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Regulação do Equilíbrio Ácido-Básico

Quando falamos em regulação do equilíbrio ácido-básico, Por fim, é preciso compreender a relação existente entre uma "base"
referimo-nos, na verdade, à regulação da concentração do íon-hi- e um "álcali". Um álcali é a combinação de um dos metais alcalinos
drogênio nos líquidos corporais. A concentração do íon — sódio, potássio etc. — com um íon altamente básico, como o
hidrogênio em diferentes soluções pode variar desde menos 10-14 fonhidroxila (OH- ). As porções básicas dessas moléculas reagem
Eq/1 até mais de 10º, o que significa uma variação total de mais vigorosamente com os íons hidrogênio para removê-los das soluções e,
por conseguinte, são bases típicas. Como os álcalis são bem conhecidos,
de um quatrilhão de vezes. Numa base logarítmica, a o termo álcali é quase sempre utilizado como sinônimo para o termo
concentração de íon hidrogênio no organismo humano situa-se base. E, por razões semelhantes, o termo "alcalose" é empregado para
aproximadamente a meia distância entre esses dois extremos. referir-se ao oposto da "acidose", isto é, a remoção excessiva de íons
Bastam ligeiras alterações da concentração do íon hidrogênio hidrogênio da solução, em contraste com o acréscimo excessivo de íons
em relação ao seu valor normal para ocasionar alterações hidrogênio (acidose).
pronunciadas na velocidade das reações químicas nas células, Ácidos e bases fortes e fracos. Um ácido forte é aquele que possui
sendo algumas deprimidas, enquanto outras são aceleradas. Por tendência muito forte a dissociar-se em íons e, portanto, a liberar seu
essa razão, a regulação da concentração de íon-hidrogênio íon hidrogênio na solução. Um exemplo típico é o ácido clorídrico.
constitui um dos aspectos mais importantes da homeostasia. Por outro lado, os ácidos que liberam íons hidrogênio com menor
Mais tarde, neste capítulo, serão considerados os efeitos das intensidade são denominados ácidos fracos. Como exemplos,
destacam-se o ácido carbônico e o fosfato ácido de sódio. Uma base
altas concentrações de íons hidrogênio (acidose) ou de suas forte é aquela que reage intensamente com íons hidrogênio, removendo-
baixas concentrações (alcalose) sobre o organismo. Em geral, os com extrema avidez da solução. Um exemplo típico é o íon
quando uma pessoa fica acidótica, ela tem probabilidade de hidroxila (OH"). Uma base fraca típica é o íon bicarbonato (HCO3),
morrer em estado de coma; quando se torna alcalótica, pode devido à sua ligação muito fraca a íons hidrogênio.
morrer de tetania ou de convulsões. A maioria dos ácidos e das bases envolvidos na regulação normal
do equilíbrio ácido-básico do organismo consiste em ácidos e bases fracos,
Ácidos e bases — definições e significados dos quais os mais importantes são o ácido carbônico e a base bicarbonato.
O ácido é definido como a molécula ou íon passível de atuar como Concentração de íons hidrogênio e pH dos líquidos corporais
doador de próíons. A base é definida como a molécula ou íon que
normais, bem como na acidose e na alcalose. A concentração
pode funcionar como aceptor de prótons. Se lembrarmos que um próton
é, na verdade, um íon hidrogênio, podemos enunciar essas definições dos íons hidrogênio no líquido extracelular é normalmente regu-
como se segue. lada no valor constante de cerca de 4 x 10-8 Eq/1; este valor
O ácido é a molécula ou íon capaz de contribuir com um íon pode variar desde apenas 1 x 10-8 até 1,6 x 10-7 sem causar
hidrogênio para a solução. Assim, o HCÍ ioniza-se na água, formando morte.
íons hidrogênio e íons cloreto; por conseguinte, esse ácido é Com base nesses valores, torna-se evidente que a expressão
denominado ácido hidroclórico, ou clorídrico. De forma semelhante, o da concentração de íons hidrogênio em termos de sua
H2CO3 se ioniza na água para formar H+ ou HCO3 contribuindo concentração real é um procedimento incomodo. Por isso, o
também com íons hidrogênio para a solução; esse ácido é conhecido símbolo pH passou a ser utilizado para expressar a
como ácido carbônico. Outros ácidos importantes do organismo são o concentração; o pH está relacionado à concentração real de
ácido acético, o fosfato ácido de sódio, o ácido úrico, o ácido
acetoacético etc.
íons hidrogênio pela seguinte fórmula (quando a concentração
A base é a molécula ou íon que irá se combinar com íons hidrogênio de H+ é expressa em equivalentes por litro):
para removê-los da solução. Por exemplo, o íon bicarbonato, HCO 3
é uma base, visto poder combinar-se com íons hidrogênio para formar 1
H2CO3. De forma semelhante, HPO4 é uma base, visto que pode combi-
nar-se com íons hidrogênio para formar H 2PO4 As proteínas do pH - log
organismo também funcionam como bases, uma vez que certos
aminoácidos nas moléculas protéicas atuam como íons negativos que se = -log cone. H+ (1)
ligam rapidamente a excesso de íons hidrogênio. De fato, a hemoglobina, conC. H+
nos eritrócitos, e as outras proteínas, nas demais células do
organismo, estão entre as bases mais importantes do corpo. Em geral, A partir desta equação, verifica-se que valor baixo do pH
certas moléculas, como o bicarbonato de sódio e o fosfato de sódio, corresponde à concentração elevada de íons hidrogênio; esta
também são denominadas bases. Entretanto, os íons negativos dessas situação é denominada acidose. Por outro lado, valor alto do
moléculas são realmente as bases verdadeiras, de acordo com a pH corresponde à concentração baixa de íons hidrogênio, sendo
definição mais utilizada do termo "base".
o processo denominado alcalose.
O pH normal do sangue arterial é de 7,4, enquanto o pH
do sangue venoso e dos líquidos intersticiais é de cerca de 7,35,
devido às quantidades adicionais de dióxido de carbono que na mesma solução. Em primeiro lugar, é preciso assinalar que
formam ácido carbônico nesses líquidos. o ácido carbônico é um ácido muito fraco, visto que seu grau
Como o pH normal do sangue arterial é de 7,4, considera-se de dissociação em íons hidrogênio e íons bicarbonato é pequeno
a presença de acidose na pessoa toda vez que o pH for inferior em comparação com o de diversos outros ácidos.
a esse valor; considera-se a presença de alcalose quando o valor Quando um ácido forte, como o ácido clorídrico, é
do pH for superior a 7,4. O limite inferior compatível com a acrescentando à solução tampão de bicarbonato, ocorre a
vida de uma pessoa durante algumas horas é de cerca de 6,8, seguinte reação:
enquanto o limite superior é de cerca de 8,0.
pH intracelular. Com base em medidas indiretas, verificou-se HCI + NaHCO3 -► H2CO3 + NaCL (2)
que o pH intracelular costuma variar entre 6,0 e 7,4 nas diferentes
células, talvez com media de 7,0. A intensidade rápida do metabo- Com base nesta equação, verifica-se que o ácido clorídrico forte
lismo nas células aumenta a velocidade de formação de ácido, é convertido em ácido carbônico muito fraco. Por conseguinte,
sobretudo de ácido carbônico (H2CO3) e, conseqüentemente, a adição de HCI reduz apenas ligeiramente o pH da solução.
reduz o pH. Além disso, o fluxo sanguíneo reduzido para Vejamos agora o que acontece quando uma base forte, como
qualquer tecido determina o acúmulo de ácido e a diminuição do o hidróxido de sódio, é acrescentada a uma solução tampão con-
pH. tendo ácido carbônico. Ocorre a seguinte reação:

DEFESA CONTRA ALTERAÇÕES NA NaOH + H2CO2 -> NaHCO3 + H2O (3)


CONCENTRAÇÃO DE ÍONS HIDROGÊNIO
Esta equação mostra que o íon hidroxila do hidróxico de sódio
Para impedir o desenvolvimento de acidose ou de alcalose, combina-se com o íon hidrogênio do ácido carbônico para formar
o organismo dispõe de diversos sistemas especiais de controle: água, enquanto o outro produto formado é bicarbonato de sódio.
(1) Todos os líquidos corporais possuem sistemas tampões ácido- O resultado final consiste na troca da base forte NaOH pela
básicos que imediatamente se combinam com qualquer ácido base fraca NaHCO3.
ou base, impedindo assim a ocorrência de mudanças excessivas
da concentração de íons-hidrogênio. (2) Se a concentração de Dinâmica quantitativa dos sistemas tampões
íons-hidrogênio sofrer alguma alteração detectável, o centro
respiratório é imediatamente estimulado para alterar a freqüência Dissociação do ácido carbônico. Todos os ácidos são ionizados em
respiratória. Em conseqüência, a velocidade de remoção do certo grau, e a percentagem de ionização é conhecida como grau de
dióxido de carbono dos líquidos corporais é automaticamente dissociação. A equação 4 ilustra a relação reversível entre o ácido
carbônico não-dissociado e os dois íons que ele forma, H+ e HCO3.
modificada; por razões que serão explicadas adiante, esse
processo permite a normalização da concentração de íons- H2CO3 H+ HCO3 (4)
hidrogênio. (3) Quando a concentração de íons-hidrogênio afasta-
se do normal, os rins excretam urina ácida ou alcalina, ajudando, Existe uma lei físico-química que se aplica à dissociação de todas
assim, a reajustar e a normalizar a concentração de íons hidrogênio as moléculas; quando aplicada especificamente ao ácido carbônico, ela
dos líquidos corporais. é expressa pela seguinte fórmula:
Os sistemas tampões podem atuar dentro de fração de segun-
do para impedir a ocorrência de alterações excessivas na H + x HCO3 (5)
concentração de íons-hidrogênio. Por outro lado, são
necessários 1 a 12 minutos para que o sistema respiratório
possa fazer ajustes agudos e outro dia ou mais para efetuar H2CO3
ajustes adicionais crônicos. Por fim, os rins, apesar de
constituírem o mais potente de todos os sistemas de regulação Esta fórmula estabelece que, em qualquer solução de ácido carbônico,
a concentração de íons hidrogênio multiplicada pela concentração de
ácido-básica, necessitam de muitas horas a vários dias para íons bicarbonato e dividida pela concentração das moléculas não-disso-
reajustar a concentração de íons hidrogênio. ciadas de ácido carbônico é igual a uma constante, K'.
Todavia, é quase impossível medir a concentração do ácido
FUNÇÃO DOS TAMPÕES ÁCIDO-BÁSICOS carbônico não-dissociado em solução, visto que ele também se dissocia
rapidamente em CO2 dissolvido e H2O, bem como em Hf e HCO,. Por
O tampão ácido-básico é a solução de dois ou mais compostos outro lado, a concentração de dióxido de carbono dissolvido é facilmente
medida; e, como a quantidade de ácido carbônico não-dissociado é
químicos que impede a ocorrência de alterações pronunciadas proporcional à de dióxido de carbono dissolvido, a equação 5 também
da concentração de íons-hidrogênio quando se acrescenta ácido pode ser expressa da seguinte maneira:
ou base à solução. Por exemplo, se forem adicionadas apenas
algumas gotas de ácido clorídrico concentrado a um recipiente (6)
com água pura, o pH da água poderá cair imediatamente de +
seu valor neutro de 7,0 para 1,0. Todavia, na presença de um H x HCO3 = K

sistema tampão satisfatório, o ácido clorídrico combina-se CO2


instantaneamente com o tampão, e o pH só diminui
A única diferença real entre as duas fórmulas acima é que a constante
ligeiramente. Talvez a melhor maneira de explicar a ação de um K é aproximadamente 1/400 vezes a constante K', visto que a relação
tampão ácido-básico seja considerar um verdadeiro sistema de proporcionalidade entre o ácido carbônico e o dióxido de carbono
tampão simples, como o tampão bicarbonato, que é de suma é de 1 paTa 400.
importância na regulação do equilíbrio ácido-básico do A fórmula 6 pode ser modificada na seguinte forma:
organismo.
H+ = K CO2
SISTEMA TAMPÃO BICARBONATO
HCO3
O sistema tampão bicarbonato típico consiste numa mistura
de ácido carbônico (H2CO3) e de bicarbonato de sódio (NaHCO3) Se tomarmos ologaritmo de cada termo da equação 7, obteremos a
seguinte fórmula:
CO2
logH + = logK + log HCO (H)
3
Os sinais de log H+ e log K são mudados de positivos para negativos,
e o dióxido de carbono e o bicarbonato são invertidos no último termo,
que é o mesmo que mudar seu sinal, resultando na seguinte fórmula:
HCO3
-log H + = -log K + log (9)
CO,

Conforme assinalado antes neste capítulo -log H + é igual ao pH da Fig. 30.1 "Curva de titulação" para o sistema tampão do bicar
solução. De forma semelhante, -log K é denominado pK do tampão.
Por conseguinte, esta fórmula ainda pode ser modificada para a seguinte:
HCO
pH = pK + log (10)
3
CO,

Equação de Henderson-Hasselbalch. Para o sistema tampão de bicar-


bonato, o pK é de 6,1, e a Equação 10 pode ser expressa da seguinte
maneira:
Ph = 6,1 + log HCO3 (11)
CO3
Esta é a chamada equação de bicarbonato. Observando mais de carbono dissolvido. Por possui pK de 6,8, valor que
Henderson-Hasselbalch, com a uma vez a Fig. 30.1, esse motivo, o sistema opera não se afasta muito do pH
qual se pode calcular o pH de uma verificamos que, no ponto em trecho de sua curva de normal de 7,4 nos líquidos
solução com razoável precisão, se central da curva, a adição de tamponamento onde a corporais. Isso permite ao
forem conhecidas as pequenas quantidades de ácido ou
concentrações molares de íons de base causa variação mínima do
capacidade de tamponamento é sistema fosfato operar próximo
bicarbonato e do dióxido de pH. Todavia, em direção a cada baixa. Em segundo lugar, as de sua capacidade máxima de
carbono dissolvido. Se a extremidade da curva, a adição de concentrações dos dois tamponamento. Todavia,
concentração de bicarbonato for uma pequena quantidade de ácido elementos do sistema bicarbo- apesar de o sistema tampão
igual à concentração do dióxido ou de base determina alteração nato, CO 2 e HCO 3, não são operar em faixa razoavelmente
de carbono dissolvido, o segundo acentuada do pH. Por conseguinte, grandes. boa da curva tampão, sua
membro da parte direita da a denominada capacidade de Contudo, apesar do fato concentração no líquido
equação passa a ser log de 1, que tamponamento do sistema tampão de o sistema tampão extracelular é de apenas 1/12
é igual a zero. Por conseguinte, é maior quando o pH é igual ao bicarbonato não ser daquela do tampão
para concentrações iguais, o pH pK, que está exatamente no centro especialmente potente, ele é bicarbonato. Por conseguinte,
da solução é igual ao pK. da curva. A capacidade de tampo-
A partir da equação de namento é ainda razoavelmente
realmente mais importante do sua capacidade de
Henderson-Hasselbalch, pode-se eficaz até que a proporção entre que todos os outros no tamponamento total no líquido
constatar facilmente que aumento os elementos do sistema tampão organismo, visto que a extracelular é bem menor que a
da concentração de íon atinja 8:1 ou 1:8; todavia, além concentração de cada um dos do sistema bicarbonato.
bicarbonato determina elevação desses limites, a capacidade de dois componentes do sistema Por outro lado, o tampão
dopH, ou, em outras palavras, tamponamento diminui bicarbonato pode ser fosfato é especialmente
desloca o equilíbrio ácido-básico rapidamente. Quando todo o regulada: o dióxido de importante nos líquidos
para o lado alcalino. Por outro dióxido de carbono foi convertido carbono, pelo sistema tubulares dos rins, por duas
lado, aumento da concentração de em íons bicarbonato, ou quando respiratório, e o íon razões: em primeiro lugar, o
dióxido de carbono dissolvido todos os íons bicarbonato foram bicarbonato, pelos rins. Como
diminui o pH ou desloca o convertidos em dióxido de fosfato fica geralmente muito
conseqüência, o pH do sangue concentrado nos túbulos,
equilíbrio ácido-básico para o lado carbono, o sistema não apresenta
ácido. mais qualquer capacidade de pode ser deslocado para cima aumentando sobremaneira a
Mais tarde, neste capítulo, tamponamento. ou para baixo pelos sistemas de capacidade de tamponamento
veremos que a concentração de O segundo fator que regulação respiratório e renal. do sistema fosfato. Em
dióxido de carbono dissolvido determina a capacidade de Sistema tampão fosfato. segundo lugar, o líquido
nos líquidos corporais pode ser tamponamento é a concentração O sistema tampão fosfato atua tubular geralmente é mais
modificada ao se aumentar ou dos dois elementos da solução de maneira quase idêntica à do ácido do que o líquido
diminuir a freqüência respiratória. tampão, CO2 e HCO3. bicarbonato; todavia, é extracelular, trazendo a
Dessa maneira, o sistema Obviamente, se as concentrações composto pelos dois seguintes
respiratório pode modificar o pH forem pequenas, a adição de faixa de operação do tampão
elementos: H2PO4 e HPO4. mais próximo ao pK do
dos líquidos corporais. Por outro apenas
lado, os rins são capazes de Quando se acrescenta ácido sistema.
aumentar ou diminuir a forte, como o ácido clorídrico, O tampão fosfato
concentração de íon bicarbonato à mistura dessas duas também é muito importante
nos líquidos corporais e, assim, substâncias, ocorre a seguinte nos líquidos intracelulares,
pequena quantidade de ácido ou de
aumentar ou diminuir o pH. Por base à solução irá modificar reação: visto que a concentração de
conseguinte, esses dois consideravelmente o pH. Por
mecanismos principais de conseguinte, a capacidade de HC1 + Na2HPO4 -» (12)
regulação da concentração de tamponamento de um tampão NaH2PO4 + NaCl fosfato nesses líquidos é
íons hidrogênio operam também é diretamente proporcional muitas vezes maior que a dos
principalmente ao alterar um dos às concentrações das substâncias O resultado final dessa reação líquidos extracelulares e,
dois elementos do sistema tampão do tampão. também, pelo fato de o pH do
de bicarbonato. consiste na remoção do ácido
A "curva de titulação" do clorídrico, com formação de líquido intracelular estar
sistema tampão do bicarbonato. A SISTEMAS TAMPÕES uma quantidade adicional de geralmente mais próximo ao
Fig. 30.1 mostra as alterações do DOS LÍQUIDOS NaH2PO4. Como o NaH2PO4 é pK do sistema tampão fosfato
pH dos líquidos corporais quando CORPORAIS apenas um ácido fraco, o ácido do que o pH do líquido
a relação entre o íon bicarbonato forte acrescentado é extracelular.
e o dióxido de carbono se imediatamente substituído por Sistema tampão de
modifica. Quando as Os três principais
um ácido muito fraco, de proteínas. O tampão mais
concentrações dos dois elementos sistemas tampões dos líquidos
corporais são o tampão
modo que o pH muda abundante do organismo é
do tampão são iguais, verificamos relativamente pouco. constituído pelas proteínas das
que o pH da solução é de 6,1, que bicarbonato, que foi descrito
é igual ao pK do sistema tampão acima, o tampão fosfato e o
Por outro lado, se for células e do plasma,
bicarbonato. Quando se acrescenta tampão de proteínas. Cada um
adicionada uma base forte, principalmente devido às suas
uma base ao tampão, grande deles exerce funções
como o hidróxido de sódio, concentrações muito altas.
proporção do dióxido de carbono importantes de tamponamento
ao sistema tampão, ocorrerá a Verifica-se pequena difusão
dissolvido é convertida em íons em diferentes condições.
seguinte reação: dos íons hidrogênio através da
bicarbonato, com a conseqüente
Sistema tampão
membrana celular; ainda mais
alteração da relação. Como importante é a capacidade do
resultado, o pH aumenta, bicarbonato. O sistema do
bicarbonato não é um tampão NaOH + NaH 2PO4 -»• dióxido de carbono de
conforme indicado pela difundir-se em poucos
muito potente por duas razões. Na2HPO4 + H2O
inclinação.da curva para adiante.
Por outro lado, quando se Em primeiro lugar, o pH nos segundos através das mem-
Neste caso, o hidróxido de branas celulares, enquanto os
acrescenta ácido, grande líquidos extracelulares é de sódio é decomposto para
proporção do íon bicarbonato é cerca de 7,4, enquanto o pK íons bicarbonato podem
convertida em dióxido de formar água e Na2HPO4. Isto sofrer certo grau de difusão
do sistema tampão é, uma base forte é trocada
carbono dissolvido, de modo bicarbonato é de 6,1. Isso (os íons hidrogênio e
que o pH cai, conforme ilustrado pela base muito fraca, bicarbonato necessitam de
significa que, no tampão Na2HPO, permitindo apenas
pela inclinação da curva para várias horas para entrar em
baixo. bicarbonato, a concentração ligeiro desvio do pH para o
dos íons bicarbonato é 20 equilíbrio na maioria das
Capacidade de lado alcalino. células, à exceção dos
tamponamento do sistema tampão vezes maior que a do dióxido O sistema tampão fosfato
eritrócitos). A difusão de íons dade, trabalham em conjunto, difusão para os alvéolos, para
hidrogênio e dos dois visto que o hidrogênio é comum ser, então, transferido à
componentes do sistema às reações químicas de todos os atmosfera pela ventilação
tampão bicarbonato determina sistemas. Por conseguinte, toda pulmonar. Todavia, são
alteração do pH dos líquidos vez que alguma condição produzir necessários vários minutos para
intracelulares aproximada- alterações na concentração de íons a passagem de dióxido de
hidrogênio, causará a alteração
mente na mesma proporção da simultânea no equilíbrio de todos carbono das células para a
alteração observada no pH dos os sistemas tampões. Esse atmosfera, de modo que, em
líquidos extracelulares. Por fenômeno, denominado princípio qualquer momento, os
conseguinte, todos os sistemas isoidrico, é representado pela líquidos extracelulares
tampões no interior das células seguinte fórmula: contém normalmente uma
também ajudam a tamponar os média de 1,2 mmol/1 de
líquidos extracelulares, embora H+ = K1 x HA1 = (14)
possam ser necessárias várias K2 x HA2 K3 x HA3 dióxido de carbono dissolvido.
horas. Esses sistemas incluem A Se a intensidade de
as quantidades muito grandes A2 formação metabólica do
de proteínas no interior das A3
dióxido de carbono aumentar,
células. De fato, estudos sua concentração nos líquidos
experimentais demonstraram extracelulares também irá
que cerca de três quartos de onde K1 K2 e K3 são as constantes aumentar. De modo inverso, a
toda a capacidade de tampo- de dissociação dos três ácidos redução do metabolismo
namento químico dos líquidos respectivos, HA1 HA2 e HA3
enquanto A1 A2 e A3 são as diminui a concentração de
corporais encontram-se no concentrações dos íons negativos dióxido de carbono.
interior das células, sendo a livres que constituem as bases Por outro lado, se a
maior parte proveniente das respectivas dos três sistemas ventilação pulmonar aumentar,
proteínas intracelulares. tampões. o dióxido de carbono será
Todavia, à exceção dos O aspecto importante desse eliminado dos pulmões,
eritrócitos, a lentidão de movi- princípio é que qualquer condição resultando em diminuição da
mento dos íons hidrogênio e capaz de modificar o equilíbrio quantidade de dióxido de
bicarbonato, através das de um dos sistemas tampões carbono nos líquidos extrace-
membranas celulares, quase também afeta o equilíbrio de lulares.
sempre retarda por várias todos os demais, visto que os
sistemas tampões, na realidade,
horas a capacidade dos íamponam um ao outro ao Efeito do aumento ou
tampões intracelulares de deslocar os íons hidrogênio de da diminuição da ventilação
tamponar as anormalidades um para outro. alveolar sobre o pH dos
ácido-básicas extracelulares.
líquidos extracelulares
O método pelo qual o
sistema tampão de proteínas REGULAÇÃO
atua é exatamente o mesmo Se admitirmos que a
RESPIRATÓRIA DO intensidade de formação
do sistema tampão de
bicarbonato. É preciso EQUILÍBRIO ÁCIDO- metabólica de dióxido de
lembrar que uma proteína ê carbono permanece
BÁSICO
constituída de aminoácidos constante, o único fator que
unidos por ligações peptídicas; irá afetar sua concentração nos
Na discussão da equação líquidos corporais é a
todavia, alguns dos de Henderson-Hasselbalch, foi
aminoácidos, em particular a ventilação alveolar, conforme
assinalado que a ocorrência de expresso pela seguinte
histidina, possuem radicais aumento da concentração de
ácidos livres que podem fórmula:
dióxido de carbono nos
dissociar-se para formar base líquidos corporais diminui o
mais H+. Além disso, o pK de (15)
pH para o lado ácido,
alguns desses sistemas tampões 1
enquanto a redução do CO2α
de aminoácidos não está muito dióxido de carbono eleva o
distante de 7,4. Isso também pH para o lado alcalino. É Ventil
ajuda a tornar o sistema com base neste efeito que o ação
tampão de proteínas o mais sistema respiratório é capaz alveol
potente dos tampões do de alterar o pH, aumentando- ar
organismo. o ou reduzindo-o.
Equilíbrio entre a Como o aumento do dióxido
O princípio isoidrico formação metabólica e a de carbono diminui o pH, as
expiração pulmonar de dióxido alterações da ventilação
Cada um dos sistemas alveolar determinam variações
tampões acima foi discutido como de carbono. O dióxido de
carbono é continuamente recíprocas da concentração de
se pudesse operar íons hidrogênicr.
individualmente nos líquidos formado no organismo pelos
diferentes processos A Fig. 30.2 ilustra a
corporais. Todavia, eles, na reali-
metabólicos intracelulares, variação aproximada do
sendo o carbono dos alimentos pH do sangue
oxidado pelo oxigênio para
formar dióxido de carbono.
Este, por sua vez, difunde-se
pelos líquidos intersticiais e
no sangue e é transportado até
os pulmões, onde sofre
Fig. 30.2 Alteração aproximada do pH do líquido extracelular causada Fig. 30.3 Efeito do pH sanguíneo sobre a freqüência de ventilação
por aumento ou diminuição da freqüência da ventilação alveolar. alveolar. (Construído a partir de dados obtidos por Gray: Pulmonary
Venti-lation and Its Regulaíion. Springfield, 111., Charles C Thomas.)
passível de ocorrer devido ao aumento ou à diminuição da venti-
lação pulmonar. Observe que o aumento da ventilação alveolar,
de duas vezes o valor normal, eleva em cerca de 0,23 o pH outro lado, se a concentração de íons hidrogênio cair para níveis
dos líquidos extracelulares. Isso significa que, se o pH dos líquidos muito baixos, o centro respiratório fica deprimido, e a ventilação
corporais é de 7,4 na presença de ventilação alveolar normal, alveolar também diminui, com elevação da concentração de íons
a duplicação da ventilação irá elevar o pH para 7,63. Por outro hidrogênio até a faixa normal.
lado, a diminuição da ventilação alveolar para um quarto de Eficiência do controle respiratório da concentração de íons
seu valor normal reduz o pH em 0,45. Isto é, se o pH é de hidrogênio. Infelizmente, o controle respiratório é incapaz de
7,4 com ventilação aíveolar normal, a redução da ventilação para fazer com que a concentração de íons hidrogênio retorne exata-
um quarto diminui o pH para 6,95. Como a ventilação alveolar mente ao valor normal de 7,4 quando alguma anormalidade exter-
pode ser reduzida a zero ou aumentada por cerca de 15 vezes na ao sistema respiratório altera o pH normal. A razão disso
o seu valor normal, pode-se facilmente entender até que ponto é que, à medida que o pH retorna a seu valor normal, o estímulo
o pH dos líquidos corporais pode ser modificado por alterações que causou o aumento ou a diminuição da respiração começa
na atividade do sistema respiratório. a dissipar-se. Em geral, o mecanismo respiratório para regular
a concentração de íons hidrogênio possui eficiência de controle
Efeito da concentração de íons hidrogênio sobre a situada entre 50 a 75% (ganho do feedback de 1 a 3). Isto é,
ventilação alveolar se a concentração de íons hidrogênio fosse subitamente diminuída
de 7,4 para 7,0 por algum fator estranho, o sistema respiratório
Não só a ventilação alveolar afeta a concentração de tons faria com que o pH retornasse, em 3 a 12 minutos, a um valor
hidrogênio dos líquidos corporais, como também a concentração de cerca de 7,2 a 7,3.
de íons hidrogênio afeta, por sua vez, a ventilação alveolar. Isso Capacidade de tamponamento do sistema respiratório.
resulta da ação direta dos íons hidrogênio sobre o centro Com efeito, a regulação respiratória do equilíbrio ácido-básico é
respiratório no bulbo que controla a respiração, o que será um tipo fisiológico de sistema tampão que possui quase a mesma
discutido com maiores detalhes no Cap. 41. importância dos sistemas tampões químicos do organismo consi-
A Fig. 30.3 ilustra as alterações da ventilação alveolar produ- derados antes neste capítulo. A "capacidade de tamponamento"
zidas pela variação do pH do sangue arterial de 7,0 para 7,6. global do sistema respiratório é uma a duas vezes maior que
Ao se analisar o gráfico, fica evidente que a redução do pH a de todos os tampões químicos combinados. Isso significa que,
de seu valor normal de 7,4 para o nível fortemente acídico de normalmente, uma a duas vezes mais ácido ou base podem ser
7,0 pode elevar a freqüência da ventilação alveolar por até 4 tamponados por esse mecanismo em relação aos tampões quí-
a 5 vezes o seu valor normal, enquanto o aumento do pH para micos.
a faixa alcalina pode diminuir a ventilação alveolar por apenas
fração do nível normal. CONTROLE RENAL DA CONCENTRAÇÃO DE
Controle por feedback da concentração de íons hidrogênio
pelo sistema respiratório. Devido à capacidade do centro respira- ÍONS HIDROGÊNIO
tório de responder à concentração de íons hidrogênio, e conside- Os rins controlam a concentração de íons hidrogênio do
rando-se o fato de que as variações na ventilação alveolar alteram, líquido extracelular ao excretarem urina ácida ou básica. A excre-
por sua vez, a concentração de íons hidrogênio dos líquidos corpo- ção de urina ácida reduz a quantidade de ácido nos líquidos
rais, o sistema respiratório atua como um controlador típico da extracelulares, enquanto a excreção de urina alcalina remove
concentração de íons hidrogênio por feedback. Isto é, toda vez a base dos líquidos extracelulares.
que a concentração de íons hidrogênio estiver elevada, o sistema Os meios pelos quais o organismo determina se a urina será
respiratório também fica mais ativo, e a ventilação alveolar au- ácida ou alcalina são os seguintes: grandes quantidades de íons
menta. Em conseqüência, a concentração de dióxido de carbono bicarbonato são filtradas continuamente no filtrado glomerular,
nos líquidos extracelulares diminui, com a conseqüente redução
da concentração de íons hidrogênio para seu valor normal. Por
removendo base do sangue. Por outro lado, grandes quantidades íon hidrogênio na direção oposta (a direção "contra") para o
de íons hidrogênio são secretadas ao mesmo tempo no lúmen lúmen tubular.
tubular pelo epitélio tubular, com conseqüente remoção do ácido. Transporte ativo primário de íons hidrogênio na porção ter-
Se a secreção de íons hidrogênio for maior que a filtração de minal dos segmentos tubulares. Começando na porção terminal
íons bicarbonato, haverá perda efetiva de ácido dos líquidos dos túbulos distais e prosseguindo por todo o resto do sistema
extracelulares. Por outro lado, se a filtração de bicarbonato for tubular até a pelve renal, os túbulos secretam íons hidrogênio
maior que a secreção de hidrogênio, haverá perda efetiva de por transporte ativo primário. As características desse transporte
base. As seções que se seguem descrevem os diferentes diferem muito do sistema de transporte ativo secundário nos
mecanismos renais que atuam nesses processos. segmentos tubulares iniciais. Em primeiro lugar, é normalmente
responsável por menos de 5% dos íons hidrogênio totais excre-
SECREÇÃO TUBULAR DE ÍONS HIDROGÊNIO tados. Por outro lado, é capaz de concentrar os íons hidrogênio
por até 900 vezes, em contraste com a concentração de apenas
As células epiteliais de todo sistema tubular, à exceção do 3 a 4 vezes obtida nos túbulos proximais e a concentração de
ramo grosso da alça de Henle, secretam íons hidrogênio para 10 a 15 vezes observada nos túbulos distais iniciais pelo meca-
o líquido tubular. Todavia, em diferentes segmentos tubulares, nismo de transporte secundário. A concentração de íons
existem dois mecanismos muito diferentes, cada qual com caracte- hidrogênio por até 900 vezes pode diminuir o pH do líquido
rísticas próprias e finalidades distintas. tubular em cerca de 4,5, o que representa, portanto, o limite
Transporte ativo secundário de tons hidrogênio nos segmentos inferior do pH passível de ser obtido na urina excretada.
tubulares iniciais. As células epiteliais do túbulo proximal. do O mecanismo do transporte ativo primário de íons
segmento grosso do ramo ascendente da alça de Henle e do hidrogênio está ilustrado na Fig. 30.5. Ocorre na membrana
túbulo distal secretam íons hidrogênio para o líquido tubular luminal da célula tubular, onde os íons hidrogênio são
por transporte ativo secundário. Esse mecanismo é ilustrado na transportados diretamente por proteína transportadora
Fig. 30.4. Quantidades enormes de íons hidrogênio são secretadas específica, a adenosina trifosfatase (ATPase) transportadora de
dessa maneira, atingindo vários milhares de miliequivalentes por hidrogênio. A energia necessária para bombear os íons
dia, porém nunca contra gradiente muito elevado de íons hidrogênio contra o gradiente de concentração de 900 vezes
hidrogênio, visto que o líquido tubular só se torna muito ácido provém da degradação do ATP em difosfato de adenosina
nos segmentos terminais do sistema tubular. (ADP).
A Fig. 30.4 mostra que o processo secretor começa com Os íons hidrogênio bombeados por este processo são gerados
o dióxido de carbono, que se difunde para o interior das células no interior da célula nas duas etapas seguintes: (1) o dióxido
ou que é formado pelo metabolismo das células epiteliais tubula- de carbono dissolvido combina-se com a água no interior da
res. O dióxido de carbono, sob influência da enzima anidrase célula, formando-se ácido carbônico (H2CO3); (2) a seguir, o
carbônica, combina-se com água para formar ácido carbônico. ácido carbônico se dissocia em íons bicarbonato (HCOj), que
A seguir, este se dissocia em íon bicarbonato e íon hidrogênio. são absorvidos pelo sangue, e em íons hidrogênio (H + ), que
Por fim, os íons hidrogênio são secretados no túbulo por um são secretados na urina.
mecanismo de contra-transporte de Na+-H+. Isto é, quando o Acredita-se que esse transporte ativo primário de íons
sódio se desloca do lúmen do túbulo para o interior da célula, hidrogênio seja uma função do tipo especial de célula
ele se combina inicialmente com uma proteína transportadora denominada célula intercalada. Essas células aparecem pela
na borda luminal da membrana celular, e, ao mesmo tempo, primeira vez na porção terminal dos túbulos distais e, a seguir,
um íon hidrogênio no interior da célula se combina com a extremi- estendem-se até o final do sistema de dutos coletores, atingindo
dade oposta da mesma proteína transportadora. A seguir, como seu número máximo — cerca de 10% das células epiteliais totais
a concentração de sódio é muito mais baixa dentro da célula — nos dutos coletores medulares externos. Essas células têm
do que no lúmen celular, isso determina o movimento de sódio aspecto escuro e, portanto, são quase sempre denominadas
ao longo de seu gradiente de concentração para o interior, propor- células escuras.
cionando ao mesmo tempo a energia necessária para mover o
Fig. 30.4 Reações químicas para (1) a secreção auva secunuaria de íons Fig. 30.5 Transporte ativo primário de íons hidrogênio através da mem-
hidrogênio pelo túbulo, (2) a reabsorção de íons sódio em troca dos
brana lurmnal da célula epitelial tubular. Observe que é absorvido um
íons hidrogênio secretados, e (3) a combinação de íons hidrogênio com
íons bicarbonato nos túbulos para formar dióxido de carbono e água. íon bicarbonato para cada íon hidrogênio secretado, enquanto um íon
cloreto é secretado passivamente com o íon hidrogênio.
Regulação da secreção de íons hidrogênio pela túbulos para ser excretado na urina. A razão disso é que, em
concentração de ions hidrogênio nos líquidos condições normais, os processos metabólicos de uma pessoa for-
extracelulares mam continuamente uma pequena quantidade de ácido em exces-
so (cerca de 60 mEq/dia), originando ligeiro excesso de íons
A intensidade da secreção de íons hidrogênio nos túbulos hidrogênio nos túbulos em relação aos íons bicarbonato.
modifica-se acentuadamente em resposta a alterações apenas li- Em raras ocasiões, os íons bicarbonato estão em excesso,
geiras na concentração de íons hidrogênio no líquido extracelular. como veremos em discussões subseqüentes. Quando isso ocorre,
Por conseguinte, quando a concentração de íons hidrogênio está o processo de titulação mais uma vez não é completo; nesse
elevada (pH de menos 7,4), a secreção de íons hidrogênio pode caso, permanece um excesso de íons bicarbonato (componente
aumentar por várias vezes. Por outro lado, com pH extracelular básico) nos túbulos, que, em seguida, passa para a urina.
acima de 7,4, a secreção de íons hidrogênio também diminui. Por conseguinte, o mecanismo básico pelo qual os rins corri-
O controle dessas alterações é efetuado da seguinte maneira: gem a acidose ou a alcalose consiste na titulação incompleta
Na acidose, a proporção entre o dióxido de carbono e os dos íons hidrogênio contra os do bicarbonato, deixando que um
íons bicarbonato no líquido extracelular está acima do normal, ou outro passe para a urina e, assim, seja removido do líquido
como se pode verificar ao se consultar novamente a equação extracelular.
de Henderson-Hasselbalch. Além disso, verifica-se proporção
semelhante no interior da célula epitelial secretora, produzindo CORREÇÃO RENAL DA ACIDOSE - AUMENTO DOS
nível elevado de íons hidrogênio e intensidade corresponden- ÍONS BICARBONATO NO LIQUIDO EXTRACELULAR
temente alta de secreção de íons hidrogênio no lúmen tubular.
Na alcalose, ocorre exatamente o processo oposto, com a conse- Uma vez descritos os mecanismos pelos quais os túbulos
quente redução da secreção de íons hidrogênio. renais secretam íons hidrogênio e reabsorvem íons bicarbonato,
No pH normal do líquido extracelular, a intensidade da se- podemos explicar a maneira pela qual os rins reajustam o pH
creção de íons hidrogênio é de cerca de 3,5 mM/min, porém dos líquidos extracelu lares quando ele se torna anormal.
ela aumenta ou diminui de modo quase diretamente proporcional Em primeiro lugar, vamos considerar a acidose. Consultando
à variação da concentração extracelular de íons hidrogênio. novamente a equação LI', isto é, a equação de Henderson-Has-
selbalch, verificamos que, na acidose, a proporção entre dióxido
Interação dos ions bicarbonato com os íons de carbono e íons bicarbonato no líquido extracelular aumenta.
hidrogênio nos túbutos — "reabsorção" de íons Por conseguinte, a intensidade da secreção dos íons hidrogênio
bicarbonato eleva-se até um nível superior à filtração dos íons bicarbonato
nos túbulos. Em conseqüência, ocorre secreção de excesso de
Os túbulos renais não são muito permeáveis ao íon bicarbo- íons hidrogênio nos túbulos, enquanto quantidades diminuídas
nato, visto ele ser grande e eletricamente carregado. Todavia, de bicarbonato penetram no filtrado glomerular, de modo que,
o íon bicarbonato, pode ser, com efeito, "reabsorvido" pelo nesse estágio, existe um número muito pequeno de íons bicarbo-
processo especial ilustrado na Fig. 30.4. nato para reagir com os íons hidrogênio. Esses íons hidrogênio
A reabsorção de íons bicarbonato é iniciada por uma reação em excesso combinam-se com os tampões existentes no líquido
nos túbulos entre os íons bicarbonato filtrados no filtrado glome- tubular, como será explicado nos parágrafos subseqüentes, sendo
rular e os íons hidrogênio secretados pelas células tubulares, então excretados na urina.
conforme ilustrado na figura. A seguir, o ácido carbônico disso- A Fig. 30.4 mostra que, toda vez que um íon hidrogênio
cia-se em dióxido de carbono e água. O dióxido de carbono, é secretado nos túbulos, ocorrem simultaneamente dois outros
por ter a capacidade de se difundir com extrema rapidez através efeitos: em primeiro lugar, forma-se um íon bicarbonato na célula
de todas as membranas celulares, difunde-se instantaneamente epitelial tubular; e, em segundo lugar, ocorre absorção de um
para a célula tubular, enquanto a água permanece no túbulo. íon sódio do túbulo para a célula epitelial. O íon sódio e o
Se observarmos agora, na Fig. 30.4, as reações químicas íon bicarbonato são então transportados juntos da célula epitelial
responsáveis pela formação do íons hidrogênio nas células epite- para o líquido extracelular.
liais, veremos que, toda vez que ocorre formação de um íon Por conseguinte, o efeito final da secreção de excesso de
hidrogênio, forma-se também um íon bicarbonato no interior íons hidrogênio nos túbulos consiste em aumentar a quantidade
dessas células pela dissociação de H 2CO, em H1 e HCOj. A de íons bicarbonato no líquido extracelular. Esse processo au-
seguir, esse íon bicarbonato se difunde para o líquido extracelular menta o teor de bicarbonato do sistema tampão bicarbonato,
através da membrana basolateral. o que, de acordo com a equação de Henderson-Hasselbalch e
Por conseguinte, o efeito final de todas essas reações é um com o princípio isoídrico, desvia todos os tampões na direção
mecanismo para a "reabsorção" de íons bicarbonato a partir alcalina, aumentando o pH e, dessa maneira, corrigindo a aci-
dos túbulos, embora os íons bicarbonato que penetram no líquido dose.
extracelular não sejam os mesmos íons que são removidos do
líquido tubular. CORREÇÃO RENAL DA ALCALOSE —
Titulação dos íons bicarbonato contra os íons hidrogênio nos DIMINUIÇÃO DOS ÍONS BICARBONATO NO
túbulos. Em condições normais, a intensidade da secreção do LÍQUIDO EXTRACELULAR
íon hidrogênio é de cerca de 3,5 mmollmin, enquanto a filtração
de íons bicarbonato no filtrado glomerular é de cerca de 3,46 Na alcalose, a proporção entre os íons bicarbonato e as
mmollmin. Por conseguinte, as quantidades dos dois íons que moléculas de dióxido de carbono dissolvido aumenta. O efeito
penetram nos túbulos são quase iguais, e eles se combinam entre desse aumento sobre o processo de titulação nos túbulos consiste
si, anulando-se, sendo os produtos terminais dióxido de carbono em aumentar a proporção entre os íons bicarbonato filtrados
e água. Por isso, diz-se que os íons bicarbonato e o íons hidrogênio nos túbulos e os íons hidrogênio secretados. Esse aumento ocorre
normalmente se "titulam" um ao outro nos túbulos. porque a elevada concentração extracelular de íons bicarbonato
Todavia, é preciso observar também que esse processo de aumenta os íons bicarbonato filtrados no filtrado glomerular,
titulação não é totalmente exato, visto que, em geral, um ligeiro enquanto, ao mesmo tempo, a baixa concentração de dióxido
excesso de íons hidrogênio (componente ácido) permanece nos de carbono no líquido extracelular diminui a secreção de íons
hidrogênio. Por conseguinte, o delicado equilíbrio que
normalmente existe nos túbulos entre os íons hidrogênio e
bicarbonato deixa de ocorrer. Com efeito, penetram nos túbulos
quantidades muito maiores de íons bicarbonato do que de íons
hidrogênio. Como quase nenhum íon bicarbonato pode ser
reabsorvido sem antes reagir com os íons hidrogênio, todo o
excesso de íons bicarbonato passa para a urina, transportando
com ele os íons sódio ou outros íons positivos. Assim, o
bicarbonato de sódio é removido do líquido extracelular.
A perda de bicarbonato de sódio do líquido extracelular
diminui a porção de íons bicarbonato do sistema tampão bicarbo-
nato; de acordo com a equação de Henderson-Hasselbalch, esse
processo desvia o pH dos líquidos corporais novamente na direção
ácida. Além disso, devido ao princípio isoídrico, todos os demais
tampões do organismo também são desviados na direção ácida.
Dessa maneira, a alcalose é corrigida.

COMBINAÇÃO DO EXCESSO DOS ÍONS


HIDROGÊNIO COM TAMPÕES TUBULARES E Fig. 30.6 Reações químicas nos túbulos envolvendo os íons hidrogênio,
TRANSPORTE NA URINA os íons sódio e o sistema tampão fosfato.
Quando o excesso de íons hidrogênio é secretado nos túbu-
los, apenas pequena parte desses íons pode ser transportada na epiteliais de todos os túbulos, à exceção das encontradas no
forma livre pelo líquido tubular para a urina. A razão disso segmento delgado da alça de Henle, sintetizam amônia
é que a concentração máxima de íons hidrogênio que pode ocorrer continuamente, a qual se difunde para o interior dos túbulos. A
no sistema tubular é de 10-4,5 molar, o que corresponde ao pH de seguir, a amônia reage com íons hidrogênio, como é ilustrado
4,5. Na presença de fluxo urinário diário normal, apenas 1% na Fig. 30.7, formando íons amônio. Estes últimos são, então,
da excreção diária do excesso de íons hidrogênio pode ser excretados na urina em combinação com íons cloreto e outros
transportado na urina nessa concentração. ânions tubulares. Observe, na figura, que o efeito final dessas
Por conseguinte, para transportar o excesso de íons reações consiste, mais uma vez, em aumentar a concentração de
hidrogênio na urina, esses íons devem fazê-lo de alguma outra bicarbonato no líquido extracelular.
forma que não seja a de íons livres. Esse transporte é efetuado Esse mecanismo do íon amônio para o transporte do excesso
pela combinação inicial dos íons hidrogênio com tampões de íons hidrogênio nos túbulos é especialmente importante por
intratubulares e, a seguir, pelo seu transporte sob essa forma. duas razões: (1) Toda vez que uma molécula de amônia (NH 3)
Os líquidos tubulares possuem dois sistemas tampões muito se combina com um íon hidrogênio para formar um íon amônio
importantes que transportam o excesso de íons hidrogênio para (NHJ), a concentração de amônia no líquido tubular diminui,
a urina: (1) o tampão fosfato e (2) o tampão amônia. Além o que provoca maior difusão de amônia das células epiteliais
disso, existem vários sistemas tampões fracos, como o urato e para o líquido tubular. Por conseguinte, a velocidade da secreção
o citrato, que têm importância muito menor. de amônia no líquido tubular é realmente controlada pela
Transporte do excesso de íon hidrogênio na urina pelo tampão quantidade de íons hidrogênio em excesso a serem
fosfato. O tampão fosfato é constituído por mistura de HPO 4 e transportados. (2) A maior parte dos íons negativos do líquido
H2PO4. Ambos estão muito concentrados no líquido tubular, tubular consiste em íons cloreto. Apenas alguns íons hidrogênio
devido à sua reabsorção relativamente pequena e à remoção poderiam ser transportados na urina em combinação direta
de água do líquido tubular. Por conseguinte, apesar de o tampão com o cloreto, visto que o ácido clorídrico é um ácido muito
fosfato ser muito fraco no sangue, trata-se de um tampão muito forte e considerando-se o fato de que o pH tubular cairia
mais potente no líquido tubular. rapidamente além do valor crítico de 4,5, abaixo do qual cessa a
Outro fator que aumenta a importância do tampão fosfato secreção adicional dos íons hidrogênio. Todavia, quando os íons
nos líquidos tubulares durante a acidose é o pK desse tampão, hidrogênio se combinam com amônia e os íons amônios
que é de 6,8. Quando são secretados íons hidrogênio em excesso, resultantes se combinam
o líquido tubular começa normalmente com pH próximo a 7,4
na parte inicial dos túbulos proximais, que, a seguir, cai para
cerca de 6,0 nos túbulos distais e dutos coletores. Por conseguinte,
nesses túbulos, o tampão fosfato funciona em sua faixa mais
eficaz, muito perto de seu valor de pK, conforme explicado antes
neste capítulo.
A Fig. 30.6 ilustra a maneira pela qual os íons hidrogênio
são removidos do líquido tubular pelo sistema tampão fosfato,
bem como isso funciona no processo total de controle ácido-básico
renal. Observe que, para cada íon hidrogênio ligado pelo tampão
fosfato, é formado um novo íon bicarbonato pela célula epitelial
e transportado no sangue. Isso contribui ainda mais para a
correção da acidose quando são secretados íons hidrogênio em
excesso.
Transporte do excesso de íons hidrogênio na urina pelo siste-
ma tampão amônia. Outro sistema tampão do líquido tubular
ainda mais importante e mais complexo para os íons hidrogênio
é composto por amônia (NH3) e íon amônio (NH4). As células Fig. 30.7 Secreção de amônia pelas células epiteliais tubulares e reação
da amônia com íons hidrogênio nos túbulos.
a seguir com cloreto, o pH não cai de modo significativo, visto ou ácido por meio de injeção de base ou de ácido, os rins seriam
que o cloreto de amônio é apenas muito fracamente ácido. capazes de trazer o pH dos líquidos corporais quase de volta
Sessenta por cento da amônia secretada pelo epitélio tubular a seu valor normal dentro de 1 a 3 dias. Entretanto, o aspecto
derivam da glutamina, enquanto os 40% restantes provêm de mais importante é que esse mecanismo continua atuando até
outros aminoácidos ou aminas. que o pH retorne quase que exatamente ao valor norma], e
Intensificação do sistema tampão de amônia na acidose não até certa percentagem dessa normalidade. Por conseguinte,
crônica. Se os líquidos celulares permanecerem fortemente o verdadeiro valor do mecanismo renal na regulação da
ácidos por longo período de tempo, a formação de amônia irá concentração de íons hidrogênio não é a rapidez de sua ação,
aumentar de modo uniforme nos primeiros 2 a 3 dias, atingindo porém sua capacidade de neutralizar por completo qualquer
um nível 10 vezes maior do que o normal. Por exemplo, logo excesso de ácido ou de álcali que penetre nos líquidos
após o início da acidose, a secreção diária de amônia é de corporais, a não ser quando o excesso persiste.
apenas 30 milimoles, mas, depois de vários dias, podem ser Em geral, os rins podem remover até 500 mmol de ácido
secretados até 300 a 450 milimoles, ilustrando o fato de que o ou de base por dia. Quando quantidades maiores penetram nos
mecanismo secretor de amônia pode adaptar-se facilmente para líquidos corporais, os rins tornam-se incapazes de lidar com essa
mobilizar cargas muito aumentadas de eliminação de ácidos. A carga adicional, e ocorre desenvolvimento de acidose ou de alca-
principal causa da formação crescente de amônia é que a acidose lose grave.
local das células tubulares induz a produção de grandes Faixa do pH urinário. No processo de ajuste da concentração
quantidades da enzima glutaminase, a responsável pela de íons hidrogênio do líquido extracelular, os rins quase sempre
liberação da amônia a partir da glutamina. excretam urina com pH baixo, da ordem de 4,5, ou elevado,
da ordem de 8,0. Quando está havendo excreção de ácido, o
RAPIDEZ DA REGULAÇÃO ÁCIDO-BASICA pH urinário cai; quando ocorre excreção de álcali, o pH aumenta.
PELOS RINS Mesmo quando o pH dos líquidos extracelulares está situado
no valor normal de 7,4, ainda ocorre perda de fração de 1 mmol
O mecanismo renal para a regulação do equilíbrio ácido- de ácido por minuto. A razão disso é que o organismo forma
básico é incapaz de reajustar o pH dentro de segundos, como diariamente cerca de 50 a 80 mmol a mais de ácido do que
o fazem os sistemas tampões do líquido extracelular, nem dentro de álcali, devendo esse ácido ser continuamente removido. Devi-
de minutos, como ocorre com o mecanismo respiratório compen- do à presença desse excesso de ácido na urina, o pH urinário
sador; entretanto, difere desses dois outros mecanismos por sua normal é, em média, de cerca de 6,0 em lugar de 7,4, que é
capacidade de continuar funcionando durante horas ou dias até o pH sanguíneo.
trazer o pH quase exatamente a seu valor normal. Em outras
palavras, sua capacidade final de regular o pH dos líquidos corpo- REGULAÇÃO RENAL DA CONCENTRAÇÃO
rais, apesar de ser de ação lenta, é infinitamente mais potente PLASMÃTICA DE CLORETO - RELAÇÃO ENTRE
que a dos outros dois mecanismos reguladores. Os parágrafos CLORETO E BICARBONATO
que se seguem explicarão a importância quantitativa dos rins
na regulação da concentração de íons hidrogênio. Nas discussões precedentes, demos ênfase à capacidade dos
A Fig. 30.8 ilustra o efeito do pH do líquido extracelular rins de conservar o íon bicarbonato nos líquidos extracelulares
sobre a velocidade de perda ou de ganho de íons bicarbonato sempre que houvesse desenvolvimento de um estado de acidose
dos líquidos extracelulares a cada minuto. Por exemplo, com ou de remover os íons bicarbonato na presença de alcalose. As-
pH de 7,0, cerca de 2,3 mmol de íons bicarbonato são ganhos sim, o íon bicarbonato move-se de um lado para outro entre
a cada minuto; todavia, à medida que o pH retorna a seu valor valores elevados e baixos como um dos principais meios de ajuste
normal de 7,4, a velocidade desse ganho cai para 0. A seguir, do equilíbrio ácido-básico dos sistemas tampões extracelulares,
quando o pH aumenta significativamente acima de 7,4, os líquidos ajustando também o pH do líquido extracelular.
extracelulares perdem íons bicarbonato. Por exemplo, em pH Todavia, no processo de equilibração da concentração de
de 7,6, cerca de 1,5 mmol de íons bicarbonato é perdido por íon bicarbonato dos líquidos extracelulares, é essencial remover
minuto. algum outro ânion do líquido extracelular toda vez que o bicarbo-
A quantidade total de tampões em todo o organismo (dentro nato aumentar, ou aumentar algum outro ânion toda vez que
da faixa de pH de 7,0 a 7,8) é de cerca de 1.000 mmol. Se a concentração de bicarbonato diminuir. Em geral, o ânion que
todos eles pudessem ser subitamente desviados para o lado básico varia reciprocamente para cima ou para baixo com o íon
bicarbonato é o cloreto, por ser o ânion encontrado em maior
concentração no líquido extracelular.

ANORMALIDADES CLÍNICAS DO EQUILÍBRIO


ÁCIDO-BÁSICO

Acidose e alcalose respiratórias

Com base nas descrições efetuadas neste capítulo, é óbvio que


qualquer fator passível de reduzir a ventilação pulmonar irá aumentar
a concentração de dióxido de carbono dissolvido no liquido
extracelular. Esse aumento, por sua vez, determina aumento de ácido
carbônico e de íons hidrogênio, com conseqüente desenvolvimento de
acidose. Como essa forma de acidose é causada por anormalidade de
respiração, é denominada acidose respiratória.
Por outro lado, a ventilação pulmonar excessiva inverte o processo
e diminui a concentração de íons hidrogênio, resultando em alcalose;
essa condição é denominada alcalose respiratória.
Uma pessoa pode provocar em si mesma acidose respiratória sim-

Fig. 30.8 Efeito do pH do líquido extracelular sobre a velocidade de


perda ou ganho de íons bicarbonato dos líquidos corporais a cada minuto.
plesmente ao prender sua respiração, o que pode fazer até que o pH Causas da alcalose metabólica
dos líquidos corporais caia para um valor tão baixo quanto 7,0. Por
outro lado, pode voluntariamente hiperventilar-se e causar alcalose até A alcalose metabólica não ocorre com a mesma freqüência que".
um pH de cerca de 7,9. a acidose metabólica. Entretanto, existem várias causas comuns de alca-
A acidose respiratória quase sempre resulta de condições patológicas. lose metabólica.
Por exemplo, a lesão do centro respiratório no bulbo que reduz a respira- Alcalose causada pela administração de diuréticos là exceção
ção, a obstrução das vias aéreas no aparelho respiratório, a pneumonia, dos inibidores da anidrase carbônica. Todos os diuréticos produzem
a diminuição da área de superfície da membrana pulmonar e qualquer aumento do fluxo de líquidos ao longo dos túbulos; em geral, esse
outro fator capaz de interferir na troca de gases entre o sangue e o aumento resulta no fluxo de grande excesso de sódio pelos túbulos
ar alveolar podem resultar no desenvolvimento de acidose respiratória. distais e coletores, resultando também em rápida reabsorção de íons
Por outro lado, só raramente é que condições patológicas causam sódio a partir desses túbulos. Essa reabsorção rápida está associada à
alcalose respiratória. Todavia, em certas ocasiões, a psiconeurose pode secreção aumentada de íons hidrogênio, devido aos mecanismos de
causar hiperventilação a ponto de o indivíduo se tornar alcalótico. Além troca de Na+-H+ nas membranas luminais das células tubulares que ligam
disso, ocorre um tipo fisiológico de alcalose respiratória quando a pessoa a secreção de hidrogênio à absorção de sódio, levando à perda excessiva
sobe a grandes altitudes. O baixo teor de oxigênio do ar estimula a de íons hidrogênio do organismo, com conseqüente alcalose do líquido
respiração, causando perda excessiva de dióxido de carbono e resultando extracelular.
no desenvolvimento de alcalose respiratória leve. Ingestão excessiva de substâncias alcalinas. Talvez a segunda
causa mais comum de alcalose seja a ingestão excessiva de medicamentos
ACIDOSE E ALCALOSE METABÓLICAS alcalinos, como o bicarbonato de sódio, no tratamento da gastrite ou
da úlcera péptica.
Os termos acidose metabólica e alcalose metabólica referem-se a Alcalose causada pela perda de íons cloreto. O vômito
todas as outras anormalidades do equilíbrio ácido-básico, à exceção da excessivo do conteúdo gástrico sem vômito do conteúdo gastrintestinal
causada por excesso ou insuficiência de dióxido de carbono nos líquidos inferior provoca perda excessiva de ácido clorídrico secretado pela
corporais. O uso do termo "metabólica" é inadequado neste caso, visto mucosa gástrica. O resultado final consiste na perda de ácido do líquido
que o dióxido de carbono também é um produto metabólico. Contudo, extracelular, com desenvolvimento de alcalose metabólica. Esse tipo de
por convenção, o ácido carbônico proveniente do dióxido de carbono alcalose é observado em recém-nascidos com obstrução pilórica causada
dissolvido é denominado ácido respiratório, enquanto qualquer outro por enorme hipertrofia do músculo do esfíncter pilórico.
ácido no organismo, seja ele formado pelo metabolismo ou simplesmente Alcalose causada pelo excesso de aldosterona. Quando as
ingerido pelo indivíduo, é denominado ácido metabólico ou ácido fixo. glândulas supra-renais secretam quantidades excessivas de aldosterona,
o líquido extracelular torna-se ligeiramente alcalótico. Isso decorre do
Causas da acidose metabólica seguinte processo: a aldosterona promove a reabsorção intensa de
íons sódio dos segmentos distais do sistema tubular, acompanhada pela
A acidose metabólica pode resultar (1) da incapacidade dos rins secreção aumentada de íons hidrogênio, o que promove o
de excretarem os ácidos metabólicos normalmente formados no orga- desenvolvimento de alcalose.
nismo, (2) da formação de quantidades excessivas de ácidos metabólico
no organismo, (3) da administração venosa de ácidos metabólicos, ou EFEITOS DA ACIDOSE E DA ALCALOSE SOBRE O
(4) do acréscimo de ácidos metabólicos por absorção do tubo gastrin- ORGANISMO
testinal. A acidose metabólica também pode resultar (5) da perda de
base dos líquidos corporais. Algumas das condições específicas que cau- Acidose. O principal efeito clínico da acidose é a depressão do sistema
sam acidose metabólica são consideradas a seguir. nervoso centrai Quando o pH do sangue cai abaixo de 7,0, o sistema
Diarréia. A diarréia grave é uma das causas mais freqüentes de nervoso fica deprimido, a ponto de a pessoa ficar inicialmente desorien-
acidose metabólica pelas seguintes razões: as secreções gastrintestinais tada, entrando posteriormente em estado de coma. Por conseguinte,
contêm normalmente grandes quantidades de bicarbonato de sódio. Por os pacientes que falecem de acidose diabética, acidose urêmica ou outros
conseguinte, a perda excessiva dessas secreções durante o episódio de tipos de acidose morrem geralmente em estado de coma.
diarréia equivale exatamente à excreção de grandes quantidades de bicar- Na acidose metabólica, a concentração elevada de íons hidrogênio
bonato de sódio pela urina. De acordo com a equação de Henderson- provoca aumento da frequência e da profundidade da respiração. Por
Hasselbalch, isso provoca desvio do sistema tampão do bicarbonato em conseguinte, um dos sinais diagnósticos da acidose metabólica é o aumen-
direção ao ácido, resultando em acidose metabólica. De fato, a acidose to da ventilação pulmonar. Por outro lado, na acidose respiratória, a
ocasionada pela diarréia grave pode ser tão intensa a ponto de consti- causa da acidose é a respiração deprimida que tem efeito oposto ao
tuir-se numa das causas mais comuns de morte em crianças de pouca da acidose metabólica.
idade. Alcalose. O principal efeito clínico da alcalose é a hiperexcitabilidade
Vômito. O vômito é uma segunda causa de acidose metabólica. do sistema nervoso. Isso ocorre tanto no sistema nervoso central quanto
O vômito do conteúdo gástrico apenas, que ocorre algumas vezes, nos nervos periféricos; todavia, em geral, os nervos periféricos são
obviamente determina perda de ácido, visto que as secreções do afetados antes do sistema nervoso central. Algumas vezes, os nervos
estômago são altamente ácidas e resultariam em alcalose. Todavia, o ficam tão excitáveis que disparam de modo automático e repetitivo,
vômito do conteúdo proveniente das porções mais distais do tubo mesmo não sendo excitados por estímulos normais. Em conseqüência, os
gastrintestinal, que quase sempre ocorre em quantidades muito maiores músculos entram em estado de tetania, o que significa estado de
do que a perda do conteúdo gástrico, provoca perda de álcalis, espasmo tónico. Em geral, essa tetania aparece inicialmente nos
resultando em acidose metabólica. músculos do antebraço; a seguir, propaga-se para os músculos da face e,
Uremia. Um terceiro tipo comum de acidose é a acidose urémica por fim, estende-se por todo o corpo. Os pacientes extremamente
que ocorre na doença renal grave. A causa desse tipo de acidose consiste alcalóticos podem morrer por tetania dos músculos respiratórios.
na incapacidade dos rins de depurar o organismo das quantidades normais Em certas ocasiões, a pessoa alcalótica desenvolve sintomas graves
de ácidos formados diariamente pelos processos metabólicos. de hiperexcitabilidade do sistema nervoso central. Os sintomas podem
Diabetes melito. Uma quarta causa extremamente importante de manifestar-se na forma de nervosismo extremo ou, em pessoas suscetí-
acidose metabólica é o diabetes melito. Nessa condição, a ausência de veis, em forma de convulsões. Por exemplo, em pessoas com predispo-
secreção de insulina pelo pâncreas impede o uso normal da glicose no sição a ataques epilépticos, uma simples hiperventilação resulta quase
metabolismo. Dessa maneira, algumas gorduras são degradadas em ácido sempre em crise. Na verdade, este é um dos métodos clínicos de avaliação
acetoacético, que, por sua vez, é metabolizado pelos tecidos para produzir do grau de predisposição epiléptica.
energia em lugar da glicose. Simultaneamente, a concentração de ácido
acetoacético nos líquidos extracelulares quase sempre aumenta e atinge COMPENSAÇÃO RESPIRATÓRIA DA ACIDOSE OU DA
valores muito elevados, causando acidose muito grave. Além disso, gran- ALCALOSE METABÓLICA
des quantidades de ácido acetoacético são excretadas na urina, atingindo
por vezes 500 a 1.000 mmol por dia. Anteriormente, assinalamos que a elevada concentração de íons
hidrogênio na acidose metabólica provoca aumento da ventilação pulmo-
nar, o que, por sua vez, resulta na rápida remoção de dióxido de carbono
nos líquidos corporais, com redução da concentração de íons hidrogênio
até seu valor normal. Por conseguinte, esse efeito respiratório ajuda
a compensar a acidose metabólica. Todavia, essa compensação é apenas
parcial. Em geral, o sistema respiratório tem capacidade de compensar
entre 50 e 75%. Isto é, se o fator metabólico fizer cair o pH do sangue
para 7,0 com ventilação pulmonar normal, a freqüência de ventilação
pulmonar normalmente aumenta o suficiente para fazer retornar o pH
sanguíneo a 7,2 a 7,3, conforme assinalado antes neste capítulo.
Observa-se o efeito oposto na alcalose metabólica. Isto é, a alcalose
diminui a ventilação pulmonar, o que, por sua vez, aumenta a
concentração de íons hidrogênio até seu valor normal. Nesse caso
também pode ocorrer compensação de cerca de 50 a 75%.

COMPENSAÇÃO RENAL DA ACIDOSE OU DA ALCALOSE


RESPIRATÓRIA

Se uma pessoa desenvolver acidose respiratória persistente por um


longo período de tempo, os rins irão secretar excesso de íons hidrogênio,
resultando em aumento do bicarbonato de sódio nos líquidos
extracelulares. Depois de 1 a 6 dias, o pH dos líquidos corporais terá Fig. 30.9 O diagrama do pH-bicarbonato para a determinação dos graus
retornado a cerca de 65 a 75% de seu valor normal, mesmo que a relativos de acidose ou alcalose metabólica e respiratória num paciente.
pessoa continue a respirar inadequadamente. (Modificado de Davenport: The ABC of Acid-Base Chemistry. Chicago,
Observa-se um efeito exatamente oposto na alcalose respiratória. The University of Chicago Press. Copyright 1947, 1949, 1950, 1958,
Ocorre perda de grandes quantidades de bicarbonato de sódio na urina, 1969, 1974 by The University of Chicago. Todos os direitos reservados.
diminuindo o íon bicarbonato extracelular, fazendo com que o pH dimi-
nua até quase atingir seu valor normal.
As curvas mais verticais do diagrama apresentam diferentes concen-
FISIOLOGIA NO TRATAMENTO DA ACIDOSE OU trações de dióxido de carbono. A concentração normal de dióxido de
ALCALOSE carbono de 1,2 mmol/l é indicada pela linha colorida (equivalente a
Pco2 de 40 mm Hg). Os pontos ao longo dessa linha representam as
Obviamente, o melhor tratamento para a acidose ou alcalose consiste possíveis combinações da concentração do bicarbonato e do pH que
em remover a condição responsável pela anormalidade; todavia, se isto podem existir nos líquidos corporais quando a concentração de dióxido
não for possível, podem-se utilizar diferentes medicamentos para neutra- de carbono é normal.
lizar o excesso de ácido ou de álcali. As linhas mais horizontais apresentam as concentrações dos ácidos
Para neutralizar o excesso de ácido, podem-se ingerir grandes quanti- ou das bases metabólicas em excesso nos líquidos corporais. A linha
dades de bicarbonato de sódio por via oral. O bicarbonato de sódio colorida, indicada pelo número zero, mostra o equilíbrio entre ambos.
é absorvido para a corrente sanguínea e aumenta a porção de íons Isto é, os pontos ao longo dessa linha representam as possíveis combi-
bicarbonato do tampão bicarbonato, desviando, assim, o pH para o lado nações entre a concentração de bicarbonato e o pH passíveis de ocorrer
alcalino. Em certas ocasiões, o bicarbonato de sódio também é utilizado enquanto os ácidos e as bases metabólicas dos líquidos corporais estive-
como terapia venosa; todavia, seu efeito fisiológico é muito acentuado e rem normais. As duas linhas horizontais superiores indicam, respectiva-
quase sempre perigoso, de modo que outras substâncias são quase mente, acréscimos de 5 a 10 mmol/l de base metabólica adicional aos
sempre utilizadas em seu lugar, como o lactato de sódio ou o gliconato de líquidos corporais, enquanto as duas linhas horizontais inferiores indicam
sódio. As porções lactato e gliconato das moléculas são metabolizadas no acréscimos de 5 a 10 mmol/l de ácido metabólico.
organismo, deixando o sódio nos líquidos extracelulares sob a forma de Para utilizar esse diagrama, determinamos simplesmente o pH do
bicarbonato de sódio, desviando, assim, o pH dos líquidos na direção sangue e a concentração do bicarbonato; a seguir, registra-se o ponto
alcalina. apropriado no diagrama. Por exemplo, se o pH tiver o valor normal
Para o tratamento da alcalose, administra-se quase sempre cloreto de 7,4, e a concentração de bicarbonato, o valor normal de 25 mmol/l,
de amônio por via oral. Quando absorvido pelo sangue, a porção amônia registramos o ponto A, que representa a condição normal.
do cloreto de amônio é convertida pelo fígado em uréia; essa reação Utilizando dados obtidos de outro paciente, estabelecemos um novo
libera ácido clorídrico que reage imediatamente com os tampões dos ponto de pH de 7,63, bem como uma concentração de bicarbonato de
líquidos corporais, desviando a concentração de íons hidrogênio para 28 mmol/l. Este é o ponto B no diagrama, que representa concentração
o lado ácido. Em certas ocasiões, o cloreto de amônio é infundido por de dióxido de carbono de 0,8 mmol/l e 7 mM/1 de base metabólica
via venosa; todavia, o íon amônio é altamente tóxico, de modo que adicional. Por conseguinte, essa pessoa apresenta alcalose metabólica,
esse procedimento pode ser perigoso. Outra substância algumas vezes devido ao considerável excesso de base metabólica nos líquidos corporais;
utilizada é o monocloridrato de Usina. todavia, também apresenta alcalose respiratória, devido à hiperventilação
que faz com que a concentração de dióxido de carbono seja considera-
velmente inferior ao normal.
DETERMINAÇÕES E ANÁLISES CLÍNICAS DAS De forma semelhante, com base nos dados de outros pacientes,
ANORMALIDADES DO EQUILÍBRIO ÁCIDO-BÁSICO estabelecemos os pontos C, D e E. O ponto C representa 6 mmol/l
de acidose metabólica e alcalose respiratória suficiente para reduzir a
Medida do pH. Ao avaliar um paciente com acidose ou alcalose, concentração de dióxido de carbono para 0,7 mmol/l. Uma pessoa com
é conveniente conhecer o pH dos líquidos corporais. Essa determinação resultado deste tipo pode ter alcalose respiratória que foi parcialmente
pode ser facilmente feita pela medida do pH do plasma com medidor compensada pela acidose metabólica produzida pelos rins.
de pH com eletródio de vidro. Todavia, é preciso ter muita cautela O ponto D representa acidose metabólica leve, 2 mmol/l, combinada
na retirada do plasma e na determinação, visto que até mesmo a menor com acidose respiratória grave. Uma pessoa pode chegar a esse estado
difusão do dióxido de carbono do plasma para o ar desvia o sistema com acidose respiratória primária grave e acidose metabólica leve resul-
tampão bicarbonato na direção alcalina, resultando em valor muito tante de alguma outra causa.
elevado do pH. O ponto E representa acidose respiratória leve e alcalose metabólica
Diagrama pH-bicarbonato. O denominado diagrama pH- grave. Presume-se que, nesse caso, a alcalose metabólica tenha sido
bicarbonato, ilustrado na Fig. 30.9, pode ser utilizado para primária, tendo a compensação respiratória causado acidose respiratória
determinar o tipo e a gravidade da acidose ou da alcalose. Seu uso leve na tentativa de compensar a alcalose metabólica.
pode ser explicado como se segue. Em resumo, ao utilizar o diagrama de pH-bicarbonato, podemos
determinar ao mesmo tempo o grau de acidose ou alcalose metabólica e o grau de acidose ou alcalose respiratória no
paciente.

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