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. Antigo x Moderno: rompimento; 2. Pedagogia da sociedade moderna; 2.1.

Histórico brasileiro. A família patriarcal; 3. Funcionário “patrimonial” x burocrata. A


família dentro do Estado; 4. O homem cordial brasileiro; 4.1. A aversão do homem cordial
ao ritualismo social. O horror às distâncias; 4.1.1. O horror às distâncias – característico
do homem cordial – na religiosidade.

Antigo x Moderno: rompimento

O autor defende que o Estado não nasce como decorrência temporal da família,
antes, nasce como contraposição às relações familiares. É o triunfo do geral sobre o
particular. As relações familiares são superadas.

Exatamente o processo pelo qual o geral (Estado) supera o particular (família)


diz muito sobre a estrutura de uma sociedade. {Ao determinarmos o objeto de estudo
numa sociedade, analisar essa superação da família pelo Estado é um método/roteiro que
trará informações relevantes sobre a sociedade que se estuda.}

Exemplo/Aplicação: corporações de jornaleiros x indústria moderna.

As corporações de jornaleiros (é o espantalho criado para simbolizar o antigo)


funcionavam como uma família. Existia uma hierarquia natural, contudo, todos
partilhavam das mesmas privações e confortos. Aprendizes e mestres trabalhavam na
mesma sala e usavam os mesmos instrumentos. A relação entre empregado e empregador
era pessoal e direta, não havia autoridades intermediárias.

Na indústria moderna, separa-se o dono do capital do trabalhador. Há grande


diferenciação das funções. Há uma grande hierarquia separando o industrial do
trabalhador “chão de fábrica”. Suprimindo-se a atmosfera de intimidade, existente
antigamente, os dirigentes se sentem irresponsáveis pelas condições de vida dos
trabalhadores.

 Pedagogia da sociedade moderna


A sociedade moderna, ao superar sua fundamentação na família, exige que as
crianças sejam criadas não mais para reproduzirem, quando adultas, uma postura
doméstica, e sim individualidades. Ou seja, ao passarmos de um modelo de sociedade
familiar para um modelo moderno de sociedade, desvinculado das amarras familiares,
isso vai se refletir no papel que os pais devem assumir nessa nova sociedade: agora, os
pais não devem mais impor o medo aos filhos, tornando-os incapazes de decisões não
supervisionadas pelos pais, mas antes, incentivarem as individualidades que a sociedade
moderna cobrará dos filhos quando adultos, tais quais a concorrência e a iniciativa
pessoal.

 Histórico brasileiro. A família patriarcal.

No Brasil, a sociedade antiga/familiar era patriarcal, rural e muito opressora. De


alguma maneira os cursos jurídicos de São Paulo e Recife, em 1827, contribuíram para o
rompimento da sociedade calcada no vínculo familiar, posto exigir dos jovens extraídos
das famílias patriarcais um “senso de responsabilidade” que lhes era até então vedado.

O desenvolvimento da urbanização, portanto, escancara a contradição das duas


formas de sociedade: a tradicional baseada na família e a vindoura que exige uma nova
postura, mais independente das pessoas.

 Funcionário patrimonial vs. Burocrata. A família dentro do Estado.


O autor parte da classificação de Max Weber entre o “funcionário patrimonial”
e o puro burocrata.

“Para o funcionário ‘patrimonial’, a própria gestão política apresenta-se como


assunto de seu interesse particular; as funções, os empregos e os benefícios que deles
aufere relacionam-se a direitos pessoais do funcionário e não a interesses objetivos, como
sucede no verdadeiro Estado burocrático em que prevalecem a especialização das funções
e o esforço para se assegurarem garantias jurídicas aos cidadãos. A escolha dos homens
que irão exercer funções públicas faz-se de acordo com a confiança pessoal que mereçam
os candidatos, e muito menos de acordo com as suas capacidades próprias.”

No Brasil, o modelo do funcionário patrimonial é o que predominou. Como


visto, tal modelo baseia-se na confiança pessoal, portanto, é restrito a círculos fechados e
poucos acessíveis, dentre eles, a família é o mais importante.
{então, a modernização da sociedade exige uma ruptura da legitimação na
família. Contudo, pelo que eu entendi, essa ruptura é manca no Brasil porque a superação
do modelo tradicional familiar se dá com a construção do Estado que, no caso brasileiro,
foi preenchido observando o vínculo familiar.}

 O homem cordial brasileiro.


O autor nos apresenta o conceito {talvez, um tipo-ideal} do homem cordial
brasileiro.

Os estrangeiros costumam falar da cordialidade brasileira em relação à bondade,


hospitalidade, contudo, não é isso que o autor quer dizer ao classificar o brasileiro como
cordial. O centro dessa ideia é que o brasileiro age cordialmente, ou seja, com o coração.
A cordialidade se contrapõe a civilidade. Cordial porque ainda está vinculado à
sociedade-família, e não à sociedade-civilização. Sociedade-família essa que, como
vimos, é patriarcal e rural. A cordialidade está embasada por um fundo emotivo, enquanto
a civilidade tem algo de coercitivo.

O exemplo que ilustra a civilidade é a sociedade japonesa. Lá impera a polidez


e o ritualismo. Tanto assim que o respeito entre as pessoas se dá de forma parecida com
a veneração à divindade ou a reverência religiosa.

Em contraposição à civilidade (japonesa), há a cordialidade brasileira. Aqui há


a aversão ao ritualismo. Na essência somos contrários à polidez, contudo, pode-se
observar uma prática nossa que se assemelha à polidez na forma, mas de conteúdo muito
distinto.

“Ela pode iludir na aparência - e isso se explica pelo fato de a atitude polida
consistir precisamente em uma espécie de mímica deliberada de manifestações que se
converteu em fórmula. Além disso, a polidez [cordial] é, de algum modo, organização de
defesa ante a sociedade. Detém-se na parte exterior, epidérmica do indivíduo, podendo
mesmo servir, quando necessário, de peça de resistência. Equivale a um disfarce que
permitirá a cada qual preservar intatas sua sensibilidade e suas emoções. Por meio de
semelhante padronização das formas exteriores da cordialidade, que não precisam ser
legítimas para se manifestarem, revela-se um decisivo triunfo do espírito sobre a vida.
Armado dessa máscara, o indivíduo consegue manter sua supremacia ante o social. E,
efetivamente, a polidez [cordial] implica uma presença contínua e soberana do
indivíduo.”

Isso significa que a cordialidade brasileira assume a forma de polidez como um


disfarce para esconder a cordialidade, o agir emotivo. Diante da sociedade exigente de
um agir desvinculado da emotividade (um agir moderno), o homem cordial age
materialmente com o coração, porém, utilizando uma forma polida para esconder.

 A aversão do homem cordial ao ritualismo social. O horror às


distâncias.

Ainda que utilize essa forma polida para esconder o agir cordial, o homem
cordial não consegue fazê-lo com muita tenacidade. Tanto assim que não nos é comum
uma reverência extensa à autoridade, posto que não é concebível a possibilidade de
excluir um convívio mais familiar. O respeito esperado na sociedade moderna substitui-
se pelo desejo de estabelecer intimidade {de incorporar ao coração, à família}.

A aversão ao ritualismo também se manifesta na linguagem, através do


acentuado emprego de diminutivos. Fazemos isso com intuito de tornar o objeto ou pessoa
no diminutivo mais acessível aos sentidos e também aproximá-lo ao coração. Outra
manifestação disso é percebida pela nossa tendência em omitir os sobrenomes no
tratamento cotidiano. Isso porque sem um sobrenome, o interlocutor passa a poder fazer
parte da sua família.

Até mesmo nos negócios essa aversão ao ritualismo social se demonstra. Tal
coisa não seria de se esperar, dado que esse exercício está calcado na individualidade e
concorrência (atributos modernos, que, teoricamente, são característicos da sociedade que
superou a legitimação na família). Contudo, a prática do cotidiano da sociedade do
homem cordial exige que para se conquistar um freguês o comerciante deve fazer dele
um amigo.

 O horror às distâncias – característico da cordialidade – na


religiosidade.
Além da manifestação da aversão ao ritualismo pelo homem cordial na
linguagem, vida social e nos negócios, há também o caso da religiosidade (que é
explorado mais intensamente pelo autor).

Naquela comparação incial da cordialidade brasileira e da civilidade japonesa,


percebemos que lá o ritualismo invade o terreno da conduta social para dar-lhe mais rigor,
enquanto que aqui é o contrário: o rigorismo do rito se afrouxa e se humaniza.

Cultuamos divindades mais próximas de nós, mais familiares.

Diante da cordialidade brasileira, avessa ao ritualismo, pouca força teve a


religiosidade rígida e tradicional entre nós. Alguns depoimentos de religosos estrangeiros
em missão pelo Brasil dizem que os cultos aqui celebrados tinham pouca disciplina e as
pessoas os enchiam muito mais atraídas pela pompa da cerimônia do que pela fé,
propriamente.

Diante dessa religiosidade impregnada de cordialidade, não foi possível


estabelecer ação política a partir dos centros religiosos.

“No Brasil, ao contrário, foi justamente o nosso culto sem obrigações e sem
rigor, intimista e familiar, a que se poderia chamar, com alguma impropriedade,
‘democrático’, um culto que se dispensava no fiel todo esforço, toda diligência, toda
tirania sobre si mesmo, o que corrompeu, pela base, o nosso sentimento religioso. [...]

A uma religiosidade de superfície, menos atenta ao sentido último das


cerimônias do que ao colorido e à pompa exterior; quase carnal em seu apego ao concreto
e em sua rancorosa incompreensão de toda a verdadeira espiritualidade transigente, por
isso mesmo, e pronta a acordos, ninguém pediria certamente que se elevasse a produzir
qualquer moral social poderosa. Religiosidade que se perdia e se confundia em um mundo
sem forma, e que, por isso mesmo, não tinha forças para lhe impor uma ordem. Assim,
nenhuma elaboração política seria possível senão fora dela, fora de um culto que só
apelava para a razão e a vontade. [...]
A exaltação dos valores cordiais e das formas concretas e sensíveis da religião,
que nocatolicismo tridentino parecem representar uma exigência do esforço de
reconquista espiritual e da propaganda da fé perante a ofensiva da Reforma, encontraram
entre nos um terreno de eleição e acomodaram-se bem a outros aspectos típicos de nosso
comportamento social. Em particular a nossa aversão ao ritualismo é explicável, até certo
ponto, nesta ‘terra remissa e algo melancólica’, de que falavam os primeiros observadores
europeus, por isto que, no fundo, o ritualismo não nos é necessário. Normalmente, nossa
reação ao meio em que vivemos não é uma reação de defesa. A vida íntima do brasileiro
nem é bastante coesa, nem bastante disciplinada, para envolver e dominar toda a sua
personalidade, integrando-a, como peça consciente, no conjunto social. Ele é livre, pois,
para se abandonar a todo o repertório de ideias, gestos e formas que encontre em seu
caminho, assimilando-os frequentemente sem maiores dificuldades.”

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