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Dois modelos e um caminho: breves notas sobre o desenvolvimentismo brasileiro

Alex Willian Leite1


Resumo
Este trabalho pretende esboçar dois modelos sobre o desenvolvimento brasileiro no período
entre 1950 e 1960, que são eles: o Modelo Democrático-burguês, que tem o Partido Comunista
Brasileiro como formulador e o Modelo Nacional-desenvolvimentismo, que tem a CEPAL como
centro teórico. No tange ao limite deste artigo, pretendemos apontar os possíveis limites que cada
modelo propõem e suas consequências.
Palavra-chave: Desenvolvimento econômico; Democrático-burguês; Nacional-desevolvimentista.

Introdução
O debate brasileiro sobre desenvolvimento econômico e social voltou a ganhar peso
analítico neste início do século XXI, sobretudo com a retomada do conceito muito usado nos anos
1960, de nacional-desenvolvimentismo2. Na atualidade essa temática ganha novas roupagens,
colocando-se em uma outra conjuntura onde elementos como: as tendências de financeirização da
economia capitalista e o neoliberalismo periférico3 dos anos 1990, parecem apontar para um novo
ciclo de desenvolvimento econômico, que denominou-se usar o termo novo-desenvolvimentismo4.
O que chamamos de novo-desenvolvimentismo consiste em uma frente política e econômica de
sustentação do crescimento interno financiada pelo Estado, transferência mínima de renda e
valorização do salário mínimo. Com isso, o neoliberalismo periférico se sustenta pelo tripé
macroeconômico, sendo eles: a) definição de metas para o controle da inflação, b) câmbio flutuante
e liberdade cambial e c) definição de metas de superávit primário, formando a trindade do Plano
Real (FILGUEIRAS, 2000, p.10). O prefixo “neo” é usado para caracterizar a diferença entre o

1 Pesquisador do programa de pós graduação da Universidade Paulista Júlio Mesquita Filho – UNESP/Marília.
2 Este termo foi cunhado pela escola cepalina na década de 1950 e tem sua fundamentação teórica com os livros
“Formação econômica do Brasil”(1954) e “Desenvolvimento e subdesenvolvimentismo”(1961) de Celso Furtado,
entre outros, Raúl Prebisch, Inácio Rangel, Anibal Pinto e Arguiri Emmanuel.
3 Se faz necessário diferenciar mesmo numa nota, conceitualmente, o neoliberalismo e o modelo econômico
neoliberal periférico. O primeiro diz respeito à doutrina político-econômico formulada no pós Segunda Guerra, por
Hayek e Friedman, entre outros, a partir da crítica ao Estado de Bem-Estar Social e o socialismo. O segundo, o
modelo econômico neoliberal periférico é resultado da forma como o neoliberalismo se estrutura no país,
subordinado e dependente e que se diferencia a cada país. Ver mais em Anderson, Perry (1995) “Balanço do
neoliberalismo” em Sader, Emir e Gentile, Pablo (org.) Pós-neoliberalismo - As políticas sociais e o Estado
Democrático (Rio de Janeiro: Paz e Terra)
4 O termo “novo-desenvolvimentismo” denomina-se um conjunto de políticas econômicas alternativas às políticas
neoliberais (especialmente no pós Consenso de Washington). Foi introduzido por Bresser-Pereira, que o utilizou no
capítulo 20 de seu livro Desenvolvimento e crise no Brasil, (Bresser-Pereira, 2003). Segundo esse autor, a
denominação lhe foi sugerida por Yoshiaki Nakano em 2003 (Bresser-Pereira, 2006, p. 9), tendo por base
argumentos desenvolvidos em Bresser-Pereira (2001). A denominação passou a ser mais difundida a partir de 2005,
quando da publicação do livro Novo-Desenvolvimentismo, uma coletânea de artigos organizada por Sicsú, Paula e
Michel (2005).

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desenvolvimentismo das décadas de 1950/60 do atual, ou seja, “o neodesenvolvimentismo é o
desenvolvimento da época do capitalismo neoliberal” (BOITO, 2012, p.6).
No que abrange o limite deste artigo, colocaremos para o debate as interpretações do Partido
Comunista Brasileiro (PCB) e suas implicações sobre a política de Frente Popular ou Modelo
Democrático-Burguês e finalizando com a interpretação cepalina das economias latinoamericanas e
seu debate sobre subdesenvolvimento brasileiro.

O Partido Comunista Brasileiro – Uma interpretação etapista do desenvolvimento


Em torno do Partido Comunista Brasileiro (no período de 1940 a 1960) se aglutinavam
alguns autores que teorizaram sobre o desenvolvimento do capitalismo brasileiro. Principalmente
por conta do seu papel preponderante nas lutas sociais, o partido tinha grande relevância nas
interpretações sobre o caráter da revolução burguesa que surgiam no país a partir de sua órbita. Nas
suas fileiras estavam autores como: Nelson Werneck Sodré, Alberto Passos Guimarães, Moisés
Vinhas, Nestor Duarte, e, de forma diferenciada, Caio Prado Júnior5. De modo geral, suas
interpretações apontavam para a tendência em fazer uma aplicação mecânica do materialismo
histórico à realidade brasileira, uma transposição dos “manuais do chamado marxismo revisionista,
com forte influência do Partido Comunista da União Soviética” (MAZZEO, 1999, p.78). Tratava-se
do Modelo Democrático-Burguês, que buscava inspiração nos textos clássicos do marxismo e nos
exemplos históricos dos países socialistas para produzir a teoria marxista da revolução brasileira.
A leitura feita pelo PCB nesse período partilhava da interpretação sobre a situação
econômica dos países coloniais e semi-coloniais presentes nas teses da III Internacional Comunista,
que consideravam a existência de “resquícios feudais” o maior obstáculo ao desenvolvimento das
forças produtivas capitalistas, e por isso, a necessidade de primeiro superar uma etapa para logo
após a sua socialização com a revolução socialista. É importante localizar o debate sobre os
“resquícios feudais” pois ele antecede à introdução das teses da Internacional.
Para Mazzeo (2002, p.154), autores como Capistrano de Abreu em seu livro Capítulos de
História Colonial, de 1907, realçava os “elementos feudais” na organização das capitanias
hereditárias, passos que foram seguidos por pensadores importantes na caracterização do Brasil,
como Oliveira Vianna (1952), Nestor Duarte (1939) dentre outros.

5 A polêmica se configurava da seguinte forma: para uma vertente interna do partido dizia que no Brasil
predominavam, nas relações de produção, relações pré-capitalista – e feudais no meio rural – que impediam o
desenvolvimento das forças produtivas. Caio Prado Júnior polemizou, com essas teses que acabavam por se
estruturar como guia teórico. Esse autor já apontava os equívocos dessas interpretações teóricas no IV Congresso,
fazendo a crítica do que chamou de “Teoria Consagrada” da Revolução Brasileira, demonstrando que a visão da
existência de relações feudais no campo era uma grosseira transposição mecanicista das realidades europeias.
(MAZZEO, 1999, p.79)

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A centralidade do partido sobre os “resquícios feudais” vem das teses do Komintern,
especificamente as reunidas do VI Congresso de 1928, o primeiro após a morte de Lenin, onde está
enfatizada a existência de “relações feudais” no continente latinoamericano6, e serão acatadas pela
intelectualidade do partido quase sem resistência. De fato, é no V Congresso da IC, de 1924, que
aparece atenuada a recomendação aos partidos comunistas dos países coloniais à colaboração com a
“burguesia nacional”, agora consideradas “progressistas”, ao bloco operário e camponês (Idem,
p.157).
Contudo, dessa análise surgia uma estratégia e uma tática política que colocavam a
necessidade de aprofundar o desenvolvimento das forças produtivas no interior do capitalismo, o
que no contexto da década 1960 configurava-se uma ação específica: aliança dos trabalhadores com
setores da burguesia “nacional” para enfrentar o imperialismo dos Estados Unidos e o latifúndio
feudal. Portanto, o caminho para o socialismo no Brasil – a grande meta a ser alcançada segundo os
adeptos desse modelo – passava pela revolução nacional e democrática, que eliminaria os restos
feudais, libertaria grande parte da população brasileira da miséria e opressão do latifúndio,
expulsaria o imperialismo e, finalmente, estabeleceria uma sociedade democrática (PRESTES,
1955, p.60).
Convém acentuar que a industrialização capitalista representava uma meta prioritária dentro
da estratégia do PCB, em vista dos efeitos que impulsionariam e transformariam a sociedade
brasileira, tais como a autodeterminação nacional, o rompimento da dependência econômica com o
imperialismo, o desenvolvimento das forças produtivas, a democratização da vida política e demais
transformações progressistas que preparariam o terreno para o socialismo. Para isso era válido, além
dos acordos com a “burguesia nacional”, lançar mão de todos os expedientes que contribuíssem
nesse sentido, como por exemplo, atrair a colaboração de governos e de capitais estrangeiros cujos
“capitais possam ser úteis ao desenvolvimento da economia nacional, sirvam à industrialização e se
submetam às leis brasileiras”7.
Após o IV Congresso as proposições tomam caráter diferenciado tanto na avaliação política
como na análise econômica do PCB levando-o a modificar seus diagnósticos e alianças políticas.
Essa mudança é conhecida como “Declaração Política de Março”, onde o partido, em 1958 (após os

6 No livro Notas Sobre a Recepção do Marxismo na América Latina (1998, p.11), Michael Lowy afirma que o
movimento operário latinoamericano esteve fortemente diluído numa miscelânea eclética que continha doses de
sociologia de Comte e de Spencer e da economia política burguesa. Na mesma crítica das abordagens mecanicistas,
no livro Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana, Mariátegui questionava o modelo pronto europeu,
onde não levava em conta as especificidades do continente, que incluía a formação social e estrutura de classe no
Perú.

7 PCB, “IV Congresso do Partido Comunista Brasileiro” publicado em Problemas, Rio de Janeiro, dezembro de 1954
a fevereiro de 1955.

3
crimes de Stálin serem reconhecidos pelo governo de Khruschov no XX Congresso do PCUS)
publica um manifesto fazendo autocrítica e revisão dos erros de caráter “dogmático” e “sectário”
cometidos durante a fase stalinista, fornecendo uma análise mais complexa e mudança na linha
política do partido. Mas segundo Gorender – membro da Comissão Executiva do partido à época –
a “Declaração não foi suficiente para eliminar o método etapista da revolução brasileira dentro do
partido (GORENDER, 2011, p.33).8 O manifesto causou rupturas internas ao partido, que após esse
turbulento período se dividiu em dois9.
A postura etapista desse período do PCB e dos partidos comunistas pelo mundo em sua fase
stalinista mostram uma discordância de interpretação com aquela defendida por Lênin no livro
Duas Táticas da Social-Democracia na Presente Revolução (1905), onde propunha a revolução
democrática-burguesa para a Rússia czarista com o objetivo de conquistar as liberdades de
organização partidária e sindical, liberdade de expressão e sufrágio universal. A temática do artigo
estava assentada nas propostas que as transformações democráticas abririam espaço para
transformações econômicas favoráveis à acumulação de capital. Aqui, o que interessava para os
revolucionários eram as transformações democráticas que, ao mesmo tempo que enfraqueciam as
classes dominantes feudais perante a burguesia, “fortaleciam sobretudo o proletariado e camponeses
que constituíam grande parte da população russa” (LÊNIN, 1977, p. 14). Nesse momento Lênin
corrobora com o desenvolvimento etapista da revolução como proposta a ser seguido na Rússia,
deixará tal proposta no processo de 1917 quando rompe com essa premissa.
Sobre o contexto russo, surge outra interpretação no mesmo período: a teoria da Revolução
Permanente, elaborada por Trotski logo após a Revolução Russa de 1905 e adotada pela IV
Internacional. A tese foi defendida no livro Resultados e Perspectivas (1906) e colocava que o
atraso histórico na Rússia não se constituía num obstáculo para a revolução socialista, já que havia
desenvolvido um sólido núcleo industrial capitalista, concentrado nas duas cidades mais adiantadas

8 A mudança de postura após o IV Congresso da IC se dará no plano interno e externo. No primeiro, ocorre o suicídio
de Vargas em 1954, mudando a imagem do ex-ditador aos olhos do PCB, que o partido atribui o acontecimento a
mudança na legislação restritiva ao capital estrangeiro proposta por Vargas (mudança no câmbio). Dai o apoio do
partido aos herdeiros de Vargas e o seu empenho na campanha eleitoral de 1955 ao lado do PTB. No segundo, o
internacional, o XX Congresso do PCURSS sacudiria o movimento comunista internacional com a “revelação” dos
crimes de Stálin, o que exigia a autocrítica – pelo menos formal – de todos os partidos comunistas comprometidos
com as diretrizes stalinistas, como era o caso do brasileiro. Vide a respeito PCB: Vinte Anos de Política 1958-1979,
1980, p.3. Caio Prado Jr. foi um dos primeiros intelectuais a apontar a concepção etapista do partido no livro “A
revolução brasileira”, questionando as duas etapas percorridas para o socialismo, sendo elas: a) nacional e
democrática, b) anti-imperialista e antifeudal.
9 Após os anúncios dos crimes de Stálin de 1957, formou-se um grupo ao redor de Agildo Barata questionando a
estrutura interna do PCB – que tinha Luís Carlos Prestes como Secretário-Geral –, e retira-se dos quadros do
partido. A cisão não se curou ai, no V Congresso do partido, ocorrido em 1960, além de aprovar novas Teses
formou-se o novo Comitê Central, excluindo João Amazonas, Maurício Grabois e Miguel Arruda. Em fevereiro de
1962 acontece a Conferência Nacional Extraordinária do Partido Comunista do Brasil, que logo se transformaria em
um novo partido, com o nome de Partido Comunista do Brasil (PC do B) finalizando a cisão. Jacob Gorender, que
fez parte da Conferência narra o episódio no livro Combate nas Trevas (2011).

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como Moscou e São Petersburgo. Ali se concentrava um contingente relativamente grande de
proletários (cerca de cinco milhões na virada do século), porém uma burguesia local relativamente
fraca. Devido a este fato, a burguesia russa seria politicamente inexpressiva e impotente para liderar
qualquer processo revolucionário que extirpasse o feudalismo russo (TROTSKI, 2001, p.41).10
No processo revolucionário de 1917, Lênin reconheceu a genialidade de Trotski ao constatar
que na Rússia de 1917 não necessitava da revolução burguesa para implementar o desenvolvimento
industrial, postura diferente no processo revolucionário de 1905. As famosas “Teses de Abril”
(1917) desse revolucionário confirmaram a ruptura do modelo democrático-burguês da “fórmula
algébrica” - nas palavras de Trostki – ao recusar participar do governo provisório, levando a
bandeira de “Todo poder aos Sovietes” (TROTSKI, 2007a, p.298).
As teses do PCB (nos períodos entre 1940 à 1960 – fase etapista ou democrático-burguesa)
procuravam privilegiar o conceito de modo de produção para caracterizar a sociedade brasileira e as
classes sociais envolvidas. De acordo com essa premissa, o Brasil estaria essencialmente na fase
feudal ou semifeudal, em transição para o capitalismo, sendo a maioria da população do campo
submetida ao jugo servil.
Essa caracterização tinha como premissa teórica principal as obras de Nelson Werneck
Sodré.11 Para esse autor, a sociedade feudal brasileira assemelhava-se à sua congênere europeia,
compartilhando suas determinações principais, quais eram: o regime de servidão caracterizado no
Brasil como um “trabalho livre da escravidão”, porém não assalariado, já que submetido à prestação
de serviços ou ao trabalho em espécie, confirmando laços de dependência pessoal entre “servos” e
“senhores”, e a “utilização irracional da propriedade com métodos improdutivos” caracterizando
uma ocupação extensiva do solo, configurando-os em traços pré-capitalistas de produção (SODRÉ,
1964, p. 29).
É nesta linha teórica que o Modelo Democrático-Burguês se firma, com influência direta do
PCURSS e da III Internacional, transplantando para o Brasil a situação da Rússia do início do
século XX. Segundo esse método etapista, o capitalismo é sempre precedido pelo feudalismo e
sucedido pelo socialismo, formando uma linha tênue para o progresso que é muito similar às etapas
do positivismo comtiano. (Nota)

10 “O número de proletários industriais, seu grau de concentração, nível cultural e importância política dependem, sem
dúvida, do grau de desenvolvimento da indústria capitalista. Porém, essa dependência não é direta; entre as forças
produtivas de um país e as forças políticas de suas classes se interpõem, em cada momento, diferentes fatores
sociais e políticos de caráter nacional que podem conduzir a configuração política correspondente e condições
econômicas a um ramo inesperado e, inclusive, mudá-las por completo” (TROTSKI, 2001, p.41).
11 Por ser um intelectual de renome, Sodré exercia forte influência dentro do Comitê Central do partido. A
sistematização sobre o Brasil se encontra nos livros “Introdução à Revolução Brasileira, Formação Histórica do
Brasil e História da Burguesia Brasileira. Segundo Sodré, “No sertão, a sociedade apresenta os traços que a
assemelham com a sociedade medieval”. Sodré, História..., p. 29.

5
O modelo Democrático-burguês mostrou-se limitado na essência, seja na transposição
mecanicista do modelo da PCURSS (“teoria consagrada”) ao restante do mundo que engessou o
movimento comunista como um todo, seja no culto à personalidade da autoridade carismática
(mito) do “cavaleiro da esperança”, no caso do Brasil. Na teoria o modelo se mostra distante da
teoria marxiana da revolução, e se aproxima do positivismo ou do marxismo evolucionista12 da II
Internacional Comunista. Na prática, o modelo se mostrou flexível para as alianças de colaboração
de classe que a I Internacional repudiava. A importância de analisarmos os modelos da revolução do
passado coloca a lição no presente sobre o caráter da burguesia enquanto classe social, que após o
ano de 1848 não mais levará a transformação da sociedade pela revolução e sim pelas reformas.
Outro modelo que iremos analisar é o da CEPAL, modelo que carrega a responsabilidade de
pensar o desenvolvimento industrial nacional com autonomia.

A CEPAL e o modelo desenvolvimentista brasileiro


A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) foi criada em 1948 pelo
Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, com o objetivo de incentivar a cooperação
econômica entre os seus membros. O principal grupo da CEPAL era composto pelos intelectuais
Raúl Prebisch, Celso Furtado, Inácio Rangel, Anibal Pinto e o francês Arguiri Emmanuel.
A CEPAL centrava sua explicação a partir do conceito de “desenvolvimento desigual”, fruto
de uma relação díspar entre países denominados centros (com tecnologia estendida por todos os
setores de forma similar – homogênea e diversificada) e periferias (com concentração do avanço
em um setor em contraste com os demais setores – heterogênea e especializada). A crítica desses
autores permeava a ideia de que a desvantagem estava na deterioração dos termos de trocas dos
produtos. Ou seja, os preços dos produtos da periferia eram menos vantajosos devido à
incorporação menor do progresso técnico, ocasionando numa perda de competitividade.
A deterioração na troca é o elemento central na “desigualdade entre os países com diferentes
processos de desenvolvimento econômico”. Esse elemento gerava subordinação e um atraso para a
periferia. A crítica cepalina estava centrada na Escola Clássica inglesa, principalmente na tese das
“vantagens comparativas” de David Ricardo13, em que, a periferia se especializava em produtos

12 No livro História da Literatura Brasileira (1938/40), Sobre chega a afirmar a seguinte colocação: “o historiador
deveria abandonar o talento descritivo e buscar uma explicação da vida do homem e da sua subordinação ao meio
ambiente” (Sodré, 1940, p. 225). Em outro livro de juventude diz: “marcha evolutiva dos acontecimentos
históricos” (Sodré, 1938, p. 235). Convém ressaltar que Sodré adere ao marxismo em meados dos anos 40, mas
quando chega a ter contato com a obra de Marx encontra no movimento comunista internacional refúgio para sua
matriz ideológica comtiana.
13 Para Ricardo, o mercado equilibraria a oferta e demanda proporcionando uma equidade global de acordo com as
especialidades produtivas de cada país. “É tão importante para a felicidade da humanidade que nossos desfrutes
sejam aumentados pela melhor distribuição do trabalho, produzindo cada país aquele bens aos quais, por sua

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primários e semielaborados, enquanto o centro se especializaria em produtos finais com alta
incorporação do progresso técnico. Com isso, chegaria um ponto onde se equilibrariam as
desigualdades, já que todos precisariam das mercadorias trocadas para abastecer seus mercados
(FURTADO, 1963, p.225).
Frente a isso, a solução proposta pela CEPAL era a industrialização substitutiva de
importações, que permitiria a periferia incorporar em suas economias outros setores produtivos.
Assim, os frutos do progresso técnico não seriam repassados de forma vantajosa aos centros graças
ao desenvolvimento de outros setores no interior da economia periférica - alcançando-se assim os
níveis de desenvolvimento até então exclusivos dos centros - e o agente propagador desse tipo de
industrialização seria o Estado.
Os autores cepalinos, na sua maioria, chamavam atenção para a especialização e a
heterogeneidade estrutural como característica do subdesenvolvimento latinoamericano. A
preocupação levantada aqui é como desenvolver o “núcleo endógeno”, ou seja, o desenvolvimento
do mercado interno das economias subdesenvolvidas. Essa problemática da “dimensão endógena”
surge no contexto da I Guerra Mundial e a crise capitalista de 1929 na América Latina, levando
Prebisch a colocar no centro do debate a temática da deterioração dos termos de troca. A
deterioração do produtos da periferia se mostram assim:
“Em janeiro de 1933, os preços das seguintes matérias-primas caem nas porcentagens
indicadas, em relação aos preços de janeiro de 1929. Trigo, 58%; lã, 78%; borracha, 87%;
cobre, 71%; café, 59%; algodão, 66%. Por outro lado, a redução dos preços das exportações
industriais, sensivelmente menor, suporta uma acentuada diferença de comportamento nos
ganhos pessoais. Assim, entre 1929 e 1932, os salários conseguem se manter na Grã-
Bretanha, enquanto na Argentina e em outros países subdesenvolvidos caem
drasticamente.” (RODRIGUEZ, 2009, p.64)
Com a crise se acentuando com mais intensidade na América Latina, a movimentação dos
preços obriga os países a realizar exportação superior a 73% para ter acesso à mesma quantidade
de manufaturas importadas após 1930. Além disso, surge o problema do acesso aos mercados para
exportar os produtos produzidos pelas empresas latinoamericanas. Em conjunto, ambos os
problemas incidem no grau de endividamento das economias subdesenvolvidas. Nessas economias,
as exportações estão concentradas em poucos mercados e com produtos primários. Isso levou os
teóricos do Desenvolvimentismo cepalino ao reconhecimento da necessidade de ativar o mercado
interno e, portanto, da necessidade de adotar políticas deliberadas para consegui-lo (Idem, p.65).
No Brasil o mercado interno começa a ser gestado com a introdução da mão de obra livre

situação, seu clima e por outras vantagens naturais ou artificiais, é adaptado, e trocando-os por mercadorias de
outros países, quanto aumentá-los por meio de uma elevação na taxa de lucros”(RICARDO, 1978, p 323).

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nas lavouras de café. Isso possibilitou a incorporação dos recursos monetários para aquisição de
mercadorias de consumo e de produção (ferramentas e implementos agrícolas), inclusive os
manufaturados. Com a alta do café no mercado mundial, o fluxo de renda aumentava nos núcleos
manufatureiro local. Contudo, segundo Furtado (1971), não bastava haver demanda de
manufaturados para desenvolver a industria local, era preciso existir força de trabalho e capitais
disponíveis para a acumulação. A transferência dos lucros do café por meio do sistema bancário
para as atividades industriais se acentuou graças aos fluxos migratórios14. Nesse momento, a taxa de
mais valia era maior nos setores de transformação de manufaturados, pois os produtos primários no
mercado mundial – no caso do café – sofriam constantes quedas de preços. A acumulação industrial
passa a prosperar não apenas no avanço da acumulação cafeeira mas, principalmente, pelas suas
crises, sobretudo às políticas de valorização do café e de suas consequências na economia brasileira
(PREBISCH, 1950, p. 195).
Além disso, a própria restrição de divisas que acompanhava a crise do setor exportador,
juntamente com a elevação do dólar em relação ao cruzeiro – que elevava os preços das
mercadorias estrangeiras – dificultava as importações, deixando o campo aberto para novas
inversões lucrativas no mercado interno.
No entanto, a expansão industrial do período pós crise e pós guerra – chamado de
substituição de importação – não fora suficiente para consolidar a situação de desenvolvimento
autossuficiente, ou seja, desenvolvimento baseado em impulsos dinâmicos internos como era
verificado nas economias capitalistas avançadas. Aqui entra a interpretação do subdesenvolvimento
dado por Prebisch e por Furtado15.
Na interpretação de Furtado o que impulsiona o desenvolvimento capitalista clássico é o
avanço tecnológico, influenciando diretamente no aumento de produtividade e, consequentemente,
multiplicando o excedente. Dessa forma, segundo Furtado, desencadeia-se uma “espiral ascendente
de acumulação, com a transformação das oficinas artesanais em fábricas”, aumentando a divisão

14 Sergio Silva em seu livro clássico “Expansão Cafeeira e Origens da Indústria no Brasil” (1995) coloca uma nova
abordagem sobre a relação café-indústria. “Ao subir os planaltos de São Paulo, as plantações abandonam o trabalho
escravo pelo trabalho assalariado. Com o trabalho assalariado, a produção cafeeira conhece a mecanização (...).
Além disso, a possibilidade desse deslocamento é determinada pela construção de uma rede de estradas de ferro
bastante importante. Finalmente, o financiamento e a comercialização de uma produção que atinge milhões de sacas
implica o desenvolvimento de um sistema comercial relativamente avançado, formado por casas de exportação e
uma rede bancária. É fundamentalmente por essas razões que o café se tornou o centro motor do desenvolvimento
capitalista no Brasil" (p. 50). A originalidade de Silva esta em reconhecer o papel da grande industria e do
comércio como elementos de acumulação e não a pequena manufatura.
15 “O subdesenvolvimento é, portanto, um processo histórico autônomo, e não uma etapa pela qual tenham,
necessariamente, passado as economias que já alcançaram grau superior de desenvolvimento. Para captar a essência
do problema das atuais economias subdesenvolvidas necessário se torna levar em conta essa
peculiaridade”(FURTADO, 1969, p.180). A originalidade da interpretação de Furtado da dinâmica interna do Brasil
é o oposto dado pelo PCB, e de certa forma, pelos isebianos.

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técnica do trabalho e a escala de produção. À medida que as novas e eficientes unidades produtivas
produzem mercadorias mais baratas no mercado (até então artesanais), arruínam grande parte dos
pequenos produtores, e com a expulsão dos camponeses, transformam-se em mão de obra para as
fábricas nascentes (FURTADO, 1964, P.65).
Diferentemente do desenvolvimento clássico, o subdesenvolvimento teve condições e
estímulos distintos do capitalismo clássico. Em primeiro lugar, o subdesenvolvimento se insere em
uma lógica sistêmica pré existente, ou seja, já está estruturado um capitalismo mundial avançado
quando de sua implantação. Em segundo lugar, devido a seu caráter específico das atividades
primário-exportadora que lhes proporcionaram capitais e mercado. À medida que a substituição de
importação definiu o processo de industrialização brasileiro, pautou-se na produção de mercadorias
semelhantes às dos centros desenvolvidos e suas respectivas técnicas produtivas (FURTADO, op
cit, p. 91).
Com isso, a teoria do subdesenvolvimento cepalino trazia para o centro do debate a
peculiaridade da economia brasileira. Assim, a industrialização firmou-se de acordo com as
prescrições técnicas externas e com a oferta de mão de obra condizentes com outra realidade - ou
seja, outro estágio de desenvolvimento. Furtado levanta o problema em adotar tecnologias
poupadoras de mão de obra e alta densidade de capital, adequadas às economias com grandes
massas de capital e com oferta limitada de força de trabalho, em oposto às economias
subdesenvolvidas com o baixo nível de acumulação de capital e com a abundância de mão de obra.
(MANTEGA, 1984, p.84)
No plano político e econômico a teoria do subdesenvolvimento tem seu arcabouço no
modelo do nacional-desenvolvimentismo. Esse projeto foi forjado ao longo dos anos 50,
primeiramente nos escritórios da Cepal ainda na década anterior e depois aprimorada pelos teóricos
do ISEB. Com isso, os governos que vieram após Dutra (1946-1951) usaram desse planejamento
como projeto político de desenvolvimento. O projeto nacional-desenvolvimentista foi encampado
pelos governos de Getúlio Vargas (1951-1954) baseando-se nos preceitos da Comissão Mista
Brasil-Estados Unidos, e no governo de Jucelino Kubitschek (1956-1961) com sustentação teórica
do Grupo Misto BNDE-CEPAL. Esse último ofereceu subsídios para a elaboração dos planos
nacionais para o desenvolvimento industrial, entre eles: Plano de Reabilitação da Economia
Nacional e Reaparelhamento Industrial (2º governo Vargas), Plano de Metas (JK) e o Plano Trienal
de Desenvolvimento (João Goulart – 1961-64).
Desde a década de 1940 o ritmo de crescimento da produção industrial era três vezes
superior ao crescimento da produção agrícola e, a partir de 1956, a industria passava a deter uma

9
parcela do produto interno maior que a agricultura16. Segundo a Comissão Mista, a expansão
industrial exigia esforços imediatos no sentido de incrementar o fornecimento de energia e de
melhorar o sistema de transporte, pois a expansão havia elevado as necessidades de eletrificação
com os adventos dos eletrodomésticos. Assim como Furtado, a Comissão abordava em seus
relatórios a preocupação em adotar técnicas mais adequadas às condições de países avançados, que
possuíam abundância de capital e mão de obra escassa.
Os diversos projetos elaborados pela Comissão, assim como pelo BNDE-CEPAL, padeciam
de uma margem de poupança, conforme já havia assinalado a Cepal. A solução a que se chegou
sobre a falta de recursos internos era a poupança externa. Aliás, os projetos elaborados pelas
comissões eram justamente para atrair recursos externos com projetos rentáveis. Porém, o mesmo
relatório da Comissão apontava a política cambial brasileira como forte empecilho para a atração
do capital estrangeiro.17 Diante disso, a Comissão aconselhava modificar a política cambial, como
de fato aconteceu no final de 1953, no sentido de atrair ingresso de capital estrangeiro.
A criação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), em 1952,
representou um passo decisivo para as políticas de acumulação industrial no Brasil. O BNDE surgia
como principal agência financiadora de investimentos do país, destinada a viabilizar por meio de
créditos os projetos voltados para o desenvolvimento industrial. Em 1953 criou-se o grupo BNDE-
CEPAL, sob a chefia de Celso Furtado, com o objetivo de complementar os projetos da Comissão
Mista e elaborar um programa de desenvolvimento para o período de 1955 a 1962. O grupo BNDE-
CEPAL colocará seu planejamento em prática no período de 1956 no início do Plano de Metas até
seu final, em 1961.
O Plano de Metas confirmava as prioridades das áreas industriais da economia brasileira.
Objetivava remanejar recursos de modo a canalizá-los para a acumulação industrial, por meio da
atuação do Estado priorizando algumas frentes. A primeira delas é na coordenação e integração dos
vários setores da economia, detectando as deficiências de infraestrutura e das lacunas deixadas pela
iniciativa privada e a criação e ampliação de empresas estatais. A segunda frente se dá no incentivo
direto à produção privada por meio da criação de linhas de crédito, principalmente através do
BNDE (com longos prazos de pagamentos e juros negativos), a contratação de crédito no exterior, a
facilitação de importação de máquinas, equipamentos e insumos básicos, isenção fiscal e tributária e

16 A taxa de crescimento anual da produção industrial foi de 7,2%a.a., de 1940 a 1954, enquanto a da produção
agrícola foi de 2,3% para o mesmo período. Vide Relatório do Grupo Misto BNDE-CEPAL, Rio de Janeiro, 1957,
p.16. Ver também em MANTEGA, 1984, p.65.
17 A taxa cambial foi mantida fixa até 1953, a despeito do processo inflacionário interno, o que acarretava a
sobrevalorização do cruzeiro e deprimia o valor dos dólares que entrassem no país. Assim, se bem que a
sobrevalorização beneficiasse a industrialização, barateando a importação de matérias-primas, equipamentos e
combustíveis, desestimulava os investimentos do exterior. Ver Relatório da Comissão Mista, O Observador
Econômico e Financeiro, nº232, 1955.

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a reserva de mercado para a industrial local por via de tarifas protecionistas (OLIVEIRA, 1977,
p.73).
No período pós guerra (1945/53) os investimentos em dólares haviam sido desestimulados
pela politica cambial vigente, onde supervalorizava o cruzeiro num período de inflação interna para
favorecer e equilibrar a balança de pagamentos. Após esse período, a desvalorização cambial do
cruzeiro, em 1953, iniciava uma série de medidas que tornariam o capital estrangeiro não apenas
bem vindo ao Brasil, como favorecido na mudança da legislação cambial. A primeira mudança foi
na lei 2.145 de 1954 e, logo em seguida foi a Instrução 113 da SUMOC (Superintendência da
Moeda e Crédito) de 1955, ambas estabelecendo dispositivos pelos quais a CACEX (Carteira de
Comércio Exterior) poderia conceber privilégios especiais para remessas de lucros e amortizações
de capital favorecendo a taxa cambial. A Instrução 113 permitia que as empresas estrangeiras
importassem máquinas e equipamentos sem cobertura cambial, abolindo qualquer restrição tarifária
nesse sentido. No governo JK esses privilégios foram ampliados com a concessão de favores
adicionais aos investimentos que incidissem nas áreas prioritárias (DREIFUSS, 1981, p.75).
Em síntese, o modelo nacional-desenvolvimentismo ao longo dos anos 50 foi importante não
apenas porque forneceu instrumentos teóricos que possibilitaram as primeiras análises sistemáticas
da economia brasileira, como também seus seguidores estavam diretamente comprometidos com a
transformação em curso nesse período.
Celso Furtado e a CEPAL foram responsáveis pelo primeiro modelo de desenvolvimento
econômico voltado para os problemas endógenos da América Latina. Em seu livro Um projeto para
o Brasil (1968), procurou responder o porquê da estagnação brasileira e colocou a necessidade de se
corrigir a “deformação” estrutural da economia subdesenvolvida, sendo ela refletida no “perfil da
demanda, que tem levado ao mau aproveitamento dos recursos produtivos do país”. Ou seja, para o
autor um desenvolvimento eficaz precisa utilizar técnicas que empreguem mais trabalhadores,
paguem mais salários e ampliem o mercado consumidor interno. Associado a isso, sugere a
transformação da estrutura agrária de modo a elevar sua produtividade, melhorando o
aproveitamento e distribuição da terra para a população rural (FURTADO, 1968, p.15).
O desenvolvimento econômico, para Furtado, está relacionado com os incrementos de
produtividade em toda cadeia quando a correlação de forças pende em favor dos trabalhadores (após
a absorção do excesso de força de trabalho), aí sim verificar-se-ia o desenvolvimento econômico,
pois os trabalhadores passariam a beneficiar-se dos frutos da produtividade. O conceito de
desenvolvimento econômico e de excedente que Furtado desenvolve é diferente do empregado por
Marx. Em suas palavras,
“O conceito de excedente de produção foi amplamente utilizado pelos clássicos, sob a

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designação de 'net produce' ou 'surplus produce', para significar a diferença entre o produto
bruto e as necessidades de vida de todos aqueles ligados à produção (John Stuart Mill,
Principles, p.163). Em face do juízo valorativo que Marx atribuía a essa expressão dela
derivando o conceito de 'taxa de exploração', os neoclássicos deixaram-na totalmente de
lado (…) Do ponto de vista da teoria do desenvolvimento, no qual o processo de
acumulação assume grande importância, é conveniente voltar ao conceito clássico de
excedente, deixando-se de lado, na medida do possível, qualquer vinculação do mesmo a
juízo de valor.” (FURTADO, 1961, p.92)
Furtado busca sustentar-se na análise de Ricardo sobre o conceito de excedente. Para o autor
inglês, o excedente consiste na diferença entre o produto líquido e os salários, fixados ao nível de
subsistência. Com isso, deve-se subtrair do produto agregado apenas as necessidades de vida dos
trabalhadores para se obter o excedente, e não as “necessidades de todos aqueles ligados à
produção”(p.94), que incluem também as indefinidas necessidades de vida dos empresários. O
termo de excedente para Furtado se restringe à diferença entre o produto bruto e as ditas
necessidades de vida de todos ligados à produção, deixando de lado a origem desse excedente (se é
de responsabilidade do trabalhador ou do capitalista), e qual o caráter social que adquire esse
excedente (se através da mais valia, renda da terra, etc.). Aqui o autor busca nos clássicos liberais a
conciliação de classe ao opor-se à teoria do valor de Marx, em que o excedente é a cristalização do
trabalho não pago – a mais valia (MANTEGA, 1984, p.90).
Furtado se equivoca ao colocar que os frutos dos incrementos de produtividade (os
excedentes), devem-se crescentemente ao capital e não ao trabalho. Considera-se força de trabalho e
meios de produção igualmente “fatores de produção”; já Marx considera trabalho vivo como força
de trabalho e trabalho morto como meios de produção (máquinas, ferramentas, etc.). Para Furtado,
não se pode falar de exploração dos trabalhadores, pois a expressão “exploração” caberia somente
quando os trabalhadores tivessem seu salário real reduzido abaixo das necessidades de subsistência.
A luta de classes nas modernas democracias políticas, diz o autor, adquire um caráter positivo, pois
“num primeiro momento os lucros dos capitalistas se chocam com os trabalhadores” e, logo em
seguida, o capitalista aumenta a produtividade permitindo a elevação dos lucros e,
consequentemente, “a elevação ou manutenção dos salários”, colocando na análise a colaboração de
classe e negando o seu antagonismo (FURTADO, 1964, p.67).
Para os economistas estruturalistas – CEPAL e Furtado – o erro das economias
subdesenvolvidas está na incapacidade da demanda dos assalariados em absorver as mercadorias
produzidas pela indústria de transformação. Disso se tira a conclusão de que a industrialização das
economias subdesenvolvidas, com grande oferta de mão de obra e alta densidade de capital,
concentra a renda e faz a massa de salários crescer menos do que a expansão industrial. Nesse

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aspecto Furtado está correto em apontar que a acumulação de capital no Brasil vem se realizando
através de grande concentração de renda, e devido a isto, a exclusão da grande maioria da
população de consumir o necessário, como verificou-se nos anos de 1950 a 196018.
Porém, a resposta dada à concentração da renda e à falta de desenvolvimento estava na
estagnação do mercado interno, ou seja, o baixo poder de compra da classe trabalhadora era o
responsável pela estagnação da economia. Aqui entramos nos equívocos de diagnóstico
estagnacionista dos cepalinos, dos isebianos e dos pecebistas. Nessa linha, acreditava-se que o
entrave da economia se resolveria com a ampliação do mercado interno através das “reformas
estruturais de base”, desconcentrando a renda e diversificando o consumo. Contudo, a própria
concentração de renda estimulara a implantação de um setor de bens de consumo duráveis, cuja a
demanda é assegurada justamente porque a renda não se pulveriza pela população, concentrando-se
nos seus estratos ou classes privilegiados19. Segundo Oliveira, ainda que os salários reais das classes
trabalhadoras não tenham crescido, pressuposto correto de Furtado, não havia crise de realização
porque o próprio modelo concentracionista havia criado seu mercado - adequado, em termos de
distribuição da renda, à realização da produção de ramos industriais mais novos (OLIVEIRA, 1987,
p.51).
Furtado aponta que o grande reservatório de mão de obra e a falta de pressão dos salários
resultam nas altas taxas de exploração da economia brasileira e, consequentemente, num ritmo
considerável de valorização do capital - e não na inibição do desenvolvimento ou na estagnação
econômica. Afinal, as altas taxas de lucro nunca foram problema para o capitalismo e muito menos
o conduziu à estagnação. Ainda em 1968 Furtado insistia em diagnosticar a estagnação da economia
brasileira, porém no mesmo ano o Brasil apresentava uma taxa de crescimento na ordem de 10%.
Esse diagnóstico foi partilhado com a maioria da esquerda brasileira.
Ao colocar em segundo plano a luta de classes, a visão conciliadora dos cepalinos – e de
certa forma dos pecebistas – tentava trazer certa comunhão entre lucros e salários, uma vez que
aqueles dependeriam em grande medida do poder de compra destes para o desenvolvimento
econômico. Isso só seria possível se o sistema capitalista brasileiro estivesse orientado para o

18 “Os dados disponíveis indicam que, entre 1950 e 1960, a participação dos salários no valor agregado declinou de 27
para 20 por cento nas industrias modernas e de 22 para 20 nas tradicionais. Como nada indica que o nível de vida
dos assalariados industriais haja declinado com respeito aos demais setores da massa assalariada, torna-se evidente
que um conjunto de circunstâncias levaram o processo de industrialização a concentrar os benefícios do
desenvolvimento em mãos de um número reduzido de pessoas.” FURTADO, Celso, Um Projeto para o Brasil, op.
cit., p.36.
19 Francisco de Oliveira diz que “o consumo dos bens produzidos pelos novos ramos industriais, bens duráveis de
consumo (automóveis, eletrodomésticos em geral) era assegurado pelo mesmo caráter concentracionista, que se
gesta a partir da redefinição das relações capital-trabalho e pela criação, como requerimentos da matriz técnica-
institucional da produção, das novas ocupações, típicas da classe média, que vão ser necessárias para a nova
estrutura produtiva”. A Economia Brasileira: Crítica à Razão Dualista, p. 47.

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consumo, e mais especificamente, para o consumo dos trabalhadores e para as satisfações das
necessidades destes. O fato é que a acumulação de capital não precisa da expansão vigorosa do
consumo dos assalariados e funciona com maior vigor com a sistemática elevação da taxa de mais
valia, o que numa economia subdesenvolvida implica menor capacidade de consumo do
trabalhador.
Em síntese, a crítica ao modelo cepalino – Furtado e o modelo de substituição de importação
– se coloca em primeiro lugar na negação da teoria do valor de Marx, preferindo exaltar o conceito
ideológico de Estado-Nação, trazendo a proposta de conciliação de classe em detrimento a um
Estado que paira acima dos interesses de classes, um Estado como sujeito racional da história, uma
concepção hegeliana de instituição20. Em segundo, para os desenvolvimentistas, a causa do
subdesenvolvimento é mais falta ou ausência de capitalismo do que seu resultado, deixando de lado
as mazelas que o capitalismo causa e, principalmente, deixando de fora o conceito de lutas de
classes. Isso se mostrou no chamado “milagre econômico”, onde, apesar do crescimento econômico
atingir o patamar de 10% ao ano a pobreza se acentuou cada vez mais. Prebich no prefácio ao livro
de Rodriguez reconheceu textualmente a incapacidade da industrialização dessa época de eliminar
a pobreza na América Latina21.
No que tange o limite do artigo, procuramos analisar as propostas de dois modelos de
desenvolvimento do Brasil. O resultado que chegamos mostra que, tanto o modelo etapista do
Partido Comunista Brasileiro (PCB) quanto o modelo nacional-desenvolvimentismo da CEPAL se
defronta com o jogo de interesses, ou seja, na premissa básica da luta de classes. Hoje parece se
repetir um modelo conciliador levado pelo Partido dos Trabalhadores – novodesenvolvimentismo –
que, ao olhar para a nossa história, podemos prever o resultado do projeto: seria trágico se não fosse
cômico.
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FILGUEIRAS, Luiz. História do Plano Real: fundamentos, impactos e contradições. São Paulo,

20 Essa concepção de Estado tem inspiração hegeliana porque atribui a este o monopólio da razão ou a consciência
objetiva, além da iniciativa dos empreendimentos econômicos. Ver em Hegel “Princípios da Filosofia do Direito”.
Marx faz a crítica do Estado racional hegeliano em seu livro de juventude “Crítica da Filosofia do Direito de
Hegel”, Boitempo, 2011.
21 RODRIGUEZ, Octávio. La Teoria del Subdesarrollo de la CEPAL, prólogo de Raul Prebich.

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