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Projeto

PERGUNtE
E
RESPONDEREMOS
ON-LlNE

Apostolado Veritatis Splendor


com autorização de
Dom Estêvão Tavares Bettencourt. osb
(in mamariam)
APRESENTAÇÃO
DA EDiÇÃO ON-LlNE
Diz São Pedro que devemos
aslar preparados para dar a razla da
nossa esperança a todo aquele que no·la
pedir (1Pedro 3,15) .
Esta necessidade de darmos
conta da nossa esperança e da nossa fé
....
- _
hoje é mais premente do que outrora,
Visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrárias à lé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crença católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.
Eis o que neste sita Pergunte e
Responderemos propõe aos seus leitores:
aborda queslões da atualidade
controvenldas, elucidando-as do ponto de
vista cristao a rim de que as dúvidas se
.. dissipem e a vivência católica. se fonaleça
- , - no Brasil e no mundo, Queira Deus
abençoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.
Rio de Janeiro, 30 de lu lho do 2003.
Pe. Estevlo Settencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convênio com d. Estevão Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta érea, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico • filosófica · Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicaçAo .
A d. Estêv40 Benencourt agradecemos a conflaça
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
Análise marxista e Cristianismo

Igreja e Maçonaria

- •
Ensino religioso aconfessional?

Qual o sentido do casamento civil

o segredo de Fátima

Fenômenos mediúnicos

PERGUNTE E RESPONDEREMOS Ano XXII - set. • OUt. - 1981 -
Publicação bimestral NQ258

SUMARIO
Diretor· Redator ~esp on.'".I :
D. Estevio Benencourt OSO ..• AT~ o FIM ! . , •••• , , , , , , , ••••• 289

Diretor· Administrador: Uma carta sob ....


D. Hildebrando P. Marti ns osa ANA USE MARXISTA e CRISTIANISMO •. , 290

Mail VINI ME. ••


Adm i niltr~o e distribuiçio:
A IGREJA E A MAÇONARIA . . . . . . . . . . 305
Edições Lumm Chr ist i
Dom Gerardo, 40 · 5<:'aOO., sala 501 Ecumenilm01
ex. postal 2666 ENSINO RELIGIOSO ACONFESSIONAL1
Tel. : (021129H122 ENSINO RELlGIOSOSINCRETlSTA1 . . . . . 314
20000 Rio de Janeiro RJ
P,nnte . I,r.j.
QUAL o SENTIDO 00 CASAMENTO CIVIL~. 320
Pagamento.m cheque
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O. no"o em rall"Vo
Mosteiro de SIo Bento OSEGREDO DE FATIMA • • • . • . • • • . . • 330
do Rio de Janeiro
Caj,tit ponal 2666 Uma"'ria dI IIYfos que paim
20000 Rio de Jlneir o RJ FENÔMENOS MEDIÚNICOS EM FOCO .••• 341

LIVROS EM ESTANTE ••• , • • • • . • • • . • 352


ASSINATURA ANUAL
1981-1982

Ap6$ 19de agoslo : Cr$ 800,00 TEMÁRIO DO PROXIMO NÚMERO


Esgolldos os meses de ~n.iro, 259 - novembro· dezembro - 1981
levereiro, março· abril de 1981 . "Um tal Jesus" (cassetes)
A assinatura começa Que h6 na Irlanda do Norte?
no mês da imcriçio,
Mequinho uivo por Jesus CInto
RenoYlt-1 o mlis cedo posslY!1.
O novo arcebispo de Paris li Judeu
Cetibato ucerdoul e ecumenismo
COMUNIQUE·NOS QUALQUER
MUDANÇA DE ENDEREÇO Observar o sitIado ou o domingo?
Greve de fome é l(cita1
Compoli$1o I imPf'IUIo :
Marques, Slra; ...
Sa"IOI Rodrigues, 240
C':nrn ~nrovadio eclesiástica
ATÉ O FIM!
Quem acompanha a vida de nossos dias, verifica. que se
ressente especialmente da falta de uma qualidade discreta, pois
não chama a atenção, mas extremamente importante: fi cora-
gem de ir até o fim de um propósito valioso.
:t: natural que, na execução de determinado programa de
vida ou de atividades, o cansaço se faça sentir; e. monotonia
desafia então 8 espontânea volubilidade do ser humano, de
modo que est(! ê tentado a largar o que vem fazendo. Diz-se
que entre os jovens a instabilidade ê mais notória do que na
idade adulta. Pode·se crer, porém, que o mal tende a se gene·
ralizar: a aversão ao sacrificio, a desvalorizacão de certos bens.
como o senso de responsabilidade, a honra, () brio _. . levam
muita gente a «quebrar. na hora H. Em conseqüência, sen-
te·se que falta c fibra ~ na sociedade contemporânea, solapada
peJa moleza c a incoerência.
Ora o cristão não pode deixar ãe refletir sobre tal situa·
ção. Verifica que a mesma tendência a quebrar já ocorria na
IgN!ja nascente: a epistola aos Hebreus supõe um grupo de
leitores que, tendo abracado o Evangelho, se questionam sobre
a validade da sua opção, porque lhes acarreta perseguições e
despojamento. São como atletas que, tendo corrido galhar-
mente 80 ou 90 % da sua carreira, dizem não ter mais fôlego
para os 20 ou 10% restantes; por conseguinte, estão para
jogar fora o sacrifício de toda uma vIda por causa do remate
derradeiro. A tais cristãos o autor sagrado escrcve lembrando
o valor imenso do suportar e do pacientar heroicamente até
o fim. A vida cristã ê comparável não a uma prova de salto
(que pode ser decidida em poucos segundos), mas uma cor-
rida de fõlego, em que precisamente a longa duracão é o pe-
nhor da vitória; sim, vence aquele que sempre dá mais um
passo à frentc, mais um, mais wn,. .. mesmo que não saiba
quantos ainda poder! dar. O que importa é prosseguir na
travessia do timel, mesmo em meio às trevas. Dizia multo a
propósito S. Greg6rlo Magno (t 604): cA força da obra boa
está na perseverança. (hom. 25).
O cristão é, por sua vocação mesma, o contri.rlo do ho.
mem Indiferente, cêtlco, cdesfalecido., que se arrasta pelas
estradas da vlda_ Como seria tal, se ell! sabe que o Senhor
Deus dirá a última palavra da história e, com Ele, a dlm todo
d1scIpulo que for até as extremas conseqüências da sua vaca·
ção na paciência, às vezes impercepUveI. mas sempre heroica
e perseverante, de cada dia?
Que Ele dê aos seus seguidores a coragem sem a qual
não há Cristianismo!
E.D.
-289-
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS-
Ano XXII - N~ 258 - Setembro-Outubro de 1981

Uma carta sobre

análise marxista e cristianismo


Em alnll1l1: O Pe. Pedro ArruDa S .J" Preposto Geral da Com.
panhia de Jesus, publicou uma carta em que analisa .s propaladas possI-
bilidade! de aprO\leltamenlo da anAlise marxista numa perspectiva de es-
tudos cris ll. Conclui pela negativa, visto que é praticamente Imposslvel
adotar o Método da an'!lu marxi sta sem aceitar almultaneamente 0$
prlnc;:fplos liJosOllcos ou o materialismo histórico e as COl'l!leqüênclal prá-
!leaa (a luta de classes, por IJtemplo) que lal método Implica. O autor
da carta, em úlllma lnstAncla, faz eco ao Documento de PUlb11 e " posl-
çlo do Papa JoAo Paulo 11 em d lscu~ proterldo 10 CELAU no Rio de
Janeiro.

• • •

OolNm.tário: Com a data de 8/ 12/1980. () Padre Pedro


Amlpe S.J., Preposto Gora! da Companhia de Jesus, dirigiu
aos Provinclals da América Latina uma carta, que foI outros·
sim enviada, para conhecimento de causa, aos demais Provin.
cia.ls da Companhia. Versava sobre anãlise marxista e Cris.
tlanlsmo. O documento vinha a ser uma resposta a interro-
gações levantadas pelos próprios Provincla1s da Companhia:
resultaVa não só de reflexão pessoal do autor, mas também
de meticulosas consultas a peritos sobre o assunto: em con·
seqUêneia de tais cOnsultas, o Pe. ArnIpe recebeu de especia.
listas cerca de setenta relatórios e estudos, que lhe pennlti.
ram elaborar um documento sóDdo e válido.
Visto que tal texto se reveste de grande attmUdade,
transcreveremos abaixo o respectivo teor; 80 que se seguirão
síntese e breve comentArlo do mesmo.

-290 -
ANALISE MARXISTA E CRISTIANISMO 3

I. O TEXTO DA CARTA
c OI . No ano pauado chegou-me o vosso pedido pora que
vos Cljudosse a aprofundClr o problema da canálise marxista », so-
bro a qual os 80ispas do Am6ric;:a latino a<abavom de dar Impor-
'Clntes instruções (Documento de Puebla, n' 54-4-5"5). Após ter rea-
lizado amplo wnsui,o sobre o tema, respondo agora o eSla pOli-
cao. Proponho-me, lambém, o en ...Ior <ópios des'o corto 001 demais
Pro...Inoals do Companhia, poli o mesma poderó ser igualmente util
o ...ários deles.
02 . Não me referirei aqui a todo o problema dai relações
enlr. marxismo e Cristianismo, que é muito mais ",olta e que lem
sido tralado em numerolOS doc:umenfas pontificias e de di ...ersas
Conferências Epi5<apois. O ouunla de que se traio agora é mais
espedfiClO e limitado : pode um cristão, um jesuita, ulilizor a c ano-
lise marxista », distinguindo· a da filosofia ou ideologia marxista. e
tombém do práxis ou, pelo menOl, da perspedivo global que essa
análise implica?
03. Diante desta pergunta, devo ,euollor, em primeiro lugar,
que nem lados dao O mesmo sentido às pala ... ras «análise m<lr-
.iste ». FrequentementO', poli, é nec.enÓrio pedir à pena0 que as
empreGa, uma explicol;clo sobre o signilicado pr.dso que lhos atri-
bui. Por aul10 loda, oste prablema en ...ol...e ospedos sociológicos e
filosóficos, que não sõo diretamente do minha campetênciCl (amo
Superior Geral. Na entonto, I....ondo em cansiderotãa o modo cama
geralmente se caloc:a hoje a pergunta. a(ho conveniente dar orgu.
mas orientocões e indicações necenáriol para o bom governo do
corpo opostóli(o da Companhia.
04 . Tenho cansdênda de que nem tod05 a s iesultas verão
refletidas IU"'I inquiela~es nesla pergunto, pode um crl,,80 fozer
sua o can61ise marxista>? f certo, porém, que to1 pergunto pode
ler ouvida com frequ8ncia em VOltOS Pro-vincias. Há o&guns _ 10ro-
mente no América latino, wm mais heqüincia em pabes da Eu-
rap<l - que se a(ham submer.os, por seu apostolodo, em um
ambiente de canvtcc;õa e, lu vezes, de longo tradilôão marxista. Hó,
pOl' exemplo, 5acerdoles op.rOriol que, por lnculluracõo e por
solidariedade, senlem que não podem deixor de camportilhar ponlos
de ...ista que sêia comuns enlre leu. comp<lnheiros de trabalho. 56
d.po~. de " deparar (()m .110 lilu.ocão ~mecam a fazer um dis-
cernimento de fé, que consideram, por outro lado, muito imporlanle.
Notam também que o comparlamenla concreto dos trabalhadores
marxistas está freqDentemente muilo distonte do marxifmo teóriça,

-291-
4 cPERGUNr'E E RESPONDEREMOS, 258/1981

11 põem de sobreaviso contra uma lupervalorizocão dos aspectos


inleleçtuais do problema. Parecem-me muito úteis estai observ(u;Õês.
No onlonlo. é necessário notor '1uo, mesmo n'Jm d iscerflimenlo de
te mais intuitivo, 05 problemas atingem tombém "lIe nlvel d. ,efle--
xõo no qual desejo tralá · los Ggora. Porlanlo, os orientações que $O
seguem são importantes também poro •• tes cosos.

05. Em primeiro lugar, parece-me que, em vislo do análise


que Icu.mos do sociedade, podemos aceitor cerlo número de ponlos
de visto metodolóokos que surgem mais ou menos da cnÓnlO mor·
xisto, sob CI condieão de nõo lhes dormos corále r e"clusivo. Por
el(emplo, a alenção poro 05 fCltores econômicos, poro OI estruturos
de propriedade, pora os inte resses econômicos que podem monr
algun5 9 fUpoS ou outros; a sensibilidgde à exploração de quo ,õo
vitimas classes .ocioiJ inteiros; a atenção para O lugar que ocupam
cu lulas de clo ues no história (de pelo menos numerosos socieda-
des ); a alenção poro a $ ideologias ,que podem s.ervir de disfgrçe g
certos interenes e mesmo a injustiças.

06. Entretanta, na prótica, a adoção da . análise marxistolt


raramenle significo adotGf um método ou um ••n/oque lt; significa
geralmente aceitar também o próprio conteúdo dai uplicações dadas
por Marx sobre (I realidad. social de ,eu lempo, o fim de aplieá-Ias
à realidade de nouo tempo. Assim, impõe-se equi uma primeira
observação: em matéria de análise social, não deve haver nenhum
a prior! ; cabem as hipóteses e 0$ teo,ios, mo. tudo deve ster verlfi.
ctldo e nado .5e pode pr.S5upor como defintivamenle válido. Entre-
tanIa, dá·so o caJa de se adotar a onáli5e morxi5fa ou olgutls de
seus elementos como um a pnori que não 5eria necessário verificar,
mal, quando muito, ilust,or. Com freqDência confundem.se abusiva-
mente estes elementcu com o opeõo evangélica em favor dos pobres,.
emboto nijo detinm diretamente d.la . Neste campo da interpreta.
çãa sociológica e econl5mico lemos que ser mLlilo cuidado,ol em
verificcH OI coisas, e exemplares no esforeo d. obietividode,

07 , Chegamos agora 00 núcleo do questão l pode-58 aceitar


o con[unto das explicações que conslituem o onóli,e social marxista,
.em aderir li filosofia, li Ideolo,gia e à polltica mancisto? Conlidere·
mal algunl dos pOntos mais importantel a esse 'espeito,

08 . Um bom númer.., d. eristãos qU& IÍmpati:r.am eom a anG-


115. marxista pensom que ..lo, mesmo quando não implica no e ma-
terialismo dial6l1co. nem, com mais razQo, no ateismo, inclui, no
enlonto, o «materialismo histórico., MoÍl ainda I selilundo alliluns,

-292-
ANALlSE MARXISTA E CRISTIANISMO 5

identmc.a-se com ele. Entendem, portanlo, que lodo o $06(11 (inclu-


sive o político, O cultural, O religioso ti o consciência) é como que
determinado pelo e(on6mico, Deve·se confessar qUe os termos assim
empregados não ficom, nem no pr6prio marxhmo, bem definidos,
e são suscelivel. de diversol interpretações. Por'm, com muito fro-
qü&ncia, o materialismo hisl6rico é compreendido num sentida redulor:
a polltica, a cultura, a reliGiõo, pordem sua pr6prLo amsisléncia, ti
jél nãe> se moslram .enão COI'IIO realidades que dependem lolalmente
do que acontece "oesfera dos relaçÕes econômicos. Oro e.llo ma-
neiro de ver as coisas é prejudicial para a fé cristã; pelo menos,
para o conceito cristão do homem ti poro a ética cnllã. PortCl"'o,
embaro seja v.flrdode que devemos levar muito em consideração os
falare, econ6micos em qualquer cJI;plicocão da realidade sodal,
terno. qlle evitar uma onóli.e que ,uponho o idéio de que ° eco-
n6mica, nene sentido redvtor, decide todo o resto.

09. O moteriQlismo hisló,Ko correga consigo, além dislO, uma


critico da religiõo e do cristianismo. do qual geralmente a análise
morJl;is'a não se liberta. Anim sendo, essa crítica pode abrir non05
olhos em relol;ão OÓ. cosos em que se oblna do r.ligiõo paro en-
cobrir situoções soeio!_ que não ~ podelll defender. M.as, se racio-
cinamos como se tudo dependesse, em ultima anõlise, dOI relacões
de produl;õo. como se esta fosse de falo o realidade fundamental
e determinante, o conteúdo do ,eligiQo e do crislianisma lo,go se
relallviza e se reduz. A fé no Deus Criador e em Jesus Cristo Sal-
vador se enfraquece ou, pelo menos, aparece cama algo de pOllc.o
utilidade. O sentido do gratuito se desvanece d iante do senlida do
útil. A esperança aisfã tende a se converter em 01,90 irreal.

10. Às vezes h6 quem pretendo distinguir a pr6prio fI: em


Jesus Crista, que desejam guardor inlacta, de suas diversos aplica-
cõcs dautrinais e lociois, que nõo resistem oos aloquc. d ...a m-
fico. Mas existe, então, o perigo do uma erifica radical conlra a
Igreja. que vai multo além da sã corresão frg,...-nm na cEcc!e5la
semper reformandOl>. Algumos vezes, tender-se-á, inclusive, a jur-
06.ICI a porlir de foro, e ati a nõo reconhecl-Ia como o lugor da
pr6pria fI:. Assim , não é rClro que a adoção da análise marxista
conduza o lulgamentos extremamente severos e até injustos em re·
loção li Igro1a.

11 , Melmo nOI casos em que (I an61;se sódClI marJl;lsta não


é entendido como algo que implica no materiall.mo histórico em
sentido pleno, Cita sempre supõe como elemento essencial uma teorIa
radical do conflito e da luto de donos. Pode-se dizer, indusive, que

-293 -
6 ePERGUNTE E RESPONDEREMOS,. 258/1981

é uma onóli.e em lermos de lula de doues. Assim. mesmo quando


temos que reconhecer o exlstênda de antagonismos e d, Juta d.
classes com inteiro realisMO lo O cristão sabe que existe uma cerlo
relação entre oOsles malel 11 o pecadol. deve-I. evitar, no cntonlo,
uma generalização indevido. Nunca foi demonstrado quo lodo o
hill6rio humano, pOIICldo e presente, le possa reduzir 6 luto, e
muito menos à lula d. dane. no 5entido estrilo do palovra. Nõo
10 compreende Q realidade social apeno. por meio da dialético do
senhor e do escravo, mas tem havido, e ainda há, muitol oulrol
impulsos na histório humana Ide olian«l, d. paz. de OIQ()r); h6
outros torças profundos que Q inspiram.

12. Ademais este é um ponto em que (I Clnétise marxisla


frequentemente nõo se limita o ser uma simples on6lise, mOI esten-
de-se a um programa de açõo I: a uma ostrat6gio, Reconhecer que
existe o lula de claues não implica logicamente que o única ma-
neiro de acabar com elg seja utilizar o pr6pria luto. a do dosso
operário conlra a classe burguesa. Entretanto, é rora que aqueles
que adotQm a análise mor;Kista nõo anumam também esla estra-
tégia. E 'ula não pode ser bem compreendidg sem o messianismo
proletário .que faz porte da ideologia de Marx, e que iá fazia
porte da filosofia que ere havia delineado mesmo antes de "
deditar às suas anóllses econôm icas slstemôlicas. Por oulro lado,
mesmo Cf'/ondo o cristianismo reconhece a legitimidade de certas
lutas, e não exclui o revolução em situações extremos de tirania que
nao admitem oulro remédio I , não pode odmitir que a m(ln.lra pri-
vllegigdo d. gcobor com os lutos sejo g pr6pr1g lula. O aistionhmo
lenlgrá sempre dar prioridade o oulros meios para a trandonnoçõo
do sociedade; recorrendo à persuasão, ao teste munho, ô recond-
!iocõo; nunca pe.rdendo o esperança da conversão; somente em
último Inslância o Cristienitmo admitirá o recurso Q lul4 propria-
mente dil.a (sobretudo se esta implica em violfncio) paro se defen-
der conlrg o Inju1liça. Trata-se de todo uma filosofia -.e, poro
n6s, de uma teologlo - dQ Qção.

13. Em suma, embora a an6lise marxista nõo Inclua direta-


mente a adesão ã filosofia marxista em todo seu conlunto _ e,
menos ainda, ao «materialismo dialético:. como tal - , no entonlo,
tal como é ordinariamente entendida, Implica de falo num con-
ceito da hist6ria tJumona que não concorda com a visão crldã do
homem e da sociedade, e desemboco ~m e51fuléglol que fazem
pengor OI valores e as atitudes crbtãs. As conseqOinóos disto nõo

'cr. Populorum ProGresslo, n. 31 (A. A. 8 . LXIX, 1Q87, p. 2n)_

-294 -
ANÁLlSE MARXISTA E CRISTIANlSMO 7

são sempre desostrosas, CIO menos não sempre deuntrosas de ime-


diato, embora muitos veze1 tenham sido doninhos. O aspecto moral
11 particularmente importante ne$la mal~ ria l alguns cristõos que len-
taram seguir dura nte ol'iJum tempo G on61ise e (I prática maf"xilta,
confeu arom ter l ido indu:zldol a a ceirar facilm e nte qual.quer meio
poro che-gar o seul finl. Par illo até hoje se corrobora pe lai fatos
o que escrevia Paulo VI na OdogHima AdVi!nlenl (n' 341 = . Seria
ilus~ rlo e perigoso . .. aceitar os elementos da análise marxista sem
reconhecer suas relat;;ões COM a ideologia ,. Separar umo do outra
é mais d ifidl do que, à s vezel, se supõe .

14 . Neste contexto, os 8ispos do América latino, reunidos


em Pueblo, fizeram notar que uma reflexão teol6gica feito a partir
d e uma práxis apoiada na análise mor:zisla corr. o risco de desem-
bocor na «fatal politi:r:ação da ell:istência crislã . , na « dissolução da
Iln,guagem da fé na linguagem das ciêncios lioelaiu· e no «esvozio-
menlo da dimensõo transcendenlal do salvação cristã , I Puebla,
n' S4S1. Esle risco tríp lice ~ode aparecer, de falo, no linha das
ob5ervtlçÕes que acabo de fazer.

15 . Por isto, ° adoção nao 16 de alguns alementos ou de


alguns enfoques metodol6gicos, mal da an61ile marxista em Iell
conlunto, nõo , a ceitóvel para n61. Melmo quo ~uponhamos que
alguma pena0, uliliz:ando um instrume ntal muito preciso de distjn~
ções, pano IOf' estritamente capaz de falar d e anóli~e marxisla, sem
aceitar o mtl'erialismo histórlco reducionista nem G teoria e a eltra-
légia da luta d4t c1ou.. generalizado - seria isso ainda uma
análise marxista? - . a maior porle dos hamens, incluindo a maio-
ria do. le511lta., nõo é capaz de faz~lo. Assim, existe um p erigo
prático real em difundir a idéia de que se pode fa cilmente reter a
análise marxista, como algo distinto da filosofia, do ideo lo,gia e da
pr6xIs polilico. Tanlo mais ,que, com algumas poucas ell:ceç6es, OI
marxlllos propriamente ditai re jeitam a lep aroeão en'te a an6lile,
por Um lado, e a visõo do mundo ou o . principias da aeão marxista,
por outro. Temas a responsabilidade d. fazer este discernimento
prático, assim como temos a rt!lpon.abilidade eLe fo:zer o discerni-
mento teórico. E é preciso também qve demos aas j<wen, iesullas
em formação os Instrume ntos de estudo altko e de reflexão a ilfã
1'Ieceu6rios para que per~bom bom as dificuldades que a on6lise
marxista comporta. Certame"te duranl. o pertodo do formação não
se pode apresentar estG Gnólile como o melhor meio d. abordau.m
do realidad. aocial.
16. Desejo mencionar, Cllem disto, um problema sobre o qual
goslarla de que nonos e,podall'ICls fizessem estudos mal. profundos.

-295-
8 .:PERGUNTE: E RESPONDEREMOSS 528/1981

Eslou-me refclindo 00 problema das estruluriJl da propriedade I dos


meio, do produção, como se compreende', problema que .,Ió na
âmago do tonlO$ aspectos do engUse marxista. Nôo há dúvida de
que uma má diltribuicáo do propriedade, nõo comp ensado por
outro. falarei, Clcorrelo ou facilito a eJ:ploro(ão de,oito por Mar.
e denunciado lomb6m pelo Igreja. Não obstont., nõo se costuma
freqüentemente confundir (I pr6prio instituição do propriedade com
suo má dislrib"i(óo? ~ importante çonlinuar estudando, com o ajuda
da experj~nejo. que tipo de distribuiçõo dOI direitos de proprie dade,
onim como de oulros tipos de poder (politico, sindkal. . . ) per-
mitiria realizo r um mundo mah jU$lo e mais pleno desrlnyolvimenlo
das pessoas nos diferentes sislemas lo<ia;s. Longe de i,gnoror os
contribui ç~esda ensino ,lociol da Igreio neste campo concreto, in·
ClJmbe· nas o dever de estudó· la$ a fundo, especifkar suas e xigin-
cios e contribuir para seu desenvolvimento.
17. farei , finalmente, .q uatra indieacões à guisa de condusão.
Em primeiro lugor, nôo obstante as reservas que se devem fOler
em reloçõo à onãlise marxista, devemos reconhecer e lenlor com-
preender as ral~es da olto(ão que exerce sobto lantos pessoas, Os
cristõos são fácil e juslamClnle unslveis 00 projeto de liberlor os
homens dos dominações e opressões o que estão submetidos, à
promeno de faur o verdade denunciando as ideologias que a
ocultom, à p'opo ~ la de suprimir os divisãos sodais. Não deixemos
crer que ido pOUCI ser Cllconcodo com meios demasiada simplistas ou
mesmo contrários ao fim qUe olmeiamos: mos também nôo desen-
cQfajemos ninguêm na busca perseverante dessas melas, que têm
afinidade direta com a caridade, carade,istico decisivo do projeto
crisUSo, Temo5 de ser, Inclusive, compreensivos com o homem que
sorre no próprlCl carne injustiças sociais revoltantes.
18. E", segu ndo luSlor, deve ficllr bem cloro que a análise
marxista não 6 o única .qUe esteio ouododo Q pressupostos Ideo·
lógicos ou filolÓficos, introduzidos lubreptidomente. De modo pClr-
titulor, as anólisos locials que são pr<ltlcodal habitualmente no
mundo liberal, implicam umo visão materialista e individualista do
mundo, que 6 tomb'm oposta aos valores o õs aHtudes cristãs.
Neste sentido, I.ró que damos oteneão suficiente a os livros de texto,
por exemplo, .q ue se usam em nossos cil6gios? Quando empregamo.
elementos d . análise JOdaJ, se jCl qual for SIJa origem, devemos.
sempre erltic.á·[ol e purifícá·los, I. quisermos permonecer fi'is 00
Evangelho, paro depois "colher aquele. que verdadeiramente aju.
dem o compreender e descrever sem preconceitos CI retllidode. Nosso
...força devo 50r guiada pelos crit~rios do Evangelho, e não por
Ideologias incompall'ffis çom el •.

-296-
ANALISE MARXISTA E CRISTIANISMO 9

19. Em terceiro lugar, dl!vemo~nos manler sempre dispOSfOS


00 diálogo, no q\le concerno CIOS marxisfas. Por oulro lodo, conforme
o esplrito da Goudiwn ... Spes In f 21 t 6), tampouco devemo. re~
c;usor colaborações conuelas bem definidos, ,q ue o bem comum
passa reqverer I. MOI lenhturlos sempre em consideração nono
papel próprio de sacerdotes e religiosos, e nunca atuemos como
franco·atiradores em relação à comunidade aislã e aos que nelo
têm (I última responsabilidade postoral; trotemos de ossegurar.no.
de qUe .quolq\Jer colaboracão "ósso se diriio integrolment. poro
atividade. aceitáveis poro um cristão. Em tudo iuo temós ó dever
de conservar sempre nosso própria id entidade, pois, pelo fato de
oceilgr olgun$ pontos do visto que são vólidós, n60 nos podemos
deilll;or grrg slor paro o oproyação da anólis. marxisto em seu con-
junto, e, sim, ser em tudo conseqüentes com o nOlso fé e com OI
principiai de ação que elo supõe . Ademais procedamo. de maneiro
a mostrar concretamente que a cristianismo é uma mensagem quo
!ror oos homens uma riqve:lo muita superior ô de qualquer conceito
do onÓli.e melrxistt.. por mais útil que seja.

20 , Enfim, devemos também opor· nos oom firmez(:I tis lenla-


tivas dos quo ,gostariam de apra\leilar as r@servol que lemos diante
do onátise rnarxislo, paro @stimor menos ou at~ condenar como
<ll: morxhmo» ou «comunismo» o compromino com o justiça e com a
COUJO dai pobres, o defesa que OI explorados fo:n m de seul pró~
priOI d ireitOl, os reivindicações justo.. Nõo temos nolodo com fre-
qü~ncio formos de onticomunismo que nõo passam de meios poro
encobrir o iniusliça? Também o respeito dista conservemos nono
identidade e não deixemos que te comelom ObUlOS da cdticc que
fozemol ao melrxismo e à análise marxhta.

21, Peco o todos um comportomento limpido, e1«:1ro e fiel.


Rogo·lhes que se empenhem com todas os suas forcol, ~ent,o do
5mbito da nouo yocoção, em favor dos pobres e conlra DI injus-
tiças, mos lem permitir qve °
indignoçêio obscureço G visõo de fé,
e conservando sempre. até em meia aos conflitol, Um coroçêio cris-
tão, uma atitude de coridade e não de dureza.

22 . Conelulnda, tenho eon.cilneio de que no futuro o situo-


cão da onólise marxislo poderó modificar-.e em um ou oulr6 pOr'ttó '.
Além disto, a respeito 'do. diversos aspeclos que abordei, há a inda
luVO' paro po,teria,re. e,'udos te6rico. e inve.tigac;6e1 e.mphicos.

I
ICf. Mate, e'M-al.tra. IV (A.A,S, UII, 1951 , PP. 4S&-457).
Cf. JOÃO XXIII pace,n, In Ten", n9 160 (AAS, LV, 1963, pp. 298-300),

-297 _
10 . PERGUN'fE E RESPONDEREMOS. 2S8/l981

Mas, no atual momento, peço que todo~ observem as indicações"


diretivos que esta carta contém i espero qUI!: ela lhes permito, e
aos demais Superiores, ajudar melhor os jesuítas que, por seu minis-
lério, ellão mais em cantata cam hOMens e m\llher-es de conviCÇões
nMlrlti,lal, incluindo também aqueles ,q\le se proclamam c:crhlõos~
·marxhtaSl), Espero l,guolmente que minha carla lhes permita ajudar
lodos os ieluftos que, tendo necellidod. de analisar a sodedade,
não podem deixor de enfrentor o problema da an6lise marxilta.
Assim poderemos trobalhar melhor na promoçóo da justica que deve
acompanhar lodo nosso ..rvico õ f~.
Muilo fraternalmenle em Nosso Senhor,
'edro Anupe, S. J •
Praep. Gen. Soe. lesu
Romo, 8 de de:r.embro de 1980
Na solenidade da Imaculado Con.ceição d. Mario.

11. SINTESE E COMENTÁRIO


1. Preliminares
Há, sem dúvida, numerosos membros da Companhia de
Jesus (ou mesmo muitos e muitos cristãos) Que vivem e tra.
balham em ambientes marxistas ou lado a lado 6 cristãos que
se dizem marxistas; Isto ocorre tanto na Europa como na
América Latina. Dai e. tentativa de aproximação entre cris-
tãos e marxistas, explicável pelo fato de que multos operãrios
marxistas estão 10nge do marxismo teórico e das discussões
acadêmicas (n9 4) . Tal tentativa exige reflexão a fim de se
disaernlrem as linhas caracteristlcas de autêntico compom.
mento cristão.
O presente documento não tenciona considerar as reta·
tóes ~ntre marxismo e Cristianismo em sua amplidão; para
tanto existem pronunetamentO$ dOs Papas e das Conferências
Episcopais. Visa unicamente a responder li pergunta: pode
um cristão utilizar a análIse marxista, dIstlngulndo-8. da mo-
sofia ou Ideologia marxista como também da prufa ou, aC)
menos, da perspectiva Global do marxismC)? Cf. n' 2.
Para que C) leitor possa avaliar com :Iareza e segurança
as respostas dadas pelo Pe. Arrupe. a redação desta _
proporâ breve noção do que seja a canâllse marxista» em
causa.
-298-
ANALISE MARXISTA E CRISTIANISMO 11

2. Que é anáfise marxista?


Em sua obra cO Capitab (1' vohune em 1867, 2' volume
em 1885; 3' volume em 1894), Karl Marx expõe o que entende
por anãlise da sociedade. Esta vem a ser a decomposição teó-
nca da sociedade atual, capitalista, e a identificação dos ele-
mentos que geram c sustentam tal tipo de sociedade.

o capital ou- a posse particular dos melas de produção


seria a peça responsável pela história da sociedade c o seu
atual estado ; os proprietários, segundo Marx, exploram os
trabalhadores assalariados, comprando. lhes o trabalho por
salário interior ao valor deste; a mercadoria produzida pelos
operários é vendida por preço muito mais elevado do que o
preço do trabalho (mais vaUa.). Assim a classe capitalista se
opõe ao proletariado e é o seu explorador coletivo. A procura
constante de mafs valia. acarreta a crescente exploração do
trabalhador: o aumento da jornada de trabalho, a exploração
feroz do trabalho de mulheres e ~rianças, a mutllacão física
de milhões de operários seriam os meios utilizados pelo ca.pi-
tal para atender à sua sede insaciável de mais wJJa.

Todavia, em virtude da concentração e da centralização


da produção capitalista, a quantidade de operários assalaria-
dos cresce sem cessar; OS operá rios aglomeram-se em massas
cada VE2 maiores e mais compactas nas vastas empresas capi-
talistas. Assim o próprio capital vai gerando, no decurso da
sua evolução, a fol'Çê social destinada a destrui·lo. O proleta-
riado assim constituldo fará a sua revolução, tomará o poder,
estabelecem a ditadura e expropriará os seus expropriadores.

Desta forma Marx pretendia ter descoberto Q lei econô-


mica do movimento da sociedade capita1ista c mostrado qUe o
comunismo constitui a etapa futura e inevitável do desenvol-
vimento social; o advento do comunismo estaria preparado por
toda a ·h ist6ria da humanidade e pelas leis internas de evolu-
ção do próprio capitalismo.

De passagem. observe.se qUê Marx criticou o capltalismo


tal como era praticado no século XIX - o chamado " capita-
liSmo liberal., que realmente foi (e é. onde ele subsiste) desu.
mano e anticrlstão. Em nossos dias O capitalismo SOrrê diver-
sas restrições por partê da legislação trabalhista e dos planos
de economia dirigida de vârias Governos. Quanto ao fuhIro

-299-
12 cPERGUNTE E RESPONDEREMOS~ 258/1981

da sociedade capi talista, não ocorreu como Marx o predisse.


pois este esperava que na Inglaterra e no Ocidente o comu-
nismo substitulsse O' regime econômico vigente; as premissas
de Marx, unilaterais como eram, não correspondiam à reali-
dade histórica.

Voltemos agora ao texto da carta do Pe. Arrupe S ,J.

3. Anólise marxista e Cristionismo


Eis como O documento pl'OCcdc em sua exposição:

3 . 1. No plonll prático ou (onerelo

No plano prático é dilicil algutm assumir a análise mar-


xista come método sem aceitar simultaneamente a doutrina e
as prospectivas professadas por Marx. Mais precisamente,
quem adota a anãllse marxista é levado a aceitar alguns pon-
tos de doutrina logicamente concatenados com esta:
1) O primeiro vem a ser o materialismo histórico (se
não O materialismo dialético), segundo o qual todos os aCOn-
tecimentos da história são determinados pele fator econômico;
a ordem poUtica, a cultural. a religiosa .. , reduzir·se·lam a
fenômenos cujas raizes seriam da esrera econOmlca. ore. tal
reducionismo é contrário aos principias cristãos, que reconhe-
cem no homem uma alma espiritual, aberta para os valores
transcendentais; estes muitas vezes no decorrer da história
levaram os homens a desprezar o econômico a tim de melhor
atenderem ao apelo dos bens espirituais e transcendentais..
Cf. n' 8.
2) O materialismo histórico implica outrossim em seus
adeptos wna atitude critica em relaçio à fé e ao CrlsUanlsmo,
que vão avaliados segundo os critérios da produtividade eco-
nômica; esta vem a ser, por assim dizer, o único valor reco~
nhecldo, de modo que a fé em Deus Criador e em Jesus Cristo
Salvador se atenua cOmo se fosse inútil ou mesmo alienante.
Cf. nt 9.

Mais: entre os arautos de tal mentalidade. há quem dis-


tinga entre Jesus Cristo e as manifestações do Cristianismo

-300-
ANA USE MARXISTA E CRISTIANISMO 13

- O que redunda em critica radical à Igreja, critica Que não


somente não se compatlbUI2.a com a conduta de um bom cris-
tão, mas vem a ser inegavelmente injusta e passional. Cf. n' 10.

3) A anâllse marxista leva outrossim a adotar concep-


ções radicais sobre o confl1to social e a luta de classesi na
verdade, a análise marxista acha·se estruturada sobre a teo-
ria da luta de classes. Ora tal modo de pensar é unilateral ou
arWicial; não se pode di~r que toda a história seja movida
pelo conflito entre patrões e operirios, pois muitos outros
fatores a movem, como sejam as relações de amor, paz,
aliança tanto entre indivíduos como entre sociedades. Cf. n t 1l.
4) A análise marxista facilmente implica um programa
de ação estratégica, ou. seja. de inc1tamento ele uma classe
contra outro.. O proletariado seria a vitima Que, como o Mes.
sias, se entregarla à morte através da luta, a fim de renovar
a humanidade. Verdade é Que I> Cristianismo admite que, em
casos de tirania extrema. a revolução annada se possa legiti.
mar; cf. Paulo VI, enc. Populorum Progressio n 9 31. Todavia
o Cristianismo não crê que a luta annada seja o melo ordi-
nArlo de transfonnar a sociedade; ao contririo, apregoa a
prioridade dos recursos não violentos como a (re)conciliacão.
o testemunho de vida, o diAlogo, etc. A filosofia - e a teo·
logla - da ação do Cristianismo düerem radicalmente da pro-
xis marxista. que é incentivo à luta de classes. Cf. n' 12.

5) Deve.se ainda observar que, embora a análise mar·


xIsta não implique diretaml!nte adesão à filosofia marxista
como tal, sugere uma conceptão de história que não COtTeS-
ponde à visão cristã e leva a estratégias que põem em perigo
os valores cristãos; entre outras táticas, verifica·se que alguns
cristãos adeptos da enêlise e da pra.xis marxistas, chegaram
a aplicar melos moralmente ilicitos para conseguir seus obje.
tivos coD?-0 se o fim justificasse ()s meios. Cf. n' 13.
Em. vista de todas 6SaS conseqüências e ameaças que
oneram a adoção da anAlise marxlsta, os Bispos latino·ameri.
canos reunidos em Puebla no ano de 1979 delx.aram a seguinte
advertência;
"Cumpre unentar aqui o risco de IdeoIogtzaolo a que se exp6e a
renaxlo teol6glea. quando .. realiza partindo de uma praxls que recorre
a an6Use marxista. Suas c:onseqDAnclaa 510 • lotai polltlnçl.o da exlttb-

-301-
14 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 258/1981

.:Ia criSIA, a dlssoluçio da linguagem da fé na das ciências soclals e o


esvazlamenlo da dlmenslo transcendental da aalYaçio cristA" (rIf 545) .

Passemos agora a outro plano de estudos.

3 .2 . No plano '"rico
Aqueles que em suas elucubraçães teóricas tentam elimI-
nar da análise marxista os elementos que a poderiam tornar
incompatível com a mensagem cristã, propõem distinções alta-
mente sutis, em conseqüência das quais se pode perguntar se
ainda têm em mira a autêntica anã1ise marxista. Como quer
que seja, tais distinções não são praticadas por bom número
de estudiosos. Os próprios marxlstas, com poucas exceções,
rejeitam a separação entre análise da sociedade e visão do
mundo ou principios de ação marxistas. Disto tudo se de-
preende mais uma vez que se faz neçessárla a opção entre
marxismo e Cristianismo, visto que as tentativas de aliança
teórica ou prAtica redundam em desvirtuar ou o ma rxismo ou
O Cristianismo. Cf. n f 115.

3.3. Ulteriorel observações

3 ,3 . 1, Um problema esp.cicd

o documento ainda chama a a tenção para. a problem4Uca


da propriedade particular dos meios de produção, problema
que muito interessa ao marxismo. Distinga-se entre o dlreito
à propriedade particular 'e a distribuição da mesma. A injusta
distribulcão acarreta graves males, que hão de ser superados,
sem que por isto se negu~ o direito à propriedade particula r.
Todavia é para desejar que os estudiosos procurem fomular
os tipos de distribuição da propriedade (e do poder em geral)
que contribuam para se obter um mundo mais justo e mais
hwnano. A doutrina social da Igreja tem certamente algo de
bnportante a dizer a tal propósito. Cf. n~ 16.

3 . 3 . 2. Os ca prlo';. ou dogmallsmos

Em matéria de anéIlse social. é necessãrio evitAr Os con-


ceitos fonnados a. prlori ou de antemão, sem que se procure
averiguar a veracidade de tais conceitos. Com efeito, ac:on-

-302 -
ANAUSE MARXISTA E CRISTIANISMO 15

tece, por exemplo, que certos estudiosos católicos adotam a


anãUse marxista sem a Questionar nem comprovar, como se
isto não fosse oportuno; hã mesmo quem e. identifique com a
opção pelos pobres da qual fala o documento de Puebla
(n.o. 383. 707. 733 . 769. 1134 .. . ) - o que evidentemente é
errôneo. Em suma, requer-se o máximo de objetividade no
setor das ciências sociais e econôm.Jcas. Cf. n' 6b.

4. Diretrizes finais
Fina1mcnte a carta em foco propõe quatro perspectivas
referentes ao tema abordado.

4. I • Pracurar compreender
Faz·se mister procurar compreender' por que a anáUse
marxista e a filosofia que a acompanha, tanto atraem os
intelectuais e as massas hoje em dia. A resposta não parece
diflcll: os cristãos e, em geral, as pessoas honestas são, com
razão, sensíveis ao ideal de pôr fim às dominaCóes e opres.
sões Injustas. Ê preciso, poré~ que a demanda deste ideal
não recorra a meios que lhe são contrários, como são os melos
marxistas desrespeitadores da pessoa humana; o projeto cris-
tão de promoção do homem está Indissoluvelmente associado
à caridade, . . . carIdade para com todas as criaturas. Cf. n' 17.

4 .2. Outros tipos de a~lhe lOelal


Não somente a análise marxista está vineulada a pres-
supostos ideológicos, maS qualquer tipo de análise social incorre
no mesmo perigo: aplica uma visão individualista e mateda·
Usta do mundo. Sem neeessárlo, portanto, que todas essas
propostas filosóficas sejam examinadas i. luz do Evangelho a
fim de que este nlo seja sufocado por outras perspectivas.
Cf. n' 18.

4.3. AbertuRI pena o dl61ogo


O cristão deve estar sempre disposto ao diálogo com qual.
quer pessoa ou grupo honesto. Esse diãIogo ·poderá mesmo
chegar à colaboração em casos bem deflnidos, desde que esta
seja exigida pelo bem comwn. lt de observar que o contato
de fiéis çatóUcos - especialmente de sacerdotes e Religiosos

-303-
16 <:: PERGUNTE E RESPONDEREMOS, 258/1981

'COm rnarx1stas jamais deverâ entrar em contraste com o modo


de pensar e agir da comunidade eclesiástica 8 que pertencem,
pois esta seria comprometida peJo que os seus membros fizes-
sem de destoante ou contraditório, Em toda e qualquer ativi-
dade, o fiel católico guardará sua identidade religiosa ou, no
caSo devido, sacerdotal, procurando ser em tudo coerente com
essa identidade, Cf, n~ 19.

4 ,4. Não condenar som motivo


o fato de um fiel católico não aceitar a análise mandsta
não quer dizer que condene como comunistas as justas tenta-
tivas de defender a causa, os direitos e as reivindicações dos
pobres e promover uma reta ordem social. Não se queira, em
nome do Evangelho, proferir condenações destituidas de fun-
damentll. Cf. n. 20.

A carta tcnnina pedindo aos membros da Companhia de


Jesus que observem as diretrizes contidas em tal documento,
a fim de que a promoção da justiça social ocorra sempre den-
tro de wn clima autenticamente cristão. Cf. n. OI 21, 22.
,
Não hã dúvida, a tomada de posição do Pe. Arrupe S ,J"
amadurecida como é, veio reforçar as convicções que muitos
pensadores católicos alimentam a respeito da análise marxista.
O próprio S. Padre João Paulo n em discurso a.os Bispos do
CELAM no Rio de Janeiro rejeitou a hipótese de utilizar.se a
anãUse marxista como premissa para 8 elaboração de um sis-
tema de pensamento católico:
"Importante lema na Conferência do Puebla foi o da IIbelUÇlo. Eu
voa o)tO""... a considerar o especifico ti originai da presença da Igf8]a
na llbertaçlo. Fula·vos notar como. Igre)a 'nao MceuUa de roconor a
sl,teMas e Ideologias pare amar, defender o colaborar na libertaçto do
homem' (m, 2) , Na variedade dos tratados a conenle. de I1bertacJo, "
IndbpenU.WlI dlaUngulr entre o que implica 'uma reli concepçio crllt!
de llbertaçlo' (I11, 6), 'em leu sontldo Inlegral e pro'undo como anunciou
Jesus' (lbldJ, aplleando 1••lmente os critérios que • IgreJa oterece, li
oulras fonnas do llbertaçlo dl~tlntaa ti at6 conflUanl" com o compro-
mlaso cmlio.
, ,. A llbertaçlo crl,tl UI_ 'meios evanlJAlIC(ll, com a lua .nc6cla
pecultar li nao recorre a algum tipo da vlol.nela, nem • dlalOllca da luta
de classes . ,, ' ( Puebla, 4811) ou li praxll ou &nin.. maDla"" 'n9 6).
Tão sâblas e ponderadas advertências jã não deixam mar~
gem para dúvidas no estudioso slncero.
-304-
Mala uma vez: ...

a igreja e a ma~onaria

Em .w.,.: A Sagrada Conlilrelilaçlo para a Doutrina da Fé, aos


17/ 021 1981, pUbllcou uma nota em que conlfrma a earta da mesma da-
tada de 19/0711974 • respellÇl da Maçonaria O compondiado nos seguintes
Itens :
1) Permaneçe a sançlo da excomunhlo par. os católicos que se
tlliam OU pertençam • alguma soc:\edade secrela (como, por exemplo, a
Maçonaria) que conspire contra a Igrela.
21 Visto que esta norma • uma leI penal. há de ser Interprel~.
em , antldo el lrllo: dH de que se possa comprovar que oxlste alguma
loja Maç6nlca que nlo conspire contra a tgrela, a excornunh! o nlo rec,,1
sobra os seus membros.
3) Os lalmOS acima nlo algnll1cam que algum Indh/lduo ou grupo
c81611co esteja l'IabllUado a lazer pronunciamentos sobre a Maçonaria em
geral, declarando-a ln6cua ou neutra Irenle • Rellgllo. O que a 5. COR-
greg~lo noa anos de 197411 1981 leva e tem em mira. 101 tio somente
lacilltar aos Sra . Bispos a sacardotes a orienlaçlo de fiéis catÓllcOll Inte-
resudo, ne Maçonaria e considerados cada qual dentro das p&Cullart-
dades do seu cas o. Somente à Santa ~ toea emitir pronunciamentos
pübllcos a respeito da Maçonaria.

• • •
ComentfLrio: Em PR 179/ 1974, pp. 415-426 foi publicado
um artigo que comentava importante decisão da Santa Sé a
respeito da atitude da Igreja Católica frente à Maçonaria_
Ainda em PR 245/ 1981, pp. 78-96 a nossa revista publicou.
relativamente à Maconarla. uma Dedara~ão dos Bispos da
Alemanha. O presente número volta ao assunto publicando e
comentafldo uma Nota da Congregação para a Doutrina da Fé
referente à decisão teimada pela mesma Congregação em 1974_
Eis o teldo datado de 17/ 02/81, 80 qual se segulré. breve
comentário.

I. O TEXTO DA NOTA
cAos 19 de 1"lho do 1974, a Sagrada Congregação ptlrQ a
Doutrina dCl Fé escreveu a algumas Conferindo, Epbcopah uma
eorto privada a respeito da Inlarprelaç60 do dinon 2.335 do C6-
digo de Diraito Can6nleo. Este proibe oos cat6licos, sob pena de
excomunhão, inscrever-se nas lolos ela Franco-maçonaria.

-305 -
18 cPERGUNTE E RESPONDEREMOS, 258/1981

Vislo que e-na carla, lendo panado para a domlnio público,


deu lugar a interpretac;õos erróneas e lend8nciosos. eslo Congrega-
ção, sem querer antecipar-se õs event"ais dispo5ições do novo Có-
digo de Direilo Canônico, confirmo e explicito quanto segue ;
I1 A alual disciplino can ônica em nado (oi modificado e
conserva CI sua pleno vigênda I
21 por isto nem o excomunhão nem os outrO$ p enos previstos
foram ob-rogodas;
31 o que naquela corto so refere ti interpretacão o ser dada
00 (6non em questão, há de ser enlendido, segundo os intenc;ões
do S, Congregoçõo, como sim ples lem brete dOI principias gerais de
interpretação dos leis penais poro o solução dos cosas de peuoal
particulares que esleiam sujeitos 00 iulgamento dos Ordinários',
Nõo era intenção do S. Con.gregaçõo transferir os Conferências Epis-
copais a incumbincia de proferir publicomenle algum juIzo d. caro-
ter geral sobre o indole des lojas da Fronco-Maconoria, de modo
O impli«a( d enogocõo dos normos referidas.

Roma, no sede do Congreg.açilo para o Doutrino do F6. a os


17 d. fever.iro d e 198h.

li. COMENTÁRIO
Examinaremos sucintamente a Declaração de 1974 e a
Nota de 1981.

1. A Declaração de 1974
Como se vê, as Declarações da Santa Sé. datadas de 1974
e 1981, versam sobre o texto do cAnan 2.335. que assim reza:
"Aquela Que dia a I8U nome l sella maçônica e a aoc]edad lll &e-
ml/llante! qua conspiram 0)1111• • IgreJa. as legitimas autar!dad" cf-
vis,... Incorram .em mata na ellCCllllunh80 simplesmente reservada à
Santa Si",

Ora em 1974 a S. Congregação para a Doutrina da Fe


houve por bem declarar algo a respeito da Interpretacão deste
cAnon: sendo de indole punlt1va ou penal, haveria de ser enten-
dido segundo. o principIo jutidico que rege a interpretação das

IOrcllnlrla • a prelado 80 qUI' estA conOada uma clrcul"lllc,lçlo lele-


aI6a1fea; poda ,er bispo (como na marorla dos cuoe) como tamb6m, Im
alguns casos, , p,.abltero.

-306 _
IGREJA E MAçONARIA 19

leis penais, a saber: - eAs leis penais hão de ser Interpreta-


das sempre em seaUdo estrito. - o que que dizer: não se
estendam as penalidades além dos casos aos quais elas eviden e

temente devem ser aplicadas I.


Considerando, pois, o texto do cãnon 2.335 à luz desta
nonna, verifica-se que a frase de pronome relativo c.Maçonae
ria ou sociedade secreta que trame contra a Igreja. há de
ser entendida em sentido estrito, de tal modo que, se deter-
minada sociedade maçônica ou não maçônica não conspire
contro a I greja, jã não é atingida pela cânon 2.335. Com
outras palavras: a frase relativa «que trama contra a Igrejaa
não hâ de ser interpretada como Sé tencionasse explicar a
indole de toda Loja Maçônica, mas, sim, como restritiva a
certas Lojas maçônicas ou às Lojas antiecleslásticas ou anti.
cristãs 'I.
A ra2âo de ser desta Declaração de 1974 é a seguinte:
A Maconaria, para quem a observa hoje em dia, apresen·
ta·se inspirada por diversas correntes e orientações filosóficas,
Existe a Maçonaria regular, com sua sede principal em Lon·
dres, que professa. a crença no Grande Arquiteto do Universo
e na imortalidade da alma. como existe a Maçonaria irrflguIar,
lEite principio nlo 1& senlo • lormul.çlo mall p4"eclsa de uma
norma mais geral que 10.: "Odiosa sunl Rlstrlngenda (os elementos
odiosos h60 da ser entendido! em sentido restritivo)".
"Para laçllllar o aludo do leitor, transcreveremos abaixo o trecho
da carla da S. Congregaçlo para I Doutrina da Fé datada de 19/07/1974
que Inlertlla ao presente estudo:
"Curanla O longo exame da questlo, a Santa Sé consultou dNe~..
vezes as Conlarênçla$ I':pl,çopals, lnleralladas do modo pertlçu/lr pelo
assunto, • 11m de tomar conheclmanto mais acurado tanto da naturaza e
da aluaçlo d. Maçon.rla em nossos dias quanto do pensamento dos
Bbpos a respeito.
A granele dlvergfncla de respoltas, pela qual tral'l$pafCIcem as altua·
Ç(\as dlklr.ntes de cada naçio, nlo permlllu • Santa Sé mudar a Ilgls·
laça0 oera' vigente, a qUII por Isto continua em vigor, .t6 que nove 1.1
çanOnlc. .. ja publlçada pela çompetente ComlssAo Ponllllcla para a revfslo
do Direito CanOnlco.
No enlllnto, no exeml dos casos p.r1lculares, li neceal6rlo revir em
eonalderaçlo que a lei penal IIst4 sujeita I Interprelaçlo estrlt• . Por con-
s.gulnle, pode-se ensinar e aplicar, 100m "gurança, a oplnlllo daqueles
autores s.gundo OI que" o ctnon 2.335 .. retere unlc.mente eoa cal6-
llcos que dlo o nome li uaoclaç6es qua de fato conspiram contra e
1IIIlIIL
Em qualquer IUU'ç:Io, porém, conünua "rme a prolblçlo aOI c16'"
gol, .a. Religiosos e aOI membros de lnaUlutol SeculalllS, de darem o
nome a Quaisquer llUoclaçlles maçenlca." (NoUcI_, Bolellm lemanal da
CNBB, n9 230, 23/0$/74),

-307-
20 cPERGUNTE E RFSPONDEREMQS, 258/1981

Que cedeu ao indiferentismo religioso. no atelsmo e ao anti-


clericalismo. Enquanto aquela (o M. regular) atuou e atua
principalmente nos palses anglo-saxónicos, esta. (a M. irregu-
lar) exerceu suas atividades monnente nos paises latinos da
Europa e da América.
Em conseqüência, ao lado de Lojas antlrreligiosas, pode
haver outras inócuas, pois proCessam prtnciplos filosóficos
compativels com o Cristianismo; muitos católicos pertencem a
t ais Lojas unicamente por motivos profissionais, promocionais
ou humani.tários, sem e. intenção de contrariar ou combater a
fé católlca e a S. Igreja; afirmam outrossim, após certo período
de adesão à Loja, nada encontrar nesta que se oponha aos
principias da Religião ou do Catolicismo; não obstante, em
virtude do cânon 2 . 335 ficam privados dos sacramentos ctn
S. Igreja c os bispos não os podem convocar para colaborar
com as obl'8S dioccsanas; muHo.s pastores de almas vêem-se
assim cerceados em sua ação pastoral, pois devem renunciar
à colaboração direta e explicita de pessoas importantes de suas
respectivas dioceses ou- parõquias (Prefeitos municipais, juízes
de Direito, médicos, advogados . . . ) pelo fato de serem tais
pessoas filiadas à Maçonaria.
Para evitar os inconvenientes assim oriundos, a Santa Sé
em 1974 julgou oportuno pronunciar.se a respeito do cinon
2.335, lembrando Que é de índole penal e, por conseguinte,
só se aplica aos casos em que evidenlcmente tenha cabimento.
Passemos agora à consideração da Nota de 17/02/ 1981.
2. A N.... ele 1981
Da lcitwa do texto transcrito à p. 305s deste fasclculo,
depreende-se que
- a S. Igreja não quis (nem pode) alterar o teor do
cãnon 2.335; fica, portanto, a pena de excomunhão para todo
católico que conscientemente se filie ou perten!;8. a alguma
Loja conspiradora. ou antieclesiútlca;
- O princípio juridico de que as leis penais hão de ser
entendidas em sentido estrito aplica-se ao caso do cAnon 2.335,
como enunciou a Declaração de 1974.
- Eis. porém, que tal DeclaraçAo ocasionou mal·enten-
didos, a saber: pessoas e grupos de pessoas julgaram que, na
base ela mesma, estavam habWtados a proferir juizos sobre
e. Maçonaria em geral; chegaram mesmo a emitir pareceres
-308-
IGREJA E MAçONARIA 21

sobre a Maçonaria que derrogavam às normas e às lntcncões


da S. Igreja, como se nada mais houvesse a objetar às ativi-
dades de certas Lojas MaçOnicas.
Conseqüentemente, às Conferencias Episcopais, por exem_
plo, nlio compete fazer pronunciamentos sobre a Maçonaria
como tal que não levem em conta a existência de Lojas irre-
gu1ares ou antJrreliglosas. O qUe a Declaração de 1974 tem
em vista, são casos isolados ou particulares de católicos que,
animados por intenção promocional ou humanitária, se quei-
ram filiar ou se tenham Ciliado a alguma Loja Maçônica Inõ-
cua. Tais fiéis responderão por lal atitude ao seu Bispo, e
poderão, em conseqüência, ser tidos como Isentos de qual-
Quer pena canônica.
Por conseguinte, compete uio somente à Santa Sé pro-
ferir julgamentos sobre ti. Maconaria como tal. Esta incum-
bência não toca às Conferencias Episcopais como tais nem aos
Srs. Bispos em particular, porque, a realidade da Maconaria
sendo assaz diversa de na~ão para nação, os julgamentos se-
riam assaz diversos entre sI. Tal diversidade de pronuncia.
mentos poderia desorientar o povo de Deus, em vez de escla-
recê-lo; somente um órgão que tenha visão panorAmica e com-
pleta da Maçonaria no mundo, como é a Congregação para a
Doutrina da Fê, tem possibilidade e habilitação para proferir
um juizo objetivo e mati2:ado a respeito da Maçonaria_ - Foi
para acentuar esta posiçio que a Santa Sé se pronunciou sobre
o assunto em fevereiro de 1981.

3. Ulterior reflexão
1 . Como se vê, a Nota de 1981 tem em vista interpre-
tações demasiado amplas da carta de 1974. Houve quem enten-
desse este documento como sinal de aprovação à Maçonaria,
aprovação que não levaria em conta a rea.Uàade multo diver-
sificada das correntes macOnJcas hoje existentes. A Declara-
ção de 1974 não modificou a legislação da Igreja referente à
Maconarla, apenas explicitou-a, recorrendo a wn princl.plo tra-
dicional de hennenêutica juridica. Com outras palavras: a
construção relativa _que conspira .. .• poderia ter sentido me-
ramente expUcatlvo como poderia ter sentido restritivo; ora a
S. Congregação para a Doutrina da Fé quis explicitar que tal
frase tinha sentido restritivo, o que deconia do fato de estar
Inserida em uma lei penal.
-309-
22 rPERGUNTE E RESPONDEREMOS, 258/1981

l!: sábia esta atitude da Santa Sé; atende aos dois aspec-
tos do problema:
- na medida em que haja Lojas antlcrlstãs, «!s;tas ficam
vedadas, sob pena de excomunhão, 80s fiéis católicos;
- na medida. porém, em qUe haja (e há) Lojas inócuas.
não se aplica aos seus membros urna pena que no caso não
teria sentido.
2. As duas DecJaraÇ'Ões da Santa Sé em foco supõem
que a Maçonaria não seja sempre hostil à fé e à Igreja ...
Ora esta suposição resulta de atento exame das diversas Lo-
jas macÕnicas e de sua atua~o no mundo cont~mporãneo.
Com ereito, está averiguado que há Lojas que conservam não
somente a profissão de fé no Grande Arquiteto do Universo.
mas também a veneração da Biblia Sagrada; interessam-se
tão somente por assuntos profissionais e promocionais. sem
Interferir em política ou religião. lt em vl~ta de tais Lojas
que a Santa Sé deseja que o cãnon 2 .335 seja interpretado
estritamente.
Perguntará, porém, o leitor: como reconhecer se tal ou
tal Loja hoje é ou não antlcristã, visto que 1l Maçonaria
guarda o segredo de suas doutrinas e seus planos?
- Em resposta , só se pode apontar O método emplrico:
procure o fiel católico Interessado saber que pessoas compõem
a Loja a que se candidata; ninguém entra em alguma socie~
dade ou associação sem primeiramente se esclarecer a pro-
pósito do que ela é ou pOde vir a ser. Deve ser respeitado o
direito que toca a todo cidadão, de não assumir às cegas com·
promlssos que poderiam afetar a sua personalidade.
Enquanto o fiel católico puder dizer sinceramente Que na
Loja nada se «!ncontra em oposlcão à sua qualidade de cató·
lico, ser.lhe-é licito pennanecer na mesma. Todavia, desde
que verifique o contrário, compete-lhe retirar.se imediatamente
da Lojaj a coerência e a honestidade o ex.lgem.
Os outros fiéis católicos e os sacerdotes poderão ajudar o
candidato católico a formar um juizo a respeito da Loja,
observando o teor de vida. e as atividades dos membros com-
ponentes da mesma; numa cidade pequena esta tarefa é, como
se <:ompreende, bem mais fécll do que em grandes centros
urbanos.
Deve·se também levar em consideracão que as Lojas ma-
çônicas. embora contem em seus registros de matricula nume-
-310-
IGREJA E MAçoNARIA 23

rosas membros, são dirigidas por apenas pequena porcenta.


gem destes. Com efeito; vários dos membras de cada Loja,
por motivos diversos (afawres profissionais, condições sociais,
avançada idade, distâncias, horários ... ), não costUmam com·
parecer às respectivas reuniões; em conseqüência, para se ave·
riguar o tipo de orientacão seguida por detcnnlnada Loja, é
Importante considerar, antes do mais, as pessoas que a fre·
qUentam e nela militam habitualmente; uma minoda pode
dar o cunho decisivo a tal Loja.

4. Repercussão
A Nota de 1981, embora nada tenha acrescentado de
novo à de 19'14. contrlburu para provocar pronunciamentos de
pessoas surpresas com essa. atitude da S. Igreja. Assim, por
exemplo, entre as cartas dos leitores publicadas pelo J~mal
do BrasU aos 31/ 03/81, p. 10. lê-se uma missiva que afirma
ft fidelidade dos mal:QDS a um _Deus Supremo, Regente Maian;
ao que o autor acrescenta o texto de uma oração atribuída
ao Papa João x:xm ... : nessa ora Cão, o Pontífice teria afh··
mado que «haviamos impensadamente acreditado que um sinal
da cruz pudesse ser superior a três pontos fonnando uma pirâ·
mide:t, além de outros vários despropósitos.
A tal missiva convém fazer as seguintes duas observa.
ÇÕ<!S:

4 .1. Maçonario. relotlvlsmo

Verdade é que a Maçonaria regu1ar professa a fé em Deus


c:Grande Arquiteto do Universo. j todavia verltlca-se que cer~
tas eorrentes macõnicas t;ãô relativistas, ou seja, desabonam
a posslbUldade de que a inteligência humana chegue ao conhe-
cimento objetivo da verdade, principalmente no campo da
filosofia e da teologia; a verdade filosófica elou religiosa
seria algo de SUbjetivo, válido tão somente para o indivíduo
que a quisesse professar. Reza wn famoso DlclGnário Maçô.
nlco:
"A Ftanco-Maçonatla pode ser concebida como um movlrqClnlO que
vi. . . congregar os 'homens da orlentaçlo relatlvl.ta para promover o
Idlll humanldrlo" (E. lENNHOFF-O. POSNER, InlarnatloftaJaw Fnlmaul1lr
LaJkoft.. Wlen 1975, co!. 1300),
Conseqüentemente, o conceito de ReDgião nessas corren-
tes maçônicas é relativista: todas as religiões seriam tentati·
vas paralelas de exprimir p, verdade divina, que, em última
-311-
24 <:PERGUNTE E RESPONDEREMOS~ 258/ 1981

análise, seria inatingível. Com efeito, à verdade divina seria


adequada tão somente a linguagem dos símbolos macans, lin·
guagem de muitos significados, entregue à capacidade de inter·
pretação de cada maçom.
Ora tais concepções não se eoadunam com a doutrina
católica. Esta professa Que Deus se revelou aos homens, comu~
nicando-lhes a palavra da verdadej afinna outrossim que é
possível construir um discurso racional ou filosófico que atln1a
a verdade como tal, embora atrav~ de racioclnlos sujeitos a
erros. Ademais a experiência ensina que as concepções rela-
tivistas de tais correntes da Maçonaria (que pretende ser um
sistema total e totalizanle) acabam substituindo, como nova
«Rellgláo_ ou nova ccosmovisão», as proposições cristãs refe·
rentes a Deus, ao mundo e ao homem.
Eis por que, em vários casos, existe entre a Igreja Cató-
lica e a Maçonaria dlficl1l.dade de, na realidade concreta, tra·
varem Um diálogo positivo e satisfatório. Mesmo que alguma
Loja não conspire contra a Igreja, a mentalidade que a anima,
é por vezes tal que aos poucos ela pode atenuar ou mesmo
extinguir a fé e a formação dos católicos que a ela se filiem.
Eis por que, embora o DlreJto canônico nem sempre imponha
excomunhão aos católicos que ingressem na Maçonaria, a
consciência cristã é cautelosa em relação ao ingresso de um
católico na Maçonaria. Ulteriores considerações se encontram
em PR 254/ 1981, pp. 78-96.

4 . .2 . A «orasiio d. JOÓIQ XXIU.

Quanto à. oração a tribulda ao Papa João XXIn, não resta


dúvida de que não é deste Pontlfice, pois
1) o conteúdo da dita oracão refere proposlcóes que
absolutamente não se enquadram dentro da mensagem cristã,
mesmo após a renovaçãO conclllar: a cruz será sempre um
simbol0 autenticamente cristão e indispensável na pregação
do Cristianismo. Com efeito, São Paulo, em teor 1.23.19 .17;
CI 2,20, lembra que a cruz estA no centro da cosmovisio e
da pregacão cristãs. l!: pela cruz de Cristo que tudo toma sen-
tido novo, segundo o Apóstolo. Por conseguinte, jamais se
podem pensar em substitulr na I~nografla cristã a cruz por
três ponUnhos em pitamlde ou pelo compasso; estes slmbolos
não têm relação com a me~gem do Evangelho. O Papa
João xx:m, cuja piedade era notorlamQDte amiga do Ro.sârio

-312 -
IGREJA E MACONARIA 25

e dos elementos tradicionais, não pode ter sido o autor das


palavras que a coração:. lhe atribui,
2) O texto da prece parece aludir à Declaração do Con-
cilio do Vaticano II relativa à Liberdade Religiosa, pois diz:
"Temos lu1ado contla a liberdade de peM8menl0, pois n.lo Unhamos
compreendido que ° primeiro dever óe uma reUgllo, como jualemenle
afirma o Concilio, consis te em reconhecer o direito de nlo crer em Deus."
Ora O documento do Vaticano li referente à Liberdade
ReUgiosa data. de 7 de dezembro de 1965. O Papa João xxm,
porém, morreu em junho de 1963. Por conseguinte, jamais
este PontlClce poderia ter feito a referência acima: ccomo
afirma o ConeiJio::.. Quando João XXllI faleceu, não cxistla
declaracão concilia!" sobre Liberdade Religiosa!
Note-se, aliás, Que este documento é mal entendido pelo
autor da c oração ~ , pois nunca o Concilio inteocionou declarar
que co primeiro dever de uma reJigtão consiste em reconhecer
o direito de não crer em Deus::.. O que o Vaticano n afirmou,
é que a nenhwn homem é licito constranger o seu pl'Óximo a
abandonar ou abraçar qualquer crença religiosa, pois nem o
ateismo nem a fé se impõem pela violência. Todo ser humano,
por conseguinte, deve ser deixado IIYre para dizer, em cons·
ciência, Slm ou Não a Deus. Disto não se segue que a fé e a
indUerença ~liciosa sejam atitudes equivalentes entre si. O
Concilio chegou a declarar explicitamente:
"O próprio Deua manifesta ao glnero humano o caminho pelo qual
os homens. servindo a Ele, podariam satvar-se e tomar-M felizes em
CrI.lo. Cremos que essa única e verdadeira rellgllo se enconlra na Igreja
Católica e "'poat6I1ca. Os homens todos asilo obrigados 8 procurar a ver-
dade, sobreludo aquela que diz respeito a Deus e • sua IQreJa e, depois
de conhec6-la, a abraç'·la a a praticA-Ia" (Declaraçlo DlGnftlll. Hum.·
,... n9 O.

t: evidente, pois. que João xxrn não é o autor da oracão


que a Maconaria Jhll atrlbul. A propósito veja·se PR 132/1970.
pp. 554·556.

A prop6slto ver também

BENIMELlI-CAPRILE·A.LBERTON, MaÇOlWfa e lareja CaC6llea OtIIem,


hote e ..,.,.... - Ed. paulln••, 510 Paulo 1981.
CAPR/LE, G. LII recem. Dlchlaradcmo sulrapp.artenenZll alia Mas-
sonerta. em LI Civil'" Cattolica 3138, 21J<l3/a,. pp. $1~579,

- 313-
Ecumenismo 1

ensino religioso aconfessional ?


ensino religioso sincretista ?

Em .Intelll: A Igreja Católica professa a absolula necessidade de


.e transmlttrem na Integra todas as yardades da f. cfttóJ!ca, sem raduçlo
do depósito saorado. fio.. cateque5e, portanto, há de ser COJllesslonal, e
nlo tt-confesslonal, Se necessl!:rlo, onde haja pluralidade de crenças r811·
glosas antre os catequizandos, a catequese .sera plurl<OtII...k>nal: minis·
trar-se--é. anti o a doutrina católica Integra aos católicos, enquanto cat&-
quistas protestantes 11 judeus ministraria na s ua Intewa a doutrina pro-
las\anlo ou judalcll aos respecllvos pupilos,

A razio desta atitude da S. Igreja é o fato de que a Yerdade de


!é nlo 8. o produto da menla humana (como sarlam alslemas filosóllcos
ou os Credos de Partidos polltlcos). Por Islo nlo compele ao homem
adaptar ou mutilar as Y81dades da lê católica: estas têm um cara!ar de
ab$.alulo e diylno, que deva ser fielmente respeitado (sem que por Isto
'8 estabeleça pol&mlca religiosa e.nlra católicos e nlo católicos),

• • •
Comentário: Em alguns Estados do Brasil pratica-se ou
tenciona-se praticar, nas escolas da rede oficial, um tipo de
ensino religioso que enão divida os alunos:t, mas atenda a
todos, qualquer que seja a Sua prof'tSSão de fé. Em conse·
qüêncla, mlnlstrar-sc-Ia (ou ministra-se)
- ou uma doutrina Que csatisrat a :t 8 católicos e protes-
tantes, inspirada pelo o:ecunrenismo :t (ecwnenlsmo mal enten·
dfdo) :

- ou uma religláo filosófica, natural, que seria a base


ampla e romum a todas as cOlÚissões reUgiosas - o que
atenderia também a crenças não cristãs.
Assim procedendo, os educadores não estariam separando
os alunos em tunnas e salas direrentes no horário da aula de
Religião, mas os conservariam unidos no mesmo recinto.
Ora tal comportamento tem sido discutido. Na verdade,
não se coaduna com o ponto de vista católico. Embora a
-314-
ENSINO REUGIOSO ACON~IONAL? 27

:e evidente, pois, que João XXllI não é o autor da oracão


Igreja Católica seja a pioneira do ecumenismo e do diálogo
religioso. Ela não pode e.celtar tal maneira de transmitir a
religião. E por quê

1. O ponto d. vista cat611co


Três são as objeções a opor a tal atitude:
1) O comportamento indicado Implica relativismo reli·
gioso. Significa que ao educador seja licito amoldar ou adap-
tar o Credo a determinadas contingências, omitindo alguns de
seus artigos ou apresentando..os de maneira tal que possam
ser interpretados em sentido diverso do que sempre tiveram.
Tal seria, por exemplO, o caso da Virgindade de Maria: ou
seria silenciada ou proposta em sentido meramente espiritual
ou alegórico. Tal seria também o caso da Santa Ceia do
Senhor: seria entendida como memorial meramente psicoló-
gico sem implicar a fé na _Eucaristia como sacrifício e sacra·
mento:. ...
o professor de Religião não negaria diretamente a Vir.
gindade de Maria, mas a proporia de modo que nã.o contra·
riasse à respeetiva tese protestante. O mesmo faria ele em
relação à S. Eucaristia.
Ora quem aceita as verdades da fé como proposições
reveladas por Deus, não pode pactuar com B.lguma tentativa
de retoque ou de mutilação das mem,.as. Os católicos túll'.
mam que o patrimônio da fé vem de Deus; é entregue ao
homem para que este se beneficie do mesmo e o transmita
incólume aos seus semelh.antes. Difere, pois, de principias de
ordem poUtica; estes são produtos do talento humano e, por
isto, estão sujeitos a retoques e adaptações a critério dos res·
pecllvOs autores. Entende-se, pois, que dois ou três Partidos
poUtlcos constituam uma coalisio ou uma Frente única, pondo
em relevo certas premJssas comWlS a todos e silenciando tópi.
cos que os separem entre si; desejam assim ser mais fortes
para coml)ater outro Partido poUtico. O mesmo, porém, não
se pode dar com as confissões religiosas; somente Quem não
tem consciência do que são os valores da fê, pode propor O
relativismo e o nivelamento das verdades religiOsas.
AI!. proposições da fé têm um cunho de Absoluto, que
deve ser afirmado sem tinüdez. Por!sto a Igreja propugna
-315 _
28 t PERGUNTE E RESPONDEREMCJS~ 25811981

que as verdades do Credo sejam ensinadas todas e na integra,


sem deturpação. Por conseguinte, o ensino da Religião hâ de
ser confessional, e não ~nlessionaI, ainda que, por causa
disto, não atenda a concepções meramente humanistas ou filo·
sóficas. Para quem professe Credo diferente do calôlico, a
Igreja niio apregoa constrangimento nem violação da consciên-
cia, mas, sim, a pOssibilidade de Jhe ser ministrado o ensino
do respectivo Credo religioso nas escolas publicas (quanto à
e3cola particular confessional, não tem a obrigação de mlnls-
1rar ensino l'eligoso que não seja o de sua confissão, pois o
aluno que nela se mat.l'icula deve saber que 8 orientação da
escola é tal). Donde se vê que a I greja ê favorável ao ensino
confessional (catôlico) e, se for o caso, plurioonlessional (aten-
dendo a protestantes e judeus . .. ), nunca, porém. a,..confes-
sioml.

2) O ensino de um sistema religioso comum a diversas


~rrentes religiosas redundaria no surto de mais uma reU-
glão. Selia pretensamente uma nova forma de Cristianismo,
forma dlluida e depauperada, ou uma nova forma de religião
natural e filosófica; seria produto meramente humano, oriundo
da(s) mente(s) does) respecüvo(s) autor (es). - Ora não M
vantagem em criar novo tipo de crença religiosa, apto a 5US-
citar confusão e divisões no povo de Deus.

Para o fiel católico, Deus pode ser conhecido pela razão


natural ou pela filosofia, mas OS conceitos filosóficos são neces-
sariamente completados pela Revelacão que Deus fez de si aos
homens; tal Re-ve)a~ão se encontra nas Escrituras Sagradas e
na Igreja que Jesus Cristo houve por ~m fundar como Má!!
e Mestra ou como depositária e transmissora fiel do depósito
revelado. Por conseguinte, a ReligiãO natural, embora conte-
nha proposIções verdadeiras, é insuficiente ao fiel católlco.

3) Ecumenismo é palavra, por vezes, mal entendida.


Signilioa propriamente o movimento que tende a re-unlr os
cristãos separadOS entre si, fazendo de católicos, protestantes,
ortodoxos, monoÍlSitas e nestorianos um só rebanho sob um
só Pastor, ou sob o cajado de Pedro (a quem J esus contlou o
pastoreio das suas ovelhas; cf. Jo 21,15·18), Por conseguinte,
o ecumenismo tem por âmbito de ação o CrlstlanlBmo tão
somente, provocando conversações entre os diversos discipulos
de Cristo. Com os não crIstãos a Igreja. CatOlica também pro-
cura aproximação; esta, porém, não se chama .movimento

- 316-
ENSINO REUGIOSO ACONFESSIONAL? 29

ecumênico. , mas cdiálogo religioso:. ; é o que ocorre entre catá.


licos e judeus, entre católicos e rnuculmanos, budistas, etc.
Em qualquer hipótese, os contatos da Igreja Católica com
outras conflSSÕes religiosas jamais deverão implicar diluição
ou atenuação das verdades reveladas. Nas conversações e no
diãlogo religioso será apresentado o Credo católico em sua
integridade - o que não quer dizer: ... de maneira pOlêmica
ou agressiva, mas, sim, de acordo com as oportunidades que
a franqueza e a lealdade sugiram. Por isto não se entende do
ponto de vista católico que, a titulo de não separar ... , se
encubram ou camuflem verdades reveladas por Cristo e pro-
fessadas pela Igreja Católica. Estas serão sempre explanadas
e transmitidas ao público por um dever de consciência. con-
fiado por Cristo à sua Igreja.
Tais ponde.ra~ podem ser completadas pela palavra do
S. Padre João Paulo II.

2. A palavra do Papa
Aos 16 de outubro de 1979, o S. Padre João P aulo II
assinou a ~ortação Apostólica cCatechesi Trd.dendae» (Ca-
tequese hoje), em que aborda. os principais problemas da cate-
quese em nossos dias.
1) Insiste na necessidade de se transmitir na integra o
depósito da fé, como se depreende, entre outros, do tópico
abaixo transcrito:
"Para Sêr perfeita a oblaçlo da aua flt. aqueles que le tomam di...
clpulos de Cristo lêm o dlreilo de t1K:ebO'r a palavra da fê nlo mulllada.
falsificada ou dlminulda. mas alm plena e Integral, com lodo o MU rigor
e com lodo o seu vigor. Atraiçoar em qualquer ponto a Integridade da
rnensegem , esvaziar perigosamente a pr6prla catequese e eompfól1'leler
OI frutos qua CrlSlo e a comunidade eeleslat têm 10 dlrollo de esperar
dala. NIo ó certamente por acaso que o mandato final de Jes us no
Evangelho de Slo Mateus tem e marca de uma certa totalidade : 'Todo
poder me foi dado, .• Enalnal toda 11$ genles ... enslnando-al I ob!arv8r
tudo o que vos mandei ... Eu estou convosco todos os dia. a'6 o fim
do mundo'. . . . Que seria de uma calequ8H qua não desse todo o MU
df'llclo lugar" crlaçio do homem e 1.0 peeado deste, 80 de81gnlo de
redançao do nosso Deus • 1\ longa e amorosa preparaçlo • l1IaJluçlo do
mesmo de.lgnlo, • EncarnaçJo do Alho da DeU8, • Marta - • Imaculada.
a Uh de Deus, sempre Virgem, .Ievada ao clIu em corpo • alma - e
ao 18U papel no mbt6rlo da r.IIYIÇIo, 10 mistério da Iniqüidade, que
canllnu. a operar em nossas vidas, e .. pot6ncla de Deul que noa liberta
dela, fi. necessidade da panllencla e da ascese, aos ge.IOI .acramentais
e IIIQrglcOl, li. realidade da presença euearlsllca de Cristo, li. partlclpaçlo
na vida divina Jê aqui &obre a larra e para além da morte, ele.? Aulm

-317-
30 cPERGUNTE E RESPONDEREMOS. 258/1981

nlnhum verd.dflllro catequls'a poderia leglUmamente fazer, por oou próptlo


.rbllno, uma aeleçAo no depósito ela ft, entre aquilo qUflI ale considerasse
importante e aquilo que Julgasse sem Importlncla, para ensinar o 'Impor-
lanlO' a reJellar o restante" (n9 30).
2) Em particular. no tocante ao ecumenismo, ou me-
lhor, com respeito ia colaboracAo entre católicos e nio cató-
licos no setor da catequese. diz o S, Padre:
"Nu altullçC)es de pluralidade religiosa, os Bispos poderio Julgar
oportunas ou mesmo necessirlas certe, experIências de colaboraçlo no
dOll'llOlo da catequese entre católicos a oulros c1151105, como compleml!!nlo
de eatequese norma', que de toda manflllra os católicos devem receber.
rata axperlênclas encontram o " 1,1 fundamento nos elementos que .60
comUM! a todos os crlsllos, A comunhio d. fé entre os calóllcos e os
outros crlstA08, no entanlol nlo é completa e perfeita; existem mesmo,
nalguns casos, pcofundaa alverg6nclas. Por conseqüência, esla colabora-
çlo ecumênica' por sua própria nalureza limitada; ala nlo poderá jam.ls
slgnilicar ,aduçAo a um mlnlmo comum. Ademais a calequese nlo corr-
slsle aomenle em ensinar a doulrlna, mC$ lambém em Inlelcr a loda a
vida C:llsll, levando para lanlo a pllrtlclpar plenamente nos Sacramentos
da Igreja. Daqui a .necessldsde. naquelas par1es onde ellls" uma expe-
riência de Colabo,açào ecumênica no dom rnlo da catequese, de vigIa'
para que a formaçAo dos calOllcos fique bem assegurada na Igreja Cetó-
IIcI em rr)alérla da doutrina e da vida crista..
HOIlv& carta nOmero de BI,pOl CUe fizeram nola" no decolrer do
SlnOOo, o caso - c.da vez mal. freqQente, diziam eles _ em que as
autoridades civis ou outras clrcuNIAnclas Imp6em nas escolas de aJgUllS
palses um ensino fia rellgllo crlstl Icom manuais próprios, horas de
allt., etc.) comum e calóllcos e a MO católicos, NAo ser' multo n,çes-
drto, mas 6 bom que ,e diga: em 'ais ca_ nlo se trata de verdadeira
ell.eqtJele. Conluao lal ensino tem lamb41m Importlncla ecum'nl~ quando
aprtlaenta com lealdade a doutrina crtsta. No caso de as clrcunstlnclu
Imporem es•• ensino, Impor1a que 18la usegurada além dei., • ainda
cdm malor culdaüo, uma catequese espacinea mente caI61l~" (119 33),

Como se vê, o S. Padre recomenda que


- os católicos recebam. a cattquese nonnal e integra a
que têm direito. O que se lhes disser sobre as confissões pl'O-
testantes. seja dUo sem detrbnento deste ensino total e fiel à
mensagem da Igreja. Católica;
- a catequese leve à participação dos sacramentos (Ba-
tismo, Crisma, ReconcUlação, Eucaristia ... );
_ em vez de reduzir a mensagem a verdades comtDlS, os
catequistas hão de procurar transmitir aos fiéis católicos a
mensagem especificamente católica naquelas regiões mesmas
onde s6 se ensinam verdades COmuns.
3) No tocante ao ensino da história das Religiões, dl2: o
S. Padre:
-318-
E~SINO RELIGIOSO ACONFE$SIONAL? 31
''Torna·so necosat,lo acrescentar aqui oulra observaçiio, que $f!
situa nesta mesma linha, embora com perspecllva diferente. Sucede que
escelas do Estado p6em à dlspcslçlo dos elunos livros em que sAo apr..
seoladas, por mollvaçoos culturais - hlSIOrlcas, mOTala ou llIerárias - ,
as diversas roll9168s, Incluindo a rellgllo católica. Uma apresenlaçAo obJe-
tiva do$ faloe históricos, dai vilrlas r.ligl~8s. incluindo a rellglAa católica.
Uma apresentaçio objetiva das dfveraas confissões crlstis poderá contrI-
buir mesmo para uma melhor compreanslo reciproca. Estarlo os meslrtlJ.
81enlOS e faur lodo o pos-slv.I a fim de que a apresentaçAo "'Ia verda-
deIramente obJatlva, em relaçAo a sistemas Ideológicos ou potillC09. bem
como a preconeellos prelel'lsamente clenllflcos, que lhe deformassem o
verdadeiro senIl do. Em qualquer hipótese, esses manuaiS 1'110 poderiam
evidentemente ser conslderedos como obres cetequ6tlca. ; para [slo fel-
ta-lhes o testemunho daqueles que crl/em no expor a fo a outros que
crêem, 8 uma compreenslo dos mlstérlOI cristãos e da especlllcidade
catêllca colhIdas do Interior da lé" (n'f 3<4) .
Pelas palavras de S. Santidade perrebe·se que a S. Igreja,
em plena ~poea de ecumenismo, está longe de ceder ao rcJaU.
vismo. Por isto maJs uma vez se depreende que, do ponto de
vista católico. a catequese há de ser sempre explicitamente
confessional J:: de crer que protestantes e judeus, por sua
vez, desejem poder transmitir na integra os artigos da fé que
professam. Somente qllem é vacilante ou inseguro em sua fé,
estará disposto a aceitar ou propugnar uma catequese neutra
ou genérica, que vem a ser traição à autêntica consciência
religiosa de qualquer (leI.

(Contlnuaç,io da pig. 352)


quem procure Oflenlaçlo sobre o assunto nos diversos pontos do pala.
- Parabéns .. autora, a quem eillptlmlmos os volos d. que e sua obra
encontre 8 devida repereussAo em nossas lamltlas.
M mareas d e A...ul'ftfçlo, por J. U. carrel'lo Etxeandla, S. D. B,
- Ed. Loyola, SIo Pauto 1981,148 x 216 mm, 198 pp.
O autor apresenta um estudo atusllzado do 8anlo sudário de Turim.
Descreve es ta peça e os .stud~ que médlcoa. fotógrafos, pintores, qul-
mlcoe, botl.nleos, hlslorladores e outros clentlatas têm realizado sobre o
masmo. O P•. ElXsandla oat6 convicto da autenticidade do cudirlo, que 81e
v6 comprovada pelos eum" clenllflcol. Verdade é que a hlslórla da unia
mortalha .. ap~senla lacunosa, poli houve épocas da hlltórla em que
se Ignorou o paradeiro de tal rellqula: quando reapareCia, podla-se dizer
que ara realmente a maama que havia doaaplIlecLdo? - Todavia estas
lacul\8$ hlllórtcas nlo &lo decisivas, ou seja. nio prevalecem sobre a
evid6nc1a que os exames clenllflcos produzem em favor da ganulnldade
da .an~ mortalha.. - O livro li de grande lnlereue, vftlo que a Imprensa
da wz em quando abo,da o assunto, delundo nlo raro o leitor perplexo
a respeito do prot»ema (nem umpra claramente transmitido).
5. n.

-319-
Perante a Igreja

qual o sentido do (asamento dvil 1

Em .In.... : A Instilulçlo do C:41samento c1vll tem 5UBS raizes no


séc:_ XVI, quando os reformadores protestantes negaram 111 Indole sacra·
mental do conlralo malrlr'no.nial. Lutero julgava que o casamento é uma
nec:e"ldade IIslca Imposta aoa homens pela nalureza, mas porladora de
pecado porque estimulado pela concupiscência ou o desejo sexllal (que
Lulero Identificava com o pecado); a mlserlc6rdla de Deua perdoaria a
pecemlnosldade do al o conjugal.

A poslçAo Oe Lutero deu inicio a "secularlzaçlo do casamento". Os


aulores posteriores (regallstas, jurlstl' o fllósofoa) acentuaram a tese,
dlsllngulndo enlre o contraio nltural do matrim6n1o e o sacramenlo do
matrlmOnlo: aquele poderia ser considerado Independentemente <l6sIe:
lerIa 8UI Juslitlcallva própria; o sacramento I8rl8 spenu uma bênçlo dada
a um contrato nalura' villdo por si mesmo.
'" seculallzaçlo se tornou fato reconhecido pelo Direito Civil a partir
da Revoluçlo Francesa de 17a9. O Código da Olrelto de Napola60 Bana·
parte (179~18UI promulgou. exls16ncla do casamento meramente civil,
Independente do mllrlm6nlo religioso: ta' c&llgo tornou-sc modelo para
a conat1tu1çlo civil de numerosos povos euroPflus e nlo-europaus,

'" Iglreja reconhece a legllUmldade do casamento civil na medida em


que 1) estipula 0.$ eleitos civis do conlralo nupclel, 2) atende aos cl-
dadlas nlo c:elOllcOIi para OS fiéis calól1cos. porém, a Igreja aflnna nio
haver outre possibilidade de legitima união conjugal a nlo ser a dera·
mental. O lIel católico que VlY8 maritalmente unido a peesoa de outro
sexo .em o deramenlo do ma!rlmOnlo, echa-se em concubinato, ainda
que "teja casado no foro civil.
O eonlralo malrlmonlal nlo pode aer equiparado aoa contraio. nalu--
rals da compre, venda ou aluguel, pola Inalaura uma modalidade pr6pria
de vida crlstl ou a via pela quat doia crls\loe caminham Juntos para Deus
• ao aanUtlcam mutuamente. Se loda • ylda do crla'lo • o desabrochar
do sacramento do ba.tlSmo, a ylda conJugai 6 a vivência do .aclamenlo
do m_IllmOnto.

• • •
Com.entzUio: Em nossos dias o casamento meramente
civil vai-se tomando algo de tão natural aos olhos de fiéis
cat61loos que muitos se unem apenas no foro civil, e não pro-
curam o sacramento do matrimônio como se este fosse apenas

-320-
SENTJDO 00 CASAMENTO CIVIL 33

uma bênção ou um complemento deixado a critério de cada


par de nubentes. Desde que o contrato matrimonial esteja
legalizado e tenha seus efeitos perante as instâncias governa-
mentais, muitos nubentes dão-se por tranqüilos. Assim o ma-
trimônio vai perdendo sua índole religiosa sacramental e se
vai laici2.a.ndo ou secularizando mais e mais.
Dlanté deste fato, que não se justifica aos olhos da cons-
ciência cristã, exporemos alguns traços da história do casa-
mento e a atual doutrina da Igreja.

1. Traços de história
Proporemos três etapas: 1) . . . até o século XVI; 2) Nos
séculos XVI/XVIDi 3) Desde o século XVIll aos nossos dias.

1 . 1. Até o século XVI

A tradição bíblica. desde as suas origens. apresenta o


casamento como lnstituh;ão natural qUe o Senhor Deus con-
finna e abençoa. Como Criador dos primeiros homens, Deus
é o autor da família e, por conseguinte, do matrimônio, que-
dá oritem à familiaj a tendência natural à união do homem e
da mulher é sancionada pela explicita pala.vra do Criador.
Cf. Gn 1,275; 2.18.24.

Herdeiro desta concepção, o povo de Israel atribuia ao


matrimônio valor sagrado, que o punha acima de todos os
outros eontratos existentes na sociedade. O ma.trimônio na
Blblla do A. T. é considerado como colaboração com o próprio
Deus na realizaCão de um plano salvifico. Tenha·se em vista
especialmente o livro de Tobias, Que com ênfase propõe o
casamento promovido e abençoado pelo Senhor Deus. NO'
Cântico dos Cânticos a união de esposo e esposa ê alegoria do
amor que Javé tem à filha de 810n ou ao povo eleito.

De resto, o casamento foi reconhecido como instituição


sagrada também pelos povos civilizados fora de Israel. O ma-
trlmõnlo, relacionado diretamente ~m a transmissão da vida,
não podia estar isento de valor relIgioso, como não o estavam
o nasc1mento e a morte (pelo fato mesmo de se relacIonar
diretamente com a vida. da qual s6 Deus tem o donúnio).
-321-
34 . PERGUNTE E RESPONDEREMOS» :258/1981

Nos escritos do Novo Testamento, Jesus confirma a san-


tidade das núpcias. Insistiu sobre a unidade e a Indissolubill~
dade do casamento; cf. Me 10,2-12. Além do que, elevou o
matrimônio, já insUtuido e abençoado pelo Cria dor, à dJgn1-
dade de sacramento, como ensina São Paulo em Ef 5,22-32.
A indole sagrada do contrato matrimonial foi reconhecida
pelas subseqüentes gerações de cristãos. Por isto a Igreja
passou a legislar a respeito dos impedimentos e de outros
aspectos do casamento. Verdade é que na Idade Média os
teólogos muito discutiram sobre tal ou tal ponto da teologia
do matrimônio, mas nunca puseram em questão o valor sacra-
mental do contrato matrimonial.
No sêculo XV e ainda no século XVI, a Igreja e o Estado
assim se comportavam diante do matrimÕnio.
A Igreja estipulava as condiÇÕés do vínculo matrimonial.
Só a Ela competia legislar a respeito, declarar a validade ou
8 nulidade de algum casamento, reconhecer ou não o titulo
de esposo ou esposa, afinnar (1 qualidade de !ilha legitimo,
propiclar novo casamento desde que se comprovasse a nuli-
dade do anterior... O Estado só tinha autoridade sobre os
eteltos, pecunlãr10s ou civis, deCt:lrrentes do casamento: cabla-
_lhe cuidar dos direitos dos pais sobre os filhos; dirimir ques-
tões dt! partilha de bens, herança, parentesco civil, e tc . . .
Eis, porém, que no século XVI os retonnadores protes-
tantes, fazendo eco p]eno a vozes lsoladas no século XV come-
çaram a se opor à clAsslca visão religiosa do matrimOnlo.
1 .2 . Nos séculos XVI/XVlU
Martlnho Lutt!ro (t 1546) em 1517 ]ançou a sua primeira
Interpelação contra a Igreja Católica. No tocante ao matri-
m6n1o, em 1519 ainda ensinava a tradicional doutrina no seu
cSermão sobre o estado conjugal». Todavia em 1520 no livro
«De Captlvltate Babyfoni:Qe. passou a combatê·la frontalmente:
negou a indole sacramental do easamento, que "ele passou a
considerar como negócio cMI, <In W81Wch Goocl!ift, eIll welt-
t i Ding; tais expressões recorrem freqüentemente sob a pena
do Reronnador. Implicam que 8 regulamentação e a jurisd1-
ção em matéria mattimonta1 tocam exclusivamente ao Estado
civil, nl\o à Igreja.
MaIs explicitamente, tal é o pensamento de Lutero: o
casamento é necessidade imposta pela natureza,. necessidade
-322-
SENTIDO DO CASAMENTO CML 35

fislca (cf. A nobreza crIs1i" 1520; Sermão sobre o ea.s&mento.


1522). Por conseguinte é preciso reconhecer, sem hesltacão,
que o matriml)nio é indispensável a todo ser hwnano e que
o voto de castidade é contrário l natureza. Acontece, porém,
que o estado coniugal, embora necessà.rlo e digno de honra,
leva 80 pecado, pois o ato conjugal é da mesma iodele que
o ato de fornicação, de tal modo que somente por misericórdia
Deus o pt:!rdoa (cf. A toe:S()elto dos votos monásticos, 1521).
Esta doutrina de Lutero decorre de inexato conceito de con·
cuplscêncla: para o Refonnador, a concupiscência, isto é, o
desejo sexual (como tal) é pecado; ora é precisamente a con-
cupiscência que leva o iocUviduo ao ato conjugal. Em sintese,
Lutero considera o estado conjugal com severidade tal que,
apesar dos elogios, o tem na conta de estado quase pecaminoso;
doutro lado, porém, o voto de continência lhe parece um desa-
fio à natureza - o que leva a sua doutrina a wn impasse.
Ainda segundo Lutero: se o ato conjugal é uma necessi-
dade flSlca, seria contrário à natureza afirmar a estabilidade
do vinculo conjugal entre esposos que não podem satisfazer
mutuamente aos desejos carnais. Por conseguinte, o matrimô-
nio há de ser rescindIvel em grande número de casos.
Quanto à monogamia, Lutero a solapou. Com efeito, o
Jangr8ve Filipe de Hesse, que muito favorecia Lutero em sua
obra revolucionária. alegava ao Refonnador que a sua esposa
legítima lhe inspirava repulsa e que o temperamento de Fi-
lipe não lhe pennlUa a abstinência sexua1: em conseqüência,
pedia 80 ex·frade que lhe fosse pennitido - à semelhança. de
Abraão, Jacó, Davi e Salomão _ esposar outra mulher. A
solicitação deixou Lutero e seus teólogos embaraçados; depois
de muito meditar sobre o doloroso caso, Lutero respondeu ao
principe o seguinte: a poUgarnla é herança do A. T., que o
N .T. eondena; por conseguinte, o principiO da poligamia deve
ser afastado; todavia FUlpe era autorizado a esposar o objeto
de sem desojosJ c:para a salvacão do seu corpo e da sua alma,
assJm como para a glória ele Deus»! Observasse, porém, a
condição de «proceder secretamente»! O novo casamento, tam-
bém dito cmatrimônlo turco», foI celebrado pelo pregador pro-
testante da corte de Hesse, mas o segredo não foi observado!
Vários protestantes de vida reta mostraram.se indJgnados;
Joaquim de Brandenburgo e João da Saxônia não mais quise-
ram ver o bigamo Filipe. Desgastado ·então pelas criticas à
sua excessiva indulgência, Lutero respondeu: cA mentira tor·
na·se verdade quando aplicada contra a fúria do diabo, para
a vantagem do próximo»,
-323-
3G , PERGUNTE E RESPONDEREMOS. 2."l8/ 1981

João Calvino (t 1564) também recusou a Indole sacra·


mental do contrato conjugal, embora tenha estImado o matri·
mônlo e combatido o celil)ato. Condenou a poligamia e expU.
cou o caso dos patriarcas como sendo uma concessão do Se·
nhor Deus à avidez dos mesmos.
Entre os eanonistas da Reforma protestante, dIstingue.se
BaslUo Monner (t 1566), autor da obra De matrlmonio (1561).
Para este autor, o matrimônio tem fWlção multo elevada, mas
não é sacramento; não confere a graça; é res plane poUtica,.
coisa meramente civil; Deus o instituiu, como também instl·
tulu 8S magistraturas. Disto Se segue que as causas matrimo·
nlais não estão sujeitas ao foro eclesiástico e gue o Papa não
tem O direito de regulamentar o casamento ou conceder dis·
pensas matrimoniais.
A posiCáo dos Reformadores no século XVI deu mar-
gem a que se fosse formando na mente dos estudiosos o con-
<.'eito de matrimOnio meramente civil. Este conceito haveria
de amadurecer entre os juristas chamados "regalistas. 1 e os
fUósofos que antecederam a Revolução Francesa de 1789. To·
dos estes pensadores partiram da lese de que o matrimônio é,
antes do mais (se não exclusivamente). um contrato civil. Por
isto deve estar sujeito à regulamentação e à jurisdição do Es·
tado. O Senhor Jesus, ao elevar o. Côntrato civil à dignidade
de sacramento, não alterou a natureza desse contrato civil,
mas acrescentou.lhe algo de acessório e secundário; o contrato
dvU do matrimônio ficou tal como antes, sujeito, portanto, às
leis civis. Os poderes atrlbuldos por Jesus Cristo à sua Igreja
seriam de ordem meramente espiritual; por conseguinte, não
se estenderiam nem indiretamente às coisas temporais, como
aão por exemplo os contratos.
Os regallstas, que propunham suas teses gallcanas, faziam
profissão de fé católica (à diferença dos autores' da Rcvolução
Francesa). Sustentavam suas posições, embora o Concílio de
Trento tivessse afirmado o direito, na Igreja Cat6Uca, de
leglslar sobre o matrimônio. Alegavam, para tanto, que as
DOnDas do Concilio de Trento não tinham sido aplicadas pelos
reis da França ou faziam a exegese sutil das palavras dgreja"
_matrimônio».
1 Por "regallatas" se entendem OI pensadores que faY<lreceram as
nMncllcaçOes dos reis (da França. da .1.1111111, da 'Espanha. de Portugal. _.)
8 do Duque da Toacana, que pretendiam Ingerir-58 em assu nto. de Direito
canOrilco, contrariando 8 autonomia e a miolo do Papado. Eram defen-
IOre. de "Igrejas Nacionais", como saria a Igreja Gallcana, diretamente
aubcrdlnada ao lei,

-324-
SENTIDO DO CASAMENTO CIVIL

Os filÓSOfos racionalistas (Montalgne, Diderot, Montes·


quieu, Pufendorf . .. ) foram menos cautelosos do que os juris-
tas ao atacarem a c1âssica doutrina matrimonial da Igreja;
recorreram mesmo 'à sátira.
Todavia a clássica praxe ou a ordem de coisas vigente
não foi oficialmente alterada até O fim do século XVfiI. em-
bora o poder civil, sob pretexto de interpretar os cânones da
Igreja ou favorecer o Interesse dos fiéis, se fosse mais e mais
ingerindo na praxe matrimonial. Essa ingerência do Estado
era justificada perante a Igreja como se fosse destinada ape-
nas a regrar os 'CCeltos civis do casamento; o poder secu1ar
professava teoricamente o respeito ao sacramento do matri-
mônio c aos direitos da Igreja nesse particular.

1 .3 . 00 fim do século XVIU aos nossos dia.

A secularizacão expllcita do casamento fol-se tomando


fato concreto a partir do último quarto do século XVDr,
entrando em palses tradicionalmente cat6l1cos. Para tanto,
alegavam os pensadores que a única instãncla competente em
matéria de controles é o poder secular.
Na Franca, foi decisiva a Revolucão Francesa de 1789.
com os acontecimentos que a cercaram. A nova Constituicão
dc 1791 rezava em seu titulo n, -art. 7: cA lei só considera o
casamento como contrato civil:t. O principio da secularização
eslava estabelecido; as leg1sIaCôes sucessivas o aplicariam nas
minúcias da realidade. Napoleáo Bonaparte (1799-1814) intro-
duziu a nOção de matrimônio meramente civil em seu famoso
Código de Napoleão (titulo V), que serviu de modelo à Cons-
tituição de numerosos países europeus e não europeus. Na
França a lei chegou a proibir aos sacerdotes abencoar no Coro
religioso os cõnjuges que não se tivessem casado previamente
em instância civil (Código PenaJ, artJgos 199 e 2(0). 1!:: de
notar. porém, Que, mesmo após a secularização do matrimo-
nio, o Governo RevolucionáMo francês instituiu um ritual de
matrimônio que pretendia fazer as vezes de Liturgia Cató-
lica. Com efeito; movida por Robespierre, a Convenção votou-
um decreto cujo artigo 7' previa a Festa do Amor conjugal.
Um decreto do 3' Brumário do ano IV instaurou a festa nacio-
nal dos Esposos, e a lei do 13' Fructldor do ano VI, que orga..
ni2ava as festas dC'cadãr1as, tornou obrigatória a celebração
do casamento em decad1.

-325-
38 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS,~.-,258"",
/,"l98",,-l_ _ __

No Império Austrlaco o monarca D. José TI (1780-1790)


tomou·se o porta·voz e executor das idéias regallstas, tam-
bém ditas cfebronianas_ (pois tiveram em Justino Febrônio,
t 1790, um de seus mais ardentes mentores em territ6rio ale-
mão). O monarca concebeu, entre outras coisas, o programa
de fazer do matrimônio «uma realidade principalmente civil e
acessoriamente religiosa . , como escreveu o Vice··Chancekr
Cobeml. Conseqüentemente, em 1781 promulgou um edito que
comeria aos bispos o direito de ooneed.er dispensas de impe-
dJmentos matrimoniais por autoridade própria ; por decretos
de 1783 e 1784 foram reservadas ao Estado todas as Questões
concernentes ao matrlmõnio j o sacerdote, ao aben(;oar o casa-
mento, estaria exercendo uma fWlção estatal.
Na Toscana, semelhante reforma foi empreendida pelo
Grão-Duque Leopoldo 11 em 1786. O Bispo de Pistola, Cipião
de Rlcei, professava Idéias regalistas; por isto, o Sínodo de
Pistola em 1786 pediu ao Grão·Duque que decidisse autorita-
riamente sobre todos os assun tos relativos ao matrimônio.
Uma das expressões mais tlplcas do novo ~(mcejto de
matrimônio «contrato secular:.. é a definl(;ão devIda ao flló-

_os,
sofo Immanuel Kant em 1797: «O matrimônio é a unlão de
duas pessoas de sexo diferente que entre si outorgam direito
reciproco sobre o seu corpo para o resto da vida» (AIeta.fisiea
aos I 24).
Neste texto. Kant ainda conserva a cláusula cpara o resto
da vida_o Todavia a noção de contrato acarretaria natural-
mente a de resclndibilidade ou dissolubilldade do matrimônio.
Em suma, a tendência secularizante foi·se difundindo cada
vez mais, encontrando eco nas Constituições de vários povos.
Nos países em que, no século XIX, foi declarada a sepa-
raCáo da Igreja e do Estado (como no Brasn. por exemplo),
a situação constrangedora tornou·se menos Penosa para a
Igreja. Com eleito, o Govemo, estabelecendo o matrimônio
ctvD e suas modalidades, passou a ignorar o matrimOnio sacra-
mental, em vez de pretender subordinar os bispos e as cele-
brações da Igreja à leglslação dI) Estado. Em tais palses,
desde que ai reine a liberdade religiosa, a Igreja propõe aos
fl~1.s a sua doutrina e a sua legislação sobre o matrimônio e
atende aos fiéis que a pl'OCW'am, sem sofrer entraves por parte
do Govemo.
Importa agora considerar
-326-
SENTIOO 00 CASAMENTO CIVIL 39

2. A atitude da tgreja diante da matrimônio civil


1. A Igreja Católica não se opõe ao matrimônio civil,
pois que
- clã fundamento aos f!feitos civis do matrimônio S8Cl'a-
mentalj
- atende à situação das pessoas que, não sendo batizadas
na Igreja Católica, não podem pedir o sacramento do matri.
mônio. Em tais casos, o matrimônio civil legitimamente con-
traído estabelece entre os consortes O vínculo natural do casa-
mento, Que é por si indissolúvel e merece pleno respeito.
São palavras do Papa Leão XIn:
"Ninguém contes ta ao Estado a funçlo qua tlle pode competir, de
adaptar o matrlm6nlo ao bem comum no plano temporel e de estipular os
efeitos civis do casamento segundo a Jusllça" (Carta CI alamo, Acla, 1. I.
p. 239) .

Na encícllca Aroa.nwn diz o mesmo Pontifi~:

"Nunca a Igreja legis lou 8 respeilo do casamento para levar em


conla as condlç~s da sociedade a doa povos; maIs de uma vez ela
suavllOU suas '.11 na medida do posalvel. (lllando havia motIvos luslOl •
Importantes para Isso. Ela também nAo Ignora nem contesta (lue o IIcra-
mento do matrlm6nlo est' voltado pare a conservaçlo a a propagaçlo da
sociedade humana e, por Islo, Iam relaclo.namênto or. mais, ora menos
êslrlto com os intaresses humanos •.• nc foro civil; 6 sobre 8S3es Inl&-
reues tio foro civil que os cherea d. Eslado promulgam lUas lals"
(Acta t. 11, p. 3-4).
Segundo estas palavra, é lnegãvel a competência do Es-
tado no tocante aos efeItos civis do matrimônio. Mas o casa.
menta mesmo dos fiéis católicos deve ficar sujeito unicamente
à legislação da Igreja: cO casamento sendo pOr si mesmo
algo de sagrado, torna-se lógico que seja regrado e organi-
zado não pelo poder do Estado, mas pela divina autoridade da
Igreja, única instância competente em se tratando de coisas
sagradas. (enc. Areanum. t. n . p. 23).
2. A Igreja Católica pedé mesmo aos fiéis catóUcos que,
antes de contrair o enlace religioso, se casem civilmente a :fun
de que o seu casamento sacramental tenha o apoio das leis
civis. VIa de regra (admitem-se exceções), na atuaI ordem de
coisas a Igreja não pennlte o casamento rellgtoso sem o devido
acompanhamento do en1ace civU.
3. Todavia importa dizer: para wn católico b.atlzado na
Igreja Católica não há outra fonna legiUma de contrair ma-

-327-
40 .PERGUNTE E RESPONDEREMOS,. 258/1981

trtmOnio senão a sacramental. O casamento civil não supre,


em absoluto, o sacramento do matrimônio; pode, sim, ante-
ceder-se ou seguir. se 8 este, nunca, porém, o substituir. O
matrImônio civil é Instituição relativamente recente (data de
fins do século XVllI), e se baseia na distinção - que na prã-
tiea é inexistente para os catôllcos - entre contrato e sacra·
mento. Para a Igreja, o contrato matrimonial não pode ser
equiparado a um contrato de compra, venda ou aluguel, pois
-ele Instaura 8 maneira como dois cristãos hão de eaminhar
para Deus e santiCIcar-sc mutuamente num Intercâmbio Intimo
de valores e aspirações. A vida conjugal vem a ser uma mo-
dalidade da vida cristã, que não é senão a vivência do sacra-
mento do batismo; por isto ela é marcada por um sacramento
próprio (matrimônio) _ sacramento que, como dizem os teó·
lagos, é permanente, pois dura por quanto tempo dura a ma-
téria do sacramento, ou seja, a realidade corporal dos dois
cônjuges.

A consciênda destas verdades levou o ma".oistério da {.,-eja


a reiterar sua doutrina diante do processo de secularização do
matrimônio na Idade Moderna. Seguem-se palavras do Papa
Pio IX cujo teor é assaz forte, mas estritamente verídico:
"e dogma de ré que o casamanlo foi elevado por NoS$O Sanhor
Jeaus Crlalo 1 dIgnidade de .acram ento. A doulrinA da Igreja enalna que
o aacramenlo 1110 consIste em qualidade acidentai acrescentada ao con-
traio, mas parlanca • própria l!Iuéncla do matrlm6nlo, de 'ai aor1e que a
unlAo contugar enlre crlstlos IÓ é legitima no sacramento, fora do qual
hi apenas concubinato" .

Na alocução Aoerblsslmum voblscum de 27/09/1852,


Pio XI se referiu de novo ao assunto:
"Entre fWls 1'110 pode haver caumento que nlo saJa, ao mesmo
tempo, l acramento: conseqüenlamenle, entre crls.tloa qualquer outra unlio
do homem e da mulher tora da unllo sacramental, -mesmo conlrarda em
virtude da lei civil. nlo 6 outra coisa 5.nlo vergOnhOao e pam!closo
concubinato, peramplorl.menle condenado pela IgreJ •. Por conseguia", o
lacrame.nlo Jamais pode ser separado do contrato matrimonial ; loca 110
aomente • Igreja o poder de 'tora' tudo qua, d. urna maneIra ou de
outra, pode referlr..e ao casamento."

Destas palavras de Pio IX depreende-se que:


al para o católico, não existe ma.trimÔnio no plano mera-
mente natural humano ou civil, ao qual o sacramento sobre-
venha como complemento. Mas existe tão somente o matli-
mõnio sacramental, que eleva o contrato natural entre os
cônjuges a nova dignidade;

- 328 -
SENTIDO 00 CASAMENTO CIVIL 41

b) na clássica linguagem da Igreja, deve-se dizel' que


vive em concubinato o católico que esteja unido a pessoa de
outro sexo sem o sacramento do matrimônio, O enlace mera-
mente civil não atenua esta realidade; apenas serve para. dar-
-lhe efeitos civis.

Leão XIII ainda escreveu aos bispos das provindas ecle-


siásUcas de Turim. Verccll e Gênova, em 1' / 06/1879:
" Desconhece os prlnclplos lundamentals do Cristlani9ma ., aeres-
centamos, os noçOes alame nlares do direito natural quom allrma que o
casamento é uma crlaç!o do Estado e nada mais do que um contraiO
comum ou uma assoclaçlo de mero Interesse civil."

Tais dizeres expõem com suficiente clareza o pensaJl1f!nto


da Igreja a respeito do matrimônio civil: seja valorizado na
medida em que atenda aos interesses civis de uma sociedade
honestamente organizada; nunca, porém, tomará o lugar do
sacramento do matrimônio para os fiéis católicos_
A titulo de complemento, pode-se ainda notar:
O cânan 1098, art. l ' estipula o seguinte: nos casos em
que duas pessoas católicas devldamente habilitadas não tenham
sacerdote que lhes possa abençoar O casamento segundo a
forma canônica, podem contrair matrimônio entre si perante
testemunhas, desde que se preveja prudentemente que tais
condições hão de perdurar por trinta dias.

Tal caso ocorre por vezes em territ6rios de missão ou no


interior do Brasil. O próprio Direito CanônilO permite então
o casamento sem a presenca de sacerdote delegado, mas mesmo
assim estabelece as condições para que o casamento assim cele·
brado seja vê.lido como sacramento; requerem-se; 1) ausência,
por trinta dias. de sacerdote delegado; 2) presença de ao
menos duas testemunhas; 3) habilitação canônica dos dois
nubentes.
Tnl tipo de casamento não pode ser Identificado com um
contrato meramente civil.
Para ulterlore.s estudos:
Le BRAS, O., Mulacre, el'l\: Dlcdonn..... de ~ .. CaChoIkIve IXl2.
Piaria 1927, 1:011. 2044-2317.

-329-.
De novo em relevo

o segredo de fátima

Em .Inl••• : As .parlç&!s de Nosn Senhora em Fâllma a Lúcia lalnda


viva, como Religiosa carmema), Jaclnla e Francisco (jã I.lecldoa) ocone-
ram de maio a outubro do 1917. Todavia 1lS escritos de LUcia Que, com a
devida .ulOllzaçlo do céu, lransmllem as tevelaç6es da Virgem 55., datam
dos anos da 1936 a 1941 . Ora )ulga-se que a sanla Religiosa, ao e,craver
a men$llgem deFátlma, tenha sido innue.nciada por acontecimentos de eua
época de adulta (LUcia escreveu em parto duranle e segunda !;Iuerra
mundial, que começou em 1939) . Esta observaçlo, que se ba$eta no
exame obJellvo dos escritos de Lúcia, leva bons autores a nao dar ênlase
ls predlÇOes de pat, guerra, conversa0 da Russla, que do objeto do
segredo de Ftllme. AUás, a lerceira parte deste segredo, que devia !lcar
oculta al6 1960, nunca 101 revelada pelos Papes Joio XX1II, Paulo VI e
sucessores. Em 1987, (I cardeal a llavianl, por ocasião do clnqüenlenario
das aparlçO.s de F6Uma, eludlu ao segt!ldo, Insinuando que nada tinha
de alnlllro, mas, ao conHárlo, era de caráter oUmls!a Ilulga-se que .slarla
assim Insinuado o declfnlo do alelsmo, que se va rlllca alualmenle na
U.R.S.S . ). OOnda &. vê que &10 tolalmenle Infund~das as Inlerprelaçaes
...ustadoras que nlo poucO$ cronistas de nossoe dlu alrlbuem ao se-
gtldo de f'tlma. Nenhum Jomallsla Iam o necess6rto c:onheclmenlo do
assunlo para poder explan'-to.

• • •
Comea.tá.rlo: O atentado contra o S. Padre João Paulo n
suscitou imediatamente a recordal;ão do famoso . «segredo de
FAtima.; certos órgãos da imprensa julgaram estar-se cum-
prindo então terrivels predlCóes contidas em tal segredo comu-
meado por Nossa Senhora à vidente Lúcia, Em conseqüência,
a população brasilell"8 tem-se mostrado Interessada em saber,
atinai de contas, qual seria precisamente o conteúdo de tal
revelaçlo guardada em segredo_
No. verdade, hã muitos rumores sobre o teor do segredo.
Mas poucas pessoas conhecem exatamente os acontecimentos
de FAtima e o seu significado. Eis por que abaixo nos volta-
remos para tal temãtlca.

1. As aparições em fátima
De maio a outubro de 1917 a Virgem Maria apareceu seis
vezes a três pastore:zlnh05, chamados respectivamente Lúcia.
J aclnta e Francisco.
-330-
o SEGREDO DE FATIMA

Lúcia era a filha mais jovem de um casal de cinco her-


deiros. Nasceu aos 22/03/1907 em Aljustrel (Fátima). Fez
a primeira Comunhão com seis anos e melo, Tomou·se pas-.
tora aos nove anos, ainda analfabeta. Só freqüentou a escola
depois das aparições. Aos 19/06/1m foi para o educandã-
rio das Irmãs Dorotélas em VUar (Porto). Tornou·se Reli-
giosa, professando como Inná conversa aos 13/11/1938. Aos
13/05/1948 entrou no CarmeIo de Coimbra, onde tomou o
nome de Innã Maria Lúcia do Coracão Imacu]ado e onde
ainda vive. Consta que Lúcia foi agraciada com novas apa-
rições de Maria 55. 80S vinte e trinta anos de idade.
J aclnta nasceu aos 10/ 03/1910 em Aljustrel. Ela e Fran-
cisco erâm primos de Lúcia. F~ a primeira Comunhão após
as aparições em maio de 1918. Merrcu aos 20/02/1920 COm
dez anos de idade, vitima da gripe espanhola. Lúcia, e m seus
cadernos. atribui-lhe os dons da profecia, da ciência infusa e
diversas visitas de Nossa Senhora durante a sua última enfer-
midade.
Francisco nasceu aos 11/06/1908. Nunca freqüentou a
escola, Não foi admitido à primeira Comunhão com sua innã
em maio de 1918. Só comungou das mãos de um sacerdote
sog forma de Viático. Faleceu também de gripe espanhola
aos 4/04/1919.
Os despojos de Francisco e Jaclnta repousam na basUica
da Cova da trla (local das aparleôes). Em dezembro de 1950
foi aberto e processo canimico para a sua beatificação. O que
diz respeito à vida InUma e penitente das duas crianças, nos
é manifestado quase exclusivamente pelos cadernos de Lúcia,
A história das aparlcões começa em 1915, quando Lúcia
(com alto anos de idade) e três outras meninas, na encosta
do Cabeço, avistaram uma figura branca que identificaram
com um anjo.
Em 1916 Lúcia, Jacinta e Franclsco viram por vezes um
anjo que se identificou como «o Anjo da paz. e co Anjo de
Portugab. TInha a aparência ae um jovem que exortou as
crianças a rezar pelos pecadores; por ocasião da terceira visita.
trazia na mão um cálice, dentro do qual caiam gotas de sano
gue provenientes de uma hóstia. Terã convidado os pastore-
zinhos a repetir a oração seguinte:
"Sanllsslma Trlndad., Pai, Filho • Eaplrtlo Sanlo, eu \101 adoro pro-
fundamente e YOI ofereçq o. mullo pradoaoa Corpo, Sangue, ~Im. e [)I..

-331-
44 cPERGU!\"TE E R ESPONDEREMOS~ 258/1981

vlndade de Nosso Senhor Jesus Crlslo, presenle em lodos OS taberna-


cujos do mundo, em reparlçlo dos ultrajes pelos quaIs o mesmo Jesus
6 ofendIdo".

A seguir, o Anjo terã convidado Lúcia, Jaeinta e Fran-


cisco a comungarem, embora 05 dois últimos ainda não tives-
sem feito a primeira Comunhão.
Aos 13 de maio de 1917, na Cova da Iria, a dois quilôme-
tros de distância de Aljustrel e ao melo-dia, os três pastore:z.l_
nhos tiveram 3. primeira aparição de Nossa Senhora, que lhes
pediu voltassem aos treze dias de cada um dos meses subsc-
qUentes. Estes encontros ocorreram como programados, exceto
em agosto, quando as três crianças estavam presas no dia pre-
visto, o que deslocou a aparição para 19/08 em VaUnhos.
Por ocasião da terceira aparição, em julho, Lúcia rece·
beu a comunicação de um grande segredo composto de três
partes. Como se compreende, tal segredo não foi reveiado
senão 1'IUUs tarde . pOr pura obediéncia e com permissão do
céu:. (como disse Lúcia).
A última aparição, aos 13/10/1917, foi acompanhada do
'IImilagre do soh: cerca de 70 .000 pessoas disseram ter visto
o sol girar sobre si mesmo, projetando em todas as direcões
feixes de luz cujas cores variavam; a seguir, o disco solar
precipitou-se aparentemente em direção Qa multidão, Irra.
diando calor cada vez mais intenso, por fim. voltou à.. sua
posicão nonnal. O fenômeno terá durado cerca de dez minutos.
Examinemos agora

2. A atitude da Igreja
Diante dos acontecimentos da COva da Iria, as autorida-
des eclesiásticas foram, a principio, muito cautelosas. A dio-
cese de Lelria, à Qual pertence Q Cova da bia, estava sem
Bispo em 1917. O novo tluIar da sede, D. José da Silva, tomou
posse em 5 de agosto de 1920; o prelado mandou abrir um
inquérito sobre OS aeontecimentos em 1922, ou seja, cinco
anos depois das ocorrências; wna corrWsão de sete peritos
dedJcou·se a examinar os fatos e, finalmente. aos 14/04/1929
apresentou seu relatório ao BIspo diocesano; este, tendo levado
ao Papa a noticia das conclus6es obtidas, declarou aos 13 de
-332 -
o SEGREDO DE FATIJ.fA 45

outubro de 1930, perante cem mil fiéis, que eram dignas de


crédito as aparições da Cova da !ria.
Aproximando-se o vigésimo quinto anlwrsário das apa-
rições, o Sr. Bispo de Lelria deu ordem à vidente para que
pusesse por escrito tudo Quanto ela pudesse reveJar_ Lúcia
então, «tendo obtido licenca do céu e agindo por pura obe-
diência:., redigiu quatro relatos de Memórias (datados de 1936.
1931, agosto e dezembri de 1941), com letra clara e nuente,
demonstrando estar alheia a qualquer pretensão literária.
É no terceiro Memorial, datado de 30 de agosto de 1941.
que a Religiosa se refere ao segredo, dedicando-lhe cerca dI:!
quinze págInas, nas quais diz brevemente o seguinte:
A mensa ~ m consta de trés partes, duas das quais seriam
imedia tamente reveladas, devendo fi car a terceira ainda oculta.
Com efeito, o Cardeal I1defonso Schuster, arcebispo de Milão,
em sua Carta Pastorel da Quaresma de 1942, deu publicidade às
duas primeiras secções. A terceira ficou em envelope lacrado,
sobre o qual se lia : «Nã o abrir antes de 100(>:'; interrogada
sobre o motivo desta restrIção, Lúda respondia invariavel·
mente: cA SS. Virgem o quer assim:..
A primeira parte compreendia uma visão do inferno: Lú-
cia, Francisco e Jacinta perceberam como que um grande mar
de fogo e nele mergulhados os demOnios e as almas. Estas
assemelhavam-se a brasas transparentes e negras ou bron-
zeadas com forma hwnana, as quais eram arremessadas para
todos os lados como fagulhas num enorme incêndio. Os demO-
nios distinguiam-sc por ter a fonna asquerosa de animais
espantosos e deseonhecldos, assemelhados a oarvões em brasa.
~ Está (!laro que nãn se deve dar valor estrito a estas expres-
sões: o demônio não tem a fonna de animal espantoso, pois
não possui corpo, nem QS almas dos réprobos se apresentam,
com form a humana_ Trata-se de meras Imagens literárias,
único artlficlo apto para incutir às crianças uma noção apro-
ximada dos horrores espirituais ou da dilaceração Interior que
é o inferno.
Na segunda parte do segredo, Nossa Senhora se referia la
Rússia:
"A guerra (de 1914-19181 VII acabar : mas. 108 nlo deixarem de
ofender a Deus, no r.lnaclo ele PIo XI começarâ outra pior.
Quando vlrdea uma noite Iluminada por UMa luz delconheclda, sabel
que 6 o grande sinal que Deu, voa d6, dei que vai . punir o mundo de

-333 -
46 t:PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 258/19B1

seus crimes por melo da guerra, de lome e de persegulçOes fII Igreia a


ao Sanlo Padre.
Para Impedir, virei a pedir a consagraç!o da AiI"la a meu Imaeulado
Cençlo e • Comunhlo reparadela dos primeiros ubados.
Se alenoarem a malUl pedidos, • Rússia converter·s.i e lerlo paz :
se J'IIo. elpaLh.r' es seus erres pelo mundo, promovendo guems a par-
.egulç6es , Igrela. Os bons serAo mar1lrLzados; o Sanlo Padre larã multo
'lua solr.r; virias nações serio aniquiladas . . .
Por fim, o meu Imaculado CoraçAo trlun'ará I"
Nesta mensagem chama-nos a atenção, entre outras coi-
sas, a predição de nova guerra mundial (1939-1945), prediç.áo
feita sob o governo do Papa Bento XV (1914-1922), a qual se
refere ao pontificado de Pio XI (1922-1939), e não de Pio Xli.
- Quanto ao grande sinal prévio à nova conflagração, LÍlCia.
julga ter sido a extraordinária aurora boreal que ilurnJllOu o
céu na noite de 25 para 26 de janeiro de 1938 (das 20h 45 min
à 1h 15 mln l com ligeil1ls intermitências). Ao veriricar o fenô-
meno, a vidente recordou·se da terrivel predição da Virgem.
Ao revelar duas partes do segredo recebido, Lúcia tratou
de dar resposta à questão cruciante: por que esperara vinte e
quatro anos para tomar públicas predições de tanta impor-
tância!
"Pode ser que a alguém pareçl que eu devia ter manlleslado lodo
estas coltas há mais tempo, porque a seu parecer larlam, há alguns anos,
dobra<kl v.lor. Assim sarla, se Deus Ilveua que rido apresenler-me ao
munó'o como prolelai mas creio que 'ai nlo tolo lntenlo de Deus .. . Se-
assim fosse, penso que, quando em 1917 'Ele (Deus) me mandou calar
- • qual ordem to/ confirmada por melo dos qua O representavam -,
ter-m.. la mandado falar.
JulIO, pois. • •• que Den ape... qull ...nfr.M de mim para fR01'o
dar ao mundo I IMICNlldade 11'18 h6 de- e.,lla, D pecaclo, a repatU" li
otelUas de DeUI pala (lnçlo I pele penH.acle . . .
NAo enconll.ndo palavras elUll.. para me exprimir, larla dito ora
uma coisa ora OI.Ilra: quarendo-me elllpllcar, &em o conseguir, formaria
...Im, lal ....z, uma lal confusao de Idélae, que viriam (quem uba?) a
eslragar e obra de DeUI . . . Mlnhe repugnancfa a manUest.r (a mensa-
gem) é tal qua, embora tenha aob os olhol a c.rle na qUII V. .Ex.cla.
(o Sr. Bispo de lelrtl) me manda anotar tudo de que me posaa lembrar
e au alnla Intimamente que • I hora mercada por Deus para laz6-lo, estou
h"llame, em verdadeira lula, ponderando .. vos enviare' a"a I"rllo ou
O qutlmaral. _. Aconfectri o qua o Bom CeuI quiser. O Inlnelo tem lido
para mim uma grande graça •..
Por I.b dou gra;_ e D...., a enio que ludo o qUI Ele tu .."
bam".

- 334-
o SEGREDO DE FÁTIMA 41
Aos 31 de outubro de 1942. ou seja, pouco depois de
publicada a mensagem de Fãtima, o S. Padre Pio Xll, fazendo
eco aos dizeres da mesma, consagrou O rnlUldo ao Coracão
Imaculado de Maria. Note·se que não consagrou apenas a
Rússia, mas o mundo inteiro .. . - o que se deve ao desejo
de náo provocar-duras reações da parte do Governo soviético;
os Padres Moresco e Fonseca, como se julga. terão cootri-
buldo para que Pio xn proferisse um ato de consagração do
mundo inteiro, com discreta menção da Rússia soviética.
Aos 7 de julho de 1952, Pio xn quis consagrar o povo
russo ao Coração Imaculado de Maria. Aos 21 de novembro
de 1964, Paulo VI renovou a consagração do mundo ao COra-
ção Imaculado de Maria ... Aos 13 de outubro de 1956, em
nome do Papa Pio XII, o Cardeal Eugênia Tisserant benzeu
em Fátima o Centro Internacional do .. Exército Azul,., socie-
dade que se encarregava de levar a devocão mariana ao
mundo inteiro. Estes e outros fatos mostram que a Igreja,
embora não se tenha pronunciado solenemente sobre a auten·
ticldade da mensagem de Fátima. não deixou de levar em con·
slderação os fatos aí ocorridos em 1917.

3. A terceira pane do segredo


A terceira parte do segredo, devendo ficar lacrada até
1960. nãc foi revelada naquele ano. .. Isto deu ocasião a que
nwnerosas conjeturas fossem propostas pela imprensa para
interpretar o csegredo:t; as previsões derivadas déSle eram
escabrosas e trágicas, baseadas na fantasia e no gosto do
sensacional.
À vista disto. no ano cinqüentenário das aparIções, ou
seja, 80S 11/ 02/ 1967, o Cardeal Ottavlani. Pr6~Prefeito da
S. COngregacão da Doutrina da Fé, proferiu um discurso elucl·
dativo sobre o assunto, em que propunha quanto segue:
Expôs o histórico do segredo: Lúcia escreveu em portu-
guês o que Maria SS. lhe confiara para o Papa; tal mensagem
não devia ser aberta antes de 1960. porque, dizia Lúcia, tudo
então apareceria crnais claro:p,
Os d~res de Lúcia foram colocados num envelope e entre·
gues ao Sr. Bispo de Lelrla; este o fez chegar ao Sr. Núncio
Apostólico em Portugal, D. Fernando Cento, que, por sua vez,

-335 -
48 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS~ 258/ 1981

o transmitiu à Congregação para 8 Doutrina da Fé em Roma.


Por fim, o envelope tollevado às mãos do S. Padre Joãe XXIII,
que o abriu, leu a mensagem, e afinnou que a entendera bem,
embora escrita em português. A seguir, o Papa encerrou o
documento em outra sobrecarta, lacrou·a e deposi tou·a nwn
arquivo do Vaticano sem lhe dar publicidade até o fim do seu
pontificado I. Aliâs, nenhum dos Papas seguintes quis dizer
algo a respeito. - A esta altura, o conferencista fez uma
quase revelação do segredo de Fátima, observando;

_Todas as indiscriÇ'ÕCS que circulam, são inte-iramente fal-


sas ~ .Difundiram a idéia de que a «mensagem secreta_ con·
tinha visões apocalipttcas e funestas previsões para o futuro
do mWldo.
o Cardeal Ottavianl quis, antes, inspirar paz e confiança
aos seus cuvintcs:
"Mullo se falou de uma relaçl o enlre o segredo de FátIma e ti leul-
\leI e angusllanle situação da Igreja em \lastas regiões do mundo, onde
o Inferno de$encadcou 11 aua c61era conlra tudo o que ê sagrado a
divIno . .. Nessas regl6&s o perseguidor, me. mo com as I.vas da diplo-
macia a com a linguagem melosa da paz, lenta e stender sobre o mundo
Intelto o domfnlo que ele I' exarce sobre lerrlt6rlos lmellSos a"lnalados
por ctulU, catalalsos a prls6e$ a ,antlllcados por lanlos mirtlres ' .

Mas a conllança que a mfJnaagem de F'tlma inspira, .. . nos lu


enlre'lOr, num sareno abandono iI Providência, 0$ primeiros e nobulosos
Indlclos (que lIe manifestam nos anos posteriores a 1960) da uml Mura
CCltlStruçao do mundo na p81 e no reino d. Crlslo. Se, como quaremos
crer, as noticias que nos '16m alo verldlcas e exalas. os coraç6es se
abrem 1 esperança. Parece que a Virgem, neste clnqüantan6rlo doo acon-
tecImentos de F'llrn., nos dirige um con\llte iI confiança",

Na opinião de comentadores, o Cardeal Ottaviani neste


discurso quis aludir ao clecllnlo do atelsmo nos próprios palses
ocupadOs pelo comunismo. O Cardeal Franz Koenig, presi.
dente do Secretariado da Igreja para os Não Crentes, decla·
rou, no cometo mesmo de 1967, que multos pa1ses comunistas
estavam passando por uma «crise do ateísmo_, uma «crise da
fé atéia_; essa crise do ateísmo só fez acentuar-se de 1967 aos
nossos dJas, pois é notório, por exemplo, que na Rússia sovlé·
1 Vê1e, POlI, que ê loletmenle fal$a 11. noticie da que o Pape, lO rer
° conteCldo da tlrcalra parte do .lIgrado, se ..n!lu mal e clllu para 'r's.
1 Estas palavr.. aludiam. Rússta sovl6ttca I ao leu l istam I lIIoa6-
f1co-pollllco al.u e matllrlallsta; • s8gunda guerra mundial deu oculto
a que o comuntsmo .. Implantasse em v,rtos t8"116rlo$ do lflte europeu.

-336-
o SEGREOO DE FÁTlMA '9
tica se registra um surto de mIstlca e de senso religioso que
se opõem ao materialismo ateu do Estado soviético.
As observações do Cardeal Ottaviani pennltem crer que
o «segredo de Fátlma;p, longe de ser sinistro ou trágico, se
refere à crise do ateJsmo, perceptlvel em 1937 através de cindi·
cios nebulosos». Esta interpretação explica por que Lúcia afir·
mou que a mensagem seri.a «mais clara» em 1960; explica
outrossim a discrição dos Papas a propOslto; o assunto era
delicado demais para ser objeto de comentários públicos.
Julga·se, porém, que o segredo de Fátima continha ainda
algo mais. Com efeito, o Cardeal Ottavianl acrescentou no
fim da sua conferência:
"Há outros , ln.l, manifestos que nos Incitam .. conllança. Os e,for·
ços do Pepa em prol da paz em certos setor" I' "lo alo totalmente vios,
como eram outros·'.

Estas palavras parecem aludir às relações entre a Igreja


e os povos não cristãos, prevendo entendimento mútuo.

Tais noticias mostram quanto infundadas são as interpre.


tações sinistras do segredo de Fátima. A imprensa tem expIo.
rado a temãUca em senUdo sensacionalista. Temos em vista
especialmente as revistas ilustradas que, após o atentado con·
tra o Papa João Paulo n, se referiram a uma cRelação DiplO-
mática da Terceira Mensagem de Nossa. Senhora de Fátima;"
relação da qual teria sido porta·voz cDom Alois Ruchs,
e.x.vigário-geral da arquidlocese de Vitória (ES) >> ; as noticias
de tais periódicos a ta) propósito carecem de todo fundamento
histórico e se derivam exclusivamente da imaginação. ~ opor-
tuno que o público saiba discemir as suas fontes de inlonna·
ção e seja notificado por fontes limpas a respeito dos pronun-
ciamentos <lflclais ou oficiosos da S, Igreja concernentes aos
assuntos da própria Igreja e da té.
Passemos agora a uma reflexão final.

4, O segredo e a critica objetiva


Hist<lriadores e teólogos de renome têm-se- debruçado
sobre as ocotTénclas de Fltima e sua mensagem secreta. Entre
outros, citamos o Pe. Eduardo Dhanls S.J., ex·Reltor da Uni·

-337 -
00 cPERGUNTE E RESPONDEREMOS. 258/1981

versldade Gregoriana de Roma, Mons. Charll!S Joumet, Car-


deal da S. Igreja jã falecido, OUo Karrer, teólogo suiço, Ro-
bert Rouquette, cronista religioso da revista Etudt.s de Paris,
lI. Marechal O .P., teólogo e psicólogo I. Tais estudiosos levan-
tam as st!gUintes ponderações:
1) Lúcia nada escreveu como menina. Sã veio a fazé·lo
cerca de vinte anos depois das aparições (a partir de 1936).
~ licito, pois, perguntar: o .que a Religiosa propõe como men-
sagem de Fátima é realmente e exclusivamente comunicação
da V'U'gem S5. aos homens ou haver! nessas revelações uma
parte proveniente do fervor e da mente piedosa da própria
Lúc:::la? - A pergunta é especialmente justificada peJo fato de
que, quando Lucia escreveu suas revelnções, a Europa se
achava em condições de prê-guerra imediata ou mesmo de
segunda guerra mundial (esta oomeçou em 1939 e o 25. ani-
versArio de Fátima ocorreu em 1942). As circunstâncias histó-
ricas nas quais Lúcia escreveu, poderão ter.lhe inspirado algu-
mas expressões e fonnulaçâes que a piedosa Innã terá mes-
clado com as comunicações recebidas da Virgem Maria. Eis
como a propósito se manifesta QUo Karrer:
"NIo •• pode afastar a Impresslo de que 0$ acontecimentos contem-
portneos que r8S$oavarn nl Europa, Inlluencleram de certo modo a mente
da pled058 IrmA; Inconscientemente ta rA ela mesclado idéias próprias com
• meftUgem celas1e; assim um cerne de revelaçlle5 particulares, sob o
Impacto das terrlvel, noticia, da 6poca em que L6ela escrevia, tar-8fl..a
desenvolvido numa mansagem prof611ca que trIZ algo d.,
concapçOes
próprias da RaUgl0$8" (O. Karrer, artigo cllado na blbllogreOa. p. 396).

Também observa o Pe. R. Rouquette a propósito:


"Escritas em vi rias ett.pas cerca de vinte fi cinco anos apÓll os
acontecimentos, \\ dlllcll dIstinguir lIal r.hm6riaa de Lúcia o que 1\ orl·
glnArlo e o que' cOllStruolo e das.envolvlmento posteriorea. Os ramosos
Hgtedoa da F'tlma parecem provir de co,..tt\lçlo posterior m.als do qUI
de revalaçlo particular. AI pro'tc:laa alribulda, a lOclo. .10 assaz. l U&-
peUu • puaaram por elaboraç/les ,ucesalvu: asalm Ulcla teria pred1to
o fim da prImeIra guen& mundial para 13 de outubro de 1917; terfa
predito a cons.agraçlo da Rt)ssla, apena, ao Coraçlo lmacu.lado dI
Maria _ o que fel realizado mBdlanta a conugr~ do mundo Intolro:
ela t.ria previsto que a R6sela se convert.rla ante. do Om da gll8rra. -
Nada dllto no. habilita a p6r em dllvlda a alncerfdade e a ..ntldada pu·
10&1 de l6e1a. hoje carmallta, cujo comportAmento perfeitamente normal
e ..dlo H dl,tancla da neurose de Mellnla J • Nada dlelo Ilgnlflca quo
seja n8eflUirlo reJllter globalmente como febu'OiIO InGOnaclenle toda a
mensagem d. LOcla. mas ImpGe-t.e um d lacemlm ento crlllco. que nlo

I V.r a blbllogralla indicada no fim del le a11lgo.


J Vidente de La 5alello.

-338-
o SEGREDO DE FÁTIMA 51

ae'" "cll. Podemos perfel1amente crer na realidade da simples mensagem


do penlt6ncle trensmlUda pela Virgem' pureza clndlda de crIanças, man-
aagem que lembra a dos proletas ~ lanlel, me nsagem de que a nossa
eocledade de consumo neclsslta cada \Iê1 mais, e. ao mesmo tempo,
ficar rellcent.. diante da. forme, sUCt$SIV8' que lei mensagem tomou"
(R. Rouque"e, no anlgo citado na bIbliografia, p. 83).

Neste texto, o Pc. Rouquette chama a atenção para im.


precisões ou- desace-rtos das profecias proferidas por Lúcia;
às que Rouquette menciona, poder. se-ia acrescentar mais uma:
Lúda previu O Inicio da segunda guerra mundial para o pon-
tificado de Pio XI, quando esta sã estourou sob o governo do
Papa Pio Xll.

2) As reminiscências de Lúcia a respeito de aparições


de anjos datadas de 1915, e 1916 (Lúcia tinha então 8/9 anos)
também merecem reparo, a saber: não é teologicamente cor-
reta a fórmula que o nnjo teria ensinado à vidente:
"55. Trindade, Pai, Filho e Espirlto Santo, eu vos adoro profunda-
men\e a Vos olereço os multo p~closos Corpo, Sangue, Alma e Dlvlnd• •
de Nosso Senhor Jesus CrIsto ... "

A SS. Trindade não se pode oferecel" a Divindade de Cristo.


que é a segunda pessoa mesma da SS. Trindade.
3) As revelações particulares não se impõem à fé dos
cristãos. A Igreja apenas examina se são dignas de crédito e
eventualmente as declara tais. Mesmo no caso de Fátima, onde
Paulo VI esteve em peregrinação no ano de 1967, o Sumo Pon-
tlflce não se pronunciou sobre segredos ou revelações; men-
cionou tão somente o clnqüentenário das aparições e exortou
os fiéis 'li devoção para com Maria 5S. e à oração em prol
da pa2, ..• pa2 para a Igreja (que acabava de sair do Con-
ciUo) e para o mundo.
As revelações parUculares - que podem ocorrer e, como
se crê, de fato ocorreram em mais de um caso na hlstór1a da
Igreja - nada acre&eelltam à revelação divina que se encerrou
com Jesus Cristo e a era apostólica. Geralmente tais revela·
QÕeS, se gelllÚnas, têm a f1na1Jdade de despertar os homens
para uma renovação da piedade e da penitência; assim as reve·
lacôes a S. Hildegardis contribuIram para erguer o nive1 mo·
ral de mUitos fiéis na sua época (1108-1179); as revelações a
S. Jullana de Llége (j l.256) fomentaram o culto à S. Euca-
rlstia; as aparições a S. Margarida Maria A1aooque (t 1690)

-339 -
52 cPERGUNTE E RESPONDEREMOS. 258/ 1981

incrementaram decisivamente a devocão ao S. Coração de Je-


SUSj as aparlçães a S. Bernadete Soublrous em Lourdes inten-
slfica.ram a piedade mariana no século passado ... 1; certo,
porém, que nenhuma revelação particular pode acrescentar
alguma cllOva verdade. ao depósito da fé.
4) Os autores maJs credenciados não negam, em abso·
luto, as apariç6es de Nossa senhora aos pastorez.inhos, nem
negam tenha a Virgem 55. transmitido a sua mensagem aos
videntes. O caráter transcendental dos acontecimentos de
Fãtlma ê deixado incólume. Apenas o que a critica sadin
observa, é que nâo se podem considerar os escritos de Lúcia
como sendo simplesmente e eco das comunicações de Nossa
Senhora ã menina de dez anos; há indicies ponderáveis de Que
a Innã Lúcia, ao falar de acontecimentos históricos (guerra,
paz, conversão da Rlissla ... ), t~nha inconscientemente mesA
clado o seu modo pessoal de ver à mensagem de Maria SS.
Estas ponderações ete bons autores em nada diminuem o
valor da intervenção de Nossa Senhora em F átima. É certo
que a Virgem SS. pediu aos homens oração e penitência. Ora
incontestavelmente tal apelo é oportuno e construtivo em alto
grau; que os cristãos lhe dêem a máxima atenção e tacam
um ato de confiança absoiuta na Providência Divina, sem se
preocupar com acontecimentos dos quais não hã certeza!
BlbllogrllAa :
DHANIS, E.. aq de VerlChlJnJnvtn en ,",t gehelm .al) Fatima. Bru.-
xelas 1145.
IDEM, A pl'OJ)OS d, 'Fallma a' la ctlllqua', em Howelle Revvt 'fhto.
IogJqye .. &4, t. 7., fi" 6, Junho IS52. pp. 511O-W6.
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L KARRM, O., PrlYllIoHenbarung und FaUma, em : Schwe'zer Rund.
lChaIa, 41 Jhg., oktober 1947. H. 1, pp. 481.... \17.
MARECHAL L H., tMmodal dei ."""'110It8 de la Vlerue danl
l'l!gthe. Parta 1957.
PR 4/1958, pp_ 169-174.
PR 83/1887, pp. 398-408.
REHAUlT, a., F....... esperança do mundo. Padl 1957,

- 340-
Uma série de livros que p6em

fenômenos mediúnicos em foco

Em alntele: o CLAP acaba de publicar sete fascrcu los que abor-


dam, em eslllo pastoral e "di. os ' en6menos esplrltas. mostrando que
estes nlo se devem ao além, mas tio somenta a latores pslQulcos a pa-
rapsicológico. das pessoas em ca\l$a. Tal coleç1o sera üm ao grande
publico. As pAginas subseQÜentes ellplanam. a partir dos mencionados
fasclculos. alguns dos fe:'l6me!los ai analisados: as "c.sas mal assom-
bradas", a cc topleernll ou "maleflallzaç80 de esplrltos desencarnados",

., .
a dupla personalidade, a hlperestesla Indireta do pensamento, o hor6scopo.

Comentário: O CLAP (Centro Latino·americano de P a-


rapsicologia), sediado no Estado de São Paulo e dirigido pelo
Pe. Oscar Qucvedo 8. J., acaba de publicar sete fascículos que
constituem a coleção «Espiritismo, ParapsIcologia e Evange·
Iização_; o seu autor é o Pe. Sandro SChiattavella, missIonário
do PontlJicio Instituto das Missões Estrangeiras (PIME). Este
sacerdote, que por muitos anos trabalhou como educador,
vem-se dedicando à Parapsicologia pastoral, porque vê nisto
uma forma de evangelização do nosso povo.

Os fascículos têm a média de 10 pp. e as dimensões de


135 X 207mm, abordando respectivamente os temas: «Meu
horóscopo dá certo!» (1), cUm lugar abençoado» (TI), cO espio
rito baixou_ (m), «Assombração» (IV). c:Um espírito me
tocou~ (v), . Reencarnação o que é? (VI), «Os profe.
tas- (VD). São publicações da Editora Loyola, Caixa POSo
t.1 42.335, 01000, São Paulo (SP).

A redaçáo de tais opúsculos foi concebida em vista de


uma ação pastoral entre pessoas simples. Cada fasclculo apre-
senta geralmente um fato da vida, a explicação do fato e 8
Uwnlnação blblico-catequétJca respectiva; seguem-se mensagem
espiritual, pontos Significativos, QuestionArio para reflexão de
grupos e, por fim, alguns anexos, que abordam de maneira
mais sistemática os fenômenos espirituais (como são a psico.
grafia, a ectoplasmia, o mesmerismo, etc.). Esses opUsculos
têm valor pastoral e merecem destaque; fica ao CLAP e ao

- 341-
54 , PERGUNTE E RESPONDEREMOS. 25811981

Pe. Schiattarella () mérito de os haver estruturado e publieado.


Como se compreende, o fato de que se destinem ao grande
publico contribui para que, num ou noutro tópico. a exPQSi.
ção seja um pouco sumária (ê o que aconteçe, por exemplo,
quando o fasclculo I aborda a astrologia e o Rosacrucianismo,
Quando o ()púsculo II trata da cabala e da teosofja .. . l . Ape-
sar deste traço, cremos Que a série será muito útil e benéfica
ao grande público.
A guisa de ilustração, vamos, nas páginas subseqüentes,
deter-nos sobre alguns dos pontos mais Importantes focaliza-
dos pela coleção.

1. Casas mal assombradas

Tema do fascicu10 IV (cAssombracão ») .

Este fenômeno, que consiste em misterioso transporte de


móveis, quebra de lâmpadas, queda de quadros . . . ê dos que
mais provocam a perplexidade dos espectadores; estes são facil-
mente levados a crer que Um espírito mau infesta a casa,
transfonnando-a em recinto de pavor insuportável.

ora um estudo sereno de tais fenômenos evidencia que o.


eassombração» se deve não ao além, mas ao aquém. Isto é, a
uma pe8908 jovem (multas vezes, do sexo feminino) que traz
em seu intimo um conflito psíqulco. Este confilto interior.
em não poucos casos, se traduz em conflito exterior, ou seja,
em choques fislcos que a tingem móveis, quadros, lãmpadas . . • ;
a desordem exterior, tísica. visivel que assim se origina na
casa ema! .assombrada. , não é senão a imagem da dcsorddem
que existe no intimo do paciente. Os golpes fisicos na casa
sâo OIlusados diretamente pela chamada telergia da pessoa
canfUtada. Sim; vcrlfieo.-se que certas pessoas emitem uma
energia dirigida pelo seu inconsciente,. . . energia que agride
o ambiente no qual elas se acham; tal energia se chama cteler.
gia:t' (tele = longe; ergon = trabalho, em grego). A telergla
realiza aportes, ou seja, o transporte de certos objetos através
de muros ou outros objetos sólidos. Mediante a te1ergla, uma
pessoa multo dotada, do ponto de vista parapsicol6gico, pode
efetuar o transporte (aporte) de objetos situados num raio de
SOm ao re<lor. A telergia pode também produzir panoadas
- fenômeno este que se chama tiptologia. Mais ainda: conforme

-342 -
FENOMENOS MEDIúNICOS 55

muitos estudiosos, a telergia pode-se transronnar em energia


lumInosa (é o caso dos insetos chamados pirilampos ou vaga·
.lumes), em energia elétrIca (como no peixe eram, ), em ener-
gia térmIca, mecânica, etc.

Verifica-se que, retirando·se da casa ema] assombrada_


a determinada pessoa. que sofra de conflitos psioológicos, dei-
xam de oco~r as eassombrações. e o ambiente volta à paz.
Por conseguinte, torna·se desnecessária ou mesmo ilusória a
explicação do fenômeno mediante espiritos do além.

Passemos a considerar mais detidamente a tI~lergla e o


aporte.

1 . 1. T.lergla

A telergia já era conhecida pelos estudiosos de séculos


atrás. O médico austrlaco Dr. Friedrich Anton Messmer (1733.-
1815) a chamava emagnetismo animal.; Ca2zamali, eantro-
pof)wn: o Prof. Blondot. raios N . .. A fundamentação cien- .
títica da teoria da telergia é a seguinte: -'...
,,"'.::':
Os estudiosos hoje em dia afirmam que as noss.QS atiVi-
dades musculares e nervosas, assim como as idéias e as emo-
ções, são acompanhadas por atividades elétricas; há mais de
trinta anos, diz-se que o organismo humano produz correntes
elétricas. Ora peja Fisica sabe·se que toda corrente elétrica
produz um campo magnético. 1: lógico julgar que, numa pes-
soa nonnal, esse magnetismo seja normalmente imperceptlvel,
mas que, em ~do de transe, certas pessoas dotadas do ponto
de vista parapsicológico manifestam esse magnetismo e a cor.
respondente telergia. Em 1947, o paciente (dotado parapsico-
logicamente) Angelo Achl1le foI estudado pela Socletà ltali ...
cU Metapsichlca sob a direção do Dr. Maurogordato; compro·
vou-se então, por meio de um elétrodo posto em cada mão do
paciente com um medIdor, que Angelo AchWe, ao reallzar
fenômenos parapsicológicos, manifestava um potencial elétrico
de 200 mUivolts, ao passo que este nas pessoas normais osclla
entre vinte e quarenta. Ao contrário, experiênclas realiza-
das com a mão de um cadáver não deram efeito algum de
ordem telergétlca. Alguns estudiosos admitem. que se poderia
fazer a psicanálise do sujeito que emite telergia e produz os
respectivos aportes (locomoção de corpos) : &Im, juJ.ga.m que
-343-
56 . PERGU1\'TE E RESPONDEREMOS:. 258/1981

tais fenômenos podem significar o desejo de chamar a aten·


ção, o de vingança, o de comunicar uma notícia desagradável,
ou um perigo eminente; podem também exprimir carência afe·
tiva, inveja, etc.

1 .2 . O a pol1e

o fenômeno do aporte pode suscitar serIas questões aos


observadores, pois consiste no transporte de coI'(xls sólidos
através de paredes, o que implica na interpenetração de corpos.
O problema assim levantado parece resolver-se à luz da~
conclusões da Fisica moderna. Com efeito, a Fislea atômica
afirma não existirem corpos totalmente opacos - o que sig-
nifica que a matéria não é toda compacta nem impenneável.
Observa-se, aliás, que as ondas do rádio e da televisão, tanto
em preto e branco como em cores, atravessam as paredes,
embora sejam ondas físicas.
Eis uma tentativa de explicação do (enômeno do aporte:
1) Trata-se de um fenõmeno físico, pois Supõe um corpo
dimensional posto em movimento 00 espaço e no tempo e
através de obstáculos físicos.
2) A extensão dos corpos visíveis é devida à velocidade
do movimento circulatório das particulas que os constituem
(em funcão de três variáveis: massa. energia e vetor veloci-
dade) •

3) Pela maior ou menor velocidade das suas partículas


OS objeüvos são mais ou menos extensos e nos dão a ilusão
da wntlnuldade.

4) Na sua realidade profunda, porém, os corpos são


como redes de partículas microscópicas (massa.energia).

5) A massa ê mínima em relação à energia e à veloci-


dade.
6) Ora todo corpo é penneâvel a qualquer fonna de ener-
gia e velocidade superiores à sua. Por exemplo, no magne-
tismo a energia que se desprende do campo eletromagnético
atravessa qualquer campo porque tem a velocidade da. luz

- 344-
FENOMENOS MEDluNICOS 57

(300 .000 km/ s), que ê superior à velocidade molecu1ar ..... .


(27 ,000 km/s) dos corpos atravessados.
Ademais , deve-se notar:
7) A massa dos corpos ~m movimento varia. com a velo-
cidade, segundo a tcoria da relatividade de Einstein.
8) Também está. demonstrado por experiência de Jabo-
ratôrio que a massa se pode l ransfonnar em energia.
9} Se a veloc idade de um objeto supera a velocidade
molecular, entã-o esse -objeto se desintegra porque vence a fo rça
de atração das particulas que O constituem.
Na base destes princípios, podem.se Cormular três hipó-
teses para explicar como uma pessoa parapsicologicamente
dotada pode exercer o fenômeno do aporte:
a) O sujeito dotado Imprime ao Objeto do aporte veloci-
dade superior à das partículas que constituem determinadA.
ãrea do obstáculo; em conseqüência, o objeto atravessa tal
Ares do obstáculo.
b) O sujeito transfonna a massa do objeto em energia:
tal energia atravessa então qualquer obstãculo.
c} O sujeito exerce o Influxo cm detennJnadn área do
obstáculo, diminuindo ou neutralizando (durante um décimo
de segundo) a velocidade molecular; essa m a do objeto fica-
ria praUcamente sem massa ou permeãvcl.
Qualquer destas hipóteses deixa duvidas ao estudioso.
Pergunta-se além do mais: como é que o homem conseguI-"
emitir a telcrgia? Como é que a tclergla consegue imprimir
e neutralizar a velocidade?
As perguntas resultam do próprio Cato de que um corpo
sólido atravessa outro sólido. Elas persistem mesmo para
quem admita a irrisória e absurda hipOtese de que um espí.
rito do além mova os corpos conflitantes nas casas emal
assombradas».
Vê-se, a novo titulo, quão profunda é a realidade do ser
humano . •. Possam OS estudos subseqüentes penetrar um
pouco mais dentro desse mistério a fim de explicar as suas
manifestações mais raras e surpreendentes!
-345 -
58 cPERGUNTE E RESPONDEREMOS ~ 258/1981

2. Edoplasrnia
O tema é estudado nq fascículo V: . Um espirlto me tocou••
Acontece que certas pessoas, em sessão espírita, dizem
ter visto a imagem de um defunto (gcralmente parente), Que
aparece aos vivos. Dão-se por consolados porque ctomam
consciência. de que o defunto ainda vive e acompanha os
seus entes queridos sobre a terra.
Ora na verdade não há aparições corporais de espiritos
desencarnados. . Uma consideração serena e clenUnca do
fenômeno leva a dizer que se trata do fenômeno subjetivo da
ectoplasmia.
EctoplasrnJa compõe-se dos vocábulos gregos ekt6s = fora,
e plasma. = objeto modelado ou formado. Ora acontcce que
certas pessoas, parapslcologicamentc dotadas, emitem uma
massa mais ou menos Infanne, gelatinosa. esbranquiçada ...
Essa massa pode tomar a fonna de um rosto, de wn busto, de
uma mão, de acordo com a idéia que o sujeito tenha em fiua
mente e queira projetar.
O fenômeno de emitir um ectoplasma chama-se ed:oplas--
mia. Quando esse ectoplasma toma a fonna correspondente à
imagem mental concebida pelo sujeito, chama-se ideoplalôma
(o fenômeno correspondente é a ldeoplastia); trata-se de uma
Idéia. configurada ou materializada.
O ectoplasma vem a ser uma modalidade de energia (teler-
gia) condensada. Ê capaz de se adaptar aos desejos do incons-
ciente ou do consciente do sujeito, tomando a configuração
que lhe queira dar. Ê como que uma prolongação do corpo
ou da sensibllfdade da pessoa em questão. Uma vez projetado,
o ectoplasma é reabsorvido pelo corpo do sujeito que o e~itill.
Quando o ectoplasma toma a forma de um membro de
pessoa 00 de animal, é dito cectocoloplama:t; koron. no caso,
significa «membro ••
A ectoplasmla pode produzir um fantasma (imagem da-
tada de cabeça, tronco, bracos e pernas). Neste caso, toma
o nome de fantasmogênese.
O fundamento cientifico da ectoplasmia é o fato, com-
provado pela FWca moderna de Elnste1n. Plank. Ostwatd e
outros, Ile que praticamente não há fronteiras entre a energm
material e e. matéria. Hoje em dia os fislcos afinnam que
toda matéria libera energlaj reconhecem outrossim que a

-346-
FENO).1ENOS MEDIÚNICOS 59

energia material tem peso, massa e estrutura, isto é, está


sujeita às leis da gravidade, opõe resistência ao movimento e
possui fonna que ocupa lugar.
Assegura o Prof. Flournoy: . As lembranças latentes no
inconsciente do médium ou as elucubracÕeS de sua imaginação
tomam corpo, literalmente, no exterior, fazendo-se visíveis P.
fotografâvels, modelando, de acordo com 8 imagem, esta mis·
t eriosa substância que expele do seu organismo».
Assim se compreende Que não há aparições de espiritos
materializados, mas tão somente projeções de energia por
parte de pessoas dotadas ou médiuns.

3. Dupla personolidade
Ver fascículo m: "O esplrito baixou».
Hã quem pareça ter duas personalidades: uma consciente.
oficial, que todos reconhecem; e outra inconsciente, oculta, que
de vez em quando vem à baila; tem-se entã(l a impressão de
que o sujeito tol «incorporada» por um espirito do além, o qua1
fala, escreve e gesticula por 1ntennédio do seu . cavalo» ou
do médium.
Tal fenômeno também tem sua explicação clentifica, dis.
pensando qualquer recurso ao além. Com efeito, o cé~bro
humano consta de aproxImadamente 70 bilhões de células:
destas apenas 10% são uti1izadas por um individuo normal;
dáo fundamento ao que se chama «O consciente_; os 60 bilhões
de células restantes correspondem ao inconsciente; neste são
guardadas todas as impressões, Imagens e sensações adquiri-
das desde a infância do sujeito; principalmente o que nós
reprimimos ou abominamos fica no nosso incOnsciente. Ora
basta que a pessoa entre em estado de sugestão ou de hipnose
para perder o controle que exerce habitualmente sobre I) seu
inconsciente; afloram então ao consciente impressões latentes
no incon.9Ciente que, combinadas entre si, podem çonstituir
como que uma nova personalIdade do suJeito_ O fato de que
este geralmente não reconhece a sua realidade inconsciente
como sendo sua, leva-o a crer que estâ possuido por um ser
estranho, proveniente do além. Se o SUjeito acredita que «um
espírito baixa nele» e esse sujeito se entrega voluntariamente
a tal sugestão, concorre para «fabricar. e consolidar a perso-
nalidade própria do seu inconsciente.

- 347-
60 ePERGlTh.'1'E E RESPONDEREMOS) 258/1981

Essa segunda personalidade pode corresponder a tr.u:os


do temperamento do sujeito (traços de egotsmo, ltbertinismo.
materia1lsmo . .. ), como também pode fOrnllU-se de tratos
tomados de empréstimo a outras pessoas: chá quem em sonho
veja tun personagem que tem o rosto de João, o modo de ves-
tir de André, o comportamento de Luciano, mas conversa
como Luís e gesticula como Pcdro:t (m, p. 36). Principa]-
mente as pessoas que sofrem de frustrações profundas. ten
dem 8 «sonhar acordadas) ou t(!ndem a projetar e viver ilu-
soriamente os traços do ideal que não conseguiram realizar.
São dad as, sem o saber, .a fantasias autocompcnsadoras, mor·
mente se se entregam a experiências que debili tam o controle
da mente, corno são a hipnose, o transe, o a lcoolismo, o uso de
drogas ou, ainda, se caem em esgotamento nervoso. A irrup-
ção dc> inconsciente. em tais casos, pode ser tão veemente
que se traduz em descnhc>s, escritas automâtlcas, discUl'SO'i
dlficcls ou em lIngua estrangeira. . . A segunda personali.
dade, que se manifesto de maneIra tão estranha. nada apre·
senta que não prorrompa do intimo do própno sujeito; até
mesmo o falar línguas estrangeiras se explica comO repro·
dução de llnguagem (japonesa, ãrabe .. . ) ouvida pelo paciente
como criança ou em tempos remotos e guardada no Incons.
ciente até o momento critico do transe.
Quem cultiva a sua segunda personalida de, pode tornar-se
vítima deste exerciclo. Terà um .ecu . realmente dissociado: os
amigos, parentes e interesses de uma .epersonalidade:. serão
totalmente estranhos li. outra cpersonaUdade».
Via de regra (há. sem dúvida, exceções), a personalldade
habitual ou prime ira é tímida, complexada, «boazinha». _.; a
outra personalidade é diametralmente oposta: extrovertida,
desavergonhada, descontrolada sexualmente, pervena e 8grec;
alva. Isto se explica pelo fato de que uma das causas mais
freqüentes da divLsão da personalidade são as repressões, os
escrúpulos e as falsas conceituações a que é sujeito o paciente
em sua adolescência. O inconsciente tende a se vlng8r de tais
recalques desde que sejam exagerados ou não fundamentados.
Quando os amigc>s referem li. personalidade primeira 89
atitudes e palavras da personalidade segunda, aquela geral.
mente se sente humllh8da e, por vezes, repele violentamente
a imagem da seg\Ulda. :Vlce·versa, quando se refere à segunda
o comportamento habitual da primeira, reage com Insultos.
despre20, Ironia e superioridade megalomaníacas.

- 348-
FENOMENOS MEDIONICOS 61

Algumas pessoas trocam de personalidade definitiva-


mente; outras têm duas ou mais personalidades que se suce·
dem a Jntervalos ora mais, ora menos longos. Estas outras
personalidades tanto podem ser relativamente bem definida$
e equilibradas, como podem mostrar-se delirantes. totalmente
fora da realidade, postas em frangalhos incompativeis entre
si - o que redunda em estado de loucura.
Observa a propósito o Pc. Quevedo:
" Como mullas vezes se tem comprovado. os ambie ntes ... de demo-
nologia. de ocultismo ... de doentio misticismo, prollrorando em multldlo
de seitas como luga da vida reai, os ambientes de espiritismo e menta-
lidade m:t.olea, tio arraigados ftspec lalmenle no Brasil, aio Imensas fAbri-
cas de loucos trsbalhando ao rUmo mAximo do produçAo" (p. 38).
Mais: verifica-se que, na proporção em que o espiritismo
cresce no Brasil, aumenta o número de casos psicopatológicos
em nossa pátria. O espiritismo ou suscita a perturbação ner·
vosa (~)()s motivos indicados) ou a agrava (Quando a pre·
tende curar). O médium ou o curandeiro só leva em conta
os sintomas ou os efeitos da moléstia, sem atinar com as cau·
sas, que ele ignora ou que ele interpreta supersticiosamente_
Em conseqüência, ele contribui para agravar a divisão da per·
sonalidade, tornando-a cada vez menos susceUvel de cura.
Eis a verdade Que, em nome da ciência e da saúde pública,
deve ser dita a respeito das «incorporações. csplritas.

4. Hiperestasia indireta do pensamento (HIP)


Veja-se o fascículo m (cO esplrlto balxOUll),
Hã pessoas que adivinham o pensamento de outrem.
Tem-se então a impressão de que são Iluminadas por algum.
espírito do além .

A verdade é outra.
Estã averiguado por experiências múltiplas que dodo ato
psíquico produz um reflexo fisiológico e esse reflexo se irradia
por todo o corpo do sujeito e cada wna de suas partes»; tal
é a lei de Baln, a utor das resp~tivas experiências. Isto quer
dizer que, quando alguém pensa ou concebe idéias ou Quando
é afetado por algum sentimento, ocorrem na constituição lisles
ou corpórea desse sujeito movimentos e sinais muito tênues,
que uma pessoa sensivel é apta a captar; interpretando tais

-349 -
62 cPERGUNI'E E RESPONDEREMOS, 258/1981

sinais, tal pessoa poderá dizer as IdéIas ou os sentimentos


qUe o sujeito concebeu. Essa supersensibilidade é chamada
chJperestesla Indireta do pensamento, (HIP); ela pode ser
acentuada peJo delirlo ou pelo transe do cadivi nhador~ ; só se
exerce na presença fIslca da pessoa cujos pensamentos são
captados.
Em conseqüência deste fenômeno, pode acontecer que
alguém responda a uma pergunta latente no intimo de outra
pessoa, antes que esta abra a boca para tormular o seu que-
sito. A rupercstcsla indireta do pensamento é facilitada no
easo de peSsoas que tenham diutUl'll8 convivência entre si.
Refcre-se mesmo a seguinte ocorrência de HIP. Imagi-
nemos que a1guém esconda determlnado objeto numa sala .
.Essa pessoa depois se coloca dentro de uma caixa de papelão,
de modo qUe apenas OS pés apareçam. Ora há csensitivos»
dotados de tal capacidade de percepção que conseguem encOn-
trar o objeto escondido somente pelo fato de observarem aten-
tamente os movimentos involuntãrios e minlmos dos pés dei-
xados de fora.
Estas observações evidenciam que a adivinhação do pen-
samento alheio nada tem do que a sua etimologia sugere: ela
não se taz a divinls, ou seja, a partir de alguma inspiraCáo
divina, mas ocorre tão somente por efeito das faculdades psi-
quicas e parapsicológicas de uma pessoa mais prendada.

5. Hor6....po
Fascicu10 I (.Meu horóscopo dá certo!»).
Quem estuda, distingue astronomia e DStrologia( donde se
deriva o horóscopo). A primeira é ciêncIa baseada na obser_
vação dos astros mediante telescópiOS e aparelhagem moderna.
A segunda não é ciência, mas um conjunto de crendices sub-
jetivas baseadas sobre a COnfiguração geocêntrica de Ptolo-
meu, segundo a qual a Terra seria o centro do nosso sistema
solar; em torno dela estariam sete cplanetas~:
O Sol, a Lua, Júpiter e :Vênus (planetas benéficos) i
Saturno, Mercúrio e Marte (planetas maléficos).
Dos planetas alguns seriam. quentes, outros trios; alguns
secos, outros úmidos; alguns masculinos, outros femininos;
cada qual exerceria sobre os homens uma detenninada influên-
cia flslca, fisJológlca ou mesmo pslcológtoa. Além disto, a

-350 -
FENOMENOS MEDIúNICOS 63

astrologia admite o zodíaco, ou seja, uma faixa ou um anel


que cerque a TeITa ; essa faixa estende·se 8-,5 acima e ~.5
abaixo da ecliptica (circulo que wrrespond~ à órbita aparente
do sol em tomQ da Terra). Na faixa do zodíaco, movem·se
o sol, a Lua, os planetas maiores e grande parte dos menores,
corúonne a astrologia.
Ora, como se vê, todas as premissas da astrologia estão
ultrapassadas: conta sete planetas apenas dispostos em torno
da Terra. Além disto, sabe·se que os astros existentes no cos-
mos são quase inumeráveis; conhecem·se interferências dos
mesmos no espaco e nos planetas que outrora se ignoravam.
Ê notório também () fato de que os astros modificam inces-
santemente a sua posição no espace. Por que então a astro-
logia leva em conta a in!1uência de uma constelacão apenas?
e por ser anticienWica (dada à fantasia exuberante e
primitiva) que a esttologla não encontra aceitação por parte
dos astrônomos ou dos homens de cIência. Estes, ao desro-
brlrem mais e mais a existência, a distância, a composição,
as transfonnaÇÕC5 e atividades dos planetas e das estrelas,
verificam que as afirmações dos astrólogos são desprop08ita.
das e arbitrárias.
Eis, porém, que a ciência moderna não pode deixar de
reconhecer o seguinte: o Sol, com suas erupções pujantes, a
Lua em suas diversas fases e, quiçá, outros astros ainda ...
podem, de certo modo. repercutir nos acontecimentos tísicos
do nosso planeta Terra (marés, pressões, depressões atmos-
féricas . . . ); podem também ter lntluência sobre o curso ou
o rlbno da vida na Terra e o psiquismo dos homens. Com
efeito, sabemos que as estações do ano (o inverno com a sua
friagem, () verão com o seu calor .. . ). o bom ou mau tempo
não deixam de se fazer sentir favorável ou desfavoravelmente
sobre a psicologia hwnana, alterando o estado nervoso dos
indivíduos e as suas disposições para o trabalho.
Todavia não se diga que tais influências extinguem, via
de regra, a liberdade de arbitrio do homem ou traçam de
antemão o roteiro da existência de alguém. Sob qualquer
clima, o homem fica sendo geralmente responsável por seus
atos e por suas opeões~ a educação em qualquer pais deve
tendêr a tomar o ser humano cada vez mais consciente da
sua liberdade e da sua responsabilidade.
Eis por que o horóscopo ná<) merece crédito.
&têvão Bettenoourt 0 .8 .8.

-351-
livros em estante
o Espfrlto do Amor, por Jean Galol, S. J. - Traduçlo da Lult Joi.o
Galo. Ed. Loyola. 510 Paulo 1981, 137 X 218 mm, 171 pp.
Numa 4ipoca em que multo (m •• nem sempre .<:erl~.mente) 81 fata
da açlo do &pIrita Santo na Igreja a dos carismas, vem multo a propó-
sito o estlJela de um grande mestra d, Univ8f$ldada Gregoriana (Roma)
que aborda a 160109111 rJo Esp(,jlo Santo. O aulor nlo considera as ques-
168$ históricas relativa. lO E'plrlto Santo., pertinentes ao plano acad'mlco
propriamente dllo. mas propee a fundamenlaçlo blbllca ti a .Iaboraçlo
teológica desles dados, como ocorrem nQS melhores .scolas cat6l1ca :
o Esplrllo Santo é, para os homens, o Dom Supremo do Pai li do Salva-
dor. é o Amor em peuoa, lIulor da noua sanliticaçlo, meeira da vida
Interior e alma do Corpo Místico de Crllto. Percebe-se que o PI. Galol
tem em vista especialmente 1 Iplicaçlo das proposlçOes te ol6gicas li vida
espiritual dos leitores. Nlo considera explicitamente o chamado "Movi-
mento C3rismiltlco" de nossos dias. mas olerece aos fl61 s da Renovaçlo
Carlsmállta lodos os elementos doutrinais nacé$sários • uma genulna
...lv6ncll cristA, dlsl1nlos das eventuais flcçOftl de Imeglnaçilo desorientada.
O livro se presta nlo somente ao esludo acadêmico, mas também A
lellura .splritual e li medlJaçio.
InlcllÇlo li Ieltu'. di Bibll~ por Dom Amaury Castanho. V.lença
1980. 145 li: 2tO mm, ISO pp.
Este livro olerece uma sérIe de Quarenta e sele IIC&es sobre OI di-
versos escritos blblleos, redigidas em ••1110 simples p8r. O grande pllbllcOi
aio, anu, o eco de um curso de S. Escritura por corrupondêncla que
o alual Sr. Bispo de Valença elaborou par. os fiéis de Sorocaba ($p)
quando Ir.bllhava naquela diocese. Merecem e5pec/.1 118nçlo, pela fir-
meza de lua doutrina, o capitulo aobre o primeIro pecado (pp. 28-30)
bem como o.s que se relerem à origem do mundo e do homem (PP. 16-27).
- A obra é clara, sucinta e úIIll. No IIn.1 apresenta um questlOl'lárlo (qua
contribui pat. que o IClltor repasse a matéria), além de um 0lclon4rlo
BIbJico. O livro merece ampla OIlu!llo.
exen:lcfo ~ li crI,lh di paternidade I'elpCJflÁvel Plusej ....nlO
famlllu, por Ma,la José Torres. - Ed. Loyola, Slo Paulo 1981, HOx218mm,
122 pp.
Ella lIvro é pUblicado oportunamente, quando no Braall se dlscut. o
planejamento familiar e se apregoam m'lodOI conlrtrioa .. natureza e 11.
dignidade do ser humano. Madre Meria JOSlI Torres, Religiosa Dorol61a, é
formada em medlcln. a altamanle capacitada para discorrer sobre o p~
blema. TOfIlOU-&e. no Brull. a apóstata do planejamento familiar (que cer-
tamenle A necessário) execulado segundo o ""'todo Bllltng•• que 6 o
mais recante e preciso doa métodos nalurals; este reçUI'I!IO nlo prejudica a
..Clda da mulher nem acarrela despesas, como oa anllconcepclonals pre-
Judicam. O livro foi esc,lto para a dlvulgaç&o; acompanha uma 16rla de
145 allda que elucidam cabalmente o H.unlo, apresenlando a anatomia
"'umana. OI métodOl artificiais de controle da natalidade e 08 m"odOl
natuntl., entre 0$ qual, sobresset o d'e 81111"'gl. O livro pode aer usado
Independentemente dOSllldel, pois traz da ..nhoe e grAncOI que os . uprem.
Também' de nol8r, fIO final da obra, uma relaçlo de endereços Citeis a
(Continua na pág. 319)

- 352
ECI ÇOES LUMEN CHRISTI
Rua Dom Gerardo, 40 · 5~ andar - sala 501
caix. Postal 2666· Tel.: (0211291 ·7122
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Testamento e 22 do Novo Testamento.
Edição bilingue (latim-Português) e só em português, par i uso llOS mostei ros
beneditinos. O textO latino l da novlssima vulgat' 125.04. 1979), aprovada por
Joio Paulo 11 . Os 150 salmos em tradução ofieial d. CNBB. ilp!"OVllda pela Co·
missão Epi$CO~' de EXIme e Aprovaçk) dos Textos Litúrgicos (CEEATlI. Os
75 Cânticos b(blicos lio tr.aduzidos por Dom Marcos Barbosa, Pau U$O cor.1 ou
individual, tipos bem leg(veis. incluldos (em itálico) OS verslculos e salmos impre-
Clt6riosl.

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Santo Padre pronunciadas por aClsião de Suas viagens apostólicas.

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A DOUTRINA DA TRINDADE ETERNA, D. Cirilo FolcMGomes OS8


A obra compreende 3 partes. Na 1li estuda a problem6dca moderna quanto i
Trindade imanente, sendo examinados numerosos lutores católicos e protestan·
tes. Na 21 parte innitui um exame da doutrina em tua fonte blblica, na doeu·
mentaçio dos Padres e do Magbt6rio, bem como OI teologia cI~ssica. Na ~parte
discute a conveniência do uso, hoje em dia, da expressão "trés Pessoas". Ampla
bibliografia antiga e moderna.
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Otrelos das Horas.
NOVIDADE!

COMENTÁRIO AO CREDO
DO POVO DE DEUS

,
2!l- Edição Revista e Ampliada

\;
PARA SEMINARIOS,
, CURSOS TEOLOGICOS
E ESTUDIOSOS
DA DOUTRINA CRISTÃ

"Seu objetivo foi certamente atingido : uma iniciação teológica acessf-


vel aos leigos, apta para introduzi·los a uma atividade teológica" (Y.
Congar, "Bullet in de Théologie", na Rv. des Sciences Philosophiques
el Théologiqu .. 59, 1975, p. 4651 .

"O presente comenúrio do Pe. Folch não é certamente o primeiro que


se faz ao 'Credo do Povo de Deus'. mas cabe dizer que é um dos mais
completos e extensos Que conhecemos. t , na verdade, mais que um co-
mentArio no sentido técnico, é um tratado teolbgico sobre a fé e os di-
versos artigos da mesma, feito com notável competência e calcado so-
bre os grandes doutores e teólogos católicos, desde Santo Tomás a
Kar1 Rahner" 10. Rodrlguez. nas " Ephemerides Carmeliticae" 27 ,
1976, p. 5421.
"Estamos ionge, em toda a obra de teorias que se apresentassem como
certezaS mas que não fossem mais que frágeis hipóteses" (I. B. Gillon,
no " Angelicum", 54, 1977, p. 5781 .

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