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Franz Keller-Lëuzinger (1835-1890) foi um engenheiro “Cada gravura da obra aqui apre-
alemão, botânico, explorador, desenhista e pioneiro da fo- sentada impressiona pela precisão
tografia no Brasil que, em expedição liderada por seu pai, do tracejado e exatidão das repre-
Joseph Keller, também engenheiro, percorreu a Amazônia sentações da fauna, da flora e dos
entre 1867 e 1868, comissionado pelo Governo Imperial tipos humanos com que a comitiva
para realizar levantamentos estatísticos e medições dos lei- de Keller vinha a interagir em suas
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ISBN 978-65-5956-831-4
CDD 900
CDU 93:91
vida amazônica, ora submetida ao tédio das águas calmas e da sucessão de cenários
indistinguíveis entre si, ora à violência e inclemência das chuvas e cheias tropicais,
agravantes permanentes das longas distâncias, dos obstáculos naturais a serem
vencidos a todo instante, e das dificuldades quase homéricas de comunicação com
determinadas localidades.
8 O que, todavia, não representou ineditismo à época. Citem-se, por exemplo, os
protestos principalmente dos Estados Unidos da América quanto às restrições
do rio Amazonas à navegação internacional, que vigoravam antes de 1867, com
remissão especial ao episódio capitaneado pelo tenente Matthew Fontaine Maury,
oficial da Marinha estadunidense, em 1853: em publicação no Correio Mercantil do
Rio de Janeiro, o oficial clamava pela intervenção das autoridades de seu país, sob
o pretexto de que o “espírito nipônico” (em referência ao isolacionismo japonês na
era Meiji) adotado pelo Brasil obstava o progresso de todas as nações copossuidoras
do rio Amazonas, e que o Império, valendo-se de sua posição geográfica, coagia
egoisticamente as repúblicas menores do entorno a celebrarem tratados bilaterais
prejudiciais ao desenvolvimento da região e ao máximo aproveitamento dos
recursos amazônicos por todas as nações efetivamente merecedoras.
lidade fértil de seu projeto, aproveitando-se de uma brasilidade incipiente
e disforme para incentivar iniciativas estrangeiras em solo brasileiro, de
forma a europeizar e modernizar o Brasil. Todavia, não perde valor o
conjunto da obra, que registrou para a posteridade aspectos humanos,
sociais, econômicos e políticos dos lugares por onde a comitiva passou.
Suas observações quanto à Amazônia, embora embasadas quanto
aos aspectos naturais, físicos e geográficos (com anotações que demons-
tram um domínio virtuoso sobre os dados disponíveis à época, coletados
por diversas expedições antecedentes devidamente referenciadas no texto
original) não deixam de ser superficiais quanto à análise das populações
inseridas naquele contexto, em especial os povos indígenas, ora infantili-
zados e romantizados, ora vistos sob o olhar ocidental inclemente, intole-
rante e por vezes preconceituoso. Considerado o curto tempo em que se
deteve no Amazonas, e a ausência de interesse e formação específicos de
Keller para a interpretação de suas tradições e estilos de vida, entende-se
que tais registros, por mais valiosos que sejam para reconstruir parcial-
mente costumes e conhecimentos esquecidos, não se esteiam em base
científica, não constituindo nem uma etnografia precursora, nem uma
sociologia prototípica; é, em verdade, a típica miscelânea dos viajantes
naturalistas dos séculos XVIII e XIX, arautos das ciências universais (e
muitas das vezes não mais do que verdadeiros generalistas), a quem se
permitia emitir opiniões acerca de todo e qualquer aspecto da realidade.
O que de mais marcante resulta da análise dos escritos de Keller-
-Lëuzinger são, sobretudo, as suas próprias contradições. Afinal, de um
modo ou de outro, toda obra reflete não apenas a personalidade e os in-
teresses de seu autor, como as influências externas que o moldaram. Ao
tratar dos tipos humanos, é com frequência que se notam esboços de um
humanismo solidário que, não muitas linhas em seguida, é contestado
por preconceitos gritantes e anticientíficos que o autor parece reproduzir
irrefletidamente, ou talvez como estratégia de adequação de seus escritos
(originalmente, demasiadamente técnicos) ao mercado literário de via-
gens muito em voga à época. Reconhece-se, também, no autor um espí-
rito aparentemente democrático, justificado em interesses afinados aos
do capital industrial europeu, a pretexto dos benefícios da modernização
e do progresso civilizadores, mas que contrasta e conflita com a preser-
vação de quaisquer regimes de pensamento e estilos de vida divergentes,
sempre fadados a sucumbir diante da marcha irretratável da civilização.
Contudo, merece destaque sua persistência desbravadora du-
rante as expedições de que participou, em uma aparente demonstração
de desprendimento material típico dos viajantes e exploradores mais
virtuosos em seus encargos. Franz Keller-Lëuzinger foi, sem dúvida,
um viajante multitalentoso. Seus relatos de viagem são um manifesto
de seu tempo, de suas contradições internas e das iniquidades histó-
ricas e sociais do século em que viveu, certamente nos cabendo uma
leitura crítica associada a uma interpretação compreensiva. Não fosse a
resiliência e a coragem humanas de se sujeitar a perigos e obstáculos de
terras distantes e desconhecidas, aos desconfortos e dificuldades de lín-
guas e costumes diferentes, e a severas restrições de recursos com que
se manter, a mente coletiva da humanidade pouco teria avançado em
matéria de autoconhecimento. Homens e mulheres que, desde tempos
muito remotos, rumaram ao desconhecido motivados tão-somente pela
curiosidade em alcançar o horizonte, a despeito de quaisquer riscos,
merecerão sempre a admiração e o respeito por seu legado.
REFERÊNCIAS
KNAUSS, Paulo; OLIVEIRA, Claudia de; MALTA, Marize (orgs.). Revistas Ilus-
tradas: modos de ler e ver no Segundo Reinado. Rio de Janeiro: MAUADX, 2011.
192 p.
9 Outra expedição liderada pelo Sr. Coutinho no rio Purus, um afluente do rio
Solimões, apresentou resultados negativos similares. Aquele rio mais tarde ficaria
melhor conhecido pela empreitada do Sr. Chandless.
As ilustrações, que considero suplementos indispensáveis à descrição de
cenas que nos são tão estranhas, originam-se de esboços feitos no local e que, para
preservar-lhes a mais alta fidelidade, desenhei eu mesmo.
Em breve, todavia, não haverá necessidade de que expedições bem equi-
padas visitem estas paragens da ultima thule.10 Luxuosos navios a vapor levarão tu-
ristas de Liverpool ao Pará em viagens de dezoito dias. Em sete dias mais, poderão
estar na foz do rio Madeira, e em uma semana a mais poderão chegar à primeira
corredeira de Santo Antônio. A partir daí, não mais do que brevemente, locomoti-
vas poderão levá-los floresta adentro, onde antes se chegava somente após longas
e dificultosas jornadas de três meses de duração partindo da foz do rio Madeira.
Uma vida agitada e intensa será infundida ali. Borracha, cacau, madeira
de lei, corantes e resinas não mais se estragarão pelo transporte dificultado, e a
agricultura e a criação de gado irão restringir – se não suplantarão – a existência
semisselvagem de todos aqueles que ainda subsistem somente da caça e da pesca.
Mesmo após nosso retorno para casa, deixando para trás a América do
Sul após uma ausência de dezessete anos, tivemos a satisfação de ver assegurada
e garantida a execução de nosso projeto ferroviário. Encarregado do projeto está
um americano, o coronel George Earl Church, bem familiarizado com esta parte
do mundo, e que obteve as licenças governamentais exigidas no Brasil e na Bolí-
via, tendo tido pouca dificuldade em angariar fundos na Inglaterra.
Se as páginas seguintes, nas quais me esforcei para manter uma visão ba-
lanceada entre otimismo e pessimismo, conseguirem auxiliar no convencimento
das autoridades brasileiras que as venham a ler acerca dos reiterados e perniciosos
abusos e erros perpetrados, e demonstrar que, a despeito do inquestionável pro-
gresso recente, os esforços em prol de melhoramentos ainda não se exauriram, e se
estas páginas forem bem sucedidas em inflamar o Velho Mundo com o interesse
pelo bem-estar dos recantos isolados do Novo Mundo, pelo menos algumas das
minhas mais caras aspirações terão se realizado. Essas terras de fato demandam
atenção, ao menos no sentido de algum dia poderem vir a servir de escape aos
elementos que tanto têm ameaçado nossa populosa Europa nos tempos recentes.
Pela emancipação de crianças nascidas escravas, a vigorar a partir do pri-
meiro dia de janeiro de 1872, é certo que a abolição da escravatura, que deve ser
o marco para o progresso real, tornou-se simplesmente uma questão de tempo.
Mas é preciso esperarmos a equalização política da imigração com os nativos, e a
concessão do direito ao matrimônio civil11, antes que possamos em sã consciência
Franz Keller-Lëuzinger
os maçons, que são muitos entre os mais altos oficiais brasileiros. Por interesse de
paz e decência para com os colonos protestantes, o governo foi forçado não apenas
a declarar a validade de uniões celebradas pelo rito protestante, contra a decisão do
bispo, mas também a processar duas esposas de colonos que haviam se convertido
ao catolicismo apenas para se casarem uma segunda vez, bem como os dois padres
católicos que realizaram tais cerimônias.
SUMÁRIO
LISTA DE ILUSTRAÇÕES 19
INTRODUÇÃO 29
APÊNDICE 289
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