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Visão Geral do Transplante de Pulmão

O transplante de pulmão é uma potencial opção terapêutica para candidatos selecionados com
doença pulmonar avançada que esgotaram as outras intervenções terapêuticas, bem como
para aqueles cuja sobrevivência e/ou qualidade de vida são ameaçadas pela progressão da
doença. Embora o transplante de pulmão possa conferir benefícios substanciais aos
receptores, dados de registros mais recentes mostram que a sobrevida média após o
transplante é de 5,3 anos.1 Como resultado, os dados prognósticos disponíveis de potenciais
receptores na ausência de transplante pulmonar, os riscos do transplante e seus potenciais
benefícios em termos de sobrevida e qualidade de vida devem ser revistos em detalhes ao
considerar a busca por esta intervenção.

Indicações

As indicações para transplante englobam o espectro das doenças pulmonares, sendo que a
distribuição das indicações reflete a prevalência e a história natural das doenças [ver Fig. 1]. As
doenças que constituem indicações mais frequentes para transplante de pulmão são a doença
pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), a fibrose pulmonar intersticial (FPI), a fibrose cística (FC),
a hipertensão pulmonar primária (HPP) e o enfisema por deficiência de alfa1-antitripsina.
Outras indicações incluem doença pulmonar intersticial, sarcoidose, linfangioleiomiomatose,
histiocitose de células de Langerhans, bronquiectasia idiopática e síndrome de Eisenmenger.

O transplante de pulmão ainda é controverso para pacientes com doenças de tecido conectivo,
sendo incomum em pacientes com carcinoma celular broncoalveolar. A taxa de recorrência do
câncer celular broncoalveolar em receptores de transplante tem sido alta e a sobrevida de
cinco anos tem sido inferior à taxa de sobrevida associada a outras indicações.2,3 Em
contraste, um resultado aceitável tem sido relatado em receptores com esclerose múltipla
cuidadosamente selecionados.4

O transplante de pulmão deve ser considerado se um transplante bem-sucedido puder


melhorar a expectativa de vida e/ou a qualidade de vida do paciente. Estudos demonstraram
um vantagem de sobrevida com o transplante para FC, FPI, hipertensão arterial pulmonar
idiopática (HAPI) e DPOC.5-7 Entretanto, algumas análises negam o beneficio da sobrevida na
DPOC e na FC.8,9 A qualidade de vida é um resultado igualmente relevante e a possibilidade
de uma melhor sobrevida qualidade-ajustada serve de incentivo para muitos pacientes,
mesmo que a vantagem de sobrevida em si seja incerta.

Seleção e Avaliação do Candidato

Qualquer paciente com doença pulmonar em estágio terminal e sem outra disfunção orgânica
significativa deve ser considerado para avaliação como candidato ao transplante de pulmão. A
maioria dos programas de transplante de pulmão usa protocolos similares para avaliar os
candidatos ao transplante e selecionar potenciais receptores.10,11 Diretrizes de consenso
para seleção de receptores de órgãos foram publicadas pela International Society for Heart
and Lung Transplantation (ISHLT).12 A avaliação de um candidato a transplante envolve duas
etapas: (1) caracterização completa da doença pulmonar subjacente, para determinar a
gravidade da condição e estimar o prognóstico;e (2) avaliação completa de quaisquer
problemas médicos adicionais que possam afetar o resultado do transplante. Em geral, os
potenciais receptores de órgão devem ter uma doença pulmonar clínica e fisiologicamente
grave, bem como uma expectativa de vida limitada sem o transplante. Em adição, não podem
ter comorbidades que possam arriscar o êxito do procedimento. Há contraindicações
absolutas e relativas ao transplante [ver Tabela 1].

Idade, Condição Clínica e Comorbidades

As comorbidades médicas constituem fatores de risco à parte de resultados desfavoráveis em


receptores de transplante. Condições médicas comuns, incluindo doença cardiovascular,
hipertensão, diabetes mellitus, osteoporose e refluxo gastresofágico (RGE) devem ser
consideradas no processo de seleção. Coletivamente, estas condições podem impor um risco
proibitivo, mesmo com um manejo ótimo.

Em muitos centros, a idade isoladamente já não é considerada um fator de risco independente


no transplante de pulmão, embora seja avaliada no contexto de outras comorbidades. Apesar
disto, informações da ISHLT sugerem um risco de mortalidade aumentado para pacientes com
idade acima de 50 anos,1 e uma análise recente de dados disponíveis do United Network for
Organ Sharing (UNOS) sugere que os riscos associados ao transplante podem ser mais altos
para pacientes com idade acima de 70 anos.13 Portanto, a morbidade adicional dos
transplantes em pacientes de idade avançada deve ser considerada em cada caso, ao avaliar
pacientes como possíveis candidatos.

O estado funcional também deve ser avaliado durante o processo de avaliação de possíveis
candidatos. Muitos programas de transplante incorporam o teste da caminhada de seis
minutos em seus processos de avaliação.14 Estudos recentes sugerem que o estado funcional
preservado antes do transplante melhora a sobrevida do receptor tanto durante a lista de
espera15 quanto após o transplante.16

Pacientes com doença grave que dependem de ventilador geralmente apresentam escore de
alocação de pulmão (LAS, lung allocation score) muito alto, mas também são candidatos de
alto risco para transplantes. A dependência de ventilador tem sido descrita como fator de risco
de mortalidade em um ano, enquanto o confinamento na unidade de terapia intensiva e/ou a
necessidade de terapia inotrópica intravenosa no momento do transplante estão associados a
um alto risco relativo de morte durante o primeiro ano de pós-transplante.1 Apesar disto,
foram descritos resultados bem-sucedidos em receptores necessitados de ventilação
mecânica.

O estado nutricional também exerce papel importante nos resultados alcançados pelos
receptores de transplante de pulmão. Muitos pacientes com doença pulmonar avançada
sofrem perda de peso substancial como consequência do gasto energético aumentado, e
outras manifestações da doença, em particular na população com FC, podem agravar este
problema. Considerando o potencial para perda de peso durante o período peritransplante, a
desnutrição pode exercer impacto significativo sobre o sucesso transplante. No extremo
oposto do espectro, a obesidade constitui um fator de risco de muitos problemas de saúde
que podem ter consequência sobre a sobrevida ao transplante. Múltiplos estudos relataram
um aumento do risco de mortalidade pós-transplante em receptores obesos,1,19 sendo que a
desnutrição também foi identificada como fator associado a uma sobrevida diminuída após a
cirurgia.

A presença de arteriopatia coronariana (AC) moderada não necessariamente prenuncia


complicações cardiovasculares no momento do transplante.21 Uma abordagem
individualizada para avaliação e tratamento da AC deve ser usada durante o processo de
avaliação. Para candidatos com doença mais grave, a revascularização pode propiciar
resultados de pós-transplante comparáveis àqueles alcançados por receptores sem AC.

Tabela 1 Contraindicações ao transplante7


Contraindicações absolutas
Malignidade não curada
Disfunção significativa incurável de outro órgão vital
Infecção extrapulmonar incurável, incluindo as seguintes:
Hepatite B ou C crônica ativa
Infecção por HIV
Deformidade significativa da caixa torácica
Não aderência ao tratamento médico
Condições psicológicas ou psiquiátricas descontroladas
Suporte social inadequado
Tabagismo, dependência de álcool ou vício em outra substância
Contraindicações relativas
Idade > 65 anos
Condição médica grave e instável
Insuficiência respiratória com dependência de ventilador
Paciente não ambulante e com baixo potencial de reabilitação
Infecção altamente virulenta ou panresistente
Obesidade (IMC >30kg/m2)
Osteoporose grave ou sintomática
Refluxo gastroesofágico.

A prevalência do RGE tem sido muito alta entre os candidatos ao transplante de pulmão.23 O
RGE pode ser exacerbado após o transplante pulmonar.24 O RGE pós-transplante, tanto o
ácido quanto o não ácido, foi identificado como fator de risco de disfunção crônica de
enxerto.25 Muitos centros adotam uma abordagem agressiva para avaliar e tratar o RGE em
receptores de transplante de pulmão, inclusive considerando intervenção cirúrgica.26 O RGE é
uma consideração particular em casos de pacientes com esclerose sistêmica, que podem
apresentar dismotilidade esofágica em adição do RGE, como parte de sua condição.
Candidatos com escleroderma devem ser submetidos à avaliação manométrica esofagiana,
além da avaliação de refluxo, como parte da avaliação para possível candidatura ao
transplante.

Impacto de câncer antigo.

O impacto de um câncer antigo sobre o resultado do transplante de pulmão ainda não foi
estudado, mas este aspecto foi estudado no transplante renal.27 Entre os receptores de rim
que receberam tratamento para câncer antes do transplante, 22% desenvolveram recidiva
após o transplante renal e a maioria (53%) das recidivas ocorreu em receptores submetidos ao
transplante dentro de dois anos após a terapia contra o câncer. Assim, um atraso de pelo
menos dois anos entre o tratamento e o transplante parece ser prudente, enquanto que
períodos maiores são recomendados em casos de melanoma, câncer de mama e câncer
colorretal. O câncer de pele (celular basal e epidermoide) é a malignidade mais comum após o
transplante.28 Entre os resultados adversos de transplante associados a um câncer de pele
antigo, estão a recidiva, as metástases e a diminuição da qualidade de vida a partir de
numerosos cânceres de pele primários.29

Disfunção em órgão-alvo.

A disfunção em órgão-alvo pode ser afetada pelas medicações requeridas ao tratamento bem-
sucedido dos receptores de transplante de pulmão no período pós-transplante. Em particular,
os inibidores de calcineurina, como tacrolimo e ciclosporina podem acarretar nefrotoxicidade
cumulativa pós-transplante. A insuficiência renal de graus variáveis é comum após o
transplante de pulmão, sendo que alguns receptores eventualmente requerem alguma forma
de terapia de substituição renal.1 Em adição, a hepatotoxicidade pode ser vista associada com
as medicações imunossupressoras. Por fim, a manutenção das medicações no pós-transplante
pode induzir ou exacerbar o diabetes.

Hipertensão e hiperlipidemia.

Uma avaliação completa do estágio e o controle destas comorbidades devem ser realizados
antes do transplante, a fim de maximizar o benefício líquido do procedimento de transplante.

Infecção.

A exclusão de pacientes com hepatite B, hepatite C ou infecção pelo vírus da imunodeficiência


humana (HIV) atualmente é mais discutível, desde o advento das estratégias efetivas de
manejo destas condições. Uma avaliação dos dados do registro UNOS sugere que a
antigenemia está associada ao desenvolvimento de carcinoma hepatocelular após o
transplante de órgão-sólido.30 A hepatite viral (B ou C) ativa crônica e a infecção por HIV ainda
são consideradas contraindicações absolutas ao transplante pulmonar, segundo as diretrizes
da ISHLT. Entretanto, uma publicação recente sugere que o tratamento bem-sucedido da
hepatite antes do transplante pode permitir a obtenção de resultados aceitáveis após o
transplante de pulmão em candidatos selecionados.31 O transplante de fígado ou de rim tem
sido estendido a alguns pacientes com falência de órgão associada à infecção por HIV,32,33
contudo o transplante no contexto da infecção por HIV ainda é muito controverso.

Procedimentos torácicos prévios.

Procedimentos prévios de cirurgia torácica, pleurodese ou pleurectomia aumentam a


dificuldade técnica da remoção do pulmão nativo. Entretanto, este tipo de procedimento
geralmente não impede o transplante. Procedimentos mais complexos devem ser avaliados
individualmente.
Momento do Transplante

Considerações Gerais

Para todo paciente apropriado, o transplante deve ser previsto no tempo oportuno para
possibilitar que o paciente seja encaminhado, avaliado, incluído na lista de espera de órgão e
aguarde a disponibilidade de um doador de órgão. Apesar dos relatos de casos de
encaminhamento e avaliação emergenciais,34 a natureza complexa da avaliação e do processo
de orientação favorece o encaminhamento bastante antecipado da necessidade emergente
para a lista de espera. Durante a avaliação do paciente, é possível identificar questões médicas
que precisam ser solucionadas antes da realização do transplante. Em média, o tempo de
espera por um órgão dependerá do LAS do paciente, da disponibilidade de doador e de
quaisquer considerações especiais.

O sistema LAS foi introduzido em 2005 e substituiu o sistema anterior de priorização de lista de
espera, que se baseava no tempo acumulado, com o objetivo de diminuir a mortalidade na
lista de espera e melhorar a sobrevida pós-transplante.35 Evidências iniciais sugerem que as
taxas de sobrevida em 90 dias são comparáveis e as taxas de sobrevida em um ano são
comparáveis ou discretamente melhores do que aquelas observadas com o antigo
sistema,36,37 embora a mortalidade pós-transplante aumente com o aumento do LAS.38

Diretrizes Doença-Específicas

As diretrizes doença-específicas para o encaminhamento do paciente no momento oportuno


para o transplante e o próprio procedimento em si foram promulgadas pela ISHLT [ver Tabela
2].12 Estas diretrizes são baseadas primariamente em comparações feitas entre a sobrevida
após o transplante de pulmão e o prognóstico das doenças subjacentes.

Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica

Diversos fatores fisiológicos e clínicos influenciam o prognóstico dos pacientes com DPOC. Um
sistema de gradação para predição do risco de morte é o índice BODE, que integra o índice de
massa corporal, a obstrução do fluxo de ar, a dispneia e a capacidade de exercício.39 Do ponto
de vista estatístico, o transplante confere uma vantagem de sobrevida para pacientes com
índice BODE maior ou igual a 7, porém o encaminhamento de pacientes com índice BODE igual
a 5-6 é razoável. As implicações de prognóstico adverso da hipertensão pulmonar secundária,
das exacerbações com hipercapnia e do enfisema muito grave (volume expiratório forçado em
1 segundo [VEF1] <20% com capacidade de difusão pulmonar por monóxido de carbono
[DLco], <20%) não devem ser negligenciadas, seja qual for o índice BODE.

Fibrose Cística

Muitos fatores com conotações prognósticas foram identificados em pacientes com FC [ver
Tabela 3].40-42 Embora a doença associada a uma VEF1 <30% do previsto seja muitas vezes
considerada avançada o bastante para justificar a consideração de um transplante de
pulmão,42 o curso clínico da FC é variável e nenhum critério isolado (como a VEF1) nem
modelo de risco mais complexo envolvendo múltiplas variáveis podem identificar com certeza
os pacientes que serão beneficiados pelo transplante.
A infecção pré-transplante—sobretudo por um organismo particularmente virulento,
resistente a antibiótico ou é difícil de tratar—constitui uma preocupação especial no
transplante de pulmão para FC. Embora os pulmões nativos sejam removidos, organismos
naturais abrigados nas vias respiratórias mais proximais e nos seios são fonte de broquite e
pneumonia após o transplante. A infecção por Pseudomonas aeruginosa multi-resistente não
tem afetado de modo adverso o resultado do transplante.43 Por outro lado, a infecção pelo
complexo Burkholderia cepacia e, em particular, por Burkholderia cenocepacia tem sido
associada à mortalidade excessiva após o transplante,44 embora pesquisas recentes tenham
sugerido que cepas distintas de B. cenocepacia podem conferir riscos de mortalidade
variável.45 A colonização por espécies de Aspergillus geralmente pode ser monitorada ou
controlada de forma efetiva, contudo a infecção por micobactéria não tuberculosa é
potencialmente mais problemática. As diretrizes de consenso da ISHLT aprovam uma
abordagem individualizada para o manejo de pacientes com infecção pré-transplante. As
práticas variam bastante entre os centros de transplante

Fibrose Pulmonar Idiopática

Esforços recentes para melhor caracterizar as pneumonias intersticiais idiopáticas têm


implicações prognósticas e terapêuticas importantes.46 A distinção entre FPI e outras doenças
intersticiais é importante para determinar as estratégias de manejo apropriadas, incluindo a
hora certa de encaminhar o paciente para considerações de transplante de pulmão. Vários
parâmetros-chave clínicos, radiográficos e fisiológicos podem ser sintetizados em um escore
que seja preditivo da sobrevida.47

O tratamento farmacológico da FPI tem sido desapontador. Seja qual for a terapia, o curso
clínico é variável. O teste de caminhada de seis minutos e as medidas seriadas de espirometria
e oxigenação durante o seguimento podem sugerir o resultado.48-50 Exemplificando, um
decréscimo da capacidade vital forçada (CVF) superior a 10% por 6-12 meses está associado a
um prognóstico ruim.48 No entanto, até mesmo na doença leve a moderada, a deterioração
aguda pode ser fatal.51 Do ponto de vista histórico, pacientes com FPI apresentam a maior
mortalidade dentre todos os pacientes que aguardam um transplante de pulmão, embora isto
tenha mudado na era do LAS. Desta forma, recomenda-se adotar um baixo limiar de
encaminhamento para transplante, sendo que o encaminhamento para um centro de
transplante deve ser considerado no momento do diagnóstico.

Hipertensão Arterial Pulmonar Idiopática

Ao longo da última década, a terapia farmacológica para HAPI sofreu mudanças drásticas. Em
adição a um espectro expandido de terapia farmacológica, o transplante de pulmão tem sido
usado com sucesso em pacientes com HAPI, tendo sido proposta a adoção de algoritmos para
integração do transplante pulmonar à estratégia de tratamento de pacientes com esta
condição.52-54 A terapia farmacológica pode retardar a necessidade de transplante em muitos
pacientes, bem como preveni-la indefinidamente em outros. Contudo, quando há
desenvolvimento de insuficiência cardíaca de lado direito refratária enquanto o paciente está
sob regime farmacológico máximo, muitas vezes pouco se pode fazer para restaurar o estado
cardiopulmonar e, como consequência, um paciente previamente apropriado para ser
candidato ao transplante pode se tornar um paciente de alto risco ou inaceitável como
candidato.

Os agentes vasodilatadores, incluindo óxido nítrico, adenosina e epoprostenol, estão entre os


fármacos usados no tratamento da HAPI. Uma resposta é definida como uma diminuição da
pressão arterial pulmonar de pelo menos 10 mmHg, para um valor inferior a 40 mmHg, com
débito cardíaco aumentado ou inalterado e pressão arterial sistêmica minimamente reduzida
ou inalterada. Entre os pacientes com HAPI, o epoprostenol tem sido o vasodilatador usado
com maior frequência.

Antes do transplante, praticamente todos os pacientes são tratados com um derivado de


prostaciclina intravenoso (p. ex., epoprostenol ou trepostinil) combinado com outros agentes,
como bosentan ou sildenafil. Cerca de 25% dos pacientes com HAPI falham em responder e
não melhoram com o tratamento com epoprostenol. Os pacientes que permanecem nos níveis
III ou IV da classificação funcional da New York Heart Association durante o tratamento com
epoprostenol apresentam taxas de sobrevida em três anos na faixa de 30-60%.55,56 Estes
pacientes devem seguir rumo ao transplante. Embora o sistema LAS tenha melhorado as
chances de transplante para os pacientes com hipertensão pulmonar que aguardam um
doador compatível, a mortalidade na lista de espera entre estes pacientes ainda é mais alta do
que entre os potenciais receptores com outras doenças.57 Este fato deve ser considerado ao
determinar o momento certo para fazer o encaminhamento.

Exames não invasivos podem ajudar a prever quais pacientes com HAPI deverão ser
encaminhados para transplante. O teste de caminhada de seis minutos, que determina a
distância máxima que o paciente consegue caminhar neste período, é adequado até mesmo
para pacientes com insuficiência cardíaca e intolerantes ao teste de exercício máximo. Em um
estudo envolvendo 43 pacientes com HAPI, uma distância de caminhada em seis minutos
inferior a 332 m prenunciou uma mortalidade em um ano de aproximadamente 40%.58 Em
outra análise, constatou-se que o pico da captação de oxigênio e o pico da pressão arterial
sistêmica eram fatores preditivos independentes e fortes da sobrevida dos pacientes com
HAPI. Especificamente, um pico de captação de oxigênio inferior a 10,4 mL/kg/min e um pico
de pressão arterial sistólica sistêmica =120 mmHg estavam associados a uma mortalidade em
um ano aproximada de 50 e 70%, respectivamente.59 Os níveis plasmáticos de peptídeo
natriurético cerebral (BNP) são um biomarcador que aumenta de modo proporcional ao grau
de disfunção ventricular direita,60 e suas medidas seriadas em geral são paralelas à tendência
seguida por outros parâmetros essenciais. Em um relato, o BNP atuou como fator preditivo
independente de morte, com o aumento de BNP mostrando associação forte e independente
com a mortalidade.

Doadores de Órgão e Compatibilidade Doador-Receptor

Todos os transplantes de órgão sólido são afetados pela limitada disponibilidade de doadores
de órgãos. Atualmente, os doadores de órgãos para transplante de pulmão são procurados a
partir de três fontes: doadores com morte cerebral (cadáveres), doadores sem batimento
cardíaco, cujos órgãos tenham sido retirados após a morte, e doadores vivos. Ainda existem
numerosas barreiras ao xenotransplante.
Doadores com Morte Cerebral

Os doadores com morte cerebral são a fonte primária de pulmões para transplante. Nos
Estados Unidos, o relato oportuno de todos os potenciais doadores é obrigatório por lei. Uma
vez identificado um doador conveniente, é necessário estabelecer sua morte cerebral em
conformidade com critérios legais e institucionais. O pedido de doação de órgão deve ser
coordenado por um representante treinado, em geral da organização de aquisição de órgãos
(OPO, organ procurement organization) local. A morte cerebral é acompanhada de várias
perturbações fisiológicas e a assistência de suporte intensiva se faz necessária para
manutenção da homeostasia e preservação dos órgãos vitais. Existem diretrizes disponíveis
para manejo de doadores de múltiplos órgãos e aquisição.62,63

Os protocolos de manejo ventilatório, liberação broncoscópica de vias respiratórias e


monitoramento hemodinâmico são projetados para otimizar a recuperação dos pulmões para
o transplante.64,65 A terapia hormonal, que tem sido usada com sucesso em doadores de rim
e de coração para preservação dos órgãos, pode ter aplicação também para os doadores de
pulmão.66

Os critérios para identificação de um doador ideal incorporam vários parâmetros clínicos e


fisiológicos [ver Tabela 4].67 Os critérios foram desenvolvidos primariamente com base no
julgamento clínico, e o valor relativo ou absoluto de cada critérios não está completamente
estabelecido. Em comparação com outros órgãos sólidos, o índice de sucesso da aquisição a
partir dos doadores disponíveis ainda é baixo [ver Fig. 2]. Considerando isto, e depois de
acessar a literatura disponível que sugere o não comprometimento dos resultados de
sobrevida com a procura de pulmões a partir de doadores selecionados por critérios
estendidos,68 embora a morbidade aumente em muitos casos,69 numerosos centros
liberalizaram substancialmente seus critérios para doadores.1,70

Doadores sem Batimento Cardíaco

Embora o interesse em doadores sem batimento cardíaco tenha aumentado,71 a


disponibilidade ainda é problemática.1 Mesmo assim, resultados satisfatórios têm sido
alcançados com pulmões recuperados de doadores sem batimento cardíaco.72 Os avanços das
técnicas de preservação e avaliação podem possibilitar o uso expandido dos pulmões
adquiridos a partir deste pool de doadores, em um futuro próximo.

Doadores Vivos

O transplante pulmonar lobar a partir de doador vivo, que foi desenvolvido como
procedimento destinado a pacientes adultos e pediátricos considerados doentes demais para
aguardar o transplante de órgão de cadáver, tem sido feito com sucesso.73 Por outro lado, o
número anual de transplantes de pulmão de doadores vivos realizados nos Estados Unidos tem
declinado substancialmente na era do LAS, com os candidatos mais doentes na lista de espera
tendo prioridade para o transplante de pulmão.
Tabela 4 Critérios para doador
Critérios para o doador ideal
Idade <55 anos
Radiografia torácica limpa
PO2 >300 mmHg (FiO2 = 1,0; PEEP = 5 cmH2O)
História de tabagismo <20 maços-anos
Ausência de evidência clínica de aspiração ou sepse
Inspeção broncoscópica negativa para secreção purulenta ou material
aspirado
Aspirado traqueal ou lavado bronquial negativo para organismos
Ausência de traumatismo torácico
Sem história de cirurgia cardiotorácica prévia
Critérios para doador estendidos sugeridos
Idade <65 anos
Ausência de comprometimentos comprovados após tabagismo >20 maços-
anos
Ausência de destruição parenquimal após traumatismo torácico
Infiltração unilateral, aspiração, traumatismo, considerar o uso de pulmão
contralateral
Oxigenação arterial diminuída, considerar avaliação de potencial causa não
pulmonar
Manejo de doador ativo
Compatibilidade Doador-Receptor

Doador e receptor devem ser compatíveis quanto ao grupo sanguíneo ABO e quanto ao
tamanho. A compatibilidade de tamanho é medida primariamente através da altura corporal,
que é o principal determinante do volume do pulmão. Entretanto, o volume torácico é algo
flexível, permitindo certas diferenças de altura. Se a doença subjacente alterar
substancialmente o volume torácico do paciente, a escolha do doador pode ser ajustada de
acordo, ou os pulmões doados podem ter o tamanho cirurgicamente reduzido, caso sejam
grandes demais.

A compatibilização do antígeno leucocitário humano (HLA) entre doador e receptor não é


prática padrão. Entretanto, os potenciais receptores passam por triagem de anticorpos anti-
HLA durante a avaliação pré-transplante e, se estes anticorpos estiverem presentes, os
doadores com antígenos HLA correspondentes e com reatividade cruzada devem ser evitados,
a fim de prevenir a rejeição hiperaguda

Procedimentos de Transplante

A avaliação e a recuperação dos pulmões a partir do doador devem ser coordenadas com a
operação do receptor. O receptor é preparado para a cirurgia e uma equipe cirúrgica é
despachada para recuperar os pulmões do doador. Entretanto, a operação do receptor
somente se inicia depois que o pulmão doado tiver sido inspecionado e aprovado pela equipe
de recuperação. Enquanto os pulmões do doador estão sendo obtidos e enviados ao centro de
transplante, a operação do receptor vai sendo conduzida. Esta coordenação de tempos
minimiza a potencial lesão isquêmica aos pulmões doados.
Três procedimentos de transplante são comumente realizados: transplante de pulmão único
(TPU), transplante de pulmão bilateral (TPB) e transplante de coração-pulmão. Os detalhes das
cirurgias de transplante são disponibilizados em outras revisões.

Resultados do Transplante

As taxas de sobrevida de pacientes submetidos ao transplante de pulmão são menores do que


as taxas de sobrevida dos receptores de transplantes de rim, fígado e coração [ver Fig. 4]. A
explicação para as taxas de sobrevida menores pode estar no fato de o pulmão, diferente dos
outros órgãos, estar exposto a agentes infecciosos potencialmente prejudiciais e outros
estímulos inflamatórios presentes no ambiente. A expectativa de vida após o transplante de
pulmão tem sido limitada primariamente pela rejeição crônica e pela infecção.

Sistema de Transplante

As organizações de transplante e as políticas de alocação de órgãos são influenciadas por


fatores médicos, éticos, geográficos e políticos. Por estes motivos, os sistemas de transplante
variam de país para país. Nos Estados Unidos, o sistema de transplante tem três componentes
principais: UNOS, OPOs e centros de transplante. A UNOS é uma organização não
governamental que opera a Organ Procurement and Transplantation Network (OPTN)
nacional. A UNOS desenvolve e implementa políticas e procedimentos de consenso que
regulam a alocação de órgãos, bem como estabelece qualificações para os centros de
transplante, médicos de transplante e cirurgiões de transplante. As OPOs são agencias não
governamentais que coordenam a aquisição de órgãos a partir de doadores incluídos em suas
áreas geográficas de serviço, alocam os órgãos conforme as diretrizes da UNOS e facilitam a
distribuição dos órgãos adquiridos. Atualmente, existem 58 OPOs nos Estados Unidos, as quais
variam quanto ao tamanho geográfico, população e eficiência da aquisição de órgãos.

Em 2009, o transplante de pulmão era realizado em 62 centros nos EUA. Contudo, o volume de
transplantes entre os centros variava amplamente, indo de mais de 100 transplantes em
alguns centros a menos de 10 em outros.74 Informações sobre transplante de pulmão e sobre
as organizações do sistema de transplantes são disponibilizadas na Internet [ver Barra Lateral,
Registros e fontes sobre transplante na Internet].

Medicações Imunossupressoras
A tolerância ao aloenxerto continua sendo a meta de todos os procedimentos de transplante.
Entretanto, a acomodação do aloenxerto atualmente requer terapia imunossupressora de
longa duração. Os fármacos imunossupressores, seus mecanismos de ação e seus principais
efeitos colaterais nos receptores de transplante foram revisados79 e são discutidos em outro
texto. As principais classes de fármacos incluem corticosteroides, antagonistas da síntese de
purina (p. ex., azatioprina e derivados de ácido micofenólico), inibidores de calcineurina (p. ex.,
ciclosporina e tacrolimo), inibidores de alvo-de-ripamicina (p. ex., sirolimo) e varias
preparações de anticorpos mono- e policlonais dirigidos contra as células T.

Estratégias Imunossupressoras
A imunossupressão induzida é uma terapia intensiva administrada no momento do transplante
para prevenir a rejeição inicial, enquanto o regime farmacológico de manutenção é
implementado e ajustado. Outra meta de alguns protocolos de indução é promover um estado
de maior tolerância após o transplante. Entretanto, a regra geral da terapia induzida no
transplante pulmonar ainda é controversa.80 No período de 2002-2009, somente 50-55% dos
receptores de pulmão receberam algum tipo de terapia induzida. Em adição, houve uma
tendência ao afastamento do uso de anticorpos policlonais antilinfócito (p. ex., globulina
antilinfócito e globulina antitimócito) para intensificar o uso de antagonistas de receptor de
interleucina-2 (p. ex., basiliximabe e daclizumabe).1 O impacto da terapia induzida sobre os
resultados a longo prazo é indeterminado. Entretanto, alguns estudos sugerem um pequeno
efeito favorável.81 O regime imunossupressor de manutenção tipicamente consiste em três
fármacos—a saber, um inibidor de calcineurina, um antagonista de síntese de purina e um
corticosteroide. Todavia, não há consenso quanto à combinação ideal de fármacos específicos.
Estudos menores sugerem que o tacrolimo pode ser superior aos agentes alternativos da
mesma classe, em termos de prevenção dos episódios de rejeição.82 O tacrolimo mais
micofenolato de mofetil era a combinação mais amplamente usada nos registros da ISHLT,
sendo que este par está associado ao menor índice de rejeição no primeiro ano de pós-
transplante.1 Outras combinações são usadas com frequência e produzem resultados
satisfatórios. Tanto a ciclosporina como o tacrolimo são metabolizados pelas vias hepáticas do
citocromo P-450 e sua depuração pode ser alterada, às vezes drasticamente, por outras
medicações promotoras ou inibidoras das enzimas P-450. Desta forma, as potenciais
interações farmacológicas com inibidores de calcineurina devem ser sempre consideradas
quando outras medicações são adicionadas ou removidas do regime, e os níveis sanguíneos de
ciclosporina ou tacrolimo devem ser monitorados.

As atuais estratégias imunossupressoras têm várias limitações. Exemplificando, os fármacos


usados são imunossupressores inespecíficos e, ao mesmo tempo em que diminuem o risco de
rejeição, aumentam o risco de infecção e neoplasia. Em adição, a regulação do regime
imunossupressor tem a desvantagem da falta de monitoramento imunológico clinicamente
aplicável, sendo que os pontos de término padrão para rejeição, como as provas de função
pulmonar ou biópsias transbrônquicas, estão bem adiante da resposta imune primária.
Portanto, não é possível ajustar nem individualizar os regimes com precisão. Por fim, a janela
terapêutica é relativamente estreita para os inibidores de calcineurina, que constituem a
estrutura central dos regimes atuais, sendo que a ciclosporina e o tacrolimo apresentam
toxicidade e efeitos colaterais significativos.

Resultados do Transplante

Os resultados podem ser medidos por sobrevida, função fisiológica, qualidade de vida e custo-
efetividade.

Sobrevida

As estatísticas de sobrevida são publicadas anualmente pelos principais registros (p. ex.,
Scientific Registry of Transplant Recipients, registros da ISHLT [ver Barra Lateral, Registros e
fontes sobre transplante na Internet] [ver Fig. 4]). A referência para taxas de sobrevida geral a
partir dos registros da IAHLT para quase 25 mil receptores de transplante de pulmão, no
período de 1994-2008, foi 88% em três meses; 79% em um ano; 52% em cinco anos; e 29% em
dez anos.1 Estes dados também mostram uma sobrevida melhorada por eras sucessivas de
transplante. Neste conjunto de dados não controlados, a sobrevida era significativamente
melhor após o TPB do que após o TPU e este achado foi mais pronunciado para os pacientes
com doença pulmonar obstrutiva. Entretanto, os aspectos confusos não puderam ser avaliados
nestes registros de dados. A sobrevida também foi afetada pela idade do receptor e por sua
condição clínica no momento do transplante. As taxas de sobrevida foram mais altas para os
receptores com menos de 49 anos, e mais baixas para os receptores com mais de 66 anos. Os
fatores que aumentaram significativamente o risco de morte durante o primeiro ano de
transplante incluíam internação, suporte de ventilação mecânica e administração de fármacos
inotrópicos para correção de comprometimento hemodinâmico.

A estratificação inicial da sobrevida está primariamente relacionada à complexidade e à


mortalidade perioperatória da cirurgia de transplante para várias doenças.
Subsequentemente, o índice de desgaste entre os grupos diagnósticos é comparável, porque
as mortes mais tardias são causadas principalmente por complicações do transplante em si e
não por problemas associados com o diagnóstico pré-transplante.

http://www.medicinanet.com.br/m/conteudos/acp-
medicine/6404/transplante_de_pulmao.htm

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