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GESTÃO DEMOCRÁTICA NA EDUCAÇÃO: AS CONTRIBUIÇÕES E

OMISSÕES DA LDB (LEI 9.394/96)

1
Maria Vieira Silva

(...) E, no entanto, o mundo está aí, com os efeitos imediatamente


visíveis da concretização da utopia neoliberal: não só a miséria de
uma fração cada vez maior das sociedades mais avançadas
economicamente, a disparidade extraordinária entre as rendas, o
desaparecimento progressivo dos universos autônomos de produção
cultural (cinema, editoração etc.) pela imposição inoportuna de
valores comerciais, mas também, e sobretudo, a destruição de todas
as instâncias coletivas capazes de fazer frente aos efeitos da
máquina infernal – como é o caso do Estado, depositário de todos
os valores universais associados à idéia de público, e também da
imposição generalizada, nas esferas do alto escalão da economia ou
no seio das empresas, dessa espécie de darwinismo moral, que, ao
cultuar o “winner”, diplomado em matemáticas avançadas, instaura
a luta de todos contra todos e o cinismo (Bourdieu in: Folha de São
Paulo. 12-07-1998).

Há quase uma década atrás, Bourdieu publicou essas reflexões no jornal francês Le
Monde Diplomatic, reeditadas posteriormente pelo Jornal Folha de São Paulo. Ainda que,
historicamente, o tempo se incumbiu de nos ambientar à consolidação das políticas
neoliberais, ainda causa-nos desassossegos e perplexidades a materialização de seus
dispositivos, os quais impactam nas mais diferentes esferas do tecido social, sobretudo nas
dinâmicas econômica, política, cultural e social, tendo aqui um alcance expressivo o campo
da educação escolar.
Diferentes pesquisas desenvolvidas nos anos 1990 - pautadas pelo referencial crítico
- convergem em análises que localizam a efetivação das políticas neoliberais nos anos
1970, tendo como cenário propício para sua consolidação a crise do modelo fordista e do
Estado de Bem Estar e, como aliada, a profunda recessão e crise fiscal configurando as
dificuldades de o Estado administrar as contradições próprias do movimento do capital.
Nesta conjuntura marcada por uma intensa crise estrutural, desencadeou-se substanciais

1
Professora Doutora da Faculdade de Educação, pesquisadora da Linha de Políticas e Gestão da Educação do
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia.
alterações no mundo do trabalho provocando um incisivo processo de reestruturação
produtiva e econômica; o dissolvimento de políticas sociais características do Estado de
Bem Estar; a implantação de reajustes social e político e a emergência de um novo modelo
de acumulação capitalista tendo como alicerce a dinâmica do mercado livre enquanto
dogma e reguladora dos novos cenários competitivos promovendo por sua vez a
constituição de novos paradigmas organizacionais. Não é demais lembrar que nesse circuito
foi priorizado as políticas de privatização impactando no amortecimento dos movimentos
sociais e sindicais.
Quanto ao neoliberalismo Bourdieu (1998) questiona: “Será que o mundo
econômico, como quer o discurso dominante, é realmente uma ordem pura e perfeita, que
desdobra implacavelmente a lógica de suas consequências previsíveis, pronta a reprimir
todas as falhas por meio de sanções por ela inflingidas, seja de maneira automática, seja –
mais raramente – por intermédio de seus braços armados, o FMI (Fundo Monetário
Internacional) ou a OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento
Econômico), ou de políticas por ela impostas: diminuição do custo de mão-de-obra,
redução das despesas públicas e flexibilização do trabalho?”(Idem).
Bourdieu afirma ainda que o discurso neoliberal não é um discurso como os outros:
“ele é um discurso forte, que só é tão forte e difícil de combater em razão de ter ao seu lado
o poder de um mundo de relações de forças que ele contribui para que se torne o que é,
orientando as escolhas daqueles que dominam as relações econômicas e a elas
acrescentando sua força própria, particularmente simbólica” (idem, ibidem). Neste sentido,
assegura o autor, em nome desse projeto científico de conhecimento, convertido em
programa político de ação, se efetua o imenso trabalho político que visa a criar as condições
para a realização e o funcionamento da “teoria”: um programa de destruição metódica da
coletividade, pois visa a pôr em questão todas as estruturas coletivas “capazes de levantar
obstáculos à lógica do mercado puro: a nação, cujo espaço de manobra diminui a cada dia;
grupos de trabalho, por meio, por exemplo, da individualização dos salários e das
profissões em função das competências individuais e da atomização dos trabalhadores que
dela resulta; coletividades para a defesa de direitos dos trabalhadores, sindicatos,
associações, cooperativas; a própria família, que, por meio da constituição de mercados por
faixas etárias, perde um pouco de seu controle sobre o consumo” (idem).
Esses mecanismos de flexibilização, pelo fato de serem os grandes co-responsáveis
pela abolição da “solidariedade coletiva” são constituidores da lógica do “salve-se quem
puder”, pois contribuem decisivamente para o acirramento do desemprego estrutural, a
gradativa redução dos direitos sociais dos trabalhadores, o descrédito de tudo que é público
e para a sacralização do mercado. Esse complexo panorama social, econômico e político
incide sobre a base de representação do Estado, pois essas novas dinâmicas expandem-se de
forma crescente, sobretudo durante as últimas duas décadas do século passado contribuindo
para o arrefecimento dos espaços coletivos e participativos em todas as instâncias do tecido
social. É nesta conjuntura que, paradoxalmente, a velha bandeira da democratização da
gestão escolar tenta ser reerguida, e é nesta realidade, com todas as suas complexidades e
contradições que se ousam criar mecanismos em prol de espaços democráticos, coletivos e
participativos no interior da escola.
As trajetórias percorridas, em prol da construção da gestão democrática no âmbito
da educação escolar, são coetâneas do processo de democratização política da sociedade
brasileira. Entretanto, é possível afirmar que os processos de democratização da gestão da
escola ainda são tênues, marcados por uma tendência autocrática e centralizadora em
detrimento de uma participação compartilhada com os diferentes segmentos escolares.
Mas, que heranças as escolas portam da prática social mais ampla? Quais os ranços
autoritários marcaram a sociedade brasileira? Quais as marcas do desmantelamento da
institucionalidade sob o signo do coletivo? Que alternativas estão sendo construídas e
experimentadas no interior da escola pública brasileira? Essas questões assumem
centralidade nas reflexões presentes neste artigo. Pensar as dimensões da gestão escolar a
partir das mediações entre o cotidiano da escola e as determinações das políticas
educacionais no contexto da reforma do Estado no tempo presente, exige pensar as
contradições existentes entre as buscas e desafios ensejadas pelo movimento da
democratização escolar e as configurações do novo formato do Estado gerencial. Neste
sentido, tal empreitada requer que exercitemos as contradições inerentes a esse processo, e
que acompanha o próprio processo de desenvolvimento da sociedade brasileira.
Oliveira (1999) em um de seus ensaios, retoma diferentes fases de formação da
sociedade brasileira, reconstituindo-a pela interpretação de alguns de seus intelectuais
brasileiros como Gilberto Freyre, Caio Prado Jr., Sérgio Buarque de Holanda, Machado de
Assis, Celso Furtado e Florestan Fernandes para sustentar sua tese da incompatibilidade
radical entre a dominação burguesa e a democracia.
Para o autor a contribuição desses “intelectuais demiúrgicos” retrata a instauração na
sociedade brasileira de um processo complexo de “violência de proibição da fala, mais
modernamente privatização do público, interpretado por alguns como a categoria de
patrimonialismo, revolução pelo alto e incompatibilidade radical entre dominação burguesa
e democracia; em resumo, de anulação da política, do dissenso, do desentendimento”
(p.58). Oliveira retoma ainda diferentes momentos das cenas políticas no Brasil lembrando-
nos que desde a Revolução de 1930, contamos com duas ditaduras, a de Vargas entre 1930
e 1945 e a que se seguiu ao golpe militar de 1964 até 1984, “perfazendo 35 anos de
ditaduras em 60 anos de história da mudança da dominação de classe. Mas, se contar, além
de golpes que resultaram em ditaduras, as tentativas de golpes falhados, chega-se à média
de um golpe ou uma tentativa para cada três anos, desde 1930 até 1990” (Idem).
Essa situação é emblemática da fragilidade da democracia na história da política
brasileira. Para Oliveira, todo o esforço de democratização, de criação de uma esfera
pública de fazer política, no Brasil, decorreu quase por inteiro da ação das classes
dominadas, mediante a “reivindicação da parcela dos que não têm parcela, a da
reivindicação da fala, que é, portanto, dissenso em relação aos que têm direito às parcelas,
que é, portanto, desentendimento em relação a como se reparte o todo, entre os que têm
parcelas ou partes do todo e os que não têm nada” (p.61). Assim, se recuperarmos os
percursos das lutas democráticas e anti-democráticas desde a ditadura de Vargas até o
tempo presente é possível visualizar movimentos pendulares entre a organização e
mobilização popular e sua negação mediante uma operação do silêncio, de roubo da fala, de
anulação dos dissensos que se sintetiza na busca de cortes da contra-hegemonia para
legitimar as determinações da compulsão econômica. Discursos oficiais e práticas políticas
estabelecem quem está no centro e quem ocupa as posições marginais, quem se estabelece
nas arenas políticas e quem é ocultado nesses espaços.
Tendo como pano de fundo esse cenário mais amplo de oscilações nos processos de
construções e desconstruções das práticas democráticas na política brasileira, queremos,
nesse ensaio, analisar as condições culturais que dão origem aos processos de
democratização da gestão escolar; seus elementos constitutivos e os avanços e limitações
ensejados pelas novas institucionalidades presentes na LDB (Lei 9.394/96).

Gestão democrática na educação brasileira: trajetórias percorridas

O processo de construção da gestão democrática na esfera educacional é coetâneo


de um movimento mais amplo em prol da democratização da sociedade brasileira. Após 21
anos de Regime Militar no Brasil, em 1987, foi instalada a Assembléia Nacional
Constituinte a partir das eleições de novembro de 1986. Anterior a esse acontecimento, no
final da década de 1970 e início da década de 1980, a sociedade brasileira já vivia o “sopro”
da redemocratização em decorrência da amenização da supremacia do Poder Executivo –
representado pelos militares – e a rearticulação dos movimentos sociais da sociedade civil
que se contrapunham à ordem social vigente. A mobilização dos vários segmentos da
população em prol de uma maior participação política inicialmente culminou no direito às
Emendas Populares. Previstas no regimento da Assembléia Constituinte, cada Emenda,
deveria ter, no mínimo, 30 mil assinaturas de eleitores.
Da sua origem até o final da década de 1980, com a promulgação da Constituição
Federal de 1988, os órgãos colegiados de gestão da educação sofreram significativas
mudanças. Nesta conjuntura, fora criado o Fórum Nacional de Entidades em Defesa do
Ensino Público, lançado oficialmente em Brasília a 9 de abril de 1987 através da Campanha
Nacional pela Escola Pública e Gratuita. Inicialmente, o Fórum foi composto por 13
entidades2 e suas principais formas de pressão pautavam-se em manifestos dirigidos aos
parlamentares tentando assegurar suas propostas e posteriormente uma plataforma para a
educação na Constituinte. O Fórum ao defender a reestruturação do Sistema Nacional de
Educação, tendo como pressuposto o conceito de Estado Ampliado, que inclui a sociedade
política e a sociedade civil nas tarefas de elaboração, implementação e avaliação de
políticas públicas, entre as quais a política educacional (Fórum Nacional em Defesa da
Escola Pública. Documento VII, s/d), reivindica a democratização da gestão dos sistemas

2
No momento da Constituinte o Fórum era composto pelas seguintes entidades: ANDES; ANPED; ANDE;
ANPAE; ANDE; SBPC; CPB;CEDES;CGT;CUT;FENOE; FASUBRA; OAB; SEAF;UBES E UNE. A
composição do Fórum se ampliou durante o processo de elaboração da nova Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional incluindo instituições como a UNDIME, o CONSED, o CRUB, etc.
escolares pela defesa da participação colegiada da sociedade civil via Conselhos. Assim,
postula que o mecanismo privilegiado para sistematizar e coordenar esta prática são os
Fóruns Educacionais: nacional, estaduais e municipais – articulados com os respectivos
Conselhos (idem).
Foram significativas as incorporações das reivindicações dos movimentos sociais
pela Carta Magna de 1988. No que tange à educação, e em específico, à gestão dos sistemas
escolares, a Constituição contemplou no artigo 206 o anseio dos referidos movimentos pela
democratização da educação mediante o inciso VI: “gestão democrática do ensino público,
na forma da lei”.
No entanto, a regulamentação desse dispositivo constitucional fica sob
responsabilidade da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) que
foi aprovada em 20 de dezembro de 1996. Após oito anos de tramitação3 no Congresso
Nacional, a nova Lei é fruto de muita polêmica e descontentamentos por parte da sociedade
civil, sobretudo pelas entidades que compõem o Fórum Nacional em Defesa da Escola
Pública.
O Fórum acreditava que o Projeto do Senador Cid Sabóia contemplava seus
princípios defendidos - em termos gerais - por uma escola pública, democrática, gratuita e
de qualidade. Em contrapartida, tece críticas ao Projeto do Senador Darcy Ribeiro:
“Descaracterizando o processo democrático que originou o Projeto de LDB PLC 101/93,
oriundo da Câmara, que recebeu parecer no Senado do Senador Cid Sabóia de Carvalho, o
Senador Darcy Ribeiro assumiu um novo substitutivo ao Projeto de LDB, profundamente
nefasto à educação nacional”4. Nessa perspectiva, critica veementemente o conteúdo do
Projeto de Ribeiro, assinalando, dentre outras alterações feitas por este, a questão da gestão
democrática. Assim, de acordo com o Fórum “Estabelece uma concepção fragmentada do
Sistema Nacional de Educação, pois, além de não estabelecer diretrizes, prioridades e
normas comuns a serem respeitadas por todos os sistemas, omite mecanismos de
construção de um Plano Nacional de Educação” (Idem). Ainda no que concerne à temática

3
Tramitação na Câmara dos Deputados: Projeto Otávio Elíseo – 1988; Projeto Substitutivo Jorge Hage –
1989; Projeto Substitutivo Sandra Cavalcanti – 1990; Projeto Substitutivo Ângela Amim – 1991; Aprovação
do Projeto na Câmara – 1993. Tramitação no Senado: Projeto Substitutivo Cid Sabóia – 1993; Projeto
Substitutivo Darcy Ribeiro – 1994: aprovado no Senado em 1996.
4
Fórum Nacional de Defesa da Escola Pública, Manifesto em forma de panfleto: Porque somos contra o
substitutivo do Senador Darcy Ribeiro. S/d.
“gestão democrática” afirma que o referido projeto “Concentra poderes no Governo
Federal, por omitir o tratamento da gestão democrática do Ensino (Art 3º, inciso VII),
abrindo espaços para o governo legislar sobre a Educação em geral através de MPs
[Medidas Provisórias], como já vem fazendo”. A esse respeito uma das publicações do
SIND-UTE considera que:

Durante a tramitação, não só o executivo editava medidas provisórias,


decretos e remetia projetos de lei (PL) ao Congresso, como o próprio
Darcy Ribeiro se incumbia de modificar o conteúdo dos substitutivos
(num total de sete) que apresentava em plenário, adequando-os aos
anseios de reforma do governo. O resultado final, nós já conhecemos: o
Senado aprova um desses substitutivos de Darcy Ribeiro, que retorna à
Câmara para iniciar uma nova jornada, sendo finalmente aprovado em
1996 (1997:9).

De fato, a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, também apelidada


por Lei Darcy Ribeiro, entra em vigor em 1996 após 25 anos de vigência da LDB (Lei
4.024, de 20-12-61). O Fórum em Defesa da Escola Pública avalia que não houve uma
incorporação a contento do conteúdo das reivindicações dos segmentos da sociedade civil
em seu corpo. Também o SIND-UTE, ao proceder uma avaliação da tramitação dos vários
Projetos de Lei, conclui que os textos foram progressivamente deixando à margem as
proposições populares e o texto final da LDB omite os princípios básicos de tais
proposições.Concomitantemente às elaborações legais que impactam na construção de
diretrizes para a gestão, são formulados também na esfera acadêmica e dos movimentos
sociais sentidos e proposições que se cruzam, negam ou complementam a perspectiva
normativa.

As fronteiras das dimensões legal, real e ideal da gestão democrática

Além da dimensão jurídico-normativa, um outro aspecto deve nos mobilizar em prol


dos processos de constituição dos mecanismos de gestão democrática: trata-se de sua
finalidade política, educativa e pedagógica. Então, quais os horizontes são possíveis para
delinearmos práticas de democratização da gestão escolar? Como pensar a gestão escolar?
Segundo Libâneo “a organização e a gestão constituem o conjunto das condições e
dos meios utilizados para assegurar o bom funcionamento da instituição escolar, de modo
que alcance os objetivos esperados. Os termos organização e gestão são, frequentemente,
associados à idéia de administração, de governo, de provisão de determinada instituição
social – família, empresa, escola, órgão público, entidades sindicais, culturais, científicas,
etc. – para a realização de seus objetivos” (p.293). Ainda segundo o autor, há pelo menos
duas maneiras de ver a gestão educacional centrada na escola.
Na perspectiva neoliberal, a centralidade que a escola assume corresponde a uma
ausência do Estado, delegando às comunidades e às escolas a iniciativa de planejar,
organizar e avaliar os serviços educacionais. Na perspectiva sócio-crítica, a decisão
significa valorizar as ações concretas dos profissionais na escola que sejam decorrentes de
sua iniciativa, interesses e motivações em razão do interesse público dos serviços
educacionais prestados, sem com isso desobrigar o Estados de suas responsabilidades.
Paro (2001), lembra-nos que no senso comum de uma sociedade autoritária, a
gestão aparece ligada a relações de mando e submissão, mas não é isso que lhe dá a
especificidade e a razão de ser. Segundo o autor, ao administrar, ou ao gerir, utilizam-se os
recursos da forma mais adequada possível para a realização de objetivos determinados.
Assim, o autor coloca em relevo duas dimensões que devem ser elementos constitutivos da
gestão: a ética e a liberdade. No campo da ética, trata-se de garantir, pela educação
desenvolvida na escola, o contato com a mais ampla, complexa e rica variedade de
concepções que apontem para o constante desenvolvimento de novos valores
comprometidos com uma sociedade melhor. No campo da liberdade, o papel da gestão
escolar está inextricavelmente ligado à questão da democracia, não apenas porque, pela
educação, faculta-se ao educando o acesso à ciência, à arte, à tecnologia e ao saber
histórico, mas porque podem propiciar a aquisição de valores e recursos democráticos
propiciadores da convivência pacífica entre os homens em sociedade.
Obviamente esses princípios preconizados por Paro (2001) são almejados por
grande parte dos adeptos à gestão democrática, mas tais dimensões encontram-se
vulneráveis na sociedade contemporânea, necessitando lastros de construção. Vale ressaltar
que vivemos um momento de transgressão ou minimização desses elementos constitutivos
da ética e da liberdade, conforme as acepções dos termos utilizadas nas menções acima. Há
hoje, de forma crescente, uma tendência em que gestão democrática confunde-se com os
processos de gestão compartilhada e que, sob a égide das políticas neoliberais, cada vez
mais, transfere-se para a comunidade a responsabilidade pela viabilização de recursos
fiscais e mesmo de ações pedagógicas pautadas no voluntarismo e na filantropia. Embora
seja um discurso bastante sedutor, a participação do voluntariado, a filantropia e todo tipo
de parceria, seja ela com ONG´s, empresas ou fundações requer a agudização do senso
crítico para que não sejamos envolvidos pelo “canto da sereia”, ou seja, não podemos nos
permitir a uma atitude de ignorância ou de desatenção perante esses acontecimentos, os
quais materializam-se de forma tácita e sutil. Segundo Ball (1998), a mágica do mercado
funciona em diversos sentidos.

Por um lado, trata-se de uma reforma sem intervenção direta, uma


intervenção não interventiva. Trata-se de um truque básico do feiticeiro:
“agora você vê.... agora você não vê mais. Ela distancia o reformador dos
resultados da reforma. Culpa e responsabilidades são também devolvidas
ou terceirizadas. E, contudo pela utilização do estabelecimento de
objetivos e das técnicas performativas, pode-se obter um controle à
distância” gerando um “novo paradigma de governo público” (p 130).

A meu ver, o que há de nocivo nesses discursos e nessas práticas, dentre outros
aspectos, é que a gestão escolar assume uma perspectiva eminentemente gerencial com uma
regulação efetuada também pelos fornecedores privados. Assim, esvazia-se a dimensão
política da oferta da educação e nessa processualidade há o deslocamento da esfera dos
direitos para a esfera dos serviços. O homo pedagogicus é sujeitado e redefinido sob as
mesmas referências empresariais e mercadológicas.A gestão escolar torna-se
crescentemente permeável às atividades de gerenciamento levando para as margens as
perspectivas político-pedagógicas alimentando e legitimando no interior da escola atitudes
por parte de seus profissionais de crítica e de ridicularização à dimensão política do
trabalho pedagógico.
O universo escolar não é produzido, contudo, por práticas homogêneas e estáticas,
há diversos olhares posturas e concepções que se entrecruzam. Somando-se a essa
perspectiva neoliberal, há ainda diferentes tendências de gestão escolar que se encontram,
se mesclam ou se opõem, muitas vezes se manifestam como opositores ou complementares,
e, em outras situações aparecem com mais evidência a dimensão autocrática ou
democrática.
A dimensão autocrática se estabelece, sobretudo, nos processos gestoriais em que há
um predomínio da postura de um governo de um líder fechado em si mesmo com poderes
ilimitados e absolutos. Nessa dimensão gestorial prevalece práticas lineares, hierarquizadas
e burocratizantes do processo educativo. Os gestores escolares assumem uma postura
predominantemente fiscalizadora, fisiologista e mandatária e concebe a escola como um
espaço neutro, negando os dissensos, os conflitos com o propósito de alcançar índices
satisfatórios de eficácia, numa perspectiva tecnicista.
Ao contrário desta, a gestão democrática se traduz pelo governo baseado na
distribuição equitativa do poder e se caracteriza pela soberania do grupo, pela divisão dos
poderes e pelo controle do autoritarismo. A gestão democrática é caracterizada por
diferentes dispositivos gestoriais que assumem igual importância para a dinâmica escolar: a
constituição dos Conselhos; o provimento do cargo de diretores por meio de eleição; a
constituição ou revigoramento dos órgãos colegiados e grêmios estudantis, a elaboração e
operacionalização do Projeto Político-Pedagógico da Escola.
Esses fóruns poderão se constituir em importantes instrumentos para viabilizar o
processo de rupturas com as tradicionais relações centralizadas, hierarquizadas e
burocratizadas comumente gestadas no interior do aparelho estatal e reproduzidas pelas
escolas. Nas seções que se seguem abordaremos os avanços e as limitações ensejados por
cada um desses espaços com alcances nos processos intra e extra-escolares.

Gestão democrática na educação brasileira: alternativas em construção ...

A contribuição dos Conselhos de Educação

Cury (2000), ao recorrer à origem etimológica da expressão Conselho localiza-a no


latim como Consilium proveniente do verbo consulo/consulere, “significando tanto ouvir
alguém quanto submeter algo a uma deliberação de alguém, após uma ponderação refletida,
prudente e de bom senso”(p.47). Na interpretação do autor, trata-se de um verbo cujos
significados postulam o movimento de ouvir e ser ouvido e a recíproca audição se relaciona
por sua vez com o ver e ser visto. Nesta linha de raciocínio, o próprio verbo consulere já
possui um princípio de publicidade quando um conselho participa dos destinos da
sociedade ou de parte desta. Obviamente, Conselho é também o lugar onde se delibera e
“deliberar implica a tomada de uma decisão, precedida da análise e de um debate que, por
sua vez, (...), implica a publicidade dos atos na audiência e na visibilidade dos mesmos”
(p.48).
Ainda conforme Cury, esse caráter público do Conselho que cruza o interesse
comum com a visibilidade se relaciona com a modernidade, pois “é próprio da
modernidade se distanciar dos arcana imperii (segredos do poder imperial) próprios de um
poder que se dizia vindo de uma autoridade divina ou natural (...) assim, na relação
governantes e governados, deve haver respeito de uns pelos outros e deste direito e respeito
decorre a necessária publicização dos atos de governo” (p.47). Situando essa abordagem
mais ampla na especificidade da sociedade brasileira parece elucidador que a origem dos
conselhos no Brasil se localiza no final do período imperial. Contudo, em que pese a
importância da iniciativa de constituição dos conselhos, suas características revelam as
limitações democráticas próprias do período em questão com posterior extensão de ranços
anti-democráticos na era republicana.
Na realidade educacional brasileira, as iniciativas de constituição de Conselho no
início do século passado, em suas diferentes configurações, assumem a marca da coerção,
controle, vigilância e disciplinarização da escola e seus agentes educacionais. A
característica fundamental que identifica esses Conselhos é o seu caráter instrumental (em
detrimento do caráter consultivo), mas com componentes políticos e ideológicos, enquanto
mediador do Estado, para produzir comportamentos desejáveis sobre o indivíduo mediante
a indução a um ideal de conduta pelas normas estabelecidas via escola. De acordo com
Cury (2000), durante as décadas de 1920 e 1930, os conselhos se pautavam por uma
dimensão técnica em detrimento da dimensão democrática ancorados pela visão que os
cidadãos, contaminados por visões parciais, jamais acederiam ao universal e ao bem-feito.
“Embora tão racionais quanto qualquer outro, inclusive um especialista, os cidadãos não
teriam preparação suficiente e adequada para o exercício dessas tarefas complexas. Isto
seria função a ser preenchida por técnicos e especialistas que, distanciados das ambições
poderiam visualizar melhor o interesse comum e coletivo” (p. 48). Assim, complementa o
autor, “se descolados do princípio democrático e republicano, os Conselhos podem se
perder na tecnocracia; quando ocupados por pessoas alheias aos e despreparadas para os
assuntos específicos, eles poderão se desviar do essencial, seja no conteúdo, seja na forma”
(p.49).
Em âmbito nacional, um dos primeiros marcos de institucionalização do Conselho
ocorreu um ano após a implementação do Ministério da Educação, em 1931, com a criação
do Conselho Nacional de Educação, através de Decreto assinado pelo então Ministro da
Educação, Francisco Campos. A estrutura de Conselho Nacional de Educação vigorou de
1931 até 1961, quando, com o advento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
Lei 4.024/61, foi criado o Conselho Federal de Educação, que, por sua vez vigorou de 1962
até 1994. Em 1995, a Lei nº 9.131/95 promove uma nova criação do Conselho, que recebe a
denominação novamente de Conselho Nacional de Educação.
De acordo com art. 7º da Lei nº 9.131 de 24 de novembro de 1995 “O Conselho
Nacional de Educação, composto pelas Câmaras de Educação Básica e de Educação
Superior, terá atribuições normativas, deliberativas e de assessoramento ao Ministro de
Estado da Educação e do Desporto, de forma a assegurar a participação da sociedade no
aperfeiçoamento da educação nacional”.
Além dessas atribuições, ao Conselho Nacional compete: formular e avaliar,
juntamente com o MEC, a política nacional de educação; zelar pela qualidade do ensino e
velar pelo cumprimento das leis que o regem; subsidiar a elaboração e acompanhar a
execução do Plano Nacional de Educação; Manifestar-se sobre questões que abranjam mais
de uma modalidade de ensino; assessorar o Ministério da Educação e do desporto no
diagnóstico de problemas e deliberar sobre medidas para aperfeiçoar os sistemas,
especialmente integrando níveis e modalidades de ensino; emitir parecer sobre assuntos da
área educacional por iniciativa dos conselheiros ou quando solicitado pelo MEC; manter
intercâmbio com o sistema estadual e Distrito federal; analisar e emitir Parecer sobre
questões relativas a aplicação da legislação educacional, no que diz respeito a integração
entre diferentes níveis e modalidades de ensino; elaborar seu regimento e o submeter ao
Ministro.
A nova estrutura do Conselho Nacional de Educação estabelece na sua composição
o total de 24 membros, (12 da Câmara de Educação Básica e 12 da Câmara de Ensino
Superior) sendo que a metade destes é indicada por associação científicas e profissionais
como determina o S 1º do Art. 8º: “A escolha e nomeação dos conselheiros será feita pelo
Presidente da República, sendo que, pelo menos a metade, obrigatoriamente, dentre os
indicados em listas elaboradas especialmente para cada Câmara, mediante consulta a
entidades da sociedade civil, relacionados às áreas de atuação dos respectivos colegiados”.
A Lei que legitima a existência do Conselho Nacional da Educação é anterior à
promulgação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que menciona genericamente
sobre tal órgão. A omissão da Lei 9.394/96 ocorre também no caso da criação dos
Conselhos Estaduais e Municipais de Educação5 ficando a critério do Poder Executivo
Estadual ou Municipal a iniciativa para a criação de conselhos nas respectivas esferas,
pressupondo que as Constituições Estaduais de 1989 estivessem se pronunciado sobre o
assunto. Diante disso, alguns segmentos da sociedade civil avaliam que a temática da
gestão democrática no âmbito da Lei, assume uma dimensão lacunar:

Nos substitutivos de Darcy Ribeiro a Gestão Democrática é definida, no


primeiro substitutivo, como a integração dos sistemas de ensino com as
famílias, gestão democratizada, participação democrática no processo
educacional, maioria absoluta de professores nos órgãos colegiados e
comissões. Ao longo da apresentação dos sete substitutivos do senador
Darcy Ribeiro, a idéia ampliada de gestão democrática fica reduzida à
participação dos docentes no projeto pedagógico na escola e participação
da comunidade escolar e local na gestão do estabelecimento de ensino
(SIND-UTE, 1997:22).

Com efeito, a nova LDB apresenta-se um tanto quanto omissa nas matérias afetas à
gestão democrática e não prevê a criação de possíveis instrumentos de sua
operacionalização como os Conselhos de Educação. Conforme foi sinalizado na afirmação
acima, apenas no artigo 14, do Título IV, Da Organização da Educação Nacional, faz-se
menção de forma mais objetiva à temática em questão, da seguinte forma:

5
Os Conselhos em âmbito estadual e municipal já havia sido previsto na Lei federal nº 5.692/71, em seu
artigo 71: “Os Conselhos Estaduais de Educação poderão delegar parte de suas atribuições aos Conselhos de
Educação que se organizem nos municípios onde haja condições para tanto”. Embora a LDB 9.394/96 não
tenha uma matéria específica sobre a criação dos Conselhos Estaduais e Municipais de Educação, a
constituição desses órgãos colegiados assumem maior repercussão no período após a promulgação da
Constituição Federal de 1988 e da nova LDB, sobretudo com a criação dos sistemas municipais de educação e
o desencadeamento do processo de municipalização do ensino.
Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do
ensino público na educação básica, de acordo com suas peculiaridades e
conforme os seguintes princípios:
I - participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto
pedagógico da escola;
II – participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares
ou equivalentes (Lei de Diretrizes e Bases, 1996).

Não há também no corpo da LDB nenhuma referência aos instrumentos que poder-
se-iam contribuir para assegurar alguns mecanismos de gestão de forma democratizadora,
tais como os Conselhos de Educação.
Na verdade, durante a década de 1990, esses órgãos aparecem de forma mais
específica nos textos jurídicos-legais, inicialmente na Emenda Constitucional nº 14, de
1996, dois meses antes da publicação do texto da nova LDB. A referida emenda atribui
nova redação aos Artigos de números 208, 211, 212 e o Artigo 60 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias. Além de estabelecer mudanças quanto ao financiamento da
educação nas quatro esferas (União, Estados e Distrito Federal e Municípios), essa Emenda
também criou o FUNDEF (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino
Fundamental e Valorização do Magistério). A referida lei estabelece a criação de um fundo
contábil que deverá arrecadar 15% dos 25% das verbas destinadas à educação por estados e
municípios. Para tanto, o Caput do Art. 4º da Lei nº 9.424, de 24 de dezembro de 1996,
prevê que “o acompanhamento e o controle social sobre a repartição, a transferência e a
aplicação dos recursos do Fundo serão exercidos, junto aos respectivos governos, no âmbito
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, por conselhos a serem
instituídos em cada esfera no prazo de cento e oitenta dias a contar da vigência desta lei”.
Com a criação do FUNDEF houve, portanto, um importante passo para a criação de
conselhos6 com a participação de diferentes segmentos da comunidade escolar.
Acredito que a constituição desses Conselhos colaborou, em certa mediada, para a
consolidação de uma cultura pouco difundida no País de acompanhamento e controle da

6
A Lei prevê a criação de Conselhos para acompanhamento e controle social do FUNDEF em nível federal,
estadual e municipal, havendo especificidades em sua composição, mas com similaridades mediante
representação do Poder Executivo, do segmento docente e dos pais de alunos e professores das escolas
públicas do Ensino Fundamental. A este respeito conferir as representações detalhadas dos Conselho do
FUNDEF em cada uma das esferas (União, Estados, D.F. e municípios) no artigo 4º da Lei nº 9.424/96.
aplicação da Lei, e a disseminação de seus desdobramentos pela socialização das
informações. Sua importância se dá principalmente neste caso, que se trata da aplicação de
recursos públicos em educação, uma vez que o “jeitinho brasileiro” de administradores
corruptos tradicionalmente tem transgredido o aparato legal que garante a destinação de
recursos financeiros para o setor da educação. Todavia, neste caso, a função precípua dos
Conselhos torna-se restrita, por se tratar fundamentalmente da fiscalização do FUNDEF.
Embora restrita, paradoxalmente assume grande abrangência e importância, sobretudo,
porque o FUNDEF na sua gênese trouxe problemas pontuais e estruturais para a educação e
motivo de descontentamento por parte dos segmentos populares.
A constituição dos Conselhos ao garantir a participação dos referidos segmentos,
poderá possibilitar um maior poder de intervenção e controle desses interlocutores.
Ademais, a existência mesma dos Conselhos de Acompanhamento e Fiscalização,
juntamente com a reorganização dos sistemas de educação, conforme o estabelecido pela
Constituição Federal de 1988 e a nova LDB, parece revitalizar a discussão e impulsionar a
implementação dos Conselhos de Educação em âmbito Federal, Estadual e Municipal.
Trata-se de conselhos de outra natureza, que embora possam exercer também a função
fiscalizadora de recursos, sua função precípua é, ou pelo menos deveria ser, a de propor e
assegurar as diretrizes de uma política de educação para as respectivas esferas.
Os mecanismos de gestão democrática, existem, pois, em âmbito macro, tais como
os conselhos, descritos nesta seção, mas também na esfera micro processando-se por meio
de múltiplos instrumentos. Tenho como pressuposto que a organização do trabalho escolar
pode constituir-se em uma importante referência para o exercício da democratização da
gestão e da construção do trabalho coletivo. Assim, a consolidação da gestão democrática
nos espaços extra-escolar se efetivará a partir da articulação e consolidação de alguns
elementos que a definem, tais como: o provimento do cargo de diretores por meio de
eleição; a constituição ou revigoramento dos órgãos colegiados e grêmios estudantis e a
elaboração e operacionalização do Projeto Político-Pedagógico da Escola.

A contribuição das eleições diretas para o provimento de cargo de diretor

As eleições para provimento do cargo de diretor constituem-se em um importante


mecanismo de democratização da gestão escolar, todavia, tal mecanismo por si só é
insuficiente para imprimir a consolidação da gestão democrática. Um dos princípios que
possibilitam a concretização da democratização nas relações intra-escolares dizem respeito
ao fato, que imbricado mesmo neste processo há o exercício da cidadania em um de seus
elementos clássicos: os direitos políticos que se materializa na possibilidade de votar e ser
votado. Historicamente, na realidade brasileira, o provimento para cargo de diretores
ocorria via nomeação do Secretário Municipal de Educação ou do Governador de estado,
favorecendo práticas fisiologistas e um certo atrelamento da função à hierarquia superior
em detrimento das aspirações, necessidades e propostas da comunidade escolar. Por outro
lado, o processo de eleição pressupõe um maior comprometimento com a comunidade
escolar, pois tal representante foi referendado pela comunidade escolar a partir de
determinadas propostas e posturas desencadeadas pela sua prática.
De acordo com Paro (2001), embora algumas experiências isoladas de eleição para
diretor remontem à década de 1960, esse fenômeno inicia-se no começo da década de 1980,
no contexto de redemocratização do país e sua expansão na realidade brasileira ocorre na
década de 1990. O autor avalia a escolha democrática de diretores escolares como um valor
positivo e como um direito a ser reivindicado, mas também pondera sobre suas limitações.
Uma delas diz respeito a um dos principais argumentos para a implantação das eleições que
ancora-se na crença do sistema eletivo pode neutralizar as práticas tradicionalistas calcadas
no clientelismo e no favorecimento pessoal.
O autor reconhece que as eleições tiveram um importante papel na diminuição ou
eliminação da influência dos agentes políticos (vereadores, deputados, prefeitos, cabos
eleitorais, etc) na nomeação do diretor, mas adverte que isso não significa que o
clientelismo tenha deixado de exercer influências na escola7, mas por outro lado, não pode
levar a que se impute às eleições as causas desses males “que nada mais são, na verdade do
que remanescentes de uma cultura tradicionalista que só a prática da democracia e o
exercício autônomo da cidadania poderá superar (idem).
Uma outra limitação diz respeito à expectativa de que as eleições conseguiriam
eliminar o autoritarismo existente na escola. Contudo, a partir de pesquisas realizadas no
Distrito Federal,Vitória e Goiânia, o autor constata que mesmo com o processo eletivo,

7
Paro (2001) afirma que a influência político-partidária pode ser verificada, sobretudo nos sistemas que a
eleição se deu por lista tríplice, remetendo-se às experiências da rede estadual de Paraná e Minas Gerais e na
rede municipal de Goiânia no início dos anos 1980.
prevaleceram práticas pautadas no diretivismo e no autoritarismo do diretor além das
práticas corporativas por parte dos grupos que interagem na escola. Paro ressalta ainda, que
ao evidenciar essas limitações “não trata-se de culpar a eleição, mas de reconhecer que ela
tem limites que só podem ser superados quando se conjuguem ao processo seletivo, outras
medidas que toquem na própria organização do trabalho e na distribuição da autoridade e
do poder na escola” (p.67). Conclui então que uma importante característica das eleições é
que, como todo processo de democracia, a participação e o envolvimento das pessoas como
sujeitos na condução das ações é apenas uma possibilidade, não uma garantia,
“especialmente em sociedades com fortes marcas tradicionalistas, sem uma cultura
desenvolvida de participação social, é muito difícil conseguir que os indivíduos não
deleguem a outros aquilo que faz parte de sua obrigação como sujeito partícipe da ação
coletiva (idem). Depreende-se, pois, que as eleições não é suficiente para assegurar a
democratização da gestão, mas um instrumento fundamental para sua viabilização, ou seja,
a importância das eleições não se esgota no ato em si, mas no conjunto de elementos que
elas mobilizam, tematizam, questionam, trazendo à tona passagens do cotidiano escolar e
possibilidades de seu redimensionamento."

A contribuição do Grêmio Escolar

O Grêmio estudantil é uma entidade representativa dos alunos criada pela Lei
Federal 7.398/85, que lhes confere autonomia para se organizarem em torno de seus
interesses, com finalidades educacionais, culturais, cívicas e sociais. Geralmente é
regulamentado no regimento escolar variando sua composição e estrutura organizacional. A
legislação que garante a organização estudantil do então 1º e 2º graus, foi sancionada pelo
ex-Presidente da República José Sarney, com o seguinte teor:

Art . 1º Aos estudantes dos Estabelecimentos de Ensino de 1º e 2º graus


fica assegurada a organização de Estudantes como entidades autônomas
representativas dos interesses dos estudantes secundaristas com
finalidades educacionais, culturais, cívicas esportivas e sociais.
§ 2º A organização, o funcionamento e as atividades dos Grêmio s serão
estabelecidos nos seus estatutos, aprovados em Assembléia Geral do
corpo discente de cada Estabelecimento de Ensino convocada para este
fim.
§ 3º A aprovação dos estatutos, e a escolha dos dirigentes e dos
representantes do Grêmio Estudantil serão realizadas pelo voto direto e
secreto de cada estudante observando-se no que couber, as normas da
legislação eleitoral.
Art .2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art .3º Revogam-se as disposições em contrário.
Brasília, em 04 de novembro de 1985; 164º da Independência e 97º da
República. (Brasil, 1985)

Vale ressaltar que esta Lei é sancionada no primeiro governo da Nova República,
em um contexto em que vivíamos “sopros” da redemocratização política no Brasil, após
duas décadas de ditadura militar. Naquela conjuntura houve um árduo e profícuo processo
de busca por todos os mecanismos de fortalecimento das entidades organizativas, mediante
um intenso processo de revitalização das instâncias da sociedade civil. Um dos princípios
para a constituição do Grêmio está pautado nos dispositivos constitucionais ao assegurar a
participação de todos, independente da distinção de raça, credo político ou religioso,
orientação sexual ou quaisquer outras formas de discriminação.
Essa entidade representativa poderá se constituir em um importante espaço para
estimular os interesses dos alunos no envolvimento dos problemas relacionados à gestão da
escola e na construção de um habitus participativo. O grêmio poderá ser uma importante
referência de exercício e de conquista de direitos, de formação de sujeitos históricos
autônomos e críticos, sensíveis à prática de ações democráticas e coletivistas. Esse espaço
poderá garantir que os alunos discutam, criem e fortaleçam múltiplas possibilidades de ação
tanto no interior da escola como na comunidade. O Grêmio torna-se, pois, importante canal
para aumentar a participação dos alunos nas atividades de sua escola, mediante a
representatividade do segmento estudantil na gestão escolar, pois tem o potencial de
integrar mais os alunos entre si, com toda a escola e com a comunidade. Um dos efeitos
mais significativos do Grêmio estudantil, ao meu ver, é seu potencial formativo. Trata-se de
um processo que enseja uma iniciação da vivência nas instâncias coletivistas e
participativas, cuja concretude está entre o presente e o futuro.No conjunto, as
contribuições do Grêmio mostram que as teias do processo decisório tem que se pulverizar,
se horizontalizar mediante a escuta das diferentes vozes que compõem o cotidiano escolar.
A contribuição do Projeto-político-pedagógico

Historicamente, o planejamento, mediante seus diferentes instrumentos, quais


sejam, projetos, propostas e planos tem sido alvo de resistências e descontentamentos no
âmbito escolar. Ora utilizado como mecanismos de controle e monitoramento, ora visto
como um documento obsoleto e desnecessário, o planejamento escolar é visto –
predominantemente - como um dispositivo pedagógico permeado por críticas e rejeições e,
muitas vezes, sua elaboração ocorre apenas para a satisfação das exigências legais e
burocráticas da cultura organizacional.
Mas, qual o sentido pedagógico e político do planejamento? Ao recorremos à
dimensão ontológica do homem, constatamos que o planejamento assume uma dimensão
inerente à sua existência enquanto ser, constituindo-o como sujeito da práxis.
Diferentemente dos animais que modificam a natureza apenas para satisfazer as suas
atividades imediatas de forma mecânica e instintiva, os homens agem sobre o seu ambiente
natural e social e, concomitantemente, refletem sobre sua ação. Agem, refletem, adquirem
um novo entendimento e voltam à ação em um movimento contínuo, tornando cada vez
mais complexas as suas relações, através do trabalho. Assim, o trabalho se caracteriza como
sendo uma atividade eminentemente humana, devido à sua dimensão de intencionalidade,
ou seja, pela possibilidade de os homens projetarem tal atividade.

Pressupomos o trabalho de modo que o assinala como exclusivamente


humano. Uma aranha desempenha operações que se parecem com a de um
tecelão, e a abelha envergonha muito a um arquiteto na construção de seu
cortiço. Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que o
arquiteto figura na mente sua construção antes de transformá-la em
realidade (MARX, 1985, p. 202).

Embora neste fragmento, os postulados marxianos, colocam em relevo a dimensão


ontológica do trabalho8, enquanto categoria central da existência humana, que possibilita
aos homens o domínio da natureza, a vivência gregária e social, o desenvolvimento e uso
da linguagem, o desenvolvimento dos sentidos e uso do cérebro, bem como o entendimento

8
Parte das reflexões presentes nesta seção foram extraídas de SILVA, Maria Vieira. Trabalho Docente e
Gestão Escolar: Formação, Deformação e Transformação do Educador. Uberlândia, 1995 (Dissertação de
Mestrado). A esse respeito ver também ENGELS, Friedrich. Sobre o papel do trabalho na transformação do
macaco em homem. In: MARX, Karl e FRIEDRICH, Engels. Obras Escolhidas. Vol. II. São Paulo, Alfa –
Omega, s/d.
sobre a realidade, podemos estabelecer conexões também sobre o ato de planejar como uma
prerrogativa eminentemente humana. Assim, é possível pensar a potencialidade do
planejamento para além de um ato mecânico, burocrático e centralizador, considerando a
positividade da ação transformadora que esse elemento enseja.
No âmbito educacional, o desafio é, pois, considerar esse recurso a partir da
capacidade de as escolas construírem suas formas de intervenção no cotidiano fundadas em
reflexões e leitura da sua realidade. São várias as possibilidades emanadas pelo processo de
planejamento devido às múltiplas modalidades que o envolve. Enfocaremos, nesta seção,
abordagens relativas ao planejamento da organização do trabalho escolar, comumente
designado de projeto político-pedagógico9. A acepção da palavra projeto me parece
bastante significativa para elucidar os nexos entre o ato de planejar e a dimensão do homem
enquanto sujeito da práxis, conforme as considerações acima. Veiga (1995) ao recuperar o
sentido etimológico da palavra situa o termo projeto oriundo de projectu, particípio passado
do verbo projicere, o qual por sua vez, significa lançar para diante, plano, intento, desígnio.
Tal significação nos remete à capacidade exclusiva dos homens de desenvolver de
forma indissociada o movimento de ação-reflexão-ação de forma contínua, ininterrupta e
incessante. Na esfera educacional, a processualidade que envolve o planejamento mediante
um de seus instrumentos como o projeto político-pedagógico poderá colaborar com as
possíveis reinvenções da democracia no plano escolar a partir da participação dos diferentes
segmentos e por meio do “cruzamento” de olhares sobre o fenômeno educativo e da
mobilização das discussões e reflexões sobre os desafios postos pelo cotidiano.
Nessa perspectiva, Veiga (1995) recupera ainda a dimensão democrática da
construção do projeto político-pedagógico, uma vez que para sua elaboração um elemento
fundamental é a participação de toda a comunidade escolar. Tal participação, por sua vez,
pode contribuir para se instaurar “uma nova forma de organização do trabalho pedagógico
(...) rompendo com a rotina do mando impessoal e racionalizado da burocracia que permeia
as relações no interior da escola” (idem, p.14). Obviamente, não acreditamos que este
documento tem o poder, por si só, de romper com a estrutura de práticas de poder

9
São várias as nomenclaturas que se utilizam para designar o planejamento das unidades escolares, tais como:
Proposta Pedagógica (tal como aparece na LDB – 9.394/96); Projeto Pedagógico Curricular (Libâneo, 2003);
Projeto Educativo da Escola (Sacristàn, 2002) Plano de Desenvolvimento da Escola (Secretaria de Estado de
Minas Gerais).
verticalizada e autocrática no interior da escola. Tampouco garantirá a homogeneidade e
harmonia no grupo, uma vez que os conflitos e dissensos são inerentes aos espaços
coletivos. Contudo, se sua construção ocorrer de forma coletiva e participativa poderá ser
um importante canal para redimensionar a estrutura de poder na escola. Tal instrumento é
uma via de expressiva importância para a produção de um “consenso mínimo” em torno das
opções pedagógicas, curriculares, políticas, filosóficas que nortearão as trajetórias e
diretrizes da escola.
No âmbito legal - em que pesem limitações e ambigüidades - após muitas
reivindicações do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, a LDB (9.394/96)
incorpora em seus artigos 12, 13 e 14 algumas dimensões importantes da democratização
da gestão, ao prever a participação docente e das famílias na elaboração e execução da
proposta pedagógica das escolas, conforme os seguintes trechos:

art. 12: os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as


do seu sistema de ensino, terão a incumbência de:
I- elaborar e executar sua proposta pedagógica;
II- administrar seu pessoal e seus recursos materiais e financeiro;
(...)
VI- articular-se com as famílias e a comunidade, criando processo de
integração da sociedade com a escola;
VII- informar os pais e responsáveis sobre a freqüência e rendimento dos
alunos, bem como sobre a execução de sua proposta pedagógica.

art. 13: os docentes incumbir-se-ão de:


(...)
VI - colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias
e a comunidade.

A integração entre famílias e escola é, de fato, uma das novidades da Lei 9.394/96.
Contudo, ainda são tênues os avanços nesta área por motivos de natureza diversa. A
menção à legislação visa apenas ilustrar que a integração família-escola é uma conquista
histórica da gestão democrática, alcançando um patamar de direito das famílias na
participação do projeto pedagógico das escolas. No entanto, acreditamos que para além
da dimensão legalista, esta conquista deve ser pautada pela legitimidade dos desejos
desses dois espaços construírem buscas para desenvolverem interlocuções, diálogos e
reflexões sobre a educação das crianças e adolescentes que os têm como referência de sua
formação. Mesmo reconhecendo a positividade desse artigo, não podemos ignorar
também seu caráter ambíguo, pois, se por um lado, o inciso VI do artigo 12 garante a
articulação entre as famílias e comunidades nas atividades escolares, possibilitando maior
legitimidade na aproximação entre essas duas esferas, por outro lado, tal dispositivo
também serve também para regularizar uma fenomenal tarefa da hegemonia ideológica do
Terceiro Setor no âmbito escolar por meio do ato de delegar as clássicas
responsabilidades do Estado para a sociedade civil. No artigo 14, desta mesma lei,
também é possível localizar algumas ambigüidades no que tange à democratização da
gestão:
Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do
ensino público na educação básica, de acordo com suas peculiaridades e
conforme os seguintes princípios:
I - participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto
pedagógico da escola;
II – participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares
ou equivalentes (...). (Brasil. Lei de Diretrizes e Bases da Educação,
1996).

Paro (2001) destaca como um dos aspectos lacunares desse artigo o fato de se
restringir a “gestão democrática” ao ensino público. Segundo o autor é possível perceber
por essa via os “disparates” de nossos legisladores, quando “cedendo à ânsia do lucro
representada nos lobbies dos interesses privados, permitem que a lógica do mercado se
sobreponha à razão e aos interesses da sociedade” (p.80). Um outro aspecto que merece
reflexões pelo seu caráter ambíguo é que as normas da gestão democrática do ensino
público serão definidas pelos sistemas de ensino cujos governos poderão ou não estar
articulados com a gestão democrática. Além disso, não estabelece caráter deliberativo que
deve orientar a participação das comunidades nos conselhos escolares e local.
Em que pesem as omissões e ambigüidades presentes nos artigos 12, 13 e 14,
evidenciadas no decorrer desta seção, há também aspectos importantes para a
democratização da gestão que foram incorporadas por este dispositivo legal. Uma delas
trata-se da garantia da participação docente na elaboração e execução da proposta
pedagógica da escola. Tal direito possibilita, pelo menos no plano legal, romper com a
clássica divisão social do trabalho em que, convencionalmente é garantida apenas aos
gestores a tarefa de planejar, pensar e elaborar as metas educacionais da escola e aos
docentes a tarefa de operacionalizar tais diretrizes.
A temática sobre os processos de integração entre famílias e escolas também
aparece nos incisos VI e VII do artigo 12 e no inciso VI do artigo 13. Um aspecto
importante nestas inserções é que se coloca em evidência aspectos relacionados a
confluência de dois espaços de formação do sujeito: a escola e a família. Tais espaços,
independentes de sua composição e forma, ocupam um lugar importante – embora
provisório para muitos – na formação do educando. Garantir esses processos de integração,
constitui mais um dos desafios da democratização da gestão que temos pela frente, com
toda sua complexidade, potencialidades e riquezas.

Considerações Finais

Iniciamos nossas reflexões, colocando em foco os arenosos terrenos da democracia


em tempos de destruição dos espaços coletivos e públicos. Recuperamos, ainda que
sumariamente, o movimento pendular de construção e desconstrução das vias democráticas
na prática social mais ampla e na prática escolar. Nesse processo, é emblemático que no
âmbito educacional, a Constituição de 1988 tenha incorporado reivindicações voltadas para
o caráter público ao definir sua gratuidade em todos os níveis de ensino determinando a
obrigação do Estado em sua oferta.
Contudo, o quadro social dos anos 1990, sob a moldura da reforma do Estado e da
ascensão das políticas neoliberais garante, com vigor, o processo de mercantilização da
educação mediante diferentes formas de consolidação. Assim, durante os oito anos de
tramitação da LDB nas instâncias legislativas e no período posterior à sua promulgação, em
1996, presenciamos mecanismos de privatização da educação pública10 que se efetiva por
meio de uma relação simbiótica entre as esferas pública e privada, comprometendo a
legitimidade da democratização da gestão escolar.
Existe certamente uma tensão fundamental entre as heranças autocráticas e as
práticas democráticas. Esta tensão constitui parte da expansão física incansável dos

10
Segundo Gentili “compreender como a escola se privatiza pressupõe superar as limitações de reduzir o
processo privatizador a um simples mecanismo de compra e venda; requisito fundamental para reconhecer
que, embora as instituições escolares não estejam sendo vendidas, o sistema escolar se privatiza, beneficiando
a poucos e prejudicando a muitos” (1998: 74). Assim, o que está fundamentalmente em voga é a estrutura da
escola pública com o paradigma gestorial da lógica da iniciativa privada. Assim, posso acrescentar uma nova
modalidade às descritas por Gentili, qual seja, fornecimento público com gestão privada (privatização da
dinâmica escolar).
circuitos do capital e do amortecimento das intervenções das lutas anti-capitalistas. A
escola não está à margem desse processo, e enquanto um local histórico de existência da
pluralidade, deve garantir a construção dos espaços coletivos e participativos. Mas pensar a
escola dessa forma implica também pensar uma sociedade em que não haja a operação do
silêncio e do “roubo da fala” que impeça a transgressão ou a desconstrução do discurso
oficial, que tende para uma naturalização das normas, do poder e da desigualdade e exclui o
domínio da política da esfera social.
A negação das práticas democráticas seja pela omissão da legislação, seja pelas
dificuldades culturais de sua construção no cotidiano escolar podem contribuir para a
homogeneização da lógica autoritária negligenciando a cultura heterogênea e as
manifestações desta como um espaço de resistências e luta. Desconstruir a rigidez de uma
visão una e a suposta neutralidade institucional torna-se um inevitável papel político para
aqueles que rejeitam a imposição da lógica do pensamento único e pretende a consolidação
das práticas democráticas. Essa talvez seja uma das principais tarefas que necessitamos
refazer diariamente, a qual compõe o centro do restabelecimento de uma escola de fato
pública, plural, democrática e que eduque para a cidadania. É preciso também, que a escola
se constitua como um espaço, o qual, mediante sua gestão, conteúdos e metodologias haja
questionamentos da história oficial, da naturalização das relações de poder, das
desigualdades de classe, raça, sexo e submissões de grupos étnicos e culturais. Não se trata
de metas idealistas ou abstratas, mas possíveis de se operacionalizar, conforme demonstram
as incessantes lutas em prol da democratização em suas diferentes instâncias. Afinal, é
necessário reconstruir incessantemente um novo sentido para o velho axioma “verás que o
filho teu não foge à luta”, pois nada é imutável, inevitável ou inexorável.
Nesse contexto, presenciamos também o restabelecimento da teoria do capital
humano para fundamentar a investida dos setores privados na educação escolar, num
deslocamento, supostamente benéfico, das responsabilidades do Estado, em prover a
educação escolar, enquanto um bem público, para diferentes instituições assumirem tal
“empreendimento” num momento em que ocorre, por sua vez, um arrefecimento da
participação efetiva de movimentos sindicais e sociais, em contraposição àquelas políticas
de cariz neoliberais desencadeadas no período em questão.
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