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Sócrates: Coragem, Filosofia Aplicada ao

Dia a Dia E o Poder da Educação

Eu sou um camarada ignorante. Eu sei nada. É por isso que eu faço tantas perguntas

Sócrates é uma das figuras mais fascinantes que tive o prazer de estudar. Como o pai da
filosofia, ele é mais desconhecido do que deveria entre os não-filósofos, que podem tirar
muitas lições de sua vida.
Há uma excelente biografia, Sócrates – Um Homem do Nosso Tempo, por Paul
Jonhson, que recomendei há alguns meses para nossa

lista.

Paul tem um estilo bem agradável de pintar a biografia dos personagens, passando ao
leitor uma sensação da personalidade histórica inteira, ao invés de apenas transmitir
fatos sobre a vida dela. Até parece que, depois de ler, adquiri uma cópia de Sócrates que
agora mora em minha cabeça, me ajudando a tomar decisões.

Associamos filosofia com vãs discussões acadêmicas sobre o significados de coisas


óbvias. Exatamente o contrário do que Sócrates vem a representar para o mundo: o uso
da filosofia como auxílio na busca uma vida melhor.

Como disse Sêneca, um dos maiores ícones quando falamos de aplicação da filosofia à
melhoria de vida:

Devo te dizer o que a filosofia oferece à humanidade? Conselho. Uma pessoa está
encarando a morte, outra é aborrecida pela pobreza, enquanto outra é atormentada
pela riqueza… Todos os homens estão esticando as mãos deles para você de todas as
direções. Vidas que foram arruinadas, vidas que estão a caminho da ruína estão
apelando por alguma ajuda. É para você que eles se viram em busca de esperança e
assistência.
O amor pelo ideal representado por Atenas

Antes de mais nada, você não pode entender Sócrates sem conhecer seu amor por
Atenas. Ele amava a cidade e acreditava viver no melhor lugar do mundo.

É até compreensível, já que sua vida começa em um dos períodos mais prósperos da
cidade de Atenas, com a explosão de riquezas que veio depois da expulsão dos persas,
com a formação da liga de Delos.
Ele deve ter crescido em meio a uma cidade viva, vibrante, movimentada com o
comércio e viajantes de todos os lugares do mundo, reuniões e curiosas discussões na
Assembleia… o lugar ideal para uma mente como a dele.

Um filósofo tão tenaz quanto um soldado

Isso leva algo que, para nosso conhecimento atual, é inesperado de um filósofo: ele era
um soldado. E, Johnson coloca, “como um cidadão de Atenas, que ele amava, Sócrates
acreditava ser seu dever lutar as batalhas dela, em sua patente mediana, como um
hoplita.”

Ele lutou várias batalhas ao longo de sua vida. Mesmo ao 46 anos, praticamente um
ancião para os padrões antigos, mostrou muita coragem e resistência em Potidaea,
protegendo seu amigo ferido Alcibíades (que mais tarde relatou o ocorrido).

A crítica comum feita aos atenienses (especialmente pelos espartanos), de serem


afeminados e frágeis, de forma alguma se aplicava a Sócrates. Durante sua vida, ele
mostrou bastante indiferença ao bem estar físico.

Ele decidiu cedo na vida que seria um professor ou, como ele teria colocado, um
‘examinador’ de homens e que tal seria sua ocupação e não profissão: ele não
aceitaria pagamento algum. Por isso um de seus objetivos era reduzir as necessidades
a um mínimo absoluto. Ele se deleitava no processo, deliberadamente nutrindo apetites
negativos. Observou o mostruário das lojas na Assembleia e disse ‘quantas coisas eu
consigo viver sem!’

O método Socrático

Vivia pela cidade de Atenas caminhando, conversando, questionando, tentando dar a luz
ao conhecimento na mente de cada pessoa com quem ele falava. Com uma dose leve de
ironia em muitas perguntas, ele fazia as pessoas se sentirem a vontade ao redor dele:

Ele se dava bem com pessoas de todos os tipos e classes, das mais baixas às mais altas.
Fazia piadas. Sorria. Nunca ficava bravo. Era cortês. Ele fazia as pessoas a quem
questionava se sentirem importantes e ele parecia achar as respostas delas valiosas.

Foi dessa prática que surgiu o método Socrático, pelo qual é conhecido. Não se trata de
responder perguntas com perguntas para irritar o interlocutor (como já vi bastante gente
mal aplicando o método): as perguntas eram direcionadas, bem pensadas, levando as
pessoas a examinarem o que acreditavam e refinarem suas visões de mundo.

O poder da educação

Afinal de contas, ele se via como um professor,


… interessado em pessoas, em vez de ideias, e bastante ansioso para descobrir como as
pessoas pensam e se elas podem ser encorajadas a pensar de modo mais claro e útil.

Quando se tratava da natureza humana, possuía uma visão otimista inabalável.


Acreditava no poder do conhecimento para gerar virtude e buscava instigar isso nos
outros.

Acreditava que a maioria das pessoas desejava agir bem e que malfeitos eram
usualmente o resultado da ignorância ou de ensinamentos falsos. Uma vez que uma
pessoa soubesse a verdade, o instinto dela seria fazer o que é certo. Assim,
conhecimento conduzia diretamente à virtude, aos olhos de Sócrates. Isso destacava a
importância da educação, especialmente o tipo revelado pela técnica de examinação
dele, que foi criada para mostrar ao indivíduo que ele possuía bem menos
conhecimento que pensava, de modo a encorajá-lo a adquirir mais.

O conhecimento muda as pessoas. Torna as mentes mais difíceis de serem manipuladas


e mais independentes.

O perigo de um povo bem informado

Imagine o impacto que alguém como Sócrates teve numa sociedade onde os cidadãos
decidiam por consenso em votações na praça central da cidade?

De um ponto de vista histórico, mesmo se você não soubesse o final desse conto, daria
para prever. O poder não poderia deixar as coisas desse jeito. Sócrates era um perigo
para a sociedade em que vivia:

Uma coisa era ter a Assembleia influenciada por retórica. Permissões podiam ser feitas
para isso. Mas se cada cidadão pensasse por si mesmo, fosse ensinado a desconfiar da
sabedoria recebida e mesmo a rejeitar a noção de uma resposta correta para os
problemas, então chegar ao consenso, especialmente o consenso correto, provaria ser
difícil, se não impossível.

Além disso, o cenário se voltou contra ele de um modo meio cruel.

A ironia do acaso
Depois da prosperidade pós-expulsão dos Persas, quando Atenas assumiu o comando da
liga de Delos, a guerra com Esparta, da Liga do Peloponeso, foi inevitável.

Quando Esparta invadiu Atenas, algumas pessoas que podiam ser conectadas a
Sócrates (alguns ex-pupilos e colegas), aliaram-se com os Espartanos e implantaram um
regime ditatorial de terror na cidade.

Eles fizeram uma lista dos “inimigos” do regime e mataram todos, mais de 1500
atenienses mortos (algo similar ao Terror Jacobino implantado por Robespierre durante
a Revolução Francesa).

Quando a maré virou (e a história atesta que ela sempre vira), Atenas reestabeleceu a
democracia e Sócrates ficou numa posição frágil. As famílias estavam sedentas por
vingança, muitas perderam pais e filhos durante o período de terror.

Que Sócrates tenha se oposto bravamente ao sistema, tenha se negado a seguir ordens
mesmo quando foi chamado a depor, isso não contou na cabeça do povo. Eles estavam
sedentos por vingança e ressentiam a figura de Sócrates, que falava sobre virtude, sobre
não se vingar, diante de um terror desses.

Isso, junto a outros fatores pontuais, levou a uma das mortes mais tristes da história.

A lição suprema da vida de Sócrates, ao que me parece, é que fazer o que é justo de
acordo com seu melhor conhecimento dá a você um grau de coragem que nenhum valor
de berço ou treinado poderia comparar.

O resumo do trabalho de Sócrates por Cícero, famoso orador romano: “Ele foi o
primeiro a chamar a filosofia do céu aqui para baixo e estabelecê-la nas cidades, e trazê-
la para as casas e forçá-la a investigar a vida dos homens e mulheres, a conduta ética, o
bem e o mal”.

O maior crime intelectual da história

Sócrates não escreveu livros; ele expressava o que acreditava com seu próprio estilo de
vida. O que sabemos hoje a seu respeito vem do que seus pupilos, Platão e Xenofonte,
escreveram, assim como algumas peças da época.

Como qualquer figura da história clássica, seu estudo é difícil pela falta de material
confiável a seu respeito. Ainda não se havia estabelecido a história como um relato
impessoal de eventos, então muito do que é relatado vem de segunda mão e é colorido
pelos autores.

Nessa linha, entra o crime de Platão contra seu antigo mestre. Ao longo da vida, Platão
usa os relatos que ele criou da vida de Sócrates (os famosos Diálogos) para propagar as
próprias ideias, transmitindo o que ele pensava na voz de Sócrates.
Platão achou que espalhar as ideias dele era muito mais importante do que preservar
Sócrates como um ser humano íntegro e histórico. […] um dos mais inescrupulosos
atos intelectuais da história.

Um homem bom, que viveu o que queria ensinar

Por uma existência brava, pela qual expressava suas crenças e fazia uso da filosofia para
melhorar a vida dos companheiros humanos, Sócrates é reverenciado como uma das
figuras mais importantes da história ocidental.

… um homem bom, para quem a jornada pela virtude não foi uma ideia abstrata mas
um negócio prático da vida diária. Ele teve que ser bravo ao encarar escolhas e viver
com as consequências. Filosofia, em última instância, foi uma forma de heroísmo e
aqueles que a praticavam precisavam ter a coragem de sacrificar tudo, incluindo a vida
em si mesmo, ao perseguir excelência de mente. Isso é o que próprio Sócrates fez. E é
por isso que nós honramos ele e o saudamos como a personificação da filosofia.

Paulo Ribeiro

Autor, empreendedor, amante do aprendizado e um estrategista moderno. Escreve sobre


estratégias para viver uma vida melhor e mais significativa.

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