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Felipe Neto, um soldado de


peso contra bolsonaristas nas
redes
Depois de comprar milhares de livros de temática LGBT
em ação contra a censura homofóbica no Rio, youtuber
entra nas mira de guerrilha digital ligada ao Governo, mas
dobra a aposta

Mulher exibe livro distribuído de graça em ação de Felipe Neto na Bienal do


Rio. FERNANDO SOUZA (AFP)

N. G. GORTÁZAR

São Paulo - 10 SEP 2019 - 11:42 BRT


Um dia depois de o prefeito do Rio, Marcelo Crivella, ordenar que
a Bienal do Livro retirasse uma HQ que mostrava um beijo entre
dois super-heróis homens, Os Vingadores: a Cruzada das
Crianças se esgotou. Não era a primeira vez que uma tentativa de
censura transformava uma obra em um prezado botim para
colecionadores ou defensores das liberdades. Mas, em poucas
horas, todos os livros de temática LGBT da feira também foram
vendidos. E isso já era mais estranho. O mistério ficou resolvido
em um vídeo intitulado Censura na Bienal!. Nele, um dos
youtubers mais famosos do Brasil, Felipe Neto, 31 anos, 34
milhões de assinantes em seu canal, anunciou que tinha
comprado todos, sim, absolutamente todos os livros sobre
homossexualidade, transexualidade, bissexualidade,
intersexualidade... à venda em uma das maiores feiras culturais
do país. E revelou o plano de distribuir gratuitamente todo o
material, com o qual entrou de cabeça na guerra cultural
brasileira, defendendo as liberdades civis contra mais um
episódio de cerceamento praticado pelo populismo
ultraconservador.

A iniciativa, que seria seguida por algumas editoras via Amazon


até esta segunda-feira, irritou a base ultraconservadora no
Twitter. No domingo, Felipe Neto se tornou alvo de uma hashtag
contrária na rede social onde ele tem 9 milhões de seguidores
(mais dos que os 5 milhões de Jair Bolsonaro):

#PaisContraFelipeNeto entrou no ranking dos assuntos mais


comentados do dia. Um dos responsáveis pela campanha foi o
deputado fluminense Carlos Jordy, do PSL, partido do presidente.
"Importante lembrar q o deputado do PSL que começou a tag de
ataque à minha reputação é o Carlos Jordy. Ele está sendo
processado por mim após ter dito publicamente q eu tive ligação
com o ataque terrorista na escola de Suzano. Ele criou fake news
sem qualquer indício a respeito", reclamou o youtuber. Em março,
Jordy havia dito na rede, sem qualquer base, que Neto havia
ensinado seus seguidores a entrar na deepweb.

Parte da hashtag, promovida por outros parlamentares


bolsonaristas como Carla Zambelli, se povoaria de manifestações
de apoio ao Felipe Neto. Mas, na segunda-feira, outra palavra de
ordem contra o youtuber ganharia força. "Nós já esperávamos
que isso fosse acontecer, porque é o modo de operar desse
desgoverno. Tudo eles levam para o campo das reputações e
tentam destruir os que se opõe", disse Neto ao jornal O Estado de
S. Paulo.

Esse youtuber e empresário era mais conhecido pelas


brincadeiras bobas que fazem sucesso entre crianças e
adolescentes do que por suas posturas políticas, embora há
meses já venha se pronunciando contra a ultradireita. A guinada
evidente foi na eleição presidencial, quando aderiu à campanha
#elenão, liderada pelas mulheres contra Bolsonaro. Nos seus
vídeos mais antigos, era comum as críticas ao PT, que ele
mantém, e até comentários homofóbicos, que agora ele rechaça.
"Eu cresci em um meio muito tradicional e reacionário. Quando

comecei a gravar vídeos para a Internet, era um menino de 21


anos ainda em processo de amadurecimento, o que me fez criar
um personagem reclamão que falava muito palavrão e dizia
alguns clichês idiotas e preconceituosos", disse ele nesta segunda
ao Estadão. "Dez anos se passaram e, quem me acompanhou
durante esse tempo, sabe o quanto eu lutei para corrigir meus
erros do passado. Espero que a minha história possa servir de
inspiração para muitos jovens que também crescem cheios de
preconceitos e reacionarismo dentro de si."

Esforço logístico e empresarial


No fim de semana na Bienal, ficou patente o grande engenho de
marketing e poder logístico do empresário. “Em um surto de
loucura, ele [Crivella] decidiu que um beijo entre dois homens
deve ser enquadrado como pornografia, como conteúdo sexual, e
que por isso qualquer obra que mostre afeto entre gays deve ser
embalada com plástico preto e um aviso de que é conteúdo
impróprio”, explicou Netto em referência ao prefeito carioca, que
viu a HQ na quinta-feira durante uma visita oficial à bienal e correu
a denunciá-la em um vídeo que divulgou nas redes.

Ato seguido, convocou seus fãs a comparecerem no sábado à


feira, porque distribuiria gratuitamente os 14.000 livros. Milhares
de adolescentes foram. Cada um deles ganhou um exemplar, mas
sem saber o título, porque todos estavam envoltos em um
plástico preto com os seguintes dizeres: “Impróprio para pessoas
atrasadas, retrógradas e preconceituosas”. O gesto foi uma
poderosa manifestação contra a censura. E o youtuber virou o

herói mais inesperado de uma batalha pelas liberdades que


também é travada em esferas mais clássicas.
As editoras se recusaram a retirar qualquer título exposto antes
que o assunto chegasse aos tribunais. Várias instâncias se
pronunciaram, às vezes com decisões contraditórias, até que no
domingo o  Supremo Tribunal Federal deixou claro que nem
pensar, que é proibido censurar a HQ. Publicado há anos, o gibi
ficou famosíssimo da noite para o dia. Uma fama que deve ao
prefeito, ao youtuber e ao jornal mais vendido do país. A Folha de
S.Paulo usou seu principal alto-falante para denunciar a tentativa
de censura, e no sábado os leitores se depararam com a imagem
do beijo ocupando boa parte da sua primeira página.

O impacto das ações de Felipe Neto, em meio a uma oposição


ainda sem cara marcante que personifique a rejeição à
ultradireita, provocou especulações sobre um futuro desejo do
youtuber entrar na política. Em dezembro, ele disse à revista Piauí
que se sentia com um dever a cumprir  “num país onde o
presidente recomenda a seus eleitores assistirem a canais no
YouTube em que se diz que o Sol gira em torno da Terra e que o
nazismo é de esquerda”.

fonte: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/09/09/politica/1568061653_050104.html >

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