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A MOBILIDADE REVISITADA: CAPITAL, TRABALHO Ana Carolina Gonçalves Leite

Pós-doutoranda e professora
E SUBJETIVAÇÃO colaboradora no PPGG-UFES.
carolinavecchia@gmail.com
Daniel Manzione Giavarotti
La movilidad revisitada: capital, trabajo y subjetivación Doutorando em Geografia Hu-
mana pelo PPGH-USP.
Revisiting mobility: capital, labor and subjectivation manzione79@gmail.com
Erick Jones Gabriel Kluck
Pós-doutorando no Instituto de
Geociências da Unicamp-SP.
erick@usp.com.br
RESUMO
Cássio Arruda Boechat
Professor do DG-UFES.
A partir de balanços feitos nos anos 1990 sobre os fundamentos teóricos dos es- cassio.boechat@ufes.br
tudos migratórios, propomos aqui uma análise e uma crítica de um destes tron- Carlos de Almeida Toledo
cos. Com esse artigo ressaltamos as contribuições decisivas da perspectiva teóri- Professor do DG-FFLCH-USP.
carlosdealmeidatoledo@gmail.com
ca da mobilidade do trabalho no questionamento dos limites da separação entre
as determinações estruturais reivindicadas pela leitura identificada no contexto
do agrupamento dos estudos migratórios em troncos teóricos como enfoque Artigo recebido em:
histórico-estrutural e a vontade subjetiva reivindicada pelo enfoque neoclássico, 17/04/2017
além do papel desempenhado pelos discursos sobre a migração e pelos mecanis- Artigo publicado em:
mos que eles acionam enquanto formas de controle do espaço, do trabalho e do 15/12/2017
trabalhador. Procuramos avançar, todavia, propondo uma leitura crítica dessa
própria perspectiva de modo a evidenciar seus limites na conceituação ontológica
do trabalho em que se baseia. A partir daí e da historicidade que a categoria de
trabalho ganha nessa interpretação crítica, refletimos sobre as condições hodier-
nas críticas para a sua mobilização e sobre a posição de administração estatal da
crise do trabalho que assume o antigo planejamento juntamente com a produção
científica que o fundamenta, tornando essencial a crítica da mobilidade inclusive
dos sujeitos que produzem os estudos migratórios.
Palavras-chave: Mobilidade do trabalho; crítica do trabalho; fetichismo.

RESUMEN

A partir de revisiones en los años 1990 acerca de fundamentos teóricos de los


estudios migratorios, proponemos aquí un análisis y una crítica de uno de esos
troncos. Con este artículo resaltamos los aportes decisivos de la perspectiva teóri-
ca de la movilidad del trabajo para el cuestionamiento de los límites de la sepa-
ración entre las determinaciones estructurales reclamadas por la lectura identi-
ficada como enfoque histórico-estructural y la voluntad subjetiva reclamada por
el enfoque neoclásico, además del papel desempeñado por los discursos sobre la
migración y por los mecanismos que ellos accionan en cuanto formas de control
del espacio, del trabajo y del trabajador. Buscamos avanzar todavía proponiendo
una lectura crítica de esta propia perspectiva de modo a evidenciar sus límites en
la concepción ontológica del trabajo en que se embasa. Desde ahí y de la historici-
dad que gana la categoría del trabajo en esta interpretación crítica pensamos acer-
ca de las condiciones hodiernas críticas para su movilización y sobre la posición
de administración estatal de la crisis del trabajo que asume el planeamiento junta-
mente con la producción científica que le embasa, tornando esencial la crítica de
la movilidad incluso de los sujetos que producen estudios migratorios.
Revista do Programa de
Palabras clave: Movilidad del trabajo; Crítica del trabajo; Fetichismo. Pós-Graduação em Geografia e
do Departamento de Geografia
da UFES
Julho - Dezembro, 2017
ISSN 2175 -3709 5
ABSTRACT
Revista do Programa de
Pós-Graduação em Geografia e
From 1990s reviews of theoretical perspectives on migratory studies we here pro-
do Departamento de Geografia pose an analysis and a critique of one of them. With this paper, we highlight the
da UFES decisive contributions of the theory of the labor mobility enabling to question
Julho - Dezembro, 2017
ISSN 2175 -3709 the separation between the structural determinations claimed by the so-called
historical-structural approach and the subjective will claimed by the neoclassic
approach, besides the role performed by the discourses over migration and the
mechanisms played by them as forms of controlling the space, the labor and the
worker. However, we aim at moving the controversy further by proposing a critical
reading of this very perspective in order to reveal its limits concerning the onto-
logical conceptualization of labor in which its stands. Finally, we reflect upon the
contemporary critical conditions of labor mobility and upon the position of crisis
administration undertaken by the State planning together with the scientific pro-
duction that supports it, what makes essential the critique even of those subjects
who produce migratory studies.
Keywords: Mobility of Labor; Critique of Labor; Fetishism.

Esse trabalho foi originalmente produzido por ocasião do XIII SIMPURB (Simpó-
sio Brasileiro de Geografia Urbana), ocorrido no Rio de Janeiro em novembro de
2013. Publicamo-lo agora, posteriormente à incorporação das críticas recebidas
naquela oportunidade de debate, como consolidação de uma interpretação crítica
de grupo relativa ao conceito de trabalho, conduzida nos últimos vinte anos no âm-
bito do LABUR (Laboratório de Geografia Urbana), no Departamento de Geografia
da Universidade de São Paulo.

INTRODUÇÃO Igualmente, assinalamos que as


transformações das formas empíricas,
Com nosso artigo, procuramos con- tanto das restrições como do exercício
tribuir para a discussão sobre a mobili- da mobilidade, apontadas nesse caso
dade, entendida em seus aspectos espaci- principalmente em seu aspecto es-
ais ou territoriais, buscando encontrar e pacial, podem ser pensadas em sua
criticar os seus fundamentos nos termos relação com a qualidade fundamental
da mobilidade do trabalho (Gaudemar, que permite ao trabalho (se) realizar
1977). Sugerimos que os processos de re- (em) sua condição social de merca-
estruturação que engendram novas con- doria. Assim, as migrações e suas var-
figurações urbanas trazem consigo um iações em intensidade e orientação,
paradigma que ressalta a necessidade de sempre apontadas para encetar pon-
mais e melhor mobilidade. Indicamos, derações sobre o tema da mobilidade,
porém, a existência de um processo serão pensadas como ponto de partida
correlacionado de novos padrões de que permita problematizar os nexos
valorização, gentrificação e segregação sociais que condicionam não apenas
espacial. Portanto, indicamos aqui que migrantes, mas a sociedade como um
tais processos possam ser pensados nos todo, na medida em que estamos igual-
termos de uma reflexão crítica sobre a mente submetidos ao trabalho como
circulação (e com ela necessariamente forma central de mediação social.
sobre a produção) das mercadorias, so- Uma aproximação das discussões
6 bretudo da mercadoria força de trabalho. sobre os movimentos migratórios,
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os deslocamentos populacionais ou a realização da pesquisa, ora no im-


a mobilidade revela inicialmente um perativo de buscar soluções para os
conjunto variado de processos sociais problemas (dos) pesquisados, sendo a
designados por esses conceitos, o que, formulação de propostas um momento
por sua vez, aponta para a existência necessário da realização desse tipo de
de divergências entre os estudiosos estudo.
desses fenômenos. Essas divergências, Fazendo frente a essa abordagem,
contudo, não se fundam apenas em identificada pela antropóloga Alba
definições particulares que destacam Zaluar (1986) como “pensamento que
de forma seletiva certos processos, en- resolve problemas”, sem, com isso,
quanto deixam de incorporar outros pretendermos nenhuma outra forma
na análise, mas conduzem também a de neutralidade, nem técnica nem
um campo de intervenção político e científica, sugerimos a possibilidade
prático, refletida ou irrefletidamente de questionar as perguntas que estru-
implicado por tais definições. Em outras turam as análises desenvolvidas so-
palavras, a ciência se realiza como um bre a mobilidade e os deslocamentos,
momento necessário que participa não apenas pelo planejamento, como
decisivamente no planejamento e na também pela produção científica.
intervenção, assim como em todas as Partindo da discussão travada por
práticas socialmente constituídas. As- Carlos Vainer (1984) no estudo in-
sim, não apenas livros, artigos e teses titulado Trabalho, espaço e Estado:
se agrupam constituindo o referido questionando a questão migratória,
campo de divergências conceituais, destacamos a pertinência de formular
mas avulta também um sem núme- “perguntas à própria pergunta” (1984,
ro de documentos produzidos por p. 3), de modo a procurar o que se en-
agências de planejamento, sobretudo contra subentendido nessas análises,
estatais, com o objetivo de identi- ou seja, de modo a discutir questões
ficar e propor soluções para as causas que não são somente anteriores, mas
e consequências dos deslocamentos principalmente, de natureza diversa
populacionais. Predominantemente das que estruturam esses estudos.
desenvolvidas nos termos da tradição Cabe então nos perguntarmos por
técnica do planejamento, essas análises que os deslocamentos populacionais
geralmente se concentram na identi- e a mobilidade, tanto espacial como
ficação do objeto da intervenção, na urbana, constituem-se num campo
avaliação da eficácia das políticas de possível de formulação de políticas.
correção anteriormente desenvolvi- Ou seja, quais são as condições de
das e na proposição de políticas mais existência das políticas de correção
adequadas para a resolução efetiva tanto dos problemas sociais que pare-
dos problemas diagnosticados. cem provocar as migrações, como
Essa perspectiva pressupõe uma dos que parecem ser desencadeados
pretensão de neutralidade e objetivi- pelas mesmas. Sugerimos questionar,
dade, que reconhece ao pesquisador portanto, até que ponto os problemas
ou técnico a possibilidade de olhar (que fundam aquilo que no passado
de fora os processos que submete a ex- era identificado como questão mi-
ame, e a partir de fora propor soluções, gratória) são “efetivamente objeto
que pretendem ser sempre melhores das políticas, e até que ponto [são]
que as existentes. Mais do que isso: também, talvez principalmente, seu
na maioria das vezes, essa abordagem produto” (Vainer, 1984, p. 4).
Revista do Programa de
cobra do técnico essa atitude. Exigên- Esta reflexão sobre a mobilidade Pós-Graduação em Geografia e
cia ora manifesta de forma explicita- remete, porém, a um debate real- do Departamento de Geografia
da UFES
mente contratual, na relação com o izado na década de 1990, que tratou Julho - Dezembro, 2017
contratante que demanda e financia de identificar e agrupar diferentes ISSN 2175 -3709 7
perspectivas utilizadas nos estudos com isso, atualizando-a.
migratórios em enfoques ou troncos
Revista do Programa de teóricos. Retomaremos sucintamente
Pós-Graduação em Geografia e
do Departamento de Geografia as discussões de alguns autores que OS ASSIM CHAMADOS EN-
da UFES participaram desse debate, buscando FOQUES OU TRONCOS
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ISSN 2175 -3709 identificar, em seus esforços de clas- TEÓRICOS DOS ESTUDOS
sificação, divergentes perspectivas de SOBRE A MIGRAÇÃO
interpretação e intervenção sobre as
motivações e as consequências provo- Por ocasião do VIII Encontro Na-
cadas pelo fenômeno migratório. An- cional de Estudos Populacionais, Cel-
tecipadamente, observamos, contudo, so Amorim Salim apresentou o arti-
que mesmo se contrapondo, essas go Migração: o fato e a controvérsia
perspectivas dialogam: “se entendem, teórica (1992), em que promove um
mesmo quando discordam” (Vainer, dos primeiros esforços em classificar
1984, p. 10). A defesa que cada uma os estudos populacionais e sobre mi-
empreende a partir de seus próprios grações no Brasil.
recursos não impede que o debate en- Inicialmente, o autor identificava
tre as mesmas aconteça e constitua um como problemática a inexistência de
campo de análises e estudos, acadêmi- unidade na definição do fenômeno
ca e politicamente reconhecido. migratório, criticando o fato das mi-
Colabora também de maneira grações serem definidas sempre ex-
determinante para a conformação ternamente, em função do “tipo de
e caracterização do referido campo, movimento ou deslocamento espa-
uma coesão que resulta menos daquilo cial que representam” (Salim, 1992, p.
que essas perspectivas dizem, e mais 119). Do mesmo modo, provocadas
do que silenciam. Ou seja, as di- pela mencionada falta de unidade, ele
vergências, resultantes da necessidade assinalava as dificuldades para definir
de diferenciação estabelecida pelos os fluxos, correntes, áreas de origem,
imperativos do exercício intelectual, de destino ou intervalos de tempo
ocultam “a unidade que permite que do deslocamento do movimento
o que é dito, por mais disparatado que migratório. Reclamava o autor que
pareça, possa ser confrontado num a inexistência de unanimidade se
campo único, é o não dito em comum” referia ainda à definição quanto aos
(Vainer, 1984, p. 10). Assim, recuperan- critérios de classificação das diver-
do o debate responsável por classificar sas correntes teóricas existentes,
os diferentes enfoques presentes nos além de criticar a abordagem lim-
estudos migratórios, trataremos de itada que fraciona seu conhecimento
problematizar não apenas as diferenças e dificulta o estabelecimento de uma
de abordagens, como também os pres- cronologia da evolução teórica do tema
supostos em comum que fundamentam da migração. Para Salim, os enfoques
as análises. Cabe reiterar, antes, que a somente pareciam concordar que “os
recuperação teórica de tendências e fluxos migratórios se originam do
aglutinações dos estudos migratórios desequilíbrio espacial de natureza
que virá a seguir lida com balanços econômica, o qual produz diferenciais
feitos na década de 1990, não preten- de renda e de emprego, por exemplo,
dendo estabelecer um estado da arte entre áreas de origem e destino” (Sal-
atual do referido campo, mas lidan- im, 1992, p. 121). Além desse denom-
do a partir do que então existia com inador, restavam divergências sobre a
a possibilidade de se aprofundar na explicação da origem dos desequilíbri-
crítica dos pressupostos e desdobrar os, na abordagem metodológica, nos
criticamente uma vertente específica pressupostos ideológicos e, sobretu-
8 então em evidência; de certa forma, do, dos fatores que determinavam as
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migrações e das consequências que va a existência de certa pressuposição


ela produz. em comum por trás da polissemia do
Buscando organizar essas di- conceito de migrações, presentes nos
vergências em sistemas lógicos que discursos que conformavam a questão
permitissem uma classificação uni- migratória. O autor foi buscar em
versalmente aceita e uma melhor Almeida e Palmeira (1977) uma sug-
compreensão científica do tema, ele estão para a compreensão desse pres-
ainda adotou a expressão “tronco suposto:
teórico” para caracterizar o que en- Uma suposição básica por trás do
conceito de migração é a de que ela
tendeu como um substrato comum é controlável. Ou seja, os movi-
a múltiplas subdivisões, definindo mentos migratórios podem sofrer
três enfoques, escolas ou correntes a intervenção de políticas públicas
que os contenham, estimulem ou
de pensamento sobre os movimen- orientem. Mais do que isso, devem
tos migratórios: os modelos neoclás- ser objeto de atuação por parte do
Estado (Póvoa Neto, 1997, p. 14).
sicos contemporâneos, a perspectiva
histórico-estrutural e os estudos sobre Mesmo ressaltando a perspectiva
a mobilidade da força de trabalho. de que os discursos sobre as migrações
Helion Póvoa Neto, no artigo Mi- não são politicamente neutros e que
grações internas e mobilidade do tra- pressupõe de modo comum (mais
balho no Brasil atual, publicado em que uma possibilidade) um imperati-
1997, retomou questões esboçadas vo de intervenção e controle político,
tanto por Carlos Vainer (1984) como o autor destacava também a necessi-
por Celso Amorim Salim (1992). Para dade de diferenciar as abordagens, de
o autor, a multiplicidade de definições modo a possibilitar a análise de todo
do fenômeno migratório indicava a um corpo teórico que vem se desen-
existência de divergentes perspectivas volvendo a respeito. Assim, dedica-
de intervenção em certos problemas va-se do mesmo modo a apresentar os
que são teóricos, mas também práti- três troncos teóricos classificados por
cos. Essas abordagens, para este autor, Salim (1992), observando seus difer-
confrontavam-se em um campo desig- entes enfoques e as consequências dos
nado como constituindo a questão mesmos para a análise das migrações.
migratória, em que também são pro-
duzidas as políticas migratórias, cuja A perspectiva neoclássica
existência questiona a ilusão do analis- As discussões desenvolvidas em
ta como observador neutro ou privile- acordo com o que os autores identi-
giado, para o qual a legitimidade da ficavam como os modelos neoclássi-
atuação reside justamente em estar cos contemporâneos de estudo das
colocado à distância e nas alturas. migrações caracterizam-se por pen-
Contudo, como ressaltou o autor, nas sarem os movimentos populacionais
análises que pensam a migração como como mobilidade geográfica dos tra-
uma realidade supostamente eviden- balhadores em um espaço econômi-
te, a discrepância entre as definições co isomórfico, motivados nomeada-
do fenômeno não era nem mesmo mente pelos desequilíbrios existentes
questionada. O que importava era na oferta de emprego e renda. As-
descrever, caracterizar e mensurar sim, a migração realiza-se como um
os deslocamentos e qualquer preocu- fenômeno positivo capaz de promover
pação com um contexto social mais a transferência e uma melhor alocação
amplo desaparecia, restando apenas dos fatores de produção sobressalentes,
Revista do Programa de
dificuldades classificatórias para produzindo com isso equilíbrio e Pós-Graduação em Geografia e
agrupar dados censitários. crescimento econômico. Conforme do Departamento de Geografia
da UFES
Como em Carlos Vainer (1984), argumentava Póvoa Neto (1997, p. Julho - Dezembro, 2017
Póvoa Neto (1997) também assinala- 16), o migrante acaba reduzido a um ISSN 2175 -3709 9
portador de trabalho que deve ser alo- de outras. Entre eles podemos en-
cado para maximizar os ganhos que contrar “a teoria da dependência, o
Revista do Programa de parecem ser seus, mas são sobretudo colonialismo interno, a relação cen-
Pós-Graduação em Geografia e
do Departamento de Geografia do capital. Outra característica central tro-periferia e a acumulação global”
da UFES dessa perspectiva consistiria na cen- (Salim, 1997, p. 126). Ainda assim,
Julho - Dezembro, 2017
ISSN 2175 -3709 tralidade conferida para a racionali- em um aspecto mais geral, implícito
dade do indivíduo, pensado como su- nessas subdivisões e que consideramos
jeito burguês, quando o mesmo avalia semelhante aos estudos neoclássicos,
a relação entre os custos (inclusive essa perspectiva apontaria as desigual-
subjetivos) da migração e os benefíci- dades espaciais como uma das causas
os provenientes do aproveitamento estruturais das migrações, ainda que
dos diferenciais mencionados. compreenda (afastando-se assim da
A concepção neoclássica traz im- abordagem neoclássica) que os níveis
plícita, assim, a ideia de recusa da
imperfeição causada pela desigual- diferenciais de emprego e renda co-
dade estrutural e de aceitação tácita
das variações conjunturais, além, é incidam com diferentes relações de
claro, da propensão ‘natural’ da força produção e estruturas regionais de
de trabalho ao movimento, logo que
a diferenciação social se manifeste ao exploração e de classe. Em outras pa-
nível do espaço. (Salim, 1992, p.124) lavras, a concepção espacial subjacente
A hipótese da mobilidade perfeita a esta perspectiva não é isomórfica.
expressa, portanto, não apenas um di- Outra semelhança com a perspecti-
agnóstico da natureza das migrações, va neoclássica consistiria na afirmação
mas principalmente um objetivo a ser de que a migração possui como pa-
perseguido com a eliminação dos ob- pel redistribuir as forças de trabalho,
stáculos existentes. Trata-se assim de disponibilizando-as para dinamizar
uma “hipótese que conduz necessaria- os processos de acumulação do capi-
mente a um encaminhamento político tal. Ainda que entre os neoclássicos
da questão migratória” (Póvoa Neto, essa relação fizesse parte de sua axi-
1997, p. 17), embora a constituição omática apologética da mobilidade
dos fluxos e correntes migratórias apa- perfeita, o modo como a abordagem
rente se sustentar numa somatória de histórico-estrutural discutiu o proble-
decisões assumidas individualmente. ma estabelece como pressuposto co-
mum uma tendência ao balanceamen-
A perspectiva histórico-estrutural to entre as necessidades e a oferta de
Por sua vez, a perspectiva forças de trabalho como fundamento
histórico-estrutural interpretaria as mi- dos níveis ótimos de acumulação.
grações não como resultado dos atos so- Existem, contudo, diferenças cen-
beranos dos indivíduos, mas como uma trais entre as abordagens das duas
relação produzida por estruturas sociais correntes: como afirmava Póvoa
historicamente determinadas e geogra- Neto (1997), recusando o procedi-
ficamente delimitadas. Seus determi- mento neoclássico de desconsiderar
nantes, assim como suas consequên- a dimensão histórica das migrações
cias, remetem a processos sociais e de e atribuir estritamente a uma moti-
mudança em contextos determinados. vação individual esses deslocamen-
Assim, essa abordagem concentraria tos, a concepção histórico-estrutural
seu foco numa observação da estrutura encara esse processo como fenômeno
social como um todo, analisando suas social, condicionado histórica e geo-
condições de ordem social, econômica graficamente. Essa diferença rever-
e política que contextualizam os movi- bera na irrelevância atribuída à di-
mentos migratórios. mensão subjetiva dos indivíduos, que
Existe, contudo, uma variedade nesse caso parece estar absolutamente
de modelos que enfatizam determi- submetida à força das estruturas so-
10 nadas características em detrimento ciais que explicam a propensão para
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a migração e faz com que movimen- fatores de produção.


tos populacionais coincidam rumo às Quanto às investigações neo-
necessidades do capital (Póvoa Neto, marxistas, que evidenciariam o
1997, p. 18). caráter catalizador da migração no
Desejamos destacar, por fim, que jogo estrutural do capital (no sentido
a abordagem histórico-estrutural fa- do uso que este faz da força de tra-
vorece a produção de diagnósticos balho diretamente no processo pro-
“regionais” buscando identificar as dutivo ou indiretamente, como exér-
características potencialmente gera- cito industrial de reserva), a autora fez
doras das migrações. O procedimen- ressalvas apenas aos seus métodos que
to mais ou menos comum entre tais retirariam de cena os agenciamentos
diagnósticos, de associar a falta de do sujeito trabalhador. Destacava,
condições de sobrevivência à falta desse modo, a necessidade de um
de trabalho, especialmente de uma olhar cuidadoso ao sujeito que migra,
população rural que se destina ao êx- reconhecendo nos planos de desen-
odo, foi por vezes coincidente (ainda volvimento regional e outras ações
que historicizada e associada a estru- do planejamento estatal formas im-
turas fundiárias e de poder existentes) positivas de deslocamento espacial da
com a abordagem neoclássica. So- população, que funcionam, contudo,
bretudo quando essa identifica a sub- apenas como um disparador rumo ao
utilização dos fatores de produção, assalariamento.
especialmente da força de trabalho,
pensada nesse caso como mão de A perspectiva da mobilidade do tra-
obra, e propõe perspectivas de desen- balho
volvimento que permitam um melhor Por fim, a discussão realizada sob
emprego das mesmas. o tronco teórico da mobilidade do
Olga Becker, no estudo intitulado trabalho buscava se diferenciar das
Mobilidade espacial da população: perspectivas anteriores justamente
conceitos, tipologias e contextos, nesse âmbito: a migração deixaria de
e igualmente publicado em 1997, ser apenas reflexo de diferenciações de
também se dedicou à classificação dos um espaço pensado como pressupos-
estudos migratórios até o momento to, para atuar no mesmo como agente
realizados no Brasil. Para a autora, de sua transformação. Igualmente,
as concepções teóricas norteadoras o trabalho deixaria de ser concebido
daqueles estudos populacionais di- como uma forma de metabolismo
vidiam-se predominantemente em entre homem e natureza de maneira
duas correntes: as investigações neo- transhistórica (Postone, 2014), sen-
clássicas e as neomarxistas. do considerado em seu processo de
Ao percorrer os estudos teóricos constituição. Assim, não estaríamos
sobre a migração, Becker (1997) reafir- mais diante da compreensão estrita de
mava a pertinência do olhar capaz de que em certas regiões haveria ou não
envolver aspectos econômicos, sociais boa oferta de trabalho e/ou condições
e políticos, entendendo-os em con- de sobrevivência, configurando-as
junto e capazes de impor sua ordem como zonas de atração ou repulsão
aos movimentos da força de trabalho. de migrantes, nem tampouco diante
Ao dizer isso, pretendeu se afastar de um agenciamento indeterminado
dos estudos de população neoclás- do sujeito que busca melhorar sua
sicos, por estes privilegiarem, como reprodução mediante a obtenção de
Revista do Programa de
mencionamos anteriormente, uma um trabalho melhor, como preconiza Pós-Graduação em Geografia e
análise na qual a migração figuraria a perspectiva neoclássica. Diferen- do Departamento de Geografia
da UFES
de maneira indeterminada, em busca ciando-se de ambas, a abordagem Julho - Dezembro, 2017
do ajuste necessário à otimização dos da mobilidade do trabalho buscaria ISSN 2175 -3709 11
problematizar o processo histórico de possibilidade de que os capitalistas,
constituição do sujeito mobilizável, de posse de recursos assim passíveis
Revista do Programa de portanto sujeito à mobilidade do tra- de serem transformados em capital,
Pós-Graduação em Geografia e
do Departamento de Geografia balho entendida aqui como condição encontrassem no mercado uma mer-
da UFES necessária da exploração de sua força de cadoria disponível cujo valor de uso
Julho - Dezembro, 2017
ISSN 2175 -3709 trabalho produzida como mercadoria. consiste na virtude particular dela
Salim (1992, p. 134), apesar de ser fonte de riqueza, enquanto seu
criticar essa abordagem em função de valor de troca se reduz simplesmente
suas preocupações mais epistemológi- aos custos de sua reprodução. E não
cas que empíricas, considerou rele- apenas disponível para ser consumida,
vante a discussão sobre a mobilidade mas mobilizável em todas as suas di-
do trabalho na medida em que ela mensões de circulação e utilização, de
permitiria relacionar de maneira di- modo a viabilizar o processo de acu-
alética o que ele definiu como os níveis mulação capitalista.
estruturais e subjetivos, separados e Se se afirmou que o capitalismo
apropriados exclusivamente, respec- começava com a exploração da força
de trabalho, é necessário acrescentar
tivamente pelas análises histórico-es- que ele só poderia nascer uma vez
trutural e neoclássicas. Nesse senti- que o trabalhador tivesse adquiri-
do, ela permite pensar o processo de do esta mobilidade; não no sentido
apologético que a teoria neoclássi-
sujeição dos homens à condição de ca reconheceu, do homem inteira-
trabalhadores como parte intrínseca mente livre do seu destino, actor de
sua própria história, mas no senti-
de sua constituição enquanto sujei- do das contrariedades que lhe são
tos, observando ao mesmo passo a impostas por essa procura de em-
forma de sua disponibilidade (im- prego. (Gaudemar, 1977, p. 192)

posta) para as relações capitalistas e Para Gaudemar (1977), a mobilidade


as formas de representação derivadas da força de trabalho se realiza como o
dessa sujeição. Ou seja, vai muito além mais importante fundamento para
da análise das determinações estritas do compreendermos o surgimento do
por que ir, para onde ir, na medida em modo capitalista de produção e do seu
que define que o conjunto das relações e processo de acumulação como repro-
de tais escolhas apenas se realizam me- dução ampliada. Buscando sustentar
diante à existência desta mobilidade. essa interpretação, o autor retoma o
esquema segundo o qual, por meio
da “acumulação primitiva”, o trabalho
A MOBILIDADE DO TRA- existente em outras formações sociais
BALHO PENSADA COMO “não capitalistas” foi mobilizado para
FUNDAMENTO DA ACUMU- se constituir como força de trabalho,
LAÇÃO DE CAPITAL assalariada, no capitalismo em for-
mação. Esse processo fez com que o
A ideia da mobilidade como carac- trabalho adquirisse seu caráter móvel,
terística da força de trabalho é atribuída por meio do qual o trabalhador passa
a Jean-Paul de Gaudemar (1977) que a deslocar-se, espacial e socialmente,
ao revisar os estudos marxianos sobre tanto por sua vontade, como por força
a dinâmica da acumulação, ressaltou a do capital.
importância dessa dimensão de análise Nesse sentido, com a “acumulação
para a crítica de todo o processo de re- primitiva”, estaria dada a possibilidade
produção ampliada do capital. de constituição da força de trabalho,
Gaudemar realizou esses estudos e de seu uso pelo capital. Sinalizaria,
em seu livro Mobilidade do trabalho portanto, que o trabalho ganharia
e acumulação do capital (1977). Nele, com o capitalismo sua existência
o autor propôs que estudemos quais como força de trabalho pela constitu-
12 condições históricas produziram a ição historicamente determinada de

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uma qualidade fundamental: a mobi- contingente e, por conseguinte, in-


diferente. (Marx, 2011, pp. 57-58)
lidade do trabalho, ou sua capacidade
de ser móvel. Portanto, afirma que Qualquer semelhança com o exercício
a formação histórica do capitalis- da mobilidade do trabalho, experimenta-
mo dependeu justamente de o fato da pela massa trabalhadora proprietária
do trabalho ganhar essa qualidade de da mercadoria força de trabalho, não
ser móvel, de tornar-se mercadoria terá sido mera coincidência. Ele sugere
força de trabalho. Entretanto, da nossa que apenas nestas condições o trabalho,
perspectiva teórica, Gaudemar (1977) não enquanto categoria abstrata “devém
retira as profundas consequências de verdadeira na prática” (Marx, 2011, p.
suas considerações acerca do proces- 58) ao mesmo tempo em que devém
so de constituição da mobilidade do indeterminada no pensamento. Neste
trabalho. Vejamos. sentido, a indiferença com relação à
Nos Grundrisse de Karl Marx totalidade concreta de trabalhos pos-
([1857/58] 2011), em especial o item ta pelo advento da mobilidade do
O Método da economia política , trabalho consubstancia não apenas a
o autor tece considerações acerca transformação do trabalho em mer-
desta problemática, oferecendo cadoria, como afirma Gaudemar, mas
caminhos para, por um lado, apro- simultaneamente a constituição do
fundar as sugestões de Gaudemar próprio trabalho como abstração real
(1977), e por outro, criticá-lo, tendo (Marx, 1985) e, por fim, como cate-
em vista a determinação da especifi- goria burguesa (ou moderna) de pen-
cidade histórica da própria categoria samento aplicável a toda e quaisquer
de trabalho e não somente daquela relações sociais. É nesse sentido que
da força de trabalho. Como o próprio afirma ser “o ‘trabalho’ [...] uma cate-
título do item sugere, Marx lida aí goria tão moderna quanto às relações
com as categorias de pensamento que geram essa simples abstração”
que informam e são o ponto de par- (Marx, 2011, p. 57).
tida da economia política enquanto A partir destas observações se faz
ciência própria do modo de produção possível compreender como o adven-
capitalista: propriedade, dinheiro, to da mobilidade do trabalho con-
trabalho e por fim, terra. Entretanto, substancia a própria constituição do
diferentemente da economia políti- trabalho enquanto atividade autome-
ca, as trata como categorias apenas diadora (Postone, 2014). Doravante as
aparentemente válidas para “outras atividades particulares que compõem
formas de sociedade” (Marx, 2011, a totalidade concreta adquirem vali-
p. 59), sugerindo que o manejo por dade social apenas à medida que se
parte do pesquisador, por exemplo, referem umas às outras enquanto ma-
da categoria de trabalho, tendo em terializações de tempo abstrato (Marx,
vista a apreensão de quaisquer ativi- 1985) objetivado pela mercadoria
dades concretas feitas pelos homens, força de trabalho, sendo esta também
independentemente da forma social, contabilizada socialmente em tempo,
só ganhou validade num contexto e que devido à sua mobilidade é capaz
de relações sociais muito específicas, de produzir mais valor do que aquele
como fica claro na seguinte passagem: necessário à sua manutenção. Nesse
Essa abstração do trabalho em geral não sentido, Gaudemar (1977) acaba por
é apenas o resultado mental de uma sustentar uma perspectiva ontológica
totalidade concreta de trabalhos. A in-
diferença em relação ao trabalho do trabalho como forma de mediação
Revista do Programa de
determinado corresponde a uma social. Reconhece a historicidade da Pós-Graduação em Geografia e
forma de sociedade em que os in- do Departamento de Geografia
divíduos passam com facilidade de sua transformação em mercadoria,
da UFES
um trabalho a outro, e em que o tipo mas sem reconhecer que as condições Julho - Dezembro, 2017
determinado do trabalho é para eles que permitem que o mesmo se realize ISSN 2175 -3709 13
como trabalho abstrato (cujo dispên- O trabalho como fundamento da acu-
dio realiza-se num tempo médio que mulação de capital
Revista do Programa de sempre nega suas condições concretas Dissemos acima que o trabalho se
Pós-Graduação em Geografia e
do Departamento de Geografia de execução) são produtos dessa mesma realiza como atividade automediadora
da UFES forma, num mundo cujo sentido foi re- e abstração real, na medida em que as
Julho - Dezembro, 2017
ISSN 2175 -3709 duzido à busca pela valorização do valor. mercadorias aparecem como coágulos
Partindo das considerações apon- de tempo abstrato e homogêneo (uma
tadas por Marx (1985; 2011), já se faz hora, cinco minutos, 30 segundos),
possível tatear aquilo que Vainer donde o tempo se realiza como a me-
(1984) apresenta como o não dito dida dos valores das mercadorias. Por-
em comum nas diversas teorias mi- tanto, segundo Marx (1985), o tempo
gratórias acima apresentadas. Se o socialmente necessário se configura
processo de aquisição da mobilidade como critério basilar da acumulação
do trabalho não se reduz à transfor- de capital e os trabalhadores como a
mação do trabalho em mercadoria fonte de sua produção, dada sua carac-
força de trabalho, mas consubstancia terística específica de objetivar maior
a formação do próprio trabalho en- valor do que aquele que tem.
quanto abstração real, que devido a Com seu caráter duplo e sua relação
indireta com a atividade concre-
essa especificidade histórica, consti- ta, o trabalho constitui uma for-
tui socialmente o ponto de partida ma de socialização mediada, que
não problematizado, e por isso trans- se realiza, independente da von-
tade individual, “atrás das costas”
histórico, da economia política (ou de dos produtores. Para os indivíduos
toda ciência burguesa), mostra-se modernos, presos em seus micro-
cosmos de trabalho, este parece ser
evidente que o não dito em comum a única possibilidade de garantir a
é o próprio trabalho e sua personi- existência. Os sujeitos da concorrên-
cia lutam obrigatoriamente por suas
ficação, o trabalhador. Pare sermos vantagens, e cada um é responsável
mais exatos, o que está em causa aqui só por si mesmo. É o “sujeito au-
tomático” que determina a moral e
não é que não se fale sobre o trabalho a ética no âmbito de uma lógica de
nas diversas teorias migratórias, mas destruição. (Heidemann, 2004, p. 33)
os mecanismos pelos quais se fala so- Nesse sentido é que consideramos
bre ele, sem o problematizar. A partir possível designar o trabalho como
deste momento buscaremos desdo- substância socialmente produzida
brar tais considerações em sua relação que sustenta o processo de repro-
com a questão da mobilidade nas três dução ampliada do capital, bem como
dimensões que consideramos centrais este último como processo tautológi-
para um tratamento adequadamente co, uma vez que a mais-valia produzi-
crítico da problemática: o trabalho en- da pelo trabalho na forma de capi-
quanto fundamento do capital com- tal-dinheiro retorna a essa mesma
preendido aqui como contradição em forma, tendo em vista alcançar uma
processo; a mobilidade do trabalho quantidade sempre maior. Entretan-
como expressão daquele personifica- to, se por um lado essa substância so-
do pela população trabalhadora; e por cial retorna a si mesma, abstraída das
fim como categoria de pensamento de formas concretas que adquire, estas
caráter administrador. últimas se modificam historicamente
de maneira extraordinária, numa di-
alética entre tempo abstrato e tempo
histórico (Postone, 2014), com impli-
MOBILIDADE E SUBJETI- cações diversas sobre o exercício da
VAÇÃO NA CRISE DA SO- mobilidade do trabalho.
CIEDADE DO TRABALHO E À medida que o valor é uma substân-
DA SUA GESTÃO ESTATAL cia social abstrata, aparentemente reifi-
14 cada apenas no dinheiro, enquanto o
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mundo concreto aparece como aquele Conforme argumentou Gaude-


das coisas ordinárias, ele deve, por mar (1977), a mobilidade do trabalho,
meio de suas personificações, os donos como um processo de constante re-
dos meios de produção, corporificar-se mobilização, teria um papel significa-
em processos concretos de trabalho tivo para a manutenção do capitalismo,
com vistas à acumulação. Uma vez ou mais precisamente, para a ma-
acumulado por meio da exploração do nutenção da acumulação apesar de
trabalho, pela própria natureza social sua tendência crítica. Referimo-nos a
do dinheiro ele deve ser reinvestido, uma tendência à mobilidade perfeita,
o que significa mobilizar novamente adquirida pelo trabalho com sua trans-
os trabalhadores por meio de novos formação em mercadoria para o capital,
processos de trabalho, para, ao final do como contraponto à tendência de que-
mesmo, avolumar-se novamente e as- da da taxa de lucro, imanente à própria
sim permanentemente. Entretanto, tais reprodução ampliada do primeiro.
reinvestimentos nos processos produ- Para o autor, as bases que funda-
tivos, empurrados pela concorrência à mentam suas considerações residiri-
qual se vincula necessariamente a for- am, primeiramente, no fato de que a
ma tautológica do valor, movem um tendência à mobilidade perfeita, para
crescente e continuado aumento da o sonho dos neoclássicos e o pesade-
produtividade do trabalho, tendo em lo dos trabalhadores, asseguraria re-
vista aumentar as taxas de mais-valia dução dos salários para os donos dos
sobre a massa trabalhadora emprega- meios de produção e a economia de
da. Tal movimento vai gradativamente escala decorrente do uso do capital
modificando os termos concretos da constante diuturnamente. Em segun-
produção de valor, seus métodos de do lugar, por meio da permanência
produção, a composição técnica dos de setores com baixa composição
capitais, impondo uma constante re- orgânica de capital que, por um lado,
mobilização da população trabalhado- absorveriam a massa de trabalhadores
ra, o que significa precisamente o expulsos dos setores com alta com-
exercício de sua mobilidade. posição orgânica e, por outro, pro-
Em outras palavras, a reprodução duziriam maior massa de mais-valia,
ampliada do capital determina compensando a queda nos setores tec-
modificações nos processos produ- nologicamente mais desenvolvidos. E,
tivos que, por sua vez, promovem re- por fim, a redução do tempo de rotação
configurações no mundo do trabalho do capital a contribuir para o crescimen-
e na mobilidade dos trabalhadores, to da taxa de lucro anual dos capitais que
impondo novas atribuições qualita- compõem a reprodução social.
tivas à mercadoria força de trabalho. Através da multiplicidade das suas
Por outro lado, as frequentes modifi- formas temporais, espaciais, setori-
ais, etc., por intermédio das econo-
cações tecnológicas, promovidas pela mias de capital variável ou constan-
reprodução tautológica do valor, im- te, da persistência de setores com
fraca composição orgânica e da
pulsionam uma expansão extraor- redução tanto dos tempos de pro-
dinária da produtividade do trabalho, dução como circulação, que ela
consubstanciada no aumento da permite, a mobilidade do trabalho
permite contrariar permanente-
composição orgânica do capital que, mente a baixa tendencial da taxa
de um lado, expulsa relativamente a de lucro (Gaudemar, 1977, p. 336).
população trabalhadora dos proces- Entretanto, se é verdade que a
sos produtivos e, por outro, desenca- reprodução ampliada do capital e a
Revista do Programa de
deia a queda tendencial da taxa de lucro. queda tendencial da taxa de lucro Pós-Graduação em Geografia e
produzem contratendências, destarte do Departamento de Geografia
da UFES
A mobilidade do trabalho como mo- o capital oferecendo os próprios mei- Julho - Dezembro, 2017
mento da crise do valor os para sua continuidade enquanto ISSN 2175 -3709 15
relação social total, de nossa perspec- Um completo descolamento entre ri-
tiva a contradição fundamental do queza material e valor (Postone, 2014).
Revista do Programa de capital, portanto sua crise, reside num Nesse contexto, devemos nos perguntar
Pós-Graduação em Geografia e
do Departamento de Geografia nível mais profundo do que aquele como fica a possibilidade de exercício
da UFES da queda tendencial da taxa de lucro, da mobilidade do trabalho, enquanto
Julho - Dezembro, 2017
ISSN 2175 -3709 com graves consequências para a disposição de se sujeitar ao capital?
população trabalhadora e o exercício Pelo caminho até aqui percorrido,
de sua mobilidade. a expulsão do trabalho vivo dos pro-
Com a revolução microeletrôni- cessos produtivos parece indicar uma
ca ou terceira revolução industrial, curva ascendente em direção a uma
ocorrida desde meados da década de espécie de desmobilização geral da
70, o desenvolvimento das forças pro- população trabalhadora, uma vez que
dutivas decorrente da contínua acu- começam a figurar como dispensáveis
mulação de capital, passou a expulsar para o capital. Entretanto, de maneira
progressivamente o trabalho vivo dos enfática, diferenciamo-nos das teorias
processos produtivos, ganhando o tra- que buscaram apresentar esse proces-
balho a característica de “catapultar” os so como um suposto fim do trabalho,
trabalhadores para fora desta relação. ou mesmo de sua centralidade (Gorz,
Entramos numa era em que adquire 1982; Habermas, 1997). Reivindicamos
concreção assustadora a declaração de que aquilo que estamos testemunhan-
1867, de caráter especulativo, feita por do desde fins da década de 1970 é
Marx (1985b): “Com a acumulação uma crise do trabalho, enquanto for-
do capital produzida por ela mesma, a ma fundamental de mediação social.
população trabalhadora produz, por- Nesse sentido, a prescindibilidade dos
tanto, em volume crescente, os meios corpos antes necessários à produção
de sua própria redundância relativa” de valor não livra esta mesma popu-
(Marx, 1985b, p. 200). lação trabalhadora da necessidade de
Estaríamos vivendo numa era na permanecerem se mediando por meio
qual, não obstante algumas das con- do trabalho e do dinheiro. Destarte,
tratendências assinaladas acima, elas os sujeitos sujeitados à forma social
vêm sendo incapazes de absorver a capitalista se conformam enquanto
massa trabalhadora dispensada, mas “sujeitos monetarizados sem dinhei-
ainda assim mobilizada, para a acu- ro” (Kurz, 1993) ou, para voltarmos
mulação de capital. Perseguindo ain- à problemática apresentada, mobi-
da essa linha de raciocínio é que al- lizados sem trabalho. Nesta condição
cançamos o ponto afirmado acima, enfrentam as condições mais abjetas
de que a contradição fundamental do e degradantes de trabalho, também
capital residiria num nível mais pro- porque o incremento da superpopu-
fundo do que aquele da queda ten- lação relativa acentua a níveis cruen-
dencial da taxa de lucro. Se, de um tos a já presente concorrência no mer-
lado, o incremento da produtividade cado de trabalho.
vem expulsando em termos absolutos Estaríamos aqui frente àquilo que
a população trabalhadora dos proces- Postone (2014) discute, a partir dos
sos produtivos; de outro, o capital está Grundrisse de Marx (2011), como
serrando o próprio galho no qual as- a tensão crescente entre o tempo de
senta sua acumulação, uma vez que é trabalho socialmente necessário di-
a exploração do trabalho que produz minuído a níveis sem precedentes na
a mais-valia e garante a reposição dos história da modernização e o tempo
pressupostos da reprodução ampliada. de trabalho supérfluo, relativamente
Nesse sentido, a contradição residiria aumentado, donde o segundo, apesar
numa reprodução do capital cada vez de sua própria característica, reconsti-
16 mais crítica, porque desubstancializada. tui-se sob a forma do primeiro. Assim,

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essa massa trabalhadora não se torna outra verdade, sua outra verdade:
imobilizada, nem mesmo quando não práticas de controle do trabalho e
do trabalhador (Vainer, 1984, p. 21).
consegue se reproduzir pelo trabalho,
uma vez que a única alternativa para
a mesma segue sendo essa forma de Como assinala Vainer (1984), a
mediação social. perspectiva da mobilidade do tra-
balho permite desvendar por detrás
Mobilidade como categoria de ad- da miríade de políticas elencadas na
ministração de crise? citação acima, intenções políticas que
Agora se faz possível retornarmos revelam precisamente seus interesses
ao ponto de partida, levando em con- de classe, já que se configuram como
sideração o que dissemos até então. A formas particulares de dominação da
disputa política registrada por Vainer classe trabalhadora. Em outras pala-
(1984) e consubstanciada na produção vras, revelam a redução do trabalho
dos discursos sobre os deslocamentos, a objeto da gestão, sobretudo estatal,
que aponta tanto para práticas de sendo possível identificar uma teo-
organização do espaço, como para ria sobre o Estado e também sobre a
a gestão dos fluxos migratórios e de dominação, que subjazem a essa per-
combate aos problemas que provo- spectiva, ao acusar a teoria neoclás-
cam ou que são provocados pelas mi- sica de silêncio acerca de seu com-
grações, oculta a mobilidade como promisso ideológico com as classes
característica do trabalho, ignoran- dominantes.
do-se a determinidade deste último A grosso modo, parece-nos possível
como fundamento do processo de afirmar que se a teoria neoclássica vê o
produção e acumulação capitalista. migrante, ou trabalhador, como senhor
Nesse sentido, quando se discute o su- de seu próprio destino, delineia-se
perpovoamento das cidades, a existên- uma sociedade que funciona e se move
cia de “vazios” populacionais em de- a partir da somatória dos desejos de
terminadas regiões ou a desorientação cada sujeito, sem quaisquer constrangi-
dos fluxos migratórios, como sugere mentos permeando suas trajetórias
Póvoa Neto (1997, p. 14), geralmente de trabalho e deslocamentos. Dito de
se tem em mente uma boa alocação outro modo, afigura-se uma socie-
do trabalho como fator de produção. dade mercantil (Smith, 1988) na qual as
O mesmo também acontece quando trocas voluntárias entre os sujeitos ten-
estudos de planejamento identificam dem ao equilíbrio, apagando-se o papel
ausências ou deficiências no desen- que o Estado joga, seja na constitu-
volvimento regional responsáveis por ição das próprias relações capitalis-
produzir processos de expulsão dos tas, seja em sua manutenção e repro-
migrantes: nesses casos o trabalhador dução ampliada. Já do ponto de vista
também se encontra pressuposto, da perspectiva histórico-estrutural,
estando em discussão somente as for- o sujeito migrante e/ou trabalhador,
mas para garantir sua reprodução que como já afirmamos acima, emerge
permitam evitar o inchaço urbano (e como puro objeto da política, donde
os problemas derivados do mesmo) o Estado se afigura como sujeito ab-
ou a crise de abastecimento de tra- soluto da reprodução social, perden-
balhadores no campo. do-se a dimensão subjetiva do sujeito
Políticas de organização territo- sujeitado à liberdade contraditória da
rial, políticas urbanas, regionais, mobilidade do trabalho. Destarte, não
migratórias, etc., podem ver os dis- Revista do Programa de
cursos e mecanismos que acionam
obstante a filiação de Vainer (2000) Pós-Graduação em Geografia e
com vistas ao controle do espaço e à perspectiva da mobilidade do tra- do Departamento de Geografia
da UFES
de seus desequilíbrios serem des- balho, consideramos possível suger- Julho - Dezembro, 2017
vendados e deixarem aparecer uma
ir que ele ainda permanece próximo ISSN 2175 -3709 17
da perspectiva histórico-estrutural, e tecnocratas, também das migrações
por não dar a devida atenção, assim e dos deslocamentos, não tratam de
Revista do Programa de como Gaudemar (1977), ao significa- uma realidade que lhes é externa,
Pós-Graduação em Geografia e
do Departamento de Geografia do da dimensão subjetiva do sujeito tampouco objetiva, no sentido posi-
da UFES sujeitado à mobilidade do trabalho tivista. Ao contrário, inserem-se tanto
Julho - Dezembro, 2017
ISSN 2175 -3709 (aspecto mais tarde confirmado em no processo de mobilização para o tra-
livro do último intitulado La movi- balho que é geral (como trabalhadores
lización general), por carecer de uma complexos) como também podem
teoria sobre o trabalho enquanto pensar e agir somente a partir das
abstração real e forma de mediação mesmas categorias que simultanea-
social historicamente específica. Dese- mente conformam o comportamento
jamos apresentar uma noção crítica da dos migrantes.
dominação que permita ultrapassar a Se, como dissemos acima, diante
maneira como Carlos Vainer (1984) e da crise do trabalho provocada pelo
Jean Paul de Gaudemar (1977) a com- desenvolvimento exponencial das
preendem, enquanto encobrimento forças produtivas, a população tra-
ideológico da luta de classes, portanto balhadora e/ou migrante se encontra
das relações sociais de produção, don- apenas negativamente liberada do
de os trabalhadores figurariam como trabalho, a camada dos trabalhadores
uma totalidade apartada e contrária complexos, tecnocratas e pesquisa-
ao capital, mobilizados puramente dores, também nos encontramos en-
pelos desígnios deste último. cerrados por esta mesma forma social.
Se para Marx o trabalho, desdo- Nesse sentido, se de um lado a crise
brado da forma-mercadoria, carac- do trabalho também desencadeia
teriza-se enquanto uma forma de ser piora nas condições de exercício da
[Daseinsformen] ou determinações mobilidade do trabalho deste grupo
de existência [Existenzbestimmun- particular do mercado de trabalho,
gen] (Postone, 2014), não poden- por outro o aparato que os abriga
do ser compreendido num sentido enquanto trabalhadores – o Estado e
ordinariamente econômico, já que suas diversas instituições como uni-
decididamente informa as categori- versidades, agências de desenvolvi-
as de pensamento modernas, como mento, dentre tantas outras – também
demonstrado por nós anterior- sofre com os desdobramentos críticos
mente, faz-se imprescindível levar da desubstancialização do capital as-
em consideração seu caráter como sinalada acima. Em outras palavras
realização subjetiva. Não apenas no e de maneira muito sucinta, se o Es-
sentido da ação política do sujeito tado, enquanto aparato, estrutura-se
submetido à mobilidade, mas simul- por meio da tributação do valor e da
taneamente como processo de inter- mais-valia produzida pelas relações de
nalização da lógica do trabalho e da trabalho no mercado, e esta começa a
mediação da mercadoria por estes ser abalada enquanto fundamento da
mesmos sujeitos. Aqui nos referimos reprodução social, começa a se tornar
à constituição objetiva – subjetiva da inevitável o estreitamento do raio de
sociedade moderna, que se constitui, ação estatal (cf. Kurz, 1998).
portanto, simultaneamente como su- Assim, consideramos plausível
jeito e objeto dos processos por meio sugerir que a produção de conheci-
dos quais se reproduz. mento científico e suas disputas se en-
Na sociedade moderna a aparência contram encerradas na jaula de ferro
é real, e o sujeito é personificação dos da administração estatal da crise do
processos sociais que se reproduzem trabalho. E exemplos da veracidade
por meio dele, mas também para além desse prognóstico não faltam. Basta
18 dele. O que significa que os estudiosos olharmos para os últimos quatorze

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anos da política em nível federal e um objeto sem precondições, porque


as relações sociais e os conceitos estão
veremos um vertiginoso aumento da ligados. Migrante e pesquisador estão
participação do Estado na difusão de sujeitados à razão do cotidiano. Para
programas de transferência de ren- ambos existem como matriz a priori
trabalho, dinheiro, direito, estado etc.
da condicionada, disponibilidade de É por isso que a ciência, em seu sen-
crédito de diversos tipos (empresarial, tido tradicional, não serve. [Aponta-
mos] para a necessidade da crítica,
individual, familiar), encarceramento que assim difere da habitual atividade
em massa, implantação de infraestru- científica. (Heidemann, 2010, p. 26)
turas como hidrelétricas (movendo
novos processos de mobilização para O que buscamos com essas re-
o trabalho), majoritariamente alimen- flexões não tem caráter meramente
tados por capital fictício ou indireta- epistemológico, partindo da clas-
mente alimentando-o. Nesse sentido, sificação e da crítica às abordagens
as políticas econômicas e territoriais existentes da teoria migratória para,
parecem definitivamente se despir de reconhecendo seus limites, propor
seu véu de uma neutra alocação de uma perspectiva capaz de descrever
recursos tendo em vista a otimização de maneira mais fiel ou complexa a
dos processos produtivos, expondo realidade que observamos. Ao con-
cruamente aquilo que Vainer (1984) trário, buscamos uma reflexão críti-
acusava estar escondido – o controle ca que permita não apenas pensar
dos trabalhadores –, não obstante a na mobilidade (nem tampouco nos
prescindibilidade dos corpos pelo restringirmos a tentar resolver os
capital expor a nu tal estratégia como problemas que a ocasionam ou pela
gestão populacional tautológica, ou mesma parecem ser provocados), mas
como querem os leitores de Michel que também permita pensar a nós mes-
Foucault (2008), como pura biopolíti- mos, enquanto sujeitos sujeitados mo-
ca. Em outras palavras, parece não se bilizados. Criticando, pois, os limites
tratar mais da inclusão ou destruição dentro dos quais podemos nos realizar
de formas não-tipicamente capitalis- como os trabalhadores que explicam
tas de produção tendo em vista a óti- para a sociedade o que ela é, tanto no
ma alocação dos fatores de produção que diz respeito à forma de realização
para a acumulação de capital, pois do nosso trabalho como também aos
este último parece ter historicamente seus conteúdos.
esgotado suas possibilidades. Ou seja, para além de dar destaque
para as importantes contribuições da
perspectiva teórica da mobilidade do
CONCLUSÃO trabalho, na medida em que nos per-
mitem reconhecer os limites da referi-
Sugerimos, portanto, que o pro- da separação entre as determinações
cesso histórico pregou uma peça em estruturais reivindicadas pelo enfo-
cada uma das interpretações sobre a que histórico-estrutural e a vontade
migração aqui apresentadas e discuti- subjetiva reivindicada pelo neoclássi-
das, cada uma a seu modo, e que en- co nas explicações sobre as migrações
quanto as mesmas não forem capazes e reconhecer esses mesmos discursos
de se voltarem criticamente para seus bem como os mecanismos que eles
próprios pressupostos, o recrudesci- acionam como formas de controle do
mento da reprodução social só jogará espaço, do trabalho e do trabalhador,
mais água no moinho da gestão estatal buscamos avançar numa crítica
Revista do Programa de
populacional que adquirirá feições aos limites desse próprio enfoque Pós-Graduação em Geografia e
cada vez mais violentas: mostrando como, ao esbarrar em uma do Departamento de Geografia
da UFES
Não há para o estudioso das mi- leitura ontológica da categoria de tra- Julho - Dezembro, 2017
grações um objeto externo, não existe balho, o mesmo não oferece condições ISSN 2175 -3709 19
para o estabelecimento dos nexos entre cial. Aqui a relação entre ciência e ação
a crítica da mobilidade do trabalho se- política aparece criticamente desvelada,
Revista do Programa de gundo a qual se reproduzem os objetos mas não apenas ela. Também se desve-
Pós-Graduação em Geografia e
do Departamento de Geografia das pesquisas desenvolvidas e a crítica da lam os limites da própria problema-
da UFES mobilidade do trabalho segundo a qual tização daquela relação num contexto
Julho - Dezembro, 2017
ISSN 2175 -3709 se reproduzem os sujeitos dessas mes- em que a crítica tem de confrontar um
mas investigações igualmente sujeita- planejamento tornado cada vez mais
dos ao trabalho enquanto relação so- gestão estatal da crise do trabalho.

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Revista do Programa de
Pós-Graduação em Geografia e
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da UFES
Julho - Dezembro, 2017
ISSN 2175 -3709 21

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