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INTERPRETAÇÃO NÃO OFICIAL DA CONSTITUIÇÃO: PERCEPÇÕES DE

ESTUDANTES INGRESSOS NA UFJ EM 2018

Hugo Luis Pena Ferreira1

Jennainy Alves Pereira Rosa2

RESUMO

A pesquisa objetiva levantar dados acerca de percepções e opiniões de ingressos nos


cursos da UFJ no ano de 2018 a respeito de aspectos da Constituição. Parte-se, como marco
teórico, da proposta de “sociedade aberta de intérpretes da constituição”, elaborada por Peter
Häberle, autor que propõe, para além dos intérpretes "oficiais" da constituição, a existência
dos “intérpretes não-oficiais”, dentre os quais os cidadãos em geral, cuja intepretação deve ser
valorizada pela teoria e prática constitucional. Em termos metodológicos, a pesquisa se
configura como “survey”, conduzido pela aplicação de questionário sobre direitos
fundamentais individuais, sociais e políticos, em meio eletrônico, aos participantes do grupo
delimitado. Assim, o estudo visa testar a hipótese de que a sociedade pode conceber de forma
distinta dos intérpretes “oficiais” certos direitos fundamentais estabelecidos na Constituição.

Palavras-Chave: Sociedade Aberta de Intérpretes da Constituição; Peter Häberle; Direitos


Fundamentais.

1
Orientador, ciências sociais aplicadas, email: hlpfhugo@gmail.com.
2
Orientanda, ciências sociais aplicadas, email:jenna_iny@hotmail.com. Revisado pelo orientador.
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 5

2 OBJETIVOS ............................................................................................................ 6

3 METODOLOGIA .................................................................................................... 6

4 DISCUSSÕES .......................................................................................................... 7
4.1 HÄBERLE: SOCIEDADE ABERTA DE INTERPRÉTES DA CONSTITUIÇÃO . 8
4.1.1 Aplicação da Teoria Haberliana no Ordenamento Jurídico Brasileiro ..........11
4.2 INTERPRETAÇÃO OFICIAL ..............................................................................15
4.2.1 Direitos Individuais e Coletivos ........................................................................17
4.2.1.1 Prisão civil por dívida ......................................................................................17
4.2.1.2 Prisão antes do advento de sentença penal condenatória irrecorrível .................18
4.2.1.3 Inviolabilidade de domicílio .............................................................................19
4.2.1.4 Assistência jurídica gratuita .............................................................................20
4.2.1.5 Direito a propriedade privada ...........................................................................21
4.2.2 Direitos Sociais e Políticos ................................................................................23
4.2.2.1 Liberdade de associação e desassociação sindical .............................................23
4.2.2.2 Elegibilidade e direito ao voto ..........................................................................24

5 RESULTADOS .......................................................................................................25
5.1 INTERPRETAÇÃO NÃO OFICIAL .....................................................................25
5.1.1 Direitos Individuais e Coletivos ........................................................................25
5.1.1.1 Prisão civil por dívida ......................................................................................25
5.1.1.2 Prisão antes do advento de sentença penal condenatória irrecorrível .................27
5.1.1.3 Inviolabilidade de domicílio .............................................................................28
5.1.1.4 Assistência jurídica gratuita .............................................................................29
5.1.1.5 Direito a propriedade privada ...........................................................................29
5.1.2 Direitos Sociais e Políticos ................................................................................30
5.1.2.1 Liberdade de associação e desassociação sindical .............................................30
5.1.2.2 Elegibilidade e direito ao voto ..........................................................................31

6 CONCLUSÃO ........................................................................................................36

7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................37

8 APÊNDICE ................................................................................................................40
LISTA DE TABELAS

Tabela 1- Um pai que deva pensão alimentícia pode ser preso se não pagar......................... 26
Tabela 2- Uma mãe que deva pensão alimentícia pode ser presa se não pagar...................... 26
Tabela 3- Se uma pessoa é acusada de cometer um crime, ela deve ser presa para ser julgada.
..................................................................................................................................................27
Tabela 4- Por ordem de um juiz, a polícia pode forçar a entrada na casa de alguém, mesmo
contra a vontade desta.............................................................................................................. 28
Tabela 5- Por ordem de um juiz, a polícia pode forçar a entrada à noite na casa de alguém e
efetuar sua prisão..................................................................................................................... 29
Tabela 6- Uma pessoa que não pode pagar um advogado pode fazer sua própria defesa.......29
Tabela 7- O poder público pode comprar a casa de alguém, para no seu lugar construir uma
escola, mesmo que o dono da casa não queira vendê-la...........................................................29
Tabela 8- Uma família “sem teto”, que ocupe uma casa na cidade por 7 anos consecutivos,
sem oposição, torna-¬se dona da casa..................................................................................... 30
Tabela 9- Os trabalhadores empregados no comércio são obrigados a fazer parte de
sindicato................................................................................................................................... 30
Tabela 10- Uma pessoa que não sabe ler nem escrever não pode se candidatar a cargos
políticos nas eleições................................................................................................................ 31
Tabela 11- Uma pessoa que não sabe ler nem escrever não pode votar nas eleições............. 31
Tabela 12- Média de coincidência com a Interpretação Oficial por aluno............................ 35
Tabela 13-Média geral de todas as questões.......................................................................... .35
LISTA DE FIGURAS

Figura 1- Resultados obtidos com a afirmação 1 (Uma pessoa que deve a um banco pode ser
presa se não pagar)....................................................................................................................26
Figura 2- Resultados obtidos com a afirmação 2 (Se uma pessoa é acusada de cometer um
crime, ela deve ser presa para ser julgada)............................................................................... 27
Figura 3- esultados obtidos com a afirmação 6 (Por ordem de um juiz, a polícia pode forçar a
entrada à noite na casa de alguém e efetuar sua prisão)........................................................... 28
Figura 4- Resultados obtidos com a afirmação 10 (Os trabalhadores empregados no comércio
são obrigados a fazer parte de sindicato)................................................................................. 30
Figura 5- Distribuição da população pesquisada, por faixa etária......................................... 32
Figura 6- Média de coincidência com a interpretação oficial por faixa etária........................32
Figura 7-Distribuição da população pesquisada, por gênero................................................. 33
Figura 8- Média de coincidência com a interpretação oficial por faixa gênero..................... 33
Figura 10-Distribuição da população pesquisada, por tipo de escola que estudaram............ 34
Figura 9- Média de coincidência com a interpretação oficial por tipo de escola................... 34
Figura 11-Estatística geral em gráfico.................................................................................... 35
Figura 12-Distribuição da população pesquisada, por gênero................................................ 43
Figura 13-Distriuição da população pesquisada, por tipo de escola que estudaram............... 44
Figura 14-Distribuição da população pesquisada, por faixa etária......................................... 44
1 INTRODUÇÃO

Parece ser comum na sociedade a percepção de que só aos operadores do direito cabe
a interpretação das normas constitucionais. A visão pode ser um reflexo da concepção
positivista do direito, já que o positivismo, ao concentrar toda a produção e aplicação
normativa nos órgãos estatais, impulsionou o afastamento da população quanto ao
conhecimento, uso e contribuição ao desenvolvimento do conteúdo constitucional.
Inserido no movimento pós-positivista, Peter Häberle propõe que todo destinatário da
norma é dela um potencial intérprete, e que não é possível fazer um elenco fechado de quais
seriam os intérpretes da Constituição. Para ele, os intérpretes não se limitam aos que estão
envolvidos nas atividades dos órgãos estatais. Essa linha de pensamento é inclusiva:
desconcentra a hermenêutica constitucional e a democratiza; permite transformar cidadãos
receptores em cidadãos ativos na realização da Constituição na sociedade. Uma postura assim
melhor se adequa a uma sociedade que se proponha a alcançar um Estado democrático de
direito.
Deste modo, a primeira parte da problemática é: a proteção de direitos e garantias
fundamentais depende do conhecimento de sua existência? Claramente, o Estado não
consegue detectar as violações de direitos e garantias de forma automática, e por esse motivo
é necessária a manifestação daquele que se sentiu lesionado para a ativação dos mecanismos
de proteção, mas para isso, o mesmo precisa conhecer tais direitos e garantias, pois caso
contrário nem saberá que tem tal direito e muito menos que foi lesionado.
Como será, então, que nossa sociedade concebe seus direitos e garantias
fundamentais? O contato com o pensamento de Häberle fez surgir a hipótese de que a
sociedade possa conceber um ordenamento cujo conteúdo não coincida com aquele concebido
pelos órgãos estatais. Trata-se de inquirir sobre a maneira como a sociedade concebe a
Constituição, diferente de um conhecimento profissionalizado do texto constitucional, como a
interpretação dos tribunais – que Häberle identifica como sociedade fechada de intérpretes.
Isso representa o imaginário constitucional, isto é, a concepção da Constituição sem
conhecimento técnico prévio.
Para viabilizar a pesquisa, optou-se por delimitar a investigação sobre a interpretação
não oficial da constituição em três dimensões: (1) quanto ao conteúdo constitucional e (2)
quanto aos intérpretes (3) em um determinado momento. Na primeira delimitação, restringiu-
se o âmbito de investigação a certos direitos fundamentais individuais e sociais. Na segunda,
foi escolhido o conjunto dos estudantes ingressos nos cursos superiores da UFG/Regional
Jataí como um segmento dos potenciais intérpretes da Constituição. Na última, especificou-se
que o grupo estudado diria respeito somente aos ingressados em 2018, estudantes que estavam
no início do segundo semestre da graduação, ou seja, recém-egressos do Ensino Médio –
camada significativa da população.
Assim, o intuito é investigar a interpretação proveniente da sociedade
independentemente de um conhecimento constitucional prévio. Em vista dos dados que a
pesquisa permitirá obter, será possível estabelecer uma comparação entre o imaginário
constitucional do grupo estudado e a interpretação tradicionalmente tida como oficial, para
finalmente identificar se há ou não afastamento de interpretações.

2 OBJETIVOS

A pesquisa visa experimentar o imaginário constitucional dos estudantes ingressados


em 2018 nos cursos da UFG/Regional Jataí (que posteriormente se transformou em
Universidade Federal de Jataí/UFJ), se há um afastamento ou não entre a concepção que o
conjunto de participantes da pesquisa tem das normas constitucionais selecionadas, de um
lado, e a emanada dos órgãos oficiais, de outro, resultante do modelo fechado de sociedade de
intérpretes da Constituição.
Trata-se de uma pesquisa exploratória e quantitativa, por meio do uso de formulário
eletrônico voltado a colher percepções/opiniões dos participantes da pesquisa a respeito de
aspectos da constituição, permitindo formar uma “interpretação não-oficial da constituição”.
E em um segundo momento, constratar esta interpretação “não oficial” com a interpretação
“oficial”, qual seja, pronunciamentos de tribunais e previsões legais.
Destarte, busca-se avaliar os efeitos práticos do pensamento de Härbele: se a
concepção popular idealizada contiver menos direitos do que realmente previstos na
Constituição, isso poderia atuar como fator dificultador da proteção desses direitos? Como
tentar resolver?

3 METODOLOGIA

A pesquisa foi realizada no formato de "survey", com aplicação de questionário


disponibilizado em meio eletrônico. Especificamente, por meio de um formulário hospedado
no "Google Forms". O questionário é composto por 16 questões semiabertas e fechadas. Os
convites para participação foram enviados por email entre os meses de agosto a dezembro de
2018, exclusivamente para pessoas integrantes do universo delimitado para a pesquisa, qual
sejam, estudantes ingressados nos cursos da UFG/Regional Jataí em 2018, no total foram 942
convites enviados.
A participação na pesquisa é de natureza voluntária. Os questionários respondidos
(i) por público externo ao do universo da pesquisa ou (ii) por menores de 18 anos foram
desconsiderados. Os dados foram trabalhados anonimamente.
A partir dos dados colhidos com o “survey”, será possível contrastar a "interpretação
não-oficial", correspondente àquela dos participantes da pesquisa, com a "interpretação
oficial" da constituição, no sentido das categorias apresentadas por Peter Häberle.
Os dados foram tabulados com auxílio do software Excel, e trabalhados
quantitativamente, expostos por meio de gráficos e tabelas, sem o emprego de métodos de
amostragem aleatória. Em virtude disso, a metodologia empregada não permite nem
intenciona realizar a “inferência estatística”, tendo, em vez disso, propósito de natureza
exploratória. Nesse sentido, os resultados são acompanhados da informação de que os dados
colhidos refletem de modo delimitado, as percepções/opiniões dos participantes da pesquisa,
cujo anonimato será preservado, e não de um universo mais abrangente.
Os formulários buscaram levantar informações sobre variáveis que podem ser
agrupadas em dois grupos: relativas a dados dos participantes para identificar fatores de
influência e sobre as percepções dos mesmos sobre os direitos selecionados. O primeiro grupo
contém 4 questões: nome (inserido somente para fins de controle), idade, gênero, e escola em
que estudaram. O segundo grupo compreende 12 enunciados sobre direitos fundamentais
individuais, sociais e políticos. Certos direitos tiveram mais de um enunciado principalmente
para testar tanto a regra quanto a exceção. Todos os enunciados estão anexados no
APÊNDICE do presente artigo.

4 DISCUSSÕES

O presente trabalho, como dito acima, patou-se nas ideias do Mestre Pater Häberle,
principalmente sobre as contribuições para uma sociedade aberta dos interprétes da
constituição, em que para além dos “intérpretes oficiais” da constituição, “intérpretes não
oficiais” devem ser valorizados pela teoria e prática constitucional. Assim, tal teoria foi
aplicada por meio de questionários aplicados a alunos (as) ingressantes na UFG em 2018.
Testando, se os mesmos conheciam seus direitos fundamentais, já que para Häberle todos nós
somos ao menos coointerprétes, pois vivenciamos todos os dias o que está escrito nas leis.
Assim, para uma melhor compreensão passaremos a um breve estudo sobre tais
ideias Häberlianas e sua aplicação em nosso ordenamento jurídico, por conseguinte
comparação entre as interpretações oficiais e não-oficiais obtidas com a pesquisa.

4.1 HÄBERLE: SOCIEDADE ABERTA DE INTERPRÉTES DA CONSTITUIÇÃO

Inserido no movimento pós-positivista, o professor Pater Häberle inaugura em 1975


na Alemanha o método concretista da “Constituição aberta”, que segundo Bonavides “mais de
perto influenciou nos dias atuais, mediante uma série de fundamentações e legitimações que
se aplicam excelentemente ao campo dos estudos constitucionais” (2004, p. 509). Não só
Bonavides, mas outros estudiosos3 também preconizam a teoria haberliana:
A própria teoria da Constituição aberta, de Peter Häberle, causa
fascínio. A ideia de Häberle é, simultaneamente, simples e inovadora. Simples
porque concilia democracia e jurisdição constitucional, dois entes que já não
nasceram para viver isolados. Inovadora porque propõe, a partir da premissa
antecedente, um modelo (a procedimentalização), por meio do qual se faz possível o
ingresso da esfera pública – ou daquilo que o autor tedesco nomina dointérpretes em
sentido lato – no âmbito da jurisdição constitucional (SANTOS, 2012, p. 65).

Bonavides satisfatoriamente sintetiza a construção teórica de Häberle. Para ele


desdobra-se através de três pontos principais: “o alargamento do círculo de intérpretes da
Constituição; o conceito de interpretação como um processo aberto e público; e, finalmente a
referência desse conceito à Constituição, como realidade constituída e publicização” (2004, p.
509).
Häberle no início de sua obra propõe a identificar a situação atual da interpretação
constitucional. Para ele a teoria da interpretação constitucional teria colocado até então
somente duas questões: (a) indagação sobre tarefas e objetivos da interpretação constitucional
(b) e indagação sobre os métodos (processo e regras da interpretação). E por isso, chega a
conclusão de que não se tem dado muito espaço ao problema relativo aos participantes do
processo hermenêutico, assim o modelo corrente de interpretação é o de uma “sociedade
fechada”, “concentrada, primariamente, na interpretação constitucional dos juízes e nos
3
No Brasil, sua contribuição tem sido inestimável para o desenvolvimento do direito constitucional. São muitos
os doutrinadores brasileiros de renome que defendem a necessidade de consolidação da idéia de uma sociedade
aberta de intérpretes da Constituição, formulada por Peter Häberle. Segundo essa concepção, o círculo de
intérpretes da Lei Fundamental deve ser alargado para abarcar não apenas as autoridades públicas e as partes
formais nos processos de controle de constitucionalidade, mas todos os cidadãos e grupos sociais que, de uma
forma ou de outra, vivenciam a realidade constitucional (MENDES, p.2).
procedimentos formalizados” (HÄBERLE, 1997, p.12).
Deste modo, é possível aferir que a focalização da legitimidade da interpretação no
judiciário e o apego ao formalismo foi, de fato, promovida pelo positivismo, o mesmo “ao
concentrar toda a produção e aplicação normativa nos órgãos estatais, impulsionou o
afastamento da população quanto ao conhecimento, uso e contribuição ao desenvolvimento do
conteúdo constitucional” (MACHADO; PENA, 2008, p.2).
É certo que o autor não nega a importância dos intérpretes jurídicos, uma vez que
para ele sempre subsistirá a responsabilidade, que fornece, em geral, a última palavra sobre a
interpretação (HÄBERLE, 1997, p.14). E a possibilidade que o Poder Judiciário tem de
extirpar do ordenamento jurídico leis que venham a contrariar a Constituição devem ser
comemoradas no cenário do constitucionalismo pós-Segunda Guerra (SANTOS, 2012, p. 67).
Não obstante, sua crítica diz respeito a necessidade da adequação desse modelo
hermenêutico fechado diante dos novos quadros fáticos e da sociedade pluralista ou à
chamada sociedade aberta4, já que a interpretação constitucional é todavia, uma “atividade”
que potencialmente, diz respeito a todos. A Constituição é um espelho da publicidade e da
realidade, é um bem cultural, limitar a hermenêutica constitucional aos intérpretes
“corporativos” ou autorizados jurídica ou funcionalmente pelo Estado significaria um
empobrecimento (HÄBERLE, 1997, p.24; 34). Por isso, sua proposta é a quebra do
monopólio hermenêutico, ou seja, deslocar de uma sociedade fechada dos intérpretes da
Constituição para uma interpretação constitucional pela e para uma sociedade aberta.
Por conseguinte, Häberle vai além e formula a seguinte tese (1997, p.13-14): no
processo de interpretação constitucional estão potencialmente vinculados todos os órgãos
estatais, todas as potências públicas, todos os cidadãos e grupos, não sendo possível
estabelecer-se um elenco cerrado ou fixado com numerus clausus de intérpretes da
Constituição. Tal ideia se torna viável com um conceito de interpretação mais abrangente, isto
é, “quem vive a norma acaba por interpretá-la ou, pelo menos, por co-interpretá-la e não
aquela que considera a interpretação uma atividade dirigida à compreensão e à explicitação do
sentido de uma norma”.
Destarte, o objetivo de uma hermenêutica constitucional de uma sociedade aberta dos
intérpretes da Constituição é dar voz institucional à pluralidade social. É fazer com que

4
Aberta é a sociedade consagradora do pluralismo político, econômico, científico e cultural, ou seja, é a
sociedade que se caracteriza pela dinamicidade e que possui regras de convivência e coexistência, que são feitas
considerando as desigualdades, notadamente as particularidades das minorias (JUCÁ, 2004, p.107).
aqueles que vivem a norma possam também, de alguma maneira, participar do seu processo
interpretativo, e sejam ouvidas na solução dos problemas.
Extrai-se, portanto, do conteúdo da teoria häberliana um forte teor democrático que
o autor associa a um ramo da ciência jurídica que até então estava alheio às características
democráticas (SANTOS, 2012, p. 68).
Häberle distingue (1997, p. 14) duas formas de interpretação constitucional: em
sentido lato e em sentido estrito, ambas têm seu grau de relevância reconhecida. Estão
incluídos na categoria “sentido lato”, cidadãos e grupos, órgãos estatais, o sistema público e a
opinião pública, estes representam forças produtivas de interpretação, atuando, pelo menos
como pré-intérpretes, já que destinatários da norma são também participantes ativos da
atividade interpretativa. Intérpretes em sentido estrito seriam os órgãos estatais imbuídos
dessa missão.
Nesse sentido, Häberle reforça que aquele que vive a norma é também seu legítimo
intérprete:
Todo aquele que vive no contexto regulado por uma norma e que vive com este
contexto é, indireta ou até mesmo diretamente, um intérprete dessa norma. O
destinatário da norma é participante ativo, muito mais ativo do que se pode supor
tradicionalmente, do processo hermenêutico. Como não são apenas os intérpretes
jurídicos da Constituição que vivem a norma, não detêm eles o monopólio da
interpretação da Constituição (1997, p.15).

Para demonstrar que a interpretação não é um “evento exclusivamente estatal”


Häberle (1997, p.20-23) arrola um catálogo sistemático provisório (não exaustivo) do rol de
intérpretes: 1) as funções estatais, que incluem todos os órgãos estatais que de alguma forma
possam ter uma participação no processo hermenêutico; 2) os participantes do processo
constitucional que não são necessariamente órgãos estatais, como o autor de um recurso
constitucional, bem como os que têm direito à manifestação na jurisdição constitucional, por
exemplo, amici curiae, peritos, pareceristas, autor e réu, associações, partidos políticos,
grupos de pressão organizados etc.; e 3) a opinião pública democrática e pluralista, como a
mídia, igrejas, teatros, etc. 4) e por fim a doutrina constitucional que participa dos três grupos
anteriores.
Na perspectiva Haberliana, a Constituição não pode ser reputada como um conjunto
de normas técnicas, mas um produto oriundo de um complexo cultural5, o qual demanda a

5
Assim, ao pensar a cultura, Haberle a compreende como a totalidade dos aspectos da vida cultural, os quais
complementam a vida jurídica. E do entrechoque técnico-jurídico e sociocultural é que norma constitucional se
estabelecerá legitimamente como controle social. (1997, p. 11).
coparticipação ativa de todos os cidadãos, um projeto em contínuo desenvolvimento
(GARRIDO, 2013 p. 10). A constituição é vista como um processo público em constante
modificação é sempre um resultado temporário, ou seja, passa por um processo de
interpretação numa sociedade plural e aberta, contando com a participação de todos, e essa
discussão é o que garante a legitimidade. Segundo o professor, Häberle, “somente assim a
Carta Política será também uma constituição aberta, de uma sociedade aberta e
verdadeiramente democrática” (HUDSON, 2016 p. 8).
Dessarte, a visão de Häberle desconcentra a hermenêutica constitucional e a
democratiza, o que viabiliza transformar os cidadãos receptores em ativos na realização da
Constituição na Sociedade, além de adequar uma sociedade que se propõe a alcançar um
Estado Democrático de Direito materialmente (MACHADO; PENA, 2008, p.2).
Sobre Häberle, Gilmar Mendes anota:
Não existe norma jurídica, senão norma jurídica interpretada, ressaltando que
interpretar um ato normativo nada mais é do que colocá-lo no tempo ou integrá-lo na
realidade pública.
Assim, se se reconhece que a norma não é uma decisão prévia, simples e acabada,
tem-se, necessariamente, de indagar sobre os participantes no seu desenvolvimento
funcional sobre as forças ativas. A ampliação do círculo de intérpretes constituiria
apenas uma consequência da necessidade de integração da realidade no processo de
interpretação (...)
Portanto, o processo constitucional torna-se parte do direito de participação
democrática. O peculiar significado da proposta de Häberle para uma
democratização da interpretação constitucional, ou se quiser, para a
hermenêutica constitucional da sociedade aberta (HABERLE, 1997, p. 9-10).

Diante de todo o exposto, Häberle, em uma entrevista, resume muito bem sua teoria
“sociedade aberta dos intérpretes da Constituição” de uma forma muito simples, observemos:
A Lei das Doze Tábuas trouxe consigo o conhecimento público do direito para os
cidadãos romanos, a qual, como é sabido, foi criada por um grupo de juristas e
políticos que viajou para Atenas e orientou-se pela legislação de Sólon, que a
governava. O caráter público do direito é característica fundamental de todo Estado
constitucional até hoje em dia. A novidade do paradigma da sociedade aberta dos
intérpretes da Constituição é que já não se trata do conhecimento público do direito,
mas que todos os cidadãos tenham acesso ao processo interpretativo (FERREYRA,
2009, p.4).

4.1.1 Aplicação da Teoria Haberliana no Ordenamento Jurídico Brasileiro

Neste tópico investigaremos a aplicação da teoria haberliana na Constituição Federal


de 1988 (CF), no Superior Tribunal Federal (STF) e na Lei 9.868/99, principalmente no que
tange a participação da sociedade.
A teoria de Häberle como já visto, democratizou o processo de interpretação das
normas constitucionais, elevou o povo à categoria de intérprete, e contribuiu para a evolução
dos métodos hermenêuticos.
Para que nossa Constituição seja considerada aberta, é necessário que contenha
dispositivos preconizadores do pluralismo e da democracia participativa, e considere o povo
como totalidade das pessoas da sociedade.
Mas, então a CF permite a utilização do método proposto por Häberle?
Para responder tal questão a professora Jucá (2004, p.108-110) verificou em nossa
Lei Maior e identificou dispositivos que sinalizam a intenção legislativa de que nossa
sociedade seja plural/aberta, dinâmica e multicultural, a saber:
a) Preâmbulo - caracteriza a sociedade brasileira de pluralista;

b) Art. 1º, V, - pluralismo político como fundamento da Federação brasileira;

c) Art. 2º - é objetivo do Estado brasileiro a promoção do bem de todos, sem


preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação;

d) Art. 5º: a Constituição prevê a inviolabilidade de consciência e de crença, bem


como a livre manifestação de pensamento, artística, cultural, intelectual e de
comunicação e a liberdade de reunião e associação;

e) Art. 170 - livre iniciativa e livre concorrência (pluralismo econômico);

f) Art. 206 - pluralismo de idéias e das instituições de ensino;

g) Art. 215 - o pluralismo cultural;

h) Art. 220 - pluralismo de informação.

A autora também detecta que há atribuições de responsabilidade ao povo que


garantem sua efetiva participação na formação da vontade política do Estado, espalhados na
CF, notem:

a) Art 5º, XXXIV. - Assegura a Constituição o direito de petição aos poderes


públicos contra ilegalidade ou abuso de poder, independentemente do pagamento de
taxas:

b) Art 5º, LXX. - Por esse dispositivo, organização sindical, entidade de classe ou
associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano,
podem impetrar mandado de segurança coletivo em defesa dos interesses de seus
membros ou associados;

c) Art 5º, LXXIII. - “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que
vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado
participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e
cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do
ônus da sucumbência”;

d) Art. 14. - O artigo em referência traz várias formas de exercício da soberania


popular, a saber: sufrágio universal, voto direto e secreto, plebiscito, referendo e
iniciativa popular.
e) Art. 31, § 3º - Dispõe sobre a possibilidade de exame, apreciação e
questionamento das contas municipais por qualquer pessoa.

f))Art. 37, § 3º. - “A lei disciplinará formas de participação do usuário na


administração pública direta e indireta...”.

g) Art. 61, caput, § 2º - Possibilita a iniciativa das leis complementares e ordinárias


por qualquer cidadão, através da apresentação à Câmara dos Deputados de projeto
de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído
pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos
eleitores de cada um deles.

h) Art 74, § 2. - “Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte


legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o
Tribunal de Contas da União”.

i) Art. 144. - Dispõe sobre a segurança pública, trazendo-a como dever do Estado,
direito e responsabilidade de todos.

j) Art. 198. - “As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede
regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo
com as seguintes diretrizes: III - participação da comunidade”.

k) Art. 204. - “As ações governamentais na área da assistência social serão


realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art.
195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes: II -
participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação
das políticas e no controle das ações em todos os níveis”.

l) Art. 205. - “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será


promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seupreparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho”.

m) Art. 225. - Impõe ao poder público e à coletividade o dever de defender e


preservar o meio ambiente, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida,

n) Art. 230. – “A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas


idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e
bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”.

Contudo, a autora conclui que, tem-se reiteradamente na Constituição brasileira a


previsão da participação ativa do povo – este significando a totalidade dos brasileiros e
estrangeiros que estão no Brasil – na vida pública, seja por meio de direitos à fiscalização ou à
iniciativa de leis, seja por meio de deveres sociais, o que consagra a democracia participativa.
A Constituição de 1988, pois, ao prelecionar o pluralismo e a democracia participativa,
permite ser caracterizada de norma aberta, verificando-se a viabilidade da aplicação da teoria
de Häberle na Ordem Jurídica nacional (JUCÁ, 2004, p.110).
Outro ponto que merece nossa atenção é a Lei 9.868/99, em seu art. 7º, § 2º
institucionaliza a figura do amici curiae6 na jurisdição constitucional brasileira, isto é, a Corte

6
Amicus Curiae é o amigo da corte, aquele que lhe presta informações sobre matéria de direito,
Constitucional admite que órgãos e entidades participem dos processos, e se manifestem
sobre a questão constitucional em debate. Tal Lei conforme Coelho (1998, p. 164) representa
um significativo avanço para a publicização e a democratização7 do modelo brasileiro de
controle jurisdicional de constitucionalidade das leis.
Os denominados amicus curiae possuem, atualmente, ampla participação
nas ações do controle abstrato de constitucionalidade e constituem peças fundamentais do
processo de interpretação da Constituição por parte do Supremo Tribunal Federal. Assim, é
possível afirmar que a Jurisdição Constitucional no Brasil adota, hoje, um modelo
procedimental que oferecem alternativas e condições as quais tornam possíveis de modo cada
vez mais intenso, a interferência de uma pluralidade de sujeitos, argumentos e visões no
processo constitucional (VALE; MENDES, 2009, p.73).
A mesma lei (9.868/99) em seu art. 9º dispõe sobre novos mecanismos de abertura
procedimental:
§ 1o Em caso de necessidade de esclarecimento de matéria ou circunstância de fato
ou de notória insuficiência das informações existentes nos autos, poderá o relator
requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que
emita parecer sobre a questão, ou fixar data para, em audiência pública, ouvir
depoimentos de pessoas com experiência e autoridade na matéria (Grifo nosso).

O Tribunal tem utilizado amplamente esses novos mecanismos de abertura


procedimental, com destaque para as audiências públicas recentemente realizadas no âmbito
das ações do controle abstrato de constitucionalidade. Como exemplos, tivemos a Ação Direta
de Inconstitucionalidade nº 3.510/DF, na qual se discutiu a constitucionalidade da pesquisa
científica com células-tronco embrionárias, com a participação de pesquisadores, acadêmicos
e médicos, além de diversas entidades da sociedade civil. Na Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental nº 101 debateu o tema da importação de pneus usados e sua
problemática em face dos princípios constitucionais que protegem o meio ambiente
ecologicamente equilibrado. A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54,
foi discutido o complexo tema do aborto de fetos anencéfalos (VALE; MENDES, 2009, p.73-
74).
O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal já conta com normas que preveem
as competências e o procedimento de convocação e realização das audiências públicas

objeto da controvérsia. Sua função é chamar a atenção da corte para alguma matéria que poderia, de outra forma,
escapar-lhe à atenção (WOODBURY apud COELHO, 1998, p.162).
7
No mesmo sentido Gilmar Mendes: “Assim, a Lei no 9.868/99 consagrou a figura do amicus curiae, conferindo
uma abertura pluralista ao processo brasileiro de interpretação constitucional, no sentido referido por Peter
Häberle” (VALE; MENDES, 2009, p.72-73).
(Emenda Regimental nº 29, de 18 de fevereiro de 2009) e que o art. 154 do Regimento
prescreve que as audiências públicas devem ser transmitidas pela TV Justiça e pela Rádio
Justiça. No caso dos amici curiae, a Corte já reconheceu, inclusive, o direito desses órgãos ou
entidades de fazer sustentação oral nos julgamentos (ADIn QO 2.777, Rel. Min. Cezar
Peluso8, J. 26.11.2003; art. 131, § 3º, do Regimento Interno do STF), o que antes ficava
restrito ao advogado da parte requerente, ao Advogado-Geral da União e ao Ministério
Público.
Portanto, é notável a abertura do processo constitucional brasileiro e a influência de
Häberle sobre nosso ordenamento jurídico. A inserção de diferentes grupos em processos
judiciais é um importante avanço na função de integração no Estado de Direito e na
construção de uma Sociedade aberta de intérpretes da Constituição brasileira.

4.2 INTERPRETAÇÃO OFICIAL

Uma Constituição, ao instituir o Estado, organiza o exercício do poder político,


define os direitos fundamentais dos indivíduos e estabelece determinados princípios e traça
fins públicos a serem alcançados. Deste modo, as normas materialmente constitucionais
podem ser agrupadas nas seguintes categorias: normas constitucionais de organização: visam
estruturar e disciplinar o exercício do poder político. Normas constitucionais programáticas:
traçam fins sociais a serem alcançados pela atuação futura dos poderes públicos. E por fim,
Normas constitucionais definidoras de direitos: são as que tipicamente geram direitos
subjetivos, investindo o jurisdicionado no poder de exigir do Estado prestações positivas ou
negativas (BARROSO, 2009, p.200 -202).
A Constituição Federal, em seu título II, classifica o gênero direito e garantias 9
fundamentais em importantes grupos, a saber:
(i) direitos e deveres individuais e coletivos;
(ii) direitos sociais;
(iii) direitos de nacionalidade;
(iv) direitos políticos;

8
O voto do Ministro Celso de Mello foi inteiramente compatível com a orientação de Peter Häberle que, “não só
defende a existência de instrumentos de defesa da minoria, como também propõe uma abertura hermenêutica que
possibilite a esta minoria o oferecimento de 'alternativas' para a interpretação constitucional” (MENDES, p.2-3).
9
Consoante o professor Lenza, direitos são bens e vantagens prescritos na norma constitucional, enquanto as
garantias são os instrumentos através dos quais se assegura o exercício dos aludidos direitos (preventivamente)
ou prontamente os repara, caso violados (2017, p.1103).
(v) partidos políticos;
O mestre Bobbio (2004, p. 9-22) sempre defendeu que os direitos do homem, por
mais fundamentais10 que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas
circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes,
e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas. O que prova
que não existem direitos fundamentais por natureza. O que parece fundamental numa época
histórica e numa determinada civilização não é fundamental em outras épocas e em outras
culturas. Para ele, os direitos nascem quando o aumento do poder do homem sobre o homem
ou cria novas ameaças à liberdade do indivíduo ou permite novos remédios para as suas
indigências.
Por isso, doutrinariamente os direitos estão dispostos cronologicamente em diversas
fases, gerações, ou melhor, dimensões (por entender que uma nova dimensão não abandonaria
as conquistas da anterior): as primeiras correspondem os direitos de liberdade, ou um não agir
do Estado, isto é, direitos civis e políticos; aos segundos, os direitos sociais, ou uma ação
positiva do Estado. Nos direitos de terceira11 e de quarta geração,12 podem existir direitos
tanto de uma quanto de outra espécie.
Isso posto, os aspectos constitucionais selecionados para pesquisa são pertinentes a
essas normas constitucionais definidoras de direitos da 1.ª e 2.ª dimensão, especificadamente,
direitos individuais e coletivos (art. 5º da Constituição), sociais (art. 6º da CF) e políticos
(arts. 14º ao 17º da CF).
É importante ressaltar que os resultados aqui obtidos não intencionam realizar a
"inferência estatística", tendo, em vez disso, propósito de natureza exploratória.
Utilizando as categorias häberleanas, as interpretações oficiais e não-oficiais desses
direitos serão confrontadas a seguir. Os dados referentes à primeira forma de interpretação
foram obtidos por meio de pesquisa bibliográfica, jurisprudencial e legislativa. Já os relativos
à segunda, foram levantados na pesquisa online.
É exatamente porque a teoria de Häberle propõe a desconcentração da legitimidade

10
Bobbio alerta para o fato de que o problema real que temos de enfrentar, contudo, não é fundamentar os
direitos do homem, mas o das medidas imaginadas e imagináveis para a efetiva proteção desses direitos (2004, p.
22).
11
São os direitos transindividuais, como por exemplo, o meio ambiente, direito de comunicação, de propriedade
sobre o patrimônio comum da humanidade (LENZA, 2017, p.1102).
12
Os direitos de 4ª dimensão decorrem da globalização dos direitos fundamentais, o que significa universalizá-
los, como por exemplo, direito a informação, pluralismo e democracia (LENZA, 2017, p.1102).
interpretativa é que se escolheu delimitar o campo investigativo acerca do imaginário
constitucional, sobre os direitos e garantias fundamentais, pois tais direitos fazem parte da
realidade dos intérpretes não oficiais da Constituição.

4.2.1 Direitos Individuais e Coletivos

A expressão Direitos Individuais e Coletivos é usado na Constituição para exprimir o


conjunto dos direitos fundamentais concernentes à vida, à igualdade, à liberdade, à segurança
e a propriedade (SILVA, 2005, p.176).
Como já manifestou o STF, tais direitos não se restringem ao art.5.º da CF podendo
ser encontrados ao longo do texto constitucional 13.

4.2.1.1 Prisão civil por dívida

A Constituição Federal ao tratar sobre o assunto “prisão” elenca uma série de


enunciados normativos (art. 5.º, LXI ao LXII). A mesma prevê que, “ninguém será preso
senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária
competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos
em lei”.
Mas, pode ser efetuada uma prisão sem cometer algum crime, isto é, no caso de
dívida? Essa foi o questionamento realizado nas afirmações 1, 3 e 4. Ambas perguntaram se
alguém pode ser preso com base em dívida.
No primeiro momento a resposta é positiva, “não haverá prisão civil por dívida,
salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia
e a do depositário infiel14” (art. 5º, LXVII).
Porém, como se sabe o Brasil é signatário de tratados internacionais que não mais
estabelecem prisão do depositário infiel, Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos
(art. 11) e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa
Rica (art. 7º). Por isso o STF decidiu (Informativo 531/STF, assim como no RE 466.343 etc.)
que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, se não incorporados na

13
O relator, Ministro Sydney Sanches – medida cautelar, RTJ 150/68 –, no julgamento da ADI 939-7/DF,
entendeu tratar-se de cláusula pétrea a garantia constitucional prevista no art. 150, III, “b”, declarando que a EC
n.3/93, ao pretender subtraí-la da esfera protetiva dos destinatários da norma, estaria ferindo o limite material
previsto no art. 60, § 4.º, IV, da CF/88.
14
Consonte o art. 627 do Código Civil depositário é aquele que recebe o depósito de um bem móvel, para
guardar, até que o depositante o reclame. Será infiel quando não restituir quando exigido.
forma do art. 5.º, §3.º (quando teriam natureza de norma constitucional), têm natureza de
normas supralegais, paralisando, assim, a eficácia de todo o ordenamento infraconstitucional
em sentido contrário – é o caso do art. 652 do Código Civil e o Decreto- lei n. 911/69 –, ou
seja, a previsão constitucional da prisão civil do depositário infiel não foi revogada, só deixou
de ter aplicabilidade diante do efeito paralisante desses tratados.
Para colocar fim a qualquer discussão, o STF editou a Súmula Vinculante de nº 25: É
ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito. Mas,
permanece a prisão pelo inadimplimento de obrigação alimentícia conforme o art. 5º, LXVII
da CF e art. 528 §3 do Código de Processo Civil “se o executado não pagar ou se a
justificativa apresentada não for aceita, o juiz, além de mandar protestar o pronunciamento
judicial na forma do § 1o, decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses”.
Nesse contexto, o legislador constituinte optou em regra pela não privação da
liberdade diante de causas econômicas e financeiras. Nesse caso, o que pode ser feito é a
propositura de uma ação de cobrança ou de ação de execução, a depender do documento
probante. Porém, a exceção a essa regra é em caso de alimentos.

4.2.1.2 Prisão antes do advento de sentença penal condenatória irrecorrível

O questionamento sobre a prisão antes do trânsito em julgado da sentença penal


condenatória está prevista no art. 5º da CF, inciso LVII “ninguém será considerado culpado
até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Ainda no mesmo artigo, inciso
LXI: ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de
autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime
propriamente militar, definidos em lei.
No ordenamento jurídico brasileiro, a competência para provar a culpa é do
Ministério Público, pois a inocência é presumida. Caso não o faça, ação penal deverá ser
julgada improcedente.
Isto posto, surge a dúvida: é possível a execução provisória de decisão condenatória
proferido em grau recursal, ainda que pendente recurso nos órgaos superiores (Superior
Tribunal de Justiça –STJ – ou Supremo Tribunal Federal –STF –)?
Conforme Lenza (2017, p.197-1200), o STF alterou sua jurisprudência por algumas
vezes sobre esse assunto. Inicialmente reconheceu a possibilidade de execução provisória.
Nesse sentido: HC 68.726 (j. 28.06.1991), HC 72.366 (j. 13. 09.1995), HC 74.983 (j.
30.06.1997) etc. e Súmulas 716 e 717.
Entretanto, tal entendimento veio a ser substituído. Pacificou-se o entendimento que
a execução da pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado da sentença
condenatória contrária o art.5º, LVII, da Constituição, exceto as prisões cautelares previstas
no Código de Processo Penal (CPP) (HC 84.078, Rel. Min. Eros Grau, j. 05.02.2009, Inf.
534/STF).
Porém, posteriormente, o STF mudou seu entendimento, resgatou a jurisprudência
tradicional15, ou seja, é possível a execução provisória de decisão de 2º grau de jurisdição, e
vem adotando a tese firmada nos precedentes. Com isso, aqueles condenados por tribunais de
segundo grau, como os Tribunais Regionais Federais, podem ser presos.
Mas, espera-se o julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade
(ADC’s) sobre esse tema, a fim de tornar-se vinculante. Em dezembro de 2018 estava
marcado na pauta (10 de abril de 2019) do STF as ADC’s sobre prisão em segunda instância,
entretanto, a mesma foi desmarcada e não há nova data.
Na mesma linha de pensamento adotado pelo STF, no dia 06 de fevereiro de 2019 o
Ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro apresentou o anteprojeto de lei
“anticrime”, que dentre as inúmeras alterações, prevê alteração na Lei de Execução Penal:
“Art. 105. Transitando em julgado a sentença que aplicar pena privativa de liberdade ou
determinada a execução provisória após condenação em segunda instância, se o réu estiver ou
vier a ser preso, o Juiz ordenará a expedição de guia de recolhimento para a execução”.
Destarte, segundo a Constituição a regra é impossibilidade de prisão antes do trânsito
em julgado, as exceções são prisão em flagrante – artigo 302 do CPP–, prisão temporária –
Lei 7.960/89 – e prisão preventiva – artigo 312 do CPP. Mas, como visto na prática
jurisprudêncial, alguém pode ser preso antes de recorrer a todas as instâncias\trânsito em
julgado e é por isso que segundo o Levantamento de Informações Penitenciárias (INFOPEN,
junho de 2016) 40% das pessoas presas no Brasil não haviam sido ainda julgadas e
condenadas, estão presos provisoriamente.

4.2.1.3 Inviolabilidade de domicílio

O primeiro passo para compreensão do conteúdo, é entender o que é domicílio, e o


que é casa. Conforme o art. 70 do CC domicílio é onde a pessoa natural estabelece a sua

15
“A execução provisória de acórdao penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a
recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência
afirmado pelo art. 5.º, LXII da Constituição (HC 126.292, Rel. Min.Teori Zavascki, j. 17.02.2016, DJE de
17.05.2016)”.
16
residência com ânimo definitivo. Já casa, segundo a doutrina e jurisprudência abrange não
só domicílio, mas também escritório, oficinas , garagens ou até quartos de hotéis.
A CF dispõe que “casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo
penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou
para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial” (Artigo 5º, inciso XI); ou
seja, sem o consentimento do morador só poderá nela penetrar: por determinação judicial
(somente durante o dia) ou em caso de flagrante delito, desastre ou para prestar socorro
(durante o dia ou à noite17, não necessitando de determinação judicial).
É importante relembrar o tema 280 da repercussão geral do STF “a entrada forçada
em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada
em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa
ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do
agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados” (RE 603.616, j. 05.11.2015, DJE
de 10.05.2016).
Por conseguinte, de acordo a interpretação oficial a resposta (afirmação 5) é que sim,
com base no mandado judicial a polícia pode entrar na casa de alguém, mesmo sem o seu
consentimento, entretanto, a noite não pode (afirmação 6), exceto no caso de flagrante
delito18, desastre ou para prestar socorro.

4.2.1.4 Assistência jurídica gratuita

Artigo 5º da CF, LXIII dispõe que o preso será informado de seus direitos, entre os
quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado.

16
“Para os fins da proteção jurídica a que se refere o art. 5.º, XI, da Constituição da República, o conceito
normativo de ‘casa’ revelase abrangente e, por estender-se a qualquer aposento de habitação coletiva, desde que
ocupado (CP, art. 150, § 4.º, II), compreende, observada essa específica limitação espacial, os quartos de hotel
(...). ” (RHC 90.376, Rel. Min. Celso de Mello, j. 03.04.2007, DJ de 18.05.2007).
17
E em relação a dia ou noite, o critério físico-astronômico (aurora e crepúsculo) deve ser conjugado com a
definição de parte da doutrina, 6 às 18h (LENZA, 2017, p.1155).
18
Art. 302 do CPP. Considera-se em flagrante delito quem:
I - está cometendo a infração penal;
II - acaba de cometê-la;
III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça
presumir ser autor da infração;
IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da
infração.
Art. 303. Nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a
permanência.
No inciso LXXIV no mesmo sentido, o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita
aos que comprovarem insuficiência de recursos. Tal direito se instrumentaliza por meio da
Defensoria Pública, instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado,
incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a
orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e
extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos
necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal (art.134, caput,
da CF/88).
Por conseguinte, é direito e garantia fundamental daqueles que realmente
necessidade a assistência de um advogado gratuitamente, ou seja, defesa técnico-jurídica.
Diferentemente da defesa técnica, a autodefesa é exercida pelo próprio acusado,
quando ele participa das diligências etc, porém no nosso ordenamento é vedado ao acusado
não ter defesa técnica, exceto se este for advogado (a), vejamos:
“Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem
defensor (Art. 261 do CPP). Se o acusado não o tiver, ser-lhe-á nomeado defensor pelo juiz,
ressalvado o seu direito de a todo tempo, nomear outro de sua confiança, ou a si mesmo
defender-se, caso tenha habilitação (Art. 263 do CPP)”.

4.2.1.5 Direito a propriedade privada

O direito a propriedade é uma previsão constitucional, sendo assegurado o direito


individual à propriedade (inciso XXII), mas como não é absoluto, desde já, expressamente,
19
condiciona o exercício desse direito ao atendimento da função social da propriedade (CF,
art. 5.º, XXIII). Nos dois incisos seguintes, prevê a desapropriação por necessidade ou
utilidade pública, ou por interesse social, observado o procedimento que a lei estabeleça
(inciso XXIV), e a requisição de propriedade particular por autoridade administrativa, no caso
de iminente perigo público (inciso XXV).
À vista disso, a Constituição se vale de instrumentos jurídicos para o cumprimento
das exigências constitucionais. Em geral, esses instrumentos implicam limitações ou
condicionamentos ao exercício dos poderes inerentes ao domínio (uso, fruição, disposição e
reivindicação), hipóteses a que a doutrina se refere como "intervenção restritiva”.
Especificamente no caso da desapropriação, entretanto, não se tem apenas uma limitação, e
sim a perda da propriedade, por esse motivo, é classificada como "intervenção supressiva"
19
Art. 182 § 2º da CF: A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências
fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.
(PAULO; ALEXANDRINO, 2017, p. 1121).
Tradicionalmente os meios de intervenção do Estado na propriedade privada
enumerados pela doutrina, são: servidão administrativa; requisição; ocupação temporária;
limitação administrativa; tombamento; desapropriação.
A primeira questão relativa ao direito à propriedade (afirmação 11) propõe um caso
de limitação à propriedade privada: desapropriação, e como pressuposto a utilidade pública, a
regra matriz está prevista no art. 5.º, XXIV da CF. Na afirmação, o poder público compraria a
casa de alguém, para no seu lugar construir uma escola, mesmo que o dono da casa não
quisesse vendê-la.
Mas, o que é desapropriação? Desapropriação é o procedimento de direito público
mediante o qual o Estado, ou quem a lei autorize, retire coercitivamente a propriedade de
terceiro e a transfira para si - ou, excepcionalmente, para outras entidades -, fundadas em
razões de utilidade pública·, de necessidade pública·, ou de interesse social,· em regra, com o
pagamento de justa e prévia indenização (PAULO; ALEXANDRINO, 2017, p. 1133).
Além dessa norma genérica, há no texto constitucional outras três previsões
específicas de desapropriação. A primeira delas está no art. 182, § 4.º, III, conhecida como
"desapropriação urbanística". É quando não são observadas as exigências do município, tem
ele o poder de impor o parcelamento ou a edificação compulsória do solo, ou ainda, em caso
extremo, de promover a desapropriação com indenização em títulos públicos. A segunda
forma é a “desapropriação rural”, (art. 186 CF), a União fica autorizada a desapropriar por
interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua
função social, com indenização em títulos da dívida agrária.
A terceira é a “desapropriação confiscatória” (art. 243 CF) propriedades rurais e
urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas
psicotrópicas ou a ·exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e
destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização
ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.
Enfim, a desapropriação é efetivada mediante um procedimento administrativo (se
houver acordo) na maioria das vezes acompanhado de uma fase judicial (se não existir
acordo) em que o magistrado solucionará a controvérsia (PAULO; ALEXANDRINO, 2017,
p. 1133). A competência para declarar a utilidade pública ou o interesse social do bem é da
União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, entretanto, há um caso de
desapropriação por interesse social em que a competência declaratória é exclusiva da União,
que é a reforma agrária (art. 184 CF) (2017, p. 1140).
A segunda afirmação (questão 12) relativa ao assunto “propriedade” é relacionada a
usucapião. De acordo com o prof. Flávio Tartuce, a usucapião -grafada pelo Código
Civil/2002 no feminino- “constitui uma situação de aquisição do domínio, pela posse
prolongada em um bem imóvel”. As principais características que deve ter são: intenção de
dono, mansa e pacífica, contínua e duradoura, justa, boa-fé e com justo título, em regra (2011,
p. 825-827). A base legal para a usucapião está no Código Civil, arts. 1238 ao 1244.
Mas, qual a modalidade e requisitos da usucapião anunciada no nosso caso? Uma
família “sem teto”, que ocupe uma casa na cidade por 7 anos consecutivos, sem oposição,
torna-se dona da casa? Estamos diante da usucapião constitucional ou especial urbana – “pro
misero” (TARTUCE, 2011, p.833). Ou seja, “Aquele que possuir como sua área urbana de até
duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição,
utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja
proprietário de outro imóvel urbano ou rural” (art. 183, caput, da CF/ 1988, art.240 do CC e
art. 9. ° da Lei 10.257/2001).
Por isso, diante das duas questões apresentadas na pesquisa a resposta certa seria que
sim (concordo), ambas são viáveis conforme nosso ordenamento jurídico.

4.2.2 Direitos Sociais e Políticos

São direitos sociais, direitos a educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia,


transporte, lazer, segurança, previdência social, entre outros. Estão previstos no art.6º da CF, e
apresentam-se como prestações positivas a serem implementadas pelo Estado e tendem a
concretizar a perspectiva da isonomia substancial e social na busca de melhores e adequadas
condições de vida, estando, ainda, consagrados como fundamentos da República Federativa
do Brasil –art. 1.º, IV da CF– (LENZA, 2017, p.1250).
Sob outra perspectiva, os direitos políticos nada mais são que instrumentos por meio
dos quais a CF garante o exercício da soberania popular, atribuindo poderes aos cidadãos para
interferirem na condução da coisa pública, seja direta, seja indiretamente (LENZA, 2017,
p.1310).

4.2.2.1 Liberdade de associação e desassociação sindical

Inserido nos direitos coletivos dos trabalhadores, está a liberdade de associação


sindical “É livre a associação profissional ou sindical” (art. 8º caput, CF).
Associação sindical é uma associação profissional com prerrogativas especiais, tais
com: defender os direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, até em questões
judiciais e administrativas; participar de negociações coletivas de trabalho e celebrar
convenções e acordos coletivos etc. (SILVA, 2005, p.301).
A liberdade sindical implica efetivamente: (a) liberdade de fundação de sindicato
significa que com mero registro no órgão competente, que é o registro das pessoas jurídicas
pode atuar, ou seja, constituído livremente, sem autorização, formalismo; (b) liberdade de
adesão sindical consiste no direito de os interessados aderirem ou não ao sindicato de sua
categoria profissional ou econômica, sem autorização ou constrangimento, liberdade que
envolve o direito de desligar-se quando desejar, já que não é obrigado a filiar-se nem manter-
se filiado (art. 8º,V CF); (c) liberdade de atuação do sindicato, que persiga seus fins e realize
livremente a representação dos interesses da respectiva categoria; (d) liberdade de filiação a
associação sindical de grau superior, também prevista no art. 8º, IV (SILVA, 2005, p.301).

4.2.2.2 Elegibilidade e direito ao voto

Como núcleo dos direitos políticos tem-se o direito de sufrágio, que se caracteriza
tanto pela capacidade eleitoral ativa (direito de votar, capacidade de ser eleitor, alistabilidade)
como pela capacidade eleitoral passiva (direito de ser votado, elegibilidade).
O exercício do sufrágio ativo dá-se pelo voto, que pressupõe: a) alistamento eleitoral
na forma da lei (título eleitoral); nacionalidade brasileira (não podem alistar-se como eleitores
os estrangeiros — art. 14, § 2.º); idade mínima de 16 anos (art. 14, § 1.º, II, “c”); e não ser
conscrito20 durante o serviço militar obrigatório.
Assim, o alistamento eleitoral e o voto são (art. 14 § 1º):
I - Obrigatórios para os maiores de 18 anos e menores de 70 anos de idade;
II - Facultativos para: a) os analfabetos; b) os maiores de 70 anos; c) os maiores de
dezesseis e menores de dezoito anos.
Como ensina Lenza (2017, p.1319-1321) capacidade eleitoral passiva nada mais é
que a possibilidade de se eleger, concorrendo a um mandato eletivo. O direito de ser votado,
no entanto, só se torna absoluto se o eventual candidato preencher todas as condições de
elegibilidade para o cargo ao qual se candidata e, ainda, não incidir em nenhum dos
impedimentos constitucionalmente previstos, quais sejam, os direitos políticos negativos.
O art. 14, § 3.º, estabelece como condições de elegibilidade: nacionalidade brasileira;
pleno exercício dos direitos políticos; alistamento eleitoral; domicílio eleitoral na
circunscrição; filiação partidária; idade mínima de acordo com o cargo ao qual se candidata.

20
Conscritos são os convocados, ou melhor, os recrutados, para o serviço militar obrigatório. No caso de se
engajarem no serviço militar permanente não são conscritos (LENZA, 2017, p. 1317).
Os direitos políticos negativos individualizam-se ao definirem formulações
constitucionais restritivas e impeditivas das atividades político-partidárias. Nelas se destacam
as inelegibilidades e privação dos direitos políticos. As inelegibilidades são as circunstâncias
(constitucionais ou previstas em lei complementar) que impedem o cidadão do exercício total
ou parcial da capacidade eleitoral passiva, ou seja, da capacidade de eleger-se. Podem ser
absolutas ou relativas.
Conforme o art. 14, §4.º são absolutamente inelegíveis os:
(a) Inalistáveis: quem não pode ser eleitor não pode eleger-se: estrangeiros e os
conscritos durante o serviço militar obrigatório. Lembrando que o alistamento
eleitoral é indiscutível condição de elegibilidade;
(b) Analfabetos: possuem o direito à alistabilidade/votar, mas não possui capacidade
eleitoral passiva/ ser eleito.
Nesse diapasão, a afirmação (8) que diz que um analfabeto não pode se candidatar
está correta, já a questão nove (9) está errada, pois como visto um analfabeto pode escolher se
vota ou não.

5 RESULTADOS

Anteriormente, analisávamos a interpretação oficial sobre os direitos selecionados,


agora será vista as concepções do grupo social entrevistado destes mesmos direitos.
A partir dessa comparação, será possível testar a hipótese básica da pesquisa, a de
que um segmento da sociedade pode conceber aspectos de um ordenamento jurídico
diversamente daquele determinado pela interpretação oficial.
É interessante relatar que o perfil de quem mais respondeu a pesquisa foram
estudantes universitários do sexo feminino, jovens entre 18 a 20 anos e que estudaram em
escola pública.
Todos os enunciados usados no questionário se encontram no final do presente artigo
(apêndice).
Mas, enfim os respondentes divergiram ou não da interpretação oficial? Passemos a
análise dos resultados obtidos.

5.1 INTERPRETAÇÃO NÃO OFICIAL

5.1.1 Direitos Individuais e Coletivos

5.1.1.1 Prisão civil por dívida


Para tal assunto foram utilizados três enunciados. O primeiro relativo a uma
obrigação por quantia certa (afirmação 1) e as outras duas a respeito de obrigações
alimentícias (afirmação 3 e 4).
No primeiro enunciado, mais da metade dos estudantes responderam discordando, e,
por conseguinte acertaram. Mas, algo curioso é a grande porcentagem de indecisos.

Figura 1- Resultados obtidos com a afirmação 1 (Uma pessoa que deve a um banco pode ser presa se não
pagar).

A respeito das obrigações alimentícias a pesquisa revelou que mais da metade dos
estudantes acertaram a resposta, porém houve alterações de resposta em razão do sexo do
devedor.
Para 71% dos respondentes se o devedor for homem\pai ele irá ser preso caso não
pague a pensão alimentícia e para 20% ele não irá ser preso.

Tabela 1- Um pai que deva pensão alimentícia pode ser preso se não pagar.

Coincidência com Coincidência com


a Interpretação a Interpretação Indecisos Indecisos
Pergunta
Oficial Oficial (frequência) (%)
(frequência) (%)
P3 115 71,9% 12 7,5%

Por outro lado, se a devedora for mãe, para 21, 9% ela não deverá ser presa, e para
68,8% ela deverá ser presa, ou seja, se compararmos com a mesma pergunta só que com
referencial masculino mais pessoas responderam que ele deverá ser preso. No caso, há menor
certeza e maior indecisão acerca da prisão da mãe, diferente do pai – maior certeza.

Tabela 2- Uma mãe que deva pensão alimentícia pode ser presa se não pagar.

Coincidência com Coincidência com Indecisos Indecisos


Pergunta
a Interpretação a Interpretação (frequência) (%)
Oficial Oficial
(frequência) (%)
P4 110 68,8% 13 8,1%

Nesse contexto, uma informação é relevante, tanto na questão 3 e 4 o sexo feminino


obteve maior porcentagem de respostas concomitantes a lei, 77,7% e 76,6% respectivamente.
Já, o sexo masculino, 66,7% e 59,6%, ou seja, as mulheres parecem estar bem mais
informadas que os homens sobre o assunto.

5.1.1.2 Prisão antes do advento de sentença penal condenatória irrecorrível

Como visto a CF 5º, inciso LVII assegura que “ninguém será considerado culpado
até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, as exceções são prisão em flagrante
– artigo 302 do CPP–, prisão temporária – Lei 7.960/89 – e prisão preventiva – artigo 312 do
CP. Ora, se alguém não é culpado, não deve ser preso, e se o pressuposto da culpabilidade é o
trânsito em julgado, ou seja, decisão ou acórdão não mais recorrível, ninguém poderá ser
preso até que se prove sua culpabilidade diante de todos os graus recursais.
Contudo, nos últimos tempos temos vivenciado uma grande insegurança jurídica no
que diz respeito a este assunto, pois os tribunais têm adotado uma interpretação diferente da
Constituição, já que a regra é a liberdade, e exceção, a prisão. Porém, mesmo com essa
controvérsia, nos ateremos à resposta obtida por meio da Constituição e não do Supremo
Tribunal Federal.
Assim, 50,6% dos estudantes responderam que um acusado deve ser preso para ser
julgado, e somente 35,6 % responderam consoante a Constituição, que não.

Figura 2- Resultados obtidos com a afirmação 2 (Se uma pessoa é acusada de cometer um crime, ela deve ser
presa para ser julgada).

Tabela 3- Se uma pessoa é acusada de cometer um crime, ela deve ser presa para ser julgada.
Coincidência com Coincidência com
a Interpretação a Interpretação Indecisos Indecisos
Pergunta
Oficial Oficial (frequência) (%)
(frequência) (%)
P2 57 35,6% 19 11,9%

5.1.1.3 Inviolabilidade de domicílio

Sobre o tema domicílio, foram apresentadas aos respondentes 2 afirmações (questão


5 e 6). A primeira refere-se à exceção: determinação judicial, decorrente da regra de
inviolabilidade de domicílio sem consentimento. Trata-se, da entrada com ordem de um juiz,
ou seja, com determinação judicial. Exceção totalmente possível, conforme nosso
ordenamento, desde que seja durante o dia.
Em tal questão, a grande maioria respondeu conforme a lei, só uma parcela de
13,1% que não.

Tabela 4- Por ordem de um juiz, a polícia pode forçar a entrada na casa de alguém, mesmo contra a vontade
desta.

Coincidência com Coincidência com


a Interpretação a Interpretação Indecisos Indecisos
Pergunta
Oficial Oficial (frequência) (%)
(frequência) (%)
P5 130 81,3% 7 4,4%

Já a questão seguinte, refere-se à regra: inviolabilidade de domicílio. Nesta somente


21,9% coincidiram com o ordenamento jurídico, pois, como visto a prisão à noite tem
somente uma exceção: prisão em flagrante.

Figura 3- esultados obtidos com a afirmação 6 (Por ordem de um juiz, a polícia pode forçar a entrada à noite na
casa de alguém e efetuar sua prisão).
Tabela 5- Por ordem de um juiz, a polícia pode forçar a entrada à noite na casa de alguém e efetuar sua prisão.
Coincidência com Coincidência com
a Interpretação a Interpretação Indecisos Indecisos
Pergunta
Oficial Oficial (frequência) (%)
(frequência) (%)
P6 35 21,9% 11 6,9%

5.1.1.4 Assistência jurídica gratuita

Assistência jurídica gratuita parece ser um tema, como outros, um pouco


desconhecido pelas respondentes. Os resultados da afirmação 7 demonstram que os alunos/as
se distribuíram nas repostas, 39,4% responderam que é possível a autodefesa, 40% que não e
20 % ficaram indecisos.
Como estudado, não é possível um acusado não ter assistência. Nos casos de
insuficiência de recursos, como o caso apresentado, o Estado oferece os Defensores para
realizar a defesa destes gratuitamente.

Tabela 6- Uma pessoa que não pode pagar um advogado pode fazer sua própria defesa.

Coincidência com Coincidência com


a Interpretação a Interpretação Indecisos Indecisos
Pergunta
Oficial Oficial (frequência) (%)
(frequência) (%)
P7 64 40,0% 32 20,0%

5.1.1.5 Direito a propriedade privada

O direito a propriedade privada não é absoluto e por isso tal direito pode ser
restringido. As duas questões (afirmações 11 e 12) relativas ao assunto são exceções que
podem limitar uma propriedade privada: desapropriação e usucapião.
Na primeira foi majoritária a resposta de que não seria possível a desapropriação,
cerca de 82,5 %, o que está equivocado, pois como estudado é possível.

Tabela 7- O poder público pode comprar a casa de alguém, para no seu lugar construir uma escola, mesmo que o
dono da casa não queira vendê-la.

Coincidência com Coincidência com


a Interpretação a Interpretação Indecisos Indecisos
Pergunta
Oficial Oficial (frequência) (%)
(frequência) (%)
P11 19 11,9% 8 5,0%
A segunda questão sobre o tema obteve a resposta semelhante a lei pela maioria das
pessoas, principalmente pelo sexo masculino. A usucapião pareceu ser um tema mais
conhecido que desapropriação.

Tabela 8- Uma família “sem teto”, que ocupe uma casa na cidade por 7 anos consecutivos, sem oposição, torna-
¬se dona da casa.

Coincidência com Coincidência com


a Interpretação a Interpretação Indecisos Indecisos
Pergunta
Oficial Oficial (frequência) (%)
(frequência) (%)
P12 77 48,1% 24 15,0%

5.1.2 Direitos Sociais e Políticos

5.1.2.1 Liberdade de associação e desassociação sindical

O conteúdo trabalhista, especificamente sobre o direito dos trabalhadores de se


associarem e desassociarem quando quiserem, aparentou ser confuso para uma boa parcela
dos respondentes, 3% não sabiam. Mas, no geral quase 60% responderam de acordo com a
lei.
Nessa questão, os homens obtiveram maior número de respostas coincidentes com a
CF em relação às mulheres, 78,9% em face de 50%, revelando que conhecem mais sobre o
tema.

Figura 4- Resultados obtidos com a afirmação 10 (Os trabalhadores empregados no comércio são obrigados a
fazer parte de sindicato).

Tabela 9- Os trabalhadores empregados no comércio são obrigados a fazer parte de sindicato.

Coincidência com Coincidência com


a Interpretação a Interpretação Indecisos Indecisos
Pergunta
Oficial Oficial (frequência) (%)
(frequência) (%)
P10 95 59,4% 34 21,3%

5.1.2.2 Elegibilidade e direito ao voto

Direito de votar e ser votado foi o assunto das afirmações no tópico dos direitos
eleitorais. Foram apresentadas duas afirmações que apontavam exceções a estes direitos. Em
ambas as questões, foram alcançadas pela maioria das pessoas um bom conhecimento jurídico
sobre a matéria.
A afirmação oito (8) relaciona-se ao direito de elegibilidade, de ser votado em
eleições. Nela somente 28,7% destoaram da CF, e 61,9% obtiveram êxito. Os homens
alcançaram notável diferença 68,4% de coincidência com a interpretação oficial sobre 58,5%
do sexo feminino.

Tabela 10- Uma pessoa que não sabe ler nem escrever não pode se candidatar a cargos políticos nas eleições.

Coincidência com Coincidência com


a Interpretação a Interpretação Indecisos Indecisos
Pergunta
Oficial Oficial (frequência) (%)
(frequência) (%)
P8 99 61,9% 12 7,5%

De outro modo, quanto ao direito de votar o equívoco foi um pouco menor, 27,5%, e
por isso a coincidência foi maior. Entretanto, se as mulheres na questão anterior se
manifestaram em desacordo com a CF, nesta a porcentagem foi maior em relação aos homens,
70,2% em oposição a 57,9%. Demonstrando, ser um tema conhecido por ambos os sexos.

Tabela 11- Uma pessoa que não sabe ler nem escrever não pode votar nas eleições.

Coincidência com Coincidência com


a Interpretação a Interpretação Indecisos Indecisos
Pergunta
Oficial Oficial (frequência) (%)
(frequência) (%)
P9 104 65,0% 7 4,4%

Agora, que já foi analisado cada um dos temas, vejamos os cruzamentos de alguns
dados.
Ao explorar a faixa etária dos participantes, identifica-se que responderam
principalmente estudantes entre 18 a 20 anos (103 pessoas), ou seja, jovens. Porém, algo
muito curioso foi que, mesmo que a maioria dos respondentes tenham sido jovens, a faixa
etária com maior porcentagem de coincidência com a CF foi por estudantes mais velhos, entre
31 anos e 45 anos, àqueles que menos responderam.

Figura 5- Distribuição da população pesquisada, por faixa etária.

Figura 6- Média de coincidência com a interpretação oficial por faixa etária.

Sob a perspectiva de gênero, a maior parte dos respondentes foi do sexo feminino (94
mulheres), mas curiosamente como ocorreu com a perspectiva de idade, aqui o gênero de
maior sincronia com a lei não foram os que mais responderam, isto é, as mulheres, mas sim
do sexo masculino.

Figura 7-Distribuição da população pesquisada, por gênero.

Figura 8- Média de coincidência com a interpretação oficial por faixa gênero.

Outra variável muito importante na pesquisa é a informação de qual escola vieram. A


maior parte veio de escolas públicas (104 alunos/as), 45 vieram de escolas particulares e 11
alternaram entre escolas particulares e públicas ou vice-versa.
O inusitado é que se comparar somente escola pública e particular, a categoria de
maior aproximação com a CF não foi a grande maioria de respondentes oriundos de escolas
públicas, mas sim a minoria vinda de escolas particulares, daqueles que saíram de escolas
particulares. Infelizmente, sinaliza a desigualdade na prestação de serviço e qualidade de
ensino entre escolas públicas e particulares.
Mas, se a comparação for entre as três categorias, a que obteve maior coincidência
com o ordenamento jurídico foi a que menos tiveram participantes, ou seja, aqueles que
mesclaram o ensino entre público e particular.

Figura 9-Distribuição da população pesquisada, por tipo de escola que estudaram.

Figura 10- Média de coincidência com a interpretação oficial por tipo de escola.

Diante de todos os dados, é possível uma breve análise e média de cada uma das
questões, vejamos Error! Reference source not found..
A questão que teve mais respostas conforme a CF foi a questão cinco (5), relativa à
inviolabilidade de domicílio, com 81,3%. Já a questão com maior dissonância com a CF foi a
questão 11, pertinente a desapropriação de propriedade privada, somente 11,9%
comcomitantes a lei. E a questão com mais pessoas indecisas, foi a pergunta 10, também
relacionada a desapropriação. Por fim, as questões com menos indecisos, foram às questões
cinco (5) e nove (9), pertinentes a inviolabilidade de domicílio e ao direito de votar.

Figura 11-Estatística geral em gráfico.

Finalmente, a média por cada aluno. Portanto, a média de coincidência foi de seis (6)
questões, ou seja, de um total de 12 questões respondidas, o aluno respondeu seis (6) questões
em desacordo e seis (6) consoantes a CF, vide Tabela 12.

Tabela 12- Média de coincidência com a Interpretação Oficial por aluno.

Coincidência com Coincidência com


a Interpretação a Interpretação Indecisos Indecisos
Pergunta
Oficial Oficial (frequência) (%)
(frequência) (%)
Geral 6 52,8% 0,03 0,3%

Desse modo, para ter uma boa visão geral segue tabela com os dados compilados.

Tabela 13-Média geral de todas as questões.


Média de Coincidência com a Interpretação Oficial
Escolas 30 anos
Escola Escola Mais de 30
Pergunta Homens Mulheres Outro Pública e ou
Pública Privada anos
Privada menos
P1 61,4% 67,0% 77,8% 71,2% 55,6% 54,5% 92,3% 63,3%
P2 36,8% 36,2% 22,2% 28,8% 51,1% 36,4% 38,5% 35,4%
P3 66,7% 77,7% 44,4% 66,3% 77,8% 100,0% 92,3% 70,1%
P4 59,6% 76,6% 44,4% 62,5% 77,8% 90,9% 84,6% 67,3%
P5 87,7% 83,0% 22,2% 79,8% 82,2% 90,9% 84,6% 81,0%
P6 17,5% 20,2% 66,7% 22,1% 24,4% 9,1% 23,1% 21,8%
P7 40,4% 38,3% 55,6% 37,5% 42,2% 54,5% 46,2% 39,5%
P8 68,4% 58,5% 55,6% 60,6% 60,0% 81,8% 76,9% 60,5%
P9 57,9% 70,2% 55,6% 62,5% 75,6% 45,5% 53,8% 66,0%
P10 78,9% 50,0% 33,3% 51,9% 75,6% 63,6% 84,6% 57,1%
P11 15,8% 9,6% 11,1% 9,6% 15,6% 18,2% 23,1% 10,9%
P12 49,1% 45,7% 66,7% 40,4% 62,2% 63,6% 53,8% 47,6%

6 CONCLUSÃO

Enfim, para se chegar a alguma conclusão é necessário voltar à pergunta principal


inicialmente feita no texto: os respondentes divergiram da interpretação oficial dada à
Constituição quando perguntados sobre certos direitos e garantias fundamentais
constitucionais?
Antes de chegarmos a tal resultado, é interessante analisar algumas hipóteses. A
primeira seria que a sociedade tem em grande parte um imaginário constitucional diferente do
que está previsto na Constituição ou pelos Tribunais. Claro que tal hipótese precisa de estudos
mais aprofundados, pesquisas de maior fôlego. Outra hipótese é de que ainda vige a ideia de
intérpretes oficiais, fruto do positivismo, ou seja, distanciamento entre a Constituição e a
sociedade.
A identificação de que as pessoas divergem da Constituição sugere problemas, o
principal seria o fato de que se as pessoas não conhecem seus direitos, o que as impossibilita
de reivindicar a proteção e efetivação deles junto aos órgãos, isto é, não seria possível a
ativação dos mecanismos de defesa do Estado.
Como meio de evitar a não efetivação de direitos fundamentais, o mais apropriado
seria seguir o que Häberle propõe, isto é, desconcentração da interpretação. Os cidadãos são
parte integrante da realização da Constituição na sociedade, e essa concepção pode gerar
maior envolvimento da sociedade com a coisa pública e uma transição entre uma Constituição
formal para um material. Mas, como fazer a aproximação?
Uma valiosa solução está no projeto de lei nº 70 de 2015. Este visa alterar21 a
redação dos artigos n.º 32 e 36 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional), para inserir novas disciplinas obrigatórias nos currículos dos
ensinos fundamental e médio, incluindo o estudo da Constituição Federal.
Tal inovação legislativa é de suma importância, pois contribuirá na ampliação da
noção cívica dos nossos estudantes, ensinando-lhes sobre seus direitos constitucionais, como
cidadão e futuro eleitor, e, em contrapartida, aprenderem sobre seus deveres. No dia de
06/10/2015, o PLS foi aprovado pelo Senado, e encaminhada para Câmara dos Deputados.
Agora esperar para saber o deslinde do projeto!
Por fim, os dados revelaram que o imaginário constitucional difere sim da
interpretação oficial, em aspectos de não correspondência em graus variados. Cerca de 50%
das questões apresentadas foi respondida diferentemente do previsto na lei ou na
jurisprudência. O que significa um distanciamento entre a interpretação não oficial encontrada
no grupo pesquisado e a interpretação oficial a respeito dos temas inquiridos. Assim, a
resposta da pergunta acima deve ser respondida afirmativamente, resultando na confirmação
da hipótese.
Contudo, é de suma importância a não generalização dos resultados para além do
grupo social que responderam as perguntas, qual seja, ingressantes na Universidade Federal
de Goiás em 2018. A pesquisa não abrange a sociedade como um todo, pelo contrário, o
objetivo da pesquisa foi somente contrastar a interpretação não oficial deste grupo
específico/estudantes.

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21
Art. 1º Os arts. 32 e 36 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional), passam a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 32. .....................................................................................................
I – a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, do exercício da cidadania, da tecnologia,
das artes e dos valores morais e cívicos em que se fundamenta a sociedade;
“Art. 36. ................................................................................................
IV – serão incluídas a disciplina Constitucional, a Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatórias em
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SILVA, José Afonso. Segunda Parte: Dos direitos e garantias fundamentais. In: ___. Curso
de direito constitucional positivo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p.176-301.

TARTUCE, Flávio. Direito das Coisas: usucapião de bens imóveis In: __. Manual de
Direito Civil, volume único. São Paulo: Método, 2017. cap.7, p.825-841.

VALE, A.; MENDES, G. O Pensamento de Peter Häberle na Jurisprudência do Supremo


Tribunal Federal. DPU nº 28– doutrina, – jul-ago/2009, p.71-94.

8 APÊNDICE

APÊNDICE I- FORMULÁRIO UTILIZADO NA PESQUISA ONLINE


QUESTIONÁRIO
[Virtual, hospedado via Google Forms]

[Texto introdutório:]

Você foi convidado (a) a participar de uma pesquisa sobre o direito em nosso país, chamada
“interpretação não oficial da constituição”. Estamos interessados em saber sua opinião sobre
algumas afirmações. Não é um teste de conhecimento, e sim uma pesquisa de opinião. Por isso a
sua opinião é muito importante para a gente. A resposta ao questionário é rápida, leva menos de
5 minutos.
Embora seja pedido que você informe seu nome, sua identidade será preservada no tratamento dos
dados e exposição de resultados, de forma a não possibilitar a sua identificação. Os demais dados
pessoais solicitados são apenas para fins de tratamento estatístico, e não serão divulgados de
maneira individualizada, sendo garantido o anononimato.
A participação no presente pesquis tem caráter voluntário. Vale ressaltar que você pode desistir de
sua participação a qualquer momento no preenchimento desse questionário. Você também pode dexiar
de responder questões que eventualmente lhe causem constrangimento ou desconforto.
Obrigado (a) pela participação!

[Questões]

1. Qual é seu nome?


2. Quantos anos você tem?
3. Qual é o seu gênero?
4. Durante o ensino médio, você estudou: (marque mais de uma, se aplicável)
() em escola pública
() em escola privada
() outro. Especifique:

[Texto para o próximo bloco de questões]: Agora, observando as afirmações feitas abaixo,
pedimos que você emita sua opinião, dizendo se concorda ou discorda com elas.

Afirmação 1. Uma pessoa que deve a um banco pode ser presa se não pagar.
() concordo
() discordo
() não sei
() não quero responder

Afirmação 2. Se uma pessoa é acusada de cometer um crime, ela deve ser presa para ser julgada.
() concordo
() discordo
() não sei
() não quero responder

Afirmação 3. Um pai que deva pensão alimentícia pode ser preso se não pagar.
() concordo
() discordo
() não sei
() não quero responder
Afirmação 4. Uma mãe que deva pensão alimentícia pode ser presa se não pagar.
() concordo
() concordo
() discordo
() não sei
() não quero responder

Afirmação 5. Por ordem de um juiz, a polícia pode forçar a entrada na casa de alguém, mesmo
contra a vonta desta.
() concordo
() discordo
() não sei
() não quero responder

Afirmação 6. Por ordem de um juiz, a polícia pode forçar a entrada à noite na casa de alguém e
efetuar sua prisão.
() concordo
() discordo
() não sei
() não quero responder

Afirmação 7. Uma pessoa que não pode pagar um advogado pode fazer sua própria defesa.
() concordo
() discordo
() não sei
() não quero responder

Afirmação 8. Uma pessoa que não sabe ler nem escrever não pode se candidatar a cargos políticos nas
eleições.
() concordo
() discordo
() não sei
() não quero responder

Afirmação 9. Uma pessoa que não sabe ler nem escrever não pode votar nas eleições.
() concordo
() discordo
() não sei
() não quero responder

Afirmação 10. Os trabalhadores empregados no comércio são obrigados a fazer parte de sindicato.
() concordo
() discordo
() não sei
() não quero responder

Afirmação 11. O poder público pode comprar a casa de alguém, para no seu lugar construir uma
escola, mesmo que o dono da casa não queira vendê-la.
() concordo
() discordo
() não sei
() não quero responder

Afirmação 12. Uma família “sem teto”, que ocupe uma casa na cidade por 7 anos consecutivos,
sem oposição, torna-se dona da casa.
() concordo
() discordo
() não sei
() não quero responder

[mensagem final] Obrigado(a) pela participação!

APÊNDICE II- GRÁFICOS RELATIVOS AO PERFIL DOS RESPONDENTES

Figura 12-Distribuição da população pesquisada, por gênero.


Figura 13-Distriuição da população pesquisada, por tipo de escola que estudaram.

Figura 14-Distribuição da população pesquisada, por faixa etária.

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