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ISSN 1678-3778

REVISTA DIALÉTICA DE
DIREITO PROCESSUAL
(RDDP)
Repositório autorizado de jurisprudência dos seguintes tribunais:
-
do Supremo Tribunal Federal (Despacho do Exmo. Sr. Presidente no Processo
n° 318.189, publicado no DJU 1 de 8 de novembro de 2004, página 1; inscrição sob
n° 035-04, em 9 de novembro de 2004, conforme Ofício n° 074-SDO/2004);
-
do Superior Tribunal de Justiça (sob n° 54 Portaria n° 1, de 30 dejunho de 2003,
-

do Exmo. Sr. Ministro Diretor da Revista do STJ, publicada no DJU 1 de 7 de julho de


2003, página 51);
-
do Tribunal Regional Federal da ia Região (Portaria COJUD n° 3, de 30 de junho
de 2003, do Exmo. Sr. Juiz Diretor da Revista do TRF da ia Região, publicada no DJU
2 de 3 dejulho de 2003, página 2);
-
do Tribunal Regional Federal da 2 Região (Processo n° 97.02.16454-0, autuado
em 30 de maio de 1997, julgado em 5 de junho de i997; Ofício 920/2003-PRES e Pro
tocolo 591/06/2003-ADM);
-
do Tribunal Regional Federal da 4 Região (Portaria EMAGIS n° 8, de 20 de ju
nho de 2003, da Exma. Sra. Desembargadora Federal Diretora da Escola da Magistratu
ra do TRF da 4 Região, publicada no DJU 2 de 27 de junho de 2003, página 489); e
-
do Tribunal Regional Federal da a Região, sob n° 7 (Despacho do Exmo. Sr. Juiz
Diretor da Revista do TRF da a Região, publicado no DIU 2 de 24 de julho de 2003,
página 88).

ENIQ
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BM&Aj
ABRIL-2014
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Revista Dialética de Direito Processual n 15

abstrato - predisposto pelo legislador se revelar inapto à tutelar, com a indispensá


-
A Cessão Fiduciária de Créditos no Direito Falimentar:
vel efetividade ou eficiência, o direito material
.
14
Evolução Normativa e Engenharia Jurisprudencial
7. Conclusão César Augusto Di Natale Nobre
Neste breve estudo, buscou-se demonstrar que, além dos tradicionais deveres Mestre em Direito do Estado pela PUC/SP. Advogado e Professor Universitário em São Paulo.
que impõe aojuiz e às partes, o dever-poder de cooperação exige a flexibilização do
procedimento pelo juiz e pelas partes todas as vezes em que o rito abstrato for me-
ficiente ou ineficaz à tutela do direito materiaL 1. Introdução
1.1. A cessãofiduciária de créditos :

Cessão fiduciária é uma modalidade de garantia pela


qual o devedor-cedente transfere ao credor-cessionário a ti-
tularidade de direitos crediticios ate a liquidação da divida
Assim o credor-cessionario passa a receber os creditos cedi
dos diretamente dos devedores e apos deduzidas as despesas
de cobrança e administração, credita o produto da operação
para o devedor-cedente na operação que originou a cessão
fiduciária, até a sua liquidação.
Sobre o assunto, importa relatar o que determina a Lei 9.514, de 10 de novembro
de 1997, que dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário. Já em seu art.
30,
estabelece que as companhias securitizadoras de créditos imobiliários, institui-
ções não financeiras constituídas sob a forma de sociedade por ações, terão por fi
nalidade a aquisição e securitização desses créditos e a emissão e colocação, no
mercado financeiro, de Certificados de Recebíveis Imobiliários, podendo emitir
outros títulos de crédito, realizar negócios e prestar serviços compatíveis com as
suas atividades. O parágrafo único preconiza que o Conselho Monetário Nacional
- CMN poderá fixar condições para o funcionamento das companhias de que trata
este artigo.
Sendo assim, vale citar a Resolução 3.399/2006 do CMN, que dispõe sobre a
captação e a realização de depósitos financeiros, e, em seu art. 4°, diz:
“Os depósitos interfinanceiros podem ser efetuados com garantia, limitada a: 1 pe -

nhor de direitos creditórios; II - alienação fiduciária de coisa fungível e cessão fidu


ciária de direitos sobre coisas móveis, bem como de títulos de crédito, que trata o art.
66-B da Lei 4.728, de 14 de julho de 1965, introduzido pelo art. 55 da Lei 10.931, de
2 de agosto de 2004.”
Tal disposição afirma expressamente a cessão fiduciária como modalidade de
garantia.
Ademais, no teor da Lei 9.514/1997, o art. 9° determina que a companhia se-
curitizadora poderá instituir regime fiduciário sobre créditos imobiliários, a fim de
lastrear a emissão de Certificados de Recebíveis Imobiliários, sendo agente fiduciá
14
“Essa adaptação do procedimento em nada frustra os princípios constitucionais do processo, tampouco e especial-
rio uma instituição financeira ou companhia autorizada para esse fim pelo Bacen e
mente o do contraditório, pois se pode pensar mais em colaboração ou cooperação entre as partes do que em em- beneficiários os adquirentes dos títulos lastreados nos recebíveis objeto desse regi-
bate processual, visto o processo como meio de solução de controvérsias e não de litígios, cujo interesse na resolu me. Desta forma, ressalta-se que o regime fiduciário será instituído mediante decla
ção não reside apenas no âmbito privado, das partes, mas tem no Estado também um de seus principais interessados,
no sentido de afirmação da autoridade da Jurisdição e de real solução das controvérsias surgidas entre cidadãos e ração unilateral da companhia securitizadora no contexto do Termo de Securitiza
não adversários. (...) As mudanças feitas desse modo, pelo menos em nosso sentir, não ofenderiam, em momento ção de Créditos, que, além de outras condições, deverá submeter-se à constituição
algum, as garantias constitucionais do processo, ao contrário, fariam valer talvez a mais fundamental delas, a do de patrimônio separado, integrado pela totalidade dos créditos submetidos ao regi-
acesso efetivo à Jurisdição.” (BALEOTTI, Francisco Emilio. “Poderes do juiz na adaptação do procedimento”. Re
vista de Processo V. 213. São Paulo: RT, novembro de 2012, pp. 389-402) me fiduciário que lastreiem a emissão.
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posição de proprietáriofiduciário de bens mó-


o art. 1 1 define que os créditos objeto do regime fiduciário constituem patrimô § Tratando-se de credor titular da
30

veis OU imóveis, de arrend ador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de


fio separado, que não se confunde com o da companhia securitizadora. Determi irre
nante para a pesquisa em questão, não são passíveis de constituição de garantias ou imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou
ou de proprie tário em con
de excussão por quaisquer dos credores da companhia securitizadora, por mais pri tratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias,
seu crédito não se submeterá aos efeitos da
trato de venda com reserva de domínio,
vilegiados que sejam. cerão os direitos de proprie dade sobre a coisa e as
recuperação judicial e prevale
Em relação às garantias, o art. 17 diz que as operações de financiamento imo observada a legislação respectiva, não se permitindo, contu
condições contratuais,
biliário em geral poderão ser garantidas por cessão fiduciária de direitos creditórios do, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4° do art. 6° desta Lei,
a venda
decorrentes de contratos de alienação de imóveis. O parágrafo 1° afirma que tal ou a retirad a do estabelecime nto do devedor dos bens de capital essenciais a sua
garantia deste artigo constitui direito real sobre os respectivos objetos. atividade empresarial.
Cabe ressaltar que, no que tange aos direitos do credor fiduciário, este pode a importância a que se refere
§ Não se sujeitará aos efeitos da recuperação judicial
40

conservar e recuperar a posse dos tftulos representativos dos créditos cedidos, con o inciso II do art. 86 desta Lei.
tra qualquer detentor, inclusive o próprio cedente; promover a intimação dos deve- §
50
Tratando-se de crédito garantido por penhor sobre tftulos de crédito, direitos
dores que não paguem ao cedente, enquanto durar a cessão fiduciária; usar das creditórios, aplicações financeiras ou valores mobiliários, poderão ser substituídas ou
ações, recursos e execuções, judiciais e extrajudiciais, para receber os créditos ce renovadas as garantias liquidadas ou vencidas durante a recuperação judicial e, en
didos e exercer os demais direitos conferidos ao cedente no contrato de alienação do quanto não renovadas ou substituídas, o valor eventualmente recebido em pagamento
imóvel; receber diretamente dos devedores os créditos cedidos fiduciariamente. das garantias permanecerá em conta vinculada durante o período de suspensão de que
Para garantir a consecução deste último, as importâncias recebidas, depois de trata o § 4° do art. 6° desta Lei.”
deduzidas as despesas de cobrança e de administração, serão creditadas ao devedor Trata-se de questão central do presente estudo. De acordo com o mesmo Profes
cedente, na operação objeto da cessão fiduciária, até final liquidação da dívida e sor:
encargos, responsabilizando-se o credor fiduciário perante o cedente, como deposi se a incorporadora que realizou o contrato de financiamento, ao ceder os créditos
“(...)
tário, pelo que receber além do que este lhe devia. Ademais, se tais importâncias desses contratos para a securitizadora oferecer outros em garantia por meio da cessão
recebidas, não bastarem para o pagamento integral da dívida e seus encargos, bem fiduciária, esses estarão blindados de uma possível insolvência da incorporadora; o
risco de inadimplência é novamente mitigado com essa garantia que não poderá ser
como das despesas de cobrança e de administração daqueles créditos. o devedor
envolvida na massa falida ou no processo de recuperação, no caso de uma eventual
continuará obrigado a resgatar o saldo remanescente nas condições convencionadas quebra da empresa que cedeu os créditos que deram origem aos CRIs.”
2
no contrato.
Cabe ressaltar dispositivo legislativo que versa sobre a questão, sendo o art.
Fundamentalmente, cumpre destacar o art. 20, o qual preconiza:
“Art. 20. Na hipótese de falência dodevedor cedente e se não tiver havido a tradição
66-B da Lei 4.728/1964:
“Art. 66-B. O contrato de alienação fiduciária celebrado no âmbito do mercado finan
dos títulos representativos dos créditos cedidos fiduciariamente, ficará assegurada ao
ceiro e de capitais, bem como em garantia de créditos fiscais e previdenciários, deve-
cessionário fiduciário a restituição na forma da legislação pertinente.”
rá conter, além dos requisitos definidos na Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002 -

Dessa forma, cabe discorrer sobre as características práticas de tal modalidade.


Para o advogado e coordenador do curso “LLM em Direito do Mercado Financeiro”
do Ibmec-SP Valdir Carlos Pereira Filho :
1
“(. . .) a figura da cessão fiduciária é extremamente interessante, porque, com a nova
1 Código Civil, a taxa de juros, a cláusula penal, o índice de atualização monetária, se
houver, e as demais comissões e encargos.
§ l Se a coisa objeto de propriedade fiduciária não se identifica
e sinais no contrato de alienação fiduciária, cabe ao proprietário
por números, marcas
fiduciário o ônus da
Lei de Recuperação Judicial e de Falências, mais especificamente o artigo 49, os con prova, contra terceiros, da identificação dos bens do seu domínio que se encontram
tratos envolvidos nessa garantia estão protegidos e apartados de uma situação de fa em poder do devedor.
lência ou recuperação judicial do devedor.” que já alienara fidu
1 § 2° O devedor que alienar, ou der em garantia a terceiros, coisa
o citado art. 49 da Lei 11.101/2005 dispõe: ciariamente em garantia, ficará sujeito à pena prevista no art. 171, § 2°, 1, do Código
“Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do Penal.
e a cessãofiduciária de di-
pedido, ainda que não vencidos. § E admitida a alienaçãofiduciária de coisafungível
30

§ l Os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privi reitos sobre coisas móveis, bem como de títulos de crédito, hipóteses em que, salvo
légios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso. disposição em contrário, a posse direta e indireta do bem objeto da propriedade fi
§ 2° As obrigações anteriores à recuperação judicial observarão as condições origi duciári a ou do título representativ o do direito ou do crédito é atribuí da ao credor,
nalmente contratadas ou definidas em lei, inclusive no que diz respeito aos encargos, que, em caso de inadimplemento ou mora da obrigação garantida, poderá vender a
salvo se de modo diverso ficar estabelecido no plano de recuperação judicial. terceiros o bem objeto da propriedadefid uciária independente de leilão, hasta públi

1
www.bovespa.com.br. 2
www.bovespa.com.br.
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1r Revista Dialética de Direito Processual n° 133 19

ca ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, devendo aplicar o preço da É nesse momento que entra a afirmação de Rachei Sztajn
:
4
venda no pagamento do seu crédito e das despesas decorrentes da realização da “Agora a regra é que as obrigações anteriores à recuperação observarão as condições
garantia, entregando ao devedor o saldo, se houver acompanhado do demonstrativo originalmente contratadas ou definidas em lei, salvo se acordado de outra forma no
da operação realizada. Plano de Recuperação Judicial, como diz o art. 49, § 2°. (...) A recuperação judicial só
§ No tocante à cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis ou sobre títulos de
40
terá êxito quando os interesses de todos os envolvidos foram equanimente contempla-
crédito aplica-se, também, o disposto nos arts. 18 a 20 da Lei n° 9.514, de 20 de no- dos. Qualquer benefício a um grupo poderá ser o estopim para o desmonte de toda
vembro de 1997. uma estrutura negocial. Sem que o sistema esteja harmônico, nem sempre os resulta-
Todo esse marco regulatório acerca da questão é de extrema importância, pois, dos desejados serão atingidos.”
antes da criação da cessão fiduciária, a garantia era dada em penhor e quando a
empresa entrava em liquidação, falência ou inadimplência, o credor ficava obrigado 2. O Debate Doutrinário
a se habilitar à massa falida. E o que se verá de acordo com a análise jurisprudencial Rachei Szatjn afirma
:
5
realizada. “Na vigência do Dec. lei 7661/1945, para a concessão de concordatas, considerada
-

favor legal, era preciso que o passivo quirografário não superasse, em valor, metade
do ativo. Não se investigava a capacidade de geração de lucros para adimplir todas as
1.2. O Plano de Recuperação Judicial obrigações, garantidas ou não. Pressuposto era que o comerciante que requeresse a
Como a questão objeto de análise, cessão fiduciária de direitos creditórios, está concordata tivesse problemas de liquidez. Diante de tal premissa, era lógico que ape
diretamente ligada ao Plano de Recuperação, cumpre realizar algumas considera- nas sobre os créditos sem garantia incidissem os efeitos do pedido que poderia ser de
ções acerca do mesmo. mais prazo para pagamento (concordata dilatória), de remissão parcial das dívidas
A recuperação judicial objetiva viabilizar a superação da situação de crise eco- (concordata remissória) ou a combinação de ambos (concordata dilatória e remissó
nômico-financeira do devedor, de modo que, a partir da manutenção da atividade, ria). As demais obrigações, com garantia, seriam liquidadas mediante a excussão
dos emprego&e do interesse dos credores, é possível preservar a própria empresa. A desta.”
Lei 11.101/2005 estabelece as diretrizes e os meios pra recuperação judicial a par- A partir de tal premissa, a autora ressalta a importância da mudança legislativa,
tir do seu art. 50. em termos de estudo da viabilidade econômica do negócio, de forma a alcançar
A recuperação judicial deverá ser estruturada pelo Plano de Recuperação, o uma amplitude que permita preservar a atividade empresarial.
Não se pode desconsiderar o fato de que o intuito essencial da lei é a preservação
qual está regulado no art. 53, que diz:
“Art. 53. O plano de recuperação será apresentado pelo devedor em juízo no prazo da empresa e, consequentemente, a consecução de um patamar no qual credores e
improrrogável de 60 (sessenta) dias da publicação da decisão que deferir o processa- devedores estejam o mais distante possível de disputas, pois estas eventuaimente
mento da recuperação judicial, sob pena de convolação em falência, e deverá conter: geram fraudes e atitudes de má-fé. E em razão disso que se procura disciplinar a
questão falimentar de maneira a tornar eficiente o processo de construção da con
1 discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a ser empregados, confor
-

me o art. 50 desta Lei, e seu resumo; fiança que o credor deposita no devedor.
de assegurar
II demonstração de sua viabilidade econômica; e
-
Szatjn postula que o parágrafo 1° do referido artigo, o qual trata
III laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscri
-
aos credores a preservação dos seus direitos de garantia, tem sua redação compro-
to por profissional legalmente habilitado ou empresa especializada.”

metida pela imprecisão, pois pode gerar o entendimento de que as garantias ante-
Existem três maneiras de aprovação do Plano de Recuperação Judicial, a saber: riormente pactuadas são perdidas. No entanto, mediante interpretação conjunta
(i) aprovação por assembleia de credores; (ii) inexistência de objeção dos credores com o art. 50, parágrafo 1°, deve-se entender que as garantias, sendo instrumento
(o credor tem 30 dias para expor objeção); e (iii) aprovação pelo juiz. jurídico acessório, devem seguir o principal, ou seja, o crédito, o que faz com que
De acordo com Fábio Diniz Appendino
,
3 elas não possam ser executadas de imediato.
“Ao credor que tiver seu plano de recuperação aprovado, observadas as condições Em relação ao parágrafo 2° do art. 49, a fim de que sejam preservados os pactos
previstas em lei, ser-lhe-á concedida a recuperação judicial. Por outro lado, será de- realizados anteriormente, só será possível que existam alterações nas condições
.
cretada a falência do devedor que tiver seu plano reprovado em todas as três maneiras acordadas se o Plano de Recuperação incluir previsão expressa. Nesse sentido, é
de aprovação. Vale ressaltar que o plano aprovado implica novação dos créditos ante- fundamental que se atente para a possibilidade da participação desses credores titu
riores ao pedido de recuperação e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos.”
lares de garantia real, em situação de saldo do crédito não garantido, em classe dos

3
Cf. APPENDINO, Fábio Diniz. “Os meios de recuperação judicial: (i) cisão, incorporação, fusão e transformação 4
souzA JUNIOR, Francisco Satiro de; e PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes (coordenadores). Comentários
de sociedades; e (ii) alienação de participações societárias detidas pelo devedor”. CASTRO, Rodrigo R. Monteiro à lei de recuperação de empresas efalência. 2’ ed. São Paulo: RT.
de Castro; e ARAGAO, Leandro Santos (coordenadores). Direito Societário e a nova lei defalências e recuperação 5
5OUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; e PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes (coordenadores). Comentários
de empresas. São Paulo: Quartier Latin, 2006. à lei de recuperação de empresas efalência. 2 ed. São Paulo: RT.
1

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titulares de privilégios e quirografários e, então, atingir o bloqueio na aprovação do “Se há coobrigados, fiadores e obrigados de regresso na relação jurídica creditícia, os
Plano de Recuperação. credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios
A autora postula: contra esses. Assim. se o crédito estiver representado por um tftulo de crédito do qual
“A viabilidade da recuperação da empresa em crise é o fundamento para aprovação conste aval, o credor ainda poderá executá-lo contra o avalista, mesmo que habilitan
do Plano de Recuperação. Viabilidade significa exeqüibilidade, possibilidade de êxi do seu crédito no juízo universal.”
to, de pagamento das obrigações, de um lado, e de manutenção das operações por O autor atenta para importante questão referente ao conceito de coobrigados,
longo prazo, de outro. Se ao credor interessa têr seu crédito satisfeito, interessa-lhe, fiadores e obrigados de regresso, assim como consta no parágrafo 1° do art. 49. O
igualmente, a continuação daquela atividade, porque a base de clientes estará preser que se destaca é que não há o alcance aos sócios ilimitadamente responsáveis, pois
vada. A opção por desistir de garantias ou alterar as condições iniciais do crédito es-
pelhará, com vistas ao futuro, o melhor interesse do credor.” como diz o art. 81 da Lei, a decisão que decreta a falência da sociedade com sócios
É, de fato, com esse objetivo que se fez a alteração da redação referida. Os me- ilimitadamente responsáveis também acarreta a falência destes, então a lógica é que
canismos de proteção são o que possibilita a harmonia dos interesses da relação. Se se estenda a determinação também para a recuperação judicial.
existe efetividade ou não, abordar-se-á no item Crfticas. Feita tal consideração, ressalta-se a essência da regra: a autonomia das relações
Fundamentalmente é o parágrafo 3° que trata, mais especificamente, da questão jurídicas vinculadas ao crédito sujeito à recuperação judicial (no presente estudo,
da não submissão aos efeitos da recuperação judiia1 dos créditos lá definidos, de considera-se mediante vínculo acessório, haja vista tratar-se de garantia fiduciária)
modo que prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições con evita que se beneficie o terceiro caso haja alteração no valor do crédito. O autor diz
tratuais. que tal medida persiste:
“(...) ainda que constante do plano de recuperação devidamente aprovado e objeto de
Tal parágrafo, já mencionado, determina que, havendo a pessoa adquirido bens
decisão concessiva, na forma do art. 58 da lei 11.101/05, salvo qualquer concessão de
anteriormente ao pedido de recuperação, ainda que não tenha pago integralmente e sua parte, o credor conservará integral seu direito contra o coobrigado, fiador ou obri
já esteja na posse do bem, o credor a quem deva ser pago o saldo restante da referi- gado regresso, ainda que, em relação ao empresário ou sociedade empresária cuja
da aquisição não entra nos efeitos da recuperação judicial. recuperação judicial foi concedida, tenha havido novação na forma do art. 59 daquela
Sobre o assunto, diz a aludida autora: mesma lei.”
“Cada credor deve receber algum montante, ainda que mínimo, de forma a manter a O art. 59 diz:
atividade da empresa em crise, sem, contudo, propagar os efeitos da crise gerando “Art. 59. O plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao
outras. Interessa encontrar modelo que permita que ninguém receba mais do que de- pedido, e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos, sem prejuízo das garan
vido e também que não receba menos do que zero, o que implicaria ter de contribuir tias, observado o disposto no § l do art. 50 desta Lei.”
para compor o desequilíbrio patrimonial da empresa em crise.” Neste sentido, havendo aprovação do plano e previsão de concessão redutiva de
No que concerne ao parágrafo 5° do art. 49, a autora aponta a sua importância 50% do valor dos créditos contra o empresário, o credor ainda poderá cobrar 100%
devido a sua incidência em garantias móveis, tais como valores mobiliários. A Lei dos coobrigados.
4.728/1965, no supracitado art. 66-B, faz referência ao instituto. E de se entender, portanto, que os benefícios advindos da decisão concessiva
A relevância de se tratar de um título de um direito em garantia se mostra tam da recuperação judicial devem ser interpretados em relação à pessoa do empresá
bém no momento em que se assegura o devido processo legal. Assim, qualquer rio, e não da obrigação em si, pois esta permanece com o contorno originalmente
valor recebido referente ao crédito ficará depositado em conta vinculada até que pactuado.
decorra o prazo de 180 dias previsto no art. 6°, parágrafo 4° da Lei, ou até que o Cabe ressaltar, porém, que não deve haver enriquecimento sem causa. Sendo
Plano de Recuperação seja aprovado. Dessa forma, caso esteja previsto no Plano assim, o autor postula:
que o valor recebido referente ao crédito será destinado ao credor, é expedida auto- “Se o credor satisfaz seu crédito na recuperação judicial, ainda que em parte, deverá
rização que concretize a respectiva previsão. descontar o valor já recebido do montante global do crédito, podendo exigir apenas a
Já Gladston Mamede
6 entende que o art. 49 determina que todos os créditos diferença em aberto do coobrigado, fiador ou obrigado de regresso.”
existentes na data do pedido, ainda que não vencidos, submetem-se à recuperação Porém, é possível haver situações nas quais o Plano não se limite a conceder
judicial da empresa. No entanto, ressalva que existe uma limitação atrelada ao tipo condições especiais de pagamento ou descontos. Nestas, pode ser que o direito do
de relação jurídica mantida entre o credor e a empresa na recuperação judicial. credor sofra alterações de natureza jurídica. Neste caso, não há que se falar em
Nesse sentido, diz que: conservação de direitos contra coobrigados, fiadores e obrigados de regresso, pois
há extinção da relação jurídica original.
O que se pode inferir do cenário apresentado é que somente os titulares de rela
6
MAMEDE, Gladston. “Falência e recuperação de empresas” Direito Empresarial
Brasileiro. vol. 4. São Paulo: ções jurídicas estabelecidas até o momento do pedido de recuperação judicial da
Atlas, 2006.
empresa é que estão a ele sujeitos. Esta compreensão advém dos requisitos da peti
2 133
Revista Dialética de Direito Processual n 23
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ção inicial de recuperação da empresa, que deve conter relação nominal completa O dever imposto ao proprietário-fiduciário é desproporcional na medida em que
dos credores inclusive daqueles em que se têm obrigações de fazer e dar A partir este tem a obrigação de mesmo mediante madimplemento da parte devedora man
do conceito de segurança jurídica, conclui-se que todas as relações jurídicas com- ter esta na posse direta do bem Claro se a função do plano de recuperação e justa-
preendidas no procedimento de recuperação devem estar determinadas na peça pro mente o disposto no art. 47, nada mais justo do que esta disposição, onde, se o bem
cessual, e, portanto, no plano jurídico como um todo. de capital for essencial para a manutenção da atividade empresarial, este não deve-
7 afirma que a ação de recuperação judicial é coletiva (porém não
Jorge Lobo rá ser reavido pelo proprietário. Lembrando sempre que o proprietário fiduciário
universal, porque não sujeita à ação de recuperação judicial todos os credores exis possui todos os direitos de propriedade inerentes sobre a coisa, mesmo tendo a
tentes na data do pedido), como se pode depreender do caput do art. 49. Nela, entre posse precária. pois uma vez pago todo o valor do crédito, a coisa incorpora-se ao
outros, estão abarcados 05 créditos com direitos reais de garantia (cf. arts. 1.419 e patrimônio do antigo devedor.
seguintes, NCC), com privilégio especia1 (art. 964 do NCC) e com privilégio geral Assim, existem dois problemas relativos a este dispositivo. O primeiro ocorre se
(art 965 do NCC) a interpretação dos parágrafos 2° e 3° do art. 49 for a que uma vez que o contrato de
o autor reitera que não estão sujeitos à ação de recuperação judicial os titulares alienação fiduciária em garantia é tido como uma obrigação contraída antes da re
de créditos oriundos de contratos de alienação fiduciária, conforme se pode de- cuperação judicial e o Plano de Recuperação pode estabelecer seu adimplemento de
preender do art. 49, parágrafo 3° da Lei 11.101/2005. maneira diversa àquela acordada previamente. O segundo ocorre quando interpreta-
Assim, os credores do devedor, ainda que estejam sujeitos aos efeitos da decisão se a parte final do parágrafo 2° inaplicável ao 3°, pois se trata de regulação especial,
proferida na ação de recuperação judicial, como mencionado no supracitado art. 59, mesmo sendo contraídas estas obrigações antes da recuperação.
deverão resguardar os direitos que possuam contra coobrigados ou codevedores No que tange a primeira interpretação, verifiquemos a posição deste credor. O
solidários, fiadores e obrigados de regresso, pois destes poderão cobrar em juízo o seu crédito não estará submetido ao Plano de Recuperação. Em outras palavras, as
que lhes for devido. parcelas contratuais vincendas deverão ser pagas pontualmente pelo administrador
Jorge Lobo ainda afirma que: judicial tendo em vista o disposto no parágrafo 2° do mesmo art. 49, pois a aliena-
“Os coobrigados, para se ressarcirem, devem habilitar-se na ação de recuperação, ção fiduciária em garantia é um contrato firmado antes da recuperação judicial e
assistindo-lhes o direito de pedir reserva de importância que demandarem, por apli deverá ser respeitado, salvo disposição expressa deste (art. 49, parágrafo 2°). E jus
cação extensiva do art. 6°, § 3°.” tamente neste ponto que a primeira controvérsia aparece. Caso o parcelamento des
Ademais, o autor entende, a partir da interpretação do art. 49, caput e parágrafo te crédito seja alterado por disposição expressa do Plano, o credor fiduciário tão
2°, dc os arts. 77, 117 e 124 da Lei 11.101/2005, que: somente poderá, de acordo com o art. 55, manifestar perante o juiz sua objeção.
“1°) os contratos bilaterais do devedor não são afetados pela recuperação judicial; Entretanto, se o parágrafo 3° exclui este tipo de crédito contraído antes da recupe
2°) as obrigações pecuniárias do devedor não se vendem com o ajuizamento, nem
com o deferimento do processamento da ação, nem, tampouco, com a concessão da ração dos efeitos desta e o parágrafo 2° coloca que o próprio Plano pode prever que
recuperação judicial: e este crédito será sim abordado de maneira específica, para que as estipulações con
3°) os juros compensatórios continuam a correr na forma contratada.” tratuais decorrentes deste instituto sejam relativizadas, tudo o que o devedor neces
sita fazer é lembrar-se deste dispositivo e prevê-lo no Plano, assim o crédito que a
3. ‘Críticas e Ponderações lei bunda em um parágrafo, pode ser relativizado com fuicro no parágrafo anterior.
3.]. Conflito sobre a propriedadefiducjárja da coisa Caso o devedor proponha uma Plano que alongue este parcelamento de uma
O parágrafo 3° do art. 49 da Lei impõe ao titular do direito de propriedade fidu obrigação contraída antes da aprovação deste (contrato de alienação fiduciária em
ciária da coisa um dever no mínimo desproporcional. Durante o prazo de 180 dias garantia), o que poderá fazer o credor titular deposição de proprietário fiduciário
da aprovação do plano de recuperação judicial, o credor não possui o direito de da coisa além de propor uma objeção emjuízo? E neste quesito que este credor tem
reaver a coisa. Ou seja, enquanto todos os outros credores têm seus créditos discu imposto a si um dever desproporcional. Ele não poderá adjudicar seu próprio bem
tidos neste procedimento, o proprietário fiduciário é obrigado a manter a posse di- por expressa imposição legal uma vez que este seja essencial para a empresa! Não
reta da coisa com o devedor. argumentamos que a melhor alternativa seja de fato a adjudicação do bem à este
Assim, cria-se uma situação em que se a coisa é classificada como bem de capi proprietário, mas sim que a lei se torna esquizofrênica, pois desvirtua totalmente o
tal essencial para a atividade empresarial ali exercida, ela encontra-se absolutamen instituto da alienação fiduciária em garantia uma vez que a empresa entre em situa-
te “blindada” do procedimento de recuperação judicial, uma vez que seja objeto de ção econômico-financeira de crise. Ou seja, todo o instituto contratual foi elaborado
um contrato de alienação fiduciária. para garantir ao credor fiduciário a máxima facilidade em cobrar sua dívida, pois é
o próprio direito de propriedade sobre a coisa que é transferido para o credor, sendo
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TOLEDO, Paulo E Henrique Salles; e ABRÃO, Carlos
Henrique. Comentários à lei de recuperação de empresas e
uma mera ação possessória o suficiente para reaver o bem em caso de inadimplên
falência. São Paulo: Saraiva, 2005. cia do devedor.
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o que a Nova Lei de Falências faz aqui é atribuir um ônus à utilização do insti
tuto que poderá afetar até mesmo as taxas de juros e correções aplicadas ao contra- para dentro do âmbito do Plano a ser apresentado foi uma ótima maneira de equa
to, pois estas tenderiam a diminuir com a criação deste instituto que garante àquele cionamento da situação de crise. Ou seja, antes não existia este fim embutido na Lei
que fornece o crédito o adimplemento da obrigação contraída contundentemente. A de preservação da atividade empresarial. A concordata era utilizada para postergar
partir do momento que na situação de crise todo o contrato poderá ser relativizado, as dívidas da empresa e muitas vezes a falência da mesma era inevitável, pois o
a tendência é um novo aumento destas taxas em virtude deste incentivo. desequilíbrio patrimonial advindo da única necessidade para a concessão de con
Agora analisaremos o segundo problema, quando o administradorjudicial sim- cordata, que era o passivo quirografário não superar metade do ativo em termos
plesmente descumpre com esta obrigação. Fica claro, de acordo com esta segunda pecuniáriOs, fazia com que a viabilidade econômico-financeira da empresa fosse
interpretação, e também a mais correta para nós, que os termos contratuais da alie- completamente esquecida.
nação fiduciária em garantia não podem ser relativizados pelo Plano de Recupera- Esta nova imposição legal de análise minuciosa deste Plano de Recuperação faz
ção, pois existe previsão expressa no parágrafo 3° deste art. 49 que os efeitos do com que todos os mecanismos de proteção ao empresário em crise econômica tam
Plano não serão aplicados a este tipo de crédito. bém tenham efeitos sobre o interesse dos credores, pois estes credores também te-
Contudo, ocorre neste ponto um outro problema de natureza até mais grave. rão seus interesses tutelados por estes mesmos mecanismos.
Uma vez aprovado o plano, o administraiorjudicial tem o dever de continuar adim Um exemplo disto é o disposto no parágrafo 1° do art. 49, pois explicita que
plindo com o contrato aqui estudado. Contudo, conforme já foi discutido acima, a todas as garantias dadas anteriormente ao Plano de Recuperação permanecem du
alienação fiduciária em garantia serve justamente para facilitar a vida dos credores, rante a vigência deste. Contudo, interpretar algo diferente disto a partir do caput do
visando sempre tornar o crédito mais barato, pois a obrigação é garantida pelo bem artigo seria um equívoco, pois inexiste qualquer razão para raciocinar diferente-
em si. Assim, a partir do momento em que a parte final do parágrafo 3° impõe que mente e concluir que uma vez o crédito sujeito ao Plano, seus garantidores estariam
o bem não poderá ser vendido ou retirado do estabelecimento, qual é a garantia do eximidos de sua obrigação.
credor para um eventual inadimplemento do contrato? Assim, a inclusão de credores decorrentes de contratos firmados antes da apro
Ou seja, se há uma recuperação judicial e o administrador simplesmente não vação do Plano, mas com vencimento na vigência deste, é mais um incentivo para
paga o preço estipulado nos termos ajustados, a penalidade contratual para isso, que a empresa seja preservada. Do contrário, em uma hipótese de execução imedia
inerentemente a este contrato, é justamente a utilização de uma ação possessória ta destes contratos e não inclusão destes no Plano as atividades cessariam imedia
para reaver o bem judicialmente. Esta é a natureza do contrato ora analisado. Dimi tamente, algo que foge dos preceitos elencados na Lei.
nui-se as taxas de juros para a concessão do crédito porque o risco de inadimple Dessa forma, temos que estes mecanismos tentam aproximar interesses confli
mento também é reduzido, pois uma vez inadimplido o contrato, pode a parte cre tantes de maneira eficiente, pois deve-se partir do pressuposto que ao credor tam
dora reaver o bem. Salvo em caso de recuperação judicial da devedora. bém interessa a preservação da empresa devedora, uma vez que esta continuaria a
Novamente, a lógica por detrás do contrato de alienação fiduciária em garantia ser parte da clientela daquele
é desvirtuada. Um devedor que inadimpla com o contrato ainda terá seis meses para
o fazer, período em que poderá permanecer com o bem em seu estabelecimento sem 3.3. Da necessidade da criação de um “termo legal especial” em casos de
recuperação judicial
que o credor possa reavê-lo.
A partir daquilo que aqui foi estudado apreende-se que caso a empresa em di
3.2. Da efetividade dos mecanismos de proteção para harmonização entre ficuldade financeira aliene fiduciariamente um bem movel (apos convencional
interesses de credores e devedor mente restar provado que o bem e um essencial bem de capital da empresa) com
A Nova Lei de Falências trouxe algumas mudanças substanciais no que tange uma instituição financeira de confiança uma vez aprovada a recuperação judicial
aos próprios objetivos dos procedimentos por ela regulados. O princípio da pereni os creditos decorrentes deste contrato não estarão sujeitos aos efeitos da recupera
dade da empresa é sobressaltado em diversos momentos e é justamente neste ponto ção judicial Assim o credor em caso de inadimplemento do devedor somente
que os mecanismos de proteção servem em uma tentativa de harmonização de inte podera vender ou reaver o bem apos decorridos os 180 dias previstos
íesses a priori conflitantes. Esta situação regulada da maneira com a qual esta hoje enseja um incentivo ao
possui
A tentativa de harmonizar estes interesses parte do pressuposto que se ao credor comportamento oportunista dos agentes nos seguintes termos Se a empresa
interessa satisfazer o seu crédito, ele ainda possuiria um interesse maior na manu um bem móvel caríssimo, mesmo que não seja essencial para sua atividade, ela pode
tenção da empresa em dificuldade em seu rol de clientes, operando normalmente, alienar este bem fiduciariamente a instituição financeira de confiança por um
pois, no longo prazo, esta relação comercial já consolidada poderia render bons preço abaixo de mercado recebendo esta quantia monetariamente Neste ponto ela
frutos a ambos. Assim, a mudança legislativa que trouxe todos os créditos, garanti- blinda o referido bem do Plano de Recuperação por seis meses no mimmo Fa
dos ou não, existentes até a data em que o pedido de recuperação for protocolado, zendo isso com todo o patrimônio relevante da empresa o empresario consegue
“minguar” este patrimônio para fora de sua empresa quando um momento de crise
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pairava no horizonte. Assim, contrato de alienação fiduciária. Portanto, o adquirente da CRI espera a inadim
já assolava esta e um eventual pedido de falência já plência do devedor, pois poderá executar a garantia dada neste caso. E realmente
este procedimento de recuperação, o valor que entrará no
caso uma falência siga um “jogo de apostas”, pois a empresa securitizadora ganhará caso a dívida seja paga
recebido pela alienação destes bens seria muito menor do
ativo da empresa como pelo devedor-cedente porque recebeu tanto o montante da dívida como o valor do
Uma vez não adimplida a obrigação e passados os
que o valor de fato deste bens. tftulo de crédito decorrente da garantia (CRI) que vendeu ao mercado; já o adqui
poderia até mesmo reavê-los. Então, se for interes
seis meses, o credor fiduciário já rente da cédula ganhará caso aquele devedor-cedente inadimpla, pois o direito à
por leilão destes bens organizados pela institui-
sante ainda, no momento de venda garantia lhe foi transferido na aquisição da CRI, podendo, portanto, cobrar esta
arrematá-los por preço ainda inferior
ção financeira, o próprio empresário poderia garantia do devedor-cedente.
atividade similarà falida, deixando
ao de mercado e “limpá-los” para utilização em E interessante notarmos que a ideia de securitização engloba mercantilizar uma
os credores sem patrimônio algum para satisfazer as dívidas contraídas. garantia dada a um negócio jurídico que, caso contrário, nunca geraria riqueza ai-
Ou seja, o empresário pode muito bem utilizar a alienação fiduciária em garan guma, pois uma vez adimpiida a obrigação, esta garantia dada de nada acrescenta-
tia como forma de esvaziar gradualmente sua empresa de patrimônio, pois utilizaria ria à economia. Contudo, na medida em que é securitizada, ela agrega valor, pois se
como “desculpa” a recuperação judicial e aprovaria um Plano de Recuperação inte torna objeto de negociação na forma de valor mobiliário não causal.
ressante, mas inexequível, que durasse mais de seis meses. Após este prazo, o cre A alteração procedida pela Nova Lei de Falências trouxe um novo rumo àjuris
dor fiduciário “de confiança” proporia uma ação possessória para reaver o bem por prudência da matéria com a inserção do art. 49, mais especificamente de seu pará-
inadimplemento do contrato. grafo 3°. Na vigência da antiga Lei, o proprietário-fiduciário poderia reaver o bem
Uma maneira eficiente e prática de evitar estas preocupações, uma vez que to objeto da garantia uma vez não paga a dívida. Contudo, com a inserção no ordena-
das as hipóteses do parágrafo 3° podem ensejar comportamentos desta linha, pois mento do princípio da continuidade da empresa, uma vez este bem provado como
excluem determinados bens relativos a situações jurídicas especiais dos efeitos do bem de capital essencial à atividade empresarial, ele somente pode ser reavido pelo
Plano de Recuperação, seria a criação de uma espécie de “termo legal” aplicável ao credor após 180 dias da homologação do Plano de Recuperação. Assim, o credor
procedimento de recuperação judicial. Ainda que seja um “termo legal especial”
tem seu direito de propriedade sobre a coisa cerceado, tendo em vista este novo
(com duração até menor do que os 90 dias anteriores a decretação da falência), esta princípio trazido pela Lei.
instituição obrigaria o registro dos contratos previstos neste parágrafo em Cartório
de Notas e Documentos conjuntamente com um laudo de avaliação do bem para que
tenham efeitos estes contratos perante terceiros nesta situação. Assim, um empresá
rio que de fato se encontra em dificuldades econômico-financeiras teria o ônus de
registrar o contrato para que seus efeitos não sejam discutidos posteriormente, sob
pena de ineficácia.
Esta é uma especificidade que poderia ser julgada como um ônus excessivo ao
empresário que já não anda em situação econômica boa. Contudo, há de se argu
mentar que caso consolidada esta prática ilícita, os juros de financiamento de cré
dito aumentariam, pois estão diretamente relacionados estes com a ineficiência dos
mecanismos de proteção aos créditos. Ou seja, deve-se analisar comparativamente
os efeitos em termos de custo-benefício da instituição deste novo mecanismo de
proteção aos credores e os efeitos desta prática ilícita no spread bancário.

4. Considerações Finais
sobre o tema, vemos dois pon
Após a análisejurisprudencial e aprofundamento
tos importantes para serem sistematizados. A mitigação do risco da inadimplência
do devedor-fiduciário através da emissão de CRI’s pelo credor-fiduciário e a altera-
ção trazida pela Nova Lei de Falências no que tange a restituição do bem alienado
fiduciariamente.
A emissão de CRI’s pelo credor-cessionário é uma forma de mitigar o risco de
inadimplência do devedor porque este é um título não causal. Ou seja, a partir do
momento em que este tftulo circula no mercado, o adquirente dele somente pode
exercer seus direitos de cobrar a garantia se o devedor-cedente inadimplir com o

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