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17/10/2016 Estudo de um Processo de individuação

Estudo de um Processo de individuação 
no "Exílio"de Lya Luft

Ana Hauser

 ABSTRACT

This paper presents an analysis of the characters in the novel "Exílio" written by Lya Luft. The author of this
article uses the Psychology of Jung to interpret the personalities described in the novel.

INTRODUÇÃO

Lya Luft é uma ficcionista bem sucedida. Suas obras sempre nos reservam algo imprevisível e surpreendente. O que
caracteriza suas obras é o tom intimista. A trama não é linear, a história é reconstituída através de episódios que se
desencadeiam no íntimo de seus protagonistas, que transitam pelo espaço e pelo tempo, criando um clima de sonhos,
ou, mais precisamente de pesadelos.

Sendo ela de descendência alemã, suas narrativas mostram traços expressionistas, tão característicos dos povos
nórdicos, não perdendo, porém, nada na universalidade dos complexos problemas por ela levantados.

Numa entrevista, a escritora atribuiu seu fascínio pelo disforme e pelo escatológico aos contos (Märchen) dos irmãos
Grimm e de Andersen, que escutara na sua infância. Perguntada sobre o porquê de sempre falar da mulher em suas
obras, ela opinou que talvez isto se deva ao fato de ser ela mesma uma mulher.

A nosso ver, estas duas observações da autora são muito objetivas e racionais, pois em suas obras descobrimos
facetas obscuras e escondidas no fundo de nossa psique, que tentamos esconder de nós mesmos, assim como dos
outros, atrás de fachadas objetivas, aparentemente bem construídas, até que estas, por uma razão ou outra,
desabam

Escolhemos a obra "Exílio", para abordá­la como um processo de individuação1, termo esse usado na análise
psicológica junguiana.

Antes de iniciarmos nosso estudo, faremos um resumo desta obra. Tendo em vista a finalidade de nosso trabalho
naturalmente realçaremos,  neste breve resumo,  os fatos que serão mais relevantes para esta.

"EXÍLIO"

A narradora e protagonista, obstetra de profissão, descobre a traição do marido Marcos. Após tentativas
fracassadas de reconciliação e sentindo­se humilhada e desprezada por ele, resolve separar­se. Neste meio tempo
conhece Antônio por quem se apaixona. Logo deixa sua profissão, sua casa e seu filho Lucas de seis anos (por
vontade do próprio menino e por imposição do marido). Vai morar na cidade vizinha onde reside Antônio, com a
intenção de retomar a posse do menino e reiniciar sua vida profissional após casar­se. Até o novo casamento ela vai
morar numa pensão da cidade onde seu irmão Gabriel, doente mental, reside há anos, sob os cuidados do
Enfermeiro.

Nesta casa velha e descuidada, que ela chama de Casa Vermelha, ocorre outro reencontro, este inesperado, com o
Anão, que a acompanhou por alguns anos durante sua infância, até a morte de sua mãe. Esta Casa Vermelha está
situada num morro, atrás do qual há um despenhadeiro, além de que se estende a cidade poluída; frente à sua janela
abre­se uma floresta cercada de arame farpado e, conforme sua descrição, lá longe, o mar imenso e desconhecido.

Pouco a pouco a protagonista reconstituiu o seu passado, ao mesmo tempo em que nos apresenta os moradores da
Casa Vermelha. Desta maneira ficamos sabendo que sua mãe, que ela chama de Rainha Exilada, mulher de porte
real e muito bonita, era uma alcoólatra desde a juventude e, apesar das várias internações para se desintoxicar,
sempre retornava ao vício. Esta mulher era praticamente venerada e resguardada de todos os aborrecimentos do
cotidiano pelo marido, pai dos dois filhos. A protagonista recorda­a como uma mulher distante, que não dedicava
afeto e carinho aos filhos. A falta de afeto da mãe, apesar de minimizada pelo pai, causava­lhe grande sofrimento.

A Rainha Exilada é descrita como alguém que sempre vagava pelos corredores da casa com um copo na mão. Em
cada ponta do corredor havia um espelho, que multiplicava esta imagem.

A menina não desconfiava do vício da mãe até o dia em que, entrando sorrateiramente no quarto dela, encontrou­a
roncando no seu próprio vômito, em nada se parecendo com a imagem de rainha.

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Foi neste momento que surgiu o Anão na sua vida, às vezes aborrecendo, às vezes divertindo, mas sempre seu
companheiro inseparável.

Numa tarde chuvosa, a menina, aborrecida, procura a companhia do irmãozinho (Gabriel) para se distrair e o
encontra dormindo ao lado da mãe, com o bico do seio dela na boca. Ela aproveita a oportunidade para se
aproximar da mãe tão distante. Deita do outro lado e adormece profundamente. Acorda com os gritos das
empregadas, que afastam, as duas crianças do quarto: a mãe se suicidou com um tiro no peito, e as crianças estavam
dormindo ao lado de seu cadáver.

Após a tragédia, o pai leva as duas crianças para passarem uma temporada na casa dos avós paternos, o que deixa
nela uma lembrança muito gratificante.

De volta ao lar, o pai, vendo a tristeza e solidão da filha, a convence a ir para um internato de moças dirigido por
freiras na cidade vizinha, a mesma para o qual ela agora está de volta. Lá encontra uma segunda mãe, desta vez
espiritual, na figura da madre superior, Irmã Cândida. Esta freira desempenha um papel muito importante na sua
vida de adolescente.

Já separada do marido e de volta para esta cidade, a protagonista procura a Irmã Cândida. Ela lhe oferece um
emprego na secretaria do internato, para que o tempo de espera até o casamento se torne menos angustiante.

Gabriel, que na primeira infância aparentemente não era tocado pela tragédia, torna­se aos poucos intratável e tem
que ser internado em um sanatório. Quando o pai morre, e o dinheiro escasseia, ela e Marcos colocam Gabriel com
um enfermeiro na pensão (Casa Vermelha).

Aos poucos ela conhece os outros moradores da pensão. A Mulher Manchada, que tem vitiligo, e esconde suas
manchas usando vestido fechado, e no refeitório lê jornais e revistas, para não ter que conversar com ninguém. As
Moças, a Morena forte, sadia, cheia de vitalidade, e a Loira, apagada, magra, com aparência de doente. A Velha,
uma senhora de idade, que mora no quarto em frente ao dela. As Crianças, duas empregadas feias e desajeitadas, o
Torturador, um homem solitário, que não fala com ninguém e de noite caminha de cima para baixo. Estudantes, que
na pensão só fazem as refeições, e a Madame, dona da pensão, que nunca aparece. Tomamos conhecimento ainda da
Voz Pastosa e misteriosa de uma mulher desconhecida, que ofende com palavrões a protagonista, chamando­a por
telefone. Assim completa­se o quadro bastante sinistro das relações da narradora. O Anão está onipresente com seus
comentários cínicos, mas muito esclarecedores. É sempre imprevisível.

Ela está atravessando uma grande crise emocional por causa da separação. Sente­se insegura e infeliz nesta pensão,
esperando ansiosamente o momento de se juntar a Antônio. Mas ele (ela não sabe explicar por que razão) está
adiando o momento de levá­la para sua casa. Faz algumas vagas alusões a um filho problemático, e ela não indaga
muito, acreditando que isto não irá interferir em sua felicidade ao lado dele.

O Anão, como já foi dito, retoma seu lugar de antigamente ao lado dela, sendo às vezes cínico e grosseiro, às vezes
parecendo adivinhar seus pensamentos e, nos momentos de depressão, consolando­a.

Aos poucos, a protagonista se entrosa com o ambiente e conhece detalhes da vida dos moradores. Através dela
chegamos a saber que as duas moças são amantes muito apaixonadas e não simples amigas, a Moça Loira é muito
doente e sofre de um mal mortal. A Velha, outrora jovem e bem casada, mãe de dois filhos, insatisfeita com a
monotonia do casamento, durante um veraneio na praia, apaixonou­se por outro homem e trai o marido, numa
tarde ensolarada, nas dunas da praia. Durante sua ausência, o filho, menino de três ou quatro anos, não
encontrando a mãe em casa, sai à sua procura e é engolido pelo mar. Ela enlouquece, mas quando velha, recobra a
lucidez. Os parentes a colocam na pensão. Ainda hoje ela espera pelo filho.

Curiosamente, a protagonista, quando olha no espelho, não enxerga a si mesma, mas sim, a sua mãe, a Rainha
Exilada acena de lá. Por isto evita olhar­se no espelho.

Quando sua mãe morreu, ela guardou como lembrança um vidro cheio de comprimidos coloridos. Às vezes, numa
espécie de brincadeira macabra, despeja as "pedrinhas coloridas" em cima de sua colcha.

A floresta misteriosa e inacessível que se estende em frente à sua janela atrai sua curiosidade, com seus macaquinhos
e gatos selvagens.

Porém, como está cercada de arame farpado, é­lhe inacessível.

Ainda hoje ela sente uma espécie de amor­necessidade pela irmã Cândida que, na sua mente, continua sendo uma
mãe substituta da Rainha Exilada, capaz de consolá­la e de ajudá­la.

Sente muita saudade do filho Lucas, que não estava disposto a deixar com ela o lar. Preferiu ficar com o pai, cada
vez mais distanciado da mãe. Ela sente amiúde uma necessidade imperiosa de voltar para trás e retornar a qualquer
preço ao seu antigo lar. Acredita que agiu erradamente, num momento de raiva e orgulho ferido.
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Nos momentos de depressão não come nada, sente dor de estômago e bebe leite gelado. Muitas vezes sente­se tão
impotente como se tivesse as pernas amputadas. Várias vezes ao dia toma um banho de água morna que a
tranqüiliza.

Aparecem duas novas figuras no cenário da Casa Vermelha, um pai com sua filha adolescente, a Menina Gorda,
formando uma dupla grotesca e, ao mesmo tempo, patética.

Finalmente, Antônio convida­a para passar com ele o fim de semana e conhecer sua casa. A partir deste momento,
parece que os acontecimentos se precipitam.

Gabriel, quando está melhor, pinta quadros, em que sempre se apresentam palhaços de vários tamanhos em várias
poses. Desta vez, porém ele mostra para a irmã um quadro diferente: As Sonâmbulas, duas mulheres fazendo amor
na beiradinha do telhado, e alega que ele viu da sua janela esta cena. Dias depois, a narradora é acordada pelo
Anão, que lhe mostra duas mulheres fazendo amor no telhado, tal qual Gabriel as retratou. Ela reconhece nas
mulheres a Loira e a Morena.

Gabriel está entrando num novo surto psicótico, que consiste em expelir suas fezes e espalhá­las pelas paredes,
móveis, piso, etc.. Parece que a solução é interná­lo novamente.

A Voz surge mais uma vez, mas desta feita a protagonista consegue enfrentá­la e mandá­la à "merda".

Chega o fim de semana tão esperado, e ela vai à casa de Antônio. Encontra nos braços dele um adolescente
vegetativo, razão da sua indecisão. Ela se revolta contra Antônio, que não lhe contou a verdade, rechaça seu filho
"repugnante", assim como chora seu destino tão cruel. Não admite a idéia de conviver com o Menino Monstruoso e,
tendo um ataque, rompe com Antônio.

A Morena visita a narradora. Está em pânico: a Moça Loira está morrendo. Efetivamente, dias depois, internada no
hospital, morre. Mais desamparada que nunca, seu único ponto de referência positivo, a Irmã Cândida também
morre.

O Anão descobre uma abertura no arame farpado, e convida­a para passear na floresta. Ela aceita, e lá, ambos
choram amargamente. Numa noite de luar, a Velha também aparece no telhado, e o Anão a protege para não cair.

Ocupada com seus problemas, ela percebe um dia que a Velha foi levada, deixando para trás seu quarto com
filamentos fétidos de água de esgoto.

Os estudantes entram em férias, o Pai e a Menina Gorda também deixam a pensão. Desaparece também o
Torturador.

Ela fica no refeitório com a Mulher Manchada, que já faz alguns dias deixou de esconder suas manchas, e aparece
com vestidos muito decotados, brincos nas orelhas, chamando atenção para as suas manchas. Nesse meio tempo,
aparece frente a sua janela, na calçada, um cego que fica lá imóvel, por horas e horas, com o rosto voltado para a
janela.

Gabriel piora dia a dia e, numa certa tarde, durante a visita da irmã, desenha na parede com as próprios fezes a
palavra mágica, origem do sofrimento: MÃE

Ela está desamparada, pensando em suicídio, e o espelho não mostra mais a imagem da Rainha Exilada. O que
aparece é seu rosto sofrido. O Anão, que adivinha sempre seus pensamentos mais remotos, pega durante a noite o
vidro com as "pedrinhas coloridas" e se suicida, resgatando com este ato a vida da protagonista.

De repente, ela sente que seu lugar não está mais na Casa Vermelha, que é apta a tomar um rumo, reconstruir de
alguma forma mais positiva sua vida. Ainda é madrugada, mas ela se veste às pressas e deixa para trás, tanto o
passado recente, como o remoto, e se embrenha na floresta, versus o desconhecido, versus novo rumo.

ANÁLISE DA FUNÇÃO DOS PERSONAGENS, ESPAÇOS E OBJETOS 
DENTRO DA NARRATIVA.

Para proceder à leitura da novela dentro da nossa perspectiva, torna­se necessário analisar as características dos
seus personagens, espaços e objetos, já que, dentro da concepção da psicologia analítica, a projeção, ou seja, o
processo de perceber as próprias falhas (também as virtudes, mas isso na realidade não é muito importante) e
problemas em outros decorre do fato de que,  em certos estados anímicos, procuramos ambientes e pessoas que
reflitam como espelho o nosso íntimo, sem que o percebamos. Desta maneira, apesar das pessoas, espaços e objetos
existirem concretamente, eles são de certa maneira reflexos interiores de nós mesmos, e por essa razão atribuímos­
lhes tanta importância. Em outras palavras, estes refletem aquilo que nós, de certa forma, negamos enxergar em nós
mesmos. Por essa razão, personagens, espaços e objetos preenchem um papel simbólico no desenrolar da história.

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O fato que mais chamou nossa atenção ao longo da leitura do livro foi que a maioria das figuras femininas, de uma
ou de outra maneira, rechaçam sua função de mulher / mãe, e estão se penitenciando por isto. Por outro lado, a
maioria das figuras masculinas está ligada a uma figura infantil, também se penitenciando por essa condição.

Os espaços que a protagonista descreve também estão estreitamente ligados a ela de forma simbólica.

COMO ENFOCAR OS PERSONAGENS DESTA NOVELA

Hans Dieckmann em Contos de fada vividos 2, chama nossa atenção para o fato de que um conto de fada sempre se
limita a contar os feitos essenciais para o desenrolar do conto, assim como seus personagens sempre têm uma função
precisa dentro da narrativa, ou seja, sempre são personagens chaves.  Na história de Joãozinho e Maria, temos como
personagens o pai, a madrasta, as duas crianças, a bruxa, e, como objetos, as pedrinhas, o pato; como espaços, a
casinha de pão­de­ló, o bosque, o rio.

No caso deste romance, os personagens­chave se encontram espalhados ao longa da narrativa. Explicando melhor, as
projeções tomam formas diferentes, encarnados em vários personagens, mas de uma forma ou outra sempre falam
do mesmo problema.

Cabe mais uma vez chamar a atenção para o fato de que, no discorrer de nossa análise, vamo­nos referir aos
personagens e espaços (objetos) não como se fossem reais, mas como projeções de símbolos profundos da psique da
protagonista, ou seja,  sempre serão referidos à sua personalidade.

Por isso, antes de mais nada, esquematizamos personagens, espaços e objetos, para logo depois nos determos na
análise das funções que estes preenchem.

ARQUÉTIPOS, COMO SÍMBOLOS PROFUNDOS DA PSIQUE

Para entendermos melhor as funções simbólicas dentro da narrativa, torna­se necessário estudar certos termos
junguianos que usaremos ao longo de nossa análise: 
Ref.: Jolande Jacobi: COMPLEXO ARQUÉTIPO ­ SÍMBOLO NA PSICOLOGIA DE C.G. JUNG3

Os arquétipos são imagens virtuais depositadas no que Jung chama "esfera psicóide" de todas as pessoas, sem
limites espaço­temporais. Estes fazem parte do inconsciente coletivo, patrimônio de toda a humanidade. Quando os
arquétipos (qualquer um deles) entra na psique individual, ou seja, se corporifica, já que uma necessidade íntima
assim o exige, este aparece no inconsciente pessoal. A partir deste momento falamos de um símbolo arquetípico. A
característica dos símbolos arquetípicos é que são variados e ambíguos de dificílima definição, já que podem
aparecer tanto de forma positiva como negativa, ou seja, conforme o caso, o mesmo símbolo arquetípico pode
assumir vários significados.

ANIMA / ANIMUS, SOMBRA

C.G. Jung, ao longo de seus estudos, chegou à conclusão de que o homem não é somente logos (razão) e a mulher
somente eros (amor, emoção), mas ambos possuem uma parte feminina e masculina, no que se refere à psique. Ao
lado masculino da psique da mulher deu o nome de Animus e ao lado feminino do homem Anima.

A anima do homem, quando projetado positivamente, denota sensibilidade, afetividade, amizade, senso estético e
gosto pelo belo, pela natureza,  etc..  Projetada negativamente, a anima é manhosa, impressionável, medrosa, etc.. O

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animus, por sua vez, positivamente projetado significa equilíbrio, raciocínio, inteligência, discernimento, etc.
Negativamente projetado, o animus é dominador, tirano, indeciso, instável, egoísta, etc..

Anima e animus pertencem à esfera arquetípica, estão inerentes a nossa estrutura psíquica que, conforme a
oportunidade, podem aparecer sob as mais variadas constelações simbólicas. A sombra, por sua vez, também
símbolo profundo, já é uma aquisição individual da psique, sempre ligada a um complexo pessoal. Na mulher se faz
representar sob forma de figuras femininas, ou outros símbolos femininos, que podem ser espaços, objetos, animais,
etc.., no homem, seriam representados por figuras masculinas etc.., podendo ter tanto significados positivos, como
negativos (C.G. Jung,  O Homem e seus simbolos)4. Devemos esclarecer ainda que tanto a anima e o animus, quanto
a sombra são projeções inconscientes da psique, chamados de complexos; independem do nosso raciocínio e sua
elaboração é um trabalho longo e doloroso, pois os complexos nada mais são que fontes de energia e, se
negativamente direcionados, devem ser recanalizados para fluírem positivamente.

PERSONA

O termo persona significa máscara em grego. Ao apresentarem comédias ou tragédias, os atores colocavam
máscaras que caracterizavam a função do personagem dentro da peça.

Em termos psicológicos junguianos, persona ou máscaras seria aquela fachada, relativamente cômoda, atrás da qual
as pessoas se escondem tanto perante si mesmas quanto perante a sociedade.

PUER AETERNUS

Marie Luise von Franz (Puer Aeternus) 5 denomina assim as pessoas que não querem ou não podem crescer
psicologicamente, ou seja, enfrentar como adultos os desafios da vida. Estas pessoas, quando em dificuldade, tendo
de resolver algum problema grave, apelam a esse seu lado infantil para se livrarem das das responsabilidades que
estes acarretam.

A infância é símbolo de inocência: é o estado anterior ao
pecado e, portanto, o estado edênico simbolizado em
diversas tradições (...) Na evolução psicológica do
homem, atitudes pueris ou infantis – que em nada se
confundem com as do símbolo criança – assinalam
período de regressão. 6

OS PERSONAGENS MASCULINOS

É um fato curioso que os personagens masculinos estejam ligados a uma figura infantil. Tentaremos, a seguir,
analisar o porquê desta estranha união. A princípio, podemos dizer que estas uniões representam os dois lados do
animus da protagonista, sempre negativos, como veremos a seguir, justamente por sua ambigüidade. Esta
representação homem + puer sofre variações, de acordo com as personagens.

O Pai: é escravo da Rainha Exilada, ou seja, está dominado por um princípio feminino e autodestrutivo. É uma
figura masculina frágil, dependente, hipersensível e dominado.

Marcos + Lucas: Marcos é um homem extremamente egoísta, não consegue desistir de nada, feito à imagem de
Lucas, que também é infantilmente egoísta.

Antônio + filho doente e inválido: ele é, entre as variações, o animus mais ambíguo. Está muito doente,
irremediavelmente ligado a este "puer" monstruoso, incapaz de lutar. No momento crítico, apela para este seu lado
doente.

Pai cafona + Menina Gorda: aparentemente esta figura representa uma boa vida, barulhenta e bem humorada, mas
ligada a uma filha desajeitada, gulosa e míope. É patético.

Enfermeiro e Gabriel: este homem, certamente doentio, cuida fielmente de Gabriel, gravemente perturbado e, pelo
que parece, encontra certo prazer nesta tarefa.

Em princípio, podemos deduzir que todas estas figuras, animus + criança, demonstram uma grande tendência ao
masoquismo, em níveis e graus diferentes, conforme a situação.

Os Estudantes: são irresponsáveis, despreocupados, não conhecem ainda o seu lugar certo.

PERSONAGENS FEMININOS

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17/10/2016 Estudo de um Processo de individuação

A mãe da protagonista é chamada de Rainha Exilada: uma sombra feminina muito importante, talvez
desencadeadora de todo problema psicológico. Rainha, na psicologia junguiana, é a mais alta expressão de
feminilidade, mas como o nome mesmo diz, esta figura esta em exílio, está ausente.

A narradora se refere a outra figura materna, mãe espiritual, a Irmã Cândida. Ela também está ausente, já que
renegou a experiência da maternidade, o amor terreno. Ela é distante. A protagonista se refere várias vezes a ela e às
freiras em geral, dizendo que elas têm as mãos escondidas. Ora, no simbolismo profundo, as mãos significam o fazer,
a ação. A Irmã Cândida, porém, é a mãe "branca", não passou pela experiência dolorosa, escura, terrena, da
maternidade. Não usa as mãos. Podemos também ver o significado da palavra "cândido", imaculado, inocente, etc..
Uma pessoa adulta, de carne e osso não pode ser cândida, nem inocente, por que isto nos remete à inocência das
crianças, não a uma característica adulta. Num lado da balança, temos, portanto, a mãe "branca" e, do outro lado, a
mãe "negra", Irmã Cândida /Rainha Exilada, mas nenhuma das duas "mãe de verdade".

A Madame: a dona da pensão sempre ausente, preenche também a função de uma mãe ausente, porque nunca está
presente, neste enorme símbolo de útero Casa Vermelha, para cuidar dos filhos (pensionistas).

Morena e Loira: dois opostos femininos. Uma morena, forte, sadia, cheia de vitalidade, e a Loira, fraca e doente,
moribunda. A Morena preenche de uma forma distorcida uma função materna.

A Velha: também não preencheu sua função materna. Representa outra maternidade frustrada, interrompida
bruscamente, exatamente como no caso da narradora.

As Duas Criadas: são pueris, ineficientes, de certa forma também fazem parte da personalidade da protagonista,
que não sabe liar com sua feminilidade, assim como as duas criadas com a lida da Casa Vermelha.

A Voz: é a voz interior da protagonista.

A Mulher Manchada: oculta­se atrás do jornal e usa vestido fechado para ocultar suas manchas, assim como a
protagonista tenta esconder suas manchas (complexo) atrás da persona profissão "obstetra" que é extremamente
feminina, e que não a deixa enxergar seus problemas íntimos, assim como tenta escondê­los perante os outros.

Ressaltamos mais uma vez que os personagens femininos, são as assim chamadas sombras: todas elas têm um lado
em comum, ou seja, feminilidade mal resolvida, infantil, que não as deixa amadurecer.

O LOUCO, O ANÃO, O TORTURADOR E O CEGO

Deixamos por último para falar de um quarteto de personagens, com características sobrenaturais, que não se
enquadram entre os personagens, anteriormente analisados. Estes constituem, ou seja, estão no âmago mais
recôndito da psique da protagonista, constelados na primeira infância. Entre estes, certamente, a função mais
importante é preenchida pelo Anão.

O Louco: Gabriel, o Arcanjo, é particularmente ligado à protagonista, a qual tenta ignorá­lo, apesar de terem saído
do mesmo útero, e, para resolver o problema, para lá retornam mais uma vez. Isso é simbolizado pela Casa
Vermelha. Aparentemente ele age de forma inconsciente, mas chega a dizer e a descobrir grandes verdades. O
personagem é descrito de uma maneira curiosa. Tem aspecto andrógino, parece que não sabe o que faz, mas sempre
consegue tocar na chaga profunda da protagonista. Talvez até se possa dizer que ele é a própria chaga. Ela foge dele,
mas sempre tem de retornar. (Ver. Dic. Simb. Voz Louco)

O Torturador: o nome mesmo dado a esta figura dispensa qualquer explicação, já que indica exatamente sua função
na psique da narradora.

O Anão: este personagem é tão complexo, que acabamos por bem citar textualmente a Voz Anão do dic. simb. Já
mencionado: "A figura do anão por sua liberdade de linhagem e de gestos junto a reis, damas e grandes deste
mundo, personifica as manifestações incontroladas do inconsciente. São considerados como irresponsáveis e
invulneráveis, mas escutados com um sorriso, como se fossem alienados (ligados a um outro mundo), um sorriso às
vezes amargo, como se sorri de pessoas que dizem ao interlocutor a verdade sem rodeios. São então aproximados da
imagem do louco e do bufão. Mas podem participar de toda a malícia do inconsciente e demonstram uma lógica que
ultrapassa o raciocínio, uma lógica dotada de toda a força do instinto e da intuição. Iniciados nos segredos dos
pensamentos dissimulados e das alcovas, onde seu pequeno tamanho permite que se introduzam, são seres de
mistério, e suas palavras afiadas refletem a clarividência, penetram como dardos nas consciências demasiadamente
seguras de si... Mas o anão é sobretudo um guardião tagarela, segundo as tradições, um tagarela, é verdade, que se
exprime de preferência por enigmas. Se ele parece ter renunciado ao amor, continua, entretanto, ligado à natureza,
que conhece os seus segredos. Por isso pode servir de guia, de conselheiro. Participa das forças telúricas e é
considerado como um velho deus da natureza (cabiros, dáctilos).  Atribuíram­lhe virtudes mágicas como gênios ou
demônios... Por seu pequeno tamanho, às vezes uma certa deformidade, os anões foram comparados a demônios... 
Não é mais só o inconsciente que eles simbolizam, então, mas um fracasso ou erro da natureza, com muita facilidade

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atribuídos a uma falta; ou ainda o efeito desejado de deformações sistemáticas impostas por homens todo­
poderoso... Os anões são também a imagem dos desejos pervertidos.  A companhia dos anões tornou­se até moda na
Renascença. Eram freqüentemente tratados como animais aprisionados. Não eram então substitutos de um
inconsciente que se cuida para se manter adormecido?  Ou se trata como divertimento como se fosse exterior a nós
mesmos?"7

Baseando­nos nesta descrição, podemos afirmar que o anão da novela preenche todos estas funções, ou seja,
virtualmente é o inconsciente da protagonista; às vezes, porém, diz­lhe a verdade sem rodeios, o que a incomoda e a
irrita bastante; prevê certos acontecimentos; conhece os segredos da natureza, pois, de fato, é ele que lhe mostra a
entrada para a floresta; algumas vezes ele aparece como um substituto deformado da imagem do pai; a protagonista
não o vê como fazendo parte dela, mas como um ser exterior a ela, apesar de sua irrealidade.

Esta figura estranha e fantástica é ainda algumas vezes semelhante à figura de Hermes ou Mercúrio.

O Hermes, da mitologia grega, é chamado em Roma de Mercúrio, mas entre os dois deuses há certas diferenças que
vale a pena evidenciar, já que são importantes, por mínimas que sejam, para os efeitos de nossa análise.

O Hermes grego é símbolo de inteligência (assim como Mercúrio) mas uma figura ambígua, imoral, pois é protetor
de todos os viajantes, tanto dos bons como dos maus. Por causa de sua inteligência clara e fria, preenche a função de
mediador entre céu, terra e inferno. Entre outros mediou a volta da deusa Core do inferno para os braços de
Deméter, sua mãe. É chamando também de Hermes Trismegistos (triforme). É o guia das almas no reino dos mortos,
um psicopompo, mediador entre divindades e homens. Mas Hermes representa ao mesmo tempo o hermetismo, ou
seja, o mistério, o fechado que tem que ser aberto, decifrado.

O anão preenche também estas funções, pois é guia espiritual da protagonista, fala às vezes por enigmas, é na
realidade ele mesmo um enigma.

O nome Mercúrio, por sua vez, refere­se não apenas ao deus, mas também a um símbolo alquímico, o do metal em
movimento, que tem o poder de purificar, de transformar outros metais em ouro.

"Mercúrio tem o poder de purificar e fixar o ouro. É um alimento da imortalidade, mas também símbolo da soma...
A ciência do Mercúrio é, em todo caso, a expressão de uma ciência de regeneração interior" 8

Também na Astrologia, o planeta Mercúrio, situado entre o sol e a lua portanto, masculino e feminino,
(hermafrodita) preenche a função de ligação e adaptação.

"Em cada um de nós, o processo mercuriano é esse auxiliar do Ego encarregado de nos desviar das seduções da
subjetividade obscurecedora e nos orientar na  encruzilhada, da rede de contatos mais rica com o mundo
circundante. Diante da dupla pressão dos impulsos interiores e solicitações exteriores, ele é o melhor agente de
adaptação à vida".9

Este sentido mercurial é também peculiar ao anão do romance, já que ele conduz a protagonista ao longo da
narração de um estágio inferior a um superior (labor alquímico) assim como a ajuda a sair do labirinto, da
encruzilhada psicológica.

Como podemos perceber, trata­se, no caso do Anão, de um arquétipo muito primário (vide louco, torturador, cego)
constelado ainda na sua primeira infância.

Cego: ele aparece só no final da narrativa, mas virtualmente sempre estava presente. Simbolicamente o cego
significa aquele que enxerga além (vide Tirésias). Mas neste caso acreditamos que se trata de uma imagem
arquetípica do cego mesmo, ou seja, aquele que parece que olha, mas não enxerga, como a narradora, que não quer
ver seus problemas.

OS ESPAÇOS

Vamos considerar ainda os espaços da narrativa, que no simbolismo assumem uma extraordinária importância.

Colocaremos no centro dos acontecimentos a Casa Vermelha. A casa é símbolo do corpo humano, e ainda um
símbolo feminino.

Neste corpo, ou seja, na Casa Vermelha, ocorrem as transformações alquímicas, psicológicas, identificadas com a
pessoa da narradora. Consideramos esta como um vas hermetis.

Atrás da casa, situa­se o despenhadeiro, o abismo, com o seu perigo iminente de engolir tudo como um útero
negativo. Ele está à espreita de sua vítima, mas, a nosso ver, o fato de que está situado atrás da casa é positivo de
certa forma, pois indica que a protagonista já eliminou este perigo: o de cair no abismo.

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A Cidade Poluída: atrás do despenhadeiro está a cidade poeirenta, poluída. No simbolismo profundo a cidade
também é um símbolo feminino, com uma função uterina, que pode significar os dois opostos, mas que, pela
descrição da protagonista, não é útero acolhedor. Nossa protagonista, porém, já a deixou para trás, ou seja, também
a superou.

Frente à casa, a protagonista vê a floresta através da janela, a qual tem um significado feminino, materno e
espiritual. A floresta também significa o inconsciente, tem que ser explorada, desbravada. Mas está cercada de
arame farpado, portanto, é inacessível.

Lá longe está o mar: Simboliza a Grande Mãe, origem da vida e da morte. Como se sabe, tudo sai do mar e tudo
retorna a ele. O sol nasce do mar e de noite volta a ele para dele renascer de novo. Portanto, trata­se de um estado
transitório, de possibilidades, e de ambivalências; este mar longínquo pode tanto significar um renascimento, como
a morte, mas de qualquer maneira primeiro ela tem que enfrentar a floresta.

Resta­nos ainda falar dos corredores com espelhos nas pontas onde sua mãe, na infância vagava com um copo na
mão. Originalmente o corredor é um lugar de passagem, lugar de circulação, por onde se chega a algum lugar. Mas
os corredores da casa da infância da protagonista têm espelhos nas duas pontas, o que dá a ilusão do infinito; porém
ao mesmo tempo, está fechado. Portanto, conforme nosso ponto de vista, estes corredores funcionam como labirinto
onde erra a Rainha Exilada. O labirinto é o lugar por onde vagamos, nos perdemos até alcançarmos o centro, que
seria a renovação, a purificação, o ato de encontrar a Si mesmo. O reflexo multiplicado, por causa dos espelhos onde
a imagem é projetada infinitamente, significa uma ação impedida. Este ilusionismo significa a impossibilidade de
sair deste mundo tão presente e ilusório, ao mesmo tempo.

O espelhismo continua ainda no quarto da pensão, onde a protagonista enxerga a imagem da mãe, em vez da sua.

No centro, portanto, encontra­se, a decadente Casa Vermelha e, atrás desta e na sua frente, há espaços que ela ou já
deixou para trás, ou de alguma forma terá de enfrentar ao sair da casa. Ela convive com estes espaços. A nosso ver, o
fato de a floresta, mesmo cercada por arame farpado, estar à sua frente, torna­a espaço que oferece possibilidades
teóricas de ser explorado. Naturalmente a protagonista poderia voltar atrás nesta caminhada, mas, se tentamos
interpretar simbolicamente os espaços, fica claro que os que se situam atrás da Casa Vermelha pertencem ao
passado, mas não ao futuro, que sempre se projeta para frente. 10

Os macacos nas árvores da floresta, significam uma chamada para ela se reintegrar a natureza, ou seja, reencontrar
seu feminino tão falho.

Os objetos, ou seja, duas bebidas chamaram a nossa atenção, por aparecerem em vários momentos ao longo da
narrativa: os copos de bebida alcoólica e os copos de leite. Fica evidente que a bebida alcoólica significa o domínio
do inconsciente em que a Rainha Exilada (vide protagonista) vive. Por sua vez, a narradora, quando está em
depressão, bebe leite, que o seio materno lhe negava. Ela é ao mesmo tempo a Rainha assim como sua filha 11

Os excrementos e os vômitos que ocorrem várias vezes, ao longo da novela, não têm aquele significado negativo
repulsivo que lhes atribuímos, mas significam eliminação de logo supérfluo. Tudo o que é supérfluo é eliminado ao
longo do processo de individuação. 
  
 

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17/10/2016 Estudo de um Processo de individuação

O PROCESSO
1 – A DESCIDA

Quando inicia a processo de individuação, quem o enfrenta encontra inúmeros obstáculos a superar, entre os quais
sua própria resistência, causada pelo medo do desconhecido e do terrível. "Psicologicamente podemos dizer que,
quando a parte inconsciente da personalidade se aproxima do símbolo ou núcleo interno do Self, ela freqüentemente
(...) mostra uma realização simultânea de atração e do terrível medo, de querer e de não querer ali chegar, de ser
repelida ao extremo e de não ser capaz de recuar ou de prosseguir."12

Depois que desmoronou seu casamento, a protagonista é obrigada, de certa forma, a descer até o fundo de sua
psique. Esta descida é representada, em parte, pelos moradores da pensão, assim como pelos espaços que a
circundam. Aos poucos este conjunto lhe traz à tona os profundos traumas sofridos na sua infância e revividos
"neste lugar onde encalhei" como ela se sente na Casa Vermelha, que, de um ponto de vista psicológico, é sua
morada interior, decadente e povoada por sinistras sombras.

Várias vezes ela é tentada a voltar atrás, já que o processo de individuação é extremamente doloroso e parece jamais
terminar, dando algumas vezes a sensação de morte. Ao longo da narrativa ela declara várias vezes que se sente
como se estivesse com as pernas amputadas, ou seja, imobilizada.  Esta sensação de imobilidade caracteriza o
chumbo, ou nigredo, o ponto mais baixo do vas hermetis, onde se encontra esta matéria extremamente densa e
escura. Naturalmente, ela antes de sair do marasmo psicológico em que se encontra tem de enfrentar e vencer seus
problemas um a um, onde a função mercurial, representada pelo Anão, é um elemento purificador.

Quem a ajuda de certo modo, fazendo as vezes de seu guia, durante esta longa e dolorosa caminhada, é o Anão nas
funções de Hermes, o psicopompo.

Ao longo da leitura da obra, percebemos que todas as figuras centrais femininas e masculinas (sombras / arquétipos)
têm uma semelhança entre si, isto é, todas as personagens mulheres são frustradas, tanto na sua feminilidade, como
em sua maternidade, ou seja, são réplicas da Rainha Exilada, infantis, pois renegam sua feminilidade. Os
personagens masculinos, por sua vez, todos estão ligados e uma figura puer, ou seja, a um lado infantil, regressivo.
Percebemos, desta maneira que ambos, masculinos e femininos, estão intimamente ligados, pois negam­se a crescer,
a evoluir interiormente.

Além destes personagens, ela projeta sua persona na Mulher Manchada. Da mesma forma como esta esconde suas
manchas, ela também esconde feridas e traumas atrás da persona de obstetra.  A Voz, por sua vez, é sua própria voz
profunda, que a maltrata, a ofende, não gosta dela, como no fundo ela não gosta de si mesma. Simbolicamente ela
assume todos os papéis, mas, por enquanto, não está em condições de aceitá­los e, por isso, recusa, em princípio,
conhecer a si mesma e espera, ou seja, se engana esperando deste animus Antônio a solução de seus problemas "num
passe de mágica."  Ainda acredita em milagres, como uma criança.
X by tom

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Enfrenta sentimentos muito ambíguos porque, ao mesmo tempo em que sente repulsa por seus espectros que a
atormentam, tenta ajudá­los, protegê­los. Está muito afeiçoada a eles. Poderíamos dizer que ela, neste momento de
sua vida, já tem um vago conhecimento de seus problemas, mas ainda se sente psicologicamente castrada, para
poder resolvê­los.

O Anão, possuidor de imensa força telúrica, mostra­lhe aos poucos com indiretas, às vezes bondosas, às vezes
irônicas, o caminho a seguir, fazendo ainda de quanto em vez o papel de analista.

Este caminho resulta muito sofrido, pois ficamos sabendo através de seu relato que, desde a sua mais tenra infância,
fora rechaçada pela mãe. Faltou­lhe, portanto, o colo materno e acarinhá­la e o seio para alimentá­la. De fato,
quando entra em depressão recorre a um copo de leite, como substituto do primeiro alimento no seio.
X by tom

O primeiro arquétipo constelado na sua psique era o pai, personalidade fraca, pouco enérgica, que nunca assumiu
papel de marido, de chefe de família, sucumbindo à anima infantil representada pela esposa, cuja deformidade é
bem representada pelo Anão disforme. Quando adulta, com profissão e família, ela acredita ter organizado sua vida,
assim como superado os traumas de infância. Mas suas ligações, seus modelos e mesmo o seu modus vivendi seguem
o modelo de sua infância. Ela mesma se transforma numa Rainha Exilada. Seu exílio não é sua bebida, mas a
profissão e, em nome desta, ela descuida do lar, do marido e do filho.

O marido Marcos e o filho Lucas, por sua vez, representam em sua estranha união pai + filho um modelo infantil
muito egoísta.  A mesma união encontraremos mais adiante em Gabriel + Enfermeiro, Pai + Menina Gorda, Antônio
+ Filho monstruoso, todos eles patologicamente egoístas.

A protagonista mergulha várias vezes ao longo do dia num banho morno, que a tranqüiliza, é uma referencia ao
retorno a um útero acolhedor, onde ela aos poucos consegue juntar forças suficiente para superar a crise.

Frente a seu quarto, está a floresta inatingível com seus macaquinhos e gatos selvagens. Ela quer entrar nesta
floresta misteriosa. Sente que a meta de seu processo seria encontrar uma entrada para esta. Declara que Gabriel
entrou "numa floresta sem saída e eu não encontro entrada para esta floresta que está a minha frente." Misteriosa,
desconhecida, talvez perigosa, mas é na floresta que ela encontraria novos caminhos a trilhar. Logo pensa pedir
ajuda ao Anão para poder entrar na floresta porque "ele conhece tantos caminhos secretos."

2 – A SUBIDA

Chega um momento em todo o processo de individuação, seja este feito em consultório ou enfrentado sozinho, em
que o paciente (sujeito do processo) entra na crise decisiva: acontece o momento culminante do processo, depois do
qual, se o paciente sobrevive (figuradamente), começa uma lenta melhora e inicia a convalescência. A protagonista
da novela entra numa profunda crise que é desencadeada por sua visita à casa de Antônio, onde enfrenta a parte
monstruosa, puer de Antônio: seu filho vegetativo, que até este momento não teve coragem de apresentar­lhe. Só
neste momento ele recorre a esse lado monstruoso, infantil, para se ver livre da situação.

A ambigüidade deste animus, pressentido mas não enfrentado, vem agora à tona. Neste momento extremamente
trágico, que ameaça inclusive sua saúde mental, ela reconhece este lado monstruoso de Antônio, que ele tentou
esconder o tempo todo. Ela o rechaça brutalmente e, a partir deste momento, começa lentamente sua
transformação, e ela começa a sair do nigredo profundo de sua alma.

Masculino e feminino são opostos que se completam. Neste sentido, só após ter enfrentado este animus terrível, ela
consegue vencer suas sombras, que dizem respeito a sua mal resolvida feminilidade. Estas, personificadas nas
moradoras da Casa Vermelha e também na Irmã Cândida, vão desaparecendo, morrendo pouco a pouco. Primeira é
a vez da Moça Loira; ela morre, e a Morena deixa a Casa Vermelha. Mas antes que isto aconteça, as duas aparecem
primeiro para Gabriel (louco) e logo depois, através do Anão / Mercúrio, ela enxerga as duas no telhado da Casa
Vermelha. O telhado representa o intelecto, a consciência.

Entendemos que estas duas sombras são reveladas à consciência da protagonista. Sua função, portanto, acabou. A
mesma situação se repete com a Velha, desta vez amparada pelo Anão na sua trajetória pelo telhado, a qual, sem
que a protagonista perceba, desaparece da pensão.

Neste meio tempo aparece frente à sua janela um cego, que fica lá horas e horas, parecendo olhá­la.

A Irmã Cândida, a outra Rainha Exilada, morre. Mais uma vez é o Anão que a ajuda, mostrando­lhe uma pequena
brecha por onde se pode penetrar na floresta, até então inatingível.

A protagonista, neste seu primeiro contato com a floresta, acompanhada pelo Anão, ou seja, deste seu recalque, não
está ainda pronta a enfrentar sozinha o grande desconhecido. Volta para Casa Vermelha, porque ainda lhe restam
tarefas ou provas a superar.

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A Mulher Manchada começa a mostrar suas manchas, usando vestidos cada vez mais decotados, como se procurasse
chamar a atenção. Entendemos que a protagonista começa aceitar seus defeitos, suas manchas, aceitando­se com
todo o positivo e negativo dos opostos.

Gabriel, quando em crise, espalha excrementos por todos os lados. Ela o visita, e ele, com grande esforço, desenha na
parede com seus excrementos a palavra MÃE. Entendemos neste momento que ela aceita sua mãe como uma mulher
que sofreu. O significado de que ela começa a se aceitar também.

Depois dos últimos acontecimentos, ela, ao se olhar no espelho, não mais enxerga a imagem da Rainha Exilada, mas
seu rosto extremamente cansado e envelhecido.

O Anão cumpre agora sua última função junto a ela, e engole as pílulas, "bolinhas coloridas", da Rainha Exilada,
em lugar da narradora.

Revigorada, depois desta luta interior, ela enfrenta a floresta, desta vez sozinha, procurando o caminho para o mar
longínquo, a Grande Mãe, em cujas profundezas submergirá ou renascerá como mãe e mulher, com seus defeitos e
suas virtudes, num justo balanço entre as eternas oposições.

CONCLUSÃO

Ao longo deste processo de individuação percebemos dois momentos importantes: no primeiro, a protagonista
pressente, mas não reconhece coincidentemente seus arquétipos destrutivos e suas sombras que sempre falam de
uma infância frustrada, onde se constelou o arquétipo pai /anão 13, que não a deixa crescer psicologicamente, assim
como a sombra Rainha Exilada. Ao longo do processo de individuação, ela trava conhecimento direto com ele, das
mais variadas formas e nas variadas situações.

Ela ainda está insegura entre o querer ou não enfrentar a crise de uma maneira positiva.

Quando, porém, chega a reconhecer o lado monstruoso de Antônio, reage, rechaçando­o definitivamente. Parece­nos
que o primeiro passo mais importante era o de reconhecer a verdadeira face deste arquétipo pai/anão, pois via
Antônio / Menino Monstruoso, que ela acha parecido com o Anão, constelado na sua primeira infância.

Ela só consegue lidar com sua sombras e transforma esta Mãe Terrível em Boa Mãe, depois de ter recanalizado a
imensa energia negativa (arquétipo) para que flua positivamente. Quando ela começa a pensar em sua mãe como em
uma mulher sofrida, antes que numa alcoólatra e suicida, ela cresce como mãe e mulher. Cria condições psicológicas
para enfrentar a vida, os problemas, as frustrações de uma maneira mais positiva.

A morte do Anão coincide com o abandono da Casa Vermelha, que interpretamos como uma possibilidade virtual de
auto­conhecimento e auto­aceitação, coragem para enfrentar o futuro desconhecido, entrando na floresta e
procurando o caminho para o mar.

Ana Hauser é Doutora em Letras, 
Livre Docente de Teoria da Comunicação, 
Pós­doutorado no Instituto C.G.Jung  
 Zurique,Suíça. 
Professora da Unisinos.
NOTAS BIBLIOGRÁFICAS 
1 – "Com a descoberta empírica do processo de individuação foi introduzido nova dimensão e mudança na história
espiritual ocidental, cujos efeitos ainda são impossíveis de medir... De fato a nossa nostalgia de uma unidade interior
e de um sentido para nossa vida, antes buscado no campo do universo mental, filosófico, intelectual e religioso, leva­
nos agora ao campo da própria vivência da realidade da alma. (...) 
Há mais de três quartos de século, Carl Gustav Jung abriu­nos portas novas para o nosso mundo interior. A alma
humana tornou­se uma realidade viva. Sua experiência, suas observações e estudos, conduzidos em várias direções,
permitiram­lhe constatar que existe no ser humano uma tendência inata, natural e espontânea a encontrar seu
centro, sua unidade. Assim, impunham­se naturalmente várias constatações: o processo natural da vida da alma tem
um sentido, uma finalidade, um objetivo; a experiência da unidade ocorre simultaneamente com a realização desta;
a nossa totalidade vai­se realizando de maneira relativa e parcial e o Centro é, ao mesmo tempo, sempre algo que
nos transcende. É a isso que Jung chamou experiência de Si­mesmo. Este Si­mesmo não é apenas um fim, mas
também um princípio de toda vida, é um processo que se desenvolve no tempo, ao qual deu o nome de "processo de
individuação". (Marie Luise von Franz, A individuação nos contos de fada, Ed. Paulinas, São Paulo, 1984, p.7). 
2 ­ São Paulo, Ed. Paulinas, 1986 
3 ­ São Paulo, Cultrix, 1986 
4 ­ Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira. 
5 ­ Marie Luise von Farnz, Puer Aetermus USA Sigo Press. 
6 ­ Jean Chevalier e Alain Cherbrandt, Dicionário de símbolos. Rio de Janeiro, José Olimpo, 1989 
7 ­ Dic. Simb. oc.Voz Anao 
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8 ­ Cfr. Dic. Simb. voz. Mercúrio 
9 ­ Cfr. Dic. Simb. voz. Mércúrio planeta 
10­Ref. Seminário de Raumsimbolik – ministrado no "Wintersemester" 1988, pela analista juguiana Ruth Ammann
11­Cfr. C.G. Jung: Misterium Conjunctionis Petrópolis, Vozes, p.53 
12­Marie Luise Von Franz, o. c. p. 143. 
13­ "Thus, the father and the trickster stand out most clearly as representatives of different and sometimes opposing
aspects of consciousness, mobility, the penis, and the transformation of nature: the father figure encompassis the
roles of creator lawgiver and stands for oder or even for expression, the trickster is the lawbreaker who represents
the expression of instinctual desires. The opposition of these two is seen especially clearly in the relationship of the
masculin to women." 
The arquitipal masculin: its manifestation in myth and significance for women." Barbara Greenfield in. The father.
Pp. 191 / 192. 
"Desta forma, o pai e o "trickster" apresentam­se de forma muito clara como representantes de diferentes aspectos
do masculinos, às vezes opostos. (...) O ‘trickster’ representa o início da consciência, a inconstância, o pênis, e a
transformação da natureza; a figura do pai abrange os papéis de criador, legislador, e representa a ordem, ou
mesmo a expressão. O ‘trickster’ é o transgressor da lei que representa a expressão dos desejos instintivos. A
oposição entre esses dois é percebida com particular clareza na relação do masculino com as mulheres."

BIBLIOGRAFIA
CHEVALIER, Jean.  DICIONÁRIO DE SÍMBOLOS,

Rio de Janeiro: José Olimpio, 1989.

DIECKMANN, Hans. CONTOS DE FADA VIVIDOS

São Paulo: Ed Paulinas, 1986.

HAUSER, Ana. A LINGUAGEM PLÁSTICA DO INCONSCIENTE,

Inédito, Porto Alegre, 1989.

JACOBI, Jolande. COMPLEXO ARQUÉTIPO SÍMBOLO,

São Paulo: Cultrix, 1986.

JUNG, C.G. O HOMEM E SEUS SÍMBOLOS,

Rio de Janeiro: Nova Fronteira.

JUNG, C. G. MYSTERIUM CONJUNCTIONIS,

Petrópolis: Vozes, 1985.

LUFT, Lya. EXÍLIO,

Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.

VON FRANZ, Marie Luise. A INDIVIDUAÇÃO NOS CONTOS DE FADA, São Paulo: Paulinas, 1985.

VON FRANZ, Marie Luise. A SOMBRA E O MAL NOS CONTOS DE FADA , São Paulo: Paulinas, 1985.

VON FRANZ, Marie Luise. ADIVINHAÇÃO E SINCRONIDADE,

São Paulo: Cultrix, 1987.

Desenho de Fábio Menz.

Minha cara Ana:

Gostei muito do seu trabalho: sério, interessante, significativo. Sempre me espanto um pouco com as coisas
importantes que as pessoas dizem a respeito de meus livros. Eu, pouco sei disso tudo: apenas, namoro o enigma. 

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O desenho da "minha" casa, que existe realmente, difere um pouco do que há no seu trabalho, o que diz que não fui
muito clara. Não faz mal. Muito sucesso para você!!!

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