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O Plano Real e Outras Experiências

Internacionais de Estabilização
O Plano Real e Outras Experiências
Internacionais de Estabilização
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

Presidente
Fernando Rezende

DIRETORIA

Claudio Monteiro Considera


Gustavo Maia Gomes
Luís Fernando Tironi
Luiz Antonio de Souza Cordeiro
Mariano de Matos Macedo
Murilo Lôbo

ESCRITÓRIO DA CEPAL NO BRASIL

DIRETOR
Renato Baumann
O Plano Real e Outras Experiências
Internacionais de Estabilização

Escritório da CEPAL no Brasil

Brasília, fevereiro de 1997


O conteúdo dos artigos integrantes deste volume é da inteira e exclusiva
responsabilidade de seus respectivos autores, cujas opiniões aqui
emitidas não exprimem, necessariamente, o ponto de vista do
Ministério do Planejamento e Orçamento. É permitida a sua
reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte.

O Plano Real e outras experiências internacionais de


estabilização. — Brasília: IPEA/CEPAL, 1997.

263 p.

Seminário “Os Dois Anos do Plano Real: Comparação com Outras Experiências
de Estabilização”. Brasília, 1996.
1. Plano Real 2. Estabilização Econômica I. IPEA II. CEPAL

CDD 338.981

COORDENAÇÃO DO SERVIÇO EDITORIAL

Coordenadora
Liliana Simões Pinheiro

Edição Gráfica e Revisão


Francisco José Villela Pinto (coord.)
Carlos Alberto Vieira
Márcia G. Aben-Athar Bemerguy

Diagramação e Edição Eletrônica


Euripedes Caldeira/Iranilde Rego

lustrações
João Viana

Capa
Ricardo Dubinskas
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 9
Fernando Rezende

PREFÁCIO 11
Renato Baumann

UMA REFLEXÃO A MEIO CAMINHO:


DOIS ANOS DE CONVERSIBILIDADE 15
José Luis Machinea

INFLAÇÃO E ESTABILIZAÇÃO DA
ECONOMIA MEXICANA 75
Jaime Ros

RELATO SOBRE UMA FLUTUAÇÃO “SUJA” COM


DOLARIZAÇÃO: O PERU ENTRE 1990 e 1992 101
Javier Iguíñiz Echeverría

A POLÍTICA ANTIINFLACIONÁRIA CHILENA


DA DÉCADA DE 90 135
Patricio Meller

PLANO REAL: UMA SEGUNDA AVALIAÇÃO 177


Edmar L. Bacha

DEBATES 205

POSFÁCIO

PRONUNCIAMENTO DO
EXMO. SR. PRESIDENTE DA REPÚBLICA 243
Fernando Henrique Cardoso

ABERTURA DO EXMO. SR. MINISTRO DE ESTADO


DO PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO 257
Antonio Kandir
APRESENTAÇÃO

presente volume divulga mais amplamente as palestras e os debates que tiveram lugar no

O seminário realizado em Brasília, no Palácio do Planalto, com o tema “Os Dois Anos do
Plano Real: Comparação com Outras Experiências de Estabilização”, promovido conjun-
tamente, assim como esta edição, pelo IPEA e o Escritório da CEPAL no Brasil, por ocasião do segundo
aniversário do plano.

O objetivo do seminário foi promover intercâmbio de informações e análises sobre experiências


recentes de estabilização monetária em países que sofreram processos agudos de inflação, marcados
por elevações de preços que beiravam a hiperinflação. A presença do Excelentíssimo Senhor presi-
dente da República e do Excelentíssimo Senhor ministro do Planejamento e Orçamento conferiram
ainda maior credibilidade e interesse ao evento ora publicado.

Especialistas estreitamente comprometidos com a concepção e a prática de políticas de estabiliza-


ção em seus respectivos países de origem (Argentina, Chile, Israel, México e Peru)* reuniram-se,
naquela oportunidade, com integrantes representativos da comunidade técnico-científica (acadêmica e
governamental) da área, visando aprofundar a discussão comparativa desses casos e contribuir para o
processo de consolidação do plano, bem como olhar estrategicamente o futuro, associando estabiliza-
ção com crescimento e geração de empregos.

Da análise ressaltam os ganhos alcançados pelo Plano Real no seu segundo aniversário, compara-
tivamente mais favoráveis do que os registrados em experiências semelhantes, tanto com respeito ao
controle da inflação, quanto à recuperação da previsibilidade do ambiente macroeconômico e institu-
cional. Destaca-se ainda a melhor eficácia na implementação de políticas de governo e no dimensio-
namento do mercado consumidor brasileiro.

As experiências em debate, com antecedentes quase sempre muito distintos (nos aspectos políti-
cos, econômicos, fiscais, sociais, etc.), revelaram que o amadurecimento exitoso de um programa de
estabilização econômica requer acompanhamento técnico e político revestido de perspicácia e tenaci-
dade, de modo a se atingirem os objetivos maiores de desenvolvimento econômico e melhoria das
condições sociais.

*
Motivos de saúde não permitiram que o prof. Mordechai Fraenkel elaborasse versão escrita de sua participação,
no relato do caso de Israel, para compor este livro.

9
Lançar este volume significa não somente cumprir um compromisso firmado publicamente no
encerramento do seminário, mas, de fato, colaborar para o aprimoramento de uma política socioeco-
nômica que busca alcançar as aspirações de uma nação.

Fernando Rezende
PRESIDENTE DO IPEA

10
PREFÁCIO

organização do seminário “Dois Anos do Plano Real: Comparação com Outras Experiênci-

A as de Estabilização” é mais uma das atividades que o Escritório da


desenvolvido em sua parceria de longa data com o IPEA.
CEPAL no Brasil tem

Na organização desse seminário, as duas instituições uniram-se para promover um debate, que
acreditamos bastante profícuo, sobre diversas experiências de estabilização. Admitindo que haja
muito a aprender da experiência acumulada em outras economias, foi pedido aos diversos analistas
convidados que procurassem identificar — de forma até certo ponto taxonômica — as principais
realizações que podem ser atribuídas aos dois primeiros anos seguintes à adoção de um plano de
estabilização macroeconômica, assim como os principais desafios com os quais essas economias se
depararam nesse mesmo ponto no tempo. A idéia era ter um cenário de fundo que permitisse compa-
rar os resultados observados até o segundo aniversário do Plano Real.

Foram analisados casos da Argentina, Chile, Israel, México e Peru, e foi feita uma revisão dos
principais resultados obtidos nos dois primeiros anos do Plano Real. Em todos os casos, a análise
ficou a cargo de especialistas renomados tanto na área acadêmica quanto por terem participação direta
na definição de políticas econômicas de seus países. O seminário teve lugar no auditório do Palácio do
Planalto, e constituiu-se de fato em um dos eventos oficiais de comemoração do segundo aniversário
do plano de estabilização, ao contar com a presença do Exmo. Sr. presidente da República e do Exmo.
Sr. ministro do Planejamento e Orçamento na sessão de abertura do evento.

Os textos apresentados no seminário são agora divulgados a um público mais amplo, na forma de
publicação conjunta IPEA/Escritório da CEPAL no Brasil. Além dos artigos de análise, são apresentadas
as intervenções dos comentaristas e os debates que tiveram lugar naquela oportunidade. Lamentavel-
mente, razões de saúde impediram o prof. Mordechai Fraenkel de enviar a versão escrita de sua inter-
venção, sendo essa a única ausência no presente volume.

Em sua revisão do caso argentino, Machinea enfatiza o fato de que o Programa de Conversibili-
dade foi, na verdade, mais do que apenas um programa de estabilização. O conjunto de medidas
adotadas compreendeu, além da abertura comercial externa, um forte processo de privatização, o fim
do controle de preços e a reformulação dos contratos de trabalho. A Argentina não impôs restrições à
entrada de capitais de curto prazo, o que permitiu uma forte monetização por meio de créditos exter-

11
nos ao setor privado, e o aprofundamento da já intensa dolarização da economia, com efeitos expres-
sivos sobre as contas externas.

O programa mexicano permitiu, segundo Ros, resultados surpreendentes em termos da redução


do ritmo de aumento de preços no primeiro momento, mas baseado em mecanismos de congelamento
de preços, salários e tarifas públicas. À semelhança da estabilização argentina, o programa mexicano
beneficiou-se em grande medida do influxo de divisas, o que levou à forte apreciação do peso. Pecu-
liaridades nacionais foram fundamentais para o formato do conjunto de medidas nos dois primeiros
anos de estabilização, incluindo as renovações dos acordos para a manutenção dos preços e salários.

O caso peruano se destaca por apresentar duas características pouco comuns em planos de estabi-
lização na América Latina: restrição monetária com flutuação cambial e atualização dos preços dos
serviços públicos com eliminação de subsídios. Como resultado — e à diferença de outros países — ,
o período inicial se caracterizou por forte queda no volume de produção, no nível de emprego e no
nível de salário real. O conjunto de medidas foi também bastante abrangente, ao incluir a liberalização
do comércio externo, do setor financeiro e do mercado de trabalho. A recuperação do ritmo de ativi-
dade no periodo subseqüente está, segundo Iguíñiz, fortemente associada à recuperação do nível de
gastos sociais relacionados à luta contra a pobreza e o terrorismo, mais o influxo de recursos externos.

O texto de Meller sobre a experiência chilena é um tanto distinto dos demais, porque não analisa
episódios específicos de estabilização mas, por se tratar do país latino-americano com experiência
mais antiga de convivência com baixas taxas de inflação, procura identificar lições que possam ser
derivadas dessa experiência. O autor enfatiza em particular o fato de que não se deve alimentar a
ilusão de se conseguir controle inflacionário nos primeiros dois anos de um programa de estabilização.
A julgar pela experiência chilena, apenas a partir do quarto ano de queda sistemática de preços surge
consenso em relação ao controle da inflação e, portanto, o rompimento definitivo da inércia no pro-
cesso de formação de preços. Outra lição, derivada sobretudo do período recente, em que as expecta-
tivas quanto à estabilização passaram por um período de teste, quando ocorreu a passagem para o
regime democrático naquele país, é de ser recomendável a adoção rígida de objetivos (transparentes à
percepção por parte dos agentes do mercado), associada à flexibilidade no uso dos instrumentos de
política. No caso chileno, isso se traduziu em política de controle dos fluxos de capitais externos de
curto prazo e adequação dos diversos mecanismos — orçamentário, expansão monetária e outros — a
metas de inflação baixa.

A análise do caso brasileiro esteve a cargo do professor Edmar Bacha, um dos mentores e exe-
cutores da implementação do Plano Real. Bacha chama atenção para o fato de que o sucesso inicial do
plano veio mostrar que o governo não precisa lançar mão dos ganhos inflacionários para equilibrar

12
suas contas, que a taxa de inflação pode ser reduzida drasticamente sem congelamento de preços e
salários, e que o processo de conversão de preços e salários de sua denominação em moeda corrompi-
da pelo processo inflacionário em outra moeda (no caso, a URV) não acelera a inflação. Após uma
descrição qualificada do processo seguido, Bacha aponta como questões a serem resolvidas a convi-
vência de déficit público e desvalorização cambial com redução continuada do ritmo inflacionário e
manutenção do equilíbrio externo, o ritmo de convergência dos preços de bens e serviços e a recupe-
ração das margens de rentabilidade e competitividade da produção.

Ao ajudar a organizar o seminário “Dois Anos do Plano Real: Comparação com Outras Experiên-
cias de Estabilização”, o Escritório da CEPAL no Brasil pretendeu contribuir para a análise do momento
pelo qual passa a economia brasileira. Acreditamos que o conjunto de trabalhos publicados na pre-
sente coletânea certamente não esgota o tema, mas é de grande utilidade para subsidiar reflexões a esse
respeito.

Renato Baumann
DIRETOR DO ESCRITÓRIO DA CEPAL NO BRASIL

13
UMA REFLEXÃO A MEIO CAMINHO:
DOIS ANOS DE CONVERSIBILIDADE

José Luis Machinea

Sumário

1. Introdução 17

2. O Programa de Conversibilidade 19

3. A Situação da Economia Argentina


após Dois Anos 27

4. Considerações Finais 65

Anexo 69

Referências Bibliográficas 73
UMA REFLEXÃO A MEIO CAMINHO: DOIS ANOS DE CONVERSIBILIDADE

1. Introdução

D
esde o final da década de 40, a economia argentina vem registrando elevadas taxas de
inflação. Entretanto, isso não impediu que até meados dos anos 70 a economia se revelasse
capaz de manter razoáveis índices de crescimento.1 O ano de 1975 marca um limite muito
preciso. Nesse ano, há uma intensificação da violência política, que acaba resultando no golpe militar
de 1976 e em anos de repressão. Também no decorrer desse mesmo ano, a tentativa de corrigir uma
grave distorção dos preços relativos, mediante um superajuste da taxa de câmbio e dos preços dos
serviços públicos, provoca uma forte aceleração inflacionária, a qual haveria de persistir pelos 15 anos
subseqüentes. Entre 1975 e 1990, a taxa média de inflação foi de 569%, e apenas em dois anos foram
observados níveis inferiores a 100%. Quando à falta de estabilidade econômica veio somar-se a falta
de estabilidade política, decorrente da primeira troca de um governo democrático por outro governo
democrático em sete décadas, o país teve sua primeira experiência hiperinflacionária. A taxa de infla-
ção atingiu 296% mensais em julho de 1989.

O presidente Carlos Menem chegou ao poder tendo que se defrontar com dois problemas: um de
ordem macroeconômica — a hiperinflação e a crise econômica do Estado —, e outro de credibilidade
— tratava-se de um caudilho de província, com tradição populista, que até poucos dias antes de assu-
mir o governo repudiara o programa de reformas estruturais que, posteriormente, acabou adotando
como seu. O presidente tentou solucionar esses problemas anunciando um conjunto de reformas es-
truturais — basicamente a privatização de empresas públicas — e nomeando para ministro da Eco-
nomia um empresário proveniente do círculo dos grandes negócios. A reforma estava fundamentada
em duas leis, a Lei de Emergência Econômica e a Lei de Reforma do Estado. O Partido Radical pro-
meteu dar quórum para a aprovação dessas leis, no contexto da saída antecipada do governo do presi-
dente Alfonsín. A Lei de Emergência Econômica significou um duro golpe para o capitalismo prote-
gido — desenvolvido na Argentina a partir do pós-guerra — ao suspender os regimes de promoção
industrial, regional e de exportações, bem como as preferências que beneficiavam os manufaturados
nacionais nas compras do Estado. Também foi autorizada a dispensa de funcionários públicos e eli-
minado o sistema de salários privilegiados na administração. Por sua vez, a Lei de Reforma do Estado
determinou o âmbito normativo para a privatização de um grande número de empresas públicas. Por
meio dessas leis, o Congresso delegou ao Executivo o poder de legislar, por decreto, os pormenores
relativos às novas políticas.

Assim sendo, apesar de não contar com maioria na Câmara de Deputados, o governo pôde dispor
de todos os instrumentos necessários para enfrentar os problemas decorrentes da conjuntura existente
e fazer avançar seu programa de reformas estruturais.

1 O índice de crescimento anual entre 1945 e 1974 foi equivalente a 3,8%, e a taxa de inflação atingiu 25,5%.

17
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

No auge da onda ideológica conservadora — estimulada por um presidente em busca de reputa-


ção —, o governo achou que a volta ao mercado e a entrega do Ministério da Economia a um empre-
sário seriam medidas suficientes para colocar a economia sob controle. Contudo, a fórmula fracassou.
Em fins de dezembro de 1989, enfrentando um novo perigo hiperinflacionário, o governo resolveu
confiscar os depósitos do sistema financeiro.2 A medida foi apenas um paliativo, tendo em vista uma
situação em que o governo parecia ter perdido o rumo. Dois meses mais tarde, um novo surto hiperin-
flacionário foi contido mediante uma forte restrição ao gasto público e uma dura política monetária.
Na falta de um programa estabilizador, essa foi a política adotada pelo governo durante todo 1990. No
final do ano, após dezoito meses no poder, tornava-se evidente que o governo do presidente Menem
era totalmente incapaz de gerar credibilidade, reduzir a inflação a níveis razoáveis e restabelecer o
crescimento.

Para ser mais específico: o Produto Interno Bruto (PIB), durante 1990, cresceu apenas 0,1%, de tal
maneira que a economia, no último trimestre de 1990, registrou nível 5,5% menor do que o do mesmo
período em 1987. O índice de investimentos, em 1990, foi o mais baixo em décadas (14% do PIB). A
balança comercial apresentou um superávit recorde de US$ 8 275 bilhões devido ao processo recessi-
vo que diminuira substancialmente as importações e aumentara os saldos exportáveis. Por sua vez, em
fins de 1990, o índice de desemprego atingiu 6,3%.

O elevado superávit comercial e a política monetária restritiva permitiram uma acentuada revalo-
rização da moeda, em um contexto de flutuação suja. De fato, após a forte desvalorização levada a
efeito no início do ano, a taxa de câmbio nominal havia permanecido inalterada durante nove meses.
Embora a taxa de câmbio permanecesse estável, a taxa de inflação, que atingiu 1 960% no transcurso
do ano, ainda era de 6,2% mensais durante o último trimestre de 1990.

Em fins de 1990, a política de contenção de gastos tornou-se insustentável. A monetização do de-


sequilíbrio fiscal e a percepção da defasagem da taxa de câmbio, em um cenário repleto de grandes
incertezas, geraram expectativas de aceleração inflacionária. Os boatos de mudanças na equipe eco-
nômica levaram à renuncia do presidente do Banco Central e a uma nova corrida ao mercado de câm-
bio, provocando, inicialmente, uma perda de reservas e, posteriormente, uma desvalorização da taxa
de câmbio nominal. As hiperinflações ocorridas nos dois anos anteriores, o confisco dos depósitos em
fins de 1989, o fracasso do novo governo em estabilizar a economia e a crescente dolarização faziam
prever mais uma traumática experiência econômica e política para o país. Por outro lado, as pesquisas
de opinião mostravam que o apoio da população começava a declinar perigosamente. Em 29 de janei-
ro, Cavallo é nomeado ministro da Economia e, em meados de março, anuncia o Plano de Conversi-
bilidade. A conversibilidade, como programa de estabilização, veio preencher a principal lacuna do
governo Menem.

2 Houve uma troca de depósitos com um mês de prazo por bônus públicos com média de duração de sete anos.

18
UMA REFLEXÃO A MEIO CAMINHO: DOIS ANOS DE CONVERSIBILIDADE

2. O Programa de Conversibilidade3

2.1 As Medidas

Em sua dimensão macroeconômica, o programa teve dois aspectos relevantes: no plano monetá-
rio-fiscal, a conversibilidade da moeda em um valor equivalente a um peso por um dólar foi determi-
nada por lei, tendo o Banco Central a obrigação de vender as divisas requeridas pelo mercado con-
forme o preço estipulado. Além disso, a lei obrigava que a emissão monetária fosse respaldada em
100% por reservas internacionais.4

Com essas medidas, as autoridades assumiram, simultaneamente, dois compromissos: prescindir


das correções cambiais como instrumento de política, e não mais financiar o setor público por meio da
emissão. Por outro lado, a fim de combater a inércia inflacionária, o governo introduziu na lei de
conversibilidade um artigo proibindo a indexação dos contratos. E, por último, aceitou a validade legal
dos contratos em moeda estrangeira.

No plano estrutural, o governo acelerou as reformas que já estavam sendo implementadas antes
do lançamento do programa de estabilização. Além das privatizações da companhia telefônica
(ENTEL), da companhia de transporte aéreo (Aerolineas Argentinas) e de um conjunto de empresas
industriais controladas pelo Ministério da Defesa, foi anunciada, também, a privatização das empresas
geradoras e distribuidoras de energia elétrica e da empresa produtora e distribuidora de gás, bem
como da frota da marinha mercante do Estado (ELMA), da siderúrgica estatal SOMISA e das unidades de
campanha e de elevadores de terminais da Junta Nacional de Grãos. A essa estratégia de privatização,
foi somada a abertura comercial externa a fim de mudar as regras do jogo, não só para o Estado, mas
também para o mercado. Em março, foi anunciada uma redução tarifária, o que fez com que a tarifa
média de 18,1% passasse para 9,7%. Concomitantemente, foi eliminada a maioria das restrições não-
tarifárias ainda em vigor. Também foi dado início a um processo de desregulamentação em vários
setores, especialmente nos de transporte marítimo (incluindo os portos), viário e, posteriormente,
aéreo.

Por último, vale a pena mencionar que o próprio programa de estabilização poderia ser visto
como uma reforma estrutural das regras do jogo da administração macroeconômica; pelo menos, foi
assim que o governo o considerou.

Embora o programa de estabilização pudesse parecer semelhante a outros anteriormente imple-


mentados na década de 80, devido à utilização de certas variáveis-chave, especialmente a taxa de
câmbio como âncora nominal, existem, no entanto, importantes diferenças. Em primeiro lugar, a
abertura comercial, em um contexto de taxa de câmbio supervalorizada, exerceu forte pressão descen-

3 Esta seção se baseia em Gerchunoff e Machinea (1995).


4 A definição de reservas internacionais inclui títulos públicos a preço de mercado, que não podem ultrapassar
20% das reservas, mas, em situações de emergência, podem chegar a 33%.

19
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

dente sobre o preço dos bens comercializáveis. Em segundo lugar, a proibição de recorrer ao financi-
amento monetário do déficit fiscal foi estritamente cumprida. Em terceiro lugar, o alcance da reforma
no setor público, mediante o processo de privatizações, bem como a redução do número de funcioná-
rios públicos, gerou credibilidade quanto à capacidade do setor de manter o déficit fiscal sob controle.

Desde o início, o governo renunciou a qualquer tipo de mecanismo de controle de preços, algo
que em outros programas de estabilização havia sido utilizado como elemento coordenador.5 As ra-
zões para tanto foram, basicamente, três. Primeiramente, o governo não possuía a capacidade política
para implementá-los e, por outro lado, isso contrariava a imagem de volta ao mercado que a política
oficial queria ressaltar. Em segundo lugar, a economia argentina já apresentava uma situação cada vez
menos parecida a um regime de inflação elevada, e cada vez mais a um de hiperinflação, ou seja, um
regime no qual praticamente o único elemento de coordenação era a taxa de câmbio. Em terceiro
lugar, e talvez o mais importante, a eliminação de restrições não-tarifárias e a forte redução tarifária
impunham disciplina por meio de importações que não exigiam nenhum tipo de controle.

Ao contrário do que ocorrera com outras experiências de estabilização (Chile, México, Israel,
Bolívia), o programa de conversibilidade teve a particularidade de ser implementado simultaneamente
à queda das taxas internacionais de juros (ver gráfico 1) e à consecução de avanços nos acordos de
renegociação da dívida externa. Esses fatores, juntamente com a recessão no mundo industrializado,
permitiram, pela primeira vez em uma década, a entrada de capitais privados na região. Taxas de
juros mais baixas ajudaram a equilibrar as contas públicas, e a entrada de capitais favoreceu o au-
mento do gasto privado e a reativação econômica.

GRÁFICO 1
Evolução da Taxa de Juros LIBOR

5 Entretanto, o governo exerceu, inicialmente, pressão sobre os formadores de preços e, no caso de aumentos
considerados injustificados, as empresas receberam visitas especiais da Dirección General Impositiva (Receita
Federal) e sofreram forte restrição de crédito por parte dos bancos oficiais .

20
UMA REFLEXÃO A MEIO CAMINHO: DOIS ANOS DE CONVERSIBILIDADE

9,50
8,50
7,50
% 6,50
5,50
4,50
3,50
2,50
j

j
a

a
o
d

a
o
d

a
o
d

a
o
d

a
f

f
Fonte: Fundo Monetário Internacional (FMI).

A determinação da taxa de câmbio por lei e a impossibilidade de financiar por meio de emissão
monetária, e, seguindo o espírito inicial da conversibilidade, a emissão de papéis para cobrir o gasto
público deixaram entrever que o governo havia jogado sua última cartada sem ter muita certeza do
resultado final. De fato, o desequilíbrio fiscal, que nessa época chegava a aproximadamente 3% do
PIB, e a defasagem inicial da taxa de câmbio, que apenas fora recuperada minimamente nos dois me-
ses que antecederam o início da conversibilidade, apesar de uma desvalorização nominal de 80%,
provocaram dúvidas sobre a capacidade do governo de cumprir suas promessas. No entanto, é tam-
bém verdade que as autoridades não tinham muitas outras alternativas disponíveis. A perda de credi-
bilidade associada a diversas tentativas fracassadas de estabilização e as duas hiperinflações dos últi-
mos anos se somaram à crescente percepção de que o governo era incapaz de controlar a inflação. Em
um cenário de total falta de credibilidade, o governo talvez tenha adotado a única opção possível:
anunciou regras muito rígidas — semelhantes à do padrão-ouro — e implementou-as sob a forma de
lei.

2.2 Os Resultados Iniciais

Tal como ocorrera com outros planos de estabilização, a inflação caiu substancialmente nos me-
ses que se seguiram à implementação do programa. Mas, da mesma forma que na maioria desses
programas, a inflação não desapareceu. No transcurso dos seis primeiros meses, a taxa média de
inflação, de acordo com o índice de preços no varejo, foi de 2,8% mensais (ver gráfico 2). Dessa
forma, o objetivo do governo segundo o qual “os preços cairiam 30% no decorrer dos primeiros me-
ses”, conforme anunciado pelo ministro Cavallo, transformou-se em uma ilusão difícil de se tornar
realidade. Assim, a percepção inicial de que a taxa de câmbio estava defasada aumentou devido ao
elevado superávit inicial da balança comercial; as exportações continuaram superando as importações,
apesar do significativo crescimento destas; e o ano terminou com um superávit comercial de 3 700
bilhões. Apesar do déficit em conta corrente, as reservas internacionais aumentaram, basicamente em
decorrência da entrada de capitais vinculada às privatizações.

21
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

O ministro da Economia também parecia estar preocupado com o nível da taxa de câmbio. Em
duas oportunidades — fins de 1991 e início de 1992 —, sugeriu que no futuro o regime cambial
poderia vir a ser modificado. A reação dos mercados, bem como da maioria dos economistas, foi
muito dura. Conseqüentemente, a partir de então, Cavallo anunciou que a conversibilidade “tinha
vindo para ficar”. Tal como acontecera com o ministro, o discurso oficial também foi mudando aos
poucos. Primeiramente, disseram que os preços iriam diminuir; como tal não se deu, disseram que a
taxa de câmbio de equilíbrio era mais baixa do que no passado e que, portanto, não haveria déficit
comercial. Quando o déficit aconteceu, disseram que era apenas temporário; quando persistiu, afirma-
ram ser isso uma boa notícia, porque refletia a confiança do resto do mundo. Naturalmente, deve-se
ser indulgente com as autoridades: os governos defendem sistematicamente o que fazem e, sempre que
possível, transformam em êxitos os seus resultados.

22
UMA REFLEXÃO A MEIO CAMINHO: DOIS ANOS DE CONVERSIBILIDADE

GRÁFICO 2
Evolução dos Preços—Atacado e Varejo

40,0

35,0 IPM
IPC
30,0

25,0
Variação %

20,0

15,0

10,0

5,0

0,0

-5,0
11/91

11/92

01/93

03/93
1/91

3/91

5/91

7/91

9/91

1/92

3/92

5/92

7/92

9/92
Dessa forma, registrou-se uma dupla impossibilidade: a deflação era impossível porque induzi-la
mediante uma recessão prolongada era arriscado para o programa de estabilização, e a desvalorização
era impossível porque provocaria uma crise de credibilidade. Nesse contexto, havia unicamente três
alternativas: reduzir os custos por meio da atuação do governo, aumentar a produtividade, ou tentar —
dentro de certos limites — modificar a taxa de câmbio mediante política tarifária e reembolsos às
exportações. As duas primeiras alternativas, como veremos, estão claramente relacionadas.

O governo foi reconhecendo a necessidade dos três caminhos à medida que passava o tempo e os
problemas de competitividade se tornavam evidentes. Primeiramente, foi colocada ênfase no aumento
da produtividade associado ao conjunto de reformas estruturais implementadas. Nesse caso, a idéia
subjacente era que o atraso relativo da economia argentina permitia pensar que um choque de inves-
timentos, em uma economia que não investe há muito tempo, é capaz de gerar grandes aumentos de
produtividade. O que fez o governo para conseguir esse choque de produtividade? Em primeiro lugar,
estabilidade macroeconômica e reforma estrutural. Em segundo lugar, políticas de demanda quase
keynesianas.

Antes de analisar o efeito dessas políticas sobre a taxa de câmbio, deve-se destacar que, ao con-
trário do Sudeste asiático, onde a valorização cambial foi decorrente de um forte processo de investi-
mentos com o conseqüente aumento da produtividade, na Argentina, a valorização da taxa de câmbio
foi anterior e, por conseguinte, o desafio era elevar a produtividade para compensar a defasagem da
taxa de câmbio. O aumento da produtividade converteu-se, assim, em uma corrida contra o tempo,

23
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

porque o financiamento externo não estaria disponível para sempre. Por outro lado, durante o proces-
so de ajuste ao novo equilíbrio, havia a possibilidade de que várias atividades produtoras de bens
comercializáveis, que seriam competitivas com o novo equilíbrio, fossem ficando pelo caminho.

Vamos voltar ao choque de produtividade. Estabilidade macroeconômica e reforma estrutural


constituem um subconjunto dos mais conhecidos e convencionais. A percepção coletiva de que a
estabilidade e o equilíbrio das contas públicas seriam logrados mediante a utilização de instrumentos
menos efêmeros do que no passado melhoraria o clima de confiança, determinando a queda do prêmio
referente ao risco país e, portanto, o aumento da oferta de recursos externos a taxas de juros menores.
Isso, somado às novas oportunidades de negócio originadas em decorrência do processo de reformas
estruturais, aumentaria o investimento e a produtividade. Achou-se, especificamente, que a privatiza-
ção melhoraria a produtividade no setor de serviços públicos, como conseqüência do aumento da
eficiência e da maior quantidade de investimentos associados a uma demanda insatisfeita, o que, por
sinal, nos faz lembrar os investimentos associados à demanda cativa do processo de substituição de
importações.

Por sua vez, a abertura comercial deveria gerar dois efeitos. Por um lado, do ponto de vista estáti-
co, melhor alocação de recursos com seu impacto na produtividade. Por outro, incentivos adicionais
para investimentos em um conjunto de setores em que o país contasse com vantagens comparativas.
Isso devido à disponibilidade de insumos e bens de capital a preços internacionais. No caso específico
dos bens de capital, vale a pena assinalar que o governo não só eliminou as restrições quantitativas
como também as tarifas de importação. Afora o efeito dessas medidas na demanda de mão-de-obra, e
para os fabricantes de bens de capital nacional, que além disso tiveram que enfrentar o reapareci-
mento do crédito externo para a importação desses mesmos bens, é óbvio que o propósito da medida
era a modernização generalizada do estoque de capital.

Simultaneamente às políticas macroeconômicas e de reforma estrutural, surgiram outras ligadas à


demanda, as quais serão analisadas mais adiante. É interessante mencionar que a idéia de manter um
alto nível de atividade se explica não só pela necessidade existente de aumentar a arrecadação tributá-
ria, como também pela noção de que o incremento da demanda incentivaria os investimentos e a
gradual atualização da tecnologia.

No referente à redução dos custos, o governo tentou dar início a um processo de desregulamenta-
ção do mercado de trabalho e dos setores de serviços, nos quais uma injeção de concorrência poderia
surtir efeitos deflacionários. Nesse contexto, se inserem a reformulação parcial do regime de contrata-
ção de mão-de-obra e a aprovação de um decreto omnibus de desregulamentação, bem como as modi-
ficações na estratégia das privatizações, gerando concorrência nos setores em que esta fosse possível
(geração de energia elétrica e produção de gás). Da mesma forma, com o propósito de reduzir os
custos das empresas, o governo empreendeu a tarefa de reestruturar o sistema tributário, com vistas a
aumentar os impostos sobre o consumo (elevação da alíquota e redução da evasão do imposto sobre o
valor agregado) e diminuir alguns impostos distorsivos sobre as atividades produtivas.

24
UMA REFLEXÃO A MEIO CAMINHO: DOIS ANOS DE CONVERSIBILIDADE

Finalmente, diante dos escassos resultados a curto prazo das políticas mencionadas, o governo,
em novembro de 1992, decidiu modificar a taxa de câmbio efetiva de importação e exportação. Para
tanto, utilizou o expediente de aumentar em sete pontos a taxa de estatística para a maioria das im-
portações, e eliminar impostos sobre as exportações para produtos agropecuários, bem como outorgar
reembolsos à exportação de produtos industriais. Essas medidas resultaram em uma melhoria da taxa
de câmbio de exportação da ordem de 4,4%. Essa estratégia também incluiu a eliminação do imposto
sobre o óleo diesel, insumo de grande relevância para o setor agropecuário.

Os resultados sobre a melhoria da competitividade devidos a essas estratégias serão analisados na


próxima seção, juntamente com outros indicadores que mostram a situação da economia argentina
após dois anos do programa de conversibilidade.

3. A Situação da Economia Argentina após Dois Anos


Nesta seção, vamos avaliar a situação da economia argentina após dois anos da implementação
do programa de conversibilidade, separando a análise por temas. No final, procuraremos apresentar um
resumo.

3.1 Nível de Atividade


Durante os dois primeiros anos do programa de conversibilidade, o aumento da demanda global
foi da ordem de 12,3% anuais, provocando um crescimento anual do produto interno bruto equiva-
lente a 8,7% (ver tabela 1).6

É evidente que, durante esse período, a política de expansão da demanda estava firmemente apoi-
ada em uma forte entrada de capitais, a qual, além de ter sido induzida pela política de estabilização e
de reformas estruturais, teve como pano de fundo as mudanças no cenário internacional, tal como já
mencionamos.

O aumento da demanda se explica, basicamente, pelos maiores níveis de consumo e de investi-


mentos. Por sua vez, o comportamento do consumo se explica pelo reaparecimento do crédito, pela
melhoria inicial da distribuição de renda associada à eliminação do imposto inflacionário, e pela eufo-
ria decorrente do sucesso demonstrado pelo programa de conversibilidade (aumento da renda perma-
nente). Esses fatores se manifestaram com maior intensidade na demanda por bens duráveis, que
aumentou muito mais do que a produção industrial (ver gráfico 3).
TABELA 1
Oferta e Demanda Globais
a Preços Constantes de 1986
(Índice 1990=100)

Ano PIB Importações Demanda Consumo Investimento Exportações


Global

6 Não existem dados trimestrais da demanda e da oferta globais desde 1988. Portanto, foi feita uma comparação
entre 1990 e 1992, embora tenhamos incluído 1993 para o caso de se querer comparar esse ano a 1991.

25
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

1991 109 165 112 113 125 92


1992 118 269 126 125 164 92
1993 125 304 135 132 187 95

Fonte: Secretaria de Programação Econômica.

Já o aumento do índice de investimentos, a partir dos baixos níveis registrados em 1990, pode ser
explicado pelo incremento da demanda, pelo programa de reformas estruturais e pela forte redução do
preço relativo dos bens de capital decorrente do processo de abertura econômica e da supervalorização
do peso.

O governo adotou uma política claramente pró-cíclica. Em primeiro lugar, e ao contrário de ou-
tros países da região, não colocou nenhuma restrição à entrada de capitais de curto prazo. Em segundo
lugar, o gasto público, em dólares, aumentou 100% entre 1990 e 1993,7 apesar de o déficit fiscal de
1990 ter cedido lugar a um superávit em 1993.8 Por último, a média dos encaixes bancários diminuiu
de 49% dos depósitos, no início da conversibilidade, para 29%, em abril de 1993, potencializando,
dessa forma, a elevação do crédito resultante do processo de remonetização.

7 Deve-se levar em conta que, entre 1990 e 1993, o governo pagou, por meio de bônus de longo prazo, a aposen-
tados e fornecedores, um total de aproximadamente $17,700 bilhões em valor nominal. Embora esse total não
apareça como formando parte dos gastos desse período, não resta dúvida de que a possibilidade de vender bô-
nus pode ter afetado a demanda daqueles receptores que enfrentavam restrições de liquidez.
8 A elevação do gasto público demonstra a escassa intenção do governo em atuar contraciclicamente. Entretanto,
uma melhor idéia do efeito expansivo do setor público poderia ser dada a partir da mudança no resultado do se-
tor público. Este passou de um superávit de apenas 83 milhões, em 1990, para um de 2,757 bilhões, em 1993.
No entanto, se colocamos de lado os recursos gerados pelas privatizações, ele passa de um déficit de 557 mi-
lhões, para um superávit de 2,234 bilhões. Levando-se em consideração o fato de que grande parte do desequilí-
brio de 1990 foi financiado pelo imposto inflacionário, podemos afirmar que o setor público foi basicamente
neutro do ponto de vista da expansão da demanda.

26
UMA REFLEXÃO A MEIO CAMINHO: DOIS ANOS DE CONVERSIBILIDADE

GRÁFICO 3
Índices de Produção

(Base 1990=100)

450
Prod. Industrial
400
350 Automotivos
300
Equip. e aparelho
250
rádio e TV
200
150
100
50
0
III trim 91

III trim 92

III trim 93
II trim 91

II trim 92

II trim 93
I trim 91

I trim 92

I trim 93
IV trim 91

IV trim 92

IV trim 93
Torna-se evidente, por conseguinte, que as autoridades econômicas decidiram, por ação ou omis-
são, implementar uma estratégia de forte crescimento da demanda, durante os primeiros anos da
conversibilidade. Essa estratégia foi funcional tanto do ponto de vista da coalisão que sustentava as
autoridades políticas,9 quanto do ponto de vista do próprio programa econômico, pelo menos no que
se refere ao aumento da arrecadação necessária para financiar a elevação do gasto público e à elimina-
ção dos impostos distorsivos a fim de induzir um incremento sustentado dos investimentos do tipo
acelerador keynesiano.

Contudo, passados dois anos do início da conversibilidade, torna-se cada vez mais patente que o
tipo de crescimento estimulado pelo consumo era insustentável. A taxa de poupança, que era de
16,1% do PIB, em 1990, caiu para 13,5% e 13,3%, em 1991 e 1992, respectivamente. Portanto, a
elevação do índice de investimentos, que passou de 14% do PIB, em 1990, para 16,7%, em 1992
(18,2%, em 1993), era cada vez mais financiada pela poupança externa. Por outro lado, no primeiro
trimestre de 1993, a economia se aproximava, rapidamente, de um esgotamento de sua capacidade
ociosa. Assim, para sustentar uma taxa de crescimento razoável era necessário um aumento do índice
de investimentos e, tendo em vista a crescente e excessiva importância da poupança externa, também
do da poupança interna. Esse era, possivelmente, um dos principais desafios do programa econômico:

9 Ver, a esse respeito, análise muito interessante feita por Gerchunoff e Torre (1996).

27
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

como elevar a poupança interna sem que a economia perdesse seu dinamismo, especialmente levando-
se em conta que, até aquele momento, as exportações não davam sinais de recuperação.

TABELA 2
Poupança e Investimento
(segundo preço atuais)

(Em porcentagem do PIB)

Investimento Poupança

Total Interna Externa

1990 14,0 16,1 -2,1


1991 14,6 13,5 1,2
1992 16,7 13,3 3,4
1993 18,4 15,1 3,3

Fonte: Secretaria de Programação Econômica.

3.2 Emprego

Durante os dois primeiros anos da conversibilidade (maio de 1991 a maio de 1993), o emprego
aumentou a um ritmo de 2,3% ao ano, ou seja, 4,6% no período. Apesar disso, a taxa de desemprego
passou de 6,9% para 9,9% (ver tabela 3). A explicação para esse fenômeno está no aumento da taxa
de atividade, decorrente do grande incremento da população economicamente ativa (7,4%) em relação
ao crescimento populacional (3,8%).

28
UMA REFLEXÃO A MEIO CAMINHO: DOIS ANOS DE CONVERSIBILIDADE

TABELA 3
Indicadores do Mercado de Trabalho — Total do País (mês de maio)

1990 1991 1992 1993

População urbana 27 884 28 472 28 981 29 547

População economicamente ativa (PEA) 10 684 11 061 11 332 11 877

Taxa de atividade 39,1 39,5 39,8 41,5

Taxa de emprego 35,7 36,8 37,1 37,4

Taxa de desemprego 8,6 6,9 6,9 9,9

Variação anual população 2,1 1,8 2

Variação anual PEA 3,5 2,5 4,8

Variação anual emprego total 4,9 2,7 1,9

Variação anual subocupação horária -5,5 -0,7 10,3

Variação anual desemprego -11,1 -0,7 43,3

Fonte: Gerchunoff e Ksacef, com base nos dados do Instituto Nacional de Estatísticas y Censos (INDEC).

Quanto ao aumento da população economicamente ativa, surgiram diferentes explicações para o


fato. Por um lado, argumenta-se que o incremento do desemprego entre chefes de família faz com que
outros membros do grupo familiar saiam em busca de trabalho para complementar a renda, passando,
assim, a engrossar as fileiras da PEA (hipótese do trabalhador adicional). Por outro lado, afirma-se,
também, que esse aumento é conseqüência da subida dos salários em dólares, elevando, dessa forma,
o custo de oportunidade do ócio e, portanto, propiciando que pessoas anteriormente inativas se lancem
no mercado de trabalho (hipótese do trabalhador estimulado, desestimulado). Certamente ambas as
variáveis explicam o comportamento da taxa de atividade.10

O crescimento do emprego, porém, apresenta uma particularidade digna de nota: o aumento do


emprego dos assalariados foi de apenas 3,5% durante o período, e o dos não-assalariados, de 8,5%.
Possivelmente, a explicação deve ser encontrada na diminuição do emprego em decorrência da refor-
ma do setor público — em conjunto, entre 1990 e 1993, o governo nacional e as empresas públicas

10 Gerchunoff e Kacef (1995) realizam uma análise econométrica para essas hipóteses na Grande Buenos Aires, e
chegam à conclusão de que a taxa de atividade está relacionada, positivamente, tanto com a taxa de desempre-
go dos chefes de família, quanto com o salário em dólares, embora com menos significado para essa última va-
riável.

29
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

dispensaram 357 mil pessoas de seus quadros de funcionários.11 Ou seja, a redução do emprego no
setor público atingiu, nesse período, 3% da força-de-trabalho. Certamente, parte substancial desses
trabalhadores, com os recursos provenientes das indenizações ou aposentadorias voluntárias, se esta-
beleceu como autônoma no setor de serviços. A precariedade dessa forma de emprego influiu gran-
demente na evolução do desemprego. Por sua vez, a indústria, no transcurso desses dois anos, apesar
de um aumento de 20% na produção, gerou crescimento de apenas 1,7% no emprego. Isso demonstra,
claramente, que a tentativa de melhorar a competitividade começou com uma forte racionalização do
emprego, favorecida pela significativa queda do preço relativo dos bens de capital. De fato, enquanto
os salários no setor industrial diminuíam em comparação com o custo de vida, aumentavam em ter-
mos de preços industriais e de preços de bens de capital (ver gráfico 4).12

11 A diminuição do emprego em empresas privatizadas é explicada pelas 84 mil aposentadorias voluntárias e 147
mil pessoas que passaram a trabalhar no setor privado. Assim, das 302 mil pessoas que se encontravam empre-
gadas nas empresas públicas em fins de 1990, apenas 71 mil permaneceram em seus cargos em 1993.
12 Enquanto os salários em dólares aumentaram 24% entre abril de 1991 e abril de 1993, o preço dos bens de
capital importado caíram 15% devido à redução tarifária. Deveríamos somar a isso o efeito, sobre o preço, da
melhoria no financiamento dos bens de capital importados como resultado da redução da taxa de juros interna-
cional e do prêmio de risco país. Além disso, devemos ter em mente a defasagem cambial inicial, que acarreta-
va o barateamento relativo dos bens de capital.

30
UMA REFLEXÃO A MEIO CAMINHO: DOIS ANOS DE CONVERSIBILIDADE

GRÁFICO 4
Evolução do Salário Industrial

(Relativo à base 1986=100)

IPM IPM bs de Cap Dólares

3.3 O Gasto Público e o Desequilíbrio Fiscal

Tendo em vista que a comparação dos gastos trimestrais de caixa — únicos disponíveis — pode
ser afetada por decisões administrativas, decidimos trabalhar com dados anuais. Assim, comparamos
a variação do gasto entre 1991 — incluindo nove meses de conversibilidade — e 1993. A outra alter-
nativa teria sido comparar a variação entre 1990 e 1992, mas concluímos que isso acarretaria alguns
inconvenientes.13 De qualquer maneira, a tabela 4 também inclui os valores de 1990, caso se queira
fazer uma comparação com o referido ano.

TABELA 4
Setor Público Nacional e Provincial — Base Caixa

(Em milhões de dólares correspondentes a 1993)

1990 1991 1992 1993

13 A comparação entre 1992 e 1990 apresenta um problema. Uma parte importante das decisões de aumentar os
gastos em 1992 só se manifestou parcialmente naquele ano. Por outro lado, o nível do gasto durante 1990 mos-
trava um alto grau de repressão, especialmente no que se refere a salários e aposentadorias. De fato, a elevada
taxa de inflação somada ao baixo nível de atividade econômica provocou uma acentuada queda das receitas do
setor público. Esse fato, juntamente com a incapacidade de obter financiamentos genuínos, devido ao alto grau
de incerteza e o elevado prêmio de risco país, deu lugar a uma política de repressão, e não tanto a uma de dimi-
nuição do gasto público, dificilmente sustentável no tempo.

31
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

I Gasto público nacional (excluindo juros) 19 140 28 886 36 629 39 721


1. Salários administração nacional 3 432 5 153 5 793 6 474
2. Bens e serviços 1 276 1 754 2 507 3 064
3. Aposentadorias 6 434 9 603 12 969 14 798
4. Transferências para as províncias 5 592 9 568 12 936 13 544
5. Outras transferências 373 836 540 334
6. Despesas de capital 2 034 1 972 1 884 1 507
Administração nacional 632 720 739 578
Empresas públicas 1 402 1 252 1 145 929
II. Juros 1 984 3 405 4 557 2 888
III. Gasto público nacional total (I+II) 21 124 32 291 41 187 42 609
IV. Recursos totais (excluindo privatizações) 20 567 29 849 39 845 44 843
V. Resultado operacional s/ privatizações (IV-III) -557 -2 442 -1 341 2 234
VI. Privatizações 640 2 282 1 831 523
VII. Resultado operacional c/ privatizações (V+VI) 83 -160 490 2 757
VIII. Gasto excluindo transferências para
províncias (I+II-I.4) 15 532 22 723 28 251 29 065
IX. Gasto provincial 15 185 17 062 22 905 27 310
X. Recursos provinciais 12 727 15 669 22 607 27 588
1. Impostos de origem nacional 5 592 9 568 12 936 13 544
2. Rendas provinciais 4 818 5 682 8 741 10 173
3. Contribuições 2 285 334 807 1 135
4. Recursos de capital e restos de exercícios
anteriores 32 85 124 736
XI. Resultado operacional provincial (X-IX) -2 459 -1 393 -297 278
XII. Gasto consolidado (VIII+IX) 30 717 39 785 51 156 56 375
XIII. Recursos totais (IV+VI+X.2+X.3+X.4) 28 342 38 232 51 349 59 410
XIV. Resultado total (XIII-XII) -2 376 -1 553 193 3 035
XV. Gasto provincial/Gasto consolidado (IX/XII)% 49 43 45 48

Fonte: Elaboração própria com base em dados da Secretaria de Fazenda.

Com relação a esse tema, gostaríamos de ressaltar quatro pontos: a evolução do resultado das
contas públicas; o comportamento do gasto público nacional e provincial; a reforma tributária; e o
impacto do setor público sobre a estrutura de preços relativos.

Como se pode observar na tabela 4, o resultado do setor público nacional passou de um déficit de
557 milhões, em 1991, para um superávit de 2,234 bilhões, em 1993. Mesmo eliminando as receitas
em efetivo decorrentes das privatizações, tanto em 1992 quanto em 1993 ocorreram superávits.14 Ou
seja, o compromisso de manter as contas fiscais sob controle foi inteiramente cumprido; isso também
é verdadeiro quando se incluem os estados provinciais.

Ao bom desempenho do setor público em termos de equilíbrio de suas contas, é necessário acres-
centar que, em princípios de 1993, não existia dívida de curto prazo digna de nota. Nesse sentido, os
arranjos de refinanciamento no contexto do Plano Brady, além de melhorar as expectativas dos inves-
tidores estrangeiros, haviam ampliado os prazos de vencimento da dívida externa. Por sua vez, a
dívida externa de curto prazo era praticamente inexistente, uma vez que o governo havia decidido

14 Na medida em que as privatizações sejam uma venda de ativos a residentes, não deveria ser afetada a demanda
global. Entretanto, isso, sim, aconteceria no caso de a compra de ativos ser realizada por não-residentes.

32
UMA REFLEXÃO A MEIO CAMINHO: DOIS ANOS DE CONVERSIBILIDADE

pagar suas dívidas com fornecedores e aposentados com bônus de mais de dez anos de prazo médio.
Em suma, não havia problemas de solvência no setor público, pelo menos a curto prazo.

A tabela 4 mostra a evolução do gasto público do governo nacional e dos governos provinciais. É
possível observar que o gasto cresceu enormemente nos primeiros anos da conversibilidade, tanto em
nível nacional quanto provincial. No primeiro caso, o maior aumento ficou por conta das transferênci-
as para as províncias e dos pagamentos das aposentadorias. Se excluímos a primeira rubrica, o au-
mento no pagamento das aposentadorias explica 76% do aumento dos gastos do governo nacional .

O aumento do gasto das províncias foi financiado pela elevação dos impostos compartilhados en-
tre o Estado e a arrecadação das províncias. Tendo em vista que, em média, 60% das receitas das
províncias provêm de impostos compartilhados, foi basicamente o crescimento da arrecadação nacio-
nal o que permitiu contar com financiamentos para aumentar as despesas. Em vista disso, o governo
federal começou a utilizar diferentes técnicas para limitar o gasto provincial. Primeiramente, transfe-
riu às províncias a educação de 2o grau e a profissionalizante e, um pouco mais tarde, deu início ao
estabelecimento de uma série de acordos, tentando modificar a distribuição de recursos. No primeiro
acordo, assinado em 1992, ficou determinado que as províncias cederiam 15% do valor compartilhado
ao Tesouro Nacional, a fim de efetuar o pagamento das aposentadorias; em troca, foi-lhes garantida
uma transferência mínima de recursos. O governo não só utilizou seu poder no Congresso, como
também aproveitou o fato de ter, naquele momento, o controle de 15 das 22 províncias, e de que
discussões sobre a renda dos aposentados sempre geram grandes repercussões políticas, para reduzir
as transferências para as províncias. Em princípios de 1993, começou a ser debatido o segundo pacto
fiscal, cujo objetivo básico, além de prorrogar o que fora acordado pelo primeiro, era implementar as
reformas tributárias voltadas para a conformação de um sistema tributário mais eficiente em termos
de alocação de recursos. Assim sendo, enquanto o governo nacional se comprometia a eliminar o
imposto sobre os ativos e a reduzir as contribuições patronais, os governos provinciais assumiam o
compromisso de anular o imposto dos selos para operações financeiras e de seguros; os impostos
provinciais específicos sobre a transferência de combustível, gás, energia elétrica e serviços sanitários;
os impostos provinciais sobre juros, débitos bancários e sobre a folha de pagamentos; e de retirar,
gradualmente, o imposto sobre a renda bruta — que representava cerca de 50% da arrecadação pro-
vincial —, substituindo-o por um novo imposto provincial sobre a venda final de bens e serviços, que
não afetaria a competitividade dos setores produtivos. É evidente que o segundo pacto fiscal buscava
melhorar a competitividade das empresas por meio de uma mudança na estrutura tributária
provincial.

Os gráficos 5, 6, e 7 mostram a evolução do gasto dos governos nacional e provinciais utilizando


diferentes deflatores. É interessante notar que, quando o deflator é um índice que tenta refletir a com-
posição do gasto (70% de preços ao consumidor e 30% de preços no atacado), o aumento é de apenas
20,4%. Da mesma forma, quando o deflator é o PIB, o gasto não apresenta maior variação. Entretanto,
quando se faz a comparação em dólares constantes, o incremento equivale a 47%. Essa situação de-
monstra duas realidades simultaneamente corretas: por um lado, o gasto aumentou apenas levemente

33
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

seu poder de compra e, por outro, os impostos em dólares necessários para financiar esse gasto cres-
ceram consideravelmente, reduzindo a capacidade competitiva dos setores produtores de bens. Essa
afirmação deve ser analisada tendo-se em mente que a maior pressão tributária foi resultado, basica-
mente, do aumento do Imposto sobre o Valor Agregado (IVA), que é um imposto neutro do ponto de
vista da competitividade.15

GRÁFICO 5
Gasto Público Nacional
(Inclui Juros e Transferências aos Municípios)

39,2
40
36,3 36,3
34,9
35
30,7
29,3 29,7 29,4
30
25,3
25 1990
22,0

18,4
1991
20
1992
14,0
15 13,0
1993
10,3
10
6,8
5,5 5,8
4,4 3,9 4,8
5

0
Ganho s IVA A lfândeg SSS Outro s

15 O IVA é neutro do ponto de vista da competitividade porque incide tanto sobre importações quanto sobre a
produção nacional, e é devolvido no caso das exportações. Entretanto, deve-se levar em consideração o fato de
que isso funciona dessa maneira no caso de um aumento das alíquotas, as quais efetivamente subiram 20% du-
rante 1992. Mas esse não é necessariamente o caso quando se trata de evasão, pelo menos se a sua redução é
resultado de melhor controle sobre o mercado interno e não sobre as importações, como parece ter sido o caso.
Nessa situação, o aumento da pressão tributária dirigida ao mercado interno reduz a capacidade competitiva da
economia.

34
UMA REFLEXÃO A MEIO CAMINHO: DOIS ANOS DE CONVERSIBILIDADE

GRÁFICO 6
Gasto Público Nacional e Municipal

160 147,0
128,1
140 110,7
120,8
120 100,0 99,0 100,0 1990
100 79,0
1991
80
60 1992
40 1993
20
0
Dólares Pesos
constantes constantes

GRÁFICO 7
Participação do Gasto no PIB

25,0
20,1 20,1 20,8
19,2
20,0 17,2 17,7
16,5
14,8 1990
15,0 1991
10,0 1992
1993
5,0

0,0
Gasto Nacional Gs Nac + Municipal

Em resumo, poderíamos dizer que o extraordinário aumento da arrecadação tributária permitiu


financiar uma importante elevação do gasto público, tanto em nível nacional quanto provincial, man-
tendo, ao mesmo tempo, um certo superávit fiscal. Tal como foi anteriormente comentado, o governo,
com o duplo propósito de simplificar a estrutura tributária e, muito especialmente, melhorar a compe-

35
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

titividade da economia, passou, durante esse período, a reduzir ou eliminar impostos que basicamente
recaíam sobre as empresas (impostos de selos e sobre os cheques) e impostos sobre a exportação. Ao
mesmo tempo, ampliou a base do IVA — entre outros para o transporte de carga e para os créditos — e
aumentou a alíquota em dois pontos (para 18%). Do mesmo modo, elevou a alíquota referente aos
lucros das empresas de 20% para 30%.16 Em decorrência dessas reformas, e de melhor controle
tributário, em 1993, o IVA representava 39,2% da arrecadação de impostos nacionais; os impostos
sobre a seguridade social equivaliam a 30,7%; os impostos sobre os lucros correspondiam a 10,3%; e
o restante era impostos internos e sobre os combustíveis. Assim, a estrutura tributária nacional era
cada vez mais dependente de um imposto sobre o consumo (IVA) e de impostos sobre o trabalho. Ou
seja, melhorou-se a competitividade, mas às custas de maior regressividade (ver gráfico 8).

Por último, um comentário com relação à incidência do setor público no índice de inflação e,
visto que os preços dos bens comercializáveis eram determinados pela taxa de câmbio, nos preços
relativos.

O desaparecimento do déficit fiscal durante os dois primeiros anos da conversibilidade leva-nos a


pensar que o setor público não foi o responsável pelo crescimento da demanda durante esse período e,
portanto, pelo seu impacto nos preços. Contudo, argumentou-se que a elevação do gasto público, ao
estar concentrada na demanda de bens não-comercializáveis, pode explicar parte do processo de mu-
dança dos preços relativos. Não achamos que esse seja o caso, porque, embora na década de 70, e
parcialmente na de 80, o gasto público tenha sido muito intenso nas obras públicas e, portanto, nos
bens não-comercializáveis, isso não ocorre hoje em dia. O grande aumento do gasto público foi desti-
nado aos aposentados, e torna-se difícil argumentar que estes consumam mais bens comercializáveis
do que aqueles que pagaram impostos para financiar essa transferência.17 Pode-se argumentar, por
outro lado, que o aumento da pressão tributária, além de reduzir a competitividade da economia,
provocou uma mudança dos preços relativos em favor dos bens não-comercializáveis. Ao contrário
dos produtores de bens comercializáveis, aos produtores de bens não-expostos ao comércio internaci-
onal não foi possível transferir, em uma situação de aumento da demanda, a maior pressão tributária
para os preços. Esse argumento deve ser considerado, já que a arrecadação que mais cresceu foi a do
IVA (ver nota de rodapé 15).

GRÁFICO 8
Estrutura dos Recursos Tributários Nacionais

16 A generalização do IVA sobre os créditos, adotada em 1992, foi possivelmente a única medida que teve, pelo
menos como efeito colateral, um caráter contracíclico, devido ao encarecimento que isso produziu no custo do
crédito para consumo.
17 Ver discussão sobre esse tema em Machinea (1992).

36
UMA REFLEXÃO A MEIO CAMINHO: DOIS ANOS DE CONVERSIBILIDADE

39,2
40
36,3 36,3
34,9
35
30,7
29,3 29,7 29,4
30
25,3
25 1990
22,0

18,4
1991
20
1992
14,0
15 13,0
1993
10,3
10
6,8
5,5 5,8
4,4 3,9 4,8
5

0
Ganho s IVA A lfândeg SSS Outro s

Em síntese, dois anos após o início da conversibilidade, as contas fiscais, apesar do importante
aumento do gasto, não mostravam
desequilíbrios como conseqüência do acentuado crescimento da arrecadação tributária. Isso, junta-
mente com a escassa importância da dívida de curto prazo, parecia assegurar a solvência do setor
público. No entanto, era evidente a incapacidade de financiar a reforma prevista do sistema previden-
ciário (ver a seção 3.7) e seguir reduzindo impostos distorsivos como maneira de melhorar a competi-
tividade da economia. Por outro lado, o ritmo de crescimento do gasto provincial, cada vez mais difí-
cil de financiar, causava crescente preocupação. Embora a eliminação dos redescontos do Banco
Central aos bancos provinciais reduzisse essa fonte de financiamento, a melhoria do mercado de
capitais abria outra possibilidade.

3.4 O Mercado Financeiro

No contexto da conversibilidade, a demanda de ativos financeiros só podia ser atendida mediante


o aumento das reservas internacionais, ou seja, tendo em vista o comportamento deficitário da conta
corrente do balanço de pagamentos, a demanda só poderia ser satisfeita por meio da entrada de capi-
tais. Assim, foi a entrada de capitais o que levou a uma importante remonetização da economia. Como
se pode observar no gráfico 9, os períodos hiperinflacionários de 1989 e 1990, juntamente com o
chamado Plano Bonex — mediante o qual foi levada a cabo uma substituição compulsória dos depó-
sitos bancários por bônus de longo prazo, em janeiro de 1990 —, provocaram uma forte desmonetiza-
ção da economia. Embora tenha ocorrido um leve processo de remonetização em 1990, este realmente
começou com o plano de conversibilidade, ou seja, quando foi consideravelmente reduzida a taxa de
inflação e iniciou-se a reversão dos fluxos de capital. Em abril de 1993, dois anos após a implementa-

37
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

ção da conversibilidade, os agregados monetários haviam aumentado 190%, passando de 6% para


14% do PIB.

O crescimento do volume de depósitos originou um substancial aumento na capacidade de con-


ceder empréstimos do sistema financeiro. O aumento do crédito, em um contexto de demanda insatis-
feita, consumidores não-endividados, e o aparecimento de artigos de consumo importados como con-
seqüência da abertura econômica, foi, posivelmente, o fator mais importante para explicar a explosão
do consumo. O crédito ao setor privado cresceu, em dois anos, 160%. Dez por cento desse aumento é
explicado pela redução dos encaixes, ou seja, as autoridades econômicas foram, tal se como se men-
cionou na introdução, claramente prócíclicas; não só não impuseram restrições à entrada de capital
como, além disso, reduziram os encaixes, potencializando, dessa forma, o crescimento da demanda.18

GRÁFICO 9
Agregados Monetários

13,9
14
12 10,8
9,6 9,9
10
8
6,2
%

4,8 M3/PBI
6
4
2
0
I trim 91

I trim 92

I trim 93
1988

1989

1990

Uma característica importante do processo de remonetização, que mostra uma diferença com os
planos de estabilização do passado, foi a acentuada dolarização do sistema financeiro. Tal como se
pode observar no gráfico 10, a proporção dos depósitos em dólares, que era de 10%, em 1988, atingiu
40%, no início da conversibilidade, e 43% após dois anos de implementação do programa. Essa pecu-
liaridade provocou um considerável aumento na capacidade do sistema financeiro de conceder em-

18 A redução dos encaixes médios se explica não só pela diminuição das exigências legais para os diferentes tipos
de depósitos, mas também pelo aumento relativo dos depósitos a prazo que tinham encaixes menores. Por sua
vez, a redução dos encaixes legais foi influenciada pela proibição, constante da nova Carta Orgânica do Banco
Central, de remunerar os encaixes das instituições financeiras por parte do Banco Central. Nesse contexto, en-
caixes altos implicam grandes margens de intermediação financeira.

38
UMA REFLEXÃO A MEIO CAMINHO: DOIS ANOS DE CONVERSIBILIDADE

préstimos em dólares. O aumento do crédito foi sentido por todos os tipos de atividade econômica. No
início de 1993, 45% do crédito em dólares destinavam-se a diversas atividades dos setores agrícola e
industrial, ou seja, bens claramente não-comercializáveis. Isso indicava a fragilidade do sistema fi-
nanceiro diante de eventuais mudanças importantes na taxa de câmbio real, ao que se deve somar a
fragilidade decorrente do curto prazo dos depósitos (média de 40 dias em pesos e 60 em dólares).

GRÁFICO 10
Depósitos em Pesos e em Dólares

25000
D e p ó s ito s en peso s
D e p ó s ito s en dó lares
20000

15000

10000

5000

A entrada de capitais estava associada à diminuição do risco país (ver gráfico 11), o qual, junta-
mente com a queda das taxas de juros internacionais, provocou uma redução das taxas de juros inter-
nas. Em decorrência disso, a evolução das taxas passivas deixou patente mais uma diferença entre
este e outros programas de estabilização que apresentaram fortes desequilíbrios na balança comercial.
De fato, outros programas de estabilização com essas características — o exemplo mais evidente é o
período 1978-81 na Argentina, Chile e Uruguai — registraram um aumento das taxas reais de juros,
via impacto nas expectativas de desvalorização, e um crescente desequilíbrio no setor externo. A taxa
de juros durante a conversibilidade, ao contrário, mostra contínua diminuição, ocorrendo, também,
uma redução da margem entre as taxas passivas em dólares e em pesos (ver gráfico 12). Durante todo
esse período, houve apenas uma minicorrida no mercado de câmbio — isso aconteceu em novembro
de 1992, quando o Banco Central teve que vender, em uma semana, 420 milhões de dólares. A reação
do Banco Central e o impacto que isso provocou nas taxas de juros, juntamente com 10 bilhões em
reservas internacionais, foram suficientes para convencer os especuladores de que apostar contra a
manutenção da paridade sairia muito caro.

GRÁFICO 11
Risco País

39
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

40

35 Spread Bonex89 y Libor

30

25

20

15

10

0
e90

e91

e92

e93
a

o
j

j
No que se refere às taxas ativas, embora estas tenham experimentado comportamento semelhante
durante esse período, ou seja, uma contínua diminuição, apresentaram, também, níveis excessiva-
mente elevados. Ao contrário das taxas prime, que pareciam razoáveis, este não era o caso das taxas
médias, especialmente das em pesos. O gráfico 13 apresenta as médias das taxas ativas, em pesos e
em dólares. A média ponderada, em princípios de 1993, era de 1,5% mensal, resultante, basicamente,
das altas taxas em pesos. Com os preços no atacado praticamente constantes, essas taxas de juros,
além de refletirem margens de intermediação excessivamente elevadas, davam a entender que os
setores que recebiam esses empréstimos dificilmente teriam condições de pagá-los, deixando entrever,
portanto, futuros problemas de solvência do sistema financeiro. Em particular, era notável a dualidade
existente, uma vez que as grandes empresas conseguiam financiamentos a taxas internacionais, en-
quanto as médias e pequenas companhias pagavam taxas de juros reais entre 30% e 35% anuais, na
média.

GRÁFICO 12
Taxas de Juros Passivas

40
%

0,0
0,2
0,4
0,6
0,8
1,0
1,2
1,4
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
0,9
1,0
1,1
1,2
1,3

Abr/91 Abr/91

Jun/91 Jun/91

Ago/91 Ago/91

Out/91 Out/91

Dez/91 Dez/91

Fev/92 Fev/92

Abr/92 Abr/92

Jun/92 Jun/92

Ago/92 Ago/92

41
Out/92 GRÁFICO 13 Out/92
Taxas de Juros Ativas
Dez/92 Dez/92

Fev/93 Fev/93

Abr/93 Abr/93
UMA REFLEXÃO A MEIO CAMINHO: DOIS ANOS DE CONVERSIBILIDADE

Jun/93 Jun/93

Ago/93 Ago/93
Dollar
Pesos

Out/93 Out/93
Dollar
Pesos

Dez/93 Dez/93
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

Finalmente, um comentário sobre as mudanças na legislação financeira. Em 1992, foi promulga-


da a nova Carta Orgânica do Banco Central. Além da proibição de financiar o governo e as atividades
produtivas, a nova Carta Orgânica tinha a peculiaridade, inédita no mundo, de limitar severamente a
possibilidade de o Banco Central conceder empréstimos às instituições financeiras. Assim, ficava
praticamente eliminado o papel do Banco Central de atuar como emprestador de último recurso no
caso de dificuldades no sistema financeiro. Esse fato, juntamente com as mudanças na Lei de Institui-
ções Financeiras e a eliminação do Instituto de Garantia dos Depósitos, criava um sistema financeiro
sem rede de segurança. Nesse sentido, as autoridades do Banco Central foram extremamente enfáti-
cas: a partir daquele momento as instituições financeiras não teriam privilégios com relação às demais
unidades econômicas, ou seja, a partir daquele momento a instituição financeira que estivesse em
dificuldades teria de resolver seu problema sem a assistência do Banco Central. Esse conceito con-
verteu-se em uma das principais fraquezas do programa de conversibilidade: a partir daquele mo-
mento não só era impossível dar liquidez aos passivos das instituições financeiras por meio da desva-
lorização em caso de um problema de solvência, como também era impossível ajudar os bancos com
problemas de liquidez.

3.5 A Taxa de Inflação, os Preços Relativos e o Problema da Competitividade

Tal como foi assinalado oportunamente, a taxa de inflação diminuiu abruptamente no início da
conversibilidade. Entretanto, a variação de preços, embora decrescente com o passar do tempo, regis-
trava, após dois anos, aumento acumulado de 38%, e ainda equivalia a 7,8% anuais no primeiro tri-
mestre de 1993. Apesar de essa taxa de inflação ser a mais baixa em décadas, refletia o comporta-
mento dos preços ao consumidor, empurrados, basicamente, pelos preços dos serviços, que demora-
vam a convergir para a taxa de inflação internacional. Dessa forma, tornava-se mais grave o problema
da defasagem cambial, existente desde o início da conversibilidade, ou seja, de deterioração relativa
no preço dos bens comercializáveis. Diferentes indicadores mostram essa situação, quer seja a taxa de
câmbio nominal deflacionada pelos preços internos, quer seja a evolução diferente dos preços no
atacado e no varejo, devido à importância dos serviços sobre esses últimos, ou mesmo a relação entre
o preço dos serviços e o preço dos bens agropecuários e industriais. No gráfico 14, é possível observar
esse fenômeno com toda intensidade. A explicação deve ser encontrada na persistência de fatores de
inflação inercial, no aumento do preço dos bens e serviços que se seguiu à privatização das empresas
públicas e, particularmente, na forte expansão da demanda desde o início do programa de conversibi-
lidade. Dessa maneira, tínhamos uma economia que, em um processo de abertura econômica, reduzia,
ao invés de aumentar, a taxa de câmbio real.19 Esse processo foi sustentável durante esse período
devido ao grande superávit comercial inicial e à importante entrada de capitais posterior.

19 O aumento diferente dos serviços em relação aos bens industriais também acontecia dentro do setor industrial,
no qual subia mais o preço dos bens menos expostos ao comércio (ver Fanelli, Kacef e Machinea (1994).

42
UMA REFLEXÃO A MEIO CAMINHO: DOIS ANOS DE CONVERSIBILIDADE

GRÁFICO 14
Evolução dos Preços dos Produtos Manufaturados
(relativos a distintos componentes do IPC)

(Índice 1986=100)

140,0
1990 125,8

120,0 I trim91
100,1 I trim92
96,1 97,1 95,6
100,0 88,8 I trim93
83,8
77,1 80,2
80,0 74

59,3
60,0 49 52,6
44,5 42 38,9
40,0

20,0

0,0
Bens Serviços Serviços Serviços
Privados Públicos

43
230
Cesta
210
Dólar
190

170

150

130

110

90

70

50

O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

GRÁFICO 15
Tipo de Câmbio Efetivo de Exportação

(Índice 1986=100)

Teoricamente, uma redução do financiamento externo, ao diminuir a demanda, deveria reduzir,


também, o preço relativo dos bens não-comercializáveis, restabelecendo, assim, o equilíbrio. A difi-
culdade está em que em um contexto de taxa de câmbio fixa, isso exige deflação de preços, o que, tal
como nos mostra a experiência, é muito difícil de se conseguir. E torna-se ainda mais difícil se parte
dessa melhoria dos preços é passada para os salários. Foi exatamente o que aconteceu durante esse
período, dificultando mais ainda a possibilidade de reverter a estrutura dos preços relativos. Nos grá-
ficos 16 e 17, pode-se observar a forte elevação dos salários em dólares nos diferentes setores. No
entanto, não se pode considerar esse aumento como tal, quando analisamos o salário real. É interes-
sante notar que os salários industriais também subiram, em um momento em que os preços industriais
permaneceram, basicamente, constantes. Isso se explica, parcialmente, pela maior demanda de traba-
lho dos outros setores, mas também por algum mecanismo de indexação dos salários aos preços ao
consumidor, herdado de um longo passado de inflação alta. Assim, a reversão dos preços relativos por
meio da deflação do preço dos bens não-comercializáveis exige uma redução dos salários nominais, o
que é ainda mais difícil de se conseguir, mesmo em um contexto recessivo. Por outro lado, a recessão
enfraquece a solvência do setor financeiro e do setor público, tornando a transição mais complicada
ainda.

GRÁFICO 16
Salários Nominais em Dólares — Indústria e Construção

(Índice base 1990=100)

44
UMA REFLEXÃO A MEIO CAMINHO: DOIS ANOS DE CONVERSIBILIDADE

A outra alternativa para restabelecer a competitividade, se o financiamento externo está disponí-


vel por um longo período, é mediante o incremento da produtividade. Para tanto, é necessário um
importante aumento dos investimentos. Embora isso tenha ocorrido na Argentina, a taxa de investi-
mento continuava baixa em 1993 (18,2% do PIB a preços atuais e 21,1% a preços de 1986). Além
disso, existe outra dificuldade. Em decorrência da estrutura de preços relativos, é razoável estimar que
o investimento estará orientado para a produção de bens não-comercializáveis. Embora não existam
dados precisos, parece ter sido isso o que ocorreu na Argentina, especialmente nos serviços públicos
não-privatizados [Kacef (1994)]. Nesse caso, o mecanismo virtuoso funcionaria da seguinte maneira:
os investimentos em bens e serviços não-comercializáveis determinariam um aumento da produtivi-
dade setorial, uma expansão da oferta, uma queda dos preços e, conseqüentemente, um aumento da
taxa de câmbio real. A longo prazo, haveria maior rentabilidade nos setores produtores de bens co-
mercializáveis, e os investimentos se deslocariam para lá. Entretanto, não está claro se o mecanismo
virtuoso funcionará até o final, quer porque o financiamento externo não estará disponível por muito
tempo, quer porque a seqüência produtividade-oferta excedente-queda de preços no setor de bens e
serviços não-transacionáveis fica travada em algum ponto.

GRÁFICO 17
Salários Nominais em Dólares—Comércio e Bancos

(Índice 1990=100)

45
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

O gráfico 18 apresenta a evolução da produtividade horária da indústria. Como se pode ver, o


aumento durante os primeiros anos da conversibilidade foi realmente notável. Embora não existam
dados sobre a produtividade nos serviços, o gráfico mostra seu comportamento nos diferentes setores
dentro da indústria, mais ou menos expostos ao comércio internacional. O aumento da produtividade
foi muito maior nos setores menos expostos ao comércio, o que demonstra que a variação da produti-
vidade, embora incentivada pelo aumento da concorrência resultante da abertura econômica, se expli-
ca, em grande parte, pelo forte incremento da demanda interna e, portanto, da produção.

GRÁFICO 18
Custo Salarial na Indústria Ajustado por Produtividade

(Base 1990=100)

46
UMA REFLEXÃO A MEIO CAMINHO: DOIS ANOS DE CONVERSIBILIDADE

Conseqüentemente, o custo salarial na indústria, que aumentou quase 30% entre 1990 e 1993,
caiu 9,5% quando corrigido pela produtividade (ver gráfico 19). Por sua vez, quando a análise é feita
considerando-se a distinção entre os setores mais e menos expostos ao comércio internacional, vemos
que esses últimos registraram uma queda no custo salarial corrigido pela produtividade. Isso acontece
em decorrência do duplo efeito verificado nesse último setor, resultado de uma maior elevação dos
preços e da produtividade.

Por sua vez, a política de redução de custos, seja por meio da desregulamentação de certos seto-
res que produzem bens e serviços que são insumos para o setor industrial, seja por mudanças na es-
trutura tributária, é difícil de ser avaliada. Contudo, já era possível observar menores custos como
conseqüência da desregulamentação do transporte marítimo e dos portos, e era razoável esperar uma
redução do preço do gás e da eletricidade para o setor industrial, devido à desregulamentação desses
setores.
GRÁFICO 19
Produtividade Horária na Indústria

(Base 1990=100)

47
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

Em resumo, não existindo a possibilidade de melhorar a competitividade por meio de variações


da taxa de câmbio, e sendo muito difícil conseguir uma melhora via deflação de preços dos serviços a
curto prazo, o desafio era melhorar a competitividade mediante reduções adicionais de custos. Isso
poderia acontecer como resultado de aumentos de produtividade ou por meio da desregulamentação
de certos setores produtores de insumos relevantes para os setores industrial e agropecuário, nos quais
havia muita ineficiência devido à falta de concorrência ou a uma administração inadequada por parte
do setor público. A isso devemos somar a possibilidade de continuar efetuando mudanças na estrutura
tributária, mediante a elevação de impostos sobre o consumo e a diminuição de impostos que afetam
os custos das empresas. Era nessa direção que se inclinava o governo em 1993. Tratava-se, clara-
mente, de uma corrida contra o relógio, visto ser difícil pensar que o financiamento externo estaria
disponível para sempre.

3.6 O Balanço de Pagamentos

Tal como se assinalou, o superávit comercial de US$ 8.275 bilhões, em 1990, se transformou em
um déficit de US$ 2.637 bilhões, em 1992, e em um de US$ 3.666 bilhões, em 1993. Essa variação
pode ser totalmente explicada pelo aumento das importações, as quais, entre 1991 e 1992, cresceram
US$ 10.800 bilhões, ou seja, 168% em dois anos (ver tabela 5).

O déficit em conta-corrente, por outro lado, atingiu o equivalente a 3% do PIB, em 1992 e 1993,
chegando nesse ano a US$ 7.538 bilhões.20 A entrada de capitais foi suficiente para financiar esse

20 Cabe mencionar que, em 1993, ocorreram mudanças na apresentação do balanço de pagamentos que levaram a
uma diminuição do desequilíbrio em conta-corrente. De fato, foram computados juros decorrentes de investi-
mentos privados no exterior, num total de 930 milhões de dólares, e transferências unilaterais, no valor de 780
milhões, referentes a uma estimativa das transferências efetuadas desde o exterior. Considerando esse 1.700

48
UMA REFLEXÃO A MEIO CAMINHO: DOIS ANOS DE CONVERSIBILIDADE

desequilíbrio e aumentar as reservas internacionais em US$ 6.978 bilhões durante 1991 e 1992 (US$
9.871 bilhões se incluirmos 1993). Dos US$ 15.191 bilhões equivalentes à entrada de capitais autô-
nomos durante 1991 e 1992, US$ 3.795 bilhões correspondiam a receitas em dinheiro decorrentes das
privatizações.

Além do tamanho do desequilíbrio, o que parecia até então mais preocupante era a escassez, ou
total falta, de dinamismo das exportações. É bem verdade que, sob um olhar menos exigente, poderí-
amos afirmar que as exportações não tinham diminuído, apesar do importante aumento da demanda
interna, o que, até certo ponto, estaria refletindo a eliminação do subfaturamento como resultado da
unificação do mercado de câmbio. De qualquer forma, levando-se em consideração o ritmo de cres-
cimento das importações e apesar da sensível queda da taxa de juros internacional, o déficit de conta-
corrente continuava subindo. Tendo em vista o aumento da demanda e a estrutura de preços relativos,
não havia sinal de redução do desequilíbrio. Isso gerava dúvidas quanto à sustentabilidade do progra-
ma econômico a médio prazo, ou a partir do momento em que mudassem as excepcionais condições
dos mercados financeiros internacionais, especialmente a baixa taxa de juros nos Estados Unidos. O
único indício favorável, embora insuficiente, era o incipiente aumento das exportações de natureza
industrial (ver tabela 6) que parecia estar vinculado com o avanço do Mercado Comum do Sul
(MERCOSUL), especialmente com a penetração no mercado brasileiro.

TABELA 5
Balanço de Pagamentos
(com ajustes)

(Em milhões de dólares)

1990 1991 1992 1993

Conta-Corrente 4 552 -672 -6 677 -7 538

Mercadorias 8 275 3 703 -2 637 -3 666


Exportações FOB 12 354 11 978 12 235 13 117
Importações CIF 4 079 8 275 14 872 16 783

Serviços -321 -908 -1 128 -1 245


Rendimentos dos investimentos -4 400 -4 260 -3 661 -3 075
Juros -3 765 -3 455 -2 816 -2 089
Ganhos 1 852 1 744 1 369 1 473
Pagos -5 617 -5 199 -4 185 -3 562
Lucros e dividendos -635 -805 -845 -986
Transferências correntes 998 793 749 448
Conta capital e financeira -1 110 3 574 11 617 14 659

Setor público 1 066 2 758 3 504 8 591


Privatizações 1 531 1 974 3 661 5 611
Empréstimos internacionais 416 369 -126 2 039
Conversão da dívida externa -755 -16 1 241 0
Outros -126 431 -1 272 941

bilhão de dólares, o déficit de acordo com a metodologia antiga teria atingido, durante 1993, US$ 9.200 bilhões, ou
seja, aproximadamente 3,5% do PIB daquele ano.

49
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

Setor bancário oficial 194 188 -146 -12


Organismos internacionais 103 -30 -61 -76
Outros 91 218 -85 64

Setor privado -1 867 -128 8 102 6 080


Investimento direto 305 465 518 628
Créditos comerciais 451 1 913 3 195 1 032
Empréstimos de organismos
internacionais -30 -27 -20 -11
Outros -2 593 -2 479 4 409 4 431

Variação de reservas internacionais -3 566 -2 728 -4 250 -3 808


FMI -185 -516 131 1 214
Outros 309 342 -821 -4 527

Privatizações 1 531 1 974 3 661 5 611

Ingressos de divisas 515 1 954 1 841 2 543


Constituição fideicomiso 0 0 308 84
Conversão da dívida externa1 886 20 1 512 2 984
Financiamento outorgado 130 0 0 0

Fonte: Elaboração própria com base em dados do BCRA.


Nota: 1 Ao valor de mercado dos títulos convertidos.
TABELA 6
Exportações

(Em milhões de dólares)

Manufaturas Manufaturas MOI Excl.


de Origem de Origem Material de
Ano Total Agropecuária Industrial Transporte Primários Combustíveis
(MOA) (MOI)

1990 12 353 4 664 3 365 3 186 3 339 985


1991 11 972 4 925 2 983 2 764 3 299 764
1992 12 235 4 829 2 823 2 467 3 500 1 082
1993 13 116 4 923 3 679 2 960 3 280 1 236

Fonte: INDEC.

Enquanto isso, as importações cresciam de forma acelerada. Esse crescimento ocorria em todas
as rubricas, especialmente no que se refere aos bens de consumo e de capital (ver tabela 7). Sem
grandes explicações para a magnitude do desequilíbrio externo, o governo exibia o crescimento das
importações de bens de capital como uma demonstração do aumento do investimento e, igualmente,
do incremento da produtividade e da competitividade externa associada.

TABELA 7
Importações
(Em milhões de dólares)

50
UMA REFLEXÃO A MEIO CAMINHO: DOIS ANOS DE CONVERSIBILIDADE

Bens de Bens de
Ano Total Capital Consumo Intermed. Partes Combustíveis

1990 4 079 636 636 2 033 451 322


1991 8 275 1 435 1 435 4 217 736 452
1992 14 871 3 095 3 205 4 742 2 591 416
1993 16 784 4 115 3 527 5 066 2 809 386

Fonte: INDEC.

Tal como fora comentado anteriormente, durante 1992, o governo utilizou a política comercial
para modificar a renda relativa dos setores produtores de bens comercializáveis. Assim sendo, no
decorrer de 1992 foram incrementados os reembolsos de exportação, e elevada em sete pontos a taxa
de estatística para as importações, medida que começou a ser revertida em 1993, provocando múlti-
plas exceções na aplicação do referido encargo. Até inícios de 1993, o governo não havia usado outros
mecanismos de política comercial, tal como medidas antidumping, direitos específicos, etc., embora
as pressões setoriais fossem importantes e não se pudesse descartar maior utilização desses instru-
mentos no futuro.

Em suma, durante os dois primeiros anos da conversibilidade, o governo aproveitou as condições


muito favoráveis dos mercados financeiros internacionais para financiar um déficit crescente em conta
corrente do balanço de pagamentos. O tema mais preocupante era que, devido ao ritmo de cresci-
mento da demanda e à estrutura de preços relativos vigente, parecia difícil reverter o aumento do
desequilíbrio do setor externo, visto que a implementação do programa parecia estar excessivamente
vinculada à evolução dos mercados financeiros internacionais.

3.7 Reformas Estruturais

Privatizações

O processo de privatizações foi lançado em 1990, e, passados dois anos do programa de conver-
sibilidade — no final do primeiro trimestre de 1993 —, o governo havia privatizado a totalidade das
empresas públicas relevantes e havia anunciado, para meados de 1993, a venda parcial das ações e a
transferência total da administração ao setor privado da Yacimientos Petrolíferos Fiscales, a maior
dentre as empresas públicas argentinas.

A velocidade recorde com que a Argentina levou adiante seu processo de privatização tem sua
explicação no empenho do governo em ganhar boa reputação, no fato de que a maioria das empresas,
durante 1990, estava à beira do colapso, e na necessidade de se obterem recursos para fechar as contas
fiscais.21 A busca por reputação foi constantemente estimulada pelo setor privado, que pretendia ver
em qualquer atraso uma volta ao passado.

21 A deterioração das empresas públicas começou quinze anos antes e se agravou durante a crise da dívida. Em
fins da década de 80, as empresas públicas pareciam ter-se transformado em reserva de caça dos fornecedores

51
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

Obviamente, essa estratégia foi muito boa para os bancos de investimento e para os potenciais
compradores das empresas. Assim sendo, as primeiras privatizações estavam cobertas de imperfei-
ções: elaboração inadequada dos editais; ausência de políticas de saneamento empresarial durante o
período de transição; estabelecimento de garantias para a exploração de mercados monopolistas;
licitações não-competitivas; âmbito normativo e instituições reguladoras inconsistentes. Algumas
dessas imperfeições são, atualmente, matéria para uma análise de história econômica. Mas outras —
especialmente aquelas vinculadas à regulamentação e ao nível das tarifas — ainda afetam de forma
adversa a economia real.

Os objetivos das privatizações começaram a mudar a partir de 1991. As privatizações da primeira


etapa estavam subordinadas a objetivos fiscais, provocando resultados incompatíveis com a criação de
uma economia competitiva. Já em 1991, o processo foi levado a cabo em um contexto fiscal muito
mais saudável, orientado no sentido de aumentar a produtividade e aprimorar a eficiência. As privati-
zações na produção e distribuição de energia elétrica e de gás ilustram esses novos tempos.

A importância das privatizações, do ponto de vista financeiro, pode ser observada na tabela 8. Ali
podem ser vistas as receitas geradas pelas privatizações — em dinheiro e em títulos da dívida —
durante 1990—1993. A receita anual em dinheiro — média — foi equivalente a 1% do PIB desses
anos. Ao mesmo tempo, permitiu um resgate da dívida externa que, em valores nominais, atingiu US$
14.886 bilhões.

Desregulamentação

Como tentativa de deter o aumento dos preços dos bens não-transacionáveis, em fins de 1991 o
governo adotou medidas para desregulamentar o funcionamento de vários mercados. De certa forma,
pode-se dizer que a desregulamentação tentou ser a outra cara do que a abertura comercial fora para o
disciplinamento do preço dos bens comercializáveis. O âmbito jurídico foi dado pelo decreto omnibus
de desregulamentação, de novembro de 1991. Esse decreto cobria diferentes áreas relacionadas com a
intervenção do Estado no mercado interno de bens e serviços e no comércio exterior, estipulando, por
sua vez, a dissolução de grande parte dos organimos reguladores existentes, tais como a Junta Nacio-
nal de Carnes e a de Grãos.

e dos sindicatos. O colapso final chegou em 1990, e parece ter sido favorecido pelo governo, uma vez que isso
se adaptava aos planos de privatização.

52
UMA REFLEXÃO A MEIO CAMINHO: DOIS ANOS DE CONVERSIBILIDADE

TABELA 8
Privatizações

Forma de Títulos Valor Transferência Valor Dívida


Setor Data Transferência Dinheiro Dinheiro de Passivos Total 3 Resgatada
Patrimonial

Telefones dez-91 e Venda de


2 270,9 1 257 3 527,9 3 919,9 5 000
mar-92 ações
Linha aérea jun-92 Venda 260 483 743 891,6 1 610
Linhas férreas 93-94 Concessão
Setor elétrico ago-92 Venda 624,4 1 853,3 1 476 3 953,7 6 439,4 3 706,6
Venda de
ações 230,6 230,6

Portos Concessão/
Venda 13,6 13,6 13,6

Estradas jan-jun90 1
Concessão
Televisão e rádio
90 Concessão 13,9 13,9 13,9
Petróleo Cont. de
1991-92 Associação
Concessão
YPF (emp. pet.) jun-93 Venda de
ações 3 040 884 3 924 6 710,8 1 271,1

Gás dez-92 Venda 300 1 541,1 1 110 2 951,1 3 955,5 3 082,1


Obras Concessão
2 1991-92 por 30 anos
sanitárias
Indústria petroquí- Venda de
mica 90-92 ações 54,5 28,4 82,9 265,1 139,7

Estaleiros navais
dez-91 Venda 59,8 59,8 59,8
Aço out-92 Venda 143,3 22,1 165,4 199,4 41,8
Cond. elétricos Venda 12,4 2,6 15 15 3,5
Imóveis do Estado
Venda 183,6 183,6 183,6
Outros Venda/
Concessão 65,2 2,4 67,6 67,6 12

Valor total 9 312,8 6 073,9 2 586 17 972,7 25 940,3 14 866,8

Fonte: Secretaria da Fazenda.


Obs.: Período: janeiro 1990 — dezembro 1993.
Notas: 1 Implementa-se o cronograma de investimentos conforme estipulado nos editais.
2 Adjudicado a quem oferecesse o maior desconto na tarifa (26,9%).
3 Resultado total computado como se 100% tivessem sido transferidos para os preços do momento em
que se efetuou cada uma das vendas.

As desregulamentações mais importantes atingiram todos os tipos de transporte, portos e honorá-


rios profissionais.

No caso do mercado interno, houve desregulamentação dos principais mercados agrícolas e de


atividades extrativistas, eliminação dos mercados centrais, abertura de mercados atacadistas, e sus-
pensão de grande parte das restrições existentes ao mercado varejista. Por sua vez, foram logrados
avanços na desregulamentação de todo tipo de transportes e de serviços profissionais.

53
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

Quanto ao mercado externo, devem-se destacar os progressos alcançados em matéria portuária,


de navegação fluvial e marítima, e de transporte de carga e de passageiros. Também foram anuladas
as restrições quantitativas, licenças e trâmites prévios para as exportações e importações, com exceção
das vinculadas a este último caso com a indústria automotiva, e foi simplificada boa parte dos proce-
dimentos alfandegários.

O impacto dessas medidas sobre os preços dos setores desregulamentados, passados dois anos de
conversibilidade, não parece ter sido significativo, à exceção dos portos e do transporte marítimo. A
eliminação de várias dessas regulamentações também teve seu efeito no nível de emprego do setor
público.

Abertura Econômica

A abertura comercial foi levada a cabo, tal como quase todas as reformas estruturais desse perío-
do, mediante uma estratégia de choque. Embora a liberalização comercial tenha começado em 1988,
com o início da conversibilidade, decidiu-se reduzir fortemente as tarifas de importação e, em poucos
meses, todas as restrições não-quantitativas às importações haviam sido eliminadas (ver gráfico 18).
A tarifa média diminuiu para 9,7%, com um máximo de 22% e um mínimo de 0%. Nos meses que se
seguiram, foram introduzidas modificações para umas poucas posições, entre as quais a criação de
uma tarifa de 35% para eletrodomésticos e automotores, contando esse setor com restrições quantita-
tivas que formam parte do regime regulador da indústria automotiva. Durante quase dois anos, não
houve compensações de nenhum tipo em relação ao impacto causado pela abertura comercial. Foi só
no final de 1992 que se decidiu aumentar as taxas de estatística, e durante 1993 começaram a ser
adotadas algumas poucas medidas antidumping, que haviam sido solicitadas muito antes.

Em decorrência disso, pode-se afirmar que a abertura econômica se fez de um dia para o outro,
em um contexto de taxa de câmbio defasada e de falta de políticas que auxiliassem no processo de
transformação produtiva, necessário para se fazer frente aos desafios que se impunham — em especi-
al, deve-se destacar a falta de financiamento a médio e longo prazos enfrentada pelas pequenas e
médias empresas.

GRÁFICO 20
Política Alfandegária

54
UMA REFLEXÃO A MEIO CAMINHO: DOIS ANOS DE CONVERSIBILIDADE

É preciso salientar que o governo se distanciou da ortodoxia para lidar com dois elementos espe-
cíficos. Em primeiro lugar, adotou uma estrutura tarifária com certo grau de dispersão e com cres-
cente proteção de acordo com o valor agregado. O interessante nessa postura é que com ela aceitava-
se de fato o que se negava no plano das idéias: que as indústrias com maior valor agregado podem
estar associadas à capacitação da mão-de-obra, ao aprendizado, ao desenvolvimento tecnológico e a
maiores possibilidades de integração ao mercado internacional com uma oferta de bens diferenciados.
Em outras palavras, se aceitava, implicitamente, que um maior valor agregado hoje significa maior
produtividade amanhã. Em segundo lugar, após um começo em que parecia inclinar-se em favor de
uma postura unilateral, o governo finalmente iniciou negociações para avançar na formação do
MERCOSUL.

Sistema Previdenciário

Em princípios de 1992, o governo estabeleceu as bases para a reforma do sistema previdenciário.


As principais mudanças almejadas eram as seguintes:

• aumento da idade de aposentadoria, de 55 e 60 anos para mulheres e homens, respectivamente,


para 65 anos para todos;

• substituição do Estado como administrador das aposentadorias por empresas privadas;

• todo cidadão, com menos de 45 anos, com algum tipo de renda, deveria pagar sua contribuição
ao novo sistema, deixando de fazê-lo ao antigo sistema estatal (para maiores de 45 anos, o sis-
tema é opcional);

55
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

• as contribuições individuais seriam equivalentes a 11% do salário dos trabalhadores (até aquele
momento equivaliam a 10%);

• os contribuintes poderiam escolher a administradora privada de sua preferência e trocar de


empresa quando assim o considerassem oportuno, até um limite de duas vezes por ano;

• ficaria assegurada uma rentabilidade mínima, que seria calculada em função da rentabilidade
média do sistema menos dois pontos ou 70% da rentabilidade média, o que fosse menor. Por-
tanto, a rentabilidade assegurada não seria definida em termos absolutos, mas sim em relação
ao sistema; e

• o Estado asseguraria uma renda mínima a todos os futuros aposentados, e o montante seria
equivalente a 20% do salário médio da economia (benefício básico universal).

Em suma, a intenção do governo nacional era substituir o velho e quebrado regime de distribui-
ção por um regime de capitalização obrigatório — para aqueles com menos de 45 anos —, acompa-
nhado por um benefício básico universal. Abandonavam-se, assim, os princípios de solidariedade
entre gerações e, em contrapartida, estimulava-se um sistema de contas de poupança individuais,
administradas por fundos de pensão habilitados e regulamentados pelo Estado e escolhidos livremente
pelos trabalhadores.

Em meados de 1992, em decorrência de suas discussões com os parlamentares governistas, o go-


verno mudou o projeto originalmente enviado ao Congresso. Em abril de 1993, o projeto continuava a
ser discutido no Congresso e esperava-se sua aprovação no decorrer do ano. As modificações mais
importantes introduzidas na etapa de discussões foram:

• a idade de aposentadoria da mulher: 60 anos em vez de 65;

• o benefício básico universal aumentou para 27,5% do salário médio da economia;

• foi introduzido um sistema de benefícios complementares, que implica o reconhecimento dos


anos de contribuição equivalente a 1,5% do salário por ano pago ao sistema estatal; e

• os contribuintes poderiam escolher se queriam afiliar-se ao regime privado ou ao público, sem


limite de idade.

Com a aprovação do novo regime, começará a funcionar um sistema de capitalização que, além
de seu efeito na taxa de poupança, gerará recursos disponíveis a longo prazo.22 Afora os problemas

22 É difícil pensar que o novo sistema aumentará a taxa de poupança, a curto prazo, uma vez que o aumento da
poupança no setor privado é igual à descapitalização no setor público. Entretanto, à medida que o setor público
equilibre suas contas, a contribuição para o novo sistema poderia produzir um aumento na taxa de poupança a
médio prazo.

56
UMA REFLEXÃO A MEIO CAMINHO: DOIS ANOS DE CONVERSIBILIDADE

fiscais que a reforma provocará a curto prazo, como conseqüência da mudança do destino das contri-
buições individuais, ao mesmo tempo em que será necessário continuar pagando as aposentadorias
atuais, os benefícios previdenciários que ficam sob responsabilidade do Estado no novo regime exigi-
rão uma quantidade de recursos que dificilmente estará disponível nos próximos anos. Assim, temos
uma reforma que será muito difícil de ser financiada pelo Estado (benefício básico e benefício com-
plementar) e que possivelmente exigirá que sejam feitas novas modificações no futuro.

A pergunta que se coloca é por que o governo nacional aceitou uma proposta com essas caracte-
rísticas e não continuou negociando? A resposta pode ser encontrada no fato de que, tendo chegado ao
fim a emergência econômica, o governo iniciava uma etapa de maiores negociações com o Congres-
so, e os parlamentares peronistas mostravam uma posição dura em relação a esse tema. Mas talvez
mais importante do que isso seja o fato de que a demora ou o fracasso de uma reforma como essa
teria sido um duro golpe para as expectativas criadas; teria sido quebrado o encanto de um processo
bem-sucedido e ininterrupto de transformações estruturais que parecia ser indispensável para a credi-
bilidade política do governo.

Relacionamento Estado—Províncias

Aqui é onde, após dois anos de conversibilidade, ocorreram os menores avanços no sentido de
estabelecer um mecanismo razoável para organizar a distribuição dos recursos arrecadados pelo Esta-
do. A ação do governo nacional durante os dois primeiros anos da conversibilidade esteve voltada
para a redução dos recursos com os quais as províncias poderiam contar para financiar um aumento
do gasto, e para a melhoria da competitividade por meio da eliminação de impostos que recaíam,
basicamente, sobre as empresas. Nesse contexto, ocorreram a eliminação dos redescontos do Banco
Central para os bancos provinciais — embora essa restrição tivesse intenções mais abrangentes do
que o relacionamento Estado-Províncias —, a transferência de gastos relacionados com a educação de
2o grau e profissionalizante, e a apropriação de parte dos recursos compartilhados para fazer frente ao
pagamento dos aposentados. Quanto à eliminação de impostos para melhorar a competitividade dos
setores produtivos, após dois anos de conversibilidade, estava em preparação o segundo pacto fiscal,
que incluía o compromisso das províncias — e em menor grau do Estado —, de acabar com esse tipo
de imposto.

Mercado de Trabalho

Já se argumentou em diversas ocasiões que a legislação trabalhista existente no início da conver-


sibilidade era incompatível com a necessária flexibilidade para um regime de taxa de câmbio fixa.
Isso porque a legislação restringia a possibilidade de reduzir os salários nominais, o que, devido à
rigidez da taxa de câmbio, poderia ser preciso em algum momento para corrigir os preços relativos.
Além disso, foi mencionado que o necessário aumento da produtividade exige maior flexibilidade
externa — redução ou eliminação de indenizações por demissão — e interna — eliminação das restri-
ções impostas por contratos coletivos, tais como demarcação de tarefas, duração da jornada de traba-

57
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

lho, descanso semanal. Por sua vez, o regime vigente sobre acidentes de trabalho impunha custos às
empresas muito além do razoável. Por último, havia os encargos trabalhistas, que representavam, em
princípios de 1993, 50% das remunerações brutas — o salário bruto era 75% maior do que o bolso —,
o que fazia com que surgisse um grande viés quanto à adoção de medidas que implicassem investi-
mentos em tecnologias mais intensivas no uso de mão-de-obra.

Embora certas reformas do regime trabalhista fossem necessárias, é preciso levar em considera-
ção que certos setores exigiam modificações na legislação que implicavam deixar os trabalhadores
totalmente desprotegidos. Por outro lado, diante da escassa competitividade externa em decorrência da
defasagem relativa da taxa de câmbio, era comum confundir flexibilidade trabalhista com redução de
custos a fim de melhorar a competitividade. Um bom exemplo é a maior flexibilidade externa associ-
ada à eliminação das indenizações por demissão. Pode-se conseguir essa flexibilidade mediante um
regime de capitalização, por meio do qual para cada trabalhador é depositado um certo percentual de
seu salário em uma conta. Ele poderá ter acesso a esse dinheiro caso seja despedido, tal qual a renda
que receberia, hoje, como pagamento da indenização. O problema é saber quem paga essa contribui-
ção. O razoável seria que os empregadores se responsabilizassem por ela, como contrapartida à pou-
pança feita pelo não-pagamento da indenização. Contudo, os setores empresariais se opuseram, argu-
mentando que dessa maneira não se estava reduzindo custos, mas sim confundindo custos com flexi-
bilidade.

Para além dessas considerações, era evidente que os avanços do governo nessa área eram escas-
sos. Passados dois anos da conversibilidade, apenas algumas mudanças foram efetuadas na Lei do
Emprego, reduzindo os impostos ao trabalho e o custo das indenizações por contratações de curta
duração (não mais de seis meses). A falta de desregulamentação das obras sociais, por exemplo, pode
ser explicada pela política do governo de manter boas relações com as lideranças sindicais.

A ausência de modificações na legislação trabalhista estava sendo substituída por uma flexibili-
dade de fato, acordada em muitas ocasiões com a comissão trabalhista de cada empresa. Portanto,
embora parecesse razoável introduzir reformas ao regime trabalhista visando lograr maior flexibilida-
de do mercado de trabalho, não é possível não reconhecer que essa flexibilidade estava ocorrendo
independentemente da legislação, em decorrência do aumento da taxa de desemprego e da necessida-
de de elevar a produtividade. O grande tema era, sem dúvida, a necessidade de reduzir os encargos
trabalhistas, e o governo havia anunciado que começaria a fazê-lo no âmbito do segundo pacto fiscal.
Em todo caso, a pergunta era de onde o governo tiraria recursos para tanto.

4. Considerações Finais

O programa de conversibilidade, iniciado em abril de 1991, foi bem-sucedido ao reduzir de forma


considerável a taxa de inflação, em um contexto em que o nível da demanda agregada cresceu a taxas
muito elevadas. Além do óbvio impacto sobre o nível de atividade econômica interna, essa expansão
da demanda, juntamente com o processo de abertura comercial, influiu nas importações, que aumen-

58
UMA REFLEXÃO A MEIO CAMINHO: DOIS ANOS DE CONVERSIBILIDADE

taram o equivalente a 91% anuais durante os dois primeiros anos. Em uma situação em que os preços
dos bens comercializáveis estavam determinados pela política cambial, o crescimento da demanda foi
o principal fator — não o único — que explica a elevação dos preços dos bens não-transacionáveis e,
portanto, a taxa de inflação média de 1,6% mensais durante os primeiros dois anos da conversibilida-
de.

A deterioração do preço dos bens transacionáveis, que está suficientemente documentada neste
trabalho, se juntou à defasagem inicial da taxa de câmbio, gerando uma estrutura de preços que bene-
ficiava claramente os setores pouco ou nada expostos ao comércio internacional. Dessa maneira, o
problema dos preços relativos veio somar-se ao forte crescimento da demanda, gerando uma deterio-
ração crescente da balança comercial e, assim, da conta-corrente. Entretanto, aproveitando a conjuntu-
ra internacional, que mostrava a reabertura, após uma década, do mercado de capitais para os países
da América Latina, o país obteve recursos para financiar o déficit em conta-corrente e aumentar as
reservas internacionais

A profundidade e amplitude das reformas estruturais levadas a cabo pelo governo, além de sua
importância intrínseca, foram funcionais para o modelo de financiamento externo. De fato, no novo
contexto dos mercados financeiros internacionais, os capitais não podiam senão sentir-se atraídos por
um país que oferecia novos negócios, por meio da venda de ativos públicos, e que o fazia em um
contexto de amplas reformas estruturais, equilíbrio das contas públicas e estabilidade.

Talvez a principal preocupação, passados dois anos da conversibilidade, fosse a sustentabilidade


da estrutura de preços relativos. Consciente disso, mas impedido de aumentar a taxa de câmbio nomi-
nal e pressionado pelas demandas para elevar o gasto público, o que exigia um adequado nível de
demanda para poder financiá-lo com maiores impostos, o governo decidiu tentar corrigir o problema
dos preços relativos mediante o aumento da produtividade, a redução dos custos, e, em certa medida,
a política comercial. Tendo em vista que os limites da política comercial são bastante estreitos, em
princípios de 1993 era difícil esperar algo mais nesse terreno, apesar das pressões para o estabeleci-
mento de direitos específicos e das medidas antidumping se tornarem cada vez mais fortes. Por outro
lado, embora tenha ocorrido um importante aumento da produtividade, é difícil pedir a essa produtivi-
dade que solucione os problemas a curto prazo. Portanto, após dois anos do início da conversibilidade,
era possível prever que o maior esforço deveria vir do lado da redução dos custos, associada a medi-
das de desregulamentação e mudanças na estrutura tributária, tanto no plano nacional quanto no pro-
vincial. Nesse sentido, o governo havia anunciado a possibilidade de eliminar o imposto sobre os
ativos, reduzir as contribuições patronais, e diminuir ou acabar com receitas brutas e outros impostos
distorsivos nas províncias. A pergunta mais importante nessa área era se o governo (nacional e provinci-
al) iria dispor dos recursos necessários para reduzir ou eliminar esses impostos.

A corrida contra o tempo com vistas a melhorar a competitividade tinha sua contrapartida na in-
certeza sobre até quando estariam disponíveis os recursos externos para financiar o déficit da conta-
corrente, que equivalia a 3% do PIB e continuava crescendo com o passar do tempo.

59
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

Analisando os dois primeiros anos de funcionamento da conversibilidade, a pergunta que se im-


põe é se o governo poderia ter reduzido o ritmo de crescimento da demanda, diminuindo o desequilí-
brio externo e melhorando a competitividade. Visto ter o governo mantido uma atitude pró-cíclica, a
resposta a essa interrogação é que, sem dúvida, a política econômica poderia ter sido menos expansi-
va. A questão é saber se a vantagem de diminuir o desequilíbrio externo, e, portanto, tornar a econo-
mia menos vulnerável compensaria a existência de uma menor taxa de investimento e, assim, de um
menor aumento da produtividade — associado a um nível mais baixo de demanda — e de maiores
tensões sociais — em termos de menos emprego e menores rendas para os aposentados —, que teri-
am gerado maior incerteza política. Em outras palavras, é possível afirmar que a necessidade de
manter a coalisão do governo e moderar os custos do ajuste condicionaram as opções econômicas.
Sem a bonança econômica dos primeiros anos da conversibilidade, teria sido difícil manter o apoio
dos parlamentares peronistas que votaram as reformas no Congresso e lograr os extraordinários re-
sultados nas eleições de 1991 e 1993, que favoreceram o otimismo dos mercados. Aliás, esses resul-
tados também viabilizaram o projeto político do presidente e abriram as portas para a reeleição por
meio da reforma da Constituição.

O comentário final tem a ver com as idéias subjacentes ao programa de conversibilidade no que
se refere ao papel do Estado. A volta ao mercado era uma necessidade imposta não só pelas restrições
financeiras, como também pela incapacidade demonstrada pelo setor público argentino de seguir
desempenhando as funções do período anterior. Como costuma acontecer na Argentina, a mudança de
paradigma mostrou características extremas. De um Estado que fazia tudo, passou-se rapidamente
para um que não podia fazer nada. Embora toda a política econômica estivesse influenciada por essa
premissa, o caso talvez mais extremo foi o do sistema financeiro. Com a idéia de que o mercado
resolveria todos os problemas, em 1992 foi redigida a Carta Orgânica do Banco Central, que limitava
severamente — até o ponto de praticamente proibir — sua capacidade de atuar como emprestador de
último recurso. Isso, sem dúvida, introduzia uma fragilidade extrema no sistema financeiro. Entre-
tanto, este não era o único exemplo: as políticas específicas eram quase que proibidas nas diferentes
áreas do governo; os motivos eram ideológicos ou relacionados com erros do passado e com a incapacidade
do governo de gerar e administrar essas políticas com transparência e eqüidade.

Poder-se-ia argumentar que o superativismo do passado exigia, agora, um período de eliminação


total da discriciorariedade, a fim de deixar patente que as regras do jogo haviam mudado. De qualquer
maneira, era preciso encontrar um equilíbrio entre o Estado onipresente do passado e o Estado ausente
dos primeiros anos da conversibilidade. Entre outras coisas, isso significava reconstruir o Estado, um
Estado claramente diferente daquele do passado, ou seja, capaz de regulamentar, em vez de adminis-
trar empresas, ou capaz de projetar políticas para o desenvolvimento industrial, ao invés de produzir.
Em fins de 1992, o governo anunciou certas medidas que pareciam indicar que, embora tenuemente,
havia um movimento nessa direção. Entretanto, não foi feita menção quanto ao papel do Estado na
melhoria da eficiência do gasto social. Em um país que passou por uma reforma estrutural dessa
magnitude, e em que a taxa de desemprego se aproximava, rapidamente, dos 10%, esta aparecia como
a grande tarefa pendente.

60
UMA REFLEXÃO A MEIO CAMINHO: DOIS ANOS DE CONVERSIBILIDADE

61
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

ANEXO

QUADRO A-1
Índices de Preços

(Índice base abril 1991=100)

IPM IPC

1990 46,9 37,7


abr-91 100,0 100,0
jun-91 102,1 106,0
set-91 102,5 112,1
dez-91 101,4 114,8
abr-92 103,9 125,0
jun-92 104,7 126,8
sep-92 107,1 132,3
dez-92 104,6 135,0
abr-93 106,4 139,6
Fonte: INDEC.

QUADRO A-2
Evolução do Salário Industrial

(Índice base 1986=100)

IPC IPM IPM Bens de Dólares


Capital

1990 80,2 87,8 65,3 110,5


I trim 91 74,8 98,4 68,2 121,5
II trim 91 72,4 104,7 71,2 144,4
III trim 91 69,4 106,3 74,7 147,9
IV trim 91 69,3 109,9 77,9 152,9
I trim 92 67,5 113,0 79,9 158,5
II trim 92 67,9 116,6 82,8 165,7
III trim 92 67,8 118,4 88,0 171,9
IV trim 92 67,5 122,0 88,4 175,4
I trim 93 67,2 123,8 89,7 177,2
Fonte: Elaboração própria com base em dados do INDEC e da Fundación de Investigaciones Económicas Latinoame-
ricanas (FIEL).

QUADRO A-3
Evolução dos Preços dos Produtos Manufaturados

62
UMA REFLEXÃO A MEIO CAMINHO: DOIS ANOS DE CONVERSIBILIDADE

(Índice base 1986=100)

Bens Serviços Serviços Serviços


Privados Públicos
1990 100,1 96,1 88,8 125,8
I trim 91 95,3 71,5 64,9 105,8
II trim 91 89,5 65,4 59,3 97,1
III trim 1 84,7 61,2 54,8 96,1
IV trim 91 83,8 58,4 51,7 97,2
I trim 92 80,3 54,8 48,3 92,9
II trim 92 79,5 52,6 46,3 90,1
III trim 92 78,6 50,6 44,4 87,9
IV trim 92 76,6 48,2 42,3 84,3
I trim 93 75,9 46,8 41,0 83,2
II trim 93 74,7 45,9 40,1 82,2
III trim 93 75,0 45,0 39,3 81,7
IV trim 93 73,8 44,2 38,6 79,9
Fonte: Instituto para el Desarrollo Industrial (IDI), com base em dados do INDEC.

QUADRO A-4
Custo Salarial na Indústria
(Índice base 1990=100)

1991 1992 1993

Custo salarial bruto


Total 118,2 132,9 141,4
Comercializáveis 125,1 145,4 155,4
Não-comercializáveis 102 111,2 117,6

Produtividade horária
Total 111,3 121,3 127,8
Comercializáveis 109,4 116,5 119,1
Não-comercializáveis 115,5 132,2 146,3

Custo salarial ajustado por produti-


vidade

Total 106,2 109,5 110,7


Comercializáveis 114,3 124,8 130,5
Não-comercializáveis 88,3 84,1 80,3

Fonte: IDI com base em dados do INDEC.

QUADRO A-5
Taxa de Juros e Prêmio de Risco País

LIBOR Spread Bonex 89-LIBOR

1989 9,2 21,5


1990 8,4 21,7
I trim 91 6,9 17,6

63
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

II trim 91 6,3 10,9


III trim 91 6,0 9,1
IV trim 91 5,0 6,5
I trim 92 4,3 6,5
II trim 92 4,2 5,8
III trim 92 3,4 7,0
IV trim 92 3,7 7,7
I trim 93 3,4 7,9
II trim 93 3,3 4,9
III trim 93 3,4 3,6
IV trim 93 3,5 3,2
Fonte: Macroeconômica.

QUADRO A-6
Taxa de Juros Mensais

Taxas ativas Taxas passivas

Pesos* Dólar Pesos Dólar


abr-91 3,13 0,92 1,30 0,53
jun-91 2,71 1,01 1,03 0,50
ago-91 3,89 0,88 0,94 0,51
dez-91 3,77 0,9 0,93 0,53
fev-92 3,06 1,02 0,83 0,49
abr-92 3,06 1,02 0,79 0,51
jun-92 3,07 1,05 0,82 0,49
ago-92 2,27 0,95 0,77 0,52
out-92 2,24 0,97 0,80 0,51
dez-92 3,35 1,17 1,17 0,54
mar-93 1,94 1,07 0,80 0,57
abr-93 1,79 0,98 0,60 0,51
jun-93 2,19 1,03 0,58 0,51
ago-93 2,07 1,06 0,58 0,51
out-93 1,84 0,99 0,52 0,49
dez-93 1,88 1,03 0,49 0,47
Fonte: Banco Central de la República Argentina (BCRA).
Nota: * Inclui comissão.

QUADRO A-7
Taxa de Câmbio Real

(Base 1986=100)

Dólar Cesta

1989 133,1 146,6

1990 90,1 107,1

1991 67,1 80,1

64
UMA REFLEXÃO A MEIO CAMINHO: DOIS ANOS DE CONVERSIBILIDADE

1992 62,6 77,5


1993 61,2 79,5

Fonte: IDI.

65
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

Referências Bibliográficas
BOUZAS, Roberto. Más allá de la estabilización y la reforma? Un ensayo sobre la economía argenti-
na de los ‘90’. In: Desarrollo económico. — Buenos Aires: IDES, Abr.-Jun. 1993.

CETRÁNGOLO, O. e MACHINEA, J.L. Crisis y reforma del sistema previsional. Una evaluación de
la propuesta oficial. — Buenos Aires: IDI, Ago. 1992.

FANELLI, JM; FRENKEL, R. e ROZENWURCEL, G. Transformación estructural, estabilización y


reforma del Estado en la Argentina. — Buenos Aires: CEDES, 1992.

FANELLI, J. M.; KACEF, O e MACHINEA, J. L. Precios relativos y competitividad industrial. —


Buenos Aires: IDI, Out. 1994.

GERCHUNOFF, P. e TORRE, J. C. Argentina: la política de liberalización económica bajo un gobi-


erno de base popular. — Buenos Aires: Instituto Torcuato Di Tella, Mar. 1996.

GERCHUNOFF, P. e MACHINEA, J. L. Un ensayo sobre la política económica después de la esta-


bilización. In: Más allá de la estabilidad. — Buenos Aires: Fundação Friedrich Ebert, 1995.

GERCHUNOFF, P. e KACEF, O. Un análisis de la evolución reciente del mercado de trabajo. —


Buenos Aires: IDI, Set. 1995.

KACEF, O. La productividad en la industria entre 1990 y 1993. — Buenos Aires: IDI, Dez. 1994.

KACEF, O. Algunas consideraciones acerca de la composición de la inversión. — Buenos Aires: IDI,


Jan. 1994.

MACHINEA, J. L. Algunas reflexiones a respecto del gasto público, el gasto privado y los precios
relativos. — Buenos Aires: Instituto para el Desarrollo Industrial, Out. 1992. (Nota de Trabajo,
n. 16)

66
INFLAÇÃO E ESTABILIZAÇÃO DA
ECONOMIA MEXICANA

Jaime Ros

Sumário

1. Introdução 77

2. O Pacto de Solidariedade Econômica 77

3. Uma Interpretação 84

4. O Período Pós-Estabilização 96

Referências Bibliográficas 99
INFLAÇÃO E ESTABILIZAÇÃO DA ECONOMIA MEXICANA

1. Introdução

partir da crise da dívida de 1982, a economia mexicana passou a enfrentar um regime de

A inflação elevada. Durante uma primeira etapa, a política econômica deu grande prioridade à
estabilização dos preços. O êxito da política de estabilização foi muito limitado, tendo em
vista que após ter atingido níveis próximos a 100% anuais, a taxa de inflação nesse período jamais
conseguiu ficar abaixo de 60%. Com a violenta queda do preço do petróleo em 1986 — que repre-
sentou uma perda de receitas fiscais e de divisas equivalente a 7% do PIB —, a política econômica não
teve outra opção senão sacrificar os objetivos de estabilização dos preços e manter uma taxa de câm-
bio real muito acima das médias históricas. Entretanto, essa estratégia provocou nova escalada infla-
cionária, e a taxa de inflação alcançou níveis até então sem precedentes (160% anuais para o conjunto
de 1987, ver tabela 1), com tendência à aceleração nos últimos meses do ano.

Este trabalho tem a intenção de analisar a experiência mexicana de estabilização a partir de fins
de 1987. Na segunda seção, examinamos os antecedentes e as características do plano de estabiliza-
ção, conhecido como Pacto de Solidariedade Econômica. Na terceira seção, pretendemos apresentar
uma interpretação dos resultados do plano durante seus três primeiros anos de vigência, período du-
rante o qual o programa logrou estabilizar a taxa de inflação em cerca de 20% ao ano. Oferecemos,
também, nessa seção algumas reflexões sobre as limitações do programa e sobre o desempenho da
economia no espaço de tempo que se seguiu à estabilização.

2. O Pacto de Solidariedade Econômica

À medida que, após o choque do petróleo de 1986, foram restabelecidos os superávits na conta
corrente do balanço de pagamentos, e fortaleceram-se as reservas internacionais, o controle da infla-
ção tornou a ser uma das grandes prioridades entre os objetivos da política econômica. Para isso,
contribuiu, também, a fragilidade financeira provocada pela alta inflação — a estrutura de prazos da
dívida interna foi diminuindo progressivamente, e tal fato, juntamente com as elevadas taxas de juros
nominais, tornou a política da dívida interna cada vez mais vulnerável a choques nos mercados finan-
ceiros internos. Dois choques dessa natureza ocorreram no decorrer do segundo semestre de 1987: o
grande volume de pagamentos referentes à amortização da dívida externa por parte de empresas pri-
vadas, e, em outubro, a violenta queda da bolsa de valores, seguida de mais uma onda de especulação
contra o peso.1 Diante de uma nova desvalorização cambial em dezembro, bem como de uma deman-
da generalizada por aumentos salariais por parte dos sindicatos e da perspectiva de um aumento ainda
maior na freqüência de ajustes salariais — que, com a aceleração inflacionária, a partir de 1982, havia
passado de anual para trimestral —, a hiperinflação se convertia, assim, em ameaça real. Foi nesse con-
texto que a balança terminou por pender em favor de um novo esforço de estabilização e, igualmente,
de uma estratégia diferente de política antiinflacionária.

1 Ver, sobre esse tema, Lustig e Ros (1987), e Beristán e Trigueros (1991).

77
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

TABELA 1
Indicadores Macroeconômicos 1985—1995
Taxas de Crescimento Anual

(Em porcentagem)

1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995

PIB 2,6 -3,8 1,9 1,2 3,3 4,4 3,6 2,8 0,6 3,7 -6,9
Preços* 64 106 159 52 20 30 19 12 8 7 52

(Em porcentagem do PIB nominal)


Investimento bruto 21,2 18,5 19,3 20,4 21,4 21,9 22,4 23,3 22,0 22,2
Poupança interna 22,5 18,9 22,0 19,3 18,8 19,2 17,8 16,1 15,8 15,3
Déficit em conta corrente
-1,3 0,4 -2,7 1,1 2,6 2,7 4,6 7,2 6,2 6,9
Déficit na balança comercial
-5,1 -3,9 -6,1 -1,5 0,2 1,1 3,2 5,5 4,3 5,1

Superávit fiscal

Primário 3,7 3,0 5,6 8,0 8,4 7,7 8,7 8,7 3,7 2,3
Operacional -0,8 -2,4 1,8 -3,6 -1,7 1,8
Financeiro -9,8 -15,2 -15,4 -10,9 -5,7 -3,4 2,1 3,5 0,7 -0,3

Fonte: Banco do México, Indicadores Econômicos, vários números; Banco do México,


Relatório Anual, vários anos (para o superávit fiscal operacional).
Nota: *Índice Nacional de Preços ao Consumidor (fim do ano).

Em 15 de dezembro de 1987, o governo mexicano, com a colaboração dos sindicatos e de entida-


des empresariais, adotou um amplo programa de estabilização de cunho heterodoxo, cuja meta era
reduzir rapidamente a taxa de inflação. Os instrumentos do Pacto de Solidariedade Econômica foram
os seguintes: 1) desindexação dos preços-chave da economia — salários, tarifas públicas e taxa de
câmbio —, juntamente com o estabelecimento de acordos com vistas ao controle dos principais pre-
ços do setor privado; 2) medidas adicionais de austeridade fiscal e monetária; 3) maior rapidez na
implementação do programa de liberalização do comércio exterior, iniciado em 1985, especialmente
mediante a eliminação de licenças prévias para a importação de bens de consumo. O quadro 1 apre-
senta os principais acordos adotados no pacto e suas subseqüentes renovações durante os seus primei-
ros anos de existência; a tabela 2 descreve a evolução da taxa de inflação e dos preços-chave da eco-
nomia durante as três principais fases do pacto.

Na primeira fase, que vai de dezembro de 1987 a fevereiro de 1988, foram realizados os princi-
pais ajustes fiscais do programa, bem como os ajustes iniciais da taxa de câmbio e das tarifas públi-
cas. A esses ajustes, seguiu-se uma bolha inflacionária que fez com que a taxa de inflação, em de-
zembro e janeiro, chegasse a níveis anuais da ordem de 400% (comparados com uma inflação anual
de 160% para o conjunto de 1987). Essa fase se caracterizou pela redução inicial dos salários reais
(5% no terceiro trimestre de 1987 para os salários contratuais do setor manufatureiro) e pela valoriza-
ção real do peso, que, em fins de fevereiro, havia revertido o ajuste cambial real de dezembro de 1987

78
INFLAÇÃO E ESTABILIZAÇÃO DA ECONOMIA MEXICANA

(na realidade, a taxa de câmbio estava cerca de 6% abaixo do nível real médio dos três meses anterio-
res à desvalorização de dezembro).

A segunda e crucial fase do programa consistiu no congelamento dos preços-chave entre março e
dezembro de 1988. A taxa de câmbio se estabilizou no nível de fins de fevereiro (2,257 pesos por
dólar); as tarifas públicas se mantiveram constantes em termos nominais e, após um aumento de 3%
em março, o salário-mínimo permaneceu congelado até fins de 1988. O aumento dos salários contra-
tuais ficou bem abaixo da inflação, especialmente na etapa inicial do congelamento (segundo trimestre
de 1988; ver tabela 2). Essa fase se caracterizou pela rápida deflação, que levou a taxa de inflação
anual para 16% no segundo semestre de 1988 (1% mensal no transcurso do terceiro trimestre). A
deflação veio acompanhada por uma redução nos níveis reais dos salários, tarifas e taxa de câmbio.
Essa evolução sugere a ocorrência de um aumento das margens de lucro durante o congelamento, em
parte devido à inércia inflacionária decorrente do realinhamento dos preços e custos e, em outra parte,
como resultado da elevação das taxas de juros reais que se mantiveram em um nível de dois dígitos a
partir do segundo trimestre de 1988, até alcançar um patamar próximo de 30% no transcurso do quarto
trimestre (ver gráfico 1).

A terceira fase, a partir de janeiro de 1989, teve como particularidade o descongelamento dos
preços-chave. A taxa de câmbio foi caindo gradualmente e passou de um valor inicial de 17% anuais
para um valor anual de 4% ao final de 1991.

QUADRO 1
Principais Fases do Pacto de Solidariedade Econômica

• Fase 1. Ajuste Fiscal e Realinhamento de Preços (dezembro de 1987 a fevereiro de 1988)


Preços, salários e taxa de câmbio
 Desvalorização de 18% em 14 de dezembro, seguida de uma depreciação gradual até fins de
fevereiro;
 Aumento de 15% para o salário-mínimo, seguido de mais 20% em janeiro. Revisão mensal
de acordo com a inflação prevista;
 Ajustes de preços e tarifas do setor público;
 Acordos sobre controle de preços para produtos básicos e sobre manutenção de preços de
garantia para produtos agrícolas em seu nível real de 1987.
Medidas fiscais
 Eliminação dos subsídios (exceto à agricultura) e do incentivo à desvalorização acelerada;
 Redução do gasto programável em 1,5% do PIB;
 Liberalização comercial;
 Redução da tarifa máxima de importação, de 40% para 20%, e da tarifa média, de 22,6%
para 13,1%;
 Extensão da eliminação de licenças para a importação de bens de consumo.

79
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

(Continua)

(Continuação)

• Fase 2. Congelamento de Preços-Chave (março a dezembro de 1988)


Preços, salários e taxa de câmbio
 Taxa de câmbio fixa — valor igual ao registrado em 29 de fevereiro de 1988 (2,257 pesos
por dólar);
 Aumento de 3% para o salário-mínimo, seguido de congelamento;
 Preços e tarifas dos bens do setor público permanecem constantes;
 Congelamento, mediante a equalização dos principais preços do setor privado. Acordo em-
presarial para reduzir os preços em 3% (setembro).
Medidas fiscais
 Redução do imposto sobre o valor agregado, de 6% para zero, para alimentos processados e
remédios. Redução de 30% no Imposto de Renda para pessoas com rendimentos inferiores a
quatro vezes o salário-mínimo (setembro).
 Renovações dos pactos em abril, junho e setembro.

• Fase 3. Descongelamento e Consolidação (janeiro de 1989 a


dezembro de 1991)
Preços, salários e taxa de câmbio
 Desvalorização cambial preestabelecida de um peso por dólar, por dia, a partir de janeiro de
1989 (correspondente a uma taxa inicial de desvalorização de 17% anuais). Durante 1990 e
1991, o ritmo da desvalorização se reduz a oitenta centavos diários, seguido de uma nova
redução para quarenta centavos diários até chegar a vinte centavos diários em dezembro de
1991 (correspondente a uma taxa de desvalorização de 4% anuais);
 Revisões anuais dos salários-mínimos em função da inflação prevista;
 Ajustes dos preços e tarifas públicas em função da inflação passada e das metas orçamentá-
rias.
Medidas fiscais
 Redução do imposto sobre o valor agregado de 15% para 10% em dezembro de 1991;
 Renovações de pactos em agosto de 1989, janeiro de 1990, dezembro de 1990 e dezembro
de 1991.
Fonte: Aspe (1993); Organização de Cooperação para o Desenvolvimento Econômico — OCDE (1993).

TABELA 2
Inflação e Preços Relativos durante
o Programa de Estabilização

Taxas de
Crescimento
Anualizadas 1987 1988 1989 1990 1991

80
INFLAÇÃO E ESTABILIZAÇÃO DA ECONOMIA MEXICANA

Durante
o Período (%) IV T IT II T II S IS II S IS II S IS II S

Preços ao consumidor 1 224,3 199,0 32,1 15,7 19,5 19,9 32,6 27,3 19,1 18,5

Salários 2 176,6 279,2 23,4 10,0 37,6 17,3 29,0 31,1 30,5 15,3

Ajuste à inflação passada 1,2 0,1 0,3 2,4 0,9 1,5 1,0 1,1 0,8

Tarifas públicas 3 287,6 214,4 0,0 -0,3 15,2 21,8 22,7 36,7 3,2 31,2

Ajuste à inflação passada 1,0 0,0 0,0 1,0 1,1 1,1 1,1 0,1 1,6

Preços externos 278,8 62,5 4,0 4,8 7,9 23,0 20,7 35,9 -1,9 18,4

Ajuste à inflação passada 0,3 0,0 0,2 0,5 1,2 1,0 1,1 -0,1 1,0

Preços relativos fim do período Set. Nov. 1987=100

Salários reais 95,5 101,3 99,6 97,1 106,3 105,1 104,7 106,3 111,3 109,8

Tarifas públicas reais 107,2 108,6 101,3 94,1 92,3 93,1 89,5 92,7 86,3 90,8

Taxa de câmbio real 4 105,8 91,1 85,4 81,3 77,2 78,7 75,2 75,9 70,1 70,0

Fonte: Banco do México, Indicadores Econômicos, vários números.


Notas:1 Índice Nacional de Preços ao Consumidor;
2
Índice de salários, ordenados e benefícios médios na indústria manufatureira;
3
Índice de preços ao produtor. Bens produzidos por empresas públicas, exceto
petróleo;
4
Índice baseado nos preços ao consumidor e uma cesta de moedas (133 países).
Obs.: T = Trimestre.
S = Semestre.

81
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

82
INFLAÇÃO E ESTABILIZAÇÃO DA ECONOMIA MEXICANA

As tarifas públicas foram reindexadas, sendo novamente adotados os ajustes salariais compensa-
tórios, especialmente no primeiro semestre de 1989, embora com uma freqüência menor do que antes
do congelamento. Essa fase provocou uma nova bolha inflacionária — ainda que bem menor do que a
anterior —, cujos efeitos se concentraram ao longo do ano de 1990 (quando a inflação atingiu 30%) e
diminuíram, mais uma vez, em 1991, quando a inflação caiu para 20%. A escalada inflacionária con-
centrou-se em 1990, mais do que no período inicial do descongelamento, devido, certamente, à dimi-
nuição das margens de lucro, que haviam atingido níveis exageradamente altos no início do descon-
gelamento, e aos efeitos provocados pela maior inflação externa do segundo semestre de 1989 e do
ano de 1990. A desaceleração inflacionária de 1991 foi resultado de um menor grau de indexação das
tarifas públicas, mediante um intervalo mais prolongado entre ajustes, e de uma desaceleração externa
com um ritmo de desvalorização do peso que, à época, estava muito abaixo do diferencial entre infla-
ção interna e externa. Esse período se caracterizou por uma recuperação salarial. Em fins de 1991, os
salários contratuais reais (na indústria manufatureira) haviam atingido níveis 10% acima dos registra-
dos antes da implementação do programa. Por sua vez, a defasagem da taxa de câmbio real aumenta-
va continuamente (30% abaixo dos níveis prévios à desvalorização de dezembro de 1987; ver quadro
1 e gráficos 2 e 3). A partir de então, a inflação continuou caindo, até chegar a níveis de um dígito em
1993, às custas de uma revalorização cambial adicional em termos reais.

3. Uma Interpretação
O Pacto foi, sem dúvida, muito bem-sucedido ao reduzir rapidamente a inflação. De fato, seu
êxito superou as expectativas dos próprios formuladores da política antiinflacionária. As metas a
serem atingidas após um ano de programa (1% a 2% de inflação mensal) foram concretizadas poucos
meses depois de sua implementação (no terceiro trimestre de 1988, a inflação era de 1% mensal). A
taxa de inflação, que havia terminado o ano de 1987 em 160%, caiu para 20% em 1989, passados dois
anos do início do programa. Além disso, essas conquistas foram logradas sem que fosse preciso apro-
fundar a redução dos rendimentos salariais reais, e evitando uma recessão prolongada da atividade
econômica, como sucedera anteriormente com outros programas de estabilização. Após uma contra-
ção do produto, no decorrer dos primeiros meses de 1988, a atividade econômica recuperou-se e
propiciou uma taxa positiva de crescimento (1,2%) para o ano. De 1989 a 1991, registraram-se uma
recuperação do crescimento com taxas superiores a 3% anuais, e uma expansão dos investimentos e
do consumo privados. O apoio externo ao programa, proporcionado pelo acordo de redução da dívida
externa em 1989, e a virada na conta de capital do balanço de pagamentos a partir desse ano, permiti-
ram que a política cambial desempenhasse papel-chave na consolidação da estabilização, apesar dos
crescentes déficits em conta corrente gerados pela recuperação econômica com defasagem cambial
crescente.

Esses resultados sugerem uma série de perguntas:

a) Qual o papel desempenhado pela política de preços e rendimentos na deflação, e como explicar
a efetividade com que essa política foi implementada?

83
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

b) Como foi possível evitar que a deflação viesse acompanhada de uma recessão prolongada, e
qual o papel desempenhado pelas políticas fiscal e monetária?

c) Quão decisivo foi o apoio externo ao programa que provocou a virada na conta de capital do
balanço de pagamentos a partir de 1989?

A Efetividade da Política de Preços e Rendimentos

A maior novidade do programa, em relação aos esforços de estabilização anteriores foi, sem dú-
vida, o congelamento de preços-chave entre março e dezembro de 1988, mediante a utilização efetiva
da política de preços e rendimentos. A esse respeito é conveniente destacar três elementos.

O primeiro se refere ao risco que todo programa de congelamento enfrenta ao congelar, junta-
mente com o nível geral de preços, um alto grau de dispersão dos preços relativos no que se refere aos
seus níveis médios ou de longo prazo. Esse risco era particularmente alto em uma situação como a do
México, com uma inflação média elevada, pois além da taxa inflacionária em si havia amplas defasa-
gens entre os câmbios dos custos e dos preços, bem como consideráveis desajustes circunstanciais na
estrutura de preços e salários. Essas condições geravam um conflito de objetivos: por um lado, permi-
tir o realinhamento dos preços relativos de acordo com seus níveis médios ou de longo prazo, levando
em conta esses desajustes circunstanciais, ou, por outro, desindexar o câmbio nominal dos preços,
para a quebra de vínculo entre a inflação presente e a passada.2 O período prévio ao congelamento de
março (de realinhamento sem controle de preços) parece ter desempenhado importante papel ao mo-
derar esse conflito e, às custas de uma escalada inicial da taxa de inflação, permitir entrar na fase de
congelamento sem uma dispersão excessiva dos preços relativos, no que tange a seus níveis de longo
prazo. Além disso, o fato de o congelamento de preços e salários ter-se concentrado nos preços-chave,
ao invés de ser geral, permitiu que a estrutura de preços e salários relativos entre setores continuasse
seu realinhamento durante o período do congelamento. É interessante observar, a esse respeito, que o
índice de escassez nunca ultrapassou 10% durante os doze meses do programa, comparado com o que
aconteceu com o Plano Austral na Argentina, e com o Plano Cruzado no Brasil, no transcurso dos
quais o índice de escassez atingiu níveis equivalentes a 20% e 40%, respectivamente [Aspe (1993)],
com base em informações dos Bancos Centrais da Argentina, Brasil e México).

O que foi dito nos leva a um segundo elemento, já que, de acordo com as condições descritas e
segundo as quais os valores reais dos preços-chave deviam diminuir em decorrência da inércia infla-
cionária, a desindexação corria o risco de gerar uma estrutura de preços relativos que se tornaria in-
sustentável com o passar do tempo. Esse perigo foi evitado, em grande parte, pelo fato de os níveis
iniciais reais da taxa de câmbio e das tarifas públicas estarem relativamente altos no momento do
congelamento. No caso da taxa de câmbio, isso foi resultado do ajuste excessivo inicial decorrente das
desvalorizações reais que se seguiram à violenta queda do preço do petróleo em 1986, as quais leva-

2 Paradoxalmente, em uma hiperinflação, grande parte desse problema desaparece. Os preços são totalmente
indexados, quase que instantaneamente, à taxa de câmbio, de tal maneira que o problema central da estabiliza-
ção passa a ser a estabilização da taxa de câmbio, e não tanto a quebra de vínculos entre a inflação presente e a
passada. Para uma discussão mais ampla sobre o tema, ver Ros (1987, 1993a).

84
INFLAÇÃO E ESTABILIZAÇÃO DA ECONOMIA MEXICANA

ram a taxa de câmbio controlada real, em 1986 — 1987, para seus níveis máximos na década (ver
gráfico 3). Mesmo após a valorização real efetuada depois da desvalorização de dezembro de 1987, a
taxa de câmbio real no início do congelamento se encontrava em níveis muito altos em relação à mé-
dia histórica. O mesmo pode ser dito quanto às tarifas públicas, que também eram resultado dos
ajustes iniciais ocorridos entre dezembro de 1987 e fevereiro de 1988. Por sua vez, em decorrência
dos ajustes fiscais realizados depois da crise da dívida de 1982, a situação fiscal era folgada, e apre-
sentava um superávit no orçamento operacional (ver tabela 1) e outro, ainda maior, no orçamento
público correspondente à inflação zero. Esse cenário propiciava uma ampla margem de manobra para
a política de tarifas públicas.

Não se pode dizer o mesmo em relação aos salários, e isso nos leva ao terceiro elemento. Os salários
contratuais, em 1987, eram, em termos reais, 30% a 40% mais baixos do que em 1982 (com uma redução
ainda maior para os salários-mínimos reais; ver gráfico 2), e a bolha inflacionária de fins de 1987 signifi-
cou, como vimos, uma erosão adicional de 5% na renda real dos assalariados. O fato de que, nessas con-
dições, os sindicatos tenham aceito um congelamento do salário mínimo a partir de março, bem como a
moderação dos aumentos dos salários contratuais com base em índices muito abaixo da inflação passada,
deve ser visto como uma peculiaridade da experiência mexicana, atribuível ao alto grau de centralização e
corporativismo que prevalece nos mecanismos de fixação de salários. Essas características, vinculadas à
estrutura sindical mexicana e ao relacionamento entre governo e sindicatos, deram ao governo uma ampla
margem de manobra para sua política salarial. Embora consideravelmente afetada em 1988, após as redu-
ções dos salários reais ocorridas desde 1982, essa margem de manobra ainda foi suficientemente ampla
para garantir a desindexação dos salários. Para isso contribuíram, certamente, dois outros fatores: 1) o fato
de que, em um esforço de reorientar a política antiinflacionária do governo, a utilização da política de
preços e rendimentos tenha sido uma exigência do movimento sindical desde 1983; e 2) o momento do
congelamento (março), tendo em vista que janeiro e fevereiro foram meses durante os quais boa parte das
revisões salariais foi levada a efeito, proporcionando aumentos salariais que permitiram recuperar a redu-
ção das rendas reais provocada pela desvalorização de dezembro (ver tabela 2).

Deflação e Atividade Econômica

Embora a política de preços e rendimentos tenha sido implementada adequadamente, que importân-
cia teve seu papel na deflação? Duas considerações sugerem que o desempenho desse instrumento foi
muito além do que era de se esperar para um componente auxiliar do programa — uma espécie de aneste-
sia útil que teria permitido que o remédio fundamental (as políticas fiscal e monetária) fosse menos amar-
go.

85
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

86
INFLAÇÃO E ESTABILIZAÇÃO DA ECONOMIA MEXICANA

A primeira dessas considerações é ligada à perda de efetividade das políticas macroeconômicas


convencionais quando uma economia entra em um regime de inflação elevada. Esse regime, ao con-
trário de uma situação que apresente uma inflação baixa, caracteriza-se por múltiplas interações entre
inflação, finanças públicas e crescimento da massa monetária. As pressões inflacionárias não só ad-
quirem impulso próprio, à medida que os instrumentos de indexação se enraízam nos mecanismos de
formação de preços e salários, como também passam a exercer forte influência sobre os déficits fis-
cais — por meio do efeito Olivera—Tanzi, especialmente —, bem como sobre o financiamento dos
déficits, ao afetar a demanda de dinheiro e, de maneira mais geral, a composição e estrutura dos pra-
zos da dívida pública. Nessas condições, mesmo que não se torne passiva, a oferta monetária se trans-
forma em endógena, determinada simultaneamente com a taxa de inflação, e escapa em grande parte
do controle da autoridade monetária. Devido a essas interações e à inércia inflacionária decorrente,
qualquer esforço de estabilização baseado em apenas um instrumento de política — seja fiscal, mo-
netário ou cambial — estará fadado ao fracasso, à ineficiência e à ineficácia. Essa é a contribuição
central da literatura heterodoxa sobre inflação e estabilização, e o argumento crucial em favor da
política de preços e rendimentos para lograr colocar a inflação sob controle.3

A segunda consideração se refere ao fato de que o pacto constituiu um caso de estabilização sem
ajuste fiscal recessivo. É bem verdade que a situação fiscal no início do programa era, como já foi
mencionado, confortável, e, também, que os ajustes fiscais do programa aumentaram o superávit
primário nas finanças públicas (de 5,6% do PIB em 1987, para 8% do PIB em 1988 — 1990; ver tabela
1). Entretanto, o superávit operacional, entre 1988 e 1990, acabou sendo inferior, em três pontos
percentuais do PIB, ao registrado em 1987. Esse maior déficit operacional foi conseqüência das altas
taxas de juros reais prevalecentes em 1988 e 1989, que provocaram a diminuição do superávit opera-
cional, apesar do aumento do superávit primário. A transferência de receitas do setor público para o
setor privado, em virtude dos vultosos valores pagos como juros reais sobre a dívida pública interna,
foi equivalente a 7,6% do PIB em 1988, e a 6,1% em 1989.

É preciso ressaltar, no entanto, que, embora o aumento do déficit operacional resultante do au-
mento dos juros pagos pelo setor público tenha sido neutro em termos de impacto sobre a demanda

3 A esse argumento vale a pena acrescentar outro, independentemente do fato de que a economia se encontre em
regime de alta ou baixa inflação: em um programa de estabilização que não conte com um componente de políti-
ca de preços e rendimentos, as políticas fiscal e monetária operam, necessariamente, por meio da redução da
demanda agregada e do nível de produção, tornando inevitável uma recessão do nível de atividade econômica.
Em um programa de desindexação, a necessidade de medidas fiscais e monetárias provém de não-neutralidade
da inflação, e do fato de que a inflação, por mais inercial que seja, redistribuir renda entre os setores público e
privado, modificar a composição das receitas públicas e a distribuição da renda privada disponível, além de alte-
rar os níveis e a estrutura das taxas de rendimento real. Esses efeitos macroeconômicos fazem com que uma re-
dução drástica da taxa de inflação tenha, em geral, impactos expansivos sobre a demanda agregada. O papel das
medidas fiscais e monetárias, nesse caso, é o de se contrapor à expansão da demanda agregada que, caso con-
trário, acabará acontecendo. Ao neutralizar essa expansão da demanda, de forma distinta ao que ocorre em pro-
gramas de estabilização sem política de preços e rendimentos, essas medidas compensatórias deixam inalterada
a postura fiscal e monetária em termos reais (sobre o tema, ver Ros, 1993b).

87
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

(ao ser neutralizado pelas altas taxas de juros) em 1990, o aumento do superávit primário foi apenas
2,1% do PIB maior do que em 1987. Esse aumento pode ser explicado, em parte, pela eliminação dos
efeitos negativos da inflação de 1987 sobre a arrecadação tributária (efeito Olivera—Tanzi), os subsí-
dios financeiros e a composição da dívida pública. A soma desses três efeitos, segundo o Relatório do
Banco do México, de 1989, foi de 1,2% do PIB, sendo o percentual mais importante o de 0,9%, do
efeito Olivera—Tanzi sobre a arrecadação tributária. Isso significa que a redução do imposto inflacio-
nário (de 3% do PIB entre 1987 e 1991), ocorrida durante a estabilização, não foi totalmente neutrali-
zada pelo aumento do superávit primário, e provocou, assim, a expansão da demanda agregada.

O fato de a política fiscal não se ter contraposto ao choque positivo de demanda gerado pela de-
flação explica a razão de o programa ter dado origem a uma recuperação econômica, em vez de pro-
vocar uma recessão prolongada. Esse constitui um motivo adicional que nos faz pensar que uma das
principais tarefas do programa recaiu na política de preços e rendimentos, e assinala, também, o im-
portante papel desempenhado pelo apoio externo. Embora essa política tenha se tornado condição
necessária para o êxito do programa, isso não significa que tenha sido suficiente para tanto. Como o
ajuste fiscal durante o pacto não foi suficiente, os efeitos da redução do imposto inflacionário sobre a
demanda agregada não foram compensados por uma redução equivalente do gasto governamental, ou
por um aumento das receitas públicas não provenientes do imposto inflacionário. A redução do im-
posto inflacionário — que, de fato, provocou uma rápida expansão do gasto privado, registrando taxas
de 4% anuais em 1988, e 6%, em 1989 — foi absorvida pela conta corrente do balanço de pagamen-
tos, cujo saldo rapidamente mudou de sinal (de + para −) superavitário para deficitário, no decorrer de
1988. Esse déficit na conta corrente contribuiu para uma considerável perda de reservas internacio-
nais, de aproximadamente 7 bilhões de dólares em 1988, equivalente a 3,4% do PIB e de magnitude
semelhante à redução do imposto inflacionário. Essas perdas de reservas não poderiam continuar
ocorrendo durante muito tempo sem comprometer as regras da política cambial do programa e, tam-
bém, a sustentabilidade de todo o esforço de estabilização.

O Papel do Apoio Externo

Os comentários anteriores sugerem que o apoio externo dado ao programa por meio do acordo de
redução da dívida externa de 1989, e a virada subseqüente na conta de capital do balanço de paga-
mentos, desempenharam papel primordial na consolidação das conquistas do pacto. Sem pretender
negar a importância que esse apoio externo representou para a mudança de sinal nas transferências
externas que o país vinha realizando desde 1983, bem como para a redução das taxas de juros reais a
partir de 1990 — o que eliminou o déficit operacional do setor público —, vale a pena aprofundar
essa afirmação com algumas observações.

As perdas de reservas internacionais ocorridas em 1988 não foram apenas resultado do déficit de
conta corrente desse ano (e, portanto, do efeito expansivo do programa), mas também de uma saída
líquida de capitais de cerca de 4,5 bilhões de dólares. Essas saídas de capitais, concentradas nos pri-
meiros meses de implementação do pacto, foram diminuindo à medida que o programa começou a dar
resultados e, com isso, a ganhar credibilidade. Esse aumento de credibilidade do programa, que foi

88
INFLAÇÃO E ESTABILIZAÇÃO DA ECONOMIA MEXICANA

documentado com pesquisas de opinião no transcurso de 1988,4 parece ter sido conseqüência da
eficácia do plano em lograr uma rápida deflação. Assim sendo, embora a virada na conta de capital
tenha desempenhado um importante papel na consolidação das conquistas do programa, por oferecer
maior viabilidade a médio e longo prazos, também é verdade que sem a eficácia da política de preços
e rendimentos, essa virada e o apoio externo dificilmente teriam acontecido. É impossível imaginar a
virada na conta de capital em condições de inflação alta, tais como as prevalecentes no segundo se-
mestre de 1987. Por conseguinte, tudo leva a crer que a estrutura macroeconômica do México, nesses
anos, estava associada a uma multiplicidade de equilíbrios, e que, nessas condições, a política de
preços e rendimentos do pacto desempenhou papel fundamental na passagem de um equilíbrio com
inflação elevada, déficit na conta de capitais, incerteza e desconfiança, para um com inflação baixa,
superávit na conta de capitais e recuperação da confiança.

O argumento anterior é apresentado formalmente no gráfico 4. A curva DCC mostra a relação


existente entre o déficit de conta corrente e a taxa de inflação (p) para determinados dados do produto,
da dívida externa e da taxa de juros externa. A relação é negativa porque a taxa de câmbio real tem
efeito negativo sobre o déficit na conta corrente e efeito positivo sobre a taxa de inflação. A curva F
expressa a relação entre os fluxos externos na conta de capital e na taxa de inflação. Essa relação
também é negativa em decorrência dos efeitos da inflação sobre os investimentos privados (efeito
negativo associado a um maior grau de incerteza) e sobre a poupança privada (efeito positivo devido
ao imposto inflacionário); o déficit financeiro do setor privado (o excesso de investimento sobre a
poupança privada) tende, assim, a diminuir, à medida que aumenta a taxa de inflação. Conseqüente-
mente, também o superávit financeiro do setor externo sofre uma redução (fluxos externos da conta
de capital). Essa relação é extremamente não-linear: quando existem níveis muito altos de inflação, a
poupança privada deixa de aumentar com a inflação (na medida em que o impacto da inflação sobre o
imposto inflacionário perde significado ou pode até mesmo mudar o sinal), e quando há níveis muito
baixos de inflação (associados a uma baixa taxa de câmbio real), o elevado déficit da conta corrente
tende a inibir os fluxos de capital (efeitos de risco cambial e de mora).

GRÁFICO 4
Conta Corrente, Fluxos de Capital e Inflação

4 Ver Aspe (1993). O percentual de opiniões otimistas sobre o pacto, tanto no setor privado quanto entre trabalhadores e
pequenos agricultores, passou de 42% e 9%, respectivamente, em dezembro de 1987, para 94% e 61%, em maio de 1988.

89
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

Como se pode ver no gráfico 4, a forma da curva de fluxos de capital pode dar origem a múltiplas
interseções (correspondentes a um equilíbrio global do balanço de pagamentos) com a curva do déficit
na conta corrente. Se partimos do princípio de que a taxa de câmbio real (e, portanto, a taxa de infla-
ção) aumenta em função da brecha entre o déficit na conta corrente e o superávit na conta de capital
(devido a que o Banco Central se vê forçado a desvalorizar mais rapidamente ainda quando perde
reservas e vice-versa), dentre essas múltiplas interseções, a média não é estável, e as outras duas são
estáveis. O equilíbrio com inflação alta apresenta baixa taxa de investimento privado, déficit na conta
corrente e fluxos de capital reduzidos. O equilíbrio com inflação baixa mostra, ao contrário, uma taxa
maior de investimentos privados, altos fluxos de capital e déficit na conta corrente. Uma diminuição
suficientemente rápida e abrupta pode permitir passar do equilíbrio com inflação alta para o equilíbrio
com inflação baixa, sem que a diminuição inicial das reservas seja excessiva.

90
INFLAÇÃO E ESTABILIZAÇÃO DA ECONOMIA MEXICANA

91
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

4. O Período Pós-Estabilização

De 1991 em diante, como já foi assinalado, o peso da contínua desaceleração da inflação, até
chegar a um dígito em 1993, recaiu totalmente em uma valorização real do peso em relação ao dólar.
O desempenho da economia durante esse período caracterizou-se por uma trajetória de crescente
endividamento externo, acompanhado de lento crescimento econômico, especialmente no que se
refere ao setor de bens comerciáveis internacionalmente.

Esse desempenho teve sua origem em dois problemas que o programa de estabilização não soube
resolver. O primeiro foi a inconsistência entre a abertura comercial de 1988, que exigia para se sus-
tentar um aumento da taxa de câmbio real, e a política cambial que, orientada exclusivamente por
critérios de estabilização de preços, operou na direção contrária, provocando uma contínua revaloriza-
ção real do peso. Durante todo esse período, a combinação da abertura comercial com a defasagem
cambial colocou a composição do emprego e do investimento contra os setores produtores de bens
comerciáveis internacionalmente. O emprego na indústria manufatureira, por exemplo, diminuiu
continuamente a partir de meados de 1990, e a redução acumulada superou os 10% em meados de
1994. Os fluxos de capital provenientes do exterior se dirigiram, cada vez mais, para o setor de bens
não-comerciáveis e, eventualmente, para ativos financeiros domésticos.

Os dilemas gerados por essa combinação de políticas surgiram rapidamente quando, em 1992, o
déficit na conta corrente atingiu 7% do PIB, nível semelhante aos que precederam a crise da dívida de
1982. Diante dessa situação, o governo optou por frear o crescimento econômico5 e manter a política
de abertura comercial com defasagem cambial (embora com um moderado aumento do ritmo de
desvalorização gradual do peso no segundo semestre de 1992, insuficiente para reverter as tendências
da taxa de câmbio real). Em seguida, houve uma desaceleração da atividade econômica em 1992, e a
recessão de 1993, as quais não conseguiram modificar substancialmente a tendência do déficit exter-
no. Este voltou a se expandir com a recuperação de 1994, estimulado por um relaxamento das políti-
cas fiscal e monetária (ver tabela 1).

O segundo problema foi a dramática queda da taxa de poupança interna, provocada pela diminui-
ção da poupança privada. Embora esse fenômeno tenha se manifestado claramente entre 1988 e 1993
(com uma redução equivalente a sete pontos percentuais do PIB, tal como se mostra na tabela 1), cabe
ressaltar que parte do problema tinha surgido antes de 1988. Sua origem deriva da abrupta redução da
poupança pública que foi transferida para o setor privado mediante ajustes fiscais e cambiários — e,
de maneira mais geral, da diminuição da renda real por habitante decorrente da crise da dívida e do
choque do petróleo da década de 80. Em 1988 e 1989, a diminuição da poupança privada ficou tem-
porariamente encoberta pelas altas taxas de transferência de receitas que o governo realizou para

5 Vale a pena observar que a escolha dessa opção não ocorreu devido às dificuldades de passar de um regime de
taxa de câmbio fixa para um com desvalorizações graduais. Essa transição já havia sido realizada, com êxito,
em princípios de 1989.

92
INFLAÇÃO E ESTABILIZAÇÃO DA ECONOMIA MEXICANA

pagamento de juros reais sobre a dívida pública interna, e foi somente em 1990, quando o volume
desses pagamentos diminuiu rapidamente, que o fenômeno tornou-se claramente visível. Além disso,
vários fatores reforçaram a tendência de queda da poupança privada depois de 1988:6

a) o primeiro, e talvez o de maior importância, tendo em vista o peso da poupança empresarial na


poupança privada, foi a redução das margens de lucro e a compressão dos benefícios resultantes, no
setor de bens comerciáveis, como conseqüência da abertura comercial com supervalorização cambial;

b) o auge financeiro de princípios da década de 90, gerado pelos fluxos de capital externo e pela
liberalização financeira, estimulou o auge do consumo de bens duráveis das camadas de renda média
e alta, tanto pelos efeitos de riqueza decorrentes do aumento dos preços dos ativos, quanto pelo reapa-
recimento de crédito abundante para o consumo, após uma década de severo racionamento de crédito
e de demanda reprimida de bens duráveis; e

c) a diminuição do imposto inflacionário de mais de três pontos percentuais do PIB, em 1987, para
níveis insignificantes em 1993—1994 — que, como vimos, acompanhou o bem-sucedido programa
de estabilização de 1988 em diante —, juntamente com uma política de reduções sucessivas dos
impostos sobre o consumo a partir de 1991.

A falta de soluções para esses problemas significou, contrariamente ao diagnóstico e às expecta-


tivas dos formuladores da política econômica e, durante boa parte do período, dos próprios mercados
financeiros, que a economia emergiu profundamente enfraquecida do processo de ajuste da década de
80. Em vez de reverter esse processo, as políticas cambial e fiscal do governo, após 1991, aumenta-
ram ainda mais essa fraqueza ao modificar a estrutura de preços relativos em favor da importação e
do consumo, e contra a produção e o investimento. Provocou-se, assim, uma alocação de recursos na
direção oposta à necessária para garantir um processo de crescimento sustentado. O problema subs-
tantivo fica claramente resumido no gráfico 5: com taxas de poupança externa superiores às históri-
cas, a economia investia, em princípios da década de 90, uma proporção menor de seu produto e,
conseqüentemente, expandia sua capacidade produtiva a um ritmo inferior ao histórico. Esse conflito
entre crescimento e contas externas foi-se exacerbando com o passar dos anos, gerando, assim, uma
trajetória de lento crescimento com um acelerado acúmulo de passivos externos que, a longo prazo, se
revelaria insustentável.

6 Sobre o tema, ver Arrau e Oks (1992); OCDE (1993); e Ros (1992).

93
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

Referências Bibliográficas
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ASPE, P. El camino mexicano de la transformación económica. —


México: F.C.E., 1993.

BERISTÁN, J. e TRIGUEROS. México. In: WILLIAMSON, J. (ed.)


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LUSTIG, N. e ROS, J. México. Stabilization and structural adjustment policies. Country study. —
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_____. Ajuste macroeconómico, reformas estructurales y crecimiento en México. Documento prepa-


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_____. Inflación inercial y conflicto distributivo. In: ROS, J. (comp.) La edad de plomo del desarro-
llo latinoamericano. — México: F.C.E., 1993a. (Serie de Lecturas de El Trimestre Económico,
n. 77)

______. La macroeconomía de los choques heterodoxos. In: ROS, J. (comp.). La edad de plomo del
desarrollo latinoamericano. —
México: F.C.E., 1993b (Serie de Lecturas de El Trimestre
Económico, n. 77)

94
RELATO SOBRE UMA FLUTUAÇÃO “SUJA” COM
DOLARIZAÇÃO: O PERU ENTRE 1990 e 1992

Javier Iguíñiz Echeverría

Sumário

Resumo 103

1. Introdução: um País Exausto 103

2. O Programa de Estabilização e suas


Etapas: 1990 — 1992 107

3. Dolarização e Política Econômica 123

4. Uma Análise em 1996 125

Referências Bibliográficas 131


RELATO SOBRE UMA FLUTUAÇÃO “ SUJA” COM DOLARIZAÇÃO: O PERU ENTRE 1990 E 1992

Resumo

mais recente ajuste estabilizador peruano caracterizou-se por enormes e rapidíssimas mu-

O danças nos preços relativos durante o período inicial, e também pela natureza híbrida da
política econômica. O processo de flutuação “suja” que o particulariza ocorreu em um mer-
cado dolarizado, onde existia plena liberdade para os fluxos interno e externo de capitais. A
elevação dos preços públicos foi o mecanismo escolhido para lograr os superávits primários fiscais.
Esse artigo analisa o período mais atribulado do programa. Utilizando-se esse esquema foi possível
reduzir a inflação mensal a índices próximos a 2% e 3%. Neste trabalho passamos em revista os dife-
rentes momentos de alternância entre âncoras monetárias e cambiais, bem como seus efeitos antiinfla-
cionários.

1. Introdução: um País Exausto

As variações incrivelmente rápidas e drásticas ocorridas nos preços relativos em agosto de 1990
pressupõem a existência de condições prévias especiais. Obviamente, as altíssimas taxas de inflação
registradas no decorrer dos anos anteriores facilitaram a aceitação do programa de estabilização que se
iniciou no referido mês. Contudo, não foi apenas a inflação elevada (antes do ajuste) o que nos per-
mitirá a compreensão do ocorrido.

O novo governo encontrou uma sociedade exausta. A crise econômica peruana é, com toda certe-
za, a mais antiga e provavelmente a mais profunda da América Latina. Em 1989, período imediata-
mente anterior ao que vamos analisar neste trabalho, o Produto Interno Bruto (PIB) apresentava um
nível real menor do que o de 1979. O produto per capita tinha caído 24,4% desde 1981, chegando a
um patamar inferior ao de 1962 [INEI (1992, v. II, p. 32)]. O salário real no setor privado de Lima
equivalia a 36,5% do de 1974 [Webb e Baca (1990, p. 718)] e era mais baixo do que o de 1957,
quando começaram as estatísticas sobre essa variável.

A destruição da administração pública já vinha ocorrendo desde a década de 70, com cifras que
beiravam o inverossímil. Após a primeira crise do petróleo, teve início um processo que foi apenas
prolongado e aprofundado pela crise da dívida no começo da década de 80. Antes dessa crise, entre
1973 e dezembro de 1980, as remunerações reais no governo geral haviam sofrido uma queda de 36%
[INE (1981, p. 35)]. Desde janeiro de 1981 até o último mês do governo de Garcia, ou seja, julho de
1990, elas caíram 82,7% [INEI (1992, v. I, p. 584)].

A autoridade econômica do Estado havia chegado à sua mínima expressão. A pressão tributária
média, em 1989, chegou a 6,5% do PIB, mesmo nível em que se encontravam vários dos países mais
pobres do sub-Sahara africano; em julho de 1990, essa cifra atingiu 4,3% do PIB [Seminário (1995, p.
23)]. Essa anemia pública não foi exclusivamente resultado das altíssimas taxas de inflação de
1988—1989. Já em 1987, antes da última grande crise (ver tabela 1), a pressão tributária havia alcan-
çado 8,8% do PIB. A dolarização dos depósitos representava 62,6% no último mês do governo anteri-

103
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

or, e o Banco Central de Reserva do Peru (BCRP) perdeu o controle sobre a atividade financeira e pro-
dutiva do país.

A autoridade moral pública também estava destruída. Em 1990, o gasto social (educação, saúde,
habitação e emprego) per capita era equivalente a 34,4% do realizado em 1980 [Figueroa, Altamirano
e Sulmont (1996, p. 75)]. A remuneração mínima real, em Lima, era de 6,6% do nível existente em
1974 [INEI (1992, vol. I, p. 634-5)]. No plano político, há uma década esse Estado já vinha perdendo
terreno em um conflito armado com o grupo terrorista de filiação ideológica maoísta — Sendero
Luminoso —, o qual patrocinava uma escalada de terror sem limites, inclusive na capital. A segurança
pública era uma reivindicação tão importante para a sociedade quanto a estabilidade econômica.

A crise do Estado e o fracasso dos partidos mais importantes em reverter essa situação contribuí-
ram para uma maior perda de prestígio e credibilidade dos partidos políticos na América Latina [Tu-
esta (1994)]. Além disso, a desmonetização (ver gráfico 1) e a falta de liquidez do setor privado alcançaram
patamares até então desconhecidos.

104
RELATO SOBRE UMA FLUTUAÇÃO “ SUJA” COM DOLARIZAÇÃO: O PERU ENTRE 1990 E 1992

TABELA 1
Peru — PIB per Capita 1970—1995

PIB per Capita Inflação


Ano Milhões Novos S$ 1979 Var. Percent. (Porcentagem)
1970 190,9 – 5,6
1971 193,4 1,31 7,6
1972 193,4 0,00 4,3
1973 198,2 2,48 13,8
1974 210,6 6,26 19,2
1975 211,9 0,62 24,0
1976 210,3 -0,76 44,7
1977 205,5 -2,28 32,4
1978 200,7 -2,34 73,7
1979 206,9 3,09 66,7
1980 211,9 2,42 60,8
1981 217,2 2,50 72,7
1982 210,7 -2,99 72,9
1983 181,2 -14,00 125,1
1984 186,1 2,70 111,5
1985 187,2 0,59 158,3
1986 201,5 7,64 62,9
1987 213,9 6,15 114,5
1988 191,2 -10,61 1 722,3
1989 165,6 -13,39 2 775,3
1990 156,3 -5,62 7 649,6
1991 158,0 1,09 139,2
1992 152,5 -3,48 56,7
1993 159,4 4,52 39,5
1994 177,3 11,23 15,4
1995 186,5 5,19 10,2
Fonte: BCRP.

105
50,000 50,000
45,000 45,000
40,000 40,000
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO
35,000 35,000
30,000 30,000
25,000 25,000
20,000 20,000
15,000 15,000
10,000 10,000GRÁFICO 1
5,000 Estrutura Percentual
5,000 da Liquidez do Sistema Bancário
0,000 0,000
59

62

65

68

71

74

77

80

83

86

89

92

95
Anos Liquidez em M/n
100 Liquidez Total

80
(Porcentagem)

60
M/e

40 M/n

20

0
59

62

65

68

71

74

77

80

83

86

89

92

95
Anos

Fonte: Banco Central de Reserva do Peru (BCRP).

GRÁFICO 2
Liquidez Real do Sistema Bancário

(Em milhões de novos soles de dezembro de 1995)

Fonte: Banco Central de Reserva do Peru (BCRP).

106
RELATO SOBRE UMA FLUTUAÇÃO “ SUJA” COM DOLARIZAÇÃO: O PERU ENTRE 1990 E 1992

A poupança financeira passou de 11,5% do PIB, em 1985, para 3,4%, em 1990. No caso da pou-
pança em moeda nacional, os valores correspondentes foram: 4,1% e 1,4%. O dinheiro, em 1990,
equivalia a 1,8% do PIB. A liquidez total foi de 21,0% em 1975, para 15,6% em 1985, e 5,2% em
1990 [Velarde (1995, p.12)] (gráfico 2).

É claro que, por detrás desses números, está a inflação, embora não isolada; era imensa e quase
não havia defesas para enfrentar seus efeitos. As taxas anuais de inflação e alguns de seus efeitos
durante os últimos quinze anos são apresentados na tabela 1.

Sob esse ângulo, o ajuste de 1990 foi implementado no âmbito de uma sociedade exausta, devido
à sua prolongada luta pela sobrevivência e de um sistema econômico (público e privado) que parecia à
beira da extinção. A hiperinflação e o desabastecimento de bens nas semanas anteriores ao choque de
8 de agosto foram de tal magnitude que o pesado custo imediato do ajuste de 1990 sobre os cidadãos
foi considerado por estes não só como imprescindível, mas recebido até com certo alívio. Nas próxi-
mas páginas relataremos o ocorrido nos primeiros anos do ajuste estabilizador levado a cabo na men-
cionada data, poucos dias após a mudança de governo (28 de julho).1

2. O Programa de Estabilização e suas Etapas:


1990—1992

2.1 Decisões e Medidas Fundamentais

Em agosto de 1990, o principal dilema enfrentado pela equipe econômica era escolher entre um
programa estabilizador baseado em uma forte desvalorização (com posterior congelamento do câm-
bio) ou outro, sustentado em uma restrição monetária com flutuação cambial. Optou-se pela segunda
alternativa, opção pouco comum na América Latina dos anos 90. Em ambos os casos, a extraordinária
fraqueza do Estado para cumprir seus compromissos internos e externos obrigava que fosse efetuada
uma importante elevação de preços dos serviços públicos e uma eliminação dos subsídios.2

1 No anexo estatístico apresentamos não só uma série de variáveis mencionadas no texto, como também outras
que podem servir para que o leitor se dedique a outras leituras sobre a evolução da economia durante esses
anos.
2 A proposta de desvalorização vinha do grupo político derrotado nas eleições, a Frente Democrática (FREDEMO),
liderada por Mario Vargas Llosa. A decisão final foi muito influenciada pelo Banco Mundial. Fundamentalmen-
te, várias das medidas recomendadas haviam sido sugeridas e publicadas durante os anos finais do governo an-
terior, como é o caso das medidas cambiais, monetárias e salariais. Por exemplo, um relatório publicado em
1989 contém a seguinte afirmação: “...a inflação deveria estar ancorada na quantidade de dinheiro, nos salários,
nos preços e tarifas do setor público, mas não na taxa de câmbio...A falta de disponibilidade de reservas elimina
a taxa de câmbio como âncora efetiva e aumenta a importância do ajuste fiscal e monetário e da contenção sala-
rial” [Banco Mundial (1989, p. 105)].

107
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

O projeto do programa estabilizador revelou uma firme tentativa de reconstituir rapidamente as


receitas fiscais e, dessa forma, fortalecer o Estado e reduzir a pressão pública do governo sobre o
Banco Central de Reserva do Peru. As medidas escolhidas para aumentar as referidas receitas foram a
elevação de preços absolutos e relativos dos serviços públicos e a eliminação de subsídios para os
preços controlados. A gasolina comum, com 84 de octanagem, aumentou 31 vezes, passando de
0,0215 novos soles por galão para 0,675.3 No geral, a rubrica alimentos e bebidas subiu 446%. Os
produtos medicinais ficaram 1 385% mais caros. Uma semana depois, no dia 16 de agosto, foram
oficializados os novos preços dos transportes públicos, chamadas telefônicas, correios e energia elétri-
ca. A criação de uma taxa de 134% sobre os combustíveis derivados de petróleo e a elevação do Im-
posto Geral sobre Vendas (IGV) de 10% para 14% e 18% (para vendas no atacado e no varejo, respec-
tivamente) contribuíram, juntamente com outras medidas tributárias, para a subida dos preços e o
equilíbrio fiscal [Seminário (1995, p. 36-45)]. Em agosto, o índice médio geral ao consumidor subiu
397%.

Desde os primeiros momentos do ajuste, foi eliminado o sistema de câmbio múltiplo e criado o
regime de flutuação cambial. A emissão somente seria efetuada mediante a compra de divisas; foi
estabelecida uma programação com base em metas pontuais [Suárez (1994)].4 De acordo com essa
orientação básica da política econômica, o BCRP não financiaria o setor público e o Tesouro não gasta-
ria mais do que arrecadasse. A expansão da base monetária ocorreria a taxas cada vez menores.

Para surpresa do governo, a taxa de câmbio permaneceu inalterada em 0,33 soles/dólar no dia se-
guinte ao anúncio da flutuação e, no segundo dia, chegou a cair nominalmente para 0,29S/US$. Por
alguma razão, o governo esperava uma desvalorização adicional que colocasse a taxa em 0,45S/$. Não
restam dúvidas de que as características do ajuste não foram exatamente aquelas previstas pelos
agentes econômicos. Além disso, as conseqüências iniciais também não lograram tranquilizar o go-
verno. A razão da enorme defasagem cambial pode ser explicada pelo grande acúmulo de dólares
antes do choque e pela escassez de moeda nacional devido à elevação de preços — liderada princi-
palmente pelos preços públicos. A entrada no mercado de grande volume de dólares — até então
guardados pela população como precaução — foi também muito rápida para poder cobrir a falta de
liquidez da moeda nacional provocada pelas medidas.5 Essa reação foi muito mais importante do que
a liquidação de inventários (também esperada pelo governo).

3 Utilizaremos, unicamente, o novo sol como moeda e o denominaremos sol por ser a maneira mais comum de
fazê-lo. Na verdade, um novo sol correspondia a um milhão de intis, que era a moeda anterior.
4 A origem dessa expansão foi, fundamentalmente, a compra de divisas no mercado. De fato, em 1991, essa
compra de divisas representou 84% da expansão da emissão; em 1992, chegou a 96%.
5 O antecedente mais próximo e nítido, embora em uma escala ínfima, desse processo de revalorização a curto
prazo foi o ocorrido no primeiro semestre desse ano, quando registrou-se uma relação bastante estreita entre as
mudanças na emissão monetária e a desvalorização no mercado livre. A tendência entre ambas as variações é
semelhante e, com certa defasagem, as flutuações também o são. Poucas semanas após uma redução ou eleva-

108
RELATO SOBRE UMA FLUTUAÇÃO “ SUJA” COM DOLARIZAÇÃO: O PERU ENTRE 1990 E 1992

A política fiscal visava à auto-suficiência e, posteriormente, à geração de um superávit primário


que facilitasse a política de sustentação da taxa de câmbio e da dívida externa, sem frustrar os objeti-
vos monetários. Do ponto de vista de Fujimori, essa elevação das receitas públicas era imprescindível
para reconstruir o Estado e viabilizar seu recém-iniciado mandato. Uma grande desvalorização teria
transferido recursos para o setor privado e o governo teria que tentar recuperar esses recursos por
meio da arrecadação de impostos. Com o tarifaço, o dinheiro foi diretamente para o governo. Dessa
forma, ainda que possivelmente sem querer, o governo fortaleceu-se politicamente, ao mesmo tempo
em que obrigava o empresariado nacional, que havia apoiado o candidato rival e desconfiava do novo
presidente, a bater na porta pedindo ajuda [Iguíñiz (1990)].

A pressão social sobre os preços foi controlada com um aumento ínfimo das remunerações mais
importantes da massa salarial. Os salários reais caíram drasticamente. Passados apenas doze dias, ou
seja, no dia 20 de agosto, foram adotadas várias medidas para corrigir uma situação insustentável na
área salarial. Isso elevou o salário-mínimo vital de quatro para dezesseis novos soles. Os trabalhadores
do setor privado e governamental obtiveram uma compensação extraordinária de 100%. Ficou proibi-
do qualquer aumento para funcionários de empresas públicas até o final do ano, e só posteriormente
foi autorizado um de 100% para os trabalhadores públicos com níveis salariais muito baixos. Essa
severidade especial para com os salários baseou-se, aparentemente, na percepção de que o fracasso
dos programas de estabilização durante o governo de Garcia era decorrente, em grande medida, da
tentativa de não afetar o nível salarial real.6

O ajuste, em si, pode ser visto como a reversão instantânea do ajuste espontâneo proporcionado
por uma desvalorização acelerada da moeda nacional no mercado livre durante as duas semanas ante-
riores (ver gráfico 3). Ao invés de aproveitar a mencionada escalada da desvalorização, para comple-
tá-la com uma desvalorização que acrescentara lucros de competitividade aos já previamente amea-
lhados, o governo optou por um tarifaço e por uma flutuação no câmbio, o que contribuiu para uma
impressionante defasagem cambial. Tendo em vista essa evolução, a partir de uma política de flutua-
ção pura no momento do ajuste, passou-se a uma flutuação suja com metas monetárias e cambiais
adaptadas às circunstâncias; contudo, as primeiras dominaram [Dancuart (1994, p. 55-58)].7

ção do crescimento do dinheiro, ocorre algo semelhante com a taxa de câmbio [Iguíñiz, Basay e Rubio (1993, p.
204-5)].
6 Essa percepção era claramente falsa. Sua justificativa é apresentada em Lago (1991) e a crítica em Iguíñiz
(1991b).
7 Referindo-se aos últimos anos, Julio Velarde (membro da diretoria do Banco Central de Reserva do Peru du-
rante os primeiros anos do primeiro governo de Fujimori) e Martha Rodríguez assinalam que: “No Peru, via de
regra, não existiu uma âncora pura, seja monetária, seja cambial, com exceção de alguns curtos períodos. Ge-
ralmente, foi adotado um sistema híbrido no qual, embora na maior parte do período ora em estudo tenha-se es-
colhido o controle monetário, tentou-se evitar flutuações bruscas da taxa de câmbio” [Velarde e Rodríguez
(1996a, p. 15)].

109
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

GRÁFICO 3
Peru: Inflação, Desvalorização Livre e Emissão:
Jul.—Dez. 1990

(Variação percentual semanal)

Fonte: Tabela 2. BCRP.

Nas próximas seções, vamos relatar as diferentes etapas do processo de estabilização durante
seus dois primeiros anos, retirar algumas lições dessas experiências e analisar sua eficácia para baixar
a inflação e manter o nível de atividade e a taxa de câmbio real. Do ponto de vista macroeconômico,
as etapas eram justificadas segundo a ênfase que se colocava, ora nas metas cambiais, ora nas mone-
tárias, ao longo desses dois anos.

2.2 O Início da Flutuação Suja

A rigidez da flutuação durou apenas dois dias. No dia seguinte ao anúncio do choque, uma das
maiores preocupações foi o gigantesco salto dado pelos preços em dólares dos bens e serviços públi-
cos. Devido ao nível do câmbio, o valor em dólares de muitos preços subiu astronomicamente. Por
exemplo, o preço da gasolina de 84 octanas passou de US$ 0,07 para US$ 2,30 o galão; o quilo do
macarrão — elaborado com trigo importado — foi de US$ 0,06 para US$ 3,60. Os preços em dólares
eram de particular importância para a economia nacional (em decorrência da dolarização existente).
Nessas circunstâncias, o BCRP interveio e fixou tanto a taxa de câmbio quanto as tarifas dos serviços
públicos, levando em conta a realidade dos fatos. Assim, “a partir do dia 10 de agosto, o Banco Cen-
tral começou a intervir no mercado cambial a fim de desvalorizar o sol, levando gradualmente a taxa
de câmbio para a meta de 0,45 soles por dólar” [Velarde (1996a, p. 14)]. Tem início, portanto, a longa

110
RELATO SOBRE UMA FLUTUAÇÃO “ SUJA” COM DOLARIZAÇÃO: O PERU ENTRE 1990 E 1992

trajetória da flutuação suja [Illescas (1996)]. Mesmo assim, entre julho e agosto, a taxa de câmbio real
bilateral caiu 30,5% [Webb e Baca (1991, p. 984)]. Em 29 de agosto, em resposta às críticas provoca-
das pelos altíssimos preços em dólares e em soles, o governo interveio, ordenando uma redução nos
preços de vários combustíveis e no Imposto Seletivo sobre o Consumo de Energia Elétrica. A perple-
xidade e inatividade dos agentes econômicos fez com que os parâmetros indicados pelo governo se
tornassem critérios amplamente aceitos.

A partir de então, e devido inicialmente aos efeitos da própria política interna em um contexto de
dupla moeda, os objetivos cambiais do BCRP visaram evitar movimentos especulativos e reduzir a
revalorização cambial de forma compatível com a meta monetária (atendendo ao serviço da dívida
externa). A posterior entrada maciça de capitais prolongou o risco da revalorização e obrigou a ma-
nutenção de ambos os objetivos. Uma banda não divulgada foi utilizada pelo BCRP sempre que neces-
sário.8 Posteriormente, essa mesma banda foi usada para decidir movimentos monetários que provo-
cassem algum tipo de incerteza, a fim de desestimular, até certo ponto, a entrada de capitais de curto
prazo. Após ter atingido um altíssimo nível depois do ajuste de agosto (devido à queda da liquidez
real), a taxa de juros baixou rapidamente quando o BCRP entrou agressivamente no mercado para
comprar dólares (ver tabela 2).

Depois de assegurar as conquistas iniciais do programa, o BCRP estabeleceu como objetivo a re-
monetização. O mecanismo escolhido para impulsioná-la foi a redução dos encaixes em moeda nacio-
nal e a manutenção de altas taxas de encaixe para os depósitos em moeda estrangeira. De fato, as
taxas de encaixe em moeda nacional passaram de 30%, em fins de 1990, para 5% no final de 1991;
mais tarde chegaram a zero. Em decorrência disso, as taxas média e marginal situaram-se em cerca de
9%. A taxa de encaixe marginal em moeda estrangeira se manteve alta e situou-se em 45%.9 Não foi
possível conseguir a remonetização. De fato, a participação da liquidez em moeda estrangeira no
sistema bancário subiu de 47%, em fins de 1990, para 60% em 1991 e 65% em 1992 [BCRP (1996, p.
23)].

Na área de comércio exterior, em setembro foram simplificadas e reduzidas as tarifas para três
alíquotas: 15%, 25% e 50%. As restrições quantitativas, proibições e exonerações foram eliminadas.
A tarifa média passou de 66 para 32 [Seminário (1995, p. 122-125)].

8 “O programa monetário inclui um objetivo de taxa de câmbio média mensal definida dentro de uma banda, e as
operações do Banco Central têm como finalidade manter a taxa de câmbio dentro dos limites dessa banda” [Su-
árez (1994, p. 14)].
9 A política de redescontos, portanto, não teve grande importância. Hoje ela é, normalmente, de um dia de prazo
e a uma taxa mais alta do que os empréstimos interbancários.

111
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

TABELA 2
Peru: Inflação, Desvalorização Livre e Emissão
(Julho a Dezembro de 1990)

(Variação percentual semanal)

Inflação Desvalorização Livre Emissão

7-13 Jul. 11,5 -0,93 0,88


14-20 Jul. 12,4 1,80 19,7
21-27 Jul. 15,1 38,89 11,98
28-3 Ago. 27,6 40,00 3,01
4-10 Ago. 114,7 38,10 45,23
11-17 Ago. 130,5 13,79 34,86
18-24 Ago. -1,5 6,06 36,83
25-30 Ago. -2,0 4,29 33,84
1-7 Set. 0,5 13,70 22,27
8-14 Set. 1,2 6,02 17,46
15-21 Set. 0,5 0,00 13,91
22-28 Set. 20,0 0,00 10,7
29- 5 Out. 2,2 1,14 10,76
6-12 Out. 2,7 0,00 8,54
13-19 Out. 2,8 0,00 6,01
20-26 Out. 2,6 -1,35 4,45
27-2 Nov. 2,0 -0,32 2,09
3-9 Nov. 1,8 0,91 0,69
10-16 Nov. 1,0 -0,68 1,58
17-23 Nov. 1,6 -1,59 3,5
24-30 Nov. 0,9 1,39 -0,61
1-7 Dez. 1,6 15,10 -0,58
18-14 Dez. 2,0 6,06 -0,6
15-21 Dez. 13,6 0,90 0,6
22-28 Dez. 7,4 0,90 0,2
Fonte: BCRP.

112
RELATO SOBRE UMA FLUTUAÇÃO “ SUJA” COM DOLARIZAÇÃO: O PERU ENTRE 1990 E 1992

2.3 Os Resultados Sociais Iniciais

Tal como se previra, as remunerações caíram drasticamente. Nas empresas com negociações co-
letivas, os salários reais baixaram 51% de julho a agosto. Nas empresas em que não havia negocia-
ções coletivas, a queda correspondeu a 35%. No governo central, a diminuição foi de 48%. Em agos-
to, o salário-mínimo legal era 29% inferior ao do mês anterior. Em setembro, logrou-se uma recupera-
ção quase total. Após a paralisia inicial, a recuperação do poder aquisitivo foi rápida, embora parcial.
Somente os trabalhadores sindicalizados conseguiram recuperar sua renda, de maneira estável, dois
meses depois [Iguíñiz, Basay e Rubio (1993, p. 222)].

A queda no nível de bem-estar foi grande. A cesta básica custava, antes do ajuste, 5,5 remunera-
ções mínimas; depois, passou a 8. Entre junho—julho e novembro, quando foram feitas várias pes-
quisas em bairros pobres de Lima, foi constatado que o número de doentes subira 20,6%, mas o gasto
com consultas médicas caíra 4,2% (com remédios, 50,7%). Dados semelhantes foram registrados na
população de classe média.10

Os efeitos iniciais do programa sobre o nível de atividade foram drásticos [Iguíñiz, Basay e Rubio
(1993, p. 218-228)], pois, em agosto, a produção diminuiu 13% em relação ao mês anterior. O setor
manufatureiro sofreu uma redução de 18% em agosto e outro tanto em setembro. O emprego fabril
nas empresas com mais de cem trabalhadores apresentou queda de 0,8% em agosto e de 2,8% em
setembro.

No setor fiscal, as receitas correntes reais caíram 34% em agosto, mas cresceram 111% em setembro.
O déficit fiscal passou de 8,7%, em julho, para 5,3% em agosto e 0,6% em setembro. A recuperação de
reservas foi rápida. As Reservas Internacionais Líquidas passaram de US$105 milhões em julho para
US$ 142 milhões em agosto, e US$427 milhões em
setembro.

Porém, a trajetória positiva chegou, rapidamente, a seus limites fiscais e cambiais. O déficit fiscal
aumentou em outubro para 1,7% do PIB, diminuiu em novembro para 0,7% e voltou a subir em de-
zembro, dessa vez para 2,2%. Diante de semelhante evolução fiscal, o governo considerou conveni-
ente dar um último empurrão nas receitas fiscais, a fim de assegurar a futura queda da inflação. Para
tanto, elevou o preço da gasolina. Tal como acontecera em maior escala em agosto, depois de um
novo surto inflacionário houve uma revalorização nominal que contribuiu para a redução da inflação.
Além disso, justamente após ter anunciado (para surpresa dos próprios credores) que seriam reinicia-
dos os pagamentos da dívida externa, as reservas internacionais deixaram de crescer e, em dezembro,
começaram a cair.

10 Como assinalou Dionisio Dias Carneiro em seu comentário sobre esta palestra, a mudança de preços relativos
pode ser explicada pela importância da dolarização da economia.

113
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

No último mês do ano, a inflação mensal subiu de 5,9% para 23,7% (ver gráfico 3). O pagamento
da dívida externa, que buscava demonstrar a boa vontade do governo, foi iniciado sem nenhuma
coordenação com os credores multilaterais e colocou em risco o programa. De fato, o ajuste de agosto
e as medidas posteriores de reforço (1990) foram implementados sem nenhum apoio por parte dos
organismos internacionais.11 Conseqüentemente, com a nova queda na liquidez real da moeda nacio-
nal, a taxa de juros (também em moeda nacional) voltou a subir.

2.4 A Reforma Institucional e a Falta de Estabilidade


Macroeconômica: Janeiro—Junho de 1991

Durante o primeiro semestre de 1991, a principal característica da gestão econômica foi a ênfase
na reforma institucional. Nas três primeiras semanas, a equipe do novo ministro de Economia e Fi-
nanças, Carlos Boloña, composta por dez pessoas, elaborou 61 disposições legais reformando áreas
críticas do processo econômico [Boloña (1996, p. 213)]. No Congresso, os partidários do presidente
Fujimori eram minoria: 17% dos deputados e 27% dos senadores. Mesmo assim, graças à facção
liberal dominante da FREDEMO, o Executivo não encontrou dificuldades para levar avante as reformas
econômicas.12

Na realidade, o Congresso delegou poderes legislativos a Fujimori, que decretou 23 leis referen-
tes ao comércio internacional, oito relativas ao mercado de câmbio, três ao mercado financeiro, qua-
torze ao fiscal, cinco relacionadas às empresas públicas e oito ao mercado de trabalho [Boloña (1996,
p. 186)]. A redução tarifária e a eliminação de barreiras paratarifárias, bem como a liberalização dos
mercados financeiro e de trabalho, foram as medidas mais importantes para a gestão macroeconômi-
ca. Com a liberalização, a taxa de juros em moeda estrangeira subiu, e a concorrência entre os bancos
(para captar depósitos) elevou as taxas passivas e ativas.

Por outro lado, desde março de 1991, os exportadores não eram mais obrigados a depositar no
BCRP as divisas obtidas com suas exportações. A reforma financeira incluiu, também, a livre posse de
moedas estrangeiras, os bancos múltiplos, uma central de riscos e um Fundo de Seguros de Depósitos
para Pessoas Físicas [Velarde e Rodríguez (1996b, p. 35)].

11 “A partir de 16 de outubro de 1990, o governo inicia o pagamento da dívida externa com o Banco Mundial e o
Banco Interamericano de Desenvolvimento, cujos diretores se mostraram, na verdade, surpresos diante dessa
decisão do governo, pois ia muito além do esperado... A boa vontade do governo, entretanto, não foi correspon-
dida, visto que os recursos dos organismos não chegaram com a rapidez que se esperava no Ministério de Eco-
nomia e Finanças (MEF) ... Esse gasto não orçado, bem como uma situação ainda precária, colocaram o MEF em
apuros. Este se viu obrigado a obter recursos por meio de um considerável aumento dos combustíveis e das ta-
rifas públicas” [Velarde (1992, p. 13)].
12 A FREDEMO contava com 35% da Câmara de Deputados e 33% do Senado. Juntamente com o partido do gover-
no, Cambio 90, e o FIM, somavam 56% dos deputados e também dos senadores. O Partido Aprista Peruano, a
Esquerda Unida e a Esquerda Socialista somavam 40% dos deputados e 42% dos senadores [Tuesta (1994, p.
65)]. Para uma visão mais dramática do conflito político durante esse período, ver Boloña (1996, p. 247-8).

114
RELATO SOBRE UMA FLUTUAÇÃO “ SUJA” COM DOLARIZAÇÃO: O PERU ENTRE 1990 E 1992

Dessa maneira, contra o que se considerava uma prática razoável, a abertura ao comércio exterior
não foi feita após a flexibilização do mercado interno de bens e fatores e, menos ainda, depois de se
comprovar a potencialidade competitiva dos setores envolvidos. A defasagem cambial e a abertura
aconteceram praticamente em uníssono. Enquanto as recomendações internacionais sugeriam que a
liberalização do mercado de capitais deveria ser efetuada após a do comércio exterior (a fim de evitar
uma revalorização cambial excessiva e o conseqüente sacrifício desnecessário dos setores envolvidos),
o governo misturou as duas.

O novo ministro superou todas as expectativas dos organismos internacionais, como o Banco In-
teramericano de Desenvolvimento (BID), e atendeu a todas as exigências apresentadas por essa insti-
tuição para permitir que o Peru participasse de um programa de acumulação de direitos, projetado
para facilitar a eliminação dos atrasos no pagamento da dívida aos organismos internacionais.

Essas reformas serviram de base para que se estabelecesse, pela primeira vez, um relacionamento
fluido entre Fujimori e os empresários (também entre o presidente os organismos multilaterais). O
novo ministro de Economia e Finanças parecia partir do princípio de que a liberalização era condição
fundamental na luta contra a inflação.13

Na área propriamente macroeconômica, em dezembro, após a desvalorização e o aumento do preço


da gasolina, o BCRP reduziu seu volume de compra de divisas e, conseqüentemente, a emissão primária.
O retorno a uma política monetária restritiva não pôde durar muito, uma vez que o efeito imediato foi a
queda das reservas. A compra de dólares por parte do BCRP havia sido quase nula, ou seja, de US$ 0,7
milhão em dezembro, e a taxa de câmbio real caiu 14,9% em janeiro. Isso fez com que aumentasse a
compra de dólares, que somou US$ 25,1 milhões em janeiro, US$ 94,7 milhões em fevereiro e os im-
pressionantes valores de US$109,7 e 104,9 milhões em março e abril, respectivamente. As reservas reini-
ciaram um crescimento ininterrupto; a taxa de câmbio real primeiramente diminuiu o ritmo de sua queda
e depois recuperou-se levemente. Obviamente, o crescimento da oferta monetária voltou a apresentar
sinais de aceleração em fevereiro e março.

A esses acontecimentos somou-se uma crise cambial em abril e maio, quando a desvalorização
alcançou 12,5% e 16,2%, respectivamente. O objetivo de sustentar a taxa de câmbio real não era a
meta central e, diante do perigo de um novo surto inflacionário, a resposta do BCRP foi reduzir uma
vez mais a compra de dólares. Em maio, ocorreu a primeira venda de dólares. Aparentemente, não era
nada fácil comprar dólares para acumular reservas e pagar a dívida externa e, simultaneamente, man-
ter uma política monetária muito rígida. Nesse período, o governo conseguiu baixar a inflação, que
em janeiro era de 17,8%, para 5,8% mensais em abril. Entretanto, em junho, esta voltou a aumentar

13 Julio Velarde, diretor do BCRP, assinalava naquela época que: “Entretanto, parece que esse programa esperava
resolver o problema inflacionário somente liberalizando a economia. A prova disso foi o esquema de emissão er-
rática até julho de 1991, devido a indecisões na gestão da taxa de câmbio e na política de preços públicos”
[Velarde (1992, p. 1)].

115
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

para 9,3%. Por esse motivo, o objetivo antiinflacionário passou a ter precedência sobre as preocupa-
ções cambiais e de acumulação de reservas.

2.5 Deflação com Forte Defasagem Cambial

Entre julho de 1991 e março de 1992, voltou a ocorrer, embora de maneira muito mais gradual do
que em agosto do ano anterior, uma elevação dos preços públicos acima da inflação e do controle de
salários nominais. As dificuldades de liquidez em moeda nacional provocaram os mesmos efeitos já
observados no início do programa e em dezembro de 1990. Dessa maneira, logrou-se uma substancial
redução da inflação. Os dados indicam 9,1% em julho e 3,5% em janeiro do ano seguinte. A taxa de
câmbio real atingiu seu nível mais baixo em março (ver gráfico 4).

GRÁFICO 4
Peru: Taxa de Câmbio Real Multilateral

(Jul.90—Dez.95)

Fonte: BCRP.

Contudo, em termos gerais, confirmou-se a estrutura antinegociável dos preços relativos, obtida
até aquele momento.14

14 Em fins de janeiro, o ministro Boloña, após participar de uma reunião no Banco Mundial que contou com a
presença do ministro Cavallo, confirmou o curso de ação adotado: “A conclusão foi clara: as condições para
aplicar o Plano Cavallo no Peru pressupunham a solução do problema fiscal e grandes quantidades de reservas
internacionais” [Boloña (1993, p. 97)].

116
RELATO SOBRE UMA FLUTUAÇÃO “ SUJA” COM DOLARIZAÇÃO: O PERU ENTRE 1990 E 1992

Na primeira metade desse período de nove meses, observou-se uma elevação dos preços públicos,
inclusive do da gasolina, acima do nível da inflação. A taxa de câmbio real caiu 30% de junho a mar-
ço, apesar de terem ocorrido duas desvalorizações de 16,4% e 10,8% em outubro e novembro. O
déficit da balança em conta corrente aumentou consideravelmente, tal como as reservas internacio-
nais. A emissão seguiu bem de perto a inflação. Os salários reais permaneceram no mesmo nível do
final do período anterior.

Esse período começou a chegar a seu fim em fevereiro de 1992 (quando a inflação mensal au-
mentou para 4,7%), e realmente terminou em março, quando um choque tributário extremamente
impopular contribuiu para o crescimento da taxa de inflação mensal (a qual chegou a 7,4%). Nova-
mente, uma dificuldade fiscal reverteu, ainda que momentaneamente, o avanço antiinflacionário. A
crescente resistência econômica ao programa de estabilização foi neutralizada por um acontecimento
político mais importante: o popularíssimo autogolpe de abril.

2.6 Baixar a Inflação Melhorando a Competitividade:


Abril—Setembro de 1992

Nosso período final de análise cobre os meses de abril e setembro/outubro de 1992, durante os
quais outra etapa econômica foi levada a cabo. O acontecimento político que marcou o início do refe-
rido período foi, como já dissemos, o autogolpe do presidente Fujimori, e o que veio assinalar o seu
final foi a captura de Abimael Guzmán, líder máximo do Sendero Luminoso.15

Com a ajuda de uma pequena crise externa provocada pelo autogolpe, no transcurso desses meses
foram alcançados, simultaneamente, os objetivos macroeconômicos mais esperados: a redução da
inflação de 7,4% em março para 2,6% em setembro, e a elevação da taxa de câmbio real em 30,9%,
entre abril e novembro. Mesmo assim, durante esse último mês a taxa de câmbio real chegou a um
nível equivalente a 45,3% do de julho de 1990 e a 87,9% do existente após a grande revalorização do
primeiro mês de ajuste, ou seja, de agosto daquele ano. Além disso, depois da redução momentânea
das reservas em abril, em decorrência do autogolpe, estas voltaram a crescer até alcançar, em setem-
bro, um nível 30,5% superior ao de março.

O custo de tanto êxito e o meio para lográ-lo foi uma recessão ainda mais profunda do que a já
existente. O PIB caiu 2,8%. Uma crise financeira também se abateu sobre o país; para enfrentá-la foi
necessário intervir em quatorze instituições financeiras [Webb e Baca (1996, p. 920)] de médio porte
e prestar apoio àquelas mais sólidas. O déficit na conta corrente manteve os altos índices alcançados
em fins de 1991.

15 Ao contrário do que foi dito várias vezes, o golpe teve sua principal razão de ser na dificuldade enfrentada por
Fujimori para lograr a aprovação ou a delegação de poderes legislativos no campo de suas relações com as For-
ças
Armadas.

117
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

O processo recessivo pode ser explicado pelas políticas fiscal e salarial, e pelas condições climá-
ticas do país (tabela 3).16 No que se refere à área fiscal, as medidas tributárias de março geraram um
importante superávit fiscal no mês seguinte. A acumulação de receitas provenientes do Fundo Nacio-
nal de Habitação (FONAVI) mais a arrecadação tributária e as privatizações contribuíram para um su-
perávit de US$400 milhões em junho daquele ano [Boloña (1996, p. 221)].17

Outros fatores também ajudam a explicar os interessantes resultados inflacionários e cambiais


obtidos, dentre eles a redução de 13,1% do salário real entre março e outubro, a estabilização do preço
real da gasolina e a queda dos preços agrícolas. Entretanto, as taxas de juros reais para depósitos e
colocações em moeda estrangeira atuaram em direção contrária, passando de negativas (até março)
para positivas (a partir de abril). A reversão da defasagem cambial teve esse efeito imediato ao afetar
as transações financeiras em dólares.

O governo enfrentou a reação empresarial e social a essa deterioração com a ajuda da popularida-
de alcançada com o autogolpe. Por sua vez, o impacto internacional negativo referente à ruptura ins-
titucional foi de curta duração. As reservas, tanto do BCRP quanto do sistema bancário, caíram uma
única vez em abril; em maio e junho haviam recuperado o nível anterior ao autogolpe. A causa imedi-
ata dessa queda momentânea foi a redução dos depósitos em moeda estrangeira no sistema bancário
(foram necessários seis meses para recuperar o nível anterior à crise institucional). Estes foram os
efeitos mais diretos da referida crise e mostram, entre outras coisas, o ambiente internacional excep-
cionalmente favorável e o escasso valor dado pelas finanças internacionais à democracia.

Devido à crescente defasagem cambial após o primeiro trimestre de 1992, o objetivo do governo
foi elevar o máximo possível a taxa de câmbio, conforme os critérios da política de taxa de câmbio
flutuante e de restrição monetária que haviam sido impostos. A compra de dólares por parte do BCRP

subiu de US$ 52 milhões no primeiro trimestre para US$ 131 milhões no segundo. Desde meados de
1992, foram estabelecidos graus de expansão monetária, sempre buscando trajetórias descendentes.18
De fato, por todas as razões indicadas, durante esses meses a desvalorização foi superior à inflação.
Os efeitos do golpe e da crise econômica em curso ajudaram a política de desvalorização a cumprir
seu objetivo. Outro fator importante foi o aumento da demanda interna por dólares depois da desvalo-
rização de 7,33% e 11,22% em abril e maio, respectivamente.

Como indicamos anteriormente, o período que analisamos acaba no último trimestre do ano de
1992. A partir de agosto, ao se constatar a gravidade da recessão, o governo iniciou uma política de

16 De fato, a queda mais rápida, em 1992, aconteceu nas atividades com limitações pelo lado da oferta.
17 Em 1992, foram vendidas dez empresas por um valor de aproximadamente US$ 250 milhões [Boloña (1996, p.
252)].
18 Durante o período que analisamos não se recorreu a operações de mercado aberto. Desde 1993, colocam-se “Certifi-
cados BCRP” com um mês de prazo, por meio de leilões. O Banco escolhe, quer o volume de soles a serem esteriliza-
dos, quer a taxa de juros máxima. Esta última constitui, na verdade, uma referência para o mercado financeiro. Em
meados de 1994, o saldo de certificados constituía 12% do saldo da emissão primária [Suárez (1994, p. 16)].

118
RELATO SOBRE UMA FLUTUAÇÃO “ SUJA” COM DOLARIZAÇÃO: O PERU ENTRE 1990 E 1992

recuperação da atividade econômica. Cresceu o gasto público e aumentaram os recursos para a luta
contra a pobreza e o terrorismo. Um conjunto de medidas tributárias complementou a mudança de
prioridades na política [Boloña (1996, p. 221)].

3. Dolarização e Política Econômica

A trajetória que acabamos de descrever nas páginas anteriores revela os distintos graus de eficá-
cia antiinflacionária imediata, decorrentes de diferentes combinações de circunstâncias e medidas
macroeconômicas. Muitas vezes, porém, a relação causa—efeito não é fácil de ser percebida. Por
exemplo, ainda discute-se quais os fatores que tiveram o mérito de reduzir tão rapidamente a inflação
imediatamente após o choque de agosto. Foi suficiente secar a liquidez real e paralisar a demanda
para disciplinar os agentes econômicos?

Talvez nos primeiros dias. A flutuação suja...era mais suja do que flutuação? E, sendo assim,
funcionou a meta cambial e de preços públicos para coordenar a redução da inflação? E, no que se
refere à última etapa de nossa avaliação, quão decisiva foi a curta saída de capitais (como conseqüên-
cia do autogolpe) para lograr a grande elevação da taxa de câmbio real entre abril e setembro de 1992?
De qualquer maneira, as dificuldades fiscais encontradas pelo caminho foram respondidas com eleva-
ções bruscas de preços públicos, as quais resultaram em uma trajetória flutuante e descendente da
inflação.19 A constante mudança entre objetivos monetários e cambiais pode ter colaborado para
suavizar as flutuações cambiais decorrentes de circunstâncias externas e, em certa medida, da própria
política econômica.

A compreensão do papel desempenhado pela política econômica nesse processo é também maté-
ria de debate nacional. Um mecanismo relativamente palpável, que contribui para explicar esse resul-
tado, pode ser o âmbito institucional no qual opera a economia peruana durante esses anos. Trata-se,
como já assinalamos várias vezes, de uma economia com uma taxa de câmbio oficialmente flutuante
— embora a sujeira seja de tal ordem que períodos inteiros sugerem o domínio de metas cambiais —,
com plena liberdade de capitais e na qual o crédito bancário é outorgado principalmente em dólares;
contudo, as transações comuns são efetuadas majoritariamente em moeda nacional.

Nesse contexto, por exemplo, a existência de uma certa relação entre a brusca expansão dos pre-
ços públicos — reforçada, para maior segurança, pelo controle de salários — e, por outro lado, a
evolução da taxa de câmbio real, pode ser explicada de várias maneiras. Um dos elementos é, obvia-
mente, a entrada de capitais. Mas esse fator importante em geral não é suficiente para as análises
nacionais. Precisa-se, além disso, de uma explicação sobre as razões pelas quais os agentes econômi-
cos desejam adquirir a moeda nacional com os citados dólares. Para tanto, parece ser necessária uma
outra variante, até certo ponto complementar, que dê ênfase à política monetária e de preços públicos
internos. O fato de que gastos operacionais das empresas, o pagamento de folhas salariais públicas e

19 Pode-se ver um modelo dessa trajetória com base nas expectativas de adaptação em Mendoza (1995).

119
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

privadas e as transações comerciais de pequeno porte sejam efetuados em soles exige, até mesmo por
razões físicas, que essa transformação ocorra cada vez que é alterada a relação entre as ofertas de
soles e dólares, independentemente das preferências existentes naquele momento [Dancourt e Mendo-
za (1996a, p. 18)]. Por outro lado, o recente trauma hiperinflacionário, a expectativa de desvalorização
e a instável trajetória da taxa de câmbio no passado contribuíram para aprofundar o processo de dola-
rização [McNellis e Rojas-Suarez (1996)]. Esse processo aconteceu apesar de a rentabilidade ter
estado muitas vezes a favor da moeda nacional. A reforma institucional, quer a que liberava as transa-
ções em dólares e facilitava o câmbio de moedas, quer a que o impedia (ver gráfico 2) — como a de
1985 — contribuíram consideravelmente para o processo.

Obviamente, a defasagem da taxa de câmbio também ajudou a redução da inflação nacional. Não
restam dúvidas de que a conexão entre restrição monetária e inflação é muito mais complexa do que a
que poderia ser feita por meio de uma hipótese monetarista simples. Acreditamos, além disso, que é
vantajoso introduzir uma variável como a taxa de câmbio na descrição das diversas situações inflacio-
nárias pelas quais passou a economia peruana recentemente.

Uma conseqüência decorrente desse enfoque é o fato de que, como a restrição monetária se tra-
duz em defasagem cambial, um dos resultados da luta antiinflacionária é o barateamento do crédito
em dólares, dominante no Peru. De fato, uma taxa de juros que represente uma média ponderada do
crédito em moeda nacional e estrangeira proporcionará uma relação positiva entre a evolução da
quantidade de dinheiro nacional e a taxa de juros relevante para determinar o nível de atividade eco-
nômica. Essa relação nos ajuda a explicar o crescimento econômico registrado após 1993.

Esse estranho barateamento do crédito (quando se restringe a emissão) nos ajuda a entender,
também, a relação positiva existente entre a referida restrição e o déficit comercial e em conta cor-
rente. Além do efeito que o eventual crescimento da economia possa causar, a política monetária no
Peru — ao operar em um sistema bancário dolarizado, com livre movimentação de capitais e taxa de
câmbio flexível — parece ter contribuído diretamente para o crescimento do citado déficit ou, pelo
menos, para o desaparecimento de sua resistência em um processo de desaceleração econômica, espe-
cialmente como o que se registrou em 1995—1996. “Esta política monetária restritiva, apesar de
elevar a taxa de juros em soles, poderá piorar a balança comercial por meio de três canais. O primeiro
é o clássico, o da competitividade, uma vez que a política faz a taxa de câmbio cair. O segundo canal
importante em uma economia dolarizada é o fato de que a queda da taxa de câmbio pode baratear o
custo real do crédito e, portanto, elevar o gasto agregado. Finalmente, a elevação da taxa de juros em
soles induz os bancos peruanos a obterem fundos no exterior, o que provoca um aumento do volume
total de crédito, estimulando, também, as importações” [Dancourt e Mendoza (1996a, p. 37)]. Além
disso, embora os depósitos em dólares efetuados no Peru estejam sujeitos a encaixes de 45%, os
empréstimos dos bancos privados no exterior não estão sujeitos a nenhum tipo de trava.

4. Uma Análise em 1996

120
RELATO SOBRE UMA FLUTUAÇÃO “ SUJA” COM DOLARIZAÇÃO: O PERU ENTRE 1990 E 1992

Quanto pode durar um programa como o iniciado em 1990?

A resposta, obviamente, não pode ser simples nem segura. Porém, analisando os acontecimentos
agora em 1996, podemos levar em conta outras considerações.

O período (1990—1992) que acabamos de analisar é o mais acidentado de uma trajetória que
dura até hoje. As principais conquistas decorrentes dessa época começaram a surgir depois de 1992.
Realmente, pode-se observar nos gráficos 5 e 6 quão instável foi o primeiro ano de vigência do pro-
grama de estabilização.

121
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

GRÁFICO 5
Taxas de Variação da Emissão Primária*
e da Taxa de Câmbio**

Fonte: BCRP.
Notas: *Refere-se à variação do final do período.
**Taxa de variação do tipo de câmbio no mercado livre (média
compra—venda e média do período.

O panorama muda a partir de 1993. Tanto a taxa de câmbio quanto os preços públicos flutuaram
durante muitos meses e a emissão, que contou com o apoio das operações de mercado aberto, respon-
deu com tranquilidade às exigências sazonais da demanda por dinheiro, enquanto tentava-se impedir a
revalorização do sol. A obtenção de receitas por meio de privatizações permitiu que os preços públi-
cos flutuassem menos.

Os anos seguintes, até o terceiro trimestre de 1995, foram de rápida recuperação econômica base-
ada, primeiramente, no setor primário e, posteriormente, na demanda interna (ver tabela 3).

122
RELATO SOBRE UMA FLUTUAÇÃO “ SUJA” COM DOLARIZAÇÃO: O PERU ENTRE 1990 E 1992

GRÁFICO 6
Taxa de Variação do Índice de Preços Públicos
(Setembro de 1990 a Maio de 1996)

Fonte: BCRP.

TABELA 3
Peru: Crescimento: 1992—1996 (Variações Percentuais com
Relação a Período Semelhante no Ano Anterior)

1992 1993 1994 1995 1996

1T 2T 3T 4T Ano Jan. Fev.

PIB Total -2,8 6,5 12,8 13,2 8,8 6,1 0,7 6,9 -3,7 1,2

Limitados por oferta* -5,1 8,2 12,1 6,0 2,0 1,3 -2,2 1,4 -9,0 4,7

Limitados por demanda** -2,0 6,8 20,6 22,1 17,5 10,9 2,5 12,6 -0,5 -0,4

Fonte: Nota Semanal BCRP.


Notas: *Agropecuário, pesca, mineração e manufatura processadora de
recursos primários.
**Construção, comércio e resto da indústria (manufatura).

Como pôde ser visto na tabela 3, o dinamismo econômico conseguido entrou em declínio durante
1995 e chegou a taxas negativas de crescimento no primeiro trimestre de 1996.

123
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

TABELA 4
Peru: Poupança Interna, Investimento e Saldo em
Conta Corrente*: 1985—1995

(Em porcentagem do PIB)

Poupança Interna Investimento Conta Corrente

1985 19,6 18,2 0,6


1986 14,7 20,3 -5,6
1987 15,6 21,1 -5,5
1988 15,0 22,0 -7,0
1989 17,1 17,8 -0,7
1990 12,3 15,7 -3,4
1991 13,6 16,7 -3,1
1992 11,9 16,5 -4,5
1993 13,3 18,5 -5,2
1994 16,9 22,0 -5,1
1995 17,0 24,2 -7,2

Fonte: BCRP.
Nota: *Inclui o custo financeiro dos serviços não pagos da dívida pública.

A maior novidade do período posterior a 1992 é o acelerado crescimento da economia, de 1993


até o primeiro trimestre de 1995. Uma vez resolvido o problema do crescimento, enquanto se reduzia
a inflação, a questão da viabilidade futura do programa parecia estar também solucionada. A inconve-
niência (ou inviabilidade) de um crescimento prolongado — em uma economia que, sistematicamen-
te, apostava no crescimento do setor não-negociável — foi detectada, apesar de o governo continuar
recebendo um grande volume de recursos provenientes das privatizações. A crise mexicana contribu-
iu, sem dúvida, para uma maior conscientização desse problema; o cronograma de pagamentos da
dívida externa também. Depois do conflito com o Equador, ficou patente a urgência dos gastos em
armamentos e acrescentou-se, assim, uma nova demanda por divisas. Por outro lado, o salto necessá-
rio nas exportações de minerais não aconteceria senão no último ano da presente década.

Com base no conjunto de razões apresentadas, podemos ver que o crescimento contínuo não es-
tava assegurado. De fato, a desaceleração (durante a maior parte de 1995) fez o crescimento registrar
cifras negativas no primeiro trimestre de 1996.

Como em tantos países da América Latina, a balança comercial e em conta corrente estão em si-
tuação delicada (ver tabela 4).

124
RELATO SOBRE UMA FLUTUAÇÃO “ SUJA” COM DOLARIZAÇÃO: O PERU ENTRE 1990 E 1992

A manutenção do déficit é possível sempre e quando entrem capitais de diferentes tipos, vendam-
se empresas públicas e mantenha-se o negócio da coca (ver tabela 5).20

TABELA 5
Financiamento do Déficit em Conta Corrente
(Em porcentagem do PIB)

Conceito 1994 1995

A. Déficit em Conta Corrente -5,2 -7,5

1. Balança comercial -2,0 -3,6

2. Serviços financeiros -3,1 -3,1

3. Serviços não-financeiros e transferências -0,1 -0,8

B. Financiamento 11,3 9,1

1. Longo prazo 4,5 5,6

- Juros refinanciados (Clube de Paris)

e não atendidos (bancos) 1,9 1,8

- Investimentos diretos 0,5 2,0

- Empréstimos de longo prazo ao setor privado 0,7 0,3

- Coca 0,4 0,5

- Desembolsos líquidos ao setor público 0,4 0,5

2. Carteira de Investimentos 1,1 0,3

3. Curto prazo 1,5 2,1

4. Privatização 4,2 1,1

C. Aumento do RIN do BCRP (B-A) 6,1 1,6

Fonte: BCRP.

O segundo governo Fujimori (1995—2000) confia de tal maneira nos dois primeiros fatores que
aceitou aumentar os pagamentos anuais da dívida externa a partir de 1996, embora passando por um
processo de modernização de seu armamento. A balança comercial registrou um crescimento ininter-
rupto do déficit, passando de 15,2% das exportações, em 1993, para outro de 22,4% no ano seguinte
e, finalmente, um ainda mais profundo (38%) em 1995. Os números correspondentes ao déficit em
conta corrente são: 46,8%, 46,1% e 67,3%, respectivamente [Dancourt e Mendoza (1996b)]. Quando
um país vem a necessitar de dois terços de suas exportações para cobrir seu déficit em conta corrente,
deve começar a questionar seu processo de crescimento. Tudo passa a depender da magnitude dos
investimentos no setor exportador (especialmente mineração e petróleo), de sua rapidez em amadure-
cer, e da firmeza nas negociações da dívida externa atualmente em curso. Obviamente, um novo e
mais amplo conflito com o Equador obrigaria a uma mudança radical da política econômica. Até

20 Este negócio fornece recursos que não são classificados dentro dos fluxos de curto prazo.

125
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

agora, a magnitude e/ou os prazos de investimento não permitem vislumbrar uma volta ao cresci-
mento baseado em fontes próprias de divisas até o início da próxima década.

A política de esfriamento implementada a partir do terceiro trimestre de 1995 concentrou-se no


aspecto fiscal, sem buscar um controle mais estrito do crédito (por exemplo, freando o aumento dos
passivos internacionais do setor bancário). Esses empréstimos permitem a manutenção do crédito em
dólares, enquanto o BCRP freia o crédito em soles. Esse esquecimento não deixa de ser paradoxal em
um programa no qual o controle do crédito passa a ser fundamental. O resultado até agora foi uma
redução substancial das obras públicas (que tanto contribuíram para o êxito eleitoral nas eleições de
1995), e uma lenta mas persistente perda de popularidade do presidente Fujimori.

126
RELATO SOBRE UMA FLUTUAÇÃO “ SUJA” COM DOLARIZAÇÃO: O PERU ENTRE 1990 E 1992

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RELATO SOBRE UMA FLUTUAÇÃO “ SUJA” COM DOLARIZAÇÃO: O PERU ENTRE 1990 E 1992

VELARDE, Julio e RODRÍGUEZ, Martha. El programa de estabilización y el atraso cambiario: Perú


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129
A POLÍTICA ANTIINFLACIONÁRIA
CHILENA DA DÉCADA DE 90*

Patricio Meller

Sumário

1. Introdução 137

2. Contexto Histórico-Político 138

3. O Problema da Credibilidade 140

4. A Política Monetária da Década de 90 146

5. A Política Cambial da Década de 90 151

6. Regulamentação da Conta de
Capitais na Década de 90 158

7. Resultados Observados 163

Anexo 167

Referências Bibliográficas 175

* O autor agradece os comentários de Antonio Barros e Castro e Dionísio Carneiro. Agradece, ainda, o eficiente traba-
lho de pesquisa realizado por Jaime Hurtubia e Heidi Berner.
A POLÍTICA ANTIINFLACIONÁRIA CHILENA DA DÉCADA DE 90

1. Introdução

ste artigo examina a política antiinflacionária chilena implementada nos anos 90. No início

E dessa década, o país contava com um novo governo democrático (após dezessete anos de
ditadura) que se defrontou com um fenômeno de aceleração inflacionária. Os principais com-
ponentes dessa política antiinflacionária implementada foram as políticas monetária e cambial (é
preciso assinalar que, durante esse período, registram-se permanentes superávits fiscais). Nesse tra-
balho serão analisados os esforços envidados pelas autoridades econômicas para manter o controle das
políticas monetária e cambial em um contexto de grande volume de ingresso de capitais no país (a fim
de amortecer o impacto causado por essa situação, foram criados impostos sobre tal entrada de capi-
tais).

Os principais resultados observados são os seguintes: o controle do fenômeno inflacionário não é


algo que possa ser conseguido em dois anos. Somente no quarto ano, após ter havido uma queda
sistemática no nível de crescimento dos preços, surgiu certo consenso quanto ao fato de a inflação
estar sob controle. Não obstante o assinalado, mesmo atualmente (quando o país está há três anos com
uma inflação anual de um dígito) a redução da taxa de inflação continua sendo objetivo prioritário.

A entrada de grandes volumes de capital exige a utilização de diversos instrumentos a fim de se


evitar a geração de um desequilíbrio macroeconômico. Existe, entretanto, interdependência entre os
diferentes instrumentos. Esse o motivo pelo qual é necessário um cuidadoso fine tuning na aplicação
de uma política macroeconômica coerente. Além disso, é importante acomodar, gradualmente, as
pressões do mercado. O uso de uma banda cambial cumpre esse papel. Contudo, a experiência chilena
demonstra que a banda, às vezes, não é suficiente; daí a ocorrência de revalorizações cambiais abrup-
tas. A nosso ver, porém, a magnitude dessas revalorizações teria sido ainda maior sem a banda cam-
bial.

Quanto ao tradicional debate normas versus discricionariedade, a experiência chilena permite


interpretações variadas:

a) A combinação ideal pareceria ser a seguinte: rigidez em relação aos objetivos e flexibilidade no
uso dos instrumentos. Isso poderia gerar problemas de credibilidade e de inconsistência intertemporal
para as políticas. No entanto, quando uma modificação nos instrumentos está associada a uma melhor
consecução dos objetivos, o eventual êxito alcançado será o que aumentará verdadeiramente o grau de
credibilidade e dará maior estabilidade à consistência intertemporal.

b) A política cambial, constituída por uma banda sujeita a uma norma de modificação do valor
central (além de combinada com uma flutuação suja) é um exemplo de como associar normas e dis-
cricionariedade. Esse tipo de política cambial forneceu o que os agente econômicos consideraram um
claro sinal.

137
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

c) A experiência chilena, quanto à regulamentação da entrada de capitais de curto prazo, de-


monstra o seguinte: Como se sabe, os agentes buscam brechas por onde escapar a essa regulamenta-
ção. Por outro lado, entretanto, o Banco Central também pode aprender a lição; neste caso específico,
o Banco reagiu, eliminando as diferentes brechas, e parece ter obtido relativo sucesso, tendo em vista
o aumento no volume de impostos arrecadados sobre o ingresso de capitais.

A estrutura deste trabalho é a seguinte: a seção 2 fornece o contexto histórico-político; a seção 3


aborda o problema da credibilidade da política antiinflacionária. As seções 4 e 5 descrevem as políti-
cas monetária e cambial, e a seção 6 analisa o mecanismo de regulamentação da conta de capitais.
Finalmente, a seção 7 apresenta alguns resultados observados simultaneamente à redução da inflação
(para um dígito), a evolução do crescimento econômico, o desemprego e o crescimento dos salários
reais.

2. O Contexto Histórico–Político
Para uma avaliação do desempenho da economia chilena durante o recente governo democrático
(1990 — 1993), é importante revisar o tipo de debate e os dilemas vigentes no período pré-eleitoral
(1988 — 1989).

Tanto no plebiscito de 1988 quanto na eleição presidencial de 1989, o general Pinochet e seus
partidários argumentaram que o que estava em jogo era: a estabilidade ou o caos. Pinochet e seus
partidários, com base nesse argumento, eram a única alternativa possível para evitar o caos, e não era
fácil para a aliança política da Concertación provar o contrário.

Além disso, após dezessete anos de ditadura (1973 — 1990), havia uma tensão social acumulada
que poderia gerar uma explosão de demandas sociais. No final da década de 80, existia a percepção
bastante generalizada de que, sob a ditadura, a repressão econômica fôra mais um instrumento utili-
zado dentro do conjunto de violações dos direitos humanos. Em outras palavras, pensava-se que a
volta à democracia não só resolveria o problema do respeito aos direitos humanos como, além disso,
seriam rapidamente solucionados todos os problemas referentes à deterioração econômica. Tentando
conter esse tipo de expectativas econômicas, os economistas da Concertación ressaltavam, durante a
campanha presidencial, que “não é possível recuperar em um ano o que se perdeu em dezessete”.

Outro importante debate presente à época era quanto ao modelo econômico implementado no
Chile durante a ditadura, o qual estava produzindo resultados muito bons: alta taxa de crescimento
econômico, expansão acelerada das exportações, inflação moderada e controlada, diminuição do
índice de desemprego e aumento da mão-de-obra empregada. Portanto, os economistas de Chicago e
os partidários do general Pinochet postulavam que qualquer modificação no modelo econômico afeta-
ria seriamente a evolução positiva da economia.

Em suma, existem três dilemas centrais que condicionam as atividades econômicas do primeiro
governo democrático pós-Pinochet:

138
A POLÍTICA ANTIINFLACIONÁRIA CHILENA DA DÉCADA DE 90

a) Provar que a democracia não gera caos nem desequilíbrios econômicos incontroláveis. No final
da década de 80, na América Latina, ao que se refere à boa evolução dos diferentes indicadores eco-
nômicos, o Chile era exceção. Além disso, como a ditadura chilena era uma das poucas remanescen-
tes na região, pensava-se que um regime totalitário desempenhava papel essencial para evitar dese-
quilíbrios econômicos. Assim, provar que um regime democrático também poderia prevenir o caos
econômico teria implicações cruciais tanto para o Chile quanto para toda a região. Conseqüentemente,
a manutenção do equilíbrio macroeconômico adquire grande relevância e alta prioridade. Por esse
motivo, passa a ser de capital importância moderar as pressões em prol de rápidas reivindicações
sociais. O processo gradual torna-se, assim, um conceito-chave.

b) O segundo dilema está vinculado à manutenção do modelo econômico; as características cen-


trais desse modelo eram o funcionamento extensivo do mercado com preços livres, a abertura da
economia para o exterior e o papel preponderante do setor privado. Esse modelo econômico, tal como
assinalado anteriormente, estava intimamente associado à ditadura de Pinochet; portanto, o dilema
econômico continuidade versus mudança tinha ramificações políticas e emocionais complicadas para
o novo governo democrático. Porém, o Chile não estava disposto a passar por novas experiências
econômicas, mesmo porque a implementação do atual modelo econômico já fôra responsável por
elevados custos sociais e estava dando resultados positivos no momento. Assim sendo, sua manuten-
ção era considerada conveniente. Ademais, isso auxiliava o objetivo anterior, que buscava evitar o
aparecimento de incertezas e expectativas negativas (causadoras de desequilíbrios econômicos).

c) O terceiro dilema está relacionado com o pagamento da dívida social acumulada pela grande
maioria de grupos de média e baixa renda. Isso implicava resolver o difícil conflito entre crescimento
e eqüidade; i.e., a economia chilena deveria manter um rápido crescimento e também utilizar seus
frutos para beneficiar os grupos de menor renda. Essa não é uma questão trivial em uma economia de
livre mercado, na qual a situação distributiva inicial é bastante desigual.

3. O Problema da Credibilidade

Ao assumir, o primeiro governo democrático pós-ditadura (março de 1990) defronta-se com o fe-
nômeno da aceleração inflacionária. De fato, o primeiro trimestre de 1989 registra uma inflação anual
(variação em doze meses) de aproximadamente 13%; no primeiro trimestre de 1990 a inflação atinge
24%. A nova equipe econômica é praticamente desconhecida; mais ainda, inclui economistas que
criticaram a política ortodoxa de ajuste externo e interno implementada anteriormente. Por outro lado,
como conciliar o objetivo de controle da inflação com o compromisso implícito do novo governo
democrático de melhorar a situação social?

As novas autoridades econômicas estabelecem rapidamente como objetivo prioritário a manuten-


ção do equilíbrio macroeconômico. Porém, como fazer os agentes econômicos acreditarem nisso?
Como convencer o setor empresarial de que não existirão políticas populistas expansivas?

139
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

Duas políticas são implementadas inicialmente, visando proporcionar um claro sinal de responsa-
bilidade macroeconômica:

a) A fim de demonstrar responsabilidade fiscal, determina-se que só haverá aumento do gasto so-
cial se houver recursos disponíveis para tanto. Dessa forma, estabelece-se que o novo governo demo-
crático não gerará desequilíbrio fiscal (um orçamento fiscal equilibrado constitui um dado do proble-
ma para todos os agentes econômicos). Isso acarreta pressões políticas com vistas à aprovação de uma
reforma tributária, aumentando os impostos (aumento de 2,5% do PIB) para gerar recursos que finan-
ciem a elevação do gasto social.

b) Para demonstrar responsabilidade monetária, o Banco Central aumenta a taxa de juros real de
seus papéis (Promissórias Reajustáveis do Banco Central — PRBC) de 6,9% para 9,2%. Esse fato
provoca importante elevação na taxa de juros real das colocações (taxa ativa). Durante o primeiro
semestre de 1990, essa taxa de juros real flutua ao redor de 15% (anual) e apenas no 4o trimestre
observa-se uma redução para 10% (anual).

Tal política monetária restritiva provoca um severo reajuste no primeiro ano desse primeiro go-
verno democrático. A economia chilena havia registrado índices de crescimento (PIB) de 7,4% e 10%
em 1988 e 1989, respectivamente. Em 1990, o crescimento anual atinge tão somente 2,1%. Não obs-
tante o assinalado, cresce a taxa de inflação anual. Em 1988, esta chega apenas a 12,7%, aumentando
para 21,4% em 1989, e continuando a subir até 27,3% em 1990.

O fenômeno anterior pode ser explicado pela grande inércia do processo inflacionário chileno. A
experiência econômica do país, com políticas de estabilização na década de 70, ilustra a persistência
inflacionária. Entre 1973 e 1977, são aplicadas as seguintes medidas [Corbo e Fisher (1994); Edwards
e Cox (1987)]: (i) há uma drástica redução do déficit fiscal, de 25% (PIB — 1973) para quase zero
(1976) em apenas três anos; (ii) o salário real perde entre 15% e 30% de seu valor em dois anos (1973
— 1975); (iii) são implementadas reformas estruturais tais como a eliminação dos controles de preços
(1974), a abertura comercial (1974 — 1979), a liberalização do mercado interno de capitais (1975 —
1976), a privatização (1974 — 1976); e (iv) a utilização de valorizações cambiais para orientar as
expectativas cambiais (1976 — 1977). O resultado concreto desse conjunto de medidas é a redução
da taxa de inflação anual de 608% (1973) para 84% (1977).

O uso da taxa de câmbio como instrumento antiinflacionário também revela a presença do fenô-
meno inercial no caso chileno. Em 1978, utilizava-se a tablita, que estabelecia os valores futuros da
taxa de câmbio nominal (crawling peg ativo). Em junho de 1979, adota-se um regime de taxa de
câmbio nominal fixa. A inflação é reduzida de um patamar de 38% (1978) para 9,5% (1981), no
transcurso de quatro anos. Coincidentemente, observa-se, em 1982, um crescente desequilíbrio exter-
no que provoca uma grave crise no balanço de pagamentos. A opinião pública, bem como a maioria
dos economistas, considera a política de taxa de câmbio fixa como fator importante na crise externa.

140
A POLÍTICA ANTIINFLACIONÁRIA CHILENA DA DÉCADA DE 90

Conseqüentemente, o uso da taxa de câmbio como âncora nominal da economia torna-se um proce-
dimento desacreditado.

Diferentes análises econométricas deixam patente o importante papel desempenhado pela indexa-
ção na inércia inflacionária.1 Um recente estudo levado a cabo por Corbo e Fisher (1994) revela que a
maior parte da inércia inflacionária (na década de 70) decorre da indexação cambial. Há, ainda, uma
contribuição por parte da indexação salarial. Por outro lado, Budnevich e Godoy (1995) mostram,
empiricamente, que choques específicos, como o aumento de impostos (IVA), podem afetar o nível
mais permanente da inflação. Do ponto de vista teórico, uma elevação dos impostos deveria gerar um
único aumento do nível de preços. Contudo, em uma economia com alto grau de indexação, esses
choques têm efeito inflacionário, visto que “com a inércia existente, eles tendem a retroalimentar-se”
(op. cit., p.268).

Em síntese, o alto grau de indexação provoca grande inércia inflacionária. Por outro lado, a partir
de 1983, a economia chilena funciona sem uma âncora nominal. Tendo em vista os resultados obser-
vados anteriormente, a taxa de câmbio simplesmente não é verossímil como âncora. Então, o que
pode fazer a nova equipe econômica a fim de gerar credibilidade em seu programa de estabilização?

A partir de 1990, o primeiro governo democrático introduz, lentamente, a taxa anual de inflação
futura como guia de expectativas. No mês de setembro de cada ano, o governo deve submeter ao
Congresso (para aprovação) o orçamento fiscal do ano seguinte. Esse orçamento é elaborado em ter-
mos nominais, incorporando a meta futura de inflação anual. Visto existir também o explícito objeti-
vo-compromisso de não-geração de déficit fiscal, a inflação futura projetada afeta o nível de gasto
público real do futuro. A tabela 1 apresenta as metas da inflação futura anual (projetadas no mês de
setembro do ano anterior) e as taxas efetivas de inflação anual. Além disso, sempre que a equipe
econômica o considerou necessário, foram feitos alguns ajustes graduais na taxa futura (para cima ou
para baixo), na metade do ano em curso. O objetivo do governo é provar à opinião pública que o nível
de inflação está sob severo controle. Para tanto, é preciso prever, com a maior exatidão possível, o
nível resultante da inflação efetiva. Isso explica a revisão das projeções realizadas na metade do ano.

TABELA 1
Meta Inflacionária, Expectativa na Metade
do Ano e Inflação Efetiva na Década de 90

(Em porcentagem)

Ano Meta Inflacionária Expectativa na Metade Inflação


Efetiva* do Ano**

1990 21,0 30-31 27,3


1991 15-20 18-20 18,7

1 Ver referências pertinentes em Corbo e Fisher (1994); ver, também, Morandé e Rosende (1995).

141
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

1992 13-16 13,0 12,7


1993 10-12 12,0 12,2
1994 9-11 10,5 8,9
1995 8 8,5 8,2
1996 6,5 7,0

Notas: * Banco Central.


** Projeções de Gémines.

O fato de a inflação efetiva do ano de 1991 (18,7%) ter estado dentro do patamar projetado de in-
flação futura (15% a 20%), de no ano de 1992 a inflação efetiva (12,7%) ter estado abaixo da inflação
prevista (13% a 16%), e de no ano de 1993 (ano das eleições presidenciais) a inflação efetiva (12,2%)
ter ultrapassado minimamente a inflação estimada (10% a 12%) proporcionou grande credibilidade ao
governo e à coalisão política governante (Concertação Democrata Cristã, Partido Socialista e Partido
pela Democracia). Soma-se a isso a ocorrência de uma clara diminuição da taxa de inflação anual.

Para validar o uso da inflação futura como âncora nominal da economia, o governo utilizou esse
conceito para reajustar o salário-mínimo. A cada ano, no mês de maio, estabelece-se o reajuste do
salário mínimo, a partir de uma discussão tripartite entre o governo, as lideranças trabalhistas (Central
Única de Trabalhadores — CUT) e dirigentes empresariais (Confederação da Produção e do Comércio
— CPC). Como critério de reajuste, o governo utilizou, basicamente, dois elementos: a meta de infla-
ção futura e os aumentos registrados (recentemente) na produção da mão-de-obra. Por sua vez, as
lideranças trabalhistas usaram como critério, pelo menos como base, o reajuste de 100% da inflação
passada.

É interessante notar que, no período 1990 — 1996, o reajuste do salário-mínimo de acordo com
os 100% da inflação passada gera um nível um pouco inferior ao efetivo; este último corresponde ao
critério do governo. Independentemente desse resultado, o governo ressaltou reiteradas vezes que,
quanto aos reajustes dos diferentes preços da economia, o adequado seria a utilização da indexação
para frente, a fim de continuar reduzindo o índice de inflação. Dessa forma, a taxa de inflação futura,
ao atuar como guia das expectativas e como mecanismo de indexação, transforma a meta em uma
profecia auto-realizável. A responsabilidade das autoridades econômicas reside na definição de uma
inflação futura verossímil e consistente com a evolução da economia.

O qüinqüênio 1991 — 1995 “é o que apresenta a menor média inflacionária das últimas cinco
décadas” [Zahler (1996, p. 2)]. No triênio 1994 — 1996, registram-se três anos consecutivos com
uma inflação anual de um dígito, o que é simplesmente surpreendente para a economia chilena. Não
obstante o assinalado, o presidente do Banco Central manifestou recentemente que a redução da infla-
ção continua a ser uma prioridade: “nessa etapa (de inflação de um dígito) é quase inevitável o surgi-
mento de vozes que indicam serem esses níveis de inflação um problema secundário...”; ou, o que é
pior, “que tanto faz a inflação ser de 7% ou 9%, dando assim a entender que os esforços da política
macroeconômica deveriam se concentrar na aceleração do ritmo de crescimento ou apontar... (no

142
A POLÍTICA ANTIINFLACIONÁRIA CHILENA DA DÉCADA DE 90

sentido de elevar) a taxa de câmbio real” (op. cit., p. 2). Para Zahler, a obtenção de credibilidade é um
processo laborioso e lento, logrado em decorrência do sucessivo cumprimento das metas estabelecidas
de inflação futura. Qualquer titubeio quanto ao desejo de continuar reduzindo a inflação local para
níveis internacionais pode acarretar a perda da mencionada credibilidade, alcançada a tanto custo.

No caso chileno, em que se registraram altos índices de crescimento econômico, a ênfase em


manter a redução da inflação como prioridade não causa maiores polêmicas. Entretanto, essa postura
de insistir na prioridade de reduzir a inflação de 9% para 7%, em um contexto de estagnação (ou
baixo crescimento) e alto desemprego, parece questionável. É realmente verdade que a manutenção da
inflação em um patamar de 9% durante dois anos seguidos provocará grande perda de credibilidade?
Além disso, conforme assinala Rogoff (1985), a sociedade se beneficia tendo um Banco Central que
outorga grande relevância ao controle da inflação, mas esse argumento não pode ter valor infinito;
quando há choques de oferta, exige-se que o Banco Central combine, adequadamente, a credibilidade
e a flexibilidade, a fim de que se possa reduzir os custos dos ajustes.

Em dezembro de 1989, foi implementada uma mudança institucional que incidiu no gerencia-
mento da política econômica: a autonomia do Banco Central. Os principais objetivos do Banco Cen-
tral (autônomo) são: “zelar pela estabilidade da moeda e pelo funcionamento normal dos pagamentos
internos e externos” (artigo 3 da Lei Orgânica Constitucional do Banco Central). Na verdade, é o
Conselho do Banco Central o encarregado de anunciar a meta de inflação anual futura no Relatório
sobre a Evolução da Economia (enviado ao Congresso em setembro de cada ano). Como foi dito no
parágrafo anterior, o presidente do Banco Central atribui ao controle da inflação uma prioridade per-
manente. A autonomia do Banco Central seria um arranjo institucional que, supostamente, geraria
certa credibilidade em relação a uma redução do nível de inflação (redução esta geradora de equilíbrio
a médio e longo prazos). Contudo, para que isso aconteça, a autonomia legalmente estabelecida deve
converter-se em autonomia efetiva. Isso requer “um processo de investimento em reputação por parte
das autoridades monetárias.2 No caso chileno, pode-se dizer que, para lograr essa autonomia efetiva
do Banco Central, foi necessária uma mudança no governo (1993—1994): apesar de ter havido um
processo de continuidade na coalisão política governante, foi necessário realizar alterações na equipe
econômica do Ministério da Fazenda.

4. A Política Monetária da Década de 90

2 Rojas, Rosende e Vergara (1995, p.161). Os autores sugerem que as autoridades monetárias poderiam ser
classificadas em duas grandes categorias: “tolerantes com relação à inflação” e “inimigos da inflação”. Esta úl-
tima teria, supostamente, maior credibilidade. Entretanto, dentre os inimigos da inflação deveríamos distinguir
dois grupos: os religiosos, (para os quais a única coisa importante é a inflação, e controlá-la tem ponderação de
infinito); e o outro grupo, os criteriosos, que estariam preocupados em combinar flexibilidade e credibilidade,
para reduzir os custos do ajuste.

143
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

Primeiramente, é necessário descrever o cenário no qual opera a política monetária na década de


90.

a) Como foi mencionado anteriormente, a economia chilena funciona sem uma âncora nominal
desde 1983; a taxa de câmbio está totalmente desprestigiada e não pode assumir esse papel.

b) A década de 80, no período pós-choque da dívida externa, caracteriza-se pela presença de uma
importante restrição aos recursos externos e por um alto índice de desemprego. Nesse cenário, as
autoridades econômicas podem gerenciar separadamente a política monetária e a política cambial.
Assim sendo, são levadas a cabo importantes desvalorizações (as quais mudam, de fato, os preços
relativos), bem como uma indexação cambiária (crawling peg passivo). Simultaneamente, passa-se a
utilizar a taxa de juros para controlar o gasto interno e frear a inflação. Na década de 90, porém, há
uma grande afluência de recursos externos que induzem uma valorização cambial e uma expansão do
gasto. Além disso, ocorre uma substancial redução do índice de desemprego, i.e., a economia está
operando muito próxima de seu nível de produção potencial.

c) O primeiro governo democrático estabeleceu dois objetivos econômicos: (i) redução da infla-
ção, e (ii) manutenção da dinâmica do setor externo, visto que se estimava que as exportações consti-
tuíam o motor do crescimento da economia. Existia consenso quanto ao papel a ser desempenhado
pela taxa de câmbio na consecução do segundo objetivo (uma taxa de câmbio real alta e estável é
essencial para manter o ritmo exportador). Como será possível perceber mais adiante, o Banco Cen-
tral, posteriormente, redefiniu o objetivo externo.

Na década de 90, é mantida a política monetária utilizada no decênio anterior (pós-1982), i.e., o
uso da taxa de juros real. No novo contexto, o aumento da taxa de juros (real) estimula a entrada de
capitais externos, fato que provoca um duplo efeito: geram-se pressões no sentido de uma valorização
cambial, o que auxilia positivamente no controle da inflação e, não ocorrendo uma esterilização com-
pleta da entrada de capitais, há um estímulo ao aumento do gasto interno. Como a economia está
próxima ao nível de pleno emprego, gera-se um excesso de demanda que provoca pressões de eleva-
ção de preços no mercado de bens não-transacionáveis e no mercado de trabalho. Por último, a valori-
zação cambial deveria, supostamente, afetar de maneira negativa a expansão do setor exportador.

Em resumo, quando há mobilidade de capitais, é sabido que há dependência entre as políticas


monetária e cambial. Nessas condições, o Banco Central, ao utilizar o instrumento da taxa de juros
real, está tentando alcançar dois objetivos conflitantes: reduzir a inflação e evitar a valorização cambi-
al para manter o impulso exportador. A fim de conseguir certa independência entre a política monetá-
ria e a cambial, o Banco Central adotou várias e diferentes medidas: impostos sobre a entrada de
capitais de curto prazo, ampliações no tamanho da banda de flutuação, revalorizações abruptas, mu-
dança na norma de desvalorização cambial, flutuação suja e intervenções discricionárias, dando prio-
ridade, ora a um, ora a outro objetivo.

144
A POLÍTICA ANTIINFLACIONÁRIA CHILENA DA DÉCADA DE 90

Por último, o Banco Central redefiniu o objetivo externo, substituindo a meta de evitar a valoriza-
ção real do peso pelo objetivo de manter o déficit da conta corrente em um nível financiável e susten-
tável a longo prazo. Calcula-se que esse déficit flutuará entre 3% e 4% do PIB. Esse novo objetivo está
de acordo com o que foi especificado na Lei Orgânica Constitucional, que outorga ao Banco Central o
papel de zelar pelo funcionamento normal dos pagamentos externos. Isso foi interpretado pelo Banco
Central no sentido de que “o papel da política cambial, complementada pela política monetária, é
fazer com que a taxa de câmbio real se mantenha em níveis acordes” com um déficit de conta cor-
rente equivalente a entre 3% e 4% do PIB [Banco Central (1995, p. 42)].

Vejamos, a seguir, como é aplicada a política monetária. Devido à grande inestabilidade da de-
manda de dinheiro, o Banco Central considerou inconveniente utilizar uma política monetária baseada
no controle de agregados monetários. Essa política usou o controle da taxa de juros real de seu ins-
trumento de dívida financeira de 90 dias de prazo: o PRBC, cuja taxa de juros real está definida em UF

(Unidade de Fomento)3 mais um certo percentual. Essa taxa de juros real estabelece um limite míni-
mo para as taxas passivas do sistema financeiro.4

Vejamos quais foram os elementos que levaram o Banco Central a mudar sua política monetária,
i.e., mudar o nível da taxa de juros. Inicialmente, em 1990 (1o ano do governo democrático), a política
monetária foi de natureza reativa ex-post diante da substancial expansão econômica registrada nos
anos anteriores (1988—1989). Posteriormente, a economia começa a operar próxima de seu produto
potencial e do pleno emprego. Por isso, a brecha entre o crescimento do gasto interno e a expansão do
produto provoca pressões inflacionárias. Empiricamente, já observou-se que essa brecha gasto inter-
no-produto tem alto poder explicativo do processo inflacionário da década de 90 [Rojas, Rosende e
Vergara (1995)]. Quando a expansão do gasto supera o crescimento do produto, o Banco Central é
levado a utilizar “ações preventivas concretas, a fim de guiar a economia por uma trilha (...) moderada
de crescimento de demanda e de produção, antes que sejam geradas pressões inflacionárias” [Zahler
(1996, p. 10)].

A justificativa para o uso dessa ação preventiva está baseada na evidência empírica de que a taxa
de juros opera com atraso em relação às variáveis econômicas. Zahler estima que esse atraso flutue
entre seis e dezoito meses. Esse grande atraso incluiria um duplo efeito. A taxa de juros atua indire-
tamente sobre as pressões inflacionárias. Em um primeiro momento, o gasto e a produção reagem

3 A UF é uma unidade de conta, reajustável a cada mês, segundo os 100% do IPC do mês anterior.
4 O controle da taxa de juros do PRBC de 90 dias teve problemas e foi substituído, em 1995, por um controle de
taxas de um dia de prazo [Budnevich e Pérez (1995)]. De fato, quando a economia avança em direção a um ci-
clo de expansão, os agentes antecipam eventuais aumentos na taxa de juros; conseqüentemente, diminui a de-
manda de PRBC de 90 dias, que tem preço fixo. Isso aumenta a liquidez, o que, por sua vez, pressiona para baixo
a taxa de juros de curto prazo, em um momento em que as autoridades monetárias querem justamente o contrá-
rio, i.e., o Banco Central perde o controle da taxa de juros de curto prazo. A solução implementada é a emissão
de documentos de curtíssimo prazo que permitem regular a taxa de juros de um dia, enquanto o mercado deter-
mina as taxas de 90 dias. Essa política de taxas de juros de um dia aumenta o grau de discricionariedade da po-
lítica monetária do Banco Central.

145
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

com atraso diante do aumento da taxa de juros; em seguida, a inflação reage com atraso diante da
contração do gasto e do produto. Entretanto, empiricamente, parece que a magnitude do atraso não é
assim tão grande (ver gráfico 3).

GRÁFICO 1
Ingresso Mínimo Mensal

(Pesos correntes)

70000

60000

50000

40000

30000

20000

10000 Efetivo
Inflação Passada
0
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996

146
A POLÍTICA ANTIINFLACIONÁRIA CHILENA DA DÉCADA DE 90

GRÁFICO 2
Inflação Anual

(Variação dez.-dez.)

30,0%

25,0%

20,0%

15,0%

10,0%

5,0%

0,0%
1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995

GRÁFICO 3
Taxas de Juros e Diferença Gasto - PIB

8,00% 16,0%

14,0%

Taxas de juros de PRBC 90


6,00%
Diferença gasto-produto

12,0%
4,00%
10,0%
2,00%
dias

8,0%
0,00%
6,0%
-2,00%
4,0%
Trimestres
-4,00% 2,0%

-6,00% 0,0%
1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

Diferença produto-gasto Taxa de Juros PRBC a 90 dias

O que foi dito anteriormente tem a seguinte interpretação: quando a diferença gasto-produto ul-
trapassa 4%, i.e., o ritmo de crescimento do gasto é quatro pontos percentuais superior ao ritmo de

147
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

crescimento do produto, possivelmente o Banco Central irá adotar uma ação preventiva no sentido de
aumentar a taxa de juros real. Assim foi, exatamente, como agiu o BC em 1992, 1993, no segundo
semestre de 1995 e no ano ora em curso. O gráfico 3 apresenta claramente esse tipo de política pre-
ventiva.

Porém, o presidente do Banco Central afirmou não ser possível preocupar-se apenas com o nível
da diferença entre o ritmo de crescimento do gasto e do produto, mas também com os níveis de cres-
cimento dessas variáveis. Tendo em vista o nível de investimento (26% do PIB), a economia chilena
deveria apresentar um nível de crescimento algo acima de 6%. Níveis superiores a esse gerarão pres-
sões inflacionárias que exigirão, eventualmente, processos de ajuste. A fim de evitar isso, o Banco
Central prefere aplicar essas ações preventivas, motivadas por um componente duplo: uma diferença
de crescimento gasto-produto superior a 4% e um crescimento do produto acima de 6,5%.

A política de taxa de juros real que acabamos de descrever afetou a entrada de capitais e, conse-
qüentemente, o nível (real) da taxa de câmbio. A seguir, examinaremos as medidas utilizadas para
reduzir (parcialmente) os efeitos da política monetária sobre a política cambial.

5. A Política Cambial da Década de 90


O objetivo da política cambial do final da década de 80 (1985 — 1990) era a manutenção de uma
taxa de câmbio real constante. Para tanto, o Banco Central determinou uma indexação da taxa de
câmbio com relação ao diferencial entre a taxa de inflação interna e a taxa de inflação internacional.
Esse tipo de reajuste era aplicado relativamente ao mês anterior (crawling peg passivo).

É preciso assinalar que existem dois mercados de câmbio no Chile: o formal e o informal. Há
restrições que obrigam a realização de determinadas transações unicamente no mercado de câmbio
formal.5 Por outro lado, existem impedimentos para que outro tipo de transações seja levado a efeito nesse
mesmo mercado. No mercado de câmbio informal, por sua vez, prevalece uma taxa de câmbio livre (flutu-
ante), sem restrições e sem a intervenção das autoridades monetárias.

O diferencial entre ambas as taxas de câmbio (formal e informal) tem diminuído com o passar do
tempo: 14% em 1990 e 1991, 1,2% em 1992 e 1993, 1,1% em 1994 e 0,1% em 1995. Mesmo quando
esses diferenciais são reduzidos, proporcionam um sinal de como o mercado (livre) avalia o valor da
taxa de câmbio oficial (formal). De fato, os diferenciais de câmbio são pequenos e declinantes porque
o Banco Central introduziu modificações importantes em sua política cambial. Ao elevar gradual-
mente a magnitude das entradas de capital, o Banco Central enfrenta sérias dificuldades para manter
uma taxa de câmbio real estável.

5 Foram levadas a cabo modificações quanto à redução do número de transações que poderiam ser realizadas no
mercado de câmbio formal. A mais importante foi a decisão de eliminar totalmente a obrigação por parte dos
exportadores de liquidar as divisas geradas no mercado formal em um prazo determinado; isso foi implementado
gradualmente, diminuindo o percentual de divisas que deveriam ser liquidadas no mercado formal, até chegar a
zero.

148
A POLÍTICA ANTIINFLACIONÁRIA CHILENA DA DÉCADA DE 90

Uma das primeiras modificações da política cambial oficial foi a criação da banda de flutuação da
taxa de câmbio formal, o que permitiu acomodar as pressões do mercado. O Banco Central estabele-
ceu o valor da taxa de câmbio de referência (o centro da banda);6 depois, fixou uma banda de flutua-
ção simétrica ao redor do mencionado centro. A banda estabelece as flutuações-limite do valor da taxa
de câmbio. Em outras palavras, o Banco Central entra no mercado para comprar ou vender quando a
taxa de câmbio chega aos limites mínimo ou máximo da banda. Inicialmente, a largura da banda foi
de ± 2,5%; posteriormente, foi elevada para ± 5% e, finalmente, a partir do início de 1992, a largura
da banda de flutuação é de ± 10%.

Devido à grande entrada de capitais da década de 90, a tendência da taxa de câmbio tem sido a de
se aproximar do limite mínimo da banda. Isso obrigou o Banco Central a aumentar, involuntariamen-
te, o seu nível de reservas internacionais e a aplicar uma política de esterilização, para neutralizar o
impacto monetário provocado pelo acúmulo de reservas. Como veremos mais adiante, isso gera pro-
blemas financeiros para o Banco Central e dificulta o gerenciamento de sua política monetária. Visan-
do enfrentar esse tipo de problema, o Banco Central aumentou a banda de flutuação e isso gerou uma
valorização do peso.

Durante a década de 90, reiteradas vezes a taxa de câmbio formal efetiva esteve mais próxima do
limite mínimo da banda do que do limite máximo (ou do centro). Quando a taxa de câmbio chega
perto do limite mínimo da banda (aproximadamente 0,5%), e tendo em vista as mudanças observadas
no tamanho da banda, criam-se pressões especulativas. Os agentes econômicos reagem exagerada-
mente diante dos sinais emitidos pelo mercado e começam a vender divisas, antecipando uma futura
valorização. Após vários episódios semelhantes, e a fim de evitar essas flutuações de tipo especulativo
e/ou reações exageradas de curto prazo, o Banco Central decidiu intervir de forma discricionária (sem
prévio aviso e sem informações posteriores) no mercado cambial formal mesmo quando a taxa de
câmbio efetiva está dentro da banda (flutuação suja).

Um terceiro tipo de medida adotada foi o de alterar de maneira abrupta o nível da taxa de câmbio
referencial (o centro da banda). Isso foi feito simplesmente por meio de uma valorização discreta ou,
ainda, mediante a mudança nas ponderações das moedas estrangeiras que são utilizadas para medir a
inflação internacional. Por exemplo, em fins de 1994 (novembro), o Banco Central aplicou uma re-
valorização de quase 10% (9,66%) no centro da banda. Essa revalorização estava associada a uma
mudança na cesta de moedas utilizada no cálculo da inflação internacional.7

A quarta medida, implementada recentemente (fins de 1995), modifica a norma de indexação do


centro da banda, introduzindo explicitamente uma valorização real de aproximadamente 2% anuais.

6 Essa é a taxa de câmbio acordo.


7 O centro da banda, ou dólar acordo, equivale à valorização de uma cesta de moedas representada em dólares
que, por sua vez, depende das paridades internacionais. As ponderações da cesta de moedas (pós-1994) são:
45% em dólares, 30% em marcos e 25% em ienes.

149
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

GRÁFICO 4
Tipo de Câmbio Nominal

(Pesos por dólar)

550

500

450

400

350

300
Tipo de câmbio
250 observado

200
1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996
A taxa de câmbio real registrou uma valorização de cerca de 20% no transcurso da década de 90,
usando como base de referência o ano de 1989 (ver gráfico 5). O peso teve uma valorização real anual
superior a 4%. O Banco Central calcula uma taxa de câmbio que inclui e exclui a América Latina. É
interessante notar que o peso chileno experimenta uma valorização superior (em 10%) quando se
exclui a América Latina (ver gráfico 5).

Obviamente, essa valorização real provocou duras críticas (por parte dos exportadores) em rela-
ção à política cambial do Banco Central. Estes argumentam que a valorização real afeta a competitivi-
dade do setor, fato que poderá causar, eventualmente, a redução do ritmo de crescimento. Os exporta-
dores afirmam que o Banco Central está utilizando a valorização cambial como mecanismo central de
redução da inflação.

150
A POLÍTICA ANTIINFLACIONÁRIA CHILENA DA DÉCADA DE 90

GRÁFICO 5
Valorização Cambial (Trimestral)
Base 1989

25,00%

20,00%

15,00%
Porcentagem

10,00%

5,00%

0,00%

-5,00%

-10,00%
1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996
A resposta do Banco Central contém elementos diferentes. Primeiramente, as exportações totais
mantiveram um ritmo de expansão anual de cerca de 10%; mais ainda, as exportações (exceto o co-
bre) apresentam taxas de crescimento anuais superiores a 10% (ver gráfico 6). Em segundo lugar, a
valorização do peso é resultado da bem-sucedida expansão das exportações e do elevado crescimento
econômico. Um maior diferencial de crescimento do que o dos parceiros comerciais reflete a ocorrên-
cia de substanciais aumentos de produtividade, o que, por sua vez, gera pressões por uma valorização
cambial. A taxa de crescimento do PIB é superior a 7% em vários anos da década de 90, e a política
monetária do Banco Central está orientada no sentido de frear esse acelerado ritmo de crescimento.

151
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

GRÁFICO 6
Evolução das Exportações

(Em milhões de US$)

20000

Total export.
15000 Export. cobre
Sem cobre

10000

5000

0
1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995

Fonte: Banco Central.

Em suma, a evidência empírica demonstra que, apesar da valorização cambial, as exportações e o


PIB mantêm taxas de crescimento razoavelmente elevadas. A valorização cambial é resultante das
forças de mercado de médio e longo prazos. Afora isso, a banda de flutuação (± 10%) oferece sufici-
ente flexibilidade para refletir, de forma adequada, a tendência das forças de mercado.

Adicionalmente, como já mencionado, o Banco Central redefiniu seu objetivo externo. A política
cambial (complementada pela monetária) está orientada no sentido de manter um nível de taxa de
câmbio real acorde com um déficit da conta corrente (de tendência) que flutue entre 3% e 4% do PIB.
O saldo da conta corrente (da década de 90) mostra déficits anuais inferiores a 2% (PIB). A única
exceção ocorreu em 1993 (ver gráfico 7).8

8 Nesse ano há um choque negativo de termos de intercâmbio e, portanto, poderia-se considerar que o déficit de
tendência da conta corrente estaria no patamar especificado pelo Banco Central.

152
A POLÍTICA ANTIINFLACIONÁRIA CHILENA DA DÉCADA DE 90

GRÁFICO 7
Saldo Anual em Conta Corrente*

(Em porcentagem do PIB)

1%

0%

-1%

-2%

-3%

-4%

-5%
1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995

Nota: *Calculado com base nas Contas Nacionais (pesos correntes).

Por último, o Banco Central acumulou um volume significativo de reservas internacionais, as


quais aumentaram ano a ano durante a década de 90. De fato, o nível das reservas internacionais
(líquidas e em dólares de 1994) aumentou de US$ 4,3 bilhões (norte-americanos) em 1989 para US$
16 bilhões em 1995.9 Esse acúmulo de reservas evitou a ocorrência de uma valorização cambial (real)
maior do que a que efetivamente aconteceu.

O acúmulo de reservas acarreta graves implicações para o patrimônio do Banco Central e para o
gerenciamento da política monetária [Banco Central (1995)]. Em primeiro lugar, a esterilização desse
acúmulo de ativos internacionais provoca prejuízos operacionais ao Banco Central porque a rentabili-
dade dos ativos externos é menor do que os juros associados aos PRBC (documentos de dívida do Ban-
co Central). A magnitude desses prejuízos operacionais flutua entre US$ 300 milhões e US$ 500
milhões anuais (no período 1990 — 1995). Em segundo lugar, esse prejuízo do Banco Central corres-
ponde a um déficit quase-fiscal equivalente a 1% (PIB). Isso implica um aumento igual da capacidade
de gasto do resto da economia. Para evitar o impacto inflacionário desse déficit, é necessária uma
contrapartida fiscal superavitária. Em terceiro lugar, um Banco Central que sofra prejuízos dessa
magnitude “pode enfraquecer sua imagem e a credibilidade da opinião pública” nas políticas monetá-
rias e de dívida interna [Banco Central (1995, p. 25-26)].

9 Para um debate sobre o nível ótimo das reservas internacionais de um país latino-americano, ver Meller (1994).

153
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

6. Regulamentação da Conta de Capitais na


Década de 90

A liberalização da conta de capitais gera benefícios relacionados com a diminuição do custo das
transações financeiras e a diminuição do tempo necessário à implementação de operações financeiras,
as quais facilitam e apóiam as atividades produtivas e comerciais. Além disso, esses fluxos corres-
pondentes à poupança interna servem para complementar e incrementar o nível de poupança da eco-
nomia local. Contudo, os fluxos de capital financeiro também geram custos associados ao aumento da
falta de estabilidade macroeconômica e à perda de graus de liberdade no gerenciamento das políticas
monetária e cambial, ou seja, essas duas políticas começam a ser interdependentes.

Na década de 90, a economia chilena registrou ingressos de capital que, em alguns anos, foram
equivalentes a 40% de M1. Conseqüentemente, devido à pequena magnitude relativa dos mercados
financeiro e monetário locais, a economia chilena esteve exposta a choques monetários mensais de
magnitude equivalente a 3% de M1. Esse tipo de choque deveria ser comparado com o dos países
desenvolvidos: nesses países observa-se que os fluxos de capital provocam choques monetários anu-
ais de magnitude equivalente a 5% de M1.10

Assim sendo, em uma economia que quer ir adiante buscando a liberalização de sua conta de ca-
pitais e a integração aos mercados internacionais, como enfrentar choques monetários mensais equi-
valentes a 3% de M1? O Banco Central utilizou dois mecanismos: (i) mudanças na política cambial
para acomodar as forças de mercado (tal como descrito na seção anterior), e (ii) impostos sobre a
entrada de capitais.

As autoridades econômicas chilenas julgaram ser conveniente distinguir entre diferentes fluxos
financeiros: capitais de curto prazo e de longo prazo, entrada e saída de capital. O consenso prevale-
cente é que os capitais de longo prazo que ingressam no país (associados a investimentos produtivos
reais) são bons pois ajudam a elevar a taxa de crescimento econômico. Por outro lado, os capitais de
curto prazo de natureza especulativa, cujo principal objetivo é captar o diferencial entre a taxa de
juros interna e a internacional, são ruins porque provocam choques macroeconômicos desestabiliza-
dores (tanto ao ingressar quanto ao sair do país). Como conseqüência, esses capitais especulativos de
curto prazo “deveriam ser regulamentados, monitorados ou controlados de forma semelhante ao capi-
tal relacionado com a lavagem de dinheiro (do tráfico de drogas)” [Helleiner (1992)].

Visando regulamentar a entrada de capitais de curto prazo, o Banco Central criou a exigência de
um encaixe, i.e., um depósito, por um período de um ano (a juros nulos) no Banco Central, de um
percentual (30%) do capital que ingressa ao país. Esse depósito aumenta o custo dos fluxos externos
e reduz, assim, o diferencial entre a taxa de juros interna e a internacional. Esse encaixe corresponde à
implementação do imposto Tobin. De fato, os custos financeiros do encaixe são substancialmente
maiores para os capitais de curto prazo do que para os de longo prazo. Utilizando uma taxa de juros

10 Para um debate mais aprofundado desse tema, ver Meller (1994).

154
A POLÍTICA ANTIINFLACIONÁRIA CHILENA DA DÉCADA DE 90

de 5% (depósito em dólares) como custo do encaixe (30% do total), com permanência obrigatória de
um ano, vemos que um capital financeiro que entra por três meses paga um imposto equivalente a
8,57% anual, enquanto um investimento de dez anos paga imposto anual correspondente a 0,21%.11

A exigência de que todo fluxo de capital, independentemente de seu período de permanência no


país, tenha que constituir um depósito com a duração de um ano, gera um imposto efetivo decrescen-
te: os capitais que permanecem no país por um curto espaço de tempo pagam um imposto maior,
enquanto os ajustados por um período mais longo pagam um imposto menor.

A magnitude do encaixe foi estabelecida de maneira a eliminar o diferencial existente entre a taxa
de juros interna e a internacional; i.e., igualando o retorno de um ativo financeiro proveniente do
exterior e que tenha permanecido no país um ano. Em outras palavras, o encaixe corresponderia à
arbitragem entre a taxa interna e a externa. Conseqüentemente, a encaixe ξ dependerá: da taxa de
juros interna i, da taxa de juros internacional i* e da taxa esperada de desvalorização cambial ê [Le
Fort e Budnevich (1996)]:12

(i * − i) + ê (1 + i*)
ξ =
ê-i
Utilizando uma taxa de juros internacional de 5%, uma taxa de juros interna de 12%, e supondo
uma desvalorização cambial anual de 4,5%, o encaixe seria de 32,5%. O Banco Central utilizou,
inicialmente, um encaixe de 20%, aumentando-o, posteriormente, para 30%.

A eficácia dos impostos ou controles sobre os movimentos de capitais de curto prazo tem sido
questionada reiteradamente. Esses controles de capitais poderiam ser efetivos no início, no momento
de sua implementação; no entanto, sua eficácia, supostamente, vai diminuindo rapidamente, à medida
que os agentes econômicos criam mecanismos para evitar os controles. Foi isso, justamente, o que
ocorreu no caso chileno. Entretanto, o Banco Central reagiu (corrigindo as disposições iniciais) e

11 O imposto correspondente a um encaixe de 30%, com permanência obrigatória de um ano para o depósito, é
[Valdés e Soto (1995)]:

 0,3 1(ano) 
t = 1 - 0,3 x l  xi
O depósito tem de ser efetuado em dólares. Utilizaram-se 5% de juros anual para o custo de um depósito em
dólares. O coeficiente λ é o período de permanência do capital no país, expresso em anos.
12 Sendo ξ a taxa de encaixe. Assim, a condição de arbitragem para um investimento financeiro com um período
de permanência de um ano, comparado com um investimento que requer um encaixe ξ depositado no Banco
Central é (op. cit.):

(1 + i)(1 − ξ )
(1 + i*) = +ξ
(1 + e$ )

155
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

passou a exigir um encaixe para incluir, sucessivamente, todos os instrumentos que vêm sendo cria-
dos pelos agentes econômicos. Essa rápida capacidade de reação, com vistas a neutralizar os meca-
nismos de evasão dos agentes econômicos, foi possível graças à autonomia e à decisão das autoridades do
Banco Central.

A regulamentação da entrada de capitais no Chile sofreu as seguintes modificações [Valdés e


Soto (1995); Le Fort e Budnevich (1996)]: (a) o encaixe foi aumentado de 20% para 30%; (b) o perí-
odo de permanência do encaixe foi aumentado de noventa dias para um ano; (c) inicialmente, os
agentes econômicos podiam escolher a moeda (estrangeira) para o depósito do encaixe; posterior-
mente, ficou determinado que o encaixe deveria ser em dólares (US$);13 (d) a taxa de juros internaci-
onal foi elevada até se estabelecer um LIBOR + 4,5% (anual);14 e (e) finalmente, o encaixe foi sendo
exigido, gradualmente, para todas as operações financeiras explicitamente vinculadas ao setor exter-
no. A única exceção foi o crédito direto, outorgado por contrapartes não-bancárias aos exportadores e
importadores chilenos.

Resumindo, a quase totalidade dos fluxos de capitais que ingressam no Chile devem cumprir a
exigência de manter um depósito equivalente a 30% do valor total (em dólares) no Banco Central
durante um período de um ano, sem receber nenhum tipo de juros. Esses fluxos incluem (ver porme-
nores em Le Fort e Budnevich, 1996): investimentos estrangeiros em carteiras de valores (ADR) e
outros fluxos de investimento em carteiras de valores, empréstimos externos e bônus estrangeiros,
depósitos externos e linhas de crédito para financiar operações comerciais.

Terão sido eficazes os controles sobre os capitais de curto prazo? Como avaliar sua eficácia? Um
indicador simples consistiria em analisar a evolução do encaixe. No caso chileno, observa-se que os
impostos sobre os capitais de curto prazo geraram US$ 8 milhões em 1991; esse valor aumentou para
US$ 73 milhões em 1993 [Valdés e Soto (1995)]. Essa elevação foi interpretada por Valdés e Soto em
um artigo extremamente crítico ao que se refere aos controles sobre os movimentos de capitais. Dizi-
am eles: “A capacidade de arrecadar impostos (sobre os movimentos de capital) aumentou com o
passar do tempo, à medida que as autoridades chilenas foram fechando as brechas” (op.cit., p. 2).

Por outro lado, Valdés e Soto (op.cit.) consideram que os controles de capitais (i.e., o encaixe)
fracassaram em sua tentativa de evitar uma valorização cambial e influenciar a entrada dos capitais de
curto prazo. Os cálculos econométricos efetuados por eles apresentam os seguintes resultados (p.18):
(i) o encaixe tem um impacto estatisticamente insignificante sobre a trajetória do ajuste da taxa de
câmbio real para seu nível de equilíbrio; (ii) a probabilidade de que o encaixe tenha ajudado a induzir
uma taxa de câmbio real de equilíbrio menos valorizada é muito reduzida; (iii) a probabilidade de que

13 A razão disso é o fato de terem sido feitas trocas maciças de moedas nas quais haviam sido efetuados os depó-
sitos, passando de dólares a ienes, e aproveitando a menor taxa de juros dessas moedas. Ver mais detalhes em
Valdés e Soto (1995).
14 Tal como assinalado por Valdés e Soto (1995), como inicialmente o encaixe estava definido somente em ter-
mos da taxa de juros internacional, essa medida tenta reduzir o efeito que têm as mudanças na política monetá-
ria (variação da taxa de juros) dos Estados Unidos.

156
A POLÍTICA ANTIINFLACIONÁRIA CHILENA DA DÉCADA DE 90

o encaixe tenha ajudado a reduzir o período de transição para uma taxa de câmbio mais valorizada é
muito baixa. Portanto, os controles de capitais não foram um mecanismo útil para que o Banco Cen-
tral conseguisse uma gestão independente de sua política monetária.

Le Fort e Budnevich (op.cit.) afirmam que a regulamentação chilena relativa aos capitais de curto
prazo foi um instrumento complementar muito útil para a consecução de um desempenho macroeco-
nômico bem satisfatório. Sobre esse assunto, os mesmos autores assinalam que a regulamentação
referente à entrada de capitais de curto prazo não deveria ser avaliada em relação à sua eficácia em
reduzir a zero esse tipo de ingresso de capital. “O primeiro objetivo é favorecer (...) financiamentos de
longo prazo. O segundo objetivo é permitir a implementação de uma política monetária restritiva que
não acarrete desequilíbrio da conta corrente” (p.10). Em decorrência do encaixe, houve uma mudança
na composição dos créditos externos; o crédito externo de curto prazo diminui de 4,6% (PIB) em 1990 para
2,4% (PIB) em 1994.

Poderia-se dizer, em suma, que os controles de capitais de curto prazo não conseguiram evitar a
valorização cambial e parecem ter influenciado uma mudança na composição dos créditos externos,
reduzindo a participação relativa dos capitais de curto prazo. Seria interessante destacar um efeito
claramente positivo do encaixe: por um lado, reduziu o custo financeiro que implica a esterilização
para o Banco Central; por outro, a arrecadação tributária do encaixe permite financiar parte do custo
financeiro total da esterilização.

Por último, em relação aos fluxos de capital estrangeiro que entram no país a fim de aproveitar o
diferencial das taxas de juros, o imposto Tobin é um mecanismo para que o país anfitrião arrecade
impostos sobre a renda gerada pela economia local.

7. Resultados Observados

O debate sobre a política antiinflacionária chilena omitiu, até agora, referências relativas à políti-
ca fiscal. A razão é muito simples. Durante a década de 90, a economia chilena registrou, continua-
mente, superávits fiscais. A magnitude desses superávits foi, em geral, superior a 1,5% do PIB (ver
gráfico 8).

GRÁFICO 8
Superávit Fiscal

(Em porcentagem do PIB)

157
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

3,0%

2,5%

2,0%

1,5%

1,0%

0,5%

0,0%
1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995

Fonte: Estatísticas das Finanças Públicas.

Deve-se ressaltar, também, o crescimento anual do gasto social. Enquanto a taxa da inflação
(anual) foi reduzida até chegar ao nível de um dígito, o gasto social aumentou a taxas anuais superio-
res a 9% durante o triênio 1991 — 1993, e a taxas superiores a 6% durante o biênio 1994 — 1996
(ver gráfico 9). O gasto social atingiu um percentual próximo a 13% do PIB.

158
A POLÍTICA ANTIINFLACIONÁRIA CHILENA DA DÉCADA DE 90

GRÁFICO 9
Crescimento Anual do Gasto Social

(Em pesos de 1995)

12%

10%

8%

6%

4%

2%

0%

-2%
1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995

Fonte: Estatísticas das Finanças Públicas.

Um outro aspecto que merece ser destacado no caso chileno é o fato de a diminuição da taxa da
inflação ter sido lograda em um contexto de elevadas taxas de crescimento. De fato, a redução da taxa
de inflação para um patamar de um dígito está acompanhada de taxas de crescimento superiores a
6%. Mais ainda, poderia-se, inclusive, inferir que haveria uma aparente relação negativa entre a infla-
ção e o crescimento; i.e., menores taxas de inflação estão associadas a maiores taxas de crescimento
(ver gráfico 10). A esse respeito, o Banco Central (1995) inclusive afirmou que as baixas taxas de
inflação seriam a causa do elevado ritmo de crescimento.

Em decorrência das altas taxas de crescimento, o nível de desemprego oscilou, em geral, entre
5% e 6,5%. Isso significa que o programa de estabilização antiinflacionária, com redução gradual,
porém sustentada, da inflação, não teve um efeito importante sobre a taxa de desemprego (ver gráfico
11).

159
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

GRÁFICO 10
Inflação e Crescimento

(Variação 12 meses)

16%

14%

12% 1992
Crescimento do PIB

10% 1996 1989


1990
8% 1995 1993

6%

4% 1994

1991
2%

0%

-2%
0% 5% 10% 15% 20% 25% 30%
Inflação

GRÁFICO 11
Inflação e Desemprego

(Variação 12 meses)

8,0
7,5
Taxa de desemprego

7,0
6,5 1991
6,0 1989

5,5 1995 1990


1994 1992
5,0
4,5 1993

4,0
0% 5% 10% 15% 20% 25% 30%
Inflação

160
A POLÍTICA ANTIINFLACIONÁRIA CHILENA DA DÉCADA DE 90

Por último, os salários reais apresentam aumentos anuais que oscilam entre 4% e 5% (gráfico
A.14). O salário-mínimo, expresso em dólares, aumentou 2,5 vezes em um período de sete anos; em
1989, o salário-mínimo era de US$60 mensais. Esse valor aumentou para US$150 mensais em 1996.
Em termos gerais, a valorização cambial teve um importante impacto no aumento dos salários reais
(ver gráfico A.16).

Resumindo, o programa antiinflacionário foi muito bem-sucedido na redução sustentada da infla-


ção para um patamar de um dígito. Além disso, a economia chilena teve um ritmo de crescimento
anual próximo a 7%, um índice de desemprego de aproximadamente 5% e um crescimento dos salári-
os reais entre 4% e 5%.

161
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

ANEXO

GRÁFICO A.1
Reajuste do Ingresso Mínimo Mensal

50%
45% Efetivo
Inflação Passada
40%
35%
30%
25%
20%
15%
10%
5%
0%
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996

GRÁFICO A.2
Inflação Trimestral Anual

(Variação em 12 meses)

35%
Total
Comercializáveis
30%
Não-comercializáveis

25%

20%

15%

10%

5%

0%
1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

162
A POLÍTICA ANTIINFLACIONÁRIA CHILENA DA DÉCADA DE 90

GRÁFICO A.3
Inflação e Variação/Tipo de Câmbio

(Variação em 12 meses)

40%
Inflação
30%
Tipo de Câmbio
20% Nominal

10%

0%

-10%
1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996
GRÁFICO A.4
Inflação e Câmbio/Salários Nominais

(Variação em 12 meses)

35%

30% Inflação Salários Nominais

25%

20%

15%

10%

5%

0%
1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

163
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

GRÁFICO A.5
Taxa de Juros Real Anual

(Colocações — 90 dias a 1 ano)

16%
14%
12%
10%
8%
6%
4%
2%
0%
1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996
Trimestres

GRÁFICO A.6
Evolução do PIB e Gasto Trimestral

(Variação percentual em 12 meses)

20%

Gasto
15% PIB

10%

5%

0%

-5%
1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

164
A POLÍTICA ANTIINFLACIONÁRIA CHILENA DA DÉCADA DE 90

GRÁFICO A.7
Diferença Gasto - Produto

(Variação percentual em 12 meses)

8%

6%

4%

2%

0%

-2%

-4%

-6%
1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996
GRÁFICO A.8
Evolução/Tipo de Câmbio Real

(Trimestral)

120,0
TCR
110,0 TCR sem A.L

100,0

90,0

80,0

70,0
1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

165
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

GRÁFICO A.9
Apreciação Cambiária (anual)

(Base 1989)

20%

15%

10%

5%

0%
1990 1991 1992 1993 1994 1995
-5%

GRÁFICO A.10
Balança Comercial

(Trimestral)

1000,0

800,0

600,0

400,0
(mm de US$)

200,0

0,0
1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

-200,0

-400,0

-600,0

166
A POLÍTICA ANTIINFLACIONÁRIA CHILENA DA DÉCADA DE 90

GRÁFICO A.11
Conta Corrente

(Trimestral)

800,0
600,0
400,0
200,0
(mm US$)

0,0
-200,0
-400,0
-600,0
-800,0
1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995
GRÁFICO A.12
Gasto Social

(Porcentagem do PIB)

13,6%

13,4%

13,2%

13,0%

12,8%

12,6%

12,4%

12,2%
1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995

GRÁFICO A.13
Inflação e Crescimento

167
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

(Variação em 12 meses)

30,0% 16,0%

Inflação 14,0%
25,0%
PIB 12,0%

Crescimento do PIB
20,0% 10,0%
Inflação

8,0%
15,0%
6,0%

10,0% 4,0%

2,0%
5,0%
0,0%

0,0% -2,0%
1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996
GRÁFICO A.14
Salário Real e Crescimento

(Variação em 12 meses)

20%
Crescimento do PIB
Salário Real
15%

10%

5%

0%

-5%
1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

GRÁFICO A.15
Salário-Mínimo

(US$ dólares mensais)

168
A POLÍTICA ANTIINFLACIONÁRIA CHILENA DA DÉCADA DE 90

150

130

Dólares 110

90

70

50
1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996
GRÁFICO A.16
Salário Real e Tipo de Câmbio Real

(Em níveis)

120
1990
115 1991
Tipo Câmbio Real

110
1989

105
1992
100 1993
1994
95 1995

90

85
100 105 110 115 120 125 130 135

Salário Real

169
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

Referências Bibliográficas
BANCO CENTRAL. Evolución de la Economía en 1995 y pesrpectivas para 1996. — Santiago: Ban-
co Central de Chile, set. 1995.

BUDNEVICH, Carlos e GODOY, Sergio. Un análisis empírico y de la política económica de la infla-


ción en Chile: In: MORANDE, F. e ROSENDE, F. (eds.) op. cit., p. 237-281, 1995.

BUDNEVICH, Carlos e PEREZ, Jorge. Política monetaria: la reciente experiencia chilena, Estudios
Públicos, n. 59, p. 283-322, 1995.

CORBO, Vittorio e FISHER, Stanley. Lessons from the chilean stabilization and recovery. In:
BOSWORTH, B.; DORNBUSCH, R. e LABÁN, R. (eds.) The chilean economy. Policy Les-
sons and Challenges. — Washington, D.C.: Brookings Institution, 1994, p. 29-78.

EDWARDS, Sebastian e COX, Alejandra. Monetarism and liberalization. The chilean experiment.
— Massachussetts: Ballinger, 1987.

HELLEINER. 1992, citado em MELLER, P. Effects of the current global economic system on LDCs: a
latin american perspective. — Ottawa: North-South Institute, 1994.

LE FORT, Guillermo e BUDNEVICH, Carlos. Capital account regulations and macroeconomic


policy: two latin american experiences. — Santiago: Banco Central, 1996. mimeo

MELLER, Patricio. L’economie durant le récent gouvernement démocratique (1990-1993). Pro-


blèmes d’Amérique Latine, n. 11,Paris, p. 71-78, dez. 1993.

______. Effects of the current global economic system on LDCs: a latin american perspective. Artigo
preparado para a Conferência global Governance and Development Fifty Years after Bretton-
Woods. — Ottawa: North-South Institute, jun. 1994, p. 23-24.

MORANDE, Felipe e ROSENDE, Felipe. (eds.) Análisis ampírico de la inflación en Chile. — Santi-
ago: ILADES-U. Católica, 1995.

ROGOFF, Kenneth. The optimal degree of commitment to an intermidiate monetary target. 1985.
Reproduzido em PERSSON, T. e TABELLINI, G. (eds.) Monetary and Fiscal Policy, v. 1: Cre-
dibility, Cambridge, MIT Press, p. 203-224, 1994.

ROJAS, P; ROSENDE, Francisco e VERGARA, Rodrigo. Dinámica de la inflación en Chile; ele-


mentos para el análisis. In: MORANDE, F. e ROSENDE, F.(eds.) op. cit., 1995, p. 155-204.

VALDES, Salvador e SOTO, Marcelo. Now selective capital controls in Chile: are they effective? —
s.l.: World Bank, set. 1995. mimeo

ZAHLER, Roberto. Perspectivas económicas para 1996. Apresentação no Seminário “Proyección


96”. — Santiago: Bolsa Eletrônica, mar. 1996.

170
PLANO REAL: UMA SEGUNDA AVALIAÇÃO1

Edmar L. Bacha

Sumário

1. Sucesso Inicial, Acompanhado


de Desequilíbrios 179

2. Resposta da Política Econômica 183

3. Conseqüências dos Ajustes de Política 187

4. Avaliação e Perspectivas 193

5. Déficit Público e Política Cambial 195

6. Bens Comerciáveis e Não-Comerciáveis 196

7. Câmbio, Competitividade e Lucratividade 198

Apêndice 202

Referências Bibliográficas 204

1 O título deste artigo remete a meu texto anterior, "Plano Real: uma avaliação preliminar", publicado na Revista
BNDES, 2(3), junho 1995: 3-26.
PLANO REAL: UMA SEGUNDA AVALIAÇÃO

1. Sucesso Inicial, Acompanhado de Desequilíbrios

uando o senador Fernando Henrique Cardoso tomou posse como presidente da República, em

Q 1o de janeiro de 1995, era inconteste o sucesso inicial do Plano Real. Conforme se ilustra no
gráfico 1, a inflação desabara, de 40% a 50% ao mês no primeiro semestre de 1994, para 1% a
2% ao mês no final do ano.

GRÁFICO 1
Taxa de Inflação Mensal

(Em porcentagem)

55%

45%
IPC -1995 = 25.9%
IPA-DI - 1995 = 6.4%
35%
% ao mês

25%

15%

5%
0%

-5%
Mar/94

Mar/95

Mar/96
Jul/94

Jul/95
Jan/94

Mai/94

Jan/95

Mai/95

Jan/96

Mai/96
Nov/94

Nov/95
Set/94

Set/95

Fonte: Banco Central do Brasil.

O sucesso inicial do Plano Real demonstrou na prática o acerto das proposições teóricas que o
sustentavam: que era preciso, antes de mais nada, deixar patente que o governo poderia equilibrar
suas contas sem o auxílio da corrosão dos gastos orçamentários propiciada pela inflação; que a con-
versão dos salários e outros contratos, de cruzeiros reais, para uma unidade de conta indexada diaria-
mente (a URV), não necessariamente levaria a uma aceleracão da inflação em cruzeiros reais, desde
que as conversões fossem feitas pela média; e que a inflação poderia, por meio de uma reforma mo-
netária, ser trazida para próximo de zero instantaneamente, de forma preanunciada, sem confiscos de
ativos financeiros, nem congelamentos de preços e salários.2

Apesar de os meses iniciais do Real terem sido auspiciosos, eram claros os desequilíbrios que se
avolumavam e que poderiam, na falta de ação do governo, desembocar em problemas similares aos

2 Para uma discussão desses temas, ver Bacha (1995).

179
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

que haviam condenado ao fracasso, desde 1986, as tentativas anteriores de estabilização de preços na
economia brasileira.

Um dos principais problemas era a discrepância entre o aumento dos salários nominais, determi-
nado pelas regras da política salarial, e a apreciação da moeda doméstica, determinada pelo curso das
políticas cambial e monetária. Os salários foram convertidos em URV, em março de 1994, pelas médi-
as reais dos quatro meses anteriores. Essas médias, entretanto, foram calculadas nos dias de paga-
mento, e não nos dias médios de dispêndio. Isso implicava um ganho no poder de compra dos salári-
os, pós-Real, equivalente ao imposto inflacionário que antes os corroía, em cruzeiros reais, entre o dia
de recebimento e o dia médio de dispêndio.

Além disso, os salários passaram a ser recebidos mês após mês em moeda de poder de compra
relativamente constante, quando antes sofriam uma forte deterioração entre os picos que se seguiam
ao reajuste quadrimestral e os vales que antecediam tais reajustes. Embora as médias fossem iguais,
um ganho adicional de renda real advinha da eliminação da incerteza associada à forte oscilação dos
salários reais, antes observada dentro dos períodos quadrimestrais de reajuste. Esse ganho derivado da
estabilização da moeda explicitou-se no mercado pela maior facilidade que os assalariados passaram a
ter de acesso ao crédito ao consumidor, que se expandiu de forma considerável no período, apesar de
o Banco Central, no início do plano, a fim de reduzir o multiplicador do crédito bancário, ter imposto
um compulsório de 100% na margem sobre os depósitos à vista nos bancos comerciais.3

Ainda mais importante, manteve-se por um ano a indexação anual dos salários, baseada em um
novo índice de preços, o IPCr, que nos seis primeiros meses do plano acumulou uma variação de 23%.
Essa variação foi em grande parte determinada pela combinação de um carry over da inflação em
cruzeiros reais de junho de 1994 com problemas sazonais na oferta de alimentos e fortes ajustes dos
preços dos aluguéis residenciais. Não se tratava, assim, de medida do núcleo da inflação em reais (que
caiu para próximo de zero, conforme indicado pelo comportamento do IPA da indústria), e, portanto,
ao ser repassada aos salários, implicava aumentos dos custos reais de produção, sinalizando a dificul-
dade da manutenção, seja do congelamento imposto a tarifas e preços dos serviços públicos, seja da
liberdade vigiada exercida sobre os preços dos setores oligopolizados do comércio e da indústria.

Enquanto isso, a combinação de uma política monetária de juros primários elevados, com uma
política cambial de banda assimétrica,4 havia feito com que o real se apreciasse em relação ao dólar,
de uma paridade unitária no início do plano, para R$ 0,846 por US$ 1,00 em 31 de dezembro de
1994, ou seja, uma apreciação nominal de 15%, contribuindo, portanto, para uma queda adicional na
relação câmbio-salários. O impacto da apreciação cambial sobre as contas externas se via fortalecido

3 Entre junho e dezembro de 1994, os empréstimos do sistema financeiro às pessoas físicas expandiram-se em
nada menos do que 150% (Cf. Boletim do BCB, 32(4), abril 1996, p. 98).
4 Nos termos da banda assimétrica, o Banco Central se obrigava a intervir caso o real tendesse a se desvalorizar
em relação ao dólar além da paridade de 1: 1, mas deixava o mercado livre caso houvesse uma tendência de
apreciação do real em relação ao dólar.

180
PLANO REAL: UMA SEGUNDA AVALIAÇÃO

pela decisão, adotada em setembro de 1994, de acelerar o ritmo de liberação das importações, como
forma de evitar o repasse para os preços das pressões de custo e de demanda que então se manifesta-
vam.

As pressões de demanda advinham do aumento do poder de compra dos salários acima descrito,
adicionado a um movimento de antecipação de compras, tanto de bens duráveis como de equipamen-
tos, na expectativa de que a estabilização seria apenas temporária, como das vezes anteriores. Esse
aumento de demanda se viu amparado por uma elevação de 37% nos empréstimos do sistema finan-
ceiro para o setor privado entre junho e dezembro de 1994.5

Às pressões de demanda que provinham do setor privado acrescentavam-se as exercidas pelo se-
tor público. Houve, em primeiro lugar, em setembro e dezembro de 1994, aumentos de salários para
as forças armadas e os grupamentos salariais mais baixos do Executivo federal, a título de isonomia
com o funcionários do Legislativo e do Judiciário. Em janeiro de 1995, todo o funcionalismo foi
beneficiado pela política de indexação salarial, não somente com um reajuste integral pelo IPCr, mas
também pela substituição, pela média mais alta de 12 meses, da média mais baixa de quatro meses
que havia sido adotada em março de 1994 para a conversão dos salários em URV.6 Em março de 1995,
houve um significativo reajuste das gratificações para os cargos comissionados do Executivo federal.
Finalmente, em maio de 1995, o salário-mínimo foi reajustado para R$ 100, 10% a mais do que a
variação do IPCr, em um movimento que se estendeu aos benefícios previdenciários. Esse conjunto de
decisões conduziu a um forte aumento da massa salarial e de benefícios previdenciários no setor
público como um todo, já que decisões similares, se não mais generosas, foram adotadas nos estados
e municípios.

O aumento acentuado da demanda interna, associado a seu desvio para os produtos importados,
teve duas conseqüências, já no final de 1994: um grau crescente de utilização da capacidade instalada
na indústria e uma rápida deterioração da balança comercial. O comportamento do IPA-indústria (dele
se excluindo os produtos alimentares, devido a seu comportamento sazonal, e os derivados de petró-
leo, cujos preços eram controlados pelo governo) indica, no gráfico 2, que a combinação da pressão
de custos salariais com o aumento da demanda doméstica foi suficientemente forte para provocar um
movimento ascendente do núcleo da inflação interna, mesmo ante a ampliação da concorrência exter-
na propiciada pela apreciação cambial e a redução das importações.

5 Cf. Boletim do Banco Central do Brasil, 32(4), abril 1996: p. 98.


6 Na versão original da medida provisória da URV, não havia previsão de correção monetária dos salários dos
setores privado ou público, apenas a substituição da média de quatro meses pela de 12 meses na primeira data-
base após a introdução do Real. O governo aceitou a introdução da correção dos salários pelo IPCr no Congres-
so, para assegurar a aprovação da URV antes do lançamento do Real.

181
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

GRÁFICO 2
Industrial
IPA

(Sem agrícolas e combustíveis)

2.50

2.00

1.50

1.00

0.50

0.00

-0.50
Mai/95

Mai/96
Set/95
Nov/94

Dez/94

Ago/95

Nov/95

Dez/95
Mar/95

Mar/96
Fev/95

Fev/96
Out/94

Jan/95

Jun/95

Jul/95

Out/95

Jan/96

Jun/96
Abr/95

Abr/96
Fonte: Processamento próprio, com base em dados da FGV.

Foi nesse contexto de forte alteração de preços relativos e da relação entre demanda e produção
que a economia brasileira se viu atingida pelos reflexos da crise mexicana. Isso levou a um refluxo
dos movimentos internacionais de capitais, acrescentando-se às pressões sobre as reservas internacio-
nais que já se manifestavam desde setembro, em função da deterioração da balança comercial. Em
conseqüência, as reservas internacionais do país experimentaram uma queda acentuada a partir do
final de 1994.

2. Resposta da Política Econômica

Entre março e junho de 1995, o governo adotou um conjunto de drásticas medidas para lidar com
os desequilíbrios anteriormente identificados, que ameaçavam a sustentação do Plano Real.

Houve, em primeiro lugar, a decisão de aumentar fortemente a taxa básica de juros e de impor
restrições adicionais à expansão do crédito. Essas medidas restritivas se somaram àquelas em vigor
desde dezembro de 1994, que impuseram um compulsório de 30% sobre os depósitos a prazo e de
15% sobre os empréstimos bancários.7

7 Em dezembro de 1994, o compulsório sobre depósitos à vista foi reduzido de 100% para 90%.

182
PLANO REAL: UMA SEGUNDA AVALIAÇÃO

O gráfico 3 mostra o comportamento da taxa efetiva de juros do overnight, indicando a tendência


inicial declinante no segundo semestre de 1994, seguida de um forte aumento a partir de março de
1995. Desde então, observa-se uma queda sustentada nessa taxa, que chega em junho de 1996 ao
nível de 26% ao ano. Associadas ao aumento da inadimplência, as medidas contracionistas tiveram
um forte impacto sobre o crédito do sistema financeiro para o setor privado, cuja expansão se reduz
para 21% no primeiro semestre, e para apenas 6,5% no segundo semestre de 1995.8

Simultaneamente com o aperto monetário, o Banco Central anunciou em março uma desvaloriza-
ção de 5% do real em relação ao dólar, conjugada à adoção de uma banda cambial deslizante, e a um
aumento de 20% para 70% das tarifas de importações sobre automóveis e eletrodomésticos.

Devido à incerteza sobre a forma que o Banco Central iria atuar no novo regime de bandas cam-
biais, aguçou-se, por algumas semanas, a pressão sobre as reservas internacionais, até ficar claro que
o Banco Central iria definir de tempos em tempos uma banda larga para o câmbio, e que, dentro
dessa banda, praticaria intervenções diárias, de modo a caracterizar uma minibanda e a provocar
pequenas, mas sucessivas, desvalorizações dessas minibandas ao longo do mês, em dias e magnitudes
não preanunciadas. O acumulado mensal dessas minidesvalorizações seria, entretanto, módico quando
comparado com a diferença agora magnificada entre as taxas internas e externas de juros de curto
prazo, ou seja, mantinha-se o incentivo para se manterem em reais os ativos financeiros domésticos
de curto prazo.9 Uma vez absorvidas essas mudanças, o país voltou a acumular reservas internacio-
nais.

GRÁFICO 3
Taxas de Juros

(Porcentagem ao ano)

8 Cf. Boletim do Banco Central do Brasil, 32(4), abril 1996: p. 98.


9 Isso não necessariamente implicava a existência de um incentivo para transferir ativos financeiros de curto prazo
de dólares para reais, pois as entradas de capitais para aplicações em renda fixa (ao contrário das saídas) foram
taxadas com um IOF de 7% na cabeça. As exceções a essa regra, entretanto, permitiram, até fevereiro de 1996,
quando a maior parte dos vazamentos foi fechada pelo Banco Central, uma considerável entrada líquida de ca-
pitais para aplicação em instrumentos de renda fixa de curto prazo. Para maiores detalhes, ver Garcia e Bar-
cinski (1996).

183
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

120.0%

Overnight (%a.a.)
100.0%

80.0%
Taxa de Juros

60.0%

40.0%

20.0%

0.0%
Jul/94

Nov/94

Dez/94

Jul/95

Nov/95

Dez/95
Mar/95

Mar/96
Fev/95

Fev/96
Out/94

Jan/95

Mai/95

Jun/95

Out/95

Jan/96

Mai/96

Jun/96
Abr/95

Abr/96
Set/94

Set/95
Ago/94

Ago/95
Fonte: Banco Central do Brasil.

O gráfico 4 mostra o comportamento da taxa de câmbio do real em relação ao dólar, indicando a


apreciação ocorrida até março de 1995, bem como a mididesvalorização cambial aí adotada, seguida,
a partir de maio, de uma seqüência de minidesvalorizações no contexto das bandas cambiais desli-
zantes em vigor desde então. A partir de setembro de 1995, o Banco Central tem sistematicamente
desvalorizado o real em relação ao dólar a uma taxa de mensal de 0,5%/0,6% ao mês.

184
PLANO REAL: UMA SEGUNDA AVALIAÇÃO

GRÁFICO 4
Taxa de Câmbio (R$/US$)

(Último dia do mês)

1.050

1.000

0.950
R$/US$

0.900

∆1995 = 15.0%
0.850

0.800
Mar/95

Mar/96
Mai/95

Mai/96
Set/94

Nov/94

Dez/94

Set/95

Nov/95

Dez/95
Fev/95

Fev/96
Jul/94

Abr/95

Jul/95

Abr/96
Jun/94

Out/94

Jan/95

Jun/95

Out/95

Jan/96

Jun/96
Ago/94

Ago/95
Fonte: Banco Central do Brasil.

Em junho de 1995, o governo editou a medida provisória da desindexação, abolindo o IPCr, e ins-
tituindo o regime de livre contratação salarial a partir de julho de 1995. Mais precisamente, nos acor-
dos e dissídios coletivos anuais, que se realizassem a partir dessa data, seria devido apenas o resíduo
do IPCr de 12 meses, entre julho de 1994 e junho de 1995, que ainda não houvesse sido repassado na
data-base anterior. Assim, por exemplo, uma categoria sindical com dissídio em outubro de 1995 teria
direito ao IPCr de outubro de 1994 a junho de 1995, devendo negociar com o sindicato patronal even-
tuais compensações pela inflação ocorrida entre junho e setembro de 1995. Essa decisão (ainda não
transformada em lei pelo Congresso) marca uma ruptura histórica com o regime de indexação salarial
introduzido a partir de 1964 pelo regime militar, supostamente destinado a substituir os conflitos
sociais pelos cálculos aritméticos da inflação passada, mas do qual só resultou a institucionalização da
inflação como forma de acomodar as disputas de rendas entre patrões e empregados.10

3. Conseqüências dos Ajustes de Política

10 Sobre o regime de indexação salarial e suas conseqüências inflacionárias, ver Simonsen (1995), especialmente
os capítulos 4 e 9.

185
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

Conforme se verifica no gráfico 2, as medidas de ajuste adotadas tiveram pleno êxito em fazer
reverter, a partir de abril, o repique inflacionário que vinha se manifestando no IPA-indústria.11

As medidas adotadas em março de 1995 (adicionadas aos efeitos defasados dos compulsórios cri-
ados em dezembro de 1994) também tiveram êxito em reverter o déficit externo: conforme se verifica
no gráfico 5, a partir de junho de 1995 a balança comercial passa a apresentar pequenos superávits,
em uma situação que se mantém sob controle no primeiro semestre de 1996.

GRÁFICO 5
Saldo Comercial Mensal
(US$ milhões)

2,000

1,500

1,000
1995 = US$(3.350) milhões
Saldo Comercial

500

(500)

(1,000)
1994 = US$10.500 milhões
(1,500)

(2,000)
Jul/94

Nov/94

Jul/95

Nov/95
Set/94

Set/95
Jan/94

Mai/94

Jan/95

Mai/95

Jan/96

Mai/96
Mar/94

Mar/95

Mar/96
Fonte: Banco Central do Brasil.

Junto com a reversão do déficit comercial, ocorre também uma reversão dos movimentos desfa-
voráveis da conta capital. Como conseqüência, como se vê no gráfico 6, as reservas internacionais,
que se haviam reduzido em cerca de US$ 10 bilhões no primeiro semestre, mais do que recuperam
suas perdas e crescem continuamente até atingir um valor de cerca de US$ 58 bilhões no final do
primeiro semestre de 1996.

GRÁFICO 6
Reservas Internacionais
Conceito Caixa — Final De Período

(US$ bilhões)

11 A bolha inflacionária em outubro de 1995 decorreu de ajustes de preços controlados pelo governo, como
bebidas, fumo e remédios.

186
PLANO REAL: UMA SEGUNDA AVALIAÇÃO

60

50

US$ bilhões 40

30

20

10

0
Jul/94

Nov/94

Jul/95

Nov/95
Set/94

Set/95
Jan/94

Mai/94

Jan/95

Mai/95

Jan/96

Mai/96
Mar/94

Mar/95

Mar/96
Fonte: Banco Central do Brasil.

As contrapartidas dos êxitos que se obtiveram nos combates à inflação e ao déficit externo mani-
festaram-se em pelo menos três áreas: na atividade econômica, na fragilidade financeira e no déficit
público.

Conforme se indica no gráfico 7, o PIB vinha crescendo a um ritmo acelerado, desde o lançamento
do plano até o primeiro trimestre de 1995. O arrocho creditício provoca não somente uma parada
nesse crescimento, como uma queda no nível de atividade no segundo e terceiro trimestre desse ano.
A partir daí, a economia tende a se recuperar. Em março de 1996, ante o comportamento morno da
economia no primeiro trimestre, o Banco Central promoveu uma nova rodada de levantamento das
restrições ao crédito ao consumo.

GRÁFICO 7
Dessazonalizado PIB Trimestral

(1980=100)

187
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

150

145
1994: variação % 1995 :variação %
140 5.8% 4.2%
135
Indice 1980=100

130

125

120

115

110

105

100
1994-I 1994-II 1994-III 1994-IV 1995-I 1995-II 1995-III 1995-IV 1996-I

Fonte: IBGE.

A reversão do nível de atividade no segundo semestre de 1995, associada ao aumento dos juros e
dos salários, agravou a situação financeira de firmas que se haviam endividado ao longo do boom dos
12 meses anteriores, particularmente na agricultura, cujos preços se viram pressionados pela supersa-
fra em 1995. Além disso, a apreciação do real e o aprofundamento da abertura ao exterior trouxeram
dificuldades adicionais para firmas mais frágeis em setores particularmente afetados pela concorrên-
cia externa, como autopeças, brinquedos, couro e calçados, e têxteis. Cresceu, em conseqüência, o
volume de créditos em atraso ou em liquidação no sistema financeiro, bem como as concordatas e
falências. A parcela dos empréstimos totais do sistema financeiro ao setor privado, em atraso e em
liquidação, passa de 7,5% para 13,5%, entre dezembro de 1994 e dezembro de 1995.12 Para os ban-
cos comerciais, as perdas com tais créditos vieram somar-se ao fim dos substanciais ganhos com os
spreads inflacionários, que antes obtinham sobre os depósitos à vista, os títulos em cobrança e os
depósitos de poupança retirados antes das respectivas datas de aniversário.

A fragilidade de parcela do sistema financeiro ficou patente quando o Banco Central, para parar
uma corrida às agências, se viu na contingência de fechar o Banco Econômico em agosto de 1995. Foi
quando se tomou a decisão tardia de instituir um sistema de proteção aos depósitos à vista, e de criar
um programa de reestruturação dos bancos privados (PROER), viabilizando a transferência a novos
proprietários dos passivos de bancos privados problemáticos, cuja falência poderia, a juízo da autori-
dade monetária, pôr em perigo a estabilidade do sistema financeiro. O PROER implicou uma transfe-
rência para o governo federal dos empréstimos problemáticos dos bancos em dificuldades,13 mas em

12 Cf. Boletim do Banco Central do Brasil, 32(4), abril 1996: p. 94.


13 Por meio do PROER, o Banco Central empresta aos bancos problemáticos (que são normalmente colocados sob
intervenção da autoridade monetária) a diferença entre o valor total dos passivos e o valor dos ativos bons des-
ses bancos que são transferidos para novos controladores. Como garantia desses empréstimos, são aceitos pelo
valor de face créditos contra o governo, com valor de mercado (mas não de face) menor do que a dívida mobi-

188
PLANO REAL: UMA SEGUNDA AVALIAÇÃO

contrapartida permitiu que se restabelecesse um modicum de tranqüilidade no sistema financeiro do


país.

Um terceiro impacto da política de juros elevados foi sobre o déficit público. Conforme se obser-
va no gráfico 8, no conceito operacional, o resultado consolidado do setor público14 passa de um
superávit de 1,34 % do PIB em 1994 para um déficit de 4,99% do PIB em 1995, uma piora de 6,33
pontos percentuais do PIB. Três quartos dessa deterioração se deveram ao impacto dos aumentos de
salários e aposentadorias antes mencionados sobre o resultado primário, que passa de superávit de
5,16%, em 1994, para apenas 0,37% do PIB, em 1995. Mas é também significativo o impacto da conta
de juros, que aumenta de 3,82% para 5,36% do PIB entre 1994 e 1995.

liária que é eventualmente emitida para enxugar a expansão monetária provocada pelos empréstimos feitos aos
bancos sob intervenção.
14 Setor público é definido como a soma do governo federal (inclusive Banco Central), governos estaduais e
municipais e respectivas empresas estatais não-financeiras.

189
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

GRÁFICO 8
Superávit/Déficit do Setor Público

(Porcentagem do PIB)

6 5,1 %
Primário*
Operacional**
4
2,6 %
2,3 %

2 1,3 %
0,6 %
0,4 %
0,2 %

(2) (2,2%)

(3,7%)
(4)

(5,0%)

(6)
1992 1993 1994 1995 1996***

Fonte: Banco Central do Brasil.


Notas: * Exclui despesas com juros.
** Inclui despesas com juros.
*** Janeiro a abril de 1996.

O aumento do déficit em 1995 fez com que se interrompesse um processo de queda progressiva
da dívida líquida do setor público15 como proporção do PIB, que se vinha manifestando desde o início
da década, conforme se indica no gráfico 9. Entre dezembro de 1994 e dezembro de 1995, a dívida
líquida aumenta de 28,5% para 32,2 % do PIB. O gráfico também indica que, nos primeiros quatro
meses de 1996, foi muito pequeno o aumento da dívida líquida. Isso se deve a que o déficit operacio-
nal nesse quadrimestre foi bem menor do que ao longo de 1995, ou seja, 3,65% do PIB.

15 A dívida líquida do setor público engloba tanto a dívida externa (líquida das reservas internacionais no conceito
de liquidez internacional), como a dívida interna (líquida em particular dos créditos internos do Banco Central
contra o setor bancário público e privado).

190
PLANO REAL: UMA SEGUNDA AVALIAÇÃO

GRÁFICO 9
Dívida Líquida do Setor Público

(Porcentagem do PIB)

45

40 Externa

35
Interna

30

25

20

15

10

1991 Dez 1992 Dez 1993 Dez 1994 Dez 1995 Dez 1996 Abr

Fonte: Banco Central do Brasil.

Embora esse último resultado seja bem-vindo, ele deve ser contraposto ao fato de que a composi-
ção da dívida líquida tem-se tornado cada vez mais onerosa ao longo do tempo. Conforme se ilustra
na tabela 1, a dívida interna representada por títulos públicos federais era de 11,2% do PIB, em dezem-
bro de 1994, e passa sucessivamente para 16,3% do PIB, em dezembro de 1995, e 19,6% do PIB, em
abril de 1996.

Os dados no quadro também permitem concluir que, do aumento de 8,4 pontos percentuais do PIB
na dívida mobiliária do governo federal entre dezembro de 1994 e abril de 1996, apenas 2,0 pontos
deveram-se ao déficit público federal acumulado no período, conforme indicado pelo comportamento
da dívida líquida. Da diferença, 3,2 pontos são imputáveis à redução em outros tipos de dívida (em
geral menos onerosas que a dívida mobiliária, tais como a base monetária e a dívida externa) e outros
3,2 pontos, à aquisição de ativos financeiros pelo governo federal, na forma de créditos contra insti-
tuições financeiras nacionais públicas e privadas (2,2 pontos) e de reservas internacionais (1,1 ponto).

TABELA 1
Dívida Líquida do Setor Público e PIB

Item Dez/94 Dez/95 Abr/96


(% do PIB)

191
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

(1) Dívida líquida do governo federal 12,3 14,1 14,3

Dívida bruta 31,4 35,2 36,6

Interna 18,1 23,3 25,5

sendo: Tít. Públ. Fed.11,2 16,3 19,6

Externa 13,3 11,9 11,1

Créditos 19,1 21,1 22,3

Internos 11,9 13,2 14,0

sendo: do Banco Central 5,3 6,9 7,5

Reservas internacionais 7,2 7,9 8,3

(2) Dívida líquida de governos estaduais e municipais 9,5 11,1 11,6

(3) Dívida líquida das estatais 6,7 7,0 6,8

(4) Dívida líquida do setor público (1+2+3) 28,5 32,2 32,8

PIB (R$ bilhões) 537,3 656,3 689,8

Fonte: Banco Central do Brasil.

4. Avaliação e Perspectivas

Embora o Plano Real tivesse tido um sucesso extraordinário nos seus seis primeiros meses de
vida, parece hoje claro que a economia brasileira se encontrava em uma trajetória insustentável quan-
do o país foi atingido pela crise mexicana, tanto pelo desequilíbrio crescente entre demanda e produ-
ção, como pela contínua pressão dos salários sobre os preços. As causas dessas tendências eram múl-
tiplas: a indexação dos salários, o déficit público, a apreciação do câmbio, a expansão do crédito ao
setor privado.

O governo agiu inicialmente sobre a expansão do crédito e a apreciação do câmbio. Entre junho e
dezembro de 1994, o crédito dos bancos ao setor privado havia crescido 37%. Com as medidas de
contração creditícia adotadas, essa expansão caiu para 21% no primeiro semestre, e apenas 6,5% no
segundo semestre de 1995. Por sua vez, até dezembro de 1994, o câmbio se havia apreciado em 15%
em termos nominais: a partir de março de 1995, essa apreciação é progressivamente corrigida com a
introdução do regime de bandas cambiais deslizantes.

Quanto aos salários, o governo decidiu honrar os compromissos políticos assumidos quando da
criação da URV, que incluíam o reajuste pleno do funcionalismo em janeiro de 1994, o reajuste do
salário-mínimo para R$ 100 em maio de 1994, e a manutenção da indexação salarial até junho de
1995. Foi somente a partir dessa última data que medidas mais efetivas de desindexação puderam ser
tomadas para deter a escalada dos salários nominais no setor privado.

192
PLANO REAL: UMA SEGUNDA AVALIAÇÃO

No que se refere aos salários do funcionalismo público, ao salário-mínimo e às aposentadorias,


foi somente a partir de 1996 que medidas corretivas puderam ser adotadas: os salários do funciona-
lismo não foram aumentados em janeiro, conforme havia ocorrido em anos anteriores; em maio, o
salário-mínimo foi corrigido em 12%, e não pela variação integral do INPC desde maio do ano anterior
(aproximadamente 20%); e os benefícios da previdência social foram corrigidos em 15%, tendo como
contrapartida a instituição de uma contribuição sobre as aposentadorias do setor público.

Esse conjunto de medidas permitiu corrigir o desequilíbrio entre demanda e produção, conforme
indicado pelo comportamento tanto da balança comercial como da inflação a partir do segundo se-
mestre de 1995. Com a queda da taxa de juros, a correção mais acentuada das tarifas e preços públi-
cos, e o não-aumento do salário do funcionalismo, o déficit público reduziu-se, no conceito operacio-
nal, de 4,99%, em 1995, para 3,65% do PIB, no ano até abril de 1996, e, mantida a atual postura fiscal,
deverá situar-se no intervalo de 2,5% a 3,0% do PIB até o final do ano.

Diversas questões de política econômica colocam-se daqui para frente. Uma das principais é sa-
ber se as atuais combinações de déficit público e desvalorização cambial, por um lado, e de desvalori-
zação cambial e pressões de custos, por outro, são compatíveis com a queda da inflação e a manuten-
ção do equilíbrio externo, especialmente em um contexto de progressivo afrouxamento da política
monetária, conforme necessário para trazer as taxas de juros para níveis compatíveis com a rentabili-
dade do capital na produção.

5. Déficit Público e Política Cambial

Para analisar a compatibilidade do déficit público com a política cambial, cabe responder à se-
guinte pergunta: é a taxa de inflação permitida pelo atual ritmo de desvalorização cambial (de apro-
ximadamente 7% a.a.) compatível com a taxa de inflação requerida no longo prazo para financiar —
via imposto inflacionário — os níveis atuais de déficit público? Como se demonstra em apêndice, essa
taxa requerida de inflação é dada pela seguinte expressão:

p = [g/py — y(m+b)/py](py/m), em que

p = taxa requerida de inflação

g = déficit público operacional

py = PIB nominal

y = taxa de crescimento do PIB real

m = base monetária

b = dívida pública onerosa líquida

193
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

Tomando os seguintes valores para 1996: g/py = 0,025; y = 0,04; (m+b)/py = 0,33, e py/m = 40,0
(correspondendo a uma relação entre a base monetária e o PIB igual a 2,5%), obtém-se uma taxa re-
querida de inflação de nada menos do que 47% a.a., claramente incompatível com o ritmo de inflação
permitido pela atual política cambial.

Para reduzir a taxa requerida de inflação para o atual ritmo de desvalorização cambial, de 7%
a.a., seria necessário, de acordo com a fórmula apresentada, trazer o déficit operacional de 2,5% para
1,5% do PIB.

Enquanto isso não fosse possível, o governo poderia impedir um crescimento adicional da razão
entre a dívida e o PIB por meio de um programa de privatizações que lhe rendesse 1% do PIB a.a., a ser
utilizado exclusivamente no abatimento de sua dívida pública onerosa. Isso, supondo-se que o déficit
operacional se situe em 2,5% do PIB. Caso ele fique em 3,0% do PIB, o ritmo requerido de privatiza-
ções para abatimento da dívida seria igual a 1,5% do PIB.

6. Bens Comerciáveis e Não-Comerciáveis

A manutenção do equilíbrio externo relaciona-se à capacidade de a política de minidesvaloriza-


ções cambiais comandar o processo inflacionário a curto prazo, ou seja, à medida que a taxa de infla-
ção observada coincida com a taxa de inflação permitida pelo câmbio. Admitindo-se que, no contexto
de uma economia aberta, os preços dos bens comerciáveis respondam ao comando da taxa de câmbio
(questão que se considera no próximo item), o problema é saber se a evolução dos preços dos bens
não-comerciáveis (tipicamente, serviços privados) converge para a dos bens comerciáveis. Caso con-
trário, estar-se-ia produzindo uma progressiva supervalorização cambial que terminaria por provocar
um desequilíbrio externo insustentável.

Trata-se de uma questão empírica, que pode ser tratada do seguinte modo: divide-se o índice de
preços ao consumidor para a cidade de São Paulo calculado pela FIPE-USP (IPC-FIPE) em quatro compo-
nentes: preços sazonais (alimentos e vestuário); preços controlados (incluindo, além dos serviços
públicos, gasolina, álcool, remédios, fumo e mensalidades escolares); serviços privados (excluindo
aluguel, tanto por seu comportamento peculiar, como pelas sabidas deficiências do índice da FIPE

nesse item); e bens comerciáveis (todos os demais).

O gráfico 10 exibe o comportamento de três relações relevantes para o período que vai de janeiro
de 1994 a junho de 1996: preços dos serviços privados/IPC-FIPE; preços dos bens comerciáveis/IPC-FIPE;
e preços dos bens controlados/IPC-FIPE. O gráfico ilustra de forma clara a progressiva divergência entre
os preços dos bens comerciáveis e dos serviços na fase inicial do Plano Real.

194
PLANO REAL: UMA SEGUNDA AVALIAÇÃO

GRÁFICO 10
Evolução Acumulada

(Dez. 93 = 100)

140,00
Comerciáveis / IPC

Controlados / IPC
130,00
Serv. s/ Aluguel / IPC

120,00

110,00

100,00

90,00

80,00
MAI

MAI

MAI
JUN

DEZ

JUN

DEZ

JUN
FEV

MAR

AGO

SET

FEV

MAR

AGO

SET

FEV

MAR
JUL

JUL
ABR

NOV

ABR

NOV

ABR
JAN94

OUT

JAN95

OUT

JAN96
Fonte: Processamento próprio, com base em dados da FIPE-USP.

A partir de junho de 1995, os preços dos serviços mantêm-se estáveis em relação ao índice geral.
O mesmo, no entanto, não ocorre com os preços dos bens comerciáveis, que continuam a divergir do
índice geral. A razão para isso é que, a partir de junho de 1995, a defasagem até então observada nos
preços dos bens controlados passa a ser corrigida de forma significativa. Ou seja, embora ainda não se
possa dizer que os preços, de uma maneira geral, estejam sendo comandados pelo câmbio, é certo que
se produziu uma convergência dos preços dos bens não-comerciáveis para o índice médio de preços,
um ano após o lançamento do plano.

Nesse processo, abriu-se um fosso considerável entre os preços dos serviços privados e os dos
bens comerciáveis: no período de janeiro de 1994 a maio de 1996, há um encarecimento de cerca de
50% dos primeiros em relação aos segundos. Embora esse movimento de preços relativos pudesse ser
interpretado como indicação de uma menor atratividade da produção de bens comerciáveis vis-à-vis
os não-comerciáveis, há que se considerar que os serviços privados não são atividades tipicamente
empresariais, que ofereçam oportunidades alternativas de investimento para os capitais empregados
nas atividades comerciáveis. Ou seja, tendo em vista a alta intensidade de uso de mão-de-obra dos
serviços, essa mudança de preços relativos parece estar na verdade refletindo o maior poder de com-
pra dos salários sobre os bens comerciáveis, desde o início do Plano Real.

195
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

Nesses termos, ao invés de usar comparações entre os preços dos bens comerciáveis e os dos ser-
viços para inferir possíveis perdas de atratividade da produção dos primeiros, parece mais adequado
verificar diretamente a evolução da competitividade externa e da lucratividade interna da produção de
tais bens.

7. Câmbio, Competitividade e Lucratividade

Para lidar com a questão colocada dessa forma, deve assinalar-se que o raciocínio no item anteri-
or supõe que se esteja lidando com um país pequeno, incapaz de afetar o preço em moeda estrangeira
dos bens comerciáveis que produz. Trata-se de um suposto somente em parte aplicável ao Brasil, pela
importância que produtos manufaturados diferenciados têm nas pautas de exportação e de concorren-
tes com a importação. Quando se lida com produtos comerciáveis diferenciados, a taxa de câmbio
também pode afetar os preços relativos dos bens comerciáveis nacionais em relação a seus congêneres
internacionais — isto é, sua competitividade.

No gráfico 11, avalia-se a evolução desde janeiro de 1994 da competitividade dos bens comerciá-
veis nacionais, por meio do cômputo de uma taxa efetiva real de câmbio, a preços de maio de 1996,
em que os deflatores são, para o Brasil, o IPA-indústria, e, para os parceiros comerciais, os respectivos
índices de preços aos produtores (PPI). Movimentos ascendentes indicam uma desvalorização, e des-
cendentes, uma valorização da taxa de câmbio efetiva real.16

16 Agradeço a Dionísio Dias Carneiro o fornecimento da série de taxa real de câmbio.

196
PLANO REAL: UMA SEGUNDA AVALIAÇÃO

GRÁFICO 11
Taxa Efetiva Real de Câmbio

(R$/US$ — IPA-ind/PPI)

1,07

1,05

1,03

1,01

0,99

0,97

0,95

0,93

0,91

0,89

0,87

0,85
Set/94

Nov/94

Set/95

Nov/95
Mar/94

Jul/94

Mar/95

Jul/95

Mar/96
Jan/94

Jan/95

Jan/96
Mai/94

Mai/95

Mai/96
Fonte: Processamento de Dionísio Dias Carneiro, com base em dados do BCB, FGV e FMI.

O gráfico 11 indica que, no primeiro semestre de 1994, houve uma relativa estabilidade do câm-
bio real; segue-se, entretanto, uma significativa apreciação cambial desde a entrada do Real até o final
de 1994. A partir de maio de 1995, com a mididesvalorização de março de 1995 e a subseqüente
adoção das bandas cambiais deslizantes, o câmbio começa a desvalorizar-se sistematicamente em
termos reais. Em maio de 1996, a apreciação da taxa real de câmbio se situa em um nível de 6,6% em
relação aos valores médios observados no primeiro semestre de 1994.

A questão a ser analisada é em que medida essa pequena perda da competitividade poderia estar
conjugada a uma outra perda, de rentabilidade na produção de bens comerciáveis. Ou seja, cabe
analisar em que medida se estaria manifestando uma pressão sobre os custos dos produtos exportados
e substitutos de importação, pressão essa não integralmente repassada aos preços devido à concorrên-
cia dos produtos estrangeiros, no país ou fora dele.

Para avaliar essa pressão de custos, tomaram-se duas séries: o valor da folha de pagamentos sobre
o valor da produção na Pesquisa Industrial Mensal do IBGE, e o total dos salários nominais sobre o

197
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

total de vendas nominais da Pesquisa Industrial Mensal da FIESP. Essas séries são apresentadas, para o
período de janeiro de 1991 a fevereiro de 1996, no gráfico 12, em forma dessazonalizada.17

GRÁFICO 12
Custo Unitário do Trabalho

(Dados dessazonalizados)

180

175 PIM

FIESP
170

165

160

155

150

145

140

135

130
Abr/91

Abr/92

Abr/93

Abr/94

Abr/95
Jul/91

Jul/92

Jul/93

Jul/94

Jul/95
Jan/91

Out/91

Jan/92

Out/92

Jan/93

Out/93

Jan/94

Out/94

Jan/95

Out/95

Jan/96
Fonte: Processamento próprio, com base em dados do Grupo de Economia do Trabalho do Departamento de Eco-
nomia/PUC - Rio (fontes originais: IBGE e FIESP).
Obs.: Jan./85 = 100.

Tanto a série do IBGE como a da FIESP indicam uma forte pressão de custos no período coberto
pela URV, de março a junho de 1994, sugerindo que, imediatamente após a conversão dos salários em
URV, esses foram novamente reajustados nos acordos e dissídios coletivos que têm uma alta concen-
tração em abril/junho. Essa pressão é, entretanto, totalmente revertida com a forte inflação que ocorre
até a entrada do Real, detectada nos gráficos nos meses de julho e agosto de 1994. A partir daí, as
relações folha/valor da produção e folha/vendas tendem a estabilizar-se até o final do ano.

No primeiro semestre de 1995, há um forte aumento da pressão dos custos salariais. Entretanto,
com o fim da indexação salarial e o desaquecimento da economia, ocorre um processo de reversão
dessa pressão de custos em ambas as séries, a partir de agosto de 1995. Os últimos dados observados,
de fevereiro de 1996, situam-se em valores algo superiores àqueles vigentes antes do plano, a saber,
6,7% mais altos do que a média de 1993, no caso do IBGE, e 7,6% mais altos no caso da FIESP.

17 Agradeço a Gustavo Gonzaga o acesso ao banco de dados do Grupo de Economia do Trabalho do Departa-
mento de Economia da PUC-Rio, de onde foram retirados os dados do gráfico 12.

198
PLANO REAL: UMA SEGUNDA AVALIAÇÃO

A conclusão é que, embora continue a existir uma certa pressão dos custos salariais sobre a lu-
cratividade das atividades industriais, ela é hoje bem menor da que ocorria até julho de 1995 e parece
estar em processo de arrefecimento. Como se viu anteriormente, também existe uma certa perda de
competitividade da indústria nacional em relação a seus concorrentes internacionais.

Um índice sintético, que inclui de forma multiplicativa as perdas de lucratividade e de competiti-


vidade poderia ser construído da seguinte forma: o índice de competitividade é dado por P/eP*, onde P
= IPA-indústria Brasil; e = taxa efetiva de câmbio R$/cesta de moeda; e P* = PPI dos países concorren-
tes. O índice de lucratividade é dado por wN/pQ, onde w = taxa de salários; N = nível de emprego; p =
preço médio da indústria; Q = quantidade de vendas ou produção. Supondo p = P, o índice sintético
seria dado por: (wN/pQ)(P/eP*) = (w/eP*)(Q/N) = custo unitário do trabalho em moeda internacional.

Nesse indicador, a taxa real de câmbio estaria, nos primeiros meses de 1996, cerca de 14% mais
apreciada do que antes do plano, um valor que corresponde àquele divulgado pela FUNCEX. Essa apre-
ciação está em processo de paulatina correção desde o segundo semestre de 1995, pela ação conjunta
do desaquecimento da economia e da desindexação dos salários, combinadas com o crescimento da
produtividade e o deslizamento da taxa nominal de câmbio.

199
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

APÊNDICE

A Aritmética do Déficit Público e a Inflação

Tomando-se todas as variáveis como proporção do PIB, seja o déficit nominal (diferença entre
despesas e receitas totais do governo) financiado por acréscimo da dívida líquida onerosa (externa e
interna) e por emissão de base monetária:

d/py = b'/py + m'/py (1)

em que:

d = déficit nominal

b' = acréscimo da dívida líquida onerosa

m' = acréscimo da base monetária

py = PIB nominal (igual ao nível preços, p, vezes o produto real, y).

O déficit nominal pode ser decomposto em déficit operacional, g, e correção monetária da dívida
líquida, pb:

d/py = g/py + pb/py (2)

Os acréscimos da dívida líquida e da base monetária podem, por sua vez, em aproximações linea-
res, ser decompostos da seguinte forma:

B'/PY = (B/PY)' + p(B/PY) + y(B/PY) (3)

M'/PY = (M/PY)' + p(M/PY) + y(M/PY) (4)

em que:

B/PY = dívida líquida como proporção do PIB

M/PY = base monetária como proporção do PIB

p = P'/ P = taxa de inflação

y = Y'/Y = taxa de crescimehto do produto real.

Substituindo (2), (3) e (4) em (1), vem:

G/PY + pB/PY = (M/PY)' + (B/PY)' + pM/PY + pB/PY + y(M+B)/PY (5)

Em uma situação de crescimento equilibrado, tanto a base monetária como a dívida líquida de-
vem crescer às mesmas taxas que o PIB, o que implica que (M/PY)' = 0 e (B/PY)’= 0. Introduzindo esses

200
PLANO REAL: UMA SEGUNDA AVALIAÇÃO

valores em (5) e cortando pB/PY de ambos lados da equação, essa pode ser resolvida para o valor de p
que deve prevalecer em condições de crescimento equilibrado, a saber:

p = [g/py — y(m+b)/py](py/m)(6)

201
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

Referências Bibliográficas

BACHA, Edmar L. Plano real: uma avaliação preliminar. Revista BNDES, v. 2, n. 3, p. 3-26, jun. 1995.

GARCIA, M. e BARCINSKI, A. Capital flows to Brazil in the nineties: macroeconomic aspects and
the effectiveness of capital controls. — Rio de Janeiro: Departamento de Economia da PUC-Rio,
July 1st, 1996. mimeo

SIMONSEN, M. H. 30 anos de indexação. — Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1995.

202
DEBATES

Parte I

(Este capítulo corresponde à transcrição das fitas gravadas durante o seminário objeto deste li-
vro, motivo pelo qual, em nome da fidelidade ao original, os respectivos textos foram submetidos
tão-somente a revisão gramatical e sofreram eventuais supressões ou adequações necessárias à sua
inteligibilidade).

Ricardo Markwald

Meu primeiro comentário diz respeito à política cambial. À luz das experiências de estabilização
de Israel, México e Argentina, uma indagação que considero pertinente é a seguinte: até onde é con-
veniente levar a defesa da âncora cambial? Ou, alternativamente, qual a dose de flexibilidade que é
possível introduzir na política cambial sem comprometer o objetivo antiinflacionário?

Inexiste uma resposta simples para essas indagações e qualquer tentativa de generalização é, sem
dúvida, temerária, haja vista as diferenças nos condicionantes externos e no grau de adequação das
políticas fundamentais que caracterizaram as experiências de estabilização desses países. Ainda as-
sim, uma resposta capaz de angariar algum consenso apontaria para o fato de que a insistência em
preservar a âncora cambial e/ou em adiar ajustes na política cambial pode se constituir na pior das
escolhas.

Entre 1985 e 1987, o Banco de Israel adotou uma posição de defesa intransigente da âncora cam-
bial, resistindo às pressões dos empresários, dos políticos e também de muitos economistas, inclusive
de membros da própria equipe econômica responsável pelo programa de estabilização. Em 1988, no
entanto, a situação foi exatamente a oposta. O BOI (Bank of Israel), que sempre defendeu uma política
cambial realista, foi derrotado na tentativa de promover a flexibilização da âncora cambial. Os inte-
resses político-eleitorais prevaleceram e a

205
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

decisão de mexer na taxa de câmbio foi adiada até fins de 1988, após as eleições. O custo para o
programa não foi excessivo, mas houve necessidade de se promoverem duas correções sucessivas na
taxa de câmbio para acalmar as expectativas. O México não teve essa sorte e os custos foram bem
mais elevados.

No caso argentino, o fator credibilidade foi determinante na escolha da taxa de câmbio fixa. Tra-
ta-se, contudo, de uma escolha onerosa. De acordo com Machinea, o aumento da produtividade e a
redução do custo argentino foram insuficientes para garantir a competitividade do setor de bens tra-
deable. O governo teve de alavancar a competitividade do setor produtor de bens comercializáveis,
apelando a medidas de desoneração tributária em favor das empresas, com conseqüências não triviais
do ponto de vista do equilíbrio fiscal (pretendo confirmar esse ponto, logo em seguida, com uma
pergunta dirigida ao professor Machinea).

Quanto ao custo inflacionário da flexibilização cambial, vale a pena mencionar os resultados de


um estudo recente elaborado por L. Leiderman, que apresenta estimativas baseadas em modelos VAR e
modelos estruturais. O impacto sobre a inflação de choques na taxa de câmbio nominal apresenta, no
caso de Israel, coeficientes (passthrough coefficients) que variam entre 0.5, no período imediatamente
posterior à implementação do programa de estabilização, declinando até 0.2 em 1988/1989. No Chile,
o coeficiente parece ter oscilado em torno de 0.25 no período 1987/1994. Esses coeficientes depen-
dem, obviamente, do ciclo econômico, do grau de abertura da economia e da estrutura dos mercados.
Eles apontam para um custo inflacionário significativo, mas não dramático.

A segunda observação diz respeito ao trade-off entre velocidade e qualidade das reformas estrutu-
rais. O ponto é levantado no trabalho de Machinea, bem como em outros estudos de economistas
argentinos por ele citados. A conclusão que pode ser retirada da experiência argentina é que as refor-
mas microeconômicas, quando promovidas em contexto fiscal desfavorável, adquirem um caráter de
urgência que pouco contribui para a prevalência dos critérios de eficiência que deveriam nortear esses
processos. Foi o caso das primeiras privatizações (ENTEL e Aerolineas Argentinas), bem como da
liberalização comercial e, inclusive, da reforma tributária. Acho que é um alerta que deve ser levado
em consideração. Nesse sentido, acharia mais do que desejável a interveniência de órgãos de defesa
da concorrência — o CADE, no caso do Brasil — na elaboração dos marcos regulatórios a serem insti-
tuídos concomitantemente à privatização dos serviços
públicos.

A terceira e última observação diz respeito à política fiscal. Em nenhum dos programas de esta-
bilização antes relatados registrou-se um retrocesso no quadro fiscal comparável ao verificado no
segundo ano do Plano Real. Houve, em todos os casos, uma moderada deterioração da situação fiscal
a partir do terceiro ou quarto ano, mas, insisto, nada comparável em magnitude e velocidade ao que
aconteceu no Real.

O assunto será certamente matéria de debate neste seminário, mas acredito que falta, no caso bra-
sileiro, um sinal claro da disposição das autoridades econômicas no sentido de promover uma efetiva
contenção do gasto. No caso de Israel, esse sinal foi dado por ocasião do desmantelamento de um

206
DEBATES

projeto que era motivo de orgulho da indústria aeronáutica nacional, o projeto Lavi. O projeto foi
desativado em virtude de seu elevado custo, a despeito da feroz resistência do Ministério de Defesa e
de boa parte da opinião pública. Outro sinal claro foi dado por ocasião da reestruturação das dívidas
das cooperativas agrícolas junto ao setor bancário ou, ainda, quando da quase falência de um conglo-
merado industrial de propriedade da Histadrut, a forte entidade sindical israelense. Houve, em ambos
os casos, reestruturação das dívidas, mas com prejuízo parcial para o setor bancário e imposição de
condicionalidades muito severas para os devedores. O Brasil parece ter perdido algumas boas oportu-
nidades nesse sentido.

Farei duas perguntas: uma ao professor Mordechai Fraenkel e outra ao professor José Luis Ma-
chinea.

Ao professor Fraenkel. O programa de estabilização israelense comemora hoje seu décimo ani-
versário; porém, o que talvez nem todos saibam é que a taxa de inflação tem permanecido estável ao
longo desses dez anos, e oscila em torno de um patamar superior a 15% ao ano. Houve um ou dois
anos, em 1992 e 1993, em que a inflação declinou e ficou abaixo dos dois dígitos, retornando logo
depois para seu nível habitual. Atualmente, ela oscila novamente entre 15 e 17% ao ano. Poucos pla-
nos de estabilização considerariam isso um sucesso. No Brasil, seria considerado, provavelmente, um
fracasso. A pergunta é a seguinte: em primeiro lugar, existe desconforto, em Israel, com essa taxa de
inflação anual? Segundo, foram reestabelecidos os mecanismos de indexação? Terceiro, alguém atri-
bui o caráter aparentemente irredutível da taxa de inflação pós-plano à escolha de uma versão soft de
política cambial nos primeiros anos do programa de estabilização?

Ao professor Machinea. O seu trabalho exprime certo ceticismo quanto à eficácia das medidas de
desregulação, privatização e reforma do Estado para o objetivo de reduzir o custo argentino e com-
pensar, a curto prazo, os efeitos da apreciação cambial. Nesse sentido, ele parece atribuir um papel
mais relevante às medidas de desoneração tributária em benefício das empresas, compensadas por
aumentos nos impostos ao consumo. Pediria ao professor Machinea que ampliasse esse ponto. Houve
perda líquida de recursos tributários? Em caso afirmativo, é possível atribuir o atual desequilíbrio
fiscal argentino a essas perdas?

Monica Baer

As análises dos processos de estabilização da Argentina, do México e de Israel, respectivamente


apresentadas por José Luis Machinea, Jaime Ros e o prof. Fraenkel, foram realmente muito elucidati-
vas para refletirmos sobre o atual momento da economia brasileira. O Brasil pode beneficiar-se dessas
experiências principalmente para avançar na discussão acerca dos dilemas e das dificuldades que
surgem na presente fase de tentativa de consolidação da estabilização.

Quero enfatizar três temas que aparecem nas análises desses países e que me parecem centrais
para o atual período da experiência brasileira:

• a natureza e a profundidade que os ajustes fiscais alcançaram na Argentina e no México;

207
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

• as restrições que a âncora cambial tende a apresentar na fase de consolidação da estabilização


do ponto de vista do desajuste externo (balança comercial e maior inserção financeira interna-
cional); e

• a questão da poupança e do desenvolvimento financeiro interno para reduzir a dependência fi-


nanceira externa.

Argentina e México sempre foram apresentados como casos exemplares de ajuste fiscal, pois im-
plementaram uma reforma tributária e avançaram rapidamente no processo de privatização das em-
presas estatais e na concessão dos serviços de utilidade pública. As análises apresentadas por Jaime
Ros e José Luis Machinea instigam dúvidas quanto à abrangência dessas reformas e seu efeito perma-
nente. Nos dois casos, o ajuste fiscal parece ter sido concentrado mais do lado da receita. Na Argenti-
na, a instituição do IVA, com o efeito positivo da estabilização sobre o nível de atividade, melhorou
significativamente a arrecadação tributária. No México, a desvalorização do peso no início do plano
ampliou o impacto interno da renda petroleira. Como nos dois casos, os avanços do lado da reestrutu-
ração dos gastos foram muito menores, as dificuldades fiscais voltaram a apresentar-se, revelando
fragilidade no ajuste empreendido.

Assim, podemos advertir para uma questão extremamente importante e que está no debate em
torno do ajuste fiscal no Brasil neste momento: ganhos permanentes na área fiscal, do ponto de vista
do fluxo (receitas menos despesas), exigem maior empenho na reestruturação do gasto, que, inclusive,
tende a ser politicamente muito mais complexa que a reforma tributária. Em outras palavras, a refor-
ma tributária é necessária mas tende a ser insuficiente para resolver de maneira mais permanente o
problema fiscal, se não vier acompanhada da reforma do Estado para enfrentar a reestruturação dos
gastos. Esta reestruturação também é necessária para tornar os gastos mais efetivos, questão crucial
para construir o apoio político ao ajuste fiscal, seja de quem paga os impostos, seja dos consumidores
dos serviços públicos, que precisam sentir-se beneficiados por uma nova estrutura pública. A constru-
ção desta nova estrutura pública, que já é lenta e complexa em si, se vê dificultada adicionalmente
pelo predomínio da concepção do Estado minimalista, por um lado, e interesses corporativos mescla-
dos com posições ideologizadas, por outro.

Uma segunda questão no âmbito fiscal, que surge a partir das experiências argentina e mexicana,
se refere à privatização. Nos dois casos, nos primeiros anos dos planos de estabilização, a situação
fiscal era relativamente muito mais confortável que no Brasil, seja pelas razões de fluxo antes aponta-
das, seja do ponto de vista dos estoques, pois a dívida pública nesses países era pequena; ou seja, a
rapidez da privatização nesses países não se explica pela necessidade de ajuste patrimonial para redu-
zir um elevado estoque de dívida pública. Dá a impressão que, nesses países, a privatização — sem
desconsiderar aspectos extra-econômicos envolvidos e que hoje vêm à luz — estava muito mais asso-
ciada a mudança de expectativas para os investidores estrangeiros que a necessidades imediatas de
ajuste fiscal. No caso da Argentina, as privatizações parecem ter sido muito mais importantes para
apoiar a âncora cambial do que para garantir o ajuste fiscal.

208
DEBATES

Como o Brasil tem um problema de estoque de dívida pública maior e é um latecomer no proces-
so de privatizações, as experiências da Argentina e do México devem exigir que se faça uma reflexão
mais ampla sobre o papel que as privatizações possam vir a desempenhar neste país. Primeiro, as
privatizações exercem um papel importante sobre as expectativas dos investidores estrangeiros, e que
precisa ser levado em consideração na medida em que a sustentabilidade da estratégia implementada
supõe o aporte de capital internacional ainda por alguns anos. Entretanto, o processo de privatização
não pode restringir-se a esse aspecto. Segundo, no caso do Brasil, dada a dimensão da dívida mobiliá-
ria, e seu elevado custo comparativamente ao baixo rendimento que a atual administração de alguns
ativos públicos gera, cabe pensar a privatização no contexto de um ajuste patrimonial mais amplo,
para reduzir o ônus da dívida mobiliária. Nesse sentido, além da questão financeira em si, a privatiza-
ção também faz parte da reestruturação mais ampla do setor público, retirando-o de áreas e atividades
nas quais não cumpre mais papel estratégico, para reorientar esforços para atividades em que tem um
novo papel a cumprir ou ainda exerce mal suas responsabilidades.

Por último, as experiências da Argentina e do México também revelam que ainda não se avançou
em duas questões cruciais da área fiscal, do ponto de vista do médio e do longo prazo: a recuperação
da capacidade de investimento do Estado (em áreas em que é imprescindível sua presença) sob condi-
ções adequadas de financiamento, e um novo modelo para dotar o Estado de condições para exercer
seu papel de amenizar as flutuações cíclicas, sem que isso comprometa os ganhos da estabilização; ou
seja, tanto a reforma fiscal quanto o processo de privatização não devem perder de vista que o objeti-
vo último é recuperar a capacidade do Estado de fazer política fiscal de fato. Somente “acertar as
contas” sem recuperar efetivamente instrumentos e gestão de recursos para implementar política
fiscal, seria reduzir a questão a uma visão do Estado minimalista. Isso supõe jogar mais luz sobre as
questões de financiamento dos investimentos nos quais o Estado estará envolvido no futuro.

O segundo tema discutido nas análises da Argentina e do México, e também ressaltado pelo prof.
Fraenkel na sua exposição sobre Israel, refere-se à valorização da moeda e à recessão externa em que
as recentes experiências de estabilização incorreram. Esse debate está muito vivo neste momento do
Plano Real e as avaliações precisam ser muito cuidadosas na medida em que, nesta fase, se combinam
uma política de estabilização com âncora cambial com profundas mudanças de ordem estrutural,
causadas pela abertura comercial da economia brasileira.

O prof. Fraenkel advertiu, e a crise mexicana de 1994 mostrou, que um atraso cambial significa-
tivo implica um risco muito grande ao programa de estabilização ou taxas de crescimento inferiores às
condições potenciais do país. Portanto, a correção do câmbio deve ser enfrentada o mais cedo possí-
vel, e não há dúvida de que as autoridades econômicas brasileiras tomaram essa decisão em março de
1995, quando introduziram a banda cambial. A discussão entre os analistas brasileiros é em torno da
intensidade desse processo, e se a política implementada desde então é suficiente para ampliar a capa-
cidade competitiva dos produtores instalados no país.

Na análise da Argentina, José Luis Machinea apresenta dilemas semelhantes aos enfrentados na
experiência brasileira. Primeiro, houve ganhos de produtividade significativos, gerados tanto pela

209
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

privatização e redução de custos sistêmicos (no Brasil denominados de “custo Brasil”) quanto pela
pressão competitiva de produtos importados. Mas José Luis Machinea chama atenção para um as-
pecto extremamente importante e muitas vezes totalmente esquecido: o aumento de produtividade
derivado do ganho de escala. No Brasil, a estabilização propiciou a entrada no mercado de novos
consumidores e que viabilizará escalas de produção maiores, com ganhos significativos em termos de
produtividade. Assim, se por razões de restrição externa for necessário praticar uma política de stop
and go, isso não só terá sérias conseqüências do ponto de vista dos investimentos, do emprego e da
fragilização do sistema financeiro, mas também restringirá o impacto positivo da escala em termos de
ganhos de produtividade.

Segundo, Machinea ressalta a dúvida do timing também muito presente no debate do desequilí-
brio externo brasileiro. Não há dúvidas de que investimentos estão ocorrendo e de que há ganhos de
produtividade a partir da perspectiva de uma economia estabilizada, embora a transição da estabilida-
de de preços a um horizonte de planejamento de investimentos de mais longo prazo não seja trivial e
nem imediata. Assim, do ponto de vista macroeconômico, duas condições necessárias se geram. Por
um lado, que nesse período transitório haja suficiente financiamento internacional para sustentar o
desequilíbrio em transações correntes. Como isso depende totalmente da dinâmica dos mercados
privados, sempre existem riscos de que, por uma crise externa, o processo pode ver-se interrompido.
Por outro lado, é necessário que os investimentos se canalizem para as áreas de tradeables para supe-
rar a restrição externa a médio prazo, o que supõe garantir margens de lucratividade atrativas quando
comparadas com as áreas de non-tradeables. Conseqüentemente, a flexibilização da âncora cambial
precisa ser possível para garantir essas margens sem colocar em xeque a estabilização, e uma maior
concorrência na área dos non-tradeables é importante para não permitir uma diferença tão significati-
va de lucratividade entre os setores tradeables e non-tradeables. A maior concorrência e adequada
regulamentação na área de non-tradeables, na sua maioria bens e serviços de utilidade pública, por
sua vez, contribuem para consolidar a estabilização. Na experiência brasileira, comparando princi-
palmente com a Argentina, as autoridades parecem gozar de um raio de manobra maior para monito-
rar esse período de transição, ainda que as preocupações quanto ao timing e ao mix adequado de me-
didas ainda sejam motivo de muita controvérsia. Como não existe uma solução predeterminada, a
existência desse raio de manobra é importante e deverá ser aproveitada para realizar ajustes na medi-
da da observação dos resultados.

Um último aspecto, que deriva da discussão em torno do ajustamento da estrutura de produção a


um contexto de estabilização de preços e maior abertura à economia mundial, diz respeito ao grau de
intervenção e coordenação do Estado nesse processo. A crise financeira do Estado, políticas protecio-
nistas amplas e mantidas por períodos prolongados, sem nenhuma avaliação quanto à sua necessidade
e efetividade em termos de resultados, fizeram predominar a idéia de que a melhor saída para o ajus-
tamento é aquela ditada pelas regras do mercado, mesmo que isso implique o sacrifício não desprezí-
vel de empresas e setores. Ao mesmo tempo em que se observa esse discurso, interesses concretos se
estruturam e organizam, pressionando politicamente por sua sobrevivência, sem que essas pressões
possam ser balizadas do ponto de vista de uma consideração mais ampla do processo de ajustamento.

210
DEBATES

Assim, é necessário retomar o debate em torno do processo de ajuste da estrutura produtiva, para
garantir que sua lógica alcance os resultados esperados de maior competitividade que permita a esses
países inserir-se dinâmicamente no comércio internacional para superar a restrição externa. Quanto
mais desestruturado o tecido industrial, maiores serão os custos humanos e de capital para alcançar esse
objetivo, correndo-se o risco de transformar um problema hoje considerado de timing numa restrição de
alcance maior.

Por último, as três análises apresentadas enfatizam a necessidade de diminuir a dependência de


recursos externos e reforçar a poupança interna. Embora este seja provavelmente um dos aspectos
mais estratégicos para consolidar a estabilização a médio e longo prazos, pouco se avançou na elabo-
ração analítica dessa questão e, conseqüentemente, algumas proposições nessa área tendem a ser
meras imitações de modelos, quando sobre eles ainda pairam mais perguntas que respostas. O pro-
blema da poupança e da estrutura de financiamento de longo prazo é estrutural na economia brasileira,
e agora precisa ser enfrentado num contexto com dois novos condicionantes: o ajustamento da estru-
tura do sistema financeiro a uma economia estabilizada, e maior inserção financeira internacional.

Talvez se possa fazer uma sugestão: que a área de poupança e do financiamento de longo prazo
mereçam esforços especiais, no âmbito do IPEA, para evitar que erros sérios cometidos no passado em
alguns países possam ocorrer no Brasil por falta de uma reflexão sistemática, consistente e crítica em
torno dessa questão.

Mordechai Fraenkel

Gostaria de referir-me à questão da inflação residual, a mim dirigida. A pergunta era se nós nos
sentimos confortáveis com a inflação. Depende de quem. Gostaria de dizer que os economistas do
Banco Central não se sentem muito confortáveis com ela, porque nós pensamos que a inflação deveria
ser semelhante à inflação no mundo industrializado, mas no tocante aos outros economistas no Mi-
nistério da Fazenda e aos políticos, eu penso que não estão infelizes com ela. Colocando em outros
termos, eu penso que infelizmente o apoio político para a redução adicional da inflação não é muito
forte em meu país, mesmo depois das lições que nós tivemos. Portanto, esta é a primeira resposta.

Quanto à segunda questão, sobre a indexação de salários, esta foi modificada e não transmitiu cho-
ques de um passado muito longínquo. Assim, eu não acredito que a indexação tenha a ver com a inflação.
Pelo contrário, o fato de que a indexação que existia moderou a demanda salarial. Mas eu não iria mais
profundamente nisso.

Agora, a terceira questão era se o manejo da taxa de câmbio contribuiu para a inflação. Bem,
houve alguns períodos prolongados de taxa de câmbio fixa que não ajudaram. Poderia ser o caso de
que, se esse câmbio fosse mantido por um período de tempo muito longo, nós conseguiríamos reduzir
a inflação, mas ainda então se teria de indagar quais seriam os custos no setor real e se essa política
seria sustentável a longo prazo, levando em conta o fraco apoio político para se reduzir a inflação.

José Machinea

211
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

Com relação ao tema da desregulamentação, quero dizer que não sou cético em termos absolutos;
ou seja, penso que nesse campo pode haver importantes reduções de custos. O caso dos portos na
Argentina é um bom exemplo. Em todo caso, fica difícil para mim pensar que essas desregulamenta-
ções sejam capazes de corrigir uma distorção importante de preços relativos. Tomemos ainda o caso
da redução dos custos nos portos. Melhorou a competitividade das exportações argentinas ( um ou
dois por cento), mas, ao mesmo tempo, barateou as exportações.

Quanto às privatizações, depende de como ocorram. A experiência argentina mostra que quando
foram mal feitas — em especial durante o período inicial, quando o governo precisava ganhar reputa-
ção —, o que fizeram foi aumentar o custo dos serviços. Alternativamente, quando se conseguiu
privatizar com um marco regulatório adequado ou se desregulou o setor, os preços baixaram um pou-
co. O que interessa é saber qual o ponto de partida, isto é, a eficiência ou ineficiência das empresas
privatizadas.

Com respeito à reforma tributária e à redução dos impostos, até 1994 o governo foi capaz de re-
duzir as cargas impositivas das empresas, compensando-as com o aumento de impostos para o con-
sumo. A partir de então, as reduções contribuíram para aumentar o déficit fiscal. A redução de im-
postos que afetavam os custos das empresas ou do setor agropecuário e o aumento dos reembolsos
deve ter custado em torno de US$ 8 bilhões de dólares e o déficit fiscal atual (também afetado pela
recessão) é de US$ 5 bilhões.

Em relação ao crescimento da produtividade, houve fortes ganhos de produtividade em todos os


setores, inclusive naqueles que aumentaram muito a produção, mas os ganhos de produtividade foram
maiores quanto maior foi o aumento da produção. De tal modo, não se pode confundir os ganhos de
produtividade de longo prazo com aqueles asssociados ao ciclo econômico.

Por último, em relação à política industrial, eu diria que inicialmente a Argentina não teve nada.
Ainda mais, a idéia de ter políticas específicas de algum tipo era vista sem exceções como uma volta
ao passado. Com o passar do tempo, o governo foi-se convencendo de que o mercado não podia
resolver todos os problemas e começou a ensaiar políticas específicas de pouco peso. É razoável que
se tenha de passar por um período com portas fechadas para as reclamações setoriais de qualquer tipo
enquanto se estabilizam e se organizam as contas públicas. Depois, devia-se pensar em como fazer
políticas industriais o mais horizontalmente possivel. Nessa área, como em muitas outras, o razoável
parece ser aprender com os erros do passado para se fazerem políticas diferentes, ao invés de não se
fazer nada.

212
213
DEBATES

Parte II

(Este capítulo corresponde à transcrição das fitas gravadas durante o seminário objeto deste li-
vro, motivo pelo qual, em nome da fidelidade ao original, os respectivos textos foram submetidos
tão-somente a revisão gramatical e sofreram eventuais supressões ou adequações necessárias à sua
inteligibilidade).

Antonio Castro

Vou me limitar a uma observação sobre a palestra do Chile, e fazer algumas observações esparsas
sobre o texto do Edmar Bacha.

Quanto à do Chile, eu tentaria ressaltar, como observador brasileiro, alguns pontos que me pare-
ceram realmente muito interessantes. Inicialmente, uma coisa que fica muito marcada é a transforma-
ção, no Chile, da política antiinflacionária num objetivo permanente. É muito importante isso. No
início do texto, o autor trata a questão da transição da ditadura para a democracia, e do verdadeiro
terrorismo que a ditadura fez, no sentido de que era ela ou o caos. A democracia seria incapaz. Como
se só houvesse uma solução para o problema do combate à inflação, como se somente o governo
autoritário tivesse o compromisso e os meios para o seu combate. Mas a estabilidade já era algo in-
corporado à cultura chilena. Era consensual como um objetivo, era um objetivo, como o pessoal da
Escola Superior de Guerra chamava, nacional permanente.

Um outro ponto, muito interessante, é que o autor mostra que o Chile caminhou no sentido de um
casamento. E de um casamento, como nós vimos, de uma grande fertilidade. Casamento da política
antiinflacionária, via política monetária, com a política de crescimento. Parte-se de um crescimento do
produto potencial de seis e meio; portanto, quando passar de seis e meio, acende o sinal vermelho; há
que mover a política monetária. Por outro lado, complementando, se a
DEBATES

demanda cresce mais do que a produção, e se essa diferença excede quatro por cento, sinal vermelho,
entra a política monetária.

Uma sincronização, uma combinação da idéia de estabilidade com a de crescimento. Não se es-
pera que as pressões inflacionárias apareçam. Age-se preventivamente e isto aumenta a confiança na
estabilidade e no crescimento. Isso parece absolutamente fascinante.

A questão que o autor não tocou, e eu menciono aqui, é a seguinte: no Chile parece não haver
qualquer política de assignação de recursos. Direta, indireta, seja lá como for. Isso certamente coloca
algumas questões para o futuro. O Chile fez uma opção que se revelou extremamente válida, mas que
está muito centrada em cobre, fruta, vinho, madeira e pesca. Mas ela pode apresentar rendimentos
crescentes e problemas ecológicos.

Não tem que haver alguma monitoração do upgrading e das sucessivas atividades que o Chile iria
incorporando como exportador? É possível permanecer numa solução que deu certo, e isso não é
perigoso? Ou, melhor dito, é possível não ter uma política a esse respeito? Eu tenho sérias dúvidas.
Acho que muitos imprevistos podem ocorrer, que coloquem o Chile em dificuldades, se ele não partir
para uma política de ver, no futuro, qual é a assignação. Um grande número de países está sendo
acuado em direção a produtos primários. Alguns deles, com grande potencial em madeira, celulose,
frutas. Certamente o Brasil é um bom exemplo. Isso pode mudar o quadro. Em resumo, eu fiquei
extremamente bem impressionado, mas fiquei um pouco assustado com o excesso de otimismo, so-
bretudo ao final. Eu me lembrei do Conselheiro Ayres, do Machado de Assis, dizendo que há que dar
um maior espaço para o imprevisto, que “costuma ter um voto decisivo na assembléia dos fatos”.

Mas, agora, umas rápidas observações sobre a exposição do Bacha. Eu queria colocar aqui como
uma primeira questão o seguinte: o documento do Bacha é extremamente interessante num ponto que
me motiva muito. Algo estava se passando de muito grave com o Plano Real. Ou seja, o documento
do Bacha é uma demonstração circunstanciada de que realmente o Plano Real estava, na sua fase
inicial, numa trajetória explosiva. A expressão é dele — eu usei em um outro documento, uma certa
vez: “rota explosiva”. A observação foi muito mal recebida, mas aqui estão, neste documento, em toda
a sua primeira parte, os vários ângulos pelos quais se pode dizer que o Plano Real estava repetindo o
Cruzado. Na política salarial generosa, no gasto público... Evidentemente, a deterioração na balança
de pagamentos, que não é vista hoje como problema, ocorreu em velocidade, em intensidade ainda
muito maiores do que ao tempo do Plano Cruzado. Então, tudo aquilo que levara o Simonsen a dizer
quanto ao Cruzado, que a cirurgia foi boa, mas o pós-operatório, péssimo, estava ocorrendo.

E fica também muito claro um ponto que o Bacha coloca: que os descontroles não eram por con-
seqüência da Constituição. Em um aspecto ou outro, houve influência da Constituição. Mas o que está
ali inequivocamente caracterizado é um descontrole mesmo. Que vai muito além da problemática
constitucional. É óbvio que pode ser argumentado que isso era um condicionamento político, era o
que se podia fazer, mas claro que, no Cruzado, também.

É curiosa essa relação do Real com o Cruzado. Eu acho que tem que ser repensada. E, sobretudo,
basta dessa história de contrastar... O Cruzado foi o populismo, cedeu-se a todas as pressões, etc. No

215
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

Real, não. Não é isso de maneira nenhuma. Aliás, uma frase no documento do Bacha, absolutamente
clara e honesta, que eu não resisto a citar, é: “Nos seus seis primeiros meses de vida, parece hoje claro
que a economia brasileira se encontrava numa trajetória explosiva, quando o país foi atingido pela
crise mexicana.”

Então, a crise mexicana cortou a trajetória; uma trajetória explosiva, suicida, que poderia levar
perfeitamente a um desastre. E a partir dela, enfim, nasce toda uma outra realidade. Como é que entra
aí a grande diferença entre o Real e o Cruzado?

À medida que iam-se avolumando os problemas, sobretudo no primeiro semestre do Real, como é
que se varriam dificuldades para debaixo do tapete? A taxa de câmbio possibilitava isso, a trajetória
esdrúxula da taxa de câmbio e, mais que isso, as liberações sucessivas. E tome mais liberações: libera
mais o automóvel, libera a importação pelo correio, etc. Então, se usava uma característica do con-
texto internacional, que é o fato que nós estamos vivendo, e todos os planos estão sendo feitos em
condições de sobreabundância de liquidez internacional. Coisa radicalmente diferente, esta sim, do
quadro em que se fez o Cruzado e outras experiências. E essa sobreabundância de liquidez tem levado
por toda parte, nós vimos aqui, a um desfile de experiências completamente diferentes. Por toda parte, de
uma maneira ou de outra, há sobrevalorizações cambiais. Isso é um quadro que caracteriza uma outra
família de planos extremamente dependente da conjuntura internacional. Agora, inclusive, os últimos
dados são de uma caminhada veloz dos investimentos diretos para os países subdesenvolvidos. Nesse
sentido, os dados recentes da UNCTAD são impressionantes. Recentemente, eu estava lendo um traba-
lho, mostrando que essa corrida dos capitais para os mercados emergentes chegou à estranha situação
de colocar, nesse momento, a Venezuela e a Índia como campeões de rentabilidade nas suas bolsas.
Olha que são pangarés da corrida internacional, com todos os problemas que nós sabemos que ambos
têm. Os policy makers em geral procuram fabricar uma explicação endógena local, mas o fato é que
estamos todos mergulhados nessa onda de capitais de todos os tipos, que nos chega crescentemente.

O segundo ponto é um ponto delicado, no qual eu discordaria do Bacha, e que está sendo discuti-
do por muitos economistas brasileiros. Eu não posso ser justo com eles, com o próprio Bacha, segu-
ramente, e comigo mesmo, dada a simplificação. Mas, realmente, essa questão de deflacionar pelo IPA
é muito complicada. O dado do Bacha me surpreende. A deflação pelo IPA leva a esse tipo de informa-
ção mesmo, que muitos não consideram pertinente. Agora, o que surpreende de fato é o uso pelo
Bacha do critério da rentabilidade, em que joga direto folha de salários contra total de vendas nomi-
nais. O total de vendas nominais tem mil problemas. Se você importa mais, se você terceiriza, várias
outras dificuldades já levantadas a propósito do uso do conceito de produtividade, como relação entre
produção e trabalho, aqui se aplicam com perfeição. E ainda se aplica toda a questão da substituição
que está ocorrendo ferozmente de homens por máquinas; ou seja, tem várias razões para produzir
desemprego, uma delas certamente é o barateamento escandaloso das máquinas em relação ao sui
generis non-tradeable chamado trabalho.

Nós estamos com um trabalho, lá no Instituto, em que se mostra que a queda do valor do custo
dos equipamentos importados é chocante. Estamos checando de todas as maneiras, para ver se não há

216
DEBATES

furo nesse cálculo, porque os resultados são alarmantes. De 1980 a 1995, por exemplo, pegando os
extremos da série, os equipamentos, de acordo com o deflator, teriam caído, ou de 100 para 27, ou de
100 para 31! Enquanto isso, os salários, na indústria, teriam subido, de 100 versus 100, para 105
versus 31 ou 27. Meu Deus, isso promete. Isso vai acontecer muito daqui para frente e tem conse-
qüências
fundamentais. Mas, sobretudo, é um dos fatores da pertubação da comparação. Eu acho que poderia
nomear uns três ou quatro, para o uso assim direto de folha de salários versus produção, ou folha de
salários versus receita.

Agora, finalizando realmente, estamos passando por uma experiência que não entendemos. Par-
timos de suposições ingênuas, do tipo: face a novos preços relativos, as cartas serão dadas de novo, e
as empresas e pessoas se posicionarão. Isso é tratar empresas como se fossem portfólios. Empresas
não são assim. Empresas têm história, identidade, cultura, rigidezes, custos enterrados e outras coisas
mais. As empresas brasileiras estão sendo forçadas a reconversões extraordinárias, sem qualquer
rumo, sem os seis e meio de crescimento potencial como um norte, por exemplo. Sem qualquer rumo,
em termos de orientação, de prioridades. Num tiroteio do qual algumas escapam porque foram premia-
das por regimes especiais, alguns deles bastante generosos. Ainda tem mais esse “desafinador” da or-
questra.

Mas eu tenho a impressão de que as empresas, sobretudo os dois terços da estrutura industrial de
empresas brasileiras que não estão submetidos a nenhum regime especial, estão num ritmo de trans-
formação intenso, porém caótico. Ninguém sabe as tendências, se não há aí uma sucessão de bombas
microeconômicas que têm, globalizadas, implicações macroeconômicas da maior gravidade. Para
dizer mais sobre isso é preciso muito estudo, que, infelizmente, não será feito a tempo. Mas alguns de
nós estamos mergulhando nesse nível infra-policy de adaptação das empresas, para ver como é que
isso está-se dando, para tomar o pulso das transformações.

É claro que não vamos concluir nada com clareza, até porque estaremos como os cegos do conto hin-
du do elefante: um vai pegar a tromba, o outro vai pegar a barriga, etc. Vai ser muito difícil totalizar. Mas
acho que esse esforço é complementar e fundamental no contexto atual.

Dionísio Carneiro

Eu começaria fazendo uma observação sobre os trabalhos dos países do Peru e do Chile, e depois,
então, um pouco sobre o Brasil.

As semelhanças entre experiências de estabilização são tão importantes quanto as suas diferen-
ças. Se nós não tivermos olhos para enxergar o que há de importante nas semelhanças, provavelmente
vamos perder exatamente no que as diferenças nos ensinam. Eu olharia do ponto de vista da situação
inicial o nosso programa de estabilização, comparando com o Peru e o Chile, três questões, três dia-
gnósticos que eu acho que têm implicação importante, até para as observações provocativas que o
Castro fez, e que eu tenho a certeza de que o Edmar vai depois responder uma parte.

217
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

O estado do Estado, na experiência peruana, e na experiência chilena nas últimas estabilizações,


mostra dois extremos de organização e de desorganização. A rigor, sem fazer injustiça ao Patrício
Meller, eu diria que os dois anos que ele escolheu da estabilização chilena foram na realidade dezes-
sete mais dois, pois, a rigor, todo o trabalho de organização foi um trabalho da ditadura militar do
Chile. E, no Peru, a rigor, todo o processo de democratização, a experiência democrática pós-militar,
foi uma experiência profundamente desorganizadora. E, ainda a rigor, o Brasil, no início do Real, do
ponto de vista do estado do Estado, não era tão ruim quanto o Peru, mas tampouco era tão recuperado
na sua capacidade de fazer política como era o Chile.

Mais ou menos a mesma coisa se pode dizer do estado da organização econômica. No Peru, o
grau da desorganização econômica trazido não só pelo fracasso da experiência Alan García, das expe-
riências populistas, como de uma série de fatores, alguns econômicos, alguns climáticos, alguns polí-
ticos, o estado de desorganização da economia era muito maior do que eu acredito que o Brasil já
tenha experimentado na sua história recente. Em compensação, nós estávamos longe da reorganização
econômica do setor econômico que o Chile já havia experimentado. Um terceiro aspecto diz respeito à
dívida externa, que também, nesse caso, tem contraste visível. Como chamou a atenção o professor
Javier Iguíñiz, o Peru, mesmo depois da estabilização, durante o esforço de estabilização, ainda era
um marginal na renegociação da dívida. Os atrasos do processo de renegociação foram muito mais
graves no caso peruano, e isso tem implicações muito grandes até sobre os efeitos benéficos que
poderiam sobrevir sobre a estabilização peruana, da abundância de recursos no mercado internacional;
ou seja, é injusto atribuir o sucesso, por exemplo, da estabilização peruana à abundância de recursos
no mercado internacional, porque, durante a própria estabilização, o Peru ainda estava à margem dos
grandes fluxos internacionais de capital. Certamente, o Brasil não estava tão inserido nos fluxos quanto
estava o Chile nesse período. Mas certamente estava em processo de recuperação da sua credibilidade
mínima, pelo menos desde a reconstrução dos mecanismos de política econômica iniciada na época da
equipe do ministro Marcílio Marques Moreira.

O grau de desorganização, portanto, da política econômica, no caso brasileiro, se encontrava em


um meio-termo entre os das condições objetivas em relação às quais se pode fazer a política econômi-
ca, estava mais ou menos no meio-termo entre os dois casos.

Há lições possíveis das duas experiências? Há muitas. No caso peruano, ele nos mostra, talvez de
forma muito visível num determinado ponto, primeiro, a importância do objetivo do controle da infla-
ção sobre os demais, no momento da extrema desorganização. Era virtualmente impossível começar
por qualquer outro caminho que não fosse a estabilização. Em segundo lugar, que, durante o problema
de estabilização, a dolarização financeira e a dolarização dos preços foram efetivamente o que permi-
tiu, de uma forma extremamente desordenada, como mostrou o professor Javier Iguíñiz, nos primeiros
momentos, que movimentações de preços relativos tão violentas se pudessem fazer, com inflação
corretiva tão violenta, sem uma crise de proporções muito maiores no setor real da economia. A rigor,
só se pode ter um movimento de preços relativos de 300% de um mês para o outro, mais 60% de
desvalorização de um para o outro, etc., se efetivamente uma grande parte das transações já não se
estão fazendo na moeda nacional.

218
DEBATES

E, na realidade, isso nos ensina a entender a importância do nosso processo prévio de definição
da URV. Foi exatamente a URV que permitiu que passássemos por um processo, pelo fim desse proces-
so da liberalização de preços, por uma imitação da dolarização, sem efetivamente cairmos na dolari-
zação financeira. E o caso peruano nos mostra, nos indica para a frente, também, quais as dificuldades
de sair da dolarização financeira, uma vez que se entrou nela. Talvez justificando uma posição con-
servadora de algumas das autoridades monetárias brasileiras, que têm lutado contra a dolarização do
mercado de crédito no Brasil. E eu falo isso de uma forma muito tranqüila, porque eu sou menos
conservador nesse ponto de vista, por razões que eu vou tentar explicar depois, em termos da política
e da liberdade na política e monetária.

O segundo ponto que eu acho importante, tanto do ponto de vista do Chile quanto do Peru, é evi-
dentemente a falta, a dificuldade, digamos, da coerência entre a política monetária e a política cambi-
al, quando se quer ter tantos objetivos, em termos de liberdade de movimentações de capital, para se
poder beneficiar-se da abundância internacional. Flutuação cambial, para se poder ter credibilidade,
vinda de casos diferentes de experiências diferentes, mas de uma intervenção tão drástica no mercado
de câmbio, nos usos múltiplos da taxa de câmbio como instrumento artificial de estabilização. Então,
a manutenção da idéia de flutuação, de câmbio flutuante, é sempre importante. Mas todas as vezes
que a gente manifesta as preocupações quanto a limites da valorização, a rigor estamos dando um
sinal claro de que efetivamente não estamos praticando uma política de câmbio flutuante. E, quando
não estamos praticando uma política de câmbio flutuante, e liberamos o mercado de capitais, o movi-
mento de capitais, então não temos liberdade para fazer política monetária.

O nível de política monetária que tem que ser praticado fica sendo a taxa de juros; fica depen-
dendo, efetivamente, da taxa de juros externa. Então, a diferença, a limitação imposta , no caso nas
duas experiências — tanto no relato do Professor Iguíñiz quanto nos relatos mais recentes, com a
flutuação aparente —; eu acho, no caso do Chile, que nós temos uma flutuação aparente, como mos-
trou o gráfico das bandas. Não importa quão largas sejam as bandas de flutuação no Chile: a rigor, a
taxa de câmbio segue colada no piso da banda. Se segue colada no piso da banda, e se se requerem
compromissos crescentes, ou crescentemente críveis de que a taxa de câmbio não vai se valorizar
acima de um determinado ponto, na realidade você está criando os mesmos obstáculos que você cria
quando a taxa de câmbio real é fixa; ou seja, a taxa de câmbio deixa de ser flutuante e passa a ser uma
taxa de câmbio fixa.

Com uma taxa de câmbio fixa, você tem então outros problemas. Taxa de câmbio fixa, no caso,
em termos reais. Como mostrou o professor Meller, quanto mais críveis as pautas inflacionárias, as
expectativas inflacionárias anunciadas pelo Banco Central, mais próximos do câmbio fixo, em termos
reais, nós estamos. E, portanto, o regime cambial passa a ser um regime de indexação, de câmbio
indexado.

A segunda lição importante que nós temos é que efetivamente, nós continuamos lutando com os
mesmos problemas. Não há nada de novo, mas também não há nada de extraordinário quanto a isso.
Outra questão importante que, no caso da experiência chilena, se torna mais interessante é o caso da

219
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

independência do Banco Central. Ele é tão independente que não pode sequer ser um elemento de
socorro dos bancos. Na realidade, é um banco central que não pode fazer nada. Ele é independente
exatamente por isso. Não pode ser pressionado, não há nem mecanismos políticos para a pressão. Isto
é alguma coisa sobre a qual nós temos que pensar também.

O terceiro ponto, que eu acho que é importante, é a experiência com a modalidade deles de con-
trole dos capitais de curto prazo. Desse ponto de vista, eu acho que o professor Meller é muito mais
otimista do que eu. Ele acha que a cada loop hole descoberto pelos mercados financeiros, o Banco
Central também tem um aprendizado, que pode ir fechando os loop holes. Eu confesso que eu sou
extremamente pessimista quanto à capacidade de se controlar esses fluxos de capitais. Quanto mais se
discriminam os fluxos de capitais, quanto mais se deseja carimbá-los de curto e de longo prazo, maio-
res as oportunidades de arbitragem, maior o prêmio para a criatividade dos mercados financeiros, e
simplesmente mais difíceis ficam os controles. Não quero dizer que os bancos centrais não devam
tentar. Eu sou só extremamente pessimista quanto aos resultados. Acho que o processo de internacio-
nalização do capital financeiro é um processo irreversível, causa problemas, sim, de volatilidade, mas
eu ainda estou seguindo o que as lições mexicanas do professor Jaime Ros hoje mostram: na realida-
de, as fontes de instabilidade doméstica, como no caso mostrado pelo México, mesmo com todo o
bom comportamento em relação a tantas variáveis, ainda costumam predominar sobre as fontes exter-
nas de instabilidade; ou seja, mesmo que nós caprichemos o máximo possível no processo de isola-
mento dos nossos fluxos em relação aos movimentos autônomos, à volatilidade dos capitais externos, a
rigor, os cuidados devem estar muito mais na volatilidade interna.

Isso nos leva a duas outras lições importantes. Primeiro, para a permanência, como chamou a
atenção o Castro, da prioridade em relação à inflação. A rigor, conviver com inflação baixa e conviver
com uma prioridade para a inflação baixa deixa de ser simplesmente uma visão episódica de priorida-
des. Passa a ser uma obrigação da formulação de qualquer política econômica. É uma restrição para
qualquer formulação de qualquer política econômica. Isso impõe, e eu acho que no caso do Chile é
bem visível desse ponto de vista, que não há substituto para a política de inflação baixa e permanente,
não há substituto para a política fiscal coerente. Não há substituto para a produção de um orçamento
equilibrado, em termos intertemporais. Não há substituto. Nós não inventamos substituto para isso.
Então, para mim, na discussão da primeira parte do seminário, foi falado do problema do uso fiscal da
política de estabilização, como política anticíclica. Eu acho que nós perdemos essa batalha. Nós,
economistas. Nós perdemos isso. Nós não temos manejo para usar a política fiscal como um instru-
mento anticíclico. Na realidade, todas as vezes em que nós tentamos usar o déficit fiscal como ins-
trumento de política anticíclica, mas de forma moderna, nós geramos muito mais instabilidade, muito
mais volatilidade no mercado doméstico que se transmite num mercado de capitais interligado, de
uma forma muito rápida. E que as fugas de capitais são agravadas muito rapidamente.

Quero chegar agora simplesmente à conclusão sobre a questão da avaliação do grau de desali-
nhamento do câmbio, e da importância do grau de desalinhamento do câmbio, das conseqüências e
das causas do grau de desalinhamento do câmbio. Acho que o professor Edmar deu um passo interes-
sante, muito interessante, quando tentou abrir a discussão em termos de: afinal de contas, o que mes-

220
DEBATES

mo nós queremos do câmbio? Qual é o objetivo de se ter uma taxa de câmbio num determinado nível,
que não seja pura e simplesmente trazer algum índice que está lá atrás, que passou? Então, quais são
esses objetivos? Que taxas de câmbio são essas que nós queremos? As conseqüências, eu acho que
estão bem mapeadas. Não há substituto para se olhar o grau de competividade das exportações para
frente, e a atratividade do mecanismo de exportação. Porque, na realidade, exportações não se fazem
em um dia, mas se perdem muito rapidamente. Portanto, é importante ter uma visão de longo prazo.
A política cambial tem que prestar atenção. Mas, por outro lado, quando nós olhamos as causas das
valorizações reais, quando se observa o caso brasileiro, o caso mexicano, nos casos mais variados, a
rigor — inclusive no caso chileno —, as primeiras causas dominantes das grandes valorizações de
câmbio foram as explosões inflacionárias. Também não há substituto para uma explosão inflacionária,
como causa de uma grande valorização do câmbio. Não há mecanismo de indexação que consiga —
nós aprendemos isso muito bem — segurar os grandes desalinhamentos de câmbio que se seguem às
subidas rápidas de inflação.

Em segundo lugar, as valorizações moderadas, essas valorizações de dez ou quinze por cento, que
desviam a taxa de câmbio de alguma idéia de taxa de câmbio de equilíbrio, têm sido associadas, na
literatura empírica, no caso brasileiro e em alguns outros casos, sistematicamente, à questão dos fun-
damentos, e, entre eles, como se coloca em equações econométricas, esses fundamentos são em geral
muito dominados pelas questões fiscais. Em outras palavras, não há como se alinhar uma taxa de
câmbio nominal a uma possível taxa de câmbio real, com base em qualquer índice de preços para trás
para tentar recuperar a competitividade, se não se tem do outro lado um sinal muito claro de que o
déficit fiscal está diminuindo. A causa mais comum, empírica, dessas valorizações moderadas têm
sido, exatamente, os grandes desalinhamentos fiscais. São desvios da política fiscal, em relação a
trajetórias minimamente consistentes com fundamentos de um equilíbrio macroeconômico, tendem a
levar também a desvios da taxa de câmbio, com respeito aos seus valores de equilíbrio.

De modo que a moral da história é que uma grande parte, provavelmente, do teste que nós vamos
passar nos próximos doze meses, digamos, até o terceiro aniversário do Real, em relação ao realinha-
mento cambial será ligada não só ao que vai acontecer com a taxa de câmbio em termos nominais,
com a política que o Banco Central vai terminar seguindo, mas também com o que vai ser consegui-
do, em termos de recuperação da posição fiscal; ou seja, de melhoria da posição fiscal do governo nos
próximos anos.

Jaime Ros

Quero fazer uma observação sobre a discussão do caso brasileiro e, depois, outra sobre o México.

Chamou-me atenção, na discussão do caso brasileiro, tanto na do Edmar quanto depois, na discussão so-
bre o tema da competitividade e da rentabilidade do setor de comerciáveis, que se dava pouca importância ao
tema da rentabilidade relativa dos setores comerciáveis e não-comerciáveis internamente, o que os australianos
chamam de competitividade interna do setor de comerciáveis, e que me parece uma feliz
expressão. Tive a impressão de que, se o Edmar tocou um pouco no tema, deixou-o em um segundo plano,

221
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

mencionando como exemplo que ninguém deixa de produzir pistões para produzir cortes de cabelo. E isso me
deixou um pouco preocupado. Porque creio que infelizmente as pessoas deixam de produzir pistões para
produzir cortes de cabelo.

Se alguém visita a cidade do México ultimamente e fala com um taxista — há uma multidão de ta-
xistas hoje em dia na Cidade do México —, há vários anos todos eles, ou boa parte deles, estava no setor
de comerciáveis, produzindo pistões, tornos e uma infinidade de outras coisas. O que eu quero dizer é
que o tema da rentabilidade relativa é importante para o tema da orientação da inversão. Na experiên-
cia mexicana, essa rentabilidade crescente do setor de não-comerciáveis em relação ao setor de co-
merciáveis orientou a inversão, incluindo em primeiro lugar a inversão estrangeira e direta em direção
ao setor de não-comerciáveis, levando, eventualmente, ao lento crescimento e ao estancamento do
setor que deveria ser o motor do processo do crescimento, que era o de bens comerciáveis.

A minha segunda observação tem a ver com as lições que o Dionísio tirava da experiência mexicana,
com as quais concordo totalmente, no sentido de que as fontes de instabilidade no mundo da globalização
financeira de hoje são mais as domésticas que as internacionais. Não tive tempo de abordar o tema em relação
à experiência mexicana porque não era o meu tema nesta exposição, mas se eu tivesse que dizer se as fontes
internas de erros de política econômica ou a euforia financeira da qual foi vítima o pacto e as reformas estrutu-
rais dos anos 90, se eu tivesse que indicar quais dessas foram as maiores causas de instabilidade, eu diria que
foi a euforia financeira internacional com o México, que, com o tempo, acabou como uma grande bolha espe-
culativa e terminou do modo como todos sabemos.

Patricio Meller

Eu queria fazer dois comentários no sentido do que o Jaime acabou de dizer. Eu também não en-
tendi como seguiria o tema da rentabilidade com relação aos não-comercializáveis no Brasil. O que
fica claro para mim é que medir preço de comercializáveis com o preço de não-comercializáveis não
mede rentabilidade relativa, porque os não-comercializáveis têm um componente salarial certamente
maior. Eu diria que nesse caso teria que se construir uma função de produção para cada um, e, em
todo caso, o que mostra a economia argentina é que o governo foi suficientemente inteligente para
atacar essa questão e dizer como devo fazer com os portos, como devo fazer com o transporte, como
devo fazer com os impostos. Mas parece-me que essa posição é muito complexa e vai além do preço
de comercializáveis versus salários. Isso porque os preços dos não-comercializáveis entram formando
parte da produção, não no todo da função de produção, mas algo entra.

O tema da competitividade não é fácil de medir. Não está certo medi-lo como se costuma, trade-
ables versus non-tradeables, mas também me parece que ir ao tradeables ou non-tradeables versus
salários é uma simplificação, e creio que isso é que torna tão difícil, às vezes, dizer se uma coisa é
competitiva ou não. Insisto no caso argentino porque a ação do governo esteve dirigida para ao menos
tentar — em alguns casos com êxito — reduzir custos específicos relacionados com, por exemplo, a
produção industrial.

222
DEBATES

A segunda coisa é, repito, que eu creio que há muitas experiências em que o choque interno im-
porta. No início dos anos 80, o Chile tinha um superávit fiscal e terminou em desvalorização, a Ar-
gentina tinha déficit fiscal e terminou em desvalorização. Parece-me que o tema dos choques internos,
da política monetária, da expectativa, do atraso na taxa de câmbio, ou várias outras coisas são tão
importantes quanto a questão fiscal. Esse não é o tema que me parece mais relevante. Creio que, sim,
há margem para se fazer política fiscal anticíclica naquele sentido. O erro argentino de 1993 e 1994
foi não obter superávit fiscal quando os recursos tributários cresciam como loucos e a economia vinha
crescendo de uma maneira espetacular. Esteve bem em 1995 e, em 1996 deve ter tido défict; um e
meio, dois pontos de produto, digamos, fruto da recessão; ou seja, creio que esses países da América
Latina não têm muita margem para fazer política fiscal ativa, uma razão para aumentar o gasto públi-
co, ao estilo do Japão nos últimos anos, mas acredito que há, sim, margem para usar a política fiscal
de superávit nas épocas de auge e algum desequilíbrio nas de recessão.

Javier Iguíñiz

Um comentário muito breve. Agradeço as comparações feitas. O contraste entre o Peru e o Chile
é, certamente, muito difícil de sair da dolarização. Continuamos guardando nossas coisas em dólares,
ainda que a rentabilidade de curto prazo seja menor, ou seja, há um problema de fundo de inseguran-
ça.

Outra coisa, vinculada aos temas que o Antônio mencionava: o que eu sinto é que, na análise de
por que se pode ter êxito por tanto tempo com políticas anticomércio, o caso extremo é o chileno, com
exportações crescendo em ritmos importantes. Creio que há uma aposta no tipo de desenvolvimento
em que a renda diferenciada e a qualidade dos recursos naturais não costumam estar presentes, e que
deve ser introduzido mais claramente, porque pode ser estruturalmente compatível. Uma política que
estimule a infra-estrutura, a construção, a obra da reconstrução, no caso do meu país. O país foi bom-
bardeado em termos de infra-estrutura por quinze anos e, simultaneamente, podem ser vistos indica-
dores de exportação que poderiam ser maiores, baseando-se em recursos naturais. No caso do Peru,
com uma diferença: deve-se primeiro explorar esses recursos. Há, então, um prazo crítico para ver
quando um déficit de conta corrente de sete, oito por cento se converte em um fator de política reces-
siva mais dura. Estamos, portanto, diante de um tema de calendários em termos de descoberta de
novas minas de ouro, de saída para a produção de gás, e de identificação de mercados adequados para
isso. É um momento muito crítico, em termos de cronograma, para ensaiar esse processo de incentivo
à reconstrução de infra-estrutura e, simultaneamente, gerar divisas legais a tempo.

Patricio Meller

Vou retomar um ponto do Antônio e dois do Dionísio. O problema que o Antônio expõe é que,
sendo tão frágil ou não, o modelo exportador chileno é sustentável, e os recursos naturais constituem
um componente importante da carteira de exportação. A verdade é que, para esclarecer isso, a expor-
tação de recursos naturais processados representam 90% da carteira de exportações. No Chile, durante
esta década, na década de 90, diria 90-91, houve o debate de como se passa para a segunda fase ex-

223
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

portadora, entendido que a segunda fase exportadora consistiria em agregar valor agregado aos recur-
sos naturais.

Uma das perguntas que se faz no Chile diante dessa situação é a seguinte: por que exportar cem
milhões de dólares de sapatos é preferível a exportar cem milhões de dólares de frutas? Cem milhões
de dólares são iguais a cem milhões de dólares. Ou seja, por que esse viés para exportar produtos
manufaturados em lugar de exportar produtos naturais?

Recentemente, eu preparava um paper questionando a maldição dos recursos naturais na América


Latina. Ou seja, até que ponto o Chile está pior porque tem cobre, porque tem um mar que tem muita
pesca, porque tem uma terra que produz muita fruta, produtos florestais? Por isso o Chile está pior?

Aqui a questão tem a ver também com este trabalho. O que comecei a ver é: o que está aconte-
cendo com a carteira exportadora chilena? Tomando o ano de 94 (não tinha dados mais recentes), com
oito dígitos de classificação de comércio, tive a surpresa de ver que há uma grande quantidade de
produtos dos quais se exportam mais de dez milhões de dólares.

Olhando-se os últimos oito anos, de boa parte desses produtos não se exportavam nem cem mil
dólares há oito, há sete, há quatro ou cinco anos. Hoje em dia, exportam-se mais de dez milhões de
dólares em cada um desses itens. Outra coisa é que surgiram produtos que são recursos naturais pro-
cessados e, além disso, outros produtos naturais que não têm nada a ver com a dotação de recursos
naturais que há no país. E tudo isso foi feito sem política industrial.

Neste momento, no Chile, a política industrial que há é não ter política industrial. São incentivos
homogêneos e que atuam onde não se pode ver. Esses incentivos vêm com os neoclássicos que tratam
de evitar introduzir distorções. Mas, incentivos não-viesados — uma das conclusões a que chegou o
governo — são um instrumento muito poderoso para frear as pressões corporativas. Representam um
instrumento que o governo tem hoje em dia para resistir a setores que não quiseram se converter, ou
que têm dificuldades para tal. Há um que vou mencionar, e, obviamente, com a entrada do Chile no
MERCOSUL, eu não poderia deixar de mencioná-lo. Mas exceto nesse, no resto dos outros setores a
forma do governo reagir era dizendo: "olhe, se faço a exceção para vocês, como freio os outros?" A
exceção foi lamentavelmente o setor agrícola que, para entrar no MERCOSUL, necessitava internamente
de dezoito anos para reconverter-se e poder enfrentar o setor agrícola argentino.

Se se examina o que aconteceu com o setor exportador chileno — o que é importante para o
Chile, mas creio que também para o Peru e países como o Brasil e o México —, detecta-se a nova
existência de empresários com mentalidade exportadora, que tenham a capacidade de exportar para o
mundo. E o que fez esse modelo de exportação de recursos naturais foi criar a capacidade empresarial
exportadora no país para, primeiro, exportar recursos naturais e, depois, mudar a mentalidade do
Chile. Há uns vinte anos um empresário chileno, quando produzia, seu mercado era o mercado local
nas cinco quadras em que ele estava instalado. Hoje, vocês vão a regiões no Chile, fora de Santiago, e
perguntam a um empresário chileno qual o seu mercado, e a resposta é: o mercado mundial. Foi uma
notável mudança de mentalidade no Chile o que gerou esse modelo exportador de recursos naturais:

224
DEBATES

frutas, peixes, recursos florestais, recursos minerais — não só o cobre. Somos o primeiro país expor-
tador de cobre do mundo; do salmão, somos o segundo exportador do mundo; e, em frutas, somos o
principal país exportador da América Latina.

O que esse modelo fez foi mudar, criar uma nova geração de empresários exportadores, o que
não tínhamos antes.

Assim, a dúvida quanto à preferência de exportar calçados e não frutas tem de nós a tradicional
resposta de que é o setor manufatureiro que incorpora a tecnologia moderna. Pensem na tecnologia
que há por trás das frutas frescas: as frutas são arrancadas das árvores e têm que chegar frescas 25
dias depois à mesa dos consumidores dos Estados Unidos e da Europa. Pensem em toda a tecnologia
que há por detrás a fim de se manterem as frutas frescas, sem apodrecerem, e que tenham bom sabor
por todo esse tempo. Pensem, como exemplo, nas frutas que estão na geladeira da sua casa. O que
aconteceria se ficassem três dias fora da geladeira? Ou até quando ficam uma semana na geladeira? O
que o Chile conseguiu foi incorporar essa tecnologia de ponta, tecnologia de frio, ou de extração de
calor, como dizem alguns, para exportar um produto que, no país, não se sabia como exportar. Levou
um ano, depois, dois, mais de dez, mais de quinze para desenvolver. Com prejuízo das visões antigas,
que éramos todos pró-indústria, eu diria que, hoje, já se está vendo que a incorporação de tecnologia
moderna não vem só pela exportação de produtos manufaturados.

Há vários pontos que o Dionísio coloca, mas há um do qual eu discordo. É com respeito à taxa de
flutuação da taxa de câmbio, que mostra às autoridades monetárias e às autoridades econômicas sinais
de como se encontra o mercado. É muito importante ver de onde vêm as pressões.

No gráfico que mostrei, em relação a 89 é correto o que você disse. Depois de 90, a taxa de câm-
bio está colocada no piso da banda. Mas ao menos sei que isso está empurrando o mercado. Tenho
que fazer alguma coisa, tenho que acomodar e, eventualmente, o faço. Mas tenho um tempo para
fazê-lo. Tenho noção de em que direção vai. E, certamente, se observar bem, as acomodações não têm
sido traumáticas. O que a taxa faz é, de alguma forma, me permitir ver as coisas do ponto de vista das
autoridades econômicas, nas nossas tão instáveis economias.

Eu quero ligar isso com outro ponto, em relação ao qual você é cético: se os controles de capital
de curto prazo fazem ou não esse papel. Eu acho que você tem razão quanto à questão central, ou seja,
o longo prazo em que vamos ter que eliminar os controles de capitais de curto prazo. No longo prazo,
esta nossa economia que se está integrando na sua conta de capitais — digamos globalmente — vai
ter resultado. Mas, no curto prazo, nosso mercado interno de capitais é muito, muito fino, bem pouco
profundo.

Qual, então, é a alternativa no curto prazo para enfrentar um capital que entra e sai e nos afeta?
Ele produz uma tormenta quando entra, e produz uma tormenta quando sai. De qualquer forma, ele
existe, e qual é a alternativa frente ao controle? Não fazer nada e enfrentar terremoto atrás de terre-
moto? Com o grau de credibilidade que há em nossas economias, isso gera uma corrida especulativa
desestabilizadora do ponto de vista macro.

225
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

Assim, o que temos visto no caso chileno é que nos custa muito conquistar credibilidade e repu-
tação. E, como você disse muito claro, custa-nos pouco perdê-las.

Essas nossas economias, neste momento, tão abertas a choques externos, são desestabilizadoras.
O que, então, se faz, e que temos tentado fazer no caso chileno, com esses controles, esses impostos
ao capital de curto prazo, é o que eu dizia: entrar na arena dos mercados de curto prazo. Para que não
ande tão fluidamente desestabilizando rapidamente, senão que, de alguma forma, consiga antecipar o
que está fazendo e dizer aos especuladores que querem aproveitar que há um instrumento para usa-
rem; um instrumento discricionário, o qual pode ser aplicado pelo Banco Central em um dado mo-
mento, e que está ali para ser aplicado.

Edmar Bacha

Eu me lembrei da experiência da Bolívia. Sempre se disse que a Bolívia conseguiu matar a fera
da inflação de uma vez só. Foi realmente em agosto de 85, quando se fez um programa forte de con-
tenção da inflação, que causou enorme admiração no mundo inteiro, devido à eficácia com que eles
acabaram com a inflação de um golpe só. Acontece que, em dezembro de 85, a inflação já estava em
23% de novo. E foi nas decisões tomadas em janeiro de 86 que aquele governo provou de fato que
havia uma mudança de regime de política econômica na Bolívia. Com as decisões que eles tomaram
em janeiro, reverteram o processo e trouxeram a inflação de novo para zero.

Acho que o Luis falou muito sobre a experiência da Argentina, como que, ao expansionismo ini-
cial, natural, do setor privado foi agregada uma política deliberada de expansionismo fiscal e credití-
cio, tendo em vista objetivos políticos do governo, e como que isso hoje está custando uma taxa ex-
traordinária de desemprego na Argentina, porque não atuaram com suficiente rapidez no segundo
turno comum a todos os programas de estabilização.

A comparação que o Castro fez do Real com o Cruzado, eu não acho nada provocativa. Apenas
repete o que eu disse hoje, no meu artigo no “O Estado de São Paulo”. De fato, no Cruzado, quando
veio a época do segundo turno, o que se produziu foi um novo índice de preços. Na época em que
veio o terceiro turno, o que se produziu foi um terceiro índice de preços. Ou seja, o governo realmente
demonstrou, em agosto e em novembro, que não havia mudado o regime de política econômica. Que
ela continuava tal e qual era antes, exceto pelo truque que fez cair a inflação instantaneamente. Nós já
sabíamos que fazer a inflação cair é fácil; o difícil é mantê-la lá embaixo. E, para mantê-la lá embai-
xo, precisa haver uma caracterização clara de mudança de regime de política econômica. E foi isso
que o governo de Fernando Henrique Cardoso fez entre janeiro e junho do seu primeiro ano de gover-
no. Eu acho que foi uma felicidade para o país que houvesse havido essa coincidência, em que, no
momento em que chegou a hora da verdade, de mostrar que estabilização não era festa, mas era um
processo duro de mudança de regime de política econômica, nós tínhamos, à cabeça do governo,
Fernando Henrique Cardoso, que apoiou o conjunto de medidas extraordinariamente duras que tive-
ram que ser adotadas ao longo daquele primeiro período. Não há nada a ser polemizado a respeito
desse assunto.

226
DEBATES

Em relação à questão do câmbio, eu gostaria de insistir. Eu creio que tem uma versão, digamos,
mais amena do que eu disse, que eu colocaria assim: a curto prazo, o que interessa é saber se as in-
dústrias nacionais têm preço para competir lá fora. E aí, eu acho que é perfeitamente legítimo fazer a
comparação utilizando preços industriais por atacado contra preços industriais por atacado externos.
Nós estamos medindo aí o grau de competitividade externa dos bens comerciáveis pelo país. Bens
diferenciados. Obviamente, isso é apenas a curto prazo. Eu diria que, a médio prazo, não basta ter
preço competitivo, porque se você estiver conseguindo competir lá fora, ou aqui dentro, com produtos
estrangeiros, mas estiver produzindo no vermelho, mais cedo ou mais tarde você vai fechar as portas.
Portanto, o preço que você está praticando tem que te dar margem positiva de lucro. E aí, cabe com-
parar basicamente o que acontece com a margem de lucro das empresas. Nós não temos, infelizmente,
essa informação.

O que normalmente se utiliza é induzir o que está acontecendo com a margem de lucros pelo seu
contrário: o que está acontecendo com a participação dos salários no custo das empresas. Quer dizer,
salários sobre o valor de vendas; no caso da FIESP, salário sobre o valor da produção; no caso da PIM

[Pesquisa Industrial Mensal do IBGE], o que mede realmente é a relação entre salário e produto, salário
em unidades do produto que o trabalhador produz, comparado com a produtividade do trabalho. Não é
a mesma coisa, aritmeticamente. Certamente, é só um item do custo. Como eu disse, a macrométrica
tem um índice mais sofisticado, que trata de outros custos; a FUNCEX também trata de fazer isso, de
uma maneira muito mais sofisticada. Os números, por exemplo, a que a FUNCEX chega não são dife-
rentes daquilo que eu apresentei. Eu disse que havia hoje em dia, em relação à base, uma apreciação,
em termos de preços por atacado, de seis por cento e depois, em relação à base também, uma aprecia-
ção do custo de produção salarial de sete por cento. Sete mais seis, dá treze; com algum ajuste, um
pouco, quartoze, que praticamente são iguais ao quinze que a FUNCEX vem colocando. Isso é realmente do
que se trata.

Agora, o meu ponto — acho que isso está perfeitamente plausível, é o que interessa —, o ponto
que eu tratei de ressaltar é, menos, onde estamos e, sim, a derivada que estamos seguindo desde julho
do ano passado, quando as medidas corretivas que puseram o plano a prumo foram tomadas. E a
derivada indica que nós estamos numa trajetória claramente de recuperação de toda a apreciação
cambial, tanto no sentido de competitividade quanto no sentido de lucratividade, que ocorria anteri-
ormente.

Aí, vem o terceiro ponto. Eu estou cuidando do curto e do médio prazo. E no longo prazo? No
longo prazo, não basta ter lucro: é preciso que o lucro seja maior do que nas outras atividades dispo-
níveis na economia, e aí vem o famoso modelo de tradeables e non-tradeables. Como citou o Ros,
diversos empregados, que antes estavam nas montadoras, agora viraram taxistas na Cidade do Méxi-
co. No Brasil, também ocorre, mas não é uma decisão de empresa. Nós estamos falando de trabalho.
No Brasil, também observamos, nas pesquisas mensais de emprego do IBGE, que os salários do setor
informal, dos trabalhadores sem carteira, os trabalhadores por conta própria, e dos empregadores
cresceram mais do que cresceram os dos trabalhadores do setor formal, ou seja, aqueles que têm
carteira assinada. Nesse sentido, certamente há um problema aí, em que, mantida uma situação de

227
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

superemprego, a tendência dos salários do setor informal da economia, o setor de non-tradeables, se


propague para o setor de tradeables, e se acrescente à pressão de custo. É por isso que é preciso desa-
quecer a economia. Justamente eu acho que aí não tem mistério nessa questão. Ou seja, que o ajuste
tem que ser feito, não pelo aumento do salário... não pela propagação do aumento do salário do non-
tradeable para o salário do tradeable, mas, sim, pelo reajuste do salário para baixo do non-tradeable.

Bom, mas isso é um problema, eu insisto que pelo menos em nível visível, olhando o que entra
nos índices do custo de vida. No máximo, nós podemos fazer substituição de trabalho. Nós não esta-
mos falando aqui de substituição de capital — estruturas capitalistas, produzindo tradeables, que vão
passar a produzir non-tradeables. Quer dizer, ainda não se observa na economia, com todo esse ex-
traordinário aumento que houve de aluguéis no país, nenhuma tendência de explosão do nível de
atividade de construtoras de prédios de apartamentos, por exemplo.

Então, substantivamente, é claro o problema de que os preços de non-tradeables no Brasil, como


qualquer viajante pode atestar, estão extremamente elevados. Nesse sentido, no caso da taxa de câm-
bio do MacDonald’s, nós estamos com uma sobrevalorização de 22%, 25% igual à da Argentina, mas
essa não é a decisão relevante, do ponto de vista do que o empresário está fazendo. Eu acho que o
importante, de novo, é verificarmos se as margens de lucro nas atividades produtoras de bens comer-
ciáveis estão-se situando em níveis, ou estão a caminho de situar-se em níveis que estimulem, não
somente o aumento da quantidade exportada, mas também o aumento do volume de investimento nas
atividades exportadoras. E, nesse sentido que eu indiquei aqui, pelo menos ao olhar os números dis-
poníveis, nós estamos no caminho certo, ao contrário do que ocorre com o déficit fiscal, que continua
sendo o nosso maior problema. Portanto, não vamos tratar de tapar o sol com a peneira de novo, só
porque mover um preço é mais fácil do que corrigir um déficit, voltar à política fácil que tínhamos
antes de 94.

Antonio Castro

Eu queria fazer três observações.

Primeiro, referente ao Patrício. Existe sempre a pergunta que ele recolocou aqui. Afinal de con-
tas, por que manufaturas, e não produtos naturais? Em última análise, qual é a superioridade intrínse-
ca da manufatura? A questão pode ser levada longe, mas eu acho, Patrício, que a questão está hoje
recolocada de forma muito clara. Com a feroz competição imperante na atualidade em todos os mer-
cados, só faz sentido buscar aquilo que permite a diversificação, a variação permanente. Todo mundo
está correndo atrás de rendas schumpeterianas, de rendas por variação de produto, por diferenciação.
A superioridade de uma estrutura econômica sobre a outra está muito por aí. Cada vez mais. As em-
presas produzem mais produtos, e novos produtos. Por exemplo, o Brasil é uma estrutura industrial
ruim, atrasada, já que, numa amostra que eu tenho aqui, no melhor de sua indústria, só 11% dos
produtos são novos. Internacionalmente, a média é 19%, e, no Japão, é 43%. Quer dizer, 43% do que
as empresas da mostra japonesa estão produzindo são produtos novos, que acabam de ser lançados.
Muito bem. Se você me mostrar que na área de produtos naturais é possível sempre buscar o novo, eu

228
DEBATES

estou com você. O meu critério é como aproveitar a automação flexível, num novo mundo, que per-
mite a variabilidade infinita na produção. Se você me disser que na produção de frutas você pode
variar os produtos para colher as oportunidades quando elas estão nascendo, eu estou absolutamente
de acordo. Eu estou brigando pelo aproveitamento da matriz tecnológica atual, que é a da automação
flexível, em que cada indivíduo, cada produtor tem n opções a cada momento. Eu sou contra posições
estáticas, não contra produções naturais. Só que eu desconfio que a exploração de recursos naturais
leva à produção de commodities.

Quanto ao Bacha, acho que ele não entendeu a minha brincadeira. Realmente, eu me congratulei
até com ele, por ter caracterizado uma rota explosiva para o Real. Eu não resisti a essa brincadeira,
porque usei praticamente a mesma expressão, à época, e fui muito maltratado por isso.

Quanto à questão das empresas, acho que há um mal-entendido também aqui. Você supõe, aliás o
seu exemplo é claro, que o sujeito que vai mal em pistões passa para barbeiro. Claro que você usou
um exemplo caricaturesco, mas ele é revelador. As empresas também mudam de mil maneiras. Uma
das possibilidades é a regressão. No Brasil, muitas estão abandonando uma produção diferenciada e
fixando-se em commodities e vacas leiteiras, aqueles produtos tradicionais, que elas sabem fazer, e
que o mercado internacional já abandonou. É uma focalização por fuga, e não por avanço. E isso é
extremamente deletério e compromete o crescimento da economia. Para a empresa, e a curto prazo,
não é problema. Quando não dá certo uma coisa, dá certo outra. Eu não posso afirmar que a regressão
é um fenômeno dominante, nem que vai dominar depois de amanhã. Não posso. Estou tentando en-
tender um pouco disso. Mas sei que a troca do pistão pela barbearia não é indiferente para a economia
como um todo e para o longo prazo.

Edmar Bacha

Eu não vou entrar na política. Eu não vou entrar na polêmica que o Castro está levantando: ques-
tões em relação a uma empresa. Eu não vou entrar nessa polêmica, da idéia de se a empresa é ou não
mais do que uma unidade de negócio. São outros quinhentos. Realmente, não tenho condições, nem
vontade de debater isso agora.

Eu queria chamar atenção para duas observações, ainda sobre política macroeconômica, que fo-
ram objeto dos comentários.

A primeira é exatamente sobre a posição que eu acho importante: a posição sobre a volatilidade
dos mercados internacionais. Eu me referi foi ao fato de que o seu paper ilustra o fundamento para a
própria volatilidade dos fluxos externos. De fato, é um otimismo, ou às vezes excesso de otimismo ou
excesso de pessimismo, que são grandes fatores dessa excessiva volatilidade. Eu penso sempre no
oposto, Patrício, sobre isso. A nossa tradição de controles de capital era usada basicamente para servir
de guarda-chuva para políticas sistematicamente inconsistentes. A rigor, nós usávamos os controles,
as diferenças de taxação, os mecanismos discriminatórios em relação a tipo de capital, etc., no fundo,
para praticar políticas industriais, para praticar políticas macroeconômicas, com o suporte de políticas
industriais, que eram inconsistentes, que abriam desequilíbrios maiores.

229
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

Hoje, é mais difícil fazer isso. Porque eu acho que a análise de fundamentos é um pouco mais
sistemática. Talvez você tenha até razão, de que há um exagero de volatilidade nessas análises, nas
próprias análises, nas reações dos agentes econômicos, como está acontecendo, por exemplo, nos
Estados Unidos hoje, em que para cada dado macroeconômico que sai, e saem uns quatro ou cinco
por semana, há um movimento na taxa de juros de longo prazo, cuja maior parte é absolutamente
injustificada. Agora, esse mercado é que vai aprender a discriminar quais são os indicadores que
efetivamente têm a capacidade, têm a melhor capacidade de antecipar o desastre. Não adianta muito
nós falarmos dos desastres, se explosivo ou não-explosivo. Toda política macroeconômica tem custos.
Toda política macroeconômica, quando ela é olhada num determinado ponto, tem uma realidade —
aliás, como chamou a atenção o Mordechai Fraenkel — aos dois anos do plano de Israel, estava tudo
parecendo o melhor dos mundos, mas na realidade vários problemas ainda estavam por vir. Havia
desequilíbrios sendo construídos muito mais graves do que alguns dos dados mostram. Isso, eu acho
que nós temos que interpretar, nós temos que viver com isso. Agora, esse processo de detectar quais
são os indicadores que vão guiar o governo, eu acho que nenhum deles é exatamente a reação dos
fundos de capital. Porque uma das coisas que você faz quando você não tem capacidade de fazer
política monetária, por exemplo, pelo seu regime cambial, e você tenta fazer, é terminar mexendo na
taxa de juros para tentar se antecipar a um possível reaquecimento da economia, e o que você conse-
gue fazer é, no fundo, agravar a volatilidade de fluxos de capital. Você aumenta a taxa de juros, ten-
tando tomar uma medida interna de política monetária restritiva, quando o que você faz, efetivamente,
é atrair mais capitais voláteis, que vêm pura e simplesmente por causa das taxas mais altas. Políticas
compensatórias nesse momento, eu até entendo. Que você faça taxação.

Aliás, a experiência nossa com política cambial também era assim no passado. Todas as vezes
que você fazia modificações radicais na política cambial, desvalorizações violentas, você taxava uma
parte dos ganhos pura e simplesmente, que não geravam conseqüências de longo prazo, segundo o
julgamento de então. De modo que o uso de política fiscal, de taxação, para compensar esse excesso
de movimentos, eu acho que não é incompatível com uma estabilidade de regras. Eu me preocupo
mais é com a estabilidade das regras quanto a acesso. E a incapacidade de a gente discriminar, por
tipo de fluxo, o fluxo de curto prazo e o fluxo de longo prazo, é mais ou menos como discriminar
empresas, como empresas que investem a longo prazo e empresas que não investem a longo prazo. É
sempre muito difícil. Você sempre pode, dado um conjunto de regras — eu disfarço o meu investi-
mento, de tal maneira a fazê-lo parecer o mais longo possível. Tomando na realidade, partindo das
técnicas que você tem de retalhamento, as verdadeiras técnicas de retalhamento financeiro, você
transforma compromissos longos numa sucessão de compromissos curtos, que não aparecem necessa-
riamente na regulação do Banco Central. Eu acho que esse é um ponto importante.

Uma outra observação rápida é reforçar essa idéia de mudança de regime. Em dois anos, é muito
pouco. Você tem poucas oportunidades até para sinalizar as suas mudanças de regime, de políticas. O
Castro mencionou um fato, da impressão de que a crise do México salvou o programa brasileiro. Não
foi exatamente isso. Na realidade, ela deu uma grande oportunidade para você demonstrar quais eram
as suas intenções de longo prazo. Eu acho que é uma oportunidade inclusive para escolha. Eu reforço

230
DEBATES

que a política de contração de demanda que foi feita foi uma das demonstrações mais claras dos obje-
tivos do governo, do nível de prioridade do governo. E eu acho que isso é importante, hoje, como é
importante saber que, se você tiver outra crise amanhã, o governo vai efetivamente pisar no freio, e
fazer o que tiver que fazer para poder manter a prioridade da estabilização.

Patricio Meller

Quero fazer uma observação com relação a um aspecto que o Dionisio mencionou, o dos indica-
dores de curto prazo. Ele enfatiza a importância dos sinais. Estou de acordo, mas às vezes um sinal
pode gerar desestabilização. Suponhamos que alguém vem a um país e anuncia que se deve desvalori-
zar o câmbio. Não creio que esse sinal seja estabilizador, ou mesmo necessário. Em outras palavras,
acredito que o que se deveria fazer é o que você mencionava: buscar os fundamentos econômicos, ou
seja, o que determina certas variáveis. Em relação aos controles de capital de curto prazo, eles não
implicam discriminação. Ao menos não da forma como se adotou no Chile. Todos estão envolvidos.
O único que se está discriminando é o instrumento, a aplicação do imposto. O capital que entra no
país por pouco tempo paga um imposto maior. No fundo, o que se está tratando de fazer em relação ao
capital de curto prazo é que, com esse mecanismo de impostos, se induza a sua permanência por um
período maior. Se o investidor pretende entrar no mercado para aproveitar as condições diferenciadas,
que pague o imposto que afeta o processo de arbitragem.

Assim, não fica clara a consideração que você está fazendo sobre a forma como se está aplicando
o mecanismo.

Fernando Rezende

Creio que este seminário trouxe informações e análises e inquietações muito importantes para
todo o debate que se trava hoje, no Brasil, com relação ao aprofundamento e à consolidação do pro-
grama de estabilização econômica, assim como aos seus desdobramentos, do ponto de vista de uma
nova fase de crescimento da economia brasileira. Nós ouvimos aqui experiências que, se bem que
distintas, em alguns aspectos, são muito reveladoras de problemas e de soluções, de idas e vindas, de
marchas e contramarchas, das políticas econômicas que os vários governos tiveram que adotar para
que o objetivo maior de todos esses programas, pelo menos no seu início de vida, que é assegurar a
estabilidade da moeda, pudesse ter sido alcançado com o grau de sucesso que foi aqui apresentado em
praticamente todos os casos, ainda que com antecedentes quase sempre muito distintos, antecedentes
políticos, antecedentes econômicos, antecedentes fiscais, que revelavam que o ponto de partida dessas
experiências sempre encontrava os países em níveis diferenciados com relação a esses fatores. Não
obstante, a ênfase que se atribuiu, e quiçá ao cabo de anos e anos de crise econômica, de taxas de
inflação beirando a hiper-inflação em alguns casos, isso teria levado certamente a sociedade, a opinião
pública e os governos a atribuir um valor intrinsecamente bastante alto à estabilidade da moeda, que
se transformava necessariamente numa fonte de sustentação política dessas experiências. Ainda que,
no caso chileno, a experiência se tenha iniciado num regime político mais fechado, não obstante, a
transição democrática assegurou, como era de se esperar, que essa estabilidade prosseguisse. Em

231
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

alguns casos, o efeito teria sido o oposto. Quer dizer, a estabilidade de preços alcançada num determi-
nado momento dá
sobrevida política a governos, o que assegura, por outro lado, a continuidade necessária nessas políti-
cas, para lhe dar condições de que se tornem mais duradouras.

Também vimos aqui que dois anos é, relativamente, um prazo curto, e há experiências que, em
alguns casos, já têm dez anos ou mais. Todavia, dois anos já dão um quadro inicial bastante nítido do
que pode ser alcançado, à medida que o governo tenha insistência, pertinácia em prosseguir nessa
meta de estabilização.

Claro que também foi mencionado que a estabilidade de preços passa a ser quase que um bem
público, assim reconhecido, e provavelmente isso não é tudo, do ponto de vista das aspirações de
qualquer povo, de qualquer nação. As aspirações de que isso seja acompanhado de uma retomada do
crescimento, de uma melhoria das condições sociais, de redução das desigualdades, é naturalmente
aquela que se extravasa, tendo em vista que a questão dos preços fica mais sob controle. Nesse senti-
do, uma série de questões que foram aqui levantadas, das preocupações com a retomada dos investi-
mentos, como assegurar o melhor controle sobre os fluxos internacionais no sentido de que o dinheiro
que entra no país seja um dinheiro mais preocupado com a produção e não, necessariamente, com a
especulação, e com as medidas necessárias de correção fiscal, para que o setor público também possa
voltar a desempenhar um papel importante nessa nova fase do desenvolvimento dos países, passam a
ser certamente as preocupações do momento.

Eu creio, por tudo que foi dito aqui, que nós ainda podemos aprender bastante, se aprofundarmos
a discussão comparativa desses casos. Eu acho que este seminário é uma primeira oportunidade, que
se nos afigurou interessante, para iniciar esse diálogo, e acho ainda que, pelo menos do meu ponto de
vista particular, do ponto de vista do IPEA, do ponto de vista da CEPAL, em nome da qual talvez eu
possa falar, ainda que não tenha tido mandato para isso, que nós teremos grande interesse em dar
continuidade a esse tipo de diálogo, buscando sempre confrontar essas experiências, quiçá com expe-
riências mesmo de países de outras regiões do mundo, buscando, inclusive, quem sabe, como já em
um segundo momento, tentar ir mais fundo na discussão de como esses programas de estabilização, e
as estratégias posteriores de associar estabilização com crescimento, terão que evoluir, inclusive na
medida em que toda proposta de integração econômica, de formação de blocos regionais, a exemplo
do MERCOSUL, venha a criar novas demandas sobre a tendência de harmonização das políticas dos
países que formam esses blocos.

232
POSFÁCIO

PRONUNCIAMENTO DO EXMO. SR. PRESIDENTE DA REPÚBLICA


FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

evo desculpas aos presentes pelo atraso no início desta cerimônia, mas, hoje,

D comemoramos dois anos do lançamento do Real e achei de bom alvitre que eu me dirigisse
ao país, não através de rede nacional, mas dando entrevistas sucessivas, o que fiz desde as
sete horas da manhã e continuarei mais tarde.
Queria externar a minha alegria pela realização deste seminário, numa data que, para nós,
brasileiros, tem um significado todo especial. Não cabe ao presidente da República entrar em
detalhes de ordem propriamente técnica e econômica, ainda que eu tivesse sido ministro da Fazenda,
num certo período, quando nós preparamos o Plano Real. Mas creio que me cabe chamar atenção
para o significado mais amplo desse plano de estabilização e para o modo como foi concebido.

Talvez eu não agrade a todos ao dizer que a decisão fundamental que se tomou no governo do
presidente Itamar Franco, quando decidimos marchar na direção de um processo de estabilização
da economia, foi a de explicar ao país todos os passos que iam ser dados.

Talvez a diferença mais significativa entre o Plano Real e os outros planos que foram tentados
no Brasil — inclusive o que foi melhor sucedido antes do Real, que foi o Plano Cruzado — tenha
sido o fato de que nós explicávamos, passo a passo, o que ia acontecer. E foi muito difícil. A
descrença era grande. Éramos sempre perguntados sobre qual seria o pacote, o conjunto de medidas
de surpresa, porque estávamos já traumatizados pelo que havia ocorrido em governos anteriores e,
especificamente, no governo anterior, que congelou a poupança. Havia um clima de muita falta de
credibilidade nas decisões governamentais.

E o bombardeio maior foi justamente este: qual vai ser a surpresa?


E eu dizia sempre que não haveria surpresas. Algum dia se escreverá, com mais detalhe, a história
de como foi constituído esse plano de estabilização e ver-se-á que essa decisão não foi uma decisão
de um senador que era, eventualmente, ministro da Fazenda, mas foi uma

243
PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

decisão que foi pensada também pelos que participaram na equipe econômica, na equipe técnica,
porque, no fundo, nós todos chegamos à compreensão de que a sociedade estava cansada da
inflação.

O Brasil tem uma outra peculiaridade: graças a um sistema de indexação generalizada, nunca
se teve a sensação propriamente da hiperinflação. Estávamos sempre à beira daquilo que os
brasileiros amam, mas não gostam que se caia nele, que é o abismo. E havia discussões bastante
curiosas sobre o que é a hiperinflação: se seria ou não hiperinflação uma taxa de 30, 40 por cento
ao mês, que, anualizada, dava 4 000, 5 000 por cento. Uma discussão, de resto, praticamente sem
sentido, porque, na verdade, para os efeitos práticos da administração, nós já estávamos num clima
que impossibilitava o planejamento, vislumbrar um horizonte e, portanto, a administração, o que
desagregava o conjunto da sociedade.

Embora sem ter havido no Brasil, graças à indexação, a hiperinflação no sentido clássico, de
fuga de capital para uma moeda distinta da moeda nacional, a sensação de ingovernabilidade era
muito forte. Os que estão hoje aqui devem estar se recordando de que o tema que vinha junto com a
inflação era o da governabilidade.

Durante anos, nós discutimos no Parlamento, nos meios acadêmicos, a governabilidade. Por
quê? Porque se tinha a nítida sensação da perda de controle. E isso era real. Não havia mais
controle sobre as decisões. Na verdade, progressivamente, o controle do país passou para a boca do
cofre. A única maneira pela qual se podiam ajustar os desequilíbrios existentes era postergando
pagamentos. Ao postergar pagamentos, evidentemente, o governo se beneficiava com a inflação e, no
final, apresentava um resultado equilibrado.

Com a indexação, as empresas que podiam manejar mais adequadamente o sistema financeiro
tinham um mecanismo de salvaguarda, mas o grosso da população não tinha. O Brasil tinha
percebido que o maior instrumento de concentração de rendas era a inflação.

A decisão política então tomada foi no sentido de enfrentar essa questão, e de um modo que a
população sentisse, pela explicação sistemática da razão das medidas. Francamente, quando se
decidiu fazer a URV, que creio ter sido o engenho mais criativo de todo esse programa, havia uma
certa incerteza. Nunca me esqueci das palavras do professor Simonsen, a quem rendo sempre as
minhas homenagens, porque tem sido de uma sabedoria e de uma generosidade constantes na
análise dos problemas do governo e do país. Ele disse que a URV era como um patim no gelo: podia
deslizar para um lado e perder completamente o controle, ou poderia ser que nós chegássemos a
fazer aquelas piruetas que os bons patinadores fazem, de dar o salto e cair em pé.

O Brasil caiu em pé. Mas, na verdade, não caiu, ficou em pé. Estava caído e ficou em pé. E a
URV, que era um mecanismo que parecia complexo, foi assimilado com muita rapidez pela população.
E devo dizer que isso se deve também ao sistema de comunicações existente neste país.

Alguns dos senhores não são brasileiros. Neste país há imensa liberdade de imprensa, uma
imprensa muito competente. Sua capacidade de comunicação e de tradução das medidas mais

244
POSFÁCIO

complexas de forma quase imediata em termos que a população entenda — o que é simplesmente
extraordinário — foi o que possibilitou haver um diálogo constante na fase de implementação do
Plano Real.

Nossa obsessão era com a inflação. Recordo que quando tomei posse no Ministério da Fazenda,
repetindo o que ouvia muito do senador José Serra no passado, eu disse que nós tínhamos três
problemas: a inflação, a inflação e a inflação. Era preciso domar a inflação. Ainda hoje, me
recordei das caricaturas da época, sobretudo do Chico lá no "O Globo", em que nós víamos um
dragão, e o ministro da Fazenda impotente diante do dragão inflacionário. Parece que conseguimos
matar o dragão inflacionário. Bem, estamos matando, segundo o ministro Malan, ainda estamos
matando, mas, de qualquer forma, está quase morto.

O fato é que a decisão de enfrentar a questão da inflação era inelutável. Não havia mais
alternativa senão enfrentá-la. Aí, houve uma outra discussão que foi política também. Naquele
momento nós estávamos com o Congresso num processo de auto-expurgo. Havia uma Comissão
Parlamentar de Inquérito sobre o Orçamento.
O presidente Itamar Franco era vice-presidente e havia assumido por causa do impeachment. Não
dispúnhamos de maioria propriamente dita no Congresso.

Então, havia muitas dificuldades do ponto de vista político, e o bom senso diria que talvez fosse
melhor não combater a inflação com tanta dificuldade política. Não faltou quem me aconselhasse a
baixar um pouquinho, a fazer uma pirueta; dizia-se que o que se esperava era um alívio e não
avançar num sentido mais direto, mais radical de enfrentar a raiz dos problemas.

Bem, a minha percepção era outra. A minha percepção era de que só se conseguiria vencer a
inflação num momento de fraqueza política. Só num momento de fraqueza política o ministro da
Fazenda assumia os poderes necessários para tomar as medidas que são duras na contenção da
inflação. Estava debilitado o Congresso; ali, naturalmente, estão sempre enraizados interesses do
país, e o conjunto desses interesses estabelecidos não era favorável à quebra da inflação, nem os
interesses burocráticos, porque o governo — como dizia o doutor Bacha freqüentemente — estava
casado com a inflação. O orçamento estava casado com a inflação. Só num momento de fragilidade
da Comissão de Orçamento e de impossibilidade de as forças políticas se organizarem para frear
uma decisão de política econômica mais audaciosa é que seria possível enfrentar a inflação.

Acho que nós não erramos nas apostas que fizemos. Isso não quer dizer, não obstante, que tudo
sejam glórias, que tudo seja tranqüilidade. Nós todos sabíamos e sabemos que esses processos são
longos, implicam uma mudança cultural. É uma mudança de mentalidade, porque, com a indexação,
é muito difícil não pensar qualquer aspecto da economia sem a idéia da inflação passada, inflação
inercial. E há interesses — como já disse — ao redor da inflação. Sabíamos que haveria fragilidade
no sistema financeiro, alertamos sobre essa fragilidade inúmeras vezes, sobretudo no setor público.
Sabíamos que era muito difícil haver o acerto orçamentário.

245
PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

O Alexis Stepanenko, aqui presente, era ministro na época e sabe disso; acompanhou os
esforços do diretor de Orçamento e do professor Bacha para que nós pudéssemos reorganizar, em
bases precárias, o sistema orçamentário. Só conseguimos uma medida — e foi suficiente — do
Congresso, que foi o Fundo Social de Emergência.
O social foi posto ali por acaso, porque se imaginara que era mais fácil ao Congresso ceder se fosse
um fundo social. Na verdade, não era nem um fundo; era simplesmente um mecanismo de
flexibilização das verbas públicas para uma utilização mais racional, sem as vinculações que
manietavam o Estado. Claro que nós ouvimos críticas de todo tipo, muitas pertinentes. Só que as
pessoas, muitas vezes, não sabem como é o jogo político e não sabem que, freqüentemente, não se
faz o que se deseja nem o que parece mais elegante, mas aquilo que as condições permitem,
forçando sempre o limite do possível.

Mas nós sabíamos que havia dificuldades nessas áreas todas. Não contávamos com outras
dificuldades. Não contávamos com a crise do México. Não contávamos que haveria aí um
desestabilizador possível, vindo de fora. Naquela altura, eu me recordo que, quando estávamos
ainda negociando a dívida externa do Brasil, com o hoje ministro Malan, que era negociador da
dívida, nós não conseguimos o apoio do Fundo Monetário Internacional para o nosso plano de
estabilização.
O professor Bacha, também aqui presente, se recordará de quanta ginástica estatística tivemos que
fazer para demonstrar aos negociadores do Fundo, que no entanto não se convenceram, porque
diziam até isso: no Brasil não há condições políticas. Eu achava graça porque os que diziam isso
não tinham a menor noção de política e
nem do contexto brasileiro.

Pois bem. Não fora a compreensão e a sensibilidade do Sr. Michel Camdessus, que percebeu
que, mesmo sem os requisitos técnicos todos, havia que dar uma válvula para permitir, quem sabe,
uma experiência de estabilização, nós não teríamos conseguido negociar a dívida externa com os
bancos, o que era uma condição importantíssima para que depois pudéssemos avançar no plano de
estabilização.

Foi assim, dentro desse quadro de incertezas, que nós avançamos com muitas dificuldades,
enormes dificuldades.

Hoje isso é história. Pode criticar-se se a taxa de câmbio deslizou mais ou menos, se era
necessário chegar a R$ 0,82, mas hoje isso é história.

A verdade é que — e aqui há alguns que são testemunhas disso —, antes de eu assumir o
governo, tivemos conversas no sentido de que era preciso, no final do ano de 94, tentar uma
reorganização da taxa de câmbio. E combinamos que isso se daria na última semana de dezembro
de 94. Só que, no dia 20, houve a questão do México.
Quem iria mexer em taxa de câmbio depois do que tinha acontecido no México? Isso fez com que,
nos primeiros meses de governo, tivéssemos profundas discussões para saber o que fazer. E só em
fevereiro tomamos uma decisão, que na verdade gerou problemas, que foi a da formação das bandas

246
POSFÁCIO

cambiais. Houve problemas de implementação, houve especulação contra o Real. Perdemos cerca de
10 bilhões de dólares em divisas. A economia estava superaquecida no começo de 95, e isso vinha de
antes.

Pode-se também discutir se a abertura comercial em 94 tinha que ser mais ou menos ampla. E
isso também é história. Já estava feita a abertura. A abertura foi importante para dar uma certa
noção de preços relativos. De qualquer maneira, tivemos que tomar decisões dificílimas de aumentar
a taxa de juros, em abril de 95, para frear o crescimento da economia. Fez-se um mecanismo
complexo de depósitos compulsórios, de que só mesmo os economistas de muita imaginação, como o
doutor Chico Lopes, são capazes, para amarrar o crédito e o consumo, o que era preciso fazer
naquele momento da economia.

O governo não teve nenhuma preocupação de fazer senão o que era necessário. Pode ter
errado. Mas não o fez por motivos menores. Não se preocupou em saber se isso ia afetar interesse de
tal ou qual, se isso teria ou não impacto sobre sua popularidade. Eu digo sempre: a arte da política
não é a arte do possível; é a de tornar possível o que é necessário. Fizemos o que nos pareceu
necessário naquele momento.

Isso teve conseqüências. Conseqüências sobre o ajuste das empresas, que tiveram que dar uma
freada muito grande. Isso produziu, no decorrer do tempo, uma série de desacertos em certos
setores, sobretudo conjugando abertura com problemas de taxa de juros, com problemas de
apreciação cambial. Alguns setores — têxtil, calçados e outros mais — tiveram problemas.

Nada se pode fazer em matéria de política em geral sem contar com o tempo. Não dá para
resolver tudo de uma vez. É preciso dar tempo,
ir organizando a agenda e não ceder às pressões para que a agenda fique mais pesada do que é
possível resolver.

As conseqüências foram grandes no sistema financeiro brasileiro. Houve um momento,


sobretudo depois de outubro de 95, de grandes dificuldades. Pode-se discutir o acerto de uma outra
medida ou o desacerto e a recomposição. Fizemos o PROER — quem sabe pudéssemos tê-lo feito
antes, devêssemos tê-lo feito antes —, mas, de qualquer maneira, conseguimos evitar que houvesse
um encadeamento de crises no sistema financeiro que teria conseqüências, aí sim, devastadoras para
a recuperação da economia em tempo oportuno.
E conseguimos manter a agenda sob relativo controle, não deixando que houvesse um grande
congestionamento de problemas para os quais nós não tínhamos solução.

Não é fácil a um ex-senador da República se opor a uma CPI sobre bancos. Eu me opus, porque
isso resultaria em congestionamento da agenda, provocaria uma série de outras questões que
ficariam muito difíceis de serem manejadas. Eu acho que, em certos momentos, quem está na
posição de presidente da República precisa, desde que tenha convicção, tomar decisões que, por
mais difíceis que sejam, não podem ser adiadas.

247
PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

Isso tudo significa que nós tivemos de frear a taxa de crescimento, o que aumentou a taxa de
desemprego; significa, também, que, apesar disso, o Brasil foi-se adaptando à nova situação. E a nova
situação está aí.

Nós estamos passando por um processo de transformação estrutural do sistema produtivo


brasileiro e internacional. Recentemente, o professor Luciano Martins, que também está aqui, me
recordou um prefácio que eu escrevi para um livro dele, há mais de vinte anos, em que esses temas
de globalização estão postos com toda a tranqüilidade, com toda a clareza. Só que as pessoas levam
vinte anos para tomar consciência, ou dez anos, quinze anos. E é normal que assim seja, para que se
generalize, para que um novo desafio seja sentido pela sociedade.

A sociedade sentiu o novo desafio do Brasil. As indústrias estão se reorganizando — já estavam


antes. Eu me recordo de que, quando era ministro do Exterior, em 93, eu dizia que o fato novo no
Brasil é que o setor privado estava capitalizado e reagindo, ao passo que o setor público estava
”empantanado” —- se é que o termo existe em português — nas suas dívidas crescentes e na
inflação.

Pois bem. O setor privado reagiu, está reagindo de novo. Agora cabe ao governo apoiar. O
BNDES tem tomado algumas medidas nessa direção de apoiar a reestruturação de certos setores do
sistema produtivo brasileiro. Cabe apoiar a exportação. O ministro Kandir tem repetido a
importância dessa questão da exportação. Cabe uma porção de coisas. Sempre cabe. Tem que. Não
há palavra que um governante ouça mais do que o tem que. Pois bem, tem que. Tem que fazer as
reformas, e nós encaminhamos as reformas, como todos sabem, na área econômica. As sociais estão
encaminhadas, a reforma da Previdência está, também, "empantanada". Vamos mudá-la, vamos
continuar lutando. Eu não cedo fácil. Nós vamos continuar mudando
e vamos conseguir. Nós vamos insistir, na Câmara, ainda, em alguns aperfeiçoamentos; no Senado
também, porque está visível que é preciso modificar o sistema previdenciário. E não é por causa
desse governo. A demora nas reformas não está pondo em risco o Real, não. Os efeitos da
previdência são de longo prazo, não são imediatos. Mas nós vamos fazer a reforma. Nós vamos
continuar também a reforma administrativa.

Agora, há uma nova tônica, que eu ouvi esta manhã, entre os que me entrevistaram: é a de que o
governo teria decidido tomar medidas infra-constitucionais ao invés das reformas; e até já vi que
haveria um FHC-II, já estão propondo o III. Está bem, quanto mais para frente melhor. Mas o fato é
outro: é que temos que fazer ao mesmo tempo as coisas. Nós temos que continuar com as reformas e,
ao mesmo tempo, ir tomando as medidas possíveis de alcance legal e administrativo.

Nós estamos nos preparando para essa nova etapa de crescimento da economia, mantendo,
naturalmente, o controle da inflação. Há problemas aí? Há problemas. Há problemas do déficit
público? Há.
A situação fiscal é saudável? Não é. No ano passado, como os senhores sabem, nós chegamos a 5%
do PIB, em termos de déficit. Graças, basicamente, ao endividamento crescente dos estados e
municípios — mais dos estados — e a um certo descontrole do setor público. Só que eu ouço, com

248
POSFÁCIO

muita freqüência, que é preciso o governo controlar os seus gastos — aqui o ministro Maílson sabe
como é isso. Ele me dizia, e eu não acreditava, quando eu era senador e ele ministro: muitos dos
gastos não são compressíveis. O governo não tem nada a fazer, a não ser mudando a Constituição, e
muito pouco, melhor diria, há a fazer para comprimir gasto salarial; nada a fazer para comprimir
gasto da previdência; nada a fazer para comprimir as transferências constitucionais. Tem a fazer na
taxa de juros e fez: ela caiu de 4,25% para 1,95%.

Então, quando cobram ação do governo para a compressão de gastos públicos, é preciso ter
presente essa realidade. Mas comprimir o quê? O gasto disponível da União, efetivo, é da ordem —
o doutor Murilo Portugal está aí e me corrigirá — de 1 bilhão e 200 milhões de reais por mês, cerca
de 14 bilhões por ano, de um orçamento de 160 bilhões. Dos 160, quase tudo são gastos
automáticos. Sobram 14.
A área de ação do governo para diminuir o gasto recai sobre esses 14 bilhões, chamados OCCs —
Outros Custeios de Capital. Desses OCCs, 60% são gastos em saúde — 680 milhões de reais por mês.

Hoje, pelo rádio, estou sabendo que há hospitais fechando no Rio Grande do Sul, porque não
recebem o aumento de 25%. E nós estamos dando 680 milhões para a saúde. Não há de onde tirar
mais.

Então, o resto do governo vive de 550 milhões de reais por mês. Cortar o quê? Apagar a luz?
Então, é preciso ter compreensão. Não é falta de vontade do governo. Cresceu o endividamento, é
verdade.
Mas nós estamos corrigindo o problema. Por isso, temos que fazer as reformas. O crescimento da
folha de pagamento é automático, é de 1%, no mínimo, ao mês, por vantagens que são acumuladas.
Em certos estados, é mais do que isso. Então, a folha sobe, sem que haja aumento de salário ou
contratação de pessoal. A questão da previdência é similar. Logo, é necessário fazer essas reformas.

Isso não quer dizer que, sem elas, o Real vá capotar no ano que vem. Não vai. Mas a ginástica é
grande e o custo é mais alto. A questão é saber se o custo é mais alto ou é mais baixo. E é preciso
mostrar ao país que os que pensam que, ao manter o status quo, estão defendendo o interesse
popular constituem, como eu tenho dito sempre, a vanguarda do atraso. E assumem como próprio e
como bom o que foi conseqüência de desmandos do passado, feitos por governos que nós sempre
combatemos. Agora, assumem como bom tudo que foi acumulado de errado, sedimentado errado.
Não. É preciso reformar, mudar, continuar lutando para a transformação do país.

Sobre a questão fiscal, eu tenho certeza de que o déficit deste ano vai ficar por volta da metade,
2,5 a 3 por cento, em razão das medidas tomadas e dos ajustes que os estados estão fazendo com
enorme sacrifício. Estamos conseguindo reduzir o déficit e pelo fato de nós, pela primeira vez na
história, não termos dado aumento de salário para o funcionalismo — e é duro fazer isso —, pelo
fato de termos dado um aumento moderado nas pensões e benefícios previdenciários e também
porque cortamos mais da metade da taxa de juros. Esse déficit não assusta ninguém, se for bem
controlado. Basta comparar nossa situação com a de outros países e poderemos verificar que não

249
PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

estamos em nenhuma situação de beira de abismo, como disse há pouco. Não é essa a situação. A
situação é de um certo horizonte positivo.

Mas nós temos que ter um horizonte de crescimento sustentado. Temos que ter um horizonte de
retomada de crescimento de uma maneira contínua, pois, do contrário, não se vai resolver nem o
emprego, nem as contas do setor público, porque chegamos a um momento em que nós precisamos
aumentar a arrecadação não pela via de aumento de impostos, mas pela reativação da economia.
Esse
é o xis da questão. É necessário reativar a economia sem colocar em xeque o equilíbrio das contas, e
sem colocar em xeque as contas externas. Todos viram o esforço do governo para controlar, por
exemplo, o déficit da balança comercial.

Neste ano, neste momento, estamos equilibrados. Temos 27 milhões de reais de superávit no que
vai do ano. Eu não gosto de fazer prognósticos, não sei o que vai acontecer, mas a balança
comercial está equilibrada e eu espero que se consiga não só mantê-la equilibrada, mas melhorar
seu desempenho.

A verdade é que houve um aumento das exportações de manufaturados. Todos os pessimistas do


Brasil — são muitos — têm perdido sempre as apostas que fazem. Eu já vi o Real ser enterrado
várias vezes. Ele ressurge. É uma verdadeira fênix, que está firme aí.
E o fato é que, também no que diz respeito às exportações, elas estão caminhando. Podem caminhar
mais depressa? Sim, tudo pode ir mais depressa. Se depender de mim, eu aperto o botão e está feito.
Só que não depende de mim, nem da equipe econômica. Depende de muitos processos mais
complexos.

Acho que as questões fundamentais estão equacionadas, e, como disse, nós temos o controle da
agenda, que é o fundamental. Não perdemos o controle da agenda econômica.

Não é que tenhamos feito ouvidos moucos, de mercador, para os gritos justos — muitos deles —
do setor produtivo. É que não havia condições. Não é que não soubéssemos das dificuldades do setor
agrícola, é que não havia condições para resolvê-las. Equacionamos o setor agrícola neste ano e
vamos resolver as dificuldades. Claro que houve um aumento mais do que necessário do custo dos
serviços, porque são non-tradeables. É mais difícil ajustá-los. Mas, pelo que li recentemente, está
havendo uma certa convergência nos índices de inflação no setor produtivo de bens e no setor de
serviços. Isso é muito importante para nós podermos ter realmente uma condição melhor e um
horizonte mais limpo, mais livre de obstáculos.

Enfim, eu só queria fazer umas poucas reflexões para dizer que, visto do ângulo de quem está
com a responsabilidade de governo, as questões estão sob controle, o Plano Real está sendo
implementado. Ele era um plano de estabilização; hoje é muito mais do que isso, porque houve um
efeito muito positivo na distribuição de renda, no aumento de consumo de massa e também, o que é
fundamental, no nível de investimento.

250
POSFÁCIO

O investimento externo está vindo. Nós imaginamos que ele possa crescer — eu nunca falo mais
do que sete bilhões este ano. Alguns já estão falando em mais do que isso. Vamos ver para crer.
Mas, de qualquer maneira, está havendo, aí, um sinal muito positivo nessa direção. O processo de
privatização também avança. O país sente que existe rumo. Eu tenho repetido que eu não sou homem
de mercado, nem sou vendedor, nem tenho que agradar a quem queira comprar depressa. Meu
objetivo não é esse. O meu objetivo é mudar o Brasil para que ele tenha condições de um
crescimento sustentado. Não está havendo nenhuma mancha de corrupção no processo de
privatização brasileiro, o que é muito importante. Mas é preciso perceber que nós passamos da fase
mais fácil, que foi rápida, que era da privatização de empresas produtivas que estavam nas mãos do
Estado, para outra fase, que é da concessão de serviços públicos e de privatização de serviços
públicos. Isso requer uma modificação na estrutura do Estado, que vem acontecendo.

Nós temos que criar órgãos regulamentadores, que não sejam empresas nem invistam
diretamente, mas que tenham a condição de definir tarifas, de fiscalizar o desempenho dos serviços e
de garantir a utilidade pública dos serviços.

Esse trabalho é mais complicado do que simplesmente vender num leilão as ações de tal ou qual
companhia. E devo dizer que vejo com satisfação que há progressos num setor, por exemplo, como o
ferroviário, no qual antes não se apostava. E, até o fim do ano, praticamente toda a rede ferroviária
nacional estará sendo operada pelo setor privado e, em alguns casos, não simplesmente com um
grupo de usuários de transporte, mas também com operadores de nível internacional ingressando
nos serviços de ferrovia.

Quanto aos portos, também se dizia que era impossível mudar alguma coisa, que a Lei dos
Portos não seria implementada; pois agora ela está sendo implementada. Fizemos as negociações
necessárias e lançamos uma lista de muitos portos a serem privatizados.

A reorganização da infra-estrutura está sendo feita, também, através de concessões. A Via


Dutra, a estrada que liga o Rio a São Paulo, hoje está sendo controlada pelo setor privado, assim
como a Rio — Juiz de Fora, a Rio — Teresópolis, a ponte Rio—Niterói.

Nós estamos dando grande atenção à infra-estrutura. Acabei de estar em Santa Catarina para
assinar um contrato com o BID, que tem também o apoio do Eximbank do Japão, de mais de um
bilhão de reais ou de dólares, para a duplicação da BR-101, que passa por Santa Catarina. Na
verdade, é um eixo que vem de Belo Horizonte, com a Fernão Dias, que está sendo duplicada, com a
Dutra, que está sob concessão, da BR-116, em São Paulo, que está sendo duplicada, da BR-101, em
Santa Catarina, que está sendo duplicada. E iniciamos o projeto de viabilidade de Santa Catarina
até Osório, no Rio Grande do Sul, que é um eixo viário importante.

Estamos dando uma atenção toda especial, como já disse, à reorganização da rede ferroviária.
Estamos, também, utilizando com mais afinco as hidrovias. Dentro de poucos meses, ainda este ano,
a hidrovia que ligará Porto Velho, em Rondônia, até Itacoatiara, no Amazonas, estará terminada.
Ou seja, o balizamento do Rio Madeira está praticamente pronto; desemboca no Rio Amazonas,
onde está o porto de Itacoatiara, em que o governo do estado, com a iniciativa privada, está fazendo

251
PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

um terminal graneleiro. A produção de Rondônia e do norte de Mato Grosso vai poder escoar com
um preço de frete extremamente mais vantajoso, porque em Itacoatiara entram navios de 100 a 200
mil toneladas, ou seja, o custo Brasil está sendo reduzido.

Não é fácil reorganizar a infra-estrutura de um país em que há anos não havia investimentos no
setor. Leva tempo, mas está sendo feito.

A reforma tributária é difícil, mas também será feita, assim como desonerar as exportações.
Pode demorar mais um mês, mais dois meses, menos três meses, não importa. Será feita, está-se
fazendo, está-se atuando.

Então, nós estamos, realmente, preparando as condições de


infra-estrutura e as condições institucionais no caso da concessão
de serviços públicos.

Assim que o Senado aprovar, e aprovará nesse mês de julho, a questão da telefonia celular,
veremos a imensa quantidade de recursos que vai entrar nesta área. No próximo ano, nós vamos
enfrentar a questão da telefonia básica, da privatização da telefonia básica.

Há uma enorme quantidade de problemas técnicos, tais como a conexão das linhas, como a
questão dos satélites. Tudo isso é complexo. Não é uma questão para a qual falte vontade política.
Essa questão de vontade política é ilusória, de quem não sabe como se muda uma sociedade. A
sociedade não se muda pela vontade política de um homem ou de um governo; se muda pela
consciência crescente de convergência de pessoas, de setores, de grupos, que é o que está ocorrendo
no Brasil.

Eu tenho, portanto, muitas razões de otimismo. Não sou panglossiano. Há problemas. Mas
problemas existem sempre, e para serem enfrentados. E mal se resolve um, vêm outros. A questão
verdadeira é outra. Se a natureza dos problemas está mudando, está mudando no sentido de
melhorar progressivamente as condições, não só da economia, mas da população, de vida da
população.

Desculpem-me o tom. É que eu falei no rádio e na televisão a manhã toda e tive que fazer muita
propaganda. Mas desculpem o tom pouco acadêmico e talvez até pouco presidencial, mas é para
transmitir de forma espontânea, direta, como vejo os problemas que existem, as dificuldades que
existem, mas também as condições para superá-las.

Agora, nós precisamos das luzes dos senhores, sobretudo daqueles que têm conhecimento direto
em processos semelhantes noutros países, e dos muitos presentes que não estão diretamente dentro
do governo e portanto estão melhor do que nós, porque podem criticar com mais tranqüilidade e,
talvez, possam ver melhor. E eu os convido a vir para o governo para sofrer um pouquinho, também.

O importante é que se estabeleça um diálogo que, tenho certeza, será muito aberto, muito
franco, porque, sem olhar as coisas de frente, não se consegue mudar o país.

Foi porque houve um grupo de pessoas, no Brasil, capazes de ver de frente os problemas e,
como se diz em linguagem mais vulgar, de pegar o touro pelo chifre, que nós conseguimos avançar.

252
POSFÁCIO

Espero que o touro já esteja com o chifre limado e que nós não vejamos chifre em cabeça de
cavalo. Vamos ver os chifres limados que temos, para enfrentar os problemas já equacionados ou em
fase de equacionamento. E não inventemos problemas que não existem. Bastam os muitos que temos.

Muito obrigado.

253
PALESTRA PROFERIDA NO SEMINÁRIO IPEA-CEPAL PELO
EXMO. Sr. ANTONIO KANDIR, MINISTRO DE ESTADO
DO PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO

á, pelo menos, quatro razões que indicam a especificidade do processo de estabilização no

H Brasil. Quando as levamos na devida conta, chegamos à conclusão de que realmente existe
muito a comemorar neste aniversário de dois anos do Plano Real.

A primeira especificidade deriva do fato de o país ter desenvolvido uma forma particularmente
sofisticada e até certo ponto funcional de adaptação ao regime de inflação alta. Por conta dessa
adaptação perversa, o Brasil jamais experimentou o descontrole típico de um processo de
hiperinflação, como Peru, Bolívia e Argentina.

Para a implementação de um programa de estabilidade, os efeitos da longa e perversa adaptação


ao regime de inflação alta são de duas ordens. De um lado, a existência de uma constelação
relativamente ampla de interesses que se beneficiavam da inflação, incluídos setores cuja
sobrevivência dependia decisivamente do mecanismo inflacionário. A essa constelação de interesses,
que podem ou não exprimir-se na forma de oposição aberta às reformas necessárias à consolidação da
estabilidade, correspondem ineficiências de grande monta em todo o sistema econômico. De outro
lado, em tese ao menos, um grau menor de tolerância aos custos associados às reformas necessárias à
consolidação da estabilidade.

A segunda especificidade do processo de estabilização no Brasil refere-se à sua posição


geográfica ou, mais restritamente, à sua posição no contexto da geopolítica internacional. Embora
com papel importante no contexto latino-americano, o Brasil não desfrutava de posição estratégica
equivalente, por exemplo, à do México e de Israel, países cujos processos de estabilização foram
beneficiados, em especial no tocante às contas externas, por ocuparem, ambos, lugares estratégicos na
geopolítica internacional, notadamente da perspectiva norte-americana.

A terceira especificidade do processo de estabilização relaciona-se com as características de seu


sistema político, marcado pela

257
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

fragmentação e pouca coesão interna dos partidos, e por um arranjo federativo particularmente
complexo. Essas características diminuem o grau de autonomia do Executivo federal na condução do
processo político e colocam dificuldades maiores de coordenação que em países de sistema partidário
mais sólido e arranjos federativos menos complexos. Nessa perspectiva, o Brasil contrasta com todos
os demais países que empreenderam programas de estabilização ao longo das últimas décadas sob
regime democrático, para não falar dos países que o fizeram sob regime autoritário, como o Chile, ou
semi-democrático, como o México.

A quarta especificidade do processo de estabilização está no fato de a consolidação da


estabilidade no Brasil defrontar-se, em grau infinitamente maior que nos demais casos de
estabilização, com impedimentos de ordem constitucional à construção de um regime fiscal
estruturalmente equilibrado.

Frente a essas quatro especificidades, salta aos olhos a boa perfomance do processo de
estabilização no Brasil, ao longo desses dois anos. Há, portanto, bons motivos para comemorar este
aniversário de dois anos do Real.

Essa comemoração não pode, porém, ser inconseqüente. Todos sabemos que existem muitos
problemas pela frente, como o próprio presidente apontou há pouco. É hora, pois, de olhar
estrategicamente o futuro e definir como vamos enfrentar esses problemas. No contexto das
especificidades (dificuldades) apontadas, a estabilização cobrou um custo ponderável, que foi até aqui
adequadamente administrado. A questão é definir o que vamos fazer, de agora em diante, para reduzir
o peso desse passivo acumulado.

Para tanto, creio ser oportuno fazer uma espécie de balanço, por assim dizer, patrimonial do
programa de estabilização até o presente momento. Nesses dois anos, acumulamos ativos novos da
maior importância, mas também acumulamos passivos.

Quanto aos ativos, começo destacando a recuperação da possibilidade de o setor público e os


agentes privados orientarem-se por objetivos de longo prazo, entre eles o enfrentamento dos
problemas estruturais do quadro fiscal e da competitividade.

Em segundo lugar, a redução drástica e permanente da inflação fez vir à tona a dimensão efetiva
do mercado consumidor brasileiro,
fenômeno que, junto com a recuperação da previsibilidade, está na base da retomada dos
investimentos.

Em terceiro lugar, a estabilidade permitiu que se recuperasse, em parte ao menos, a eficácia das
políticas de governo, desde as políticas que dependem apenas do Executivo, como a política
monetária, por exemplo, até as políticas que dependem diretamente do apoio do Congresso. Nesse
último caso, a estabilidade econômica, pelo apoio social que produz, reduziu a necessidade de
acomodar interesses para obter apoio no Legislativo e permitiu que se estabelecesse uma relação
positiva entre governabilidade e reformas.

258
POSFÁCIO

Em quarto lugar, destacaria os efeitos da estabilidade sobre o processo da melhoria da qualidade


empresarial. A mudança de qualidade já vinha ocorrendo desde o início dos anos 90, mas se acelerou
nesses dois últimos anos de maneira extraordinária.

Em quinto lugar, diria que a estabilidade reforçou a sustentação política e social às mudanças
estruturais na economia brasileira. A privatização é um exemplo disso. Há pouco, com a inclusão da
Vale do Rio Doce no PND e a privatização da Light, que dá início às privatizações na área de infra-
estrutura econômica, o programa ultrapassou um limiar crítico.

Por fim, há a mudança qualitativa importante quanto à imagem do Brasil no exterior, que é
reflexo de todas essas mudanças positivas e tende a reforçá-las.

Mas há também, como já disse, os passivos acumulados. Note-se desde logo que a acumulação
desses passivos tem muito a ver com a dificuldade de adaptação de alguns setores a uma economia
estabilizada. Setores que tinham uma situação confortável sob inflação alta e que, de uma hora para
outra, perderam o conforto. Entre eles, destacam-se o setor financeiro e o setor público, que foram os
grandes perdedores até aqui. A população ganhou, mas o setor público e o setor financeiro perderam.

Com a economia estabilizada, tornou-se mais difícil manejar os passivos e desajustes acumulados
por esses setores ao longo dos anos anteriores. Quando, a partir de meados de 1995, a economia
começou a crescer mais lentamente, por razões que todos aqui conhecem, vários desses passivos
tornaram-se virtualmente imanejáveis no setor público não-federal, principalmente nos estados, e no
setor financeiro. O setor público federal foi então obrigado, para evitar o colapso da estabilização, a
assumir o ônus necessário a que esses passivos voltassem a ser minimamente manejáveis. O PROER e
os mecanismos de apoio condicionado aos estados fazem parte desse contexto.

Resultou daí, em grande parte, um aumento importante da dívida pública, que passou, entre julho
de 1995 e junho de 1996, de algo em torno de R$ 60 bilhões para mais de R$ 140 bilhões. Há muita
gente que erradamente acredita que esse aumento de R$ 80 bilhões na dívida mobiliária federal seja
conseqüência de um brutal desajuste nas contas não-financeiras do governo federal. Mas, quando
analisamos detidamente o problema, vemos que a história é diferente.

Em primeiro lugar, fizemos um seguro contra eventuais instabilidades no front externo. O que
significou isso, concretamente? Um aumento importante das reservas. Dos R$ 80 bilhões de aumento
da dívida pública, o setor externo responde por R$ 24 bilhões. Vale dizer, o aumento das reservas foi
um movimento necessário, mas teve seu custo. Isso é inegável. Em segundo lugar, houve a
necessidade de aumentar a assistência de liquidez ao sistema financeiro. E, em terceiro lugar, houve
necessidade de aliviar o peso do endividamento dos estados. Tudo isso somado à elevação das taxas
de juros, provocada pela incerteza externa deflagrada pela crise mexicana.

Esses foram os fatores fundamentais da elevação da dívida pública. Dos R$ 82 bilhões, somente
R$ 6,3 bilhões devem-se a desajustes nas contas do Tesouro. A questão é saber como administrar
daqui em diante esses passivos, que tivemos de acumular para garantir a estabilidade em momentos
difíceis.

259
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

O processo de privatização, por si só, pode dar conta desse problema? Evidente que o processo de
privatização precisa ser acelerado. Nós estamos fazendo tudo que é necessário para isso, não só pela
questão fiscal, mas também para reduzir o custo Brasil. Mas não tenhamos ilusões. Não será possível,
em curto prazo, fazer um ajustamento patrimonial que dê conta do problema dos passivos acumulados.

Imaginar que nós possamos resolver o problema apenas com uma estratégia de cortes nos gastos
primários do governo é desconhecer duas coisas. Primeiro, que somente 8% do aumento da dívida
mobiliária federal teve a ver com as contas do Tesouro. Segundo, que existem restrições
constitucionais muito fortes a cortes substanciais nas despesas do Tesouro. Claro que nós vamos
buscar ganhos aqui e acolá, melhorando o controle sobre o gasto, em variados setores e aspectos. Mas
não é desse modo que vamos fazer o ajuste necessário para lidar com os passivos acumulados.

Por outro lado, imaginar que possamos aumentar a carga tributária é desconhecer o fato
elementar de que não somos mais uma economia fechada. Num contexto de globalização, aumentar a
carga tributária equivaleria a afugentar os investimentos produtivos de que necessitamos.

Não há, pois, como lidar com o problema dos passivos acumulados, no setor público e no setor
privado, a não ser no âmbito de uma dinâmica de crescimento. Por essa razão, parece-me que nossa
tarefa mais urgente é estabelecer as condições para que a economia volte a crescer mais
expressivamente, sem desorganizar a estabilidade.

Nós temos de definir uma estratégia que permita o crescimento no fio da navalha. O que quero
dizer com isso? Quero dizer que não podemos crescer muito no curto prazo, a menos que ocorra uma
mudança no regime fiscal em tempo mais breve do que parece politicamente possível. Temos um
regime cambial que vamos manter por um longo tempo. Dado o regime fiscal, nossa capacidade de
crescer está condicionada, em última instância, por nossa capacidade de exportar. Esse é o limite
superior do ponto de vista do crescimento, no curto prazo.

Importa, porém, frisar também que nós temos de respeitar um limite inferior de crescimento. Isso
eu queria enfatizar muito fortemente. Nós não vamos conseguir manejar adequadamente os passivos
acumulados sem um crescimento econômico mais expressivo. Ao contrário, podemos agravar o
problema. Nós temos de evitar o “efeito Minsk”, isto é, nós temos de evitar que o sistema financeiro,
por uma incerteza aguda quanto à capacidade de pagamento futura dos agentes, paralise inteiramente
as operações de crédito, o que lançaria a economia numa espiral recessiva. Para evitar esse risco-
limite, é preciso construir um horizonte de crescimento, e esta é a nossa missão; ou seja, criar
condições para que, respeitado o regime cambial, haja crescimento econômico e, portanto, condições
objetivas para resolver a questão dos passivos públicos e privados.

Nessa direção, nossa prioridade máxima é criar condições para a expansão das exportações, dado
o regime cambial. Para tanto, são três as ações fundamentais:

a) melhorar as condições de crédito ao setor exportador — o BNDES está trabalhando para isso;

b) melhorar as condições de infra-estrutura — o instrumento fundamental são as privatizações;

260
POSFÁCIO

c) desonerar as exportações — a esse respeito o mais importante, de imediato, é aprovar a lei


complementar do ICMS no Congresso.

A segunda de nossas prioridades é o aumento da poupança interna. É óbvio que a reforma da


previdência é a iniciativa mais importante em relação a esse objetivo. Temos expectativa de poder
avançar nessa matéria, nas negociações com o Senado. Agora, o empenho em aprovar uma reforma da
previdência que alavanque a poupança interna não nos impede de tomar medidas pontuais na mesma
direção. Cito o exemplo do projeto do fundo de poupança individual, elaborado pela equipe do dr.
José Roberto Mendonça de Barros, secretário de Política Econômica. Nós vamos nos empenhar para
aprová-lo. Já o colocamos na pauta do Congresso para julho e vamos trabalhar a seu favor.

A propósito, vale frisar esse ponto a respeito de iniciativas que dependem de aprovação por
maioria qualificada no Congresso, as emendas constitucionais, e as iniciativas que dependem só do
Executivo ou não exigem senão maioria simples no Legislativo. A idéia é fazer um trabalho
simultâneo: tomar as medidas necessárias que estão ao nosso alcance mais direto, sem deixar de
exercer a pressão legítima para que o Congresso aprove as reformas constitucionais.

A terceira prioridade é selecionar projetos de investimento com participação do setor público que
sejam realmente estratégicos para o desenvolvimento. Projetos que nos permitam constituir corredores
de transporte multimodais, diversificar e fortalecer a matriz energética brasileira, aprimorar a infra-
estrutura de telecomunicações, etc.

Por último, há uma série de iniciativas que nós estamos procurando organizar para enfrentar o
problema do desemprego, que é um problema mundial.

As pessoas, com razão, estão cada vez mais inseguras quanto à sua renda futura, em face da
mudança drástica do padrão tecnológico. Esse processo já atingiu parte importante da mão-de-obra na
manufatura e vai acabar por atingi-la também no setor de serviços, que começa a modernizar-se mais
intensamente.

Nesse quadro, o fortalecimento da microempresa é uma prioridade. Hoje, mais do que nunca, é
preciso ter uma política de geração de empreendedores. A importância dessa política vai além do
aspecto social, já em si muito importante. Há também uma questão relativa à competitividade. Para
serem competitivas, as empresas líderes precisam adotar padrões de produção flexíveis; para adotar
padrões de produção flexíveis, as empresas líderes dependem de parcerias com pequenas empresas de
alta qualidade.

Enfim, permitam-me apenas retomar brevemente, de modo sucinto, os passos desta minha
exposição.

Comecei registrando que, frente às peculiaridades do Brasil, existem razões de sobra para
comemorar os resultados alcançados nesse dois anos de estabilização. Há, no entanto, o problema dos
passivos acumulados ao longo dessa trajetória. A questão é, portanto, definir qual a estratégia para
lidar da melhor maneira possível com esses passivos, impedindo que se agravem. Do meu ponto de

261
O PLANO REAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE ESTABILIZAÇÃO

vista, fora de um ambiente de crescimento econômico, o manejo desses passivos tende a tornar-se
ainda mais difícil, colocando o risco-limite de uma paralisia dos mecanismos de crédito. Trata-se,
portanto, de estabelecer as condições para um crescimento “no fio da navalha”, que nos permita
avançar no equacionamento dos passivos acumulados, sem colocar em perigo as contas externas. Para
tanto, são necessárias as medidas que estamos tomando com vistas a expandir as exportações,
aumentar a poupança interna, reduzir o custo Brasil e diminuir a insegurança das pessoas quanto à sua
renda futura.

Este, a meu ver, deve ser o nosso “plano de vôo”.

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GRÁFICO 1
Taxas de Juros, Nominal e Real (CETES a 28 dias), 1980—1995
Nominal Real, com acumulação mensal

Fonte: Economia Aplicada, A.C., com base em informação do Banco do México.


GRÁFICO 2
Salários Reais 1980—1995

Indices base 1980, (média) = 100, deflacionados pelo INPC.


Fonte: Economia Aplicada, A. C., com base em informação do Banco do México e INEGI.
GRÁFICO 3
Valor Real do Peso em Relação ao Dólar Norte-Americano (1980—1995)

Índices base 1980 (média) = 100.


Estimado a partir do INPC.
Fonte: Economia Aplicada, A.C, com base em informação do Banco do México.
GRÁFICO 5
Déficit em Conta Corrente e Crescimento Econômico

Fonte: INEGI, Estatísticas Históricas do México; Banco do México, Indicadores Econômicos.

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