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Resumo
Este trabalho busca apontar brevemente para algumas questões centrais que envolvem
as “Teorias do Jornalismo” buscando, neste percurso, problematizar sobre certas
generalizações ou lacunas presentes no esforço científico sobre o campo. Tal intenção
configura-se num primeiro quadro de reflexões para se pensar o jornalismo
especializado e suas distinções em relação ao jornalismo diário e/ou “puramente”
noticioso, objeto privilegiado das principais pesquisas e estudos sobre jornalismo.
Partindo de considerações sobre as revistas de circulação periódica ampla, tenta-se
construir um olhar investigativo sobre o processo – realizado pelo jornalismo – de
tematização/ mediação de grandes tópicos e assuntos no interior da vida social.
Palavras-chave
Jornalismo; Informação; Jornalismo Especializado; Revista.
1
Trabalho apresentado ao GT Jornalismo, do VIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação da Região Sul.
2
Doutorando em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) e Mestre em
Comunicação Social pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). E-mail:
fredericombtavares@yahoo.com.br.
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sobre o quê falam. E, focando tais âmbitos, é que surgem brechas para se problematizar
o campo (processo que diz de uma circularidade científica), como pra se avançar
criticamente sobre ele.
Tal proposta ou percurso, no entanto, demandaria, já de antemão, um
levantamento das pesquisas existentes no Brasil e de seus estudos correlatos, bem como
uma revisão do estado da arte sobre o campo jornalístico e/ou sobre as pesquisas
comunicacionais sobre o mesmo. Entretanto, não será essa nossa preocupação principal.
Sem fugir desta “necessidade”, mas certos do tom não muito profundo de tal revisão no
curto espaço que aqui teremos, buscaremos nas próximas páginas levantar questões,
problematizando sobre como e o quê se diz sobre o jornalismo, alcançando, ao final,
nosso próprio objeto de pesquisa3: o jornalismo especializado de revista e seu
envolvimento com a tematização/ mediação de tópicos e assuntos na sociedade.
3
Investigação que estamos realizando desde março de 2007 junto ao curso de Doutorado em Ciências da
Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos com apoio integral do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
4
Cf. FRANÇA, 1998.
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livros técnicos sobre o assunto, tem-se aí uma espécie de “óculos”, propício para uma
investigação científica do campo. Mas é justamente no “enredar” deste processo que
algumas tendências aparecem.
Naquilo que se pode chamar por “Teorias do Jornalismo” ou nas pesquisas
específicas sobre o campo estão presentes uma série abordagens sobre a constituição
dessa atividade dentro da sociedade. Muito se aborda sobre a função social do
jornalismo, sobre o jornalista como um comunicador social, sobre o papel do jornalismo
e dos jornalistas na sociedade. Nesse contexto, a idéia de jornalismo aparece ligada a
construções que abordam a produção noticiosa, a história do jornalismo, a relação do
jornalismo com os meios de comunicação e suas práticas, com a literatura, e outras
ênfases como, por exemplo, perspectivas sobre o jornalismo como forma de
conhecimento, como representação ou como narrativa.
Tais estudos (ou teorias daí advindas)5, como aponta Nelson Traquina
(2001), tem por questionamento central a seguinte pergunta: “Por quê as notícias são
como são?”. Parte-se da relação do jornalismo com a realidade e busca-se entender
como o produto final da atividade jornalística – a notícia – é formado, quais etapas e
processos envolvem sua produção, quais contextos e ambientes perpassam sua
elaboração, quem é o profissional que o produz, e, principalmente, quais são os
referentes, a matéria-prima para a sua existência. As notícias são vistas como fruto dos
acontecimentos, dos fatos que irrompem no cotidiano e que, entrelaçados no ambiente
midiático-jornalístico, assumem novas dimensões e novas “roupagens” de acordo com
os regimes de visibilidade e noticiabilidade que passam a envolvê-los. Há nesse
processo uma “ação informadora”, resultado da convergência de uma série de forças,
tais como: ações pessoais, ações sociais, ações ideológicas, ações culturais, ações físicas
e ideológicas; todas elas mutáveis e/ou intercambiáveis, ou seja, nunca estanques
(SOUSA, 2002).
Não se pode dizer, no entanto, que a notícia, enquanto um produto, esgote-
se na sua produção – fase que compreende basicamente a coleta, seleção, processamento
e hierarquização de dados – mas, provavelmente, “[...] essa é a etapa que mais concentra
as atenções dos estudiosos, paradoxalmente talvez porque é a menos visível” (SOUSA,
5
“[...] ao longo de várias décadas, e depois de muitos estudos realizados sobre o jornalismo, é possível esboçar a
existência de várias teorias, que tentam responder à pergunta por que as notícias são como são, reconhecendo o fato
de que a utilização do termo teoria é discutível porque também pode significar aqui somente uma explicação
interessante e plausível e não um conjunto bem elaborado e interligado de princípios e proposições. De notar,
também, que estas teorias não se excluem mutuamente, ou seja, não são puras ou necessariamente independentes
umas das outras” (TRAQUINA, 2001, p. 65).
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2002, p. 13)6. Busca-se, por meio de análises da produção noticiosa e da notícia em si,
ver o jornalismo e ao mesmo tempo mostrá-lo7. Nesse sentido, compreender o
jornalismo significa dimensionar e entender alguns processos de construção de sentido
no interior de um campo profissional específico e bastante singular.
No caso das “teorias sobre a notícia” parte-se da idéia de que tal produto
discursivo é sempre originado de um referente da realidade. Nas primeiras reflexões
sobre o jornalismo, a idéia de objetividade casada à imagem do jornalista como um
observador neutro e privilegiado na sociedade trazia uma perspectiva do profissional e
dos meios como “comunicadores de fatos”, “divulgadores de informações”. Uma
perspectiva que relacionava a lógica jornalística à lógica especular, onde o jornalismo e
os jornalistas atuariam (ou funcionariam) como espelhos da realidade, reflexos do que
acontece na sociedade. Havia aí a construção de uma certa ideologia para o campo, cujo
principal reflexo estaria justamente na formatação de um lugar social para o jornalismo.
As reflexões que se encontram neste primeiro momento (a idéia de um “jornalismo
informativo” no final do século XIX e depois a de um “jornalismo objetivo”,
principalmente nas décadas de 1920 a 1940) são decisivas por marcarem um primeiro
mapeamento das relações jornalísticas na sociedade, direcionando para os seus
“direitos” e “deveres” em relação, por exemplo, ao poder e à opinião pública.
No avanço das “teorias”, muda-se a perspectiva com que se olha para o
referente e o tratamento que se dá a ele no interior das rotinas e ambientes da produção
noticiosa. Sem esmiuçar estes estudos8, e por isso, realizando um grande salto, alcança-
se uma perspectiva na qual “[...] os jornalistas não são simplesmente observadores
passivos, mas participantes activos no processo de construção da realidade”
(TRAQUINA, 1993, p. 168); e as notícias, portanto, são narrativas que contam a
realidade, o que não as torna, vale dizer, um produto ficcional9.
6
Não podemos deixar de considerar também uma certa invisibilidade dos processos de circulação e recepção dos
produtos jornalísticos. Mas sobre estes, ainda são poucos os estudos e obras de referência.
7
Nesse contexto, nota-se, muitas vezes, a aparição de certos estudos mais “pessimistas” ou “depreciativos” em
relação ao jornalismo. Soma-se a isso, como aponta Érik Neveu, alguns outros obstáculos, que fazem no diálogo (ou
confronto) jornalista e intelectuais: “[...] sendo o jornalismo inseparável das mídias nas quais ele se desenvolve, é
também com as mitologias da comunicação – contraditórias e confusas – que se confronta todo o trabalho sobre o
jornalismo. Algumas vezes tais mitologias celebram, com uma ingenuidade repetida, o anúncio de revoluções da
comunicação e do jornalismo diante da aparição de qualquer nova mídia. Outras vezes, convidam a resumir uma
essência dos problemas do jornalismo, sobre os quais tudo já teria sido dito há um século e meio, por Balzac, em
Ilusões Perdidas” (NEVEU, 2006, 15).
8
Tal detalhamento pode ser buscado, por exemplo, nos em Pena (2005) e Traquina (2001, 2004).
9
“[...] a escolha da narrativa feita pelo jornalista não é inteiramente livre. Essa escolha é orientada pela aparência que
a realidade assume para o jornalista, pelas convenções que moldam a sua percepção e fornecem o repertório formal
para a apresentação dos acontecimentos, pelas instituições e rotinas” (TRAQUINA, 1993, p. 169).
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Sob essa perspectiva, nas palavras de Jorge Pedro Sousa (2002), a notícia
constitui-se como um conjunto de “artefatos lingüísticos que procuram representar
determinados aspectos da realidade e resultam de um processo de produção e fabrico
onde interagem, entre outros, diversos fatores [...]” (SOUSA, 2002, p. 13). Tais fatores,
segundo o autor, atuariam como variáveis de natureza pessoal, social, ideológica,
cultural, história e física (tecnológica), sendo incorporados e difundidos pelos diferentes
meios de comunicação. A notícia, diz Sousa (2002), traz consigo uma novidade que tem
sentido compreensível em determinados contextos (históricos e socioculturais), sendo o
leitor/ receptor, responsável por reconhecê-lo e por atribuir-lhe seu último significado.
Nessa direção, releva-se, ainda, que as notícias, produtos jornalísticos, resultado de um
discurso elaborado de forma complexa, além de representar determinados aspectos da
realidade cotidiana, “pela sua mera existência, contribuem para construir socialmente
novas realidades e novos referentes” (SOUSA, 2002, p. 13).
Neste contexto, aparecem então algumas perguntas: o que se diz sobre o
referente jornalístico? O que ele significa? Quais são os referentes lidos ou criados pelo
jornalismo?
A discussão sobre o referente aparece nas mais diversas teorias que dão
conta da representação da realidade. Muito associada à idéia de uma imagem, a
representação é vista como uma construção que olha sempre para um aspecto da
realidade, seu referente. Na teoria cinematográfica, na teoria artística, na teoria
fotográfica, na teoria televisiva, muitos são os estudos sobre a relação destes tipos de
processos de captação da realidade: qual realidade é captada, como captar essa
realidade, o que significa essa captação, quais os sentidos dos produtos que dela se
originam. Na teoria fotográfica, por exemplo, a relação com o referente apresenta-se
como forma para se pensar os objetos fotografados e as maneiras de possíveis de se
“ler” ou “encarar” o registro em questão.
Historicamente, quando do surgimento da fotografia e do início de sua
consolidação (início do século XIX até primórdios do século XX) existiu um certo
“consenso de princípio” que apontava a imagem fotográfica como analogon do real,
como espelho e mímese da realidade. Como aponta Susan Sontag, “o fotógrafo era visto
como aquele que deveria interferir, mas como um observador perspicaz, não como
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poeta, mas como escritor” (SONTAG, 1981, p. 86). Um escritor que, na verdade, apenas
operava uma máquina “movida à física e química”, luz e reagentes. O fotógrafo apenas
“anotava” tecnicamente o real. Predomina aí uma atribuição de naturalidade à imagem
fotográfica, uma supervalorização de seu grau de semelhança com o real, de seu caráter
icônico.
Posteriormente, em um momento oposto, a fotografia passou a ser vista
como “transformação do real”, ou seja, a imagem fotográfica não seria um espelho
neutro, mas uma forma de análise, de interpretação e até de transformação do real. A
foto como não só como uma imagem, mas também como uma mensagem, codificada.
Por fim, em um terceira abordagem ou momento, marcado principalmente
pelo pensamento das últimas décadas do século XX, a fotografia passa a ser considerada
como “um traço de um real”. Não se despreza mais a sua relação com o referente nem o
seu caráter transformador da realidade. Nesta perspectiva, Phillipe Dubois (2001),
baseando-se no pensamento semiótico (principalmente peirciano) traz o conceito de
índice para pensarmos a fotografia. Relacionando o primeiro momento (as primeiras
reflexões – fotografia como “espelho do real”) à qualidade icônica da imagem
fotográfica e o segundo momento (fotografia como “transformação do real”) à
qualidade simbólica, Dubois situa seu pensamento e nos receita uma espécie de “óculos
semiótico” para olharmos a fotografia: “A foto é em primeiro lugar índice. Só depois
ela pode tornar-se parecida (ícone) e adquirir sentido (símbolo)” (DUBOIS, 2001, p. 53,
grifo do autor). Para o autor, ao se abordar o lado indicial (indexical) da foto,
ressaltando o aspecto preponderante deste, dá-se, na verdade, um novo olhar para a
fotografia e para os seus aspectos icônicos e simbólicos (TAVARES, 2006).
Comparativamente, o procedimento jornalístico se aproxima das
representações fotográficas (e daquelas oriundas das imagens ditas técnicas)10. Este,
também voltado para uma leitura do real a partir de regras, técincas e normas
específicas, produz notícias que funcionam como indícios da realidade. A notícia, assim
como a fotografia, possui um caráter indexical. Dessa forma, os traços de real presentes
no noticiário jornalístico conformam um jogo em que jornalistas e leitores trabalham
lendo e relendo a realidade, criando um diálogo que permeia não só um modo de ser e
estar do profissional aí envolvido como todo um complexo e amplo processo. E a
10
Tal comparação pode ser observada também em Traquina (1993).
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Encerrando a rápida analogia do processo jornalístico com o processo fotográfico, podemos nos remeter às
reflexões de Jean-Marie Schaeffer sobre a arché da fotografia. Segundo o autor, somente através do nosso saber sobre
a gênese fotográfica é que a fotografia torna-se, de fato, portadora da própria realidade e dota-se de um grande poder
de convicção. “Além do conhecimento do mundo, é necessário ainda ter o conhecimento do arché: uma fotografia
funciona como uma imagem indicial, contanto que se saiba que se trata de uma fotografia e o que esse fato implica”
(SCHAEFFER, 1996, p. 38). Seguindo tal lógica, a busca pela compreensão da produção noticiosa sugere uma busca
do próprio significado da notícia e, por que não dizer, do próprio jornalismo.
12
Conforme aponta Adriano Duarte Rodrigues (1993), os acontecimentos tornar-se-ão noticiáveis de acordo com seu
grau de menor ou maior previsibilidade de ocorrência no real. O acontecimento mais caro ao jornalismo “[...] é
imprevisível, irrompe acidentalmente da superfície epidérmica dos corpos como reflexo inesperado, como efeito sem
causa, como puro atributo” (RODRIGUES, 1993, p. 29).
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Não trataremos aqui das questões que envolvem a idéia de transmissão da informação e de uma certa
unilateralidade envolvida nessa noção. De qualquer forma, vale afirmar que nosso interesse sobre o estudo do
jornalismo relaciona-se a uma perspectiva mais ampla deste processo, que pensa sua globalidade e suas
características no que lhe há de interacional.
14
Mouillaud (2002),de forma bastante interessante, associa o processo de visibilidade aos conceitos de
enquadramento e representação e aponta, na construção do visível informativo, para o que há além do visível, o que
“fica de fora do campo, o que sai do quadro”.
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tem explorado15. Segundo o autor, o acontecimento ganha a disputa com os outros dois,
“[...] até porque o ritmo do trabalho jornalístico dificultaria que se desse uma ênfase
semelhante às problemáticas e aos processos sociais invisíveis e de longa duração”
(SOUSA, 2002, p. 21).
Tais colocações nos suscitam questionamentos instigantes, que nos levam a
pensar criticamente as “teorias do jornalismo”. Se observarmos o breve (e livre)
apanhado que realizamos acima sobre as principais conceituações sobre o campo, pode-
se perceber que jornalismo e produção noticiosa se confundem com o jornal e sua rotina
de trabalho. Nesse sentido, as reflexões, ao mesmo tempo em que trabalham de forma
abrangente com as questões que cercam o jornalismo, acabam por generalizar uma série
de aspectos sobre o mesmo. Há uma carência de olhares, por exemplo, em relação ao
jornalismo especializado e aos referentes com os quais este lida. Nesse contexto, sai de
cena o referente “acontecimental”, da ordem do inesperado, e ganham vida as temáticas
e problemáticas de ordem menos factual mas, nem por isso, menos importantes.
Quando se pensa na relação do jornalismo, nos segmentos e publicações (ou
programas audiovisuais)16 por ele criados para um público específico, descola-se a
superfície “puramente” noticiosa e passam a configurar outras questões. Mas que
jornalismo é esse? O que ele significa? Como pensar um jornalismo que não é de
notícia? Ou, por exemplo, que notícia é essa? Com certeza, tais produtos não fogem a
uma lógica de produção bem como estão assumidamente edificados num processo que
tange a elaboração de uma pauta e a apuração de dados e fontes, que enreda
procedimentos redacionais e discursivos, bem como adequações editoriais, critérios de
noticiabilidade etc. No entanto, entram aí outras questões em relação ao tipo específico
de jornalismo tais como: o tratamento de uma identidade, o julgamento de valores, a
prestação de serviços, novas preocupações estéticas e visuais (uma programação gráfica
distinta); enfim, nos termos de Mouillaud (2002), um novo posicionamento em relação
“à forma e ao sentido”17, e também em relação à própria realidade social.
Nesse contexto, há também uma outra noção de informação, que foge
daquela que aponta esta como o conteúdo da notícia ou como forma noticiosa do
15
“[...] podemos afirmar, parece-me, que os acontecimentos imprevistos e notórios de alguma maneira se impõem aos
media” (SOUSA, 2002, p. 23).
16
Também podem ser incluídos nesse conjunto alguns suplementos veiculados em jornais impressos de grande
circulação. Mas, uma vez no jornal, tais segmentos ainda trazem consigo, de alguma forma o perfil de um leitor mais
“massivo”, ou melhor, menos distinto daquele previamente definido, por exemplo, pelas revistas.
17
Vale lembrar que tal reflexão de Mouillaud (2002) volta-se apenas para o jornal impresso diário; ou seja, para
aquilo que estamos chamando de um jornalismo majoritariamente noticioso.
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acontecimento. Informa-se aqui sobre o mundo, sobre a experiência, mas de uma outra
maneira. O que se diz, a palavra jornalística em questão, volta-se para assuntos, para
tópicos que permeiam o cotidiano em sua sociabilidade, em suas relações de consumo e
produção, em seus habitantes, em suas temporalidades e espacialidades. A informação
aí presente visa a atingir não apenas o objetivo de manter as pessoas informadas – no
sentido de saber sobre o mundo – mas também a, explicitamente, situar as pessoas no
mundo, oferecendo, tematicamente, tópicos que permitem um reconhecimento, uma
identificação, um posicionamento frente à realidade. Neste contexto, o jornalismo
especializa-se e, ao fazê-lo, assume, à sua maneira (que, entretanto, difere do que lhe é
comum enquanto rotina) um tipo de “fiscalização”, “regulação” e “orientação” de certas
práticas e valores, representando e captando um quadro de sentido (RODRIGUES,
1994) sobre a sociedade.
18
Como apontam os autores, o sentido de dispositivo por eles assumido “[...] procura avançar a acepção construída,
sobretudo, com as formulações de uma teoria do cinema, que, para além da acepção fortemente técnica,
compreendiam o dispositivo como agenciamento de vários elementos para uma representação/ construção do real”
(ANTUNES; VAZ, 2006, p. 46).
19
Referimo-nos ao livro Jornalismo de Revista (2004), escrito pela jornalista Marilia Scalzo, que busca responder à
pergunta “o que é jornalismo de revista?”, mas que o faz, ainda que de forma interessante e rica em vários aspectos,
de um ponto de vista muito mais descritivo e experiencial, do que propriamente teórico.
20
Nesse universo ainda há uma prevalência dos estudos voltados para as revistas semanais noticiosas cuja produção,
apesar de distanciar-se de certas práticas e dos próprios objetivos e funções do jornalismo diário impresso,
assemelham-se a ele em vários aspectos por terem, em grande parte, o foco nos mesmos referentes.
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21
Este projeto trabalha com uma idéia de enunciação que se aproxima das proposições de Bakhtin (1995). Para o
autor, como apontam Beth Brait e Rosineide de Melo (2005), a linguagem deve ser vista a partir de uma perspectiva
histórica, cultural e social, incluindo em si mesma uma comunicação efetiva e os sujeitos nela envolvidos. “Nesta
perspectiva, o enunciado e as particularidades de sua enunciação configuram, necessariamente, o processo interativo,
ou seja, o verbal e o não-verbal que integram a situação e, ao mesmo tempo, fazem parte de um contexto maior
histórico, tanto no que diz respeito a aspectos (enunciados, discursos, sujeitos etc.) que antecedem esse enunciado
específico quanto ao que ele projeta adiante” (BRAIT; MELO, 2005, p. 67).
Nas palavras de Bakhtin: “O centro organizador de toda enunciação, de toda expressão, não é interior, mas exterior:
está situado no meio social que envolve o indivíduo” (BAKHTIN, 1995, p. 121).
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Nesse sentido, a revista possui menos informação no sentido clássico (as ‘notícias
quentes’) e mais informação pessoal (aquela que vai ajudar o leitor em seu cotidiano,
em sua vida prática). Isso não quer dizer que as revistas não busquem exclusividade no
que vão apresentar a seus leitores. Ou que não façam jornalismo.
Ao operar com a introdução de informações de nível mais pessoal, as
revistas não voltadas propriamente para as “notícias quentes” lançam à sociedade (ou a
segmentos específicos dela) assuntos que se tornam presentes na vida dos leitores ou
que, de alguma forma, são por estes compartilhados ou reconhecidos (temas que já
participam da composição de processos identitários, de expectativas e anseios que
permeiam a vida deste público). Mas tal “lançamento” não corresponde, na nossa visão,
a uma espécie de agendamento22 temático, algo muito discutido em relação à dinâmica
do jornalismo, principalmente no que diz respeito aos efeitos sociais diretos da operação
da mídia em relação a certos temas/acontecimentos. Além disso, no caso do jornalismo
especializado de revista, a idéia de uma opinião pública, bem como a de um interesse
público em relação ao que é noticiado23 se modifica. Em tais publicações, pela sua
dimensão, abrangência e objetivos, o que é abordado ganha outras conotações.
No jornalismo especializado, a lógica da tematização aproxima-se, de
algumas considerações da “Teoria da Tematização”24. Apesar de não referir-se ao
jornalismo especializado propriamente dito, tal teoria reflete sobre uma nova idéia de
opinião pública (e de público), observando que essa última é resultado não de consensos
no interior da sociedade, mas de uma seleção contingente e orientada pelo jornalismo de
temas que busquem atender ou solucionar os muitos interesses – diferentes e
divergentes – dos vários grupos sociais da sociedade contemporânea. Nessa ótica, os
conteúdos apresentados ganham relevância de acordo com a complexidade dos
processos que envolvem a vida social. A “Teoria da Tematização” tem como pano de
fundo preocupações políticas e institucionais, e a relação e o papel dos media nesse
processo; o que não impede de se conduzir tal raciocínio para a reflexão sobre outros
grandes temas que envolvem os segmentos sociais nos dias de hoje. Nesse sentido,no
momento em que se foca um jornalismo propriamente temático e não temas que
22
Sobre tais discussões ver Hohlfeldt (2001), Sousa (2000, 2002), Traquina (2001, 2004) e Wolf (2001).
23
Não entraremos aqui nas discussões sobre as críticas feitas às teorias do agendamento jornalístico, ou corrente do
agenda-setting, que apontam, por exemplo, para a dissonância entre a “agenda da mídia” e a “agenda pública”. Sobre
tais discussões ver Sousa (2002).
24
Cf. SOUSA (2002).
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Nossa preocupação está associada principalmente às revistas voltadas para questões de gênero (revistas femininas,
revistas masculinas, revistas voltadas para o público infantil ou adolescente) e relacionadas também explicitamente a
certos valores no interior da sociedade (publicações voltadas para o cuidado com o corpo e com a saúde ou para um
consumo mais consciente em relação à vida, exemplo de revistas que tem como tema principal a “qualidade de
vida”).
26
O conceito “mediação” é utilizado, traduzido ou renomeado, por vários autores, sofrendo variações de acordo com
seus usos. Alguns exemplos freqüentes: Martín-Barbero (2001) fala da existência de “Mediações Culturais” no
interior da sociedade, Sodré (2001) utiliza o termo “Mediatização” para dizer de uma Mediação feita pela Mídia; em
sentido próximo ao de Sodré, Thompson (1995) faz uso do termo “Midiação”.
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