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Sayao Milagres PDF
Sayao Milagres PDF
LUIZ SAYÃO
MILAGRES
C. S. Lewis, Milagres
A questão dos milagres e de como eles podem ou devem ser interpretados na história
do pensamento humano e das religiões com suas experiências e afirmações está de fato
relacionada com a cosmovisão de cada perspectiva. Na verdade, há um pressuposto
subjacente que controla nossa maneira de pensar e crer, às vezes inconsciente, sobre cada
aspecto da vida e da realidade. Podemos, em linhas gerais, admitir que temos três
perspectivas fundamentais sobre os milagres, se consideramos o propósito de nosso estudo.
Fé no Deus
Fé nos sentidos. Fé no espiritual.
criador. Existem
Não há milagres. Manipulação da fé.
MODO DE VIDA milagres.
Pessimismo final. Esperança fluida.
Esperança futura.
Ética relativa. Ética relativa.
Conduta ética.
Realidade Última
Infinitos
Finito Infinito
(Nenhuma concepção)
Um Deus infinito e
pessoal está alem do
universo, mas age no
mesmo.
Teísmo
DEUS
ESTADO
SATANÁS DEUS
A realidade dos milagres é ponto pacífico nas Escrituras Sagradas. Deus não só criou o
universo, como continua agindo nele e muitas vezes o faz de maneira sobrenatural. É muito
mais difícil criar o universo do que agir de modo milagroso numa situação específica. Todavia,
para a visão bíblica da realidade, criação e intervenção milagrosa são obras do mesmo Deus
bondoso e todo-poderoso.
Portanto, os milagres são muito importantes nos evangelhos e também em Atos. Jesus é
apresentado nos evangelhos como o Messias prometido e como Filho de Deus, e vamos
sempre vê-lo fazendo grandes prodígios, comprovando sua origem divina e seu poder
incomparável.
O testemunho dos evangelhos é claro e marcante. Milagres e curas aparecem por toda parte.
O primeiro evangelho, por exemplo, vai mostrar que os milagres são parte essencial do
ministério de Jesus e estão diretamente ligados à missão e mensagem do Messias:
Num mundo cheio de crises, doenças e insuficiências humanas nada pode chamar mais
atenção do que uma cura milagrosa realizada pelo poder de Deus. Desde os tempos bíblicos,
as pessoas eram atraídas a Jesus por meio da cura. Ainda hoje, milhares de igrejas cristãs em
todo o mundo pregam a cura divina, proclamam o poder físico de Cristo e colecionam muitos
testemunhos impressionantes de milagres que, surpreendentemente, parecem ter sido pouco
investigados. Em todo o mundo, milhares e milhares de pessoas afirmam terem recebido
curas milagrosas e inexplicáveis.
Nos anos recentes muita gente tem ficado confusa com a questão da cura divina e sua
genuinidade e base bíblica. A multiplicidade e a variedade dos movimentos evangélicos,
aparentemente, têm sido marcadas por certo sincretismo em muitos ambientes. Muitos
rituais realizados em ambientes evangélicos do ponto de vista fenomenológico se aproximam
de rituais esotéricos e místicos não cristãos. Isso provoca dúvida e questionamento
generalizado sobre a legitimidade bíblica e teológica do que vemos hoje.
“Em número cada vez maior, homens e mulheres criam no Senhor e lhes
eram acrescentados, de modo que o povo também levava os doentes às ruas e
os colocava em camas e macas, para que pelo menos a sombra de Pedro se
projetasse sobre alguns, enquanto ele passava. Afluíam também multidões das
cidades próximas a Jerusalém, trazendo seus doentes e os que eram
atormentados por espíritos imundos; e todos eram curados”. (Atos 5.14-16)
“Entre vocês, há alguém que está doente? Que ele mande chamar os
presbíteros da igreja, para que estes orem sobre ele e o unjam com óleo, em
nome do Senhor. A oração feita com fé curará o doente; o Senhor o levantará.
E se houver cometido pecados, ele será perdoado”. (Tg 5.14-15)
Afinal de contas, será que os movimentos mais místicos de nossos dias estão corretos
em suas práticas? Como entender a questão? Como entender e aplicar esses textos? Como
agir na prática diante da questão?
Os relatos dos “lenços e aventais”, da “sombra de Pedro” e “da unção com óleo” em
Tiago têm sido considerados difíceis de interpretação pelos teólogos mais tradicionais.
Geralmente a maioria deles irá sugerir que estes textos são apenas históricos e
contextualmente dependentes. Eles teriam a ver com a época em que surgiram e não se
aplicariam aos nossos dias, conforme alguns. Isso os tornaria não normativos para nós hoje.
Todavia, essa avaliação não subsiste a um exame exegético coerente. Vários argumentos
teológicos sobre temas como batismo, governo de igreja, contribuição, entre outros, são feitos
com base em passagens históricas de Atos, por exemplo. Com o mesmo argumento
poderíamos entender que todos esses temas também poderiam ser limitados ao contexto em
que foram comentados. Como entender então a questão? Seria o cristianismo do Novo
Testamento semelhante aos cultos místicos de hoje? Se era semelhante, em que medida? Isso
é válido para nós hoje?
é demonstrada pelo “lenço”, pela “sombra”, pelo “óleo”, pela “saliva com barro nos olhos”,
pelo “toque nas vestes”, “pelo levantar-se da maca”, etc. Não há poder no objeto, mas há a
manifestação do poder de Deus mediante a fé demonstrada. Assim, o enfermo é conclamado
a expressar a fé de maneira bastante concreta e prática. Portanto, deve ser observado que em
todos os casos de cura no NT os elementos concretos presentes são sinais da fé que existe no
doente ou em alguém que o auxilia ou o acompanha. Nos textos acima citados, vemos que
Paulo não distribuiu (nem vendeu) lenços e aventais. A iniciativa não veio dele. Ao contrário,
isso foi feito de modo espontâneo pelo povo. O mesmo pode ser observado no caso da sombra
de Pedro. Até mesmo, no texto de Tiago, a unção com óleo não era praticada a partir dos
líderes (presbíteros) da igreja. Ao contrário, a ação tinha início com o doente. Observe a
clareza do texto da NVI aqui: “que ele mande chamar os presbíteros”. Ao convocar os
presbíteros para a unção com óleo, o doente estava demonstrando a sua fé. A lógica das curas
que vemos na prática de Jesus e dos apóstolos é semelhante ao convite que se faz a uma pessoa
para “vir à frente” afirmando que recebeu a Cristo. “Vir à frente” é uma demonstração de fé
concreta. Isso é bastante diferente do enfoque místico não cristão, a perspectiva mágica da
realidade.
ver quem tinha feito aquilo. 33 Então a mulher, sabendo o que lhe tinha
acontecido, aproximou-se, prostrou-se aos seus pés e, tremendo de medo,
contou-lhe toda a verdade. 34 Então ele lhe disse: “Filha, a sua fé a curou! Vá
em paz e fique livre do seu sofrimento”.
Nesse texto vemos que aparentemente “o manto” de Jesus curou a mulher que sofria
de hemorragia. Como nos casos do “lenço”, da “sombra” e do “óleo”, aqui temos também o
“manto” no centro da cura recebida. Todavia, o texto deixa bem claro que o “manto” não tem
poder para curar. Não é um objeto sagrado. A prova é que todo mundo estava tocando no
manto (v. 31) e nada de especial estava acontecendo, porque o manto não tinha poder em si.
Não havia qualquer energia espiritual armazenada na roupa de Cristo. Se assim fosse, todo
aquele que nela tocasse era curado automaticamente. Todavia, ao expressar sua fé de modo
prático, a mulher enferma cria que bastava “tocar no manto” que seria curada. E ela foi! Sua
cura se deu não por causa do manto, mas por causa de sua fé (v.34), conforme as próprias
palavras de Jesus: “Filha, a sua fé a curou!”
Portanto, a igreja pode e deve orar pelos doentes com muita fé. Afinal, cremos num
Deus vivo, bondoso e poderoso. Não há nenhum problema em pedir cura e suplicar por um
milagre. Não há problema nem mesmo em ungir pessoas com óleo (Tg 5.14) ou em fazer
reuniões de oração que orem por cura e livramento. Todavia, unção com óleo ou reuniões
desse perfil também não precisam se tornar uma prática obrigatória. No entanto, deve ficar
bem claro que as práticas da igreja cristã ligadas à cura divina não podem cair no animismo
e no fetichismo pagão presentes na religiosidade popular, influenciados por uma cosmovisão
panteísta pagã. É necessário fugir desses equívocos sem deixar de crer no Deus pessoal e
soberano que cura milagrosamente, mas que também muitas vezes permite a dor prolongada
daqueles a quem ama. Às vezes, a cura é milagrosa como no caso do “lenço”, às vezes Deus
trabalha em nossa vida pelo “sofrimento”.
Não há dúvida de que a grande pergunta que qualquer um de nós faria diante da
questão das curas e milagres é: Afinal, os dons milagrosos não são bíblicos? Por que muitas
igrejas não os praticam nem os incentivam? É exatamente por causa de uma pergunta como
essa que muitos sentem-se confusos, pois creem na Bíblia e na sua relevância para a nossa
prática, mas percebem o extremismo de algumas posições. Vamos avaliar a questão
especialmente a partir do que é discutido por Paulo em 1 Coríntios 12.
Deve estar claro que nem tudo que aparece num texto bíblico pode ser praticado
literalmente. É preciso entender o texto. Todos nós sabemos que não há nenhum grupo
cristão no mundo que pratique literalmente tudo o que aparece na Bíblia. Se fôssemos literais
em tudo, arrancaríamos os olhos (Mt 5.29), lavaríamos os pés de todos (Jo 13.14), as mulheres
não poderiam falar na igreja (1Co 14.34), deveríamos vender todos os bens e dar tudo aos
pobres (Lc 18.22), etc. É por isso que precisamos saber fazer uma correta interpretação da
Bíblia. Não podemos ser guiados apenas por nossos preconceitos e inclinações pessoais, mas
precisamos ser coerentes em nossa tentativa de entender a Palavra de Deus.
Essa posição radical é pouco encontrada, mas ainda é defendida por alguns evangélicos
muito tradicionais. Pelo fato de não se discutir esses dons em nenhuma outra carta do Novo
Testamento e devido à realidade de que os coríntios tinham um comportamento muito
repreensível, alguns acreditam que as manifestações daquela igreja nada tinham de
espiritual. Segundo essa posição, manifestações como línguas estavam mais relacionadas com
o paganismo da cidade de Corinto. Estaríamos vendo em Corinto uma imitação das práticas
vindas do contexto pagão. Essa posição não tem fundamento bíblico. O próprio texto bíblico
nos diz que os dons são espirituais, dados por Deus e mesmo que concordemos que a
carnalidade corintiana e o paganismo local influenciassem a maneira de comportar-se dos
crentes de Corinto não podemos aceitar que os dons em si eram fruto da carne ou do
paganismo.
exegética séria do texto não permite que se entenda 1Coríntios 12 e 14 dessa forma. O texto
fala claramente de capacidades extraordinárias dadas por Deus. As línguas do Novo
Testamento não foram apreendidas, as curas eram sobrenaturais. Temos de ser honestos para
com a passagem bíblica. Não podemos negar o sentido do texto, para defender nossa própria
posição.
na vida cristã. Uma igreja sem dons é uma igreja fria e sem espiritualidade; jamais tal igreja
poderá cumprir sua missão diante Deus, pois carece das úteis ferramentas do Espírito para
realizar a obra de Deus. Há outro aspecto dessa interpretação, muito importante, que deve
ser citado aqui. Essa posição é basicamente uma interpretação escatológica. De acordo com
essa visão, o primeiro grande derramamento de poder, conhecido como "as primeiras
chuvas", ocorreram no Pentecoste e na igreja primitiva, "as últimas chuvas", o derramar do
Espírito "apoteótico", que antecede a Segunda Vinda de Cristo, estaria acontecendo em
nossos dias. Não é difícil de entender que essa explicação dá um significado especial aos
movimentos que surgiram no século 20. A maioria dos movimentos pentecostais surgiram
ligados a tendências escatológicas que enfatizam o iminente fim do mundo.
Além disso, apesar de ser muito difícil provar que esses dons cessaram na época do
Novo Testamento, devemos aceitar que os milagres tiveram um papel preponderante no
contexto da igreja primitiva. Não podemos exigir que todas as épocas da história manifestem
milagres e sinais como os mesmos ocorreram na era apostólica. Devemos reconhecer a época
apostólica como singular. Ainda que Deus seja poderoso para fazer o que bem desejar, não
podemos exigir dele que tudo o que aconteceu na era apostólica repita-se hoje.
Isso não quer dizer, porém, que os dons não podem jamais manifestar-se. Deus é
soberano e pode fazer com que curas, línguas, profecias (não no sentido de revelação bíblica)
aconteçam, conforme o seu próprio propósito. Há registros de missionários que chegaram a
falar a língua de pagãos sem conhecê-la. Há até mesmo cristãos tradicionais que
testemunham a cura sobrenatural que receberam. Podemos até mesmo afirmar que Deus
pode agir de maneira especial em certos contextos, conforme sua infinita sabedoria e seu
propósito. Não devemos negar o poder de Deus, nem devemos atribuir a Deus milagres que
não sejam autênticos.
comunidades desse tipo são a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e a Igreja
Internacional da Graça.
7. A batalha espiritual. Não só tudo vem do demônio, mas estamos numa batalha
espiritual quase física. Cada problema é relacionado com um demônio específico. Até
a linhagem das pessoas é dominada por demônios, ligados a maldições em suas vidas.
Criam-se, inclusive, métodos específicos de lutar contra os demônios. Os espíritos
territoriais, que dominam certas cidades, são vencidos por meio de métodos especiais.
8. O clientelismo como relação igreja-fiel. Os novos grupos representam uma mudança
significativa na relação igreja-fiel. Não há mais membro de igreja no sentido comum.
As novas igrejas funcionam como pronto-socorro espiritual. São enormes, atingem
massas. Os fiéis vão buscar a bênção no espaço sagrado da igreja. Agem como clientes.
9. A relação com o catolicismo e outros cultos. O novo movimento confronta o catolicismo
e a umbanda. Todavia, condenam tais cultos, mas acabam apropriando-se de
elementos desses cultos. Há um certo sincretismo.
10. Movimento marcado pelo uso da mídia. O neopentecostalismo aprofundou muito esse
uso. As novas igrejas são especialmente marcadas pelo uso da televisão. Há programas
de televisão diários. Marcadas pelo clientelismo, funcionam com um poderoso sistema
de marketing.
A leitura simples de alguns textos mostra como isso não subsiste. Em primeiro lugar,
basta ver a história de Jó e dos profetas de Israel para ver como isso nunca aconteceu nem no
AT. Tanto é verdade que textos como o Salmo 73 falam da prosperidade dos ímpios. Quando
lemos o NT então, o quadro é muito claro. Os apóstolos são presos e martirizados; João
Batista morre degolado; os crentes da Judeia recebem a oferta da Macedônia por enfrentarem
necessidades físicas. Não tinham eles fé? Estavam presos por um espírito mau? De modo
nenhum. Não há dúvida que Deus quer o melhor para nós. Mas muitas vezes ele nos permite
enfrentar situações difíceis para o nosso próprio bem. Nem sempre as riquezas são a melhor
"bênção". É verdade que um bom crente, competente, tende a prosperar na vida, mas não se
deve pensar que quem está com problemas financeiros esteja em pecado ou longe de Deus, e
muito menos podemos acreditar que os ricos estão espiritualmente bem. Devemos saber
enfrentar qualquer situação, como Paulo, que aprendeu a estar contente na fartura e na
dificuldade.
Como tratar os textos que falam de cura? Cristo levou as doenças? Por que adoecemos?
O problema é falta de informação. Em primeiro lugar, vemos que os crentes do NT ficavam
doentes e muitas vezes não foram curados como foi o caso de Timóteo com seu problema de
estômago (1Tm 5.23), de Trófimo (2Tm 4.20) e do próprio Paulo (2Co 12.7-9). Além disso, a
obra da redenção ainda não está concluída. Cristo, sem dúvida alguma, venceu a morte; mas
que cristão crê que não morrerá? Cristo venceu o pecado; mas nós sofremos tentações e
lutamos contra a carne. Do mesmo modo Cristo venceu as enfermidades, mas isso não
significa que não vamos adoecer. O pleno usufruir de todas as bênçãos da redenção só será
possível depois da ressurreição, na vida eterna. Quem quer antecipar essa realidade, está
equivocado. Podemos pedir que Deus nos cure e nos restaure a saúde, pois ele é poderoso
para fazê-lo, mas não podemos exigir isso.
A ênfase nos demônios é muito grande. Há grupos que estabelecem uma longa lista de
determinados demônios relacionados a certos problemas específicos: demônio da bebida, do
machismo, da pobreza, etc.
Ninguém pode negar a existência de espíritos maus. É uma realidade afirmada pelo
Novo Testamento, e confirmada pela experiência do cotidiano. O grande problema é entender
que tudo é demoníaco e criar estratégias místicas para combater os espíritos maus. Nesse
contexto de “batalha espiritual” o novo movimento apresenta atitude intrigante. Reage de
maneira forte e agressiva contra o catolicismo e os cultos afro-brasileiros, mas ao mesmo
tempo se apropriam dos elementos mágicos tanto do catolicismo como da umbanda. As
práticas já iniciadas pela onda de cura divina dos anos 50 ganham força e se multiplicam com
os novos grupos. Assim, a fogueira santa de Israel, o sal ungido, o óleo santo, a noite da mesa
branca, a fita de Jesus, etc. funcionam como relíquias mágicas que servem para fazer as coisas
funcionarem no mundo espiritual. Essa magia aproxima-se do paganismo, numa tentativa de
manipulação da divindade por meio de práticas que permitam a libertação de forças
espirituais.
Todos nós temos problemas físicos, e deles sofremos até por razões genéticas. Existe
tendência à depressão, ao diabetes, etc. Isso não é causado por demônios. Há também
problemas psicológicos. Há quem tenha sofrido traumas na infância, sofra complexos e
dificuldades que precisam ser tratadas com sabedoria, afeto e ajuda espiritual. Isso quer dizer
que a causa imediata de muitos dos nossos problemas não é um espírito mau. A verdade é que
muito do nosso sofrimento procede de erros, pecados e atitudes impensadas, cujos resultados
colhemos agora. É muito fácil colocar toda a culpa no diabo. É muito cômodo afirmar que não
fomos nós que erramos, e sim um demônio. Quando Paulo trata dos problemas das igrejas do
Novo Testamento, ele o faz apelando à capacidade de compreensão dos princípios de Deus e
possibilidade de obedecer-lhes. Timóteo não tinha um demônio no estômago, os coríntios não
estavam possessos, Pedro tornou-se repreensível por agir deliberadamente de modo incorreto
e não por estar dominado por espíritos maus. Não se pode dizer que tudo é problema
espiritual. Ouvimos falar de espíritos territoriais, de pessoas amaldiçoadas, dominadas por
demônios por gerações (mesmo sendo crentes!), mas nada há no Novo Testamento que ensine
isso. Paulo nunca quebrou maldição de ninguém, apesar de ter evangelizado pagãos ímpios,
nunca passeou em volta de Éfeso nem Corinto para "libertar" a cidade dos espíritos
territoriais.
A. O Uso Mágico da Bíblia. Muitos grupos hoje têm incentivado um uso mágico das
Escrituras. A Bíblia funciona como uma espécie de amuleto. Basta a presença do
livro sagrado para assustar os demônios. Quantas residências possuem Bíblias
abertas em determinados trechos para deixar a casa livre da atuação maligna. Uma
das passagens preferidas para essa prática é a do Salmo 91, o qual, ironicamente foi
usado por Satanás para tentar a Jesus! Isso não tem fundamento bíblico. Deus quer
que leiamos e estudemos a Bíblia, para que aprendamos seus princípios e os
coloquemos em prática em nossas vidas. As Escrituras não são um amuleto. Aqui
encaixa-se também a confissão positiva. É a ideia de que não se deve mais orar,
pedindo a Deus que nos abençoe. Essa é uma oração sem fé. Deve-se tomar posse
da bênção, declarando que já a obteve. Prega-se uma ousadia diante de Deus, para
que alcance o que se deseja. Assim, quando o fiel declara que recebeu o que Deus
prometeu, com toda a certeza, ele o receberá. É quase uma formulação mágica do
tipo “abracadabra”.
B. O Uso literalista. Não é difícil perceber que não é possível colocar em prática um
versículo bíblico isolado. Se não avaliarmos o contexto, a época em que foi escrito,
a motivação do autor e os aspectos literários vamos cometer erros graves, mesmo
sendo sinceros. Se fizemos com certos textos o que alguns grupos fazem com outros
a igreja será uma loucura. As mulheres não poderiam falar na igreja, poderíamos
manter escravos, viver em poligamia, exaltar a vingança e até esperar mensagens
divinas de uma jumenta! Muito do que parece bíblico, na verdade não faz sentido,
é fruto de ignorância e contradiz princípios bíblicos inquestionáveis.
C. A Preponderância do Antigo Testamento. As igrejas neopentecostais mostram
predileção por textos do AT. E a maioria das pregações é baseada em textos
narrativos. Haverá algum problema nisso? Sim! Precisamos reconhecer que a
Bíblia é uma revelação crescente, que se desenvolve progressivamente. Por isso,
vários textos do AT são ultrapassados, isto é, não servem como referencial de nossa
prática cristã. Não podemos praticar poligamia, não devemos entender que bens,
riquezas e gordura representam a bênção de Deus, não devemos matar nossos
inimigos. Muito da música composta em alguns desses grupos enfatizam guerra,
vingança, adorar a Deus no monte ou no templo, práticas ultrapassadas, conforme
o Novo Testamento. Há até quem esteja vivendo um judaísmo mal-entendido!
D. O Uso Alegórico do Texto. Ainda que seja contraditório, vários grupos praticam o
literalismo e o alegorismo ao mesmo tempo. Na verdade, o que controla a leitura
de alguns textos é o intérprete, que defende algumas ideias, mas que não se
preocupa com coerência. A alegoria é a espiritualização de certos textos. Em vez de
entendê-los com base numa boa hermenêutica, procurando o sentido pretendido
pelo autor, o texto é lido "figuradamente". As voltas de Josué em torno de Jericó
servem de base para que a conquista espiritual das cidades de hoje. As cinco pedras
que Davi jogou em Golias são vistas como a pedra da coragem, da fé, do destemor,
etc.
AVALIANDO AS CURAS
Uma análise mais aprofundada de supostas curas irá mostrar que a muitas delas não
parecem ser algo divino nem diabólico. Como podemos chegar a tal conclusão? Vejamos
algumas características encontráveis muitas "curas" praticadas em certos ambientes:
1. Falso Diagnóstico: A pessoa não está doente. É o caso de gente “revelada e curada de
câncer" sem saber que tem a doença. Muitas pessoas ingênuas recebem "curas" de
males que nunca tiveram.
2. Curas de Sintomas Psicossomáticos: Muitas curas são alívio de “dores” de cabeça, nas
costas, no corpo, etc. Os “curados” sentem-se aliviados de uma dor, que não possuem
de fato origem física. A cura não passa de um efeito placebo. Num contexto de muito
emocionalismo sentem uma "melhora". Ao contrário dos milagres contundentes da
Bíblia (ressurreição de mortos, cura de cegos de nascença, de paralíticos, etc.).
3. Curas Momentâneas: Há pessoas doentes, que se sentem "melhor", e se dizem curadas.
Várias pessoas "curadas" morrem logo depois. Alguns até negligenciam medicamentos
e acabam piorando de saúde. Sempre que alguém declarar-se curado de um mal grave
e constatado, é preciso aguardar um certo tempo, para confirmar se ela de fato
aconteceu.
4. Curas Naturais: Há pessoas que estão temporariamente doentes, sofrendo de males
que saram naturalmente com a própria reação do organismo. Há muitos testemunhos
sobre crianças que foram curadas "milagrosamente" de doenças comuns na infância,
as quais na verdade desaparecem com o decorrer da idade. Muitas das "curas"
ocorreram naturalmente, mas são atribuídas ao "poder" de certa oração.
5. O Ambiente da Cura: Muitas "curas" acontecem com hora marcada. É necessário que
o líder esteja presente e realize os milagres. Os cultos são muito emotivos, muito
demorados e que os milagres acontecem invariavelmente no final. A pergunta que
precisa ser levantada é: "A estrutura dos cultos, aliada à estrutura eletrônica
(instrumentos, som alto, etc.) não são fatores que podem induzir pessoas a se acharem
curadas momentaneamente? Existe paralelo bíblico disso? Muitas são as curas bíblicas
realizadas na quietude e no contato pessoal e individual (não de massa).
6. A Segurança dos “Pregadores de Cura”: Diante de tanta propaganda de curas, espera-
se que todos sejam "bem atendidos". Como fica a situação dos que não são curados?
Muitos pregadores de cura não prestam conta de suas promessas. O que afirmam
garante-lhes plena segurança: quando alguém não é curado é porque está em pecado
ou porque não tem fé. Assim, além de enferma, a pessoa ainda sai deprimida, pensando
Apesar dessa avaliação crítica, quero reiterar que Deus cura. Não duvido de que alguns
casos de cura são de fato verídicos, inclusive em ambientes controversos. Pessoas sinceras,
com fé, são, algumas vezes, curadas. Mas, se levarmos em conta a propaganda e os diversos
fatores já alistados, o número de casos possivelmente legítimos é bem pequeno. É provável
que feitas tais considerações não aconteçam muito mais curas verdadeiras em igrejas de
“milagres” do que em outras igrejas. Conheci pastores pentecostais que possuem parentes
portadores de doenças incuráveis, e que foram obrigados a conviver com isso. Já vi casos de
membros comuns de igreja tradicionais, condenados pela medicina, que, mediante a oração
de suas igrejas, recuperaram-se maravilhosamente. Mesmo não sendo muitos, eles
acontecem, sem, receber nenhum alarde.