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As ações da CIA no Brasil


publicada em 03 de dezembro de 2011

As ações da CIA no Brasil


Os arquivos secretos da Marinha revelam como o serviço
secreto americano
mantinha informantes infiltrados entre os comunistas
brasileiros
LEONEL ROCHA, EUMANO SILVA E LEANDRO LOYOLA

O AGENTE
Manoel dos Santos Guerra Júnior, de 79 anos, em seu apartamento e documentos do Cenimar com sua história (abaixo). O
Cenimar o trata como informante da repressão brasileira e da CIA. Ele nega tudo (Foto: divulgação)

Nos tempos da Guerra Fria, a atuação agressiva dos serviços secretos era um meio de ultrapassar as fronteiras da “cortina de

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ferro”, expressão usada para designar a divisão do mundo em áreas de influência dos Estados Unidos e da extinta União Soviética.
Espiões infiltrados em governos, partidos e grupos armados tiveram participação determinante em muitos fatos históricos daquele
período. A aura de mistério em torno dos agentes secretos criou mitos e inspirou o cinema e a literatura policial. Esse ambiente
que mistura lendas e segredos de Estado forneceu farto material para denúncias e especulações sobre a influência da Central
Intelligence Agency (CIA), o serviço secreto dos Estados Unidos, em acontecimentos relacionados à ditadura militar instalada em
1964.
Os arquivos secretos da Marinha obtidos com exclusividade por ÉPOCA ajudam a entender a nebulosa relação dos governos
militares brasileiros com a agência de espionagem americana. Esta segunda reportagem sobre o conteúdo de mais de 2 mil
páginas produzidas pelo Centro de Informação da Marinha (Cenimar) torna públicos, pela primeira vez, documentos da ditadura
que comprovam o envolvimento direto de agentes da CIA em fatos ocorridos no Brasil antes e depois do golpe de 31 de março.
Nos arquivos do Cenimar, a que ÉPOCA teve acesso, aparecem descritos dois casos de aliciamento de militantes do Partido
Comunista Brasileiro (PCB), o “Partidão”, pela CIA. Um deles, um ano antes da tomada do poder pelos militares, informação que
reforça a tese de envolvimento da CIA na preparação do golpe de 1964. Em março de 1963, segundo os documentos, Manoel dos
Santos Guerra Júnior, o Guerrinha, militava no PCB quando recebeu a visita de um estrangeiro. De acordo com a versão
documentada pelo Cenimar, o desconhecido falava com sotaque e se apresentou como agente da CIA. Sem fazer cerimônias,
convidou o dono da casa para trabalhar como informante remunerado da agência americana.

Aos 30 anos, Guerra Júnior conhecia o PCB por dentro. Filho de um veterano comunista, tinha contatos com dirigentes estaduais
do partido e atuava no comitê universitário. Sua primeira reação à oferta, dizem os documentos, foi dizer não. Em outro encontro, o
visitante disse que fez a abordagem porque sabia que Guerra Júnior, em troca de dinheiro, colaborava havia algum tempo com o
Cenimar e com o Conselho de Segurança Nacional (CSN), órgão de assessoramento direto do presidente da República. A
revelação feita pelo visitante quebrou a resistência do brasileiro, de acordo com o relato do Cenimar. Guerra Júnior, afirma o
documento, passou a trabalhar para a CIA com salário mensal de 60 mil cruzeiros, mais o aluguel de um apartamento e um
emprego formal.
O caso narrado acima ficou registrado em um relatório de cinco páginas do Cenimar, produzido em 1964 e rebatido à máquina em
abril de 1970. Para ter uma ideia do tratamento especial dado a essas informações, trata-se de um dos poucos documentos com
tarja de “ultrassecreto” no material do Cenimar. Esses documentos fazem parte de um pacote de papéis identificado como
Operação Master. A curiosa história de Guerra Júnior é contada em detalhes no texto produzido pela Marinha. Antes de ser
aliciado pela CIA, Guerra Júnior recebia por mês, de acordo com o documento, 10 mil cruzeiros do Conselho de Segurança e 20
mil cruzeiros do Cenimar. Ele se tornou, segundo o Cenimar, um militante comunista e triplo agente secreto. O documento diz que
o Cenimar continuou remunerando Guerra Júnior mesmo depois que ele passou a trabalhar para a CIA e para o Conselho de
Segurança.
saiba mais

Parte 1: Os arquivos secretos da Marinha


Parte 1: Os infiltrados da ditadura

Advogado, Guerra Júnior hoje tem 79 anos e mora num apartamento de classe média em Copacabana, no Rio de Janeiro. Em
entrevista a ÉPOCA, ele negou ter sido agente da CIA, do CSN e do Cenimar, embora tenha confirmado o uso do apartamento e o
nome de pessoas com as quais mantinha relações. “Estas acusações são um absurdo”, diz Guerra Júnior. “Nunca fui informante e
também não é verdade que eu tenha tido emprego no CSN. Estas informações são uma falsificação. Estes relatórios devem ter
sido forjados por organizações anticomunistas para justificar a verba que recebiam do exterior”, afirma o advogado. Guerra Júnior
diz ter sido integrante do PCB desde os 19 anos, alinhado com as orientações de Luiz Carlos Prestes, como o pai. Afirma ainda
que, por causa da militância, esteve preso duas vezes. “Disseram no partido que eu era policial e, por isso, me afastei da militância
depois do golpe. Eu me senti ameaçado”, diz.
Ele (agente da CIA) disse que queria informações. Eu disse que não podia fazer o trabalho "
Armênio Guedes, ex-dirigente do PCB

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Os documentos da Operação Master reúnem informações sobre o período de 1963 até 1973. As relações do aparato de
informação montado pelo regime militar no Brasil com a CIA nessa década permaneceram até hoje obscurecidas pela falta de
documentos. O segundo caso relacionado à presença da CIA no Brasil registrado pelos arquivos da Marinha expõe detalhes dessa
cooperação. No dia 3 de dezembro de 1972, o Jornal do Brasil publicou uma entrevista de página inteira com um homem de 43
anos que se apresentou como “Agente Carlos” e disse ter sido durante mais de dez anos colaborador direto de Luiz Carlos
Prestes, secretário-geral e líder máximo do PCB. Ele afirmou que procurara o jornal para denunciar as “maquinações do
Movimento Comunista Internacional”. Sem revelar sua verdadeira identidade, relatou como o PCB funcionava na clandestinidade e
deu detalhes sobre as conexões com a União Soviética e com os partidos comunistas da América Latina. Boa parte das
declarações do “Agente Carlos” se referia às movimentações de Fued Saad, dirigente do PCB responsável pela seção de relações
exteriores do partido, e de Prestes, na época exilado em Moscou. O “Agente Carlos” disse ter-se arrependido da militância
comunista depois de duas décadas no partido. Também afirmou que, durante muito tempo, foi assediado para se tornar informante
no Brasil da KGB, o serviço secreto soviético. Deu também o nome de dois agentes da KGB no Brasil, Nikolai Blagushin e Victor
Yemelin. Quatro dias depois da entrevista, o JB publicou a identidade verdadeira do denunciante. O “Agente Carlos” se chamava
Adauto Alves dos Santos, integrante da seção de relações exteriores do PCB e auxiliar direto de Prestes.

“AGENTE CARLOS”
Acima, reprodução de reportagem do Jornal do Brasil, de 1972, em que Adauto dos Santos, militante do PCB, denunciava as
conexões internacionais do Partidão. Segundo os documentos do Cenimar, a entrevista foi arquitetada com a participação da CIA
(Foto: reprodução)
A atitude de Adauto ao buscar o jornal intrigou alguns dirigentes do PCB. Eles suspeitaram que a CIA tivesse participação no
aparecimento público do auxiliar de Prestes. Naqueles anos, vários integrantes da cúpula do partido haviam sido procurados por
agentes americanos, mas não havia provas da ação da CIA no episódio. Os arquivos da Marinha sugerem que a entrevista do
“Agente Carlos” tenha sido orientada pela CIA. No dia 15 de setembro de 1972, um dos principais oficiais do Cenimar enviou ao
então diretor do órgão, almirante Joaquim Coutinho Neto, dois documentos sobre a Operação Sombra, ambos relacionados à
entrevista de Adauto. Um dos papéis tem o timbre do SNI e a inscrição “Presidência da República”. Em cinco páginas manuscritas,
relata a formação de dois grupos de trabalho, um em Brasília e outro no Rio, ambos com representantes do SNI, do Cenimar e da
CIA. O grupo do Rio tinha a missão de, entre outras medidas, criar condições para ouvir, com toda a segurança e sigilo, o
“elemento infiltrado” pela CIA no Movimento Comunista Internacional (MCI). O homem foi tratado como “Sr. Sombra”. O plano
relatado no documento incluía uma entrevista aos meios de comunicação para denunciar as “manobras do MCI”. Foi o que
aconteceu nas páginas do Jornal do Brasil menos de três meses depois.
Um relatório preparado para o almirante Coutinho diz que o “informante” foi entrevistado pelo Cenimar na presença de um
representante da CIA. O nome de Adauto, ou do “Agente Carlos”, não é citado no documento, mas o cruzamento das informações
do Cenimar com a reportagem do Jornal do Brasil sugere que se trata da mesma pessoa. As referências ao comunismo
internacional, à política latino-americana e ao comunista Fued Saad e à KGB são coincidentes. O “informante” também fala ao
Cenimar de Nikolai Blagushin e Victor Yemelin, os dois soviéticos que mantinham contato com o PCB no Brasil.

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ELE DISSE NÃO


Armênio Guedes em sua casa, em São Paulo. Ele afirma que recebeu proposta para ser informante da CIA. Rejeitou. Depois foi
enviado ao Chile pelo PCB
(Foto: Rogério Cassimiro/ÉPOCA )
A aparição pública de Adauto cumpriu um cronograma recusado por outros comunistas. Um dirigente do partido, Armênio Guedes,
hoje com 88 anos e residente em São Paulo, diz que certa vez foi procurado por um sujeito com aparência de latino que, na
opinião dele, era da CIA. “Ele me disse que sabia de minhas divergências com a ala do partido que defendia a luta armada e
gostaria de informações. Assustado, eu disse que não podia fazer o trabalho. Alguns dias depois, por segurança, a direção do
partido me mandou para o Chile”, afirma Guedes. Outro antigo dirigente do PCB, Givaldo Siqueira, afirma que sabia da infiltração
da CIA no partido desde antes do golpe. “Os companheiros que eram abordados pela CIA e nos avisavam eram mandados para o
exterior, mas não sabíamos de todos que eram procurados”, diz Siqueira.
Um fato ocorrido em 1987 deixou os comunistas ainda mais intrigados. Durante uma comemoração na Embaixada da União
Soviética em Brasília pelos 70 anos da revolução russa, o dirigente comunista Salomão Malina reconheceu Adauto dos Santos
entre os presentes. Revoltado, Malina pediu aos integrantes do PCB que se retirassem com ele. No dia seguinte, três
representantes do partido estiveram na embaixada para pedir explicações. Não tiveram resposta. Na cúpula do “Partidão” ficou a
suspeita de que Adauto também fora agente da KGB, além de informante da CIA. ÉPOCA tentou localizar Adauto em Brasília, em
seu último endereço conhecido, mas o porteiro do prédio disse que ele não morava mais no local.

OS CANAIS OFICIAIS
O presidente Castello Branco (à esq.) cumprimenta o embaixador dos EUA, Lincoln Gordon, em Brasília, em 1964. Gordon sempre
sustentou que a atuação dos EUA no golpe de 1964 resumiu-se a medidas para retirar cidadãos americanos do Brasil
(Foto: arq. AE)
O envolvimento dos Estados Unidos com a ditadura brasileira pouco aparece em documentos oficiais. Registros revelam que,
desde 1962, a CIA informava o governo americano das movimentações militares e civis contra o governo João Goulart. Os
americanos negam ter participado diretamente do golpe que derrubou o presidente João Goulart em 1964 e colocou o marechal

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Humberto Castello Branco no poder – embora tenham mobilizado navios de guerra e petroleiros rumo ao litoral brasileiro no
episódio conhecido como Operação Brother Sam. Numa carta escrita ao historiador Ronaldo Costa Couto, chefe da Casa Civil no
governo José Sarney, o embaixador dos EUA no Brasil na ocasião do golpe, Lincoln Gordon, disse que o objetivo da frota era
ajudar cidadãos americanos a deixar o Brasil se eclodisse uma guerra civil. “Estes arquivos da Marinha são fundamentais para o
esclarecimento do passado recente do Brasil”, afirmou Costa Couto a ÉPOCA.
O historiador americano Peter Kornbluh, analista do Arquivo de Segurança Nacional dos EUA, afirma que até hoje não haviam
aparecido documentos com referências diretas à contratação pela CIA de agentes no Brasil. “Sabemos que existiram operações
secretas da CIA na América Latina”, afirma Kornbluh. “Mas não conheço documentos que mostrem atividades assim no Brasil.” Os
documentos revelados por ÉPOCA, segundo Kornbluh, podem suscitar novas buscas nos arquivos da CIA. “Com esses papéis,
podemos tentar desclassificar documentos da CIA (referentes a essas atividades no Brasil)”, diz. Segundo ele, é um processo
longo, que pode demorar entre quatro e cinco anos.

A REDE
Um dos poucos documentos ultrassecretos do Cenimar afirma que havia uma rede de espionagem da CIA funcionando em
território nacional antes do golpe militar de 1964

O CONVITE
O texto diz que Manoel dos Santos Júnior foi procurado por um estrangeiro e recebeu proposta para trabalhar como informante da
CIA no Brasil em março de 1963

A
ASSOCIAÇÃO
Documento do SNI, arquivado no Cenimar, trata da associação dos serviços secretos brasileiro e americano. Diz o texto:
“Organizar dois grupos de trabalho com elementos do SNI, CIA e Cenimar”

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O SOMBRA
Documento do Cenimar para o ministro da Marinha informa sobre a Operação Sombra. A operação foi a entrevista de Adauto dos
Santos ao JB, denunciando atividades dos comunistas

JUNTOS
O texto afirma que agentes do Cenimar falaram com Sombra junto com um agente da CIA

ISTO È

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