Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Rio de Janeiro
2009
MARIANA SANTOS DAMASCO
Rio de Janeiro
2009
D155m Damasco, Mariana Santos.
BANCA EXAMINADORA
__________________________________
Prof. Dr. Marcos Chor Maio - FIOCRUZ
__________________________________
Prof. Dr.Luiz Otávio Ferreira
Casa de Oswaldo Cruz - FIOCRUZ
__________________________________
Profª. Drª. Rachel Soihet
Universidade Federal Fluminense – UFF
Suplentes:
__________________________________
Profª. Drª. Monica Grin Monteiro de Barros - UFRJ
__________________________________
Prof.ª. Drª. Ana Teresa Acatauassú Venancio - FIOCRUZ
Rio de Janeiro
2009
Dedico esta dissertação aos meus pais
que são o meu orgulho e fonte de inspiração.
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais por todo apoio, amor, incentivo e compreensão que me proporcionaram
durante toda a minha vida. Um muito obrigado especial ao meu pai que esteve literalmente ao
meu lado na última semana de trabalho nesta dissertação.
Ao meu orientador Marcos Chor Maio, por ter acreditado na minha capacidade desde o
processo inicial de seleção para o curso de mestrado e por todos os diálogos e ensinamentos
que me dispensou desde o ano de 2006.
Ao Thiago e aos meus amigos, pelo afeto, pela paciência e por terem entendido os
momentos em que precisei me afastar do convívio deles para concluir esta dissertação.
À Maria Luiza Duarte Coelho pelas conversas e apoio emocional.
Aos professores de minha banca de qualificação, Luiz Otávio Ferreira e Rachel Soihet
pelas sugestões e indicações ao meu trabalho.
Aos meus colegas de curso pela ajuda mútua, solidariedade e momentos de diversão,
em especial: Gabriel Vitiello, Renata Brotto, André Fabrício e Arthur Caser.
À Simone Monteiro por ter contribuído na minha formação no campo das relações
entre raça, saúde e gênero no Brasil.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação em História da das Ciências e da
Saúde por todo o conhecimento adquirido nas aulas.
Aos funcionários do PPGHCS e do DEPES, Maria Cláudia, Paulo Henrique, Cléber e
Nélson pela constante boa vontade e ajuda nos assuntos burocráticos do curso.
Às amigas, Laurinda Rosa Maciel e Vivian da Silva Cunha por todo companheirismo,
ajuda e incentivo que me dedicaram ao longo da minha vida acadêmica.
Aos funcionários, bibliotecários e pesquisadores de instituições como: NEPO, Criola,
Geledés, ABI e Fundação Carlos Chagas pela ajuda com a pesquisa, através do envio de fontes
essenciais à pesquisa.
Às pesquisadoras Mariza Corrêa, Albertina Costa, Bila Sorj, Sandra Azeredo, Ana
Maria Costa e Núbia Moreira pelas indicações bibliográficas.
SUMÁRIO
Introdução 7
This work analyses the interfaces between gender, race/ethnicity and health in Brazil, between
the years 1975 and 1996, focusing study of the importance of reproductive health for the
movement of black women in the country. The first milestone of the study is 1975 - the date of
emergence of organized feminist movement in Brazil - and runs to the year 1996, when the
actions of "black feminist" around reproductive health impact in public health.
Analyze the history of black feminism in the country, from the relationships between
black activists and the feminist movement and black. This story in the middle of decade 1980
have a change, as the militants demanded the creation of its own identity, feminism black,
since then there wasn’t a wide debate about the interfaces between race and gender within the
feminist movement and black respectively. The issue of reproductive health - which has based
on accusations of surgical sterilizations against black women in the 1980s – impulsed all
activism and the formation of a black feminism in the country, between the years 1980 to
1990. My work on the one hand, investigates the context in which such allegations arise, and
examines the debates that based the relationship between black activists and public health in
the Brazil in this moment.
INTRODUÇÃO
Ao longo das décadas de 1980 e 1990 surge um novo movimento social no âmbito do
feminismo brasileiro denominado “feminismo negro”1. A formação desse grupo específico
esteve relacionada aos debates e ações associados à saúde reprodutiva da população negra no
país a partir dos anos 1970. O tema da saúde reprodutiva com recorte racial baseou-se,
sobretudo, nas denúncias de que as negras seriam alvo de política de controle da natalidade
adotada mediante esterilização cirúrgica em massa durante a década de 1980.
Meu interesse pela questão surgiu em novembro de 2005, quando participei de uma
pesquisa acerca da saúde da população negra no Brasil, sob a supervisão direta da
pesquisadora Simone Monteiro (IOC/Fiocruz). Em 2006, ingressei no projeto: “A construção
do campo da saúde da população negra no Brasil: idéias, atores e instituições (1996-2001)”.2
Este me estimulou a desenvolver uma pesquisa de caráter mais histórico acerca do contexto
que caracterizou a relação entre as ativistas negras e o campo da saúde pública no Brasil, a
partir da década de 1970. Nesse sentido, esta dissertação é um dos desdobramentos do
mencionado projeto.
Minha pesquisa tem como objetivo central analisar as relações entre o movimento de
mulheres negras no Brasil e a questão da saúde reprodutiva entre os anos de 1975 e 1996. O
recorte cronológico se inicia em 1975, momento em que se configurou no país a “segunda
onda feminista”. No ano de 1975, grupos de mulheres organizadas, em especial nos estados do
1
Os termos “feministas negras” ou “feminismo negro” representam a forma pela qual as próprias ativistas negras
se referem ao movimento de mulheres negras no país.
2
Este projeto, sob a coordenação do pesquisador Marcos Chor Maio, contou com o apoio do CNPq e é
constituído ainda pelos seguintes pesquisadores: Simone Monteiro (IOC/Fiocruz), Paulo Henrique A. Rodrigues
(Universidade Estácio de Sá) e Fernando Pires (COC/Fiocruz). CNPq 02/2006/Processo nº 485870/2006-1
8
Rio de Janeiro e São Paulo, atuaram em esfera nacional, reivindicando questões como:
combate à carestia e a violência contra a mulher, luta pela anistia dos presos políticos,
promoção da saúde feminina, melhores condições trabalhistas da mulher, entre outras. O ano
de 1975 marca ainda a proliferação dos estudos sobre a mulher e gênero no país. A pesquisa se
encerra no ano de 1996, quando o ativismo acumulado pelas militantes negras repercute no
âmbito governamental, através da realização de eventos, em especial a “Mesa-Redonda sobre
Saúde da População Negra” em Brasília. Nesse encontro, ações de saúde presentes desde a
década de 1980 na agenda de grupos de mulheres negras, como Criola e Geledés, são
incorporadas e discutidas.
O ativismo das mulheres negras surge, em parte, do movimento feminista inaugurado
nos anos 1970. Autores como Céli Regina Pinto, Jaqueline Pitanguy, Albertina Costa e Maria
Amélia Teles3, iluminaram o meu trabalho, na medida em que analisaram a história do
movimento feminista no país. Neste sentido, através da leitura desses autores pude perceber
que, na primeira fase do movimento feminista a principal luta girava em torno do direito ao
voto feminino e, a partir de meados da década de 1970 um leque maior de temáticas entram no
debate, tais como: saúde, mercado de trabalho e violência.
Os trabalhos de Anette Goldberg, Bila Sorj e Maria Luiza Heilborn,4 também
ajudaram na construção dessa dissertação na medida em que apresentaram as principais
questões presentes nos estudos de gênero no país nos anos de 1960 a 1990. Goldberg fez um
balanço bibliográfico da temática feminista no país, entre as décadas de 1960 e 1980,
apresentando que nesse período os principais temas debatidos eram: vida conjugal,
maternidade, trabalho, política, educação e saúde. Seguindo a mesma linha metodológica, Bila
Sorj e Maria Luiza Heilborn analisaram o desenvolvimento dos estudos de gênero no Brasil,
entre as décadas de 1970 e 1990, tendo como base algumas áreas: trabalho, sexualidade,
3
TELES, Maria Amélia. Breve história do feminismo no Brasil. Brasília: Brasiliense, 2003. 181 p; Rio de
Janeiro: Zahar, 1982. 102 p; SOIHET, Rachel. A pedagogia da conquista do espaço público pelas mulheres: a
militância feminista de Bertha Lutz. Revista Brasileira de Educação Set/Out/Nov/Dez/2000, nº 15: ANPED.
Campinas: Editora Autores Associados, p. 93-115; PINTO, Céli Regina Jardim. Uma história do feminismo no
Brasil. São Paulo: Perseu Abramo, 2003. 119 p; ALVES, Branca M & PITANGUY, Jacqueline. O que é
feminismo. Brasília: Brasiliense, 1981. 77 p.
4
GOLDBERG, A. Feminismo no Brasil Contemporâneo: O Percurso Intelectual de um Ideário Político. BIB.
Rio de Janeiro, n.28, p.42-70, 1989; SORJ, B; HEILBORN, M.L. Estudos de Gênero no Brasil. In: MICELI, S.
(Org). O que ler na ciência social brasileira. São Paulo: Editora Sumaré: ANPOCS; Brasília, DF: CAPES, 1999
p.183-235. GREGORI, Maria Filomena. Estudos de Gênero no Brasil ( Comentário Crítico). O que ler na ciência
social brasileira. São Paulo: Editora Sumaré: ANPOCS; Brasília, DF: CAPES, 1999 p.224-235.
9
família e violência. Ao analisar esses artigos há a percepção que a temática racial – presente
no meu trabalho - não foi levantada. A pesquisadora Maria Filomena Gregori sinalizou que os
estudos de gênero começaram a incorporar a questão racial a partir de 1980, refletindo as
reivindicações das mulheres negras em prol de estudos que articulassem os conceitos de
gênero e raça.
Minha dissertação abordará o processo de “onguização” pelo qual passou o movimento
feminista brasileiro durante a década de 1990. Leilah Landim e Sonia Alvarez fornecem
subsídios ao meu trabalho, na medida em que Landim explicita que as ONGs no Brasil se
desenvolveram no bojo da ação dos movimentos sociais na década de 1980. Sonia Alvarez
traz elementos que me permitem entender que a institucionalização do movimento de
mulheres em ONGs ocorreu em virtude da ampliação dos espaços femininos na década de
19905.
O desenvolvimento do movimento de mulheres negras no Brasil na década de 1980,
ocorreu a partir das relações das ativistas negras com o movimento feminista e negro. O livro
de Albertina Costa, Sueli Carneiro e Thereza Santos além de apresentar dados a respeito da
situação da mulher brasileira nas décadas de 1970 e 1980, demonstra que havia pontos em
comum entre as feministas e as mulheres negras no período em destaque6.
O momento em que as mulheres negras – influenciadas pelas feministas negras norte-
americanas - criticam a ausência da discussão racial no interior do movimento feminista
brasileiro está presente na minha pesquisa. O trabalho de Antônio Flávio Pierucci indica,
como o livro da escritora americana bell hooks7, “Ain’t a woman: Black women and
feminism”, de 1981, trouxe à tona o debate racial e as questões que envolviam as mulheres
negras dentro do movimento feminista.8
5
ALVAREZ, S.E. A “globalização” dos femininos latino-americanos: tendências dos anos 90 e desafios para o
novo milênio. IN: ALVAREZ, S.E.; DAGNINO, E.; ESCOBAR, A (Edt). Cultura e Política nos movimentos
sociais latino-americanos – novas leituras. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2000, p.383-426; LANDIM, Leilah.
A Invenção das ONGs - do serviço invisível à profissão sem nome. 1993, 475 f. Tese (Doutorado em antropologia
Social), Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1993.
6
CARNEIRO, Sueli & SANTOS, Thereza. Mulher Negra. COSTA, Albertina G. de O. Política governamental e
a Mulher. São Paulo: Nobel: Conselho Estadual da Condição Feminina, 1985. 142 p.
7
A escritora, feminista e ativista bel hooks graduou-se em inglês na Universidade de Stanford. Lecionou Inglês,
Literatura, Estudos feministas e Estudos Afro-Americanos em universidades como: University of California/
Santa Cruz, Yale University, Southwestern University e na San Francisco State University. Acesso em
http://en.wikipedia.org/wiki/Bell_hooks http://www.answers.com/topic/bell-hooks 21/05/2009.
8
PIERUCCI, Flávio A. Ciladas da Diferença. São Paulo: Editora 34, 1999, 224 p.
10
9
BARRETO, Raquel de A. B. Enegrecendo o feminismo ou feminizando a raça: narrativas de libertação em
Angela Davis e Lélia Gonzáles. 2005, 128 f. Dissertação (Mestrado em História Social da Cultura). PUC/RIO,
Rio de Janeiro, 2005; LEMOS, Rosália de O. Feminismo negro em construção: a organização do movimento de
mulheres negras no Rio de Janeiro. 1997, 185 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia). UFRJ, Rio de Janeiro,
1997; MAHER, Cristina M. Nem tudo é estar de fora: o movimento de mulheres negras e as articulações entre
saúde e raça. 2005, Dissertação (Mestrado em Antropologia). PMAS/IFCH, UNICAMP, Campinas, 2005;
MOREIRA, Núbia Regina. O feminismo negro brasileiro: um estudo do movimento de mulher negras no Rio de
Janeiro e São Paulo. 2007, 121 f. Dissertação (Mestrado em Sociologia). Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, 2007; SANTOS, Márcio de O. A Persistência Política dos Movimentos Negros: processo de
mobilização para a 3 conferência mundial contra o racismo. 2005. Dissertação (Mestrado em Sociologia).
Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), 2005.
11
profissionais a fim de que elas pudessem atuar de maneira satisfatória na Conferência. Essas
pesquisas iluminaram pontos do meu trabalho, pois investigaram questões como: o
desenvolvimento de mulheres negras no país, a trajetória política das ativistas negras e a
atuação das militantes no âmbito da saúde.
Entretanto, minha pesquisa se diferencia das de Barreto, Moreira, Maher, Lemos e
Santos, na medida em que meu objetivo central consiste em demonstrar o contexto histórico
de surgimento do “feminismo negro” no país, privilegiando o papel que a temática da saúde
reprodutiva desempenhou para ele, entre os anos de 1975 e 1996.
Além da produção acadêmica, utilizei a literatura produzida pelas próprias militantes
para fundamentar o meu objeto de pesquisa. A partir de sua vivência e memória, ativistas
como Lélia Gonzáles, Sueli Carneiro e Edna Roland contribuíram ao meu trabalho tendo em
vista que apresentaram reflexões a respeito do “feminismo negro” no país, a partir das relações
entre raça e gênero.10
A temática da saúde reprodutiva ocupa um papel central na minha pesquisa. Neste
sentido, evidenciarei como as mulheres reivindicaram desde a década de 1970, políticas em
prol de sua saúde e direitos reprodutivos. Os livros de Karen Giffin, Sarah Costa e Elza
Berquó trazem elementos para entender o caminho político trilhado pelas mulheres brasileiras,
através dos eventos nacionais e seminários internacionais das décadas de 1980 e 1990, em prol
da consolidação dos direitos reprodutivos e da saúde reprodutiva e sexual das mulheres. 11
Nesta dissertação, parto da hipótese de que a temática da saúde reprodutiva e, em
especial, a esterilização cirúrgica, tiveram papel central na conformação da identidade das
“feministas negras” no Brasil. Os textos de Edna Roland, Fátima Oliveira, Vera Cristina Souza
e Maria José de Oliveira Araújo ajudaram a construir a minha hipótese.12 Edna Roland
10
CARNEIRO, Sueli. A Mulher negra na sociedade brasileira: o papel do movimento feminista na luta anti-
racista. In: MUNANGA, Kabengele. O Negro na sociedade brasileira: resistência, participação, contribuição.
Brasília: Fundação Cultural Palmares. 2004, p. 286-336; ROLAND, Edna. O movimento de mulheres negras
brasileiras: desafios e perspectivas. IN: GUIMARÃES, Antonio S.A & HUNTLEY, Lynn. Tirando a máscara.
Ensaios sobre o racismo no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, p.237-257, 2000; GONZALES, Lélia. O movimento
negro na última década. IN: GONZALES, Lélia & HASENBALG, Carlos. Lugar de Negro. Rio de Janeiro:
Marco Zero, 1982.115 p.
11
BERQUÓ, Elza. Sexo e Vida: Panorama da saúde reprodutiva no Brasil. Campinas, SP: Editora da Unicamp,
2003; GIFFIN, Karen & COSTA, Sarah H. Questões da saúde reprodutiva. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz,
1999, p. 39-49.
12
ROLAND, Edna. Saúde reprodutiva da população negra no Brasil: um campo em construção. Jornal da Rede
Saúde, nº 23, p.17-23, 2001; OLIVEIRA, Fátima. O recorte racial/étnico e a saúde reprodutiva mulheres negras.
12
In: GIFFIN, Karen & COSTA, Sarah H. Questões da saúde reprodutiva. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, p. 419-
439, 1999; SOUZA, Vera C. de. Mulher negra e miomas: uma incursão em saúde, raça/etnia. 1995, 90 f.
Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais). PUC/SP, São Paulo, 1995; ARAÚJO, Maria José de Araújo.
Reflexões sobre a saúde da mulher negra e o movimento feminista. Jornal da Rede Feminista de Saúde e Direitos
Reprodutivos. São Paulo, n.23, p.25-26, março. 2001.
13
MONTEIRO, Simone. Desigualdades em saúde, raça e etnicidade. In: Etnicidade na América Latina: um
Debate sobre Raça, Saúde e Direitos Reprodutivos” (S. Monteiro & L. Sansone, orgs). Rio de Janeiro: Editora
Fiocruz, 2004, p.46-57.
13
14
CHOR, Dora. & LIMA, Cláudia. Aspectos epidemiológicos das desigualdades raciais em saúde no Brasil.
Cadernos de Saúde Pública, 21(5), p. 1586-1594, 2005.
15
OLIVEIRA, Fátima. Saúde da População Negra. Brasil: Ano 2001. Brasília: Opas, 2003. 344 p.
16
PENA, Sérgio D. Razões para banir o conceito de raça da medicina brasileira. História, Ciências, Saúde –
Saúde – Manguinhos, 12(2), 2005, p. 321-346.
17
Traços fenótipos referem-se à aparência física e externa do indivíduo, enquanto que o genótipo se relaciona aos
genes, ao material interior.
18
Pena, op.cit.,p.330.
19
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DE SÃO PAULO. Diário Oficial do Estado. Pronunciamento do deputado
Luiz Carlos Santos acerca da criação do documento “O censo de 1980 no Brasil e no estado de São Paulo e suas
curiosidades e preocupações”. 5 de agosto de 1982. FIOCRUZ. Entrevista da doutora Ana Maria Costa para o
projeto: “A construção do campo da saúde da população negra no Brail: idéias, atores e instituições” (1996-
2001). Entrevista concedida a Marcos Chor Maio e Simone Monteiro em agosto de 2007.
14
Neste capítulo tenho por objetivo apresentar uma história do movimento feminista no
Brasil, em especial durante as décadas de 1970 e 1980. Destaco a atuação do feminismo por
dois motivos: ela forneceu experiência de militância mediante reuniões, encontros e base
teórica - por intermédio dos debates centrados na questão da emancipação feminina20 - para
que as ativistas negras começassem a refletir e reivindicar suas demandas e questões
específicas21. Em segundo lugar, porque muitas dessas ativistas – que mais tarde fundaram um
movimento específico – eram oriundas do feminismo clássico22 e atuaram nele entre as
décadas de 1970 a 1990.
Inicialmente analiso como e em qual contexto se inicia a formação de um grupo de
mulheres organizada em torno de interesses comuns no Brasil, enfocando as principais líderes
20
ALVES, Branca M & PITANGUY, Jacqueline. O que é feminismo. Brasília: Brasiliense, 1981 & PIERUCCI,
F. Ciladas da Diferença. São Paulo: Editora 34, 1999.
21
As próprias militantes negras reconhecem que embora tivessem muitas críticas ao feminismo tradicional, o
mesmo teria contribuído para a formação teórica e para a discussão de questões mais gerais, tais como:
desigualdade de gênero, violência e mercado de trabalho. Sobre esse assunto ver: MOREIRA, Núbia Regina. O
feminismo negro brasileiro: um estudo do movimento de mulher negras no Rio de Janeiro e São Paulo.
Dissertação de mestrado em Sociologia. Universidade Estadual de Campinas, 2007.
22
Utilizo os termos feminismo clássico ou feminismo tradicional, tendo como base a literatura sobre o tema que
faz uso de tal nomenclatura para se referir às mulheres brancas, com formação universitária e de classe média que
lideraram as primeiras ações do movimento feminista tanto no ocidente quanto no Brasil. Sobre esse assunto ver:
GOHN, Maria da Glória. Mulheres – atrizes dos movimentos sociais: relações político-culturais e debate teórico
no processo democrático. Política e sociedade, nº 11, outubro de 2007, p.40-70; GOLDBERG, Anette.
Feminismo e autoritarismo: a metamorfose de uma utopia de libertação em ideologia liberalizante. 1987, 217 f.
Dissertação (Mestrado em Sociologia). IFCS/UFRJ, Rio de Janeiro, 1987.
16
23
GOHN, Maria da Glória. Mulheres – atrizes dos movimentos sociais: relações político-culturais e debate
teórico no processo democrático. Política e sociedade, nº 11, outubro de 2007, p.40-70.
24
É importante destacar que embora o nascimento do movimento feminista no mundo ocidental seja datado a
partir do século XIX, a literatura em geral aponta que a publicação do livro de Mary Wollstoonecraft: Em defesa
dos direitos das mulheres em 1792, já sinaliza as primeiras idéias e teorias de caráter feminista. Alves &
Pitanguy, op.cit., p.36.
25
Alves & Pitanguy, op.cit., p.38.
26
Gohn, op.cit.,p.47.
17
inicial, além dos assuntos relativos ao voto e ao trabalho, outra temática - ainda que de
maneira incipiente - também figurava: a crítica à estrutura patriarcal da sociedade.27
De acordo com a socióloga francesa Andrée Michel, durante a segunda metade do
século XIX, o movimento feminista ocidental se expressou, sobretudo, através de uma
imprensa feminista, caracterizada por periódicos como: La Gazette des Femmes, a revista Le
Droit des Femmes e o jornal La Citoyenne. Nesses meios de comunicação, mulheres da classe
média reivindicavam igualdade de direitos no trabalho, no casamento e na família28. De
acordo com Michel, outra conquista feminina importante ocorrida entre o fim do século XIX e
início do XX foi o acesso à educação, quando as mulheres puderam ingressar em
universidades29.
Nos primeiros anos do século XX, o movimento sufragista iniciado desde fins do
século XIX por feministas norte-americanas e européias, obtém seus primeiros resultados.
Durante a década de 1920, as mulheres residentes nessas duas regiões adquirem o direito ao
voto, depois de mais de 50 anos de lutas empreendidas pelas feministas30. No período histórico
delimitado pela eclosão da I e da II Guerra Mundial, ou seja, de 1914 a 1945, as mulheres
ingressaram em maior número nas fábricas e indústrias31. Com o fim das guerras e o
conseqüente retorno dos homens aos seus lares, as mulheres passam a disputar com eles vagas
no mercado de trabalho. Nesse sentido, elas se vêem obrigadas a aceitar salários inferiores
para preservar seus empregos. Nos Estados Unidos, surgem campanhas em prol do retorno
feminino ao lar e às atividades domésticas, com o intuito de equilibrar as funções da
sociedade. Ativistas logo se manifestaram contra esse cenário e passaram a lutar pela
preservação dos direitos até então conquistados, em especial no âmbito do trabalho.32
Na década de 1960 emerge uma nova geração de mulheres formadas em boas
universidades, pertencentes às classes médias e inseridas em um contexto de maior liberdade
sexual proporcionada, sobretudo, pelo advento da pílula anticoncepcional. Essa nova geração
27
ibid., p.47-48.
28
MICHEL, Andrée. O feminismo: uma abordagem histórica. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. 102 p.
29
ibid.,p.64.
30
Alves & Pitanguy, op.cit.,p.46.
31
Michel, op.cit.,p.70-78.
32
Michel, op.cit.,p.80.
18
33
Michel, op.cit.,p.83.
34
Alves & Pitanguy, op.cit., p.40.
35
VENTURA, Zuenir. 1968: O ano que não terminou. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.
36
ibid.,p.156.
37
GASPARI, Elio. IN: “A roda de Aquarius”. A Ditadura Envergonhada. São Paulo: Companhia das Letras,
2002, p.211-235.
38
FILHO, Daniel A. R et al. Rebeldes e Contestadores: 1968- Brasil, França e Alemanha. São Paulo: Fundação
Perseu Abramo, 2008.
19
39
Pierucci, op.cit., p.85.
40
TELES, Maria Amélia. Breve história do feminismo no Brasil. Brasília: Brasiliense, 2003, p. 64-66; Gohn,
op.cit., p.48-49.
41
LANDIM, Leilah. A Invenção das ONGs - do serviço invisível à profissão sem nome. Tese de Doutorado,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1993.
42
ALVAREZ, S.E. A “globalização” dos femininos latino-americanos: tendências dos anos 90 e desafios para o
novo milênio. IN: ALVAREZ, S.E.; DAGNINO, E.; ESCOBAR, A (Edt). Cultura e Política nos movimentos
sociais latino-americanos – novas leituras. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2000, p.399.
43
Diversos autoras utilizam a expressão “onda feminista” para caracterizar as fases que marcaram o movimento
feminista. São exemplos dessas autoras: Maria da Glória Gohn, Antônio Flavio Pierucci, Sonia Alvarez, Bila
Sorj, Maria Luiza Heilborn, entre outras.
20
44
Desde o século XIX no Brasil é possível verificar a existência de mulheres tais como: Nísia Floresta, Francisca
Senhorinha Motta Diniz, Josephina Álvares Azevedo, entre outras, que levantavam a questão da emancipação da
mulher, utilizando a imprensa alternativa como mecanismo de divulgação de suas idéias. Porém, na visão de
autoras como Céli Regina Pinto nas primeiras décadas da República não se pode falar propriamente em
movimento feminista, pois o que existiu teria sido mais uma movimentação feminista composta por um grupo de
mulheres das classes altas e intelectualizadas. ZIRBEL, Ilze. A caminhada do movimento feminista brasileiro:
das sufragistas ao ano internacional da mulher. Texto apresentado no IV Seminário Internacional de Iniciação
Científica, 1998, Blumenau, p.10. http://br.geocities.com/izirbel/Movimentomulheres.html Acesso em 29 de
agosto de 2008 & SANTOS, Regina C.B. Raça, sexualidade e política: Um estudo da constituição de
organizações lésbicas negras no Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal Fluminense,
Niterói, 2006, p.54-55. Pinto, op.cit.,p.45.
45
TELES, Maria Amélia. Breve história do feminismo no Brasil. Brasília: Brasiliense, 2003, p.43.
46
PINTO, Céli Regina Jardim. Uma história do feminismo no Brasil. São Paulo: Perseu Abramo, 2003. TELES,
Maria Amélia. Breve história do feminismo no Brasil. Brasília: Brasiliense, 2003. WOLLF, Cristina S &
POSSAS Lídia, M.V. Escrevendo a história no feminino. Revista Estudos Feministas, nº13, v.3, 585-589, 2005.
ALVES, Branca M & PITANGUY, Jacqueline. O que é feminismo. Brasília: Brasiliense, 1981; ZIRBEL, Ilze. A
caminhada do movimento feminista brasileiro: das sufragistas ao ano internacional da mulher. Texto
apresentado no IV Seminário Internacional de Iniciação Científica, 1998, Blumenau, p.10.
http://br.geocities.com/izirbel/Movimentomulheres.html Acesso em 29 de agosto de 2008. É importante destacar
que o feminismo da primeira onda não se limitou à luta em prol do sufragismo feminino, pois questões em torno
de melhores condições trabalhistas das mulheres também figuravam. Entretanto, é consensual que a luta pelo
voto feminino ocupou um papel preponderante na pauta das mulheres atuantes no período.
47
Como é o caso de Bertha Lutz, Deolinda Daltro e Gika Machado.
21
48
Bertha Lutz foi uma das pioneiras do movimento feminista brasileiro. Lutz nasceu em 1894, no estado de São
Paulo. Filha da enfermeira Amy Fowler e do cientista Adolpho Lutz, formou-se em Biologia na Sorbonne
(França). Ocupou o cargo efetivo de bióloga no Museu Nacional e foi eleita deputada federal em 1936. Faleceu
no Rio de Janeiro, em setembro de 1976, conhecida como a maior líder na luta pelos direitos políticos das
mulheres brasileiras. BENCHIMOL, Jaime et al. Bertha Lutz e a construção da memória de Adolpho Lutz.
História, Ciências e Saúde- Manguinhos, vol 10, nº1, p.203-250, jan.-abr. 2003.
49
SOIHET, Rachel. A pedagogia da conquista do espaço público pelas mulheres: a militância feminista de
Bertha Lutz. In: Revista Brasileira de Educação Set/Out/Nov/Dez/2000, nº 15: ANPED. Campinas: Editora
Autores Associados, p. 97.
50
Deolinda Daltro residia no Rio de Janeiro e era professora. É conhecida como uma das primeiras feministas no
Brasil e dedicou grande parte de sua vida à luta em prol da causa feminista. Além da fundação do Partido
Republicano Feminino em 1910, organizou em 1917 uma passeata que reuniu 100 mulheres no centro do Rio de
Janeiro, que pleitearam o direito ao voto. Teles, op.cit., p.43.
51
Teles, op.cit.,p.43.
52
Além de Bertha Lutz, a FBPF contou com a participação de mulheres como: Alice Pinheiro Coimbra, Júlia
Lopes de Almeida e Margarida Lopes de Almeida. BESSE, Susan K. Modernizando a desigualdade:
Reestruturação da ideologia de gênero no Brasil 1914-1940. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
1999, p.185-186.
53
Pinto, op.cit.,p.9.
54
Teles, op.cit., p. 44.
55
Alves & Pitangy, op.cit.,p.47-48.
22
56
É curioso que o governador de um estado, em que não se encontrava a elite política e econômica do país na
época, tenha protagonizado um ato histórico tão relevante à história das mulheres no Brasil. Juvenal Lamartine,
durante o seu mandato como governador do Rio Grande do Norte, apoiou o desenvolvimento das letras e das
artes, mantendo estritas relações com intelectuais do período. Bacharel em Direito, em 1918, quando ainda era
deputado federal, participou da elaboração do Código de Direito Civil e, entre as causas que apoiava estava
àquela voltada a emancipação da mulher brasileira. Tal fato exemplifica o porquê da aliança que Juvenal
estabeleceu com as feministas na década de 1920. Inclusive, foi durante o seu mandato no ano de 1928 que foi
eleita, em Lages, a primeira prefeita da América Latina, Alzira Soriano. MACHADO, João B. Perfil da
República no Rio Grande do Norte (1889-2003). Natal: Departamento Estadual de Imprensa, 2000.
57
Teles, op.cit.,p.33.
58
Teles, op.cit.,p.34.
59
Soihet, op.cit., p.103
60
Lutz apud Soihet.,p.116.
23
61
Entre as obras publicadas por Maria Lacerda Moura podemos citar: “A mulher hodierna e o seu papel na
sociedade (1923)” e “A mulher é uma degenerada? (1924)”.
http://recollectionbooks.com/bleed/Encyclopedia/ArchiveMirror/marialacerda.htm Acesso em 06/07/2009.
62
Teles, op.cit., p. 44; ZIRBEL, Ilze. Estudos feministas e estudos de gênero no Brasil: Um debate. Dissertação de
Mestrado. Universidade Federal de Santa Catarina, 2007, p.15.
63
Besse, op.cit.,p.199.
64
A história pessoal de Pagu reflete bem sua escolha pelo grupo do feminismo anarquista. Patrícia Galvão nasceu
no ano de 1910 em São Paulo, graduou-se professora no ano de 1928, mesmo ano em que conheceu seu parceiro
intelectual e futuro marido Oswald Andrade. No início dos anos de 1930 casa-se com Oswald e entra no Partido
Comunista Brasileiro. A escritora foi presa duas vezes acusada de participar de levantes comunistas durante a
década de 1930. Na década de 1950 foi candidata à deputada estadual pelo PSB, produziu textos como “Verdade e
Liberdade” e dirigiu algumas peças teatrais. Faleceu no ano de 1962. http://www.pagu.com.br/vida/index.asp
Acesso em 19/05/2009.
65
Besse, op.cit., p.202.
24
maternidade consciente, pois considerou que havia questões mais emergenciais a serem
tratadas, como a pobreza e a exploração de classe das mulheres66.
Em 1930, o país assiste a uma revolução que pôs fim a ordem política até então
vigente, ou seja, a Primeira República67. Esse movimento inicia uma nova fase da história
brasileira: a Era Vargas. Durante a Era Vargas (1930-1945), Getúlio lançou uma série de
medidas sociais e políticas que beneficiaram as classes trabalhadoras e urbanas.68
As mulheres também se beneficiaram das políticas sociais do governo Getúlio Vargas.
Ademais, na década de 1930, elas obtiveram o direito ao voto, através do decreto-lei 21.076,
aprovado por Getúlio Vargas em 24 de fevereiro de 1932. No contexto democrático, com base
na Constituição de 1934, foram eleitas deputadas federais, como: Carlota Pereira de Queiroz
em São Paulo (primeira deputada eleita no país), Lili Lages em Alagoas, Maria Luiza
Bittencourth na Bahia e Maria Miranda Jordão no Amazonas. Neste novo momento, as
mulheres passaram a reivindicar melhores condições para o trabalho feminino e a ampliação
do tempo de licença- maternidade69.
Em 1934 foi criado um grupo de esquerda, a União Feminina (UF). Esta era parte
integrante da Aliança Nacional Libertadora, movimento de esquerda liderado pelo Partido
Comunista Brasileiro que visava derrubar o governo de Vargas e implantar um governo
popular e socialista no país. As integrantes da UF eram principalmente intelectuais e operárias.
Em 1935, todas as integrantes da União Feminina foram presas e o movimento foi posto na
ilegalidade pelo governo brasileiro.
A partir de 1937, com a instauração da ditadura do Estado Novo, fecharam-se os
espaços políticos para a luta pelos direitos das mulheres, dos operários, dos partidos e dos
70
estudantes. Durante a Segunda Guerra Mundial, as mulheres protestaram contra o regime
nazi-fascista e fizeram campanhas para a entrada do Brasil na guerra ao lado dos aliados.
Através da Liga de Defesa Nacional, as mulheres desempenharam importante papel,
66
ibid.,p.202.
67
FAUSTO, Boris. A revolução de 1930: historiografia e história. Brasília: Editora Brasiliense, 1975 &
VISCARDI, Cláudia M.R. O teatro das oligarquias: uma revisão da “política do café com leite”. Belo Horizonte:
Editora: C/ARTE, 2001.
68
Sobre esse assunto ver: SKIDMORE, Thomas. De Getúlio Vargas a Castelo Branco (1930-1964). Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 14ª edição, 2007.
69
Teles, op.cit.,p.46.
70
Alves & Pitanguy, op.cit., p.50.
25
organizando eventos para angariar alimentos, roupas e remédios para os soldados brasileiros e
realizaram cursos de formação de enfermeiras71.
A vitória dos aliados sobre os países nazi-fascistas gerou uma pressão para a saída de
Vargas do poder, visto que o governo ditatorial de Getúlio não se enquadrava no contexto
internacional democrático do pós-guerra. Não obstante significativo apoio da classe
trabalhadora, Vargas sofreu pressão de políticos, militares e intelectuais brasileiros, para a
assinatura de uma emenda constitucional que permitia a criação de partidos políticos e a
realização de eleições para o ano de 1945.72 Com a democratização do país as mulheres se
organizam em associações e uniões femininas73. Nesse período, um dos principais temas da
agenda feminista passa a ser a luta contra a carestia.74
A partir da década de 1950, associações de mulheres começam a realizar seus
primeiros encontros e congressos. Em 1951, no estado de São Paulo, foi realizado o 1º
Congresso da Federação de Mulheres do Brasil, onde se debateu, sobretudo, temáticas
relacionadas ao custo de vida. Em 1952, Nuta Bartof James75 organizou a 1ª Assembléia
Nacional de Mulheres no Estado do Rio de Janeiro. Nesse evento mulheres de diferentes
estados brasileiros reivindicaram a defesa dos direitos da mulher, especialmente da mulher
trabalhadora, da infância e da paz mundial. Em maio de 1956, realizou-se no Rio de Janeiro, a
Conferência Nacional de Trabalhadoras. Em 1960, foi fundada a Liga Feminina do Estado da
Guanabara, que além de promover cursos e palestras acerca de temáticas relacionadas às
mulheres, liderou campanhas contra o alto custo de vida na época76.
71
Teles, op.cit.,p.48.
72
Skidmore, op.cit.,p. 37.
73
São exemplos dessas associações: Comitê de Mulheres pela Democracia (Rio de Janeiro), Associação de
Donas -de -Casa contra a Carestia e a Associação Feminina do Distrito Federal. TELES, Maria Amélia. Breve
história do feminismo no Brasil. Brasília: Brasiliense, 2003, p.48.
74
A década de 1940 é igualmente importante à história das mulheres no país porque ela marca a inserção das
mulheres - em especial as que pertenciam às camadas médias urbanas - nas universidades e o início da produção
acadêmica e científica feminina74. O ingresso das mulheres nas universidades deveu-se ao incremento e à
institucionalização das políticas educacionais no Brasil, sobretudo durante o governo Vargas. Entre as décadas
de 1940 e 1960, as mulheres constituíam mais da metade dos formandos de faculdades importantes do período,
como a Faculdade Nacional de Filosofia da UB, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP e a Faculdade
de Filosofia da Universidade de Minas Gerais. Sobre esse assunto ver: FERREIRA, Luiz Otávio et al.
Institucionalização das ciências, sistemas de gênero e produção científica no Brasil (1939-1969). História,
Ciências, Saúde-Manguinhos . Rio de Janeiro, vol.15, supl.,p.43-71, jun 2008.
75
Nuta B. James foi uma grande defensora dos direitos da mulher e das liberdades democráticas no Brasil.
Participou do Movimento Constitucionalista paulista em 1932.Teles, op.cit.,p.50.
76
Teles, op.cit.,p.50-51; TABAK, Fanny. Autoritarismo e participação política da mulher. Rio de Janeiro; Graal,
1983, p. 121.
26
Após o golpe militar de 1964, que derrubou o presidente João Goulart, o Brasil
enfrentou o maior período de repressão política, censura e autoritarismo de sua história. As
associações de mulheres, assim como grupos de esquerda, de operários, estudantes e negros,
perderam espaço no contexto político nacional. Só em meados da década de 1970, o
movimento feminista no Brasil ressurge principalmente envolvido com a luta pela anistia dos
presos políticos.
77
Outros livros importantes nesse contexto foram: “Política Sexual” de Kate Milet e “A Condição da Mulher” de
Juliet Mitchell. Ambas autoras analisaram as raízes culturais das desigualdades entre os sexos. Sobre esse assunto
ver: ZIRBEL, Ilze. Estudos feministas e estudos de gênero no Brasil: Um debate. Dissertação de Mestrado.
Universidade Federal de Santa Catarina, 2007, p.32.
78
Alves & Pitanguy, op.cit., p.54.
27
Além do livro de Saffioti, uma nova literatura surge no país disposta a indagar a
tradicional estrutura da sociedade brasileira. As revistas femininas, tais como a Revista
Cláudia, insere-se nesse novo movimento. De acordo com a socióloga Anette Goldberg, foi
revelador deste contexto a editora Abril ter escolhido, em 1963, a psicóloga Carmem da Silva
para escrever a coluna “A Arte de Ser Mulher” na revista. Nas palavras de Goldberg:
79
O Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) foi o
órgão de inteligência e repressão do governo brasileiro durante o regime militar. Os DOI-CODI ficaram
conhecidos por serem centros de torturas daqueles que se opunham ao regime ditatorial vigente. SILVA,
Francisco Carlos Teixeira. Crise da ditadura militar e o processo de abertura política no Brasil, 1974-1985. In:
28
FERREIRA, Jorge & DELGADO, Lucilia D. A.N. O Brasil Republicano: O tempo da Ditadura – regime militar
e movimentos sociais em fins do século XX. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2003.
80
ibid, p.67 & Pinto, op.cit.,p.56
81
É importante lembrar que esse movimento não era feminista, mas sim liderado por um grupo de mulheres
atuantes na esfera política.Teles, op.cit,. p.82.
82
Cabe lembrar que há autoras que questionam o fato de 1975 ter sido considerado o marco inaugural do
ressurgimento do feminismo no Brasil. Segundo Joana Maria Pedro, a escolha dessa data foi resultado de
conflitos de poder entre grupos feministas. Algumas militantes, afirmam que mesmo antes de 1975, já se
percebiam feministas e atuavam com tal. Sobre esse assunto ver: PEDRO, Joana Maria. Narrativas fundadoras do
feminismo: poderes e conflitos (1970-1978). Revista Brasileira de História, São Paulo, v.26, nº 52, p.249-272,
2006.
83
Teles, op.cit., p.84.
29
84
CARNEIRO, Sueli; COSTA, Albertina G.O & SANTOS, Thereza. Mulher Negra/Política Governamental da
Mulher. São Paulo: Nobel: Conselho Estadual da Condição Feminina, 1985.
85
Na Conferência Mundial do Final da Década da Mulher, em Nairóbi, Quênia, 1985, o Brasil apresentou seu
diagnóstico acerca da situação da mulher mo país, entre os anos de 1975 a 1985, através da publicação referida
acima organizada por Sueli Carneiro, Thereza Santos e Albertina Costa. Após a Conferência em Nairóbi, os
países signatários da ONU adotaram com unanimidade o documento ‘Estratégias Encaminhadas para o Futuro do
Avanço da Mulher’, em que se definiram estratégias em prol do desenvolvimento feminino.
86
ibid., p.85.
87
No decorrer das décadas de 1970 a 1980, inúmeros encontros feministas regionais e nacionais ocorreram
regularmente no país. Inicialmente os encontros aconteciam sempre no mesmo local em que se realizavam as
reuniões anuais da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). A partir de 1985, as mulheres
começam a realizar seus encontros em lugares independentes. Assim, os encontros nacionais passaram a ocorrer,
na medida do possível, uma vez em cada dois anos em diferentes cidades do país, tais como: Rio de Janeiro,
Campinas, Caldas Novas, Garanhuns, entre outros. As feministas brasileiras também participaram de encontros
feministas latino-americanos e encontros internacionais, dentre os quais destacaram-se: 3º Encontro Latino-
americano, agosto de 1985 em Bertioga (São Paulo), Conferência Internacional de População e Desenvolvimento,
1994 (Cairo) e a Quarta Conferência Mundial sobre a Mulher, 1995 (Pequim). TELES, Maria Amélia. Breve
história do feminismo no Brasil. Brasília: Brasiliense, 2003, p.155-156.
88
Alves & Pitanguy, op.cit., p.71; Teles, op.cit., p.86.
30
89
ZIRBEL, Ilze. A caminhada do movimento feminista brasileiro: das sufragistas ao ano internacional da
mulher. Texto apresentado no IV Seminário Internacional de Iniciação Científica, 1998, Blumenau,
http://br.geocities.com/izirbel/Movimentomulheres.html Acesso em 29 de agosto de 2008 .
90
Tais questões de ordem política se expressavam na época através da crítica contra a ditadura; contra o
autoritarismo e a censura; na luta contra a exploração política, econômica ou social.
91
Zirbel, op.cit.,p.10.
92
Estas mulheres tinham formação universitária, muitas delas na área das ciências humanas. Elas foram
importantes militantes do movimento feminista, em especial nas décadas de 1970 e 1980, nesse sentido, atuaram
nos grupos feministas do período, produziram bibliografia voltada para o tema e participaram de eventos voltados
à temática da mulher e do gênero no Brasil. Zirbel, op.cit.,p.10-11; Alves & Pitanguy, op.cit., p.72.
93
Cabe destacar que segundo algumas autoras, quando o movimento de mulheres adquire visibilidade, em 1975,
muitas das militantes já estavam inseridas e trabalhavam nas universidades do país. Sobre esse assunto ver:
31
Carlos Chagas em São Paulo passaram a investir maiores recursos em pesquisas que tivessem
como foco os estudos sobre a mulher. A Fundação Ford, em especial durante as décadas de
1970 e 1980, ocupou um papel vital na legitimação dos estudos sobre a mulher e gênero no
país, investindo um grande volume de recursos em projetos e pesquisas nessa área de
conhecimento.94
Nos anos subseqüentes surgiram por todo o país núcleos de Estudos sobre a mulher. O
primeiro deles foi o NEM (Núcleo de Estudos Acadêmicos sobre a Mulher), criado no final da
década de 1980 na PUC-RIO. Na década de 1990 surgem os grupos ligados a Revista Estudos
Feministas (1992) e o PAGU- Núcleo de Estudos de Gênero da Universidade de Campinas
(1993).Também nas universidades brasileiras, as temáticas em torno das particularidades
femininas foram gradativamente inseridas nos currículos acadêmicos a partir de 1975.95 Os
temas abordados através de estudos e pesquisas durante a década de 1970, versavam sobre
gênero, família, emancipação feminina, violência e participação das mulheres no mercado de
trabalho96.
A “segunda onda feminista” fez surgir os jornais: “Brasil Mulher”, “Nós Mulheres” e
“Mulherio”.97 Tais periódicos se tornaram um importante espaço de comunicação e expressão
das idéias, temas e causas discutidas pelas feministas durante os anos 1970 e 1980. Elas
utilizavam os jornais com múltiplos objetivos: noticiar seus trabalhos, livros, pesquisas,
noticiar eventos e seminários voltados para as mulheres, divulgar serviços prestados para as
SORJ, B; HEILBORN, M.L. Estudos de Gênero no Brasil. IN: MICELI, S. (Org). O que ler na ciência social
brasileira. São Paulo: Editora Sumaré: ANPOCS; Brasília, DF: CAPES, p.183-235, 1999.
94
Ibid.,p.185-188.
95
Sorj & Heilborn, op.cit., p. 186-187.
96
Goldberg, op.cit., p.43-69; Sorj & Heilborn, op.cit., p.183-235.
97
Entre as décadas de 1970 e 1980, foram publicados cerca de 75 periódicos feministas. Sobre esse assunto ver:
CARDOSO, Elizabeth. Imprensa Feminista brasileira pós-1974. Revista Estudos Feministas, vol 12, 2004, p.37-
55. Não foi meu objetivo esmiuçar a imprensa feminista, sendo assim decidi analisar somente três periódicos: o
“Brasil Mulher”, “Nós Mulheres” e o “Mulherio”. Optei por esses três periódicos, em primeiro lugar, porque
foram organizados e contaram com a participação das feministas mais conhecidas e atuantes da época. Em
segundo lugar porque dois desses jornais, o “Nós Mulheres” e o “Mulherio”, incluíram em suas pautas artigos e
reportagens sobre a situação do negro e a existência de um movimento de mulheres negras no Brasil e, são as
mulheres negras que constituem o meu objeto privilegiado de estudo.
32
98
O Conselho deliberativo da Sociedade “Brasil Mulher” era composto por: Beatriz do Valle (presidente),
Rosalina Santa Cruz Leite, Amelinha Almeida Teles, Iara Areias Prado, Elza Machado, Ieda Maria B. Areias,
Ângela Borba, Elizabeth Sardelli e Lúcia Arruda. . Em relação a temática dos artigos, merecem destaques os
seguintes assuntos: política (33 artigos), trabalho (26 artigos), educação (11 artigos), carestia/custo de vida (8
artigos), planejamento familiar (8 artigos), questões gerais sobre a mulher (6 artigos), questão rural (5 artigos),
corpo/beleza (4 artigos), creche (3 artigos), Feminismo (2 artigos), Arte ( 2 artigos), violência ( 2 artigos) e aborto
( 2 artigos). E, os autores mais presentes no periódico foram: Amelinha A. Teles, Beatriz do Valle Bargieri, Joel
Guimarães dos Santos, Diva M.B. Romão, Mada Barros, Francisco, Mozart Benedito, Elza Machado, Eurídes
Cardoso, Ieda Areias, Albertina de Carvalho, Ascanio Jatobá de A. Soares e Angela Borba. O “Brasil Mulher”
ainda contou com colaboradores que estavam atuando fora do país. Como é o caso de: Beth Lobo, Lena Lavinas,
Maria Helena Tachinardi, Otília, Sueli Tomazini e Sula que enviaram artigos de Paris. Inicialmente, no nº O a
editora-chefe era Joana Lopes, já no nº 1 a diretora responsável pelo jornal passa a ser Laís Oreb. Porém, o
periódico teve outras diretoras responsáveis, tais como: Ana Maria Cerqueira Leite (junho de 1977 a março de
1978) e Adélia Lúcia Borges de Gusmão (março de 1978 a setembro de 1979).
99
CARDOSO, Elizabeth. Imprensa Feminista brasileira pós-1974. Revista Estudos Feministas, vol 12, nº
especial, p. 37-55, 2004.
100
Seu conselho editorial era composto por: Bia Kfouri, Carolina Oliveira Macedo, Cida Aguiar, Conceição
Cahu, Jany Raschkovsky, Laura Salgado, Leda Cristina Orosco Galvão, Lione Ralstons, Maria Inês Zan Chetta,
Maria Inês Catilho, Marli C. Gonçalves, Rachel Moreno, Renata Villas Boas, Rita de Lucca, Solange Padilha,
Susana Camargo Kfouri e a jornalista responsável inicialmente era Mariza Corrêa, a partir de 1977 passa a ser
Anamarcia Vainsencher e em julho de 1978, em sua última edição, o periódico passa a ser dirigido por um
homem: Luis Antônio do Nascimento.
33
por mulheres trabalhadoras101. O objetivo do jornal era: “criar um espaço de discussão para
problemas e questões femininas, servindo ainda como instrumento de conscientização e luta
para a grande maioria das mulheres brasileiras” ·. Cada edição tinha em média 15 páginas e
uma lista com os colaboradores.102
O “Mulherio” começa a ser editado pela Fundação Carlos Chagas (São Paulo) em
março de 1981, com uma periodicidade inicialmente bimestral, passando a ser trimestral e
mensal nos últimos anos de circulação103. A jornalista responsável era Adélia Borges. A
maioria das mulheres que atuavam no jornal estava inserida na área dos estudos de gênero,
como é o caso de Heleieth Saffioti uma das pioneiras nesse campo de estudos no Brasil. Seu
público alvo era formado por feministas, ativistas políticas e pesquisadoras.
O jornal tinha em média 23 páginas e a maioria dos artigos pertencia a membros do
conselho editorial104. É importante destacar a presença da historiadora e filósofa Lélia
Gonzáles no conselho editorial do jornal. Lélia foi militante negra, que ajudou a fundar o
MNU (Movimento Negro Unificado) em 1978. Ela criou ainda um dos primeiros grupos de
mulheres negras, sediado no Rio de Janeiro em 1983, o “Nizinga - Coletivo de mulheres
negras”. Tal inserção de Lélia Gonzáles no “Mulherio” permitiu a presença de artigos e
reportagens centrados em questões envolvendo a mulher negra brasileira na década de 1980.
Os três jornais abordavam questões ligadas principalmente ao cotidiano das mulheres,
tais como: melhores condições de trabalho nas fábricas e no campo, direito a creches, luta
101
LEITE, Rosalina de Santa Cruz. Brasil Mulher e Nós Mulheres: origens da imprensa feminista brasileira.
Revista Estudos clFeministas, v.11, nº 1, p. 234-241, 2003.
102
Dentre esses colaboradores, os que mais aparecem no jornal são: Conceição Cahu, Maria Inês Castilho,
Mariza Corrêa, Henfil, Renata Villas-Boas, Cynthia Sarti, Carolina Macedo, Angeli e Margareth Fiori. Os
principais temas abordados pelo jornal foram respectivamente: Mercado de trabalho (14 artigos), questões gerais
sobre as mulheres (12 artigos), política (9 artigos), corpo ( 8 artigos), planejamento Familiar ( 4 artigos),
carestia/custo de vida (4 artigos), creche (4 artigos), negros ( 3 artigos), mulheres e a Igreja (2 artigos) e
violência (1 artigo).
103
O conselho editorial do jornal era composto por: Carmem Barroso, Carmem da Silva, Cristina Bruschini,
Elizabeth Souza, Eva Alterman Blay, Fúlvia Rosemberg, Heleith Saffioti, Lélia Gonzáles, Maria Carneiro da
Cunha, Maria Moraes, Maria Malta Campos, Maria Rita Kehl, Maria Valéria Junho Pena, Marília de Andrade,
Mariza Corrêa e Ruth Cardoso.
104
Dentre as autoras mais recorrentes no “Mulherio”, estão: Adélia Borges, Inês Castilho, Maria Rita Kehl,
Fúlvia Rosemberg e Elizabeth Souza Lobo. Os temas que se destacaram no “ Mulherio” foram: política (37
artigos), negros (21 artigos), corpo/beleza (17 artigos), rumos do Feminismo (15 artigos), trabalho (15 artigos),
família/creche (13 artigos), aborto (13 artigos), sexualidade ( 10 artigos), esportes /cultura (10 artigos), violência
(9 artigos), planejamento Familiar (8 artigos), trabalhadoras rurais ( 3 artigos), meio ambiente (3 artigos) e
loucura ( 3 artigos). Alguns homens tiveram artigos publicados no “Mulherio”, tais como: Emir Sader (O aborto
na Constituinte), Nicolau Sevcenko (Por trás da impostura e angústia) e Edvaldo Pereira Lima (Livre para voar).
34
O “Brasil Mulher” não é o jornal da mulher. Seu objetivo é ser mais uma
voz na busca e na tomada de igualdade perdida, trabalho que se destina a
homens e mulheres (...) queremos usar a inteligência, informação e
conhecimentos em função da igualdade e, dede já propomos a equidade
entre homens e mulheres de qualquer latitude. (Jornal “Brasil Mulher”, nº 0,
outubro de 1975, p.1).
As editoras do “Brasil Mulher” buscavam nas páginas do jornal vincular a luta pela
emancipação da mulher com as questões mais gerais presentes na sociedade brasileira do
período, tais como educação, saúde, educação e anistia política. Em contraposição, o
“Mulherio” enfatizava questões específicas ligadas à vida das mulheres, como: denunciar as
desigualdades de gênero que ocorriam principalmente na esfera do trabalho, onde as mulheres
geralmente trabalhavam mais e recebiam salários menores que o dos homens.
Uma outra diferenciação acerca dos três jornais é representada pelo fato de que o
“Mulherio” desde sua criação esteve ligado a uma importante instituição de pesquisa na área
dos estudos sobre a mulher e sobre gênero no Brasil: a Fundação Carlos Chagas.
Diferentemente do “Nós Mulheres” e do “Brasil Mulher”, que nasceram sob a tutela de dois
coletivos de mulheres autônomos: a Sociedade “Brasil Mulher” e a Associação “Nós
Mulheres”105. Devido a essa distinção, o “Mulherio” contou com uma estrutura mais
organizada e profissional do que os outros, pois tinha uma equipe técnica – formada pelas
principais pesquisadoras da área dos estudos sobre a mulher e gênero no país – e recebia
patrocínio da Fundação Carlos Chagas.
105
LEITE, Rosalina de S.C. “Brasil Mulher” e “Nós Mulheres”: origens da imprensa feminista brasileira.
Revista Estudos Feministas, v.11, nº1, 2003, p. 234-241.
35
106
Esse conjunto de autores, que escreveram artigos sobre as mulheres negras no “Mulherio”, era de distintas
procedências: ativistas do movimento de mulheres negras, militantes negros, feministas e pesquisadoras
especializadas nos estudos sobre a mulher e gênero no país.
36
democracia racial vigente no país, relação das mulheres negras com o movimento feminista,
denúncias de racismo no sistema educacional brasileiro e análise da situação dos negros após
100 anos da abolição da escravatura107.
A situação da população negra, por sua vez, não era um tema explorado nas matérias
do “Brasil Mulher” e do “Nós Mulheres”. No “Brasil Mulher” não encontrei qualquer artigo
acerca da população negra enquanto no “Nós Mulheres” localizei apenas três. Avalio que o
fato de existir um número maior de artigos no “Mulherio” deveu-se a presença na edição do
jornal – pelo menos nos seus primeiros anos de existência – da ativista Lélia Gonzáles, cuja
atuação na redação do “Mulherio” foi determinante para a inclusão das reivindicações e das
problemáticas condizentes ao cotidiano das mulheres negras na pauta do jornal.
Como vimos, a década de 1970, em especial a partir do ano de 1975, foi fértil no que
diz respeito à participação das mulheres no espaço público. Aliadas a grupos de esquerda, de
estudantes e de sindicalistas, as mulheres lutaram pela democratização do país.108 Com o fim
do bipartidarismo, durante a década de 1980, os espaços de atuação feminista no plano político
se ampliaram e novas temáticas e discussões vieram à tona109.
Uma das questões que emergem nesse período no Brasil esteve ligada às discussões
relativas às diferenças de gênero. O conceito de gênero surge no processo de crítica ao
determinismo biológico contido no termo sexo. Este implicava numa visão das mulheres como
seres biológicos, pertencentes apenas ao campo da natureza, diferente dos homens que
supostamente se localizavam no âmbito da cultura, como sujeitos da história110. Até a década
107
Jornal “ Mulherio”, edições: 14, 19, 22, 25, 37, 38 e 39.
108
ROLLEMBERG, Denise. Esquerdas revolucionárias e luta armada. In: FERREIRA, Jorge & DELGADO,
Lucilia D. A.N. O Brasil Republicano: O tempo da Ditadura – regime militar e movimentos sociais em fins do
século XX. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2003.
109
Pinto, op.cit. p. 74.
110
A historiadora norte-americana, Joan Scott, afirmou que o conceito de gênero apareceu inicialmente entre as
feministas norte-americanas, no final da década de 1960, para abordar a organização e as distinções existentes
37
de 1980, as distinções existentes entre homens e mulheres não eram uma questão explorada em
profundidade pelos estudos feministas no país111. Esse cenário muda quando o conceito de
gênero passa a ser utilizado pelas feministas e pesquisadoras brasileiras com o intuito de
valorizar o papel e as especificidades femininas e, além disso, marcar as diferenciações
existentes entre os homens e as mulheres no país.
Além da discussão sobre o conceito de gênero, mudanças no âmbito político nacional,
na década de 1980, refletiram no movimento feminista brasileiro. O processo de
democratização trouxe em seu bojo o surgimento de novos partidos políticos (PT, PMDB, PDT
e PFL). Neste período, o movimento feminista correu o risco de se fragmentar em face da
divisão das militantes entre o PMDB e o PT112. De acordo com Céli Regina Pinto, as
feministas, mais afinadas ao PMDB, formaram alianças para promoverem as questões das
mulheres tendo em vista a institucionalização do movimento. Em contrapartida, as ativistas
ligadas ao PT eram contra a institucionalização porque tinham receio que o movimento
feminista perdesse a autonomia. Acabou prevalecendo a perspectiva da institucionalização do
movimento, através principalmente da criação de Conselhos da condição da Mulher.113 Em
1983 foi fundado pelo governador de São Paulo, Franco Montoro, o primeiro Conselho
Estadual da Condição Feminina. Outros estados criaram seus Conselhos e, em 1985, foi
instituído o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher.114
Ainda na década de 1980, novos temas ganham destaque na pauta feminista, tais
como: saúde, corpo, sexualidade e violência. Essas questões marcam o surgimento de um novo
entre os sexos na sociedade. A pesquisadora Donna Haraway, reitera o pensamento de Joan Scott, quando afirma
que a categoria gênero surge para criticar e ampliar as classificações e sistemas de diferenças entre os sexos.
Segundo Haraway, com a utilização do conceito de gênero a mulher passa a ser percebida como um sujeito social
e atuante na história. A antropóloga alemã, Verena Stolcke, Stolcke, colocou ainda que gênero emergiu como
uma construção simbólica utilizada para analisar as relações entre os homens e as mulheres a partir dos
cruzamentos entre os significados sociais, culturais e psicológicos que recaem constantemente sobre as
identidades sexuais. SCOTT, J. Gênero: Uma categoria útil para a análise histórica. Revista Educação e
Realidade. Tradução de Christine Rufino Dabat e Maria Betânia Ávila. Acesso em
http://www.dhnet.org.br/direitos/textos/generodh/gen_categoria.html 16/10/2006; HARAWAY, Donna. Gênero
para um dicionário marxista: a política sexual de uma palavra. Cadernos pagu, v. 22, p. 209-211, 2004;
STOLCKE, V. Sexo está para gênero assim como raça para etnicidade? Estudos Afro-Asiáticos, nº 20,
1991,p.103.
111
Pinto, op.cit.,p.74.
112
Goldberg, op.cit., p.53; Pinto, op.cit., p. 56.
113
Os Conselhos Estaduais da Condição da Mulher tinham um caráter consultivo e propositivo, não possuíam
orçamento próprio e eram compostos por mulheres do partido do PMDB. Goldberg, op.cit., p. 60-79. Pinto,
op.cit., p. 67.
114
Teles, op.cit., p.143.
38
115
tipo de feminismo fundado no surgimento de coletivos como o SOS, que prestavam
serviços nas áreas da violência e da saúde.
Cresce neste período a campanha feminista contra a violência doméstica.116 Assim,
mulheres agredidas fisicamente, em muitos casos pelos próprios maridos, buscavam apoio e
acolhida no SOS Mulher. Nos coletivos, as mulheres também recebiam auxilio nas questões
relativas à saúde. Segundo Céli Regina Pinto: “Além de temas tradicionais como os cuidados
com a maternidade e com a prevenção do câncer, a questão da saúde das mulheres
pressupunha três outros temas que envolviam controvérsias e preconceitos: planejamento
familiar, sexualidade e aborto”.117
Em 1983, o PAISM (Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher) foi criado
pelo então Ministro da Saúde Valdir Arcoverde118. O PAISM representava os esforços
empreendidos pelas feministas na área da saúde e se tornou o primeiro programa
governamental voltado a atender de forma plena a saúde das mulheres brasileiras. De acordo
com as pesquisadoras Simone Monteiro e Wilza Villela, antes da elaboração do PAISM o
governo tinha implementado o Programa de Saúde Materno-Infantil, a fim de fornecer
assistência médica, tais como o pré-natal, aos filhos das mulheres pobres e carentes119.
Entretanto, conforme as autoras, tal programa recebeu inúmeras críticas provenientes
principalmente do movimento de mulheres:
120
A médica do Ministério da Saúde, Ana Maria Costa, é militante do movimento feminista brasileiro e
coordenou a elaboração do PAISM. Atualmente, Costa é diretora do Departamento de Apoio à Gestão
Participativa do Ministério da Saúde.
121
De acordo com o pesquisador Délcio da Fonseca Sobrinho, a CPMI de 1983 foi instalada no governo
Figueiredo, com o objetivo de investigar problemas relacionados ao aumento populacional no país. A CPMI de
1983 produziu um relatório final fraudulento, baseado quase que integralmente em um documento anterior da
BENFAM (Sociedade Civil de Bem-Estar Familiar no Brasil), portanto não foi possível apurar, de fato, naquele
momento as problemáticas a respeito do controle demográfico no país. Sobre esse assunto ver: SOBRINHO,
Délcio da F. História do planejamento familiar no Brasil. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos: FNUAP, 1993, p.68.
122
Apresentação ao livro de Délcio da Fonseca Sobrinho. In: SOBRINHO, Délcio da F. História do
planejamento familiar no Brasil. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos: FNUAP, 1993, p.11-13.
123
PAISM. Ministério da Saúde. Assistência Integral à Saúde da Mulher: Base de Ação Programática. Brasília,
1984.
40
Durante a década de 1990, o movimento feminista brasileiro passa por uma nova
transformação caracterizada pela profissionalização do feminismo mediante às ONGs de
mulheres. De acordo com Sonia Alvarez, o termo ONG feminista designa determinados
grupos com práticas distintas daqueles dos grupos feministas históricos dos anos 1970 e início
124
Ibid., p. 9 & Ortiz, op.cit., p.30.
125
COSTA, Ana Maria. Desenvolvimento e Implantação do PAISM no Brasil. IN: GIFFIN, Karen & COSTA,
Sarah H. Questões da saúde reprodutiva. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1999, p.327.
126
Monteiro & Villela, op.cit., p.21.
127
CASTILHO, Inês. O plano do Ministério mudando mentalidades. Jornal “Mulherio”, nº 21, 1985, p.10)
41
128
ALVAREZ, S.E. A “Globalização” dos femininos latino-americanos: tendências dos anos 90 e desafios para o
novo milênio. IN: ALVAREZ, S.E.; DAGNINO, E.; ESCOBAR, A (Edt). Cultura e Política nos movimentos
sociais latino-americanos – novas leituras. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2000, p.403.
129
LANDIM, Leilah. A Invenção das ONGs - do serviço invisível à profissão sem nome. Tese de Doutorado,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1993.
42
130
Alvarez, op.cit., p.384.
131
ibid., p.385.
132
Gohn,op.cit.,p.52.
133
Tais Conferências Mundiais ocorridas na década de 1990 foram: a Conferência de Meio Ambiente e
Desenvolvimento (Rio-92), a Conferência de Direitos Humanos (Viena-93), a Conferência Internacional sobre
População e Desenvolvimento no Cairo (1994) e a IV Conferência Mundial sobre a Mulher em Beijing no ano de
1995. Abordarei melhor essas Conferências no terceiro capítulo da dissertação.
134
Alvarez, op.cit.,p.385.
43
Inúmeras foram as ONGs que se espalharam pelo país na década de 1990. Tais grupos
se reuniam em torno das mais variadas identidades. Nesse sentido, existiam ONGs das
mulheres rurais, mulheres portadoras de HIV, mulheres parlamentares, lésbicas, prostitutas,
entre outros grupos. Inclusive, grupos de mulheres negras se organizaram no formato de Ongs,
tais como: Geledés, Criola, Fala Preta! entre outros135. Segundo Alvarez, as Ongs provocaram
tensões dentro do movimento feminista, pois essas novas organizações, que recebem
financiamentos externos e contam com profissionais especializados, acabaram se tornando
líderes do movimento de mulheres136. Mesmo enfrentando resistências por parte de algumas
feministas, essas organizações vingaram e, do fim da década de 1990 até o inicio do século
XXI, foram a forma privilegiada do movimento feminista se organizar e atuar no cenário
nacional.
135
Pinto, op.cit., p. 92.
136
Alvarez, op.cit., p.384.
136
ibid., p.405.
137
Pierucci, op.cit.,p.130.
44
mulheres das classes mais abastadas.138 Segundo Verena Stolcke, diversos autores analisam os
termos gênero, classe e raça sem estabelecer conexões entre eles. A autora, no entanto,
percebe que vistos sob uma ótica social, gênero, classe e raça formam um “sistema combinado
de desigualdades”. Nas sociedades de classe, mulheres negras, por vezes sofrem uma tripla
exploração: gênero, classe e raça139.
As críticas contra o suposto caráter universal do movimento feminista eclodem no
Brasil no final da década de 1980 e no decorrer da década de 1990. Tais críticas ganharam
visibilidade principalmente em virtude dos encontros e seminários de mulheres que ocorreram
por todo país, nos quais emergem demandas das ativistas negras140. Assim, mulheres das mais
variadas origens sociais começam a rejeitar a visão hegemônica no âmbito do feminismo
brasileiro, formado majoritariamente por mulheres brancas, de classe média, universitárias e
heterossexuais. Novas organizações surgem em torno de especificidades e interesses distintos
existentes no interior do feminismo, a saber: mulheres operárias, lésbicas, trabalhadoras rurais,
negras, entre outras141.
Refletindo questões discutidas na esfera pública, os estudos acadêmicos passam a
incorporar temáticas relacionadas ao binômio sexo/classe. Segundo Anette Goldberg: “ Era
muito forte entre os cientistas sociais no final dos anos 70 a tendência a considerar que nada
havia de comum entre problemas das mulheres burguesas (militantes feministas) e problemas
das mulheres exploradas enquanto trabalhadoras”142. Deste modo, uma nova agenda de
pesquisas se criou no país contemplando tanto as condições sociais da mulher operária quanto
a situação das demais trabalhadoras, a exemplo das rurais e das donas-de-casa.
Neste momento de pluralização no interior do movimento feminista, as mulheres
negras também começam a questionar suas posições, tecendo críticas e reivindicando espaço
para a discussão de suas próprias demandas. Aqui se verifica mais uma vez a influência da
experiência estadunidense quanto à problemática racial. Conforme Pierucci, o livro da
138
Pierucci, op.cit.,p.136.
139
Stolcke, op.cit., p.105.
140
RIBEIRO, Matilde. Mulheres negras brasileiras: de Bertioga a Beijing. Revista Estudos Feministas. v. 3, n. 2,
1995.
141
Pinto, op.cit., p. 92.
142
Goldberg, op.cit., p.55.
45
escritora americana bell hooks143, “Ain’t a woman: Black women and feminism”, de 1981,
trouxe à tona o debate racial e as questões que envolviam as mulheres negras dentro do
movimento feminista. Nessa obra, segundo Pierucci, hooks tem o intuito de evidenciar o
preconceito que existia dentro do movimento, na medida em que as feministas brancas não
atentavam para as peculiaridades que cercavam outros grupos de mulheres que não fossem
brancas, ocidentais e de classe média. Neste sentido, o corpo da mulher negra “carregado de
raça e gênero” se torna um dos principais temas nos discursos e produções teóricas realizados
pelas feministas negras americanas. Na perspectiva de Pierucci:
143
A escritora, feminista e ativista bel hooks graduou-se em inglês na Universidade de Stanford. Lecionou Inglês,
Literatura, Estudos feministas e Estudos Afro-Americanos em universidades como: University of California/
Santa Cruz, Yale University, Southwestern University e na San Francisco State University. Acesso em
http://en.wikipedia.org/wiki/Bell_hooks http://www.answers.com/topic/bell-hooks 21/05/2009.
46
negras durante o século XIX. Enquanto que as brancas desempenhavam o papel de esposa
dos homens brancos, as negras - muitas das quais escravas no período - estavam vinculadas
aos homens brancos pelo viés da posse, da propriedade. Dessa maneira, conforme Pierucci
“nesses quadros discursivos, as mulheres brancas não eram legal ou simbolicamente,
inteiramente humanas; os escravos não eram humanos, nem legal, nem simbolicamente”.144
As críticas preconizadas pelas feministas negras norte-americanas começam a ser
incorporadas pelas ativistas negras brasileiras, principalmente no decorrer das décadas de 1980
e 1990, período caracterizado pelo nascimento do movimento de mulheres negras no país.
Como apontou Jurema Werneck:145 “ No feminismo original não havia diferenças palpáveis,
de classe social ou de raça. Só existia a questão de gênero. E não se encarou os conflitos que
existiam por causa dessas diferenças”. Sobre a relação entre mulheres negras e feminismo, a
militante negra e socióloga Luiza Bairros146 afirma que:
(...) questões soavam estranhas, fora de lugar na cabeça da mulher negra (...)
falava-se na necessidade de a mulher pensar o próprio prazer, conhecer o
corpo, mas reservava-se a mulher pobre, negra em sua maioria, apenas o
direito de pensar na reivindicação da bica d’ água. (Bairros, 1988 p.5).
144
Pierucci, op.cit., p.242.
145
Médica, pesquisadora e integrante da Ong carioca Criola.
146
Socióloga, ex-coordenadora do Programa de combate ao racismo institucional do PNUD e Secretária estadual
do Programa da Promoção da Igualdade de Salvador.
147
Assistente Social, ex –Ministra da Secretaria de Políticas Especiais de Políticas de Promoção da Igualdade
Racial.
47
148
RIBEIRO, Matilde. O feminismo em novas rotas e visões. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, vol 14,
n.3, 2006, p.804.
149
Ribeiro, op.cit.,p.805.
150
MAIO, M.C.; MONTEIRO, S.; RODRIGUES, P.H.A.; PAIVA, C.H.A.; PIRES, F & DAMASCO, M.S. A
construção do campo da saúde da população negra no Brasil: idéias, atores e instituições. Projeto de pesquisa
aprovado pelo CNPq 02/2006/ Processo nº 485870/2006-1; HTUN, M. From “racial democracy” to affirmative
action: changing state policy on race in Brazil. Latin American Research Review, 39(1), p.60-89, 2004.
151
Os Encontros Nacionais Feministas recebiam financiamentos dos Conselhos Estaduais da Condição Feminina
e de organizações, tais como: ABONG (Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais), SOF
(SempreViva Organização Feminista), REDEH (Rede de desenvolvimento Humano), entre outros.
48
oficinas, nos locais dos eventos, para debater suas próprias questões, mas que eram abertas as
mulheres em geral.152
O 3º Encontro Feminista da América Latina e do Caribe, que ocorreu em Bertioga/São
Paulo em 1985, foi fundamental para a mobilização das mulheres negras.153 Nesse evento de
Bertioga, as ativistas negras fizeram questão de colocar suas particularidades e suas demandas
relativas à violência, ao combate a práticas racistas no mercado de trabalho e, principalmente
assuntos relativos à saúde: como mortalidade materna e saúde reprodutiva e sexual das
mulheres negras154.
Apesar das críticas que as militantes negras fazem contra a estrutura interna do
movimento feminista, lideranças brancas e negras tinham algumas questões em comum. Por
ocasião da III Conferência Mundial de Mulheres em Nairóbi/1985, Albertina Costa, feminista
branca, Thereza Santos e Sueli Carneiro, ativistas negras, organizaram juntas uma publicação
que continha um diagnóstico acerca da situação da mulher brasileira em diferentes esferas
sociais155. Essa publicação, financiada pelo Conselho Estadual da Condição Feminina de São
Paulo156, foi elaborada para avaliar e divulgar os avanços alcançados pelo governo brasileiro
na Década da Mulher (1975-1985), conforme foi estabelecido pela ONU no momento da
Conferência do Ano Internacional da Mulher em 1975157. De acordo com Matilde Ribeiro:
Este trabalho chamou a atenção porque (...) demonstra com dados sócio-
econômicos a realidade vivenciada pela população negra em geral e a
mulher negra em particular (...) Por quase uma década este estudo
constituiu-se numa importante referência sobre a questão da mulher negra,
seja pelos movimentos, seja pela academia. (Ribeiro, 1995, p.448).
152
Ribeiro, op.cit., p.449
153
Exemplos desses grupos de mulheres negras são o Criola, Fala Preta! e Geledés. No segundo capítulo
evidenciarei melhor essa questão.
154
Ribeiro, op.cit., p. 446-57.
155
CARNEIRO, Sueli; COSTA, Albertina G.O & SANTOS, Thereza. Mulher Negra/Política Governamental da
Mulher. São Paulo: Nobel: Conselho Estadual da Condição Feminina, 1985.
156
O Conselho Estadual da Condição Feminina de São Paulo foi criado em 1983 pelo governador Franco
Montoro. A presidente do Conselho nesse período era Eva Alterman Blay.
157
Colaboraram ainda com a publicação: Carmem Barroso, Cristina Bruschini, Ediva Aparecida, Fulvia
Rosemberg, Thereza Santos, entre outras.
49
158
Carneiro; Santos; Costa, op.cit.,p.9-11.
159
Carneiro; Santos; Costa, op.cit.,p.15-18.
160
Carneiro; Santos; Costa, op.cit.,p.6-29.
161
Carneiro; Santos; Costa, op.cit., p.41-49.
50
162
Carneiro & Costa, op.cit., p.63.
163
Articulação de Mulheres Brasileiras. Síntese do documento das Mulheres Brasileiras à IV Conferência
Mundial das Nações Unidas Sobre a Mulher (Igualdade, Desenvolvimento e Paz). Beijing, setembro/1995.
Agência Internacional Canadense de Desenvolvimento (AICD/CIDA).
164
Plataforma Beijing 95. Um instrumento para as mulheres. Coordenação Sub-Regional Cone Sul de ONGs para
Beijing; Secretaria Executiva de Mulheres Brasileiras para Beijing; Grupo iniciativa para Beijing-Chile; Grupo
Iniciativa para Pequim-Uruguai; Coordenadora de Mulheres do Paraguai e Coordenação Argentina para Pequim.
Santiago do Chile, janeiro de 1996.
165
ibid., p.60.
51
Desta forma, o papel das ativistas negras foi essencial para incluir nos documentos
finais da Conferência a questão da etnia e da raça, como é possível averiguar no item 32 da
Declaração de Beijing:
De acordo com Alvarez, Beijing proporcionou o diálogo entre mulheres das mais
variadas etnias. Cabe destacar, que no Brasil havia bandeiras defendidas pelas feministas no
período que correspondiam aos anseios das mulheres negras, tais como os debates a respeito
do mercado de trabalho – melhores salários, jornada de trabalho e direitos trabalhistas - e
sobre a violência. Contudo, assim como aconteceu nos Estados Unidos, uma das
reivindicações feitas pelas ativistas negras brasileiras às feministas girava em torno do debate
racial, que segundo as militantes negras estava ausente no interior do movimento feminista166.
Como vimos, as mulheres negras no país mantinham críticas ao fato de certas temáticas
serem discutidas no movimento feminista sem levar em consideração a realidade das mulheres
negras. Para Rosália Lemos:
166
CARNEIRO, Sueli. Trazer a negritude ao novo feminismo. Jornal Mulherio, nº 21, abril/maio de 1988, p.17.
52
Contudo em relação a essa colocação de Rosália Lemos, devo lembrar que não eram
somente as mulheres negras que reivindicavam questões ligadas às condições de vida das
mulheres de classes mais baixas. Nos periódicos “Mulherio”, “Brasil Mulher” e “Nós
Mulheres”, se discutiam, ainda na década de 1970, temáticas como a carestia e o custo de vida,
que diziam respeito a todas as mulheres menos abastadas, fossem elas brancas ou negras. Além
disso, nesses mesmos periódicos, a necessidade de criação de creches era um dos assuntos mais
reivindicados, principalmente pelas mulheres que trabalhavam fora e não tinham com quem
deixar seus filhos. No jornal “Mulherio” foram 13 os artigos cujo tema central era a creche.
Nesse sentido, algumas das bandeiras levantadas pelas ativistas negras já eram discutidas pelas
mulheres há algum tempo.
É importante destacar ainda que através de balanços bibliográficos como os de Anette
167
Goldberg, Miriam Pilar Grossi, Bila Sorj e Maria Luiza Heilborn , a respeito dos estudos
sobre a mulher e sobre gênero das décadas de 1970 e 1980, percebe-se que a questão da
raça/etnia não figurava entre os trabalhos sobre o tema. Somente o mapeamento bibliográfico
realizado por Paula Foltran e Débora Diniz168 acerca dos artigos publicados na Revista
Estudos Feministas, entre os anos de 1992 e 2002, contempla a questão da raça/etnia. Segundo
as autoras, a temática relacionada a etnia é a terceira que aparece com maior freqüência nos
dossiês. Porém, tal fato indica que o tema – pelo menos no período analisado - não foi
significativamente discutido entre as especialistas na área, pois segundo Foltran e Diniz os
167
GOLDBERG, A. Feminismo no Brasil Contemporâneo: O Percurso Intelectual de um Ideário Político. BIB.
Rio de Janeiro, n.28, p.42-70, 1989; GROSSI, Miriam Pillar. Revista estudos feministas faz 10 anos: uma breve
história do feminismo no Brasil. Revista Estudos Feministas, v.12, nº especial, p. 211-222, 2004, 2005; SORJ, B;
HEILBORN, M.L. Estudos de Gênero no Brasil. In: MICELI, S. (Org). O que ler na ciência social brasileira.
São Paulo: Editora Sumaré: ANPOCS; Brasília, DF: CAPES, 1999 p.183-235.
168
DINIZ, Débora & FOLTRAN, Paula. Gênero e feminismo no Brasil: Uma análise da revista estudos
feministas. Revista Estudos Feministas, v.12, nº especial, 245-253, 2004.
53
dossiês existem para dar espaço a questões que não foram suficientemente abordadas nas
pesquisas de gênero e feminismo no Brasil169.
Como vimos, entre as décadas de 1980 e 1990, emergiu no interior do movimento
feminista brasileiro uma pluralidade étnica, cultural e de classe. Esse processo resultou na
fragmentação do movimento em vários grupos de mulheres particulares170. Em relação às
mulheres negras, como abordado neste capítulo, a principal crítica centrava-se na falta de
percepção, por parte do movimento feminista, da temática racial e sua importância para a
identidade das mulheres negras atuantes no interior do feminismo. Esse fato foi crucial para
que as ativistas negras brasileiras se mobilizassem e fundassem um movimento próprio,
denominado por elas mesmas de “feminismo negro”.
169
ibidem, p.250.
170
Pierucci, op.cit.,p.130.
CAPÍTULO II - AS FEMINISTAS NEGRAS: A ORGANIZAÇÃO DE UM
MOVIMENTO DE MULHERES
171
CARNEIRO, Sueli. Trazer a negritude ao novo feminismo. Jornal “Mulherio”, nº 21, abril/maio de 1988,
p.17; ROLAND, Edna. O movimento de mulheres negras brasileiras: desafios e perspectivas. IN:
GUIMARÃES, Antonio S.A & HUNTLEY, Lynn. Tirando a máscara. Ensaios sobre o racismo no Brasil. São
Paulo: Paz e Terra, p.237-257, 2000.
172
MOREIRA, Núbia Regina. O feminismo negro brasileiro: um estudo do movimento de mulher negras no Rio
de Janeiro e São Paulo. Dissertação de mestrado em Sociologia. Universidade Estadual de Campinas, 2007;
CONTINS, Márcia. Lideranças negras. Rio de Janeiro: Aeroplano FAPERJ, 2006. BRAZIL, Érico V &
SCHUMAHER, Schuma. Mulheres negras no Brasil. São Paulo: Senac/São Paulo, 2007; CALDWELL, Lily.
Negras in Brazil. Re-envisioning Black Women, Citizenship, and the Politics of Identity. New Jersey: Rutgers
University Press. 2007.
173
HANCHARD, Michael George. Orpheus and Power: The movimento Negro of Rio de Janeiro and São Paulo,
Brazil, 1945-1988. New Jersey: Princeton University Press. 1994, p.201-203; ALBERTI, Verena & PEREIRA,
Amílcar A. (Orgs). Histórias do movimento negro no Brasil: Depoimentos ao CPDOC. Rio de Janeiro: Pallas;
CPDOC-FGV, 2007. 526 p.
174
SKIDMORE, Thomas. Preto no Branco: Raça e nacionalidade no pensamento brasileiro. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1976.
56
175
Andrews,op.cit.,p.200-202; NASCIMENTO, Abdias; NASCIMENTO, Elisa L. Reflexões sobre o movimento
negro no Brasil (1938-1997). IN: GUIMARÃES, Antonio S.A & HUNTLEY, Lynn. Tirando a máscara. Ensaios
sobre o racismo no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, p.237-257, 2000.
p.204.
176
Andrews, op.cit.,p.229; MAIO, Marcos Chor. Negros e judeus no Rio de Janeiro: um ensaio de movimento
pelos direitos civis. Estudos Afro- Asiáticos, nº 25, dezembro de 1993, p.161-188.
177
Andrews, op.cit.,p.231.
178
DOMINGUES, Petrônio. Frentenegrinas: notas de um capítulo de participação feminina na história da luta
anti-racista no Brasil. Cadernos Pagu, nº28, 345-374, 2007.
179
As Rosas Negras eram um grupo de mulheres que se vestiam de branco e eram responsáveis pela organização
de saraus e festivais de literatura e dança. Já a função da Cruzada Feminina era mais voltada para as atividades
beneficentes da entidade e para o provimento de ações que fortalecessem o campo educacional e cultural da FNB.
Sobre esse assunto ver: DOMINGUES, Petrônio. Frentenegrinas: notas de um capítulo de participação feminina
na história da luta anti-racista no Brasil. Cadernos Pagu, nº 28, 345-374, 2007.
180
Domingues, op. cit., p.353.
181
A Ação Integralista Brasileira (AIB) foi um movimento político de inspiração fascista, fundado em 7 de
outubro de 1932, por Plínio Salgado. SKIDMORE, Thomas. De Getúlio Vargas a Castelo Branco (1930-1964).
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 14ª edição, 2007.
182
Maio, op.cit., p.170.
57
assim como aconteceu com os outros partidos políticos. Mesmo com a instituição da ditadura
de Vargas, os negros continuaram a se organizar no país por meio de associações culturais. 183
Com o fim do Estado Novo e a redemocratização de 1945, a imprensa negra ressurge
com a fundação dos jornais “Alvorada” (1945), “Senzala” (1946) e “Novo Horizonte”
(1946)184. Os negros se articularam através do Movimento Brasileiro contra o Preconceito
Racial (Rio de Janeiro), da Associação dos Brasileiros de Cor (Santos), Teatro Popular
Brasileiro (Rio de Janeiro), Associação do Negro Brasileiro (São Paulo), União Nacional dos
Homens de Cor (Rio de Janeiro), etc.185 O Teatro Experimental do Negro (TEN) foi o mais
proeminente desses novos grupos, criado na cidade do Rio de Janeiro no fm do Estado
Novo.186 O TEN utilizou a cultura como mecanismo de luta e atuação política. O grupo criado
por Abdias do Nascimento em 1944 visava o reconhecimento do negro na sociedade
brasileira. 187. Nas palavras do pesquisador Marcos Chor Maio:
183
Andrews, op.cit.,p.283.
184
ibid.,p.284.
185
SILVA, Joselina. A União dos Homens de Cor: aspectos do movimento negro dos anos 40 e 50. Estudos Afro
Asiáticos, ano 25, nº 2, 2003, p.215-235; Nascimento, op. cit ., p.206.
186
Hanchard, op.cit.,p.106.
187
ALMADA. Sandra. Damas negras – Sucesso, lutas e discriminação: Chica Xavier, Léa Garcia, Ruth de
Souza e Zezé Motta. Rio de Janeiro: Mauad, 1995.
188
Colaboraram ainda ao Conselho Nacional das Mulheres Negras: Guiomar Ferreira de Matos, Ironildes
Rodrigues, Milka Cruz, Celso Nascimento, Natalina Corrêa, Alberto Cordovil, Guerreiro Ramos, Virgínia Paim,
58
Maria Manhães, Wilson Silva, Nely Goethschel, Ody Fraga, Nina de Barros e Catty Silva. QUILOMBO.
Instalado o Conselho Nacional das Mulheres Negras. Jornal Quilombo, nº 9, p, 4, 1950.
189
ibid.,p.4.
190
Introdução de Antonio Sérgio Alfredo Guimarães. IN: Quilombo: vida, problemas e aspirações do negro.
Edição fac-similar do jornal dirigido por Abdias do Nascimento. São Paulo: Fundação de Apoio à Universidade
de São Paulo, 2003, p.11.
191
ibid.,p.86.
59
192
QUILOMBO. 1º Congresso do Negro brasileiro. Jornal Quilombo, nº 6, p.73-80, 1950.
193
Quilombo, op.cit, nº 10, p.114-115; Hanchard, op.cit.,p.108.
194
Maio, op.cit.,p.171.
195
Hanchard, op.cit.,p.108-109. Sobre esse assunto ver também: GIACOMINI, Sonia Maria. A Alma da Festa.
Família, etnicidade e projetos num clube social da Zona Norte do Rio de Janeiro: o Renascença Clube. 1a. ed.
Belo Horizonte; Rio de Janeiro: Editora UFMG; IUPERJ, 2006. v. 1. 318 p.
196
Sobre essa fase autoritária da história do Brasil, ver: SKIDMORE, Thomas. De Getúlio Vargas a Castelo
Branco (1930-1964). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 14ª edição, 2007.
60
maior de atuação, setores negros de classe média se mobilizam e trazem à cena pública as
discussões acerca dos problemas enfrentados pelos negros na sociedade brasileira da época197.
Esta nova geração de ativistas negros, com formação universitária, se articulou sob a
influência da militância de negros norte-americanos, tais como: Malcolm X, Martin Luther
King, Angela Davis, Stockley Camichael, entre outros198. Ademais, os jovens militantes
negros se inspiraram em movimentos ocorridos no âmbito internacional, a exemplo dos
processos de independência na África Portuguesa, as insurreições na Ásia e no Caribe, a luta
pelos direitos civis e o “Black Power” nos Estados Unidos199. Ao mesmo tempo, difundiu-se
principalmente pelas cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro uma onda de negritude, calcada
na valorização de elementos referentes à história e à cultura negra, como o samba, a umbanda,
candomblé e a Black Soul Music200.
Em meio a esse fértil contexto da década de 1970, novas organizações emergem no
cenário nacional.201 Tais grupos promoviam reuniões, discussões e eventos sobre a questão da
discriminação racial e acerca da situação e inserção do negro na sociedade brasileira.202 Outro
marco nessa história foi a criação do Centro de Estudos Afro-Asiáticos (CEAA) da Faculdade
Cândido Mendes, Rio de Janeiro em 1973. O CEAA foi um centro de pesquisas coordenado
pelo sociólogo Carlos Hasenbalg e nele aconteciam debates e reuniões entre os ativistas
197
Neste período, intelectuais brasileiros, como o sociólogo Carlos Hasenbalg, privilegiaram em seus estudos e
artigos científicos a questão da discriminação racial e seus efeitos sobre a vida dos negros. Esses trabalhos
fundamentaram a ação dos militantes negros na década de 1970. No fim da década de 1970, os negros também
ganharam a adesão da ala progressista da Igreja Católica brasileira, que lutava ainda contra o regime autoritário e
contra o abuso dos direitos humanos. Andrews, op.cit.,p.317-318.
198
Maio, op.cit.,p.171.
199
Hanchard, op.cit.,p.110; Andrews, op.cit.,p.300.
200
Maio, op.cit.,p.171.
201
Grupo Palmares (Porto Alegre), Centro de Cultura e Arte Negra- Cecan (São Paulo), Grupo Evolução (Rio de
Janeiro), Sociedade de Intercâmbio Brasil-África – Sinba (Rio de Janeiro), Bloco Ilê-Aiyê (Bahia), Instituto de
Pesquisas das Culturas Negras –IPCN (Rio de Janeiro), para citar somente os mais importantes. Devido a essa
gama de novas organizações negras, distintas entre si, que emergem no cenário nacional a partir da década de
1970, alguns autores afirmam que na verdade o que existe são movimentos negros e não um único movimento
negro no país. GONZALES, Lélia. O movimento Negro na última Década. IN: GONZALES, Lélia &
HASENBALG, Carlos. Lugar de Negro. Editora Marco Zero Limitada: Rio de Janeiro, 1982, p.9-67.ALBERTI,
Verena & PEREIRA, Amílcar A. Qual África? Significados da África para o movimento negro no Brasil.
Estudos Históricos, Rio de Janeiro, nº 39, jan-jun de 2007, p.31-32.
202
Durante a década de 1970, militantes negros como Hamilton Cardoso, Milton Barbosa, Flavio Carranca,
Vanderlei José Maria e Rafael Pinto estavam inseridos em partidos e grupos de esquerda, como a Convergência
Socialista na cidade de São Paulo. A Convergência tinha um jornal próprio o Versus, publicado entre os anos de
1977 a 1979. No Versus havia uma seção intitulada “Afro-Latina América”, em que os ativistas negros ligados à
Convergência socialista escreveram artigos, notas e comentários acerca da posição que o negro ocupava no
Brasil. Hanchard, op.cit.,p.123.
61
negros. Todas as atividades e discussões promovidas por essas entidades negras da década de
1970 ajudaram na criação do Movimento Negro Unificado (MNU) anos mais tarde203.
Em julho de 1978, ativistas negros dos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro,
lançaram o Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial (MNUCDR)204,
mediante ato público nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo. A criação do
MNUCDR esteve intimamente associada a dois fatos ocorridos no fim da década de 1970 na
cidade de São Paulo: o primeiro foi a morte do jovem negro Robson Silveira da Luz nas
dependências da polícia, detido sem nenhuma acusação efetiva205; o segundo fato foi a
expulsão de quatro jovens jogadores de vôlei negros do Clube de Regatas Tietê em São Paulo.
Estes dois acontecimentos somados a um contexto prévio de mobilizações, por parte dos
militantes negros, tais como a Frente Negra Brasileira, o Teatro Experimental do Negro, a
criação do Sinba, do IPCN e do Centro de Estudos Afro-Asiáticos, contribuíram de forma
decisiva para a criação do MNUCDR206.
Durante os meses de julho e setembro de 1978, assembléias e reuniões foram
organizadas em diferentes estados brasileiros com o intuito de disseminar os objetivos e
propostas levantados pelo MUCDR. Este se transforma mais tarde em MNU (Movimento
Negro Unificado)207. Tal organização opunha-se à ideologia da democracia racial, denunciava
o racismo e propunha a necessidade de pressionar o governo a combater a discriminação
racial no interior de suas próprias organizações208.
No primeiro documento produzido pelo MNU, a Carta Convocatória para o Ato
Público Contra o Racismo, suas lideranças afirmaram que:
203
ALBERTI, Verena & PEREIRA, Amílcar A. Qual África? Significados da África para o movimento negro no
Brasil. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, nº 39, jan-jun de 2007, p.31-32.
204
Nascimento & Nascimento, op.cit., p.218.
205
Devemos lembrar que o Brasil nesse momento vivia em uma ditadura militar, onde prisões e torturas por parte
da polícia eram métodos usados para punir àqueles considerados “subversivos” pelo governo. No entanto, a
morte desse jovem negro aconteceu sem provas contundentes e em um período de abertura política, em que a
violência militar já não era tão utilizada.
206
Andrews, op.cit.,p.301.
207
Segundo depoimento concedido por Milton Barbosa, a frase “Contra Discriminação Racial” foi retirada e
acabou ficando como uma palavra de ordem. E, o termo “negro” foi inserido no título do movimento por sugestão
de Abdias do Nascimento e Lélia Gonzáles. ALBERTI, Verena & PEREIRA, Amílcar A. (Orgs). Histórias do
movimento negro no Brasil: Depoimentos ao CPDOC. Rio de Janeiro: Pallas; CPDOC-FGV, 2007, p.156.
208
Gonzáles, op.cit.,p.44; DOMINGUES, Petrônio. Movimento negro brasileiro: alguns apontamentos históricos.
Tempo, vol. 12, nº 23, 2007, p.113.
62
209
Domingues, op.cit.,p.112.
210
Este forte viés de esquerda desagradou alguns dos membros do MNU e também desestimulou a entrada de
muitos outros adeptos. Contudo, mesmo àqueles que não partilhavam da postura ideológica de esquerda do MNU
ressaltaram a importância das ações que o MNU organizava em benefício do combate ao racismo no país.
Hanchard, op.cit.,p.127.
211
Andrews, op.cit.,p.303.
212
ibid, p.166.
213
Hanchard, op.cit.,p.126.
214
O Kizomba foi um grupo liderado pelo cantor Martinho da Vila e que reuniu não somente artistas, mas
também intelectuais e profissionais de todas as áreas, desde o setor de informática até educação. O kizomba foi
criado depois da realização do show Acorda Crioulo, em homenagem a Zumbi dos Palmares, pela Rede Globo no
dia 20 de novembro de 1982. CONTINS, Márcia. Lideranças Negras. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2005, p.392-
393.
63
215
Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (IPEAFRO) ligado à PUC/SP. Ainda
neste período vários eventos acerca da temática negra se organizam no país, a saber : o 3º
Congresso de Cultura Negra das Américas (São Paulo) e o 1º Encontro Nacional das
Entidades Negras – ENEM (São Paulo)216.
Com o retorno à democracia durante a década de 1980 e a vitória de partidos de oposição
nas eleições estaduais e municipais, a questão do negro emerge no plano parlamentar.
Políticos ligados a partidos como o PDT, PMDB e PT incluem em suas plataformas políticas
temas em prol da população negra e conseguem eleger representantes negros para ocuparem
cargos em seus gabinetes de governo. Brizola, quando foi eleito governador do Rio de Janeiro,
nomeou três negros, Carlos Alberto Caó, Edialeda Salçado Nascimento e Carlos Magno
Nazareth, como Secretários de Governo e ainda criou a Secretaria Extraordinária de
Desenvolvimento e Promoção das Populações Negras (Sedepron). Um outro exemplo pôde ser
visto através do governo de Franco Montoro no estado de São Paulo. Montoro, que também
empreendeu medidas a favor das mulheres brasileiras, criou um órgão especial dedicado à
questão negra no estado de São Paulo em 1982: a Secretaria da Cultura e Assessoria de
Assuntos Afro-Brasileiros.217
Entre o fim da década de 1980 e no decorrer dos anos 90, alguns ativistas negros como
Abdias do Nascimento218, Benedita da Silva e Carlos Alberto de Oliveira Caó são eleitos
219
deputados federais e ganham espaço no Congresso Nacional . Em meio aos eventos
realizados no país em decorrência do centenário da abolição da escravatura em 1988, as
questões relativas aos negros ganham maior visibilidade220. Neste cenário, o deputado federal
Carlos Alberto Caó (PDT), elaborou emenda constitucional, aprovada pela Assembléia
215
Alberti & Pereira, op.cit., p.170-177.
216
Nascimento & Nascimento, op. cit., p.220-224.
217
Maio, op.cit.,p.172; Andrews, op.cit.,p.317-321; Hanchard, op.cit.,p.133-135.
218
Abdias Nascimento foi ainda senador da República de 1997 a 1999. www.abdias.com.br Acesso em
06/07/2009.
219
Não foi fácil a ascensão dos negros à esfera parlamentar. Nas eleições de 1982 e 1986 a maior parte dos
candidatos negros, que embasou sua plataforma política essencialmente na questão racial, foi derrotada nas
eleições municipais e estaduais promovidas por todo o país. Andrews, op.cit.,p.313-314.
220
O Presidente José Sarney celebrou o centenário da emancipação dos escravos, em 13 de maio de 1988, como
uma importante data nacional. Nesse sentido, o Ministério da Cultura elaborou uma programação comemorativa
que incluiu concertos, exposições de arte, conferências e debates públicos, palestras, etc. Além disso, a mídia
preparou várias matérias para homenagear a data e a Igreja Católica adotou como lema de sua Campanha da
Fraternidade anual “O Negro e a Fraternidade”. Hanchard, op.cit.,p.340-342.
64
221
Hanchard, op.cit.,p.137.
222
A implementação das cotas raciais em universidades brasileiras tem provocado muito debate e discussões na
esfera política do país. A mídia vem retratando, desde o início do ano 2000, as posições divergentes e os
confrontos públicos que estão sendo travados entre os grupos que defendem as cotas e os que são contrários à
implantação das mesmas nas universidades públicas do país.
223
Sobre esse assunto ver: GRIN, Monica. Este Ainda Obscuro Objeto de Desejo: Políticas de Ação Afirmativa e
Ajustes Normativos. Novos Estudos. CEBRAP, São Paulo, v. 59, p. 172-192, 2001; Maggie, Y.; Fry, P. 2004 A
reserva de vagas para negros nas universidades brasileiras. Estudos Avançados, v. 18, n. 50), p. 67-80; FRY, P.a.
Politics, nationality, and the meanings of “race” in Brazil. Journal of the American Academy of Arts and Sciences
– Daedalus, 129, p.83-118, 2000.
224
HTUN, Mala. From “Racial democracy” to affirmative action. Changing State Policy on Race in Brazil. Latin
American Research Review, vol. 39, nº 1, p. 60-89, 2004; MAIO, Marcos Chor & MONTEIRO, Simone. Tempos
de racialização: o caso da ‘saúde da população negra’ no Brasil. Rev. História, Ciência, Saúde- Manguinhos.
Vol.12, n.2, pp. 419-446, 2005.
225
FRY, Peter. O significado da anemia falciforme no contexto da “política racial” do governo brasileiro (1995-
2004), História, Ciências, Saúde: Manguinhos, 12(2) p .347-70, 2006.
65
226
Contins, op.cit.,p.252-306; Alberti & Pereira, op.cit.,p.148-149; Quilombo, op.cit.,p.4.
227
Contins, op.cit.,p.272.
228
Hanchard, op.cit.,p.126.
229
Brazil & Schumaher, op.cit.,p.329.
230
Lemos, op. cit.,p.40.
231
Caldwell, op.cit.,p.155-156; Contins, op.cit.,p.319-321.
66
Ativistas negras também criticavam o papel diminuto e secundário que as mulheres negras
ocupavam no movimento negro, pois os cargos de chefia, coordenação e liderança na maior
parte das vezes eram designadas aos homens232. Inclusive, uma parte dos militantes do
movimento negro reagiu ao nascimento do movimento de mulheres negras no país, afirmando
que tal mobilização era desnecessária e que acabaria provocando uma divisão entre os
militantes negros233.
Outra questão que provocou divergência entre mulheres negras e os homens do movimento
negro diz respeito à questão da saúde reprodutiva, temática que centralizou e direcionou a
pauta de ações das “feministas negras”, como veremos no próximo capítulo. O embate mais
significativo envolveu militantes do movimento negro e as participantes do programa de
Saúde do Geledés234. Os primeiros condenavam totalmente a prática da esterilização cirúrgica
nas mulheres negras. Tais ativistas chegavam até mesmo a declarar que gerar filhos seria uma
tarefa política das mulheres negras. Em contraposição a essa visão, estava o Geledés e
algumas militantes do MNU de Belo Horizonte, que afirmavam que a questão dos direitos
reprodutivos deveria ser analisada e discutida com mais cautela, levando-se em consideração
as necessidades e desejos das mulheres negras235. Assim, uma das metas do Programa de
Saúde do Geledés era a regulamentação da prática da esterilização cirúrgica para que esta não
fosse exercida sem controle e de forma abusiva.
Pelas evidências apresentadas, vimos que ativistas negras empreenderam críticas ao
movimento negro, sobretudo, pelo fato de considerarem que o movimento não incorporava
plenamente em suas discussões uma questão fundamental à identidade das militantes negras: a
questão do gênero. Tal fato contribuiu para que as “feministas negras” se aglutinassem em um
grupo próprio, que contemplasse suas especificidades. 236
232
É preciso destacar, contudo que mulheres negras como Lélia Gonzáles e Maria Nascimento ocuparam papéis
de destaque no movimento negro. Gonzáles, inclusive foi uma das criadoras do MNU na década de 1970.
RIBEIRO, Matilde. Mulheres negras brasileiras: de Bertioga a Beijing. Revista Estudos Feministas. v. 3, nº 2.
Rio de Janeiro: IFCS/UFRJ, p.446-459, 1995. Edna Roland. O movimento de mulheres negras brasileiras:
desafios e perspectivas. IN: GUIMARÃES, Antonio S.A & HUNTLEY, Lynn. Tirando a máscara. Ensaios sobre
o racismo no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2000; Caldwell, op.cit.,p.156; Lemos, op.cit.,p.52.
233
Lemos, op.cit., p.48.
234
Falarei melhor sobre a Ong de mulheres negras Geledés nas próximas páginas do capítulo.
235
Roland, op. cit.,p.247; Caldwell, op.cit.,p.156; Contins, op.cit.,p.218.
236
Moreira, op.cit.,p.44; Roland, op.cit.,p.157; Brazil &Schumaher, op.cit.,p.327; Caldwell, op.cit.,p.157.
67
239
Informações extraídas do site http://www.leliagonzalez.org.br/ Acesso em 11/12/2008; BARRETO, Raquel de
A. B. Enegrecendo o feminismo ou feminizando a raça: narrativas de libertação em Angela Davis e Lélia
Gonzáles. 2005, 128 f. Dissertação (Mestrado em História Social da Cultura). PUC/RIO, Rio de Janeiro, 2005,
p.25-30.
240
Os artigos escritos por Gonzáles no “Mulherio” foram: Democracia racial? Nada disso, nº 4,
novembro/dezembro de 1981, p. 3; Pesquisa realizada por Lélia Gonzáles que mostra a situação desigual das
mulheres negras no mercado de trabalho, nº 3, setembro/outubro de 1981, p.9; De Palmares às escolas de samba,
tamos aí, nº 5, jan/fev de 1982, p.3; Beleza negra ou: ora- yê-yê, nº 6, abril de 1982, p.3; E a trabalhadora negra
cumé que fica?, nº 7, maio/junho de 1982, p.9.
241
OLIVEIRA, F. Saúde da População Negra. Brasil: Ano 2001. Brasília: Opas, 2003. 344 p. CARNEIRO,
Aparecida Sueli. Fátima Oliveira (capítulo 7). IN: “A construção do outro como não-ser como fundamento do
ser”. Tese apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Educação na USP. São Paulo, 2005.
69
242
Informações extraídos do site http://www.mundonegro.com.br/ Portal de notícias da comunidade “afro-
brasileira”. Acesso em 11/12/2008.
243
Informações extraídas do currículo Lattes de Sueli Carneiro. Acesso em 11/12/2008.
http://lattes.cnpq.br/7678739683880251
244
Informações extraídas do site www.universia.com.br . Site de informações e serviços universitários. Acesso
em 11/12/2008.
70
245
Informações extraídas do currículo Lattes de Jurema Pinto Werneck. Acesso em 11/12/2008.
http://lattes.cnpq.br/7035304554882361
246
Informações extraídas do Portal Afro http:// www.portalafro.com.br/entidades/falapreta6/matilderibeiro.htm
Acesso em 11/12/2008.
247
Brazil & Schumaher, op.cit.,p.352.
248
Informações extraídas do currículo lattes de Fernanda Lopes. Acesso em 29/05/2009.
http://lattes.cnpq.br/7245997800351343
71
entidades como a Fundação Cultural Palmares e conselhos, como o Conselho Nacional dos
Direitos da Mulher; assumiram coordenadorias em organismos internacionais, no Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento no Brasil (PNUD); conseguiram financiamento
de agências internacionais às suas ações; representaram o país em conferências internacionais,
a exemplo da III Conferência Mundial contra o Racismo na África do Sul e foram nomeadas
para importantes funções públicas como no caso do cargo de ministra-chefe da Secretaria
Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Brasil.249 Enfim, essas ativistas
negras, vinculadas tanto ao movimento negro quanto ao feminista, desde o início da década de
1980 até meados da década de 1990, galgaram importantes posições no espaço político
nacional.
249
Brazil & Schumaher, op.cit.,p.350-358; Htun, op.cit.,p.78; Carneiro, op.cit.,p.25.
250
Carneiro, op.cit., p. 27.
251
SILVA, Francisco Carlos Teixeira. Crise da ditadura militar e o processo de abertura política no Brasil, 1974-
1985. In: FERREIRA, Jorge & DELGADO, Lucilia D. A.N. O Brasil Republicano: O tempo da Ditadura –
regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2003, p.273-
275.
72
252
Este Conselho foi o primeiro órgão governamental direcionado especificamente à luta pelos direitos e questões
femininas no país. TELES, Maria Amélia. Breve história do feminismo no Brasil. Brasília: Brasiliense, 2003,
p.143.
253
Brazil & Shumaher, op.cit.,p.350; Caldwell, op.cit.,p.158; RIBEIRO, Matilde. A presença das mulheres
negras na luta anti-racista e feminista. Que cara tem a mulher brasileira? Seminário Gênero, Classe e raça.
Instituto Cajamar, p.42-56, 1994.
254
Sobre esse assunto ver: BRAZIL, Érico V & SCHUMAHER, Schuma. Mulheres negras no Brasil. São Paulo:
Senac/São Paulo, 2007.
255
Lemos, op.cit.,p.69; Moreira, op.cit.,p.90; Brazil & Shumaher, op.cit.,p.330.
256
Darei destaque aos grupos de mulheres negras que mais se relacionam ao tema da minha dissertação.
257
Além de Lélia, Jurema Batista, Regina Coeli, Pedrina de Deus, Ivonete Corrêa, entre outras mulheres
contribuíram à criação do organismo em 1983. Brazil & Schumaher, op.cit.,p.333.
258
Lemos, op.cit.,p.74.
259
Roland, op.cit.,p.241.
73
1988, surgiu no país um dos principais grupos de mulheres negras dos dias atuais: o Geledés-
Instituto da Mulher Negra. O Geledés foi criado por mulheres que atuaram anteriormente no
Coletivo de Mulheres Negras de São Paulo (1983). A criação do Geledés esteve pautada na
linha de atuação das ONGs feministas, organizações que adquiriram importância no cenário
nacional durante a década de 1990, como vimos no primeiro capítulo. Nesse sentido, as
militantes do Geledés, ao criarem a entidade, objetivaram assumir as ações referentes à mulher
negra, desvinculando-as da influência e da ação do Estado260.
O Geledés concentrou sua atuação em três programas: Programa de Direitos
Humanos/SOS Racismo, Programa de Saúde e o Programa de Comunicação. Ele foi o
primeiro grupo de mulheres negras no país a organizar atividades na área da saúde reprodutiva
e na prevenção da AIDS.261 Na década de 1990, outras organizações de mulheres negras, tais
como o Criola e o Fala Preta! Organização de Mulheres Negras foram criados com intuito de
promover e atender às demandas das mulheres negras no país, tais como: o combate à
violência doméstica, a luta contra o racismo, atenção à saúde, entre outras.
O grupo Criola foi criado em 1992 no Rio de Janeiro, por um grupo de mulheres negras
oriundas do Programa de Mulheres do Centro de Articulação de Populações Marginalizadas
(CEAP), tais como: Jurema Werneck, Lúcia Xavier, Neuza das Dores Pereiras, etc. Um dos
seus objetivos principais é capacitar mulheres, adolescentes e meninas negras para o
desenvolvimento de ações de combate ao racismo, ao sexismo, a homofobia e para a melhoria
das condições de vida da população negra.262
O Fala Preta! Organização de Mulheres Negras surgiu em São Paulo no ano de 1997. A
missão do Fala Preta! é lutar contra qualquer tipo de discriminação e violência. Além disso, a
ONG desenvolve projetos, direcionados especialmente às mulheres negras, em diferentes áreas
temáticas, tais como: saúde reprodutiva, sexualidade, saúde mental, saneamento básico,
educação, habitação e transporte263.
Destaco ainda nesse processo o surgimento da Rede Nacional de Saúde, direitos sexuais e
reprodutivos (Rede Saúde), com sede na cidade de Porto Alegre, se estabeleceu em 1991,
260
Moreira, op.cit.,p.99; http://www.geledes.org.br/ Acesso em 07/07/2009.
261
GELEDÉS. INSTITUTO DA MULHER NEGRA. Mulher Negra e Saúde. Cadernos Geledés 1, 1991.
262
Contins, op.cit.,p.306-352.
263
Site do Portal Afro. http://www.portalafro.com.br/entidades/falapreta.htm Acesso em 08 de dezembro de
2008; Roland, op.cit., p.243.
74
através de uma articulação de mulheres. Com o intuito de atuar em prol da ampliação dos
direitos sexuais e reprodutivos femininos, a Rede Saúde contemplou também a questão da
saúde reprodutiva das mulheres negras264. No Jornal da Rede Saúde, editado de maio de 1992
a julho de 2006, artigos sobre a saúde da mulher negra estão presentes. Acrescente-se o fato de
a Secretaria Executiva da Rede ter sido ocupada por uma ativista do movimento feminista e de
mulheres negra: a médica Fátima Oliveira, o que sugere uma ligação entre as mulheres negras
e a Rede Saúde.
Existem também entidades nacionais negras que contribuíram para o desenvolvimento do
“feminismo negro”, a exemplo do próprio MNU, do Grupo Casa Dandara (Mina Gerais),
Soweto (São Paulo), Olodum (Bahia) e CEAP (Rio de Janeiro), pois abriram espaço em suas
agendas para assuntos relacionados ao cotidiano das mulheres negras no Brasil.265
264
Site da Rede Nacional Feminista de Saúde sexual e reprodutiva. http://www.redesaude.org.br/index2.htm
Acesso em 08 de dezembro de 2008.
265
Brazil & Schumaher, op.cit., p.330-347; Contins, op.cit.,p.252-306.
266
Lemos, op.cit.,p.56, 1997.
267
CARNEIRO, Sueli. A Mulher negra na sociedade brasileira: o papel do movimento feminista na luta anti-
racista. In: MUNANGA, Kabengele. O Negro na sociedade brasileira: resistência, participação, contribuição.
Brasília: Fundação Cultural Palmares. 2004, p. 313.
75
268
Brazil & Schumaher, op.cit.,p.363.
269
Contins, op.cit.,p.285-286.
270
Lemos, op.cit., p.79-85.
271
LEON, Ethel. 3º Encontro feminista latino-americano e do Caribe. Jornal “Mulherio”, nº 22, p. 9, 1985.
272
ibid.,p.9.
76
273
As mulheres negras estiveram presentes em outros Encontros feministas e de mulheres no Brasil, tais como: O
Seminário: O papel e o comportamento da mulher na realidade brasileira no Rio de Janeiro (1975); o I Encontro
Nacional Feminista em Fortaleza (1979); II Congresso da Mulher Paulista em São Paulo (1980); I Congresso das
Mulheres Trabalhadoras em São Paulo (1986), entre outros. Brazil & Shumaher, op.cit.,p.366.
274
Carneiro, op.cit., p.313.
275
RIBEIRO, Matilde. A presença das mulheres negras na luta anti-racista e feminista. In: Que cara tem a
mulher brasileira? Seminário Gênero, classe e raça. Instituto Cajamar, 1994, p.49.
276
Carneiro, op.cit., p.313; Contins, op.cit.,p.284-285.
277
Conforme Ribeiro, as responsáveis pelo I Encontro Nacional de Mulheres Negras sofreram críticas tanto do
movimento feminista, quanto do movimento negro, pois as lideranças de ambos movimentos acreditavam que as
mulheres negras pretendiam promover uma ruptura total em relação a eles. Ribeiro, 1995, op.cit.,p.449.
77
278
O I Encontro Nacional de Mulheres Negras de 1988, foi precedido pelo I Encontro Estadual de Mulheres
Negras, organizado pelo Coletivo de Mulheres Negras de São Paulo em 1986. Brazil & Shumaher, op.cit.,p.366;
Roland, op.cit., p.238.
279
CARNEIRO, Sueli. A organização nacional das mulheres negras e as perspectivas políticas. Cadernos
Geledés, nº 4, novembro de 1993, p.23-29; Brazil & Schumaher, op.cit.,p.137.
280
Discorrerei melhor sobre esse Fórum contra a esterilização em massa no próximo capítulo.
281
Ribeiro, op.cit., p.453.
282
Relatório final do II Encontro Nacional de Mulheres Negras, Salvador, 1991.
78
283
Roland, op.cit.,p.244.
284
Discorrerei melhor sobre esse seminário no Capítulo 3.
285
GELEDÉS-INSTITUTO DA MULHER NEGRA. Declaração de Itapecerica da Serra das mulheres Negras
Brasileiras/ Seminário Nacional Políticas e Direitos Reprodutivos das mulheres negras. Itapecerica da Serra, São
Paulo, 1993.
286
ibid.,p.1-5.
79
Mulher (Beijing, 1995)287. Estes privilegiaram a discussão dos seguintes temas: a igualdade
de direitos entre homens e mulheres, liberdade reprodutiva e sexual, inserção da mulher no
mercado de trabalho e na política, etc288. Como já assinalado no primeiro capítulo, para
diversas “feministas negras”, a Conferência de Beijing constituiu-se num marco fundamental
para o movimento de mulheres negras, na medida em que o governo brasileiro incluiu no
documento oficial da Conferência a temática racial, reconhecendo a discriminação racial como
um grave problema social que atinge mulheres em todo o mundo289.
Em meados da década de 1990, ainda ocorreram duas reuniões nacionais do movimento de
mulheres negras. A primeira delas aconteceu em abril de 1997 em Campinas e, contou com a
presença de 58 mulheres que tinham por objetivo avaliar o II Encontro da Rede de Mulheres
Afrocaribenhas e Afrolatino-americanas realizado no ano anterior na Costa Rica. Nesse
encontro, os principais pontos debatidos foram: “as formas de organização nacional das
mulheres negras, repercussão nacional da vinculação das mulheres negras com a Rede de
Mulheres Afrocaribenhas e Afrolatino-americanas (RMAA) e a definição de bandeiras de luta
na atual conjuntura política”. Ao final dessa reunião constituiu-se uma Comissão Operativa
Nacional – formada por Edna Roland, Edileuza Penha de Souza, Jurema Werneck e Regina
Goulart Nogueira - que produziu, com o apoio do Conselho Estadual Feminino de São Paulo –
dois boletins informativos acerca dos pontos discutidos na Reunião realizada em Campinas no
mês de abril. 290
A segunda Reunião Nacional de Mulheres Negras ocorreu em Belo Horizonte, nos dias 20
e 21 de setembro, de 1997. De acordo com o relatório final elaborado pela comissão
organizadora desse evento – composta por Benilda Regina Paiva de Brito, Fátima Oliveira,
Osvaldina de Souza Silva, Silvana Aparecida do Nascimento, Yone Maria Gonzaga e Kia
287
ALVAREZ, S.E. A “globalização” dos femininos latino-americanos: tendências dos anos 90 e desafios para o
novo milênio. IN: ALVAREZ, S.E.; DAGNINO, E.; ESCOBAR, A (Edt). Cultura e Política nos movimentos
sociais latino-americanos – novas leituras. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2000, p.383-426.
288
NAÇÕES UNIDAS. Programa de Ação da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento,
Cairo, 1994; UNITED NATIONS. Plataform for action and the Beijing Declaration. Fourth World Conference on
Women, Beijing, China, 1995. Departament of Public Information. United Nations, New York 1996. Acervo do
Cedim (Centro de Documentação e Informação da Mulher)/RJ.
289
UNITED NATIONS. Plataform for action and the Beijing Declaration. Fourth World Conference on Women,
Beijing, China, 1995. Departament of Public Information. United Nations, New York 1996, p.10. Acervo do
Cedim (Centro de Documentação e Informação da Mulher)/RJ.
290
BRITO, Benilda R.P et all. Relatório final da Reunião Nacional das Mulheres Negras. Belo Horizonte, 1997,
p.7, apud Relatório da Comissão Operativa e da Comissão Organizadora da Reunião Nacional de Mulheres
Negras. Belo Horizonte, 13/07/1997.
80
291
Brito, op.cit., p.12-13.
292
Ibid, p.12; Caldwell, op.cit.,p.163-165.
293
BRITO, Benilda R.P et al. Relatório final da Reunião Nacional das Mulheres Negras. Belo Horizonte, 1997,
p.251; Caldwell, op.cit.,p.166-168.
81
294
Sobre esse assunto ver: RIBEIRO, Matilde. Reflexões sobre o processo de organização das mulheres negras.
Comissão do Fórum de Mulheres Negras de São Paulo. 1992.
295
Roland, op. cit., p.248.
296
Caldwell,op.cit.,p.164-165.
82
1980 e 1990.302 Nesse sentido, evidenciei quais foram as mulheres que lideraram as ações do
“feminismo negro”, apontando como e onde atuaram. Apontei ainda as principais questões
debatidas pelas ativistas nos seminários e encontros que elas organizaram em diferentes
cidades do país, entre os anos de 1980 e 1990.303 Uma das principais reivindicações das
militantes, nesse período, girava em torno da temática da saúde reprodutiva. Essa questão
ocupou um papel preponderante à conformação do “feminismo negro” brasileiro, como
demonstrarei no capítulo a seguir.
302
Saliento que as ativistas negras brasileiras tiveram participação significativa na III Conferência Mundial
Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas em Durban, África do Sul (2001).
Elas formaram inclusive uma Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras Pró-Durban (AMNB),
composta por diferentes grupos de mulheres negras do país, com objetivo de debater e promover as
reivindicações e assuntos defendidos pelo “feminismo negro brasileiro” 302. Inclusive a militante negra Edna
Roland foi escolhida relatora geral do referido evento internacional. RUFINO, Alzira. Vocês não podem adiar
mais os nossos sonhos. Revista Estudos Feministas, vol 10, nº 1, p.215-218, 2002. Htun, opc.it.,p.81-83.
303
Saliento que as ativistas negras brasileiras tiveram participação significativa na III Conferência Mundial
Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas em Durban, África do Sul (2001).
Elas formaram inclusive uma Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras Pró-Durban (AMNB),
composta por diferentes grupos de mulheres negras do país, com objetivo de debater e promover as
reivindicações e assuntos defendidos pelo “feminismo negro brasileiro” 303. Inclusive a militante negra Edna
Roland foi escolhida relatora geral do referido evento internacional. RUFINO, Alzira. Vocês não podem adiar
mais os nossos sonhos. Revista Estudos Feministas, vol 10, nº 1, p.215-218, 2002. Htun, op.cit.,p.81-83.
CAPÍTULO III – AS FEMINISTAS NEGRAS E A QUESTÃO DA SAÚDE
REPRODUTIVA NO BRASIL
Neste capítulo investigo a atuação das ativistas negras no campo da saúde pública no
Brasil. Meu objetivo central é verificar a importância que a questão da saúde reprodutiva
adquiriu para as “feministas negras” desde o início da militância delas na década de 1980. Há
autoras304 que afirmam inclusive que a temática da saúde reprodutiva, em especial a prática da
esterilização cirúrgica305, foi a origem de um ativismo feminista negro no Brasil na medida em
que a temática provocou as primeiras ações e discussões do movimento de mulheres negras
brasileiras na década de 1980.
Apresento inicialmente os conceitos fundamentais ao entendimento do tema em
questão. São eles: direitos reprodutivos, direitos sexuais, saúde reprodutiva e planejamento
304
ARAÚJO, Maria José de Araújo. Reflexões sobre a saúde da mulher negra e o movimento feminista. Jornal
da Rede Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos. São Paulo, n.23, p.25-26, março 2001; ROLAND, Edna.
Direitos reprodutivos e racismo no Brasil. Revista Estudos Feministas, v.3, n.2, p. 506-14, 1995; SOUZA, Vera
C. de. Mulher negra e miomas: uma incursão em saúde, raça/etnia. 1995, 90 f. Dissertação (Mestrado em
Ciências Sociais). PUC/SP, São Paulo, 1995 e OLIVEIRA, Fátima. Saúde da População Negra. Brasil: Ano
2001. Brasília: OPAS, 2003. 344 p.
305
A prática da esterilização cirúrgica pode ser realizada em homens e em mulheres. Nas mulheres, a
esterilização, também conhecida como laqueadura ou ligação de trompas, consiste numa operação feita nas
trompas para impedir o encontro do óvulo da mulher com espermatozóide do homem, evitando assim a gravidez.
Já a esterilização masculina, também denominada de vasectomia, consiste numa operação feita nos canais
deferentes dos órgãos genitais do homem, que provoca o fechamento da passagem de saída dos espermatozóides,
impedindo com isso que o homem engravide a mulher. Tanto a esterilização feminina quanto a masculina, são
consideradas pelos médicos métodos anticoncepcionais cirúrgicos e irreversíveis.
Departamento de Saúde Reprodutiva e Pesquisa (SRP) da Organização Mundial de Saúde OMS e Escola
Bloomenberg de Saúde Pública/ Centro de Programas de Comunicação (CPC) da Universidade Johns Hopkins,
Projeto INFO. Planejamento Familiar: Um manual global para Prestadores de Serviços de Saúde. Capítulo 11
(Esterilização Feminina, p.165-183). Baltimore e Genebra: CPC e OMS, 2007. (A citação contida no documento
é essa)
85
306
PITANGUY, Jacqueline. O Movimento Nacional e Internacional de Saúde e Direitos Reprodutivos. IN:
GIFFIN, Karen & COSTA, Sarah Hawker (Orgs). Questões da Saúde Reprodutiva. Rio de Janeiro: Editora
Fiocruz, 1999, p.21.
86
307
É importante lembrar que esses temas já despertavam preocupações das feministas brasileiras desde a década
de 1970. As feministas defendiam o direito da mulher decidir livremente acerca de sua vida sexual e reprodutiva.
Assim, eram contra preceitos religiosos, econômicos ou tendências demográficas que recaiam sobre a questão do
controle populacional no país. VILLELA, Wilza V. & ARILHA, Margareth. Sexualidade, gênero e direitos
sexuais e reprodutivos. IN: BERQUÓ, Elza. Sexo e Vida: Panorama da saúde reprodutiva no Brasil. Campinas,
SP: Editora da Unicamp, 2003, p.95-145.
308
Lembremos que no ano de 1985 ocorre o encerramento da Década da Mulher proclamada pela ONU em
1975. Neste contexto, as temáticas relacionadas à situação da mulher no país ganham mais visibilidade. Inclusive,
como apontei no primeiro capítulo, o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher organiza no ano de 1985 uma
publicação acerca da situação da mulher brasileira em diferentes setores como: educação, política, trabalho e
saúde. CARNEIRO, Sueli; COSTA, Albertina G.O & SANTOS, Thereza. Mulher Negra/Política Governamental
da Mulher. São Paulo: Nobel: Conselho Estadual da Condição Feminina, 1985.
309
BERQUÓ, Elza. Sexo e Vida: Panorama da saúde reprodutiva no Brasil. Campinas, SP: Editora da Unicamp,
2003, p.7.
310
Pitanguy, op.cit.,p.28.
311
ibid., p.30.
87
ONGs e grupos de mulheres que emergem no contexto nacional no início da década de 1990,
como exposto no primeiro capítulo.312 Essas organizações feministas fizeram uso dos meios de
comunicação, estabeleceram redes e fóruns para articular suas políticas, a nível regional e
internacional, voltadas a promover ações em prol das mulheres nos campos da saúde, do
trabalho e da política especialmente.
A atuação das ONGs feministas no âmbito internacional contribuiu à inclusão de
demandas em torno dos direitos reprodutivos e sexuais das mulheres na agenda das
Conferências Internacionais da ONU realizadas durante a década de 1990. Foi nessa
conjuntura - caracterizada pela atuação das mulheres no âmbito parlamentar, nos movimentos
sociais e pelos eventos internacionais - que se legitimaram os conceitos de direitos
reprodutivos, direitos sexuais, saúde reprodutiva e saúde sexual.313 Observemos agora os
principais marcos de surgimento e desenvolvimento desses conceitos.
De acordo com Corrêa e Ávila até o início da década de 1980, a terminologia Saúde
Integral da Mulher era a noção utilizada para relacionar os aspectos relativos à reprodução da
mulher às premissas de direito de cidadania314 . Entretanto, segundo as pesquisadoras a partir
de 1984, o termo Saúde Integral da Mulher começa a ser substituído pelo conceito de direitos
reprodutivos. Este último conceito é difundido por feministas brasileiras que estiveram
presentes no I Encontro Internacional de Saúde da Mulher em Amsterdã no ano de 1984315.
Neste Encontro de Amsterdã, feministas norte-americanas propuseram a substituição do
conceito de Saúde Integral da Mulher por direitos reprodutivos, pelo fato de o considerar mais
completo e adequado para tratar dos direitos individuais e das opções de escolha das mulheres
acerca de sua vida reprodutiva.
312
Sobre esse tema ver: ALVAREZ, S.E. A “globalização” dos femininos latino-americanos: tendências dos anos
90 e desafios para o novo milênio. IN: ALVAREZ, S.E.; DAGNINO, E.; ESCOBAR, A (Edt). Cultura e Política
nos movimentos sociais latino-americanos – novas leituras. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2000, p.383-426.
313
BARSTED, Leila. Legalização e descriminalização do aborto no Brasil: 10 anos de luta feminista. Revista
Estudos Feministas, Rio de Janeiro, nº 0, 1992, p.104-130.
314
CORRÊA, Sonia & ÁVILA, Maria Betânia. Direitos Sexuais e reprodutivos: Pauta Global e percursos
brasileiros. IN: BERQUÓ, Elza. Sexo e Vida: Panorama da saúde reprodutiva no Brasil. Campinas, SP: Editora
da Unicamp, 2003, p.17-73.
315
Este Encontro foi organizado pela Campanha da ICASC (International Campaign in Abortion, Sterilization
and Contraception, Europa) e pela Carasa (Comittee for Abortion Rights and Against Sterilization Abuse, EUA).
MATTAR, Laura D. Reconhecimento jurídico dos direitos sexuais – uma análise comparativa com os direitos
reprodutivos. Revista Internacional de Direitos Humanos. São Paulo, ano 5, nº 8, junho de 2008, p.60-83.
88
Nos anos seguintes o conceito de direitos reprodutivos foi debatido por feministas,
ativistas e acadêmicos no campo dos direitos humanos. As mulheres brasileiras estiveram
entre as primeiras, dentre os países em desenvolvimento na época, a adotarem integralmente a
noção de direitos reprodutivos em suas plataformas de ação política316. Na Europa e em outros
locais da América Latina, as feministas só incorporaram o termo depois da realização de duas
conferências: a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD)317, no
Cairo, em setembro de 1994, e a IV Conferência Mundial sobre a Mulher em Beijing no ano
de 1995318.
Esses dois eventos fizeram parte do ciclo de Conferências realizados pela ONU na
década de 1990319, com o propósito de debater assuntos candentes na época, tais como: o
impasse crescimento populacional X desenvolvimento econômico, a necessidade do progresso
econômico e social em harmonia com o meio ambiente, direitos humanos, planejamento
familiar, saúde da mulher e direitos reprodutivos320. Além das Conferências do Cairo e de
Beijing, ocorreram na década de 1990 a Conferência de Meio Ambiente e Desenvolvimento
(Rio-92), a de Direitos Humanos (Viena-93), as Reuniões da Cúpula Social (Copenhagen-95)
e do Habitat (Istambul-96)321. Nestas Conferências internacionais as militantes feministas
ampliaram o espaço de discussão de temas como o tema da saúde e dos direitos
reprodutivos322.
316
Corrêa & Ávila, op.cit., p.25-26.
317
A Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento foi realizada na cidade do Cairo/Egito em
setembro de 1994, sob o patrocínio da UFNPA (Fundo de População das Nações Unidas). Nesse evento,
delegações de 179 paises discutiram questões relacionadas com a população, educação, saúde, ambiente e
redução da pobreza (NAÇÕES UNIDAS. Declaração final da III Conferência Internacional sobre População e
Desenvolvimento. CPID. Cairo, 1994).
318
As mulheres brasileiras, em especial as militantes do movimento feminista, atuaram de forma significativa nas
Conferências do Cairo em 1994 e de Beijing em 1995. Nesse sentido, organizaram no país eventos preparatórios
às Conferências, como por exemplo, o Encontro Nacional Mulher e População, nossos direitos para Cairo (1993,
Brasília). Assim como também criaram redes feministas por ocasião dessas Conferências, como a Articulação de
Mulheres Brasileiras para Beijing (1994). CITELI, Maria Teresa. A pesquisa sobre sexualidade e direitos sexuais
no Brasil (1990-2002): revisão crítica. Rio de Janeiro: CEPESC, p.84; Pitanguy, op.cit.,p.36.
319
Lembro que o fim da Guerra Fria e a conseqüente ruína do mundo bipolar e do socialismo real no fim da
década de 1980 contribuíram na realização das Conferências Internacionais na década de 1990. A partir desse
período, assuntos como controle populacional, desenvolvimento econômico e meio ambiente ganham destaque.
Ao mesmo tempo as ações e decisões políticas mundiais deixaram de se limitar apenas no embate entre URSS e
EUA
320
Pitanguy, op.cit.,p.33.
321
Barsted, op.cit.,p.83.
322
Côrrea & Ávila, op.cit.,p.34.
89
323
DINIZ, Simone G; SOUZA, Cecília D & PORTELLA, Ana Paula. Uma contribuição ao debate sobre direitos
reprodutivos. Sexualidade, Gênero e Sociedade. CEPESC/IMS/UERJ, Ano 3, nº 6, p.1-4, 1996.
324
BEMFAM. BEMFAM: 40 anos de história e movimento no contexto da saúde sexual e reprodutiva.
Organização, Ney Francisco Pinto Costa. Rio de Janeiro: BEMFAM, 2005, p.73. SOBRINHO, Délcio Fonseca.
Estado e População: Uma história do planejamento familiar no Brasil. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos:
FNUAP, 1993. Analisarei mais detalhadamente as correntes pró e antinatalistas no Brasil no próximo tópico
deste capítulo.
325
Essa Conferência, patrocinada pela UNDP (Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas) ocorreu em
setembro de 1995 na cidade de Beijing/China e contou com a participação de grupos de mulheres provenientes de
184 países. A Plataforma de Ação especificou que “os direitos humanos das mulheres incluem o seu direito a
90
controlar e a decidir livre e responsavelmente sobre questões relacionadas com a sua sexualidade, incluindo sua
saúde sexual e reprodutiva, livre de coerção, discriminação e violência” (UNITED NATIONS. Plataform for
action and the Beijing Declaration. Fourth World Conference on Women, Beijing, China, 1995. Departament of
Public Information. United Nations, New York 1996).
326
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão aprovada em 1789, por ocasião da Revolução Francesa
marca o surgimento das primeiras idéias universais relativas aos direitos de cidadania dos homens. ALVES, J. E.
D. "Direito Reprodutivo: O Filho Caçula dos Direitos Humanos", dezembro, 2004 mimeo.
327
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos: Desafios e Perspectivas Contemporâneas. Revista do Instituto de
Direito Constitucional e Cidadania, v. 1, p. 49-76, 2005.
328
Corrêa & Ávila, op.cit.,p.53.
91
empreendidos pelas mulheres desde o início dos anos 1990 ao validar os direitos reprodutivos
como direitos humanos329.
Cabe destacar, no entanto, que o processo de legitimação dos direitos reprodutivos não
foi fácil de ser trilhado. Na visão da psicóloga Marta Suplicy330, especialista na questão da
sexualidade feminina no Brasil, o item que mais levantou polêmicas nas reuniões que
embasaram a elaboração da Plataforma Mundial de Ação de Beijing foi o item 23331. Tal item
versava justamente acerca do reconhecimento dos direitos reprodutivos como direitos
humanos no texto final da Plataforma de Ação. De acordo com Suplicy, para se chegar a um
consenso acerca da aprovação do item 23, optou-se por não explicitar diretamente no texto a
noção de direitos reprodutivos, mas sim incluí-la dentro da concepção mais geral de direitos
humanos332. Assim, no texto final da Plataforma de Ação de Beijing, os governos participantes
da Conferência tiveram que assumir a responsabilidade de:
329
Ávila, op.cit.,p.5; VENTURA, M.; BARSTED, L. L.; PIOVESAN, F. & IKAWA, D. Direitos Sexuais e
Direitos Reprodutivos na Perspectiva dos Direitos Humanos - Síntese para Gestores, Legisladores e Operadores
do Direito. Advocaci. Rio de Janeiro, outubro, 2003.
330
Marta Suplicy na década de 1980 apresentou um quadro sobre sexualidade no programa TV Mulher,
apresentado pela jornalista Marília Gabriela na TV Globo. O quadro foi importante na trajetória de mobilização
das mulheres porque trouxe para o cenário nacional a discussão acerca da sexualidade. Na Conferência de
Pequim em 1995, Marta então deputada federal pelo PT, foi representante da Câmara dos Deputados. Acesso em
http://www1.folha.uol.com.br/folha/videocasts/ult10038u460218.shtml 07/06/2009.
331
SUPLICY, Marta. Beijing e Direitos Reprodutivos. Jornal da Rede Feminista de Saúde e Direitos
Reprodutivos, nº10, novembro de 1995, p.3.
332
ibid.,p.3.
333
ibid, p.3.
92
334
Jornal da Rede Saúde. Os direitos sexuais devem ser uma pauta constante do feminismo. Entrevista com Maria
Betânia Ávila. Jornal da RedeSaúde, nº 24, dezembro de 2001 p.7-9; Jornal da Rede Saúde. Em campanha por
uma convenção dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos. Entrevista com Susana Chiarotti. Jornal da
RedeSaúde, nº 24, dezembro de 2001, p.26-29.Essas pesquisadoras brasileiras, especialistas na questão dos
direitos reprodutivos e sexuais, integravam, durantes as décadas de 1980 e 1990, a Rede Nacional Feminista de
Saúde e Direitos Reprodutivos.
335
Ávila,op.cit.,p.7-9; Chiarotti, op.cit.,p.26-29.
336
Mattar, op.cit.,p.65.
337
Na visão de feministas a não incorporação dos direitos sexuais no documento do Cairo não foi vista como uma
derrota porque se conseguiu, por sua vez, legitimar a noção dos direitos reprodutivos. Chiarotti, op.cit.,p.27.
93
338
Corrêa, op.cit.,p.42.
339
Corrêa & Ávila, op.cit.,p.22.
94
Verifica-se assim que atualmente os casais têm o direito de escolher livremente se irão
ou não utilizar os métodos relativos ao planejamento familiar no Brasil. Cabe ao Estado
garantir os meios para as famílias exercerem plenamente este direito. Entretanto, até o início da
década de 1980 não havia consenso acerca da política de planejamento familiar no Brasil342.
Foi somente em 1983, através da criação do Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher
340
UNITED NATIONS. Beijing Declaration. Fourth World Conference on Women, Beijing, China, 1995.
Departament of Public Information. United Nations, New York 1996.
341
O planejamento familiar torna possível ao casal programar quantos filhos terá e quando os terá. Permite aos
casais a oportunidade de escolher entre ter ou não filhos de acordo com seus planos e expectativas.
342
SOBRINHO, Délcio Fonseca. Estado e População: Uma história do planejamento familiar no Brasil. Rio de
Janeiro: Rosa dos Tempos: FNUAP, 1993, p.21
95
343
No primeiro capitulo já abordei o contexto em que surgiu o PAISM, primeiro programa oficial brasileiro
voltado em atender de maneira universal e integral a saúde da mulher, desde a infância até a velhice. O PAISM
também assumiu, pela primeira vez a nível governamental, a tarefa de promover serviços eficazes de
planejamento familiar para a população brasileira. BRASIL. Ministério da Saúde. PAISM/Assistência Integral à
Saúde da Mulher: Base de Ação Programática. Brasília, 1984.
344
Sobrinho, op.cit.,p.24.
345
COSTA, Ana Maria. Desenvolvimento e Implantação do PAISM no Brasil. In: GIFFIN, Karen & COSTA,
Sarah H. Questões da saúde reprodutiva. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1999, p. 419-439.
346
SKIDMORE, Thomas. Preto no Branco: Raça e nacionalidade no pensamento brasileiro. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1976.
347
STEPAN, Nancy. Eugenia no Brasil (1917-1940). IN: HOCHAMN, Gilberto & ARMUS, Diego (Orgs).
Cuidar, Controlar, Curar: ensaios históricos sobre saúde e doença na América Latina e Caribe. Rio de Janeiro:
Editora Fiocruz. 2004, p.335-338.
96
Dessa maneira, o Brasil foi o primeiro país a criar uma associação eugênica na América
Latina em 1918, a Sociedade Eugênica de São Paulo, cujo objetivo era promover ações que
pudessem regenerar a população, transformando-a em um povo saudável, civilizado e
próspero348. Diferentemente das tradições eugênicas anglo-saxãs349, no Brasil predominou um
tipo de eugenia preventiva350 que “atribuía ao saneamento, à higiene e à educação as melhores
opções para superação dos infortúnios vividos pela sociedade brasileira”351. Assim, a eugenia
no país tinha como principal função combater os principais males do período, tais como:
alcoolismo, doenças venéreas e tuberculose, pois esses males poderiam degenerar as gerações
futuras352.
O tipo de eugenia praticado no Brasil, a preventiva, deveu-se em parte a posição
defendida pela Igreja Católica contra as práticas de esterilização e controle da natalidade,
adotando, por sua vez, uma política de incentivo à natalidade. Nos primeiros anos do século
XX, os médicos brasileiros, católicos em sua maioria, compartilhavam da ideologia “pró-
natalista” porque acreditavam na idéia de que os espaços vazios no Brasil, as más condições
de vida da população e as baixas taxas de reprodução poderiam impedir a transformação do
país em uma nação desenvolvida e moderna353. Portanto, a eugenia preventiva praticada no
país foi ao encontro das idéias “pró-natalistas” que vigoravam no cenário nacional nos
primeiros anos do século XX.
É a partir da década de 1930 que se desenvolve efetivamente no Brasil uma corrente
política “pró-natalista”, segundo Délcio da Fonseca Sobrinho. De acordo com ele, na
348
STEPAN, Nancy. A Hora da Eugenia: raça, gênero e nação na América Latina. Introdução. Rio de Janeiro:
Editora Fiocruz, p.9-114, 2005; Skidmore, op.cit.,p.33.
349
Nessa região predominaram dois tipos de eugenia, embasados em critérios raciais: a eugenia positiva
(incentivar a reprodução dos indivíduos considerados mais aptos) e a eugenia negativa (impedir a reprodução de
pessoas consideradas degeneradas, através de técnicas como a esterilização). Stepan, op.cit.,p.22.
350
Como coloquei acima o tipo de eugenia que predominou no Brasil foi a preventiva, entretanto, alguns
eugenistas brasileiros chegaram, algumas vezes, a discutir aborto, controle da natalidade e até esterilização para o
controle dos indivíduos inadequados. Essas discussões não avançaram porque, de modo geral, a sociedade e a
classe médica brasileira era conservadora e, portanto se opunha à implementação de um tipo de eugenia negativa
STEPAN, Nancy. Eugenia no Brasil (1917-1940). IN: HOCHAMN, Gilberto & ARMUS, Diego (Orgs). Cuidar,
Controlar, Curar: ensaios históricos sobre saúde e doença na América Latina e Caribe. Rio de Janeiro: Editora
Fiocruz. 2004, p.331-393.
351
MAIO, Marcos Chor. Raça, doença e saúde pública no Brasil: um debate sobre o pensamento higienista do
século XIX. In: Etnicidade na América Latina: um Debate sobre Raça, Saúde e Direitos Reprodutivos (S.
Monteiro & L. Sansone, orgs). Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2004, p.39.
352
Stepan, 2005, op.cit.,p.91.
353
Stepan, 2004, op.cit., p.352- 354; 375.
97
354
Brasil apud Sobrinho,1993, p.69.
355
Sobrinho, op.cit.,p.69.
356
Costa, op.cit.,p.323.
357
Sobrinho, op.cit, p.79.
358
ibid.,p.80; COELHO, Edméia A.C.; LUCENA, Maria de Fátima G & SILVA, Ana Tereza M. O planejamento
familiar no Brasil no contexto das políticas públicas de saúde: determinantes históricos. Rev.Esc.Enf. USP, v.34,
nº 1, p.37-44, 2000.
359
DONALDSON, Peter J. On the origins of the United States Government´s International Population Policy.
Population Studies, nº 44, 1990, p.385-399.
360
De acordo com o pesquisador Peter Donaldson, o interesse norte-americano de conter a natalidade de países
do terceiro mundo ligava-se ao temor que o governo americano possuía de que o rápido aumento populacional
nessas regiões pudesse aprofundar o sentimento nacionalista e ser um empecilho aos interesses norte-americanos
no mundo. Contudo, segundo o autor, também há indícios de que as políticas controlistas norte-americanas
tenham sido implementadas com o intuito de promover melhores condições de vida à população dessas regiões.
Donaldson, op.cit.,p.386.
361
Em 1959 ocorreu a Revolução Cubana, onde os guerrilheiros Fidel Castro e Che Guevara lideraram um
confronto que proporcionou o desmoronamento de toda a antiga estrutura desigual e elitista do país. Essa antiga
estrutura era caracterizada pela ditadura de Fulgêncio Batista, que privilegiava somente os interesses de uma
98
pequena elite e concedia benefícios e poder aos estrangeiros norte-americanos. Com a revolução, Cuba
implementou o socialismo, pondo fim a propriedade privada e socializando os meios de produção. Após a
revolução, Cuba cortou relações diplomáticas e comerciais com os Estados Unidos, que perdeu a supremacia
sobre aquela região. Sobre esse assunto ver: HOBSBAWN, Eric. Era dos extremos - o breve século XX (1914-
1991). São Paulo: Editora Cia. das Letras, 1995; BETHEL, Leslie & ROXBOROUGH, Ian (orgs.). América
Latina: entre a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
362
Destaco que feministas norte-americanas adotaram uma posição favorável às políticas de controle da
natalidade durante o século XX porque percebiam tais políticas como direitos das mulheres decidirem acerca de
sua saúde e vida reprodutiva. Através das políticas de planejamento familiar, eram oferecidos métodos
contraceptivos para que as mulheres aumentassem o intervalo entre as gestações e para reduzir os riscos da
gravidez nas mulheres mais velhas. Tais ações eram vistas como forma de salvar vidas e promover a saúde
feminina. A pesquisadora Betsy Hartmann inclusive afirma que a temática do controle populacional foi uma das
primeiras bandeiras de luta das feministas norte-americanas. No Brasil, o cenário foi outro, pois como vimos no
primeiro capítulo, a primeira questão reivindicada pelas feministas no início de século XX foi o direito ao voto
feminino. Donaldson, op.cit.,p.388-389; HARTMANN, Betsy. Population Control I: Birth of an ideology.
International Journal of Health Services, vol.27, nº 3, 1997, p.526-527.
363
Na Conferência Mundial de População em Bucareste 1974, os Estados Unidos reforçaram sua tese de que a
superpopulação era o maior obstáculo para o desenvolvimento econômico e social. As idéias defendidas pelo
governo norte-americano em Bucareste receberam críticas, principalmente de grupos e instituições de países do
terceiro mundo, tais como a Igreja, demógrafos, feministas e ativistas de organizações da sociedade civil. Tais
críticas pouco repercutiram na agenda política do governo norte-americano que definiu regiões estratégicas –
entre as quais o Brasil - onde as políticas de controle de natalidade deveriam ser implementadas com a maior
urgência. Hartmann, op.cit., p.538.
364
As teorias malthusianas surgiram na Europa, entre os séculos XVIII e XIX, quando o reverendo inglês
Thomas Robert Malthus alertou para os perigos da superpopulação em decorrência do não correspondente
crescimento da produção de alimentos. Coelho;Lucena; Silva, op.cit.,p.39.
365
Donaldson, op.cit.,p.392.
99
corrente ‘antinatalista’ por serem críticos à idéia de que o controle da natalidade seria
indispensável à promoção da igualdade e do desenvolvimento econômico do país366.
Devido à falta de consenso provocada pelas posições divergentes entre os
“anticontrolistas” e os “antinatalistas”, o Estado brasileiro durante as décadas de 1960 e 1970
não elaborou políticas voltada ao planejamento familiar. Acrescente-se o esforço do governo
norte-americano, para que entidades internacionais e organismos privados voltados ao controle
populacional se estabelecessem no Brasil. 367
Em meio a essa conjuntura, a Sociedade Civil de Bem-Estar Familiar (BEMFAM) foi
criada em fevereiro de 1966, com o objetivo de: “promover e propugnar pelo bem-estar da
família, como célula constitutiva da nação”368. A criação da BEMFAM ocorreu no bojo da XV
Jornada Brasileira de Obstetrícia e Ginecologia no Rio de Janeiro, em 1965, na qual
participaram 697 profissionais brasileiros da área. A BEMFAM era ligada à Federação
Internacional de Planejamento Familiar (IPPF), instituição norte-americana, de caráter
controlista e que forneceu recursos à instituição brasileira para realizar seus serviços369. Essa
ligação entre a BEMFAM e a IPPF ilustrava a presença e a influência controlista norte-
americana nas políticas relativas ao planejamento familiar no Brasil.
A BEMFAM embasou suas políticas através do combate ao aborto, incutindo com isso
a noção de que era necessária a criação de uma mentalidade de planejamento responsável pela
prole para que o número de abortos praticados no país diminuísse significativamente370. A
entidade implantou suas políticas através de convênios com serviços de saúde privados e
Secretarias de Estados de Saúde de diferentes regiões do país. O financiamento de cirurgias,
de esterilizações, estava entre os serviços oferecidos pela BEMFAM às instituições
conveniadas. Este convênio entre a BEMFAM e as Secretarias Públicas de Saúde demonstram
366
Sobrinho, op.cit.,p.80.
367
Coelho; Lucena & Silva, op.cit.,p. 37.
368
Sobrinho, op.cit.,p.105.
369
BEMFAM, op.cit.,p.24. Além da IPPF, outras agências internacionais desse tipo que atuaram no país foram a
USAID (United States Agency for International Development) e a FPIA (Family Planning International
Assistance). Costa, op.cit.,p.325.
370
A BEMFAM, ao justificar suas políticas controlistas através do combate ao aborto, tomou como modelo as
ações de agências norte-americanas, como a AID. Esta, durante a década de 1960, também legitimou suas
políticas de planejamento familiar através do combate ao aborto. O incentivo a utilização de métodos
contraceptivos seria uma forma de evitar gestações indesejadas e fazer com que menos mulheres colocassem a
vida em risco, através da prática do aborto. Donaldson, op.cit.,p.391.
100
como o governo brasileiro esteve sensível, ainda na década de 1960, à questão do controle
populacional. 371
Até o início dos anos 70, a BEMFAM desenvolveu as políticas relacionadas ao
controle reprodutivo da população no país372. Entretanto, com o declínio do embate entre
“antinatalistas” e “anticontrolistas” - provocado pela mudança de posição de algumas
instituições, como a Igreja Católica, que passou a admitir o planejamento familiar através de
métodos naturais – o governo brasileiro encontrou espaço para colocar em prática suas
primeiras tentativas de criar uma política oficial de planejamento familiar373.
Durante a ditadura militar no Brasil surgiu a primeira tentativa de oficializar a prática
do planejamento familiar no país, através da criação, em 1977, do Programa de Prevenção à
Gravidez de Alto Risco (PPGAR)374. Médicos e ginecologistas atuantes no país no período
foram mobilizados a elaborar o programa375 e o PPGAR resumiu seus objetivos e políticas no
único documento produzido pelo grupo em 1978: “Normas para identificação e controle dos
riscos reprodutivos, obstétricos e da infertilidade no programa de saúde materno-infantil”376.
Segundo seus autores, o referido documento:
371
A BEMFAM foi uma das principais instituições investigadas pela CPMI de 1993, justamente devido a
financiamentos de cirurgias de esterilização que oferecia aos seus conveniados. Esse e outros assuntos relativos a
CPMI de esterilizações, serão abordados mais adiante. BRASIL. Congresso Nacional. Relatório Nº 2 de 1993.
Relatório Final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito destinada a examinar a incidência de esterilização
em massa nas mulheres no Brasil. Presidente: Benedita da Silva. Relator: Senador Carlos Patrocínio. Brasília,
1993.
372
BEMFAM, op.cit.,p.22. É importante apontar que além da BEMFAM, existiram outras organizações da
sociedade civil – que eram favoráveis ao controle da população nacional e que também recebiam financiamento
internacional - destinadas a prestar serviços de planejamento familiar no país, tais como: o Centro de Pesquisa e
Assistência Integrada à Mulher e à Criança (CPAIMC), criado em 1974 no Rio de Janeiro e a ABEPF
(Associação Brasileira de Entidades de Planejamento Familiar), que surgiu em 1981. Sobrinho, op.cit., p.139-
140.
373
Sobrinho, op.cit.,p.135-140.
374
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria Nacional de Programas Especiais de Saúde. Programa de Prevenção
da Gravidez de Alto Risco. Normas para identificação e controle dos riscos reprodutivos, obstétricos e da
infertilidade no Programa de Saúde Materno-Infantil. Brasília, 1978.
375
Aníbal Faúndes (São Paulo), Dinarte Paiva dos Santos (Brasília), Ernani Braga (Rio de Janeiro), José
Aristodemo Pinotti (Campinas), Fernando Figueira (Recife), Maria Ligia Barbosa (Brasília), entre outros. ibid.,
p.7.
376
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria Nacional de Programas Especiais de Saúde. Programa de Prevenção
da Gravidez de Alto Risco. Normas para identificação e controle dos riscos reprodutivos, obstétricos e da
infertilidade no Programa de Saúde Materno-Infantil. Brasília, 1978.
101
A conduta diante das pacientes que apresentam um ou mais dos fatores [de
risco] acima referidos não deverá ficar restrita à prevenção de futuras
gestações, mas, também dirigida ao tratamento das causas que
caracterizam o risco. Quando o fator de risco é permanente, o tratamento
da doença e a prevenção de gestação poderão ser permanentes. Entretanto,
o meio de evitar as gestações nem sempre deverá ser irreversível,
dependendo do casal a decisão de correr ou não o risco de uma outra
gestação (...) Quando o fator de risco é reversível, tomar-se-ão todas as
providências propedêuticas e terapêuticas para resolver o problema que
constitui risco, cuidando-se para que a paciente não engravide até que seu
problema seja resolvido. (Ministério da Saúde, 1978, p.11).
377
Programa de Prevenção da Gravidez de Alto Risco, op.cit., p.9-11.
378
FIOCRUZ. Entrevista da doutora Ana Maria Costa para o projeto: “A construção do campo da saúde da
população negra no Brasil: idéias, atores e instituições” (1996- 2001). Entrevista concedida a Marcos Chor Maio
102
e Simone Monteiro em 5 de agosto de 2007. CNPq 02/2006/Processo nº 485870/2006-1; COSTA, Ana Maria.
Planejamento Familiar no Brasil. Bioética, Brasília, v. 4, n. 2, 2000, p.212. De acordo com o depoimento de
Costa, a questão da cor na política do PPGAR estava presente. No entanto, friso que o relato dela é o único
registro que encontrei acerca da presença das variáveis cor e pobreza na primeira versão do PPGAR.
379
Os riscos por patologia diziam respeito a presença de doenças que poderiam acarretar algum problema à
reprodução, tais como: hipertensão, diabetes, anemia falciforme, doença renal, câncer de mama, etc. Já os riscos
estatísticos estavam relacionados a fatores como idade avançada, alto número de partos, histórico de partos
cesáreos e de abortos, mortes perinatais, entre outros. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria Nacional de
Programas Especiais de Saúde. Programa de Prevenção da Gravidez de Alto Risco. Normas para identificação e
controle dos riscos reprodutivos, obstétricos e da infertilidade no Programa de Saúde Materno-Infantil. Brasília,
1978, p.10-11.
380
Sobrinho, op.cit.,p. Costa, op.cit., p.152-153.
381
Sobrinho, op.cit.,p.153.
382
Sobrinho, op.cit., p.154-158.
383
Como assinalei no primeiro capítulo, o PAISM não conseguiu ser implementado no país como previram os
seus idealizadores. As experiências bem sucedidas se limitaram essencialmente aos estados de Goiás e São Paulo.
Sobre esse assunto ver: MONTEIRO, Simone & VILELA, Wilza. Atenção à saúde das mulheres: historicizando
conceitos e práticas. IN: MONTEIRO, Simone & VILELA, Wilza (Orgs). Gênero e Saúde: Programa Saúde da
Família em Questão. São Paulo: Editora Abrasco; Brasília: UNFPA, 2005, p.21; ORTIZ, Maria José M.D.
PAISM: Um marco na abordagem da saúde reprodutiva no Brasil. Cadernos de Saúde Pública, vol.14, 1998,
p.25-32.
103
384
Sobrinho, op.cit.,p.176.
385
Ortiz, op.cit., p.176.
104
Gabinete Civil, Marco Maciel, teriam: “estudado a implementação de uma política familiar no
Brasil, com viés controlista”386.
Segundo Villas, as propostas apresentadas nessa reunião interministerial não tardaram a
provocar protestos na sociedade civil, principalmente entre médicas, demógrafas e feministas
que se colocaram contra o ressurgimento de qualquer tipo de política ou intenção controlista. A
demógrafa Elza Berquó387 - na época presidente da Comissão dos Direitos da Reprodução do
Ministério da Saúde -, foi uma das cientistas que resistiu à tentativa de criação de uma política
de natalidade por parte do governo Sarney. Berquó afirmou na época que: “Qualquer tentativa
de retirar a questão do planejamento familiar do âmbito do Ministério da Saúde e, mais
especificamente do PAISM, seria um retrocesso”388. Depois de enfrentar essas resistências,
principalmente por parte das mulheres, a proposta de criar uma outra política de planejamento
familiar, com caráter controlista não avançou389.
O PAISM foi o primeiro programa governamental destinado a atender integralmente a
saúde feminina e incluiu em definitivo a questão do planejamento familiar na agenda política
nacional.
386
ibid.,p.8.
387
Além de ser presidente da Comissão dos Direitos de Reprodução do Ministério da Saúde, Elza Berquó
também era pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP) e coordenadora do Núcleo
de Estudos de População da Unicamp (NEPO) neste período. Berquó, atualmente é pesquisadora da Unicamp, do
CEBRAP, da Fundação Carlos Chagas e da ABEP. Ela também atua em Conselhos e Secretarias governamentais,
como por exemplo: o Conselho Nacional sobre Determinantes Sociais de Saúde, a Secretaria Especial de
Políticas de Promoção da Igualdade Racial e a Comissão Nacional de DST/AIDS do Ministério da Saúde.
Informações extraídas do currículo lattes de Elza Salvatori Berquó. Disponível em
http://sistemas.usp.br/atena/atnCurriculoLattesMostrar?codpes=22485, acesso em 08 de junho de 2009.
388
Berquó apud Villas, p.8.
389
ibid.,p.8
105
campo da saúde reprodutiva permite identificar as nuances - como, por exemplo, os efeitos do
racismo - que influem sobre a situação de saúde das mulheres negras390. Contudo, há outras
visões sobre o assunto como vimos na introdução deste trabalho. Sérgio Pena, por exemplo, é
contrário ao uso da categoria cor/raça nas pesquisas em saúde no Brasil porque afirma que o
conceito de raça do ponto de vista biológico não se sustenta391.
As interfaces entre saúde reprodutiva e raça só ocorrem no país a partir do ano de 1986,
quando são lançados os primeiros trabalhos e pesquisas relativos à saúde reprodutiva da
população negra. Tais estudos foram elaborados por Elza Berquó, Alicia Bercovichi e Estela
Maria Garcia Tamburo, por ocasião da pesquisa Dinâmica Demográfica da População Negra
Brasileira, desenvolvida, entre os anos de 1986 e 1987, pelo NEPO (Núcleo de Estudos de
População), órgão ligado à Unicamp. 392
Destaco que as informações produzidas pela equipe liderada por Elza Berquó estavam
inseridas em um contexto de crescente produção de dados quantitativos a respeito das
desigualdades raciais existentes no país. Os sociólogos Carlos Hasenbalg e Nelson do Valle
Silva, na década de 1970, atestaram diferenças sócio-econômicas entre brancos e negros no
Brasil. As militantes negras Sueli Carneiro, Lélia Gonzáles e Thereza Santos, embasadas nas
informações apresentadas por Hasenbalg e Silva, também produziram nos anos de 1980
números acerca das disparidades econômicas, educacionais, políticas e sociais existentes
entre brancos e negros393. Dessa forma, as pesquisas realizadas pela equipe coordenada por
Berquó, sobre a demografia da população negra, acompanharam essa conjuntura marcada
pela proliferação de dados acerca da situação da população negra no Brasil.
390
OLIVEIRA, Fátima. Saúde da População Negra. Brasil: Ano 2001. Brasília: Opas, 2003,
p.212-213.
391
PENA, Sérgio D. Razões para banir o conceito de raça da medicina brasileira. História, Ciências, Saúde –
Saúde – Manguinhos, 12(2), 2005, p. 321-346.
392
BERCOVICH, Alícia. Fecundidade da mulher negra: constatações e questões. Textos Nepo, nº 11, 1987.
Nepo e Unicamp; BERQUÓ, Elza et al. Estudo da Dinâmica demográfica da população negra no Brasil. Textos
Nepo, nº 9, 1986. Nepo e Unicamp; TAMBURO, Estela Maria Garcia. Mortalidade infantil da população negra
brasileira. Textos Nepo, 9, 1986. Nepo e Unicamp.
393
HASENBALG, Carlos: Discriminação e desigualdades raciais no Brasil, 2. ed. Belo Horizonte: Editora
UFMG; Rio de Janeiro: Graal, 1979; CARNEIRO, Sueli; COSTA, Albertina G.O & SANTOS, Thereza. Mulher
Negra/Política Governamental da Mulher. São Paulo: Nobel: Conselho Estadual da Condição Feminina, 1985;
GONZALES, Lélia & HASENBALG, Carlos. Lugar de Negro. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1982;
HASENBALG, Carlos & SILVA, Nelson. Estrutura Social, Mobilidade e Raça. São Paulo: Vértice/Rio de
Janeiro: IUPERJ, 1988.
106
394
Estas pesquisas foram divulgadas pelo NEPO através de quatro volumes: “Estudo da Dinâmica demográfica
da população negra no Brasil”, “Nupcialidade da população negra no Brasil”, “Fecundidade da mulher negra:
constatações e questões” e “Mortalidade infantil da população negra brasileira”.
395
BERCOVICH, Alícia. Fecundidade da mulher negra: constatações e questões. Textos Nepo, nº 11, 1987.
Nepo e Unicamp,p.12.
396
BERQUÓ, Elza. Nupcialidade da população negra no Brasil. Texto Nepo, nº 11, 1987. Nepo e Unicamp, p.15-
26.
397
SOUZA, Vera Cristina. A prevalência dos miomas uterinos em mulheres negras? As dificuldades e avanços na
coleta e análise dos dados com recorte racial. In: WERNECK, Jurema; WHITE, Evelyn; MENDONÇA, Maisa
(Orgs). O Livro da Saúde das Mulheres Negras, nossos passos vêm de longe. São Paulo: Pallas Editora, 2002,
107
p.88-93; ROLAND, Edna. Saúde reprodutiva da população negra no Brasil: um campo em construção. Jornal da
Rede Saúde, nº 23, p.17-23, 2001.
398
Paulo Maluf, em seu mandato como governador de São Paulo, entre os anos de 1979 e 1982, criou Grupos de
Assessoria e Participação para diferentes áreas de seu governo, tais como: economia, política, saúde e
desenvolvimento. JORNAL DA TARDE. No GAP, a proposta: esterilizar a população negra e parda. Jornal da
Tarde, 6 de agosto de 1982, p.2
399
GELEDÉS – INSTITUTO DA MULHER NEGRA. Esterilização: Impunidade ou Regulamentação?
Cadernos Geledés 2, 1991, p.6; BRASIL. Congresso Nacional. Relatório Nº 2 de 1993. Relatório Final da
Comissão Parlamentar Mista de Inquérito destinada a examinar a incidência de esterilização em massa nas
mulheres no Brasil. Presidente: Benedita da Silva. Relator: Senador Carlos Patrocínio. Brasília, 1993, p.92-94.
400
ESTADO DE SÃO PAULO. Deputado denuncia racismo em projeto. Estado de São Paulo, 10 de agosto de
1982, p.6.
108
Verifica-se que o objetivo do grupo governamental liderado por Benedito Pio da Silva
era encontrar mecanismos para impedir que a natalidade da população parda e negra superasse
a dos brancos. Nesse sentido, os membros do GAP afirmavam na ocasião que a população
branca seria supostamente mais consciente quanto à necessidade do planejamento familiar
(leia-se controle populacional), do que negros e pardos. O principal receio dos membros do
GAP dizia respeito a uma possível ascensão dos negros e pardos aos mais importantes cargos
políticos do país. Os autores – tendo como referência o sistema eleitoral de Washington da era
segregacionista - chegaram até mesmo a cogitar da possibilidade de extinguir as eleições no
Brasil caso a população negra viesse a se tornar superior à branca. Essas afirmações deixam
nítido o viés racista do controle da natalidade defendido pelos participantes do GAP-Banespa
no início da década de 1980.
Ao final de seu pronunciamento na Assembléia Legislativa de São Paulo, o deputado
Luiz Carlos dos Santos declarou que os criadores do GAP defendiam o controle populacional
porque temiam o aumento da miséria no país401. Santos ainda afirmou que: “O que o senhor
Benedito Pio da Silva propõe como solução nesse relatório é o controle da natalidade entre
negros e pardos, através do Pró-Familia, isto é, esterilizando pessoas dessa cor de pele”402. As
denúncias feitas por Santos imediatamente provocaram reações. Alguns políticos ligados ao
PT e militantes de organizações negras, solicitaram cópias do pronunciamento feito pelo
deputado com o objetivo de elaborar protestos formais contra o estudo do GAP-Banespa403.
Nesse contexto, o MNU (Movimento Negro Unificado) no ano seguinte à divulgação das
propostas dos membros do GAP, lançou um manifesto denunciando as tentativas do GAP-
Banespa de reduzir a população negra do Brasil, em especial no estado de São Paulo404.
A polêmica provocada pelo documento do GAP culminou no afastamento do
economista Benedito Pio da Silva, do governo de São Paulo, no dia 10 de agosto de 1982 e no
arquivamento da proposta. Benedito ainda tentou se defender, através de uma carta enviada no
401
Estado de São Paulo, op.cit.,p.17.
402
Jornal da Tarde, op.cit.,p.2.
403
Estado de São Paulo, op.cit.,p.17.
404
Congresso Nacional, op.cit.,p. 92.
109
405
Estado de São Paulo, op.cit,p.6.
406
No segundo capítulo, já apresentei o contexto em que emergiram os primeiros grupos de mulheres negras no
país, entre o final da década de 1970 e meados da década de 1990.
407
Roland, op.cit.,p.102
408
ibid.,p.105; Cadernos Geledés 2, op.cit.,p.7.
409
O médico Elsimar Coutinho nasceu na Bahia no ano de 1930. Formou-se em Medicina pela Universidade
Federal da Bahia em 1956. Entre as décadas de 60 a 90, Elsimar Coutinho tornou-se muito conhecido do público
em geral através de sua participação em programas educativos versando sobre temas como: fertilidade,
infertilidade, sexualidade e planejamento Familiar a nível local e nacional. Atualmente Coutinho é presidente da
Sociedade Brasileira de Ginecologia Endócrina (SOBRAGE), primeiro vice-presidente da Academia de
Medicina da Bahia (AMB), presidente do Centro de Pesquisas e Assistência em Reprodução Humana (CEPARH)
e presidente da Sociedade Baiana de Climatério (SOBACLIM). Informações extraídas do site de Elsimar
Coutinho. Disponível em http://www.elsimarcoutinho.com.br/biografia Acesso em 09/06/2009.
110
(...) Essa campanha [de divulgação do CEPARH] era um outdoor que ele
[Elsimar Coutinho] distribuiu pela cidade de Salvador, em que se mostrava
uma cena de necrotério, com uma criança de 5 anos, em pé, ao lado de um
cadáver que estava coberto e aparecia o pé de uma mulher negra, uma
criança negra e os dizeres eram: “Defeito de fabricação - Planejamento
familiar, procure o Centro de Assistência e Reprodução Humana”.
Outdoor, vários, na cidade inteira. Então isso era uma coisa muito pesada.
(Depoimento de Ana Maria Costa, fita 2, lado A).
Esta campanha de Elsimar Coutinho em 1986 foi bastante criticada pelo movimento negro
no período porque ela conferia um caráter negativo, racista à reprodução da população
negra.411Ela forneceu mais elementos ao movimento negro em suas denúncias contra a
esterilização da população negra. O ano de 1986 foi de extrema importância ao contexto de
ativismo das “feministas negras” no campo da saúde reprodutiva no Brasil. Como vimos, neste
ano - além das campanhas publicitárias de Elsimar Coutinho - as pesquisas lideradas pela
demógrafa Elza Berquó no NEPO, divulgaram aspectos demográficos acerca da população negra
brasileira, tais como: fecundidade, nupcialidade, união matrimonial e mortalidade infantil. Além
disso, 1986 é o ano de elaboração do suplemento especial da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD), documento produzido pelo IBGE e que trazia informações inéditas –
desagregadas por cor - na época a respeito dos métodos contraceptivos utilizados pelas mulheres
brasileiras. O documento do IBGE foi importante pois revelou que a prática da esterilização
cirúrgica era um dos métodos contraceptivos mais utilizados pelas mulheres brasileiras,
especialmente na região mais pobre do país, o Nordeste, onde a maioria da população era
composta por pardos e pretos412. Como veremos a seguir, esses dados apresentados pela PNAD
de 1986 foram fundamentais para a associação entre as ativistas negras e o campo da saúde
reprodutiva.
410
Congresso Nacional, op.cit., p.49.
411
Cadernos Geledés 2, op.cit.,p.6-7.
412
IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Suplemento Especial). Brasília, 1986.
111
413
IBGE. Programa Nacional por Amostra de Domicílios (Suplemento Especial). Brasília, 1986, p.2-3.
414
ibid, p.2-10; ANON, F. Mulheres brancas e negras frente à esterilização. Nepo- Unicamp, s/d; ARILHA,
Margareth & BERQUÓ, Elza. Esterilização: Sintoma social. Relatório final de pesquisa. Universidade Estadual
de Campinas, NEPO, s/d. 62 p; BERQUÓ, Elza. Esterilização e Raça em São Paulo. Revista brasileira de Estudos
Populacionais. Campinas, v.11, n.1, p. 19-26, 1994.
415
Costa, op.cit.,p.214.
416
ibid.,p.13.
417
ibid.,p.2-3; BERQUÓ, Elza. A esterilização feminina no Brasil hoje. Trabalho apresentado no Encontro
Internacional “Saúde da Mulher: um direito a ser conquistado”. Exposição sobre contracepção, esterilização e
efeitos demográficos. Conselho Nacional dos Direitos da Mulher – CNDM. Brasília, 1989.
418
As categorias de cor utilizadas pelo IBGE nessa pesquisa foram: branca, preta e parda.
112
esterilizadas na faixa etária de 30 a 34 anos; enquanto que maioria das mulheres brancas
recorria à esterilização mais tarde, na faixa dos 35 a 39 anos.
De acordo com a PNAD de 1986, na região Nordeste a esterilização era o método mais
utilizado entre as mulheres brancas e entre as pretas e pardas, principalmente entre as mulheres
de 25 a 54 anos. Esses índices eram ainda mais elevados entre as mulheres da mesma faixa
etária e que já tinham filhos. As mulheres brancas esterilizadas somavam 455.803, enquanto
que 902.052 mulheres pretas e pardas estavam esterilizadas419. No norte, nordeste e centro-
oeste a esterilização aparecia como o método contraceptivo mais utilizado, entre as mulheres
brancas, pretas e pardas, de 25 a 54 anos420. Entretanto, na região sul o método mais utilizado
entre as mulheres brancas, pretas e pardas de 15 a 54 anos que tiveram filhos foi a pílula. A
esterilização cirúrgica nessa região figurava em segundo lugar421.
Já na região sudeste, entre as mulheres de 30 a 54 anos que tiveram filhos, o método
anticonceptivo mais utilizado era a esterilização cirúrgica, seguido da pílula. Entretanto, esses
dados se modificavam quando se agregava a variável cor, pois enquanto que entre as mulheres
brancas a esterilização aparecia como método mais utilizado de anticoncepção, as mulheres
pretas e pardas recorriam em primeiro lugar a pílula anticoncepcional422.
Após apresentar os principais dados fornecidos pela PNAD de 1986, cabe tecer algumas
considerações sobre eles. Quando se analisou de um modo geral a população feminina
brasileira, entre 15 e 54 anos no período, constatou-se que o método predominante era a pílula
anticoncepcional seguida da esterilização cirúrgica. Contudo, ao focalizar a análise sobre o
grupo das mulheres – da mesma faixa etária - casadas e com filhos esse quadro se revertia, pois
a esterilização cirúrgica aparecia como o método contraceptivo mais utilizado pelas mulheres
casadas e com filhos, entre 15 e 54 anos. Este fato sugere que as mulheres brasileiras na época,
que já possuíam uma família formada, tendiam a recorrer a um método contraceptivo mais
definitivo, no caso a esterilização cirúrgica.
Chamo a atenção ainda para a diferença etária que marcava a prática da esterilização
cirúrgica entre as mulheres brancas e as pretas e pardas no país no período. De acordo com a
419
ibid.,p.62.
420
ibid.,p.62-64.
421
ibid.,p.114-116.
422
ibid.,p.89-90.
113
423
Cadernos Geledés 1, op.cit.,p.11,
424
Cadernos Geledés 2, op.cit.,p.6.
425
Sobrinho, op.cit.,p.187-194.
426
Cadernos Geledés 2, op.cit.,p.7.
114
3.5. A luta contra a esterilização cirúrgica na década de 1990: principal bandeira das
“feministas negras”
Durante a década de 1990, o ativismo das “feministas negras” se consolidou com base
nas denúncias da prática da esterilização cirúrgica. Como apontaram Elza Berquó e Margareth
Arilha:
427
BERQUÓ, Elza. A esterilização feminina no Brasil hoje. Trabalho apresentado no Encontro Internacional
“Saúde da Mulher: um direito a ser conquistado”. Exposição sobre contracepção, esterilização e efeitos
demográficos. Conselho Nacional dos Direitos da Mulher – CNDM. Brasília, 1989.
428
Cadernos Geledés 1, op.cit.,p.7.
115
429
CEAP. Relatório da III reunião preparatória ao II Encontro Nacional de Mulheres Negras. Acervo do Centro
de Articulação de Populações Marginalizadas.
430
A militante Jurema Werneck após deixar o CEAP, criou no início da década de 1990 no Rio de Janeiro a Ong
de mulheres negras Criola.
431
É preciso destacar que, embora números da PNAD de 1986 atestassem o alto número de esterilizações em
alguns estados do Nordeste – onde a população negra era majoritária -, não é possível depreender da PNAD que
havia em curso no país um processo de extermínio da população negra durante a década de 1980.
432
CEAP. Folheto de divulgação da Campanha Contra a Esterilização de Mulheres Negras. Programa de
Mulheres do CEAP, 1990. Acervo do Centro de Articulação de Populações Marginalizadas.
116
433
Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Editora Positivo, 2004
434
Informações extraídas do site Geledés – Instituto da Mulher Negra. http://www.geledes.org.br Acesso em 31
de março de 2009.
435
O Programa de Saúde do Geledés foi inspirado nas experiências bem sucedidas do National Black Women´s
Helath Project (NBWHP), que desenvolvia ações em prol da saúde das mulheres negras residentes em
Atlanta/EUA. Sobre esse assunto ver: Geledés - Instituto da Mulher Negra. Mulher Negra e Saúde. Cadernos
Geledés 1, 199, p.15
436
Roland, op.cit.,p.102.
117
O primeiro Cadernos Geledés trouxe ensaios das seguintes ativistas: Edna Roland,
Silvia de Souza, Maria Lúcia da Silva e Lola T. Oliveira. Elas abordaram questões acerca da
incidência da epidemia de Aids no Brasil e sobre as lutas contra o racismo, da legalização do
aborto e da necessidade da inclusão do quesito cor nos serviços nacionais de saúde437. Quanto
à Aids, Edna Roland e Lola de Oliveira analisaram o aumento dos casos da doença entre as
mulheres negras nas décadas de 1980 e 1990. As autoras apresentaram dados da Organização
Mundial de Saúde que indicavam que na época a maior parte das mulheres infectadas pela
doença provinham da região sub-saariana da África e do Caribe. Roland e Oliveira
reivindicaram ações de saúde direcionadas a obtenção de informações e políticas de saúde
que contivessem o aumento da enfermidade entre as mulheres e, em particular, às negras438.
Sobre o aborto, Silvia de Souza expôs que na década de 1990 grande parte das mulheres
que morriam depois de praticarem o aborto – em virtude da falta de informações e métodos
contraceptivos adequados - era das classes mais pobres e em sua maioria negra. Em virtude
deste cenário, a autora discorreu acerca da necessidade do governo brasileiro descriminalizar
a prática do aborto e oferecer ações educativas e métodos contraceptivos com o objetivo de
reduzir a mortalidade de mulheres que recorriam ilegalmente a essa prática no país439.
437
Cadernos Geledés 1, op.cit.,.p.15-29.
438
ROLAND, Edna & OLIVEIRA, Lola. AIDS: História, Cara e sexo. Cadernos Geledés 1, 1991, p.25-26.
439
SOUZA, Silvia. 28 de setembro: Repensando o Ventre Livre. Cadernos Geledés 1, 1991, p.27-28.
118
440
Jornal Mulherio. 1981-1988, São Paulo; Jornal Nós Mulheres. 1976-1978), São Paulo; Jornal Brasil Mulher
(18 volumes). 1975-1979, Paraná.
441
OLIVEIRA, Fátima. O recorte racial/étnico e a saúde reprodutiva: mulheres negras. In: GIFFIN, Karen &
COSTA, Sarah H. Questões da saúde reprodutiva. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, p. 419-439, 1999. Segundo
Fátima Oliveira, além da variável raça/etnia, outras variáveis como classe e sexo/gênero são fundamentais para
compreender o processo saúde/doença da população, pois essas variáveis têm repercussões importantes na
manutenção da saúde e no aparecimento de doenças.
442
Cadernos Geledés 1, op.cit.,p.23; CEBRAP. Alcances e limites da predisposição biológica. Cadernos de
Pesquisa Cebrap nº 2, julho 1994.
443
ROLAND, Edna. A saúde da mulher negra no Brasil. Cadernos Geledés 1, op.cit.,p.5-14.
444
Além dos Cadernos Geledés 1 e 2, foram publicados mais dois Cadernos: Cadernos Geledés 3- Não à Pena de
Morte, 1992 e Cadernos Geledés 4 - Mulher Negra, 1993. Detive-me aos dois primeiros porque foram os que
trataram diretamente sobre a saúde da mulher negra e a questão da esterilização cirúrgica.
119
Na década de 1990, momento em que o documento foi produzido, ainda era forte a idéia
de que havia interesse internacional, em especial dos Estados Unidos, de controlar a natalidade
de populações de países menos desenvolvidos. As ativistas negras afirmaram não haver na
época a disseminação de informações e oferta de variados métodos contraceptivos pelos
serviços de saúde, além da cirurgia de esterilização, que possibilitassem às mulheres escolher
conscientemente de que forma vivenciariam a sua sexualidade e sua saúde reprodutiva no país.
As militantes negras ainda reivindicaram do Estado brasileiro medidas eficazes para que o
PAISM - que aparecia no período como o contraponto das políticas de controle da natalidade -
fosse devidamente implantado em todo o Brasil.
As participantes do Programa de Saúde Geledés também enfatizaram nesse segundo
volume dos Cadernos Geledés, a necessidade de criação de uma lei específica com vista a
regularizar a prática da esterilização cirúrgica no Brasil.445
No ano de 1993, o Programa de Saúde Geledés – sob liderança da coordenadora do
Programa de Saúde no período, Edna Roland – realizou um evento nacional destinado a
discutir e desenvolver ações voltadas à saúde reprodutiva das mulheres negras no Brasil. O
445
Algumas propostas de lei a semelhança desse haviam sido apresentadas por parlamentares desde o fim da
década de 1980. O primeiro projeto de lei sobre a normatização da esterilização foi de autoria do deputado
Nelson Seixas em 1988. O projeto de Lei nº 1.167/88 estabelecia, entre outros aspectos, a legalização da
esterilização feminina a partir dos 21 anos de idade, sem nenhuma restrição. No ano de 1991, os deputados
Eduardo Jorge (PT/SP), Benedita da Silva (PT/RJ), Jandira Feghali (PCdoB/RJ), Maria Luisa Fontenelle
(PSDB/CE), Sandra Satrling (PT/MG), Luci Choinaski (PT/SC) e Socorro Gomes (PCdoB/PA), propuseram um
novo projeto: a Lei n° 289/91445. Nesse segundo projeto, a idade mínima para a prática da esterilização cirúrgica
foi estendida para 30 anos de idade. Não se chegou a um consenso acerca desses dois projetos e ambos foram
arquivados pela Câmara dos Deputados. Cadernos Geledés 2, op.cit.,p.7.
120
“Seminário Nacional Políticas e Direitos Reprodutivos das Mulheres Negras”, foi realizado
entre os dias 20 e 22 de agosto de 1993, na cidade de Itapecerica da Serra/SP. Reuniu
organizações como o Movimento Negro Unificado de Salvador, Criola, Cebrap, NEPO, SOF
– Sempreviva Organização e Feminista, entre outras446. De acordo com as organizadoras do
evento, o Seminário foi idealizado com a seguinte intenção:
446
GELEDÉS – INSTITUTO DA MULHER NEGRA. Declaração de Itapecerica da Serra das Mulheres Negras
Brasileiras. Negra, 1993, p.1. Acervo da Ong Criola/Rio de Janeiro.
447
Declaração de Itapecerica da Serra, op.cit., p.2.
121
O quadro apresentado acima condensa grande parte das discussões promovidas pelas
mulheres nas Conferências Internacionais realizadas pela ONU durante a década de 1990,
como vimos no primeiro tópico deste capítulo. Nesse sentido, as ativistas negras, através
dessa declaração apresentaram temáticas condizentes ao contexto do período, como por
exemplo, a crítica ao discurso neomalthusiano que considera o aumento populacional
responsável pelo subdesenvolvimento e pelo desequilíbrio ecológico. As militantes negras
ainda reiteraram que a prática da esterilização cirúrgica estaria sendo realizada com o intuito
de controlar a natalidade das populações não brancas e também mencionaram a questão da
liberdade individual, enfatizando que os direitos reprodutivos devem ser decididos pelas
mulheres na esfera privada, sendo competência do Estado a obrigação de assegurar às
mulheres o pleno exercício desses direitos.
No fim da “Declaração de Itapecerica da Serra’, as ativistas negras apresentaram as
propostas que visavam à ampliação das ações relativas à saúde reprodutiva das mulheres
negras no Brasil:
Essas propostas embasaram o plano de ação das ativistas negras que participaram da
Conferência Internacional de População no Cairo em 1994, ou seja, um ano depois da
divulgação da “Declaração de Itapecerica da Serra”.
448
A CPMI foi requerida em novembro de 1991, no entanto só apresentou seu relatório final em 1993. Por esse
fato, na dissertação utilizo o marco de 1993 para me referir a CPMI.
449
De acordo com o pesquisador Délcio Sobrinho, o governo federal já tinha criado anteriormente duas CPIs com
o intuito de verificar a prática da esterilização cirúrgica no país, uma em 1967 e a outra em 1983. Entretanto, as
duas CPIs não tiveram êxito, já que a primeira não foi concluída, deixando seus trabalhos e investigações pela
metade, enquanto que a segunda produziu ao final das investigações um relatório fraudulento, copiado quase que
literalmente de um documento da BEMFAM. Sobrinho, op.cit.,p.109-173.
450
BRASIL. Congresso Nacional. Comissão Parlamentar Mista de Inquérito destinada a examinar a incidência
de esterilização em massa nas mulheres no Brasil. Presidente: Benedita da Silva. Relator: Senador Carlos
Patrocínio. Brasília, 1993.
451
Como já apresentei no capítulo 2, alguns militantes negros, em especial os homens, eram totalmente contrários
a qualquer tentativa de regularizar a prática da esterilização cirúrgica no Brasil, pois entendiam que a
esterilização era responsável pelo genocídio do povo negro.
123
As militantes negras tiveram importante papel na criação da CPMI. Luiza Bairros, que
liderava o Movimento Negro Unificado da Bahia na década de 1990 reuniu informações e
documentos452 e os enviou a Benedita da Silva, com o intuito de apurar as alegadas denúncias
de que as mulheres negras eram mais esterilizadas do que as brancas, principalmente durante
a década de 1980. Benedita por sua vez, entregou ao Congresso Nacional os documentos
enviados por Bairros e conseguiu a aprovação da CPMI453.
A CPMI foi criada através do requerimento nº 769/91 com o objetivo central de examinar
a incidência da esterilização em massa de mulheres no Brasil, na medida em que dados oficiais
revelaram que a esterilização cirúrgica era o método contraceptivo mais utilizado entre as
mulheres brasileiras casadas ou unidas454.
Um dos itens do requerimento nº 769/91 discorria acerca da prática da esterilização com
foco na população negra: “A maioria da população feminina que se submete à essa prática é
negra, o que revela o caráter racista da esterilização”455. Com a inclusão desse item, a CPMI
também pretendeu averiguar se a prática da esterilização cirúrgica figurava como um política
eugênica direcionada à população negra no país .
Em relação aos aspectos técnicos da CPMI, ela foi composta por 60 senadores e
deputados, metade titulares e metade suplentes, dos partidos PT, PMDB, PTB, PDT, entre
outros. A comissão foi instalada no dia 27/11/1991 e só concluiu seus trabalhos em 23/11/1992.
A CPMI recebeu documentos advindos prioritariamente de duas organizações civis: a
BEMFAM e o CPAIMC456, que eram, no período, denunciadas por práticas de esterilização457.
452
Documentos enviados por Luiza Bairros foram: dados da PNAD de 1986 acerca da esterilização de mulheres
no Maranhão, CEAP. Esterilização – Do controle da natalidade ao genocídio do povo negro! Folheto de
divulgação do Fórum contra a esterilização em massa das mulheres negras. Programa de Mulheres do CEAP,
1990.GELEDÉS. Esterilização: Impunidade ou Regulamentação? Cadernos Geledés 2, 1991.
453
Depoimento de Ana Costa, Fita 2, lado A.
454
Congresso Nacional, op.cit.,p.9.
455
ibid.,p.11.
456
Da Bemfam a CPMI autuou documentos como: Relatório de Atividades relacionadas à esterilização (1987-
1991). Atividades (1987-1991), Acordo de doações e recursos recebidos, Cópia dos convênios com prefeituras e
órgão municipais, estaduais e federais, Pesquisa Nacional sobre Saúde Materno-Infantil e Planejamento Familiar
– PNSMIPF (1986) e livros publicados pela BEMFAM. Do CPAMC a CPMI recebeu projetos e contratos com
instituições internacionais (1987 a 1991), além dos Relatórios de Atividades da instituição (1987-1991). A CPMI
também analisou textos e pesquisas acadêmicas, artigos, documentos governamentais, matérias jornalísticas, etc
457
Congresso Nacional, op.cit.,p.12-27.
124
A CPMI realizou 15 reuniões e 27 entrevistas com representantes dos mais variados setores da
sociedade brasileira, tais como: ativistas do movimento de mulheres organizadas, médicos,
profissionais de saúde, demógrafos, representantes da Igreja Católica, membros do governo
brasileiro e mulheres que sofreram algum caso de esterilização abusiva ou à revelia. As
“feministas negras” que prestaram depoimentos à CPMI foram: Luiza Bairros, Edna Roland e
Jurema Werneck458.
No item denominado: “A esterilização feminina sob o ponto de vista étnico” - que tomou
por base o depoimento de Edna Roland, Jurema Werneck e Luiza Bairros - a CPMI apresentou
um conjunto de informações relativas à prática da esterilização nas mulheres negras:
(...) O Movimento Negro Unificado [da Bahia] denuncia que a
população negra nunca foi quantificada corretamente e que, antes do
último censo, por conquista do movimento negro, a cor é incorporada
como quesito censitário; Entidades do movimento negro nacional,
preocupadas com o resgate da cidadania da raça negra, foram pioneiras
na denúncia de esterilização. Desde 1983 estas entidades vêm advertindo
para o direcionamento das políticas de controle demográfico para os
negros (...) A coordenadora do MNU, Luiza Bairros, afirmou também
que há entre as mulheres negras uma maior evidência de esterilidade
involuntária, oriunda de doenças ginecológicas, que resultam de sua
condição econômica de pobreza e miséria (...) Segundo a depoente, a
manipulação dos dados da PNAD não considera o volume total da
população feminina negra na Bahia. Naquele estado, entre as mulheres
de 15 a 54 anos que usavam algum método contraceptivo, 43% das
mulheres brancas estavam esterilizadas. Entre as negras, este percentual
era de 39%, mas na realidade a população negra é muito maior (...) Para
Jurema Werneck do (CEAP), o próprio IBGE refere que 45% da
população brasileira é negra. Para os movimentos negros, a estimativa
empírica é de que 80% da população brasileira é negra. Sua conclusão é
de que neste contingente está a maioria das mulheres esterilizadas (...)
Hoje em dia prevalece a idéia, que já virou senso comum, de que
famílias pobres, numerosas, é que são os fatores impeditivos para o
desenvolvimento do país (...) Por isso afirma-se que o controle da
natalidade praticado hoje no Brasil, através da esterilização cirúrgica,
visa impedir o crescimento da população pobre, que é majoritariamente
composta por negros. Pode-se do mesmo modo afirmar que a presença
do negro como componente majoritário da população pobre é
decorrência do racismo, responsável por gerar as condições de pobreza
do negro no Brasil (...) Não é pura e simplesmente coincidência quando
entidades do movimento negro nacional afirmam que a maioria das
458
ibid.,p. 28-31.
125
459
Congresso Nacional, ,op.cit.,p.92.
460
De acordo com a pesquisadora Vera Cristina de Souza, miomas são tumores benignos provocados pelo amento
da taxa de estrógeno no organismo da mulher. A presença do mioma é verificada majoritariamente no final da
vida reprodutiva. Segundo Souza, há uma incidência maior de miomas entre as mulheres negras de baixa renda
quando comparadas às brancas da mesma classe social. Além desse fato, outros fatores devem ser levados em
consideração, tais como: a baixa freqüência aos serviços de saúde por falta de tempo hábil agrava a doença entre
as mulheres negras; as condições econômicas e sociais influem na saúde das mulheres negras; as mulheres negras
apresentam o tipo mais grave dos miomas, o que pode provocar a sua esterilidade; as mulheres negras apresentam
uma “predisposição biológica” em contrair os miomas e devido a esse fato os profissionais de saúde deveriam
considerar tal doença como uma “doença étnico-racial”, segundo Souza. Souza, op.cit.,p.75-81.
126
colo de útero. Tais enfermidades estão diretamente ligadas à saúde sexual e reprodutiva,
podendo provocar danos irreversíveis na fecundidade e reprodução da mulher negra, como a
esterilização involuntária461. Assim, se dados relativos à esterilização involuntária fossem
incorporados à PNAD de 1986, o número de mulheres negras esterilizadas aumentaria na visão
das “feministas negras”.
Além das “feministas negras”, Luiza Bairros, Edna Roland e Jurema Werneck, a CPMI
também entrevistou representantes do movimento de mulheres organizados do período.
Prestou ainda depoimentos professores acadêmicos, representantes da Igreja Católica e da
OAB, políticos, além de médicos e pesquisadores especializados na questão demográfica e
populacional no país.
A feminista Sara Romero Sorrentino afirmou em seu depoimento que a laqueadura ocorria
no país devido à desinformação e a dificuldade de acesso a outros métodos contraceptivos.
Colocou ainda que uma clínica da cidade de São José dos Campos realizava laqueaduras com
fins eleitoreiros462.
A ex-deputada estadual pelo PT Brice Bragatto evidenciou que as esterilizações cirúrgicas
estavam sendo realizadas em mulheres jovens e que muitas dessas se arrependiam da cirurgia
com o passar do tempo. Bragatto ainda denunciou empresas que exigiam no período atestado
de laqueaduras para admitir funcionárias463. A jornalista Rosiska Darci de Oliveira,
corroborou os pontos defendidos por Bragatto e também criticou o fato da esterilização
cirúrgica ter sido utilizada como um mecanismo de controle da natalidade da população
brasileira, direcionada em especial aos pobres464.
A socióloga Maria Betânia Ávila ressaltou em seu depoimento os direitos reprodutivos e
sexuais das mulheres e reivindicou o desenvolvimento de uma política de saúde integral às
mulheres no país465. Lúcia Souto, ex-deputada estadual pelo PCB e PPS, criticou o alto
número de esterilizações no Brasil e ainda denunciou o caso da arquiteta carioca, Sônia
Beltrão, que foi esterilizada involuntariamente na maternidade da Praça XV466.
461
CRIOLA. Boletim Toques Criola, ano 4, nº 15, 2001. Periódico da Ong Criola/RJ; Oliveira, op.cit.,p.427;
Souza, op.cit.,p. 65.
462
Congresso Nacional, op.cit.,p.66-67.
463
ibid.,p.67-71.
464
ibid, p.113-115.
465
ibid.,p.82-85.
466
ibid.,p.71-74.
127
467
ibid.,p.74-77.
468
ibid.,p.76-78.
469
ibid.,p.81-82.
470
ibid.,p.91-92.
471
ibid.,p.89-91.
128
CPMI deveriam investigar com cautela àqueles que promoviam a esterilização cirúrgica no
Brasil472.
O médico Eurípedes Carvalho reivindicou a implementação do PAISM e a legalização da
laqueadura com critérios e normas bem definidos. Na mesma perspectiva de Carvalho, seguia
o então presidente da OAB, pois o mesmo também reivindicava a legalização da esterilização
cirúrgica no Brasil.473
A então Secretária Executiva da BEMFAM, Carmem Calheiros Gomes, expôs que a
BEMFAM era um órgão de planejamento familiar e que a esterilização nunca foi uma
prioridade da instituição. Além disso, evidenciou que a BEMFAM não defendia políticas
eugenistas no país474. Por sua vez, o médico e ex-vereador de Goiânia José Hidasi, negou
várias acusações que recebeu, dentre elas: esterilizar mulheres pobres, receber pagamentos
pela esterilização e realizar a esterilização em troca de votos475.
O Ministro da Saúde na época, Adib Jatene ressaltou a importância do PAISM e não se
declarou contrário à prática da esterilização cirúrgica. Todavia, ratificou que o Ministério não
iria adotar tal prática como método contraceptivo476. O médico Antônio Henrique Pedrosa
Neto e o então embaixador e Ministro das Relações Exteriores, Luís Felipe de Seixas Corrêa,
se mostraram favoráveis a regulamentação da prática da esterilização cirúrgica no país477.
A arquiteta Sônia Beltrão concedeu um depoimento denúncia à CPMI. Beltrão contou que
ao se submeter a uma cesárea na Maternidade Praça XV em 1985, no Rio de Janeiro, foi
esterilizada sem o seu consentimento. Beltrão afirmou que não apresentava qualquer problema
de saúde que justificasse a prática. A arquiteta relatou que uma outra paciente do hospital,
Jerusa Paes da Silva, também tinha sido esterilizada à sua revelia. Segundo Beltrão, a única
coisa que tinha em comum com Jerusa era a quantidade de filhos. Por reivindicação de
Beltrão, o hospital instalou um processo contra o médico que tinha realizado a cirurgia,
Dionísio Cavaleiro de Andrade. Ao fim do processo a pena estipulada à Dionísio foi a
suspensão de seu exercício médico por um mês478.
472
ibid.,p.94-96
473
ibid.,p. 100-103.
474
ibid.,p.103-104.
475
ibid.,p.104-105.
476
ibid.,p.106-107.
477
ibid.,p.107-110.
478
ibid.,p.110-113.
129
479
ibid.,p.97-98.
480
Congresso Nacional, op.cit.,p.96-97
481
ibid.,p.79-80.
482
ibid.,p.80-81.
130
483
Congresso Nacional, op.cit, p.116-118.
131
484
Depoimento de Ana Maria Costa, op.cit., fita 2; Congresso Nacional, op.cit., p.122-125.
485
A Lei 9263, de 1996, também estabeleceu uma série de punições àqueles que realizassem a esterilização de
forma irregular, tais como: reclusão, de dois a oito anos, e multa, se a prática não constituísse crime mais
grave485.BRASIL. Ministério da Saúde. Lei nº 9263 de 12 de janeiro de 1996, que dispõe acerca da prática da
esterilização cirúrgica no país.
486
Centro Brasileiro de Análise e Planejamento/SP.
487
BERQUÓ, Elza. Esterilização e Raça em São Paulo. Revista brasileira de Estudos Populacionais. Campinas,
v.11, n.1, p. 19-26, 1994.
488
ibid.,p.21.
489
Berquó, op.cit.,p.19.
133
Saliento que esta pesquisa de Berquó, realizada no ano de 1994, reiterou a sua posição
na CPMI de esterilização de 1993. Como vimos, naquela ocasião, Berquó não citou em seu
depoimento a questão étnica ou racial, demonstrando que, em sua visão, não havia uma maior
incidência da esterilização cirúrgica sobre as mulheres negras na época.
O professor da PUC-MG André Caetano Junqueira pesquisou a relação entre a prática da
esterilização no Brasil tomando como variável privilegiada a cor da pele. Em contraposição a
pesquisadora Elza Berquó, Caetano apresentou diferenciais nas distintas categorias da variável
cor/raça sobre o risco da esterilização490. Junqueira analisou, sobretudo, o 4º capítulo da
Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde relativo à anticoncepção no Brasil na década de
1990.
O principal fato constatado por Caetano foi que as desvantagens sócio-econômicas das
mulheres pretas e pardas refletem-se diretamente na saúde das mesmas. Como a maior parte
das mulheres pretas e pardas dependem dos serviços públicos de saúde - onde a oferta de
métodos contraceptivos é precária – grande parte dessas mulheres acabam sendo, mesmo que
involuntariamente, induzidas a realizar a esterilização cirúrgica durante o parto cesáreo:
Caetano, assim como Berquó, afirmou que a condição social repercute sobre a saúde
das mulheres. Entretanto, diferentemente de Berquó, o autor enfatizou que devido as piores
condições sócio-econômicas das mulheres pretas e pardas em relação as brancas, as primeiras
eram mais atingidas pelos efeitos negativos da prática desregrada da esterilização cirúrgica no
Brasil.
490
CAETANO, A.J. A Relação entre Cor da Pele/Raça e Esterilização no Brasil: análise dos dados da pesquisa
nacional sobre demografia e saúde – 1996. In: MONTEIRO, Simone.; Sansone, Lívio. (orgs.) Etnicidade na
América Latina: um debate sobre raça, saúde e direitos reprodutivos. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz. 2004, p. 229-
40. Este estudo de Caetano foi baseado em sua tese de doutorado em sociologia, com ênfase em demografia,
intitulada “Sterilization for Votes in the Brazilian Northest: the case of Pernambuco”, apresentada a University of
Texas at Austin, UT, Estados Unidos.
134
Os dados trazidos pela PNDS de 1996 - desagregados por cor/raça - acerca dos métodos
contraceptivos e da prática da esterilização cirúrgica, incentivaram a realização de outras
pesquisas acerca das relações entre raça/cor e a saúde reprodutiva feminina. Exemplos desses
trabalhos são a própria pesquisa de André Caetano Junqueira “A relação entre cor da pele/raça
e esterilização no Brasil: uma análise dos dados da Pesquisa Nacional sobre Demografia e
Saúde (PNDS)” (1996), o trabalho de Ignez Helena Oliva Perpétuo “Raça e acesso às ações
prioritárias na agenda da saúde reprodutiva” (2000)493 e o estudo da socióloga Alessandra
491
BEMFAM & IBGE. Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde – Brasil, 1996.
492
BEMFAM & IBGE, op.cit.,p. 48-60.
493
PERPÉTUO, Ignez H.O. Raça e acesso às ações prioritárias na agenda da saúde reprodutiva. Jornal da Rede
Saúde, nº 22, p.10-16, 2000. Neste trabalho, a autora analisou os diferenciais entre as mulheres brancas e negras
acerca do seu risco reprodutivo e seu acesso aos serviços de saúde. Perpétuo ainda investigou os efeitos da
discriminação racial nos serviços de saúde.
135
494
CHACHAM, Alessandra. Cesárea e esterilização: condicionantes socioeconômicos, etários e raciais. Jornal
da Rede Saúde, nº 23, março de 2001. Nesta pesquisa, a socióloga analisou dados sobre as relações entre cesárea,
esterilização, faixa etária e raça.
495
Oliveira, op.cit.,p.171.
496
Roland, op.cit.,p.109; Oliveira, op.cit.,p.220-221.
497
Vimos neste capítulo que as ativistas negras do Geledés realizaram o “Seminário Nacional Políticas e Direitos
Reprodutivos das mulheres negras”, com o intuito de se preparar para a Conferência de Cairo em 1994. Geledés,
op.cit. Declaração de Itapecerica da Serra das mulheres Negras Brasileiras.
498
Por uma Política Nacional de Combate ao Racismo e à Desigualdade Racial. Documento da Marcha Zumbi
dos Palmares contra o Racismo, pela Cidadania e pela Vida, Brasília: 20 de novembro de 1995 apud Oliveira,
op.cit.,p.220.
499
BRASIL. Relatório Final da Mesa Redonda sobre Saúde da População Negra no Brasil. 1996. A “Mesa
Redonda sobre Saúde da População Negra no Brasil” gerou o seguinte documento: PNUD; OPAS. Política
Nacional de Saúde da População Negra: uma questão de equidade. Brasília, Pnud, Opas, DFID, 2001. MAIO,
Marcos Chor & MONTEIRO, Simone. Tempos de racialização: o caso da ‘saúde da população negra’ no Brasil.
Rev. História, Ciência, Saúde- Manguinhos. Vol.12, n.2, p.425-427, 2005.
136
500
Pnud & Opas, op.cit.,p.8-12.
501
A organização nacional das mulheres negras e as perspectivas políticas. Cadernos Geledés, nº 4, p.23-29,
1993; http://www.criola.org.br/projetos_difusao.htm; http://www.geledes.org.br/ Acesso em 07/07/2009.
502
Atendendo a reivindicação do movimento negro, o Ministério da Saúde colocou, em março de 1996, que o
quesito cor seria incluído na Declaração de Nascidos Vivos e Declaração de óbitos. Tal medida foi implementada
no país no ano seguinte. Pnud & Opas, op.cit.,p.7.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
serviços de saúde e promoção da saúde da mulher nega ganham visibilidade política ao serem
incluídas na pauta de ações desse evento em 1996.
As ações empreendidas pelas ativistas negras no campo da saúde reprodutiva foram
centrais no processo de preparação brasileira à III Conferência Mundial Contra o Racismo,
Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas em Durban, África do Sul (2001).
O ativismo das “feministas negras” contribuiu na ampliação das discussões em torno da
promoção da saúde da população negra no país. A visibilidade adquirida pelas “feministas
negras” em Durban pôde ser verificada pelo fato de uma militante, Edna Roland, ter sido
escolhida relatora geral do referido evento internacional. A Conferência de 2001 ampliou as
discussões acerca do racismo no país, abrindo espaço para o surgimento de políticas de ação
afirmativas no campo da saúde pública.
Nos primeiros anos do século XXI verifica-se a realização de eventos centrados na
saúde da população negra no Brasil, a exemplo do Seminário Nacional de Saúde da População
Negra em 2004, do Workshpop Interagencial Saúde da População Negra em 2001 e do I
Seminário Saúde da População Negra do Estado de São Paulo. Atualmente, as ações que
envolvem a saúde da população negra no Brasil fundamentam debates acadêmicos e políticos
presentes na sociedade brasileira.
BIBLIOGRAFIA E FONTES
INSTITUIÇÕES PESQUISADAS:
PRONUNCIAMENTOS E DEPOIMENTOS:
FIOCRUZ. Entrevista da doutora Ana Maria Costa para o projeto: “A construção do campo da
saúde da população negra no Brail: idéias, atores e instituições” (1996- 2001). Entrevista
concedida a Marcos Chor Maio e Simone Monteiro em agosto de 2007.
FONTES PRIMÁRIAS:
BRASIL. Ministério da Saúde. Manual de doenças mais importantes por razões étnicas da
população brasileira afro-descendente. Brasília, 2001.
BRASIL. Ministério da Saúde. Lei nº 9263 de 12 de janeiro de 1996, que dispõe acerca da
prática da esterilização no país.
BRASIL. Constituição Federal do Brasil, 1988. Artigo 226, § 7º. Dispõe sobre o Planejamento
Familiar no país.
144
BRASIL MULHER. Coleção completa do jornal Brasil Mulher (18 volumes). 1975-1979,
Paraná.
BERQUÓ, Elza. Nupcialidade da população negra no Brasil. Texto Nepo, nº 11, 1987. Nepo e
Unicamp.
BERQUÓ, Elza et al. Estudo da Dinâmica demográfica da população negra no Brasil. Textos
Nepo, nº 9, 1986. Nepo e Unicamp.
BRITTO, Benilda R.P. et al. Relatório Final da Reunião Nacional de Mulheres Negras. Belo
Horizonte, 1997.
CARNEIRO, Sueli; COSTA, Albertina G.O & SANTOS, Thereza. Mulher Negra/Política
Governamental da Mulher. São Paulo: Nobel: Conselho Estadual da Condição Feminina, 1985.
FOLHA DE SÃO PAULO. Sob acusação de racismo, GAP afasta integrante. Folha de São
Paulo, 11 de agosto de 1982, p. 6.
FREJAT. Jofran. Relatório do Deputado Jofran Frejat sobre o Projeto de Lei nº 1.167/88.
IBGE. Programa Nacional por Amostra de Domicílios (Suplemento Especial). Brasília, 1986.
JORGE, Eduardo. Parecer do Deputado Eduardo Jorge sobre o projeto de Lei nº 1.167/88.
MULHERIO. Coleção completa do jornal Mulherio (39 volumes). 1981-1988, São Paulo.
NÓS MULHERES. Coleção completa do jornal Nós Mulheres (8 volumes). 1976-1978), São
Paulo.
146
PNUD; OPAS. Política Nacional de Saúde da População Negra: uma questão de equidade.
Brasília, Pnud, Opas, DFID, 2001.
TAMBURO, Estela Maria Garcia. Mortalidade infantil da população negra brasileira. Textos
Nepo, 9, 1986. Nepo e Unicamp.
UNITED NATIONS. Plataform for action and the Beijing Declaration. Fourth World
Conference on Women, Beijing, China, 1995 . Departament of Public Information. United
Nations, New York 1996.
147
TESES E DISSERTAÇÕES:
LANDIM, Leilah. A Invenção das ONGs - do serviço invisível à profissão sem nome. 1993,
475 f. Tese (Doutorado em antropologia Social), Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro, 1993.
SOUZA, Vera C. de. Mulher negra e miomas: uma incursão em saúde, raça/etnia. 1995, 90 f.
Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais). PUC/SP, São Paulo, 1995.
ZIRBEL, Ilze. Estudos feministas e estudos de gênero no Brasil: Um debate. 2007, 212f.
(Dissertação de Mestrado em Sociologia Política). Universidade Federal de Santa Catarina,
Santa Catarina, 2007.
PERIÓDICOS:
ALBERTI, Verena & PEREIRA, Amílcar A. Qual África? Significados da África para o
movimento negro no Brasil. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, nº 39, jan-jun de 2007, p.25-
56.
ARAÚJO, Maria José de Araújo. Reflexões sobre a saúde da mulher negra e o movimento
feminista. Jornal da Rede Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos. São Paulo, n.23, p.25-
26, março. 2001.
BAMSHAD, M.J. & OLSON, S.E. Ambiguidades que limitam uma definição de raça.
Scientific American Brasil, vol.20, 2004.
BENTES, Nilma. Brasil – Durban –Brasil: Um marco da luta contra o racismo. Revista
Estudos Feministas, vol 10, nº 1, p.229-236, 2002
CARNEIRO, Sueli. A Batalha de Durban. Revista Estudos Feministas, vol 10, nº l, p.209-214,
2002.
COELHO, Edméia A.C.; LUCENA, Maria de Fátima G & SILVA, Ana Tereza M. O
planejamento familiar no Brasil no contexto das políticas públicas de saúde: determinantes
históricos. Rev.Esc.Enf.USP, v.34, nº 1, p.37-44, 2000.
CHOR, Dora. & LIMA, Cláudia. Aspectos epidemiológicos das desigualdades raciais em
saúde no Brasil. Cadernos de Saúde Pública, 21(5), p. 1586-1594, 2005.
DINIZ, Débora & FOLTRAN, Paula. Gênero e feminismo no Brasil: Uma análise da revista
estudos feministas. Revista Estudos Feministas, v.12, nº especial, p. 245-253, 2004.
DINIZ, Simone G; SOUZA, Cecília D & PORTELLA, Ana Paulo. Uma contribuição ao
debate sobre direitos reprodutivos. Sexualidade, Gênero e Sociedade. CEPESC/IMS/UERJ,
Ano 3, nº 6, p.1-4, 1996.
150
FERREIRA, Luiz Otávio et al. Institucionalização das ciências, sistemas de gênero e produção
científica no Brasil (1939-1969). História, Ciências, Saúde-Manguinhos . Rio de Janeiro,
vol.15, supl.,p.43-71, jun 2008.
___________. Politics, Nationality and the Meanings of “Race” in Brazil. Daedalus: Journal
of the American Academy of Arts and Sciences, n. 129, p. 83-118, 2000.
GOHN, Maria da Glória. Mulheres – atrizes dos movimentos sociais: relações político-
culturais e debate teórico no processo democrático. Política e sociedade, nº 11, p.40-70,
outubro de 2007.
GONZALES, Lélia. Mulher negra: um retrato. Jornal Lampião da Esquina, ano 1, nº 11, abril
de 1979.
________________. Democracia Racial? Nada disso. Jornal Mulherio, nº4, p.3, nov/dez de
1981
GRIN, Monica. Este Ainda Obscuro Objeto de Desejo: Políticas de Ação Afirmativa e Ajustes
Normativos. Novos Estudos. CEBRAP, São Paulo, v. 59, p. 172-192, 2001.
GROSSI, Miriam Pillar. Revista estudos feministas faz 10 anos: uma breve história do
feminismo no Brasil. Revista Estudos Feministas, v.12, nº especial, p. 211-222, 2004, 2005.
151
HARAWAY, Donna. Gênero para um dicionário marxista: a política sexual de uma palavra.
Cadernos pagu, v. 22, p. 209-211, 2004.
HTUN, Mala. From “Racial democracy” to affirmative action. Changing State Policy on Race
in Brazil. Latin American Research Review, vol. 39, nº 1, p. 60-89, 2004.
LEITE, Rosalina de Santa Cruz. Brasil Mulher e Nós Mulheres: origens da imprensa feminista
brasileira. Revista Estudos Feministas, v.11, nº 1, p. 234-241, 2003.
MAIO, Marcos Chor & MONTEIRO, Simone. Tempos de racialização: o caso da ‘saúde da
população negra’ no Brasil. Rev. História, Ciência, Saúde- Manguinhos. Vol.12, n.2, pp. 419-
446, 2005.
MAIO, Marcos Chor. Negros e judeus no Rio de Janeiro: um ensaio de movimento pelos
direitos civis. Estudos Afro- Asiáticos, nº 25, dezembro de 1993, p.161-188.
MAGGIE, Y.; Fry, P. 2004. A reserva de vagas para negros nas universidades brasileiras.
Estudos Avançados, v. 18, n. 50), p. 67-80.
MATTAR, Laura D. Reconhecimento jurídico dos direitos sexuais – uma análise comparativa
com os direitos reprodutivos. Revista Internacional de Direitos Humanos. São Paulo, ano 5,nº
8, junho de 2008, p.60-83.
ORTIZ, Maria José M.D. PAISM: Um marco na abordagem da saúde reprodutiva no Brasil.
Cadernos de Saúde Pública, v.14, p. 25-32, 1998.
PENA, Sérgio D. Razões para banir o conceito de raça da medicina brasileira. História,
Ciências, Saúde – Manguinhos, 12(2), 2005, p. 321-346.
152
PERPÉTUO, Ignez H.O. Raça e acesso às ações prioritárias na agenda da saúde reprodutiva.
Jornal da Rede Saúde, nº 22, p.10-16, 2000.
ROLAND, Edna. Direitos reprodutivos e racismo no Brasil. Revista Estudos Feministas, v.3,
n.2, p. 506-14, 1995.
RUFINO, Alzira. Vocês não podem adiar mais os nossos sonhos. Revista Estudos Feministas,
vol 10, nº 1, p.215-218, 2002
SILVA, Joselina. A União dos Homens de Cor: aspectos do movimento negro dos anos 40 e
50.Estudos Afro Asiáticos, ano 25, nº 2, 2003, p.215-235; Nascimento, op. cit ., p.206.
SOIHET, Rachel & PEDRO, Joana Maria. A emergência da pesquisa da História das
Mulheres e das Relações de Gênero. Revista Brasileira de História, v.27, p.281-300, 2007.
STOLCKE, Verena. Sexo está para gênero assim como raça para etnicidade? Estudos Afro-
Asiáticos, nº 20, p.101-119, 1991.
TRAVASSOS, Cláudia. & WILLIAMS, David. The concept and measurement of race and
their relationship to public health: a review focused on Brazil and the United States. Cadernos
de Saúde Pública, 20(3), p. 660-678, 2004.
VILLAS, Leila, Controle da Natalidade: A polêmica continua. Jornal Mulherio, ano VII, nº
28, p.8, mar/abr de 1987.
153
WOLLF, Cristina S & POSSAS Lídia, M.V. Escrevendo a história no feminino. Revista
Estudos Feministas, nº13, v.3, p. 585-589, 2005.
BIBLIOGRAFIA:
ALBERTI, Verena & PEREIRA, Amílcar A. (Orgs). Histórias do movimento negro no Brasil:
Depoimentos ao CPDOC. Rio de Janeiro: Pallas; CPDOC-FGV, 2007. 526 p.
ALMADA. Sandra. Damas negras – Sucesso, lutas e discriminação: Chica Xavier, Léa
Garcia, Ruth de Souza e Zezé Motta. Rio de Janeiro: Mauad, 1995. 239 p.
ANDREWS, George Reid. Negros e brancos em São Paulo (1888-1988). Bauru, SP: EDUSC,
1998. 443 p.
ARILHA, Margareth & BERQUÓ, Elza. Esterilização: Sintoma social. Relatório final de
pesquisa. Universidade Estadual de Campinas, NEPO, s/d. 62 p.
BANTON, M. A racialização do ocidente. In: A Idéia de Raça. Lisboa, Edições 70, 1977, p.
24-75.
BERQUÓ, Elza. Sexo e Vida: Panorama da saúde reprodutiva no Brasil. Campinas, SP:
Editora da Unicamp, 2003.
154
BETHEL, Leslie & ROXBOROUGH, Ian (orgs.). América Latina: entre a Segunda Guerra
Mundial e a Guerra Fria. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. 314 p.
BRAZIL, Érico V & SCHUMAHER, Schuma. Mulheres negras no Brasil. São Paulo:
Senac/São Paulo, 2007. 477 p.
CAETANO, A.J. A Relação entre Cor da Pele/Raça e Esterilização no Brasil: análise dos dados
da pesquisa nacional sobre demografia e saúde – 1996. In: MONTEIRO, Simone.; Sansone,
Lívio. (orgs.) Etnicidade na América Latina: um debate sobre raça, saúde e direitos
reprodutivos. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz. 2004, p. 229-40.
CALDWELL, Kia Lily. Negras in Brazil. Re-envisioning Black Women, Citizenshio, and the
Politics of Identity. New Jersey: Rutgers University Press. 2007. 226 p.
CITELI, Maria Teresa. A pesquisa sobre sexualidade e direitos sexuais no Brasil (1990-
2002): revisão crítica. Rio de Janeiro: CEPESC, 2005. 160 p.
COLLINS, Patrícia Hill. Black, feminist thught. Knowledge, conscciousness and politics of
empowerment. New York: Routledge, 1991.
CONTINS, Márcia. Lideranças negras. Rio de Janeiro: Aeroplano FAPERJ, 2006. 456 p.
COSTA, Ana Maria. Desenvolvimento e Implantação do PAISM no Brasil. In: GIFFIN, Karen
& COSTA, Sarah H. Questões da saúde reprodutiva. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1999, p.
419-439.
COSTA, S., 2002. Formas e Dilemas do Anti-racismo no Brasil. In: J.P. da Silva, M.S. dos
Santos e I. J. Rodrigues (orgs.), Crítica Contemporânea: Cultura, Trabalho, Racismo e
Política. São Paulo: Editora Annablume, pp. 105-127.
155
FILHO, Daniel A. R et al. Rebeldes e Contestadores: 1968- Brasil, França e Alemanha. São
Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2008. 208 p.
FREYRE, Gilberto. Casa- grande e senzala. Rio de Janeiro: Schmidt Editor, 1933. 752 p.
FRY, P. 2006. Ciência Social e Política “racial” no Brasil. Revista USP, 68: 180-187.
GIACOMINI, Sonia Maria . A Alma da Festa. Família, etnicidade e projetos num clube social
da Zona Norte do Rio de Janeiro: o Renascença Clube.. 1a. ed. Belo Horizonte; Rio de
Janeiro: Editora UFMG; IUPERJ, 2006. v. 1. 318 p.
GONZALES, Lélia. O movimento negro na última década. IN: GONZALES, Lélia &
HASENBALG, Carlos. Lugar de Negro. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1982.115 p.
GOULD, S.J. A Falsa Medida do Homem. São Paulo: Martins Fontes (Introdução; capítulos 1,
2 e 3, p. 17-108, 1991.
GUIMARÃES, A.S. Classes, Raça e Democracia. São Paulo: Editora 34, 2002. 232 p.
HANCHARD, Michael George. Orpheus and Power: The movimento Negro of Rio de Janeiro
and São Paulo, Brazil, 1945-1988. New Jersey: Princeton University Press. 1994. 200 p.
HASENBALG, Carlos & SILVA, Nelson. Estrutura Social, Mobilidade e Raça. São Paulo:
Vértice/Rio de Janeiro: IUPERJ, 1988.
HOBSBAWN, Eric. Era dos extremos - o breve século XX (1914-1991). São Paulo: Editora
Cia. das Letras, 1995. 632 p.
156
HOOKS, bel. Ain´t I a woman: Black women and feminism. Boston: South End Press. 1981.
346 p.
MAIO, M.C.; MONTEIRO, S.; RODRIGUES, P.H.A.; PAIVA, C.H.A.; PIRES, F &
DAMASCO, M.S. A construção do campo da saúde da população negra no Brasil: idéias,
atores e instituições. Projeto de pesquisa aprovado pelo CNPq 02/2006/Processo nº
485870/2006-1.
MAIO, Marcos Chor. Raça, doença e saúde pública no Brasil: um debate sobre o pensamento
higienista do século XIX. In: Etnicidade na América Latina: um Debate sobre Raça, Saúde e
Direitos Reprodutivos (S. Monteiro & L. Sansone, orgs). Rio de Janeiro: Editora Fiocruz,
p.15-41, 2004.
MONTEIRO, Simone & SANSONE, Lívio. Etnicidade na América Latina: Um debate sobre
raça, saúde e direitos reprodutivos. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2004. 344 p.
MONTEIRO, Simone & VILLELA, Wilza (Orgs). Gênero e Saúde: Programa Saúde da
Família em Questão. São Paulo: Editora Abrasco; Brasília: UNFPA, 2005. 166 p.
MICHEL. Andrée. O feminismo: uma abordagem histórica. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. 102
p.
OLIVEIRA, Fátima. Saúde da População Negra. Brasil: Ano 2001. Brasília: Opas, 2003. 344
p.
______. O recorte racial/étnico e a saúde reprodutiva: mulheres negras. In: GIFFIN, Karen &
COSTA, Sarah H. Questões da saúde reprodutiva. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, p. 419-
439, 1999.
PIERUCCI, Flávio A. Ciladas da Diferença. São Paulo: Editora 34, 1999, 224 p.
PINTO, Céli Regina Jardim. Uma história do feminismo no Brasil. São Paulo: Perseu
Abramo, 2003. 119 p.
RIBEIRO, Matilde. A presença das mulheres negras na luta anti-racista e feminista. Que
cara tem a mulher brasileira? Seminário Gênero, Classe e raça. Instituto Cajamar, p.42-56,
1994.
ROLLEMBERG, Denise. Esquerdas revolucionárias e luta armada. In: FERREIRA, Jorge &
DELGADO, Lucilia D. A.N. O Brasil Republicano: O tempo da Ditadura – regime militar e
movimentos sociais em fins do século XX. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2003.
SANTOS, R.V. & Maio, M.C., 2005. Antropologia, raça e os dilemas das identidades na era da
genômica. História, Ciências, Saúde: Manguinhos, 12(2): 447-68.
158
SCOTT, J. Gênero: Uma categoria útil para a análise histórica. Revista Educação e Realidade.
Tradução de Christine Rufino Dabat e Maria Betânia Ávila. Acesso em
http://www.dhnet.org.br/direitos/textos/generodh/gen_categoria.html 16/10/2006
SKIDMORE, Thomas. De Getúlio Vargas a Castelo Branco (1930-1964). Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 14ª edição, 2007. 512 p.
SILVA, Francisco Carlos Teixeira. Crise da ditadura militar e o processo de abertura política
no Brasil, 1974-1985. In: FERREIRA, Jorge & DELGADO, Lucilia D. A.N. O Brasil
Republicano: O tempo da Ditadura – regime militar e movimentos sociais em fins do século
XX. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2003. 431 p.
SORJ, B; HEILBORN, M.L. Estudos de Gênero no Brasil. In: MICELI, S. (Org). O que ler na
ciência social brasileira. São Paulo: Editora Sumaré: ANPOCS; Brasília, DF: CAPES, 1999
p.183-235.
STEPAN, Nancy. A Hora da Eugenia: raça, gênero e nação na América Latina. Introdução.
Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2005, p.9-114.
TAPPER, M. In the blood: sickle cell anemia and the politics of race. Introdução, p. 1-11.
Pensilvania, University of Pensilvania Press.
TELES, Maria Amélia. Breve história do feminismo no Brasil. Brasília: Brasiliense, 2003. 181
p.
VENTURA, Zuenir. 1968: O ano que não terminou. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.
336 p.
VENTURA, M.; BARSTED, L. L.; PIOVESAN, F. & IKAWA, D. Direitos Sexuais e Direitos
Reprodutivos na Perspectiva dos Direitos Humanos - Síntese para Gestores, Legisladores e
Operadores do Direito. Advocaci. Rio de Janeiro, outubro, 2003.
VISCARDI, Cláudia M.R. O teatro das oligarquias: uma revisão da “política do café com
leite”. Belo Horizonte: C/ARTE, 2001. 370 p.
WAILOO, K., 1997. Drawing Blood - Technology and Disease Identity in Twentieth-Century
America. Baltimore: The Johns Hopkins University Press (capítulo "Detecting ‘negro blood`:
black and white identities and the reconstruction of sickle cell anemia", pp.134-161).
WHITE, Evelyn; WERNECK, Jurema e MENDONÇA, Maisa. O livro da saúde das mulheres
negras, nossos passos vêm de longe. São Paulo: Pallas Editora, 2002. 260 p.