a camiseta e correu para a água turquesa. Nadou,
flutuou, admirando o firmamento muito azul e tornou a nadar. Quando saiu do mar, Crystal já
estava na praia, ocupada em enxugar-se.
Leon se sentou na margem da areia molhada e refletiu que era hora de tomar uma
decisão. Pensou em como falhara com Soula. Era difícil admitir, mas Crystal estava certa. Lexi
teria um equilíbrio maior se conhecesse a mãe biológica. Ao ver as ondas rasas dançando sob
seus pés, refletiu que havia coisas que não se podia deter. O amor e a maré eram duas delas.
Mesmo se concordasse, contudo, não permitiria que Lexi fosse ameaçada por nenhum
tipo de perigo. Bem, teria de evitar que Crystal ficasse sozinha com a filha.
Certo de que daria uma tremenda reviravolta, Leon levantou-se e correu para onde
Crystal estava sentada.
— Você decidiu! Vai deixar eu fazer amizade com minha filha! — ela gritou, mesmo antes
de ele chegar muito perto.
— Como descobriu?
— Eu o decifrei.
— Como assim?
— A maneira como você estava sentado, pensando... e a linguagem corporal. Além disso,
senti que tomaria a decisão acertada.
Leon resmungou e sentou-se na espreguiçadeira ao lado.
— Por favor, Crystal, não faça com que eu me arrependa da decisão. Se fizer algum mal
àquela criança...
— Acha mesmo que eu seria capaz disso? — Crystal o encarando. — O bem-estar de Lexi
sempre virá em primeiro lugar! Obrigada, Leon, por dar-me essa chance.
— Faço isso por Lexi, não por você.
Seria mesmo? Leon não tinha certeza. Mas um peso saíra de suas costas. Veria Crystal
com frequência. Regalaria os olhos com sua beleza. Poderia conhecê-la melhor... Mas que
loucura!
— Por isso eu sabia que concordaria.
— Acertou na mosca.
— É mesmo? Que bom! — Crystal exultava.
— Não quero que Lexi fique perturbada. — A alegria de Crystal era contagiante, e ele
teve vontade de beijá-la até tirar-lhe o fôlego. — Faremos isso aos poucos. Confie em mim.
— Claro, Leon. Estou tão feliz!
Crystal ficou de pé e não conteve a impulsividade natural. Beijou-o nas duas faces.
Leon não resistiu. Antes de perceber o que fazia, ele a tomou nos braços e a beijou.
Primeiro, com timidez, e depois, estimulado pela euforia de Crystal, com uma intensidade
feroz.
Ela o empurrou pelos ombros. Relutante, ele se afastou, fitando-lhe os olhos
perturbados.
— Não posso acreditar que fiz isso! — Crystal exclamou, tapando a boca com a mão.
Leon achou graça.
— Você sempre precisa desabafar.
— Isso mesmo! — Ela corou de vergonha.
E, para alegria de Leon, Crystal correu para as ondas, dando uma série de cambalhotas
perfeitas.

CAPÍTULO VIII

— Vamos dar comida para os animais — Leon contou na manhã seguinte, ao chegar com
Lexi à villa, como haviam combinado.
— E quais são eles? — Crystal estava muito feliz por ver a animação de Lexi, que pulava
sem parar.
— Galinhas. — A menina segurava um pedaço de pão sujo e esmagado.
— E também perus, cabras, carneiros e gansos — Leon emendou, indulgente. — Que tal
mostrar a Crystal, querida, os restos do café da manhã que você guardou?
Lexi concordou com acenos tão vigorosos de cabeça que o boné escorregou para o lado.
— Deixe que eu ajeito isso — Crystal se ofereceu.
Lexi afastou-se, desconfiada. O gesto entristeceu Crystal, embora refletisse que ainda era
muito cedo para conquistar o amor da filha.
— Crystal, será que você poderia me ajudar? — Leon largou a sacola com pão
amanhecido e, enquanto Crystal segurava os cabelos macios da filha, ele fez um novo e belo
laço, voltando, em seguida, o boné no lugar.
Crystal sorriu, agradecida, e Leon retribuiu-lhe com uma piscadela.
— Os animais pertencem ao caseiro — Leon explicou, quando se puseram de novo a
caminho. — Ele ligou para avisar que os ovos de peru eclodiram. Achei que Lexi gostaria de vê-
los.
A pequena propriedade ficava além de um campo de videiras. Leon ia na frente, com Lexi
sobre os ombros apertando-lhe o pescoço e usando sua cabeça como tambor. Passaram por
um caramanchão de madressilvas e uma plantação de limoeiros, onde as avezinhas cinzentas
piavam, alegres.
— Ali estão eles. — Leon deixou Lexi no chão.
— Galinhas! — Lexi gritou e correu atrás deles.
— Ela herdou minha sutileza... — Crystal suspirou ao ver os pequenos perus fugirem à
aproximação da garotinha. — Delicada...
— Esse entusiasmo é maravilhoso. — Leon passou as mãos nos cabelos desarrumados.
— Você diz isso por que não é uma “galinha”.
Ele riu e pegou na mão de Lexi para mostrar-lhe como ganhar a confiança das aves.
Ensinou-a a atirar o pão o mais longe possível e a diminuir a distância aos poucos.
Contudo, a pontaria de Lexi não era muito boa, e quase atingiu um ou dois filhotes.
— Olá, galinhas — Lexi sussurrou para os que ousavam se aproximar.
Ficou rígida feito uma estátua, ao obedecer às instruções de Leon para não se mexer
muito, e moveu apenas os dedos, o que aumentava o risco das aves.
Crystal maravilhou-se com a paciência de Leon que levou Lexi para dar milho às galinhas e
alimentar os outros animais. Em meio a um gramado, achou um ovo.
— Veja, Lexi! — Crystal abaixou-se e sorriu. — Estenda a mão.
E a menina obedeceu, hesitante, e Crystal deixou o ovo na palma pequena e rosada.
— Está quente!
— Devagar — Leon avisou —, senão poderá quebrar-se.
— Ah... — Lexi controlou a vontade de pular.
— É para seu desjejum — Crystal sugeriu.
— Sim, muito obrigada. — Lexi mostrava-se satisfeita.
— Não tem por quê. — Crystal emocionou-se, pensando que a cena poderia repetir-se
para sempre, com muito amor entre eles.
Impossível. Leon acreditava que ela cometera fraude contra pessoas inocentes e que fora
a causa indireta da morte de Taki. E, embora tivesse vontade de beijá-la, não a aceitaria em sua
casa.
Mas, em relação aos planos anteriores, como afastar a filha daquele paraíso? Não teria
coragem de fazer Lexi sofrer. Seria doloroso aceitar que o futuro da menina seria na ilha.
Admitiu que Leon estava certo, embora houvesse encarado o aviso dele como uma ameaça.
— Os animais e as aves já se alimentaram. Agora vamos voltar para a villa de Crystal.
— E que tal um mergulho na piscina?
Lexi saiu correndo, seguida por Leon, sempre zeloso. Dali a instantes, Crystal escutou os
gemidos da filha, que decerto caíra, e as palavras de consolo de Leon. Uma risadinha in fantil e o
riso melódico dele.
Ah, como desejava Leon!, Crystal refletiu. E não apenas seu corpo, mas para ser um
companheiro que a confortasse nas horas difíceis e que compartilhasse suas alegrias.
Quantas ilusões!

No final da tarde, Lexi adormeceu, exausta de tanto brincar na água. Leon deitou-a em
uma cadeira reclinável sob uma nogueira e sentou-se ao lado de Crystal na beira da piscina.
— Ela gostou do ovo.
— Como se fosse uma jóia da coroa — Crystal fez graça.
— Mais ainda. Lexi é fascinada pela natureza. Tenho de passar horas tentando identificar
besouros e passarinhos.
Crystal esquivou-se de um inseto enorme que voou em sua direção.
— Nossa! Que tamanho de abelha! Tem um zumbido que mais parece uma serra elétrica!
— Se ficar quieta, ela não vai mordê-la.
Mas o inseto desmentiu-o e aproximou-se, ameaçador, da cabeça de Crystal, voando em
círculos.
— Socorro!
Ela se agarrou em Leon, que perdeu o equilíbrio, e os dois caíram na água, gargalhando.
Leon a perseguiu, brincando. Crystal subiu os degraus da outra extremidade da piscina, mas foi
agarrada por ele.
Naquele momento, alguém gritou, e Crystal virou-se.
Marina estava parada na beira, muito bem vestida, com uma roupa de couro preta, com
as mãos na cintura, em tom evidente de desaprovação.
Leon segurou Crystal pela cintura e a apresentou.
— Olá, Marina. Esta é Crystal.
— Em vez de perder tempo com criminosos, por que não dá atenção a sua sobrinha?
Pela força com que ele a segurava e pelo ranger ruidoso dos dentes, Crystal pensou que
Leon fosse revidar a aspereza de Marina. Puro engano.
— Lexi está dormindo.
Crystal olhou na direção oposta. Uma menina de cinco ou seis anos, Soula, sem dúvida,
vestida com um traje rosa de festa e muitos laços, atirava, com toda a calma, objetos na
piscina. Uma banqueta pequena. O par de óculos de sol de Crystal. Uma toalha.
Leon atirou-se na água e saiu, carregando tudo.
— Soula, pelo amor de Deus! — ele a repreendeu.
A garota gritou e correu, jogando na água tudo o que en contrava a sua frente. Duas
canecas, um prato, uma laranja e as sandálias transparentes de Lexi.
— Veja o que você fez! — Marina se enfureceu.
— Soula, por favor, não faça isso.
— Não chegue perto de mim! — Soula ordenou, batendo os pés. — Mamãe!
Marina e Leon se entreolharam com ódio. Mas Leon também demonstrou dor e
frustração.
Crystal caminhou devagar até Lexi, imaginando o que fazer e com receio de que a filha
acordasse.
— Leve Lexi para dentro! — Leon pediu, de longe. Crystal obedeceu, mais do que
depressa. Enfim, tomava sua filha nos braços, embora por um motivo desagradável.
Com muito cuidado, subiu a escada até a residência e, sem largar Lexi, sentou-se na
cadeira mais próxima da entrada.
Ao contemplar o lindo rosto adormecido, Crystal sentiu o coração estourar de alegria e
ternura. Beijou a cabeça da filha, sentindo-se culpada. Era como violar-lhe os direitos. Engoliu
em seco e conteve a vontade de estreitar a pequena com força e beijá-la até não poder mais.
— Soula, você não pode fazer isso! — Leon, com as mãos na cintura, falava com rispidez,
perto da piscina.
— Ela está aborrecida por você esquecer que Lexi ia à festa de Maria — Marina gritava.
— Tivemos de perder tempo vindo até aqui, e Soula não viu o show do palhaço.
— Eu avisei que Lexi não iria, e ela pareceu não se inco modar. A mãe dela está aqui...
Crystal levantou-se da cadeira com cuidado para não acordar a menina. Queria afastar-se
para onde a conversa não pudesse ser ouvida. Estacou. Lexi abriu os olhos... e tornou a fechá -
los.
— Mas você prometeu! Não podia ter quebrado a promessa, Leon.
Crystal parou, para ouvir a resposta dele.
— Isso foi há uma semana, antes de Crystal chegar.
— Você garantiu que ia mandá-la embora no mesmo avião!
Lexi abriu os olhos, viu o rosto de Crystal e desandou a chorar.
— Calma, querida. Está tudo bem, sou eu.
A despeito de todas as tentativas para consolar a filha, a menina não parava de soluçar e
espernear.
Em instantes, Leon apareceu e tomou-lhe a garota dos braços.
— Ela não escutou nada — Crystal falou, chorando.
— Tudo bem. Lexi se assustou.
Assustada. Por ver a própria mãe. Crystal deixou escapar um gemido.
Aos poucos, Lexi acalmou-se, com a voz tranquila de Leon, que beijou-lhe a face molhada
e fingiu engolir as lágrimas. Depois, fez o mesmo com o narizinho e as orelhas, e declarou que
eram deliciosos. Lexi começou a rir, esquecida do choro.
Tão simples, Crystal pensou, com tristeza. Se ao menos não fosse uma estranha e
soubesse como consolar a filha!
“Oh, Deus!” Ela abraçou-se, ferida até a alma. “Perdi minha filha. Será que algum dia a
terei de volta?”
— A festa... — Marina apareceu na porta de trás.
Leon deixou Lexi no chão.
Crystal irritou-se por ter de deixar a filha com aquela mulher e Soula, uma garota tão mal -
educada.
— Leon, por favor...
Leon olhou-a e adivinhou-lhe os pensamentos.
— Natasa irá dirigindo. Ela é responsável por Lexi.
— Mas...
— Confie em mim. Acha que eu iria deixá-la em uma situação desagradável?
— Não...
— Isso não é da conta dela!
— Ela é a mãe de Lexi, Marina. Crystal tem todo o direito de estar preocupada com o
bem-estar da filha.
Embora o tom fosse amigável, Leon fitava a ex-mulher com a frieza do aço.
Marina parecia pronta a despejar veneno, e Crystal teve receio do que Lexi pudesse
escutá-la.
— Acha mesmo? Esqueceu que ela matou seu irmão?
Crystal deu um grito sufocado, e Leon cruzou o recinto como um raio.
— Não diga mais nem uma palavra, ou serei tentado a usar de violência. Vou buscar a
roupa de minha sobrinha. Vá e espere no carro. Se ela quiser ir, daqui a pouco estará lá fora.
Marina, dessa vez você foi longe demais. Conversaremos quando você voltar.
Abismada, Crystal afundou em uma cadeira. Envolta nos próprios problemas, não parara
para refletir no ponto de vista, por mais equivocado que fosse, de Leon.
Acreditando-a culpada pela morte do irmão, como poderia gostar dela? Ou ter o mesmo
carinho e respeito que tinha por Natasa? E como não havia provas de sua inocência, ele a
culparia para sempre.
— Não quero que ela vá — Crystal sussurrou, em pânico, quando tornou a ficar a sós com
ele.
Por sorte, Lexi estava concentrada em brincar com a boneca.
— Sei disso. Há coisas que tenho de lhe explicar, mas preciso de tempo para fazê-lo.
— Mas você disse que eu poderia ficar com Lexi...
— Isso foi antes da cena que acabamos de ver.
— Cena? Aquilo foi um desastre!
— Está exagerando, Crystal.
— Não no que se refere a Lexi.
— Natasa tomará conta dela e de Soula. E Marina só grita com Lexi quando está perto de
mim. Além disso, Lexi se divertirá muito, pois a festa irá até amanhã.
— E Soula? — Crystal estava com os punhos cerrados, pronta para defender a filha.
— Só se importa consigo mesma.
— Leon! — Crystal não acreditou que um pai falasse da filha daquela maneira.
— Depois eu explico.
Ele vestiu Lexi com um lindo traje azul, enquanto lhe explicava, com animação, as delícias
que a esperavam na casa da amiga.
Depois das despedidas, Leon se ajeitou no sofá e, pela porta aberta, fitou os objetos
flutuando na água.
— Não se preocupe. — Crystal, condoída, sentou-se a seu lado, tocando-lhe o ombro. —
Lexi não ouviu nada. Ela começou a chorar.... depois de ter me visto.
— Mas poderia ter ouvido, pois não estava tão longe. O que me faz pensar que, afinal,
isto não é um paraíso. E você pode estar certa.
Leon a fitou, demonstrando a tristeza que lhe ia na alma. Crystal acariciou -lhe a cabeça,
trouxe-a de encontro a seu peito e abraçou-o.
— Não entendo. Se você e Marina se odeiam. Então, por que ela ainda está aqui? Vocês
estão divorciados. Não vale a pena fazer da vida um inferno.
Leon exalou um suspiro sentido.
— Conte para mim. Eu gostaria de ajudá-lo, se puder.
Leon segurou-a pelo ombro e puxou-a mais para perto.
— Continue a me abraçar. Isso ajuda.
Depois de ele ter se acalmado um pouco, Crystal tentou outra vez:
— Quando você me visitou na prisão, Marina ficou cuidando de Lexi, não é?
— Não. Natasa era quem estava encarregada de tomar conta de Lexi. Mas, se eu lhe
dissesse que sua filha ficara com a irmã de Marina, você teria enlouquecido. Olhe, vamos limpar
a piscina. Em seguida, prepararemos um chá e eu lhe contarei tudo.

Leon acomodou-se ao lado de Crystal e, em um gesto natural, puxou-a para si, enlaçando-
a pela cintura. Ela adorou a sensação.
— Você me acusou de tê-la abandonado para ficar noivo. Mas não foi tão simples assim.
— Não?
Leon virou-lhe o rosto para encará-la com um sorriso triste.
— Eu te amava.
— Então... por que despedaçou meu coração?
Leon acariciou-lhe a face e Crystal semicerrou as pálpebras.
— Por dever.
— Leon...
Ele a beijou com ternura e endireitou-se.
— Lembra-se de quando participamos da corrida estudantil beneficente? Fizemos amor
em meu apartamento e combinamos para nos encontrar no dia seguinte. Você estava de jeans,
camisa azul e usava os cabelos presos.
Então ele não esquecera...
— E nós nos despedimos.
— Naquela mesma noite, recebi um telefonema de meu pai, que estava na Inglaterra.
Viera com membros da família Christofides. Várias gerações das duas famílias foram unidas por
interesses comerciais. Papai parecia preocupado. Marcamos um encontro no hotel, às sete da
manhã.
Crystal nunca vira Leon tão melancólico.
— Foi um casamento arranjado, não é mesmo? Um problema de dinastia.
— Não diria isso. Marina, filha única e herdeira de Anton Christofides, maior amigo de
meu pai, estava com problemas.
— Grávida? Você...
— Não, não fui eu, Crystal. Foi um turista.
— Está me dizendo que Soula não é sua filha?
— É isso. Marina estava com dezessete anos, era voluntariosa, mimada. Insuportável. O
pai ficou fora de si pela vergonha.
— Eles o obrigaram a casar para encobrir o que estava acontecendo?! E você concordou?
Como pôde fazer isso?!
Crystal bateu com os punhos fechados no tórax dele, que agarrou-lhe os pulsos.
— Isso é obsceno! Você me amava! — Ela lutou para escapar, mas ele a segurou com as
pernas. — Solte-me! Não posso acreditar que tenha feito uma coisa dessas! Solte-me!
Vermelha e furiosa, Crystal se contorceu até a camisa subir, com perigo de revelar o busto
desnudo.
— Seu miserável! Arruinou minha vida por causa de uma... garota rica e mimada que...
Leon beijou-a, e Crystal, incapaz de resistir ao apelo, abraçou-o pelo pescoço,
trazendo-o ainda para mais perto.
— Crystal... Crystal... — Leon sussurrava entre suaves beijos eróticos. — Deixe-me
explicar.
— Espere um pouco! Você está mentindo! Não se tratou de nenhuma surpresa para você.
Eu estava lá e vi as faixas, o cardápio...
— Tudo foi arranjado aqui na ilha, com urgência. Eles tinham certeza de que eu
concordaria.
Crystal viu o desejo impresso no rosto dele, mas lutou contra a ânsia que a atormentava.
Como podia ser atraída pelo homem que a destruíra? Fora jogada nos braços do im placável
Taki, ficara dois anos na cadeia e perdera a tutela da filha!
Precisava dominar-se.
— Muito bem, pode se desculpar. Mas não esqueça, Leon: estou pronta para arruinar
suas chances de paternidade para sempre!

CAPÍTULO IX

Leon achou que, pelo olhar de Crystal, ela bem poderia cumprir a ameaça. Soltou -a
devagar e Crystal, enraivecida, acabou perdendo o equilíbrio e caiu sentada no colo dele.
Ela estremeceu, e Leon quase perdeu o controle ao sentir o calor no local onde os corpos
ficaram encostados. Ambos tremeram e entreolharam-se, apavorados. Leon não conseguia
mais raciocinar. Só tinha consciência das sensações que o invadiam.
Com grande força de vontade, refletiu que teria de fazê-la entender o que acontecera,
custasse o que custasse. Não era nenhum miserável. Agira com a maior honradez possível.
— Mas que droga, Crystal! Você não sabe o que aconteceu.
— Esclareça, então. — A custo, ela continha a ira.
— Acha que não discuti com eles? Que não lhes disse que estava apaixonado? As duas
famílias lembraram-me de meu dever e de que eu era a única pessoa que poderia ajudá-los.
Entenda meu dilema! Eram pessoas muito amigas e dependiam de mim para solucionar uma
situação desesperadora. Sempre admirei e respeitei Anton Christofides. Ele é meu padrinho.
Em meu país, esse é um vínculo muito forte. Anton sempre foi um segundo pai para mim, e o
adoro. E ali estava um homem confiante, respeitado e seguro, implorando para que eu salvasse
a filha da desonra.
Leon passou a mão pelos cabelos, perturbado pelas lembranças.
— Foi um pesadelo. O tempo inteiro eu podia ouvir Marina soluçando na outra sala.
Apesar de tudo, ela não passava de uma criança. Diante de minha resistência, eles a trouxeram
para convencer-me. Nunca vi tanta histeria! Marina jogou-se em meus braços, pedindo para eu
concordar. Segurava uma navalha, e eu não tinha certeza se pretendia cortar os próprios
pulsos ou os meus. Sabe o que é ver a vida de alguém depender só de você?!
Crystal se mantinha calada.
— Eu deveria dar-lhe as costas? No mínimo, perderia o respeito de meu pai, alguém que
eu amava e honrava acima de tudo. Teria destruído pessoas a quem queria bem. E pior: Marina
poderia cumprir a ameaça de se matar.
Leon respirou fundo. Recordar-se de tudo aquilo parecia ainda pior do que tê-lo vivido.
— Ela jurou que faria um aborto se não nos casássemos. Eu não podia ser responsável
pela morte de um inocente.
Leon percebeu a expressão repleta de simpatia de Crystal, antes de ela encostar -se nele e
acariciar-lhe a testa vincada. Aquilo significava muito para ele. Durante anos, desejara
esclarecer tudo.
— Poderia ter-me contado...
— De nada adiantaria. Se eu falasse com você, jamais teria aceitado o que me pediam.
Seria mais fácil se me odiasse, Crystal. Assim, não seria tentado a mudar de ideia. Tinha de
acreditar que acabaria por amar Marina e a criança.
— E?
— Tentei, mas não consegui. No começo, amei Soula, mas conviver com Marina foi
impossível. Ela foi minha esposa apenas no nome.
Leon lembrou-se dos dias que pareciam pesadelos. Marina, sempre muito irritada,
fazendo-o se esquivar de objetos que atirava nele. Gritava por qualquer coisa, fosse um batom
perdido ou uma passagem aérea extraviada. Leon não conhecera ninguém que fosse ao menos
parecido!
Crystal tocou-lhe a face. Ele procurou banir da memória o inferno daqueles anos e parecer
controlado.
— E, como chefe de família, tive de tolerar tudo.
— Dever... Mas você não ficou apavorado com a situação.
— Admito que não. Ainda bem que consegui manter Lexi afastada das explosões. Marina
e Soula ficam juntas a maior parte do tempo. Sou apenas uma carteira ambulante. Mas devo
confessar que, muitas vezes, não sei como agir. Deveria tê-las deixado à própria custa. Foi um
erro tentar adaptar Soula às regras de minha casa. Mas é difícil ver uma criança ser criada com
valores tão diversos dos nossos.
— O que Marina deseja da vida, afinal?
— Dinheiro.
— Amor, Leon. Todos nós precisamos de amor.
Ele assentiu.
— Isso eu não podia dar a ela. Um teto, segurança financeira, educação, simpatia,
tempo... qualquer coisa, menos amor.
Crystal também não dera amor a Taki. E o casamento fracassara.
— Creio que você deveria tê-la deixado partir. Marina não teve oportunidade de
encontrar sua alma gêmea. Não é de sua conta a maneira como educa a filha, e você ainda
parece ser o catalisador da ira de ambas, pois impede a aproximação dos prováveis candidatos
a namorado.
Crystal não explicou que os homens ficariam intimidados pelo carisma de Leon.
— Concordo. Falarei com Marina pela manhã. Vou sugerir que ela se entenda com o pai e
volte a morar com ele. Acredito que Anton e a nova esposa ficarão felizes com Ma rina por
perto, ainda mais se Natasa for junto. Marina fica mais calma ao lado de Natasa. Veremos o que
resolvem. O problema é que estou sem governanta. A mulher do caseiro poderia ajudar...
Donika trabalha no campo e vive pedindo para eu arrumar-lhe um trabalho aqui dentro. É isso!
Falarei com ela. Na certa adorará a oportunidade.
— Você vai sentir falta de Natasa.
Leon sorriu.
— Ah, os biscoitos... Mas minha cintura vai agradecer — Leon brincou. — Mas, claro,
sentirei a fala dela.
— Bem, mas Natasa sempre poderá visitá-lo. — Crystal mal acreditava na própria
generosidade.
Leon acariciou-lhe os cabelos loiros, com olhar distante. Crystal refletiu que a atitude de
Marina destruíra muitas vidas, inclusive a dela. Quanta tristeza... Ela e Leon poderiam estar
casados e com filhos.
— Ah, Leon...
— Crystal...
— O chá está esfriando.
— Quem se importa?
— Aquilo não mudou nada.
— Não mesmo?
— Não.
Crystal mordeu o lábio e procurou ignorar as carícias que ele fazia em seus braços, com o
olhar intenso. Ao tentar desvencilhar-se, Leon a beijou.
Apavorada, Crystal se afastou e disse a primeira coisa que lhe veio ocorreu:
— Preciso ligar para John.
— Mais tarde.
— Não, Leon. Por favor...
— Para que a pressa?
— Não se trata disso.
— Então o que é? Será que você é tão liberal com seus favores?
— Seu estúpido! Nunca acreditou em mini! Para você, não passo de uma criminosa sem
moral nenhuma.
— Certo.
— E vou para a cama com o primeiro que me agradar...
— Isso!
— Pois muito bem, está errado! John é apenas meu advogado e um amigo.
— E passou a noite com você.
— Para me confortar. E saiu às três.
— Quanta inocência! Nunca fizeram amor?
— Não!
— Ele nunca a tocou?
Antes de que ela pudesse responder, Leon carregou-a pela sala, indiferente a seus
protestos.
— Ele a beijou e a tocou. Eu também posso!
O fogo incendiou a ambos, e Crystal teve de conter-se para não se agarrar ao pescoço
dele.
— Você não tem direito de me tratar assim!
A resposta dele foi um beijo escaldante que tornou-se tão doce que Crystal pensou que
fosse derreter. Sem afastar os lábios dos dela, Leon foi em direção ao quarto.

Ela tremia, silenciosa, ainda com espasmos. Permaneceram unidos, e Leon teve certeza
de que era a sensação mais doce do mundo. E Crystal, a mulher mais maravilhosa do universo.
Ela suspirou, entregue. Leon virou ambos de lado para aliviar o peso em cima dela, mas
sem se soltar. E pensou se não poderia ficar ali para sempre.
Confuso, fitou-a. Bobagem. Aquilo nada mais era do que sexo. Fez menção de se afastar.
— Não — Crystal murmurou.
Mas ele sentiu o coração congelar. Sentou-se na beira da cama desarrumada. Cerrou os
dentes, à procura do raciocínio. Onde estaria? Levantou-se e foi em direção ao banheiro.
— Aonde vai, Leon?
— Tomar banho.
Leon abriu a ducha fria. Deu um suspiro profundo, entrou no boxe e sofreu a penitência.
Melhor teria sido se houvesse tomado um banho gelado antes, e não depois. Como
pudera ter sido tão idiota? Que tipo de homem fazia amor com uma mulher que despreza?
Marina estava certa. Crystal não apenas fora a responsável pela morte de Taki como
também pela destruição dos negócios da família e da segurança de centenas de pessoas.
Ressarcir os prejuízos levara seu pai à falência e apressara sua morte. Leon tivera um
trabalho insano para reconstruir a fortuna dos Kyriakis.
— Você vai ficar com pneumonia!
Através da cortina de água Leon a viu, embrulhada em um lençol. Espantada, Crystal
testava a temperatura da água com os dedos.
Tremendo, ele saiu do chuveiro com olhar feroz e agarrou uma toalha.
— Eu não me importo.
Crystal recuou.
— Leon!
Ele começou a se enxugar.
— Foi um erro, e não tem conserto! — Leon estava com o amor-próprio destroçado e
queria feri-la por isso.
Crystal engoliu em seco.
— Vista-se e vá embora, Leon.
— Com todo prazer.
Ela saiu do banheiro, e ele a ouviu jogar-se no leito. Imaginou se estaria bem.
Ah, Crystal era bem crescida e sabia tomar conta de si mesma!
Nisso, ele se lembrou de que suas roupas estavam no quarto. Foi até lá e apanhou as
peças espalhadas.
Crystal estava enrodilhada, do mesmo modo como Lexi fazia, com as mãos a cobrir o
rosto.
— Você está em cima de minha camisa.
Ela não se moveu. Forçado a levantar-lhe os quadris, Leon notou que Crystal tremia.
— Não se sente bem?
— Saia, Leon!
— Precisa de alguma coisa, um remédio?
Crystal se sentou, com o olhar faiscante.
— Preciso. De amor! De um homem que não me use. Por acaso tem ideia do que fez,
Leon?
— E por acaso não teve participação no que aconteceu?
— Não...
— Olhe para mim.
Antes não houvesse pedido. Crystal fitou-o com uma tal reprovação que o fez
envergonhar-se.
— A verdade é que não podemos continuar dessa maneira. Estamos destruindo um ao
outro. Teremos de separar-nos ou...
— Ou o quê?
— Ou acabaremos por estragar nossos futuros. Ambos sabemos que não há um meio-
termo para nós. Ou ficará em minha cama ou terá de ir embora da ilha. A escolha é sua.
— Ainda não estou pronta para partir! Lexi não sabe...
— Você já viu sua filha e sabe que ela está bem comigo. Encontrarei um meio de suprir a
falta dos pais.
— O quê?!
Leon não podia acreditar que estivesse mandando embora uma mulher a quem desejava
tanto.
— Tome a decisão acertada e parta no primeiro voo. Não esqueça de telefonar para
Sefton e pedir para ele ir junto com você. O homem deve estar doente para dar -lhe o que você
precisa. Se é que já não deu....
— O que tem contra John? Está com ciúme?
— Estou! — berrou, agarrou-a pelos ombros. — Não quero que ninguém encoste em seu
corpo, só eu. Fico doente de imaginar que outro possa fazer amor com você. Porém, desejá-la é
o mesmo que crucificar-me. É uma degradação.
— E se eu for inocente?
— Mas não é.
— Sou!
— Não adiantará discutirmos. Quero que parta logo pela manhã. Pode arrumar suas
coisas. — Leon saiu, arrastando os pés pesados.
“E se eu for inocente?” As palavras de Crystal ecoavam em seus ouvidos, e suas
implicações eram muito alarmantes para serem encaradas.

CAPÍTULO X

Crystal procurou descansar. Precisava de todas as forças para lutar pelo que desejava:
provar sua inocência e ser aceita como mãe de Lexi. E depois... O ciúme de Leon dera -lhe
esperanças. Teria de agir.

Mais tarde, ligou para John. O amigo veio buscá-la e eles foram a uma das taverna de
Alikes, um resort de uma praia próxima. Desejou que Lexi estivesse junto.
John alegrou-se por saber que ela deixaria a villa e prontificou-se para levá-la ao
aeroporto.
— Pegue Lexi e vamos para casa.
— Não posso fazer isso, John. Ela não me conhece. Seria traumatizante.
— Logo a menina se acostumará.
— Não, não farei isso com minha filha. Como pode sugerir uma coisa dessas?
— Para aliviar sua dor. — Ele tomou-lhe as mãos. — Pobre Crystal, deve ser terrível para
você...
— Não me faça de vítima. Estou determinada a encarar o problema.
— Mas podemos resolver tudo em vinte e quatro horas. Você e sua filha, como tanto
desejava. Crianças acostumam-se com facilidade.
— Não.
Crystal soltou-se. Incomodava-a o toque suado e a insensibilidade às necessidades de
Lexi.
— Você acha que vai se aproximar de sua filha se ficar espiando do lado de fora da casa
de Leon? — John perguntou, com sarcasmo.
— Eu não faria isso.
— Pensei que eu estivesse aqui para aconselhá-la.
— E está. John, eu lhe sou muito agradecida por tudo o que tem feito. Mas não quero
ficar com Lexi, até que ela fique feliz em minha companhia.
Ele segurou-lhe mão com força e beijou-a.
— Crystal, escute. Se não levar sua menina agora, ela jamais será sua. Pelo que me
contou, Kyriakis tomou lugar no coração de Lexi, não é?
— É.
— E vai dificultar tudo o mais que puder. E, segundo informações, você não conseguirá
muita coisa legalmente. Terá de se sujeitar a voar até aqui uma ou duas vezes ao ano e
enfrentar uma filha que não quer ficar com a mãe. Se resolveu não levá-la agora, então o
melhor é desistir, voltar para a Inglaterra e começar uma nova vida. Crystal, permita que eu
cuide de você. Poderei mitigar sua dor. Farei qualquer coisa para vê-la feliz.
Crystal arregalou os olhos, abismada. Leon estava certo! E talvez ela fosse culpada por
John pensar daquela maneira.
Aborrecida, virou o rosto.
E viu Leon, sentado do outro lado, a observá-la. Claro. Ela era vigiada o tempo todo, para
o caso de fazer algo que arruinasse o nome dos Kyriakis. Por exemplo, roubar o sorvete da mão
de uma criança.
John seguiu-lhe o olhar e soltou-a, ao ver Leon.
— Ora, mas essa oportunidade é imperdível! Preciso dizer duas palavras ao Kyriakis.
Mas não era John quem sempre evitava encontrar-se com Leon?
— Sobre o quê?
— Deixe comigo.
John foi até ele e pareceu demorar uma eternidade. Crystal comeu o pudim e um sorvete
de creme, antes de ele voltar. Leon escutara o discurso de John, sem mexer um só músculo
facial.
— Já disse o que queria. — John parecia satisfeito, na volta. — Vamos?
Crystal gostaria de dar um passeio na praia.
— Claro, pretendo dormir cedo.
— Eu também.

À soleira da porta de casa, Crystal entendeu que John pretendia dormir cedo, mas com
ela.
— Não, John, não estrague tudo! — gritou, lutando com ele.
— Crystal, nós nos entendemos tão bem! Na outra noite...
— ...você me consolava. — Apavorada, lembrou-se de Taki e recuou, curvando-se para
trás. — Por favor...
— Largue-a, Sefton — a voz calma de Leon soou ameaçadora.
Crystal suspirou, aliviada. A vigilância tinha suas vantagens.
— Fique fora disso, Kyriakis!
— Saia de perto dela ou terá de embarcar no primeiro voo para a Inglaterra
acompanhado de uma equipe de UTI.
John soltou Crystal, que se afastou, esfregando os braços.
— Boa noite, Sefton. — Leon esperou até John entrar no carro, resmungando, e se dirigiu
a Crystal. — Tudo bem?
Crystal anuiu.
— A chave.
Tremendo, ela acabou derrubando a bolsa no chão, ao procurá-la. Ambos se abaixaram
para recolher os pertences de Crystal, espalhados.
— Está bem mesmo?
— Só espantada. O desapontamento foi grande. — Pôs-se de pé. — Você me avisou.
Obrigada, por salvar-me de uma cena desagradável.
— Ainda deixei a masculinidade de Sefton intacta. — Leon sorria, com um braço sobre o
ombro dela.
Ele destrancou a porta e acendeu as luzes.
— Eu teria de dar-lhe uma joelhada.
— Precisa que eu entre um pouco?
— Ficarei melhor assim que conseguir respirar direito. Apavorei-me porque isso já me
aconteceu antes. E não tive muita sorte daquela vez.
Leon hesitou, fez um aceno de despedida, virou-se e se foi.

Crystal acordou cedo, arrumou e limpou tudo e deixou suas coisas em um galpão que vira
quando tinham alimentado os animais. Pregou na porta um bilhete lacônico p ara o advogado:
“Entrarei em contato. Achei acomodações. Crystal”.
Não era verdade, mas encontraria um lugar para ficar, depois de conseguir arrancar
concessões de Leon.
Perto da mansão, lembrou-se de que ele pretendia conversar com Marina naquela manhã
e de que não gostaria de ser interrompido. Assim, sentou-se no pomar entre os pés de erva-
doce e margaridas do campo. Borboletas coloridas esvoaçavam por toda a parte. Inquieta,
demorou-se pouco por ali e foi dar um passeio.
Ao longe, em meio à névoa, as oliveiras espalhavam-se pelas encostas das montanhas e
deixavam-nas com cor verde-acinzentada. No vale fronteiriço, no alto das colinas discretas,
pequenas construções brancas rodeadas de ciprestes.
Encostou-se no tronco de uma oliveira secular e percebeu que o encanto da ilha a invadia.
Tentou encontrar defeitos e ignorar o amor por aquilo tudo. Linguagem diferente, letras
estranhas... Distante da cultura e do lar que conhecia. Poderia viver ali? Sem dúvida, Lexi seria
mais feliz na ilha. E ela? Queria ser uma mãe em todos os sentidos, não só para visitas
ocasionais.
Além disso, Crystal queria Leon. Mas, por ele acreditar ser ela culpada, o relacionamento
só poderia basear-se em atração sexual. Seria apenas um começo, porém, e tudo com o que
poderia contar.
Interessante... Leon nem mesmo mencionara o seio deformado. Talvez o desejo o tivesse
impedido de ver a cicatriz.
Decidiu que tentaria mais uma vez explicar o papel de Taki na fraude, como diretor
financeiro, apesar de saber que seria sempre a palavra dela contra a de um Kyriakis.
Depois de caminhar muito, consultou o relógio. Era quase horário de almoço, por isso
resolveu voltar.
Chegou muito cansada à mansão de Leon. Nuvens escureciam o firmamento, e começava
a chover.
Bateu na porta, e Leon em pessoa veio atender.
— Sim?
— Vim visitar Lexi.
— Hoje não.
— Como queira.
Crystal sentou-se quando a porta foi fechada, preparando-se para uma longa espera. Mas
em segundos tornou a ser aberta.
— O que está fazendo?
— Esperando.
— O quê?
— Você mudar de ideia.
— Está chovendo.
— Eu notei.
De novo ele a deixou para fora.
Crystal cobriu a cabeça com a sacola, mas a água escorria para todos os lados.
Um trovão a assustou. Raios iluminavam o céu. Uma tem pestade desabou.
Crystal encolheu-se como pôde, enquanto a torrente batia no chão e arremessava terra
vermelha por cima dela. Ficou ensopada e, dali a pouco, a água não caiu mais sobre ela.
— Entre! — Leon gritou mais alto que o estouro de outro trovão, carregando um grande
guarda-chuva colorido.
“Até que enfim!”
— Você está horrível.
— Obrigada. — Crystal limpou com a mão a água que lhe escorria pelo rosto.
— Sempre dá um jeito de sabotar minhas decisões.
— Sinto muito.
— Vamos subir. Você precisa tomar um banho e se aquecer.
— Muitíssimo obrigada.
— Não acho graça.
Crystal conseguira o primeiro objetivo. Tremendo, seguiu-o devagar, por causa do
cansaço. No alto, Leon esperou, impaciente, tamborilando com os dedos no corrimão.
— Veja em que estado se encontra, mulher.
Ensopada, coberta de lama e com os cabelos grudados na cabeça... Crystal olhou o
tapete e sentiu-se culpada. Uma trilha de barro vermelho chegava até a porta da rua.
— Meu Deus...
— Espere aí.
Leon, de cenho franzido, despareceu por instantes. Ao retornar, trazia uma toalha de
banho enorme, com a qual embrulhou Crystal. Depois, ergueu-a do chão e carregou-a até um
banheiro de lajotas azuis, passando por um aposento de tirar o fôlego.
— Deixarei algumas roupas no quarto para você. Desça, quando estiver pronta.
Ela anuiu, sem coragem de responder. Apesar de cansada, tinha vontade de gritar de
alegria. Trancou a porta, abriu a água e tirou as roupas molhadas.
Depois de encher a banheira, escolheu os óleos herbáceos de banho que lhe pareceram
mais caros, despejou-os com generosidade, tampou os frascos e deslizou para dentro d'água.
Descansou a cabeça em um encosto acolchoado e refletiu que a banheira era grande o
suficiente para duas pessoas.
Será que uma demora para sair faria Leon arrombar a porta, como medo de que ela
houvesse se afogado?
Bobagem. Poderia ficar ali séculos e ele não daria a menor importância ao fato.
Ao sair da banheira, secou-se e foi até o recinto contíguo para ver quais as roupas de
Marina Leon deixara para ela. Jeans e uma camisa masculina.
Ignorou as peças e procurou uma escova de cabelos. Sem encontrar, amarrou uma toalha
pequena na cabeça, como se fosse um turbante.
Uma batida curta e imperiosa não deixou dúvidas de quem se tratava.
— Está vestida?
— O suficiente.
Crystal enrolou-se melhor na toalha e largou-se na cama, cansada demais para ficar em
pé.
Leon entrou e sentou-se em uma cadeira.
— Achei que deveria saber. Marina decidiu ir embora com Soula e Natasa. Ela conversou
com o pai. Ele ficou feliz de ter as filhas e a neta de volta ao lar.
— E a mulher dele?
Leon esboçou um sorriso.
— Disse que poderia suportar, se Natasa estivesse junto. Anton Christofides vai
transformar uma ala da mansão em um apartamento grande e privativo para elas.
— Vocês discutiram?
— Não. Antes de falar qualquer coisa, garanti-lhe o depósito de uma grande soma em
dinheiro.
— Muito generoso...
— Marina é irritante e difícil, mas tenho pena dela. Teve uma filha ainda criança e um
marido que não a amava.
— Para onde ela irá, enquanto isso?
— Para a villa. Foi ela quem a decorou. Aliás, eu a aconselhei a aproveitar seus talentos
profissionalmente. Natasa concordou comigo, e Marina ficou contente com a expectativa.
— Que bom!
— Onde você está hospedada?
— Em lugar nenhum. Ainda.
Leon observou a tempestade pela janela.
— Não pode sair com esse tempo. O que pretende fazer, Crystal?
— Dormir. — E caiu de costas sobre o travesseiro. Muito ao longe, ouviu-o praguejar e
sentiu que a cobriam com um lençol. Depois, não percebeu mais nada.

Quando Crystal abriu os olhos, era noite, e ainda chovia forte. Aos poucos, percebeu que
havia alguém por perto. Uma luz foi acesa. Era Leon.
— Está com fome, Crystal?
Havia quanto tempo ele estaria ali?
— Hum... acho que sim...
— Encontrei um secador para você. Se quiser, pode usá-lo antes de descer. E pare de
bancar a boazinha. Prefiro quando grita e ri.
Crystal sentou-se, preparada para atender-lhe o pedido, mas ele já saíra.
Demorou para ajeitar os cabelos, que haviam secado em grumos dentro da toalha. Por
fim, o aspecto pareceu-lhe apresentável, mas o resto...
Teve de enrolar as mangas da camisa de Leon até transformá-la em um rolo grosso na
altura dos cotovelos. Se fechasse o botão do colarinho, não poderia baixar a cabeça. Se o
deixasse aberto, apareceria parte de seu busto.
Abaixo da camisa, que chegava aos joelhos, o jeans dobrava-se sobre seus pés descalços,
depois de ter feito o maior sacrifício para abotoar o cinto com uma parte da calça para cima.
Chegou ao hall vazio e chamou-o. Leon apareceu, carrancudo, e fez sinal para que o
seguisse.
— Fiz uma salada — ele avisou, assim que entraram em uma cozinha enorme com lajotas
brilhantes no piso e forro de gesso ornamentado.
— Está ótimo.
— Você terá de ficar aqui esta noite. E não me diga “Sim, Leon”!
Crystal evitou o menor sorriso. Estava dentro da casa. Atingira a meta número dois.
— Obrigada. Já pensou o que dirá a Lexi sobre os pais dela?
— Não.
— Pobrezinha... — Crystal alfinetou-o, sem demonstrar a alegria que sentia. — Ela é tão
doce e deve ser horrível vê-la ficar paranóica...
— Crystal! — Leon gritou e bateu com os punhos na mesa, fazendo a louça e Crystal
estremecerem. — Já estou bastante preocupado, e você não está melhorando nada...
— Mas posso ajudá-lo. Você sabe por que estou aqui, não sabe?
— Porque é uma mulher briguenta, difícil, obstinada, teimosa e que não enxerga quando
está em desvantagem.
— É, pode ser...
— Então?
O momento chegara, e Crystal perdia a coragem. Era uma sugestão ultrajante.
— Bem, é tão difícil... — Espetou o garfo no lugar errado.
— As dificuldades nunca a assustaram.
Os lábios dela tremeram.
— Está bem. — Baixou o olhar. — Tenho uma proposta. No silêncio que se seguiu, Crystal
deu-se conta das roupas sem graça que usava. Tentou arrumar o colarinho e largou as mãos no
colo.
— Bem...
— Sim?
— Você me ofereceu uma chance para escolher.
Crystal percebeu a contração dos músculos das faces de Leon. Passou a língua nos lábios
ressequidos, e a expressão dele tornou-se mais intensa. Falar ficava cada vez mais difícil.
— Eu... — Crystal estava com vontade de pular em cima dele, rasgar-lhe a camisa e saciar
a fome que a atormentava. — ...já lhe disse que faria qualquer coisa por Lexi, e acredito que
você também. Também concordamos que ela precisa conhecer-me, e entendo por que quer
que eu vá embora, Leon...
Crystal levantou-se, sem suportar mais a ansiedade que a invadira, e começou a andar de
um lado a outro.
— Ah, não sei mais o que eu estava dizendo...
Ele suspirou, em um esforço evidente para controlar as emoções primitivas que o
queimavam.
— Você dizia entender por que acho melhor que você se vá.
— Oh, sim! Isso mesmo. Entretanto... resolvi não deixar a ilha.
— Sei.
Crystal suspirou e caminhou, veloz, de uma extremidade à outra da cozinha.
— E, para começar, quero ficar nesta casa, pois há espaço suficiente para nós dois. Se
você raciocinar com cuidado, verá que a proposta faz sentido. Aprenderei a conhecer Lexi mais
depressa, e aos poucos passarei a fazer parte da vida de minha filha. Depois de aceitar -me
como mãe, ela ficará feliz, e eu poderei sair desta mansão. Você não terá de me aguentar por
muito tempo. Encontrarei um lugar para morar na ilha, e Lexi saberá que tem uma mãe.
Poderei vê-la com frequência, telefonar...
— Você quer... morar aqui? Sabe muito bem o que isso significa.
— Sim.
— Deixe-me ver se entendi bem. Está me dizendo que, por amor a Lexi, correrá o risco de
ser... usada... para fazer sexo?
Crystal compreendeu que a tensão do rosto de Leon não traduzia desejo sexual, mas sim
uma tentativa árdua para não rir.
— Você disse que faria qualquer coisa por Lexi. Mas até tornar-se disponível, em troca do
sucesso da meta?
Crystal sabia que Leon estava tentando descobrir até que ponto ela chegaria para ficar
com a filha. Era o mesmo que ter perguntado se se venderia por causa de Lexi.
E poderia ter respondido que, além disso, tentaria recuperar o amor que possuíra no
passado.
— É o preço.
Leon arregalou os olhos.
— Aceito!
— Ótimo.
— Com uma condição: terá de cortar qualquer contato com Sefton. Nem mesmo
telefonemas ou e-mails. Nada.
— Agora ele já sabe onde pisa. Ainda preciso dele como meu advogado.
— Advogado ou sequestrador? Tenho detalhes da rota que vocês planejavam. Ontem à
noite, ele contou tudo, em Alikes. Se eu fosse você esqueceria esse sujeito. Por causa dos
truques dele, acabará perdendo o direito de ver sua filha.
— E por que John haveria de lhe contar?
— Eu soube da possibilidade, desde o primeiro encontro com Sefton. Ele não quer que
você tenha sucesso.
— Que absurdo!
— Sefton não a quer amarrada com uma filha de outro homem. O homem adora
mulheres que dependam dele. E você, desesperada na prisão, preencheu os requisitos. Banca o
herói, por isso precisa de alguém miserável e necessitada. Não quero denegrir o que ele fez por
você. Refiro-me apenas aos motivos. Se ainda não acredita em mim, posso dizer-lhe que até já
sei que Sefton trouxe brinquedos e roupas de viagem para Lexi.
Traída! John se encarregara de frustrar-lhe os propósitos.
Leon teria impedido a saída deles, antes de colocarem o pé no barco.
— Nós fizemos planos...
— Sei disso.
— Eu a teria perdido para sempre.
— Sem a menor sombra de dúvida.
— Como John pôde fazer isso comigo?
— Ele a queria infeliz para poder ampará-la.
Trêmula e aturdida, Crystal se adiantou e tropeçou no jeans. Frustrada, agarrou-se na
mesa.
— Eu não iria separá-la de tudo o que ela ama, Leon. Não faria uma coisa tão cruel. John e
eu discutimos sobre isso. Falei para ele que Lexi e eu deveríamos primeiro tecer uma relação
estável de amor, antes de...
— ...raptá-la. Crystal, não acredito que você pensou em fazer isso.
— Eu já lhe disse. John contou que Lexi era um contratempo em sua vida. Achei que
minha filha estivesse sofrendo, que você nada mais fazia de que cumprir com seu dever, que
Marina e Soula a ameaçavam... Fiquei louca só de imaginar isso.
— E agora?
— É tudo diferente. Vi que Lexi está feliz e que o ama muito. Espero que ela venha a
amar-me também. Se tudo der certo, ficarei morando em Zakynthos e encontrarei um
emprego. Só quero o melhor para ela. Pensei que eu seria suficiente. Mas agora vejo que minha
menina precisa de nós dois. Pode confiar em mim. Juro que não tentarei levá-la embora.
A expressão de Leon se suavizou.
— Estou sendo sincera.
— Certo, mas não deixarei de tomar precauções. Não quero que vá a parte alguma sem
mim. Eu a observarei o tempo inteiro. Esta casa será sua prisão. Dadas as circunstâncias, acho
que até é razoável, não é mesmo?
— Conheci prisões piores. Esta possui até uma piscina.
Leon estreitou os lábios, e Crystal teve certeza de que era para não rir de sua aparência.
Dali a pouco, ele daria gargalhadas.
Distraída, ela levantou uma das mangas, que tornou a escorregar sobre a mão. Leon
jamais a desejaria, depois de vê-la com essa aparência. Um recuo na terceira meta.
— Crystal, onde estão suas roupas? A villa estava vazia, quando deixei Marina por lá.
Ela puxou o jeans para cima. Se estivesse usando uma roupa mais sexy, Leon não acharia
tanta graça.
— No galpão perto das cabras.
— Então terá de esperar até amanhã.
Ele apontou a salada remexida.
— Já acabou de comer?
— Não estou com fome.
— Se é assim, eu a levarei para cima. Pode usar o antigo quarto de Taki. Sei que não se
incomodará por as coisas deles estarem lá.
Seria uma indireta? Um dia depois de ela pedir o divórcio, Taki tirara seus objetos da casa
e embarcara tudo de volta para Zakynthos.
— Por mim... — Crystal deu de ombros, o que fez a camisa escorregar. Tratou de erguê-la
depressa.
— Não é possível!
— O quê?
— Você fica sensual com qualquer trapo!
Crystal espantou-se com a ferocidade de Leon. Ou seria sarcasmo?
— Com essas coisas velhas? Leon... — Segurou o colarinho fechado.
— Ah, não, você não vai romper o acordo!
Crystal nem percebeu como Leon a encostou na parede, beijando-a com fúria. Nem se
incomodou com a camisa que deslizava para baixo.
— Estou me consumindo, Crystal.
— Eu também. Leve-me para a cama, Leon.
Ele recuou, segurou-a pela mão e conduziu-a até a porta.
— Espere. — Crystal soltou o cinto e a calça caiu no chão. Os dois correram pelo hall, pela
escada e para o quarto onde ela dormira. Leon arrancou as próprias roupas e a camisa que
Crystal ainda vestia. Em uma confusão de braços e pernas, acabaram em cima do tapete
grosso.
“Eu o amo.” Crystal entendeu que não se contentaria em fazer amor de vez em quando
com Leon, quando viesse visitar Lexi. Queria viver com ele para sempre, e ninguém iria impedi-
la.
Beijou-o com os lábios e com o coração. Acariciou-o com erotismo e sentiu-lhe o calor
pulsante. Fitou-o e reconheceu que os olhos dele demonstravam um sentimento intenso.
Tremendo, Leon passou os dedos pelos seios fartos e... parou na depressão da cicatriz.
Encarou-a espantado.
“Deus! Ele me achará horrível!”, Crystal angustiou-se. Será o fim! Leon nunca mais a
desejaria, nem faria mais amor com ela. Entregaria Lexi na porta da rua, quando ela viesse
buscar a filha.
Com lágrimas no olhos, acreditou que não suportaria ter de encontrar-se com a amante
ou com a esposa de Leon, e afastou as mãos dele.
— Pavorosa, não é? Mas sou eu mesma quem está aqui. — Crystal lutava para não
soluçar. — Se não gosta da maneira como estou, todos os nossos problemas estão resolvidos.
Você não ficará tentado a fazer amor com a mulher que despreza, e eu não serei tentada a
encorajá-lo.

CAPÍTULO XI

Transtornada, Crystal tentou ficar em pé, no que foi impedida por Leon. Lutaram por al-
guns instantes, até ela largar-se no chão, soluçando.
Apesar das lágrimas que a cegavam, Crystal viu o horror estampado no rosto de Leon.
Sentou-se e cruzou as mãos sobre o busto.
— Onde é o quarto de Taki? Mostre-me onde fica e...
Leon também se sentou.
— O que... aconteceu?
— Tive câncer.
— Crystal, então era essa sua doença? — ele perguntou, em um fio de voz.
— Era. Onde é o quarto de Taki?
Leon sempre amara aqueles seios perfeitos e volumosos, e os mamilos que respondiam
com avidez a suas carícias.
Crystal enfrentara uma doença terrível! Leon, incrédulo, sentiu uma contração no
estômago. Qual seria o prognóstico? Morte prematura? À possibilidade atingiu -o com tal
impacto, que ele se sentiu fraquejar.
“Por favor, Crystal, não me deixe! Você não pode morrer! Por que logo você?”
— Sinto muito...
Crystal fitou-o com os olhos marejados, como se o mundo houvesse desabado.
Ora, como se só por aquilo pudesse achá-la feia ou desinteressante!, Leon conjeturou.
Procurou ignorar os próprios receios e concentrar-se nos de Crystal.
— Tire as mãos do busto — ele pediu, acariciando-lhe o braço.
— Não! Você já viu... Quer, me humilhar ainda mais?
— Ver não é suficiente para nenhum de nós.
Leon afastou-lhe os dedos molhados e beijou a superfície dos dois seios. Quando tocou a
cicatriz, Crystal estremeceu e recuou. Em seguida, a tensão cedeu.
— Gostou? — Leon sussurrou.
Não podia acreditar. Nem ela mesma tivera coragem de tocar-se. E o pranto aumentou ao
vê-lo tão carinhoso e beijando com tanta sensibilidade aquela vergastada em sua feminilidade.
— Não chore. Você já sarou, não é?
Aturdida, Crystal procurou controlar os soluços e viu-se esmagada entre os braços de
Leon, sem entender por que ele tremia.
Dali a instantes, Leon a afastou um pouco e a encarou.
— Diga, você está curada?
— Por que isso lhe importa?
— Só queria saber. Isso afeta Lexi?
Crystal esperava que o motivo fosse outro.
— Já tive alta.
Leon suspirou, aliviado, e continuou a acariciar a cicatriz, como se pretendesse restaurá-
la. Crystal sorriu, sentindo-se inteira outra vez.
— Acho que poderei continuar com minhas cambalhotas até os cem anos.
Leon sentiu-se encorajado com o ânimo de Crystal. Cerrou as pálpebras e fez uma prece
de agradecimento. Era horrível pensar naquela vida terminando tão cedo.
Quando tornou a fitá-la, viu o sorriso tênue de Crystal.
— Vamos para a cama, meu anjo. E conte-me tudo.
Leon afastou a colcha, ajudou-a a entrar, deitou-se a seu lado e segurou-a nos braços
como se ela fosse muitíssimo frágil.
— Como foi? Você parecia bem, quando a visitei na prisão.
— Descobri o caroço depois, e o trauma de ter sido acusada foi um agravante. Segundo o
oncologista, o processo podia ter sido iniciado com o estresse do casamento...
— Como assim?
— Ah, esqueça... Eu não queria que você soubesse.
— Não, Crystal. O tempo dos segredos já passou. O que houve?
Ela baixou a cabeça, mas Leon ergueu-lhe o queixo com um dedo. Crystal suspirou, sem
alternativa.
— Cometi um grande engano. Taki foi muito atencioso e gentil, quando você e eu
terminamos. Acredito que me apaixonei por ele, porque ambos eram parecidos. Só depois da
união entendi que ele tinha um ciúme doentio de você e que se casara comigo só para feri-lo.
— Ele estava certo. Atingiu-me profundamente.
Leon recordou-se de como odiara o irmão e da culpa que o atingira por aquele
sentimento. Era como se Crystal o houvesse traído, embora a lógica dissesse o contrário. Mas o
ciúme de Taki era novidade.
— Ele falava de você o tempo todo, o que só serviu para piorar o relacionamento. Eu
ficava comparando os dois.
Leon teve um pressentimento estranho.
— Leon... acredito que Taki não lhe dedicava muita afeição, pois achava que você não só
era o favorito de seu pai, como também dos amigos e professores.
— Meu Deus! Continue.
— Bem, nosso relacionamento não foi feliz.
— Foi esse o motivo do estresse? Ou havia algo além disso? — perguntou.
— Taki era muito... agressivo.
— Até que ponto?
— Ele bebia demais, talvez porque se considerasse um fracasso em comparação a você.
Vinha para casa, gritava, atirava coisas no chão e nas paredes, às vezes me batia e...
Taki batia em Crystal! Leon mal conteve a ira, ao pensar no corpo machucado, no medo
em seu olhar, no sofrimento por que ela passara.
— E?
— Obrigava-me a me dar para ele, mesmo quando eu não queria.
— Está me dizendo que ele a... estuprava?!
— Foi só uma vez.
— Crystal! — Leon gemeu.
— Leon, recuso-me a ser uma vítima, apesar do que ele fez. Mas não quero
arruinar'minha vida por causa do ataque de um bêbado ciumento. Não gosto de me lembrar
disso. Só poderei continuar a viver se puder esquecer os pesadelos do passado e pensar no
futuro.
— Você é surpreendente!
Crystal suspirou e aconchegou-se em Leon, roçando-lhe a face no pescoço. Ele não podia
acreditar que ela houvesse enfrentado tanta amargura. E prometeu a si mesmo que não a
deixaria sofrer mais.
— Como você reagiu quando lhe disseram que estava com câncer?
— Fiquei aterrorizada. Não me lembro bem do que houve. Só sei que entrei em
depressão e que não parava de chorar.
— Com medo de morrer...
— Não. Eu só tinha pavor de não ver Lexi outra vez. Naquela ocasião, decidi mover céus
e terras para ver minha filha. Por isso lutei para sarar. Agora você já sabe a causa de minha
determinação de fazer com que ela saiba que sou sua mãe.
Leon estava muito emocionado. Crystal era dona de uma força de vontade admirável.
— Ela saberá. Eu lhe prometo. Muito em breve, Lexi a chamará de mamãe.
Crystal abraçou-o pelo pescoço, os olhos iluminados de alegria.
— Fará mesmo isso?
— Só não farei se... — Leon fingiu engasgar. — ...alguém me estrangular antes.
Crystal apressou-se a soltá-lo.
— Exagerei de novo, não é?
Ele riu e beijou-a com ternura.
— Agora vejamos se a senhora também exagera em outra direção.
— Sr. Kyriakis! Pensei que o senhor nunca mais me pediria isso!
Leon tornou a rir.
— Espere aqui.
— Aonde você vai?
Ele vestiu o roupão.
— Vamos celebrar.
— O quê?
Leon fitou-a. A pele sem jaça, os cabelos e os olhos brilhantes. Crystal tirava-lhe a
respiração.
— Sua vida.
— Ah, Leon, que coisa maravilhosa...
Ele saiu, desceu a escada correndo e pegou uma garrafa de champanhe da geladeira.
Compreendeu o quanto desejava Crystal. Para compartilhar de sua cama e de sua vida.
Correu os degraus de volta, de dois em dois, com duas taças e a garrafa nas mãos.
Como ele sacudira a garrafa na correria, a rolha saiu com facilidade, e o conteúdo
explodiu. Crystal deu um grito de satisfação, e Leon, depois de afastar as cobertas, derramou a
espuma sobre ela.
Crystal gargalhou.
— Veja o que você fez!
— Que delícia... — Leon inclinou-se sobre ela e começou a lamber o pele umedecida de
champanhe.
Tirou o robe e passou os dedos sobre Crystal, fazendo-a delirar.
— Eu te amo, Leon.

Ele se sentia mais feliz do que nunca, deitado ao lado de Crystal, ouvindo-a respirar.
Adormecida, ela se aconchegou mais, e beijou-lhe a ponta do nariz.
Se ao menos pudesse amar Crystal! Teria de certificar-se da veracidade da alegação de sua
inocência. Encontrar certezas manifestas. Mas como?

Várias semanas muito felizes se passaram para os três. Crystal aproveitava todos os
instantes para ficar com a filha e Leon, e nada poderia ser mais maravilhoso que isso.
— Você está tão quieta... — Leon comentou.
— Estava pensando em como sou afortunada por estar com você e com Lexi.
A crescente intimidade dos três como família aumentava a vontade de Leon de fazer o
possível para Crystal provar sua inocência. O que faria dela uma nova mulher, aceita pelos
amigos e parentes.
Leon segurou-lhe a mão.
— Fico contente com isso. Se fosse possível, eu lhe daria o mundo.
Crystal encostou a cabeça no ombro dele, em um gesto de afeição.
O restaurante favorito de Leon ficava no alto de uma colina de Zante, com vista para a
baía. Haviam jantado no terraço coberto por parreiras, de onde se descortinava a cidade
iluminada.
Nos fundos do salão, um homem cantava kantathes, canções de amor da ilha. Leon não
tirava os olhos de Crystal, que lhe parecia mais linda do que nunca. Estavam de mãos dadas
sobre a mesa, e ele se maravilhou com o amor intenso que ela transmitia com o olhar.
— Quer um conhaque... — Leon beijou-lhe a mão — ...vinho porto ou café?
— Vamos para casa — ela sussurrou, com o rosto iluminado pela luz das velas.
No trajeto, Leon disse a si mesmo que teria de ajudá-la. Tornara-se muito evidente que ela
era honesta demais para ter cometido o crime do qual a acusavam. A seu lado, Crystal
cantarolava.
— Querida, conte-me como lhe entregaram o cargo de diretora financeira. Comece do
princípio e ajude-me a entender.
Tensa, Crystal torceu as mãos no colo.
— Depois do casamento, eu trabalhava como assistente financeira de uma companhia de
seguros. Não tinha muito tempo livre, e recusei a proposta de Taki para ser diretora do Banco
Kyriakis. Ele insistiu e disse que eu teria um excelente salário para não fazer nada, pois faria o
trabalho para mim. Segundo Taki, tratava-se de um acordo comum entre marido e mulher.
Apresentou-me um documento que eu li e que me pareceu correto. Afinal, não tinha motivos
para não confiar nele.
Leon suspirou e continuou atento à narrativa.
— Mais tarde, trouxe-me mais papéis e afirmou que eram idênticos ao que eu já assinara.
Assim, apenas deixei meu nome no final da página. Sei que foi estupidez minha e que deveria
ter lido tudo. Mas Taki era tão irritadiço que acabei fazendo o que ele pediu. Eu não
desconfiava de nada. Tratava-se de um negócio de família, e Taki também seria beneficiado
com os lucros.
— Não havia nenhuma evidência que pudesse provar a veracidade de sua história?
Arquivos, contabilidade...
— Nada que minha defesa pudesse detectar. A Receita vasculhou o escritório, e nada foi
encontrado. Desculpe-me por dizer-lhe isso, Leon, mas acredito que Taki encarregou-se de
esconder as pistas. Na quinzena anterior, ele bebera muito e agira com violência. Pode ter
queimado arquivos e atirado tudo no rio. E, uma semana antes de o fisco aparecer, seu irmão
morreu.
— Ele me ligou alguns dias antes de sua morte. Avisou que renunciava ao cargo no banco,
que voltaria para casa e...
Céus, como fora estúpido! O contêiner com os objetos de Taki, despachados antes da
vistoria da Receita! Leon praguejou e acelerou.
— Leon!
— Desculpe-me. — Diminuiu a marcha. — As coisas de meu irmão estão em casa!
Leon seguiu por um atalho. Os ramos das árvores batiam no veículo, por causa da pista
estreita. Agarrado no volante, ele não conseguia se concentrar no trajeto e tornou a acelerar.
— Vá falar com Donika — ele ordenou, depois de brecar com violência diante da mansão.
Com o coração aos pulos, Leon disparou pela entrada, pelo hall, pela escada.
— Meu Deus — ele rezava, ao entrar no quarto onde estavam os pertences do irmão —,
faça com que eu encontre algo!
Leon nunca entrava ali. Um amigo deles desempacotara tudo. O recinto parecia a caverna
de Aladim. Mobiliário caríssimo, tapetes persas, objetos de arte dos mais raros, relógios
antigos, pinturas famosas. Roupas de grife, equipa mentos eletrônicos, jóias e os mais diversos
itens de luxo.
Um arrepio percorreu sua espinha. O irmão vivera muito bem. Até demais...
Se ao menos tivesse entrado antes ali...
Reparou em uma pilha de caixas e arquivos encostada na parede. Passou por cima de um
monte de paletós de desenho exclusivo e começou a abrir as caixas.
Crystal entrou.
— E Donika e Lexi? — Leon quis saber, examinando os documentos com aflição. — Tem
de estar aqui!
— Elas estão bem. Deixe-me ajudá-lo. — Crystal se ajoelhou ao lado dele. — Acredita que
sou inocente, não é?
— Claro que sim! — Leon continuou a escarafunchar o conteúdo das caixas.
— E por quê?
— Porque eu te amo! — E tomou-a nos braços.
— Ah, Leon! — Suspirou, enlevada.
— Eu te amo! — Leon repetiu. — De verdade!
Crystal deu uma risada.
— Não precisa gritar, querido, eu já ouvi! Agora vamos provar minha inocência e selar
essa declaração sutil!
Prosseguiram na busca frenética, até encontrar os livros de contabilidade que estavam
faltando. Dois conjuntos escritos com a letra de Taki. Cartas, reajustes de benefícios, vendas de
cotas e... comprovantes de envio de uma verda deira fortuna a um banco suíço.
Leon ficou apavorado com as provas que incriminavam Taki. Empoeirado e descomposto,
sentou-se no chão, envergonhado pelo que o irmão fizera e sem acreditar no sofrimento que
causara a Crystal.
— Meu próprio irmão!

CAPÍTULO XII

Crystal levou-o até o banheiro, onde ambos tomaram banho para tirar poeira e, como se
para ele fosse possível, apagar as memórias.
— Será você me perdoará algum dia, Crystal?
— Foi Taki, e não você.
— Mas não acreditei em você...
— Eu também me enganei com Taki, no começo. Como saber que o ódio por você teria
transtornado de tal maneira a mente dele? Taki desejava ser mais rico e poderoso que o irmão.
Além disso, nada havia que indicasse a culpa dele, e foi isso o que me deixou tão frustrada. Não
podia provar minha inocência. Ele agiu com muita esperteza.
A Leon só restava pedir perdão e culpar a si mesmo pelo sofrimento que causara à mulher
amada. Crystal enxugou-o, e ele caminhou como um autômato até a cama, onde ficou deitado,
tenso, olhando o teto.
— Você perdeu sua reputação, seu trabalho, sua liberdade e sua filha...
Crystal sorriu. Eram águas passadas. O futuro parecia-lhe promissor.
— Mas ganhei você. — Crystal beijou-lhe o ombro.
— Não posso me perdoar.
— Pois, se fosse você, eu poderia. Leon, estou muito feliz. Em êxtase. Você me ama.
Queria apenas mais uma coisa.
— Uma xícara de chá? — gracejou.
— Lexi, seu bobo! — Crystal fez-lhe um afago. — E depois, mais uma coisinha...
Leon beijou-a com desespero, com paixão. Aos poucos, o beijo tornou-se mais suave e
terno.
— Eu te amo — declarou-se, emocionado. Crystal estendeu-se em cima dele.
— Também te amo.
Tornaram a se beijar e fizeram amor com uma alegria imensa.

Eles haviam planejado o grande momento de contar a Lexi que Crystal era sua mãe.
Sentados no sofá, assistiam ao vídeo de que Lexi tanto gostava.
— Conheci Crystal há muito tempo — Leon explicou.
— Ela era minha melhor amiga, e eu gostava muito dela.
Lexi ria, entre os dois, e sacudia as pernas esticadas.
— De novo, por favor! — A menina adorava o momento em que Crystal caía no lago.
Leon atendeu-lhe o pedido e depois desligou a televisão.
— Crystal também conhecia seu pai. — Leon abraçou a menina. — Querida, você gosta
de Crystal?
— Muito, muito! — a pequena afirmou, batendo palmas.
A emoção travava a garganta de Crystal, que sentia o nervosismo de Leon.
— Lexi, você já é uma mocinha. E eu já posso contar-lhe algo muito especial.
Lexi arregalou os olhos, e Crystal continuou imóvel, tensa, com medo de desfalecer.
— Querida, você é uma menina de sorte. — Leon acariciou e beijou o rosto da sobrinha.
— Crystal... é sua mamãe.
Lexi franziu a pequena testa e a encarou.
— É verdade, minha querida — Crystal confirmou, rouca. — Eu sou sua mãe.
Lexi desvencilhou-se do abraço de Leon, desceu de seu colo e correu para o jardim,
deixando Crystal de braços abertos a sua espera.
Crystal não conseguia falar, nem pensar. Continuou sentada, enquanto Leon se dirigia ao
jardim. Desolada, mirava a sua frente, sem nada enxergar.
— Ela está conversando com a boneca que você lhe deu — Leon disse, de fora.
— Chamando-a de mamãe?
— Querida, venha até aqui. Não posso tirar os olhos de Lexi.
Crystal teve consciência de que perdera as energias.
— Estou passando mal — ela murmurou, e se arrastou até o lavabo.
Depois de algum tempo, lavou o rosto e mirou-e no espelho. De onde teria surgido aquela
mulher pálida e com expressão trágica? A felicidade dos dias passados parecia uma ilusão.
— Oh, Lexi...
De repente, a necessidade de estar ao lado de Leon tornou-se imprescindível. Soluçando,
correu até ele e jogou-se em seus braços.
Leon, preocupado, embalou-a como a uma criança.
— Ela vai entender o significado do que lhe dissemos. Dê-lhe tempo.
— E se isso não acontecer?
— Lexi compreenderá. Nossa menina gosta muito de você. Às vezes fico até com ciúme.
Ficaram sentados no degrau, observando Lexi cochichar com a boneca. Leon tirou o lenço
do bolso. Crystal percebeu que ele piscava para afastar lágrimas teimosas.
— Ah, meu querido...
Leon beijou-lhe a testa.
— Eu te amo muito, e quero que Lexi te ame também.
O telefone tocou, irritando Leon.
— Mas que droga! Ora, que deixem recado na secretária!
— Vá atender, meu bem.
Leon tornou a beijá-la na testa e entrou. Crystal teve medo de chegar até o jardim e
aborrecer Lexi. A náusea voltou a incomodá-la.
— Lexi — sussurrou, devorada pela tristeza.
Levou a mão ao peito e procurou convencer- se de que tudo daria certo um dia.
De repente, viu Lexi escalar um muro baixo, escorregar e cair.
Crystal disparou, gelada por causa do grito dela. A pequena se levantou e correu a seu
encontro.
— Mamãe! Mamãe!
Crystal estremeceu, abaixou-se e abraçou a filha, chorando.
— O que foi, coraçãozinho? Onde você se machucou?
— Eu... caí. — Lexi apontou o joelho.
— Não foi nada. Mamãe vai dar um beijo e logo ele ficará curado. — Crystal curvou-se,
beijou o joelho gorducho e sentiu gosto de sangue.
Sentiu-se tão feliz ao abraçar a criança chorosa...
— O que foi? — Leon chegou, ansioso.
Lexi soltou-se e correu para ele. Crystal se ergueu, com os olhos marejados de lágrimas de
alegria.
— Eu caí, machuquei a perna, mamãe beijou e já sarou! — Lexi contou, com visível
orgulho.
— Ahan.... — Leon pigarreou para desfazer o nó de emoção em sua garganta. — É o que
as mães sempre fazem, querida.
— Já contei para minha boneca que minha mãe chegou.
— Eu vi. Foi lindo. — Crystal sorria.
— Você pode ser meu papai? — Lexi perguntou, muito séria, enquanto Leon passava o
lenço no joelho ferido.
— Eu gostaria muito... Crystal?
— E precisa perguntar?
Transtornado pela emoção, Leon abraçou as duas pessoas a quem mais amava.
— Este não é nem o lugar, nem o momento para uma proposta. Mas eu lhe prometo
colocar-me a seus pés, com flores e vinho, mais tarde. Crystal, aceita se casar comigo? Eu te
amo do fundo de minha alma, e quero ficar a seu lado para sempre! Por favor, diga que sim!
— Leon, como se eu pudesse recusar. Sim! Sim!
Delirante de alegria, ele a beijou.
— Mamães e papais também se beijam? — Lexi gritou ao ouvido de Leon.
Ele afagou o rosto rosado.
— Lógico, meu anjo. E muito.
Crystal riu, entre dois soluços.
— Eu amo muito vocês dois.

Lexi, muito excitada, custou a dormir. Crystal, abraçada com Leon na varanda, na grande
cadeira de cana-da-índia, escutava o coaxar dos sapos e apreciava a demonstração aérea dos
morcegos. A distancia, ouviu o piar de uma coruja e o latido ocasional de um cachorro.
— O champanhe está no gelo?
Leon deu uma risada.
— Sim, duas garrafas. Uma para cada um.
Ele a beijou, apaixonado, e Crystal experimentou a em briaguez antes mesmo de beber.
— Vamos entrar, querido.
Leon a seguiu, gemendo pela antecipação.

FIM

Você também pode gostar