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CONCURSO SEJUS 2010

CONHECIMENTOS
ESPECÍFICOS
(PARA O CARGO DE
ATENDENTE DE
REINTEGRAÇÃO SOCIAL)

Profª Maria Nauza Luza Martins

BRASÍLIA, FEV/2010.

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SUMÁRIO

1. MEDIAÇÃO DE CONFLITOS

2. FORMAS DE VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES

2.2 Violência Contra Crianças e Adolescentes: Perguntas e Respostas

2.3 Abuso Sexual: Perguntas e Respostas

3. EXCLUSÃO SOCIAL

4. SISTEMA DE GARANTIA DE DIREITOS DA CRIANÇA E DO


ADOLESCENTE – SGD

5. PROTEÇÃO INTEGRAL: POLÍTICAS INTEGRADAS

6. CONSELHOS DE DIREITOS E TUTELAR: O QUE É E O QUE FAZ

6.1 Perguntas e Respostas sobre Conselho de Direitos e Conselho


Tutelar

7. CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE RUA

8. ATO INFRACIONAL E SUAS VICISSITUDES

9. O ATENDENTE DE REINTEGRAÇÃO SOCIAL NO APOIO AO


PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO: ATUAÇÃO MULTIDISCIPLINAR

10. ESTRATÉGIAS E PROCEDIMENTOS TEÓRICO-


METODOLÓGICOS EM REINTEGRAÇÃO SOCIAL - ARTICULAÇÃO
COM A SITUAÇÃO DE INTERVENÇÃO.

1. MEDIAÇÃO DE CONFLITOS¹

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I. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A Mediação existe na sociedade humana desde os tempos da Antiga


China. Inspirados em Confúcio (551 a.C. – 479 a.C.) um terceiro era chamado para
mediar conflitos entre sujeitos ou grupos. Outras antigas sociedades orientais
desenvolvidas também se valiam desta prática resultante de uma ética
conciliatória, naquele tempo muito presente, oriunda de princípios religiosos e
culturais que regulavam a vida das comunidades.

No Brasil, verificam-se aspectos interessantes quanto à Mediação, embora


o surgimento amplo de debates acerca do assunto, em artigos, congressos e
seminários acadêmicos e a expansão da sua prática ainda se revela tímida.
Entretanto, existe uma forte tendência, sobretudo na área jurídica, de que este
meio de resolução de conflitos deve ser utilizado, de imediato, considerando a
metodologia que reduz o tempo do tratamento do conflito, e face à falta de
estrutura do sistema judiciário para atender rapidamente às demandas.

Assim é que, em nosso país, embora ainda não exista uma legislação
regulamentando a prática de Mediação, verifica-se a existência de várias
instituições púbicas ou particulares, que desenvolvem tanto a prática como cursos
de mediação.

A mediação como forma de solucionar conflitos, tem suporte em vários


princípios constitucionais, como por exemplo, da dignidade da pessoa humana –
Artigo 1º, inicio III da CF/88 – uma vez que o mediador oportuniza aos envolvidos,
não somente o relato estrito da questão do litígio, mas que venha sobre a mesa
todos os motivos e circunstâncias que envolvam o caso e as pessoas, portanto, o
resgate das relações; o princípio do acesso à justiça, não no sentido da jurisdição,
mas em seu sentido substancial, e assim, justo, como no Artigo 5º, inciso XXXV,
da CF/88; e, ainda, o princípio da igualdade, eis que o processo de mediação
oportuniza tratamento isonômico nas falas e questionamentos dos envolvidos, vide
o Artigo 5º, inciso I, da CF.
Como se observa, há necessidade de uma visão contemporânea da idéia de
justiça, que aponta para uma revisão de paradigmas, considerando a delonga do
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judiciário em demonstrar eficiência e presteza na função de dirimir controvérsias,
como também o desafio de desenvolver condições para a convivência com as
diferentes formas de tratamento de conflitos.

II. DEFINIÇÃO DE MEDIAÇÃO

A Mediação é um método por meio do qual uma terceira pessoa, imparcial,


especialmente formada, auxilia as partes a ampliarem a comunicação por meio de
uma maior compreensão das raízes dos conflitos que se apresentam. A
conseqüência da mediação é a assunção de maior responsabilidade das partes na
condução de suas vidas, sendo o acordo um dos possíveis desdobramentos da
mediação.

A Mediação tem ampla aplicabilidade, podendo ser utilizada em vários


contextos, como nos conflitos familiares, de vizinhança, em escolas e demais
instituições. Assim como na reestruturação de empresas, principalmente naquelas
familiares e nas questões relativas à sucessão de gerações na empresa,
alcançando aí, com muita freqüência, a função preventiva da mediar conflitos.

A Mediação é um meio alternativo de solução de controvérsias, litígios e


impasses, onde um terceiro, neutro/imparcial, de confiança das partes (pessoas
físicas ou jurídicas), por elas livre e voluntariamente escolhido, intervém entre elas
(partes) agindo como um “facilitador”, um catalisador, que usando de habilidade e
arte, leva as partes a encontrarem a solução para as suas pendências. Portanto, o
Mediador não decide; quem decide são as partes. O Mediador utilizando habilidade
e as técnicas da “arte de mediar”, leva as partes a decidirem. Portanto, o Mediador
é um profissional treinado, qualificado, que conhece muito bem o universo das
negociações e dos negociadores e domina a Arte da Mediação.

III. DEFINIÇÃO DE CONFLITO

É uma situação que revela desentendimento, confronto de opiniões, entre


duas ou mais pessoas, situação essa que não tem de ser necessariamente
negativa, pois, pode representar a oportunidade de crescimento e coesão entre as

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pessoas, permite o desenvolvimento de capacidades sociais, maior capacidade de
comunicação e mesmo de autonomia.

Não se deve caracterizar o conflito apenas numa perspectiva estática ou


demasiado pontual, pois, o conflito pode vir surgindo ao longo do tempo e referir-se
a um conjunto de situações, que se vão desenrolando no tempo.

Conflito, portanto, é um processo, no qual se revelam desentendimentos e


confronto de opiniões. É um fenômeno normal, que existe onde existem pessoas.
O conflito, porque se constitui e se forma a partir de pontos de vista diferentes, se
bem gerido, proporciona a percepção de diferentes modos de pensar, diferentes
modos de abordar a realidade, que se partilha com os outros. Todas estas
possibilidades são uma mais valia para a formação da nossa própria pessoa, do
nosso modo de ser e estar no Mundo.

IV. CONFLITOS E CULTURA DE PAZ

Mediação de conflito é a resolução dos problemas através da cultura da paz,


em que todos os envolvidos no tema conseguem, de certa forma, obter algum tipo
de benefício ou ganho a curto, médio ou longo prazo. Para tanto é necessário
entender que o conflito não encerra em si apenas uma questão de cunho negativo,
mas pode ser também um momento de crescimento, de revisão de
posicionamentos, valores arraigados. Além disso, deve-se procurar analisar a
questão dentro do contexto social, histórico dos envolvidos, pois, dependendo da
carga interna de cada um, o que caracteriza uma questão violenta para uma das
partes pode não ser vista da mesma forma pela outra.

A mediação de conflito difere da negociação, pois na primeira há a presença


do mediador, enquanto na segunda o problema e a solução são discutidos entre as
partes e nem sempre há ganho para todos os envolvidos. Na mediação, o desejo
de solucionar o impasse deve ser de todos.

Há de se ressaltar que a pessoa que irá intermediar o conflito deve ser


legitimada por todos, uma vez que a confiança é primordial para que se chegue a

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bom termo. O mediador deve ser imparcial, não deve emitir juízo de valores e deve
apenas conduzir o processo, ser um veículo entre as partes. A resolução do
problema deve ser trazida pelos envolvidos, mesmo que o mediador não concorde
com os termos do contrato,

Inicialmente o mediador deve ouvir a queixa de cada parte em separado


entendendo o ponto de vista de cada um e a problemática como um todo. A isso se
dá o nome de pré-mediação. O segundo passo constitui-se em delimitar regras
para o diálogo a fim de não comprometer o processo. O local indicado para as
negociações é fundamental, pois deve ser neutro, acolhedor, que garanta o sigilo
necessário.

Na fase subseqüente abre-se para as colocações verbais, momento em que


o mediador questiona sobre os sentimentos de cada um referentes ao problema,
buscando alternativas vislumbradas pelas partes. O mediador usa de técnicas
como: paráfrase, espelhamento, eco, dentre outras. Ao final estabelece-se um
acordo que deve ser registrado e assinado pelas partes.

V. NEGOCIAÇÃO E MEDIAÇÃO: Diferenças e Semelhanças

Tanto a negociação como a mediação são processos através dos quais é


possível gerir conflitos. Neste sentido a sua semelhança reside na sua vocação e
nos seus objetivos, isto é, possibilitar que o conflito se resolva e que dele resulte
uma experiência positiva para as partes nele envolvidas.

Contudo, a semelhança não se esgota neste parâmetro, diz respeito


também às habilidades ou instrumentos necessários para a sua realização. É
fundamental, antes de tudo, perceber que o conflito é um processo co-construído, é
preciso conhecer e controlar as emoções, perceber realmente do que se está a
tratar.

Para ambas as situações a atitude assertiva, a escuta ativa e empática são


ingredientes fundamentais que revelam a vontade efetiva de resolver o conflito
instaurado. A comunicação eficaz, o diálogo que se estabelece entre as partes será

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revelador de toda intenção e disponibilidade na resolução do conflito, o que aliado,
e neste caso particular na mediação, às habilidades cognitivas, facilitará todo o
processo.

Na negociação a resolução do problema é levada a cabo voluntariamente


pelas partes em conflito e pode ser efetivada de maneira formal ou informal.

Na mediação a resolução do problema implica sempre a existência de uma


pessoa imparcial ao conflito que terá por função facilitar a identificação e a
construção da solução para o conflito.

Procedimentos Semelhanças Diferenças


Resolução
Conflitos
Mediação  Procedimento voluntário.  Envolve uma pessoa
 Reconhecimento de que se é exterior ao conflito,
parte do conflito. isenta e imparcial.
 Fixação de um tempo e lugar
para a comunicação.  Confidencial.
 Determinação de regras do
processo.  Formal.
 Identificação dos pontos de vista
e interesses.  Habilidades cognitivas
 Comunicação eficaz: escuta ativa para enfoque do
 Comportamento assertivo. conflito.
 Criação de um acordo .
 Verificação do cumprimento do
acordo.
 Processo transformador onde as
pessoas podem modificar as suas
convicções de forma positiva.

 Realizada diretamente
Negociação pelas partes em
conflito.

 Formal ou informal.

VI. IMPORTÂNCIA DA ESCUTA ATIVA NA RESOLUÇÃO DO CONFLITO.

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A escuta ativa é uma técnica de comunicação que pretende e permite que as
barreiras de comunicação que se estabeleceram entre as partes de um conflito se
eliminem, ou pelo menos se atenuem. Implica que prestemos atenção não só ao
conteúdo da mensagem de cada uma das partes, mas também aos sentimentos e
emoções nelas envolvidas, aos índices não verbais e ao contexto em que a
mensagem é proferida.

A idéia de escuta ativa se reveste de enorme importância na resolução de


conflitos, pois é fundamental que neste processo as partes envolvidas exprimam a
sua opinião e o desacordo, sendo também importante explorar os sentimentos, os
valores e as atitudes de todos quanto estão envolvidos e sentem vontade de
encontrar a solução ajustada para o conflito.

A falta de comunicação é precisamente onde se originam muitas vezes os


conflitos. A dificuldade que todos temos em “ouvir” e aceitar as posições, os pontos
de vista das outras pessoas, daí que a escuta ativa, apesar de ser difícil porque se
está a lidar com problemas e questões nas quais as pessoas estão
emocionalmente envolvidas.

É imprescindível saber escutar. O saber escutar cria empatia, a empatia cria,


facilita e permite a obtenção de um ambiente mais propicio ao encontro de
soluções satisfatórias para o conflito.

VII. BENEFÍCIOS RESULTANTES DA CAPACIDADE DA GESTÃO DE


CONFLITOS.

Todos sabemos que os conflitos não resolvidos provocam mal estar,


ambientes conturbados, situações desgastantes que conduzem unicamente à
desmotivação e a processos recorrentes que não conduzem a lugar nenhum.

Está claro, portanto, que a solução e o gerenciamento dos conflitos será o


que de melhor se pode fazer, pois todo o processo que rodeia esta resolução,
implica, processos de comunicação (escuta ativa), empatia, que acabam por se
traduzir em ganhos, em termos cognitivos, afetivos, para as partes envolvidas.

8
Vezulla (2004) em sua Dissertação de Mestrado em que avaliou exatamente
a Mediação de conflitos em adolescentes em conflito com a lei aponta a grande
validade desses conhecimentos e dessa ferramenta dentro desse contexto. Assim
ele comenta:
“Assim, o Estado poderia auxiliá-lo no atendimento de suas necessidades de constituir-se
como sujeito e a tomar consciência de sua situação para deixar de ser objeto da dependência e
produzir o efeito desejado na conquista de seus direitos, transformando o ato infracional em
experiência vital que contribua à sua emancipação.
Consideramos que a procura do efeito emancipador permitiria ao adolescente em conflito
com a lei poder transformar a expressão de violência do ato infracional na compreensão do pedido
de auxílio envolvido nela, ao verbalizar, num diálogo respeitoso e cooperativo, suas necessidades e
pressões e, assim, remanejar seus relacionamentos estruturais. Neste trabalho, o adolescente
poderia tomar consciência de si, de sua identidade, de sua inserção social e de seus direitos,
aceitando a sua contrapartida: as obrigações para com os outros. Tentaremos, nos dois próximos
capítulos, apresentar a mediação como procedimento que atenderia às necessidades dos
adolescentes aqui trabalhadas e servisse para produzir o efeito emancipador facilitando ao
adolescente a elaboração de sua situação de adolescente em conflito com a lei”.(Vezulla, 2004)

Partindo desta idéia aplica-se de igual modo na relação que se estabelece


entre socioeducadores e socioeducandos. Sabemos através da nossa experiência
vivida e daquilo que vamos observando, que muitas vezes se originam situações
conflituosas que não se chegam a resolver prontamente, ou porque são ignoradas,
ou porque são mal gerenciadas, conduzindo e provocando uma série de mal
entendidos. Se, a equipe de socioeducadores no desenvolvimento de seu trabalho
com os socioeducandos tiverem competências, para gerir conflitos, os benefícios
daí decorrentes se traduzirão na construção de um ambiente participativo,
interativo e de diálogo permanente, extremamente propício para a “educação para
a paz”, pois não será um ambiente produzido por qualquer intervenção disciplinar,
mas será o resultado de uma prática efetiva dos elementos que a compõe.

VIII. BIBLIOGRAFIA
SCHNITMAN, D.F.. Novos paradigmas na resolução de conflitos. In: Schnitman,
D.F. & Littlejohn, S. (org.) Novos paradigmas em mediação. Porto Alegre: Artmed
Editora, 1999.
WARAT, L.A.. O ofício do mediador. Florianópolis: Habitus, 2001.

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VEZULLA, J. C. A mediação de conflitos com adolescentes autores de ato infracional.
Dissertação de Mestrado em Serviço Social pela Universidade Federal de Santa
Catarina. Florianópolis, 2004.

2. VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES¹

A violência contra crianças e adolescentes não é privilégio deste século e


muito menos uma característica inerente a países subdesenvolvidos ou em
desenvolvimento. Como nos diz Áriès (1981), a violência contra crianças e
adolescentes é identificada a muito na história da humanidade. Literaturas que
retratam a vida no império greco-romano descrevem massacres de populações
infantis e discorre sobre as mortes impostas às crianças nascidas com uma
deficiência qualquer. As crianças portadoras de deficiência física ou mental eram
consideradas subumanas, o que legitimava sua eliminação ou abandono. Ainda
hoje existe essa crença em algumas comunidades indígenas brasileiras.
Foi somente a partir do século XVII que a criança e o adolescente passaram
a ser diferenciados dos adultos e a ter importância social. Com o desenvolvimento
da ciência e principalmente das ciências humanas, particularmente da Psicologia,
descobriu-se que as fases da infância e da adolescência são importantes para a
formação da personalidade. E hoje são consideradas fases fundamentais no
desenvolvimento humano que devem ser tratadas com consideração e direitos,
direitos que devem ser preservados a todo ser humano, principalmente aos que
estão nesse período peculiar de desenvolvimento. (Áries, 1981).
Badinter (1995) aponta que durante a segunda metade do século XVIII era
costume os pais entregarem seus filhos, com poucas horas de nascimento a uma
ama-de-leite que seria responsável pela sua educação. A mortalidade era grande e
começou a aumentar de tal forma que houve uma mudança no sentido de
responsabilizar a mãe pela criação e (boa) educação dos filhos. O discurso
político, econômico e filosófico se voltou para o fortalecimento do sentimento
materno.
A violência, portanto, é um elemento que está presente em diversos
espaços: nas instituições, nas ruas e, principalmente nas nossas próprias casas.
Eis aqui para onde nossos olhos se voltaram: para a à violência cometida
cotidianamente nas relações familiares, dentro do espaço doméstico. A violência
tem grande incidência nos próprios lares, e eis aqui o grande paradoxo, o
local que deveria ser de proteção é onde encontramos mais desproteção.
A compreensão da violência contra crianças e adolescentes, como um
fenômeno capaz de comprometer seu desenvolvimento potencial, data da segunda
metade do século XIX. A aceitação do maltrato à infância como objeto de
investigação surge com a descrição da Síndrome da Criança Espancada, publicada
em 1961, por Kempe e Silverman (Azevedo & Guerra, 1989). Essa síndrome é
assim designada quando crianças muito pequenas aparecem no consultório
médico com ferimentos inusitados que não são consistentemente explicados pelos
seus pais.

Na literatura corrente, diversos são os conceitos utilizados para definir esse


fenômeno: maus tratos, abuso, violência doméstica, violência intrafamiliar, dentre
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outros. Essa forma de violência é um fenômeno complexo, de muitas faces, que
determina inúmeros desafios e dificuldades para pesquisadores e estudiosos. Em
função de ser um processo que se manifesta de maneira sigilosa, configurando um
segredo familiar, está envolvida por dispositivos que ao mesmo tempo a revelam e
a ocultam.

Azevedo & Guerra (1998) fazem algumas considerações pertinentes quanto


a conceituação da violência. Ressaltam que os termos castigo e disciplina, muito
utilizados na pedagogia infantil, mascaram a verdade dos fatos, pois não incluem
as agressões sexuais e nem questionam a gravidade das formas usadas de
castigo e disciplina que podem resultar em agressões físicas graves. Consideram o
termo agressão também inadequado, pois se refere a um conceito psicológico não
específico do ser humano. Com relação ao termo maus-tratos, este sugere uma
definição suplementar do que é “bom trato” e “mau trato”. Então ressaltam que o
termo abuso, quando relacionado ao termo vitimização (abuso-vitimização),
mostra-se mais adequado, pois indica os dois pólos de uma relação interpessoal
de poder, ou seja, o pólo adulto, mais forte (abusador), e o pólo infantil, mais fraco
(vitimizado).

Essas autoras definem a violência doméstica contra crianças e


adolescentes como uma violência interpessoal e subjetiva que pode se prolongar
por meses ou até anos. Essa forma de violência institui um abuso do poder
disciplinar e coercitivo dos pais ou responsáveis; um processo que reduz a vítima à
condição de objeto de maus tratos. É uma forma de violação dos direitos
essenciais da criança e do adolescente enquanto pessoa e, portanto, uma
negação de valores humanos fundamentais como a vida, a liberdade e a
segurança. Ademais, a violência tem na família sua ecologia privilegiada,
pois, como esta pertence à esfera do privado, a violência doméstica acaba se
revestindo da tradicional característica do sigilo.

FORMAS DE VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES

VIOLÊNCIA FÍSICA - “é entendida como o emprego de força física contra a


criança, de forma não acidental, causando-lhe diversos tipos de ferimentos e
perpetrada por pai, mãe, padrasto, madrasta ou responsáveis”. (AZEVEDO &
GUERRA, 1989.)

VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA - “é uma das formas de violência mais difícil de ser


detectada, estando presente não apenas na família, estando presente não apenas
na família, mas também em outros espaços de convivência da criança e do
adolescente.” (AZEVEDO & GUERRA, 1989.)

VIOLÊNCIA SEXUAL - “todo ato ou jogo sexual, relação heterossexual ou


homossexual entre um ou mais adultos e uma criança menor de 18 anos, tendo por
finalidade estimular sexualmente a criança ou utilizá-la para obter uma estimulação
sexual sobre sua pessoa ou de outra pessoa.” (AZEVEDO & GUERRA, 1989.)

NEGLIGÊNCIA - “entende-se por não dar à criança ou adolescente aquilo de que


necessita, quando isso é essencial ao seu desenvolvimento sadio. pode significar
omissão em termos de cuidados básicos como: privação de alimentos,
medicamentos, ausência de proteção, etc. (AZEVEDO & GUERRA, 1989.)
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O QUE SIGNIFICA VIOLÊNCIA FÍSICA CONTRA CRIANÇAS E
ADOLESCENTES?

A literatura especializada nacional e internacional indica o seguinte perfil


para este fenômeno:

Quanto à NATUREZA:
- relações do agressor com os filhos vítimas se caracterizam por serem uma
relação sujeito objeto;
- os filhos devem satisfazer as necessidades dos pais;
- a disciplina física é sempre enfatizada como um método adequado de
educação;

- o agressor geralmente foi vítima de agressão física na infância;


- há cumplicidade (aliança solidária) entre os conjugues;
- é um fenômeno que se caracterizar por seu caráter repetitivo.

Quanto à DIREÇÃO:
- as vítimas tanto podem ser do sexo feminino quanto do sexo masculino;
- predomínio do sexo feminino, especialmente na adolescência;
- agressores: pai, mãe, padrasto, madrasta, pais adotivos;
- maior índice de vítimas nas faixas etárias de 07 aos 13 anos;
- fenômeno aparece nas diferentes classes sociais, sendo mais denunciadas
ao poder do Estado pelas classes mais populares.

Quanto às CONSEQUENCIAS:
Orgânicas:
– seqüelas provenientes de lesões diversas que poderão causar invalidez
permanente ou temporária;
- morte da vítima (violência fatal).

Psicológicas:
- sentimentos de raiva, medo do agressor;
- dificuldades escolares;
- dificuldades quanto a confiar nos outros;
- autoritarismo criando uma paradoxal subserviência para com a autoridade e
a rebelião contra ela;
- delinqüência;
- violência doméstica;
- parricídio/matricídio.

O QUE SIGNIFICA VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA CONTRA CRIANÇAS E


ADOLESCENTES?

Das formas de abuso contra a criança, o abuso psicológico é,


provavelmente, o mais dissimulado. É também o mais freqüente, pois acompanha
todos os outros. Ele raramente se apresenta sozinho, vem sempre associado às
agressões físicas, exclusão social, abuso sexual, exploração do trabalho, entre
outras inúmeras formas de privação da infância.
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Na violência física está implícita a violência psicológica – e é justamente o
fato de estar sendo agredido fisicamente por um familiar que causa mais danos à
formação da personalidade infantil.
“Apanhar na rua, de um estranho, por mais que isso cause fraturas e outros danos
físicos, não tem a influência sobre a personalidade que uma agressão de um pai ou
mãe impacientes, pois estes estão também ensinando aos filhos uma forma
violenta de relacionar-se afetivamente”, afirma.
A violência psicológica é mais sutil, está na base das outras formas de
violência. Existe a violência puramente psicológica, mas ela é bem mais difícil
de diagnosticar e raras vezes é denunciada.
O mais grave é que se cria um ciclo contínuo de violência, que se transmite
de geração para geração. Essa criança vai repetir este padrão com os irmãos
menores, com os colegas da escola, mostrando-se muitas vezes inapta ao convívio
social, ou simplesmente reproduzindo este padrão em seus próximos
relacionamentos afetivos, com sua mulher ou marido, com seus filhos.

Uma pessoa agredida na infância via de regra se torna um adulto


agressor. É preciso ressaltar, todavia, que nem toda a criança agredida se
tornará um agressor, mas podemos dizer, segundo a psicóloga, que todo o
agressor foi vitimizado, quando criança. Basta investigar com cuidado que se
descobre. A agressão a crianças como forma de educá-las é muitas vezes alegado
como justificativa para um espancamento por parte dos familiares.
A violência doméstica, seja física ou mesmo verbal, é um fenômeno
absolutamente democrático, acontece em todas as classes sociais e não tem maior
incidência nas classes mais pobres. Porém, a visibilidade em classes baixas é
maior, porque exige das estruturas públicas, dos pronto-socorros, dos hospitais do
INSS, das escolas públicas.
São estas instituições que contabilizam dados e criam estatísticas. As
classes mais altas, ao contrário, procuram médicos particulares, psicólogos
particulares, que mantém o sigilo e não contribuem para qualquer levantamento
estatístico, uma vez que individualmente, seus dados não são expressivos. Nas
classes altas é tudo mais velado, mais escondido. Há menos denúncias, mas
ocorre do mesmo jeito.

O QUE SIGNIFICA VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E


ADOLESCENTES ?

A violência sexual assume distintas formas - o abuso, a violação sexual (o


estupro propriamente dito) e o incesto; a exploração sexual e o tráfico de
mulheres, meninas e meninos para fins sexuais; mutilações genitais e a
escravidão sexual.
A compreensão do fenômeno da violência sexual doméstica contra crianças
e adolescentes exige que exploremos o contexto sócio-econômico, político e
cultural, onde a criança e o adolescente estão inseridos. Nesse sentido, é
fundamental compreender o contexto familiar, sua organização e suas relações.

A violência sexual envolve uma ampla gama de atividades com e sem


contato físico. Dentre as atividades sem contato destacam-se o voyeurismo e as
cantadas obscenas. As atividades com contatos físicos implicam desde beijos,

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carícias, até cópulas oral, anal e vaginal. Ambas as formas podem ocorrer com ou
sem emprego de força física. As relações podem ser com pessoas do mesmo sexo
e/ou com diversos graus de parentesco: pai e filha, irmão e irmã etc. Isso quer
dizer que o agressor poderá ser um adolescente.
Estamos, portanto, diante de um fenômeno muito complexo que gera
dificuldades conceituais, pois nem sempre atendem adequadamente os aspectos
médico, jurídico, psicológico e ético que esses crimes envolvem e que interferem
em sua identificação e com certeza em sua intervenção. Daí a relevância de
estudos sobre essa questão para unificar a nossa linguagem e o nosso saber e
podermos estar bem mais preparados para lidar com esse fenômeno.

Na realidade de vida das crianças e dos adolescentes abusados ou


explorados sexualmente constata-se um outro tipo de violação, caracterizada pela
ação ou omissão das famílias, da sociedade e do poder público, que
respectivamente agem ou deixam de agir sob os argumentos dos costumes, das
necessidades de sobrevivência, da deficiência das políticas sociais básicas, da
fragilidade do aparelho público e do nível de organização das redes de exploração.

A violência e a sexualidade se assentam na desigualdade de poder e no


exercício de dominação do mais forte sobre o mais fraco. Desta forma, o fenômeno
da violência sexual doméstica não deve ser considerado apenas como
historicamente construído. Ninguém nasce agressor sexual, esta é uma “carreira”
que se constrói com o tempo. Uma vez que a violência sexual é socialmente
(re)produzida, logo pode ser socialmente desconstruída.

A violência sexual doméstica apresenta uma natureza incestuosa o que a


torna um tabu, uma interdição social. Ela é um escândalo na estrutura familiar
quando revelada. Isso gera um contexto de ocultamento da realidade, criando
confusão para aqueles que a vivenciam e para aqueles que não “conseguem” ver
essa realidade. E aqui estão incluídos os familiares, amigos, vizinhos, comunidade
e até profissionais por vezes “especializados”. Isso acarreta na impossibilidade de
identificação do fenômeno e sua possível intervenção. Além disso, envolve não só
a sexualidade dos adultos, mas também das crianças, colocando sobre estas
últimas o peso da culpabilidade.

Uma questão que poderá ser feita é: “quem procura manter relações
sexuais com crianças e adolescentes”?
Sob o ponto de vista da psicopatologia, uma pequena parcela da
população apresenta um quadro denominado como Pedofilia, que conceitualmente
é uma parafilia – ou sema, um transtorno sexual, caracterizado por “um impulso ou
excitação sexual recorrente e intenso por crianças de 13 anos de idade ou menos,
persistindo por, no mínimo, seis meses...” e que acomete preferencialmente as
pessoas do sexo masculino.
Contudo, será que todos aqueles que buscam crianças ou
adolescentes para relacionamento sexual podem ser considerados portadores de
um quadro de Pedofilia?
Segundo Azevedo e Guerra (USP/LACRI, 1997), existem dois tipos de
agressores: os preferenciais e os situacionais. Os primeiros são mais raros e se
enquadram no que se considera como Pedofilia. Os segundos são mais comuns,
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seriam pessoas imaturas, com comportamentos sociais inadequados que se
envolvem sexualmente como crianças e adolescentes em função de diversos
motivos em uma circunstância dada.

ALGUNS CONCEITOS

ABUSO – Vitimização Sexual Doméstica: todo ato ou jogo sexual, relação


heterossexual ou homossexual entre pais, responsáveis, parentes e uma criança
menor de 18 anos, tendo por finalidade estimular sexualmente a criança ou utilizá-
la para obter uma estimulação sexual sobre sua pessoa ou de outra pessoa.

INCESTO – toda atividade de caráter sexual, implicando uma criança de 0 a 18


anos e um adulto que tenha para com ela seja uma relação de consangüinidade
seja de afinidade ou de mera responsabilidade.

RELAÇÕES INCESTUOSAS – são aquelas praticadas entre pessoas que a lei


e/ou costumes proíbem de casar-se.

CARACTERÍSTICAS DA VIOLÊNCIA SEXUAL

 Quanto a natureza
Trata-se de um fenômeno que ocorre num certo tipo de família: as
incestogênicas. Consiste num subtipo do gênero famílias conflitivas onde a
estrutura e dinâmica dificultarão o desenvolvimento de seus membros.

Características da Família Incestogênicas:


- o afeto é dado de forma erotizada;
- a comunicação não é aberta = complô do silêncio;
- falta de limites claros em termos inter e intrageracionais;
- regras de ouro: - respeito inconteste à autoridade do pai;
- obediência necessária dos filhos;
- discriminação entre papéis de gênero;
- mulher-criança como objeto sexual do poder masculino.

 Quanto à direção
- vítimas (mulheres) agressores (homem)
- existem vítimas do sexo masculino (nº pequeno)
- o tipo mais freqüente é o incesto pai – filha (ordinário)
- o agressor sofre de distúrbios psiquiátricos (minoria)
- idade mais freqüente da vítima 8 a 12 anos.

 Quanto às conseqüências
- graves para vítima a curto e longo prazo (gravidez precoce, suicídio etc)

 Quanto à visibilidade
- índice muito baixo de notificação.

CONSEQUÊNCIAS DO ABUSO SEXUAL

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As crianças e adolescentes abusados podem reagir ou experienciar a
violência sexual de várias maneiras:
 Algumas fingem que não são elas e tentam ver o abuso à
distância.
 Outras tentam entrar em estado alterado de consciência, como se
estivessem dormindo.
 Outra forma é dissociar o corpo dos sentimentos, às vezes negam
a existência da parte inferior do corpo.

Os efeitos em curso prazo são:

1. Indicadores físicos:
 Dificuldade de caminhar.
 Apresenta nas áreas genitais ou anais dor ou inchaço.
 Lesão ou sangramento.
 Infecções urinárias.
 Secreções vaginais ou penianas.
 Baixo controle dos esfíncteres.
 Sintomas que indicam presença de “DST’s”.
 Enfermidades psicossomáticas.
 Presença de transtorno alimentar (inapetência ou obesidade).
 Dificuldade de engolir devido à inflamação na garganta devido sexo oral.
 Roupas íntimas rasgadas ou manchadas de sangue.

2. Indicadores comportamentais:
 Vergonha excessiva.
 Medo constante, principalmente de pessoas do sexo masculino.
 Comportamento agressivo e inquietude.
 Uso ou abuso de álcool ou drogas.
 Descontrole emocional.
 Culpa ou autoflagelação.
 Comportamento sexual inadequado para sua idade (interesse, expressão
erotizada, masturbação compulsiva).
 Regressão a estado de desenvolvimento anterior.
 Descuido com a própria higiene pessoal.
 Tendência ao isolamento social.
 Desempenho escolar alterado com baixa concentração.
 Tendências suicidas.
 Fugas constantes de casa.

3. Características da família:
 Muito possessiva com a criança, negando-lhe contatos sociais normais.
 Menina assumindo o papel maternal.
 Acusa a criança de promiscuidade ou sedução sexual.
16
 O agressor pode já ter sofrido este tipo de abuso na infância.
 Acredita que a criança tem atividade sexual fora de casa.
 Crê que o contato sexual é forma de amor familiar.
 Conta estórias alegando outro agressor para proteger membros da
família.

Os efeitos em longo prazo são:

 Seqüelas dos problemas físicos que poderão afetar a capacidade produtiva.


 Dificuldade de ligação afetiva e amorosa.
 Dificuldades em manter uma vida sexual saudável.
 Incapacidade de distinguir sexo e afeto.
 Tendência a supersexualizar os relacionamentos sociais.
 Compulsivo interesse sexual.
 Envolvimento em trabalho sexual (prostituição) – lembrando que poderá ser a
única forma de ser valorizada (o). Devemos lembrar que não existe aqui uma
relação causal.
 Uso abusivo de substâncias lícitas e ilícitas gerando muitas vezes dependência
química.
É importante lembrar que as pessoas respondem de forma muito
particular aos estímulos e percebem de forma diferenciada, então a violência
sexual não causará os mesmos resultados em pessoas diferentes e situações
diferentes.

Algumas dessas variações:

 A idade da criança, quanto mais baixa, mais severas são as conseqüências.


 A duração da violência, os efeitos são mais graves se durarem mais tempo.
 O grau de violência ou ameaça de violência (física e psicológica).
 A diferença de idade entre o agressor e a vítima, quanto menor menos
traumática (essa questão é controversa).
 A proximidade entre o agressor e a vítima, quando o agressor é o pai traz
conseqüências mais graves.
 Presença de pessoas que possam proteger a criança do ponto de vista afetivo.
 O grau de segredo, quanto maior o complô do silêncio, mais difícil para a vítima
de elaborar o ocorrido.

O QUE SIGNIFICA NEGLIGÊNCIA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES ?

 Negligência: representa uma omissão na provisão das necessidades físicas e


emocionais de uma criança ou de um adolescente. Configura-se quando os pais
ou responsáveis falham em termos de alimentar, de vestir adequadamente seus
filhos, entre outras atitudes (quando estas falhas não são resultado das
condições de vida além do seu controle).
 Tipos de Negligência:

17
- Abandono Material
- Entrega de Filho Menor à Pessoa Idônea
- Abandono Intelectual

FATORES ETIOLÓGICOS E PRECIPITANTES DA VIOLÊNCIA:

 Os conflitos dos casais – Os conflitos por si só não são desencadeadores de


um quadro de violência. Os conflitos existem para serem pensados, negociados
e solucionados. A forma como o casal lida com eles é que poderão trazer
situações adversas e muitas vezes violentas não apenas do ponto de vista
físico, mas principalmente emocional.

 O abuso de remédios – O uso abusivo de substancias passa despercebido


quando se trata de medicações prescritas ou não por profissionais. Existem
algumas pesquisas nessas áreas que confirmam que algumas vezes o uso de
medicação poderá ser uma condição anterior ao uso abusivo de outras
substancias como o álcool e as drogas ilícitas.

 O abuso do álcool – O uso abusivo ou não de substancias alcoólicas são


vistas como condições prévias tanto para o uso abusivo de outras substancias
como são elementos desencadeadores de atos agressivos e violentos dentro da
dinâmica familiar.

 O isolamento da família – O processo migratório intenso vivido pelas famílias


na atualidade tem desencadeado um afastamento forçado de grupos familiares,
dentre as quais a própria família extensa. É fato comum os pais viverem em um
estado e cada um dos filhos viverem em cidades diferentes. Esse afastamento
gera sentimento de abandono, isolamento e angústia, que poderá desencadear
quadros depressivos, estressores e violentos.

 A televisão que funciona o tempo todo – A televisão e mais recentemente a


internet tem sido avaliada por profissionais de diversas áreas como “substitutos”
perigosos da necessidade humana de se relacionar. Muitas vezes funciona
como elemento de fuga para conflitos e/ou para as pessoas que tem
dificuldade de se relacionar com as outras ou tem medo de enfrentar seus
próprios conflitos.

 A angústia criada pelo desemprego – É evidente que o desemprego é fator


estressor e que cria um estado de angústia permanente comprometendo as
relações saudáveis entre as pessoas. Por outro lado, está comprovado que as
atividades laborais trazem satisfação para o ser humano, mesmo quando as
condições sócio-econômicas não estejam totalmente satisfatórias.

 Dívidas constantes – As dificuldades advindas do subemprego ou das


dificuldades encontradas por algumas pessoas em administrar os seus próprios
gastos são elementos estressores que podem desencadear conflitos e quadros
de violência.

18
 Uma gravidez não aceita – Mesmo a gravidez planejada e desejada traz
elementos estressores, porém advinda de situação não esperada são por vezes
muito difíceis de serem administradas sem conflitos, sentimentos de negação e
rejeição não somente do casal, mas que também interfere em toda dinâmica
familiar.
Finalmente podemos relacionar de forma esquemática os efeitos em curto e
longo prazo encontrado na literatura corrente.

DENÚNCIAS E REALIDADE PÚBLICA

Na verdade, a violência doméstica é muitas vezes tratada como assunto


privado e acaba sendo tolerada pela sociedade e pelo poder público. Daí a
importância dos Conselhos Tutelares, criados como instrumentos para que o ECA –
Estatuto da Criança e do Adolescente, seja aplicado. Estes órgãos exercem um
papel fundamental ao oferecer uma porta de entrada para denúncias, mesmo que
anônimas, mas que possibilitam o diagnóstico dos casos de violência contra
crianças.

Para médicos, professores e outros profissionais que trabalham com


crianças, a denúncia é obrigatória, sob pena de serem responsabilizados por
omissão de socorro.

CONCLUSÕES

 A violência é objeto de preocupação de diversos organismos, sendo


considerada um dos grandes males da sociedade contemporânea.

 Vivemos em uma cultura da violência em que a aceitação e a tolerância


desencadeiam uma banalização generalizada. Nesse contexto a violência
pode se manifestar e não ser percebida ou denominada enquanto violência
tanto pelos agressores quanto pelas vítimas.

 As manifestações de violência sexual contra crianças e adolescentes


causam impactos na família e na pessoa abusada

 A violência contra crianças e adolescentes não é privilégio deste século e


muito menos uma característica inerente de países subdesenvolvidos ou em
desenvolvimento.

 A luta pela preservação da infância e juventude levou à a criação de


mecanismos normatizadores para contribuir para a garantia de direitos.

 Essa mudança de olhar para a Infância e Juventude trouxe uma maior


visibilidade para o fenômeno da violência e tem gerado inúmeras
inquietações.

 A violência sexual é considerada um dos sofrimentos mais dolorosos que o


ser humano pode passar e os sentimentos de negação são um dos
19
comportamentos muito comuns nessas vivências, quer sejam vividas por
adultos ou crianças e adolescentes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDI. (2003). O Grito dos Inocentes: Os Meios de Comunicação e a Vs Contra


Criança e Adolescentes. Coord. Vert Vivarta. São Paulo: Cortez. Série Mídia e
Mobilização Social: V 5.

AZEVEDO, M. A. e GUERRA V. N. A. (1989). Crianças vitimizadas: a síndrome do


pequeno poder. São Paulo: Iglu.

BASS, E. & SILVEIRA, T. (2000) Repensando os conceitos de violência, abuso


exploração sexual de crianças e a de adolescentes. Brasília: Thesaurus.

FALEIROS, E. & SILVEIRA, T. (2000) Repensando os conceitos da violência,


abuso exploração sexual de crianças e a de adolescentes. Brasília: Thesaurus.

IMPPLITO, R. (ORG). Guia escolar: Métodos para identificação de sinais de abuso


e a exploração sexual em crianças e adolescentes. Brasília: Presidência da
República, SEDH.

SAFFIOTI, H.I. (1989). Exploração de crianças. In: AZEVEDO, M. A. e GUERRA,


V. N. A. Crianças vitimizadas: a síndrome do pequeno poder: violência física e
sexual contra crianças e adolescentes. São Paulo: Iglu.

Elaboração: Profª Maria Nauza Luza Martins


Profª Sônia Prado
Brasília, abril/2008.

2.2 VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS E DOLESCENTES:


Perguntas e Respostas

Por que pais maltratam filhos?

Ao longo dos séculos, e até há bem poucos anos, as crianças eram


consideradas seres de menor importância. Era de aceitação comum na
sociedade o abandono, a negligência, o sacrifício e a violência contra
20
crianças, chegando ao filicídio, declarado ou velado, que levava as taxas de
mortalidade infantil, na França do século XVIII, a níveis absurdos,
inacreditáveis, de sempre mais de 25% das crianças nascidas vivas.

Hoje, em muitos países, para cada mil crianças nascidas vivas,


morrem menos de dez, antes de um ano de vida. Mas foi a partir do final
desse século que a criança, até então estorvo inútil - porque nada produzia -,
passou a ser valorizada, sob a óptica de que deveria sobreviver para ser
tornar adulto produtivo.

A criança passou a ser protegida por interesses, antes de tudo


econômicos e políticos, a partir da Revolução Industrial especialmente em
fins do século XVIII. As sociedades protetoras da infância surgiram na
Europa entre 1865 e 1870, e eram mais recentes, e menos representativas,
do que a Sociedade Protetora dos Animais.

A palavra pediatria só surgiu em 1872. De acordo com Elisabeth


Badinter, os médicos, então, não tratavam as crianças. Achavam que isso
era tarefa das mulheres - ou seja, das mães e amas, porque não existiam
médicas. Em resumo, apesar de ainda não respeitada na sua
individualidade, a criança começou a ser de alguma forma protegida há
pouco mais de cem anos. Mas foi só no início do século XX, com Freud, que
a criança passou a ser entendida no seu desenvolvimento psicológico.

É comum pais afirmarem que apanharam de seus pais e são felizes. A


eles dizemos que as coisas mudaram e que, hoje, devemos buscar outras
formas de educar os filhos. Educá-los e estabelecer limites, com segurança,
com autoridade, mas sem autoritarismo, com firmeza, mas com carinho e
afeto. Nunca com castigo físico. A violência física contra crianças é sempre
uma covardia. O maltrato, em qualquer forma, é sempre um abuso do poder
do mais forte contra o mais fraco. Afinal, a criança é frágil, em
desenvolvimento, e totalmente dependente física e afetivamente dos seus
pais. Nesse sentido, acredito que a palmada se insira como uma forma de
reconhecimento da insegurança, da fraqueza, da incompetência, dos pais
para educar seus filhos, necessitando usar a força física. Não podemos
esquecer também do modelo de violência que transmitimos e perpetuamos
nas relações em família, quando estabelecemos limites com violência. Os
filhos aprendem a solução de conflitos pela força - e tenderão a reproduzir
esse modelo não só junto às suas famílias, mas em todas as relações
interpessoais, na rua ou no trabalho.

Inúmeros fatores ajudam a precipitar a violência de pais contra filhos: o


alcoolismo e o uso de outras drogas, a miséria, o desemprego, a baixa auto-
estima, problemas psicológicos e psiquiátricos. Nesse entendimento,
achamos que pais que maltratam seus filhos devem ser orientados sempre e
tratados e punidos, se necessário.

21
Como e por que ocorre o abuso sexual?

O abuso sexual é freqüente e ocorre em todas as classes sociais e


estratos econômicos, em todos os países do mundo, bem como as outras
formas de maus-tratos, o físico, o psicológico e a negligência. O abusador
sexual, ou seja, aquele que se utiliza de uma criança ou adolescente para
sua satisfação sexual, é, antes de tudo, um doente. À sociedade, porém,
aparenta freqüentemente ser um indivíduo normal.

O abuso sexual intrafamiliar inicia-se geralmente muito cedo, quando a


criança tem cerca de cinco anos, e é um ato progressivo, um misto de
carinho e afagos, com ameaças - não conte nada à mamãe, você é a filha de
que mais gosto, você é minha preferida, ou, não conte para ninguém, é um
segredo nosso, ou, ainda, se falar para sua mãe, ela vai te castigar e botar
você na rua. Com medo e remorso, mas também com prazer, a criança vai
aceitando a relação com o pai agressor. Sim, porque na maioria das vezes, o
abuso sexual é praticado pelo pai biológico, contra a filha - e às vezes contra
o filho. É uma situação patológica de toda a família. Progressiva, pode
chegar, na adolescência, à penetração vaginal e à gravidez. Raramente é
acompanhada de violência física, ou deixa marcas evidentes. Contudo, as
conseqüências para a vida social e sexual da criança serão sérias.

O abuso sexual intrafamiliar é diferente da exploração sexual de


crianças e adolescentes, situação em que o comércio está envolvido. E é
sempre um ato de criminosos contra crianças ou adolescentes, que não têm
outra opção. Frequentemente o abusador sexual de crianças e adolescentes
é um pedófilo. A pedofilia é um distúrbio do desenvolvimento psicológico e
sexual, que leva indivíduos, aparentemente normais, a buscarem de forma
compulsiva e obsessiva o prazer sexual com crianças e adolescentes.

As conseqüências do abuso sexual para crianças e adolescentes são


graves, às vezes com repercussões para toda a vida. O pedófilo deve
portanto ser excluído do convívio social, enquanto é submetido a tratamento.
As vítimas devem ser apoiadas pela família e por profissionais
especializados.

O primeiro passo para combater o abuso sexual é a sociedade ser


informada sobre a sua freqüência, crianças serem precocemente informadas
sobre seu próprio corpo e se o abuso sexual ocorrer, nosso conselho para os
pais é: "acredite no que lhe diz seu filho, por mais absurdo que lhe pareça". A
auto-estima preservada e confiança nos pais, podem impedir a maioria das
situações de abuso sexual.

E os maus-tratos psicológicos?

É freqüente entre todos nós. De alguma forma, em algum dia,


maltratamos psicologicamente nossos filhos. A frase que usamos para
22
divulgação no rádio resume bem: "não deixa marca aparente, mas marca por
toda a vida." O que melhor define os maus-tratos psicológicos são as
humilhações, discriminações, ofensas feitas pelos próprios pais. Um
exemplo que vi, algumas vezes, inclusive no meu consultório, é de casais
que têm três filhos. A mãe se identifica com um, o pai com outro, e um sobra.
É a síndrome do patinho feio. Coitada dessa criança, a discriminada, a
menos protegida e cuidada dentro de uma família.

O que é considerado negligência?

Negligência é o ato de omissão do responsável pela criança ou pelo


adolescente em prover as necessidades básicas para seu desenvolvimento.
Por isso, é importante informar a população, de todas as maneiras, para que
ela se conscientize, por exemplo, que uma criança deixada só, em casa, fica
em situação de risco, podendo ingerir medicamentos, água sanitária, tomar
choques elétricos, queimar-se no fogão, cortar-se ou até cair de uma janela.
Também são omissos os pais que não alimentam adequadamente seus
filhos, que não cuidam da higiene ou do calendário das vacinações, ou não
os matriculam na escola.

Lembramos que o Governo também é negligente quando não


proporciona aos pais condições mínimas de sobrevivência. Acidentes, por
definição, são situações casuais, eventuais, imprevisíveis. Traumas com
graves conseqüências ocorrem freqüentemente e são considerados
acidentais. Na realidade, na maioria das vezes, se a situação fosse
investigada, caracterizaria negligência dos próprios pais.

Quem mais maltrata seus filhos, o homem ou a mulher?

É a mãe biológica quem mais maltrata fisicamente seus filhos. O


abusador sexual na família quase sempre é o pai biológico, que age contra a
filha.

Normalmente, em que idade a criança é mais maltratada?

Antes dos cinco anos, caracterizando bem o ato como uma


demonstração de covardia.

Quais os mais freqüentes casos de maus-tratos contra crianças?

Nos hospitais, as situações mais encontradas são marcas na pele, de


lesões provocadas por murros, tapas, surras de chicotes, fios, vara,
queimaduras - muito freqüentes - por cigarro, ferro elétrico, água fervendo,
objetos aquecidos. Também comuns são as fraturas de ossos longos dos
membros superiores e inferiores, de crânio, de costelas e clavículas.
Ocorrem ainda lesões de vísceras, como ruptura de fígado, baço ou
intestinos.

23
Didaticamente, quais e como são as formas mais comuns de maus-
tratos?

Físicos - uso de força física de forma intencional, não acidental, ou os atos


de omissão intencionais, não-acidentais, praticados por parte dos pais ou
responsáveis pela criança ou pelo adolescente, com o objetivo de ferir,
danificar ou destruir esta criança ou o adolescente, deixando ou não marcas
evidentes.

Psicológicos - rejeição, depreciação, discriminação, desrespeito, utilização


da criança como objeto para atender a necessidades psicológicas de
adultos. Pela sutileza do ato e pela falta de evidências imediatas, este tipo
de violência é um dos mais difíceis de caracterizar e conceituar, apesar de
extremamente freqüente. Cobranças e punições exageradas são formas de
maus-tratos psicológicos que podem trazer graves danos ao
desenvolvimento psicológico, físico, sexual e social da criança.

Abuso sexual - situação em que criança ou adolescente é usado para


gratificação sexual de adulto ou adolescente mais velho, baseado em uma
relação de poder. Inclui manipulação da genitália, mama ou ânus,
exploração sexual, voyeurismo, pornografia e exibicionismo - incluindo
telefonemas eróticos - e o ato sexual com ou sem penetração, com ou sem
violência.

Negligência - ato de omissão do responsável pela criança ou pelo


adolescente em prover as necessidades básicas para seu desenvolvimento.

Em que classes sociais esses casos de maus-tratos mais ocorrem, no


Brasil?

A literatura mundial e as pesquisas divulgadas em congressos


internacionais mostram que todas as formas de maus-tratos ocorrem em
todo o mundo, em todas as classes sociais. No Brasil, quase não temos
estatísticas. É necessário analisar essa pergunta em relação a cada tipo de
maus-tratos. Os casos de maus-tratos físicos e de negligência são mais
denunciados nas classes mais pobres. Isso não significa, em absoluto, que
pobre seja mais violento, mas sim que miséria, promiscuidade, pobreza
absoluta são fatores desencadeantes da violência. Como vivem em
comunidades, o fato torna-se conhecido por todos e é mais fácil que alguém
denuncie. A classe média, morando em apartamentos, consegue mascarar e
esconder esse tipo de maus-tratos. O abuso sexual é freqüente em
todas as classes sociais, em todo o mundo. O muro do silêncio, nessas
situações, é mais difícil de ser rompido, principalmente nas classes mais
elevadas. O pior é que muitos acreditam que entre nós brasileiros não
ocorrem abusos sexuais em família.

24
Habitualmente, quando falamos em abuso sexual contra crianças,
associamos o caso a um psicopata ou a um pedófilo. Na maioria das vezes,
porém, isso ocorre com homens comuns, que agem normalmente em
sociedade, mas em casa mostram-se doentes, deprimidos, têm dificuldades
nas atividades sexuais, neuróticos que acabam encontrando nas filhas a
relação que lhes preenche o vazio afetivo. Essa situação é muito comum.
Até porque, quando a sociedade ainda não estava organizada nos padrões
atuais, a relação endogâmica era aceita. Hoje, proibido, o incesto é um tabu
não respeitado por muitos.

Abuso psicológico - é provocado por pais, professores, pediatras,


pessoas de convívio íntimo com crianças. Pode ser observado, claramente,
em todas as classes sociais. No Brasil, alia-se ao alto índice de
desinformação, à falta de pesquisas e estatísticas sobre a vida intrafamiliar.
Por desconhecimento e preconceito, as classes mais elevadas da população
tendem a acreditar que a violência contra crianças e adolescentes dentro de
casa só acontece com miseráveis ou em outros países. Atualmente, a grave
situação da falta de trabalho e de emprego no Brasil atinge a todas as
classes sociais. O desemprego, ou o medo de perder o trabalho, são fatores
precipitantes de maus-tratos, em função de um estado de ansiedade,
depressão e baixa auto-estima. As pessoas bebem, perdem o autocontrole e
agridem.

Os pais são punidos?

Deve-se considerar que o objetivo é, antes de tudo, proteger a criança


e reinseri-la na família tratada. Após o diagnóstico as crianças e os pais são
encaminhados para tratamento. Mas, com toda certeza, alguns pais
deveriam ser julgados e receber a aplicação das penalidades previstas na
Lei. No entanto, infelizmente, isso é raro.

São poucos os casos de violência dos pais contra os filhos que


chegam à Justiça, e raríssimos são os pais que recebem alguma punição,
além do inexplicável número de casos sem registro ou sem sentença,
segundo as estatísticas. As maiores dificuldades em se punir legalmente e
tratar o agressor, ocorrem nos caos de abuso sexual. Frequentemente pais
não acreditam nos filhos, policiais desinformados não crêem nos pais e a
justiça, por falta de provas físicas (só 30% dos casos de abuso sexual
deixam marcas evidentes), não pune o pedófilo, que na maioria das vezes
segue seu caminho de predador de crianças por toda a vida.

Quem deve denunciar os maus-tratos, e a quem?

Pelo Artigo 13 do Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA, "os


casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou
adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da
respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais".
25
As demais autoridades que podem receber as denúncias, além dos
Conselhos Tutelares, são: o Juiz da Infância e da Juventude (antigo Juiz de
Menores), a polícia, o Promotor de Justiça da Infância e da Juventude, os
Centros de Defesa da Criança e do Adolescente e os Programas SOS-
Criança. Essas denúncias podem ser feitas por qualquer cidadão, mas são
obrigatórias para alguns profissionais. A esse respeito, o Artigo 245 do ECA
prevê punições: "Deixar o médico, professor ou responsável por
estabelecimento de atenção à saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou
creche, de comunicar à autoridade competente os casos de que tenha
conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação de maus-tratos contra
criança ou adolescente". A penalidade para a omissão é de "multa de 3 a 20
salários mínimos, aplicando-se o dobro em caso de reincidência". O Código
Penal prevê outras punições.

Elaboração: Profª Maria Nauza Luza Martins

2.3 ABUSO SEXUAL: PERGUNTAS E RESPOSTAS¹


Quais os abusos mais comuns?

Em grande parte dos casos não há conjunção carnal, verifica-se um alto


índice de abuso cometido por meio de atos libidinosos, que não deixam marcas
físicas. Carícias que visam à excitação, ao exibicionismo, ao voyeurismo e ao sexo
oral são práticas mais utilizadas pelo agressor. Segundo pesquisas nacionais e
internacionais o abuso mais comum é o incesto pai-filha, seguido da relação
padrasto-enteada. Praticamente todos os estudos apontam para
criança/adolescente do sexo feminino, como as maiores vítimas deste fenômeno, e
os agressores são figuras masculinas que têm ascensão, seja do ponto de vista
físico, intelectual ou social. Todavia essa realidade não espelha o número de
abusos sofridos por meninos, os quais têm maior dificuldade de se expor, pois
temem que as pessoas questionem sua masculinidade.

Se duas crianças da mesma faixa etária estiverem se conhecendo


sexualmente, esse fato poderá ser considerado abuso sexual?

Não. Considera-se o ato abusivo quando há uma assimetria de poder, isto é,


quando crianças e adolescentes se encontram em estágios de desenvolvimento
psicossexual distintos. Nesse sentido uma criança de oito anos que brinca de
médico com outra de 15 anos configura um ato abusivo, pois o adolescente está
em estágio de desenvolvimento psicossexual mais adiantado, o que propicia a
utilização de sua posição mais madura para tirar proveito da situação.

Quais as conseqüências do abuso na família?

Para nossa cultura, sexo significa tabu, ou seja, algo proibido, que dificulta a
verbalização dos fatos por causar certo desconforto e vergonha das pessoas
envolvidas. Sensações de indignação e culpa se misturam com sentimentos de
amor e ódio, tanto por quem cometeu a violência como por quem a sofreu. Quando
o abuso sexual ocorre no âmbito do domicílio há uma quebra da confiança, uma

26
ruptura que causa certa insegurança no funcionamento do sistema familiar como
um todo. Mesmo não sendo comprovado o abuso, o sentimento se perpetuará nas
fantasias de seus membros. Portanto, o abuso sexual mexe com toda a dinâmica
familiar, independentemente do grau em que ele ocorreu.

Quais as conseqüências do abuso sexual na criança e no adolescente?

Inicialmente deve-se considerar que qualquer indivíduo responde aos


estímulos do meio de forma singular, ou seja, única. Para algumas
crianças/adolescentes um simples olhar pode significar uma invasão sobre a sua
sexualidade, enquanto outras só sentirão essa invasão quando forem beijadas. A
questão do trauma pode ser relativizada, mas não tira do ato a violência contida
nele. Tanto no abuso sexual doméstico como no intrafamiliar o agressor é uma
pessoa conhecida da vítima e por essa razão é muito difícil romper o silêncio. As
ameaças e outras formas de coação empregadas pelo agressor dificultam as
possibilidades de falar sobre a violência. Ocorre em grande número de casos que o
silêncio reflete no corpo, em manifestações psicossomáticas ou comportamentos
que destoam com os padrões da própria vítima.

Dependendo da fase de desenvolvimento em que a criança e/ou adolescente


se encontra, poderá ser fácil ou não a identificação da violência praticada. Crianças
até três anos têm limitações de linguagem, cognição e de consciência do ato em si.
A maturidade da criança vem na interação com seu meio social, se este meio for
muito hostil a ela, esta se fechará em si mesmo, comprometendo todo seu
desenvolvimento. Poderá ter dificuldades de interação com os outros, problemas
de concentração, raciocínio lógico, linguagem que dificulta seu processo de
aprendizagem. A violência contra crianças, às vezes, não afeta esses aspectos,
mas traz outras conseqüências, como: problemas de sono, alimentação,
agressividade e de ordem sexual. Medos constantes de escuro, gritos durante o
sono, suores noturnos podem ser reações emocionais de eventos traumáticos.
Outras crianças e adolescentes expressam a violência através da compulsão
alimentar, ou seja, bulimia: come em demasia para engordar e evitar, assim, a
violência sobre seu corpo. Inconscientemente criança/adolescente utiliza
mecanismos de defesa para manter-se viva emocionalmente. Inversamente, a
anorexia é comportamento extremo de ficar sem comer para emagrecer e, no
sentido psicológico, desaparecer da situação de violência.

A agressividade pode ser voltada para si ou para o meio externo. Comportamentos


de autodestruição, toxicomania, alcoolismo, depressão, tentativas suicidas
compõem o primeiro quadro. Comportamentos agressivos intensos de raiva, falta
de paciência e tolerância aliados à impulsividade e descontrole emocional em
situações normais podem demonstrar o nível de violência que a pessoa vivencia ou
vivenciou. Pode haver alterações na conduta sexual da criança e do adolescente,
como: qualquer interesse ou conhecimento súbitos e não usuais sobre questões
sexuais.

Isto incluiria o expressar afeto de modo inapropriado para uma criança daquela
idade. Dois outros sinais aparecem quando uma criança desenvolve brincadeiras
sexuais persistentes com amigos, brinquedos ou animais, masturbar-se
compulsivamente. Pela hiperestimulação sexual ela pode procurar sexo com
adultos, na qual pode engravidar precocemente ou entrar no mercado da
27
prostituição.

Abuso sexual extrafamiliar

Este tipo de violência ocorre fora do âmbito familiar, podendo ser cometida por
conhecidos, como vizinhos ou pessoas totalmente desconhecidas. Adolescentes
e/ou mulheres que sofrem estupro em locais públicos são vítimas desse tipo
violência.

O abuso sexual extrafamiliar é um tipo de violência comum?


Sim. O abuso sexual extrafamiliar ocorre em locais próximos da residência da
vítima. Normalmente as maiores vítimas são do sexo feminino, particularmente
entre 13 e 40 anos, ou seja, adolescentes, jovens e adultas que estão em trânsito
durante a noite. Pode-se considerar o assédio sexual como um abuso sexual que
ocorre com freqüência no ambiente de trabalho ou locais de diversão como bares,
boates e restaurantes.

Exploração sexual comercial de crianças e adolescentes

A exploração sexual comercial pode ser caracterizada por uma relação mediada
pelo dinheiro ou pela troca de favores. A primeira ocorre para o trabalhador do sexo
ganhar recursos para a sua manutenção; parte desse recurso vai para aquele que
explora seu serviço e muitas vezes oferece proteção. São os chamados rufiões ou
cafetões, que lucram com o trabalho dos profissionais do sexo. Muitas vezes o
profissional do sexo paga integralmente seus ganhos para o seu agenciador, pois,
no início de sua atividade, aquele teve o apoio deste para pagar despesas de
moradia, alimentação, transporte, roupas, maquiagem etc., o que configura a troca
de favores. O fato é que a dívida nunca finda e o profissional torna-se refém de seu
explorador.

São várias as formas de expressão da exploração sexual, entre as quais


destacamos: a prostituição em bordéis, serviços de acompanhante, shows eróticos,
call girls, participação em fotos, vídeos, filmes pornográficos, produção e comércio
de objetos sexuais. Segundo estudos bibliográficos, há quatro modalidades de
exploração sexual comercial de crianças e adolescentes: prostituição infanto-
juvenil, tráfico para propósitos sexuais, a pornografia e o turismo sexual de
crianças e adolescentes. Essas modalidades encontram-se inter-relacionadas e
influenciam-se mutuamente, formando, às vezes, um círculo vicioso difícil de ser
quebrado.

Os meios de comunicação incentivam a adesão de crianças e adolescentes


ao mercado do sexo?
Os meios de comunicação de massa padronizam a linguagem e as necessidades
pessoais. O cidadão é meramente transformado em consumidor, o qual busca no
fetiche das mercadorias modos de auto-realização. Para ter acesso aos meios de
consumo, muitas pessoas podem entrar no mercado do sexo, que por sua vez as
transforma em mercadoria. O corpo é reduzido dentro da lógica do fetiche, que se
expõe enquanto objeto de desejo. As promessas de realização e de felicidade
incentivadas pela ideologia capitalista não se cumprem com a posse do objeto,
então novamente se elege outro objeto para ser consumido, disparando um ciclo
de obsessão e compulsão. Os meios de comunicação estão a serviço da
28
propaganda que, além de criar necessidades, incentiva as relações sexuais por
meio de estereótipos. A mulher torna-se a garrafa de cerveja, o homem é invejado
pelo carro que dirige ou pelo maço de cigarros que fuma.

Nas novelas, nos filmes e nos programas não há profundidade nas discussões
sobre sexo e sexualidade, pois o assunto é um tabu social. O que sobra são
mensagens explícitas de ascensão social através da sedução, do culto ao corpo
perfeito, do sexo pelo sexo e da santificação das gestantes e/ou das mulheres com
filhos pequenos. Os meios de comunicação não são os únicos responsáveis pela
erotização precoce de crianças e adolescentes. Mas, por outro lado, atuam na
subjetividade dos indivíduos, levando-os a mudanças nas representações sociais e
no projeto de vida de cada um.

Turismo para fins de exploração sexual de crianças e adolescentes

Comumente conhecido como turismo sexual ou sexo turismo, este é mais um


modo de exploração sexual comercial de crianças e adolescentes. Segundo a
psicanálise, todo turismo é sexual, pois ele é uma atividade de prazer. O termo
utilizado é redundante, todavia se caracteriza pelo agenciamento de crianças e
adolescentes com a finalidade de proporcionar prazer sexual para turistas
estrangeiros e/ou turistas oriundos de outras regiões do País. Essa prática ficou
bastante conhecida no final da década de 1980 e na década de 1990, em regiões
onde o turismo nacional e internacional era muito bem articulado. Cidades
litorâneas como Recife, Fortaleza, Natal e Salvador foram alvos de uma
organização em rede que facilitava práticas sexuais com crianças, adolescentes e
jovens. As agências de turismo, com a cobertura da polícia (uma parte corrupta),
facilitavam o aliciamento de meninas para trabalharem no mercado do sexo.
Algumas agências de turismo possuíam álbuns fotográficos de meninas para
serem escolhidas como acompanhantes dos turistas.

Tráfico para fins de exploração sexual de crianças e adolescentes

O Tráfico para fins de exploração sexual de crianças e adolescentes é uma das


modalidades mais perversas de exploração sexual. A prática envolve atividades de
cooptação e/ou aliciamento, rapto, intercâmbio, transferência e hospedagem da
pessoa recrutada para essa finalidade. O tráfico para fins de exploração sexual de
crianças e adolescentes vem maquilado por agências de modelo, turismo, trabalho
internacional e mais raramente por adoção internacional. As redes internacionais
chegam a contratar casais que passam por pais adotivos com a finalidade de trazer
crianças/adolescentes para servirem ao mercado do sexo. Nas agências de
modelo verifica-se a promessa de que a pessoa poderá realizar-se
profissionalmente, expondo sua beleza nas passarelas da moda.

O poder de convencimento dos agenciadores é uma grande arma contra famílias,


crianças e adolescentes, que passam a acreditar no sucesso rápido e fácil.
Agências de encontros para namoro ou casamento podem estar envolvidas no
tráfico internacional de jovens e mulheres. Após o cadastramento e o contato de
um possível pretendente, elas embarcam para outros países e lá são forçadas a
entrar no mercado sexual. O mesmo ocorre nas agências de emprego, que
procuram determinadas pessoas que atendam aos requisitos do mercado sexual.
Muitas jovens dançarinas saíram nos últimos anos do País com a promessa de
29
êxito em grandes espetáculos internacionais na Europa e nos Estados Unidos.
Grande parte delas, sem apoio, sem recursos financeiros e sem domínio da língua,
ficou reduzida a seu corpo, aumentando consideravelmente o número de
profissionais latinas no mercado internacional do sexo. Em alguns países,
tornaram-se escravas de seus agenciadores.

Prostituição infanto-juvenil

A prostituição infanto-juvenil é uma das piores formas de trabalho infantil, segundo


a OIT (Organização Internacional do Trabalho). Especialistas divergem dessa
posição por entender que não se deve categorizá-la como uma forma de trabalho,
pois ela deve ser negada por toda a nossa sociedade. Essa prática não deve ser
vista como um trabalho, mas como uma atividade econômica perversa produzida
pelo sistema social, o qual impede o desenvolvimento físico, psíquico e social de
crianças e adolescentes. Portanto, estamos refletindo sobre a falta de
oportunidades iguais, em um mundo que exclui expectativas e sonhos. Não
obstante, não nos cabe denominar uma menina como prostituta, mas como objeto
da exploração sexual, ou seja, ela é prostituída.

Na Internet: Pornografia e Pedofilia - O que é pornografia?


Pornografia é um termo que se refere a figura(s), fotografia(s), filme(s),
espetáculo(s), obra literária ou de arte, etc., que tratam de coisas ou assuntos
obscenos ou licenciosos. A pornografia é capaz de motivar ou explorar o lado
sexual do indivíduo e levá-lo a práticas perversas de devassidão e libidinagem.
Existem dois lados da pornografia. O primeiro diz respeito aos atores que a
produzem e o segundo, aos consumidores. As produções pornográficas com
crianças e adolescentes envolvem o aliciamento, a cooptação, a coação, as
filmagens e/ou fotos, a distribuição e a venda dos produtos. Do outro lado está o
voyeur, que não tem nada a ver com a violência praticada, todavia, como
consumidor, mantém tais práticas e abstrai o prazer com as imagens produzidas.
Ele pode ser considerado tão perverso como aquele que produz.

O que é pedofilia?
A pedofilia se define por um indivíduo que tem atração erótica por crianças,
podendo essa atração ser elaborada no terreno da fantasia ou ser atuada através
de atos sexuais com meninos ou meninas. A pedofilia pode ser um sintoma de um
indivíduo inseguro e impotente. Normalmente, esse indivíduo se imagina como
criança, projetando essa fantasia nas crianças reais do mundo externo e buscando
tratá-las como gostaria de ser tratado. Não se pode considerar como um tipo de
personalidade, mas existem fatores de risco em que o ambiente é preponderante
na sua formação. Muitos desses indivíduos sofreram violência sexual quando
crianças. Meninos que não sofreram, mas cujas irmãs sofreram, podem tornar-se
agressores por identificação. Nesse sentido, pode ocorrer o mesmo com filhos de
pais agressores sexuais. Outro fator de risco relaciona-se a indivíduos que no
transcorrer de seu desenvolvimento possuíam alto nível de excitação e baixa
tolerância à frustração, utilizando como mecanismo de defesa a sexualização da
própria dor para não senti-la. Em sua adolescência, fantasiava fazer sexo com
crianças e não considerava manifestações emocionais produzidas por outras
pessoas.

30
No Poder Público/Violência Institucional
Existem várias formas de violência cometidas pelo poder público. Destaca-se a
violência policial, dos serviços públicos e especificamente a violência institucional.
Considera-se para todos os efeitos que o termo institucional refere-se às
instituições gerenciadas pelo poder público (municipal, estadual e federal) e
àquelas que foram delegadas pelo poder público às organizações da sociedade
civil. Na questão da infância e da juventude há organizações de internamento que
tratam de adolescentes que transgridem a lei e há outras instituições onde são
aplicadas outras medidas sócio-educativas, como Liberdade Assistida e Prestação
de Serviço à Comunidade. Os abrigos são organizações que recebem o maior
número de crianças e adolescentes precedentes de processos de destituição de
pátrio poder ou de suspensão da guarda dos pais e/ou responsáveis. Grande parte
dessas crianças e adolescentes é órfã ou sofreu negligência, abandono, violência
física, psicológica e sexual. A tutela das crianças e/ou adolescentes fica
provisoriamente vinculada ao Poder Judiciário, que por sua vez conta com os
abrigos para salvaguardá-las.

É comum a reprodução das relações de poder e dominação existentes na


sociedade nessas instituições, havendo casos de violência física, psíquica, moral e
sexual. O alto índice de incidência de violência decorre de práticas já instituídas
através de normas, regras e valores que se repetem sistematicamente no interior
dessas organizações. A violência sexual aparece não como uma atividade de
prazer, mas como uma atividade do poder instituído, que submete a vítima aos
caprichos daqueles que detêm o poder. Isso ocorre nas relações entre as próprias
crianças/adolescentes ou nas relações entre crianças/adolescentes e monitores ou
outros profissionais do abrigo.

¹Profª Maria Nauza Luza Martins – Pesquisa e Compilação

3.
EXCLUSÃO SOCIAL¹
O excluído social não existe por si mesmo. Ele é uma realidade ligada à
outra, pois ao dizer que alguém é excluído necessariamente faz-se as seguintes
perguntas:
 Excluído de quê?
 Excluído de onde?
 Excluído por quem?

CONCEITOS

 Exclusão social é um tema da atualidade, utilizado nas mais variadas áreas


do conhecimento, mas com sentido nem sempre muito preciso ou definido.

 A exclusão social constitui um fenômeno multidimensional que não se


restringe à insuficiência ou ausência de renda, mas expressa a combinação
de várias desvantagens que impedem o excluído de pertencer à sociedade
e de nela ser reconhecido como sujeito de direitos.

31
 Exclusão é "estar fora", à margem, sem possibilidade de participação, seja
na vida social como um todo, seja em algum de seus aspectos.

 Pode designar desigualdade social, miséria, injustiça, exploração social e


econômica, marginalização social, entre outras significações.

 Tecnicamente falando, pessoas ou grupos sociais sempre são, de uma


maneira ou outra, excluídos de ambientes, situações ou instâncias.

 Outro conceito de exclusão social aplicável à realidade de uma sociedade


capitalista é que "excluídas são todas as que não participam dos
mercados de bens materiais ou culturais".

 Em termos dialéticos, é um processo complexo e multifacetado, dotado de


contornos materiais, políticos, relacionais e subjetivos.
Não é uma falha, uma característica do processo capitalista, ou de outro
regime político-ideológico: a exclusão é parte integrante do sistema social,
produto de seu funcionamento; assim, sempre haverá, mesmo
teoricamente, pessoas ou grupos sofrendo do processo de exclusão.

 Não se trata de um processo individual e pessoal, embora atinja pessoas,


mas de uma lógica que está presente nas várias formas de relações
econômicas, sociais, culturais e políticas da sociedade brasileira.

 Exclusão social é um processo (apartação social) pelo qual denomina-se o


outro como um ser "à parte", ou seja, o fenômeno de separar o outro, não
apenas como um desigual, mas como um "não-semelhante", um ser
expulso não somente dos meios de consumo, dos bens, serviços, etc., mas
do gênero humano. É uma forma contundente de intolerância social.

O CONTEXTO DA EXCLUSÃO SOCIAL

A necessidade de se sentir pertencente a um grupo é inerente ao homem.


Desde que este começou a formar uma comunidade, existe o desejo de viver em
sociedade com seu semelhante. Não nos reconhecemos sós e isolados.

Sendo esse sentimento parte do ser humano, quando este percebe-se


isolado, à margem do grupo, é natural que surjam tentativas de integrá-lo
novamente à sociedade, quer seja por parte dos próprios excluídos ou por parte
da sociedade que, a princípio, o excluiu.

Embora esse problema exista desde sempre, só recentemente tornou-se


objeto de discussão por parte da sociedade.

A questão da exclusão social teve início na Europa, devido ao crescimento


da pobreza urbana, da falta de acesso a empregos e rendas por parte de minorias
étnicas e imigrantes, da natureza precária dos empregos disponíveis e da
dificuldade dos jovens para ingressar no mercado de trabalho.

32
A exclusão social tem sido alvo freqüente de debates entre os cientistas e
outros intelectuais, em virtude da pobreza e da miséria, cada vez mais visíveis em
nosso país. Entre os estudiosos que contribuíram para um arcabouço teórico da
exclusão, destaca-se Robert Castel (1991, 1995). A idéia de exclusão social
assinala um estado de carência ou privação material, de segregação, de
discriminação, de vulnerabilidade em alguma esfera. O excluído não escolhe a
sua condição; ela se dá numa evolução temporal como resultado das mudanças
na sociedade como, por exemplo, as crises econômicas.

A exclusão pode acontecer sob várias formas. Uma delas e, talvez a mais
grave, pois pode gerar outros tipos de exclusão, é a econômica. Quando o país,
por questões políticas, administrativas, ou como resultado de um processo
mundial, não gera emprego para seus cidadãos, deixa de lado, geralmente, os
menos preparados, os que já se encontram em uma zona menos privilegiada. O
desemprego estrutural, por sua vez, aliena uma parcela da população que
anteriormente se encontrava inserida na sociedade, com papéis definidos.

Algumas outras formas de exclusão são a cultural, a territorial e a étnica. A


segregação cultural priva o indivíduo de obter uma escolaridade que é o
instrumento para maiores chances de um emprego com melhor remuneração,
assim como, de ter acesso a informações que o habilitem a exercer sua cidadania
de forma plena. A exclusão territorial afasta o cidadão do convívio com o restante
da sociedade, do emprego, da escola e, até, da terra produtiva. A segregação
étnica provoca comportamento de revolta entre os indivíduos, classificando-os
como seres inferiores e diferentes, impedindo que usufruam plenamente dos bens
de consumo, da escola, de serviços de saúde, alijando-os do convívio sadio e
produtivo na comunidade.

Todas estas formas de exclusão levam a um conjunto de vulnerabilidades


que operam como obstáculos difíceis de superar. Castel (1991) elabora um
esquema que se constitui da conjunção de dois vetores: um eixo de inserção/não
inserção pelo trabalho e um eixo de inserção/não inserção em uma sociabilidade
sócio-familiar. O indivíduo pode estar inserido completamente nos dois eixos
(zona de integração), ou pode estar inserido no eixo do trabalho, mas não no eixo
da família e/ou da comunidade, e assim por diante. O indivíduo que está
desvinculado na esfera do trabalho sofre maiores conseqüências do que aquele
desvinculado apenas na área familiar, pois o seu sustento e o de sua família, sua
participação na comunidade, assim como todo o funcionamento das relações
sociais e da cidadania estão baseados na sua inserção ocupacional.

O ser excluído traduz-se na falta de ganhos, de alojamento, de cuidados, de


instrução, de atenção, de poder exercer sua cidadania. A falta de oportunidades
para o indivíduo e sua família afeta seu sentido de existência e suas expectativas
de futuro. O primeiro elemento que denota o excluído é ser ele uma pessoa sem
inserção no mundo do trabalho.

No caso brasileiro, eles são os moradores e meninos de rua, os catadores de


lixo, os desempregados das favelas e periferias, muitos convertidos em
delinqüentes.

33
EXCLUSÃO SOCIAL, VULNERABILIDADES DA FAMÍLIA E A DELINQÜÊNCIA
JUVENIL

A delinqüência juvenil é o termo internacionalmente utilizado para se referir aos


delitos cometidos por adolescentes. No Brasil, após a promulgação do Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA), emprega-se o termo infração. Em geral, os autores
enfocam o lado econômico, institucional, as políticas públicas, as drogas, e mesmo o
aspecto pessoal, como alguns recursos para explicar a infração. A família e suas
vulnerabilidades têm sido pouco estudadas no seu relacionamento com a
delinqüência, principalmente em nível nacional.

O arcabouço teórico para explicar a origem da delinqüência, levando em conta


a idéia de fatores de risco no qual se enquadram as principais linhas teóricas da
delinqüência. Tal modelo reúne três níveis de conceitualização.

O nível estrutural atribui a origem da delinqüência a fatores sociais,


associados a fatores situacionais e pessoais. Insere-se neste nível a teoria da
desorganização social existente nas estruturas e instituições sociais, com maior
nitidez nas camadas populares. Esta teoria tenta explicar os delitos cometidos por
grupos, organizados em gangues, atribuindo este comportamento à ruptura dos
controles sociais tradicionais que operam na comunidade e à incapacidade das
organizações para resolver problemas da comunidade coletivamente. Aqui se incluem
explicações que privilegiam o aspecto econômico, como a necessidade de
sobrevivência. O jovem, seja por abandono ou por pobreza extrema, entraria pelo
caminho da infração como forma de sobreviver e aumentar a renda familiar. Outra
explicação seria a desigualdade econômica em razão, principalmente, do
desemprego.

O nível individual trata das teorias que consideram mecanismos internos do


indivíduo como os determinantes do comportamento infrator, tanto nos seus aspectos
biológicos, quanto nos psicológicos. Os teóricos que defendem os aspectos biológicos
hereditários tratam estes fatores como importantes no tocante ao desenvolvimento
cognitivo e aprendizagem, podendo predispor o indivíduo à infração, não sendo,
porém, determinantes. Aqueles que enfatizam as características da personalidade
mostram que seus atributos são fundamentais para a compreensão da delinqüência,
ao considerá-los conseqüentes das experiências vividas pelo indivíduo. A
personalidade é, então, um misto das influências do meio com a bagagem genética
individual. Alguns traços relacionados ao infrator são a impulsividade, a inabilidade
nas inter-relações, a ausência de culpa e a insensibilidade à dor alheia e às
transgressões.

O nível sócio-psicológico refere-se à quebra de vínculos sociais do jovem


com a família, a escola, a igreja e demais instituições responsáveis pelo controle
social do adolescente, à auto-estima e à influência de grupos de jovens sobre o
comportamento do infrator. Nesse nível, maior destaque se dá para a família, pois
seria ela a instituição capaz de exercer maior controle (estabelecimento de regras,
horários, punições e recompensas) sobre o jovem. É neste sentido que se dá a sua
importância como fator de risco ou de proteção para a infração.

A qualidade do relacionamento familiar é um fator chave no encaminhamento


do jovem para a delinqüência. O envolvimento dos pais dos infratores com o
34
alcoolismo pode gerar uma dificuldade de relacionamento entre os pais e seus filhos,
chegando a episódios de violência física. Também se constata, o que parece ser uma
dificuldade, por parte das mães, em se relacionar com os filhos, de uma forma que lhe
permita conhecer e lidar com seus traços de personalidade, assim como com os
motivos que os levaram à infração. Para elas o filho é sempre bom, carinhoso,
reagindo com surpresa frente ao comportamento deste em sociedade.

O abuso de crianças é outro aspecto da relação familiar. Nas famílias onde há


várias pessoas para cuidar das crianças (sejam os pais, os avós, tios ou agregados)
há menor probabilidade de as crianças sofrerem maus-tratos, pois o trabalho é
dividido entre os membros sem sobrecarregá-los, principalmente quando a prole é
numerosa. Quando a mãe cria sozinha seus filhos, a probabilidade de ocorrerem
maus-tratos aumenta visto que não há como supervisionar de perto cada um dos
filhos e, ao mesmo tempo, prover o sustento da família.

DIMENSÕES DE ANÁLISE DA EXCLUSÃO SOCIAL

A análise do problema dos excluídos, não pode ser enfocada simplesmente


pelo aspecto econômico, que pouco diz sobre a necessidade de sua inclusão, que
passa pelo viés político e ético. Este problema somente poderá ser
adequadamente enfrentado se assumirmos uma postura ética em defesa de um
modo de vida digno para todos.

Uma visão dimensional do problema é fundamental para que possa ser


compreendida a exclusão, pois, ao determinarmos qual ou quais dimensões da
exclusão social estão sendo trabalhadas, mais fácil se torna o enfrentamento
delas, possibilitando a elaboração de diferentes estratégias conforme o aspecto
da exclusão.

A exclusão pode ser analisada sob Seis Dimensões principais do cotidiano


real dos indivíduos:

 do SER, ou seja da personalidade, da dignidade e da auto-estima e do


auto-reconhecimento individual;
 do ESTAR, ou seja das redes de pertença social, desde a família, às redes
de vizinhança, aos grupos de convívio e de interação social e à sociedade
mais geral;
 do FAZER, ou seja das tarefas realizadas e socialmente reconhecidas, quer
sob a forma de emprego remunerado, quer sob a forma de trabalho
voluntário não remunerado;
 do CRIAR, ou seja da capacidade de empreender, de assumir iniciativas,
de definir e concretizar projetos, de inventar e criar ações, quaisquer que
elas sejam;
 do SABER, ou seja do acesso à informação (escolar ou não; formal ou
informal), necessária à tomada fundamentada de decisões, e da
capacidade crítica face à sociedade e ao ambiente onde vive;
 do TER, ou seja do rendimento, do poder de compra, do acesso a níveis de
consumo médios da sociedade, da capacidade aquisitiva e de consumo.
35
A exclusão social é, portanto, uma situação de não realização de algumas ou
de todas estas dimensões: É o “não ser”, o “não estar”, o “não fazer”, o “não criar”,
o “não saber” e/ou o “não ter”.

EXCLUSÃO POR CATEGORIAS

Excluídos no nível de grupos sociais: minorias étnicas (indígenas, negros),


minorias religiosas, e minorias culturais.

Excluídos de gênero: mulheres e crianças.

Excluídos em termos de opção sexual: homossexuais e bissexuais.

Excluídos por idade: crianças e idosos.

Excluídos por aparência física: obesos, deficientes físicos, pessoas calvas,


pessoas mulatas ou pardas, portadores de deformidades físicas, pessoas
mutiladas.

Excluídos do universo do trabalho: desempregados e subempregados, pessoas


pobres em geral;

Excluídos do universo sócio-cultural: pessoas pobres em geral, habitantes de


periferia dos grandes centros urbanos.

Excluídos do universo da educação: os pobres em geral, os sem escola, as


vítimas da repetência, da desistência escolar, da falta de escola junto a seus lares;
deficientes físicos, sensoriais e mentais.

Excluídos do universo da saúde: pobres em geral, doentes crônicos e


deficientes físicos, sensoriais e mentais.

Excluídos do universo social como um todo: os portadores de deficiências


físicas, sensoriais e mentais, os pobres, os desempregados.

As categorias acima são interligadas. Na tentativa de ordenação das


mesmas, fica clara a presença de grupos de pessoas participando
simultaneamente de várias categorias de exclusão: de modo geral, a exclusão
social bate mais forte no pobre, poupando aqueles que dispõem de melhor
condição econômica.

EXCLUSÃO E USO DE DROGAS

A invasão das drogas vem crescendo a cada dia, atingindo, praticamente,


todas as classes sociais. O adolescente, fruto de uma família desestruturada,
busca, quase sempre, refúgio no mundo das drogas. A família sempre foi e ainda
deverá ser o alicerce, a base para o indivíduo. É através dela que são formados a
36
personalidade e o caráter. É no amor dos familiares que se encontram a proteção
e o apoio necessários para enfrentar as adversidades. Sem uma familiar bem
estruturada, o convívio torna-se frágil e suscetível a todo e qualquer tipo de
sedução, que leva o adolescente à tentação de entrar para o universo das drogas.

Não só conflitos familiares contribuem para a inserção do jovem no mundo


das drogas, mas também a curiosidade e o modismo, a fuga de problemas, a
afirmação nos grupos de amigos, a discriminação social, dentre outros.

A dependência química é uma doença e como tal deve ser tratada. Não
deve a sociedade, apenas, como defesa própria, se limitar à repressão com
descriminação dos atos infracionais praticados por adolescentes dependentes
químicos, mas cooperar em todos os sentidos, cobrando do Estado a
aplicabilidade de tratamentos especializados para esses dependentes. A
imposição de sanções não afastará o adolescente do convívio com as drogas;
pelo contrário, além de viciado, se especializará em outros tipos de crimes.

A relação harmônica entre medidas socioeducativas e tratamento


especializado visa a possibilidade da criança e do adolescente dependente
químico ser tratado, modificando seus comportamentos delituosos e voltando a
conviver em sociedade.

As medidas aplicadas aos adolescentes infratores devem ser


socioeducativas com o objetivo de inseri-los no convívio social; dentre essas,
poderão ser utilizados cumulativamente, pela autoridade competente as medidas
protetivas, que são de cunho pedagógico, incluindo-se o tratamento a alcoólatras
e toxicômanos.

CONSEQÜÊNCIAS SOCIAIS DA EXCLUSÃO


 afastamento do mercado formal de trabalho;
 desemprego: precariedade do emprego, trabalhos eventuais, desocupação
quase perpétua;
 privação material e discriminação;
 desorganização conjugal e familiar;
 vida na rua: mendicância, criminalidade;
 uso e tráfico de drogas;
 prática de atos infracionais;
 isolamento familiar e social: perda de relações familiares e sociais;
 falta de saúde, mortalidade infantil;
 analfabetismo;
 distancia entre o governo e a população;

37
 fragilidade da sociedade civil.

COMO ENFRENTAR A EXCLUSÃO SOCIAL EM NOSSA SOCIEDADE?


Freqüentemente, confunde-se políticas públicas em prol de direitos à
cidadania com a “gestão” da pobreza e a filantropia.
A complexidade dos problemas e a diversidade dos atores sociais
envolvidos exigem análises e estudos interdisciplinares que devem orientar as
políticas dos diferentes setores – saúde, educação, trabalho, lazer e administração
pública.
O trabalho não deve ser encarado apenas como o ganha-pão de cada dia,
mas como o espaço no qual cada pessoa possa elaborar suas experiências,
horizontes e expectativas de vida.
O desemprego e o trabalho precário e informal, além de desestruturar a
família e a comunidade, impossibilitam pensar o futuro, a carreira, enfim, um
projeto individual, da família e da sociedade.
Por isso, o papel do Estado, em todos os níveis do poder público, é
fundamental na definição de estratégias de combate à exclusão, sem cair no
assistencialismo populista.
Tarefa primordial constitui o aprimoramento da eficácia da administração
pública, o zelo pela igualdade jurídica; o desempenho dos investimentos sociais,
criando cooperativas e redes de apoio mútuo, em reforço aos movimentos sociais
que buscam sua inclusão.
Uma política dinâmica de inclusão social não depende apenas das
diretrizes e ações do governo federal. Ela deve ser desenvolvida também em nível
local e micro-regional através de iniciativas de cooperação e de autogestão.
Finalmente, será imprescindível a reestruturação das famílias e das
comunidades locais, rompendo com a abordagem fragmentada, setorializada e
estanque das disciplinas acadêmicas. Isto porque também, não se pode descuidar
da dimensão afetiva e intersubjetiva que responde aos desejos de encontrar-se
com os outros na comunidade, de readquirir a confiança em si e nos outros e
assim a auto-estima para ser feliz.

ESTRATÉGIAS DE INSERÇÃO E DE INCLUSÃO SOCIAL


Uma vez definida e caracterizada a exclusão social, a sua erradicação implica um
duplo processo de interação positiva entre os indivíduos excluídos e a sociedade a
que pertencem e que passa por 2 caminhos:
 o dos indivíduos que se tornam cidadãos plenos;
 o da sociedade que permite e acolhe a cidadania.

A este duplo processo chamamos integração social que é o processo de inserção


e de inclusão que viabiliza o acesso às oportunidades da sociedade, a quem dela
estava excluído, permitindo a retomada da relação interativa entre o indivíduo ou a
família que estava excluída, e o organismo (a sociedade) a que ela pertence.
38
Como duplo processo que foi referido, a integração associa duas lógicas:

1- a do indivíduo que passa a ter acesso às oportunidades da sociedade, podendo


escolher se as utiliza ou não (em última análise, ninguém pode ser obrigado a sair
da sua situação de exclusão social, apenas se podendo viabilizar e aumentar as
possibilidades de escolha) – a este processo (se a opção for pela positiva)
chamaremos de inserção na sociedade;

2- a da sociedade que se organiza de forma a abrir as suas oportunidades para


todos, reforçando-as e tornando-as equitativas – a este processo chamaremos de
inclusão.

Para se conseguir a inserção e inclusão das pessoas excluídas socialmente é


necessário retomar as dimensões da exclusão social atrás apresentadas. Aqui,
portanto, cabe falar da promoção e reforço das capacidades e competências
das seis dimensões apresentadas:

 Competências do SER, ou seja competências pessoais: reforço de auto-


estima e da dignidade, auto-reconhecimento, etc.;
 Competências do ESTAR, ou seja competências sociais e comunitárias:
reativação ou criação das redes e dos laços familiares, de vizinhança e
sociais mais gerais, retomada ou desenvolvimento das interações sociais,
etc.;
 Competências do FAZER, nomeadamente competências profissionais:
qualificações profissionais, aprendizagem de tarefas socialmente úteis,
partilha de saberes-fazeres, etc.;
 Competências do CRIAR: (competência produtiva) capacidade de sonhar
e de concretizar alguns sonhos, assumindo riscos, protagonizando
iniciativas, liderando projetos (mesmo os mais simples) de qualquer tipo,
etc.;
 Competências do SABER: (competências da informação) escolarização,
outras aprendizagens de saberes formais e informais, desenvolvimento de
modelos de leitura da realidade e de capacidade crítica, fundamentação
das decisões, etc.;
 Competências do TER, o que se poderia chamar de competências
aquisitivas: acesso a um rendimento e sua tradução em poder de compra,
capacidade de priorizar e escolher o que vai consumir, etc.

CONCLUSÃO

Se, como se viu, os fatores econômicos podem ser decisivos na explicação


de grande parte das situações de exclusão social, conseqüentemente também a
dimensão econômica da integração assume importância crucial, quer na
perspectiva da inserção (processo assumido pelos indivíduos e famílias), quer na
da inclusão (mudança da sociedade que reforça e abre as oportunidades que
oferece aos seus membros, se torna mais democrática e equitativa e viabiliza a
cidadania de forma generalizada).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
39
Amaro, Rogério Roque. A Exclusão Social Hoje. Cadernos do ISTA, Nº 09.

ARAÚJO, Diego Moura de. Treze anos de Estatuto da Criança e do Adolescente.


Prática Jurídica, ano 2, n. 19, p. 63, out. 2003.

Bezerra, V. C., & Linhares, A. C. B. (1999). A família, o adolescente e o uso de


drogas. In N. Schor, M. S. T. Mota, & V. C. Branco (Orgs.), Cadernos Juventude Saúde
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CASTEL, Robert, A desigualdade e a questão social, SP, Educ, 1997.

DEMO, Pedro. Charme da exclusão social. Campinas, São Paulo: Editora Autores
Associados, 1998.

Feijó, Maria Cristina; Assis, Simone Gonçalves (2004) O Contexto de Exclusão Social
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Psicológicos vol. 9 n º1 Natal.

Oliveira, L. (1997). Os excluídos "existem"? Notas sobre a elaboração de um novo


conceito. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 33, 49-61.

POCHMANN, M. e AMORIM, R. Atlas da Exclusão Social no Brasil. 2.ed. São


Paulo: Editora Cortez, 2003.

4. SISTEMA DE GARANTIA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E


DO ADOLESCENTE – SGD*
Ao enumerar direitos, estabelecer princípios e diretrizes da política de
atendimento, definir competências e atribuições gerais e dispor sobre os
procedimentos judiciais que envolvem crianças e adolescentes, a Constituição
Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente instalaram um sistema de
“proteção geral de direitos” de crianças e adolescentes cujo intuito e a efetiva
implementação da Doutrina da Proteção Integral, denominado Sistema de Garantia
de Direitos (SGD). Nele incluem-se princípios e normas que regem a política de
atenção a crianças e adolescentes, cujas ações são promovidas pelo Poder
Publico em suas 03 esferas (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), pelos
03 Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e pela sociedade civil, sob três
eixos: Promoção, Defesa e Controle Social.

A opção pela forma de Sistema tem como finalidade melhor ordenar as


varias questões que gravitam em torno da temática, reduzindo-se, assim, a
complexidade inerente ao atendimento aos direitos desse publico.

No interior do SGD existem diversos subsistemas que tratam, de forma


especial, de situações peculiares. Dentre outros subsistemas, incluem-se aqueles
que regem as políticas sociais básicas, de assistência social, de proteção especial

40
e de justiça voltados ao atendimento de crianças e adolescentes. E nesse contexto
que se insere o atendimento ao adolescente em conflito com a lei desde o
processo de apuração, aplicação e execução de medida socioeducativa. Pode-se
dizer que a reunião de suas regras e critérios, de forma ordenada e que almeje
reduzir as complexidades de atuação dos atores sociais envolvidos, possibilita a
construção de um subsistema que, inserindo-se no SGD, atua sobre esse ambiente
especifico relacionado a esses adolescentes. A esse subsistema especifico dá-se o
nome de Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), o qual se
comunica e sofre interferência dos demais subsistemas internos ao Sistema de
Garantia de Direitos (tais como Saúde, Educação, Assistência Social, Justiça e
Segurança Publica).

O artigo 227 da Constituição Federal atribui à família, à sociedade e ao


Estado, em pé de igualdade, o dever da construção deste Sistema. Já o §7º do
artigo 227 e o artigo 204 do texto constitucional instituem que as ações
governamentais na área da assistência social para o atendimento dos direitos da
criança e do adolescente devem ser organizadas com base nas diretrizes da
descentralização político-administrativa e da participação da população.

Seguindo os preceitos constitucionais, o artigo 86 do ECA impõe que o


Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente deve ser colocado
em prática por meio de uma política de atendimento resultante de um conjunto
articulado de ações governamentais e não governamentais da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Estados.

O artigo 88 do ECA, por sua vez, traduz uma série de diretrizes de natureza
político administrativa para a construção do Sistema em questão, orientando as
ações a serem adotadas pela administração pública e pela sociedade civil
organizada.

As principais diretrizes propostas pelo Estatuto são a municipalização e a


descentralização político administrativa. O ECA contempla, assim, um esquema de
cooperação e distribuição de competências entre União, estados e municípios,
estendendo-se a organizações não governamentais e à sociedade civil organizada.
Prevê, por exemplo, a criação de Conselhos de Diretos da Criança e do
Adolescente em nível nacional, estadual e municipal, sob o fundamento de que o
âmbito local e comunitário é mais propício à promoção de direitos da infância e
juventude. Esta articulação pressupõe, conseqüentemente, a organização de uma
rede de serviços de responsabilidade compartilhada por todos os entes políticos da
federação.

Outra diretriz da política de atendimento dos direitos da criança e do


adolescente é a integração operacional de órgãos tais como o Judiciário, o
Ministério Público, a Defensoria Pública e Delegacias Especializadas. Esta
integração operacional tem por objetivo uma agilidade no que tange questões
envolvendo direitos da criança e do adolescente, assegurando-se, com isso, o
princípio constitucional da prioridade absoluta.

A participação e o controle social também são diretrizes significativas no


contexto do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente. Por esta
razão, a responsabilidade pela promoção dos direitos da criança e do adolescente
41
entre a família, a sociedade e o Estado é igual. Para se possibilitar a integração
destes três protagonistas o ECA criou órgãos como os Conselhos de Direitos e os
Conselhos Tutelares.

De forma a promover a efetivação da política de atendimento, o ECA definiu


a criação de órgãos específicos pelo governo e pela sociedade civil organizada
capazes de atender às diretrizes expostas, tais como os já citados Conselhos de
Direito da Criança e do Adolescente, os Conselhos Tutelares, as Delegacias
Especializadas, as Defensorias Públicas, as Varas e Promotorias Especializadas
da Infância a da Juventude e os Centros de Defesa da Criança e do Adolescente.
O conjunto destes órgãos nada mais é do que a concretização do próprio Sistema
de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente.

É importante lembrar que os Programas de Execução de Medidas


Socioeducativas também integram o Sistema de Garantia de Direitos de modo que
estes se submetem às mesmas diretrizes aplicáveis às demais políticas, além de
outras regras específicas.

A implementação deste aparelho operacional, ou seja, de todos os órgãos


necessários ao bom funcionamento do Sistema de Garantia de Direitos da Criança
e do Adolescente está sendo feita no país desde o advento do Estatuto, ou seja,
desde 1990. Passados 19 anos, é possível se dizer que muito já foi conquistado,
mas também é verdade que muito ainda precisa ser alcançado.

COMPETÊNCIAS DO SISTEMA DE GARANTIA DOS DIREITOS

 promover, defender e controlar a efetivação dos direitos civis,


políticos, econômicos, sociais, culturais, coletivos e difusos, em sua
integralidade, em favor de todas as crianças e adolescentes, de modo que
sejam reconhecidos e respeitados como sujeitos de direitos e pessoas
em condição peculiar de desenvolvimento; colocando-os a salvo de
ameaças e violações a quaisquer de seus direitos, além de garantir a
apuração e reparação dessas ameaças e violações.

 enfrentar os atuais níveis de desigualdades e iniqüidades, que se


manifestam nas discriminações, explorações e violências, baseadas
em razões de classe social, gênero, raça/etnia, orientação sexual,
deficiência e localidade geográfica, que dificultam significativamente a
realização plena dos direitos humanos de crianças e adolescentes,
consagrados nos instrumentos normativos nacionais e internacionais,
próprios.

 fomentar a integração do princípio do interesse superior da criança e do


adolescente nos processos de elaboração e execução de atos
legislativos, políticas, programas e ações públicas, bem como nas decisões
judiciais e administrativas que afetem crianças e adolescentes.

 promover estudos e pesquisas, processos de formação de recursos


humanos dirigidos aos operadores dele próprio, assim como a mobilização

42
do público em geral sobre a efetivação do princípio da prevalência do
melhor interesse da criança e do adolescente.

 assegurar que as opiniões das crianças e dos adolescentes sejam levadas


em devida consideração, em todos os processos que lhes digam respeito.

FORTALECIMENTO DO SISTEMA DE GARANTIA DE DIREITOS

A Resolução nº 113 do CONANDA, de 19/04/2006 aprovou parâmetros para


a institucionalização e fortalecimento do Sistema de Garanta dos Direitos da
Criança e do Adolescente e definiu que os órgãos públicos e as organizações da
sociedade civil, que integram esse Sistema, deverão exercer suas funções, em
rede, a partir de três eixos estratégicos de ação:

I - defesa dos direitos humanos;


II - promoção dos direitos humanos; e
III - controle da efetivação dos direitos humanos.

1. Defesa dos Direitos Humanos

O eixo da defesa dos direitos humanos de crianças e adolescentes


caracteriza-se pela garantia do acesso à justiça, ou seja, pelo recurso às
instâncias públicas e mecanismos jurídicos de proteção legal dos direitos
humanos, gerais e especiais, da infância e da adolescência.

Neste eixo, situa-se a atuação dos seguintes órgãos públicos:


I - judiciais, especialmente as varas da infância e da juventude e suas
equipes multiprofissionais, as varas criminais especializadas, os tribunais do
júri, as comissões judiciais de adoção, os tribunais de justiça, as corregedorias
gerais de Justiça;
II - público-ministeriais, especialmente as promotorias de justiça, os centros
de apoio operacional, as procuradorias de justiça, as procuradorias gerais de
justiça, as corregedorias gerais do Ministério Publico;
III - defensorias públicas, serviços de assessoramento jurídico e assistência
judiciária;
IV - advocacia geral da união e as procuradorias gerais dos estados
V - polícia civil judiciária, inclusive a polícia técnica;
VI - polícia militar;
VII - conselhos tutelares; e
VIII - ouvidorias.

Igualmente, situa-se neste eixo, a atuação das entidades sociais de defesa


de direitos humanos, incumbidas de prestar proteção jurídico-social, nos termos
do artigo 87, V do Estatuto da Criança e do Adolescente.

2. Promoção dos Direitos Humanos

O eixo estratégico da promoção dos direitos humanos de crianças e


adolescentes operacionaliza-se através do desenvolvimento da "política de
atendimento dos direitos da criança e do adolescente", prevista no artigo 86 do
43
Estatuto da Criança e do Adolescente, que integra o âmbito maior da política de
promoção e proteção dos direitos humanos.

Essa política especializada de promoção da efetivação dos direitos


humanos de crianças e adolescentes desenvolve-se, estrategicamente, de
maneira transversal e intersetorial, articulando todas as políticas públicas
(infra-estruturantes, institucionais, econômicas e sociais) e integrando suas ações,
em favor da garantia integral dos direitos de crianças e adolescentes.

O desenvolvimento dessa política implica:

I - na satisfação das necessidades básicas de crianças e adolescentes pelas


políticas públicas, como garantia de direitos humanos e ao mesmo tempo
como um dever do Estado, da família e da sociedade;
II - na participação da população, através suas organizações representativas, na
formulação e no controle das políticas públicas;
III - na descentralização política e administrativa, cabendo a coordenação
das políticas e edição das normas gerais à esfera federal e a coordenação e a
execução dessas políticas e dos respectivos programas às esferas estadual,
Distrital e municipal, bem como às entidades sociais; e
IV - no controle social e institucional (interno e externo) da sua
implementação e operacionalização.

A política de atendimento dos direitos humanos de crianças e


adolescentes operacionaliza-se através de três tipos de programas, serviços e
ações públicas:
I - serviços e programas das políticas públicas, especialmente das políticas
sociais, afetos aos fins da política de atendimento dos direitos humanos de
crianças e adolescentes;
II - serviços e programas de execução de medidas de proteção de direitos
humanos; e
III - serviços e programas de execução de medidas socioeducativas e
assemelhadas.

3. Controle da Efetivação dos Direitos Humanos

O controle das ações públicas de promoção e defesa dos direitos


humanos da criança e do adolescente se fará através das instâncias públicas
colegiadas próprias, onde se assegure a paridade da participação de órgãos
governamentais e de entidades sociais, tais como:
I - conselhos dos direitos de crianças e adolescentes;
II - conselhos setoriais de formulação e controle de políticas públicas; e
III - os órgãos e os poderes de controle interno e externo definidos na Constituição
Federal.

O art. 70 da Constituição Federal dispõe que a fiscalização contábil,


financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da
Administração Indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade,
aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercido pelo Congresso
Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada
Poder.
44
O art. 71 acrescenta que o controle externo, a cargo do Congresso Nacional,
será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União.

A Administração Pública, a qual compreende os órgãos e entidades que


desempenham função administrativa nos três Poderes da República, sujeita-se ao
controle do Judiciário, Ministério Público, Legislativo e da sociedade civil, por meio
das suas organizações e articulações representativas.

Na União, nos Estados, no Distrito Federal e nos Municípios haverá um


Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente, respectivamente, composto
por igual número de representantes do governo e da sociedade civil organizada,
garantindo a ampla participação da população, por suas organizações
representativas, no processo de formulação e controle da política de
atendimento aos direitos da criança e ao adolescente, dos seus programas,
serviços e ações.

A composição desses conselhos e a nomeação de seus membros devem


ser estabelecidas de acordo com as Resoluções 105 e 106 do CONANDA,
inclusive as recomendações, contendo procedimentos que ofereçam todas as
garantias necessárias para assegurar a representação pluralista de todos os
segmentos da sociedade, envolvidos de alguma forma na promoção e
proteção de direitos humanos, particularmente através de representações de
organizações da sociedade civil governamentais, sindicatos, entidades sociais
de atendimento a crianças e adolescentes, organizações profissionais
interessadas, entidades representativas do pensamento científico, religioso e
filosófico e outros nessa linha.

Os conselhos dos direitos da criança e do adolescente deverão


acompanhar, avaliar e monitorar as ações públicas de promoção e defesa de
direitos de crianças e adolescentes, deliberando previamente a respeito, através de
normas, recomendações, orientações.

As deliberações dos conselhos dos direitos da criança e do adolescente, no


âmbito de suas atribuições e competências, vinculam as ações
governamentais e da sociedade civil organizada, em respeito aos princípios
constitucionais da participação popular, da prioridade absoluta do atendimento à
criança e ao adolescente e da prevalência do interesse superior da criança e do
adolescente, conforme já decidido pelo Supremo Tribunal Federal.

Constatado, através dos mecanismos de controle, o descumprimento


de suas deliberações, os conselhos dos direitos da criança e do adolescente
representarão ao Ministério Publico para as providencias cabíveis e aos
demais órgãos e entidades legitimados no artigo 210 da Lei nº 8.069/90 (ECA).

MECANISMOS ESTRATÉGICOS DE PROMOÇÃO, DEFESA E CONTROLE DA


EFETIVAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS

45
Para promover e defender os direitos de crianças e adolescentes, quando
ameaçados e violados e controlar as ações públicas decorrentes, o Sistema de
Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente deverá priorizar alguns
determinados mecanismos estratégicos de garantia de direitos:
I - mecanismos judiciais e extra-judiciais de exigibilidade de direitos;
II - financiamento público de atividades de órgãos públicos e entidades
sociais de atendimento de direitos;
III - formação de operadores do Sistema;
IV - gerenciamento de dados e informações;
V - monitoramento e avaliação das ações públicas de garantia de direitos; e
VI - mobilização social em favor da garantia de direitos.

GESTÃO DO SISTEMA DE GARANTIA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO


ADOLESCENTE

A estrutura governamental, em nível federal, contará com um órgão


especifico e autônomo, responsável pela política de atendimento dos direitos
humanos de crianças e adolescentes, com as seguintes atribuições mínimas:

I - articular e fortalecer o Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do


Adolescente;
II - funcionar prioritariamente como núcleo estratégico-conceitual, para a
promoção dos direitos humanos da infância e adolescência, no âmbito nacional;
III - manter sistema de informação para infância e adolescência, em
articulação com as esferas estadual e municipal;
IV - apoiar técnica e financeiramente o funcionamento das entidades e
unidades de execução de medidas de proteção de direitos e de medidas
socioeducativas;
V - Coordenar o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo,
especialmente os programas de execução de medidas socioeducativas; e
VI - Co-coordenar o Sistema Nacional de Proteção de Direitos Humanos,
especialmente os programas de enfrentamento da violência, proteção de crianças
e adolescentes ameaçados de morte, os programas e serviços de promoção,
defesa e garantia da convivência familiar e comunitária, dentre outros programas
de promoção e proteção dos direitos humanos de
criança e adolescente.

Nos níveis estadual, distrital e municipal, as entidades públicas responsáveis


pela política de atendimento dos direitos de crianças e adolescentes e por
esses serviços, programas e ações especiais deverão funcionar nessa linha,
em seu respectivo nível de competência e deverão ter estrutura e
organização próprias, respeitada a autonomia da política de atendimento de
direitos da criança e do adolescente, na forma do Estatuto da Criança e do
Adolescente, ficando, além do mais, responsáveis pela execução dos seus
programas, serviços e ações e a manutenção das unidades respectivas.

Cada Estado, município e o Distrito Federal vincularão essas suas entidades


públicas responsáveis pela política de atendimento de direitos da criança e
do adolescente à Secretaria ou órgão congênere que julgar conveniente,
estabelecendo-se porém expressamente que elas se incorporam ao Sistema de
46
Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente e que deverão ser
considerados interlocutores para o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e
do Adolescente - CONANDA e para o órgão federal responsável,
principalmente para efeito de apoio técnico e financeiro.

A União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios organizarão, em


regime de colaboração, os sistemas estaduais, distrital e municipais, tanto de
defesa de direitos, quanto de atendimento socioeducativo.

Caberá à União a coordenação desses programas e serviços de execução


das medidas específicas de proteção de direitos e de execução das medidas
socioeducativas, integrando-os no campo maior da política de atendimento de
direitos da criança e do adolescente e exercendo função normativa de
caráter geral e supletiva dos recursos necessários ao desenvolvimento dos
sistemas estaduais, distrital e municipais.

Competências da União:

I - elaborar os Planos Nacionais de Proteção de Direitos Humanos e de


Socioeducação, em colaboração com os estados, o Distrito Federal e os
municípios;
II - prestar assistência técnica e financeira aos estados, ao Distrito Federal e aos
municípios para o desenvolvimento de seus sistemas de proteção especial de
direitos e de atendimento socioeducativo, no exercício de sua função supletiva;
III - colher informações sobre a organização e funcionamento dos sistemas,
entidades e programas de atendimento e oferecer subsídios técnicos para a
qualificação da oferta;
IV - estabelecer diretrizes gerais sobre as condições mínimas das estruturas
físicas e dos recursos humanos das unidades de execução; e
V - instituir e manter processo nacional de avaliação dos sistemas, entidades e
programas de atendimento.

As funções de natureza normativa e deliberativa da competência da


União serão exercidas pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do
Adolescente - CONANDA, e as funções de natureza executiva, pela
Presidência da República, através da Secretaria Especial dos Direitos
Humanos.

Competências dos Estados:

I - elaborar os planos estaduais de defesa de direitos e de atendimento


socioeducativo, em colaboração com os municípios;
II - instituir, regular e manter seus sistemas de defesa de direitos e de
atendimento socioeducativo, respeitadas as diretrizes gerais dos respectivos
Planos Nacionais;
III - criar e manter os programas de defesa de direitos e de atendimento
socioeducativo, para a execução das medidas próprias;
IV - baixar normas complementares para a organização e funcionamento dos seus
sistemas de defesa de direitos e de atendimento e dos sistemas municipais;
V - estabelecer, com os municípios, as formas de colaboração para a oferta dos
47
programas de defesa de direitos e de atendimento socioeducativo em meio aberto;
e
VI - apoiar tecnicamente os municípios e as entidades sociais para a
regular oferta de programas de defesa de direitos e de atendimento
socioeducativo em meio aberto.

As funções de natureza normativa e deliberativa relacionadas à


organização e funcionamento dos sistemas referidos, em nível estadual,
serão exercidas pelo Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Competências dos Municípios:

I - instituir, regular e manter os seus sistemas de defesa de direitos e de


atendimento socioeducativo, respeitadas as diretrizes gerais dos Planos
Nacionais e Estaduais respectivos;
II - criar e manter os programas de defesa de direitos e de atendimento
socioeducativo para a execução das medidas de meio aberto; e
III - baixar normas complementares para a organização e funcionamento dos
programas de seus sistemas de defesa de direitos e de atendimento
socioeducativo.

Para a criação e manutenção de programas de defesa de direitos e


de atendimento socioeducativo em meio aberto, os municípios integrantes de
uma mesma organização judiciária poderão instituir consórcios regionais
como modalidade de compartilhar responsabilidades.

As funções de natureza normativa e deliberativa relacionadas à


organização e funcionamento dos sistemas municipais serão exercidas pelo
Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Aplica-se ao Distrito Federal, cumulativamente, as regras de competência


dos estados e municípios.

Fonte: Resolução nº 113/2006 do CONANDA


SINASE/2006

*Pesquisa e Sistematização: Profª Maria Nauza Luza Martins – abril/2009.

5. PROTEÇÃO INTEGRAL: Políticas Integradas*

A doutrina da proteção integral encontra-se consubstanciada na Convenção


Internacional dos Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas. Desde

48
1988, o Brasil adotou tal concepção ao inseri-la no art. 227, da Constituição da
República Federativa do Brasil, nos seguintes termos:

“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao


adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

Além de garantir um complexo conjunto de direitos a nova doutrina trouxe


aos direitos da criança e do adolescente o status de prioridade absoluta, bem
como, uma ampla garantia de proteção. Os novos direitos infanto-juvenis foram
disciplinados com a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n o
8.069, de 13 de julho de 1990.

É, portanto, a doutrina da proteção integral a base configuradora de todo um


novo conjunto de princípios e normas jurídicas voltadas à efetivação dos direitos
fundamentais da criança e do adolescente, que traz em sua essência a proteção e
a garantia do pleno desenvolvimento humano reconhecendo a condição peculiar de
pessoas em desenvolvimento e a articulação das responsabilidades entre a família,
a sociedade e o Estado para a sua realização por meio de políticas sociais
públicas.

Diante do novo contexto jurídico-político constituído a partir da


incorporação da Doutrina da Proteção Integral, a violação dos direitos infanto-
juvenis assumiu uma nova centralidade.

O Estatuto da Criança e do Adolescente corrobora com os princípios da


Proteção Integral, nos quais, são reconhecidos os direitos das crianças e
adolescentes, assegurando-se em seu artigo 4º:
 primazia de proteção;
 precedência de atendimento; e
 prioridade nas políticas públicas.

Esse sistema de justiça pressupõe assegurar a todas as crianças e


adolescentes o acesso à educação, à saúde, à assistência social, à cultura, ao
esporte e lazer, à profissionalização, à convivência familiar e comunitária, ao
planejamento familiar, entre outros direitos fundamentais, que lhe assegurem seu
pleno desenvolvimento bio-psico-social.

PROTEÇÃO INTEGRAL: Características

 Conceito universal embasado na Convenção Internacional sobre os Direitos


da Criança da ONU;
 Significa direitos especiais e específicos por ser a criança e o adolescente
pessoas em condição peculiar de desenvolvimento;

 Constitui garantia da satisfação dos direitos fundamentais até os 18 anos de


idade, independentemente da situação da criança e do adolescente;

49
 Define os conceitos de criança e de adolescente e os diferentes
mecanismos de responsabilização em casos de conflito com a lei (medidas
protetivas e medidas socioeducativas);

 Prevê a proteção excepcional para o jovem (de 18 a 21 anos de idade


incompletos), diferenciando-os;

 Reconhece que criança e adolescente são vulneráveis e merecem proteção


integral e especial pela família, sociedade e estado;

 Atribui ao Estado a responsabilidade pela criação das políticas públicas


específicas e básicas para garantia dos direitos fundamentais da criança e
do adolescente.

Conceito de Integração das Políticas Públicas

A política de atendimento às crianças e adolescentes será integral: para


cidadãos inteiros, proteção integral e políticas integradas. Os Conselhos de Direitos
e Tutelares devem lutar contra a desarticulação das ações e a dispersão de
recursos e energias. Devem trabalhar ativamente para a integração das ações
governamentais e não-governamentais, para a construção de políticas públicas
articuladas e consistentes.

De acordo com o artigo 86 do Estatuto da Criança e do Adolescente, a


política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á por meio
de um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais, da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

O artigo 87 estabelece as linhas básicas da política de atendimento. Para


estruturar um Sistema Municipal de Atendimento eficaz, é importante o
entendimento de cada uma dessas políticas e desses serviços.

Art. 87 - São linhas de ação da política de atendimento:

I - políticas sociais básicas;


II - políticas e programas de assistência social, em caráter supletivo, para aqueles
que deles necessitem;
III - serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às
vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão;
IV - serviço de identificação e localização de pais, responsável, crianças e
adolescentes desaparecidos;
V - proteção jurídico-social por entidades de defesa dos direitos da criança e do
adolescente.

As políticas de atendimento são desenvolvidas em quatro níveis:

Políticas Sociais Básicas:


 São universais. Destinam-se ao conjunto da população infanto-juvenil.

50
 Destinam-se ao atendimento de necessidades básicas comuns a todas as
crianças e adolescentes: educação, saúde, cultura, recreação, esporte,
profissionalização, moradia, alimentação.
 Numa sociedade marcada profundamente pelas desigualdades sociais,
devem estar voltadas, prioritariamente, para as crianças e adolescentes
pobres, que têm escassas alternativas de usufruir desses direitos sociais
fundamentais

Políticas Assistenciais:
 Destinam-se às crianças e adolescentes em estado temporário ou
permanente de necessidade, em razão de privação econômica ou de outros
fatores.
 São orientadas, prioritariamente, para as camadas sociais mais pobres.
 Exemplos: programas de alimentação complementar; de abrigo provisório;
creches comunitárias; passes para viagens e outros.
 Devem articular-se aos programas derivados das políticas sociais básicas.
 Devem ser transitórias e ter um caráter emancipador: contribuir para a
superação da situação de crise e para elevar o seu destinatário a uma nova
condição de vida.

Políticas de Proteção Especial:


 Destinam-se às crianças e adolescentes em circunstâncias especialmente
difíceis (situação de risco pessoal e social), em razão da ação ou omissão
de adultos.
 São orientadas para crianças e adolescentes expostos a ameaças físicas,
psicológicas ou morais.
 Exemplos: plantões de recebimento e encaminhamento de denúncias;
abrigos; programas de reabilitação de usuários de drogas; liberdade
assistida para o adolescente autor de ato infracional, internação e outros.
 Devem articular-se aos programas derivados das políticas sociais básicas.
 Devem ser transitórias e ter um caráter emancipador

Políticas de Garantia de Direitos:


 Destinam-se às crianças e adolescentes envolvidos em situações onde
existem conflitos de natureza jurídica.
 Devem garantir a defesa jurídico-social dos direitos individuais e coletivos da
população infanto-juvenil. Exemplos: programas de assistência jurídica;
plantões de defesa de direitos; serviços de advocacia da criança e do
adolescente e outros.
 Devem articular-se aos programas derivados das políticas sociais básicas.
 Devem ser transitórias e ter um caráter emancipador.
 A criação de um Sistema Municipal de Atendimento à Criança e ao
Adolescente pressupõe muita articulação e integração política. Conselhos
Municipais de Direitos e Conselhos Tutelares podem e devem dar os rumos
e os passos fundamentais desse trabalho.

Órgãos de Garantia de Direitos

Conselhos de Direitos
51
Conselho Tutelar
Entidades de Atendimento (Governamentais e não Governamentais)
Operadores do Direito/Sistema de Justiça
Instâncias Representativas (Fóruns, Comitês, Comissões, Frentes, Redes)
Formadores de Opinião Pública (Comunicadores, Artistas, Igrejas, Lideranças)
Representações da Iniciativa Privada (Empresários, Etc);
Representações Políticas

O Conselho Tutelar enquanto órgão de garantia de direitos pode e deve


requisitar todos os programas e serviços que integram as políticas necessárias à
proteção integral da criança e do adolescente, bem como às suas famílias.

Papel das Instâncias de Poder

A Constituição Federal de 1988 reconheceu o Município como ente


autônomo da Federação, mas não independente.

Municipalizar é permitir, por força da descentralização político-administrativa,


que determinadas decisões políticas e determinados serviços sejam encaminhados
e resolvidos no âmbito do Município, sem excluir a participação e cooperação de
outros entes da Federação (União e Estados) e da sociedade civil organizada.

A Política de Atendimento à Criança e ao Adolescente é estruturada em:

Princípios de Hierarquia: União, Estados e Municípios

Princípios de Complementaridade: estabelece a articulação entre as ações


governamentais e não governamentais em todos os níveis

Tudo isso é a tradução de dois princípios constitucionais:


 Descentralização político-administrativa: Competências e atribuições
específicas e complementares para a União, os Estados e os Municípios
 Participação da população, por meio de suas organizações representativas.

UNIÃO: o Governo Federal não executa diretamente as políticas de atendimento à


criança e ao adolescente:

 Coordenação global da política;


 Definição de normas gerais de ação;

 Fiscalização e controle de políticas e das ações.

ESTADO: o Governo Estadual executa diretamente apenas os atendimentos que


extrapolam a capacidade do município, complementando o trabalho realizado pelo
poder público municipal, comunidades e organizações não governamentais:

 Coordenação da política de maneira complementar à União;


 Adaptação das normas federais à sua realidade.

52
MUNICÍPIO: o Governo Municipal, as comunidades e as organizações não
governamentais executam diretamente o atendimento às crianças e adolescentes:

 Coordenação em nível local;


 Execução direta de políticas e programas de atendimento.

Participação da população por meio de suas organizações representativas:

 Poder público e sociedade civil compartilham responsabilidades e ações


efetivas de atendimento.

*Pesquisa e Sistematização: Profª Maria Nauza Luza Martins - Bsb, abril/2008

6. RESUMO SOBRE CONSELHO DOS DIREITOS DA


CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E CONSELHO TUTELAR

O que é o Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente?

 É um órgão ou instância colegiada de caráter deliberativo, formulador e


normalizador das políticas públicas, controlador das ações, gestor do Fundo,
legítimo, de composição paritária e articulador das iniciativas de proteção e
defesa dos direitos da criança e do adolescente (ECA – artigo 88: II e IV, 89
e 260).

 Na União, nos Estados, no Distrito Federal e nos Municípios haverá um


único Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente, composto
paritariamente de representantes do governo e da sociedade civil
organizada.

 Integra a estrutura básica do poder executivo, da secretaria ou órgão da


área social e tem composição e organização fixadas em lei.

Art. 88 - São diretrizes da política de atendimento:

II - criação de conselhos municipais, estaduais e nacional dos direitos da


criança e do adolescente, órgãos deliberativos e controladores das ações em
todos os níveis, assegurada a participação popular paritária por meio de
organizações representativas, segundo leis federal, estaduais e municipais;

IV - manutenção de fundos nacional, estaduais e municipais vinculados aos


respectivos conselhos dos direitos da criança e do, adolescente;

Art. 89 - A função de membro do Conselho Nacional e dos conselhos estaduais e


municipais dos direitos da criança e do adolescente é considerada de interesse
público relevante e não será remunerada.

CONSELHOS DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE:


53
 CONANDA: Nacional

 CEDCA: Estaduais

 CDCA/DF: Distrito Federal

 CMDCA: Municipais

CONANDA: CARATERÍSTICAS

Por meio da gestão compartilhada, governo e sociedade civil definem, no âmbito


do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA, as
diretrizes para a Política Nacional de Promoção, Proteção e Defesa dos Direitos de
Crianças e Adolescentes.

Criado em 1991, pela Lei nº 8.242, o CONANDA foi previsto pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente como o principal órgão do sistema de garantia de
direitos. Por meio da gestão compartilhada, governo e sociedade civil definem, no
âmbito do Conselho, as diretrizes para a Política Nacional de Promoção, Proteção
e Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes.

Além da definição das políticas para a área da infância e da adolescência, o


CONANDA também fiscaliza as ações executadas pelo poder público no que diz
respeito ao atendimento da população infanto-juvenil.

A gestão do Fundo Nacional da Criança e do Adolescente (FNCA) é também outra


importante atribuição do Conselho. É ele quem o responsável pela regulamentação
sobre a criação e a utilização desses recursos, garantindo que sejam destinados à
ações de promoção e defesa dos direitos de crianças e adolescentes, conforme
estabelece o Estatuto.

Entre as principais atribuições do CONANDA, pode-se destacar:

• Fiscalizar as ações de promoção dos direitos da infância e adolescência


executadas por organismos governamentais e não-governamentais;

• Definir as diretrizes para a criação e o funcionamento dos Conselhos Estaduais,


Distrital e Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente e dos Conselhos
Tutelares;

• Estimular, apoiar e promover a manutenção de bancos de dados com


informações sobre a infância e a adolescência;

• Acompanhar a elaboração e a execução do Orçamento da União, verificando se


estão assegurados os recursos necessários para a execução das políticas de
promoção e defesa dos direitos da população infanto-juvenil;

54
• Convocar, a cada dois anos, a Conferência Nacional dos Direitos da Criança e
do Adolescente;

• Gerir o Fundo Nacional para a Criança e o Adolescente (FNCA).

CARACTERÍSTICAS DO CONSELHO DOS DIREITOS:

 Ser formado paritariamente (em pé de igualdade, com o mesmo número de


representantes) por membros do Governo (em cada nível) indicados pelo
(órgãos do governo) e membros da sociedade civil escolhidos e indicados
por suas organizações representativas;

 Atuar na esfera decisória do Poder Executivo com caráter deliberativo: tomar


decisões (deliberar) para disciplinar e garantir a execução da política de
atendimento às crianças e adolescentes.

 Possuem natureza de órgãos estatais especiais, isto é, são instâncias


públicas essencialmente colegiadas composta de forma paritária (igualdade
quantitativa) por agentes públicos e seus atos são emanados de decisão
coletiva;

 Possuem autonomia política para definir questões que lhes são afetas,
tornando-se suas deliberações vontade expressa do Estado;

 Vinculam-se ao poder público apenas no âmbito administrativo já que


deverá contar com dotação orçamentária específica do Poder Executivo
para seu pleno funcionamento.

ATRIBUIÇÕES E RESPONSABILIDADES DO CONSELHO DOS DIREITOS

 Formula a política dos direitos da criança e do adolescente, definindo


prioridades;

 Acompanha e avalia as ações governamentais e não-governamentais


destinadas ao atendimento dos direitos da criança e do adolescente;

 Fiscaliza e controla as ações e o cumprimento das prioridades


estabelecidas;

 Delibera sobre a conveniência de implementação de programas e serviços;

 Recebe e analisa propostas e reivindicações encaminhadas, que visem ao


aprimoramento das políticas públicas;

 Propõe e mantém estudos e levantamentos sobre a situação da criança e do


adolescente, visando a um melhor embasamento das políticas públicas;

 Inscreve os programas de atendimento das entidades governamentais e


não-governamentais, mantendo o registro das inscrições e de suas
55
alterações comunicando-as ao Conselho Tutelar e à autoridade judiciária
local (Art. 90).

 Realiza periodicamente, a cada 02 (dois) anos, no máximo, o


recadastramento das entidades e dos programas em execução, certificando-
se de sua contínua adequação à política de promoção dos direitos da
criança e do adolescente traçada.

 Gere o Fundo da Criança e do Adolescente, alocando seus recursos nas


diversas áreas, conforme prioridades estabelecidas (Art. 88, inciso IV);

 Implanta os Conselhos Tutelares e conduz o processo de eleição dos


conselheiros;

 Promove, de forma contínua, atividades de divulgação do Estatuto da


Criança e do Adolescente no seu âmbito de ação.

FUNCIONAMENTO DOS CONSELHOS DOS DIREITOS

 Cabe à administração pública, nos diversos níveis do Poder Executivo,


fornecer recursos humanos e estrutura técnica, administrativa e institucional
necessários ao adequado e ininterrupto funcionamento do Conselho dos
Direitos da Criança e do Adolescente, devendo para tanto instituir dotação
orçamentária específica que contemple o custeio das atividades
desempenhadas pelo Conselho, inclusive despesas com capacitação dos
conselheiros;

 O Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente deverá contar com


espaço físico adequado ao seu pleno funcionamento, cuja localização será
amplamente divulgada, e dotado de todos os recursos necessários ao seu
regular funcionamento.

 Os Conselhos dos Direitos deverão elaborar um regimento interno que


defina o funcionamento do órgão prevendo dentre outros itens:

 a forma de escolha dos membros da presidência do Conselho assegurando


a alternância entre representantes do governo e da sociedade civil
organizada.

 Os atos deliberativos do Conselho deverão ser publicados nos órgãos


oficiais e/ou na imprensa local, seguindo as mesmas regras de publicação
pertinentes aos demais atos do Executivo.

COMPOSIÇÃO E MANDATO

DOS REPRESENTANTES DO GOVERNO

 Observada a estrutura administrativa dos diversos níveis de governo,


deverão ser designados, prioritariamente, representantes dos setores
responsáveis pelas políticas sociais básicas, direitos humanos e finanças e
planejamento;
56
 Para cada titular deverá ser indicado um suplente, que substituirá aquele em
caso de ausência ou impedimento, de acordo com o que dispuser o
regimento interno do Conselho.

 O exercício da função de conselheiro, titular e suplente, requer


disponibilidade para efetivo desempenho de suas funções em razão do
interesse publico e da prioridade absoluta assegurado aos direitos da
criança e do adolescente.

 O mandato do representante governamental no Conselho dos Direitos está


condicionado à manifestação expressa contida no ato designatório da
autoridade competente.

 O afastamento dos representantes do governo junto ao Conselho dos


Direitos deverá ser previamente comunicado e justificado para que o mesmo
seja substituído e não haja prejuízo das atividades do Conselho;

DOS REPRESENTANTES DA SOCIEDADE CIVIL

 Poderão participar do processo de escolha organizações da sociedade civil


constituídas há pelo menos dois anos com atuação no âmbito territorial
correspondente.

 A representação da sociedade civil no Conselho dos Direitos da Criança e


do Adolescente, diferentemente da representação governamental, não
poderá ser previamente estabelecida, devendo submeter-se periodicamente
a processo democrático de escolha.

 O processo de escolha dos representantes da sociedade civil junto ao


Conselho dos Direitos deverá ser realizada mediante a designação de uma
comissão eleitoral composta por conselheiros representantes da sociedade
civil para organizar e realizar o processo eleitoral.

 O mandato dos representantes da sociedade civil junto aos Conselhos dos


Direitos da Criança e do Adolescente será de 02 (dois) anos.

 A eventual substituição dos representantes das organizações da sociedade


civil no Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente deverá ser
previamente comunicada e justificada para que não cause prejuízo algum às
atividades do Conselho.

 É vedada a prorrogação de mandatos ou a recondução automática.

 O Ministério Público deverá ser solicitado a acompanhar e fiscalizar o


processo eleitoral de escolha dos representantes das organizações da
sociedade civil.

IMPEDIMENTOS
57
 É vedada a indicação de nomes ou qualquer outra forma de ingerência do
poder público no processo de escolha dos representantes da sociedade civil
junto ao Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente.

 Não deverão compor o Conselho dos Direitos, no âmbito do seu


funcionamento:
I- Conselhos de políticas públicas;
II- Representantes de órgão de outras esferas governamentais;
III- ocupantes de cargo de confiança e/ou função comissionada do poder
público, na qualidade de representante de organização da sociedade civil;
IV- Conselheiros Tutelares.

 Também não deverão compor o Conselho dos Direitos da Criança e do


Adolescente, a autoridade judiciária, legislativa e o representante do
Ministério Público e da Defensoria Pública, com atuação no âmbito do
Estatuto da Criança e do Adolescente, ou em exercício na Comarca, foro
regional, Distrital ou Federal.

Fonte: Resolução nº 116/2006/CONANDA

O QUE É O FUNDO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE? (Art. 88: IV)

 São recursos captados de várias fontes;

 destinados ao financiamento de ações complementares de promoção,


proteção e defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes em
situação de risco pessoal e social, auxiliando em seu processo de
inclusão social;

 e contribuindo para a qualificação da rede de atendimento.

SITUAÇÕES DE RISCO PESSOAL E SOCIAL

 Ocorrências de abandono;
 Perda ou fragilidade dos vínculos familiares;
 Identidades estigmatizadas em termos étnico, cultural e sexual;
 Desvantagem pessoal resultante de deficiências;
 Exclusão pela pobreza e, ou, no acesso às demais políticas públicas;
 Usuários de álcool e drogas;
 Diferentes formas de violência (maus-tratos, abuso e exploração sexual)
advinda do núcleo familiar, grupos e indivíduos;
 Estratégias e alternativas diferenciadas de sobrevivência que podem
representar risco pessoal e social;
 adolescentes em conflito com a lei;
 moradores de rua...

FONTES DE CAPTAÇÃO DE RECURSOS DO FUNDO:


58
 Dotações orçamentárias do Executivo;
 Doações de pessoas físicas ou jurídicas em espécie;
 Multas relativas a condenações em ações cíveis e à aplicação de
penalidades administrativas previstas no ECA (Art.214);
 Convênios com entidades nacionais e internacionais, etc.

Art. 260 - Os contribuintes poderão deduzir do imposto devido, na declaração do


Imposto sobre a Renda, o total das doações feitas aos Fundos dos Direitos da
Criança e do Adolescente - nacional, estaduais ou municipais - devidamente
comprovadas, obedecidos os limites estabelecidos em Decreto do Presidente da
República.

O QUE É CONSELHO TUTELAR?

Art. 131 - O Conselho Tutelar é órgão permanente e autônomo, não jurisdicional,


encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e
do adolescente, definidos nesta Lei.

O Conselheiro Tutelar é um agente público investido de um mandato de 03


anos concedido pela comunidade, com autonomia para o exercício de suas
atribuições definidas no ECA.

 Órgão Permanente: após ser criado por lei municipal e efetivamente


implantado, desenvolve uma ação contínua e ininterrupta, ou seja, não deve
sofrer suspensão, sob qualquer pretexto. Apenas renovam-se seus
membros.

 Órgão Autônomo: exerce suas funções com independência (não depende


do governante, nem do Juiz), inclusive para denunciar e corrigir distorções
existentes na própria administração local, relativas ao atendimento às
crianças e aos adolescentes.

 Órgão não-jurisdicional: não integra o Poder judiciário. Exerce funções de


caráter administrativo e não pode exercer o papel e as funções do Poder
Judiciário na apreciação e tomada de decisões referentes às situações de
interesses das crianças e adolescentes, dentro de suas competências.

Art. 132 - Em cada Município haverá, no mínimo, um Conselho Tutelar composto


de cinco membros, escolhidos pela comunidade local para mandato de três anos,
permitida uma recondução.

PERFIL DO CONSELHEIRO TUTELAR

Art. 133 - Para a candidatura a membro do Conselho Tutelar, serão exigidos os


seguintes requisitos:
I - reconhecida idoneidade moral;
II - idade superior a vinte e um anos;
III - residir no município.
59
Art. 134 - Lei Municipal disporá sobre local, dia e horário de funcionamento do
Conselho Tutelar, inclusive quanto a eventual remuneração de seus membros.

Parágrafo Único - Constará da Lei Orçamentária Municipal previsão dos recursos


necessários ao funcionamento do Conselho Tutelar.

Art. 135 - O exercício efetivo da função de conselheiro constituirá serviço público


relevante, estabelecerá presunção de idoneidade moral e assegurará prisão
especial, em caso de crime comum, até o julgamento definitivo.

ATRIBUIÇÕES DOS CONSELHOS TUTELARES

Art. 136 - São atribuições do Conselho Tutelar:


I - atender as crianças e adolescentes nas hipóteses previstas nos arts. 98 e
105, aplicando as medidas previstas no art. 101, I a VII;

II - atender e aconselhar os pais ou responsável, aplicando as medidas


previstas no art. 129, I a VII;

III - promover a execução de suas decisões, podendo para tanto:


a) requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social,
previdência, trabalho e segurança;

b) representar junto à autoridade judiciária nos casos de descumprimento


injustificado de suas deliberações.

IV - encaminhar ao Ministério Público notícia de fato que constitua infração


administrativa ou penal contra os direitos da criança ou adolescente;

V - encaminhar à autoridade judiciária os casos de sua competência;

VI - providenciar a medida estabelecida pela autoridade judiciária, dentre as


previstas no art. 101, de I a VI, para o adolescente autor de ato infracional;

VII - expedir notificações;

VIII - requisitar certidões de nascimento e de óbito de criança ou adolescente


quando necessário;

IX - assessorar o Poder Executivo local na elaboração da proposta


orçamentária para planos e programas de atendimento dos direitos da criança e
do adolescente;

X - representar, em nome da pessoa e da família, contra a violação dos direitos


previstos no art. 220, § 39, inciso II da Constituição Federal;

XI - representar ao Ministério Público, para efeito das ações de perda ou


suspensão do pátrio poder;
60
Art. 137 - As decisões do Conselho Tutelar somente poderão ser revistas pela
autoridade judiciária a pedido de quem tenha legítimo interesse.

IX - assessorar o Poder Executivo local na elaboração da proposta


orçamentária para planos e programas de atendimento dos direitos da criança e
do adolescente;

X - representar, em nome da pessoa e da família, contra a violação dos direitos


previstos no art. 220, § 39, inciso II da Constituição Federal;

XI - representar ao Ministério Público, para efeito das ações de perda ou


suspensão do pátrio poder;

DOS IMPEDIMENTOS

Art. 140 - São impedidos de servir no mesmo Conselho marido e mulher,


ascendentes e descendentes, sogro e genro ou nora, irmãos, cunhados, tio e
sobrinho, padrasto ou madrasta e enteado.

Parágrafo Único - Estende-se o impedimento do conselheiro, na forma deste


artigo, em relação à autoridade judiciária e ao representante do Ministério Público
com atuação na Justiça da Infância e da Juventude, em exercício na Comarca,
Foro Regional ou Distrital.

Art. 139 - O processo para a escolha dos membros do Conselho Tutelar será
estabelecido em Lei Municipal e realizado sob a responsabilidade do Conselho
Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e a fiscalização do Ministério
Público.

Art. 262 - Enquanto não instalados os Conselhos Tutelares, as atribuições a eles


conferidas serão exercidas pela autoridade judiciária.

QUANTOS CONSELHOS TUTELARES DEVE TER O MUNICÍPIO?

 A norma geral, segundo o Estatuto, é que cada município tenha, no mínimo,


um Conselho Tutelar.

 Haverá tantos Conselhos quantos forem julgados necessários, segundo os


indicadores: população do município; extensão territorial; densidade
demográfica; estimativa de casos de violação de direitos cometidos contra
crianças e adolescentes.

BIBLIOGRAFIA

1. BRASIL, Estatuto da Criança e do Adolescente (1990). Lei nº 8069, de 13 de


julho de 1990. Brasília, DF.
2. CONANDA, Parâmetros Para a Criação e o Funcionamento dos Conselhos
Tutelares. Resolução de N.º 75, de 22/10/2001.
3. CONANDA, Resolução N° 105 de 15/06/2005.
61
4. CONANDA, Resolução nº 116 /2006.
5. CURY, Munir. (2005) Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado –
Comentários Jurídicos e Sociais. São Paulo: Malheiros Editores.

Pesquisa e Elaboração: Maria Nauza Luza Martins - Assistente Social - Bsb, abril/2008.

6.1 PERGUNTAS E RESPOSTAS SOBRE:*

1. CONSELHOS TUTELARES

2. CONSELHOS DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

3. FUNDO DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

1. CONSELHOS TUTELARES: Perguntas e


Respostas
01. O que é o Conselho Tutelar?

É um órgão público, que atua na esfera municipal, encarregado de zelar pelo


cumprimento dos direitos da criança e do adolescente. O Conselho Tutelar não
presta o atendimento direto, mas atua de forma a viabilizá-lo em casos concretos,
de ameaça ou violação de direitos. é um órgão permanente que não pode ser
dissolvido pelo Prefeito Municipal; e autônomo, que não pode sofrer qualquer
interferência em relação ao modo de cumprimento de suas atribuições e na
oportunidade e conveniência de sua aplicação de medidas de proteção. Além
disso, é não-jurisdicional e não integra o Poder Judiciário.

02. A quem cabe a criação do Conselho Tutelar?

À Lei Municipal, devendo o Executivo Municipal instalá-lo, garantindo sua


estrutura de funcionamento, sua manutenção e seu apoio administrativo, bem
como, fixando a eventual remuneração dos Conselheiros Tutelares.
A iniciativa da elaboração da Lei é de competência privada do chefe do
Executivo Municipal, que deverá respeitar as disposições contidas na
Constituição Federal e no ECA, além de observar as peculiaridades locais,
através da participação popular, em reuniões conjuntas com o Legislativo
Municipal, organizações governamentais e não-governamentais, além de
sindicatos, associações de bairro, educadores, profissionais de saúde, entre
outros.

03. Quais são as atribuições do Conselho Tutelar?


62
O Conselho Tutelar atua em duas frentes de ação, igualmente importantes: uma
preventiva, fiscalizando entidades, mobilizando sua comunidade ao exercício de
direitos assegurados a todo cidadão, cobrando as responsabilidades dos
devedores do atendimento de direitos à criança e ao adolescente e à sua
família, e outra remediativa, agindo diante da violação consumada, defendendo
e garantindo a proteção especial preconizado pelo ECA. Suas atribuições estão
centradas em vários artigos do ECA, sendo elas:
Em relação à Criança e ao Adolescente:
a) Atender as crianças e adolescentes que tiverem seus direitos ameaçados ou
violados – Artigos 98 e 105:
- por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;
- por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsáveis;
- em razão de sua conduta.
b) Atender as crianças autoras de ato infracional – Artigos 105 e 136;
c) Aplicar, isolada ou cumulativamente, podendo substituir a qualquer tempo,
medidas de proteção, devendo levar em conta as necessidades pedagógicas, e
preferindo as que visem o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários –
Artigos 99, 100 e 101, Incisos I a VII:
- encaminhamento aos pais ou responsáveis, mediante termo de
responsabilidade;
- orientação, apoio e acompanhamento temporários;
- matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento ? oficial de ensino
fundamental;
- inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e
ao adolescente;
- requisição de tratamento médico, psicológico ou orientação e tratamento de
alcoolistas e toxicômanos;
- abrigo em entidade.
Em relação aos pais ou responsáveis:
a) Atender e aconselhar os pais ou responsáveis, exigindo o cumprimento dos
deveres inerentes ao pátrio poder ou decorrente de tutela ou guarda, de acordo
com a determinação do Conselho Tutelar – Art. 136, Inciso II e IV;
b) Aplicar medidas pertinentes aos pais ou responsáveis – Art. 129, Incisos I a
VII:
 encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família;
 inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e
tratamento de alcoolistas e toxicômanos;
 encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico;
 obrigação de matricular o filho ou pupilo e de acompanhar sua freqüência e
aproveitamento escolar;
 obrigação de encaminhar criança ou adolescente a tratamento
especializado;
63
 advertência.

c) Expedir notificações para comparecimento – Art. 136, Inciso VII.


Em relação ao Registro Civil:
Requisitar certidões de nascimento e de óbito de criança ou adolescente quando
necessário – Art. 136, Inciso VIII.

Em relação às Instituições de Saúde e Estabelecimentos de Ensino


Fundamental:

Receber a comunicação obrigatória – Artigos 13 e 56

 dos casos de suspeita ou confirmação de maus tratos contra a criança e o


adolescente, sem prejuízo da tomada de outras providências legais por
parte do comunicante;
 das situação de reiteração de faltas injustificadas e de evasão escolar, após
esgotados os recursos escolares;
 de elevados níveis de repetência.

Em relação ao Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente:

Receber a comunicação do Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente


sobre os registros de entidades governamentais e não governamentais, bem
como sobre inscrição de programas e suas alterações – Artigos 90 e 91;

Em relação ao Poder Executivo:

Assessorar p Poder Executivo local na elaboração da proposta orçamentária para a


execução de planos e programas de atendimento dos direitos da criança e do
adolescente – Art. 136, Inciso IX.

Em relação aos Serviços Públicos:

Promover a execução de suas decisões, podendo para tanto, requisitar serviços


públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e
segurança – Art. 136, Inciso III, a.

Em relação ao Ministério Público:

a) Encaminhar ao Ministério Público notícia de fato que constitua infração


administrativa ou penal contra os direitos da criança ou do adolescente – Art. 136,
Inciso IV;

b) Representar, em nome da pessoal ou da família, contra a violação dos direitos


previstos no art. 220, § 3º, Inciso II, da Constituição Federal – Art. 136, Inciso X;

c) Representar ao Ministério Público para efeito das ações de perda ou suspensão


do pátrio poder – Art. 136, Inciso XI.

64
Em relação à Autoridade Judiciária:

a) Encaminhar à autoridade judiciária os casos de sua competência – Artigos. 148,


149 e 136, Inciso V;

b) Providenciar a medida estabelecida pela autoridade judiciária, dentre as


previstas no art. 101, incisos I a VI, para adolescente autor de ato infracional – Art.
136, Inciso VI;

c) Oferecer representação à autoridade judiciária:

 para efeito de apuração de infração administrativa às normas de proteção à


criança e ao adolescente – Art. 194;
 para efeito de apuração de irregularidades em entidade governamental ou
não-governamental de atendimento – Art. 191;
 nos casos de descumprimento injustiçado de suas deliberações – Art. 136,
Inciso III, b.

04. Como é formado o Conselho Tutelar?

Cada Conselho Tutelar é formado por cinco membros, escolhidos pela


comunidade local, para um mandato de três anos, permitida uma recondução.

05. Os conselheiros tutelares podem ser reconduzidos ao cargo sem


passarem pelo processo de escolha?

Não. A condução e a recondução se dão somente pelo processo de escolha. O


ECA, em seu Art. 132, é claro ao estabelecer que os Conselheiros Tutelares
serão escolhidos pela comunidade local, sendo permitida uma recondução.

06. Como escolher os Conselheiros Tutelares?

A lei municipal estabelecerá o processo para escolha, a ser realizado sob a


responsabilidade do Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente e
fiscalizado pelo Ministério Público.

07. Quem escolhe os Conselheiros Tutelares?

A escolha dos membros do Conselho Tutelar será feita pela comunidade,


podendo a lei municipal optar pela eleição direta, universal e facultativa, com
voto secreto ou escolha indireta, através da formação de um colégio eleitoral
formado por entidades de atendimento à crianças e adolescentes, instituições ou
associações que compõem o Fórum dos Direitos da Criança e do Adolescente,
ou conforme a lei municipal dispuser.

65
08. Quais os direitos trabalhistas e previdenciários dos Conselheiros
Tutelares? Se tem direitos, como fica a substituição? (principalmente direito
a férias, licença-maternidade ou gestação, direitos previdenciários, 13º
salário, licenças para tratamento de saúde ou por motivos particulares)

Não existem direitos trabalhistas, enquanto relação empregatícia regida pela


CLT. Entretanto, os direitos resultantes da relação estabelecida entre os
Conselheiros Tutelares e a Prefeitura Municipal são aqueles previstos em lei
municipal e, na sua omissão, os direitos constitucionais e os estatutários
aplicáveis ao servidor público comum, no que for cabível.
Todas as vantagens e obrigações inerentes ao Servidor/Agente Público
Municipal abrangem também os Conselheiros Tutelares, desde que estejam
previstas em lei municipal.
No caso de afastamento temporário por doença, férias, licenças etc., previstos
em lei municipal, deve ser convocado o suplente imediato para substituí-lo.
As licenças para tratar de assuntos particulares, quando permitidas pela Lei
Municipal, deverão ser solicitadas junto à Prefeitura Municipal.

09. Quais as formas legais de remuneração do Conselheiro Tutelar?

Os recursos para efetuar a remuneração do Conselheiro Tutelar devem,


obrigatoriamente, constar no orçamento público.
Para a definição do valor da remuneração, o Executivo, Legislativo e Conselho
Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, devem valer-se do “bom
senso”, considerando os recursos humanos vigente no município, o volume de
casos atendidos e a complexidade de ações exigidas, com a devida valorização
da função do Conselheiro Tutelar.

10. O mesmo Conselho Tutelar pode ter alguns Conselheiros remunerados e


outros não?

Os cargos de Conselheiros Tutelares são criados por lei municipal que define,
inclusive a existência e o valor da remuneração. Portanto, a norma abrange
indistintamente todos os membros do Conselho.
Pode ocorrer, entretanto, que se um Conselheiro Tutelar for Servidor da
municipalidade, o Município pode liberar o funcionário eleito para exercício na
Conselho, arcando com o ônus, o que na prática leva a não remuneração deste
Conselheiro pela função de Conselheiro Tutelar.

11. A quem compete fiscalizar o horário de trabalho do Conselheiro?

Ao órgão municipal ao qual o Conselho está vinculado.

12. Existe subordinação do Conselho Tutelar ao Conselho dos Direitos da


Criança e do Adolescente?

Não. Entendendo-se por subordinação o estado de dependência a uma hierarquia.


Há uma relação de parceria, cabendo salientar, que a integração e o trabalho em

66
conjunto dessas duas instâncias de promoção, proteção, defesa e garantia de
direitos são fundamentais para a efetiva formulação e execução da política de
atendimento.

O Art. 86 do ECA menciona: “a política de atendimento dos direitos da criança e


do adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de ações
governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

13. O Conselho Tutelar pode funcionar com menos de cinco Conselheiros?

Não. O ECA, em seu Art. 132, estabelece: “Em cada município haverá, no mínimo,
um Conselho Tutelar composto de cinco membros, escolhidos pela comunidade
local para mandato de três anos, permitida uma recondução.

14. Quantos Conselhos Tutelares deve ter o município?

A norma geral, segundo o Estatuto, é que cada município tenha, no mínimo, um


Conselho Tutelar. Haverá tantos Conselhos quantos forem julgados necessários,
segundo os indicadores: população do município; extensão territorial; densidade
demográfica; estimativa de casos de violação de direitos cometidos contra
crianças e adolescentes.

2. CONSELHO DOS DIREITOS DA CRIANÇA


E DO ADOLESCENTE: Perguntas e Respostas

01. O que é o Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente?

É um órgão ou instância colegiada de caráter deliberativo, formulador e


normalizador das políticas públicas, controlador das ações, gestor do Fundo,
legítimo, de composição paritária e articulador das iniciativas de proteção e defesa
dos direitos da criança e do adolescente (ECA – artigo 88, 214 e 260).

Integra a estrutura básica do poder executivo, da secretaria ou órgão da área social


e tem composição e organização fixadas em lei.

02. Tem competência para promover e controlar todos os direitos da criança


e do adolescente?

Sim. Crianças e adolescentes são um público que deve ter prioridade absoluta em
todas as áreas (saúde, educação, assistência social, cultura, esportes...). Deve
exercer o controle das ações de todos os direitos, de forma global.

03. Quais são suas competências administrativas?

Entre outras podemos destacar as seguintes: coordenação da eleição do Conselho


Tutelar; gestão do Fundo através de uma Junta; Secretaria do Governo ou
Administrador; registro das entidades inscritas dos programas de atendimento de
crianças e de adolescentes; elaboração do plano de ação e do plano de aplicação;

67
montagem da proposta orçamentária do Fundo; constituição de comissões; edição
de resoluções e constituição da Secretaria Executiva.

04. Como deve ser estruturado o Conselho?

O Conselho deve ser composto por um plenário integrado por todos os


conselheiros e por uma Secretaria Executiva. A Secretaria deve ter suas
atribuições definidas em seu regimento interno e acompanhar a execução das
deliberações do Conselho, além de servir de apoio administrativo às suas
atividades.

05. Quem pode encaminhar projetos de lei para a criação do Conselho?

É atribuição do Executivo elaborar o projeto de lei e encaminhá-lo ao Legislativo


para aprovação. A sociedade civil tem o papel de provocar e sensibilizar o poder
executivo para esta iniciativa legislativa. No caso de omissão do Executivo, o
Ministério Público poderá instaurar inquérito civil.

06. Quais são os pressupostos para a composição do Conselho?

Ser paritário – sua composição deve respeitar o princípio da paridade, ou seja, ser
composto por igual número de representantes do poder público e da sociedade
civil.

Ser representativo – os representantes que compõem este Conselho devem ter


plenas condições para serem os legítimos defensores dos segmentos que
representam.

07. Existe limite para o número de membros do Conselho?

Não. Entretanto, recomenda-se que este número não seja excessivamente


grande para evitar-se a dispersão e problemas na operacionalização e
funcionamento.

08. Quem são os representantes da sociedade civil no Conselho?

São os representantes de organismos ou entidades privadas, ou de movimentos


comunitários, organizados como pessoas jurídicas, com atuação expressiva na
defesa dos direitos de crianças e adolescentes.

09. Como são escolhidos os representantes da sociedade civil?

Devem ser indicados pelos sindicatos, associações e movimentos comunitários,


devendo estes serem escolhidos em foro próprio.

10. Quem deve indicar os membros do Conselho?

A indicação dos membros do Conselho é privativa das respectivas bases,


entidades ou segmentos sociais. Assim, cabe ao Prefeito (Governador ou
Presidente) apenas escolher os representantes do Executivo.

68
11. Os conselheiros podem ser substituídos antes do término de seu
mandato?

Qualquer das entidades que compõe o Conselho pode substituir o seu


representante, por motivo que não cabe aos demais conselheiros discutir.

O próprio Conselho, contudo, pela lei ou pelo regimento interno, pode fixar
motivos para a perda de mandato dos seus membros.

12. Qual é a relação do Conselho com o orçamento?

Os recursos são fundamentais para a realização das competências do


Conselho. Formular políticas sem o suporte financeiro pode se transformar em
exercício de ficção. Daí a importância do Conselho integrar suas diretrizes e
propostas tanto no Plano Plurianual (PPA) como na Lei de Diretrizes
Orçamentárias (LDO) e seu Plano de aplicação dos recursos do Fundo, na
proposta orçamentária a ser enviada ao Poder Legislativo, gestionando para que
os valores representados sejam aprovados.

13. Quem deve fazer o Regimento Interno?

O Regimento Interno deve ser elaborado pelo próprio Conselho. A prática tem
ensinado que quanto antes se der a sua elaboração, melhores são os
resultados, uma vez que para muitas questões surgidas no dia-a-dia, o
Regimento Interno é o melhor instrumento para encontrar a solução.

14. Quais são os limites do Regimento Interno?

O Regimento Interno, como todo ato administrativo, não pode exceder os limites
da lei. Deve contemplar os mecanismos que garantem o pleno funcionamento do
Conselho. Sua publicação deve observar a regra adotada para a publicação dos
demais atos normativos do Executivo.

15. O que diferencia o Conselho dos Direitos em relação ao Conselho


Tutelar?

A diferença entre esses dois Conselhos está principalmente nas suas atribuições.
Enquanto os Conselhos dos Direitos são os órgãos que devem atuar na formulação
e no controle da execução das políticas sociais que asseguram os direitos de
crianças e adolescentes; o Conselho Tutelar atua no atendimento de casos
concretos, de ameaça ou de violação desses direitos, sendo exclusivamente de
âmbito de sua atuação.

16. Qual a relação do Conselho dos Direitos e o Fundo?

O papel fundamental do Conselho em relação ao Fundo é o de fixar critérios


para a aplicação dos recursos. Cabe ao Conselho gerir o Fundo, isto é,
deliberar, gestionar, exercer o controle. A administração do Fundo poderá ser
feita por uma Junta Administrativa, por um gestor ou pela Secretaria à qual o
Conselho está vinculado.

69
3. FUNDO DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE: Perguntas e Respostas
01. O que são os Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente?
São recursos públicos mantidos em contas bancárias específicas. Essas contas
têm a finalidade de receber repasses orçamentários e depósitos de doações
efetuadas por pessoas físicas ou jurídicas.

02. Quem é responsável pela arrecadação e administração dos recursos dos


Fundos?
A captação e aplicação dos recursos dos Fundos dos Direitos compete ao
Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente.

03. Para que finalidades são destinados os recursos dos Fundos?


Os recursos devem ser destinados exclusivamente para execução das políticas,
programas e ações voltadas para a promoção e defesa dos direitos de crianças e
adolescentes, conforme deliberação do Conselho dos Direitos da Criança e do
Adolescente. Estas ações compreendem: a garantia de direitos daqueles
envolvidos em conflito de natureza jurídica; a proteção especial daqueles em
situação de maior vulnerabilidade social; a assistência daqueles em estado
temporário ou permanente de necessidade; os serviços básicos comuns a
todos: educação, saúde, lazer, cultura, esporte, profissionalização e outros. O
amparo à criança e ao adolescente com os recursos do fundo deve se dar,
especialmente, mediante o seu repasse a entidades governamentais ou não
governamentais habilitadas a prestar atendimento nessa área.

04. A quem os Conselhos prestam contas das doações recebidas e da


destinação dos recursos depositados nos Fundos?
Por determinação do Estatuto da Criança e do Adolescente e legislação
complementar, o controle do recebimento e utilização dos recursos pelos Fundos
deve ser gerido por seus respectivos Conselhos. Os recursos dos Fundos integram
a prestação de contas que são prestadas ao Tribunal de Contas.

05. As doações podem ser efetuadas diretamente a entidades


(governamentais ou não governamentais) que prestam atendimento a
crianças e/ou adolescentes?
Não. As doações efetuadas diretamente às entidades beneficentes não podem ser
deduzidas do imposto de renda. Para serem dedutíveis, as doações devem ser
depositadas nas contas dos Fundos, cujos recursos são repassados pelos
respectivos Conselhos às entidades habilitadas.

06. De que forma a doação é deduzida do imposto de renda?


O valor da doação aos Fundos de Direitos da Criança e do Adolescente,
respeitados os limites legais, é integralmente deduzido do imposto de renda
apurado na Declaração Anual. Ou seja, para quem faz a doação, o desembolso
com o depósito no Fundo, mais o pagamento do imposto, é exatamente igual ao
valor que pagaria de imposto se não fizesse a doação. A doação efetuada na forma

70
permitida em lei corresponde, portanto, à destinação do imposto de renda. Para
possibilitar a dedução, a declaração deverá ser feita pelo formulário completo.

07. Existe vantagem em fazer a destinação aos Fundos?


Freqüentemente as pessoas reclamam que impostos são mal administrados ou são
aplicados em finalidades diferentes das que interessam à população. Destinando
recursos aos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente, o contribuinte
decide conscientemente pelo apoio a ações que buscam alterar uma das
realidades mais duras e injustas do país.

08. Como deve ser feita a comprovação da destinação?


As doações efetuadas aos Fundos de Direitos da Criança e do Adolescente devem
ser comprovadas mediante recibos emitidos pelos respectivos Conselhos dos
Direitos da Criança e do Adolescente. Esses recibos devem ser conservados pelo
contribuinte para eventual comprovação junto à Secretaria da Receita Federal.

09. O que deve constar no comprovante que o Conselho emite para as


doações em dinheiro?
O Conselho deverá emitir comprovante que especifique:
a) número de ordem;
b) nome, CPF ou CNPJ do doador;
c) data e valor efetivamente recebido em dinheiro (depósito no Fundo);
d) o nome, a inscrição no CNPJ e endereço do emitente (usar o CNPJ do Município
ou do Estado, conforme o caso);
e) ser firmado por pessoa competente para dar quitação da operação.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CONDECA - XYZ do Conselho Tutelar. Edson Sêda.

Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei Federal 8.069/90.

Subsídios para definição das Normas Gerais da Política de Atendimento


aos Direitos da Criança e do Adolescente pelo CONANDA - Antônio Carlos
Gomes da Costa.

Pesquisa e Compilação: Profª Maria Nauza Luza Martins – abril/2008.

7. REFLEXÕES SOBRE CRIANÇAS E ADOLESCENTES


EM SITUAÇÃO DE RUA*

Cotidianamente deparamo-nos, nas ruas, praças ou bares, com crianças e


adolescentes pedindo esmolas, brincando, trabalhando, usando drogas,
cometendo infrações. Esses encontros por vezes nos remetem a emoções como
pena, raiva, medo e nos fazem oscilar entre considerá-los heróis, vítimas de
injustiças e desigualdades ou bandidos, culpados por não terem força de vontade e
disposição para mudar sua vida. Além disto, refletimos sobre o futuro deles e do

71
país, sobre a desesperança que bate à nossa porta, a ausência de dignidade e as
desigualdades que permeiam nossa sociedade.

O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, sancionado em julho de


1990, resulta de um processo de mobilização de âmbito nacional e inaugura um
novo olhar sobre o problema da criança e do adolescente brasileiro. Neste novo
contexto, a doutrina da “situação irregular” é substituída pela doutrina “da proteção
integral”. Tal mudança possibilita uma nova compreensão quanto às situações de
risco e vulnerabilidade social e pessoal, tratadas até então, como sendo de
responsabilidade quase que restrita à família e ao indivíduo.

Este novo olhar inclui o Estado e a Sociedade Civil como co-responsáveis


pela promoção dos cuidados, da segurança e da proteção necessárias a crianças e
adolescentes em sua condição peculiar de pessoas em desenvolvimento. Assim,
os novos métodos de intervenção devem estar impregnados por estas novas
concepções na construção de relações dignas, respeitosas e libertadoras.

A conduta de sair de casa e ir para a rua é desencadeada por uma


multiplicidade de fatores. Pode-se dizer que um deles é o desejo de aventura, a
busca de situações estimuladoras em seu aspecto lúdico encontradas,
principalmente no centro da cidade onde vivenciam momentos de alegria a partir
de descobertas e aprendizados e começam a construir sua rede de apoio fora de
casa. O companheirismo e o agrupamento de iguais é aspecto importante na
vivência da rua. Buscam nestes agrupamentos o sentido de pertinência e de
identidade não alcançados no grupo familiar. A possibilidade de compartilhar
alegrias e tristezas é essencial para a vivência emocional dessas crianças e
adolescentes, satisfazendo suas necessidades básicas de sobrevivência.

Assim, diante da quebra sucessiva e múltipla de vínculos em sua rede


primária de apoio, a criança e o adolescente não encontram mais a continência
necessária à satisfação de suas necessidades básicas de sobrevivência afetiva. A
continência passa então a ser exercida pelas ligações estabelecidas na rua. As
relações afetivas ali começam a estruturar-se com as pessoas que vivem no local.
Este processo faz com que ocorra ali uma série de relações substitutivas às que
foram perdidas na família. Mora-se na rua, aprende-se na rua, ganha-se
dinheiro na rua, e nas ruas também constituem-se casais, filhos, amizades,
enfim: vive-se nas ruas e das ruas.

Por outro lado, a vida na rua não possibilita a transformação positiva do


sujeito e de seu mundo, ao contrário, faz com que a criança e o adolescente cada
vez mais sejam levados a viver o absoluto imediato de sua existência, tornando-os
um ser vivo de impulso e ação. Sua principal característica que é o imediatismo,
ou seja, o sujeito impelido a viver o hoje, impede que ele estruture o pensamento e
constitua um projeto de vida, premissa básica para transformação de si e de outro.

Historicamente, a percepção da sociedade sobre o fenômeno de crianças e


adolescentes cujos direitos foram violados tem sido paradoxal: ao mesmo tempo
em que se comove e se mobiliza com as condições de vida dessas crianças e
adolescentes, exige do Estado intervenções repressivas ou assistencialistas

72
eximindo-se de qualquer responsabilidade. Com tal atitude, tem-se produzido
sistematicamente o agravamento da segregação e da exclusão social.

Apresentamos a seguir alguns aspectos fundamentais para a compreensão


do fenômeno de crianças e adolescentes em situação de rua:

1 - Fatores de Risco na Família

 pobreza (miséria econômica e afetiva = fator de risco universal)


 baixa escolaridade
 perda de pessoas significativas
 restrito espaço físico de moradia (moradia superpovoada)
 exposição diária à violência
 uso e tráfico de drogas
 desavenças entre o casal
 doença mental e alcoolismo dos pais
 habilidades paternas e maternas limitadas
 desestruturação familiar
 falta de modelos apropriados
 socialização inadequada para promover o respeito pela vida e dignidade.

2 - Características Familiares Consideradas Fatores de Proteção

 bom relacionamento entre pais e filhos (marcado por interações positivas);


 manutenção de rituais familiares;
 minimização dos conflitos dentro de casa (principalmente durante a infância dos
filhos);
 coesão e estabilidade, cuidado, afeto e disciplina consistente;
 flexibilidade e comunicação aberta;
 compartilhamento na busca de soluções para os conflitos;
 proporcionar continência às ansiedades dos filhos. O apoio social proveniente da
família é importante para a aquisição de uma representação de consciência,
estabilidade no lar e senso de permanência. O que caracteriza a família como
fonte de apoio social é a qualidade do relacionamento entre seus membros.

3 - Fatores de Proteção Fundamentais ao Desenvolvimento da Criança


(inibem o impacto do risco e fortalecem a capacidade pessoal de superar as
adversidades = resiliência)

 competência social, autonomia, auto estima, orientação social e empatia;


 coesão familiar e ausência de conflitos;
 disponibilidade de sistemas externos de apoio que fortaleçam a criança para lidar
com as circunstâncias da vida;
 cuidado estável;
 habilidades para solucionar problemas;
 sentir-se atrativo para colegas e adultos;
 identificação com modelos competentes.
73
4 - Fatores de Risco nas Ruas

 violência;
 acidentes;
 risco de contágio de doenças;
 ausência de abrigos adequados (garantia de preservação física);
 uso e tráfico de drogas;
 prática de sexo sem preservativo (promiscuidade).

5 - Fatores de Proteção na Rua

 senso de pertencimento a grupos específicos;


 experiências de afeto e proteção vivenciadas em seus grupos;
 identidade social adquiridas por essas vivências e interações.

6 - Contextualizando a Rua

 possui cultura e valores próprios;


 abriga trabalho, lazer e alimentação;
 comporta diferentes faixas etárias e diversos níveis de contatos e interações
sociais;
 oferece inúmeras possibilidades de diversão e meios de subsistência para
crianças/adolescentes;
 vivência diária nas ruas: vagar pela rua, brincar, realizar pequenos trabalhos
(lavar e cuidar de carros, vender pequenos objetos, engraxar, etc.) usar drogas,
roubar, dormir, mendigar, prostituir-se;
 possibilita o desenvolvimento da chamada “sabedoria de rua”, que envolve a
aprendizagem da sobrevivência nesse espaço, pela aquisição e utilização de
repertórios comportamentais específicos para cada situação e contato social.

7 – Perfil das Crianças/Adolescentes em Situação de Rua

 Trabalhadores
- vivem com a família
- freqüentam a escola
- trabalham para ajudar a família
- o trabalho é sua principal atividade na rua

 Pedintes
- vivem com a família
- freqüentam a escola
- são utilizados pela família na mendicância

 Moradores
- têm relação esporádica com a família
74
- deixaram de freqüentar a escola
- usam algum tipo de droga
- realizam algum tipo de trabalho
- praticam mendicância
- praticam pequenas infrações
- prática de prostituição
 Migrantes
- vêm de outros Estados à procura de parentes (não os encontram ou não se
adaptam a eles e ficam pelas ruas)
- envolvem-se com os moradores de rua (adultos e crianças/adolescentes)
- aceitam ser abrigados para o recambiamento (a demora no recambiamento,
eventualmente, possibilita maior contato com grupos na rua e sua permanência
na cidade).

8 - Características das Crianças/Adolescentes em Situação de Rua

 Predominância do sexo masculino;


 Baixa escolarização e/ou abandono da escola;
 Freqüência à escola, com histórico de repetências;
 Imediatismo (dificuldades em elaborar Projeto de Vida);
 Conduta sedimentada na falta de limites, na dificuldade em se relacionar com a
autoridade e orientada pelo agravamento da violência;
 Dificuldade em cumprir contratos (resistência às propostas institucionais e de se
submeterem ao processo sócio educativo);
 Proveniente de família monoparental (mulher provedora e chefe de família) e filhos
de pais diferentes;
 Uso e envolvimento com tráfico de drogas;
 Vivem em pequenos grupos (buscam se agrupar com seus iguais e desenvolver
atividades em grupo como forma de se fortalecerem e de se protegerem);
 Vítimas de violência familiar (negligência, física, psicológica e sexual);
 Dificuldades no relacionamento familiar (conflitos);
 Dificuldades em freqüentar e se manter na escola (aprendizagem deficiente);
 Baixa auto estima (pela falta de afetividade);

9 - Motivos que levam Crianças/Adolescentes às Ruas

A saída da criança/adolescente para a rua está relacionada a um conjunto de


problemas sociais, políticas e econômicas, sendo apontado em alguns estudos que
se deve, na maioria das vezes, a:

 Fator econômico-financeiro de falta de recursos e oportunidades que faz com que


grande número de crianças e adolescentes acabe se envolvendo em atividades
que geram qualquer tipo de renda para contribuir no orçamento familiar e garantir
a sobrevivência do grupo familiar;

 Aspectos psicossociais que dizem respeito às relações estabelecidas no âmbito


da família e que não estão diretamente ligados com a questão da pobreza. A
fragilidade dos laços afetivos familiares cria na criança e no adolescente uma
75
identidade de não pertencimento àquela família, dificultando, portanto, a sua
permanência no contexto familiar;

 violência em decorrência, muitas vezes, da reprodução de um modelo agressivo


em que os próprios pais foram vítimas de maus tratos e abandono na infância;
 conflitos familiares causados pela fragilidade das relações e da autoridade
materna e paterna;
 alcoolismo dos pais ou de um deles;
 rompimento dos vínculos com a escola pela sucessão de fracassos a que são
submetidos (alto grau de repetência);
 para escapar do controle e da exploração familiar.

10 - Principais Motivos que levam Crianças/Adolescentes a Permanecer nas


Ruas

 os atrativos da vida na rua fazem com que reconheçam a situação de


miserabilidade e maus tratos a que são submetidos em casa, passando a se
tornar difícil suportá-la;
 reconhecimento dos ganhos financeiros que a rua oferece (principalmente com o
tráfico de drogas e mendicância) e que se tornam difíceis de serem substituídos
por bolsas ou benefícios dos programas governamentais;
 forte influência exercida pelos grupos em que estão inseridos;
 agrupamentos afetivos, econômicos e sociais por meio dos quais garantem sua
sobrevivência e segurança;
 alívio do sofrimento em casa.

11 - Conseqüências da Vida na Rua

 altos níveis de stress e de exposição a riscos pessoais e sociais;


 retardamento no desenvolvimento psicológico;
 exposição ao crime e à violência;
 dificuldades de concentração em alguma tarefa específica por um período de
tempo maior;
 déficit de memória (dificuldade em lembrar com clareza qualquer evento
relacionado com medição de tempo);
 dificuldades em relação à linguagem;
 falta de proteção, sentimento de rejeição e aparência de abandono;
 perda de vínculo estável com a família e a comunidade;
 ausência de relação estável de proteção e cuidado adulto;
 desconfiança constante;

Bibliografia

Alves, Paula B. (2002). Atividades Cotidianas de Crianças em Situação de Rua.


Dissertação de Mestrado. Universidade Católica de Brasília.

76
Dinis, Nilson F. (2000). Pedagogia de Rua: Reflexões sobre uma nova
Prática.Revista de Psicologia Social e Institucional, vol. 2 nº 1.UNICAMP.

Koller, Silvia H e Hutz, Simon H. (1997). Questões sobre o Desenvolvimento de


Crianças em Situação de Rua. Estudos em Psicologia. UFRGS.

Martins, Maria Nauza L. (2004) Projeto Operacional do Serviço de Abordagem às


Situações de Rua. SEAS/DF.

Martins, Maria Nauza L. (2004) Projeto Pedagógico para execução do Serviço de


Abordagem às Situações de Rua. SEAS/DF.

RIZINNI, Irene - Coord. (2003) Vidas nas ruas: Crianças e adolescentes nas ruas:
trajetórias inevitáveis? São Paulo: Loyola.

Santana, Juliana P. (2003) Os Adolescentes em Situação de Rua e as Instituições


de Atendimento. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do
Sul.

Elaboração: Profª Maria Nauza Luza Martins - Brasília, abril/2008.

8. REFLEXÕES SOBRE ATO INFRACIONAL*


De acordo com a Doutrina da Proteção Integral do Estatuto da Criança e do
Adolescente um adolescente só pode ser considerado infrator quando:
 violou dispositivos legais que caracterizam crime ou contravenção;
 foi-lhe atribuído ou imputado o cometimento de um ato infracional;
 após o devido processo, com respeito estrito às garantias, ele foi
considerado responsável.

O cometimento de um ato infracional não decorre simplesmente da índole


má ou de um desvio moral. A maioria absoluta é reflexo da luta pela sobrevivência,
abandono social, das carências e violências a que meninos e meninas pobres são
submetidos.

Ao longo de nossa experiência profissional pudemos averiguar a existência


de um grande preconceito social com o adolescente que comete uma infração.
Geralmente este adolescente é rotulado de “infrator” e considerado um “perigo para
a sociedade”, devendo pagar pelo mal que cometera. Isto nos mostra que os
deveres e obrigações deste adolescente vêm logo à tona no pensamento das
pessoas e seus direitos quase que esquecidos. Por trás de toda infração existe
uma pessoa que sofreu e sofre influência do meio em que vive.

Levantar a questão de que este adolescente é um cidadão que está em


desenvolvimento bio-psico-social pode causar estranheza. Alguns podem indagar
se este reconhecimento de direitos do adolescente não seria um incentivo à prática
do ato infracional. Este tipo de indagação inclusive é muito freqüente, além do que

77
a culpa desta maneira de pensar seria do Estatuto da Criança e do Adolescente -
ECA.

Não acreditamos que existe necessariamente uma co-relação direta entre


pobreza e marginalidade, mas muitos dos adolescentes que se envolvem em
infração vivem nas ruas e o fato de ser menor de idade e de viver nas ruas é uma
conseqüência atribuída pelo senso comum das pessoas à própria “índole má” ou à
“irresponsabilidade das famílias” do menino ou da menina que vivem nesta
situação.

As dificuldades de se compreender o ECA e também a conjuntura


econômico-social do país pode levar a opinião pública a entender o alto índice de
marginalidade como sendo uma conseqüência do próprio ECA. Esta é uma visão
conservadora de muitos agentes institucionais e até mesmo de consideráveis
contingentes da sociedade civil que vêem no Estatuto da Criança e do Adolescente
– principalmente no que tange à condução legal das infrações penais infantis –
uma conivência perigosa com a periculosidade infantil que ameaça a sociedade
como um todo.

Mesmo tendo cometido uma infração o adolescente tem seus direitos como
cidadão os quais não devem ser esquecidos em qualquer situação que seja. Isto se
refere à garantia de sua integridade física, ao direito de ser ouvido na presença de
seus responsáveis, enfim, ao direito de ser considerado como ser em
desenvolvimento bio-psico-social.

Vale ressaltar ainda mais uma vez que por trás de uma situação infracional,
muitos outros problemas podem ser averiguados como: as relações familiares e
outras relações sociais, as possibilidades de se estabelecer vínculos afetivos que
são importantes para o desenvolvimento psicossocial, além do contexto histórico-
social no qual estão inseridos tanto a criança quanto o adolescente.

Considera-se relevante analisar a questão do delito num contexto histórico


que avalie as condições concretas em que vivem os jovens, sejam expressões das
condições econômicas, culturais ou familiares.

EXCLUSÃO SOCIAL

A exclusão social se refere simultaneamente ao não acesso a bens e


serviços básicos e referencia ao mesmo tempo os segmentos sociais “excluídos”
do sistema socioeconômico, manifesto pela exclusão dos direitos humanos, da
seguridade e segurança pública, do trabalho e da renda que assegure a
sobrevivência de forma digna e com qualidade.

Uma das fontes modernas geradoras de exclusão é o desemprego e a


precarização das relações de trabalho, tendo como subproduto a explosão da
violência urbana e a vulnerabilidade juvenil. Embora este represente ser um
fenômeno que perpassa a sociedade como um todo, atinge com maior rigor a
população jovem e aquela com mais de 40 anos. Acrescenta-se de forma
agravante a problemática do desemprego e a informalidade, pressupostos de
baixos níveis de renda, e que, no contexto de uma sociedade marcadamente
78
competitiva e individualista, contribuem para romper os vínculos sociais,
despontando a violência como sintoma de “dessocialização”, em detrimento da
ganância pelo acesso ao consumo induzido pelo sistema.

Porém, salienta-se que o acesso do adolescente à prática do delito não se


dá por opção pessoal, mas por determinação de ordem econômica, social, cultural
e política, num contexto de desigualdades que produzem a miséria. Neste
contexto, o adolescente configura-se como depósito da culpa social, gestada na
miséria, na corrupção e na impunidade, marcada pela indiferença e omissão do
Estado e da sociedade.
VIOLÊNCIA E ATO INFRACIONAL

Adentrando necessariamente no fenômeno da violência, ressalta-se que


essa manifestação é decorrente da realidade contemporânea expressa pela
alteração de valores morais e pela nova lógica de sociabilidade ‘individualista e
competitiva’, numa sociedade de consumo, exacerbando-se os índices de
desigualdade social.

O problema da violência atinge de maneira mais preocupante o jovem, ou


como autor da infração ou como vítima, sobretudo, pressionado duplamente pela
falta de oportunidades no mercado de trabalho e pelos fascínios de uma sociedade
consumista.

Embora a violência possua correlações complexas, não se pode negar a sua


associação com a falta de perspectivas de inserção social e negação de direitos,
tornando a juventude vulnerável à criminalidade e à cooptação para atividades
ilegais. A violência relaciona-se à expressão jurídica da desigualdade social, ou
seja, à desigualdade de direitos.

USO DE DROGAS E ATO INFRACIONAL

A dependência química é uma doença e como tal deve ser tratada. Não
deve a sociedade, apenas, como defesa própria, se limitar à repressão com
descriminação dos atos infracionais praticados por adolescentes dependentes
químicos, mas cooperar em todos os sentidos, cobrando do Estado a
aplicabilidade de tratamentos especializados para esses dependentes. O tipo de
prisão, o mundo carcerário, no nosso país não passa de uma universidade do
crime, não ressocializa ninguém. A imposição de sanções não afastará o
adolescente do convívio com as drogas; pelo contrário, além de viciado, se
especializará em outros tipos de crimes.

A relação harmônica entre medidas sociais e tratamento especializado às


pessoas infratoras em que a droga esteja presente é chamada de justiça
terapêutica que visa à possibilidade da criança e do adolescente dependente
químico ser tratado, modificando seus comportamentos delituosos e voltando a
conviver em sociedade.

O uso de drogas que atuam sobre a mente humana é tão velho quanto a
existência da humanidade. É por demais ilusório pretender-se acabar com o uso
de drogas, apenas, por meio da repressão e do combate ao tráfico, quando tudo
depende do fator educação com acompanhamento adequado, tendo como
79
objetivo convencer o adolescente dos malefícios e danos irreparáveis causados
pelo uso de substâncias psicoativas.

Constatamos que adolescentes usuários de drogas têm sido recrutados


para prestar “pequenos serviços” aos fornecedores em troca das substâncias,
tendo ainda como contrapartida o acesso a armas e a proteção dos comandantes
do tráfico em suas comunidades. Aos poucos os atos de menor gravidade foram
sendo substituídos por aqueles de maior comprometimento infracional. Alguns
destes adolescentes usuários, inicialmente recrutados, chegaram, a ser
selecionados para compor efetivamente as organizações, numa verdadeira
escalada na carreira do crime.

Percebemos com isto que, no contexto da exclusão social os adolescentes,


ora infratores, vêm fomentando protagonicamente meios particulares de inclusão
social, através da constituição de um mundo paralelo à sociedade legalmente
constituída. Esta sociedade, criminalizada e criminalizante, sobrevive porque
criou mecanismos predatórios junto à sociedade formal, mecanismos estes, que
se traduzem na violência como atualmente a enfrentamos.

Conseqüentemente observamos que a prática do ato infracional por


adolescentes no Distrito Federal sofreu profundas mudanças, deixando de ser
pequenos delitos, praticados então sem maiores comprometidos ou danos para as
vítimas e passando a adquirir uma sofisticação na conduta delituosa.

A convivência com os adolescentes engajados nos projetos de execução de


medidas socioeducativas permite-nos constatar que a violência não é praticada
apenas contra os que lhes são desiguais. Entre os próprios adolescentes
infratores verifica-se uma extrema rivalidade, organizada em grupos distintos, que
perpassa as relações que se estabelecem nos espaços comunitários e
institucionais. Sob qualquer pretexto verificam-se condutas hostis, expressando o
quanto, muitos desses adolescentes estão impregnados por uma visão
violentadora da vida.

Os conflitos existentes entre grupos diversos na comunidade têm gerado


eventualmente situações de confronto entre adolescentes criando impedimentos
para sua adaptação aos programas dentro das Unidades de execução de medidas
socioeducativas.

Neste contexto, a intervenção profissional e institucional necessita ser


redimensionada assegurando-se para que além da orientação e acompanhamento
aos adolescentes com medidas socioeducativas sejam implementadas ações de
enfrentamento da questão das drogas, nos níveis da prevenção primária e
secundária e intervenção nos níveis individual, grupal e no contexto familiar que
contribua para a redução de danos.

ATO INFRACIONAL E DELINQUÊNCIA JUVENIL

O problema da delinqüência juvenil é diversificado e deve-se a vários


fatores, como: a desigualdade social, o desemprego, a urbanização expansiva e
explosiva da sociedade, o afastamento do adolescente da atividade escolar e

80
esportiva, a falta de assistência familiar imprescindível na formação e identidade de
cada indivíduo.

O adolescente, por possuir uma estrutura física e psíquica em formação,


necessita de um tratamento distinto. Devido a sua condição peculiar de pessoa em
desenvolvimento, precisa de acompanhamento e de cuidados especiais para
prevenir o perigo do cometimento de atos infracionais.

Quando atos infracionais são praticados por adolescentes dependentes


químicos, devem ser vistos de maneira diferenciada, não obstante deva ser levada
em conta a gravidade do ato, as circunstâncias e as características do infrator, pois
o componente droga é uma arma tão maleficamente atuante que não está na
aplicação de sanções a solução do problema. O adolescente que comete atos não-
recomendáveis sob os efeitos de droga, não importando seja tolerável ou ilícita,
precisa de um tratamento especializado, até porque em diversos trabalhos de
pesquisas já realizados, como exemplo o Centro de Justiça Terapêutica de Recife,
chegou-se ao entendimento não ser a dependência química curável com
encarceramento, mas com tratamento especializado.

As medidas aplicadas aos adolescentes infratores devem ser


socioeducativas com o objetivo de inseri-los no convívio social; dentre essas,
poderão ser utilizados pelo aplicador do Direito as medidas protetivas, que são de
cunho pedagógico, incluindo-se o tratamento a alcoólatras e toxicômanos.

A invasão das drogas vem crescendo a cada dia, atingindo, praticamente,


todas as classes sociais. O adolescente, fruto de uma família desestrutura, busca,
quase sempre, refúgio no mundo das drogas. A família sempre foi e ainda deverá
ser o alicerce, a base para o indivíduo. É através dela que são formados a
personalidade e o caráter. É no amor dos familiares que se encontram a proteção e
o apoio necessários para enfrentar as adversidades. Sem uma familiar bem
estruturada, o convívio torna-se frágil e suscetível a todo e qualquer tipo de
sedução, que leva o adolescente à tentação de entrar para o universo das drogas.

Não só conflitos familiares contribuem para a inserção do jovem no mundo


das drogas, mas também a curiosidade e o modismo, a fuga de problemas, a
afirmação nos grupos de amigos, a discriminação social, dentre outros.

Neste contexto de pânico social, em virtude da incidência de violência e


criminalidade, a sociedade reivindica segurança pública, e o Estado apropria-se
desta mazela social, criando formas ‘alternativas’ de combate à criminalidade,
retrocedendo a práticas reducionistas e coercitivas, ao invés de estancar o
problema em sua origem, referindo-se neste sentido, aos projetos de lei com o
objetivo de redução da idade penal para os 16 anos, tramitando no Congresso
Nacional.

Especificamente, no que tange aos adolescentes infratores, há uma


tendência reducionista de culpabilizar o envolvimento desta população para o
aumento da criminalidade. Não obstante, percebe-se que os homicídios praticados
contra crianças e adolescentes e sua utilização no tráfico de drogas ou nas redes
de prostituição infanto-juvenil não encontram na mídia o mesmo grau de
indignação e clamor social quanto à incidência de casos em que o adolescente é o
81
infrator, conseqüência do sensacionalismo dos meios de comunicação e reflexo da
visão societária demasiadamente repressora e punitiva.

Dados publicados pelo Ministério da Justiça (2005) revelam que, dos crimes
praticados no país, somente 10% são atribuídos a adolescentes, sendo que, deste
percentual, 78% são infrações cometidas contra o patrimônio, 50% são furtos e 8%
atentam contra a vida. Em síntese, segundo informação da Associação Brasileira
de Magistrados e Promotores da Infância e Juventude, menos de 3% dos crimes
violentos são praticados por adolescentes.

A RESPONSABILIZAÇÃO DO ADOLESCENTE PELO ATO INFRACIONAL

Quando encaramos o adolescente como pessoa em condição peculiar de


desenvolvimento, percebemos que, tanto em termos físicos, como cognitivos e
emocionais, ele já não é mais uma criança. Contudo, também ainda não é uma
pessoa adulta. Alguns autores costumam se referir a essa fase da vida como “um
tempo de moratória” entre o fim da dependência característica da infância e o início
dos deveres, responsabilidades e obrigações próprios da idade adulta.

Quando, por outro lado, encaramos o adolescente como sujeito de direitos


exigíveis com base na lei, temos que admitir que direitos trazem também deveres,
ou seja, que existe uma relação de reciprocidade entre uns e outros.

A criança, desde tenra idade, quando quebra deliberadamente alguma


norma ou regra da vida familiar, costuma ser responsabilizada pelos pais, que
respondem ao seu gesto com reações que vão desde uma cara feia ou um pito até
uma palmada. Da mesma forma na escola, geralmente os regimentos escolares
responsabilizam os alunos que quebram as normas e reagem aos seus atos com
punições, que vão desde a simples advertência até a expulsão regimental.

Assim, podemos dizer que existe responsabilização na vida familiar e na


vida escolar. Quando, porém, o adolescente quebra as normas da vida social mais
ampla, cometendo um ato que, se fosse cometido por adulto, seria crime ou
contravenção, a resposta social a esse ato dar-se-á pelo Sistema de Administração
da Justiça Juvenil. Aqui, ele não quebrou normas da família ou da escola, mas
infringiu as regras do convívio humano numa escala mais elevada.

Fazer com que o jovem responda pelo seu ato é uma atitude de elevado teor
pedagógico-social, desde que lhe seja assegurado o devido processo, com todas
as garantias previstas na lei, e que ele tenha o direito ao pleno e formal
conhecimento do ato que lhe esteja sendo atribuído, à defesa, com todos os
recursos a ela inerentes, e à presunção da inocência, isto é, às garantias
processuais.

Terminado o processo, na hipótese de o adolescente ser considerado


responsável pelo cometimento do ato infracional em questão, não lhe serão
aplicadas as penas do Código Penal de adultos, mas uma medida socioeducativa.

Qual a natureza dessa medida socioeducativa? Ela deve responder a duas


ordens de exigência, ou seja, ela deve ser uma reação punitiva da sociedade ao

82
delito cometido pelo adolescente e, ao mesmo tempo, deve contribuir para o seu
desenvolvimento como pessoa e como cidadão.

A aplicação da medida socioeducativa é, acima de tudo, uma resposta


formal da sociedade a um delito pelo qual o adolescente, após submeter-se ao
devido processo, com todas as garantias, foi considerado responsável. A
responsabilização pela quebra da lei penal é, portanto, a única razão pela qual uma
medida socioeducativa lhe está sendo imposta.

Essas medidas, embora de natureza socioeducativa, comportam uma


dimensão penal. A medida socioeducativa é uma medida imposta, uma medida
coercitiva, que decorre de uma decisão judicial.

As medidas socioeducativas são sanções impostas aos adolescentes,


considerados autores de ato infracional, com a finalidade de reestruturar e
reintegrar o adolescente ao convívio social. Neste sentido, a medida
socioeducativa é, ao mesmo tempo, a sanção e a oportunidade de ressocialização,
uma vez que se caracteriza pela dimensão coercitiva, considerando-se a
obrigação do adolescente em cumprir a medida e a dimensão educativa, posto
que seu objetivo não se reduz à punição, mas à reintegração ao convívio social.

As medidas socioeducativas se inscrevem no campo da garantia, promoção


e defesa dos direitos do adolescente, como parte da política de direitos humanos.
Porém, subjaz a necessidade de compatibilizar os anseios dúbios, que se refere
por um lado, à demanda por segurança da população e, por outro, os imperativos
da garantia dos direitos do adolescente em conflito com a lei.

Por outro lado, apresenta-se o cenário normativo que prescreve que a


finalidade educativa das medidas previstas no Estatuto da Criança e do
Adolescente corrobora com os princípios da Proteção Integral, nos quais, são
reconhecidos os direitos das crianças e adolescentes, assegurando-se primazia de
proteção, precedência de atendimento e prioridade nas políticas públicas. Esse
sistema de justiça pressupõe assegurar a todas as crianças e adolescentes o
acesso à educação, à saúde, à assistência social, à cultura, ao esporte e lazer, à
profissionalização, à convivência familiar e comunitária, ao planejamento familiar,
entre outros, que lhe assegurem seu pleno desenvolvimento bio-psico-social.

No entanto, eis a contradição expressa como uma via de mão dupla: na


prática esses direitos fundamentais não são efetivados para uma grande maioria
populacional, vulnerável à marginalização e ao delito como vias de acesso à justiça
e como ‘manchete’ de jornal que reclama a intervenção do Estado.

Esta é a questão central que se pretende indagar, pois, apesar do avanço no


plano jurídico-institucional da política nacional de atendimento à infância e
adolescência, a aprovação da lei não operou mudanças significativas na realidade
desta população. Destarte, deparamo-nos com a seguinte falha: um Estado
ausente no que se refere à garantia de políticas públicas para a juventude e,
principalmente, para a sua família, que assegurem o atendimento de suas
necessidades e seu pleno desenvolvimento bio-psico-social.

83
Não se trata de adotar uma postura determinista diante do ingresso do
adolescente no mundo da criminalidade, como se as condições de existência
justificassem o crime, mas de indagar a respeito da fragilidade e escassez de
políticas públicas que ofereçam outras possibilidades a esta população, sobretudo
condições que favoreçam a superação da situação de pobreza e vulnerabilidade
pela via da cidadania e do acesso aos direitos e medidas de proteção preconizados
no ECA e não pela via da delinqüência e da infração através da aplicação das
medidas socioeducativas decorrentes de ato infracional.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Verifica-se que, apenas a lei não garante o direito, ou seja, a existência da


lei não significa sua efetividade prática. É o que ocorre com a maioria dos
adolescentes autores de ato infracional, na medida em que se tornam alvo do
sistema de justiça somente pela via da infração, e não pela pressuposição de
serem cidadãos de direito, ainda que previstos em lei.

É preciso fomentar propostas alternativas que afastem as crianças e


adolescentes da criminalidade, reivindicar políticas públicas de amparo à
população infanto-juvenil, dispondo de espaços de lazer e profissionalização que
garantam sua ocupação, preservando-os da ameaça das drogas e do mundo do
crime e que estas políticas atendam às necessidades sociais de suas famílias.

Pressupõem-se desta forma que, se a lei em congruência com a prática


assegurasse a plena garantia dos direitos das crianças e adolescentes
estabelecidos no ECA, muitos problemas sociais seriam evitados, muitas infrações
deixariam de ser cometidas, sobretudo delitos contra o patrimônio. Se não faltasse
o alimento, a educação, o vestuário, o acompanhamento familiar, a
profissionalização..., muitos furtos seriam evitados, muitas vidas seriam poupadas,
o tráfico recrutaria muito menos crianças e jovens para seu ‘império’ de
ilegalidades.
Ressalta-se a importância da profissionalização do adolescente, e também
da viabilização de espaços de lazer e entretenimento sadios, alternativos ao tempo
livre desse público-alvo, retirando-o no ‘lazer artificial’ do coquetel de drogas lícitas
e ilícitas. Contudo, faz-se necessário assegurar a participação do Estado, família e
comunidade, considerando-se a necessidade de recursos, apoio técnico e
fortalecimento da rede de atendimento à infância e adolescência de forma
integrada e unívoca.

Necessita-se efetivar uma rede de atendimento, integrando os órgãos do


Sistema de Segurança (Polícia Militar e Civil), o Sistema de Justiça (Varas da
Infância e Juventude, Ministério Público, Defensoria), o Sistema de Atendimento
(Assistência Social, Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente,
Conselho Tutelar, entidades prestadoras de serviço...) e a sociedade em geral,
para a efetiva garantia de direitos ao adolescente infrator, pressupondo sua
conseqüente reinserção na vida social.

Acredita-se que a viabilização e execução de políticas públicas que reduzam


a concentração de renda, a exclusão, o desemprego e as desigualdades sociais

84
representam alternativas eficazes diante do problema do ato infracional, em
detrimento de iniciativas paliativas de institucionalização.

Portanto, a minimização e, por que não dizer, o cessar de ocorrências de ato


infracional na infância e adolescência, implica assegurar direitos! E, assim sendo,
que a adolescência persevere em suas intensas transformações de forma segura e
saudável a caminho da juventude, delineando gradativamente a formação de um
cidadão adulto, pleno de seus direitos de cidadania e responsabilidade, em prol de
uma sociedade mais participativa, humana e justa, que reserve um futuro próspero
às suas crianças e adolescentes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Cury, M./Amaral e Silva, A./Mendez, E.G. - Coord., Estatuto da Criança e do


Adolescente Comentado, Comentários Jurídicos e Sociais, Malheiros ED., São
Paulo – SP, 2005.

Saraiva, João Batista Costa. “Adolescente e Ato Infracional: garantias processuais


e medidas socioeducativas”. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999.

*Pesquisa e Elaboração: Maria Nauza Luza Martins – Assistente Social - Brasília, jan/2010.

9. ATENDENTE DE REINTEGRAÇÃO SOCIAL NO APOIO A


DO PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO: ATUAÇÃO
MULTIDISCIPLINAR1
“Toda pessoa nasce com um potencial e tem direito de desenvolvê-lo. Para desenvolver o seu
potencial as pessoas precisam de oportunidades. O que uma pessoa se torna ao longo da vida
depende de duas coisas: das oportunidades que teve e das escolhas que fez. Além de ter
oportunidades, as pessoas precisam ser preparadas para fazer escolhas” Antonio Carlos Gomes

I. PRINCÍPIOS NORTEADORES

O Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe que o cumprimento das


medidas socioeducativas para adolescentes que praticaram ato infracional deve
contemplar objetivos socioeducacionais.
Tais Objetivos devem garantir a esses adolescentes o acesso às
oportunidades de superação de sua condição de exclusão e à formação de valores
positivos para participação na vida social.
Por outro lado, o SINASE aponta o Projeto Político Pedagógico como
ordenador da ação e gestão do atendimento socioeducativo. Este projeto será
norteador da elaboração dos demais documentos institucionais – regimento
interno, normas disciplinares, plano individual de atendimento, dentre outros dentro
de cada um dos Programas Socioeducativos. Sua efetiva e conseqüente
operacionalização estará condicionada a elaboração do planejamento das ações
(mensal, semestral, anual) e conseqüente monitoramento e avaliação (de
1
O presente texto foi elaborado em co-autoria de Maria Nauza Luza Martins, assistente social do CAJEI e
Sonia Fortes do Prado, psicóloga do CAJE I
85
processo, impacto e resultado), a ser desenvolvido de modo compartilhado pela
equipe institucional, adolescentes e as famílias.
O Projeto Político Pedagógico deve ser pautado numa ação educativa,
emancipadora e humanizadora, que deve garantir o desenvolvimento integral do
adolescente.
Dessa maneira os objetivos do Projeto Político Pedagógico deverão ser:

 Estabelecer um instrumento norteador para a execução das Medidas


Socioeducativas;

 Propor diretrizes para a unificação de fluxos, critérios, normas e rotinas da


execução das Medidas Socioeducativas;

 Garantir o desenvolvimento das ações de forma sistêmica, integrada e


planejada visando a garantia dos direitos dos adolescentes atuando de
acordo com o paradigma da incompletude institucional preconizado pelo
ECA;

 Estabelecer diretrizes claras para a efetivação de parcerias, quando


necessárias, no âmbito da gestão dos Programas Socioeducativos, como na
integração com as demais políticas públicas.

II. BASES DA SOCIOEDUCAÇÃO

A questão do adolescente em conflito com a lei deve ser reconhecida dentro


do processo socioeducativo a ser realizado, uma vez que a ação metodológica
pretende a uma reorientação da maneira que este adolescente é e convive com as
pessoas à sua volta.
O ato infracional cometido pelo adolescente revela o contexto de violência e
de transgressão do pacto social. Mas, não se deve perder de vista que ele faz
parte da sociedade e que a condição de cumprimento de uma medida
socioeducativa não o exclui de um contexto maior de transformações sociais. Tal
contexto também deve ser compreendido pela equipe de trabalho nos motivos que
o levaram à pratica do ato infracional, na forma como ele se relaciona com seu
meio familiar e comunitário e em suas perspectivas futuras.

Na busca dos caminhos possíveis para a reorientação dos valores, condutas


e perspectivas de inserção social dos jovens atendidos no sistema socioeducativo
deve-se reconhecer a dinâmica das instituições família, escola, trabalho,
comunidade local, rede de serviços de atendimento, etc. Ao mesmo tempo é
fundamental que se coloque o foco do trabalho do adolescente para a construção
de um projeto de vida.
O adolescente deve ser reconhecido como o protagonista deste cenário.
Enquanto ele for visto apenas como um problema ou o problema, será excluído da
possibilidade de canalizar construtivamente suas energias como agente de
transformação pessoal e social.

86
Qualquer tipo de educação é, por natureza, eminentemente social. O
conceito de socioeducação ou educação social, no entanto, destaca e privilegia o
aprendizado para o convívio social e para o exercício da cidadania. Trata-se de
uma proposta que implica em uma nova forma do indivíduo se relacionar consigo e
com o mundo. Deve-se compreender que educação social é educar para o coletivo,
no coletivo, com o coletivo. É uma tarefa que pressupõe um projeto social
compartilhado, em que vários atores e instituições concorrem para o
desenvolvimento e fortalecimento da identidade pessoal, cultural e social de cada
indivíduo.
A socioeducação como prática pedagógica propõe objetivos e critérios
metodológicos próprios de um trabalho social reflexivo, crítico e construtivo,
mediante processos educativos orientados à transformação das circunstâncias que
limitam a integração social, a uma condição diferenciada de relações interpessoais,
e, por extensão, à aspiração por uma maior qualidade de convívio social.
Cabe assinalar que, de acordo com o educador Antonio Carlos Gomes da
Costa, a socioeducação se distingue, em duas grandes modalidades:
a) de caráter protetivo – Voltada para as crianças, jovens e adultos em
circunstâncias especialmente difíceis em razão da ameaça ou violação de seus
direitos por ação ou omissão da família, da sociedade ou do Estado ou até mesmo
da sua própria conduta, o que os leva a se envolver em situações que implicam em
risco pessoal e social;
b) de caráter socioeducativo, que tem como destinatários os adolescentes e
jovens em conflito com a lei em razão do cometimento de ato infracional.
Feita esta distinção, pode-se falar que essa última, está voltada para a
preparação de adolescentes e jovens para o convívio social, de forma que atuem
como cidadãos e futuros profissionais, que não reincidam na prática de atos
infracionais (crimes e contravenções). E assegurando-se, ao mesmo tempo, o
respeito aos seus direitos fundamentais e a segurança dos demais cidadãos.
O trabalho socioeducativo, nesse sentido, é uma resposta às premissas
legais do Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como às demandas sociais
do mundo atual.
A socioeducação decorre de um pressuposto básico: o de que o
desenvolvimento humano deve se dar de forma integral, contemplando todas as
dimensões do ser. Por isso o desenvolvimento das ações socioeducativas exige
que os profissionais que trabalham com o adolescente o encarem a partir de suas
vinculações históricas e sociais.
Dessa forma, não se trabalha com o marginal, o bandido, o infrator, mas
com um indivíduo que, em razão de suas condições e relações materiais e
históricas, cometeu um ato infracional. Isso garante que se vislumbre para todos os
adolescentes e em todos os momentos de suas vidas possibilidades de construir
novas relações com o mundo a sua volta.

III. AÇÃO SOCIOEDUCATIVA

O que se busca nos Programas Socioeducativos para os adolescentes que


cometeram atos infracionais é um processo de construção, ou reconstrução, de
projetos de vida reais e possíveis de ser realizados, que alterem suas rotas de
vida, desatrelando-os da prática de atos infracionais.

O adolescente que adentra o mundo da criminalidade acredita ter


encontrado alguma solução para os problemas que enfrenta, seja de ordem
87
econômica, familiar, social e emocional. Ajudá-lo a superar essa condição exige
uma ação socioeducativa baseada num Projeto Pedagógico que lhe dê todo o
suporte para que descubra novas possibilidades de existir e de encontrar um novo
caminho para, gradativamente, resgatar-se como ser humano e cidadão.
Alguns objetivos orientam e direcionam a ação socioeducativa na
perspectiva da formação integral do adolescente:
1) Ajudar o adolescente a entrar em contato consigo mesmo, favorecendo:
 o fortalecimento da auto-estima e autoconceito;
 o desenvolvimento de habilidades de autoobservação e reflexão;
 a descoberta de suas próprias características, potencialidades e interesses.

2) Incentivar o adolescente a enfrentar suas dificuldades, desenvolvendo


capacidade de:
 resolver situações-problema nas atividades propostas;
 tomar decisões;
 utilizar o diálogo como forma de lidar com conflitos e tomar decisões
coletivas;
 persistir em seus esforços de enfrentamento de dificuldades.

3) Analisar com o adolescente as motivações e conseqüências de seus padrões


comportamentais, contemplando também os relacionados à prática do ato
infracional.

4) Buscar a manutenção dos progressos comportamentais do adolescente,


oportunizando sua reprodução no maior número de ambientes possíveis.

5) Despertar e reforçar os valores morais, como o respeito, o valor à vida, a


tolerância, a responsabilidade, a igualdade, a justiça e a paz, para que passem a
ser referenciais no modo de agir do adolescente.

6) Estimular o adolescente a realizar uma leitura crítica e autônoma de si mesmo e


do mundo a sua volta.

7) Acompanhar o adolescente em um processo de conscientização de sua história


de vida, possibilidades para o futuro e desejo de mudança.

8) Propor situações e atividades que estimulem e favoreçam:


 a interação, participação e cooperação em grupo;
 o respeito pelas diferenças pessoais e a empatia;
 a conscientização da importância das normas para o convívio social;
 a responsabilização pelos atos que pratica;
 a possibilidade de resolução de problemas por meio de uma vivência
pacífica;
 a reflexão e o exercício da cidadania pelo adolescente, preparando-o para a
vida em uma sociedade democrática.

9) Oferecer condições para que o adolescente possa analisar, e se necessário,


construir novas formas de se relacionar com:
 seus familiares, namorada, parceira ou cônjuge;
 seu grupo de amigos;
88
 sua comunidade.

10) Valorizar e/ou ajudar o adolescente a desenvolver:


 a curiosidade e o prazer de aprender;
 a criatividade e a iniciativa;
 formas de expressão simbólica e artística;
 o hábito do estudo autônomo, disciplinado e responsável;
 a percepção do trabalho como meio de transformação social.

11) Promover atividades específicas dentro e fora da unidade para o


desenvolvimento físico, cognitivo, ético, espiritual, estético, afetivo e social, de
modo que o adolescente:
 Adquira o mínimo de habilidades e conhecimentos para operar no mundo
com instrumentalidade para realizar seu projeto de vida;
 Busque alternativas para sobreviver sem entrar em conflito com a lei;
 Valorize suas conquistas e estimule a continuação de seu plano de
atendimento;
 Aproveite as oportunidades de experimentar, pouco a pouco, a liberdade
responsável.

IV. PAPEL DO SOCIOEDUCADOR

Em síntese, cabe aos profissionais que atuam com o adolescente em conflito com
a lei:
 Colocar à disposição dos jovens o saber e a experiência pessoal que
acumulou em sua trajetória de vida;
 Ajudar o adolescente a descobrir caminhos, a pensar alternativas e a revelar
significados, colocando-se com facilitador desse processo;
 Estimular e apoiar seu desenvolvimento pessoal e social, criando
oportunidades para manifestação de suas potencialidades;
 Conhecer e compreender a realidade de vida do adolescente, respeitando
aceitando as diferenças individuais;
 Criar um ambiente de confiança, acolhimento e afeto;
 Conquistar o respeito do adolescente sem recorrer a palavras ofensivas,
ironias, sarcasmos, cinismo e desqualificações;
 Propiciar um ambiente favorável à existência do individual dentro do
coletivo. Cuidar do bem-estar da coletividade, sem ameaçar a expressão
das individualidades;
 Conhecer seus limites e possibilidades, enquanto pessoa e profissional;
 Estabelecer limites, sem ser brusco, fazendo uso da palavra, relembrando
regras para uma boa convivência e mostrando as conseqüências de sua
ação;
 Fazer intervenções determinadas e específicas; ser firme ou chamar a
atenção dos adolescentes, sempre que necessário;
 Perceber e entender a expressão das questões pessoais dos adolescentes
sob as mais variadas formas;
 Situar-se no pólo direcionador da relação educador-educando, tendo clareza
de sua função e competências;

89
 Refletir sobre os acontecimentos comuns do dia-a-dia, aprendendo com as
próprias vivências e os próprios erros;
 Apoiar o adolescente no seu projeto de desenvolvimento pessoal e social,
ou seja, nas relações consigo mesmo e com o outro;
 Restabelecer a autoconfiança do adolescente, restituindo-lhe um valor no
qual ele próprio já não acreditava;
 Compreender e acolher os sentimentos, as vivências e as aspirações do
adolescente.

V. ATUAÇÃO MULTIDISCIPLINAR

Dois princípios devem orientar a organização dos Programas de execução


de Medidas Socioeducativas: a incompletude institucional e a incompletude
profissional. O fundamental, com a observância desses princípios, é evitar que os
Programas se estruturem sem comunicação e cooperação entre os profissionais e
com outras organizações, instituições e políticas básicas.

 A incompletude institucional implica a integração permanente com outras


organizações afins. No caso das Unidades de internação, seu órgão de
vinculação administrativa são os responsáveis pela custódia do adolescente,
por sua internação. Todos os demais atendimentos ao educando devem ser
oferecidos pelos órgãos responsáveis pelas respectivas políticas públicas:
saúde, educação, esporte, cultura, lazer, profissionalização, assistência
jurídica. Além de organizações governamentais, as organizações não-
governamentais devem se somar ao esforço de construção de um
atendimento socioeducativo. Além dos órgãos governamentais, as
organizações não-governamentais podem e devem atuar para a viabilização
do princípio da incompletude institucional. O mesmo se aplica à execução
das demais Medidas Socioeducativas: Semiliberdade e Liberdade Assistida.

 A incompletude profissional amplia e aprofunda a organização dos


Programas de Medidas Socioeducativas nos marcos da incompletude
institucional, com foco nas equipes de trabalho. O objetivo é assegurar uma
rotatividade de pessoal nos Programas, possibilitando o desenvolvimento de
práticas socioeducativas inovadoras, evitando o desgaste excessivo dos
socioeducadores e impedindo a consolidação de grupos e culturas
prejudiciais ao seu funcionamento. Por outro lado, a visão de múltiplos
profissionais favorece que os problemas sejam vistos de diversas maneiras
por que são diversos os indivíduos e diversas as formas de sua
manifestação comportamental.

Isso significa que uma abordagem muldisciplinar tem que prevalecer às


seguintes características básicas:
 Intervenções diferenciadas para cada caso e assim para cada adolescente e
família;
 As ações não se confundem, mas se articulam, mantendo as diferenças
necessárias para eficácia da ação pedagógica. Os profissionais podem
atuar sem confusões de papeis;
 As diferentes intervenções podem ocorrer quase simultaneamente.
Por outro lado, é importante frisar os seguintes aspectos:

90
 Os cuidados com a segurança, com a disciplina e o cumprimento dos
regulamentos pelos educandos não podem ser tarefas de monitores ou
agentes responsáveis pela manutenção da ordem interna. Todos os
socioeducadores devem conhecer os regulamentos e ser co-responsáveis
pelo cumprimento das regras de convivência e de segurança;

 Formar pessoas, desenvolver capacidades e educar são a principal missão


de uma comunidade socioeducativa e esse trabalho não está voltado só
para os educandos. Os socioeducadores precisam ser constantemente
educados. Todos os que trabalham nos Programas Socioeducativos são, ao
mesmo tempo, socioeducadores e educandos: devem passar por
treinamentos específicos (para o desempenho de funções específicas), por
treinamento introdutório (comum e conjunto para todos os que se iniciam no
trabalho) e por reciclagens periódicas (aperfeiçoamento contínuo de
competências específicas e comuns). É imprescindível formar uma equipe
de socioeducadores com uma base sólida de conhecimentos, valores,
atitudes e habilidades básicas e específicas voltadas para o atendimento
socioeducativo;

 O pessoal técnico (pedagogos, psicólogos, advogados, assistentes sociais e


outros) não pode nem deve ter uma atuação restrita às salas e mesas de
trabalho. Não pode ficar confinado em escritórios e salas de reuniões. É
fundamental que dedique parte do seu horário de trabalho a acompanhar e
apoiar as atividades de rotina da comunidade socioeducativa, atuando nas
oficinas, no refeitório, nos dormitórios, nas atividades de esporte e lazer, nos
pátios, em todos os espaços educativos da Unidade. Só assim se pode
construir um trabalho de qualidade, se tem uma visão completa e dinâmica
do processo educativo, se desenvolve a verdadeira presença educativa e se
forma uma equipe de trabalho coesa e co-responsável;

 Todos os profissionais que compõem as equipes dos Programas de


execução de Medidas Socioeducativas devem desenvolver suas atividades
mantendo estreita integração e articulação entre si e com os serviços de
atendimento aos educandos: saúde, educação, segurança, assistência
social, serviços públicos e organizações não governamentais que atuam
nessa área;

 Treinamento em serviço deve ser uma regra no dia-a-dia dos Pogramas.


Reuniões periódicas, encontros, reuniões de estudo de casos,
acompanhamento e supervisão são atividades que devem convergir para o
aperfeiçoamento contínuo da equipe de socioeducadores.

VI. ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO

De acordo com o SINASE, a ação socioeducativa deve respeitar as fases de


desenvolvimento integral do adolescente, levando em consideração
potencialidades, subjetividade, capacidades e limitações do mesmo e garantindo,
assim, a particularização no seu acompanhamento. É preciso conhecer cada
adolescente e compreender seu potencial, sua circunstância e seu estágio de
crescimento pessoal e social.
91
Sendo assim, são três as fases do atendimento socioeducativo:
1) fase inicial de atendimento: período de acolhimento, de reconhecimento e de
elaboração por parte do adolescente do processo de convivência individual e
grupal, tendo como base as metas estabelecidas no Plano Individual de
Atendimento - PIA;

2) fase intermediária: período de compartilhamento em que o adolescente


apresenta avanços relacionados nas metas consensuadas no PIA; e

3) fase conclusiva: período em que o adolescente apresenta clareza e


conscientização das metas conquistadas em seu processo socioeducativo.
Independentemente da fase socioeducativa em que o adolescente se encontra, há
necessidade de se ter espaço físico reservado para aqueles que se encontram
ameaçados em sua integridade física e psicológica, denominada no SINASE de
convivência protetora.

VII. BIBLIOGRAFIA

6. BRASIL, Estatuto da Criança e do Adolescente (1990). Lei nº 8069, de 13 de


julho de 1990. Brasília, DF.
7. BRASIL, Secretaria Especial dos Direitos Humanos e Conselho Nacional
dos Direitos da Criança e do Adolescente. Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo-SINASE..
8. COSTA, Antônio Carlos Gomes da. Desenvolvimento social e ação
educativa: educação e trabalho. [s.l.]: Modus Faciendi.
9. COSTA, Antônio Carlos Gomes da. Pedagogia da presença. [s.l.]: Modus
Faciendi Publicações e Serviços.
10. COSTA, Antônio Carlos Gomes da. Protagonismo juvenil/adolescência,
educação e participação democrática. [s.l.]: Fundação Odebrecht.
11. SEDH/PR – Parâmetros para Formação do Socioeducador, 2006.
12. SEDH/PR – Socioeducação: Estrutura e Funcionamento da Comunidade
Educativa, 2006.

10. ESTRATÉGIAS E PROCEDIMENTOS TEÓRICO-


METODOLÓGICOS EM REINTEGRAÇÃO SOCIAL -
ARTICULAÇÃO COM A SITUAÇÃO DE INTERVENÇÃO.

Maria Nauza Luza Martins2


Sonia Prado
2
TEXTO ELABORADO EM CO-AUTORIA PELA ASSISTENTE SOCIAL MARIA NAUZA LUZA MARTINS E A
PSICÓLOGA SONIA FORTES DO PRADO, AMBAS ESPECIALISTAS EM ASSISTENCIA SOCIAL DA SEJUS/CAJE
92
I. Por uma Pedagogia da Presença
O educador Antônio Carlos Gomes da Costa com vasta experiência no
trabalho com adolescentes autores de ato infracional, propõe o que denomina de
Pedagogia da Presença, como instrumento do fazer educativo junto aos
adolescentes em conflito com a lei.
Na Pedagogia da Presença, pode-se dizer que o vínculo é um processo
motivado que tem direção e sentido, tratando-se de uma interação de significado
profundo e facilitadora de todo o processo. Trata-se de um canal aberto para a
aproximação, para o fornecimento de modelos e aprendizagem e para as
transformações almejadas pelo processo socioeducativo.
Com a vinculação entre educador e educando, a indiferença deixa de existir
e as pessoas vinculadas passam a pensar, a falar, a referir, a lembrar, a identificar,
a refletir, a interessar, a complementar, a irritar, a discordar, a admirar, e a sonhar
um com o outro ou com o grupo.
A Pedagogia da Presença, desde que haja vontade sincera de ajuda e
disposição interior para tanto, deve ser desenvolvida por parte do educador e
entendida como o instrumental metodológico básico da socioeducação. Ao se
utilizar da relação educador-educando para a implementação do projeto
pedagógico, ela abre possibilidades e espaços privilegiados de aprendizagem.
O educador social que adota esses pressupostos em sua ação cotidiana revela
no seu fazer uma boa dose de senso prático com uma apreciável veia teórica. Ele
utiliza-se disso para compor uma dialética de proximidade x distanciamento entre
educador e educando como base para sustentar o trabalho socioeducativo.
É a partir disso que o profissional que trabalha com o adolescente vai além dos
aspectos negativos mostrados pelo educando, como impulsos agressivos, revoltas,
inibições, intolerância, alheamento e indiferença com qualquer tipo de norma. O
profissional competente reconhece que aí está o pedido de auxílio de alguém que,
de forma confusa, se procura e se experimenta num mundo hostil e ininteligível.
Por outro lado, também, o educador evita colocar em risco sua ação educativa por
meio de manipulações, chantagem afetiva, apego desmesurado, dependência
descabida.

93
Este enfoque da Pedagogia da Presença articula o funcionamento teórico com
propostas concretas de organização das atividades práticas, determinando as
conseqüências para o tipo de jovem que se deseja formar.
Trata-se, portanto, de uma pedagogia consciente, dirigida a uma finalidade. Não
basta apenas garantir os direitos fundamentais de abrigo, casa, comida, roupa,
remédio, ensino formal, profissionalização, esporte, lazer e atividades culturais.
Essas garantias são básicas e essenciais; é preciso garantir, também, relações
interpessoais positivas. Para isso, torna-se necessário superar os contatos
superficiais e efêmeros e as intervenções técnicas puramente objetivas. Só a
presença pode romper o isolamento profundo do jovem, sem violar seu universo
pessoal.
A Pedagogia da Presença exige disponibilidade e cuidado. Não é tarefa fácil
desenvolvê-la, mas, definitivamente, é uma tarefa crucial para o desenvolvimento
pessoal e social do adolescente. Infelizmente, é na internação que o adolescente
recebe um olhar, uma atenção cuidadosa que, muitas vezes, lhe foram negados ao
longo de toda sua vida. Esta visão sugere um novo caminho para a educação dos
jovens em dificuldade. Ao aceitar e assumir a função educativa, o educador
percebe claramente a singularidade de seu lugar e de seu papel na sociedade.
Todos os profissionais que desenvolvem Programas Socioeducativos trazem
consigo a capacidade imanente de estabelecer vínculos e desenvolver uma relação
por meio da presença. Assim entendido, todos são agentes de educação: ao
mesmo tempo, são os motores que engrenam a ação socioeducativa dirigida ao
adolescente e as referências que se devem fazer presentes, adentrando o universo
do educando e realizando com ele um novo projeto de vida.

II. Estratégias e Procedimentos Metodológicos

Ao se definir os Métodos e Técnicas do processo socioeducativo deve-se


considerar:

94
 Os conhecimentos – o ser humano precisa de conhecimento para
conhecer a si mesmo; conhecer o mundo do qual é parte; participar da vida
produtiva; participar das decisões coletivas; continuar aprendendo.

 Os valores - são importantes quando o ser humano tem que tomar uma
decisão. Afinal, o que cada pessoa se torna é fruto das oportunidades que
teve e das escolhas que fez ao longo da vida. A educação deve propiciar o
desenvolvimento dessa capacidade ao educando, possibilitando que ele
vivencie, identifique e incorpore valores estruturantes em sua formação.

 As atitudes representam uma fonte de atos. Os atos que um educando


assume diante desta ou daquela circunstância decorrem da sua atitude
básica diante da vida.

 As habilidades devem ser compreendidas como requisitos básicos para se


viver e trabalhar numa sociedade moderna, ou seja, estamos falando das
habilidades básicas, específicas e de gestão.

No trabalho dirigido ao adolescente em conflito com a lei, é


importante que todos os socioeducadores entendam que ele está privado apenas
de liberdade. O mesmo não deve ser privado do respeito, da dignidade, da
individualidade, da integridade física, psicológica e moral. O primeiro e mais
decisivo passo para o adolescente superar suas dificuldades pessoais é a sua
reconciliação consigo mesmo e com os outros.

Portanto, as ações socioeducativas devem exercer uma influência


edificante na vida do adolescente, criando condições para que ele cumpra duas
tarefas bem peculiares dessa fase de sua vida:

1. modelar sua identidade, buscando compreender-se e aceitar-se;

2. construir seu projeto de vida, definindo e trilhando caminhos para assumir um


lugar na sociedade e um papel na dinâmica socioeducativa em que está inserido.

95
Os métodos e técnicas de ação socioeducativa para o trabalho
dirigido a adolescentes em conflito com a lei deve ser organizado em três
dimensões do desenvolvimento do educando:

1. A Dimensão Pessoal (Educação para Valores);

2. A Dimensão Cidadã (Protagonismo Juvenil);

3. A Dimensão Produtiva (Cultura da Trabalhabilidade).

O objetivo é dotar o socioeducador de ferramentas pedagógicas


inovadoras, para que ele possa estruturar e viabilizar um processo educativo
inteiramente sintonizado com o desenvolvimento das melhores possibilidades de
cada adolescente com o desenvolvimento do potencial dos outros adolescentes
com os quais interage traduzido em competências pessoais, relacionais, produtivas
e cognitivas.

A Dimensão Pessoal – Educação para Valores

As ações a serem desenvolvidas com os adolescentes nos Centros


Socioeducativos devem considerar:

 A identidade é um requisito fundamental para a pessoa compreender-se e


aceitar-se. Ela representa o ponto de partida do desenvolvimento humano. A
identidade diz respeito ao encontro da pessoa consigo mesma, como
condição para que ela possa encontrar-se com os demais seres humanos.
Sem a construção de uma identidade positiva, torna-se impossível para a
pessoa ter um sentimento bom (auto-estima) e uma boa idéia (autoconceito)
a respeito dela mesma.

 A auto-estima refere-se ao amor-próprio da pessoa, a ela gostar de si


mesma, autoapreciar-se, ter um sentimento bom em relação a si própria. É
uma condição básica para o aparecimento da auto-estima a aceitação, por
parte da pessoa, de como ela realmente é.

96
 O autoconceito representa uma idéia boa que uma pessoa tem a respeito
de si mesma. Autoconceito é, portanto, o reflexo do sentimento de auto-
estima no espelho da razão.

 A autoconfiança resulta, basicamente, do conhecimento que o ser humano


tem de seu potencial próprio. Ela representa a capacidade que uma pessoa
tem de apoiar-se e contar, em primeiro lugar, com suas próprias forças.

 A visão positiva do futuro é a capacidade de a pessoa olhar para o que


ainda está por vir (futuro), de uma forma destemida. Ser capaz de ter uma
noção do que esperar em sua vida nos próximos anos e empenhar-se,
investindo tempo, energia e recursos nessa direção. Não ter visão do futuro
é viver murado no imediatismo, reagindo tão-somente aos estímulos
positivos e negativos que nos chegam do ambiente onde estamos inseridos.

 O querer-ser é a capacidade da pessoa de ter uma postura desejosa diante


da vida, de ter uma perspectiva otimista em relação ao próprio futuro. As
pessoas que se posicionam na vida dessa forma são capazes de projetar os
seus melhores desejos no tempo e imaginá-los realizados. O querer-ser
identifica-se com o impulso vital do ser humano em direção à construção de
um futuro que traduza as suas melhores expectativas.

 O projeto de vida corresponde a um sonho com degraus. É a capacidade


que as pessoas têm de traçar uma proposta, elaborar planos de vida para si
mesmas e saber como realizá-los. Implica também a definição de objetivos e
metas de curto, médio e longo prazos nas várias dimensões da vida: estudo,
trabalho, vida conjugal, espiritual, financeira, material.

 O sentido da vida corresponde a todo o caminho entre o que uma pessoa é


e o que ela deseja, aspira a ser. O sentido da vida representa o grande
trajeto da existência a ser percorrido pelo indivíduo.

97
 A autodeterminação é que faz com que o ser humano seja capaz de reger-
se por critérios próprios, de assumir a direção de sua vida. Uma pessoa
autodeterminada é a que, quando toma decisões importantes, o faz levando
em consideração suas crenças, seus valores, seus pontos de vistas e seus
interesses, posicionando-se no mundo como um agente de transformação.

 A resiliência corresponde à capacidade das pessoas de não se entregarem


às adversidades da vida e ainda utilizá-las em favor do seu próprio
crescimento como pessoa, cidadão ou profissional.

 A auto-realização é a capacidade dos seres humanos de se entusiasmarem


com cada passo, cada pequeno avanço que os deixe mais perto de seus
grandes objetivos na vida. A auto-realização não diz respeito a resultados
finais, mas a resultados processuais.

 A plenitude humana é quando o ser e o querer-ser de uma pessoa se


encontram. São momentos de valor incomensurável na vida de cada ser
humano. Momentos que fazem, definitivamente, a vida valer a pena.

É importante que no trabalho dirigido a adolescentes em situação de


risco pessoal e social, seja evitada a desarticulação entre as reais necessidades
dos educandos e as ofertas educativas colocadas ao seu dispor pela equipe de
socioeducadores. Enquanto os socioeducadores, na verdade, oferecem aos
educandos meios para moderar-se e viabilizar-se, eles buscam prioritariamente as
vias que lhes permitirão encontrar-se: os socioeducadores tentam trabalhar com o
adolescente a partir da construção do projeto de vida deste, sendo que a demanda
real e imediata do educando é ser compreendido e aceito, para poder
compreender-se e aceitar-se.

Para trabalhar com o adolescente seu projeto de vida, é preciso que


ele tenha um desejo genuíno de estudar, aprender, trabalhar, realizar-se (querer-
ser). Para trabalhar seu querer-ser, faz-se necessário que o educando rompa com
o seu imediatismo, olhando para o futuro de forma positiva. Para olhar o futuro sem
medo, o educando precisa

98
apoiar-se primeiramente em suas próprias forças (autoconfiança); ter um bom
pensamento a respeito de si mesmo (autoconceito); gostar de si próprio (auto-
estima); compreender-se e aceitar-se (identidade).

O socioeducador deve criar, no dia-a-dia do trabalho dirigido aos


educandos, oportunidades concretas, acontecimentos estruturantes, que
evidenciem a importância das normas e limites para o bem de cada um e de todos.
Só assim o educando começa a comprometer-se consigo mesmo e com os outros.
É desse compromisso que nascem as vivências generosas e o calor humano, as
bases do dinamismo, capaz es de enriquecer e de transformar sua vida.

Para se buscar essa finalidade há uma ferramenta de ação social e


educativa preciosa: A Pedagogia da Presença.

A pedagogia da presença representa um passo na direção do grande


esforço, que se faz necessário, para a melhoria da qualidade da relação
estabelecida entre socioeducador e educando, tendo como base a influência
proativa, construtiva, criativa e solidária favorável ao desenvolvimento pessoal e
social dos adolescentes e dos adolescentes.

A teoria, na abordagem da pedagogia da presença, passa pela


conceitualização da prática. Trata-se de um processo que vai além da aplicação de
conhecimento, porque passa também pela produção de conhecimento. É a teoria
alimentando a prática e esta alimentando aquela. A prática gera insumos para a
produção de novos conhecimentos e a teoria fundamenta e otimiza a prática, as
atividades, as ações educativas. Com esse enfoque, estamos, na verdade,
(re)afirmando a unidade indissolúvel entre teoria e prática, que tem como
pressuposto básico a linha de se pensar a prática e praticar o pensamento, de
teorizar a prática e praticar a teoria.

Os meios de uma ação educativa, porém, dizem respeito ao


ferramental teórico-prático necessário à concatenação do itinerário formativo dos
educandos, ou seja, correspondem aos métodos e técnicas de ação social e
educativa, dentre os quais destacamos:

99
• a Pedagogia da Presença;

• a Relação de Ajuda;

• a Resiliência;

O método da pedagogia da presença é super simples. O


socioeducador tem que se educar para escutar e observar o conjunto dos
acontecimentos reais que transcorrem ante os seus olhos, desde a hora em que
chega à Unidade até a hora de dormir.

Pela observação atenta e metódica dos comportamentos do


educando, o socioeducador tentará conhecer a que aquele dá mais importância,
atenção, valor, considerados os ganhos e perdas de sua vida. Enfim, será
necessário descobrir nesse educando aptidões e capacidades que apenas um
balanço criterioso e sensível permitirá despertar e desenvolver. Só assim, ele
encontrará o caminho para si mesmo e para os outros. Esses são o sentido e o
objetivo maiores da presença construtiva e emancipadora do socioeducador na
vida do educando.

Quando não temos a disposição de deixar o educando penetrar a


nossa vida com a sua experiência, nós o vemos na sua pura exterioridade,
perdendo de vista a sua interioridade. Assim, não conseguimos captar as
dificuldades e impasses reais do educando. Fazemos uma leitura apenas do seu
comportamento, da sua conduta. Vemos o que sai, mas não o que está por dentro;
apenas o que está na fachada, não o que está por detrás dela.
A explicação para mudanças radicais na vida de um educando que
estava indo para o caminho da delinqüência ou que já estava nela, muitas vezes,
se dá pela identificação de uma pessoa-chave na sua vida, uma pessoa capaz de
estabelecer com ele uma relação de reciprocidade, de abertura e de respeito
mútuo.

100
A presença educativa diz respeito a um relacionamento em que
duas pessoas se revelam uma para a outra. O socioeducador tem que deixar sua
vida ser penetrada pela vida do educando. Isso requer abertura, troca, respeito
mútuo, reciprocidade, ou seja, tem que haver um comércio singelo entre as
pessoas. Na realidade, é uma troca de “pequenos nadas”. E o que são esses
“pequenos nadas?” Um bom-dia, um olhar, um toque, uma palavra, um incentivo,
um gesto, um conselho, um sorriso, enfim, são gestos e atitudes que não custam
nada, mas que podem modificar inteiramente nosso trabalho socioeducativo.
Aqui está o segredo de todo o processo educativo. É preciso
compartilhar momentos de alegria ou de tristeza que o educando está sentindo.
Fazer-se presente na vida do educando é o dado fundamental da ação educativa.

A presença é o conceito central, o instrumento-chave e o objetivo


maior dessa pedagogia. A capacidade de fazer-se presente, de forma construtiva,
na realidade do educando não é, como muitos preferem pensar, um dom, uma
característica pessoal intransferível de certos indivíduos, algo de profundo e
incomunicável. Ao contrário, é uma aptidão possível de ser aprendida, desde que
haja, da parte de quem se propõe a aprender, a disposição interior para tanto
(abertura, reciprocidade, compromisso):

 Abertura: é a (pré)disposição de aceitar, entender, ouvir, perceber, ser


aceito, entendido, ouvido, percebido pelo outro, porque de outra forma
não existe encontro.

 Reciprocidade: é quando duas pessoas interagem, intercomunicam,


inter-relacionam, se encontram. É um comércio de pequenos nadas – um
serviço, um olhar, um cumprimento, um abraço, etc.

 Compromisso: presença gera responsabilidade. Se você está


interagindo com uma outra pessoa, se interrelaciona, se mantém com ela
uma postura de reciprocidade, você assume um compromisso com ela.

Por meio dos eixos estruturadores da Pedagogia da Presença o papel


do socioeducador é criar uma ambiência pedagógica que permita ao educando
101
desenvolver seu potencial, adquirir competências e habilidades.

A Relação de Ajuda constitui-se em importante ferramenta teórica


para subsidiar as ações com o adolescente em cumprimento de medida de
internação. Não há como negar que toda e qualquer pessoa tem problemas. Em
qualquer época e lugar, o ser humano depara-se com circunstâncias que precisam
ser enfrentadas e superadas. A natureza, a descrição, a intensidade, a gravidade,
enfim, tudo que caracteriza determinada
dificuldade ou situação-problema é muito específico, peculiar, singular.

No caso particular do educando em conflito com a lei, cuja regra é


trazer consigo uma trajetória pessoal e social amarga, sofrida e atormentada, como
o socioeducador pode melhorar seu desempenho para exercer uma influência
verdadeiramente edificante sobre cada educando com o qual ele trabalha no seu
dia-a-dia? A relação de ajuda deve ser construída considerando os seguintes
aspectos:

 Aceitação incondicional - é a capacidade de acolher integralmente o


educando, sem lhe fazer imposições, cobranças ou julgamentos pelo que
ele é, sente, pensa, fala ou faz.

 Empatia - é a capacidade de colocar-se no lugar do outro, de modo a sentir


o que ele sente.

 Autenticidade - é a capacidade de ser verdadeiro e genuíno com o


educando, expressando, verbal e não-verbalmente, seus verdadeiros
sentimentos e impressões;

 Confrontação - é a capacidade de perceber e clarificar para o educando


distorções entre o que ele fala e o que ele faz, entre o que ele fala e o que
ele é na realidade, entre o que ele fala e o que ele mostra;

 Imediaticidade - é a capacidade de identificar e explicitar os sentimentos


que surgem entre socioeducador e educando durante o processo de ajuda;
102
 Concreticidade - é a capacidade de traduzir a experiência do educando em
componentes objetivos e concretos, de modo que ele possa compreender
sua própria experiência.

Que resultados se pode esperar dessa postura do socioeducador na


sua relação de ajuda com os adolescentes?

 Flexibilização de suas próprias crenças e valores;


 Elevação dos seus níveis de autoconhecimento;
 Aumento dos graus de abertura e confiabilidade para com o socioeducador.

O socioeducador, para exercer cada vez mais uma influência


construtiva, criativa e solidária na vida do educando, precisa incorporar algumas
atitudes básicas. São quatro as habilidades básicas do ajudador:

 Atender - comunicar, de maneiras não-verbais, ter disponibilidade para o


ajudado e interesse por ele;

 Responder - comunicar, corporal e verbalmente, ter compreensão para com


o ajudado;

 Personalizar - mostrar ao ajudado sua parcela de responsabilidade no


problema que está vivendo;

 Orientar - avaliar, com o ajudado, as alternativas de ações possíveis e


facilitar a escolha de uma delas.

Do educando espera-se uma mudança atitudinal a partir das seguintes


habilidades:

 Envolver-se: capacidade de entregar-se ao processo de ajuda, iniciando a


expressão corporal e verbal de seus problemas;

103
 explorar: capacidade de avaliar a situação real em que se encontra no
momento do processo de ajuda, seus problemas, déficit, insatisfações e
definir com clareza onde está;

 compreender: estabelecer ligações de causa e efeito entre os vários


elementos presentes em sua vida, como se estivesse juntando as peças de
um quebra-cabeça, de modo a definir sua meta: onde quer chegar;

 agir: movimentar-se do ponto onde está para o ponto onde quer chegar
escolhendo, para isto, o melhor caminho ou programa de ação, ou seja,
como chegar lá.

As inter-relações entre as habilidades do ajudador (socioeducador) e


dos comportamentos do ajudado (educando) podem ser representadas da seguinte
maneira:

ETAPAS

AJUDADOR Atende Responde Personaliza Orienta

AJUDADO Envolve-se Explora Compreende Age

A Resiliência é a capacidade de resistir e crescer na adversidade –


da mesma forma que ocorre com a capacidade de fazer-se presente – não é um
dom inato, uma característica rara de pessoas muito especiais. A resiliência é o
somatório de um conjunto de qualidades, não-excepcionais, que se articulam de
maneira favorável e feliz em certas pessoas.

Nesse contexto, o grande desafio que se coloca é o de promover a resiliência. Para


compreendermos como o ser

104
humano processa a sua interação com a realidade é possível identificar momentos
ou etapas, como:

 Apreensão da realidade: O educando capta a realidade por meio de dados,


informações, observações, práticas e vivências de todo tipo. O mundo
externo vai sendo internalizado por ele;

 Compreensão da realidade: O adolescente vai distanciar-se desse


conjunto de dados, informações, fatos e vivências para, a partir desse ponto,
perceber os nexos, os enlaces, as relações entre eles, de modo a ter uma
visão do quadro mais amplo no interior do qual cada um desses elementos
ocupa um lugar e desempenha um papel;

 Significação da realidade: Valorizar alguma coisa é assumir diante dela


uma atitude de não-indiferença. Essa valoração pode ser positiva ou
negativa, mas será sempre o ato de atribuir um valor, um peso, uma
ponderação a alguma coisa. Significar é atribuir valor, (res)significar algo é
mudar a valoração antes atribuída, num ou noutro sentido. Os valores
constituem a fonte do sentido que atribuímos aos fatos da nossa vida;
 Projeção da vida no interior da realidade: O projeto é a memória das
coisas que ainda não aconteceram. Projetar é desdobrar as possibilidades
contidas no presente, numa linha de tempo, de modo a conferir direção e
sentido às nossas ações cotidianas. O educando tem um projeto de vida
quando é capaz de visualizar como será sua vida dentro de um determinado
tempo e de agir nessa direção;

 A apreciação crítica da realidade ocorre quando o adolescente compara


aquilo que é com o que ele pretendia que fosse com base em seus valores e
expectativas. A apreciação crítica é uma problematização da realidade. Ela
indica ao educando suas dificuldades e possibilidades de realização do seu
projeto. Ela permite identificar as variáveis que contam a favor e aquelas
que atuam de forma contrária à realização do seu projeto;

105
 Ação diante da realidade: A ação sobre a realidade é o momento culminante
do processo de interação do educando com o contexto onde se desenvolve
a sua vida. É na ação que o ser humano define-se e realiza-se. É através da
ação que os valores manifestam-se e que os projetos concretizam-se.

A Dimensão Cidadã – Protagonismo Juvenil

O protagonismo juvenil prepara o jovem para o convívio social


construtivo, criativo e solidário. Duas características distinguem esse método de
ação educativa:

 a visão do jovem como parte da solução, não como parte do problema. Isto
implica sua participação em todas as etapas de resolução de problemas
reais na comunidade educativa, em seu entorno sociocomunitário e na vida
social mais ampla; e

 a visão do jovem como fonte, não como receptáculo de conteúdos a serem-


lhe introjetados. A percepção do jovem como fonte traduz-se pelo empenho
do socioeducador em atuar com o jovem, apoiando-o para que ele se
desempenhe como fonte de iniciativa (ação), de liberdade (opção) e de
compromisso (responsabilidade) pelas conseqüências de seus atos.

A prática do protagonismo juvenil consiste no envolvimento do jovem


em todas as etapas do enfrentamento e na solução de um problema real: análise
da situação, decisão pela ação a ser desenvolvida, planejamento do que foi
decidido realizar, execução do que foi planejado, avaliação das ações e
apropriação dos resultados.
A Dimensão Produtiva - Cultura da Trabalhabilidade

A cultura da trabalhabilidade é um novo modo de ver, entender,


sentir, agir e interagir com o novo mundo do trabalho, transformado pela
globalização dos mercados, pela inovação tecnológica e pelas novas formas de
organização do processo produtivo. A trabalhabilidade é a capacidade de a pessoa
ingressar, permanecer e ascender no mundo do trabalho.
106
Uma das questões fundamentais sobre o trabalho dirigido à
população juvenil em conflito com a lei, entretanto, deve ser colocada em
evidência: qual deve ser a resposta da sociedade e do Estado brasileiros ao
grande número de adolescentes e adolescentes que se encaminham para a idade
adulta com baixíssimos ou inexistentes níveis de escolaridade e sem nenhuma
capacitação para o ingresso conseqüente no mundo do trabalho?

Uma resposta efetiva e consistente a essa questão passa por um


sistemático esforço de ampla e complexa transformação do quadro atual. Esse
esforço deve desencadear ações em relação a três campos básicos:
1. Efetivação da aplicabilidade do ECA;
2. Realização de um amplo e corajoso reordenamento institucional;
3. Melhoria das formas de atenção direta aos educandos em situação de risco
pessoal e social.

Enfim, a intervenção junto aos adolescentes em cumprimento de


medida socioeducativa de internação deve ser revitalizada com ações
socioeducativas que englobem três eixos:

1. A educação para valores trabalha o jovem como pessoa, criando espaços e


condições para que o educando possa vivenciar, identificar e incorporar valores,
desenvolvendo sua autonomia, e dotando-o de bons critérios para avaliar e decidir.

2. O protagonismo juvenil trabalha o jovem como cidadão, ampliando e


qualificando a participação do educando no processo social e educativo,
desenvolvendo sua solidariedade, possibilitando-lhe atuar como fonte de iniciativa
(ação), liberdade (opção) e compromisso (responsabilidade), e como parte da
solução, não como parte do problema.

3. A cultura da trabalhabilidade trabalha o jovem como profissional, permitindo ao


educando a compreensão sobre a forma de estruturação e o funcionamento do
novo mundo do trabalho, ajudando-o a desenvolver um conjunto de competências
e habilidades mínimas não só para trabalhar, mas também para viver e conviver
numa sociedade moderna.

107
Dinâmica do Atendimento Socioeducativo

De acordo com o SINASE, a ação socioeducativa deve respeitar as


fases de desenvolvimento integral do adolescente, levando em consideração
potencialidades, subjetividade, capacidades e limitações do mesmo e garantindo,
assim, a particularização no seu acompanhamento. É preciso conhecer cada
adolescente e compreender seu potencial, sua circunstância e seu estágio de
crescimento pessoal e social.
Ressalta-se que essas fases estão inseridas em qualquer modalidade
de medida socioeducativa, ou seja, liberdade assistida, semiliberdade ou em
sistema de privação de liberdade.

Sendo assim, são três as fases do atendimento socioeducativo:

1) fase inicial de atendimento: período de acolhimento, de reconhecimento e de


elaboração por parte do adolescente do processo de convivência individual e
grupal, tendo como base as metas estabelecidas no Plano Individual de
Atendimento - PIA;

2) fase intermediária: período de compartilhamento em que o adolescente


apresenta avanços relacionados nas metas consensuadas no PIA; e

3) fase conclusiva: período em que o adolescente apresenta clareza e


conscientização das metas conquistadas em seu processo socioeducativo.
Independentemente da fase socioeducativa em que o adolescente se encontra, há
necessidade de se ter espaço físico reservado para aqueles que se encontram
ameaçados em sua integridade física e psicológica, denominada no SINASE de
convivência protetora.

III. BIBLIOGRAFIA

13. BRASIL, Estatuto da Criança e do Adolescente (1990). Lei nº 8069, de 13 de


julho de 1990. Brasília, DF.

108
14. BRASIL, Secretaria Especial dos Direitos Humanos e Conselho Nacional
dos Direitos da Criança e do Adolescente. Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo-SINASE..

15. COSTA, Antônio Carlos Gomes da. Desenvolvimento social e ação


educativa: educação e trabalho. [s.l.]: Modus Faciendi.

16. COSTA, Antônio Carlos Gomes da. Pedagogia da presença. [s.l.]: Modus
Faciendi Publicações e Serviços.

17. COSTA, Antônio Carlos Gomes da. Protagonismo juvenil/adolescência,


educação e participação democrática. [s.l.]: Fundação Odebrecht.

18. SEDH/PR – Parâmetros para Formação do Socioeducador, 2006.

19. SEDH/PR – Socioeducação: Estrutura e Funcionamento da Comunidade


Educativa, 2006.

20. GDF/SEJUS – Proposta Pedagógica para Atendimento aos Adolescentes


em cumprimento de Medida Socioeducativa de Internação no âmbito do
Distrito Federal.Em minuta.Brasília/DF, 2009.

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