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Casa de Oswaldo Cruz – FIOCRUZ

Programa de Pós- Graduação em História das Ciências e da Saúde

MARIANA SANTOS DAMASCO

“ FEMINISMO NEGRO: RAÇA, IDENTIDADE E SAÚDE


REPRODUTIVA NO BRASIL (1975-1996)”

Rio de Janeiro
2009
MARIANA SANTOS DAMASCO

“ Feminismo negro: raça, identidade e saúde reprodutiva no Brasil


(1975-1996)”

Dissertação de mestrado apresentada ao


Curso de Pós- Graduação em História das
Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo
Cruz – FIOCRUZ, como requisito parcial
para a obtenção do Grau de Mestre. Área de
Concentração: História das Ciências.

Orientador: Prof. Dr. MARCOS CHOR MAIO

Rio de Janeiro
2009
D155m Damasco, Mariana Santos.

Feminismo negro: raça, identidade e saúde


reprodutiva no Brasil (1975-1996) / Mariana Santos
Damasco. – Rio de Janeiro : s.n., 2008.
159 f.
Dissertação (Mestrado em História das Ciências e da
Saúde) – Fundação Oswaldo Cruz. Casa de Oswaldo
Cruz, 2009.

1.Mulheres 2. Grupo com Ancestrais do Continente


Africano 3. História 4. Saúde reprodutiva 5. Brasil 6.
Feminismo.
CDD 305.4
MARIANA SANTOS DAMASCO

“Feminismo negro: raça, identidade e saúde reprodutiva no Brasil (1975-1996)”

Dissertação de mestrado apresentada ao


Curso de Pós- Graduação em História das
Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo
Cruz – FIOCRUZ, como requisito parcial
para a obtenção do Grau de Mestre. Área de
Concentração: História das Ciências.

Aprovada em agosto de 2009

BANCA EXAMINADORA
__________________________________
Prof. Dr. Marcos Chor Maio - FIOCRUZ
__________________________________
Prof. Dr.Luiz Otávio Ferreira
Casa de Oswaldo Cruz - FIOCRUZ
__________________________________
Profª. Drª. Rachel Soihet
Universidade Federal Fluminense – UFF
Suplentes:
__________________________________
Profª. Drª. Monica Grin Monteiro de Barros - UFRJ
__________________________________
Prof.ª. Drª. Ana Teresa Acatauassú Venancio - FIOCRUZ
Rio de Janeiro
2009
Dedico esta dissertação aos meus pais
que são o meu orgulho e fonte de inspiração.
AGRADECIMENTOS

Aos meus pais por todo apoio, amor, incentivo e compreensão que me proporcionaram
durante toda a minha vida. Um muito obrigado especial ao meu pai que esteve literalmente ao
meu lado na última semana de trabalho nesta dissertação.
Ao meu orientador Marcos Chor Maio, por ter acreditado na minha capacidade desde o
processo inicial de seleção para o curso de mestrado e por todos os diálogos e ensinamentos
que me dispensou desde o ano de 2006.
Ao Thiago e aos meus amigos, pelo afeto, pela paciência e por terem entendido os
momentos em que precisei me afastar do convívio deles para concluir esta dissertação.
À Maria Luiza Duarte Coelho pelas conversas e apoio emocional.
Aos professores de minha banca de qualificação, Luiz Otávio Ferreira e Rachel Soihet
pelas sugestões e indicações ao meu trabalho.
Aos meus colegas de curso pela ajuda mútua, solidariedade e momentos de diversão,
em especial: Gabriel Vitiello, Renata Brotto, André Fabrício e Arthur Caser.
À Simone Monteiro por ter contribuído na minha formação no campo das relações
entre raça, saúde e gênero no Brasil.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação em História da das Ciências e da
Saúde por todo o conhecimento adquirido nas aulas.
Aos funcionários do PPGHCS e do DEPES, Maria Cláudia, Paulo Henrique, Cléber e
Nélson pela constante boa vontade e ajuda nos assuntos burocráticos do curso.
Às amigas, Laurinda Rosa Maciel e Vivian da Silva Cunha por todo companheirismo,
ajuda e incentivo que me dedicaram ao longo da minha vida acadêmica.
Aos funcionários, bibliotecários e pesquisadores de instituições como: NEPO, Criola,
Geledés, ABI e Fundação Carlos Chagas pela ajuda com a pesquisa, através do envio de fontes
essenciais à pesquisa.
Às pesquisadoras Mariza Corrêa, Albertina Costa, Bila Sorj, Sandra Azeredo, Ana
Maria Costa e Núbia Moreira pelas indicações bibliográficas.
SUMÁRIO
Introdução 7

Capítulo I – Uma história do movimento feminista no Brasil. E as mulheres


negras como aparecem? 15
1.1 – Primeiros anos do movimento feminista ocidental 16
1.2 - O nascimento do feminismo no Brasil 19
1.3 - A segunda onda feminista no Brasil 26
1.4 - A imprensa feminina no Brasil nos anos 1970-1980 31
1.5 - O feminismo nos anos de redemocratização 36
1.6 - As ONGs feministas e os anos de 1990 40
1.7 - As divergências das ativistas negras no movimento feminista 43

Capítulo II – As feministas negras: A organização de um movimento de


mulheres 54
2.1 - Histórico do Movimento Negro no Brasil 54
2.2 – Feministas negras 67
2.3 - O movimento de mulheres negras brasileiras 71
2.4 - Encontros e Seminários 74
2.5 - Contradições no interior do movimento 80

Capítulo III – As feministas negras e a questão da saúde reprodutiva no Brasil 84


3.1 - Saúde reprodutiva, direitos reprodutivos e direitos sexuais 85
3.2 - O planejamento familiar no Brasil 94
3.3 – Feminismo negro e saúde reprodutiva no Brasil 104
3.4 – Os dados sobre a esterilização cirúrgica: A PNAD de 1986 111
3.5 - A luta contra a esterilização cirúrgica na década de 1990: principal bandeira
114
das feministas negras
3.6 - A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito de 1993 e a investigação sobre a
122
esterilização em massa de mulheres no Brasil
3.7 - Polêmicas em torno da esterilização cirúrgica nas mulheres negras 132

Considerações finais 137

Bibliografia e Fontes 142


RESUMO

Este trabalho aborda as interfaces entregênero, raça/etnia e saúde no Brasil, entre os


anos de 1975 e 1996, tendo como foco de estudo a importância da saúde reprodutiva para o
movimento de mulheres negras no país. O marco inicial da pesquisa é 1975 – data do
surgimento do movimento feminista organizado no Brasil - e se estende até o ano 1996,
momento em que as ações das “feministas negras” em torno da saúde reprodutiva repercutem
no âmbito da saúde pública. Analiso a história do feminismo negro no país, a partir das
relações entre as ativistas negras e os movimentos feminista e negro. Esta história, em meados
da década de 1980 sofre uma inflexão, pois as militantes reivindicam a criação de uma
identidade própria, o feminismo negro, já que não havia até então um debate amplo sobre as
interfaces entre raça e gênero no interior do movimento feminista e negro respectivamente. A
questão da saúde reprodutiva - que tomou por base denúncias de esterilizações cirúrgicas
contra mulheres negras na década de 1980- aparece como a mola propulsora do ativismo e da
constituição de um feminismo negro no país, entre os anos de 1980 a 1990. Meu trabalho, por
um lado, investiga o contexto em que emergem tais denúncias e, por outro, analisa os debates
que embasaram a relação entre as ativistas negras e a saúde pública no Brasil nesse período.
ABSTRACT

This work analyses the interfaces between gender, race/ethnicity and health in Brazil, between
the years 1975 and 1996, focusing study of the importance of reproductive health for the
movement of black women in the country. The first milestone of the study is 1975 - the date of
emergence of organized feminist movement in Brazil - and runs to the year 1996, when the
actions of "black feminist" around reproductive health impact in public health.
Analyze the history of black feminism in the country, from the relationships between
black activists and the feminist movement and black. This story in the middle of decade 1980
have a change, as the militants demanded the creation of its own identity, feminism black,
since then there wasn’t a wide debate about the interfaces between race and gender within the
feminist movement and black respectively. The issue of reproductive health - which has based
on accusations of surgical sterilizations against black women in the 1980s – impulsed all
activism and the formation of a black feminism in the country, between the years 1980 to
1990. My work on the one hand, investigates the context in which such allegations arise, and
examines the debates that based the relationship between black activists and public health in
the Brazil in this moment.
INTRODUÇÃO

Ao longo das décadas de 1980 e 1990 surge um novo movimento social no âmbito do
feminismo brasileiro denominado “feminismo negro”1. A formação desse grupo específico
esteve relacionada aos debates e ações associados à saúde reprodutiva da população negra no
país a partir dos anos 1970. O tema da saúde reprodutiva com recorte racial baseou-se,
sobretudo, nas denúncias de que as negras seriam alvo de política de controle da natalidade
adotada mediante esterilização cirúrgica em massa durante a década de 1980.
Meu interesse pela questão surgiu em novembro de 2005, quando participei de uma
pesquisa acerca da saúde da população negra no Brasil, sob a supervisão direta da
pesquisadora Simone Monteiro (IOC/Fiocruz). Em 2006, ingressei no projeto: “A construção
do campo da saúde da população negra no Brasil: idéias, atores e instituições (1996-2001)”.2
Este me estimulou a desenvolver uma pesquisa de caráter mais histórico acerca do contexto
que caracterizou a relação entre as ativistas negras e o campo da saúde pública no Brasil, a
partir da década de 1970. Nesse sentido, esta dissertação é um dos desdobramentos do
mencionado projeto.
Minha pesquisa tem como objetivo central analisar as relações entre o movimento de
mulheres negras no Brasil e a questão da saúde reprodutiva entre os anos de 1975 e 1996. O
recorte cronológico se inicia em 1975, momento em que se configurou no país a “segunda
onda feminista”. No ano de 1975, grupos de mulheres organizadas, em especial nos estados do

1
Os termos “feministas negras” ou “feminismo negro” representam a forma pela qual as próprias ativistas negras
se referem ao movimento de mulheres negras no país.
2
Este projeto, sob a coordenação do pesquisador Marcos Chor Maio, contou com o apoio do CNPq e é
constituído ainda pelos seguintes pesquisadores: Simone Monteiro (IOC/Fiocruz), Paulo Henrique A. Rodrigues
(Universidade Estácio de Sá) e Fernando Pires (COC/Fiocruz). CNPq 02/2006/Processo nº 485870/2006-1
8

Rio de Janeiro e São Paulo, atuaram em esfera nacional, reivindicando questões como:
combate à carestia e a violência contra a mulher, luta pela anistia dos presos políticos,
promoção da saúde feminina, melhores condições trabalhistas da mulher, entre outras. O ano
de 1975 marca ainda a proliferação dos estudos sobre a mulher e gênero no país. A pesquisa se
encerra no ano de 1996, quando o ativismo acumulado pelas militantes negras repercute no
âmbito governamental, através da realização de eventos, em especial a “Mesa-Redonda sobre
Saúde da População Negra” em Brasília. Nesse encontro, ações de saúde presentes desde a
década de 1980 na agenda de grupos de mulheres negras, como Criola e Geledés, são
incorporadas e discutidas.
O ativismo das mulheres negras surge, em parte, do movimento feminista inaugurado
nos anos 1970. Autores como Céli Regina Pinto, Jaqueline Pitanguy, Albertina Costa e Maria
Amélia Teles3, iluminaram o meu trabalho, na medida em que analisaram a história do
movimento feminista no país. Neste sentido, através da leitura desses autores pude perceber
que, na primeira fase do movimento feminista a principal luta girava em torno do direito ao
voto feminino e, a partir de meados da década de 1970 um leque maior de temáticas entram no
debate, tais como: saúde, mercado de trabalho e violência.
Os trabalhos de Anette Goldberg, Bila Sorj e Maria Luiza Heilborn,4 também
ajudaram na construção dessa dissertação na medida em que apresentaram as principais
questões presentes nos estudos de gênero no país nos anos de 1960 a 1990. Goldberg fez um
balanço bibliográfico da temática feminista no país, entre as décadas de 1960 e 1980,
apresentando que nesse período os principais temas debatidos eram: vida conjugal,
maternidade, trabalho, política, educação e saúde. Seguindo a mesma linha metodológica, Bila
Sorj e Maria Luiza Heilborn analisaram o desenvolvimento dos estudos de gênero no Brasil,
entre as décadas de 1970 e 1990, tendo como base algumas áreas: trabalho, sexualidade,

3
TELES, Maria Amélia. Breve história do feminismo no Brasil. Brasília: Brasiliense, 2003. 181 p; Rio de
Janeiro: Zahar, 1982. 102 p; SOIHET, Rachel. A pedagogia da conquista do espaço público pelas mulheres: a
militância feminista de Bertha Lutz. Revista Brasileira de Educação Set/Out/Nov/Dez/2000, nº 15: ANPED.
Campinas: Editora Autores Associados, p. 93-115; PINTO, Céli Regina Jardim. Uma história do feminismo no
Brasil. São Paulo: Perseu Abramo, 2003. 119 p; ALVES, Branca M & PITANGUY, Jacqueline. O que é
feminismo. Brasília: Brasiliense, 1981. 77 p.
4
GOLDBERG, A. Feminismo no Brasil Contemporâneo: O Percurso Intelectual de um Ideário Político. BIB.
Rio de Janeiro, n.28, p.42-70, 1989; SORJ, B; HEILBORN, M.L. Estudos de Gênero no Brasil. In: MICELI, S.
(Org). O que ler na ciência social brasileira. São Paulo: Editora Sumaré: ANPOCS; Brasília, DF: CAPES, 1999
p.183-235. GREGORI, Maria Filomena. Estudos de Gênero no Brasil ( Comentário Crítico). O que ler na ciência
social brasileira. São Paulo: Editora Sumaré: ANPOCS; Brasília, DF: CAPES, 1999 p.224-235.
9

família e violência. Ao analisar esses artigos há a percepção que a temática racial – presente
no meu trabalho - não foi levantada. A pesquisadora Maria Filomena Gregori sinalizou que os
estudos de gênero começaram a incorporar a questão racial a partir de 1980, refletindo as
reivindicações das mulheres negras em prol de estudos que articulassem os conceitos de
gênero e raça.
Minha dissertação abordará o processo de “onguização” pelo qual passou o movimento
feminista brasileiro durante a década de 1990. Leilah Landim e Sonia Alvarez fornecem
subsídios ao meu trabalho, na medida em que Landim explicita que as ONGs no Brasil se
desenvolveram no bojo da ação dos movimentos sociais na década de 1980. Sonia Alvarez
traz elementos que me permitem entender que a institucionalização do movimento de
mulheres em ONGs ocorreu em virtude da ampliação dos espaços femininos na década de
19905.
O desenvolvimento do movimento de mulheres negras no Brasil na década de 1980,
ocorreu a partir das relações das ativistas negras com o movimento feminista e negro. O livro
de Albertina Costa, Sueli Carneiro e Thereza Santos além de apresentar dados a respeito da
situação da mulher brasileira nas décadas de 1970 e 1980, demonstra que havia pontos em
comum entre as feministas e as mulheres negras no período em destaque6.
O momento em que as mulheres negras – influenciadas pelas feministas negras norte-
americanas - criticam a ausência da discussão racial no interior do movimento feminista
brasileiro está presente na minha pesquisa. O trabalho de Antônio Flávio Pierucci indica,
como o livro da escritora americana bell hooks7, “Ain’t a woman: Black women and
feminism”, de 1981, trouxe à tona o debate racial e as questões que envolviam as mulheres
negras dentro do movimento feminista.8

5
ALVAREZ, S.E. A “globalização” dos femininos latino-americanos: tendências dos anos 90 e desafios para o
novo milênio. IN: ALVAREZ, S.E.; DAGNINO, E.; ESCOBAR, A (Edt). Cultura e Política nos movimentos
sociais latino-americanos – novas leituras. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2000, p.383-426; LANDIM, Leilah.
A Invenção das ONGs - do serviço invisível à profissão sem nome. 1993, 475 f. Tese (Doutorado em antropologia
Social), Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1993.
6
CARNEIRO, Sueli & SANTOS, Thereza. Mulher Negra. COSTA, Albertina G. de O. Política governamental e
a Mulher. São Paulo: Nobel: Conselho Estadual da Condição Feminina, 1985. 142 p.
7
A escritora, feminista e ativista bel hooks graduou-se em inglês na Universidade de Stanford. Lecionou Inglês,
Literatura, Estudos feministas e Estudos Afro-Americanos em universidades como: University of California/
Santa Cruz, Yale University, Southwestern University e na San Francisco State University. Acesso em
http://en.wikipedia.org/wiki/Bell_hooks http://www.answers.com/topic/bell-hooks 21/05/2009.
8
PIERUCCI, Flávio A. Ciladas da Diferença. São Paulo: Editora 34, 1999, 224 p.
10

A dissertação investigará o contexto que marcou o nascimento do “feminismo negro”


no Brasil. Autores como Rosalia Lemos, Núbia Moreira, Raquel Barreto, Cristina Maher e
Márcio André de O. dos Santos levantaram elementos importantes acerca desse tema.9 Rosália
Lemos, através da realização de entrevistas com quatro ativistas brasileiras, demonstrou que o
movimento de mulheres negras no Brasil na década de 1980 surgiu como uma alternativa ao
feminismo tradicional. Núbia Moreira, adotando a mesma metodologia de Lemos, verificou a
emergência de um “feminismo negro” nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro nos anos de
1985 e 1995, através da análise das ONGs de mulheres negras. Moreira demonstrou em suas
pesquisa que a institucionalização do movimento de mulheres negras, através das ONGs,
proporcionou a fragmentação de uma homogeneidade que existia em torno da identidade
delas.
Raquel Barreto fez uma análise comparativa acerca da trajetória de duas feministas
negras, Lélia Gonzáles e Angela Davis. Barreto concluiu que essas ativistas tiveram um papel
central na luta contra o racismo e o sexismo em seus determinados contextos históricos.
Cristina Maher, por sua vez, evidenciou a ação política realizada por atores e grupos ligados,
principalmente ao movimento de mulheres negras, com o intuito de articular políticas públicas
de saúde e recorte racial. Maher investigou os múltiplos discursos atribuídos à categoria raça,
percebendo a violência doméstica contra as mulheres negras como uma questão de saúde
pública. O sociólogo Márcio André verificou a participação das mulheres negras no processo
preparatório brasileiro à III Conferência Mundial contra o Racismo, realizada em 2001, em
Durban, África do Sul. Márcio apontou que mulheres negras se destacaram na medida em que
insatisfeitas com as ações do Comitê Impulsor brasileiro à conferência decidiram se
emancipar, criando com isso a Articulação de ONGs de Mulheres Negras. Além disso,
segundo o autor as organizações de mulheres negras se preocuparam em qualificar suas

9
BARRETO, Raquel de A. B. Enegrecendo o feminismo ou feminizando a raça: narrativas de libertação em
Angela Davis e Lélia Gonzáles. 2005, 128 f. Dissertação (Mestrado em História Social da Cultura). PUC/RIO,
Rio de Janeiro, 2005; LEMOS, Rosália de O. Feminismo negro em construção: a organização do movimento de
mulheres negras no Rio de Janeiro. 1997, 185 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia). UFRJ, Rio de Janeiro,
1997; MAHER, Cristina M. Nem tudo é estar de fora: o movimento de mulheres negras e as articulações entre
saúde e raça. 2005, Dissertação (Mestrado em Antropologia). PMAS/IFCH, UNICAMP, Campinas, 2005;
MOREIRA, Núbia Regina. O feminismo negro brasileiro: um estudo do movimento de mulher negras no Rio de
Janeiro e São Paulo. 2007, 121 f. Dissertação (Mestrado em Sociologia). Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, 2007; SANTOS, Márcio de O. A Persistência Política dos Movimentos Negros: processo de
mobilização para a 3 conferência mundial contra o racismo. 2005. Dissertação (Mestrado em Sociologia).
Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), 2005.
11

profissionais a fim de que elas pudessem atuar de maneira satisfatória na Conferência. Essas
pesquisas iluminaram pontos do meu trabalho, pois investigaram questões como: o
desenvolvimento de mulheres negras no país, a trajetória política das ativistas negras e a
atuação das militantes no âmbito da saúde.
Entretanto, minha pesquisa se diferencia das de Barreto, Moreira, Maher, Lemos e
Santos, na medida em que meu objetivo central consiste em demonstrar o contexto histórico
de surgimento do “feminismo negro” no país, privilegiando o papel que a temática da saúde
reprodutiva desempenhou para ele, entre os anos de 1975 e 1996.
Além da produção acadêmica, utilizei a literatura produzida pelas próprias militantes
para fundamentar o meu objeto de pesquisa. A partir de sua vivência e memória, ativistas
como Lélia Gonzáles, Sueli Carneiro e Edna Roland contribuíram ao meu trabalho tendo em
vista que apresentaram reflexões a respeito do “feminismo negro” no país, a partir das relações
entre raça e gênero.10
A temática da saúde reprodutiva ocupa um papel central na minha pesquisa. Neste
sentido, evidenciarei como as mulheres reivindicaram desde a década de 1970, políticas em
prol de sua saúde e direitos reprodutivos. Os livros de Karen Giffin, Sarah Costa e Elza
Berquó trazem elementos para entender o caminho político trilhado pelas mulheres brasileiras,
através dos eventos nacionais e seminários internacionais das décadas de 1980 e 1990, em prol
da consolidação dos direitos reprodutivos e da saúde reprodutiva e sexual das mulheres. 11
Nesta dissertação, parto da hipótese de que a temática da saúde reprodutiva e, em
especial, a esterilização cirúrgica, tiveram papel central na conformação da identidade das
“feministas negras” no Brasil. Os textos de Edna Roland, Fátima Oliveira, Vera Cristina Souza
e Maria José de Oliveira Araújo ajudaram a construir a minha hipótese.12 Edna Roland

10
CARNEIRO, Sueli. A Mulher negra na sociedade brasileira: o papel do movimento feminista na luta anti-
racista. In: MUNANGA, Kabengele. O Negro na sociedade brasileira: resistência, participação, contribuição.
Brasília: Fundação Cultural Palmares. 2004, p. 286-336; ROLAND, Edna. O movimento de mulheres negras
brasileiras: desafios e perspectivas. IN: GUIMARÃES, Antonio S.A & HUNTLEY, Lynn. Tirando a máscara.
Ensaios sobre o racismo no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, p.237-257, 2000; GONZALES, Lélia. O movimento
negro na última década. IN: GONZALES, Lélia & HASENBALG, Carlos. Lugar de Negro. Rio de Janeiro:
Marco Zero, 1982.115 p.
11
BERQUÓ, Elza. Sexo e Vida: Panorama da saúde reprodutiva no Brasil. Campinas, SP: Editora da Unicamp,
2003; GIFFIN, Karen & COSTA, Sarah H. Questões da saúde reprodutiva. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz,
1999, p. 39-49.
12
ROLAND, Edna. Saúde reprodutiva da população negra no Brasil: um campo em construção. Jornal da Rede
Saúde, nº 23, p.17-23, 2001; OLIVEIRA, Fátima. O recorte racial/étnico e a saúde reprodutiva mulheres negras.
12

realizou um breve balanço acerca de como se constituiu o campo da saúde reprodutiva da


população negra no Brasil, traçando um paralelo com o desenvolvimento desse campo nos
Estados Unidos. Já Fátima Oliveira e Maria José de Oliveira Araújo, discorreram acerca dos
aspectos que envolvem a saúde reprodutiva das mulheres negras no Brasil. Vera Cristina
Souza também focou seus estudos sobre a saúde das mulheres negras, buscando verificar os
efeitos negativos que os miomas uterinos podem provocar à saúde reprodutiva e sexual das
mulheres negras.
Ao analisar o ativismo das “feministas negras” no campo da saúde reprodutiva do país,
meu trabalho se propõe a realizar interfaces entre os conceitos de raça e saúde. Nos séculos
XX e XXI, o entrelaçamento de tais conceitos no âmbito da saúde pública, é alvo de debates
entre pesquisadores, na medida em que há aqueles que defendem a inclusão da variável
raça/cor nas pesquisas em saúde, como também existem alguns pesquisadores que são
contrários à utilização de tal variável.
Nos Estados Unidos, diferentemente do Brasil, há uma vasta produção e discussão
acerca da utilização da variável cor/raça para se entender as desigualdades existentes no
âmbito da saúde pública. Conforme a pesquisadora Simone Monteiro, os pesquisadores
especializados no tema possuem distintas posições a respeito dos fatores sócio-econômicos,
culturais, genéticos, históricos, entre outros que podem interferir na saúde dos “grupos étnico-
raciais marginalizados”. Além disso, discutem a respeito da variabilidade dos termos
raça/etnia e sobre os problemas em torno dos diferentes sistemas de classificação utilizados
para colher dados a respeito de cor/raça13.
No Brasil, as interfaces entre os conceitos de raça e saúde na esfera da saúde pública
geram controvérsias. Existe a idéia de que pesquisas que fazem uso do indicador cor/raça,
podem ajudar a combater problemas de saúde mais prevalentes na população negra, tais como:

In: GIFFIN, Karen & COSTA, Sarah H. Questões da saúde reprodutiva. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, p. 419-
439, 1999; SOUZA, Vera C. de. Mulher negra e miomas: uma incursão em saúde, raça/etnia. 1995, 90 f.
Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais). PUC/SP, São Paulo, 1995; ARAÚJO, Maria José de Araújo.
Reflexões sobre a saúde da mulher negra e o movimento feminista. Jornal da Rede Feminista de Saúde e Direitos
Reprodutivos. São Paulo, n.23, p.25-26, março. 2001.
13
MONTEIRO, Simone. Desigualdades em saúde, raça e etnicidade. In: Etnicidade na América Latina: um
Debate sobre Raça, Saúde e Direitos Reprodutivos” (S. Monteiro & L. Sansone, orgs). Rio de Janeiro: Editora
Fiocruz, 2004, p.46-57.
13

diabetes, hipertensão arterial, miomas uterinos, entre outros14. Há inclusive pesquisadores, a


exemplo da médica Fátima Oliveira, que defendem a legitimação da noção de “doenças
étnicas/raciais”, por acreditarem que há de fato enfermidades mais prevalentes na população
negra. Oliveira, embora acredite que os condicionantes sócio-econômicos influenciam no
“processo saúde-doença” da população negra, afirma que esses mesmos condicionantes
isoladamente não são capazes de explicar adequadamente esse processo15.
Entretanto, alguns autores como o pesquisador Sérgio Pena são totalmente contrários à
utilização da categoria cor/raça nas pesquisas em saúde no Brasil. Pena, ao realizar modernos
estudos genéticos, invalida o conceito biológico de raça demonstrando que há um alto grau de
variabilidade genética no interior de populações particulares, dessa forma não vê sentido
utilizar o conceito de raça na medida em que ele não se sustenta por si só16. Além disso, o
autor afirma que os traços fenótipos17 – que em países com um alto grau de mistura não são
suficientes para determinar a ancestralidade do indivíduo - são superficiais, pois dependem de
um número pequeno de genes e se modificam devido a “adaptações ao clima e outras variáveis
ambientais”18. Para Pena a utilização do quesito cor/raça nas pesquisas em saúde não é de
grande serventia para a medicina clínica brasileira.

A metodologia utilizada na dissertação esteve baseada, sobretudo, na análise de textos,


fontes documentais e bibliografia secundária pertinentes ao tema. Também fiz uso de fontes
orais.19 Na pesquisa consultei fontes documentais como: jornais e periódicos feministas,
relatórios oficiais, programas governamentais, documentos elaborados pelo Ministério da Saúde,

14
CHOR, Dora. & LIMA, Cláudia. Aspectos epidemiológicos das desigualdades raciais em saúde no Brasil.
Cadernos de Saúde Pública, 21(5), p. 1586-1594, 2005.
15
OLIVEIRA, Fátima. Saúde da População Negra. Brasil: Ano 2001. Brasília: Opas, 2003. 344 p.
16
PENA, Sérgio D. Razões para banir o conceito de raça da medicina brasileira. História, Ciências, Saúde –
Saúde – Manguinhos, 12(2), 2005, p. 321-346.
17
Traços fenótipos referem-se à aparência física e externa do indivíduo, enquanto que o genótipo se relaciona aos
genes, ao material interior.
18
Pena, op.cit.,p.330.
19
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DE SÃO PAULO. Diário Oficial do Estado. Pronunciamento do deputado
Luiz Carlos Santos acerca da criação do documento “O censo de 1980 no Brasil e no estado de São Paulo e suas
curiosidades e preocupações”. 5 de agosto de 1982. FIOCRUZ. Entrevista da doutora Ana Maria Costa para o
projeto: “A construção do campo da saúde da população negra no Brail: idéias, atores e instituições” (1996-
2001). Entrevista concedida a Marcos Chor Maio e Simone Monteiro em agosto de 2007.
14

declarações e plataformas de Ação de eventos internacionais, dados estatísticos e tabelas


produzidas pelo IBGE, artigos e reportagens da imprensa paulista, entre outros.

A dissertação está dividida em três capítulos. No primeiro, tracei um histórico do


movimento feminista no Brasil, evidenciando quais foram as principais fases, líderes,
questões, debates e reivindicações que caracterizaram a trajetória do feminismo no país, entre
as décadas de 1970 e 1990. Analisei ainda os três dos principais periódicos feministas do
período: “Mulherio”, “Nós Mulheres” e o “Brasil Mulher”, com um duplo objetivo: investigar
as questões de maior destaque debatidas pelas feministas na época e evidenciar como se dava
a inserção da mulher negra e das temáticas relacionadas a essas mulheres nos jornais. Também
examino as divergências que brotaram no interior do movimento feminista, com ênfase nos
conflitos entre as mulheres negras e o movimento feminista no Brasil.
No segundo capítulo da dissertação meu objetivo esteve voltado à reconstituição dos
principais fatos da história do movimento negro brasileiro, tendo em vista que muitas das
“feministas negras” foram militantes deste. Em seguida analisei o surgimento e a trajetória do
ativismo feminista negro no Brasil, durante as décadas de 1980 e 1990, com ênfase nas
tensões surgidas no interior do “feminismo negro” nacional.
No capítulo final, o foco do trabalho está voltado para as nuances que embasaram as
relações entre as ativistas negras e o campo da saúde reprodutiva no Brasil. Para abordar tal
tema achei pertinente apresentar alguns conceitos relacionados a essa temática: saúde
reprodutiva, saúde sexual, direitos reprodutivos, direitos sexuais e planejamento familiar.
Após a caracterização desse panorama inicial, o cerne da pesquisa é a exposição da
importância que a questão da saúde sexual e reprodutiva adquiriu para as “feministas negras”
desde o início da militância delas na década de 1980. Assim, no terceiro capítulo me dispus a
analisar o contexto histórico em que se originou e se desenvolveu o ativismo das “feministas
negras”, nesse campo.
Desse modo, ao investigar a trajetória de lutas das “feministas negras” no campo da
saúde reprodutiva, esta dissertação se apresenta como um estudo histórico sobre as relações
entre gênero, raça e saúde pública no Brasil, no período de 1975 a 1996.
CAPÍTULO I – UMA HISTÓRIA DO MOVIMENTO FEMINISTA NO BRASIL. E AS
MULHERES NEGRAS, COMO APARECEM?

Neste capítulo tenho por objetivo apresentar uma história do movimento feminista no
Brasil, em especial durante as décadas de 1970 e 1980. Destaco a atuação do feminismo por
dois motivos: ela forneceu experiência de militância mediante reuniões, encontros e base
teórica - por intermédio dos debates centrados na questão da emancipação feminina20 - para
que as ativistas negras começassem a refletir e reivindicar suas demandas e questões
específicas21. Em segundo lugar, porque muitas dessas ativistas – que mais tarde fundaram um
movimento específico – eram oriundas do feminismo clássico22 e atuaram nele entre as
décadas de 1970 a 1990.
Inicialmente analiso como e em qual contexto se inicia a formação de um grupo de
mulheres organizada em torno de interesses comuns no Brasil, enfocando as principais líderes

20
ALVES, Branca M & PITANGUY, Jacqueline. O que é feminismo. Brasília: Brasiliense, 1981 & PIERUCCI,
F. Ciladas da Diferença. São Paulo: Editora 34, 1999.
21
As próprias militantes negras reconhecem que embora tivessem muitas críticas ao feminismo tradicional, o
mesmo teria contribuído para a formação teórica e para a discussão de questões mais gerais, tais como:
desigualdade de gênero, violência e mercado de trabalho. Sobre esse assunto ver: MOREIRA, Núbia Regina. O
feminismo negro brasileiro: um estudo do movimento de mulher negras no Rio de Janeiro e São Paulo.
Dissertação de mestrado em Sociologia. Universidade Estadual de Campinas, 2007.
22
Utilizo os termos feminismo clássico ou feminismo tradicional, tendo como base a literatura sobre o tema que
faz uso de tal nomenclatura para se referir às mulheres brancas, com formação universitária e de classe média que
lideraram as primeiras ações do movimento feminista tanto no ocidente quanto no Brasil. Sobre esse assunto ver:
GOHN, Maria da Glória. Mulheres – atrizes dos movimentos sociais: relações político-culturais e debate teórico
no processo democrático. Política e sociedade, nº 11, outubro de 2007, p.40-70; GOLDBERG, Anette.
Feminismo e autoritarismo: a metamorfose de uma utopia de libertação em ideologia liberalizante. 1987, 217 f.
Dissertação (Mestrado em Sociologia). IFCS/UFRJ, Rio de Janeiro, 1987.
16

desse grupo, as reivindicações pelas quais lutavam e as fases que caracterizaram o


desenvolvimento do movimento feminista no país.
Analisar-se-á ainda o surgimento e atuação dos três principais periódicos feministas
existentes no país entre as décadas de 1970 e 1980: o “Mulherio”, “Nós Mulheres” e o “Brasil
Mulher”. Tal apresentação tem o intuito de abordar o discurso feminista presente nas
publicações e verificar de que modo as mulheres negras apareciam nos artigos.
Evidenciarei também o momento em que as diferenças internas entre as feministas
afloram. É a partir desse debate calcado na heterogeneidade das mulheres pertencentes ao
feminismo, que novos grupos brotam do interior do movimento feminista, dentre eles o grupo
das “feministas negras” ·. Discorrerei, finalmente, acerca da relação das mulheres negras com
o movimento feminista.

1.1 Primeiros anos do movimento feminista ocidental

O movimento feminista ocidental, em especial nos Estados Unidos e na Europa, é


caracterizado por três fases distintas23. A primeira, compreendida entre a segunda metade do
século XIX até o início do século XX, corresponde a um período onde o feminismo se
apresentava, predominantemente, através da atuação e liderança de mulheres com formação
24
universitária e pertencentes às classes altas . Nesse momento, a principal luta girava em
torno da conquista do voto e de melhorias nas condições de trabalho, tais como: redução da
jornada de trabalho, direito a licença-maternidade, melhores salários, entre outros25. Tais
reivindicações se manifestavam mediante greves e na atuação em associações trabalhistas
durante o século XIX. Inclusive numa dessas mobilizações, ocorrida em 8 de março de 1857,
numa fábrica em Nova Iorque, várias mulheres morreram queimadas em confronto com a
polícia. Tal fato cunhou o dia 8 de março como o Dia Internacional da Mulher26. Nessa fase

23
GOHN, Maria da Glória. Mulheres – atrizes dos movimentos sociais: relações político-culturais e debate
teórico no processo democrático. Política e sociedade, nº 11, outubro de 2007, p.40-70.
24
É importante destacar que embora o nascimento do movimento feminista no mundo ocidental seja datado a
partir do século XIX, a literatura em geral aponta que a publicação do livro de Mary Wollstoonecraft: Em defesa
dos direitos das mulheres em 1792, já sinaliza as primeiras idéias e teorias de caráter feminista. Alves &
Pitanguy, op.cit., p.36.
25
Alves & Pitanguy, op.cit., p.38.
26
Gohn, op.cit.,p.47.
17

inicial, além dos assuntos relativos ao voto e ao trabalho, outra temática - ainda que de
maneira incipiente - também figurava: a crítica à estrutura patriarcal da sociedade.27
De acordo com a socióloga francesa Andrée Michel, durante a segunda metade do
século XIX, o movimento feminista ocidental se expressou, sobretudo, através de uma
imprensa feminista, caracterizada por periódicos como: La Gazette des Femmes, a revista Le
Droit des Femmes e o jornal La Citoyenne. Nesses meios de comunicação, mulheres da classe
média reivindicavam igualdade de direitos no trabalho, no casamento e na família28. De
acordo com Michel, outra conquista feminina importante ocorrida entre o fim do século XIX e
início do XX foi o acesso à educação, quando as mulheres puderam ingressar em
universidades29.
Nos primeiros anos do século XX, o movimento sufragista iniciado desde fins do
século XIX por feministas norte-americanas e européias, obtém seus primeiros resultados.
Durante a década de 1920, as mulheres residentes nessas duas regiões adquirem o direito ao
voto, depois de mais de 50 anos de lutas empreendidas pelas feministas30. No período histórico
delimitado pela eclosão da I e da II Guerra Mundial, ou seja, de 1914 a 1945, as mulheres
ingressaram em maior número nas fábricas e indústrias31. Com o fim das guerras e o
conseqüente retorno dos homens aos seus lares, as mulheres passam a disputar com eles vagas
no mercado de trabalho. Nesse sentido, elas se vêem obrigadas a aceitar salários inferiores
para preservar seus empregos. Nos Estados Unidos, surgem campanhas em prol do retorno
feminino ao lar e às atividades domésticas, com o intuito de equilibrar as funções da
sociedade. Ativistas logo se manifestaram contra esse cenário e passaram a lutar pela
preservação dos direitos até então conquistados, em especial no âmbito do trabalho.32
Na década de 1960 emerge uma nova geração de mulheres formadas em boas
universidades, pertencentes às classes médias e inseridas em um contexto de maior liberdade
sexual proporcionada, sobretudo, pelo advento da pílula anticoncepcional. Essa nova geração

27
ibid., p.47-48.
28
MICHEL, Andrée. O feminismo: uma abordagem histórica. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. 102 p.
29
ibid.,p.64.
30
Alves & Pitanguy, op.cit.,p.46.
31
Michel, op.cit.,p.70-78.
32
Michel, op.cit.,p.80.
18

de ativistas, oriunda na década de 1960, organizou movimentos de mulheres nos EUA e na


Europa, marcando com isso o início da segunda fase da história do feminismo ocidental. 33
A partir de 1968 o movimento feminista do mundo anglo-saxão introduziu novos
temas para debate ligados à sexualidade, violência, saúde e corpo34. Este ano foi marcado por
uma série de revoltas políticas lideradas por jovens que visavam, sobretudo, combater as
desigualdades e injustiças sociais que ocorriam em diversos países. Assim, nos Estados
Unidos ocorria o movimento em prol dos direitos civis e a luta pelo fim da Guerra no Vietnã.
Na Tchecolosváquia estudantes e intelectuais se rebelaram contra o domínio comunista
soviético, em um movimento pacífico e civil conhecido como “Primavera de Praga”. Na
França, durante o “Maio de 1968”, ocorreram greves estudantis e de operários que
protestavam em face das medidas autoritárias empreendidas pelo governo De Gaulle contra as
35
classes populares e grupos libertários. Estes movimentos inspiraram revoltas operárias e
estudantis em outros países, como Alemanha, México e Itália.
No Brasil, os jovens protestaram nas ruas contra a Ditadura Militar e, em alguns
estados, operários realizaram greves. Em 1968, um desses levantes estudantis resultou na
morte do estudante Edson Luís de Lima Souto pela polícia no Rio de Janeiro. Como forma de
reagir a esse ato violento ocorreu na avenida Rio Branco a Passeata dos cem mil, onde uma
multidão se reuniu no centro da cidade com o intuito de protestar contra o acontecido. Ainda
no ano de 1968 a UNB (Universidade de Brasília) foi invadida por tropas militares, que
espancaram alunos, professores e até mesmo parlamentares, com a justificativa de prender
líderes estudantis36.
37
Neste período ocorreu maior liberdade sexual e cultural. . Surgiram novos ritmos
como o rock e movimentos culturais a exemplo do beat nos Estados Unidos e o tropicalista no
Brasil38.

33
Michel, op.cit.,p.83.
34
Alves & Pitanguy, op.cit., p.40.
35
VENTURA, Zuenir. 1968: O ano que não terminou. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.
36
ibid.,p.156.
37
GASPARI, Elio. IN: “A roda de Aquarius”. A Ditadura Envergonhada. São Paulo: Companhia das Letras,
2002, p.211-235.
38
FILHO, Daniel A. R et al. Rebeldes e Contestadores: 1968- Brasil, França e Alemanha. São Paulo: Fundação
Perseu Abramo, 2008.
19

Em meio a esse momento de efervescência política e cultural internacional, a batalha


feminista amplia seu raio de ação à medida que a luta pela emancipação da mulher - que
remetia somente a uma igualdade de condições com os homens - não era mais suficiente.
Buscava-se agora a libertação da mulher que emergia como sujeito independente e atuante no
mundo.39. Esse novo período se refletiu no movimento feminista a partir de um feminismo
radical, em que as diferenças foram realçadas e mulheres se uniram a outros grupos
minoritários, a exemplo dos estudantes e dos negros para protestarem contra o contexto
político vigente. No Brasil, por exemplo, as mulheres participaram da luta contra o regime
autoritário militar nesse momento.40
A terceira fase do movimento feminista é marcada pela presença das questões
femininas nos meios de comunicação em massa e pela atuação das mulheres, em especial
durante a década de 1990, nas transformações culturais atuais por meio, das ONGs
feministas.41 Neste período, as mulheres conseguiram ampliar seus discursos em prol de sua
saúde, de melhores condições de trabalho, da plena cidadania feminina e passaram a exercer
cargos na política, em sindicatos, em órgãos governamentais, multinacionais e em outras
instituições que anteriormente eram ocupadas majoritariamente pelos homens42.

1.2. O nascimento do feminismo no Brasil

As ações das feministas norte-americanas, francesas e inglesas ecoaram em diversas


áreas do mundo, servindo de exemplo e modelo para grupos de mulheres dos mais variados
países, inclusive o Brasil. Assim, no país o feminismo também passou por fases específicas,
denominadas por algumas autoras de “ondas feministas”.43

39
Pierucci, op.cit., p.85.
40
TELES, Maria Amélia. Breve história do feminismo no Brasil. Brasília: Brasiliense, 2003, p. 64-66; Gohn,
op.cit., p.48-49.
41
LANDIM, Leilah. A Invenção das ONGs - do serviço invisível à profissão sem nome. Tese de Doutorado,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1993.
42
ALVAREZ, S.E. A “globalização” dos femininos latino-americanos: tendências dos anos 90 e desafios para o
novo milênio. IN: ALVAREZ, S.E.; DAGNINO, E.; ESCOBAR, A (Edt). Cultura e Política nos movimentos
sociais latino-americanos – novas leituras. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2000, p.399.
43
Diversos autoras utilizam a expressão “onda feminista” para caracterizar as fases que marcaram o movimento
feminista. São exemplos dessas autoras: Maria da Glória Gohn, Antônio Flavio Pierucci, Sonia Alvarez, Bila
Sorj, Maria Luiza Heilborn, entre outras.
20

A primeira fase do movimento feminista brasileiro correspondeu ao início do século


XX e se estendeu até o começo da década de 197044. Já a segunda onda se iniciou no ano de
1975 e se desenvolveu pelos anos de 1980 e 1990. Como se pode observar, as “ondas” do
movimento feminista brasileiro ocorreram mais tarde quando comparadas ao feminismo norte-
americano e europeu. No decorrer do século XIX as mulheres norte-americanas já lutavam
pelo reconhecimento legal da igualdade de direitos sociais e políticos. Por outro lado, no
Brasil, até o início do século XX - embora operárias se mobilizassem mediante greves nas
fábricas em prol de melhorias salariais - as mulheres não usufruíam quaisquer direitos
políticos, tais como o direito de votar e ser votada45. Assim, o movimento feminista no país só
se iniciou, de fato, quando mulheres das classes médias urbanas e com nível superior
começam a reivindicar na esfera pública direitos básicos de cidadania como o voto, nos
primeiros anos do século XX.
A luta pelo voto feminino foi o fator que agregou pela primeira vez no Brasil um grupo
de mulheres preocupadas com as causas feministas46. O feminismo, neste momento, se
expressava essencialmente a partir das ações individuais de mulheres com formação escolar
universitária.47 Elas tinham sido influenciadas pelas idéias feministas que vigoravam em solo
norte-americano e europeu, tais como: luta pelo sufrágio feminino, por melhores condições

44
Desde o século XIX no Brasil é possível verificar a existência de mulheres tais como: Nísia Floresta, Francisca
Senhorinha Motta Diniz, Josephina Álvares Azevedo, entre outras, que levantavam a questão da emancipação da
mulher, utilizando a imprensa alternativa como mecanismo de divulgação de suas idéias. Porém, na visão de
autoras como Céli Regina Pinto nas primeiras décadas da República não se pode falar propriamente em
movimento feminista, pois o que existiu teria sido mais uma movimentação feminista composta por um grupo de
mulheres das classes altas e intelectualizadas. ZIRBEL, Ilze. A caminhada do movimento feminista brasileiro:
das sufragistas ao ano internacional da mulher. Texto apresentado no IV Seminário Internacional de Iniciação
Científica, 1998, Blumenau, p.10. http://br.geocities.com/izirbel/Movimentomulheres.html Acesso em 29 de
agosto de 2008 & SANTOS, Regina C.B. Raça, sexualidade e política: Um estudo da constituição de
organizações lésbicas negras no Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal Fluminense,
Niterói, 2006, p.54-55. Pinto, op.cit.,p.45.
45
TELES, Maria Amélia. Breve história do feminismo no Brasil. Brasília: Brasiliense, 2003, p.43.
46
PINTO, Céli Regina Jardim. Uma história do feminismo no Brasil. São Paulo: Perseu Abramo, 2003. TELES,
Maria Amélia. Breve história do feminismo no Brasil. Brasília: Brasiliense, 2003. WOLLF, Cristina S &
POSSAS Lídia, M.V. Escrevendo a história no feminino. Revista Estudos Feministas, nº13, v.3, 585-589, 2005.
ALVES, Branca M & PITANGUY, Jacqueline. O que é feminismo. Brasília: Brasiliense, 1981; ZIRBEL, Ilze. A
caminhada do movimento feminista brasileiro: das sufragistas ao ano internacional da mulher. Texto
apresentado no IV Seminário Internacional de Iniciação Científica, 1998, Blumenau, p.10.
http://br.geocities.com/izirbel/Movimentomulheres.html Acesso em 29 de agosto de 2008. É importante destacar
que o feminismo da primeira onda não se limitou à luta em prol do sufragismo feminino, pois questões em torno
de melhores condições trabalhistas das mulheres também figuravam. Entretanto, é consensual que a luta pelo
voto feminino ocupou um papel preponderante na pauta das mulheres atuantes no período.
47
Como é o caso de Bertha Lutz, Deolinda Daltro e Gika Machado.
21

salariais e de trabalho. Algumas dessas intelectuais brasileiras haviam permanecido por um


período no exterior, como é o caso de Bertha Lutz,48 que inicia sua militância feminista
quando retorna de Paris em 191849.
O grande marco da primeira fase do feminismo no Brasil data de 1910, quando
Deolinda Daltro50 funda no Rio de Janeiro o Partido Republicano Feminino. Tal organização
tinha por objetivo debater no Congresso Nacional duas questões: o acesso a cargos públicos a
todos os brasileiros sem distinção de sexo e a implementação do voto feminino no Brasil51.
Mais tarde, o Partido Republicano foi substituído pela Federação Brasileira para o Progresso
Feminino (FBPF)52, órgão criado por Bertha Lutz e que se torna uma das maiores expressões
do feminismo no Brasil53. A FBPF tinha por objetivo: “Promover a educação da mulher e
elevar o nível de instrução feminina; proteger as mães e a infância; assegurar à mulher direitos
políticos e preparação da mulher para o exercício inteligente desses direitos (...)”.54
A principal luta da FBPF era a extensão do direito de voto às mulheres. Para atingir
este objetivo, a organização realizou maciça campanha e buscou o apoio de políticos à causa,
como foi o caso do governador Juvenal Lamartine do Rio Grande do Norte. Lamartine
aprovou uma lei que permitia o voto das mulheres no estado, após Bertha Lutz e outras
feministas o terem ajudado a ser eleito governador. Nesse sentido, em 1927, o Rio Grande do
Norte teve a primeira eleitora do Brasil: Celina Guimarães Viana55. Esse fato, ocorrido em

48
Bertha Lutz foi uma das pioneiras do movimento feminista brasileiro. Lutz nasceu em 1894, no estado de São
Paulo. Filha da enfermeira Amy Fowler e do cientista Adolpho Lutz, formou-se em Biologia na Sorbonne
(França). Ocupou o cargo efetivo de bióloga no Museu Nacional e foi eleita deputada federal em 1936. Faleceu
no Rio de Janeiro, em setembro de 1976, conhecida como a maior líder na luta pelos direitos políticos das
mulheres brasileiras. BENCHIMOL, Jaime et al. Bertha Lutz e a construção da memória de Adolpho Lutz.
História, Ciências e Saúde- Manguinhos, vol 10, nº1, p.203-250, jan.-abr. 2003.
49
SOIHET, Rachel. A pedagogia da conquista do espaço público pelas mulheres: a militância feminista de
Bertha Lutz. In: Revista Brasileira de Educação Set/Out/Nov/Dez/2000, nº 15: ANPED. Campinas: Editora
Autores Associados, p. 97.
50
Deolinda Daltro residia no Rio de Janeiro e era professora. É conhecida como uma das primeiras feministas no
Brasil e dedicou grande parte de sua vida à luta em prol da causa feminista. Além da fundação do Partido
Republicano Feminino em 1910, organizou em 1917 uma passeata que reuniu 100 mulheres no centro do Rio de
Janeiro, que pleitearam o direito ao voto. Teles, op.cit., p.43.
51
Teles, op.cit.,p.43.
52
Além de Bertha Lutz, a FBPF contou com a participação de mulheres como: Alice Pinheiro Coimbra, Júlia
Lopes de Almeida e Margarida Lopes de Almeida. BESSE, Susan K. Modernizando a desigualdade:
Reestruturação da ideologia de gênero no Brasil 1914-1940. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
1999, p.185-186.
53
Pinto, op.cit.,p.9.
54
Teles, op.cit., p. 44.
55
Alves & Pitangy, op.cit.,p.47-48.
22

estado nordestino, é ilustrativo dos esforços políticos empreendidos pelas feministas


brasileiras no sentido de atraírem aliados importantes às suas reivindicações56.
Na luta em prol da instituição do voto das mulheres e de outros temas relativos ao
universo feminino, como a defesa da maternidade, relação conjugal e o acesso das mulheres a
conhecimentos de saúde, o jornal funcionou como principal meio de veiculação das idéias e
propostas partilhadas pelas feministas dos primeiros anos.57 Essas mulheres escreviam em
conhecidas revistas femininas existentes entre o final do século XIX e início do século XX,
tais como: “A Família”, “O Sexo Feminino”, “O Jornal das Senhoras”, “O Belo Sexo”, “ O
Domingo”, entre outros58.
Nesta fase inicial do feminismo no Brasil, Bertha Lutz é comumente lembrada devido à
atuação em prol da conquista do voto feminino. Todavia, suas ações também se estenderam a
outras frentes de ação. De acordo com a historiadora Rachel Soihet, Bertha Lutz em alguns de
seus artigos discorreu acerca das questões ligadas à vida da mulher trabalhadora, a saber:
igualdade de salários, jornada de trabalho e melhores condições de trabalho nas fábricas. De
acordo com Soihet, Lutz sugeriu ainda a criação de associações de classe para as diversas
categorias profissionais femininas.59
Segundo Soihet, Lutz acreditava que a conquista do sufrágio feminino seria a porta de
entrada a assuntos que obtivessem maior visibilidade no país, pois na concepção de Bertha: “O
sufrágio feminino não é um fim em si, mas um instrumento a ser usado para melhorar o status
das mulheres60”.
No início do movimento feminista havia visões distintas das que eram defendidas pelo
grupo de Bertha Lutz. Uma expressão desse grupo de mulheres foi Maria Lacerda de Moura –

56
É curioso que o governador de um estado, em que não se encontrava a elite política e econômica do país na
época, tenha protagonizado um ato histórico tão relevante à história das mulheres no Brasil. Juvenal Lamartine,
durante o seu mandato como governador do Rio Grande do Norte, apoiou o desenvolvimento das letras e das
artes, mantendo estritas relações com intelectuais do período. Bacharel em Direito, em 1918, quando ainda era
deputado federal, participou da elaboração do Código de Direito Civil e, entre as causas que apoiava estava
àquela voltada a emancipação da mulher brasileira. Tal fato exemplifica o porquê da aliança que Juvenal
estabeleceu com as feministas na década de 1920. Inclusive, foi durante o seu mandato no ano de 1928 que foi
eleita, em Lages, a primeira prefeita da América Latina, Alzira Soriano. MACHADO, João B. Perfil da
República no Rio Grande do Norte (1889-2003). Natal: Departamento Estadual de Imprensa, 2000.
57
Teles, op.cit.,p.33.
58
Teles, op.cit.,p.34.
59
Soihet, op.cit., p.103
60
Lutz apud Soihet.,p.116.
23

professora primária e escritora feminista61 envolvida diretamente com o movimento operário


anarquista brasileiro. Inicialmente Maria Lacerda esteve unida a Bertha Lutz na fundação, em
1920, da Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher, cujo intuito principal era o de lutar
pela igualdade política das mulheres. Mas, no decorrer da década de 1920, Moura, se afastou
da perspectiva de Lutz, pois considerou que a luta feminista não deveria perpassar apenas a
questão do voto. Para Moura o direito ao voto iria beneficiar somente uma minoria de
mulheres, aquelas alfabetizadas e pertencentes às classes médias urbanas. Portanto, essa
conquista política não seria suficiente para reverter a posição subalterna ocupadas pelas
mulheres até então na sociedade.62
Patrícia Galvão, mais conhecida como Pagu, foi outra feminista importante63. Ela,
considerava burguês e elitista o feminismo liderado por Bertha Lutz64. Pagu através de artigos
e reportagens publicadas em jornais como O Diário de Notícias e O Correio da Manhã,
evidenciava suas posições e idéias de esquerda a favor da mulher, trabalhadora.
Devido à filiação de Pagu ao Partido Comunista Brasileiro, a escritora defendia a
revolução socialista e lutava pela melhoria das condições de vida do proletariado feminino.
Assim, utilizava a sua coluna “A mulher do Povo”, publicada no jornal alternativo paulista “O
Homem do Povo”, a favor da mulher operária e da sua liberdade de expressão.65 Embora
sejam comumente associadas ao grupo das feministas anarquistas, Maria Lacerda de Moura e
Pagu não atuaram juntas e nem partilhavam dos mesmos objetivos. Inclusive Pagu criticou
campanhas de Maria Lacerda de Moura e de outras anarquistas em prol da libertação sexual e

61
Entre as obras publicadas por Maria Lacerda Moura podemos citar: “A mulher hodierna e o seu papel na
sociedade (1923)” e “A mulher é uma degenerada? (1924)”.
http://recollectionbooks.com/bleed/Encyclopedia/ArchiveMirror/marialacerda.htm Acesso em 06/07/2009.
62
Teles, op.cit., p. 44; ZIRBEL, Ilze. Estudos feministas e estudos de gênero no Brasil: Um debate. Dissertação de
Mestrado. Universidade Federal de Santa Catarina, 2007, p.15.
63
Besse, op.cit.,p.199.
64
A história pessoal de Pagu reflete bem sua escolha pelo grupo do feminismo anarquista. Patrícia Galvão nasceu
no ano de 1910 em São Paulo, graduou-se professora no ano de 1928, mesmo ano em que conheceu seu parceiro
intelectual e futuro marido Oswald Andrade. No início dos anos de 1930 casa-se com Oswald e entra no Partido
Comunista Brasileiro. A escritora foi presa duas vezes acusada de participar de levantes comunistas durante a
década de 1930. Na década de 1950 foi candidata à deputada estadual pelo PSB, produziu textos como “Verdade e
Liberdade” e dirigiu algumas peças teatrais. Faleceu no ano de 1962. http://www.pagu.com.br/vida/index.asp
Acesso em 19/05/2009.
65
Besse, op.cit., p.202.
24

maternidade consciente, pois considerou que havia questões mais emergenciais a serem
tratadas, como a pobreza e a exploração de classe das mulheres66.
Em 1930, o país assiste a uma revolução que pôs fim a ordem política até então
vigente, ou seja, a Primeira República67. Esse movimento inicia uma nova fase da história
brasileira: a Era Vargas. Durante a Era Vargas (1930-1945), Getúlio lançou uma série de
medidas sociais e políticas que beneficiaram as classes trabalhadoras e urbanas.68
As mulheres também se beneficiaram das políticas sociais do governo Getúlio Vargas.
Ademais, na década de 1930, elas obtiveram o direito ao voto, através do decreto-lei 21.076,
aprovado por Getúlio Vargas em 24 de fevereiro de 1932. No contexto democrático, com base
na Constituição de 1934, foram eleitas deputadas federais, como: Carlota Pereira de Queiroz
em São Paulo (primeira deputada eleita no país), Lili Lages em Alagoas, Maria Luiza
Bittencourth na Bahia e Maria Miranda Jordão no Amazonas. Neste novo momento, as
mulheres passaram a reivindicar melhores condições para o trabalho feminino e a ampliação
do tempo de licença- maternidade69.
Em 1934 foi criado um grupo de esquerda, a União Feminina (UF). Esta era parte
integrante da Aliança Nacional Libertadora, movimento de esquerda liderado pelo Partido
Comunista Brasileiro que visava derrubar o governo de Vargas e implantar um governo
popular e socialista no país. As integrantes da UF eram principalmente intelectuais e operárias.
Em 1935, todas as integrantes da União Feminina foram presas e o movimento foi posto na
ilegalidade pelo governo brasileiro.
A partir de 1937, com a instauração da ditadura do Estado Novo, fecharam-se os
espaços políticos para a luta pelos direitos das mulheres, dos operários, dos partidos e dos
70
estudantes. Durante a Segunda Guerra Mundial, as mulheres protestaram contra o regime
nazi-fascista e fizeram campanhas para a entrada do Brasil na guerra ao lado dos aliados.
Através da Liga de Defesa Nacional, as mulheres desempenharam importante papel,

66
ibid.,p.202.
67
FAUSTO, Boris. A revolução de 1930: historiografia e história. Brasília: Editora Brasiliense, 1975 &
VISCARDI, Cláudia M.R. O teatro das oligarquias: uma revisão da “política do café com leite”. Belo Horizonte:
Editora: C/ARTE, 2001.
68
Sobre esse assunto ver: SKIDMORE, Thomas. De Getúlio Vargas a Castelo Branco (1930-1964). Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 14ª edição, 2007.
69
Teles, op.cit.,p.46.
70
Alves & Pitanguy, op.cit., p.50.
25

organizando eventos para angariar alimentos, roupas e remédios para os soldados brasileiros e
realizaram cursos de formação de enfermeiras71.
A vitória dos aliados sobre os países nazi-fascistas gerou uma pressão para a saída de
Vargas do poder, visto que o governo ditatorial de Getúlio não se enquadrava no contexto
internacional democrático do pós-guerra. Não obstante significativo apoio da classe
trabalhadora, Vargas sofreu pressão de políticos, militares e intelectuais brasileiros, para a
assinatura de uma emenda constitucional que permitia a criação de partidos políticos e a
realização de eleições para o ano de 1945.72 Com a democratização do país as mulheres se
organizam em associações e uniões femininas73. Nesse período, um dos principais temas da
agenda feminista passa a ser a luta contra a carestia.74
A partir da década de 1950, associações de mulheres começam a realizar seus
primeiros encontros e congressos. Em 1951, no estado de São Paulo, foi realizado o 1º
Congresso da Federação de Mulheres do Brasil, onde se debateu, sobretudo, temáticas
relacionadas ao custo de vida. Em 1952, Nuta Bartof James75 organizou a 1ª Assembléia
Nacional de Mulheres no Estado do Rio de Janeiro. Nesse evento mulheres de diferentes
estados brasileiros reivindicaram a defesa dos direitos da mulher, especialmente da mulher
trabalhadora, da infância e da paz mundial. Em maio de 1956, realizou-se no Rio de Janeiro, a
Conferência Nacional de Trabalhadoras. Em 1960, foi fundada a Liga Feminina do Estado da
Guanabara, que além de promover cursos e palestras acerca de temáticas relacionadas às
mulheres, liderou campanhas contra o alto custo de vida na época76.

71
Teles, op.cit.,p.48.
72
Skidmore, op.cit.,p. 37.
73
São exemplos dessas associações: Comitê de Mulheres pela Democracia (Rio de Janeiro), Associação de
Donas -de -Casa contra a Carestia e a Associação Feminina do Distrito Federal. TELES, Maria Amélia. Breve
história do feminismo no Brasil. Brasília: Brasiliense, 2003, p.48.
74
A década de 1940 é igualmente importante à história das mulheres no país porque ela marca a inserção das
mulheres - em especial as que pertenciam às camadas médias urbanas - nas universidades e o início da produção
acadêmica e científica feminina74. O ingresso das mulheres nas universidades deveu-se ao incremento e à
institucionalização das políticas educacionais no Brasil, sobretudo durante o governo Vargas. Entre as décadas
de 1940 e 1960, as mulheres constituíam mais da metade dos formandos de faculdades importantes do período,
como a Faculdade Nacional de Filosofia da UB, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP e a Faculdade
de Filosofia da Universidade de Minas Gerais. Sobre esse assunto ver: FERREIRA, Luiz Otávio et al.
Institucionalização das ciências, sistemas de gênero e produção científica no Brasil (1939-1969). História,
Ciências, Saúde-Manguinhos . Rio de Janeiro, vol.15, supl.,p.43-71, jun 2008.
75
Nuta B. James foi uma grande defensora dos direitos da mulher e das liberdades democráticas no Brasil.
Participou do Movimento Constitucionalista paulista em 1932.Teles, op.cit.,p.50.
76
Teles, op.cit.,p.50-51; TABAK, Fanny. Autoritarismo e participação política da mulher. Rio de Janeiro; Graal,
1983, p. 121.
26

Após o golpe militar de 1964, que derrubou o presidente João Goulart, o Brasil
enfrentou o maior período de repressão política, censura e autoritarismo de sua história. As
associações de mulheres, assim como grupos de esquerda, de operários, estudantes e negros,
perderam espaço no contexto político nacional. Só em meados da década de 1970, o
movimento feminista no Brasil ressurge principalmente envolvido com a luta pela anistia dos
presos políticos.

1.3 A “segunda onda” feminista no Brasil

Em meados da década de 1960, feministas brasileiras - influenciadas pela idéias


advindas do movimento feminista norte-americano e europeu77- começam a questionar a
dominação masculina sobre a mulher na sociedade brasileira. A obra de Heleith Saffioti: “A
·
Mulher na Sociedade de Classes: Mito e realidade” é representativa desse momento
intelectual e político. Nela, a autora analisou como a estrutura de classes nas sociedades
influiu na força de trabalho feminina gerando a produção e a reprodução das desigualdades
sociais e de gênero. A seu ver, as manifestações de rebeldia que vinham sendo praticadas pelas
feministas norte-americanas e européias, como por exemplo, a queima de sutiãs em praça
pública, simbolizaram a ruptura das mulheres com a ordem patriarcal até então vigente na
sociedade.78
De acordo com Alves e Pitanguy, a partir da metade da década de 1960, o feminismo
no país incorpora novos temas e reivindicações:

Questiona assim a idéia de que homens e mulheres estariam


predeterminados, por sua própria natureza, a cumprir papéis opostos na
sociedade: ao homem, o mundo externo; à mulher, por sua função
procriadora, o mundo interno. Essa diferenciação de papéis na verdade

77
Outros livros importantes nesse contexto foram: “Política Sexual” de Kate Milet e “A Condição da Mulher” de
Juliet Mitchell. Ambas autoras analisaram as raízes culturais das desigualdades entre os sexos. Sobre esse assunto
ver: ZIRBEL, Ilze. Estudos feministas e estudos de gênero no Brasil: Um debate. Dissertação de Mestrado.
Universidade Federal de Santa Catarina, 2007, p.32.
78
Alves & Pitanguy, op.cit., p.54.
27

mascara uma hierarquia, que delega ao homem a posição de mando.


(Alves & Pitanguy, 1981, p.55).

Além do livro de Saffioti, uma nova literatura surge no país disposta a indagar a
tradicional estrutura da sociedade brasileira. As revistas femininas, tais como a Revista
Cláudia, insere-se nesse novo movimento. De acordo com a socióloga Anette Goldberg, foi
revelador deste contexto a editora Abril ter escolhido, em 1963, a psicóloga Carmem da Silva
para escrever a coluna “A Arte de Ser Mulher” na revista. Nas palavras de Goldberg:

(...) seus artigos foram pioneiros, pois tiveram o mérito de abordar


abertamente problemas da vida cotidiana das camadas médias urbanas,
tornaram visíveis as dificuldades de relação entre os sexos e apontaram
várias questões candentes que se colocavam para as moças da época:
virgindade, realização amorosa e/ou carreira, insatisfações da vida
conjugal, frustrações sexuais, maternidade, bloqueios e culpas.
(Goldberg, 1989, p.43-44).

Na década de 1970, mais especificamente no ano de 1975, é inaugurada a “segunda


onda do feminismo no Brasil”, momento em que o movimento feminista brasileiro adquire
visibilidade e os estudos da mulher e do gênero se disseminam pelo país. Durante o governo
do presidente Ernesto Geisel houve o início do processo de abertura do regime militar, quando
a oposição representada pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB) ganhou espaço e
obteve consideráveis vitórias sobre o partido do governo, a Aliança Renovadora Nacional
(Arena). Este processo ocorreu permeado de contradições, a exemplo do assassinato do
jornalista Vladimir Herzog e do operário Manuel Fiel Filho nas dependências do DOI-CODI,
durante o governo Geisel.79

79
O Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) foi o
órgão de inteligência e repressão do governo brasileiro durante o regime militar. Os DOI-CODI ficaram
conhecidos por serem centros de torturas daqueles que se opunham ao regime ditatorial vigente. SILVA,
Francisco Carlos Teixeira. Crise da ditadura militar e o processo de abertura política no Brasil, 1974-1985. In:
28

É a partir desse momento que o movimento feminista assume nova configuração no


país, representado, principalmente, por grupos de mulheres atuantes nos estados de São Paulo e
do Rio de Janeiro. Estes eram conhecidos como “grupos de reflexão” ou de “autoconsciência” ·.
Em São Paulo, o primeiro dos “grupos de reflexão” surgiu em 1972. Ele era formado
por mulheres com formação universitária e oriundas das classes urbanas médias, tais como:
Célia Sampaio, Walnice Nogueira, Betty Mindlin, Maria Malta Campos, Maria Odila Dias,
etc. No mesmo ano, Branca Moreira Alves organizou no Rio de Janeiro um grupo denominado
“Grupo Feminista de Reflexão e Debate sobre Feminismo”, do qual faziam parte ainda:
Jacqueline Pitanguy, Leila Linhares Barsted, Elice Munerato e Diva Múcio. Tais grupos
tinham como modelos as ações das feministas dos países anglo-saxões. Reuniam-se para
discutir, sobretudo, literatura do cotidiano das mulheres80.
Simultaneamente, movimentos de mulheres da periferia de São Paulo lutavam contra
os baixos salários e a favor da luta contra a carestia de vida e pela criação de creches,
ampliando assim a agenda social das feministas. Entretanto, a questão preponderante na pauta
feminista da década de 1970 foi a defesa da anistia política. Esta luta num primeiro instante foi
liderada pelas mulheres mais próximas dos exilados, presos políticos e banidos como mães,
esposas e irmãs. Mais tarde, ela recebeu novas adesões. Em 1975, surgiu em São Paulo o
Movimento Feminino pela Anistia, organização que logo se espalhou pelos outros estados
brasileiros, contribuindo de maneira decisiva para a concessão da anistia aos presos políticos
em 197981.
Acompanhando o desenvolvimento do movimento feminista norte-americano e
europeu – representado, sobretudo, pela perspectiva de ampliação do espaço feminino no
âmbito político-, a ONU decretou em 197582 o Ano Internacional da Mulher83. A agência

FERREIRA, Jorge & DELGADO, Lucilia D. A.N. O Brasil Republicano: O tempo da Ditadura – regime militar
e movimentos sociais em fins do século XX. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2003.
80
ibid, p.67 & Pinto, op.cit.,p.56
81
É importante lembrar que esse movimento não era feminista, mas sim liderado por um grupo de mulheres
atuantes na esfera política.Teles, op.cit,. p.82.
82
Cabe lembrar que há autoras que questionam o fato de 1975 ter sido considerado o marco inaugural do
ressurgimento do feminismo no Brasil. Segundo Joana Maria Pedro, a escolha dessa data foi resultado de
conflitos de poder entre grupos feministas. Algumas militantes, afirmam que mesmo antes de 1975, já se
percebiam feministas e atuavam com tal. Sobre esse assunto ver: PEDRO, Joana Maria. Narrativas fundadoras do
feminismo: poderes e conflitos (1970-1978). Revista Brasileira de História, São Paulo, v.26, nº 52, p.249-272,
2006.
83
Teles, op.cit., p.84.
29

internacional patrocinou, na cidade do México a Conferência do Ano Internacional da Mulher,


onde representantes de diferentes países se reuniram para avaliar a condição feminina na
época84. Ao fim do evento as participantes concluíram que em todos os países a situação da
mulher era precária e inferior quando comparada a dos homens. Com o intuito de superar esse
quadro desfavorável, a ONU instituiu o período compreendido entre os anos de 1975 e 1985
como a Década da Mulher. Neste intervalo foi acordado que os países participantes do evento
se encarregariam de adotar programas de promoção da plena cidadania feminina. Ficou
estabelecido ainda que no ano de 1985, em Nairóbi, no Quênia, cada país teria que apresentar
uma avaliação dos avanços conquistados no período85.
No Brasil, a instituição da Década da Mulher permitiu às feministas a ampliação da
atuação, na esfera pública, da luta por direitos específicos vinculados às questões gerais de
ordem política e social.86 Em junho de 1975 ocorreu no Rio de Janeiro uma semana de debate
público sobre o feminismo no país, que tinha também o propósito de comemorar o Ano
Internacional da Mulher87. Tal evento intitulado “Semana de Pesquisa sobre o Papel e o
Comportamento da Mulher Brasileira” foi organizado pelo Centro de Informações da ONU e
pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI)88. De acordo com a pesquisadora Ilze Zirbel,
cerca de cinqüenta mulheres participaram deste encontro refletindo duas tendências. A
primeira estava relacionada, sobretudo, às temáticas relativas ao mercado de trabalho; a

84
CARNEIRO, Sueli; COSTA, Albertina G.O & SANTOS, Thereza. Mulher Negra/Política Governamental da
Mulher. São Paulo: Nobel: Conselho Estadual da Condição Feminina, 1985.
85
Na Conferência Mundial do Final da Década da Mulher, em Nairóbi, Quênia, 1985, o Brasil apresentou seu
diagnóstico acerca da situação da mulher mo país, entre os anos de 1975 a 1985, através da publicação referida
acima organizada por Sueli Carneiro, Thereza Santos e Albertina Costa. Após a Conferência em Nairóbi, os
países signatários da ONU adotaram com unanimidade o documento ‘Estratégias Encaminhadas para o Futuro do
Avanço da Mulher’, em que se definiram estratégias em prol do desenvolvimento feminino.
86
ibid., p.85.
87
No decorrer das décadas de 1970 a 1980, inúmeros encontros feministas regionais e nacionais ocorreram
regularmente no país. Inicialmente os encontros aconteciam sempre no mesmo local em que se realizavam as
reuniões anuais da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). A partir de 1985, as mulheres
começam a realizar seus encontros em lugares independentes. Assim, os encontros nacionais passaram a ocorrer,
na medida do possível, uma vez em cada dois anos em diferentes cidades do país, tais como: Rio de Janeiro,
Campinas, Caldas Novas, Garanhuns, entre outros. As feministas brasileiras também participaram de encontros
feministas latino-americanos e encontros internacionais, dentre os quais destacaram-se: 3º Encontro Latino-
americano, agosto de 1985 em Bertioga (São Paulo), Conferência Internacional de População e Desenvolvimento,
1994 (Cairo) e a Quarta Conferência Mundial sobre a Mulher, 1995 (Pequim). TELES, Maria Amélia. Breve
história do feminismo no Brasil. Brasília: Brasiliense, 2003, p.155-156.
88
Alves & Pitanguy, op.cit., p.71; Teles, op.cit., p.86.
30

segunda vertente privilegiou a questão da sexualidade, aborto e contracepção89. Os assuntos


discutidos pelo segundo grupo eram considerados tabus para a sociedade brasileira do período
e não eram alvo constante de discussão inclusive no interior do movimento feminista.
A primeira posição, ligada ao mundo do trabalho, prevaleceu, visto que na elaboração
do documento final desse Encontro não foram incluídos temas relativos à sexualidade e à
reprodução feminina. Esta exclusão deveu-se ao fato do movimento feminista estar atento a
possíveis atritos com a Igreja Católica, tampouco com os partidos de esquerda, aliados das
feministas nesse período na luta contra a Ditadura Militar. A Igreja tinha uma posição contra
o aborto e os partidos de esquerda não privilegiavam os assuntos relacionados à sexualidade
como questões políticas fundamentais naquele momento90. Por razões táticas, militantes de
esquerda evitavam apresentar temáticas que pudessem dividir os aliados políticos, pois a
principal questão no momento era a luta contra a Ditadura Militar. Por isso, os militantes de
esquerda se mostravam contrários ao debate em torno da sexualidade das mulheres.91
A “Semana de Pesquisa sobre o Papel e o Comportamento da Mulher Brasileira”
rendeu frutos. No ano de 1975 ocorreu a fundação do Centro da Mulher Brasileira (CMB), que
tinha uma sede no Rio de Janeiro e outra em São Paulo. O objetivo do CMB era atuar em prol
de ações permanentes e articuladas acerca das questões femininas. Dentre as mulheres que
fizeram parte dessa instituição estavam: Moema Toscano, Branca Moreira Alves, Maria do
Espírito Santo Tavares dos Santos, Maria Luiza Heilborn, Maria Luiza D´Áboim Inglês, Maria
Emília Carvalho da Fonseca, Vera Maura Fernandes de Lima, Sandra Maria Azeredo Boshi e
Berenice Fialho Moreira.92
Os acontecimentos ligados a Década da Mulher (1975-1985) refletiram-se na esfera
acadêmica com a difusão dos estudos de gênero no país.93 Instituições como a Fundação

89
ZIRBEL, Ilze. A caminhada do movimento feminista brasileiro: das sufragistas ao ano internacional da
mulher. Texto apresentado no IV Seminário Internacional de Iniciação Científica, 1998, Blumenau,
http://br.geocities.com/izirbel/Movimentomulheres.html Acesso em 29 de agosto de 2008 .
90
Tais questões de ordem política se expressavam na época através da crítica contra a ditadura; contra o
autoritarismo e a censura; na luta contra a exploração política, econômica ou social.
91
Zirbel, op.cit.,p.10.
92
Estas mulheres tinham formação universitária, muitas delas na área das ciências humanas. Elas foram
importantes militantes do movimento feminista, em especial nas décadas de 1970 e 1980, nesse sentido, atuaram
nos grupos feministas do período, produziram bibliografia voltada para o tema e participaram de eventos voltados
à temática da mulher e do gênero no Brasil. Zirbel, op.cit.,p.10-11; Alves & Pitanguy, op.cit., p.72.
93
Cabe destacar que segundo algumas autoras, quando o movimento de mulheres adquire visibilidade, em 1975,
muitas das militantes já estavam inseridas e trabalhavam nas universidades do país. Sobre esse assunto ver:
31

Carlos Chagas em São Paulo passaram a investir maiores recursos em pesquisas que tivessem
como foco os estudos sobre a mulher. A Fundação Ford, em especial durante as décadas de
1970 e 1980, ocupou um papel vital na legitimação dos estudos sobre a mulher e gênero no
país, investindo um grande volume de recursos em projetos e pesquisas nessa área de
conhecimento.94
Nos anos subseqüentes surgiram por todo o país núcleos de Estudos sobre a mulher. O
primeiro deles foi o NEM (Núcleo de Estudos Acadêmicos sobre a Mulher), criado no final da
década de 1980 na PUC-RIO. Na década de 1990 surgem os grupos ligados a Revista Estudos
Feministas (1992) e o PAGU- Núcleo de Estudos de Gênero da Universidade de Campinas
(1993).Também nas universidades brasileiras, as temáticas em torno das particularidades
femininas foram gradativamente inseridas nos currículos acadêmicos a partir de 1975.95 Os
temas abordados através de estudos e pesquisas durante a década de 1970, versavam sobre
gênero, família, emancipação feminina, violência e participação das mulheres no mercado de
trabalho96.

1.4 A Imprensa feminista no Brasil nos anos de 1970-1980

A “segunda onda feminista” fez surgir os jornais: “Brasil Mulher”, “Nós Mulheres” e
“Mulherio”.97 Tais periódicos se tornaram um importante espaço de comunicação e expressão
das idéias, temas e causas discutidas pelas feministas durante os anos 1970 e 1980. Elas
utilizavam os jornais com múltiplos objetivos: noticiar seus trabalhos, livros, pesquisas,
noticiar eventos e seminários voltados para as mulheres, divulgar serviços prestados para as

SORJ, B; HEILBORN, M.L. Estudos de Gênero no Brasil. IN: MICELI, S. (Org). O que ler na ciência social
brasileira. São Paulo: Editora Sumaré: ANPOCS; Brasília, DF: CAPES, p.183-235, 1999.
94
Ibid.,p.185-188.
95
Sorj & Heilborn, op.cit., p. 186-187.
96
Goldberg, op.cit., p.43-69; Sorj & Heilborn, op.cit., p.183-235.
97
Entre as décadas de 1970 e 1980, foram publicados cerca de 75 periódicos feministas. Sobre esse assunto ver:
CARDOSO, Elizabeth. Imprensa Feminista brasileira pós-1974. Revista Estudos Feministas, vol 12, 2004, p.37-
55. Não foi meu objetivo esmiuçar a imprensa feminista, sendo assim decidi analisar somente três periódicos: o
“Brasil Mulher”, “Nós Mulheres” e o “Mulherio”. Optei por esses três periódicos, em primeiro lugar, porque
foram organizados e contaram com a participação das feministas mais conhecidas e atuantes da época. Em
segundo lugar porque dois desses jornais, o “Nós Mulheres” e o “Mulherio”, incluíram em suas pautas artigos e
reportagens sobre a situação do negro e a existência de um movimento de mulheres negras no Brasil e, são as
mulheres negras que constituem o meu objeto privilegiado de estudo.
32

mulheres como assistência médica ou atendimento em delegacias de polícia. Os jornais


serviam ainda como mecanismo de propaganda política para mulheres que se candidatavam a
cargos políticos. Enfim, a imprensa era um importante veículo de organização da luta
feminista.
O primeiro jornal foi o “Brasil Mulher”. Editado pela Sociedade “Brasil Mulher” entre
os anos 1975 e 1979, sua primeira sede foi em Londrina porque a então editora-chefe - a
jornalista e feminista Joana Lopes - residia na cidade. Mais tarde o periódico ganha uma sede
em São Paulo98. Seu público alvo era formado por mulheres trabalhadoras, mas também era
lido por feministas, ativistas de esquerda e pesquisadoras. 99 O “Brasil Mulher” não tinha uma
periodicidade regular. O jornal tinha em média 15 páginas e era ilustrado por desenhos,
cartoons e fotos. Os temas que mais tiveram destaque no “Brasil Mulher” estavam
relacionados à anistia política – tema condizente ao contexto da ditadura militar então vigente
no país – e a questão de classe que envolvia temas como a melhoria nas condições de vida dos
trabalhadores, preocupação com a carestia e custo de vida e luta pelos direitos sociais e
políticos na sociedade brasileira.
O Jornal “Nós Mulheres” foi publicado por uma associação homônima, situada em São
Paulo, no período compreendido entre os anos 1976 a 1978100. O jornal era lido especialmente

98
O Conselho deliberativo da Sociedade “Brasil Mulher” era composto por: Beatriz do Valle (presidente),
Rosalina Santa Cruz Leite, Amelinha Almeida Teles, Iara Areias Prado, Elza Machado, Ieda Maria B. Areias,
Ângela Borba, Elizabeth Sardelli e Lúcia Arruda. . Em relação a temática dos artigos, merecem destaques os
seguintes assuntos: política (33 artigos), trabalho (26 artigos), educação (11 artigos), carestia/custo de vida (8
artigos), planejamento familiar (8 artigos), questões gerais sobre a mulher (6 artigos), questão rural (5 artigos),
corpo/beleza (4 artigos), creche (3 artigos), Feminismo (2 artigos), Arte ( 2 artigos), violência ( 2 artigos) e aborto
( 2 artigos). E, os autores mais presentes no periódico foram: Amelinha A. Teles, Beatriz do Valle Bargieri, Joel
Guimarães dos Santos, Diva M.B. Romão, Mada Barros, Francisco, Mozart Benedito, Elza Machado, Eurídes
Cardoso, Ieda Areias, Albertina de Carvalho, Ascanio Jatobá de A. Soares e Angela Borba. O “Brasil Mulher”
ainda contou com colaboradores que estavam atuando fora do país. Como é o caso de: Beth Lobo, Lena Lavinas,
Maria Helena Tachinardi, Otília, Sueli Tomazini e Sula que enviaram artigos de Paris. Inicialmente, no nº O a
editora-chefe era Joana Lopes, já no nº 1 a diretora responsável pelo jornal passa a ser Laís Oreb. Porém, o
periódico teve outras diretoras responsáveis, tais como: Ana Maria Cerqueira Leite (junho de 1977 a março de
1978) e Adélia Lúcia Borges de Gusmão (março de 1978 a setembro de 1979).
99
CARDOSO, Elizabeth. Imprensa Feminista brasileira pós-1974. Revista Estudos Feministas, vol 12, nº
especial, p. 37-55, 2004.
100
Seu conselho editorial era composto por: Bia Kfouri, Carolina Oliveira Macedo, Cida Aguiar, Conceição
Cahu, Jany Raschkovsky, Laura Salgado, Leda Cristina Orosco Galvão, Lione Ralstons, Maria Inês Zan Chetta,
Maria Inês Catilho, Marli C. Gonçalves, Rachel Moreno, Renata Villas Boas, Rita de Lucca, Solange Padilha,
Susana Camargo Kfouri e a jornalista responsável inicialmente era Mariza Corrêa, a partir de 1977 passa a ser
Anamarcia Vainsencher e em julho de 1978, em sua última edição, o periódico passa a ser dirigido por um
homem: Luis Antônio do Nascimento.
33

por mulheres trabalhadoras101. O objetivo do jornal era: “criar um espaço de discussão para
problemas e questões femininas, servindo ainda como instrumento de conscientização e luta
para a grande maioria das mulheres brasileiras” ·. Cada edição tinha em média 15 páginas e
uma lista com os colaboradores.102
O “Mulherio” começa a ser editado pela Fundação Carlos Chagas (São Paulo) em
março de 1981, com uma periodicidade inicialmente bimestral, passando a ser trimestral e
mensal nos últimos anos de circulação103. A jornalista responsável era Adélia Borges. A
maioria das mulheres que atuavam no jornal estava inserida na área dos estudos de gênero,
como é o caso de Heleieth Saffioti uma das pioneiras nesse campo de estudos no Brasil. Seu
público alvo era formado por feministas, ativistas políticas e pesquisadoras.
O jornal tinha em média 23 páginas e a maioria dos artigos pertencia a membros do
conselho editorial104. É importante destacar a presença da historiadora e filósofa Lélia
Gonzáles no conselho editorial do jornal. Lélia foi militante negra, que ajudou a fundar o
MNU (Movimento Negro Unificado) em 1978. Ela criou ainda um dos primeiros grupos de
mulheres negras, sediado no Rio de Janeiro em 1983, o “Nizinga - Coletivo de mulheres
negras”. Tal inserção de Lélia Gonzáles no “Mulherio” permitiu a presença de artigos e
reportagens centrados em questões envolvendo a mulher negra brasileira na década de 1980.
Os três jornais abordavam questões ligadas principalmente ao cotidiano das mulheres,
tais como: melhores condições de trabalho nas fábricas e no campo, direito a creches, luta

101
LEITE, Rosalina de Santa Cruz. Brasil Mulher e Nós Mulheres: origens da imprensa feminista brasileira.
Revista Estudos clFeministas, v.11, nº 1, p. 234-241, 2003.
102
Dentre esses colaboradores, os que mais aparecem no jornal são: Conceição Cahu, Maria Inês Castilho,
Mariza Corrêa, Henfil, Renata Villas-Boas, Cynthia Sarti, Carolina Macedo, Angeli e Margareth Fiori. Os
principais temas abordados pelo jornal foram respectivamente: Mercado de trabalho (14 artigos), questões gerais
sobre as mulheres (12 artigos), política (9 artigos), corpo ( 8 artigos), planejamento Familiar ( 4 artigos),
carestia/custo de vida (4 artigos), creche (4 artigos), negros ( 3 artigos), mulheres e a Igreja (2 artigos) e
violência (1 artigo).
103
O conselho editorial do jornal era composto por: Carmem Barroso, Carmem da Silva, Cristina Bruschini,
Elizabeth Souza, Eva Alterman Blay, Fúlvia Rosemberg, Heleith Saffioti, Lélia Gonzáles, Maria Carneiro da
Cunha, Maria Moraes, Maria Malta Campos, Maria Rita Kehl, Maria Valéria Junho Pena, Marília de Andrade,
Mariza Corrêa e Ruth Cardoso.
104
Dentre as autoras mais recorrentes no “Mulherio”, estão: Adélia Borges, Inês Castilho, Maria Rita Kehl,
Fúlvia Rosemberg e Elizabeth Souza Lobo. Os temas que se destacaram no “ Mulherio” foram: política (37
artigos), negros (21 artigos), corpo/beleza (17 artigos), rumos do Feminismo (15 artigos), trabalho (15 artigos),
família/creche (13 artigos), aborto (13 artigos), sexualidade ( 10 artigos), esportes /cultura (10 artigos), violência
(9 artigos), planejamento Familiar (8 artigos), trabalhadoras rurais ( 3 artigos), meio ambiente (3 artigos) e
loucura ( 3 artigos). Alguns homens tiveram artigos publicados no “Mulherio”, tais como: Emir Sader (O aborto
na Constituinte), Nicolau Sevcenko (Por trás da impostura e angústia) e Edvaldo Pereira Lima (Livre para voar).
34

contra a violência doméstica, discussão acerca do aborto e planejamento familiar, etc.


Contudo, os periódicos apresentavam importantes diferenças entre si. A mais notável dessas
distinções ocorria entre o “Brasil Mulher” e o “Mulherio”. O “Brasil Mulher” estava mais
ligado a uma vertente de esquerda e trazia matérias de cunho geral que visavam atingir toda a
sociedade e não somente o grupo das mulheres ou das feministas. As editoras do “Brasil
Mulher” chegaram até mesmo a afirmar no nº 0 da edição que:

O “Brasil Mulher” não é o jornal da mulher. Seu objetivo é ser mais uma
voz na busca e na tomada de igualdade perdida, trabalho que se destina a
homens e mulheres (...) queremos usar a inteligência, informação e
conhecimentos em função da igualdade e, dede já propomos a equidade
entre homens e mulheres de qualquer latitude. (Jornal “Brasil Mulher”, nº 0,
outubro de 1975, p.1).

As editoras do “Brasil Mulher” buscavam nas páginas do jornal vincular a luta pela
emancipação da mulher com as questões mais gerais presentes na sociedade brasileira do
período, tais como educação, saúde, educação e anistia política. Em contraposição, o
“Mulherio” enfatizava questões específicas ligadas à vida das mulheres, como: denunciar as
desigualdades de gênero que ocorriam principalmente na esfera do trabalho, onde as mulheres
geralmente trabalhavam mais e recebiam salários menores que o dos homens.
Uma outra diferenciação acerca dos três jornais é representada pelo fato de que o
“Mulherio” desde sua criação esteve ligado a uma importante instituição de pesquisa na área
dos estudos sobre a mulher e sobre gênero no Brasil: a Fundação Carlos Chagas.
Diferentemente do “Nós Mulheres” e do “Brasil Mulher”, que nasceram sob a tutela de dois
coletivos de mulheres autônomos: a Sociedade “Brasil Mulher” e a Associação “Nós
Mulheres”105. Devido a essa distinção, o “Mulherio” contou com uma estrutura mais
organizada e profissional do que os outros, pois tinha uma equipe técnica – formada pelas
principais pesquisadoras da área dos estudos sobre a mulher e gênero no país – e recebia
patrocínio da Fundação Carlos Chagas.

105
LEITE, Rosalina de S.C. “Brasil Mulher” e “Nós Mulheres”: origens da imprensa feminista brasileira.
Revista Estudos Feministas, v.11, nº1, 2003, p. 234-241.
35

Ao analisar esses periódicos procurei evidenciar de que forma eles se transformaram


em espaços privilegiados de atuação das feministas brasileiras. Os jornais se tornaram, nas
décadas de 1970 e 1980, num mecanismo de veiculação de idéias, reivindicações e lutas
empreendidas pelas mulheres, tais como: anistia política, criação de creches, melhores salários
e condições de trabalho, pelo fim da violência doméstica, pela liberdade sexual e reprodutiva
das mulheres. Os temas ora estavam relacionados exclusivamente às mulheres, ora à
sociedade em geral. Eles eram debatidos no cenário público nacional do período e acabaram
figurando nas páginas desses jornais.
Em relação à presença da mulher negra nos periódicos, ela é mais visível no
“Mulherio”. Um exemplo dessa afirmação decorre da publicação de cartas de mulheres negras
ao jornal reivindicando matérias a respeito da situação delas e das dificuldades que as mesmas
encontravam na sociedade brasileira da década de 1980. Na seção cartas, da segunda edição do
“Mulherio”, a carioca Suzete de Paiva – ativista negra - reivindicou que o jornal divulgasse
dificuldades enfrentadas pelas mulheres negras no período. As editoras do “Mulherio”
atenderam de imediato a reivindicação, visto que na edição seguinte a capa do periódico
trouxe a foto de uma mulher negra estampada, além de artigos sobre a mulher negra e uma
pesquisa realizada pela militante negra Lélia Gonzáles a respeito da situação da mulher negra
no mercado de trabalho, na vida conjugal, na educação, etc. Esse fato parece ser uma
evidência de que ativistas negras eram leitoras do jornal e buscavam ser representadas nas
páginas do periódico.
O “Mulherio” foi o periódico que trouxe mais artigos e reportagens acerca da situação
do negro no país, totalizando 21 artigos. Além de Lélia Gonzáles, outros autores como: Dulce
Pereira Cardoso, Edna Roland, Maria da Penha Crispim Miguel, Rita Moreira, Inês Castilho,
Fúlvia Rosemberg, Luiz Carlos Lopes, Maria Teresa de Souza, Sueli Carneiro, Idleziata
Rabelo de Paixão, Leda Beck e Maria Lúcia da Silva escreveram artigos referente à população
negra no “Mulherio”106. Tais artigos versavam principalmente sobre as seguintes questões:
desigualdades enfrentadas pelas mulheres negras no mercado de trabalho, o papel da mulata
enquanto símbolo sexual, valorização da cultura africana negra, crítica contra a suposta

106
Esse conjunto de autores, que escreveram artigos sobre as mulheres negras no “Mulherio”, era de distintas
procedências: ativistas do movimento de mulheres negras, militantes negros, feministas e pesquisadoras
especializadas nos estudos sobre a mulher e gênero no país.
36

democracia racial vigente no país, relação das mulheres negras com o movimento feminista,
denúncias de racismo no sistema educacional brasileiro e análise da situação dos negros após
100 anos da abolição da escravatura107.
A situação da população negra, por sua vez, não era um tema explorado nas matérias
do “Brasil Mulher” e do “Nós Mulheres”. No “Brasil Mulher” não encontrei qualquer artigo
acerca da população negra enquanto no “Nós Mulheres” localizei apenas três. Avalio que o
fato de existir um número maior de artigos no “Mulherio” deveu-se a presença na edição do
jornal – pelo menos nos seus primeiros anos de existência – da ativista Lélia Gonzáles, cuja
atuação na redação do “Mulherio” foi determinante para a inclusão das reivindicações e das
problemáticas condizentes ao cotidiano das mulheres negras na pauta do jornal.

1.5 O feminismo nos anos de redemocratização

Como vimos, a década de 1970, em especial a partir do ano de 1975, foi fértil no que
diz respeito à participação das mulheres no espaço público. Aliadas a grupos de esquerda, de
estudantes e de sindicalistas, as mulheres lutaram pela democratização do país.108 Com o fim
do bipartidarismo, durante a década de 1980, os espaços de atuação feminista no plano político
se ampliaram e novas temáticas e discussões vieram à tona109.
Uma das questões que emergem nesse período no Brasil esteve ligada às discussões
relativas às diferenças de gênero. O conceito de gênero surge no processo de crítica ao
determinismo biológico contido no termo sexo. Este implicava numa visão das mulheres como
seres biológicos, pertencentes apenas ao campo da natureza, diferente dos homens que
supostamente se localizavam no âmbito da cultura, como sujeitos da história110. Até a década

107
Jornal “ Mulherio”, edições: 14, 19, 22, 25, 37, 38 e 39.
108
ROLLEMBERG, Denise. Esquerdas revolucionárias e luta armada. In: FERREIRA, Jorge & DELGADO,
Lucilia D. A.N. O Brasil Republicano: O tempo da Ditadura – regime militar e movimentos sociais em fins do
século XX. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2003.
109
Pinto, op.cit. p. 74.
110
A historiadora norte-americana, Joan Scott, afirmou que o conceito de gênero apareceu inicialmente entre as
feministas norte-americanas, no final da década de 1960, para abordar a organização e as distinções existentes
37

de 1980, as distinções existentes entre homens e mulheres não eram uma questão explorada em
profundidade pelos estudos feministas no país111. Esse cenário muda quando o conceito de
gênero passa a ser utilizado pelas feministas e pesquisadoras brasileiras com o intuito de
valorizar o papel e as especificidades femininas e, além disso, marcar as diferenciações
existentes entre os homens e as mulheres no país.
Além da discussão sobre o conceito de gênero, mudanças no âmbito político nacional,
na década de 1980, refletiram no movimento feminista brasileiro. O processo de
democratização trouxe em seu bojo o surgimento de novos partidos políticos (PT, PMDB, PDT
e PFL). Neste período, o movimento feminista correu o risco de se fragmentar em face da
divisão das militantes entre o PMDB e o PT112. De acordo com Céli Regina Pinto, as
feministas, mais afinadas ao PMDB, formaram alianças para promoverem as questões das
mulheres tendo em vista a institucionalização do movimento. Em contrapartida, as ativistas
ligadas ao PT eram contra a institucionalização porque tinham receio que o movimento
feminista perdesse a autonomia. Acabou prevalecendo a perspectiva da institucionalização do
movimento, através principalmente da criação de Conselhos da condição da Mulher.113 Em
1983 foi fundado pelo governador de São Paulo, Franco Montoro, o primeiro Conselho
Estadual da Condição Feminina. Outros estados criaram seus Conselhos e, em 1985, foi
instituído o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher.114
Ainda na década de 1980, novos temas ganham destaque na pauta feminista, tais
como: saúde, corpo, sexualidade e violência. Essas questões marcam o surgimento de um novo

entre os sexos na sociedade. A pesquisadora Donna Haraway, reitera o pensamento de Joan Scott, quando afirma
que a categoria gênero surge para criticar e ampliar as classificações e sistemas de diferenças entre os sexos.
Segundo Haraway, com a utilização do conceito de gênero a mulher passa a ser percebida como um sujeito social
e atuante na história. A antropóloga alemã, Verena Stolcke, Stolcke, colocou ainda que gênero emergiu como
uma construção simbólica utilizada para analisar as relações entre os homens e as mulheres a partir dos
cruzamentos entre os significados sociais, culturais e psicológicos que recaem constantemente sobre as
identidades sexuais. SCOTT, J. Gênero: Uma categoria útil para a análise histórica. Revista Educação e
Realidade. Tradução de Christine Rufino Dabat e Maria Betânia Ávila. Acesso em
http://www.dhnet.org.br/direitos/textos/generodh/gen_categoria.html 16/10/2006; HARAWAY, Donna. Gênero
para um dicionário marxista: a política sexual de uma palavra. Cadernos pagu, v. 22, p. 209-211, 2004;
STOLCKE, V. Sexo está para gênero assim como raça para etnicidade? Estudos Afro-Asiáticos, nº 20,
1991,p.103.
111
Pinto, op.cit.,p.74.
112
Goldberg, op.cit., p.53; Pinto, op.cit., p. 56.
113
Os Conselhos Estaduais da Condição da Mulher tinham um caráter consultivo e propositivo, não possuíam
orçamento próprio e eram compostos por mulheres do partido do PMDB. Goldberg, op.cit., p. 60-79. Pinto,
op.cit., p. 67.
114
Teles, op.cit., p.143.
38

115
tipo de feminismo fundado no surgimento de coletivos como o SOS, que prestavam
serviços nas áreas da violência e da saúde.
Cresce neste período a campanha feminista contra a violência doméstica.116 Assim,
mulheres agredidas fisicamente, em muitos casos pelos próprios maridos, buscavam apoio e
acolhida no SOS Mulher. Nos coletivos, as mulheres também recebiam auxilio nas questões
relativas à saúde. Segundo Céli Regina Pinto: “Além de temas tradicionais como os cuidados
com a maternidade e com a prevenção do câncer, a questão da saúde das mulheres
pressupunha três outros temas que envolviam controvérsias e preconceitos: planejamento
familiar, sexualidade e aborto”.117
Em 1983, o PAISM (Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher) foi criado
pelo então Ministro da Saúde Valdir Arcoverde118. O PAISM representava os esforços
empreendidos pelas feministas na área da saúde e se tornou o primeiro programa
governamental voltado a atender de forma plena a saúde das mulheres brasileiras. De acordo
com as pesquisadoras Simone Monteiro e Wilza Villela, antes da elaboração do PAISM o
governo tinha implementado o Programa de Saúde Materno-Infantil, a fim de fornecer
assistência médica, tais como o pré-natal, aos filhos das mulheres pobres e carentes119.
Entretanto, conforme as autoras, tal programa recebeu inúmeras críticas provenientes
principalmente do movimento de mulheres:

A principal crítica, por parte das feministas, ao Programa de Saúde Materno


Infantil, era a redução do sujeito mulher a objeto necessário à reprodução
biológica da espécie, mecanismo que nega a sexualidade das mulheres como
115
Goldberg, op.cit., p.53
116
Até meados de 1970 no Brasil, o homem que praticava violência doméstica era protegido por uma lei que
considerava tal ato como direito legítimo do homem. Essa situação começa a se reverter quando as feministas
brasileiras elaboraram uma campanha pública pedindo a prisão do magnata Doca Street, anteriormente absolvido
pelo assassinato de sua ex-mulher Ângela Diniz. A campanha feminista rendeu resultados e pela primeira vez na
história do país abandonou-se a tese de legítima defesa da honra e, condenou-se um homem que assassinou a
própria esposa independente de qual tenha sido o motivo. Pinto, op.cit., p. 59.
117
Pinto, op.cit., p. 63.
118
Os criadores do programa foram Ana Maria Costa (médica, atuante na área da saúde da mulher no Ministério
da Saúde), Maria da Graça Ohana (socióloga da Divisão Nacional de Saúde Materno-infantil), Aníbal Fagundes e
Osvaldo Grassioto (ginecologistas e professores da Unicamp). ORTIZ, Maria José M.D. PAISM: Um marco na
abordagem da saúde reprodutiva no Brasil. Cadernos de Saúde Pública, vol.14, 1998, p.25-32.
119
MONTEIRO, Simone & VILELA, Wilza. Atenção à saúde das mulheres: historicizando conceitos e práticas.
IN: MONTEIRO, Simone & VILELA, Wilza (Orgs). Gênero e Saúde: Programa Saúde da Família em Questão.
São Paulo: Editora Abrasco; Brasília: UNFPA, 2005, p.15-31.
39

atividade autônoma em relação à procriação. (Monteiro & Villela, 2005,


p.20).

O PAISM foi uma resposta às reivindicações anteriores do movimento de mulheres por


um programa de saúde em prol das mulheres que fosse universal e integral. O Programa era
ainda uma reação às pressões internas e externas pelo controle de natalidade no Brasil. De
acordo com a médica Ana Maria Costa120, ele foi uma resposta do executivo a uma Comissão
Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI)121, instaurada em 1983, com o objetivo de investigar as
políticas de controle de natalidade promovidas no país naquele período122.
Ao elaborar o programa, seus criadores tiveram em mente o conceito de assistência
integral da saúde preconizado pelo Ministério da saúde, em que as ações deveriam atender de
forma global as necessidades das mulheres e ser implementadas por todas as unidades do
sistema básico de saúde brasileiro123. Segundo os autores do documento:

Em relação à atenção à mulher – o objetivo primordial desta proposta – os


serviços de saúde devem ser dotados de meios adequados, articulando-se
os esforços do governo federal, dos estados e municípios, com o objetivo
de oferecer atividades de assistência integral clínico-ginecólogica e
educativa, voltadas para o aprimoramento do controle pré-natal, do parto e
do puerpério; a abordagem dos problemas presentes desde a adolescência
ate a terceira idade; o controle das doenças transmitidas sexualmente, do
câncer cérvico –uterino e mamário, e a assistência para a concepção e
contracepção. (PAISM. Ministério da Saúde, 1984, p. 5)

120
A médica do Ministério da Saúde, Ana Maria Costa, é militante do movimento feminista brasileiro e
coordenou a elaboração do PAISM. Atualmente, Costa é diretora do Departamento de Apoio à Gestão
Participativa do Ministério da Saúde.
121
De acordo com o pesquisador Délcio da Fonseca Sobrinho, a CPMI de 1983 foi instalada no governo
Figueiredo, com o objetivo de investigar problemas relacionados ao aumento populacional no país. A CPMI de
1983 produziu um relatório final fraudulento, baseado quase que integralmente em um documento anterior da
BENFAM (Sociedade Civil de Bem-Estar Familiar no Brasil), portanto não foi possível apurar, de fato, naquele
momento as problemáticas a respeito do controle demográfico no país. Sobre esse assunto ver: SOBRINHO,
Délcio da F. História do planejamento familiar no Brasil. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos: FNUAP, 1993, p.68.
122
Apresentação ao livro de Délcio da Fonseca Sobrinho. In: SOBRINHO, Délcio da F. História do
planejamento familiar no Brasil. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos: FNUAP, 1993, p.11-13.
123
PAISM. Ministério da Saúde. Assistência Integral à Saúde da Mulher: Base de Ação Programática. Brasília,
1984.
40

O PAISM incluiu pela primeira vez no cenário nacional o planejamento familiar e a


saúde reprodutiva da mulher. Em relação ao planejamento familiar, a política de saúde previa
que o Estado oferecesse meios e informações para que todos os brasileiros pudessem planejar o
crescimento de suas famílias124. Assim, o Programa visava cobrir integralmente a saúde das
mulheres brasileiras, desde a adolescência até a velhice, tomando em consideração aspectos
não apenas biológicos, mas também sociais, ou seja, levando em consideração as condições de
125
vida das mulheres . Porém, avaliações sobre o PAISM, realizadas durante as décadas de
1980 e 1990, atestaram que o programa não foi implementado integralmente no país126. Os
resultados positivos vinculados ao PAISM se restringiram a experiências locais, tais como:
Goiás (local onde foi lançado o plano piloto do programa) e em algumas cidades de São
Paulo127.
Mesmo com algumas dificuldades, o PAISM foi considerado um avanço pelas feministas
brasileiras porque incorporou questões relacionadas à saúde feminina (reprodução,
contracepção, pré-natal e parto) na agenda de saúde pública do governo brasileiro na década de
1980.
A saúde da mulher continuou a adquirir importante espaço nas ações das feministas
brasileiras, pois figurou como um dos principais temas defendidos pelas ONGs feministas nos
anos 1990.

1.6 As ONGs feministas e os anos de 1990

Durante a década de 1990, o movimento feminista brasileiro passa por uma nova
transformação caracterizada pela profissionalização do feminismo mediante às ONGs de
mulheres. De acordo com Sonia Alvarez, o termo ONG feminista designa determinados
grupos com práticas distintas daqueles dos grupos feministas históricos dos anos 1970 e início

124
Ibid., p. 9 & Ortiz, op.cit., p.30.
125
COSTA, Ana Maria. Desenvolvimento e Implantação do PAISM no Brasil. IN: GIFFIN, Karen & COSTA,
Sarah H. Questões da saúde reprodutiva. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1999, p.327.
126
Monteiro & Villela, op.cit., p.21.
127
CASTILHO, Inês. O plano do Ministério mudando mentalidades. Jornal “Mulherio”, nº 21, 1985, p.10)
41

dos 1980. Essas distinções entre as ONGs e o movimento feminista se fundamentaram,


sobretudo, na seguinte questão: enquanto que as feministas não contavam com uma estrutura
burocrática e profissional de atuação, as ativistas das ONGs contam com equipes de
especialistas, assalariadas e, às vezes, compostas por um grupo limitado de voluntárias que
recebem recursos de agências bilaterais e multilaterais, como a OPAS e de fundações privadas
como a Fundação Ford . 128
Para a antropóloga Leilah Landim, o termo ONG, que se disseminou pelo país a partir
da década de 1980, nasceu como uma categoria socialmente construída e utilizada para definir
um conjunto de entidades com características específicas, reconhecidas por seus agentes, pela
opinião pública ou pelo senso comum129. Para a autora a formatação atual das ONGs remonta
aos anos do regime militar no país:

As ONGs constróem-se e se consolidam na medida em que se constrói e se


fortalece um amplo e diversificado campo de associações civis, a partir,
sobretudo dos anos 70 – processo que caminha em progressão geométrica
pelas décadas de 80 e 90 (...) (Landim, 1993, p.43).

Ainda de acordo com Landim, essas organizações no Brasil nascem próximas às


igrejas cristãs e aos movimentos comunitários e de bairros em fins da década de 1960.
Porém, no decorrer das décadas de 1970 e 1980, as ONGs se renovam, ganham novos
atores, questões e trajetórias. É nesse momento que tais organizações ligam-se a alguns
movimentos sociais brasileiros, tais como: ambientalistas, indígenas, homossexuais,
negro, feminista, etc. Para Leilah:

Essa pluralidade de atuação indica tendências que se foram afirmando,


sobretudo, através da segunda metade dos anos 80, com o crescimento na
sociedade brasileira de novos movimentos sociais e sujeitos coletivos. As

128
ALVAREZ, S.E. A “Globalização” dos femininos latino-americanos: tendências dos anos 90 e desafios para o
novo milênio. IN: ALVAREZ, S.E.; DAGNINO, E.; ESCOBAR, A (Edt). Cultura e Política nos movimentos
sociais latino-americanos – novas leituras. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2000, p.403.
129
LANDIM, Leilah. A Invenção das ONGs - do serviço invisível à profissão sem nome. Tese de Doutorado,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1993.
42

ONGs ao mesmo tempo refletem esse processo e representam um papel,


através de sua intervenção, na construção desses movimentos e grupos
sociais diversificados (Landim, 1993, p.43).

De acordo com Alvarez, a institucionalização do movimento de mulheres em ONGs


ocorreu porque as questões ligadas ao gênero e as mulheres ganharam espaço na esfera pública
e política durante a década de 1990 no país, devido essencialmente aos preparativos brasileiros
à Quarta Conferência Mundial de Mulheres no ano de 1995 em Beijing. Segundo autora:
“Beijing trouxe à luz a absorção relativamente rápida de elementos (os mais digeríveis) dos
discursos e agendas feministas pelas instituições culturais dominantes, organizações paralelas
da sociedade civil, da sociedade política e do Estado”130. Além desse fator, como o governo
não conseguiu atender a crescente profissionalização e especialização das feministas, as
organizações não governamentais surgiram para suprir essa lacuna131. Também em relação a
essa questão, Maria da Glória Gohn coloca que: “(...) as ONGs criadas e coordenadas por
mulheres multiplicaram-se em todas as classes e camadas sociais e foram tornando-se a forma
de representação predominante das mulheres no Brasil”.132
É importante colocar ainda que o contexto internacional do período contribuiu ao
surgimento das ONGs no Brasil. Durante a década de 1990, a ONU organizou Conferências
Mundiais133, em que se debateram questões como o crescimento populacional, o meio
ambiente e ações em defesa das mulheres. Mulheres de diferentes países realizaram reuniões
preparatórias e atuaram de maneira significativa nesses eventos. As ONGs feministas tiveram
papel de destaque nesse contexto, pois fundamentaram a participação das mulheres brasileiras,
principalmente na Conferência Sobre População e Desenvolvimento no Cairo em 1994 e na IV
Conferência Mundial Sobre a Mulher em Beijing, 1995134.

130
Alvarez, op.cit., p.384.
131
ibid., p.385.
132
Gohn,op.cit.,p.52.
133
Tais Conferências Mundiais ocorridas na década de 1990 foram: a Conferência de Meio Ambiente e
Desenvolvimento (Rio-92), a Conferência de Direitos Humanos (Viena-93), a Conferência Internacional sobre
População e Desenvolvimento no Cairo (1994) e a IV Conferência Mundial sobre a Mulher em Beijing no ano de
1995. Abordarei melhor essas Conferências no terceiro capítulo da dissertação.
134
Alvarez, op.cit.,p.385.
43

Inúmeras foram as ONGs que se espalharam pelo país na década de 1990. Tais grupos
se reuniam em torno das mais variadas identidades. Nesse sentido, existiam ONGs das
mulheres rurais, mulheres portadoras de HIV, mulheres parlamentares, lésbicas, prostitutas,
entre outros grupos. Inclusive, grupos de mulheres negras se organizaram no formato de Ongs,
tais como: Geledés, Criola, Fala Preta! entre outros135. Segundo Alvarez, as Ongs provocaram
tensões dentro do movimento feminista, pois essas novas organizações, que recebem
financiamentos externos e contam com profissionais especializados, acabaram se tornando
líderes do movimento de mulheres136. Mesmo enfrentando resistências por parte de algumas
feministas, essas organizações vingaram e, do fim da década de 1990 até o inicio do século
XXI, foram a forma privilegiada do movimento feminista se organizar e atuar no cenário
nacional.

1.7 As divergências das ativistas negras no movimento feminista

Até a década de 1980, o movimento feminista brasileiro encontrava-se identificado


com as seguintes demandas: a luta contra a dominação masculina, a busca pela igualdade de
direitos entre homens e mulheres e as lutas sociais. As diferenças no interior do movimento
feminista só emergem com a democratização do país sob a influência, especialmente, do
feminismo anglo-saxão.
Inicia-se a partir desse período uma crítica a forma como o feminismo se apresentava:
liderado por mulheres brancas, urbanas, da classe média alta e oriundas dos países ocidentais
desenvolvidos137. Neste contexto, a diferença de gênero não era mais suficiente, pois esse
conceito – utilizado muitas vezes pelas feministas americanas somente para referirem-se as
diferenças baseadas no sexo - não contemplava distinções que existiam entre as próprias
mulheres, ou seja, aspectos associados à classe e raça/etnia.
Segundo Pierucci, os estudos feministas começaram a dar mais ênfase às diferenças de
classe com o intuito de evidenciar as desigualdades existentes entre as mulheres operárias e as

135
Pinto, op.cit., p. 92.
136
Alvarez, op.cit., p.384.
136
ibid., p.405.
137
Pierucci, op.cit.,p.130.
44

mulheres das classes mais abastadas.138 Segundo Verena Stolcke, diversos autores analisam os
termos gênero, classe e raça sem estabelecer conexões entre eles. A autora, no entanto,
percebe que vistos sob uma ótica social, gênero, classe e raça formam um “sistema combinado
de desigualdades”. Nas sociedades de classe, mulheres negras, por vezes sofrem uma tripla
exploração: gênero, classe e raça139.
As críticas contra o suposto caráter universal do movimento feminista eclodem no
Brasil no final da década de 1980 e no decorrer da década de 1990. Tais críticas ganharam
visibilidade principalmente em virtude dos encontros e seminários de mulheres que ocorreram
por todo país, nos quais emergem demandas das ativistas negras140. Assim, mulheres das mais
variadas origens sociais começam a rejeitar a visão hegemônica no âmbito do feminismo
brasileiro, formado majoritariamente por mulheres brancas, de classe média, universitárias e
heterossexuais. Novas organizações surgem em torno de especificidades e interesses distintos
existentes no interior do feminismo, a saber: mulheres operárias, lésbicas, trabalhadoras rurais,
negras, entre outras141.
Refletindo questões discutidas na esfera pública, os estudos acadêmicos passam a
incorporar temáticas relacionadas ao binômio sexo/classe. Segundo Anette Goldberg: “ Era
muito forte entre os cientistas sociais no final dos anos 70 a tendência a considerar que nada
havia de comum entre problemas das mulheres burguesas (militantes feministas) e problemas
das mulheres exploradas enquanto trabalhadoras”142. Deste modo, uma nova agenda de
pesquisas se criou no país contemplando tanto as condições sociais da mulher operária quanto
a situação das demais trabalhadoras, a exemplo das rurais e das donas-de-casa.
Neste momento de pluralização no interior do movimento feminista, as mulheres
negras também começam a questionar suas posições, tecendo críticas e reivindicando espaço
para a discussão de suas próprias demandas. Aqui se verifica mais uma vez a influência da
experiência estadunidense quanto à problemática racial. Conforme Pierucci, o livro da

138
Pierucci, op.cit.,p.136.
139
Stolcke, op.cit., p.105.
140
RIBEIRO, Matilde. Mulheres negras brasileiras: de Bertioga a Beijing. Revista Estudos Feministas. v. 3, n. 2,
1995.
141
Pinto, op.cit., p. 92.
142
Goldberg, op.cit., p.55.
45

escritora americana bell hooks143, “Ain’t a woman: Black women and feminism”, de 1981,
trouxe à tona o debate racial e as questões que envolviam as mulheres negras dentro do
movimento feminista. Nessa obra, segundo Pierucci, hooks tem o intuito de evidenciar o
preconceito que existia dentro do movimento, na medida em que as feministas brancas não
atentavam para as peculiaridades que cercavam outros grupos de mulheres que não fossem
brancas, ocidentais e de classe média. Neste sentido, o corpo da mulher negra “carregado de
raça e gênero” se torna um dos principais temas nos discursos e produções teóricas realizados
pelas feministas negras americanas. Na perspectiva de Pierucci:

Nas mulheres negras, raça e gênero são traços salientes, imediatamente


visíveis e indisfarçáveis, marcas de identificação indeléveis – indeletáveis!
– apresentando-se como figuras sempre-já imediatamente à vista, vistosas,
sempre-já no proscênio e não no fundo da cena, não como pano de fundo.
(Pierucci, 1999, p.136).

Do ponto de vista de Donna Haraway, o debate em torno do sistema “sexo-gênero”


nunca foi suficiente:

As mulheres de cor norte-americanas (...) produziram teoria crítica sobre


a produção de sistemas de diferenças hierárquicas nas quais raça,
nacionalidade, sexo e classe estavam entrelaçados, tanto no século
dezenove e no início do século vinte, como desde o início dos
movimentos de mulheres que emergiram dos movimentos pelos direitos
civis e contra a guerra [do Vietnã] nos anos sessenta (Haraway, 2004, p.
236).

As feministas negras norte-americanas destacaram ainda o tema da herança da


escravidão. Apontaram assim uma diferença nítida acerca do papel das mulheres brancas e

143
A escritora, feminista e ativista bel hooks graduou-se em inglês na Universidade de Stanford. Lecionou Inglês,
Literatura, Estudos feministas e Estudos Afro-Americanos em universidades como: University of California/
Santa Cruz, Yale University, Southwestern University e na San Francisco State University. Acesso em
http://en.wikipedia.org/wiki/Bell_hooks http://www.answers.com/topic/bell-hooks 21/05/2009.
46

negras durante o século XIX. Enquanto que as brancas desempenhavam o papel de esposa
dos homens brancos, as negras - muitas das quais escravas no período - estavam vinculadas
aos homens brancos pelo viés da posse, da propriedade. Dessa maneira, conforme Pierucci
“nesses quadros discursivos, as mulheres brancas não eram legal ou simbolicamente,
inteiramente humanas; os escravos não eram humanos, nem legal, nem simbolicamente”.144
As críticas preconizadas pelas feministas negras norte-americanas começam a ser
incorporadas pelas ativistas negras brasileiras, principalmente no decorrer das décadas de 1980
e 1990, período caracterizado pelo nascimento do movimento de mulheres negras no país.
Como apontou Jurema Werneck:145 “ No feminismo original não havia diferenças palpáveis,
de classe social ou de raça. Só existia a questão de gênero. E não se encarou os conflitos que
existiam por causa dessas diferenças”. Sobre a relação entre mulheres negras e feminismo, a
militante negra e socióloga Luiza Bairros146 afirma que:

(...) questões soavam estranhas, fora de lugar na cabeça da mulher negra (...)
falava-se na necessidade de a mulher pensar o próprio prazer, conhecer o
corpo, mas reservava-se a mulher pobre, negra em sua maioria, apenas o
direito de pensar na reivindicação da bica d’ água. (Bairros, 1988 p.5).

Ainda sobre esta questão, Matilde Ribeiro147 aponta que:

Na busca de ampliação da plataforma de ação feminista, as mulheres negras


teceram inúmeras críticas quanto à invisibilidade de sua ação política. A
contestação mais direta refere-se à maneira secundarizada do tratamento de
sua opressão e organização, as quais estiveram e estão submetidas pelo
sistema (...) a questão racial ainda é um tabu; o combate ao racismo, pela

144
Pierucci, op.cit., p.242.
145
Médica, pesquisadora e integrante da Ong carioca Criola.
146
Socióloga, ex-coordenadora do Programa de combate ao racismo institucional do PNUD e Secretária estadual
do Programa da Promoção da Igualdade de Salvador.
147
Assistente Social, ex –Ministra da Secretaria de Políticas Especiais de Políticas de Promoção da Igualdade
Racial.
47

sutileza e mascaramento não emplacou como tema socialmente relevante.


(Ribeiro, 2006, p.803-804).

Segundo a fala de Bairros e Ribeiro havia diferenças no interior do movimento


feminista a respeito das temáticas e nuances relativas às mulheres negras e às mulheres
brancas. Na ótica de Bairros, enquanto as feministas brancas refletiam sobre assuntos
voltados às relações sociais e ao corpo feminino, às mulheres negras se reservavam as
questões associadas às condições materiais de vida dessas ativistas, como a necessidade da
água encanada nos locais em que essas mulheres residiam. Para Matilde Ribeiro a questão da
bica d´água nas comunidades não deixava de ser importante para a vida das mulheres negras,
porém o que estas criticavam era o fato de não se discutir no interior do movimento
feministas questões mais abrangentes e essenciais à identidade da mulher negra, como por
exemplo, os efeitos provocados pelo racismo na vida das militantes negras, conforme
apontou Matilde Ribeiro148.
Entre as “feministas negras” é recorrente o argumento de que desde 1985, devido à
crescente participação das mulheres negras nos encontros e seminários feministas, ocorre uma
149
virada no feminismo, pois suas questões começam a ganhar espaço. Nesse sentido, os
eventos nacionais e internacionais das décadas de 1980 e 1990 funcionaram como arenas
políticas importantes para as feministas negras, que ao incorporarem as variáveis raça e classe,
entrelaçadas à de gênero, objetivaram expor as desigualdades sociais pelas quais passavam. 150
Nos Encontros Nacionais Feministas (ENF)151 onde feministas se reuniam regularmente de
dois em dois anos, a presença da mulher negra foi crescendo gradativamente. E, a partir do XI
ENF em 1991, Caldas Novas/Goiás, as mulheres negras passaram inclusive a organizar

148
RIBEIRO, Matilde. O feminismo em novas rotas e visões. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, vol 14,
n.3, 2006, p.804.
149
Ribeiro, op.cit.,p.805.
150
MAIO, M.C.; MONTEIRO, S.; RODRIGUES, P.H.A.; PAIVA, C.H.A.; PIRES, F & DAMASCO, M.S. A
construção do campo da saúde da população negra no Brasil: idéias, atores e instituições. Projeto de pesquisa
aprovado pelo CNPq 02/2006/ Processo nº 485870/2006-1; HTUN, M. From “racial democracy” to affirmative
action: changing state policy on race in Brazil. Latin American Research Review, 39(1), p.60-89, 2004.
151
Os Encontros Nacionais Feministas recebiam financiamentos dos Conselhos Estaduais da Condição Feminina
e de organizações, tais como: ABONG (Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais), SOF
(SempreViva Organização Feminista), REDEH (Rede de desenvolvimento Humano), entre outros.
48

oficinas, nos locais dos eventos, para debater suas próprias questões, mas que eram abertas as
mulheres em geral.152
O 3º Encontro Feminista da América Latina e do Caribe, que ocorreu em Bertioga/São
Paulo em 1985, foi fundamental para a mobilização das mulheres negras.153 Nesse evento de
Bertioga, as ativistas negras fizeram questão de colocar suas particularidades e suas demandas
relativas à violência, ao combate a práticas racistas no mercado de trabalho e, principalmente
assuntos relativos à saúde: como mortalidade materna e saúde reprodutiva e sexual das
mulheres negras154.
Apesar das críticas que as militantes negras fazem contra a estrutura interna do
movimento feminista, lideranças brancas e negras tinham algumas questões em comum. Por
ocasião da III Conferência Mundial de Mulheres em Nairóbi/1985, Albertina Costa, feminista
branca, Thereza Santos e Sueli Carneiro, ativistas negras, organizaram juntas uma publicação
que continha um diagnóstico acerca da situação da mulher brasileira em diferentes esferas
sociais155. Essa publicação, financiada pelo Conselho Estadual da Condição Feminina de São
Paulo156, foi elaborada para avaliar e divulgar os avanços alcançados pelo governo brasileiro
na Década da Mulher (1975-1985), conforme foi estabelecido pela ONU no momento da
Conferência do Ano Internacional da Mulher em 1975157. De acordo com Matilde Ribeiro:

Este trabalho chamou a atenção porque (...) demonstra com dados sócio-
econômicos a realidade vivenciada pela população negra em geral e a
mulher negra em particular (...) Por quase uma década este estudo
constituiu-se numa importante referência sobre a questão da mulher negra,
seja pelos movimentos, seja pela academia. (Ribeiro, 1995, p.448).

152
Ribeiro, op.cit., p.449
153
Exemplos desses grupos de mulheres negras são o Criola, Fala Preta! e Geledés. No segundo capítulo
evidenciarei melhor essa questão.
154
Ribeiro, op.cit., p. 446-57.
155
CARNEIRO, Sueli; COSTA, Albertina G.O & SANTOS, Thereza. Mulher Negra/Política Governamental da
Mulher. São Paulo: Nobel: Conselho Estadual da Condição Feminina, 1985.
156
O Conselho Estadual da Condição Feminina de São Paulo foi criado em 1983 pelo governador Franco
Montoro. A presidente do Conselho nesse período era Eva Alterman Blay.
157
Colaboraram ainda com a publicação: Carmem Barroso, Cristina Bruschini, Ediva Aparecida, Fulvia
Rosemberg, Thereza Santos, entre outras.
49

Na primeira parte do documento, Sueli Carneiro e Thereza Santos apresentaram dados,


sobretudo, acerca da situação das mulheres pretas e pardas no mercado de trabalho e na
educação. Em relação à educação, as autoras colocaram que durante a década de 1980, 48,6%
das mulheres pretas e 47,8% das pardas não eram instruídas ou tinham somente um ano de
instrução, entre as brancas este percentual era de 25,6%. Carneiro e Santos ainda concluíram
sobre essa questão que quase 90% das mulheres negras (pretas + pardas) brasileiras só
atingiam até 4 anos de instrução, enquanto que este percentual era de 69,8% entre as mulheres
brancas158.
Quanto ao mercado de trabalho as pesquisadoras analisaram a presença das mulheres
pretas e pardas em três grupos ocupacionais: ocupações de agropecuária/extrativa vegetal e
animal, indústria de transformação/construção civil e na prestação de serviços. Nesse sentido,
Carneiro e Santos constataram que a presença das mulheres não brancas era maior no primeiro
e terceiro grupo ocupacional, ou seja, nas atividades pior remuneradas no período. Os dados a
respeito dessa questão eram os seguintes: 9,6% das mulheres brancas se encontravam na
agropecuária, comparado com 15,3% das pretas e 19,6% das pardas. Na prestação de serviços
encontravam-se 24,2% das brancas, comparado com 56,4% das pretas e 35,7% das pardas159.
Sueli Carneiro e Thereza Santos concluíram que as mulheres não-brancas, comparada com
as mulheres brancas eram as que enfrentavam maiores dificuldades tanto na área educacional
quanto no campo de trabalho, pois ocupavam os piores cargos e apresentavam o menor nível
160
de escolaridade. No fim do trabalho, as autoras ainda ressaltaram o importante papel que o
movimento feminista exercia ao lutar contra as diferentes formas de discriminação que atingia
as mulheres no Brasil. Entretanto, Carneiro e Santos apontaram que as feministas precisavam
incluir, entre suas ações, as discussões sobre a dimensão racial para que se firmasse uma
aliança sólida entre ativistas negras e brancas no país161.
Na segunda parte do documento, Albertina Costa além de analisar a presença da
mulher na esfera política brasileira do período, salientou que a discussão a respeito da
implementação de políticas públicas específicas voltadas para as mulheres foi a grande
contribuição suscitada pela Década da Mulher. Uma dessas políticas, segundo Costa, foi a

158
Carneiro; Santos; Costa, op.cit.,p.9-11.
159
Carneiro; Santos; Costa, op.cit.,p.15-18.
160
Carneiro; Santos; Costa, op.cit.,p.6-29.
161
Carneiro; Santos; Costa, op.cit., p.41-49.
50

elaboração do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM) em 1983. Além


disso, outra vitória obtida no período foi a criação dos Conselhos Estaduais da Condição
Feminina nos estados de Minas Gerais e São Paulo, por governadores do PMDB, eleitos em
1982, que faziam oposição ao regime militar. Esses Conselhos deram maior visibilidade aos
assuntos relativos à mulher no Brasil162.
Este processo assumiu maior visibilidade com a IV Conferência Mundial sobre a
Mulher em Beijing, ocorrida de 4 a 15 de setembro de 1995. Aconteceram vários eventos
preparatórios à Conferência entre os meses de março e agosto de 1995, em que os delegados
governamentais de 184 países discutiram e aprovaram as emendas, resoluções e propostas que
deram origem aos documentos finais da IV Conferência: a Declaração de Beijing e a
Plataforma de Ação163. A Plataforma de Ação identifica um conjunto de áreas críticas para o
progresso das mulheres: pobreza, educação, saúde, violência, direitos humanos, meios de
comunicação, meio ambiente, participação na economia e na tomada de decisões. A
Plataforma traz ainda um conjunto de medidas que os governos concordaram em aplicar
durante os cinco anos posteriores a Conferência164.
A IV Conferência de Beijing proporcionou um debate acerca do feminismo e das
questões raciais e étnicas que perpassavam o movimento. Com isso: “Tal encontro viabilizou o
diálogo e a solidariedade entre mulheres que viviam diferentes situações sociais e raciais”165.
De acordo com a pesquisadora Sonia Alvarez:

As mulheres afro-latino-americanas, cujas trajetórias cruzavam amiúde tanto


o movimento negro quanto às organizações feministas, participaram do
processo de Beijing em números expressivos, proclamando que qualquer
estratégia para o desenvolvimento, a paz e a igualdade deve necessariamente
levar em conta as particularidades das mulheres negras e promover a

162
Carneiro & Costa, op.cit., p.63.
163
Articulação de Mulheres Brasileiras. Síntese do documento das Mulheres Brasileiras à IV Conferência
Mundial das Nações Unidas Sobre a Mulher (Igualdade, Desenvolvimento e Paz). Beijing, setembro/1995.
Agência Internacional Canadense de Desenvolvimento (AICD/CIDA).
164
Plataforma Beijing 95. Um instrumento para as mulheres. Coordenação Sub-Regional Cone Sul de ONGs para
Beijing; Secretaria Executiva de Mulheres Brasileiras para Beijing; Grupo iniciativa para Beijing-Chile; Grupo
Iniciativa para Pequim-Uruguai; Coordenadora de Mulheres do Paraguai e Coordenação Argentina para Pequim.
Santiago do Chile, janeiro de 1996.
165
ibid., p.60.
51

formação das redes nacionais que garantiriam a participação ativa de


diversos setores étnicos e raciais femininos. (Alvarez, 2000, p.394).

Desta forma, o papel das ativistas negras foi essencial para incluir nos documentos
finais da Conferência a questão da etnia e da raça, como é possível averiguar no item 32 da
Declaração de Beijing:

Intensificar os esforços para garantir o desfrute, em condições de


igualdade, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais a todas
as mulheres e meninas que enfrentam múltiplas barreiras à expansão de
seu papel e a seu avanço devido a fatores tais como raça, idade, idioma,
origem étnica, cultura, religião ou incapacidade ou por pertencerem à
população indígena. (Nações Unidas, Declaração e Plataforma de Ação de
Beijing, 1995, p.10).

De acordo com Alvarez, Beijing proporcionou o diálogo entre mulheres das mais
variadas etnias. Cabe destacar, que no Brasil havia bandeiras defendidas pelas feministas no
período que correspondiam aos anseios das mulheres negras, tais como os debates a respeito
do mercado de trabalho – melhores salários, jornada de trabalho e direitos trabalhistas - e
sobre a violência. Contudo, assim como aconteceu nos Estados Unidos, uma das
reivindicações feitas pelas ativistas negras brasileiras às feministas girava em torno do debate
racial, que segundo as militantes negras estava ausente no interior do movimento feminista166.
Como vimos, as mulheres negras no país mantinham críticas ao fato de certas temáticas
serem discutidas no movimento feminista sem levar em consideração a realidade das mulheres
negras. Para Rosália Lemos:

Ao tentar incorporar questões como a importância da creche ou do


saneamento básico ao feminismo, as mulheres negras eram criticadas. As

166
CARNEIRO, Sueli. Trazer a negritude ao novo feminismo. Jornal Mulherio, nº 21, abril/maio de 1988, p.17.
52

mulheres negras, assim, acabaram por negar o rótulo de feministas.


Entendiam que as suas bandeiras eram bandeiras apenas de um movimento
de mulheres e não uma luta feminista. Por isso, era comum as mulheres
negras dizerem na época que faziam parte do movimento de mulheres e
não do feminismo. (Lemos, 1997, p.65).

Contudo em relação a essa colocação de Rosália Lemos, devo lembrar que não eram
somente as mulheres negras que reivindicavam questões ligadas às condições de vida das
mulheres de classes mais baixas. Nos periódicos “Mulherio”, “Brasil Mulher” e “Nós
Mulheres”, se discutiam, ainda na década de 1970, temáticas como a carestia e o custo de vida,
que diziam respeito a todas as mulheres menos abastadas, fossem elas brancas ou negras. Além
disso, nesses mesmos periódicos, a necessidade de criação de creches era um dos assuntos mais
reivindicados, principalmente pelas mulheres que trabalhavam fora e não tinham com quem
deixar seus filhos. No jornal “Mulherio” foram 13 os artigos cujo tema central era a creche.
Nesse sentido, algumas das bandeiras levantadas pelas ativistas negras já eram discutidas pelas
mulheres há algum tempo.
É importante destacar ainda que através de balanços bibliográficos como os de Anette
167
Goldberg, Miriam Pilar Grossi, Bila Sorj e Maria Luiza Heilborn , a respeito dos estudos
sobre a mulher e sobre gênero das décadas de 1970 e 1980, percebe-se que a questão da
raça/etnia não figurava entre os trabalhos sobre o tema. Somente o mapeamento bibliográfico
realizado por Paula Foltran e Débora Diniz168 acerca dos artigos publicados na Revista
Estudos Feministas, entre os anos de 1992 e 2002, contempla a questão da raça/etnia. Segundo
as autoras, a temática relacionada a etnia é a terceira que aparece com maior freqüência nos
dossiês. Porém, tal fato indica que o tema – pelo menos no período analisado - não foi
significativamente discutido entre as especialistas na área, pois segundo Foltran e Diniz os

167
GOLDBERG, A. Feminismo no Brasil Contemporâneo: O Percurso Intelectual de um Ideário Político. BIB.
Rio de Janeiro, n.28, p.42-70, 1989; GROSSI, Miriam Pillar. Revista estudos feministas faz 10 anos: uma breve
história do feminismo no Brasil. Revista Estudos Feministas, v.12, nº especial, p. 211-222, 2004, 2005; SORJ, B;
HEILBORN, M.L. Estudos de Gênero no Brasil. In: MICELI, S. (Org). O que ler na ciência social brasileira.
São Paulo: Editora Sumaré: ANPOCS; Brasília, DF: CAPES, 1999 p.183-235.
168
DINIZ, Débora & FOLTRAN, Paula. Gênero e feminismo no Brasil: Uma análise da revista estudos
feministas. Revista Estudos Feministas, v.12, nº especial, 245-253, 2004.
53

dossiês existem para dar espaço a questões que não foram suficientemente abordadas nas
pesquisas de gênero e feminismo no Brasil169.
Como vimos, entre as décadas de 1980 e 1990, emergiu no interior do movimento
feminista brasileiro uma pluralidade étnica, cultural e de classe. Esse processo resultou na
fragmentação do movimento em vários grupos de mulheres particulares170. Em relação às
mulheres negras, como abordado neste capítulo, a principal crítica centrava-se na falta de
percepção, por parte do movimento feminista, da temática racial e sua importância para a
identidade das mulheres negras atuantes no interior do feminismo. Esse fato foi crucial para
que as ativistas negras brasileiras se mobilizassem e fundassem um movimento próprio,
denominado por elas mesmas de “feminismo negro”.

169
ibidem, p.250.
170
Pierucci, op.cit.,p.130.
CAPÍTULO II - AS FEMINISTAS NEGRAS: A ORGANIZAÇÃO DE UM
MOVIMENTO DE MULHERES

Este capítulo analisa o surgimento e o desenvolvimento do movimento de mulheres


negras no Brasil, em especial nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo. Inicialmente,
reconstituo os principais marcos da história do movimento negro no país, evidenciando a
participação das mulheres negras e explicitando os pontos conflituosos entre os militantes e as
ativistas negras.
Em seguida abordo os diversos grupos e organizações de mulheres negras brasileiras,
que brotaram durante as décadas de 1980 e 1990, constituindo o “feminismo negro” no país.
Trato da atuação de suas lideranças os objetivos, as reivindicações, os encontros e seminários
organizados, as dificuldades e avanços alcançados. Analiso também alguns dos embates que
surgiram no interior do movimento de mulheres negras.

2.1. Histórico do Movimento Negro no Brasil

Militantes pertencentes ao movimento de mulheres negras – Jurema Batista, Sueli


Carneiro, Sandra Belo, Nilza Iraci, Thereza Santos, Wânia Sant’Anna, Jurema Werneck, etc –
fizeram parte do movimento feminista brasileiro. Entretanto, a partir da década de 1980, como
abordado no primeiro capítulo, as ativistas negras empreenderam críticas ao movimento
feminista, por não contemplar em suas ações a questão racial. Este fato levou as
55

militantes negras a se aglutinarem em torno de novos grupos direcionados a atender suas


questões especificas171.
O movimento negro também contribuiu para o surgimento do movimento de mulheres
negras, porque ele aparecia como um espaço privilegiado de luta em torno das questões
raciais, no qual mulheres e homens negros discutiam e reivindicavam medidas eficazes contra
a discriminação racial praticada no país.172
Na história do movimento negro no Brasil contemporâneo, o MNU (Movimento Negro
Unificado), criado em 1978, aparece como um dos principais grupos de militantes negros.
Contudo, bem antes do surgimento do MNU, já havia no país grupos e organizações voltados
para a discussão do racismo.173
A partir da década de 1920, políticos, trabalhadores, empresários e intelectuais passam
a discutir os rumos da identidade nacional. Foi um período de significativas transformações
econômicas e sociais que gerou a produção de uma cultura nacional e moderna. Mediante a
literatura, as artes plásticas, a música e os manifestos culturais, os artistas e intelectuais
modernistas buscaram compreender a cultura brasileira e sintonizá-la com o contexto
internacional. O marco desse movimento foi a Semana de Arte Moderna de 1922 em São
Paulo, que contou com a participação de nomes como Oswald Andrade, Di Cavalcanti, Anita
Malfatti, Mário de Andrade, Heitor Villa-Lobos, entre outros174. A década de 1920, marca

171
CARNEIRO, Sueli. Trazer a negritude ao novo feminismo. Jornal “Mulherio”, nº 21, abril/maio de 1988,
p.17; ROLAND, Edna. O movimento de mulheres negras brasileiras: desafios e perspectivas. IN:
GUIMARÃES, Antonio S.A & HUNTLEY, Lynn. Tirando a máscara. Ensaios sobre o racismo no Brasil. São
Paulo: Paz e Terra, p.237-257, 2000.
172
MOREIRA, Núbia Regina. O feminismo negro brasileiro: um estudo do movimento de mulher negras no Rio
de Janeiro e São Paulo. Dissertação de mestrado em Sociologia. Universidade Estadual de Campinas, 2007;
CONTINS, Márcia. Lideranças negras. Rio de Janeiro: Aeroplano FAPERJ, 2006. BRAZIL, Érico V &
SCHUMAHER, Schuma. Mulheres negras no Brasil. São Paulo: Senac/São Paulo, 2007; CALDWELL, Lily.
Negras in Brazil. Re-envisioning Black Women, Citizenship, and the Politics of Identity. New Jersey: Rutgers
University Press. 2007.
173
HANCHARD, Michael George. Orpheus and Power: The movimento Negro of Rio de Janeiro and São Paulo,
Brazil, 1945-1988. New Jersey: Princeton University Press. 1994, p.201-203; ALBERTI, Verena & PEREIRA,
Amílcar A. (Orgs). Histórias do movimento negro no Brasil: Depoimentos ao CPDOC. Rio de Janeiro: Pallas;
CPDOC-FGV, 2007. 526 p.
174
SKIDMORE, Thomas. Preto no Branco: Raça e nacionalidade no pensamento brasileiro. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1976.
56

ainda o surgimento de uma imprensa negra, através da circulação de jornais como: “O


Menelike”, “O Kosmos”, “A Liberdade”, “Auriverde”, “O Patrocínio” e “O Getulino”175.
Após a Revolução de 1930, surge a Frente Negra Brasileira em São Paulo. Ela existiu
ainda nos estados de Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia, Rio Grande do Sul e Rio de
Janeiro176. A FNB é considerada a organização de combate ao racismo mais importante entre
os anos de 1931 e 1937 e, tinha como principal objetivo, a integração do negro como cidadão
à ordem social vigente177. A FNB também criou um jornal, A Voz da Raça, para disseminar
suas idéias e objetivos. Esse jornal era voltado exclusivamente para a população negra e tinha
representantes dos mais variados estados do Brasil. O jornal usava o sujeito no masculino e no
feminino e por isso as palavras frentenegrinos e frentenegrinas eram muito utilizadas para se
referir aos leitores do jornal178. Segundo o historiador Petrônio Domingues, embora as
mulheres negras pertencentes a Frente Negra Brasileira tenham liderado dois organismos
internos: as Rosas Negras e a Cruzada Feminina179, elas não ocuparam posições de destaque e
tampouco de chefia na FNB180.
A FNB se tornou um partido político em 1936 e nesta época setores de liderança da
Frente Negra se aproximaram da Ação Integralista Brasileira (AIB)181. Esta relação da FNB
com a proposta integralista baseou-se nas idéias “antiestrangeiras e antiimigrantista” que
ambos grupos partilhavam182. A FNB foi extinta em 1937 com a instituição do Estado Novo,

175
Andrews,op.cit.,p.200-202; NASCIMENTO, Abdias; NASCIMENTO, Elisa L. Reflexões sobre o movimento
negro no Brasil (1938-1997). IN: GUIMARÃES, Antonio S.A & HUNTLEY, Lynn. Tirando a máscara. Ensaios
sobre o racismo no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, p.237-257, 2000.
p.204.
176
Andrews, op.cit.,p.229; MAIO, Marcos Chor. Negros e judeus no Rio de Janeiro: um ensaio de movimento
pelos direitos civis. Estudos Afro- Asiáticos, nº 25, dezembro de 1993, p.161-188.
177
Andrews, op.cit.,p.231.
178
DOMINGUES, Petrônio. Frentenegrinas: notas de um capítulo de participação feminina na história da luta
anti-racista no Brasil. Cadernos Pagu, nº28, 345-374, 2007.
179
As Rosas Negras eram um grupo de mulheres que se vestiam de branco e eram responsáveis pela organização
de saraus e festivais de literatura e dança. Já a função da Cruzada Feminina era mais voltada para as atividades
beneficentes da entidade e para o provimento de ações que fortalecessem o campo educacional e cultural da FNB.
Sobre esse assunto ver: DOMINGUES, Petrônio. Frentenegrinas: notas de um capítulo de participação feminina
na história da luta anti-racista no Brasil. Cadernos Pagu, nº 28, 345-374, 2007.
180
Domingues, op. cit., p.353.
181
A Ação Integralista Brasileira (AIB) foi um movimento político de inspiração fascista, fundado em 7 de
outubro de 1932, por Plínio Salgado. SKIDMORE, Thomas. De Getúlio Vargas a Castelo Branco (1930-1964).
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 14ª edição, 2007.
182
Maio, op.cit., p.170.
57

assim como aconteceu com os outros partidos políticos. Mesmo com a instituição da ditadura
de Vargas, os negros continuaram a se organizar no país por meio de associações culturais. 183
Com o fim do Estado Novo e a redemocratização de 1945, a imprensa negra ressurge
com a fundação dos jornais “Alvorada” (1945), “Senzala” (1946) e “Novo Horizonte”
(1946)184. Os negros se articularam através do Movimento Brasileiro contra o Preconceito
Racial (Rio de Janeiro), da Associação dos Brasileiros de Cor (Santos), Teatro Popular
Brasileiro (Rio de Janeiro), Associação do Negro Brasileiro (São Paulo), União Nacional dos
Homens de Cor (Rio de Janeiro), etc.185 O Teatro Experimental do Negro (TEN) foi o mais
proeminente desses novos grupos, criado na cidade do Rio de Janeiro no fm do Estado
Novo.186 O TEN utilizou a cultura como mecanismo de luta e atuação política. O grupo criado
por Abdias do Nascimento em 1944 visava o reconhecimento do negro na sociedade
brasileira. 187. Nas palavras do pesquisador Marcos Chor Maio:

O TEN procurou resgatar em um novo patamar a luta política dos


negros da década de 30, cuja referência mais importante era a Frente
Negra Brasileira (1931-1937). A princípio o TEN constituiu-se como
movimento cultural, politizando-se em seguida com a democratização
do pós-Segunda Guerra Mundial, a luta contra o racismo em escala
mundial e a eclosão dos movimentos africanos de libertação nacional.
(Maio, 1996, p.180-181).

O Teatro Experimental do Negro contou ainda com um departamento feminino,


denominado de Conselho Nacional de Mulheres Negras188. Nas palavras da presidente do
Conselho, Maria Nascimento:

183
Andrews, op.cit.,p.283.
184
ibid.,p.284.
185
SILVA, Joselina. A União dos Homens de Cor: aspectos do movimento negro dos anos 40 e 50. Estudos Afro
Asiáticos, ano 25, nº 2, 2003, p.215-235; Nascimento, op. cit ., p.206.
186
Hanchard, op.cit.,p.106.
187
ALMADA. Sandra. Damas negras – Sucesso, lutas e discriminação: Chica Xavier, Léa Garcia, Ruth de
Souza e Zezé Motta. Rio de Janeiro: Mauad, 1995.
188
Colaboraram ainda ao Conselho Nacional das Mulheres Negras: Guiomar Ferreira de Matos, Ironildes
Rodrigues, Milka Cruz, Celso Nascimento, Natalina Corrêa, Alberto Cordovil, Guerreiro Ramos, Virgínia Paim,
58

Este movimento de elevação cultural e econômica do povo de côr [sic],


que por pura tática do seu fundador se denominou Teatro Experimental
do Negro, terá doravante no Conselho Nacional das Mulheres o seu
setor especializado em assuntos relativos a mulher e à infância. Este
departamento feminino tem por objetivo lutar pela integração da mulher
negra na vida social, pelo seu alevantamento [sic] educacional, cultural
e econômico. (Quilombo, 1950, nº 9, p.4).

Neste discurso de instalação do Conselho Nacional das Mulheres Negras em maio de


1950, a presidente deixou claro que o principal intuito do grupo era fornecer uma sólida base
econômica, educacional e social às mulheres e crianças negras no Brasil. Assim, as primeiras
metas do departamento feminino do TEN eram: a criação de uma Associação Profissional das
Empregadas Domésticas, de uma academia de artes domésticas e a criação de cursos de teatro,
música, canto e ballet para as mulheres e meninas negras189.
O TEN criou o jornal “O Quilombo” em 1948. Importantes intelectuais brancos e
negros publicaram artigos no jornal, a saber: Guerreiro Ramos, Ironildes Rodrigues, Solano
Trindade, Nelson Rodrigues, Rachel de Queiroz, Gilberto Freyre e Carlos Drummond de
Andrade. Seus temas abordavam a população negra nas mais variadas esferas, como: trabalho,
190
política, música, artes e poesia . Maria Nascimento, criadora do Conselho Nacional de
Mulheres Negras, escrevia uma coluna no jornal intitulada: “Escreve a Mulher”, em que
prestava informações direcionadas principalmente às mulheres negras trabalhadoras e
conclamava as mulheres negras a lutarem contra o racismo191. Este fato demonstra que “O
Quilombo” concedia espaço às demandas das mulheres negras dando visibilidade as suas
ações na década de 1950.

Maria Manhães, Wilson Silva, Nely Goethschel, Ody Fraga, Nina de Barros e Catty Silva. QUILOMBO.
Instalado o Conselho Nacional das Mulheres Negras. Jornal Quilombo, nº 9, p, 4, 1950.
189
ibid.,p.4.
190
Introdução de Antonio Sérgio Alfredo Guimarães. IN: Quilombo: vida, problemas e aspirações do negro.
Edição fac-similar do jornal dirigido por Abdias do Nascimento. São Paulo: Fundação de Apoio à Universidade
de São Paulo, 2003, p.11.
191
ibid.,p.86.
59

Os membros do TEN se envolveram ainda em outras atividades, tais como a


organização da Conferência Nacional do Negro no Rio de Janeiro (1949) e do 1º Congresso
do Negro Brasileiro (1950). Os eventos contaram com a participação de organizações negras
de outros estados que debateram os problemas relativos à vida da comunidade negra, a
exemplo da situação das empregadas domésticas, do racismo, da baixa qualidade da educação,
da vida política, do custo de vida e das condições de moradia192.
Na década de 1950, instituiu-se a primeira lei contra a discriminação racial no Brasil: a
Lei nº 1390, de 3 de julho de 1951, mais conhecida como “Lei Afonso Arinos”. Esta lei
resultou de um incidente que envolveu a bailarina negra norte-americana, Katherine Dunham,
impedida de se hospedar no hotel paulista Esplanada em virtude de sua cor. A “Lei Afonso
Arinos” instituiu a punição penal contra as práticas de discriminação em virtude da raça ou cor
do indivíduo193.
Cabe destacar que no período dos governos democráticos, entre os anos de 1950 e
início da década de 1960, a maior parte dos negros se identificou com o Partido Trabalhista
Brasileiro (PTB)194. No início da década de 1960, a forma privilegiada de organização e
atuação dos negros no Brasil foram os clubes sociais, tais como o Aristocrata Clube em São
Paulo e o Renascença na zona norte do Rio de Janeiro. Nesses clubes, organizados e
freqüentados por uma pequena elite negra que buscava sedimentar seu espaço na sociedade
brasileira, havia festas, bailes, recitais, atividades esportivas e reuniões de estudantes e
candidatos negros que pleiteavam cargos políticos no Brasil195.
Com o golpe militar que derrubou o presidente João Goulart em 1964, o governo
extinguiu os partidos políticos e reprimiu os movimentos sociais que contestavam o regime
autoritário. A partir de 1974, começa uma nova fase do regime militar marcada pela abertura
política que levaria o país gradativamente de volta à democracia196. Favorecidos por este
período de distensão política, em que grupos de oposição ao governo ganham um espaço

192
QUILOMBO. 1º Congresso do Negro brasileiro. Jornal Quilombo, nº 6, p.73-80, 1950.
193
Quilombo, op.cit, nº 10, p.114-115; Hanchard, op.cit.,p.108.
194
Maio, op.cit.,p.171.
195
Hanchard, op.cit.,p.108-109. Sobre esse assunto ver também: GIACOMINI, Sonia Maria. A Alma da Festa.
Família, etnicidade e projetos num clube social da Zona Norte do Rio de Janeiro: o Renascença Clube. 1a. ed.
Belo Horizonte; Rio de Janeiro: Editora UFMG; IUPERJ, 2006. v. 1. 318 p.
196
Sobre essa fase autoritária da história do Brasil, ver: SKIDMORE, Thomas. De Getúlio Vargas a Castelo
Branco (1930-1964). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 14ª edição, 2007.
60

maior de atuação, setores negros de classe média se mobilizam e trazem à cena pública as
discussões acerca dos problemas enfrentados pelos negros na sociedade brasileira da época197.
Esta nova geração de ativistas negros, com formação universitária, se articulou sob a
influência da militância de negros norte-americanos, tais como: Malcolm X, Martin Luther
King, Angela Davis, Stockley Camichael, entre outros198. Ademais, os jovens militantes
negros se inspiraram em movimentos ocorridos no âmbito internacional, a exemplo dos
processos de independência na África Portuguesa, as insurreições na Ásia e no Caribe, a luta
pelos direitos civis e o “Black Power” nos Estados Unidos199. Ao mesmo tempo, difundiu-se
principalmente pelas cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro uma onda de negritude, calcada
na valorização de elementos referentes à história e à cultura negra, como o samba, a umbanda,
candomblé e a Black Soul Music200.
Em meio a esse fértil contexto da década de 1970, novas organizações emergem no
cenário nacional.201 Tais grupos promoviam reuniões, discussões e eventos sobre a questão da
discriminação racial e acerca da situação e inserção do negro na sociedade brasileira.202 Outro
marco nessa história foi a criação do Centro de Estudos Afro-Asiáticos (CEAA) da Faculdade
Cândido Mendes, Rio de Janeiro em 1973. O CEAA foi um centro de pesquisas coordenado
pelo sociólogo Carlos Hasenbalg e nele aconteciam debates e reuniões entre os ativistas

197
Neste período, intelectuais brasileiros, como o sociólogo Carlos Hasenbalg, privilegiaram em seus estudos e
artigos científicos a questão da discriminação racial e seus efeitos sobre a vida dos negros. Esses trabalhos
fundamentaram a ação dos militantes negros na década de 1970. No fim da década de 1970, os negros também
ganharam a adesão da ala progressista da Igreja Católica brasileira, que lutava ainda contra o regime autoritário e
contra o abuso dos direitos humanos. Andrews, op.cit.,p.317-318.
198
Maio, op.cit.,p.171.
199
Hanchard, op.cit.,p.110; Andrews, op.cit.,p.300.
200
Maio, op.cit.,p.171.
201
Grupo Palmares (Porto Alegre), Centro de Cultura e Arte Negra- Cecan (São Paulo), Grupo Evolução (Rio de
Janeiro), Sociedade de Intercâmbio Brasil-África – Sinba (Rio de Janeiro), Bloco Ilê-Aiyê (Bahia), Instituto de
Pesquisas das Culturas Negras –IPCN (Rio de Janeiro), para citar somente os mais importantes. Devido a essa
gama de novas organizações negras, distintas entre si, que emergem no cenário nacional a partir da década de
1970, alguns autores afirmam que na verdade o que existe são movimentos negros e não um único movimento
negro no país. GONZALES, Lélia. O movimento Negro na última Década. IN: GONZALES, Lélia &
HASENBALG, Carlos. Lugar de Negro. Editora Marco Zero Limitada: Rio de Janeiro, 1982, p.9-67.ALBERTI,
Verena & PEREIRA, Amílcar A. Qual África? Significados da África para o movimento negro no Brasil.
Estudos Históricos, Rio de Janeiro, nº 39, jan-jun de 2007, p.31-32.
202
Durante a década de 1970, militantes negros como Hamilton Cardoso, Milton Barbosa, Flavio Carranca,
Vanderlei José Maria e Rafael Pinto estavam inseridos em partidos e grupos de esquerda, como a Convergência
Socialista na cidade de São Paulo. A Convergência tinha um jornal próprio o Versus, publicado entre os anos de
1977 a 1979. No Versus havia uma seção intitulada “Afro-Latina América”, em que os ativistas negros ligados à
Convergência socialista escreveram artigos, notas e comentários acerca da posição que o negro ocupava no
Brasil. Hanchard, op.cit.,p.123.
61

negros. Todas as atividades e discussões promovidas por essas entidades negras da década de
1970 ajudaram na criação do Movimento Negro Unificado (MNU) anos mais tarde203.
Em julho de 1978, ativistas negros dos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro,
lançaram o Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial (MNUCDR)204,
mediante ato público nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo. A criação do
MNUCDR esteve intimamente associada a dois fatos ocorridos no fim da década de 1970 na
cidade de São Paulo: o primeiro foi a morte do jovem negro Robson Silveira da Luz nas
dependências da polícia, detido sem nenhuma acusação efetiva205; o segundo fato foi a
expulsão de quatro jovens jogadores de vôlei negros do Clube de Regatas Tietê em São Paulo.
Estes dois acontecimentos somados a um contexto prévio de mobilizações, por parte dos
militantes negros, tais como a Frente Negra Brasileira, o Teatro Experimental do Negro, a
criação do Sinba, do IPCN e do Centro de Estudos Afro-Asiáticos, contribuíram de forma
decisiva para a criação do MNUCDR206.
Durante os meses de julho e setembro de 1978, assembléias e reuniões foram
organizadas em diferentes estados brasileiros com o intuito de disseminar os objetivos e
propostas levantados pelo MUCDR. Este se transforma mais tarde em MNU (Movimento
Negro Unificado)207. Tal organização opunha-se à ideologia da democracia racial, denunciava
o racismo e propunha a necessidade de pressionar o governo a combater a discriminação
racial no interior de suas próprias organizações208.
No primeiro documento produzido pelo MNU, a Carta Convocatória para o Ato
Público Contra o Racismo, suas lideranças afirmaram que:

203
ALBERTI, Verena & PEREIRA, Amílcar A. Qual África? Significados da África para o movimento negro no
Brasil. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, nº 39, jan-jun de 2007, p.31-32.
204
Nascimento & Nascimento, op.cit., p.218.
205
Devemos lembrar que o Brasil nesse momento vivia em uma ditadura militar, onde prisões e torturas por parte
da polícia eram métodos usados para punir àqueles considerados “subversivos” pelo governo. No entanto, a
morte desse jovem negro aconteceu sem provas contundentes e em um período de abertura política, em que a
violência militar já não era tão utilizada.
206
Andrews, op.cit.,p.301.
207
Segundo depoimento concedido por Milton Barbosa, a frase “Contra Discriminação Racial” foi retirada e
acabou ficando como uma palavra de ordem. E, o termo “negro” foi inserido no título do movimento por sugestão
de Abdias do Nascimento e Lélia Gonzáles. ALBERTI, Verena & PEREIRA, Amílcar A. (Orgs). Histórias do
movimento negro no Brasil: Depoimentos ao CPDOC. Rio de Janeiro: Pallas; CPDOC-FGV, 2007, p.156.
208
Gonzáles, op.cit.,p.44; DOMINGUES, Petrônio. Movimento negro brasileiro: alguns apontamentos históricos.
Tempo, vol. 12, nº 23, 2007, p.113.
62

(...) O Movimento Unificado Contra a Discriminação Racial foi


criado para ser um instrumento de luta da comunidade negra. Este
movimento deve ter como princípio básico o trabalho de denúncia
permanente de todo ato de discriminação racial, a constante
organização da comunidade para enfrentarmos todo e qualquer tipo
de racismo (...) (Carta Convocatória para o Ato Público Contra o
Racismo apud Gonzáles, 1982, p.43).

O nascimento do MNU ocorre em meio a um contexto em que grupos de esquerda


209
lutavam contra o regime autoritário . Neste sentido, alguns setores do MNU também
partilhavam de uma postura ideológica de esquerda, afirmando inclusive que um dos objetivos
do movimento estava na luta pelo socialismo210. Ela seria indispensável para que o país
alcançasse uma legítima democracia racial no Brasil211. Inclusive, documentos e manifestos do
MNU foram elaborados pelo Núcleo Negro Socialista cuja discussão racial ocorria desde o
início da década de 1970212.
Em 1979, o MNU realizou o seu primeiro Congresso Nacional no Rio de Janeiro, onde
foram discutidas as seguintes temáticas: direitos trabalhistas, combate à desigualdade racial e
social, reforma agrária, universalização da educação e propostas em prol do fim da
discriminação contra mulheres negras, homossexuais e prostitutas213.
No decorrer das décadas de 1980 e 1990, novas entidades negras são criadas, tais
como: o Centro de Cultura Negra do Maranhão, a Associação Cultural Zumbi em Maceió, o
Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB) em Alagoas, Kizomba214 no Rio de Janeiro e o

209
Domingues, op.cit.,p.112.
210
Este forte viés de esquerda desagradou alguns dos membros do MNU e também desestimulou a entrada de
muitos outros adeptos. Contudo, mesmo àqueles que não partilhavam da postura ideológica de esquerda do MNU
ressaltaram a importância das ações que o MNU organizava em benefício do combate ao racismo no país.
Hanchard, op.cit.,p.127.
211
Andrews, op.cit.,p.303.
212
ibid, p.166.
213
Hanchard, op.cit.,p.126.
214
O Kizomba foi um grupo liderado pelo cantor Martinho da Vila e que reuniu não somente artistas, mas
também intelectuais e profissionais de todas as áreas, desde o setor de informática até educação. O kizomba foi
criado depois da realização do show Acorda Crioulo, em homenagem a Zumbi dos Palmares, pela Rede Globo no
dia 20 de novembro de 1982. CONTINS, Márcia. Lideranças Negras. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2005, p.392-
393.
63

215
Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (IPEAFRO) ligado à PUC/SP. Ainda
neste período vários eventos acerca da temática negra se organizam no país, a saber : o 3º
Congresso de Cultura Negra das Américas (São Paulo) e o 1º Encontro Nacional das
Entidades Negras – ENEM (São Paulo)216.
Com o retorno à democracia durante a década de 1980 e a vitória de partidos de oposição
nas eleições estaduais e municipais, a questão do negro emerge no plano parlamentar.
Políticos ligados a partidos como o PDT, PMDB e PT incluem em suas plataformas políticas
temas em prol da população negra e conseguem eleger representantes negros para ocuparem
cargos em seus gabinetes de governo. Brizola, quando foi eleito governador do Rio de Janeiro,
nomeou três negros, Carlos Alberto Caó, Edialeda Salçado Nascimento e Carlos Magno
Nazareth, como Secretários de Governo e ainda criou a Secretaria Extraordinária de
Desenvolvimento e Promoção das Populações Negras (Sedepron). Um outro exemplo pôde ser
visto através do governo de Franco Montoro no estado de São Paulo. Montoro, que também
empreendeu medidas a favor das mulheres brasileiras, criou um órgão especial dedicado à
questão negra no estado de São Paulo em 1982: a Secretaria da Cultura e Assessoria de
Assuntos Afro-Brasileiros.217
Entre o fim da década de 1980 e no decorrer dos anos 90, alguns ativistas negros como
Abdias do Nascimento218, Benedita da Silva e Carlos Alberto de Oliveira Caó são eleitos
219
deputados federais e ganham espaço no Congresso Nacional . Em meio aos eventos
realizados no país em decorrência do centenário da abolição da escravatura em 1988, as
questões relativas aos negros ganham maior visibilidade220. Neste cenário, o deputado federal
Carlos Alberto Caó (PDT), elaborou emenda constitucional, aprovada pela Assembléia

215
Alberti & Pereira, op.cit., p.170-177.
216
Nascimento & Nascimento, op. cit., p.220-224.
217
Maio, op.cit.,p.172; Andrews, op.cit.,p.317-321; Hanchard, op.cit.,p.133-135.
218
Abdias Nascimento foi ainda senador da República de 1997 a 1999. www.abdias.com.br Acesso em
06/07/2009.
219
Não foi fácil a ascensão dos negros à esfera parlamentar. Nas eleições de 1982 e 1986 a maior parte dos
candidatos negros, que embasou sua plataforma política essencialmente na questão racial, foi derrotada nas
eleições municipais e estaduais promovidas por todo o país. Andrews, op.cit.,p.313-314.
220
O Presidente José Sarney celebrou o centenário da emancipação dos escravos, em 13 de maio de 1988, como
uma importante data nacional. Nesse sentido, o Ministério da Cultura elaborou uma programação comemorativa
que incluiu concertos, exposições de arte, conferências e debates públicos, palestras, etc. Além disso, a mídia
preparou várias matérias para homenagear a data e a Igreja Católica adotou como lema de sua Campanha da
Fraternidade anual “O Negro e a Fraternidade”. Hanchard, op.cit.,p.340-342.
64

Nacional Constituinte, em 1988, que instituiu o racismo como crime inafiançável e


imprescritível no Brasil221.
Atualmente as principais iniciativas do movimento negro têm sido direcionadas à
implementação de ações afirmativas de cunho racial cujo objetivo seria a reversão do quadro
das desigualdades raciais existente no país. Tais políticas são expressas através do mecanismo
de cotas raciais, em especial no âmbito da educação.222 Assim, diferentes universidades
brasileiras vêm implementando essas cotas, tais como: UERJ, UNB, UEMG, UNIFESP, etc.223
Em relação à saúde, a criação de políticas de ação afirmativas, visa a promoção da
saúde de populações consideradas minorias étnicas, tais como os índios e os negros. Essa
temática é controversa. Na concepção do movimento negro e de alguns intelectuais brasileiros,
as políticas de saúde focalizadas são mecanismos fundamentais para combater o racismo, pois
esse fenômeno, provoca desigualdades entre brancos e não brancos no campo da saúde
pública224.
As ações voltadas ao combate da anemia falciforme no Brasil, a partir da segunda
metade dos anos 90, exemplificam medidas de saúde adotadas a partir da perspectiva de raça.
Para o antropólogo Peter Fry, alguns documentos de autoria do Ministério da Saúde sobre a
anemia falciforme, como, por exemplo, o documento produzido em ocasião da Mesa Redonda
sobre a Saúde da População Negra em 1996, tendem a associar a enfermidade com a
população negra. Contudo Fry manifesta uma visão crítica acerca dessa associação, pois
evidencia que no Brasil a divisão entre “raças” branca e negra não ocorre de forma tão nítida,
pelo contrário, há no contexto nacional uma idéia forte de que o povo brasileiro é mestiço. 225

221
Hanchard, op.cit.,p.137.
222
A implementação das cotas raciais em universidades brasileiras tem provocado muito debate e discussões na
esfera política do país. A mídia vem retratando, desde o início do ano 2000, as posições divergentes e os
confrontos públicos que estão sendo travados entre os grupos que defendem as cotas e os que são contrários à
implantação das mesmas nas universidades públicas do país.
223
Sobre esse assunto ver: GRIN, Monica. Este Ainda Obscuro Objeto de Desejo: Políticas de Ação Afirmativa e
Ajustes Normativos. Novos Estudos. CEBRAP, São Paulo, v. 59, p. 172-192, 2001; Maggie, Y.; Fry, P. 2004 A
reserva de vagas para negros nas universidades brasileiras. Estudos Avançados, v. 18, n. 50), p. 67-80; FRY, P.a.
Politics, nationality, and the meanings of “race” in Brazil. Journal of the American Academy of Arts and Sciences
– Daedalus, 129, p.83-118, 2000.
224
HTUN, Mala. From “Racial democracy” to affirmative action. Changing State Policy on Race in Brazil. Latin
American Research Review, vol. 39, nº 1, p. 60-89, 2004; MAIO, Marcos Chor & MONTEIRO, Simone. Tempos
de racialização: o caso da ‘saúde da população negra’ no Brasil. Rev. História, Ciência, Saúde- Manguinhos.
Vol.12, n.2, pp. 419-446, 2005.
225
FRY, Peter. O significado da anemia falciforme no contexto da “política racial” do governo brasileiro (1995-
2004), História, Ciências, Saúde: Manguinhos, 12(2) p .347-70, 2006.
65

Mulheres negras estiveram presentes na trajetória do movimento negro brasileiro,


fundando entidades, escrevendo em jornais, participando das ações, reuniões e debates acerca
das relações raciais no Brasil. Entre elas, constam: Lélia Gonzales foi uma das criadoras do
Movimento Negro Unificado (MNU) em 1978; Jurema Batista ingressou no movimento negro
carioca em meados da década de 1970, participando de reuniões no Instituto de Pesquisa das
Culturas Negras (IPCN); Lúcia Xavier entrou no movimento negro em 1982 mediante atuação
no grupo carioca Kizomba, mais tarde também integrou o grupo de pesquisa do IPCN; Luiza
Bairros nas décadas de 1980 e 1990 foi uma das lideranças do Movimento Negro Unificado da
Bahia; Sueli Carneiro e Edna Roland integraram o MNU nos anos de 1970 e 1980226.
Temáticas relacionadas à vida da mulher negra, como a crítica contra a esterilização em
massa das mulheres negras, eram discutidas no interior do movimento.227 Inclusive, como citei
anteriormente, no 1º Congresso Nacional do Movimento Negro Unificado em 1979, uma das
questões debatidas girava em torno da luta contra a discriminação racial à mulher negra no
país.228
A luta em prol de objetivos em comum que se expressa, sobretudo, no combate ao
racismo que afeta o negro na sociedade brasileira, não impediu que ativistas negras
empreendessem críticas a setores do movimento negro229. Estas críticas estiveram
relacionadas principalmente a duas questões: a posição ocupada pela mulher dentro do
movimento negro e a não inclusão do conceito gênero nas discussões e ações promovidas
pelo movimento negro230.
Mulheres inseridas no movimento negro afirmavam que a questão racial era
amplamente discutida em detrimento da temática do gênero. Luiza Bairros, líder do
movimento negro, considera que havia uma discrepância entre o discurso e as atitudes dos
militantes. A seu ver, embora os ativistas proclamassem a necessidade de se lutar contra a
dominação sobre a mulher negra, na prática não atuavam no sentido de reverter essa
dominação, mesmo no interior do próprio movimento negro231.

226
Contins, op.cit.,p.252-306; Alberti & Pereira, op.cit.,p.148-149; Quilombo, op.cit.,p.4.
227
Contins, op.cit.,p.272.
228
Hanchard, op.cit.,p.126.
229
Brazil & Schumaher, op.cit.,p.329.
230
Lemos, op. cit.,p.40.
231
Caldwell, op.cit.,p.155-156; Contins, op.cit.,p.319-321.
66

Ativistas negras também criticavam o papel diminuto e secundário que as mulheres negras
ocupavam no movimento negro, pois os cargos de chefia, coordenação e liderança na maior
parte das vezes eram designadas aos homens232. Inclusive, uma parte dos militantes do
movimento negro reagiu ao nascimento do movimento de mulheres negras no país, afirmando
que tal mobilização era desnecessária e que acabaria provocando uma divisão entre os
militantes negros233.
Outra questão que provocou divergência entre mulheres negras e os homens do movimento
negro diz respeito à questão da saúde reprodutiva, temática que centralizou e direcionou a
pauta de ações das “feministas negras”, como veremos no próximo capítulo. O embate mais
significativo envolveu militantes do movimento negro e as participantes do programa de
Saúde do Geledés234. Os primeiros condenavam totalmente a prática da esterilização cirúrgica
nas mulheres negras. Tais ativistas chegavam até mesmo a declarar que gerar filhos seria uma
tarefa política das mulheres negras. Em contraposição a essa visão, estava o Geledés e
algumas militantes do MNU de Belo Horizonte, que afirmavam que a questão dos direitos
reprodutivos deveria ser analisada e discutida com mais cautela, levando-se em consideração
as necessidades e desejos das mulheres negras235. Assim, uma das metas do Programa de
Saúde do Geledés era a regulamentação da prática da esterilização cirúrgica para que esta não
fosse exercida sem controle e de forma abusiva.
Pelas evidências apresentadas, vimos que ativistas negras empreenderam críticas ao
movimento negro, sobretudo, pelo fato de considerarem que o movimento não incorporava
plenamente em suas discussões uma questão fundamental à identidade das militantes negras: a
questão do gênero. Tal fato contribuiu para que as “feministas negras” se aglutinassem em um
grupo próprio, que contemplasse suas especificidades. 236

232
É preciso destacar, contudo que mulheres negras como Lélia Gonzáles e Maria Nascimento ocuparam papéis
de destaque no movimento negro. Gonzáles, inclusive foi uma das criadoras do MNU na década de 1970.
RIBEIRO, Matilde. Mulheres negras brasileiras: de Bertioga a Beijing. Revista Estudos Feministas. v. 3, nº 2.
Rio de Janeiro: IFCS/UFRJ, p.446-459, 1995. Edna Roland. O movimento de mulheres negras brasileiras:
desafios e perspectivas. IN: GUIMARÃES, Antonio S.A & HUNTLEY, Lynn. Tirando a máscara. Ensaios sobre
o racismo no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2000; Caldwell, op.cit.,p.156; Lemos, op.cit.,p.52.
233
Lemos, op.cit., p.48.
234
Falarei melhor sobre a Ong de mulheres negras Geledés nas próximas páginas do capítulo.
235
Roland, op. cit.,p.247; Caldwell, op.cit.,p.156; Contins, op.cit.,p.218.
236
Moreira, op.cit.,p.44; Roland, op.cit.,p.157; Brazil &Schumaher, op.cit.,p.327; Caldwell, op.cit.,p.157.
67

2.2 Feministas negras

Para entender melhor o desenvolvimento do “feminismo negro” no Brasil, cabe


identificar as lideranças negras, de onde vieram, onde atuam, quais são seus objetivos, etc. O
perfil das “feministas negras” é constituído por mulheres, em geral na faixa dos 50 anos, a
maioria com nível superior na área das Ciências humanas e com Pós-Graduação em nível de
mestrado e doutorado. Em relação à origem social, fazem parte de uma classe média
emergente. A grande maioria é proveniente de famílias pobres, porém ascenderam socialmente
principalmente devido à formação escolar aliada a experiência profissional237.
Elas conseguiram ao longo de sua mobilização política transitar por diferentes esferas
nacionais e internacionais, aprenderam – devido a participação em reuniões, eventos e
congressos - a se articular a nível local e global e a negociar políticas e ações com pessoas,
instituições e agências dos mais variados graus. O militante negro, Ivair dos Santos – que em
2001 atuava no Ministério da Justiça e era membro do Comitê Executivo Brasileiro
responsável pela organização do Brasil à III Conferência Mundial contra o Racismo,
Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas Mundial (Durban, África do Sul)-,
ressaltou o importante papel que as ativistas negras desempenham no país. Santos afirmou que
estas mulheres no decorrer de sua militância política alcançaram um amplo poder de
circulação e atuação, ora participando de eventos nacionais e internacionais, ora exercendo
cargos nas esferas governamentais e nas agências internacionais, espaços em que os militantes
negros, inclusive ele, não transitaram tão facilmente238.
Dentre as “feministas negras”, destacarei os principais aspectos da trajetória política e
profissional de lideranças atuantes, entre os anos de 1975 a 1996, tais como: Lélia Gonzáles,
Fátima Oliveira, Edna Roland, Sueli Carneiro, Luiza Bairros, Jurema Werneck, Matilde
Ribeiro, Wânia Sant’Anna e Fernanda Lopes. Estas mulheres protagonizaram as ações que
237
Lemos, op.cit.,p. 25; Moreira, op.cit.,p.17; Contins, op.cit.,p.7-10.
238
HTUN, Mala. From “Racial democracy” to affirmative action. Changing State Policy on Race in Brazil. Latin
American Research Review, vol. 39, nº 1,2004, p.79; SANTOS, Márcio de O. A Persistência Política dos
Movimentos Negros: processo de mobilização para a 3 conferência mundial contra o racismo. 2005. Dissertação
(Mestrado em Sociologia). Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), 2005.
68

conformaram o “feminismo negro” e conseguiram, mediante seu ativismo, dar visibilidade,


tanto a nível nacional quanto internacional, às temáticas e particularidades que cercam as
mulheres negras no Brasil.
Lélia Gonzáles (1935-1994), foi uma das precursoras do “feminismo negro” no país.
Graduada em História e Filosofia, lecionou entre as décadas de 1970 a 1990 em
universidades brasileiras, tais como a Puc-Rio, e organizou um dos primeiros grupos de
mulheres negras no país: o Nzinga-Coletivo de Mulheres Negras. Participou da fundação do
Movimento Negro Unificado e do Instituto de Pesquisas das Culturas Negras (IPCN). Ela foi
uma das editoras do jornal “Mulherio” (1981-1989), introduzindo no periódico questões
relativas às mulheres negras .239. Em seus artigos preocupou-se, por um lado, em analisar a
situação da mulher negra no mercado de trabalho e, por outro em valorizar a cultura e a
tradição da população negra no país240.
A maranhense Fátima Oliveira graduou-se em medicina e foi diretora da Rede
Nacional Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos. Iniciou sua militância política, na
década de 1970, no movimento de mulheres no Brasil. Foi integrante ainda da Comissão de
Cidadania e Reprodução e da União Brasileira de Mulheres; conselheira do Conselho Nacional
dos Direitos da Mulher; integrante efetiva do Comitê de Especialistas em Bioética e Biodireito
da Universidade de Alfenas (MG) e coordenadora da Rede de Informação sobre Bioética:
bioética & teoria. É autora de vários livros, entre os quais: “Saúde da População Negra no
Brasil”, patrocinado pela OPAS em 2001241.
A psicóloga Edna Roland é presidente da ONG paulista Fala Preta!
Organização de Mulheres Negras, além disso, foi fundadora do Bloco Afro Alafiá, do Coletivo
de Mulheres Negras de São Paulo e do Geledés-Instituto da Mulher Negra. Em 1993, foi

239
Informações extraídas do site http://www.leliagonzalez.org.br/ Acesso em 11/12/2008; BARRETO, Raquel de
A. B. Enegrecendo o feminismo ou feminizando a raça: narrativas de libertação em Angela Davis e Lélia
Gonzáles. 2005, 128 f. Dissertação (Mestrado em História Social da Cultura). PUC/RIO, Rio de Janeiro, 2005,
p.25-30.
240
Os artigos escritos por Gonzáles no “Mulherio” foram: Democracia racial? Nada disso, nº 4,
novembro/dezembro de 1981, p. 3; Pesquisa realizada por Lélia Gonzáles que mostra a situação desigual das
mulheres negras no mercado de trabalho, nº 3, setembro/outubro de 1981, p.9; De Palmares às escolas de samba,
tamos aí, nº 5, jan/fev de 1982, p.3; Beleza negra ou: ora- yê-yê, nº 6, abril de 1982, p.3; E a trabalhadora negra
cumé que fica?, nº 7, maio/junho de 1982, p.9.
241
OLIVEIRA, F. Saúde da População Negra. Brasil: Ano 2001. Brasília: Opas, 2003. 344 p. CARNEIRO,
Aparecida Sueli. Fátima Oliveira (capítulo 7). IN: “A construção do outro como não-ser como fundamento do
ser”. Tese apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Educação na USP. São Paulo, 2005.
69

responsável pela realização do Seminário Políticas e Direitos Reprodutivos das Mulheres


Negras em Itapecerica da Serra (SP). Roland participou ativamente de todo o processo de
organização nacional das mulheres negras brasileiras: Encontro Estadual de Mulheres Negras
(1984), I (1988), II (1991) e III (2001) Encontros Nacionais, Seminários Nacionais de Atibaia
(1993) e Salvador (1994), Reuniões Nacionais de Campinas (1997) e Belo Horizonte (1997),
sendo uma das intelectuais mais atuantes do movimento. Na Conferência Mundial Contra o
Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata em 2001, Durban (África
do Sul), Edna foi escolhida Relatora Geral242.
Aparecida Sueli Carneiro é formada em Filosofia e, foi uma das fundadoras da ONG
Geledés-Instituto da Mulher Negra, a qual coordena até os dias de hoje. No Geledés criou um
programa de saúde voltado para atender as especificidades que cercam a saúde das mulheres
negras. É autora de textos que discorrem principalmente acerca da mulher negra, relações
raciais no país e saúde da mulher negra. Participou do Conselho Editorial da Revista Estudos
Feministas e foi membro do Conselho Consultivo do CFEMEA (Centro Feminista de Estudos
e Assessoria)243.
A socióloga Luiza Bairros é ativista do movimento negro. É ex-coordenadora do
Movimento Negro Unificado da Bahia e ex-coordenadora do Programa de combate ao racismo
institucional do PNUD. Atualmente coordena a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial
do estado da Bahia.244
Jurema Werneck formou-se em Medicina pela Universidade Federal Fluminense (RJ) e
desde 1993 dirige a ONG carioca Criola. Foi co-autora do livro: “A Saúde das Mulheres
Negras: nossos passos vêm de longe”. Coordenou projetos de saúde da mulher negra, tais
como: a Campanha Nacional Contra Esterilização em Massa das Mulheres no início da década
de 1990. Além disso, foi integrante do grupo consultor do Workshop Saúde da População
Negra, organizado por OPAS/ PNUD (2001), do Comitê Consultivo sobre Saúde da População

242
Informações extraídos do site http://www.mundonegro.com.br/ Portal de notícias da comunidade “afro-
brasileira”. Acesso em 11/12/2008.
243
Informações extraídas do currículo Lattes de Sueli Carneiro. Acesso em 11/12/2008.
http://lattes.cnpq.br/7678739683880251
244
Informações extraídas do site www.universia.com.br . Site de informações e serviços universitários. Acesso
em 11/12/2008.
70

Negra do DFID (2002-2006) e do Comitê Técnico de Saúde da População Negra do Ministério


da Saúde (2004 até o momento)245.
A assistente social e psicóloga Matilde Ribeiro, desde fins da década de 1970 é
militante do movimento negro, de mulheres e feminista. Esteve entre os fundadores do
SOWETO Organização Negra, em São Paulo. Atuou no Fórum de Mulheres Paulistas e
Brasileiras e no Movimento Nacional de Mulheres Negras. Filiada ao PT, foi integrante da
primeira gestão da Secretaria Nacional de Combate ao Racismo do Partido dos Trabalhadores.
Foi nomeada Ministra Chefe da SEPPIR - Secretaria Especial para Políticas de Promoção da
Igualdade Racial pelo Presidente Lula, cargo que ocupou entre os anos de 2003 e 2008.246
A historiadora Wânia Sant’Anna atuou nas décadas de 1970 e 1980 tanto no
movimento feminista, quanto no movimento negro. Wânia pesquisa acerca das questões
raciais no Brasil e é professora de Relações Internacionais da Universidade Estácio de Sá (RJ).
Foi conselheira do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (1999-2003) e ex-secretária de
Estado de Direitos Humanos e Penitenciário do Rio de Janeiro247.
Fernanda Lopes tem mestrado e doutorado em Saúde Pública pela USP. Foi
coordenadora das ações de saúde do Programa de Combate ao Racismo Institucional do
Sistema das Nações Unidas no Brasil (PNUD). Foi Conselheira Nacional de Saúde. É
pesquisadora do Núcleo de Estudos para a Prevenção de Aids da Universidade de São Paulo,
atuando principalmente nos seguintes temas: vulnerabilidade, HIV/AIDS, combate ao racismo,
raça/etnia e saúde, direitos humanos, mulheres, iniquidades em saúde, políticas publicas de
saúde. Atualmente é ainda membro do Comitê Técnico de Saúde da População Negra do
Ministério da Saúde e Oficial de Programa em Saúde Reprodutiva e Direitos do Fundo de
População das nações Unidas - UNFPA Brasil248.
A breve trajetória das militantes descrita acima revela que representantes de grupos de
mulheres negras ocuparam secretarias de governo; elaboraram programas governamentais
voltados à população negra; lecionaram em universidades públicas e privadas; presidiram

245
Informações extraídas do currículo Lattes de Jurema Pinto Werneck. Acesso em 11/12/2008.
http://lattes.cnpq.br/7035304554882361
246
Informações extraídas do Portal Afro http:// www.portalafro.com.br/entidades/falapreta6/matilderibeiro.htm
Acesso em 11/12/2008.
247
Brazil & Schumaher, op.cit.,p.352.
248
Informações extraídas do currículo lattes de Fernanda Lopes. Acesso em 29/05/2009.
http://lattes.cnpq.br/7245997800351343
71

entidades como a Fundação Cultural Palmares e conselhos, como o Conselho Nacional dos
Direitos da Mulher; assumiram coordenadorias em organismos internacionais, no Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento no Brasil (PNUD); conseguiram financiamento
de agências internacionais às suas ações; representaram o país em conferências internacionais,
a exemplo da III Conferência Mundial contra o Racismo na África do Sul e foram nomeadas
para importantes funções públicas como no caso do cargo de ministra-chefe da Secretaria
Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Brasil.249 Enfim, essas ativistas
negras, vinculadas tanto ao movimento negro quanto ao feminista, desde o início da década de
1980 até meados da década de 1990, galgaram importantes posições no espaço político
nacional.

2.3. O movimento de mulheres negras brasileiras

A década de 1980 marca efetivamente o surgimento do “feminismo negro” no Brasil. E


assim como ocorreu com o movimento feminista, nas décadas de 1980 e 1990, os principais
grupos constituintes do movimento de mulheres negras em tempos mais recentes se
expressaram no formato de ONGs.
Além dos conflitos internos entre as ativistas e o movimento negro, como já expus em
tópico anterior, há outros episódios que contribuíram para o surgimento do “feminismo negro”
no país250. Um deles está relacionado às eleições estaduais, realizadas em um contexto de
abertura política do regime militar no ano de 1982. Nesta fase da história do Brasil, o
pluripartidarismo estava de volta.251. Nas eleições de 1982, o candidato do partido de oposição
(PMDB) Franco Montoro, foi eleito governador de São Paulo e nomeou trinta conselheiras

249
Brazil & Schumaher, op.cit.,p.350-358; Htun, op.cit.,p.78; Carneiro, op.cit.,p.25.
250
Carneiro, op.cit., p. 27.
251
SILVA, Francisco Carlos Teixeira. Crise da ditadura militar e o processo de abertura política no Brasil, 1974-
1985. In: FERREIRA, Jorge & DELGADO, Lucilia D. A.N. O Brasil Republicano: O tempo da Ditadura –
regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2003, p.273-
275.
72

para formarem o primeiro Conselho Estadual da Condição Feminina (CECF).252 Entretanto, a


criação do CECF logo gerou polêmica porque entre as conselheiras escolhidas não havia
nenhuma negra. Tal fato gerou uma mobilização de mulheres negras paulistas que culminou
na fundação do Coletivo de Mulheres Negras de São Paulo em 1983 e na inclusão de duas
mulheres negras na estrutura do CECF253.
Antes da criação do Coletivo de Mulheres Negras de São Paulo, já existia um grupo
organizado em torno das questões do feminismo negro: o Remunea/Aqualtune, surgido em
1978, na cidade do Rio de Janeiro254. Tratava-se de um grupo de estudos ligado ao Instituto de
Pesquisas da Cultura Negra (IPCN).255
No contexto democrático da década de 1980, caracterizado pelo fim da Ditadura Militar e
pela constituição de 1988, novas organizações de mulheres negras brotaram no país como o
Grupo Luiza Mahin (RJ), o Grupo de Mulheres Negras do Rio de Janeiro (GMN), o Coletivo
de Mulheres Negras da Baixada Santista (SP), o Nizinga/Coletivo de Mulheres Negras (RJ), o
Coletivo de Mulheres Negras (MG), entre outros.256
Cabe destacar que o Nzinga é um dos mais conhecidos grupos de mulheres negras criados
no início da década de 1980 porque contou com a participação de Lélia Gonzáles, importante
militante negra do Brasil na época, como vimos previamente.257 O Nzinga objetivava articular
a discussão de gênero e raça, contemplando, ao mesmo tempo, as reivindicações das mulheres
negras das classes médias e das pobres.258
No ano de 1986 foi criado o Grupo de Mulheres Negras Mãe Andressa no Maranhão, cujo
foco de atuação era a questão da saúde reprodutiva da mulher negra. Este grupo do Maranhão
organizou pesquisas acerca da prática da esterilização em mulheres negras do nordeste259. Em

252
Este Conselho foi o primeiro órgão governamental direcionado especificamente à luta pelos direitos e questões
femininas no país. TELES, Maria Amélia. Breve história do feminismo no Brasil. Brasília: Brasiliense, 2003,
p.143.
253
Brazil & Shumaher, op.cit.,p.350; Caldwell, op.cit.,p.158; RIBEIRO, Matilde. A presença das mulheres
negras na luta anti-racista e feminista. Que cara tem a mulher brasileira? Seminário Gênero, Classe e raça.
Instituto Cajamar, p.42-56, 1994.
254
Sobre esse assunto ver: BRAZIL, Érico V & SCHUMAHER, Schuma. Mulheres negras no Brasil. São Paulo:
Senac/São Paulo, 2007.
255
Lemos, op.cit.,p.69; Moreira, op.cit.,p.90; Brazil & Shumaher, op.cit.,p.330.
256
Darei destaque aos grupos de mulheres negras que mais se relacionam ao tema da minha dissertação.
257
Além de Lélia, Jurema Batista, Regina Coeli, Pedrina de Deus, Ivonete Corrêa, entre outras mulheres
contribuíram à criação do organismo em 1983. Brazil & Schumaher, op.cit.,p.333.
258
Lemos, op.cit.,p.74.
259
Roland, op.cit.,p.241.
73

1988, surgiu no país um dos principais grupos de mulheres negras dos dias atuais: o Geledés-
Instituto da Mulher Negra. O Geledés foi criado por mulheres que atuaram anteriormente no
Coletivo de Mulheres Negras de São Paulo (1983). A criação do Geledés esteve pautada na
linha de atuação das ONGs feministas, organizações que adquiriram importância no cenário
nacional durante a década de 1990, como vimos no primeiro capítulo. Nesse sentido, as
militantes do Geledés, ao criarem a entidade, objetivaram assumir as ações referentes à mulher
negra, desvinculando-as da influência e da ação do Estado260.
O Geledés concentrou sua atuação em três programas: Programa de Direitos
Humanos/SOS Racismo, Programa de Saúde e o Programa de Comunicação. Ele foi o
primeiro grupo de mulheres negras no país a organizar atividades na área da saúde reprodutiva
e na prevenção da AIDS.261 Na década de 1990, outras organizações de mulheres negras, tais
como o Criola e o Fala Preta! Organização de Mulheres Negras foram criados com intuito de
promover e atender às demandas das mulheres negras no país, tais como: o combate à
violência doméstica, a luta contra o racismo, atenção à saúde, entre outras.
O grupo Criola foi criado em 1992 no Rio de Janeiro, por um grupo de mulheres negras
oriundas do Programa de Mulheres do Centro de Articulação de Populações Marginalizadas
(CEAP), tais como: Jurema Werneck, Lúcia Xavier, Neuza das Dores Pereiras, etc. Um dos
seus objetivos principais é capacitar mulheres, adolescentes e meninas negras para o
desenvolvimento de ações de combate ao racismo, ao sexismo, a homofobia e para a melhoria
das condições de vida da população negra.262
O Fala Preta! Organização de Mulheres Negras surgiu em São Paulo no ano de 1997. A
missão do Fala Preta! é lutar contra qualquer tipo de discriminação e violência. Além disso, a
ONG desenvolve projetos, direcionados especialmente às mulheres negras, em diferentes áreas
temáticas, tais como: saúde reprodutiva, sexualidade, saúde mental, saneamento básico,
educação, habitação e transporte263.
Destaco ainda nesse processo o surgimento da Rede Nacional de Saúde, direitos sexuais e
reprodutivos (Rede Saúde), com sede na cidade de Porto Alegre, se estabeleceu em 1991,

260
Moreira, op.cit.,p.99; http://www.geledes.org.br/ Acesso em 07/07/2009.
261
GELEDÉS. INSTITUTO DA MULHER NEGRA. Mulher Negra e Saúde. Cadernos Geledés 1, 1991.
262
Contins, op.cit.,p.306-352.
263
Site do Portal Afro. http://www.portalafro.com.br/entidades/falapreta.htm Acesso em 08 de dezembro de
2008; Roland, op.cit., p.243.
74

através de uma articulação de mulheres. Com o intuito de atuar em prol da ampliação dos
direitos sexuais e reprodutivos femininos, a Rede Saúde contemplou também a questão da
saúde reprodutiva das mulheres negras264. No Jornal da Rede Saúde, editado de maio de 1992
a julho de 2006, artigos sobre a saúde da mulher negra estão presentes. Acrescente-se o fato de
a Secretaria Executiva da Rede ter sido ocupada por uma ativista do movimento feminista e de
mulheres negra: a médica Fátima Oliveira, o que sugere uma ligação entre as mulheres negras
e a Rede Saúde.
Existem também entidades nacionais negras que contribuíram para o desenvolvimento do
“feminismo negro”, a exemplo do próprio MNU, do Grupo Casa Dandara (Mina Gerais),
Soweto (São Paulo), Olodum (Bahia) e CEAP (Rio de Janeiro), pois abriram espaço em suas
agendas para assuntos relacionados ao cotidiano das mulheres negras no Brasil.265

2.4 Encontros e Seminários

Os encontros e seminários regionais e nacionais de mulheres negras começam a ser


realizados no processo de redemocratização do país. Cabe lembrar que as principais temáticas
debatidas nesses eventos versavam sobre aspectos relativos ao corpo e à saúde da mulher
negra, as desigualdades de gênero e raça, os efeitos da discriminação racial existente no país, a
situação da mulher negra no mercado de trabalho, a questão da esterilização e da saúde
reprodutiva, rumos do movimento de mulheres negras, etc266.
É importante apontar que ativistas negras já participavam dos encontros feministas,
durante as décadas de 1970 e 1980, realizados no país. Entretanto, de acordo com elas suas
especificidades não eram devidamente contempladas nestes eventos. Por essa razão,
frequentemente as ativistas negras reuniam-se em grupos menores durante os encontros
feministas com o objetivo de debater questões específicas como o racismo.267

264
Site da Rede Nacional Feminista de Saúde sexual e reprodutiva. http://www.redesaude.org.br/index2.htm
Acesso em 08 de dezembro de 2008.
265
Brazil & Schumaher, op.cit., p.330-347; Contins, op.cit.,p.252-306.
266
Lemos, op.cit.,p.56, 1997.
267
CARNEIRO, Sueli. A Mulher negra na sociedade brasileira: o papel do movimento feminista na luta anti-
racista. In: MUNANGA, Kabengele. O Negro na sociedade brasileira: resistência, participação, contribuição.
Brasília: Fundação Cultural Palmares. 2004, p. 313.
75

O III Encontro Feminista Latino –Americano e do Caribe, em 1985 na cidade de Bertioga


(São Paulo) sinaliza um dos momentos de tensão ocorrido entre ativistas negras e as
feministas268. Nesse encontro, aconteceu um embate entre as organizadoras e mulheres negras,
que foram impedidas de participar, por não terem pagado a taxa de inscrição. De acordo com
Sueli Carneiro, o valor da taxa era alto demais para a maior parte daquelas mulheres negras,
que ainda tentaram, sem êxito, organizar eventos para angariar o dinheiro. Mesmo assim, tais
mulheres negras resolveram ir para Bertioga tentar negociar a participação, o que foi negado
após uma plenária.269. Diante desse fato, as mulheres negras envolvidas no episódio decidiram
promover um encontro do lado de fora do local que sediou o III Encontro Feminista Latino-
Americano.270 Nesse sentido, Bertioga na visão das militantes sinalizou um dos primeiros
momentos de conflito aberto entre as ativistas negras e o movimento feminista brasileiro.
Todavia, a visão defendida pelas mulheres negras a respeito de Bertioga não é consensual.
Segundo Ethel Leon, feminista e colaboradora do jornal “Mulherio”, que esteve em Bertioga,
os problemas começaram quando um grupo de negras das classes baixas conseguiram um
ônibus financiado pelo Lion´s Clube para transportá-las até Bertioga.271 Entretanto, a
Comissão Organizadora não permitiu a entrada do grupo, pois elas sabiam das regras do
encontro. De acordo com Leon, muitas participantes, sobretudo as negras, identificaram nessa
atitude um viés de racismo. Ainda na visão de Leon e de outras mulheres presentes, o episódio
soou mais como: “uma manobra política na atitude das lideranças do ônibus que tratavam de
se comportar frente ao encontro como se a comissão organizadora fosse um gabinete de
prefeito, que o movimento popular pressiona com caravanas”. Por outro lado, Leon afirmou
que a comissão organizadora também teve responsabilidade sobre o caso, já que adotou uma
postura irredutível, o que acabou dificultando uma resolução do problema. A autora lamentou
também o fato do Encontro de Bertioga ter sido resumido ao episódio do ônibus, no sentido
em que a imprensa acabou dando mais destaque a esse fato do que para o Encontro em si.272
O relato de Leon foi o único no jornal “Mulherio” acerca do conflito entre as feministas e
as ativistas negras em Bertioga. Ethel afirmou que conclamou outras mulheres que

268
Brazil & Schumaher, op.cit.,p.363.
269
Contins, op.cit.,p.285-286.
270
Lemos, op.cit., p.79-85.
271
LEON, Ethel. 3º Encontro feminista latino-americano e do Caribe. Jornal “Mulherio”, nº 22, p. 9, 1985.
272
ibid.,p.9.
76

vivenciaram o episódio – inclusive a comissão organizadora - a expressarem os seus pontos de


vista sobre o assunto. No entanto, não obteve nenhuma resposta. Nem aquelas que
discordaram da atitude tomada pela comissão organizadora se manifestaram, o que demonstra
que o debate na época não se desenvolveu.
Enquanto que as feministas não deram maior importância ao episódio as ativistas negras
transformaram o conflito de Bertioga em um marco importante da sua história de mobilização
política no Brasil. O embate de Bertioga facilitou a criação de um movimento autônomo de
mulheres negras, direcionado a atender e a promover as nuances relativas a essas mulheres no
país.
No IX Encontro Feminista, realizado em Garanhuns (PE) no ano de 1987,273 as militantes
negras organizaram reuniões para discutirem suas questões específicas e propuseram a
realização de um Encontro Nacional exclusivo às mulheres negras274. Assim, no início de
dezembro de 1988, aconteceu na cidade de Valença (Rio de Janeiro), o I Encontro Nacional de
Mulheres Negras (I ENMN).275 Este contou com a participação de 450 mulheres, advindas de
diferentes estados brasileiros e de países como Estados Unidos, Equador e Canadá.276Matilde
Ribeiro, uma das responsáveis pelo I Encontro Nacional de Mulheres Negras, afirmou na
ocasião: “Nosso objetivo é que nós, mulheres negras, comecemos a criar nossos próprios
referenciais, deixando de olhar o mundo pela ótica do homem, tanto o negro quanto o branco,
ou pela da mulher branca”. 277
Cabe destacar que no ano de 1988 houve vários eventos no país com o intuito de
rememorar o centenário da abolição da escravatura no país. Aproveitando-se desse cenário
favorável, as ativistas negras mobilizaram-se em prol de suas questões, tais como: luta contra a

273
As mulheres negras estiveram presentes em outros Encontros feministas e de mulheres no Brasil, tais como: O
Seminário: O papel e o comportamento da mulher na realidade brasileira no Rio de Janeiro (1975); o I Encontro
Nacional Feminista em Fortaleza (1979); II Congresso da Mulher Paulista em São Paulo (1980); I Congresso das
Mulheres Trabalhadoras em São Paulo (1986), entre outros. Brazil & Shumaher, op.cit.,p.366.
274
Carneiro, op.cit., p.313.
275
RIBEIRO, Matilde. A presença das mulheres negras na luta anti-racista e feminista. In: Que cara tem a
mulher brasileira? Seminário Gênero, classe e raça. Instituto Cajamar, 1994, p.49.
276
Carneiro, op.cit., p.313; Contins, op.cit.,p.284-285.
277
Conforme Ribeiro, as responsáveis pelo I Encontro Nacional de Mulheres Negras sofreram críticas tanto do
movimento feminista, quanto do movimento negro, pois as lideranças de ambos movimentos acreditavam que as
mulheres negras pretendiam promover uma ruptura total em relação a eles. Ribeiro, 1995, op.cit.,p.449.
77

discriminação racial e de gênero, inserção no mercado de trabalho, ações em prol da educação


e da saúde da mulher negra, entre outros278.
A partir da década de 1990, vê-se no cenário público nacional um aumento do número de
eventos em torno da temática da mulher negra.279 Neste contexto, a esterilização ocupou um
espaço importante nos encontros de mulheres negras. Foi tema central do Fórum Contra a
Esterilização em Massa da Mulher Negra, que percorreu diferentes cidades brasileiras, entre os
anos de 1990 e 1992, com o intuito de promover debates acerca da prática e das conseqüências
da esterilização cirúrgica sobre a mulher negra280.
Em 1991, em Salvador (BA), realizou-se o II Encontro Nacional de Mulheres Negras (II
ENMN), cujo tema principal foi: “Organização, Estratégias e Perspectivas”281. O evento que
contou com a participação de lideranças dos mais variados estados do Brasil, aprofundou
282
discussões realizadas no I ENMN. . Neste encontro, foi proposta a realização de
Seminários Nacionais de Mulheres Negras. O primeiro, realizado em novembro de 1993, em
Atibaia (São Paulo), teve os seguintes objetivos: avaliar as ações do movimento de mulheres
negras, definir novas estratégias de atuação e estruturar novos encontros e Fóruns Estaduais de
Mulheres Negras. Neste seminário procurou-se estabelecer um consenso quanto à definição do
movimento de mulheres negras. Nas palavras de Matilde Ribeiro:

O movimento vem se constituindo a partir do cruzamento das


questões de gênero, raça e classe social. Deve ser autônomo,
independente, composto por mulheres de diferentes setores (por
exemplo, originárias de movimento como negro, sindical, popular,
partidário). Deve estar articulado prioritariamente com o movimento
negro e feminista, na medida em que estes incorporem e apóiem a luta

278
O I Encontro Nacional de Mulheres Negras de 1988, foi precedido pelo I Encontro Estadual de Mulheres
Negras, organizado pelo Coletivo de Mulheres Negras de São Paulo em 1986. Brazil & Shumaher, op.cit.,p.366;
Roland, op.cit., p.238.
279
CARNEIRO, Sueli. A organização nacional das mulheres negras e as perspectivas políticas. Cadernos
Geledés, nº 4, novembro de 1993, p.23-29; Brazil & Schumaher, op.cit.,p.137.
280
Discorrerei melhor sobre esse Fórum contra a esterilização em massa no próximo capítulo.
281
Ribeiro, op.cit., p.453.
282
Relatório final do II Encontro Nacional de Mulheres Negras, Salvador, 1991.
78

de mulheres negras, mantendo sua especificidade (Ribeiro, 1995,


p.455).

Nota-se que no II Encontro Nacional das Mulheres Negras o posicionamento das


ativistas é um pouco distinto daquele adotado no I ENMN em 1988. Apontei que no primeiro
encontro, as militantes indicaram a necessidade de dissociar, o movimento de mulheres negras
do movimento negro e do feminismo. Já no II ENMN de 1993, as ativistas colocaram a
importância do movimento de mulheres negras se vincular às ações do movimento feminista e
negro, desde que esses apoiassem o ativismo delas no país. Neste caso, é necessário destacar
que no decorrer da década de 1990 organizações negras - MNU, Unegro e CEAP-, assim
como grupos feministas – União Brasileira de Mulheres (UBM), Sempreviva Organização
Feminista (SOF), RedeSaúde e União de Mulheres do município de São Paulo – criaram
espaços em suas organizações, publicações, eventos e serviços para questões ligadas as
mulheres negras283.
Em agosto de 1993, realizou-se o Seminário Nacional Políticas e Direitos
Reprodutivos das Mulheres Negra, por iniciativa do Programa de Saúde do Geledés, na cidade
de Itapecerica da Serra (SP)284. Nesse Seminário participaram 45 líderes de ONGs de mulheres
negras, entidades negras, grupos feministas, serviços de saúde, universidades, etc285. Dele
resultou a Declaração de Itapecerica da Serra das Mulheres Negras Brasileiras. Centrado na
questão da liberdade reprodutiva das mulheres negras, o documento foi aprovado pelas
lideranças do “feminismo negro” presentes ao Encontro286.
Enfatizo ainda que eventos internacionais constituíram-se em arenas políticas importantes
às ações das ativistas negras, a exemplo do processo preparatório da Conferência
Internacional de População e Desenvolvimento (Cairo, 1994) e da 4ª Conferência Mundial da

283
Roland, op.cit.,p.244.
284
Discorrerei melhor sobre esse seminário no Capítulo 3.
285
GELEDÉS-INSTITUTO DA MULHER NEGRA. Declaração de Itapecerica da Serra das mulheres Negras
Brasileiras/ Seminário Nacional Políticas e Direitos Reprodutivos das mulheres negras. Itapecerica da Serra, São
Paulo, 1993.
286
ibid.,p.1-5.
79

Mulher (Beijing, 1995)287. Estes privilegiaram a discussão dos seguintes temas: a igualdade
de direitos entre homens e mulheres, liberdade reprodutiva e sexual, inserção da mulher no
mercado de trabalho e na política, etc288. Como já assinalado no primeiro capítulo, para
diversas “feministas negras”, a Conferência de Beijing constituiu-se num marco fundamental
para o movimento de mulheres negras, na medida em que o governo brasileiro incluiu no
documento oficial da Conferência a temática racial, reconhecendo a discriminação racial como
um grave problema social que atinge mulheres em todo o mundo289.
Em meados da década de 1990, ainda ocorreram duas reuniões nacionais do movimento de
mulheres negras. A primeira delas aconteceu em abril de 1997 em Campinas e, contou com a
presença de 58 mulheres que tinham por objetivo avaliar o II Encontro da Rede de Mulheres
Afrocaribenhas e Afrolatino-americanas realizado no ano anterior na Costa Rica. Nesse
encontro, os principais pontos debatidos foram: “as formas de organização nacional das
mulheres negras, repercussão nacional da vinculação das mulheres negras com a Rede de
Mulheres Afrocaribenhas e Afrolatino-americanas (RMAA) e a definição de bandeiras de luta
na atual conjuntura política”. Ao final dessa reunião constituiu-se uma Comissão Operativa
Nacional – formada por Edna Roland, Edileuza Penha de Souza, Jurema Werneck e Regina
Goulart Nogueira - que produziu, com o apoio do Conselho Estadual Feminino de São Paulo –
dois boletins informativos acerca dos pontos discutidos na Reunião realizada em Campinas no
mês de abril. 290
A segunda Reunião Nacional de Mulheres Negras ocorreu em Belo Horizonte, nos dias 20
e 21 de setembro, de 1997. De acordo com o relatório final elaborado pela comissão
organizadora desse evento – composta por Benilda Regina Paiva de Brito, Fátima Oliveira,
Osvaldina de Souza Silva, Silvana Aparecida do Nascimento, Yone Maria Gonzaga e Kia

287
ALVAREZ, S.E. A “globalização” dos femininos latino-americanos: tendências dos anos 90 e desafios para o
novo milênio. IN: ALVAREZ, S.E.; DAGNINO, E.; ESCOBAR, A (Edt). Cultura e Política nos movimentos
sociais latino-americanos – novas leituras. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2000, p.383-426.
288
NAÇÕES UNIDAS. Programa de Ação da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento,
Cairo, 1994; UNITED NATIONS. Plataform for action and the Beijing Declaration. Fourth World Conference on
Women, Beijing, China, 1995. Departament of Public Information. United Nations, New York 1996. Acervo do
Cedim (Centro de Documentação e Informação da Mulher)/RJ.
289
UNITED NATIONS. Plataform for action and the Beijing Declaration. Fourth World Conference on Women,
Beijing, China, 1995. Departament of Public Information. United Nations, New York 1996, p.10. Acervo do
Cedim (Centro de Documentação e Informação da Mulher)/RJ.
290
BRITO, Benilda R.P et all. Relatório final da Reunião Nacional das Mulheres Negras. Belo Horizonte, 1997,
p.7, apud Relatório da Comissão Operativa e da Comissão Organizadora da Reunião Nacional de Mulheres
Negras. Belo Horizonte, 13/07/1997.
80

Chanté Lily -, a reunião contou com a presença de 69 mulheres provenientes de 10 estados


brasileiros. Entre as temáticas discutidas nesse evento estavam: a luta pela terra para os
remanescentes de quilombos; garantia da diversidade de gênero, étnica e cultural na educação;
direito à saúde pública; combate à violência sobre a população negra; direito ao trabalho e
garantia à moradia.291
Recomendou-se ainda a realização de um III Encontro Nacional de Mulheres Negras antes
do ano 2000. Nesse sentido, os Fóruns Estaduais de Mulheres Negras estariam encarregados
de apresentar até março de 1998, propostas para a organização desse novo evento.292 Contudo,
diferenças de concepções políticas presentes no interior do movimento de mulheres negras
impediram que a organização desse evento avançasse.
Vigorava naquele momento três visões distintas: a primeira que defendia a organização das
mulheres negras dentro do próprio movimento negro, a segunda posição era favorável a
ligação do movimento de mulheres negras com as redes feministas e a última visão era
compartilhada pelas militantes que buscavam a autonomia do grupo das mulheres negras em
relação aos movimentos sociais.293 Essas distintas perspectivas, acerca da forma como o
movimento de mulheres negras deveria se organizar, constituíram o principal desafio
enfrentado pelo “feminismo negro” no final da década de 1990.

2.5. Contradições no interior do movimento

As “feministas negras” se aglutinaram em um movimento específico, principalmente


porque entenderam que suas questões e peculiaridades não eram satisfatoriamente atendidas
nem pelo movimento feminista, tampouco pelo movimento negro. Assim, acreditaram que ao
formarem um movimento próprio, alcançariam uma identidade em comum, conseguindo com
isso força e elementos suficientes para lutar a favor de suas necessidades e interesses. Porém,
com o passar do tempo as militantes negras, começaram a perceber que mesmo no seu interior
havia cisões.

291
Brito, op.cit., p.12-13.
292
Ibid, p.12; Caldwell, op.cit.,p.163-165.
293
BRITO, Benilda R.P et al. Relatório final da Reunião Nacional das Mulheres Negras. Belo Horizonte, 1997,
p.251; Caldwell, op.cit.,p.166-168.
81

É a partir da década de 1990 que a suposta uniformidade do movimento de mulheres


negras começa a ser contestada. De acordo com Matilde Ribeiro, em 1992 nos debates
ocorridos no Fórum de Mulheres Negras de São Paulo, apareceram indícios de que o
movimento de mulheres negras apresentava alguns problemas em seu interior. As militantes
inclusive procuraram sintetizar tais dificuldades no documento final do evento, que de modo
geral eram: indefinição de bandeiras de lutas (combate ao racismo e a violência contra a
mulher, promoção da educação de saúde da mulher negra); ausência de consolidação de fóruns
de representação da organização de mulheres negras, em nível estadual e nacional e falta de
definição de critérios de representação política das mulheres negras.294
No II Seminário Nacional de Mulheres Negras em Salvador (1994), as militantes não
chegam a um consenso acerca das questões que deveriam pautar a trajetória do movimento.295
Nesse evento, os atritos envolvendo as ativistas negras se exteriorizaram. As distinções
existentes entre as mulheres negras ficaram adormecidas no período em que estas buscavam
legitimar e consolidar o movimento de mulheres negras no Brasil. Entretanto, quando o
“feminismo negro” se fundamentou e alcançou visibilidade às suas questões, centradas
especialmente na luta contra o sexismo e racismo, eis que surge um novo desafio: lidar com as
identidades distintas das militantes presentes no movimento de mulheres negras no país.
Embora as “feministas negras” lutassem por causas em comum, elas também estavam
divididas por diferenças de classe, nível educacional, orientação sexual, prática religiosa,
filiação e posição política296. Essas diferenças entre as militantes implicaram na dificuldade do
movimento de mulheres negras definir uma agenda de ações em comum que determinaria a
trajetória das lutas das ativistas no país.
A indefinição da agenda de ações e a falta de consenso acerca da forma de organização
política do movimento de mulheres negras brasileiras foi um problema que persistiu até o final
da década de 1990. Na Reunião Nacional de Mulheres Negras em 1997 (Belo Horizonte),
constatou-se que o principal problema enfrentado pelo “feminismo negro” no período consistia
nas disputas acerca de como e por quem o grupo deveria ser representado. Nessa reunião, as

294
Sobre esse assunto ver: RIBEIRO, Matilde. Reflexões sobre o processo de organização das mulheres negras.
Comissão do Fórum de Mulheres Negras de São Paulo. 1992.
295
Roland, op. cit., p.248.
296
Caldwell,op.cit.,p.164-165.
82

discussões giraram em torno de duas posições contrastantes297. A primeira consistia na idéia de


centralizar a direção do movimento de mulheres negras nas mãos de algumas lideranças, que
conduziriam as estratégias, prioridades e ações do “feminismo negro” pelo país. As ativistas
contrárias à centralização apoiavam a manutenção da autonomia do movimento de mulheres
negras. A segunda posição saiu vencedora, na medida em que a maioria das ativistas que
participaram da Reunião Nacional em 1997 votaram contra a centralização298.
Um outro exemplo das contradições internas no “feminismo negro” pode ser visto no
processo de “Onguização” pelo qual passou o movimento de mulheres negras e o próprio
movimento feminista durante as décadas de 1980 e 1990. Enquanto algumas militantes negras
tais como Fátima Oliveira (médica e ex-diretora da Rede Nacional Feminista de Saúde e
Direitos Reprodutivos), apoiavam essa nova formatação, outras, como Suzete Paiva
(representante da Marcha Mundial de Mulheres)299, repudiavam a transformação do
movimento de mulheres negras em organizações institucionalizadas, burocráticas e que
recebiam investimentos de agências internacionais como a Fundação Ford300.
As representantes da primeira vertente achavam que com a ligação do movimento de
mulheres negras às agências internacionais, as “feministas negras” só teriam a ganhar,
principalmente em termos de recursos financeiros e em relação a circulação internacional,
através da atuação e ligação das ativistas com agências internacionais, como a OPAS e PNUD.
Ao contrário dessa visão, as militantes, pertencentes ao segundo grupo, entre outros motivos,
não concordavam com a formatação do movimento de mulheres negras em ONGs porque
acreditavam que o movimento perderia sua organicidade e seu propósito inicial, que era ser
um grupo de mulheres negras autônomo e atuante em prol das questões relativas à vida,
cotidiano, saúde e do corpo. A tendência que acabou prevalecendo foi a profissionalização e a
articulação do movimento de mulheres negras através das ONGs no decorrer dos anos
301
1990.
Ao fim deste capítulo, pudemos averiguar quais foram as nuances que pautaram o
desenvolvimento e a atuação do movimento de mulheres negras no país, entre as décadas de
297
Relatório final da Reunião Nacional das Mulheres Negras, 1997, p.9-10.
298
Caldwell, op.cit.,p.163-168; Contins, op.cit.,p.277-295.
299
A Marcha é um movimento de mulheres internacional de luta contra a pobreza e a violência sexista.
http://www.sof.org.br/marcha/?pagina=aMarcha Acesso em 07/07/2009.
300
Moreira, op. cit., p.89.
301
ibid., p.100-115.
83

1980 e 1990.302 Nesse sentido, evidenciei quais foram as mulheres que lideraram as ações do
“feminismo negro”, apontando como e onde atuaram. Apontei ainda as principais questões
debatidas pelas ativistas nos seminários e encontros que elas organizaram em diferentes
cidades do país, entre os anos de 1980 e 1990.303 Uma das principais reivindicações das
militantes, nesse período, girava em torno da temática da saúde reprodutiva. Essa questão
ocupou um papel preponderante à conformação do “feminismo negro” brasileiro, como
demonstrarei no capítulo a seguir.

302
Saliento que as ativistas negras brasileiras tiveram participação significativa na III Conferência Mundial
Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas em Durban, África do Sul (2001).
Elas formaram inclusive uma Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras Pró-Durban (AMNB),
composta por diferentes grupos de mulheres negras do país, com objetivo de debater e promover as
reivindicações e assuntos defendidos pelo “feminismo negro brasileiro” 302. Inclusive a militante negra Edna
Roland foi escolhida relatora geral do referido evento internacional. RUFINO, Alzira. Vocês não podem adiar
mais os nossos sonhos. Revista Estudos Feministas, vol 10, nº 1, p.215-218, 2002. Htun, opc.it.,p.81-83.
303
Saliento que as ativistas negras brasileiras tiveram participação significativa na III Conferência Mundial
Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas em Durban, África do Sul (2001).
Elas formaram inclusive uma Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras Pró-Durban (AMNB),
composta por diferentes grupos de mulheres negras do país, com objetivo de debater e promover as
reivindicações e assuntos defendidos pelo “feminismo negro brasileiro” 303. Inclusive a militante negra Edna
Roland foi escolhida relatora geral do referido evento internacional. RUFINO, Alzira. Vocês não podem adiar
mais os nossos sonhos. Revista Estudos Feministas, vol 10, nº 1, p.215-218, 2002. Htun, op.cit.,p.81-83.
CAPÍTULO III – AS FEMINISTAS NEGRAS E A QUESTÃO DA SAÚDE
REPRODUTIVA NO BRASIL

Neste capítulo investigo a atuação das ativistas negras no campo da saúde pública no
Brasil. Meu objetivo central é verificar a importância que a questão da saúde reprodutiva
adquiriu para as “feministas negras” desde o início da militância delas na década de 1980. Há
autoras304 que afirmam inclusive que a temática da saúde reprodutiva, em especial a prática da
esterilização cirúrgica305, foi a origem de um ativismo feminista negro no Brasil na medida em
que a temática provocou as primeiras ações e discussões do movimento de mulheres negras
brasileiras na década de 1980.
Apresento inicialmente os conceitos fundamentais ao entendimento do tema em
questão. São eles: direitos reprodutivos, direitos sexuais, saúde reprodutiva e planejamento

304
ARAÚJO, Maria José de Araújo. Reflexões sobre a saúde da mulher negra e o movimento feminista. Jornal
da Rede Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos. São Paulo, n.23, p.25-26, março 2001; ROLAND, Edna.
Direitos reprodutivos e racismo no Brasil. Revista Estudos Feministas, v.3, n.2, p. 506-14, 1995; SOUZA, Vera
C. de. Mulher negra e miomas: uma incursão em saúde, raça/etnia. 1995, 90 f. Dissertação (Mestrado em
Ciências Sociais). PUC/SP, São Paulo, 1995 e OLIVEIRA, Fátima. Saúde da População Negra. Brasil: Ano
2001. Brasília: OPAS, 2003. 344 p.
305
A prática da esterilização cirúrgica pode ser realizada em homens e em mulheres. Nas mulheres, a
esterilização, também conhecida como laqueadura ou ligação de trompas, consiste numa operação feita nas
trompas para impedir o encontro do óvulo da mulher com espermatozóide do homem, evitando assim a gravidez.
Já a esterilização masculina, também denominada de vasectomia, consiste numa operação feita nos canais
deferentes dos órgãos genitais do homem, que provoca o fechamento da passagem de saída dos espermatozóides,
impedindo com isso que o homem engravide a mulher. Tanto a esterilização feminina quanto a masculina, são
consideradas pelos médicos métodos anticoncepcionais cirúrgicos e irreversíveis.
Departamento de Saúde Reprodutiva e Pesquisa (SRP) da Organização Mundial de Saúde OMS e Escola
Bloomenberg de Saúde Pública/ Centro de Programas de Comunicação (CPC) da Universidade Johns Hopkins,
Projeto INFO. Planejamento Familiar: Um manual global para Prestadores de Serviços de Saúde. Capítulo 11
(Esterilização Feminina, p.165-183). Baltimore e Genebra: CPC e OMS, 2007. (A citação contida no documento
é essa)
85

familiar. O segundo movimento é a investigação do contexto histórico que embasou as


relações entre o ativismo das “feministas negras” e a questão da saúde reprodutiva no país na
década de 1980. Abordo ainda o principal enfrentamento político das ativistas negras na
década de 1990: a luta contra a esterilização cirúrgica no país. Em seguida analiso a Comissão
Parlamentar Mista de Inquérito de esterilização cirúrgica em 1993 e suas conclusões. Por fim,
apresento algumas controvérsias em torno da esterilização cirúrgica das mulheres negras.

3.1 Saúde reprodutiva, direitos reprodutivos e direitos sexuais

Os estudos que abordam temáticas relacionadas à contracepção, fertilidade,


sexualidade, controle populacional e aborto, principalmente a partir da década de 1990,
utilizaram-se de diferentes conceitos tais como: saúde sexual e reprodutiva, direitos
reprodutivos, saúde reprodutiva e direitos sexuais para embasar suas análises. Esses conceitos
emergiram a partir da crescente mobilização das mulheres na esfera pública internacional.
Entre os anos 1980 e 1990, em diversos países da Europa, Estados Unidos e América Latina
ocorreu uma ampliação da presença feminina em partidos políticos, em instituições estatais,
entidades da sociedade civil (inclusive ONGs), associações de classe e agências
internacionais. A conquista destes espaços foi resultado da articulação das mulheres em
movimentos sociais – como o feminismo - desde a década de 1970 e da ascensão feminina à
esfera parlamentar na década de 1980. Ao ingressarem nesses espaços, as mulheres trouxeram
para o debate público uma gama diversificada de assuntos, entre os quais a saúde e os direitos
sexuais e reprodutivos306.
No Brasil, os conceitos de saúde reprodutiva, direitos reprodutivos e direitos sexuais
também se consolidaram em um período em que a participação das mulheres no âmbito
Legislativo e em cargos do Executivo se faz mais presente. Como vimos no primeiro capítulo,
com a redemocratização do país a partir de 1985, um número significativo de mulheres
ingressou em partidos de esquerda como o PMDB e o PT e reivindicaram do Estado, a

306
PITANGUY, Jacqueline. O Movimento Nacional e Internacional de Saúde e Direitos Reprodutivos. IN:
GIFFIN, Karen & COSTA, Sarah Hawker (Orgs). Questões da Saúde Reprodutiva. Rio de Janeiro: Editora
Fiocruz, 1999, p.21.
86

realização de debates e ações efetivas acerca do controle populacional, planejamento familiar,


saúde da mulher e liberdade reprodutiva e sexual.307
O Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres (CNDM) desempenhou um papel
fundamental na luta em torno da saúde e dos direitos reprodutivos e sexuais das mulheres no
país308. As ações do CNDM, relativas a essas questões, se realizaram em meio a um contexto
nacional marcado pelo surgimento da Aids, pela preocupação com as doenças sexualmente
transmissíveis e pelas lutas das mulheres pelo direito ao aborto e à liberdade de reprodução e
contracepção309. Nesse sentido, as participantes do CNDM defendiam a descriminalização do
aborto em caso de estupro e risco de vida, o direito da mulher optar ou não pela maternidade e
a liberdade sexual310. Em 1987, o CNDM junto com o Ministério da Saúde organizou a I
Conferência Nacional de Saúde da Mulher em Brasília. Este encontro reuniu cerca de 3000
mulheres e produziu o documento “Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes”, no qual
foram apresentadas uma série de propostas, dentre as quais destacaram-se: a legalização do
aborto e a investigação acerca do alto número de esterilizações cirúrgicas praticadas no Brasil.
Até o fim da década de 1980, o CNDM empreendeu ações em prol da saúde reprodutiva e da
liberdade contraceptiva e sexual da mulher.311
Na década de 1990, o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher entra em crise em
decorrência das críticas recebidas por parte de setores conservadores ligados ao Ministério da
Justiça contrários ao debate sobre o aborto e a edição pelo Conselho de um livro
documentando a violência contra as mulheres e crianças no campo. Em virtude dessa crise do
CNDM, a temática dos direitos e da saúde sexual e reprodutiva passa a ser discutida pelas

307
É importante lembrar que esses temas já despertavam preocupações das feministas brasileiras desde a década
de 1970. As feministas defendiam o direito da mulher decidir livremente acerca de sua vida sexual e reprodutiva.
Assim, eram contra preceitos religiosos, econômicos ou tendências demográficas que recaiam sobre a questão do
controle populacional no país. VILLELA, Wilza V. & ARILHA, Margareth. Sexualidade, gênero e direitos
sexuais e reprodutivos. IN: BERQUÓ, Elza. Sexo e Vida: Panorama da saúde reprodutiva no Brasil. Campinas,
SP: Editora da Unicamp, 2003, p.95-145.
308
Lembremos que no ano de 1985 ocorre o encerramento da Década da Mulher proclamada pela ONU em
1975. Neste contexto, as temáticas relacionadas à situação da mulher no país ganham mais visibilidade. Inclusive,
como apontei no primeiro capítulo, o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher organiza no ano de 1985 uma
publicação acerca da situação da mulher brasileira em diferentes setores como: educação, política, trabalho e
saúde. CARNEIRO, Sueli; COSTA, Albertina G.O & SANTOS, Thereza. Mulher Negra/Política Governamental
da Mulher. São Paulo: Nobel: Conselho Estadual da Condição Feminina, 1985.
309
BERQUÓ, Elza. Sexo e Vida: Panorama da saúde reprodutiva no Brasil. Campinas, SP: Editora da Unicamp,
2003, p.7.
310
Pitanguy, op.cit.,p.28.
311
ibid., p.30.
87

ONGs e grupos de mulheres que emergem no contexto nacional no início da década de 1990,
como exposto no primeiro capítulo.312 Essas organizações feministas fizeram uso dos meios de
comunicação, estabeleceram redes e fóruns para articular suas políticas, a nível regional e
internacional, voltadas a promover ações em prol das mulheres nos campos da saúde, do
trabalho e da política especialmente.
A atuação das ONGs feministas no âmbito internacional contribuiu à inclusão de
demandas em torno dos direitos reprodutivos e sexuais das mulheres na agenda das
Conferências Internacionais da ONU realizadas durante a década de 1990. Foi nessa
conjuntura - caracterizada pela atuação das mulheres no âmbito parlamentar, nos movimentos
sociais e pelos eventos internacionais - que se legitimaram os conceitos de direitos
reprodutivos, direitos sexuais, saúde reprodutiva e saúde sexual.313 Observemos agora os
principais marcos de surgimento e desenvolvimento desses conceitos.
De acordo com Corrêa e Ávila até o início da década de 1980, a terminologia Saúde
Integral da Mulher era a noção utilizada para relacionar os aspectos relativos à reprodução da
mulher às premissas de direito de cidadania314 . Entretanto, segundo as pesquisadoras a partir
de 1984, o termo Saúde Integral da Mulher começa a ser substituído pelo conceito de direitos
reprodutivos. Este último conceito é difundido por feministas brasileiras que estiveram
presentes no I Encontro Internacional de Saúde da Mulher em Amsterdã no ano de 1984315.
Neste Encontro de Amsterdã, feministas norte-americanas propuseram a substituição do
conceito de Saúde Integral da Mulher por direitos reprodutivos, pelo fato de o considerar mais
completo e adequado para tratar dos direitos individuais e das opções de escolha das mulheres
acerca de sua vida reprodutiva.

312
Sobre esse tema ver: ALVAREZ, S.E. A “globalização” dos femininos latino-americanos: tendências dos anos
90 e desafios para o novo milênio. IN: ALVAREZ, S.E.; DAGNINO, E.; ESCOBAR, A (Edt). Cultura e Política
nos movimentos sociais latino-americanos – novas leituras. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2000, p.383-426.
313
BARSTED, Leila. Legalização e descriminalização do aborto no Brasil: 10 anos de luta feminista. Revista
Estudos Feministas, Rio de Janeiro, nº 0, 1992, p.104-130.
314
CORRÊA, Sonia & ÁVILA, Maria Betânia. Direitos Sexuais e reprodutivos: Pauta Global e percursos
brasileiros. IN: BERQUÓ, Elza. Sexo e Vida: Panorama da saúde reprodutiva no Brasil. Campinas, SP: Editora
da Unicamp, 2003, p.17-73.
315
Este Encontro foi organizado pela Campanha da ICASC (International Campaign in Abortion, Sterilization
and Contraception, Europa) e pela Carasa (Comittee for Abortion Rights and Against Sterilization Abuse, EUA).
MATTAR, Laura D. Reconhecimento jurídico dos direitos sexuais – uma análise comparativa com os direitos
reprodutivos. Revista Internacional de Direitos Humanos. São Paulo, ano 5, nº 8, junho de 2008, p.60-83.
88

Nos anos seguintes o conceito de direitos reprodutivos foi debatido por feministas,
ativistas e acadêmicos no campo dos direitos humanos. As mulheres brasileiras estiveram
entre as primeiras, dentre os países em desenvolvimento na época, a adotarem integralmente a
noção de direitos reprodutivos em suas plataformas de ação política316. Na Europa e em outros
locais da América Latina, as feministas só incorporaram o termo depois da realização de duas
conferências: a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD)317, no
Cairo, em setembro de 1994, e a IV Conferência Mundial sobre a Mulher em Beijing no ano
de 1995318.
Esses dois eventos fizeram parte do ciclo de Conferências realizados pela ONU na
década de 1990319, com o propósito de debater assuntos candentes na época, tais como: o
impasse crescimento populacional X desenvolvimento econômico, a necessidade do progresso
econômico e social em harmonia com o meio ambiente, direitos humanos, planejamento
familiar, saúde da mulher e direitos reprodutivos320. Além das Conferências do Cairo e de
Beijing, ocorreram na década de 1990 a Conferência de Meio Ambiente e Desenvolvimento
(Rio-92), a de Direitos Humanos (Viena-93), as Reuniões da Cúpula Social (Copenhagen-95)
e do Habitat (Istambul-96)321. Nestas Conferências internacionais as militantes feministas
ampliaram o espaço de discussão de temas como o tema da saúde e dos direitos
reprodutivos322.

316
Corrêa & Ávila, op.cit., p.25-26.
317
A Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento foi realizada na cidade do Cairo/Egito em
setembro de 1994, sob o patrocínio da UFNPA (Fundo de População das Nações Unidas). Nesse evento,
delegações de 179 paises discutiram questões relacionadas com a população, educação, saúde, ambiente e
redução da pobreza (NAÇÕES UNIDAS. Declaração final da III Conferência Internacional sobre População e
Desenvolvimento. CPID. Cairo, 1994).
318
As mulheres brasileiras, em especial as militantes do movimento feminista, atuaram de forma significativa nas
Conferências do Cairo em 1994 e de Beijing em 1995. Nesse sentido, organizaram no país eventos preparatórios
às Conferências, como por exemplo, o Encontro Nacional Mulher e População, nossos direitos para Cairo (1993,
Brasília). Assim como também criaram redes feministas por ocasião dessas Conferências, como a Articulação de
Mulheres Brasileiras para Beijing (1994). CITELI, Maria Teresa. A pesquisa sobre sexualidade e direitos sexuais
no Brasil (1990-2002): revisão crítica. Rio de Janeiro: CEPESC, p.84; Pitanguy, op.cit.,p.36.
319
Lembro que o fim da Guerra Fria e a conseqüente ruína do mundo bipolar e do socialismo real no fim da
década de 1980 contribuíram na realização das Conferências Internacionais na década de 1990. A partir desse
período, assuntos como controle populacional, desenvolvimento econômico e meio ambiente ganham destaque.
Ao mesmo tempo as ações e decisões políticas mundiais deixaram de se limitar apenas no embate entre URSS e
EUA
320
Pitanguy, op.cit.,p.33.
321
Barsted, op.cit.,p.83.
322
Côrrea & Ávila, op.cit.,p.34.
89

No Cairo, pela primeira vez, o conceito de direitos reprodutivos foi oficializado,


através de sua inclusão nos documentos oficiais do evento:

(...) os direitos reprodutivos abrangem certos direitos humanos já


reconhecidos em leis nacionais, em documentos internacionais sobre
direitos humanos (...). Esses direitos se ancoram no reconhecimento
básico de todo indivíduo decidir livre e responsavelmente sobre o
número, o espaçamento e a oportunidade de ter filhos e de ter a
informação e os meios de assim o fazer, e o direito de gozar do mais
elevado padrão de saúde sexual e reprodutiva. Inclui também seu
direito de tomar decisões sobre a reprodução livre de discriminação,
coerção ou violência. (Nações Unidas, 1994).

Na Declaração final da Conferência de Cairo, as mulheres alcançaram um importante


avanço na luta em torno dos direitos reprodutivos ao inseri-los no rol dos direitos humanos 323.
A partir da Conferência, o debate sobre programas de planejamento familiar no Brasil se
ampliou, deixando de se limitar apenas ao embate entre as correntes pró-natalistas ou
antinatalista324. No Cairo se afirmou a liberdade sexual e o direito de escolha da mulher em
torno de sua própria fecundidade. A Declaração Final do Cairo ainda garantiu às mulheres o
desfrute de todas as informações e meios necessários para o pleno desempenho de sua vida
reprodutiva e sexual.
A IV Conferência Internacional sobre a Mulher em Beijing, 1995325, reafirmou as
conquistas previamente alcançadas pelas mulheres. Um desses avanços esteve relacionado à

323
DINIZ, Simone G; SOUZA, Cecília D & PORTELLA, Ana Paula. Uma contribuição ao debate sobre direitos
reprodutivos. Sexualidade, Gênero e Sociedade. CEPESC/IMS/UERJ, Ano 3, nº 6, p.1-4, 1996.
324
BEMFAM. BEMFAM: 40 anos de história e movimento no contexto da saúde sexual e reprodutiva.
Organização, Ney Francisco Pinto Costa. Rio de Janeiro: BEMFAM, 2005, p.73. SOBRINHO, Délcio Fonseca.
Estado e População: Uma história do planejamento familiar no Brasil. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos:
FNUAP, 1993. Analisarei mais detalhadamente as correntes pró e antinatalistas no Brasil no próximo tópico
deste capítulo.
325
Essa Conferência, patrocinada pela UNDP (Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas) ocorreu em
setembro de 1995 na cidade de Beijing/China e contou com a participação de grupos de mulheres provenientes de
184 países. A Plataforma de Ação especificou que “os direitos humanos das mulheres incluem o seu direito a
90

consolidação do conceito direitos reprodutivos na esfera política internacional, como afirmou


a socióloga Maria Betânia Ávila na época:

Sua legitimação [direitos reprodutivos], está consolidada e representa


uma contribuição fundamental das mulheres na construção de uma
nova ordem social mais justa e igualitária. Com o seu reconhecimento
os indivíduos homens e mulheres estão mais integralmente dotados de
cidadania. A democracia se expande e a liberdade ganha mais
significado na vida cotidiana. (Ávila, Jornal da Rede Saúde, 1995, p.5).

Foi a partir de Beijing, que os direitos reprodutivos foram consagrados e elevados à


categoria de direitos humanos326. Devemos lembrar que a universalização e o desenvolvimento
da noção de direitos humanos ocorre a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, em resposta
aos crimes e atrocidades cometidos pelo Estado alemão durante o nazismo. A noção
contemporânea de direitos humanos emerge em 1948, com a criação da Declaração Universal
de Direitos Humanos pela ONU, e é ratificada através de Tratados Internacionais e de eventos
como as Conferências Mundiais de Direitos Humanos, realizadas no Teerã (1968) e em Viena
(1993). 327
Na Conferência de Beijing em 1995, os direitos reprodutivos passam a ser
reconhecidos como direitos humanos na medida em que garantem a opção das mulheres em
planejarem a vida reprodutiva e sexual livremente, sem nenhum tipo de discriminação,
controle coercitivo da natalidade ou sem qualquer tipo de política pró-natalista que implicasse
a proibição de métodos contraceptivos328. Nesse sentido, Beijing coroou os esforços

controlar e a decidir livre e responsavelmente sobre questões relacionadas com a sua sexualidade, incluindo sua
saúde sexual e reprodutiva, livre de coerção, discriminação e violência” (UNITED NATIONS. Plataform for
action and the Beijing Declaration. Fourth World Conference on Women, Beijing, China, 1995. Departament of
Public Information. United Nations, New York 1996).
326
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão aprovada em 1789, por ocasião da Revolução Francesa
marca o surgimento das primeiras idéias universais relativas aos direitos de cidadania dos homens. ALVES, J. E.
D. "Direito Reprodutivo: O Filho Caçula dos Direitos Humanos", dezembro, 2004 mimeo.
327
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos: Desafios e Perspectivas Contemporâneas. Revista do Instituto de
Direito Constitucional e Cidadania, v. 1, p. 49-76, 2005.
328
Corrêa & Ávila, op.cit.,p.53.
91

empreendidos pelas mulheres desde o início dos anos 1990 ao validar os direitos reprodutivos
como direitos humanos329.
Cabe destacar, no entanto, que o processo de legitimação dos direitos reprodutivos não
foi fácil de ser trilhado. Na visão da psicóloga Marta Suplicy330, especialista na questão da
sexualidade feminina no Brasil, o item que mais levantou polêmicas nas reuniões que
embasaram a elaboração da Plataforma Mundial de Ação de Beijing foi o item 23331. Tal item
versava justamente acerca do reconhecimento dos direitos reprodutivos como direitos
humanos no texto final da Plataforma de Ação. De acordo com Suplicy, para se chegar a um
consenso acerca da aprovação do item 23, optou-se por não explicitar diretamente no texto a
noção de direitos reprodutivos, mas sim incluí-la dentro da concepção mais geral de direitos
humanos332. Assim, no texto final da Plataforma de Ação de Beijing, os governos participantes
da Conferência tiveram que assumir a responsabilidade de:

Intensificar os esforços para garantir o desfrute, em condições de


igualdade, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais a
todas as mulheres e meninas que enfrentam múltiplas barreiras à
expansão de seu papel e a seu avanço (...). (United Nations, 1995).

Neste contexto permeado por negociações, a Plataforma de Ação de Beijing foi


aprovada em setembro de 1995 pelos 189 paises que participaram da Conferência333. Os
movimentos feministas tiveram papel fundamental na consolidação da Plataforma, pois o
documento veio ao encontro de temas levantados pelas feministas desde o início da década de
1970. Segundo Suplicy:

329
Ávila, op.cit.,p.5; VENTURA, M.; BARSTED, L. L.; PIOVESAN, F. & IKAWA, D. Direitos Sexuais e
Direitos Reprodutivos na Perspectiva dos Direitos Humanos - Síntese para Gestores, Legisladores e Operadores
do Direito. Advocaci. Rio de Janeiro, outubro, 2003.
330
Marta Suplicy na década de 1980 apresentou um quadro sobre sexualidade no programa TV Mulher,
apresentado pela jornalista Marília Gabriela na TV Globo. O quadro foi importante na trajetória de mobilização
das mulheres porque trouxe para o cenário nacional a discussão acerca da sexualidade. Na Conferência de
Pequim em 1995, Marta então deputada federal pelo PT, foi representante da Câmara dos Deputados. Acesso em
http://www1.folha.uol.com.br/folha/videocasts/ult10038u460218.shtml 07/06/2009.
331
SUPLICY, Marta. Beijing e Direitos Reprodutivos. Jornal da Rede Feminista de Saúde e Direitos
Reprodutivos, nº10, novembro de 1995, p.3.
332
ibid.,p.3.
333
ibid, p.3.
92

É importante notar que a Plataforma traz citações requeridas pelos


movimentos feministas em praticamente todos os temas que hoje afetam
as mulheres nesse âmbito, tais como: AIDS, mortalidade materna,
atenção ao pré-natal e parto, atenção específica à saúde da mulher em
todas as fases da vida e violência sexual no lar (...) (Suplicy, 1995, p.3).

Um outro conceito, associado ao de direitos reprodutivos e que também foi discutido


nas conferências de Cairo e Beijing é o de direitos sexuais. De acordo com as pesquisadoras
Chiarotti e Ávila334, a noção de direitos sexuais surge no desenrolar da década de 1990 – alguns
anos depois do aparecimento do conceito direitos reprodutivos em 1984 - em virtude da
mobilização dos movimentos gays, lésbicos e feministas. A luta pelos direitos sexuais tomou
como base os debates a respeito da liberdade sexual, direito ao aborto seguro, direito ao prazer e
a não-discriminação por orientação sexual335.
Na Conferência do Cairo em 1994, os direitos sexuais serviram como uma estratégia
de negociação das mulheres, que incluíram o termo visando, na verdade consolidar o conceito
direitos reprodutivos no texto final da Declaração de Ação do Cairo336. A inclusão “sexual”
radicalizava a linguagem de maneira que ao aceitar sua retirada, reivindicava-se a manutenção
do conceito de direitos reprodutivos337.
A IV Conferência sobre a Mulher, em Beijing (1995), reiterou a importância do tema
dos direitos sexuais. Na Plataforma de Ação de Beijing foi incluído um parágrafo sobre a
questão da sexualidade:

Os direitos humanos das mulheres incluem seu direito a ter controle


sobre as questões relativas à sexualidade, incluída sua saúde sexual e
reprodutiva, a decidir livremente a respeito dessas questões, sem verem-
se sujeitas à coerção, à discriminação ou à violência. As relações sexuais
e a reprodução, incluído o respeito à integridade da pessoa exigem o

334
Jornal da Rede Saúde. Os direitos sexuais devem ser uma pauta constante do feminismo. Entrevista com Maria
Betânia Ávila. Jornal da RedeSaúde, nº 24, dezembro de 2001 p.7-9; Jornal da Rede Saúde. Em campanha por
uma convenção dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos. Entrevista com Susana Chiarotti. Jornal da
RedeSaúde, nº 24, dezembro de 2001, p.26-29.Essas pesquisadoras brasileiras, especialistas na questão dos
direitos reprodutivos e sexuais, integravam, durantes as décadas de 1980 e 1990, a Rede Nacional Feminista de
Saúde e Direitos Reprodutivos.
335
Ávila,op.cit.,p.7-9; Chiarotti, op.cit.,p.26-29.
336
Mattar, op.cit.,p.65.
337
Na visão de feministas a não incorporação dos direitos sexuais no documento do Cairo não foi vista como uma
derrota porque se conseguiu, por sua vez, legitimar a noção dos direitos reprodutivos. Chiarotti, op.cit.,p.27.
93

respeito e o consentimento recíprocos e a vontade de assumir


conjuntamente a responsabilidade das conseqüências do comportamento
sexual. (Nações Unidas, Plataforma de Ação de Beijing, § 96, 1995).

Ao mesmo tempo em que os conceitos direitos reprodutivos e direitos sexuais surgiam


e se consolidavam, os de saúde reprodutiva e saúde sexual emergiam no cenário político
internacional338. As concepções de saúde reprodutiva e saúde sexual foram formuladas pela
Organização Mundial de Saúde (OMS) no fim da década de 1980.
O termo saúde reprodutiva foi cunhado em 1988 pela OMS, com o intuito de abarcar
as questões relativas ao controle demográfico e do planejamento familiar339.
No Cairo a expressão saúde reprodutiva foi designada como:

(...) um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não


apenas ausência de doença ou enfermidade, em todas as matérias
relacionadas com o sistema reprodutivo, suas funções e processos. A
saúde reprodutiva implica, portanto, que as pessoas estejam aptas em
ter uma vida sexual satisfatória e segura, que tenham a capacidade de
reproduzir-se e a liberdade de decidir fazê-lo, quando e quantas vezes
desejarem. Implícito nesta última condição está o direito de homens e
mulheres de serem informados e de ter acesso a métodos de
planejamento familiar de sua escolha (...) que não sejam contra a lei
(...) (Nações Unidas, 1994, capítulo 7).

A noção de saúde reprodutiva surge então com o objetivo de reafirmar a liberdade de


decisão do indivíduo acerca de sua saúde reprodutiva e do planejamento familiar. Assim, aos
homens e mulheres seria garantido o direito ao uso ou não de métodos contraceptivos e de
acesso a informações acerca dos diferentes métodos existentes. No documento, os autores
enfatizaram ainda que a saúde reprodutiva visa garantir uma “vida sexual satisfatória e
segura”. A inclusão desse item, acerca da prática do sexo seguro na agenda da OMS
demonstra a preocupação que a organização apresentava com a explosão da epidemia de Aids
no mundo durante a década de 1990.
A inclusão do termo ‘sexual’ à noção de saúde reprodutiva ocorreu somente na Quarta
Conferência Mundial sobre as Mulheres em Beijing, através do item 30 da Declaração final da

338
Corrêa, op.cit.,p.42.
339
Corrêa & Ávila, op.cit.,p.22.
94

Conferência. Neste item, os países participantes da Conferência foram intimados a: “Garantir


a igualdade de acesso e a igualdade de tratamento de homens e mulheres, à educação e ao
atendimento de saúde, e promover a saúde sexual e reprodutiva e sua educação”340. Após a
caracterização desses conceitos que permeiam a questão da saúde reprodutiva das mulheres
negras no Brasil, faz-se necessário abordar o planejamento familiar, outro tema importante
nesse processo.

3.2. O Planejamento Familiar no Brasil

O tema planejamento familiar341 aparece relacionado ao campo da saúde


reprodutiva, envolvendo questões como: a saúde da mulher, o controle populacional, o
aumento ou declínio da fecundidade da população e a escolha reprodutiva da mulher.
Na atual Constituição Federal Brasileira de 1988, estão explicitados os aspectos que regulam
o planejamento familiar no Brasil:

Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade


responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal,
competindo ao Estado propiciar recursos para o exercício desse direito
(...) (Constituição Federal do Brasil, artigo 226, § 7º, 1988).

Verifica-se assim que atualmente os casais têm o direito de escolher livremente se irão
ou não utilizar os métodos relativos ao planejamento familiar no Brasil. Cabe ao Estado
garantir os meios para as famílias exercerem plenamente este direito. Entretanto, até o início da
década de 1980 não havia consenso acerca da política de planejamento familiar no Brasil342.
Foi somente em 1983, através da criação do Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher

340
UNITED NATIONS. Beijing Declaration. Fourth World Conference on Women, Beijing, China, 1995.
Departament of Public Information. United Nations, New York 1996.
341
O planejamento familiar torna possível ao casal programar quantos filhos terá e quando os terá. Permite aos
casais a oportunidade de escolher entre ter ou não filhos de acordo com seus planos e expectativas.
342
SOBRINHO, Délcio Fonseca. Estado e População: Uma história do planejamento familiar no Brasil. Rio de
Janeiro: Rosa dos Tempos: FNUAP, 1993, p.21
95

(PAISM)343, que o governo brasileiro conseguiu implementar de fato o planejamento familiar


no Brasil344. Veremos agora como se desenvolveu a trajetória do planejamento familiar no país.
Desde o final do séxulo XIX - momento em que se debate no país a identidade nacional
- até meados da década de 1960, vigorou no Brasil uma postura “pró-natalista”, onde não
existia nenhuma instituição, tampouco políticas destinadas a implementar o planejamento
familiar no Brasil345. É importante lembrar que durante as primeiras décadas do século XX
havia no país uma apreensão por parte da elite política e intelectual com a composição racial
da população brasileira. Nesse sentido, influenciado pelo eugenismo francês, surgiu o
movimento brasileiro no final dos anos 1910346.
Cientistas brasileiros - inclusive alguns médicos proeminentes a exemplo de Nina
Rodrigues -, demonstravam preocupação com o processo de degeneração em curso,
influenciado pelo pensamento racial europeu, devido, sobretudo, ao alto grau de miscigenação
da população. Nancy Stepan elenca quatro fatores para o surgimento da eugenia no Brasil: a
entrada do Brasil na Primeira Guerra Mundial ao lado dos aliados, que gerou otimismo sobre a
possibilidade de regeneração nacional; resposta a prementes temáticas nacionais - como a
miséria e a falta de saúde da população trabalhadora, grande parte, negra e mulata -
concebidas pelos brasileiros na década de 1920 como a “questão social”; atuação dos
cientistas brasileiros que viam a eugenia como sinal de modernidade e forma de promover a
saúde do povo; preocupação dos médicos, cientistas e intelectuais com a situação racial da
nação, com o alto grau de hibridismo racial da população brasileira no início do século XX,
que poderia ser nociva ao desenvolvimento e a prosperidade da nação.347

343
No primeiro capitulo já abordei o contexto em que surgiu o PAISM, primeiro programa oficial brasileiro
voltado em atender de maneira universal e integral a saúde da mulher, desde a infância até a velhice. O PAISM
também assumiu, pela primeira vez a nível governamental, a tarefa de promover serviços eficazes de
planejamento familiar para a população brasileira. BRASIL. Ministério da Saúde. PAISM/Assistência Integral à
Saúde da Mulher: Base de Ação Programática. Brasília, 1984.
344
Sobrinho, op.cit.,p.24.
345
COSTA, Ana Maria. Desenvolvimento e Implantação do PAISM no Brasil. In: GIFFIN, Karen & COSTA,
Sarah H. Questões da saúde reprodutiva. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1999, p. 419-439.
346
SKIDMORE, Thomas. Preto no Branco: Raça e nacionalidade no pensamento brasileiro. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1976.
347
STEPAN, Nancy. Eugenia no Brasil (1917-1940). IN: HOCHAMN, Gilberto & ARMUS, Diego (Orgs).
Cuidar, Controlar, Curar: ensaios históricos sobre saúde e doença na América Latina e Caribe. Rio de Janeiro:
Editora Fiocruz. 2004, p.335-338.
96

Dessa maneira, o Brasil foi o primeiro país a criar uma associação eugênica na América
Latina em 1918, a Sociedade Eugênica de São Paulo, cujo objetivo era promover ações que
pudessem regenerar a população, transformando-a em um povo saudável, civilizado e
próspero348. Diferentemente das tradições eugênicas anglo-saxãs349, no Brasil predominou um
tipo de eugenia preventiva350 que “atribuía ao saneamento, à higiene e à educação as melhores
opções para superação dos infortúnios vividos pela sociedade brasileira”351. Assim, a eugenia
no país tinha como principal função combater os principais males do período, tais como:
alcoolismo, doenças venéreas e tuberculose, pois esses males poderiam degenerar as gerações
futuras352.
O tipo de eugenia praticado no Brasil, a preventiva, deveu-se em parte a posição
defendida pela Igreja Católica contra as práticas de esterilização e controle da natalidade,
adotando, por sua vez, uma política de incentivo à natalidade. Nos primeiros anos do século
XX, os médicos brasileiros, católicos em sua maioria, compartilhavam da ideologia “pró-
natalista” porque acreditavam na idéia de que os espaços vazios no Brasil, as más condições
de vida da população e as baixas taxas de reprodução poderiam impedir a transformação do
país em uma nação desenvolvida e moderna353. Portanto, a eugenia preventiva praticada no
país foi ao encontro das idéias “pró-natalistas” que vigoravam no cenário nacional nos
primeiros anos do século XX.
É a partir da década de 1930 que se desenvolve efetivamente no Brasil uma corrente
política “pró-natalista”, segundo Délcio da Fonseca Sobrinho. De acordo com ele, na
348
STEPAN, Nancy. A Hora da Eugenia: raça, gênero e nação na América Latina. Introdução. Rio de Janeiro:
Editora Fiocruz, p.9-114, 2005; Skidmore, op.cit.,p.33.
349
Nessa região predominaram dois tipos de eugenia, embasados em critérios raciais: a eugenia positiva
(incentivar a reprodução dos indivíduos considerados mais aptos) e a eugenia negativa (impedir a reprodução de
pessoas consideradas degeneradas, através de técnicas como a esterilização). Stepan, op.cit.,p.22.
350
Como coloquei acima o tipo de eugenia que predominou no Brasil foi a preventiva, entretanto, alguns
eugenistas brasileiros chegaram, algumas vezes, a discutir aborto, controle da natalidade e até esterilização para o
controle dos indivíduos inadequados. Essas discussões não avançaram porque, de modo geral, a sociedade e a
classe médica brasileira era conservadora e, portanto se opunha à implementação de um tipo de eugenia negativa
STEPAN, Nancy. Eugenia no Brasil (1917-1940). IN: HOCHAMN, Gilberto & ARMUS, Diego (Orgs). Cuidar,
Controlar, Curar: ensaios históricos sobre saúde e doença na América Latina e Caribe. Rio de Janeiro: Editora
Fiocruz. 2004, p.331-393.
351
MAIO, Marcos Chor. Raça, doença e saúde pública no Brasil: um debate sobre o pensamento higienista do
século XIX. In: Etnicidade na América Latina: um Debate sobre Raça, Saúde e Direitos Reprodutivos (S.
Monteiro & L. Sansone, orgs). Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2004, p.39.
352
Stepan, 2005, op.cit.,p.91.
353
Stepan, 2004, op.cit., p.352- 354; 375.
97

Constituição de 1937, existia dispositivos que incentivavam a reprodução da população: “A


família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção do Estado. Às famílias
numerosas serão atribuídas compensações”354. Desta forma, o governo Vargas era favorável
ao incremento da natalidade, pois acreditava que o crescimento da população era uma das pré-
condições para o pleno desenvolvimento do Brasil355. Esta tese permaneceu ainda durante o
segundo governo Vargas e no governo de Juscelino Kubistchek356.
Entre os anos de 1964-1974, a história do planejamento familiar no Brasil sofre uma
inflexão, na medida em que a postura “pró-natalista” gradativamente enfraquece. Com isso,
inicia-se o segundo momento da história do planejamento familiar no Brasil, caracterizado
principalmente, através do embate entre dois grupos: os “antinatalistas” (setores liberais das
forças armadas liderados pela Escola Superior de Guerra, agências do governo norte-
americano como IPPF e UNFPA e economistas e os “anticontrolistas” (militares nacionalistas,
Igreja Católica e partidos de esquerda)357.
Ao defender uma postura “antinatalista”, os militares ligados a Escola Superior de
Guerra alegavam preocupação com a segurança nacional.358. A corrente “antinatalista” foi
ainda influenciada pelas políticas controlistas empreendidas pelo governo norte-americano359.
Estas - calcadas na idéia de que o alegado descontrole do aumento populacional constituía um
entrave ao desenvolvimento econômico e social360 - chegaram ao Brasil na década de 1960,
sobretudo, porque o governo norte-americano temia que o nordeste brasileiro se transformasse
numa nova “Cuba” e cortasse relações com os Estados Unidos361.

354
Brasil apud Sobrinho,1993, p.69.
355
Sobrinho, op.cit.,p.69.
356
Costa, op.cit.,p.323.
357
Sobrinho, op.cit, p.79.
358
ibid.,p.80; COELHO, Edméia A.C.; LUCENA, Maria de Fátima G & SILVA, Ana Tereza M. O planejamento
familiar no Brasil no contexto das políticas públicas de saúde: determinantes históricos. Rev.Esc.Enf. USP, v.34,
nº 1, p.37-44, 2000.
359
DONALDSON, Peter J. On the origins of the United States Government´s International Population Policy.
Population Studies, nº 44, 1990, p.385-399.
360
De acordo com o pesquisador Peter Donaldson, o interesse norte-americano de conter a natalidade de países
do terceiro mundo ligava-se ao temor que o governo americano possuía de que o rápido aumento populacional
nessas regiões pudesse aprofundar o sentimento nacionalista e ser um empecilho aos interesses norte-americanos
no mundo. Contudo, segundo o autor, também há indícios de que as políticas controlistas norte-americanas
tenham sido implementadas com o intuito de promover melhores condições de vida à população dessas regiões.
Donaldson, op.cit.,p.386.
361
Em 1959 ocorreu a Revolução Cubana, onde os guerrilheiros Fidel Castro e Che Guevara lideraram um
confronto que proporcionou o desmoronamento de toda a antiga estrutura desigual e elitista do país. Essa antiga
estrutura era caracterizada pela ditadura de Fulgêncio Batista, que privilegiava somente os interesses de uma
98

Durante o governo de John Kennedy, o governo norte-americano através de agências


como: a International Planned Parenthood Federation (IPPF), a U.S. Agency for International
Development (AID), a United Nations Fund for Population Activities (UNFPA), entre outras,
começa a convencer os líderes de países do terceiro mundo da necessidade de implementar
políticas de controle populacional tendo em vista a promoção da saúde da mulher362 e do
desenvolvimento econômico e social de seus países363. As teorias neo-malthusianas364 também
sustentaram as políticas controlistas norte-americanas, na medida em que se colocava a
preocupação com uma possível escassez de alimentos em virtude do rápido crescimento da
população mundial365. Foi, portanto, nesse contexto que as políticas internacionais norte-
americanas voltadas ao controle da natalidade foram aplicadas em alguns países, inclusive
pelo Brasil.
No caso dos “anticontrolistas”, havia posições divergentes. A Igreja baseava-se nos
preceitos morais e nas doutrinas religiosas que condenam ações e práticas reguladoras da
fertilidade e da procriação, enquanto que os partidos de esquerda se colocavam contra a

pequena elite e concedia benefícios e poder aos estrangeiros norte-americanos. Com a revolução, Cuba
implementou o socialismo, pondo fim a propriedade privada e socializando os meios de produção. Após a
revolução, Cuba cortou relações diplomáticas e comerciais com os Estados Unidos, que perdeu a supremacia
sobre aquela região. Sobre esse assunto ver: HOBSBAWN, Eric. Era dos extremos - o breve século XX (1914-
1991). São Paulo: Editora Cia. das Letras, 1995; BETHEL, Leslie & ROXBOROUGH, Ian (orgs.). América
Latina: entre a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
362
Destaco que feministas norte-americanas adotaram uma posição favorável às políticas de controle da
natalidade durante o século XX porque percebiam tais políticas como direitos das mulheres decidirem acerca de
sua saúde e vida reprodutiva. Através das políticas de planejamento familiar, eram oferecidos métodos
contraceptivos para que as mulheres aumentassem o intervalo entre as gestações e para reduzir os riscos da
gravidez nas mulheres mais velhas. Tais ações eram vistas como forma de salvar vidas e promover a saúde
feminina. A pesquisadora Betsy Hartmann inclusive afirma que a temática do controle populacional foi uma das
primeiras bandeiras de luta das feministas norte-americanas. No Brasil, o cenário foi outro, pois como vimos no
primeiro capítulo, a primeira questão reivindicada pelas feministas no início de século XX foi o direito ao voto
feminino. Donaldson, op.cit.,p.388-389; HARTMANN, Betsy. Population Control I: Birth of an ideology.
International Journal of Health Services, vol.27, nº 3, 1997, p.526-527.
363
Na Conferência Mundial de População em Bucareste 1974, os Estados Unidos reforçaram sua tese de que a
superpopulação era o maior obstáculo para o desenvolvimento econômico e social. As idéias defendidas pelo
governo norte-americano em Bucareste receberam críticas, principalmente de grupos e instituições de países do
terceiro mundo, tais como a Igreja, demógrafos, feministas e ativistas de organizações da sociedade civil. Tais
críticas pouco repercutiram na agenda política do governo norte-americano que definiu regiões estratégicas –
entre as quais o Brasil - onde as políticas de controle de natalidade deveriam ser implementadas com a maior
urgência. Hartmann, op.cit., p.538.
364
As teorias malthusianas surgiram na Europa, entre os séculos XVIII e XIX, quando o reverendo inglês
Thomas Robert Malthus alertou para os perigos da superpopulação em decorrência do não correspondente
crescimento da produção de alimentos. Coelho;Lucena; Silva, op.cit.,p.39.
365
Donaldson, op.cit.,p.392.
99

corrente ‘antinatalista’ por serem críticos à idéia de que o controle da natalidade seria
indispensável à promoção da igualdade e do desenvolvimento econômico do país366.
Devido à falta de consenso provocada pelas posições divergentes entre os
“anticontrolistas” e os “antinatalistas”, o Estado brasileiro durante as décadas de 1960 e 1970
não elaborou políticas voltada ao planejamento familiar. Acrescente-se o esforço do governo
norte-americano, para que entidades internacionais e organismos privados voltados ao controle
populacional se estabelecessem no Brasil. 367
Em meio a essa conjuntura, a Sociedade Civil de Bem-Estar Familiar (BEMFAM) foi
criada em fevereiro de 1966, com o objetivo de: “promover e propugnar pelo bem-estar da
família, como célula constitutiva da nação”368. A criação da BEMFAM ocorreu no bojo da XV
Jornada Brasileira de Obstetrícia e Ginecologia no Rio de Janeiro, em 1965, na qual
participaram 697 profissionais brasileiros da área. A BEMFAM era ligada à Federação
Internacional de Planejamento Familiar (IPPF), instituição norte-americana, de caráter
controlista e que forneceu recursos à instituição brasileira para realizar seus serviços369. Essa
ligação entre a BEMFAM e a IPPF ilustrava a presença e a influência controlista norte-
americana nas políticas relativas ao planejamento familiar no Brasil.
A BEMFAM embasou suas políticas através do combate ao aborto, incutindo com isso
a noção de que era necessária a criação de uma mentalidade de planejamento responsável pela
prole para que o número de abortos praticados no país diminuísse significativamente370. A
entidade implantou suas políticas através de convênios com serviços de saúde privados e
Secretarias de Estados de Saúde de diferentes regiões do país. O financiamento de cirurgias,
de esterilizações, estava entre os serviços oferecidos pela BEMFAM às instituições
conveniadas. Este convênio entre a BEMFAM e as Secretarias Públicas de Saúde demonstram

366
Sobrinho, op.cit.,p.80.
367
Coelho; Lucena & Silva, op.cit.,p. 37.
368
Sobrinho, op.cit.,p.105.
369
BEMFAM, op.cit.,p.24. Além da IPPF, outras agências internacionais desse tipo que atuaram no país foram a
USAID (United States Agency for International Development) e a FPIA (Family Planning International
Assistance). Costa, op.cit.,p.325.
370
A BEMFAM, ao justificar suas políticas controlistas através do combate ao aborto, tomou como modelo as
ações de agências norte-americanas, como a AID. Esta, durante a década de 1960, também legitimou suas
políticas de planejamento familiar através do combate ao aborto. O incentivo a utilização de métodos
contraceptivos seria uma forma de evitar gestações indesejadas e fazer com que menos mulheres colocassem a
vida em risco, através da prática do aborto. Donaldson, op.cit.,p.391.
100

como o governo brasileiro esteve sensível, ainda na década de 1960, à questão do controle
populacional. 371
Até o início dos anos 70, a BEMFAM desenvolveu as políticas relacionadas ao
controle reprodutivo da população no país372. Entretanto, com o declínio do embate entre
“antinatalistas” e “anticontrolistas” - provocado pela mudança de posição de algumas
instituições, como a Igreja Católica, que passou a admitir o planejamento familiar através de
métodos naturais – o governo brasileiro encontrou espaço para colocar em prática suas
primeiras tentativas de criar uma política oficial de planejamento familiar373.
Durante a ditadura militar no Brasil surgiu a primeira tentativa de oficializar a prática
do planejamento familiar no país, através da criação, em 1977, do Programa de Prevenção à
Gravidez de Alto Risco (PPGAR)374. Médicos e ginecologistas atuantes no país no período
foram mobilizados a elaborar o programa375 e o PPGAR resumiu seus objetivos e políticas no
único documento produzido pelo grupo em 1978: “Normas para identificação e controle dos
riscos reprodutivos, obstétricos e da infertilidade no programa de saúde materno-infantil”376.
Segundo seus autores, o referido documento:

Foi elaborado com o propósito de regulamentar e operacionalizar as ações


de assistência especial e especializada aos riscos reprodutivo e obstétrico

371
A BEMFAM foi uma das principais instituições investigadas pela CPMI de 1993, justamente devido a
financiamentos de cirurgias de esterilização que oferecia aos seus conveniados. Esse e outros assuntos relativos a
CPMI de esterilizações, serão abordados mais adiante. BRASIL. Congresso Nacional. Relatório Nº 2 de 1993.
Relatório Final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito destinada a examinar a incidência de esterilização
em massa nas mulheres no Brasil. Presidente: Benedita da Silva. Relator: Senador Carlos Patrocínio. Brasília,
1993.
372
BEMFAM, op.cit.,p.22. É importante apontar que além da BEMFAM, existiram outras organizações da
sociedade civil – que eram favoráveis ao controle da população nacional e que também recebiam financiamento
internacional - destinadas a prestar serviços de planejamento familiar no país, tais como: o Centro de Pesquisa e
Assistência Integrada à Mulher e à Criança (CPAIMC), criado em 1974 no Rio de Janeiro e a ABEPF
(Associação Brasileira de Entidades de Planejamento Familiar), que surgiu em 1981. Sobrinho, op.cit., p.139-
140.
373
Sobrinho, op.cit.,p.135-140.
374
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria Nacional de Programas Especiais de Saúde. Programa de Prevenção
da Gravidez de Alto Risco. Normas para identificação e controle dos riscos reprodutivos, obstétricos e da
infertilidade no Programa de Saúde Materno-Infantil. Brasília, 1978.
375
Aníbal Faúndes (São Paulo), Dinarte Paiva dos Santos (Brasília), Ernani Braga (Rio de Janeiro), José
Aristodemo Pinotti (Campinas), Fernando Figueira (Recife), Maria Ligia Barbosa (Brasília), entre outros. ibid.,
p.7.
376
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria Nacional de Programas Especiais de Saúde. Programa de Prevenção
da Gravidez de Alto Risco. Normas para identificação e controle dos riscos reprodutivos, obstétricos e da
infertilidade no Programa de Saúde Materno-Infantil. Brasília, 1978.
101

[sic], à prevenção de gestações futuras, quando indicada, e ao diagnóstico


e tratamento da esterilidade ou da infertilidade, previstas no planejamento
familiar dentro da política de Saúde Materno-Infantil, aprovada pelo
Conselho de Desenvolvimento Social. (Ministério da Saúde, 1978, p.7).

Nesse sentido, o documento estabeleceu uma série de riscos permanentes ou


transitórios que poderiam ser impeditivos à reprodução, tais como: doença hipertensiva
crônica, diabetes, anemia falciforme, idade superior a 40 anos ou mais, idade inferior a 17
anos, mais de 5 partos, infecções crônicas, anemias severas, alcoolismo crônico, doenças
renais agudas, etc377. A posição adotada pelo Ministério da Saúde diante das mulheres que
apresentavam algum tipo de risco foi a seguinte:

A conduta diante das pacientes que apresentam um ou mais dos fatores [de
risco] acima referidos não deverá ficar restrita à prevenção de futuras
gestações, mas, também dirigida ao tratamento das causas que
caracterizam o risco. Quando o fator de risco é permanente, o tratamento
da doença e a prevenção de gestação poderão ser permanentes. Entretanto,
o meio de evitar as gestações nem sempre deverá ser irreversível,
dependendo do casal a decisão de correr ou não o risco de uma outra
gestação (...) Quando o fator de risco é reversível, tomar-se-ão todas as
providências propedêuticas e terapêuticas para resolver o problema que
constitui risco, cuidando-se para que a paciente não engravide até que seu
problema seja resolvido. (Ministério da Saúde, 1978, p.11).

Percebe-se que o foco dos médicos ligados ao PPGAR consistia em localizar os


possíveis fatores de riscos que a paciente oferecia à sua vida reprodutiva. O procedimento
padrão adotado por estes médicos era extinguir, quando possível, os fatores de risco antes que a
mulher engravidasse. No entanto, quando os fatores de risco da mulher eram permanentes, era
concedida ao casal a prévia opção de enfrentar ou não os possíveis riscos de uma gestação.
Conforme a médica Ana Maria Costa, que ingressou no Ministério da Saúde
justamente no ano em que o PPGAR estava sendo lançado no fim da década de 1970, a
primeira versão do documento incluía entre os riscos sociais de reprodução os seguintes
fatores: cor e pobreza. 378

377
Programa de Prevenção da Gravidez de Alto Risco, op.cit., p.9-11.
378
FIOCRUZ. Entrevista da doutora Ana Maria Costa para o projeto: “A construção do campo da saúde da
população negra no Brasil: idéias, atores e instituições” (1996- 2001). Entrevista concedida a Marcos Chor Maio
102

A versão final do documento, publicada no ano de 1978, foi reformulada depois de


reuniões no Ministério da Saúde entre os médicos que participaram da sua elaboração. Assim, a
última versão não incorporou os critérios sociais relacionados a negritude e a pobreza,
adotando em vez disso dois novos riscos: patologia e estatístico379. Mesmo com essa
modificação, o PPGAR recebeu críticas advindas de grupos da Igreja Católica, das feministas e
da mídia. A mais contundente relacionou-se a visão limitada que o programa apresentava
acerca da saúde da mulher, que priorizava somente a função biológica reprodutora380. Em
virtude desse fato o PPGAR não foi implementado.381
Após o fracasso do PPGAR, o governo ainda tentou criar dois programas de
planejamento familiar no Brasil: o “Programa Nacional de Paternidade Responsável”, em 1979,
e o PREVSAÚDE (Programa de Ações Básicas de Saúde) em 1980. Eles não vingaram, pois o
primeiro enfrentou resistências por parte da Igreja Católica ao não se limitar aos métodos
naturais de planejamento familiar. Já o PREVSAÚDE sofreu críticas do Ministério da
Previdência e Assistência Social e dos empresários do setor saúde, em especial aqueles ligados
a Federação Brasileira dos Hospitais (FBH). Pela perspectiva do PREVSAÚDE o governo
382
deveria priorizar os serviços de saúde públicos em vez das instituições privadas. Somente
com a aprovação do Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PAISM)383 em 1983 é
que o governo brasileiro implementará a sua política de planejamento familiar.

e Simone Monteiro em 5 de agosto de 2007. CNPq 02/2006/Processo nº 485870/2006-1; COSTA, Ana Maria.
Planejamento Familiar no Brasil. Bioética, Brasília, v. 4, n. 2, 2000, p.212. De acordo com o depoimento de
Costa, a questão da cor na política do PPGAR estava presente. No entanto, friso que o relato dela é o único
registro que encontrei acerca da presença das variáveis cor e pobreza na primeira versão do PPGAR.
379
Os riscos por patologia diziam respeito a presença de doenças que poderiam acarretar algum problema à
reprodução, tais como: hipertensão, diabetes, anemia falciforme, doença renal, câncer de mama, etc. Já os riscos
estatísticos estavam relacionados a fatores como idade avançada, alto número de partos, histórico de partos
cesáreos e de abortos, mortes perinatais, entre outros. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria Nacional de
Programas Especiais de Saúde. Programa de Prevenção da Gravidez de Alto Risco. Normas para identificação e
controle dos riscos reprodutivos, obstétricos e da infertilidade no Programa de Saúde Materno-Infantil. Brasília,
1978, p.10-11.
380
Sobrinho, op.cit.,p. Costa, op.cit., p.152-153.
381
Sobrinho, op.cit.,p.153.
382
Sobrinho, op.cit., p.154-158.
383
Como assinalei no primeiro capítulo, o PAISM não conseguiu ser implementado no país como previram os
seus idealizadores. As experiências bem sucedidas se limitaram essencialmente aos estados de Goiás e São Paulo.
Sobre esse assunto ver: MONTEIRO, Simone & VILELA, Wilza. Atenção à saúde das mulheres: historicizando
conceitos e práticas. IN: MONTEIRO, Simone & VILELA, Wilza (Orgs). Gênero e Saúde: Programa Saúde da
Família em Questão. São Paulo: Editora Abrasco; Brasília: UNFPA, 2005, p.21; ORTIZ, Maria José M.D.
PAISM: Um marco na abordagem da saúde reprodutiva no Brasil. Cadernos de Saúde Pública, vol.14, 1998,
p.25-32.
103

Como vimos no primeiro capítulo, as feministas tiveram importante participação no


processo de criação do PAISM, pois desde o início da década de 1980 reivindicaram políticas
eficazes e abrangentes em prol da saúde feminina. O Ministério da Saúde também convocou
proeminentes estudiosas no campo dos estudos populacionais, como Elza Berquó, para integrar
a equipe responsável pelo PAISM384. Além do apoio das feministas, os idealizadores do
PAISM conseguiram um importante e poderoso aliado, a Igreja Católica, que participou de
diversas reuniões com a equipe encarregada pelo Programa385. Como apontou a jornalista Leila
Villas em um artigo que escreveu ao jornal “Mulherio”, em 1987:

O PAISM, nascido na fase de pré-articulação do governo Franco Montoro,


em São Paulo, e posteriormente incorporado, em pleno governo
Figueiredo, pelo Ministério da Saúde (gestão Waldyr Arcoverde) parte de
um pressuposto inverso aos programas de intenção controlista. Ele encara
o planejamento familiar como um direito de saúde da população feminina,
do qual deve incumbir-se o Estado e, mais especificamente, seu ministério
afim. Segundo o PAISM, a mulher brasileira deve ter acesso, através do
Inamps, a toda sorte de informação e assistência sobre o funcionamento do
seu próprio corpo, incluindo exames ginecológicos regulares e preventivos
de doenças como o câncer. E, nesse contexto, a mulher deve ter acesso ao
meio contraceptivo de sua escolha, com vistas a seu bem-estar pessoal e ao
de sua família. (Villas, Jornal Mulherio, 1987, p.8).

Na visão de Villas, o PAISM trouxe uma perspectiva oposta às políticas controlistas


populacionais existentes no período, na medida em que ratificou a noção de que o
planejamento familiar deveria ser entendido como um direito da mulher acerca de sua saúde
reprodutiva e que o Estado teria a obrigação de oferecer a todos os mecanismos para que esse
direito fosse exercido. Assim, o programa pôs em prática uma antiga demanda do movimento
de mulheres brasileiras, que consistia na garantia de livre escolha feminina acerca de sua vida
contraceptiva.
Segundo Villas, mesmo com o surgimento do PAISM ainda existiam no Brasil
grupos com visões controlistas. Para embasar suas afirmações, Villas relata as discussões que
ocorreram na Reunião Interministerial do Conselho de Desenvolvimento Social Nacional no
dia 19 de janeiro de 1987. Nessa ocasião, ministros, sob a coordenação do Ministro-Chefe do

384
Sobrinho, op.cit.,p.176.
385
Ortiz, op.cit., p.176.
104

Gabinete Civil, Marco Maciel, teriam: “estudado a implementação de uma política familiar no
Brasil, com viés controlista”386.
Segundo Villas, as propostas apresentadas nessa reunião interministerial não tardaram a
provocar protestos na sociedade civil, principalmente entre médicas, demógrafas e feministas
que se colocaram contra o ressurgimento de qualquer tipo de política ou intenção controlista. A
demógrafa Elza Berquó387 - na época presidente da Comissão dos Direitos da Reprodução do
Ministério da Saúde -, foi uma das cientistas que resistiu à tentativa de criação de uma política
de natalidade por parte do governo Sarney. Berquó afirmou na época que: “Qualquer tentativa
de retirar a questão do planejamento familiar do âmbito do Ministério da Saúde e, mais
especificamente do PAISM, seria um retrocesso”388. Depois de enfrentar essas resistências,
principalmente por parte das mulheres, a proposta de criar uma outra política de planejamento
familiar, com caráter controlista não avançou389.
O PAISM foi o primeiro programa governamental destinado a atender integralmente a
saúde feminina e incluiu em definitivo a questão do planejamento familiar na agenda política
nacional.

3.3. Feminismo negro e saúde reprodutiva no Brasil

Com a criação do PAISM em 1983 as discussões em torno da saúde reprodutiva das


mulheres se ampliam no país. Foi em meio a este contexto da década de 1980 que a temática da
saúde reprodutiva da população negra emergiu no cenário nacional. O campo da saúde
reprodutiva da população negra é marcado pelas relações entre duas áreas de estudo: a da saúde
reprodutiva e das relações raciais. Na visão de ativistas negras, a inclusão da categoria raça no

386
ibid.,p.8.
387
Além de ser presidente da Comissão dos Direitos de Reprodução do Ministério da Saúde, Elza Berquó
também era pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP) e coordenadora do Núcleo
de Estudos de População da Unicamp (NEPO) neste período. Berquó, atualmente é pesquisadora da Unicamp, do
CEBRAP, da Fundação Carlos Chagas e da ABEP. Ela também atua em Conselhos e Secretarias governamentais,
como por exemplo: o Conselho Nacional sobre Determinantes Sociais de Saúde, a Secretaria Especial de
Políticas de Promoção da Igualdade Racial e a Comissão Nacional de DST/AIDS do Ministério da Saúde.
Informações extraídas do currículo lattes de Elza Salvatori Berquó. Disponível em
http://sistemas.usp.br/atena/atnCurriculoLattesMostrar?codpes=22485, acesso em 08 de junho de 2009.
388
Berquó apud Villas, p.8.
389
ibid.,p.8
105

campo da saúde reprodutiva permite identificar as nuances - como, por exemplo, os efeitos do
racismo - que influem sobre a situação de saúde das mulheres negras390. Contudo, há outras
visões sobre o assunto como vimos na introdução deste trabalho. Sérgio Pena, por exemplo, é
contrário ao uso da categoria cor/raça nas pesquisas em saúde no Brasil porque afirma que o
conceito de raça do ponto de vista biológico não se sustenta391.
As interfaces entre saúde reprodutiva e raça só ocorrem no país a partir do ano de 1986,
quando são lançados os primeiros trabalhos e pesquisas relativos à saúde reprodutiva da
população negra. Tais estudos foram elaborados por Elza Berquó, Alicia Bercovichi e Estela
Maria Garcia Tamburo, por ocasião da pesquisa Dinâmica Demográfica da População Negra
Brasileira, desenvolvida, entre os anos de 1986 e 1987, pelo NEPO (Núcleo de Estudos de
População), órgão ligado à Unicamp. 392
Destaco que as informações produzidas pela equipe liderada por Elza Berquó estavam
inseridas em um contexto de crescente produção de dados quantitativos a respeito das
desigualdades raciais existentes no país. Os sociólogos Carlos Hasenbalg e Nelson do Valle
Silva, na década de 1970, atestaram diferenças sócio-econômicas entre brancos e negros no
Brasil. As militantes negras Sueli Carneiro, Lélia Gonzáles e Thereza Santos, embasadas nas
informações apresentadas por Hasenbalg e Silva, também produziram nos anos de 1980
números acerca das disparidades econômicas, educacionais, políticas e sociais existentes
entre brancos e negros393. Dessa forma, as pesquisas realizadas pela equipe coordenada por
Berquó, sobre a demografia da população negra, acompanharam essa conjuntura marcada
pela proliferação de dados acerca da situação da população negra no Brasil.

390
OLIVEIRA, Fátima. Saúde da População Negra. Brasil: Ano 2001. Brasília: Opas, 2003,
p.212-213.
391
PENA, Sérgio D. Razões para banir o conceito de raça da medicina brasileira. História, Ciências, Saúde –
Saúde – Manguinhos, 12(2), 2005, p. 321-346.
392
BERCOVICH, Alícia. Fecundidade da mulher negra: constatações e questões. Textos Nepo, nº 11, 1987.
Nepo e Unicamp; BERQUÓ, Elza et al. Estudo da Dinâmica demográfica da população negra no Brasil. Textos
Nepo, nº 9, 1986. Nepo e Unicamp; TAMBURO, Estela Maria Garcia. Mortalidade infantil da população negra
brasileira. Textos Nepo, 9, 1986. Nepo e Unicamp.
393
HASENBALG, Carlos: Discriminação e desigualdades raciais no Brasil, 2. ed. Belo Horizonte: Editora
UFMG; Rio de Janeiro: Graal, 1979; CARNEIRO, Sueli; COSTA, Albertina G.O & SANTOS, Thereza. Mulher
Negra/Política Governamental da Mulher. São Paulo: Nobel: Conselho Estadual da Condição Feminina, 1985;
GONZALES, Lélia & HASENBALG, Carlos. Lugar de Negro. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1982;
HASENBALG, Carlos & SILVA, Nelson. Estrutura Social, Mobilidade e Raça. São Paulo: Vértice/Rio de
Janeiro: IUPERJ, 1988.
106

Nos estudos do NEPO, Berquó, Bercovich e Tamburo, analisaram o crescimento


populacional, a mortalidade, nupcialidade e fecundidade das mulheres brasileiras, no período
compreendido entre 1940 e 1980, a partir do critério diferencial da cor394.
Entre as conclusões alcançadas pelas pesquisadoras, apurou-se que em todas as
unidades da federação brasileira, as mulheres pretas mantiveram a menor taxa de fecundidade
até a década de 1960. As taxas de fecundidade das mulheres pardas sempre foram as mais
altas quando comparadas as das mulheres pretas e brancas no período analisado (1960-1980).
Na década de 1940 a taxa de fecundidade das brancas, pretas e pardas eram respectivamente:
344,7, 310,3 e 344,3. Já na década de 1950 essas taxas foram de 326,8 para as brancas, 314,6
para as pretas e 357,4 para as pardas. Finalmente na década de 1960 as taxas foram de: 294,8
para as brancas, 302,1 para as pretas e 361,0 para as pardas. As causas apontadas pelas
autoras para explicar a menor taxa de fecundidade das mulheres pretas foram: a presença de
doenças que afetavam a saúde reprodutiva e sexual das mulheres pretas e o maior número de
mulheres pretas não casadas395.
As pesquisadoras também apontaram para o fato de que as mulheres pretas eram as
que apresentavam os menores índices de casamento ou uniões legalizadas, entre as décadas
de 1960 e 1980. Na década de 1960 o número de mulheres brancas, pardas e pretas casadas
era respectivamente: 59,9, 54,2 e 47,2. Na década de 1980 as pretas continuaram a apresentar
as menores taxas de casamento: 47,1, as brancas alcançavam 57,4 e as pardas 54,1. Ainda em
relação aos matrimônios, as mulheres pretas eram as que se casavam mais tarde e ainda
mantinham o celibato por mais tempo. 396
Essas pesquisas lideradas por Berquó, ao apontar diferenças demográficas entre as
populações pretas, pardas e brancas no país nas décadas de 1940 a 1980, embasaram a
mobilização das “feministas negras” em prol da saúde reprodutiva com recorte racial397.

394
Estas pesquisas foram divulgadas pelo NEPO através de quatro volumes: “Estudo da Dinâmica demográfica
da população negra no Brasil”, “Nupcialidade da população negra no Brasil”, “Fecundidade da mulher negra:
constatações e questões” e “Mortalidade infantil da população negra brasileira”.
395
BERCOVICH, Alícia. Fecundidade da mulher negra: constatações e questões. Textos Nepo, nº 11, 1987.
Nepo e Unicamp,p.12.
396
BERQUÓ, Elza. Nupcialidade da população negra no Brasil. Texto Nepo, nº 11, 1987. Nepo e Unicamp, p.15-
26.
397
SOUZA, Vera Cristina. A prevalência dos miomas uterinos em mulheres negras? As dificuldades e avanços na
coleta e análise dos dados com recorte racial. In: WERNECK, Jurema; WHITE, Evelyn; MENDONÇA, Maisa
(Orgs). O Livro da Saúde das Mulheres Negras, nossos passos vêm de longe. São Paulo: Pallas Editora, 2002,
107

No início da década de 1980, as ativistas começam a denunciar alegadas políticas de


controle de natalidade que teriam como alvo principal a população negra. Um dos casos
denunciados ocorreu em 1982 a partir de um documento apresentado no dia 8 de junho,
elaborado por um dos Grupos de Assessoria e Participação (GAPs)398 do governo de Paulo
Maluf no estado de São Paulo (1979-1982). 399
O documento intitulado: “O censo de 1980 no Brasil e no estado de São Paulo e suas
curiosidades e preocupações” foi elaborado pelo economista Benedito Pio da Silva, assessor
do GAP - Banespa em 1982. Ele foi distribuído a todos os outros GAPs do governo, com o
intuito de debater a questão do aumento da população negra e parda.400
Produzido pelo GAP-Banespa, o texto se tornou público quando o então deputado Luiz
Carlos Santos (PMDB-SP), em uma audiência na Assembléia Legislativa de São Paulo, no
dia 05 de agosto de 1982, leu trechos em que se verificou a preocupação dos membros do
GAP-Banespa com o aumento populacional dos negros e pardos no país:

A população branca corresponde a 55%, a parda a 38%, a negra a 6% e a


amarela a 1%. De 1970 para 1980 a população branca reduziu-se de 61%
para 55% e a parda aumentou de 29% para 38% (...) Enquanto a
população branca praticamente já se conscientizou da necessidade de
controlar a natalidade, principalmente nas classes médias e altas, a negra
e a parda elevaram seus índices de expansão em 10 anos, de 29 para
38%. Assim temos, 65 milhões de brancos, 45 milhões de pardos e um
milhão de negros. A manter essa tendência no ano 2000 a população
parda e negra será de ordem de 60%, portanto muito superior à branca, e
eleitoralmente poderá mandar na política e dominar postos chaves. A não
ser que façamos como em Washington, capital dos Estados Unidos, que
devido ao fato da população negra ser da ordem de 63% não há eleições.
(“O censo de 1980 no Brasil e no estado de São Paulo e suas

p.88-93; ROLAND, Edna. Saúde reprodutiva da população negra no Brasil: um campo em construção. Jornal da
Rede Saúde, nº 23, p.17-23, 2001.
398
Paulo Maluf, em seu mandato como governador de São Paulo, entre os anos de 1979 e 1982, criou Grupos de
Assessoria e Participação para diferentes áreas de seu governo, tais como: economia, política, saúde e
desenvolvimento. JORNAL DA TARDE. No GAP, a proposta: esterilizar a população negra e parda. Jornal da
Tarde, 6 de agosto de 1982, p.2
399
GELEDÉS – INSTITUTO DA MULHER NEGRA. Esterilização: Impunidade ou Regulamentação?
Cadernos Geledés 2, 1991, p.6; BRASIL. Congresso Nacional. Relatório Nº 2 de 1993. Relatório Final da
Comissão Parlamentar Mista de Inquérito destinada a examinar a incidência de esterilização em massa nas
mulheres no Brasil. Presidente: Benedita da Silva. Relator: Senador Carlos Patrocínio. Brasília, 1993, p.92-94.
400
ESTADO DE SÃO PAULO. Deputado denuncia racismo em projeto. Estado de São Paulo, 10 de agosto de
1982, p.6.
108

curiosidades e preocupações” apud Pronunciamento do deputado Luiz


Carlos Santos, São Paulo, 5 de agosto de 1982).

Verifica-se que o objetivo do grupo governamental liderado por Benedito Pio da Silva
era encontrar mecanismos para impedir que a natalidade da população parda e negra superasse
a dos brancos. Nesse sentido, os membros do GAP afirmavam na ocasião que a população
branca seria supostamente mais consciente quanto à necessidade do planejamento familiar
(leia-se controle populacional), do que negros e pardos. O principal receio dos membros do
GAP dizia respeito a uma possível ascensão dos negros e pardos aos mais importantes cargos
políticos do país. Os autores – tendo como referência o sistema eleitoral de Washington da era
segregacionista - chegaram até mesmo a cogitar da possibilidade de extinguir as eleições no
Brasil caso a população negra viesse a se tornar superior à branca. Essas afirmações deixam
nítido o viés racista do controle da natalidade defendido pelos participantes do GAP-Banespa
no início da década de 1980.
Ao final de seu pronunciamento na Assembléia Legislativa de São Paulo, o deputado
Luiz Carlos dos Santos declarou que os criadores do GAP defendiam o controle populacional
porque temiam o aumento da miséria no país401. Santos ainda afirmou que: “O que o senhor
Benedito Pio da Silva propõe como solução nesse relatório é o controle da natalidade entre
negros e pardos, através do Pró-Familia, isto é, esterilizando pessoas dessa cor de pele”402. As
denúncias feitas por Santos imediatamente provocaram reações. Alguns políticos ligados ao
PT e militantes de organizações negras, solicitaram cópias do pronunciamento feito pelo
deputado com o objetivo de elaborar protestos formais contra o estudo do GAP-Banespa403.
Nesse contexto, o MNU (Movimento Negro Unificado) no ano seguinte à divulgação das
propostas dos membros do GAP, lançou um manifesto denunciando as tentativas do GAP-
Banespa de reduzir a população negra do Brasil, em especial no estado de São Paulo404.
A polêmica provocada pelo documento do GAP culminou no afastamento do
economista Benedito Pio da Silva, do governo de São Paulo, no dia 10 de agosto de 1982 e no
arquivamento da proposta. Benedito ainda tentou se defender, através de uma carta enviada no

401
Estado de São Paulo, op.cit.,p.17.
402
Jornal da Tarde, op.cit.,p.2.
403
Estado de São Paulo, op.cit.,p.17.
404
Congresso Nacional, op.cit.,p. 92.
109

dia 7 de agosto de 1982 ao então presidente da Assembléia Legislativa de São Paulo, o


deputado Januário Montelineto. Nesta carta, Benedito negou as acusações de racismo,
enfatizando a proposta de “um planejamento familiar e um programa de paternidade
responsável”405. Como se vê pela carta escrita por Benedito, o economista aparentava estar de
fato preocupado com a questão do planejamento familiar no país. Porém, os trechos divulgados
do documento, as críticas que o documento do GAP-Banespa recebeu dos jornais Estado de
São Paulo, Folha de São Paulo e Jornal da Tarde, o afastamento de Benedito Silva de seu
cargo e o posterior arquivamento da proposta são fatores que indicam o alto teor controlista,
racista e autoritário de suas políticas.
Avalio que ao propor o controle populacional dos negros e pardos, o documento
produzido pelo GAP-Banespa de 1982 se tornou um capítulo importante na história de ativismo
das “feministas negras”, pois demonstrou uma tentativa governamental de controlar a
natalidade da população negra no país. Essa polêmica provocada pelo documento do GAP, veio
à tona no mesmo período em que se desenvolvia o “feminismo negro”406. Assim, a partir da
década de 1980 as ativistas negras centralizaram sua pauta de ações em torno da defesa da
saúde reprodutiva, associando essa questão com suas próprias especificidades407.
Além do caso Gap-Banespa, as campanhas publicitárias em torno da inauguração do
Centro de Pesquisa e Assistência em Reprodução Humana (CEPARH), criado em 1986, em
Salvador, e dirigido pelo médico Elsimar Coutinho na Bahia,408 tornaram-se mais um capítulo
da história da saúde reprodutiva da população negra. Segundo militantes, tais como Luiza
Bairros – representante do Movimento Negro Unificado da Bahia na época - o médico baiano
Elsimar Coutinho409, para convencer a população baiana da necessidade do controle da
natalidade, utilizou como material de divulgação outdoors com fotos de crianças e mulheres

405
Estado de São Paulo, op.cit,p.6.
406
No segundo capítulo, já apresentei o contexto em que emergiram os primeiros grupos de mulheres negras no
país, entre o final da década de 1970 e meados da década de 1990.
407
Roland, op.cit.,p.102
408
ibid.,p.105; Cadernos Geledés 2, op.cit.,p.7.
409
O médico Elsimar Coutinho nasceu na Bahia no ano de 1930. Formou-se em Medicina pela Universidade
Federal da Bahia em 1956. Entre as décadas de 60 a 90, Elsimar Coutinho tornou-se muito conhecido do público
em geral através de sua participação em programas educativos versando sobre temas como: fertilidade,
infertilidade, sexualidade e planejamento Familiar a nível local e nacional. Atualmente Coutinho é presidente da
Sociedade Brasileira de Ginecologia Endócrina (SOBRAGE), primeiro vice-presidente da Academia de
Medicina da Bahia (AMB), presidente do Centro de Pesquisas e Assistência em Reprodução Humana (CEPARH)
e presidente da Sociedade Baiana de Climatério (SOBACLIM). Informações extraídas do site de Elsimar
Coutinho. Disponível em http://www.elsimarcoutinho.com.br/biografia Acesso em 09/06/2009.
110

negras com os seguintes dizeres: “Defeito de Fabricação”410. A médica do Ministério da


Saúde, Ana Maria Costa, relatou:

(...) Essa campanha [de divulgação do CEPARH] era um outdoor que ele
[Elsimar Coutinho] distribuiu pela cidade de Salvador, em que se mostrava
uma cena de necrotério, com uma criança de 5 anos, em pé, ao lado de um
cadáver que estava coberto e aparecia o pé de uma mulher negra, uma
criança negra e os dizeres eram: “Defeito de fabricação - Planejamento
familiar, procure o Centro de Assistência e Reprodução Humana”.
Outdoor, vários, na cidade inteira. Então isso era uma coisa muito pesada.
(Depoimento de Ana Maria Costa, fita 2, lado A).

Esta campanha de Elsimar Coutinho em 1986 foi bastante criticada pelo movimento negro
no período porque ela conferia um caráter negativo, racista à reprodução da população
negra.411Ela forneceu mais elementos ao movimento negro em suas denúncias contra a
esterilização da população negra. O ano de 1986 foi de extrema importância ao contexto de
ativismo das “feministas negras” no campo da saúde reprodutiva no Brasil. Como vimos, neste
ano - além das campanhas publicitárias de Elsimar Coutinho - as pesquisas lideradas pela
demógrafa Elza Berquó no NEPO, divulgaram aspectos demográficos acerca da população negra
brasileira, tais como: fecundidade, nupcialidade, união matrimonial e mortalidade infantil. Além
disso, 1986 é o ano de elaboração do suplemento especial da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD), documento produzido pelo IBGE e que trazia informações inéditas –
desagregadas por cor - na época a respeito dos métodos contraceptivos utilizados pelas mulheres
brasileiras. O documento do IBGE foi importante pois revelou que a prática da esterilização
cirúrgica era um dos métodos contraceptivos mais utilizados pelas mulheres brasileiras,
especialmente na região mais pobre do país, o Nordeste, onde a maioria da população era
composta por pardos e pretos412. Como veremos a seguir, esses dados apresentados pela PNAD
de 1986 foram fundamentais para a associação entre as ativistas negras e o campo da saúde
reprodutiva.

410
Congresso Nacional, op.cit., p.49.
411
Cadernos Geledés 2, op.cit.,p.6-7.
412
IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Suplemento Especial). Brasília, 1986.
111

3.4. Os dados sobre a esterilização cirúrgica: A PNAD de 1986

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD)/IBGE apresenta anualmente


dados a respeito das características gerais da população brasileira, tais como: migração,
educação, trabalho, família, domicílio e rendimento. A PNAD de 1986, além de divulgar as
características populacionais mencionadas, também tornou público no cenário nacional dados
oficiais relativos aos métodos contraceptivos mais utilizados pelas mulheres brasileiras no
período. Os métodos anticonceptivos analisados pela pesquisa foram: a pílula, o dispositivo
intra-uterino (DIU), o diafragma, espermicida, preservativo, coito interrompido, abstinência,
tabela, billings ou muco vaginal e a esterilização cirúrgica413. Dentre esses métodos, a pílula e a
esterilização eram os métodos mais recorrentes entre as mulheres brasileiras casadas no
período414. Em relação à esterilização, constatou-se que 27% das mulheres casadas e que
faziam uso de algum método contraceptivo, estavam esterilizadas. Esse percentual era bastante
elevado, quando se comparavam as taxas de esterilização do Brasil com taxas relativas a países
como França, Inglaterra e Itália, onde os índices de esterilização cirúrgica não ultrapassavam os
10%415. A PNAD de 1986 trouxe ainda outras informações importantes que seguem abaixo.
Segundo o documento, 71% das mulheres brasileiras casadas ou unidas e que tiveram
filhos, entre 15 a 54 anos, usavam algum tipo de anticoncepcional. Desse percentual de
mulheres, a esterilização figurava em primeiro lugar (44%), seguida da pílula anticoncepcional
(41%)416. Os maiores índices de mulheres esterilizadas, entre 15 a 54 anos, encontravam-se nos
estados do Maranhão (75,4%), Goiás (71,3%) e Pernambuco (61,4%). 417
Em relação às mulheres de 15 a 54 anos que tiveram filhos e as que eram chefes e
cônjuges na família, por condição de utilização dos métodos anticonceptivos, segundo a cor418
e o grupo de idade, foi apurado que a maior parte das mulheres pretas e pardas eram

413
IBGE. Programa Nacional por Amostra de Domicílios (Suplemento Especial). Brasília, 1986, p.2-3.
414
ibid, p.2-10; ANON, F. Mulheres brancas e negras frente à esterilização. Nepo- Unicamp, s/d; ARILHA,
Margareth & BERQUÓ, Elza. Esterilização: Sintoma social. Relatório final de pesquisa. Universidade Estadual
de Campinas, NEPO, s/d. 62 p; BERQUÓ, Elza. Esterilização e Raça em São Paulo. Revista brasileira de Estudos
Populacionais. Campinas, v.11, n.1, p. 19-26, 1994.
415
Costa, op.cit.,p.214.
416
ibid.,p.13.
417
ibid.,p.2-3; BERQUÓ, Elza. A esterilização feminina no Brasil hoje. Trabalho apresentado no Encontro
Internacional “Saúde da Mulher: um direito a ser conquistado”. Exposição sobre contracepção, esterilização e
efeitos demográficos. Conselho Nacional dos Direitos da Mulher – CNDM. Brasília, 1989.
418
As categorias de cor utilizadas pelo IBGE nessa pesquisa foram: branca, preta e parda.
112

esterilizadas na faixa etária de 30 a 34 anos; enquanto que maioria das mulheres brancas
recorria à esterilização mais tarde, na faixa dos 35 a 39 anos.
De acordo com a PNAD de 1986, na região Nordeste a esterilização era o método mais
utilizado entre as mulheres brancas e entre as pretas e pardas, principalmente entre as mulheres
de 25 a 54 anos. Esses índices eram ainda mais elevados entre as mulheres da mesma faixa
etária e que já tinham filhos. As mulheres brancas esterilizadas somavam 455.803, enquanto
que 902.052 mulheres pretas e pardas estavam esterilizadas419. No norte, nordeste e centro-
oeste a esterilização aparecia como o método contraceptivo mais utilizado, entre as mulheres
brancas, pretas e pardas, de 25 a 54 anos420. Entretanto, na região sul o método mais utilizado
entre as mulheres brancas, pretas e pardas de 15 a 54 anos que tiveram filhos foi a pílula. A
esterilização cirúrgica nessa região figurava em segundo lugar421.
Já na região sudeste, entre as mulheres de 30 a 54 anos que tiveram filhos, o método
anticonceptivo mais utilizado era a esterilização cirúrgica, seguido da pílula. Entretanto, esses
dados se modificavam quando se agregava a variável cor, pois enquanto que entre as mulheres
brancas a esterilização aparecia como método mais utilizado de anticoncepção, as mulheres
pretas e pardas recorriam em primeiro lugar a pílula anticoncepcional422.
Após apresentar os principais dados fornecidos pela PNAD de 1986, cabe tecer algumas
considerações sobre eles. Quando se analisou de um modo geral a população feminina
brasileira, entre 15 e 54 anos no período, constatou-se que o método predominante era a pílula
anticoncepcional seguida da esterilização cirúrgica. Contudo, ao focalizar a análise sobre o
grupo das mulheres – da mesma faixa etária - casadas e com filhos esse quadro se revertia, pois
a esterilização cirúrgica aparecia como o método contraceptivo mais utilizado pelas mulheres
casadas e com filhos, entre 15 e 54 anos. Este fato sugere que as mulheres brasileiras na época,
que já possuíam uma família formada, tendiam a recorrer a um método contraceptivo mais
definitivo, no caso a esterilização cirúrgica.
Chamo a atenção ainda para a diferença etária que marcava a prática da esterilização
cirúrgica entre as mulheres brancas e as pretas e pardas no país no período. De acordo com a

419
ibid.,p.62.
420
ibid.,p.62-64.
421
ibid.,p.114-116.
422
ibid.,p.89-90.
113

PNAD, em geral as mulheres pretas e pardas recorriam à esterilização na faixa dos 30 a 34


anos, aproximadamente 5 anos antes do que as mulheres brancas.
A PNAD de 1986 trouxe elementos que apontaram a prevalência da esterilização
cirúrgica na região Nordeste. A divulgação desses números ampliou as denúncias surgidas no
início da década de 1980 de que as mulheres estavam sendo esterilizadas com o intuito de
conter a natalidade da população negra no Brasil. As ativistas negras basearam seus
argumentos na seguinte constatação: se a PNAD de 1986 demonstrou que os maiores índices de
esterilizações cirúrgicas se encontravam nos estados do Maranhão e de Pernambuco - onde a
população preta e parda era majoritária –, logo as mulheres não- brancas eram mais
esterilizadas do que as brancas na época423.
A partir de 1986, emergem no cenário nacional trabalhos e eventos com o intuito de
discutir e aprofundar os assuntos relativos à prática e as conseqüências da esterilização
cirúrgica no país. Em dezembro de 1986, a Comissão de Mulheres Negras do Conselho
Estadual da Condição Feminina de São Paulo publicou o documento, “Mulher Negra: Dossiê
sobre a discriminação racial”, no qual se denunciava: “os interesses de governos e agências
internacionais de controle da natalidade da população negra, através da indução do uso
indiscriminado de anticoncepcionais, especialmente a laqueadura”.424 Esse grupo de mulheres
reiterava as afirmações de que agências internacionais como a IPPF e a USAID, financiavam as
práticas e ações relativas ao planejamento familiar no Brasil empreendidas por instituições
privadas, como por exemplo, a BEMFAM e o CPAIMC, conforme vimos previamente neste
capítulo.425
Em fevereiro de 1988 ocorreu o “I Seminário sobre Esterilização Feminina e Masculina”,
que foi organizado pela Secretaria de Estado de São Paulo. Neste Seminário, foram discutidos
os altos índices de esterilização ocorridos no país e os efeitos da esterilização à saúde de
homens e mulheres no Brasil426. Em 1989 foi realizado em Brasília o Encontro Nacional
“Saúde da mulher: um direito a ser conquistado”, organizado pelo Conselho Nacional dos
Direitos da Mulher. Nesse evento, a demógrafa Elza Berquó, tendo como base os dados da
PNAD de 1986, apresentou resultados de pesquisas em que analisou as implicações da prática

423
Cadernos Geledés 1, op.cit.,p.11,
424
Cadernos Geledés 2, op.cit.,p.6.
425
Sobrinho, op.cit.,p.187-194.
426
Cadernos Geledés 2, op.cit.,p.7.
114

da esterilização cirúrgica na região Nordeste e no estado de São Paulo.427 A partir desses


eventos, se intensificaram as discussões a respeito da necessidade, por um lado, da criação de
leis que regulamentassem a prática da esterilização cirúrgica no Brasil e, de outro, a
necessidade da real implementação do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher
(PAISM) no país428.
Considero que os dados da PNAD de 1986 - que atestavam o estado do Maranhão como a
região onde mais se praticava a esterilização cirúrgica - foram um importante instrumento de
mobilização do movimento de mulheres negras do Brasil. As “feministas negras” que já
vinham desde o início da década de 1980 denunciando planos e práticas controlistas sobre a
população negra, tais como o GAP do governo de Maluf em 1982 e as campanhas publicitárias
de Elsimar Coutinho em 1986, encontraram na PNAD de 1986 mais elementos para subsidiar
suas afirmações de que havia em curso no Brasil um plano racialista direcionado a reduzir a
população negra.

3.5. A luta contra a esterilização cirúrgica na década de 1990: principal bandeira das
“feministas negras”

Durante a década de 1990, o ativismo das “feministas negras” se consolidou com base
nas denúncias da prática da esterilização cirúrgica. Como apontaram Elza Berquó e Margareth
Arilha:

No início da década de 90 a problemática da esterilização feminina ganha


um novo impulso na medida em que o movimento negro e em especial o
movimento de mulheres negras passa a considerar de fundamental
importância uma posição crítica sobre o assunto. A polêmica discussão em
torno da esterilização começa então a ganhar novos contornos e

427
BERQUÓ, Elza. A esterilização feminina no Brasil hoje. Trabalho apresentado no Encontro Internacional
“Saúde da Mulher: um direito a ser conquistado”. Exposição sobre contracepção, esterilização e efeitos
demográficos. Conselho Nacional dos Direitos da Mulher – CNDM. Brasília, 1989.
428
Cadernos Geledés 1, op.cit.,p.7.
115

densidades, na medida em que a vertente racial do problema é introduzida


(Berquó, Arilha, Relatório final de pesquisa/NEPO, s/d, p.4).

As críticas à esterilização cirúrgica influenciou na criação da Campanha Nacional


Contra a Esterilização de Mulheres Negras. Essa Campanha teve início em novembro de 1990,
através de uma reunião no sindicato dos Engenheiros do Rio de Janeiro.429 A Campanha
Nacional Contra a Esterilização de Mulheres Negras durou dois anos e foi liderada pela
médica e ativista negra Jurema Werneck430, que no momento atuava no Programa de Mulheres
do Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (CEAP), como vimos no segundo
capítulo. As idealizadoras da Campanha, basearam-se nos dados da PNAD de 1986431 para
sustentar a Campanha, cujo slogan foi: “Esterilização – Do controle da natalidade ao
genocídio do povo negro!”432. De acordo com as responsáveis pela Campanha, o cenário em
que as esterilizações estavam sendo realizadas, desde a década de 1980, era formado por:

Milhões de mulheres negras e mestiças esterilizadas por


acreditarem que esta é a única forma de evitar filhos; falta de
informação e acesso à maioria dos métodos anticoncepcionais;
profissionais de saúde, clínicas e hospitais particulares lucrando
com a esterilização; governo brasileiro e entidades internacionais
financiando o controle da natalidade e o extermínio de negros e
mestiços. (Ceap, 1990, p.4, grifos meus).

Assim, o programa de mulheres do CEAP visava nesta Campanha, atingir os seguintes


objetivos:

Exercer o direito de escolher e usar métodos anticoncepcionais


que não fazem mal à saúde; punição para os crimes de genocídio;

429
CEAP. Relatório da III reunião preparatória ao II Encontro Nacional de Mulheres Negras. Acervo do Centro
de Articulação de Populações Marginalizadas.
430
A militante Jurema Werneck após deixar o CEAP, criou no início da década de 1990 no Rio de Janeiro a Ong
de mulheres negras Criola.
431
É preciso destacar que, embora números da PNAD de 1986 atestassem o alto número de esterilizações em
alguns estados do Nordeste – onde a população negra era majoritária -, não é possível depreender da PNAD que
havia em curso no país um processo de extermínio da população negra durante a década de 1980.
432
CEAP. Folheto de divulgação da Campanha Contra a Esterilização de Mulheres Negras. Programa de
Mulheres do CEAP, 1990. Acervo do Centro de Articulação de Populações Marginalizadas.
116

o fim da discriminação de sexo, de raça e classe social; o fim da


esterilização em massa. (Ceap, 1990, p.4, grifos meus).

Nota-se que a liderança do programa de mulheres do CEAP considerava que a


esterilização – financiada pelo governo brasileiro e por organismos internacionais, como a
IPPF e a USAID, durante as décadas de 1960 e 1980 - estava sendo utilizada no país com o
objetivo de exterminar a população negra e mestiça.
As criadoras da campanha se basearam na definição a seguir de genocídio: “Crime contra
a humanidade, que consiste em destruir, total ou parcialmente, um grupo nacional, étnico,
racial ou religioso, adotando medidas que visem a evitar nascimentos no seio do
grupo”,433 para afirmar que a população negra e mestiça estava sendo vítima de genocídio
durante a década de 1980 no Brasil.
Entre as ONGs que se destacaram na luta contra a esterilização cirúrgica encontra-se a
Ong de mulheres paulista Geledés. Como assinalei no capítulo anterior, o Geledés-Instituto da
Mulher Negra, foi criado no dia 30 de abril de 1988 por um grupo de ativistas negras - dentre
as quais destaca-se a filósofa Sueli Carneiro - que objetivavam lutar contra o racismo e
sexismo existente na sociedade brasileira. Assim, as atividades do Geledés estavam
direcionadas para algumas áreas específicas da sociedade brasileira, tais como: direitos
humanos, violência, saúde, entre outras434.
Um dos pontos presentes no Programa de Saúde do Geledés435 foi a saúde reprodutiva das
mulheres negras. Em 1990, a ONG organizou grupos de auto-ajuda e oficinas com o objetivo
de discutir e fornecer informações acerca dessa temática - e especialmente a esterilização
cirúrgica - às mulheres negras436. Objetivando ampliar o debate em torno da saúde das
mulheres negras, o Geledés lançou dois números da publicação Cadernos Geledés em 1991 no
qual continha os seguintes documentos: 1) Mulher Negra e Saúde e 2) Esterilização:
Impunidade ou regulamentação?

433
Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Editora Positivo, 2004
434
Informações extraídas do site Geledés – Instituto da Mulher Negra. http://www.geledes.org.br Acesso em 31
de março de 2009.
435
O Programa de Saúde do Geledés foi inspirado nas experiências bem sucedidas do National Black Women´s
Helath Project (NBWHP), que desenvolvia ações em prol da saúde das mulheres negras residentes em
Atlanta/EUA. Sobre esse assunto ver: Geledés - Instituto da Mulher Negra. Mulher Negra e Saúde. Cadernos
Geledés 1, 199, p.15
436
Roland, op.cit.,p.102.
117

O primeiro volume foi elaborado com a intenção de divulgar o Programa de Saúde do


Geledés. Como afirmaram as próprias autoras do documento:

É a primeira publicação editada no Brasil dedicada inteiramente às


questões de saúde da mulher negra. Com esta publicação pretendemos
colaborar para a reflexão e organização das mulheres negras em torno de
sua própria saúde. Ao mesmo tempo nos dirigimos também aos
trabalhadores do Setor Saúde, na expectativa de sensibilizá-los para a
compreensão das diferenças raciais da população que atendem no seu
cotidiano, bem como aos técnicos e autoridades responsáveis pelo
planejamento das ações do Sistema Público de Saúde (...) Partimos da
discussão dos poucos dados existentes a respeito dos diferenciais de saúde
das mulheres negras, definimos as atividades que entendemos devam ser
desenvolvidas pela nossa Entidade na área da Saúde (...) abrimos o debate
sobre questões candentes como a AIDS e o aborto. (Cadernos Geledés 1,
1991, p.4).

O primeiro Cadernos Geledés trouxe ensaios das seguintes ativistas: Edna Roland,
Silvia de Souza, Maria Lúcia da Silva e Lola T. Oliveira. Elas abordaram questões acerca da
incidência da epidemia de Aids no Brasil e sobre as lutas contra o racismo, da legalização do
aborto e da necessidade da inclusão do quesito cor nos serviços nacionais de saúde437. Quanto
à Aids, Edna Roland e Lola de Oliveira analisaram o aumento dos casos da doença entre as
mulheres negras nas décadas de 1980 e 1990. As autoras apresentaram dados da Organização
Mundial de Saúde que indicavam que na época a maior parte das mulheres infectadas pela
doença provinham da região sub-saariana da África e do Caribe. Roland e Oliveira
reivindicaram ações de saúde direcionadas a obtenção de informações e políticas de saúde
que contivessem o aumento da enfermidade entre as mulheres e, em particular, às negras438.
Sobre o aborto, Silvia de Souza expôs que na década de 1990 grande parte das mulheres
que morriam depois de praticarem o aborto – em virtude da falta de informações e métodos
contraceptivos adequados - era das classes mais pobres e em sua maioria negra. Em virtude
deste cenário, a autora discorreu acerca da necessidade do governo brasileiro descriminalizar
a prática do aborto e oferecer ações educativas e métodos contraceptivos com o objetivo de
reduzir a mortalidade de mulheres que recorriam ilegalmente a essa prática no país439.

437
Cadernos Geledés 1, op.cit.,.p.15-29.
438
ROLAND, Edna & OLIVEIRA, Lola. AIDS: História, Cara e sexo. Cadernos Geledés 1, 1991, p.25-26.
439
SOUZA, Silvia. 28 de setembro: Repensando o Ventre Livre. Cadernos Geledés 1, 1991, p.27-28.
118

Lembremos que a discussão acerca da sexualidade e da legalização do aborto no Brasil fazia


parte da agenda do movimento feminista nas décadas de 1970 e 1980. No capítulo 1 vimos
que a temática do aborto era constante na pauta dos principais periódicos feministas da época,
como o “Mulherio”, “Brasil Mulher” e “Nós Mulheres”.440
As redatoras dos Cadernos Geledés 1 procuraram ainda chamar a atenção à necessidade
da produção de dados nos sistemas de saúde que contemplassem os possíveis diferenciais
raciais/étnicos existentes entre as mulheres. Segundo militantes negras, o “processo
saúde/doença” experimentado por brancos e negros não ocorre da mesma forma, pois
existiriam doenças mais prevalentes num grupo do que em outro441. Assim, a incorporação da
variável raça pelos profissionais de saúde e autoridades competentes seria fundamental para
identificar o surgimento e combater doenças, além de atender as particularidades que cercam
a saúde da população negra, a exemplo dos efeitos do racismo sobre a saúde desse grupo442.
O fato de haver poucas informações oficiais na época sobre a saúde da mulher brasileira
desagregadas por cor, inviabilizaria a criação de políticas públicas de saúde direcionadas
especificamente às mulheres negras443.
O Segundo Caderno da série Geledés444 foi todo dedicado aos debates em torno da
questão da esterilização cirúrgica. Neste documento, as autoras evidenciaram quais eram, na
sua visão, as principais causas de esterilização das mulheres no Brasil:

Interesses internacionais de países do Primeiro Mundo em reduzir a


população dos países pobres do Terceiro Mundo, países de população de
maioria negra ou não-branca, e que atuam através de agências como a
BEMFAM e o CPAIMC; ausência de uma política firme por parte dos
governos federal, estaduais e municipais no Brasil, de real implantação

440
Jornal Mulherio. 1981-1988, São Paulo; Jornal Nós Mulheres. 1976-1978), São Paulo; Jornal Brasil Mulher
(18 volumes). 1975-1979, Paraná.
441
OLIVEIRA, Fátima. O recorte racial/étnico e a saúde reprodutiva: mulheres negras. In: GIFFIN, Karen &
COSTA, Sarah H. Questões da saúde reprodutiva. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, p. 419-439, 1999. Segundo
Fátima Oliveira, além da variável raça/etnia, outras variáveis como classe e sexo/gênero são fundamentais para
compreender o processo saúde/doença da população, pois essas variáveis têm repercussões importantes na
manutenção da saúde e no aparecimento de doenças.
442
Cadernos Geledés 1, op.cit.,p.23; CEBRAP. Alcances e limites da predisposição biológica. Cadernos de
Pesquisa Cebrap nº 2, julho 1994.
443
ROLAND, Edna. A saúde da mulher negra no Brasil. Cadernos Geledés 1, op.cit.,p.5-14.
444
Além dos Cadernos Geledés 1 e 2, foram publicados mais dois Cadernos: Cadernos Geledés 3- Não à Pena de
Morte, 1992 e Cadernos Geledés 4 - Mulher Negra, 1993. Detive-me aos dois primeiros porque foram os que
trataram diretamente sobre a saúde da mulher negra e a questão da esterilização cirúrgica.
119

do PAISM em todo o território nacional; mudanças no papel da mulher


decorrentes do processo de urbanização do país; falha dos métodos
contraceptivos reversíveis existentes, muitas vezes por uso inadequado
decorrente da falta de orientação à mulher, que resultam em gravidez
indesejada e colocam a mulher num terrível dilema devido à
clandestinidade do aborto no Brasil; existência de um clima cultural,
principalmente nas grandes cidades, que considera “anormal” uma prole
grande e a laqueadura como destino “natural” a que todas as mulheres
deverão chegar inevitavelmente; tecnização cada vez maior da medicina,
que difunde na sociedade uma desvalorização dos processos naturais da
vida e da reprodução, bem como dos métodos contraceptivos mais
simples, e privilegia interferências tecnológicas, ocultando os riscos e
seqüelas produzidas. (Cadernos Geledés 2, 1991, p.13).

Na década de 1990, momento em que o documento foi produzido, ainda era forte a idéia
de que havia interesse internacional, em especial dos Estados Unidos, de controlar a natalidade
de populações de países menos desenvolvidos. As ativistas negras afirmaram não haver na
época a disseminação de informações e oferta de variados métodos contraceptivos pelos
serviços de saúde, além da cirurgia de esterilização, que possibilitassem às mulheres escolher
conscientemente de que forma vivenciariam a sua sexualidade e sua saúde reprodutiva no país.
As militantes negras ainda reivindicaram do Estado brasileiro medidas eficazes para que o
PAISM - que aparecia no período como o contraponto das políticas de controle da natalidade -
fosse devidamente implantado em todo o Brasil.
As participantes do Programa de Saúde Geledés também enfatizaram nesse segundo
volume dos Cadernos Geledés, a necessidade de criação de uma lei específica com vista a
regularizar a prática da esterilização cirúrgica no Brasil.445
No ano de 1993, o Programa de Saúde Geledés – sob liderança da coordenadora do
Programa de Saúde no período, Edna Roland – realizou um evento nacional destinado a
discutir e desenvolver ações voltadas à saúde reprodutiva das mulheres negras no Brasil. O

445
Algumas propostas de lei a semelhança desse haviam sido apresentadas por parlamentares desde o fim da
década de 1980. O primeiro projeto de lei sobre a normatização da esterilização foi de autoria do deputado
Nelson Seixas em 1988. O projeto de Lei nº 1.167/88 estabelecia, entre outros aspectos, a legalização da
esterilização feminina a partir dos 21 anos de idade, sem nenhuma restrição. No ano de 1991, os deputados
Eduardo Jorge (PT/SP), Benedita da Silva (PT/RJ), Jandira Feghali (PCdoB/RJ), Maria Luisa Fontenelle
(PSDB/CE), Sandra Satrling (PT/MG), Luci Choinaski (PT/SC) e Socorro Gomes (PCdoB/PA), propuseram um
novo projeto: a Lei n° 289/91445. Nesse segundo projeto, a idade mínima para a prática da esterilização cirúrgica
foi estendida para 30 anos de idade. Não se chegou a um consenso acerca desses dois projetos e ambos foram
arquivados pela Câmara dos Deputados. Cadernos Geledés 2, op.cit.,p.7.
120

“Seminário Nacional Políticas e Direitos Reprodutivos das Mulheres Negras”, foi realizado
entre os dias 20 e 22 de agosto de 1993, na cidade de Itapecerica da Serra/SP. Reuniu
organizações como o Movimento Negro Unificado de Salvador, Criola, Cebrap, NEPO, SOF
– Sempreviva Organização e Feminista, entre outras446. De acordo com as organizadoras do
evento, o Seminário foi idealizado com a seguinte intenção:

Para estimular a participação das mulheres negras no processo que


antecedeu a Conferência Internacional do Cairo, organizamos o Seminário
Nacional Políticas e Direitos Reprodutivos das Mulheres Negras (...) Pela
primeira vez no Brasil, as mulheres negras pertencentes às mais diversas
organizações reuniram-se para definir a sua visão em relação às questões
de população e direitos reprodutivos. (Declaração de Itapecerica da Serra,
1993, p.1).

O Seminário de Itapecerica da Serra foi realizado em meio ao processo preparatório das


mulheres negras brasileiras à Conferência Internacional de População no Cairo (1994) e gerou
a “Declaração de Itapecerica da Serra”. A Declaração foi elaborada pelo Programa de Saúde do
Geledés e contou com o apoio financeiro de agências internacionais como a Fundação
MacArthur e a IWHC (International Women´s Health Coalition)447. No documento, as
“feministas negras” evidenciaram suas posições acerca das políticas de saúde reprodutiva que
vigoravam no Brasil desde a década de 1960:

Partimos da constatação básica de que as políticas populacionais - quer


sejam explícitas ou não – vêm colocando como meta o controle dos
nascimentos das populações não - brancas e pobres; A posição racista e
patriarcal dos neomalthusianos que encaram o crescimento populacional
como responsável pela miséria, fome e desequilíbrio ambiental foi
desmascarada pela evidência da manutenção de condições sub-humanas de
vida em nosso país, apesar da queda da fecundidade ocorrida na última
década [1980]; Os reflexos da esterilização em massa de mulheres negras
no país já se fazem sentir na redução do percentual da população negra
nesta década [1990], em comparação com a década anterior; o rápido
aumento do número de casos de AIDS em mulheres negras é
extremamente preocupante e demonstra a ausência de controle das
mulheres negras sobre a sua própria capacidade reprodutiva e sua

446
GELEDÉS – INSTITUTO DA MULHER NEGRA. Declaração de Itapecerica da Serra das Mulheres Negras
Brasileiras. Negra, 1993, p.1. Acervo da Ong Criola/Rio de Janeiro.
447
Declaração de Itapecerica da Serra, op.cit., p.2.
121

sexualidade; liberdade reprodutiva é essencial para as etnias discriminadas.


Portanto, precisamos lutar para que a reprodução possa ser decidida no
mundo do privado, cabendo ao Estado garantir os direitos reprodutivos e
assegurar condições para a manutenção da vida. (Declaração de Itapecerica
da Serra, 1993, p.2-3).

O quadro apresentado acima condensa grande parte das discussões promovidas pelas
mulheres nas Conferências Internacionais realizadas pela ONU durante a década de 1990,
como vimos no primeiro tópico deste capítulo. Nesse sentido, as ativistas negras, através
dessa declaração apresentaram temáticas condizentes ao contexto do período, como por
exemplo, a crítica ao discurso neomalthusiano que considera o aumento populacional
responsável pelo subdesenvolvimento e pelo desequilíbrio ecológico. As militantes negras
ainda reiteraram que a prática da esterilização cirúrgica estaria sendo realizada com o intuito
de controlar a natalidade das populações não brancas e também mencionaram a questão da
liberdade individual, enfatizando que os direitos reprodutivos devem ser decididos pelas
mulheres na esfera privada, sendo competência do Estado a obrigação de assegurar às
mulheres o pleno exercício desses direitos.
No fim da “Declaração de Itapecerica da Serra’, as ativistas negras apresentaram as
propostas que visavam à ampliação das ações relativas à saúde reprodutiva das mulheres
negras no Brasil:

Garantia dos direitos reprodutivos; implementação de programas de


abastecimento, de saúde e saneamento básico; implementação do
PAISM; implementação no sistema público de saúde de procedimentos
para detectar nos primeiros anos de vida a anemia falciforme; liberdade
reprodutiva para as etnias discriminadas, cabendo ao Estado garantir as
condições necessárias para que os brasileiros, as mulheres, e em
particular as mulheres negras brasileiras, possam exercer a sua
sexualidade e os seus direitos reprodutivos, controlando sua própria
fecundidade, para ter ou não ter os filhos que desejam, garantindo o
acesso a serviços de saúde, de boa qualidade, de atenção à gravidez, ao
parto e ao aborto. (Declaração de Itapecerica da Serra, 1993, p.2).
122

Essas propostas embasaram o plano de ação das ativistas negras que participaram da
Conferência Internacional de População no Cairo em 1994, ou seja, um ano depois da
divulgação da “Declaração de Itapecerica da Serra”.

3.6. A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito de 1993 e a investigação sobre a


esterilização em massa de mulheres no Brasil

A polêmica em torno da prática da esterilização cirúrgica no Brasil chegou à esfera


parlamentar em 1993448, quando foi criada uma CPMI destinada a investigar a incidência da
esterilização em massa de mulheres no Brasil449.
Realizada no Congresso Nacional, a CPMI, foi presidida pela então deputada Benedita
da Silva. 450 A importante militante negra propôs a realização da CPMI, entre outros motivos,
em função das críticas que recebeu, de uma parte do movimento negro451, devido a sua
participação na criação do Projeto de Lei nº 289/91, que visava regularizar a prática da
esterilização cirúrgica no país. Como nos relata Edna Roland:

Setores do movimento negro, principalmente no Rio de Janeiro,


questionaram a deputada Benedita da Silva, considerando que a
esterilização se constituía num instrumento de genocídio do povo negro.
Para enfrentar a pressão política sofrida, a deputada apresentou em 20 de
novembro (Dia Nacional da Consciência Negra) de 1991, justamente com
o senador Eduardo Suplicy, um requerimento propondo a constituição de
uma comissão parlamentar mista de inquérito destinada a investigar a

448
A CPMI foi requerida em novembro de 1991, no entanto só apresentou seu relatório final em 1993. Por esse
fato, na dissertação utilizo o marco de 1993 para me referir a CPMI.
449
De acordo com o pesquisador Délcio Sobrinho, o governo federal já tinha criado anteriormente duas CPIs com
o intuito de verificar a prática da esterilização cirúrgica no país, uma em 1967 e a outra em 1983. Entretanto, as
duas CPIs não tiveram êxito, já que a primeira não foi concluída, deixando seus trabalhos e investigações pela
metade, enquanto que a segunda produziu ao final das investigações um relatório fraudulento, copiado quase que
literalmente de um documento da BEMFAM. Sobrinho, op.cit.,p.109-173.
450
BRASIL. Congresso Nacional. Comissão Parlamentar Mista de Inquérito destinada a examinar a incidência
de esterilização em massa nas mulheres no Brasil. Presidente: Benedita da Silva. Relator: Senador Carlos
Patrocínio. Brasília, 1993.
451
Como já apresentei no capítulo 2, alguns militantes negros, em especial os homens, eram totalmente contrários
a qualquer tentativa de regularizar a prática da esterilização cirúrgica no Brasil, pois entendiam que a
esterilização era responsável pelo genocídio do povo negro.
123

incidência de esterilização em massa de mulheres no Brasil. (Roland,


2001, p.20).

As militantes negras tiveram importante papel na criação da CPMI. Luiza Bairros, que
liderava o Movimento Negro Unificado da Bahia na década de 1990 reuniu informações e
documentos452 e os enviou a Benedita da Silva, com o intuito de apurar as alegadas denúncias
de que as mulheres negras eram mais esterilizadas do que as brancas, principalmente durante
a década de 1980. Benedita por sua vez, entregou ao Congresso Nacional os documentos
enviados por Bairros e conseguiu a aprovação da CPMI453.
A CPMI foi criada através do requerimento nº 769/91 com o objetivo central de examinar
a incidência da esterilização em massa de mulheres no Brasil, na medida em que dados oficiais
revelaram que a esterilização cirúrgica era o método contraceptivo mais utilizado entre as
mulheres brasileiras casadas ou unidas454.
Um dos itens do requerimento nº 769/91 discorria acerca da prática da esterilização com
foco na população negra: “A maioria da população feminina que se submete à essa prática é
negra, o que revela o caráter racista da esterilização”455. Com a inclusão desse item, a CPMI
também pretendeu averiguar se a prática da esterilização cirúrgica figurava como um política
eugênica direcionada à população negra no país .
Em relação aos aspectos técnicos da CPMI, ela foi composta por 60 senadores e
deputados, metade titulares e metade suplentes, dos partidos PT, PMDB, PTB, PDT, entre
outros. A comissão foi instalada no dia 27/11/1991 e só concluiu seus trabalhos em 23/11/1992.
A CPMI recebeu documentos advindos prioritariamente de duas organizações civis: a
BEMFAM e o CPAIMC456, que eram, no período, denunciadas por práticas de esterilização457.

452
Documentos enviados por Luiza Bairros foram: dados da PNAD de 1986 acerca da esterilização de mulheres
no Maranhão, CEAP. Esterilização – Do controle da natalidade ao genocídio do povo negro! Folheto de
divulgação do Fórum contra a esterilização em massa das mulheres negras. Programa de Mulheres do CEAP,
1990.GELEDÉS. Esterilização: Impunidade ou Regulamentação? Cadernos Geledés 2, 1991.
453
Depoimento de Ana Costa, Fita 2, lado A.
454
Congresso Nacional, op.cit.,p.9.
455
ibid.,p.11.
456
Da Bemfam a CPMI autuou documentos como: Relatório de Atividades relacionadas à esterilização (1987-
1991). Atividades (1987-1991), Acordo de doações e recursos recebidos, Cópia dos convênios com prefeituras e
órgão municipais, estaduais e federais, Pesquisa Nacional sobre Saúde Materno-Infantil e Planejamento Familiar
– PNSMIPF (1986) e livros publicados pela BEMFAM. Do CPAMC a CPMI recebeu projetos e contratos com
instituições internacionais (1987 a 1991), além dos Relatórios de Atividades da instituição (1987-1991). A CPMI
também analisou textos e pesquisas acadêmicas, artigos, documentos governamentais, matérias jornalísticas, etc
457
Congresso Nacional, op.cit.,p.12-27.
124

A CPMI realizou 15 reuniões e 27 entrevistas com representantes dos mais variados setores da
sociedade brasileira, tais como: ativistas do movimento de mulheres organizadas, médicos,
profissionais de saúde, demógrafos, representantes da Igreja Católica, membros do governo
brasileiro e mulheres que sofreram algum caso de esterilização abusiva ou à revelia. As
“feministas negras” que prestaram depoimentos à CPMI foram: Luiza Bairros, Edna Roland e
Jurema Werneck458.
No item denominado: “A esterilização feminina sob o ponto de vista étnico” - que tomou
por base o depoimento de Edna Roland, Jurema Werneck e Luiza Bairros - a CPMI apresentou
um conjunto de informações relativas à prática da esterilização nas mulheres negras:
(...) O Movimento Negro Unificado [da Bahia] denuncia que a
população negra nunca foi quantificada corretamente e que, antes do
último censo, por conquista do movimento negro, a cor é incorporada
como quesito censitário; Entidades do movimento negro nacional,
preocupadas com o resgate da cidadania da raça negra, foram pioneiras
na denúncia de esterilização. Desde 1983 estas entidades vêm advertindo
para o direcionamento das políticas de controle demográfico para os
negros (...) A coordenadora do MNU, Luiza Bairros, afirmou também
que há entre as mulheres negras uma maior evidência de esterilidade
involuntária, oriunda de doenças ginecológicas, que resultam de sua
condição econômica de pobreza e miséria (...) Segundo a depoente, a
manipulação dos dados da PNAD não considera o volume total da
população feminina negra na Bahia. Naquele estado, entre as mulheres
de 15 a 54 anos que usavam algum método contraceptivo, 43% das
mulheres brancas estavam esterilizadas. Entre as negras, este percentual
era de 39%, mas na realidade a população negra é muito maior (...) Para
Jurema Werneck do (CEAP), o próprio IBGE refere que 45% da
população brasileira é negra. Para os movimentos negros, a estimativa
empírica é de que 80% da população brasileira é negra. Sua conclusão é
de que neste contingente está a maioria das mulheres esterilizadas (...)
Hoje em dia prevalece a idéia, que já virou senso comum, de que
famílias pobres, numerosas, é que são os fatores impeditivos para o
desenvolvimento do país (...) Por isso afirma-se que o controle da
natalidade praticado hoje no Brasil, através da esterilização cirúrgica,
visa impedir o crescimento da população pobre, que é majoritariamente
composta por negros. Pode-se do mesmo modo afirmar que a presença
do negro como componente majoritário da população pobre é
decorrência do racismo, responsável por gerar as condições de pobreza
do negro no Brasil (...) Não é pura e simplesmente coincidência quando
entidades do movimento negro nacional afirmam que a maioria das

458
ibid.,p. 28-31.
125

mulheres esterilizadas neste país são negras e pobres. E se não existem


estatísticas oficiais afirmando isso, deve o Congresso contribuir para
pressionar os órgãos competentes a incluir a cor nos levantamentos
estatísticos realizados, de forma mais competente do que a adotada até
hoje (...)
(Congresso Nacional, 1993, 49-51).

Na citação acima, as ativistas afirmaram que o governo brasileiro não promovia


informações quantitativas suficientes sobre a população negra no país e que a militância do
movimento negro foi fundamental para que o quesito cor fosse incorporado no último censo da
década de 1980. As ativistas criticaram ainda as políticas controlistas de caráter neo-
malthusianas que contrapunham o crescimento populacional ao desenvolvimento econômico,
evidenciando que era a população negra, em grande parte pobre, o alvo dessas políticas no
Brasil durante a década de 1980. Pelo documento, pudemos perceber também que as
“feministas negras” indicaram que a prática do racismo contribuía para perpetuar a situação de
pobreza dos negros no país.
No trecho destacado, vemos que a principal questão colocada pelas três “feministas
negras” ouvidas pela CPMI foi a ausência de dados estatísticos confiáveis sobre a prática da
esterilização nas mulheres negras. Essas militantes, embora corroborassem com os dados da
PNAD de 1986 que constataram um maior índice da esterilização cirúrgica no Nordeste,
especialmente no Maranhão, também tinham críticas à maneira como esses dados foram
analisados na pesquisa.459 Na visão das militantes, um exemplo de erro quantitativo da PNAD
de 1986 consistia no fato do documento não ter incluído em suas estatísticas oficiais a
esterilização involuntária, ou seja, àquela relacionada a presença de doenças que interferem
diretamente na saúde reprodutiva da mulher, como os miomas uterinos460. Alguns dos
principais problemas de saúde que acometem as mulheres negras, segundo as militantes do
movimento negro, são: miomas uterinos, hipertensão arterial, diabetes mellitus II e câncer de

459
Congresso Nacional, ,op.cit.,p.92.
460
De acordo com a pesquisadora Vera Cristina de Souza, miomas são tumores benignos provocados pelo amento
da taxa de estrógeno no organismo da mulher. A presença do mioma é verificada majoritariamente no final da
vida reprodutiva. Segundo Souza, há uma incidência maior de miomas entre as mulheres negras de baixa renda
quando comparadas às brancas da mesma classe social. Além desse fato, outros fatores devem ser levados em
consideração, tais como: a baixa freqüência aos serviços de saúde por falta de tempo hábil agrava a doença entre
as mulheres negras; as condições econômicas e sociais influem na saúde das mulheres negras; as mulheres negras
apresentam o tipo mais grave dos miomas, o que pode provocar a sua esterilidade; as mulheres negras apresentam
uma “predisposição biológica” em contrair os miomas e devido a esse fato os profissionais de saúde deveriam
considerar tal doença como uma “doença étnico-racial”, segundo Souza. Souza, op.cit.,p.75-81.
126

colo de útero. Tais enfermidades estão diretamente ligadas à saúde sexual e reprodutiva,
podendo provocar danos irreversíveis na fecundidade e reprodução da mulher negra, como a
esterilização involuntária461. Assim, se dados relativos à esterilização involuntária fossem
incorporados à PNAD de 1986, o número de mulheres negras esterilizadas aumentaria na visão
das “feministas negras”.
Além das “feministas negras”, Luiza Bairros, Edna Roland e Jurema Werneck, a CPMI
também entrevistou representantes do movimento de mulheres organizados do período.
Prestou ainda depoimentos professores acadêmicos, representantes da Igreja Católica e da
OAB, políticos, além de médicos e pesquisadores especializados na questão demográfica e
populacional no país.
A feminista Sara Romero Sorrentino afirmou em seu depoimento que a laqueadura ocorria
no país devido à desinformação e a dificuldade de acesso a outros métodos contraceptivos.
Colocou ainda que uma clínica da cidade de São José dos Campos realizava laqueaduras com
fins eleitoreiros462.
A ex-deputada estadual pelo PT Brice Bragatto evidenciou que as esterilizações cirúrgicas
estavam sendo realizadas em mulheres jovens e que muitas dessas se arrependiam da cirurgia
com o passar do tempo. Bragatto ainda denunciou empresas que exigiam no período atestado
de laqueaduras para admitir funcionárias463. A jornalista Rosiska Darci de Oliveira,
corroborou os pontos defendidos por Bragatto e também criticou o fato da esterilização
cirúrgica ter sido utilizada como um mecanismo de controle da natalidade da população
brasileira, direcionada em especial aos pobres464.
A socióloga Maria Betânia Ávila ressaltou em seu depoimento os direitos reprodutivos e
sexuais das mulheres e reivindicou o desenvolvimento de uma política de saúde integral às
mulheres no país465. Lúcia Souto, ex-deputada estadual pelo PCB e PPS, criticou o alto
número de esterilizações no Brasil e ainda denunciou o caso da arquiteta carioca, Sônia
Beltrão, que foi esterilizada involuntariamente na maternidade da Praça XV466.

461
CRIOLA. Boletim Toques Criola, ano 4, nº 15, 2001. Periódico da Ong Criola/RJ; Oliveira, op.cit.,p.427;
Souza, op.cit.,p. 65.
462
Congresso Nacional, op.cit.,p.66-67.
463
ibid.,p.67-71.
464
ibid, p.113-115.
465
ibid.,p.82-85.
466
ibid.,p.71-74.
127

A ex-deputada estadual pelo PCdoB Denise Carvalho relatou a existência de um


documento produzido pelo governo norte-americano durante a década de 1970, intitulado
“NSSM 200”, que sugeria o controle da natalidade em vários países, inclusive o Brasil.
Carvalho ainda denunciou os médicos José Hidosi, Elsimar Coutinho e Hélio Aguinaga como
os maiores defensores do controle da natalidade e da esterilização cirúrgica no Brasil. Denise
Carvalho, que investigou a prática da esterilização cirúrgica sobre as mulheres em Goiás,
afirmou que não encontrou dados acerca da etnia/raça nos serviços de saúde da prefeitura de
Goiás que realizavam cirurgias de esterilização467.
Assessor Legislativo do Senado na época da CPMI, Humberto Leal Vieira afirmou que a
IPPF, agência norte-americana empreendeu políticas controlistas no país. O então presidente
da Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia de Brasília, Etelvino Trindade, corroborou com
Humberto Leal ao colocar que os EUA patrocionou as ações de centros de planejamento
familiar no país, como CPAIMC no Rio de Janeiro.468
Aníbal Faúndes, professor e pesquisador da Unicamp defendeu a implementação do
PAISM no país, o que melhoraria o nível de informação das mulheres a respeito dos métodos
contraceptivos no país469. Assim como Faúndes, Roney Ribeiro na época secretário de Saúde
do Estado de Goiás, abordou ao importância do PAISM, lamentando o fato do programa ter
sido abandonado no estado470.
O médico, professor da Unicamp e ex-secretário de saúde do estado de São Paulo, José
Aristodemo Pinotti, entre outras coisas, se contrapôs à visão das “feministas negras”, quando
afirmou que as mulheres negras não eram mais esterilizadas do que as brancas no Brasil nas
décadas de 1980 e 1990. A explicação para esse fato segundo o médico estaria na
impossibilidade das mulheres negras pagarem por fora a cirurgia de esterilização471.
Dom Luciano Mendes, presidente da Conferência Nacional dos Bispos no Brasil, falou que
o controle da natalidade poderia ser realizado desde que praticado com limites e privilegiando
métodos naturais. Mendes ainda criticou a prática do aborto e colocou que os membros da

467
ibid.,p.74-77.
468
ibid.,p.76-78.
469
ibid.,p.81-82.
470
ibid.,p.91-92.
471
ibid.,p.89-91.
128

CPMI deveriam investigar com cautela àqueles que promoviam a esterilização cirúrgica no
Brasil472.
O médico Eurípedes Carvalho reivindicou a implementação do PAISM e a legalização da
laqueadura com critérios e normas bem definidos. Na mesma perspectiva de Carvalho, seguia
o então presidente da OAB, pois o mesmo também reivindicava a legalização da esterilização
cirúrgica no Brasil.473
A então Secretária Executiva da BEMFAM, Carmem Calheiros Gomes, expôs que a
BEMFAM era um órgão de planejamento familiar e que a esterilização nunca foi uma
prioridade da instituição. Além disso, evidenciou que a BEMFAM não defendia políticas
eugenistas no país474. Por sua vez, o médico e ex-vereador de Goiânia José Hidasi, negou
várias acusações que recebeu, dentre elas: esterilizar mulheres pobres, receber pagamentos
pela esterilização e realizar a esterilização em troca de votos475.
O Ministro da Saúde na época, Adib Jatene ressaltou a importância do PAISM e não se
declarou contrário à prática da esterilização cirúrgica. Todavia, ratificou que o Ministério não
iria adotar tal prática como método contraceptivo476. O médico Antônio Henrique Pedrosa
Neto e o então embaixador e Ministro das Relações Exteriores, Luís Felipe de Seixas Corrêa,
se mostraram favoráveis a regulamentação da prática da esterilização cirúrgica no país477.
A arquiteta Sônia Beltrão concedeu um depoimento denúncia à CPMI. Beltrão contou que
ao se submeter a uma cesárea na Maternidade Praça XV em 1985, no Rio de Janeiro, foi
esterilizada sem o seu consentimento. Beltrão afirmou que não apresentava qualquer problema
de saúde que justificasse a prática. A arquiteta relatou que uma outra paciente do hospital,
Jerusa Paes da Silva, também tinha sido esterilizada à sua revelia. Segundo Beltrão, a única
coisa que tinha em comum com Jerusa era a quantidade de filhos. Por reivindicação de
Beltrão, o hospital instalou um processo contra o médico que tinha realizado a cirurgia,
Dionísio Cavaleiro de Andrade. Ao fim do processo a pena estipulada à Dionísio foi a
suspensão de seu exercício médico por um mês478.

472
ibid.,p.94-96
473
ibid.,p. 100-103.
474
ibid.,p.103-104.
475
ibid.,p.104-105.
476
ibid.,p.106-107.
477
ibid.,p.107-110.
478
ibid.,p.110-113.
129

O médico Hélio Aguinaga, que dirigia o Centro de Pesquisa e Atendimento Integral à


Mulher e à Criança (CPAIMC) no Rio de Janeiro, reconheceu que o Centro doou
equipamentos para que a prática da esterilização fosse realizada de forma ética, na rede
pública. Entretanto, negou as acusações de que o CPAIMC tivesse realizado 13 mil
laqueaduras em quatro anos, afirmando que essas 13 mil laqueaduras foram feitas ao longo de
22 anos479.
O médico Elsimar Coutinho foi convocado a depor para explicar as políticas que
realizava através do Centro de Pesquisas e Assistência em Reprodução Humana (CEPARH),
durante as décadas de 1980 e 1990. Em seu depoimento, Coutinho manifestou ser favorável ao
controle da natalidade da população brasileira, mas apontava que tal prática deveria ser
realizada através da conscientização da população, ou seja, através do planejamento familiar. O
médico baiano repudiou as acusações de que o seu Centro de pesquisas, realizou na década de
1980, testes ilícitos, campanhas racistas e um alto número de esterilizações cirúrgicas. 480
O médico Délcio da Fonseca Sobrinho sintetizou na CPMI as conclusões de sua tese de
doutorado, em que analisou as fases que marcaram o planejamento familiar no Brasil.
Sobrinho ainda afirmou que o governo norte-americano auxiliou à construção de centros e
postos de saúde voltados à medicina simplificada no Brasil481.
A demógrafa Elza Berquó, observou o aumento das esterilizações cirúrgicas nas mulheres
a partir de meados da década de 1980, enfatizando que o médico Hélio Aguinaga seria um dos
maiores incentivadores da esterilização no país. Berquó se manifestou a favor da prática da
esterilização cirúrgica, desde que ela fosse feita de maneira correta e controlada482.
Percebe-se que depoentes ouvidos pela CPMI apresentaram questões importantes e que
vinham sendo debatidas no cenário brasileiro desde os anos de 1980 como: incentivo de
agências controlistas norte-americanas nas políticas de planejamento familiar no país,
desinformação da população acerca da prática e das conseqüências da esterilização cirúrgica
no Brasil, falta de oferta na rede pública de variados métodos contraceptivos, crítica ao fato do
governo não ter implantado integralmente o PAISM no plano nacional, denúncia de que a
esterilização cirúrgica era direcionada à população pobre e necessidade de criação de uma lei

479
ibid.,p.97-98.
480
Congresso Nacional, op.cit.,p.96-97
481
ibid.,p.79-80.
482
ibid.,p.80-81.
130

específica em vista da regularização da esterilização no país. O depoimento da arquiteta Sônia


Beltrão, inclusive, levantou uma questão discutida pelas feministas desde a década de 1970: a
falta de liberdade reprodutiva das mulheres, na medida em que foi esterilizada sem ter tido a
opção de decidir se queria ou não a cirurgia.
Outros depoentes como Elsimar Coutinho, Hélio Aguinaga, José Hidasi e Carmem
Calheiros Gomes, negaram acusações que receberam, sobretudo de que apoiavam a
esterilização em massa das mulheres no país, de que as entidades em que atuavam
compactuavam com agências controlistas norte-americanas promovendo políticas eugenistas
direcionadas aos pobres utilizando a esterilização para fins eleitoreiros.
É importante destacar ainda que a deputada Denise Carvalho e o médico José Aristodemo
Pinotti abordaram a dimensão étnica-racial na prática da esterilização cirúrgica no país. Seus
depoimentos apareceram como um contraponto à posição defendida pelas “feministas negras”
ouvidas pela CPMI. Carvalho afirmou não ter registrado diferenciais baseados na etnia,
quando apurou a prática da esterilização em mulheres goianas. Pinotti, que na época atuava
como professor e pesquisador da Unicamp, colocou que as mulheres negras não eram mais
esterilizadas do que as brancas no Brasil no período. Os demais depoentes - inclusive Elza
Berquó que produziu, durante a década de 1980 pesquisas sobre a demografia da população
negra no país - não fizeram qualquer correlação entre a esterilização cirúrgica e a população
negra no Brasil, o que indica que não percebiam um viés de racismo na prática da esterilização
naquele período no Brasil.
As questões apresentadas pelos depoentes fundamentaram as seguintes conclusões
apresentadas no relatório final da CPMI: não havia uma política voltada à saúde da mulher no
Brasil; existia interesse internacional na implementação do controle demográfico; as agências
controlistas internacionais forneciam recursos financeiros à BEMFAM e ao CPAIMC; havia
omissão por parte do Estado que não definia critérios à prática das esterilizações no Brasil e
tampouco apurava o fato de algumas empresas exigirem o atestado de laqueadura para
admitir uma empregada; em alguns casos a esterilização tinha uso eleitoreiro e houve uma
disseminação sem limites dessa prática contraceptiva no país483.

483
Congresso Nacional, op.cit, p.116-118.
131

Em relação às denúncias apresentadas pelas militantes negras, de que a população negra


foi alvo de esterilizações cirúrgicas, em especial na década de 1980, a CPMI chegou a
seguinte conclusão:

A maior incidência de esterilização em mulheres da raça negra foi


denunciada pelo movimento negro, como um aspecto do racismo praticado
no Brasil. Os dados levantados pelo IBGE, na PNAD de 1986, não
confirmam a denúncia, mas é fato notório a dificuldade de se apurar com
precisão a informação relativa à cor da pele dos brasileiros. (Congresso
Nacional, 1993, p.117, grifos meus).

Como se percebe, os membros da CPMI após analisarem a documentação e os 27


depoimentos, não encontraram subsídios suficientes que atestassem a existência de políticas
oficiais de controle populacional racialistas direcionadas à população negra no país. Nesse
sentido, a CPMI não confirmou a tese defendida pelo movimento negro e pelas “feministas
negras” de que a esterilização cirúrgica foi direcionada às mulheres negras na década de 1980,
com o objetivo de controlar a natalidade desse grupo populacional no Brasil. Por outro lado, os
membros da CPMI concordaram com o fato de que não havia até aquele período, estatísticas
oficiais satisfatórias que desagregassem por cor/etnia os aspectos relacionados à saúde da
população brasileira.
Ressalto que a CPMI de 1993 representou um marco no que diz respeito às lutas em prol
dos direitos e saúde reprodutiva das mulheres no país, pois promoveu uma discussão política a
nível nacional acerca dos aspectos que envolviam a prática da esterilização cirúrgica nas
brasileiras. Representantes de diversos setores da sociedade, envolvidos com a temática,
apresentaram seus pontos de vista, reivindicando medidas eficazes do Estado que
normatizassem a prática da esterilização cirúrgica no país.
Avalio ainda que a CPMI de 1993 foi importante para o movimento das mulheres negras
porque promoveu, em âmbito político governamental, investigações com intuito de apurar as
denúncias levantadas por ativistas de que as mulheres negras estavam sendo esterilizadas com
o objetivo de controlar o crescimento dos negros no país.
As discussões promovidas pela CPMI levaram a proposta de criação de um projeto de lei
específico para normatizar e conter o uso abusivo da esterilização cirúrgica no Brasil. Este
projeto foi o modelo da Lei de Planejamento Familiar nº 9263, criada em janeiro de 1996,
132

durante o governo de Fernando Henrique Cardoso484. Esta lei regulamentou a prática da


esterilização cirúrgica no país, que só poderia ser realizada da seguinte forma: mulheres com
idade mínima de 25 anos ou que tivessem no mínimo dois filhos485.

3.7. Polêmicas em torno da esterilização cirúrgica nas mulheres negras

Como vimos anteriormente, a pesquisadora Elza Berquó do Núcleo de Estudos de


População (NEPO), foi pioneira em estudos e pesquisas acerca da saúde reprodutiva da mulher
negra no Brasil. Em 1994, Berquó publicou um artigo – baseado nos resultados da pesquisa
Saúde Reprodutiva da Mulher Negra patrocinada pelo CEBRAP486 em 1992 - na qual discorre
acerca das possíveis diferenças estatísticas na prática da esterilização cirúrgica entre mulheres
brancas e negras durante as décadas de 1980 e 1990 Brasil487. Para embasar seu trabalho, a
pesquisadora analisou 1026 mulheres entre 15 e 50 anos, metade negra (pretas + pardas) e
metade branca no estado de São Paulo488. Logo de início, Berquó aponta que um fator que
agrava de forma significativa a saúde reprodutiva das mulheres é sua condição social, visto
que as mulheres mais pobres acabam não usufruindo um serviço de saúde de qualidade489.
Ao final de sua pesquisa, Berquó concluiu não haver, no estado de São Paulo na
época, diferenciais entre a prática da esterilização cirúrgica nas mulheres brancas e negras:

(...) Concentramos nossa atenção na esterilização. Neste sentido, é


importante notar que não encontramos diferenças significativas entre
negras e brancas, mesmo quando se controla esta prática por nível de
escolaridade e renda mensal per capita. (Berquó, 1994, p.23, grifos meus).

484
Depoimento de Ana Maria Costa, op.cit., fita 2; Congresso Nacional, op.cit., p.122-125.
485
A Lei 9263, de 1996, também estabeleceu uma série de punições àqueles que realizassem a esterilização de
forma irregular, tais como: reclusão, de dois a oito anos, e multa, se a prática não constituísse crime mais
grave485.BRASIL. Ministério da Saúde. Lei nº 9263 de 12 de janeiro de 1996, que dispõe acerca da prática da
esterilização cirúrgica no país.
486
Centro Brasileiro de Análise e Planejamento/SP.
487
BERQUÓ, Elza. Esterilização e Raça em São Paulo. Revista brasileira de Estudos Populacionais. Campinas,
v.11, n.1, p. 19-26, 1994.
488
ibid.,p.21.
489
Berquó, op.cit.,p.19.
133

Saliento que esta pesquisa de Berquó, realizada no ano de 1994, reiterou a sua posição
na CPMI de esterilização de 1993. Como vimos, naquela ocasião, Berquó não citou em seu
depoimento a questão étnica ou racial, demonstrando que, em sua visão, não havia uma maior
incidência da esterilização cirúrgica sobre as mulheres negras na época.
O professor da PUC-MG André Caetano Junqueira pesquisou a relação entre a prática da
esterilização no Brasil tomando como variável privilegiada a cor da pele. Em contraposição a
pesquisadora Elza Berquó, Caetano apresentou diferenciais nas distintas categorias da variável
cor/raça sobre o risco da esterilização490. Junqueira analisou, sobretudo, o 4º capítulo da
Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde relativo à anticoncepção no Brasil na década de
1990.
O principal fato constatado por Caetano foi que as desvantagens sócio-econômicas das
mulheres pretas e pardas refletem-se diretamente na saúde das mesmas. Como a maior parte
das mulheres pretas e pardas dependem dos serviços públicos de saúde - onde a oferta de
métodos contraceptivos é precária – grande parte dessas mulheres acabam sendo, mesmo que
involuntariamente, induzidas a realizar a esterilização cirúrgica durante o parto cesáreo:

(...) A inexistência de um serviço efetivo voltado para a saúde da mulher


(...) engendrou fenômenos desordenados e imprevisíveis, tais como a
difusão da esterilização (...) essa situação afetou principalmente aquelas
mulheres que têm possibilidades pobres de conhecer, optar e obter o
método de preferência (...) se é esse o caso, as mulheres negras [pretas e
pardas] sempre foram as mais vulneráveis (Caetano, 2004, p.236).

Caetano, assim como Berquó, afirmou que a condição social repercute sobre a saúde
das mulheres. Entretanto, diferentemente de Berquó, o autor enfatizou que devido as piores
condições sócio-econômicas das mulheres pretas e pardas em relação as brancas, as primeiras
eram mais atingidas pelos efeitos negativos da prática desregrada da esterilização cirúrgica no
Brasil.

490
CAETANO, A.J. A Relação entre Cor da Pele/Raça e Esterilização no Brasil: análise dos dados da pesquisa
nacional sobre demografia e saúde – 1996. In: MONTEIRO, Simone.; Sansone, Lívio. (orgs.) Etnicidade na
América Latina: um debate sobre raça, saúde e direitos reprodutivos. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz. 2004, p. 229-
40. Este estudo de Caetano foi baseado em sua tese de doutorado em sociologia, com ênfase em demografia,
intitulada “Sterilization for Votes in the Brazilian Northest: the case of Pernambuco”, apresentada a University of
Texas at Austin, UT, Estados Unidos.
134

Em 1996, o IBGE e a BEMFAM divulgaram a Pesquisa Nacional Sobre Demografia e


Saúde491. Os números da PNDS, em especial os relativos aos métodos contraceptivos mais
utilizados pelas mulheres no período, não diferiram muito daqueles apresentados pela PNAD
de 1986. Os dados em comum eram, sobretudo, os seguintes: mulheres brasileiras unidas ou
casadas tinham largo conhecimento e faziam uso dos métodos contraceptivos existentes no
Brasil no período; a maior parte das mulheres esterilizadas estavam na faixa dos 35 a 49 anos;
as regiões Nordeste e Centro-Oeste apresentavam os maiores índices de esterilização e a
esterilização cirúrgica geralmente era praticada no momento do parto cesáreo492. A PNDS, de
1996 demonstrou um relativo aumento, entre os anos de 1986 a 1996, do uso de métodos
contraceptivos e da prática da esterilização cirúrgica na região Nordeste:

Ao comparar a prevalência do uso de métodos entre mulheres unidas com


os resultados da pesquisa de 86 [PNAD], observa-se que na região
Nordeste, a prevalência de uso passou de 53% para 68%, com incremento
da esterilização de 25% para 44%. O menor incremento verificou-se em
São Paulo, tanto em nível de taxa total de uso de métodos, quanto de uso
da esterilização. Embora já tenha sido constatada a tendência nacional de
aumento da prática anticoncepcional, a proporção mencionada para o
Nordeste revela que este aumento teria sido ocasionado justamente pelas
regiões com maior potencial de aumento. (BEMFAM & IBGE, 1996, p.9).

Os dados trazidos pela PNDS de 1996 - desagregados por cor/raça - acerca dos métodos
contraceptivos e da prática da esterilização cirúrgica, incentivaram a realização de outras
pesquisas acerca das relações entre raça/cor e a saúde reprodutiva feminina. Exemplos desses
trabalhos são a própria pesquisa de André Caetano Junqueira “A relação entre cor da pele/raça
e esterilização no Brasil: uma análise dos dados da Pesquisa Nacional sobre Demografia e
Saúde (PNDS)” (1996), o trabalho de Ignez Helena Oliva Perpétuo “Raça e acesso às ações
prioritárias na agenda da saúde reprodutiva” (2000)493 e o estudo da socióloga Alessandra

491
BEMFAM & IBGE. Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde – Brasil, 1996.
492
BEMFAM & IBGE, op.cit.,p. 48-60.
493
PERPÉTUO, Ignez H.O. Raça e acesso às ações prioritárias na agenda da saúde reprodutiva. Jornal da Rede
Saúde, nº 22, p.10-16, 2000. Neste trabalho, a autora analisou os diferenciais entre as mulheres brancas e negras
acerca do seu risco reprodutivo e seu acesso aos serviços de saúde. Perpétuo ainda investigou os efeitos da
discriminação racial nos serviços de saúde.
135

Sampaio Chacham “A medicalização do corpo feminino e a incidência do parto cesáreo em


Belo Horizonte494” (1990)495.
Durante a década de 1990, as ações em prol da saúde reprodutiva da mulher negra se
ampliam no país, por meio do aprofundamento no cenário nacional de debates acerca de
doenças que incidem diretamente sobre a saúde reprodutiva das mulheres negras, tais como:
Aids, aborto, hipertensão arterial, anemia falciforme, miomatoses, etc496.
Vimos que a CPMI de 1993 proporcionou visibilidade às questões ligadas a saúde
reprodutiva das mulheres negras. É importante também lembrar que no processo preparatório
das “feministas negras” brasileiras à Conferência Internacional de População no Cairo
(1994), a questão da saúde e liberdade reprodutiva das mulheres negras ocupou posição
central.497
Na Marcha Zumbi dos Palmares contra o Racismo, pela Cidadania e pela vida, realizada
em Brasília no ano de 1995, lideranças do movimento negro – entre as quais “feministas
negras” - entregaram ao então presidente, Fernando Henrique Cardoso, o documento “Por
uma política nacional de combate ao racismo e à desigualdade racial”. Neste documento
reivindicou-se a implementação do PAISM e o desenvolvimento de um programa de saúde
reprodutiva voltado à população negra no Brasil498.
No segundo Semestre de 1996 ocorreu em Brasília a “Mesa-Redonda Sobre a Saúde da
População Negra”.499 A agenda política defendida pelos militantes negros nesse evento estava
centrada em questões como: desenvolvimento de mecanismos que permitissem a identificação
de doenças mais prevalentes na população negra, combate ao racismo nos serviços de saúde,

494
CHACHAM, Alessandra. Cesárea e esterilização: condicionantes socioeconômicos, etários e raciais. Jornal
da Rede Saúde, nº 23, março de 2001. Nesta pesquisa, a socióloga analisou dados sobre as relações entre cesárea,
esterilização, faixa etária e raça.
495
Oliveira, op.cit.,p.171.
496
Roland, op.cit.,p.109; Oliveira, op.cit.,p.220-221.
497
Vimos neste capítulo que as ativistas negras do Geledés realizaram o “Seminário Nacional Políticas e Direitos
Reprodutivos das mulheres negras”, com o intuito de se preparar para a Conferência de Cairo em 1994. Geledés,
op.cit. Declaração de Itapecerica da Serra das mulheres Negras Brasileiras.
498
Por uma Política Nacional de Combate ao Racismo e à Desigualdade Racial. Documento da Marcha Zumbi
dos Palmares contra o Racismo, pela Cidadania e pela Vida, Brasília: 20 de novembro de 1995 apud Oliveira,
op.cit.,p.220.
499
BRASIL. Relatório Final da Mesa Redonda sobre Saúde da População Negra no Brasil. 1996. A “Mesa
Redonda sobre Saúde da População Negra no Brasil” gerou o seguinte documento: PNUD; OPAS. Política
Nacional de Saúde da População Negra: uma questão de equidade. Brasília, Pnud, Opas, DFID, 2001. MAIO,
Marcos Chor & MONTEIRO, Simone. Tempos de racialização: o caso da ‘saúde da população negra’ no Brasil.
Rev. História, Ciência, Saúde- Manguinhos. Vol.12, n.2, p.425-427, 2005.
136

produção de conhecimento científico acerca da saúde da população negra no país, capacitação


de profissionais nos serviços de saúde visando a melhoria da qualidade das fontes de
informação que incluem o quesito cor, implementação no SUS de ações de combate à
mortalidade materna, desenvolvimento de políticas em prol da saúde da mulher negra e a
inclusão plena do quesito cor em todos os documentos relativos aos serviços de saúde públicos
do país500.
Vemos que itens levantados nesse evento de 1996 iam ao encontro de questões presentes na
pauta de ações de grupos de mulheres negras, como Criola e Geledés, na medida em que a
agenda dessas duas organizações estava direcionada a ações como: promoção da saúde da
mulher negra, combate à mortalidade materna e capacitação de profissionais visando combater
possíveis práticas racistas nos serviços de saúde.501 Além disso, a introdução da variável cor
nos sistemas de saúde, antes mesmo de 1996, já era uma questão levantada pelas “feministas
negras”, como vimos, através dos depoimentos das ativistas negras Jurema Werneck, Edna
Roland e Luiza Bairros, na CPMI de esterilização cirúrgica.502 Isso demonstra como o
ativismo acumulado pelas militantes negras, desde a década de 1980, sobretudo, em torno da
questão da saúde reprodutiva, refletiu no âmbito da saúde pública nacional no ano de 1996.

500
Pnud & Opas, op.cit.,p.8-12.
501
A organização nacional das mulheres negras e as perspectivas políticas. Cadernos Geledés, nº 4, p.23-29,
1993; http://www.criola.org.br/projetos_difusao.htm; http://www.geledes.org.br/ Acesso em 07/07/2009.
502
Atendendo a reivindicação do movimento negro, o Ministério da Saúde colocou, em março de 1996, que o
quesito cor seria incluído na Declaração de Nascidos Vivos e Declaração de óbitos. Tal medida foi implementada
no país no ano seguinte. Pnud & Opas, op.cit.,p.7.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta dissertação procurou demonstrar que a conformação e o desenvolvimento do


“feminismo negro” no país esteve ligado às discussões e ações que envolveram a questão da
saúde reprodutiva, entre os anos de 1975 e 1996. O ativismo das “feministas negras” foi
caracterizado, a partir da atuação das militantes em dois movimentos sociais brasileiros: o
feminista e o negro. Ao analisar estas relações observei que as discussões promovidas no
interior deles acerca de uma série de temas (violência, mercado de trabalho, política, opressão
de gênero, combate ao racismo, saúde e direito à liberdade reprodutiva e sexual) produziram a
identidade das “feministas negras” no país.
No trabalho investiguei as fases que caracterizaram a história do movimento feminista
no Brasil. Neste sentido, evidenciei que a “primeira onda” do feminismo foi marcada,
sobretudo, pela atuação de mulheres em prol da conquista do voto feminino e de melhores
condições trabalhistas. Enquanto que na “segunda onda feminista” o movimento se ampliou a
partir da atuação de grupos de mulheres em torno de questões como anistia política, saúde,
carestia e violência doméstica.
Vimos que ambos movimentos, a partir da década de 1980, enfrentaram críticas por
parte das ativistas negras, pois estas consideraram que suas especificidades, calcadas nas inter-
relações entre raça e gênero, não eram contempladas. Demonstrei, por sua vez, que tais críticas
contribuíram para que elas se articulassem num grupo próprio: o “feminismo negro”.
138

A partir da década de 1990, o movimento feminista brasileiro se reconfigurou ao ser


representado a partir de ONGs feministas. Expus que na agenda de ONGs como Criola,
Geledés e Fala Preta, a saúde da mulher negra ocupou um lugar privilegiado.
Lideranças do “feminismo negro”, ao lecionarem em universidades, ocuparem cargos
políticos, dirigirem órgãos públicos e atuarem em agências internacionais, conquistaram um
sólido espaço na esfera política nacional para implementar ações a favor da mulher negra. Os
encontros e seminários de mulheres negras, realizados nas décadas de 1980 e 1990 no país,
foram importantes espaços de atuação das “feministas negras” na medida em que as lideranças
do movimento debatiam os principais temas de suas ações, a exemplo do combate ao racismo,
ascensão educacional e profissional, luta contra a violência e promoção de ações de saúde em
prol das mulheres negras. Demonstrei ainda que na trajetória das ativistas negras surgiram
cisões, em virtude principalmente das posições distintas acerca dos meios pelos quais o
movimento de mulheres negras deveria pautar suas ações.
A temática da saúde reprodutiva - que ocupou papel preponderante na agenda das
ativistas negras, como constatamos nesta dissertação – esteve relacionada a outros conceitos
como direitos reprodutivos e direitos sexuais. Vimos que as Conferências Internacionais da
década de 1990, em especial a do Cairo (1994) e a de Beijing (1995) contribuíram na
legitimação desses direitos ligados à vida contraceptiva e sexual das mulheres.
A análise sobre as relações entre as ações das “feministas negras” e a questão da saúde
reprodutiva, exigiu uma apreciação quanto às políticas de planejamento familiar empreendidas
em nível nacional. O cenário que caracterizou as intervenções voltadas ao planejamento
familiar foi permeado por debates entre grupos “pró-natalistas” e “antinatalistas”; influência
de agências controlistas norte-americanas e políticas implementadas por agências da sociedade
civil, como a BEMFAM. A primeira política bem-sucedida do governo brasileiro em relação
139

ao planejamento familiar surge em 1983, através da criação do Programa de Atenção Integral


da Saúde da Mulher (PAISM).
Partindo de pesquisas documentais, investiguei o contexto que caracterizou as
denúncias de que a população negra estaria sendo alvo de políticas controlistas, com viés
racista, durante a década de 1980. O documento “O censo de 1980 no Brasil e no estado de
São Paulo e suas curiosidades e preocupações”, idealizado pelo economista Benedito Pio da
Silva, durante o governo Maluf em 1982, embasou as denúncias das militantes negras. Anos
mais tarde, em 1986, as campanhas do médico baiano Elsimar Coutinho, que conferia um
caráter negativo à reprodução dos negros, trouxeram mais subsídios às suspeitas levantadas
pelas militantes.
No mesmo período, os dados fornecidos pela PNAD de 1986, a respeito dos métodos
contraceptivos utilizados pelas mulheres brasileiras nos anos de 1980, ampliaram as
discussões acerca da prática da esterilização cirúrgica no país. O documento do IBGE que
tornou oficial o alto índice de esterilizações cirúrgicas realizadas em regiões pobres do país
como o Nordeste, onde a maior parte da população é parda e preta, segundo dados e categorias
do IBGE, foi visto pelas “feministas negras” como mais um indicador das suas acusações.
A denúncia levada a cabo pela militância de que havia uma maior incidência da
esterilização nas mulheres negras se transformou na principal bandeira de luta das ativistas
durante a década de 1990. A esterilização cirúrgica fundamentou a realização da Campanha
Nacional Contra a Esterilização de Mulheres Negras (1990-1992). Nesta mobilização,
militantes, afirmaram que mulheres negras eram mais esterilizadas como parte de um plano
controlista direcionado a exterminar o povo negro. Contudo, pelos dados apurados na PNAD
de 1986, acerca da esterilização cirúrgica, não foi possível constatar que as esterilizações
estavam sendo aplicadas como forma de genocídio desse grupo populacional.
Destaquei que a Ong de mulheres negras Geledés desempenhou um papel de destaque
nas lutas em prol da saúde reprodutiva das mulheres negras nesse período. A entidade
organizou o “Seminário Nacional Políticas e Direitos Reprodutivos das Mulheres Negras”
(1993/SP), onde lideranças do movimento debateram as questões que envolviam a saúde e os
direitos reprodutivos das mulheres negras no Brasil.
O ativismo das “feministas negras” em defesa de sua saúde reprodutiva repercutiu no
âmbito político nacional em 1993, por ocasião da realização da Comissão Parlamentar Mista
140

de Inquérito no Congresso Nacional. A CPMI de 1993 investigou a incidência da esterilização


cirúrgica em massa nas mulheres brasileiras, a partir de um rico material constituído de
relatórios, documentos, artigos de jornais e depoimentos. Expus que os responsáveis pela
Comissão Parlamentar ouviram representantes dos mais variados segmentos da sociedade
brasileira envolvidos no tema, tais como: feministas, médicos, políticos, pesquisadores,
demógrafos e mulheres que sofreram algum caso de esterilização abusiva ou à revelia.
Verifiquei que os principais pontos em comum apresentados pelos depoentes giravam em
torno da influência de agências controlistas na prática da esterilização cirúrgica, da
desinformação da população acerca da prática e das conseqüências da esterilização no Brasil,
da falta de oferta na rede pública de variados métodos contraceptivos, da crítica ao fato do
governo não ter implantado integralmente o PAISM no plano nacional, e da necessidade de
criação de uma lei específica com o objetivo da regularização da esterilização no país.
Apresentei que ativistas negras também foram ouvidas pela CPMI, nesse sentido
colocaram em seus depoimentos questões que levantavam desde a década de 1980: falta de
sólidos dados estatísticos acerca da população negra, carência de ações de saúde voltadas a
combater doenças que afetavam a saúde reprodutiva das mulheres negras, implicações do
racismo na sociedade e denúncias de que mulheres negras eram as mais esterilizadas como
parte de políticas racialistas direcionadas a reduzir o crescimento da população negra no
Brasil.
Vimos que após as investigações da CPMI de 1993, não se constatou a existência de
políticas oficiais voltadas a controlar a natalidade da população negra no país. Todavia, a
CPMI representou um momento importante para definir a identidade das “femininas negras”
na medida em que ela abriu espaço, na esfera governamental, para investigar as denúncias,
suscitadas pelas “feministas negras”, desde o início da militância delas.
Ao fim do meu trabalho, concluo que a luta em prol da saúde reprodutiva da mulher
negra foi o fator que impulsionou à conformação da identidade das “feministas negras” no
Brasil. A experiência acumulada pelas ativistas em torno dessa questão refletiu no âmbito da
saúde pública em 1996, por ocasião da “Mesa- Redonda sobre a Saúde da População Negra”.
Desta forma, questões reivindicadas pelas mulheres negras em toda a sua trajetória política,
tais como combate a mortalidade materna, inclusão do quesito racial nos documentos e
141

serviços de saúde e promoção da saúde da mulher nega ganham visibilidade política ao serem
incluídas na pauta de ações desse evento em 1996.
As ações empreendidas pelas ativistas negras no campo da saúde reprodutiva foram
centrais no processo de preparação brasileira à III Conferência Mundial Contra o Racismo,
Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas em Durban, África do Sul (2001).
O ativismo das “feministas negras” contribuiu na ampliação das discussões em torno da
promoção da saúde da população negra no país. A visibilidade adquirida pelas “feministas
negras” em Durban pôde ser verificada pelo fato de uma militante, Edna Roland, ter sido
escolhida relatora geral do referido evento internacional. A Conferência de 2001 ampliou as
discussões acerca do racismo no país, abrindo espaço para o surgimento de políticas de ação
afirmativas no campo da saúde pública.
Nos primeiros anos do século XXI verifica-se a realização de eventos centrados na
saúde da população negra no Brasil, a exemplo do Seminário Nacional de Saúde da População
Negra em 2004, do Workshpop Interagencial Saúde da População Negra em 2001 e do I
Seminário Saúde da População Negra do Estado de São Paulo. Atualmente, as ações que
envolvem a saúde da população negra no Brasil fundamentam debates acadêmicos e políticos
presentes na sociedade brasileira.
BIBLIOGRAFIA E FONTES

INSTITUIÇÕES PESQUISADAS:

• Fundação Biblioteca Nacional.


• Biblioteca da Casa de Oswaldo Cruz.
• Acervo da Associação Brasileira de Imprensa/RJ.
• Biblioteca da Universidade Cândido Mendes/RJ.
• Biblioteca da Ong Criola/RJ.
• Acervo da BEMFAM.
• Acervo da Ong Geledés – Instituto da Mulher Negra/SP.
• Acervo do Núcleo de Estudos Populacionais (Nepo) – Unicamp/ Campinas.
• Biblioteca do IBGE/RJ.
• Biblioteca da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA)/RJ.
• Biblioteca da Fundação Carlos Chagas/São Paulo.
• Biblioteca do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher (CEDIM)/RJ.
• Biblioteca virtual em Saúde/Ministério da Saúde.
• Biblioteca virtual do Senado Fedaral
• Acervo do Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (CEAP)/RJ
143

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do deputado Luiz Carlos Santos acerca da criação do documento “O censo de 1980 no Brasil e
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FIOCRUZ. Entrevista da doutora Ana Maria Costa para o projeto: “A construção do campo da
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concedida a Marcos Chor Maio e Simone Monteiro em agosto de 2007.

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