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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

LETRAS - PORTUGUÊS E INGLÊS


UNIDADE ACADÊMICA ESPECIAL DE LETRAS E LINGUÍSTICA

LUCAS VICTALINO NASCIMENTO

A CONSTITUIÇÃO DO LATIM COMO LÍNGUA DA ROMÂNIA E A


SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A FORMAÇÃO DAS LÍNGUAS ROMÂNICAS
(NEOLATINAS) NOS ESPAÇOS CONQUISTADOS.

CATALÃO- GO
2019
Durante séculos os romanos aumentaram seu território por meio de guerras e
invasões, de forma que o exército romano crescia, uma vez que os povos das regiões
dominadas se juntavam aos romanos nas lutas. Com isso, o Império passou a crescer
não só em população, mas também na cultura e em sua língua, o latim.
O latim, língua dos romanos, do pensamento de Roma e de sua
brilhante civilização, pertence à família das línguas indoeuropéias. O
indo-europeu representa uma vasta família de grupos de línguas
faladas no oeste da Ásia [...]. Ainda é muito incerto o período em que
seria falada essa língua, que segundo os autores, pode ser de entre
5000 a 2000 a.C. O período mais aceito é o 3º milênio a.C. (MARTINS,
2008. P.18)

Essa expansão de poder penetrava junto de seu exército uma bagagem de


cultura, pronta a ser imposta. Neste sentido, a língua latina foi uma das maiores
ferramentas de imposição de cultura a estes povos subjugados, muitos que aceitaram,
rápida e passivamente a língua latina enquanto suas línguas locais praticamente
desapareciam, afinal, “Roma oferecia cidadania a todos os povos conquistados; abria
academias, onde se ensinava a língua, permitia o ingresso dos cidadãos romanizados
às fileiras militares. Enfim, tudo era propício ao uso da língua dos vencedores”
(BOTELHO, 2010, p. 2476).
Diferente dos outros povos conquistados que falavam o latim por esta possuir
“um prestígio mensurável por ser a língua oficial do exército romano em que os povos
passavam a utilizá-la não por imposição, mas sim como mérito de utilizar a língua do
então grandioso exército” (JESUS, 2007, p. 2072) na sociedade grega, houve
resistência ao latim e a língua dominante manteve-se a língua grega, afinal, nesta
sociedade eles já detinham a sua cultura muito enraizada. E a sociedade grega não
abarcava apenas a Grécia como FRITSCH aponta:
Não só a Grécia em si, como também para a Ásia Menor, o Egito e
Cirene. Até mesmo na antiga Magna Grécia, atual Sicília, depois da
conquista das cidades coloniais gregas, a língua grega ofereceu, até
a Idade Média, resistência ao latim, principalmente em algumas
regiões, como na Sicília Oriental. (FRITSCH, 19--?, p.123)

É importante considerar que essa língua trazida na bagagem dos soldados


durante o período de expansão do Império, não foi o latim clássico, mas sim o latim
que se desenvolvera nas castas mais baixas da sociedade, chamado de latim vulgar.
A princípio, o que existia era simplesmente o latim. Depois, o idioma
dos romanos se estiliza, transformando-se num instrumento literário.
Passa então a aprender dois aspectos que, com o correr do tempo, se
tornam cada vez mais distintos: o clássico e o vulgar. Não eram duas
línguas diferentes, mas dois aspectos da mesma língua. Um surgiu do
outro, como a árvore da semente. (COUTINHO, 1970, p 29)

O relação entre a língua e as diversas comunidades de uma mesma extensão


territorial, como afirma Botelho (2010), vão criando, de forma espontânea, seus modos
peculiares da língua, “[...] é natural que a linguagem dos romanos nas províncias
conquistadas se distanciasse da linguagem daqueles que mantinham um contato
direto e efetivo com Roma, que também evoluía muito rapidamente.”.
[...] certas características de uma dada língua românica se justificam
pela evolução motivada, que se dá por uma necessidade – uma lacuna
da língua sentida pelos seus usuários – ou pelo contato com outra(s)
língua(s), que provoca o aparecimento de uma novidade. (BOTELHO,
2010, p. 2474)

E este afastamento de Roma combinado a cultura local determinou diretamente


na criação das chamadas línguas neolatinas/românicas1 conhecidas hoje como:
português, romeno, galego, occitano, rético, espanhol, francês, italiano, catalão e o
dalmático (este, já extinto).
A história da língua latina, particularmente do latim vulgar, está
intimamente ligada à do Império Romano.[...] Crescendo com o
Império, decaiu com ele, mas não morreu: em situações geográficas e
em condições sociais, econômicas e culturais diferentes, do latim
vulgar, falado pelas populações deixadas pelo refluxo político de
Roma, nasceram às línguas românicas, que o perpetuam. (BASSETO,
2000. p.90)

É válido considerar que “os limites da românia atual não coincidem com as
fronteiras do império romano em sua fase de maior expansão” (ROCHA, 2018, 20:30)
pois apesar de Roma ter sido considerada “soberana de toda a bacia central e
ocidental do Mediterrâneo.” (FRITSCH, 19--?, p.123). Hoje dia falam-se as línguas em
lugares os quais o Império Romano jamais chegou, como na América Latina.
Durante o período de colonização do Brasil a língua portuguesa assim como o
latim, também foi uma ferramenta de imposição de cultura pois “quando aqui
aportaram os portugueses, há 500 anos, falavam-se no país, segundo estimativas de
Rodrigues (1993: 23), cerca de 1.078 línguas indígenas” (OLIVEIRA, 2009, n.p.).
Línguas indígenas essas que foram majoritariamente extintas, restando apenas
algumas contribuições na língua dos dominantes europeus, uma contribuição à língua
do colonizador também ocorreu durante a escravização dos africanos. “No século XVI

1 Denomina-se como as línguas que conservam vestígios indeléveis de sua filiação ao latim no

vocabulário, na morfologia e na sintaxe. (COUTINHO, p. 41)


foram trazidos para o Brasil 100 mil negros. Este número salta para 600 mil no século
XVII e 1,3 milhão no século XVIII” (GUIMARÃES, 2005, n.p.) tecendo assim uma
relação das línguas africanas dos escravos e a língua portuguesa.
Não só os índios foram vítimas da política lingüística dos Estados
lusitano e brasileiro: também os imigrantes - chegados principalmente
depois de 1850 - e seus descendentes passaram por violenta
repressão lingüística e cultural - já que a língua naturalmente é parte
da cultura. O Estado Novo (1937-1945), regime ditatorial instaurado
por Getúlio Vargas, marca o ponto alto da repressão às línguas
alóctones, através do processo que ficou conhecido como:
nacionalização do ensino e que pretendeu selar o destino das línguas
de imigração no Brasil, especialmente o do alemão e do italiano na
região colonial de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. Foi nesses
dois estados, nos quais a estrutura minifundiária e a colonização
homogênea de certas regiões garantiram condições adequadas para
a reprodução do alemão e do italiano, especialmente, que a repressão
lingüística, através do conceito jurídico de crime idiomático, inventado
pelo Estado Novo, atingiu sua maior dimensão. (OLIVEIRA, 2009, n.p.)

Ao contrário do que aconteceu no Império Romano, cujos povos dominados


acabaram aderindo ao latim por ser uma língua de prestígio, no Brasil, a língua
portuguesa foi imposta como a única língua que deveria ser falada no país, fazendo
com que a população, seja ela autóctone ou alóctone2, que não assim fizesse, fosse
punida.
[...] em 1942, as prisões aumentaram, passando, no município de
Blumenau, por exemplo, de 282 em 1941, em sua maioria por
ocorrências comuns, como embriaguez ou briga em bailes, para 861
no ano seguinte, das quais 271, isto é, 31,5%, pela única razão de se
ter falado uma língua estrangeira. Isto significou a prisão de 1,5% de
toda a população do município. (OLIVEIRA, 2000, n.p.)

Por fim, é válido considerar que o latim não foi imposto pelos dominadores
sobre os nativos o que acontecia era “a romanização de forma indireta sendo também
denominados de fatores da romanização” (JESUS, 2007, p. 2072). de forma que as
línguas oficiais mantiveram-se o latim e o grego e todos os documentos oficiais
articulados ao governo tinham obrigatoriamente de ser em língua latina, e o português
que já era a língua oficial do Estado utilizada “na administração da colônia”
(GUIMARÃES, 2000, n.p.) passa a ser a língua mais falada no Brasil, repetindo assim,
o ciclo de perpetuação da língua dos dominadores.

2 Autóctone: Natural do país em que habita e proveniente das raças que ali sempre habitaram;
aborígine, indígena.
Alóctone: Que não é originário do país onde habita.
(Dicionário Michaelis, disponível em: <https://michaelis.uol.com.br/> Acesso em: 19 nov 2019.
REFERÊNCIAS
BOTELHO, José Mario. Causas e consequências da dialetação da língua
latina: um pouco de história externa da Língua Portuguesa. In. Cadernos do
CNLF, Vol. XIV, Nº 4, t. 3. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2010.
ROCHA, Roosevelt. Latim aula 1 - história do latim e as línguas neolatinas.
2018. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Fjx4USJE6-c>. Acesso
em: 17 nov. 2019.
FRITSCH, Theodor. O latim vulgar, esboço histórico e linguístico. [19--?].
Revista da USP. Disponível em:
<http://www.revistas.usp.br/linguaeliteratura/article/view/115694/113222>. Acesso
em: 18/11/2019.
JESUS, Sérgio Nunes de. Contextualização histórica do léxico da língua
latina: (A constituição linguística e suas variantes formais). Maringá, 2009.
COUTINHO, Ismael de Lima. Gramática histórica. 6. ed. Rio de janeiro:
Sedegra, 1970.
BASSETO, Bruno Fregni. Elementos de filologia românica. 3. ed. São Paulo:
Edusp, 2000.
MARTINS, Maria Cristina. A língua latina: sua origem, variedades e
desdobramentos. Rio Grande do Sul: UFRGS, 2004.
GUIMARÃES, Eduardo. A língua portuguesa no Brasil. Cienc. Cult. [online].
2005, v.57, n.2. Disponível em:
<http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&%20pid=S0009-
67252005000200015&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 20 nov. 2019.
OLIVEIRA, Gilvan Müller de. Brasileiro fala português: monolinguíssimo e
preconceito linguístico. Revista Linguasagem, 11 ed, 2009. Disponível em:
http://files.professoraisis.webnode.com.br/200002405-
62146630ee/MITO%20MONOLINGUISMO%20GILVAN.pdf. Acesso em: 20 nov.
2019.

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