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E então, a batalha.

O rapaz ergueu os olhos para o céu acima, sorrindo em


desdém para o que lhe esperava. Alguns capangas,
minions, seja lá como aqueles se chamavam. Não tinham
nomes definidos, achava. Não eram fortes, apesar de
poderem voar. No mais, seria uma batalha rápida, se
estivessem em pouco número.
O problema é que eram muitos, e ele realmente não
estava com tempo para baboseiras.
Puxou as duas facas que carregava consigo, pronto.
Bam, bam, filhos da puta, venham me pegar. Não precisava
ser dito, as pequenas criaturas vinham ao seu encontro.
Criaturas estranhas, de fato. Eram basicamente feitas de
algo que se assemelhava à essência da escuridão. Sua
aparência não era definida, eram como se fossem falhas no
espaço, invisíveis, instintivas. Ele conseguia senti-los, sabia
aonde estavam, sabia o que estavam fazendo. Mas não
conseguia propriamente vê-los. Não era necessário.
Quando o primeiro ser desceu ao seu encontro, as
duas facas se cruzaram em X sobre o seu peito, e a criatura
soltou um som, um ganido. Morto, ou morreria em breve.
Os outros não viriam sozinhos, obviamente. Não eram
burros como aquele primeiro, o apressado.
Mas suas adagas não tardariam a encontrar os seus
corpos não-definidos. Suas gargantas, seus membros. Não.
Com velocidade, suas lâminas cruzavam a escuridão, o
vazio, e a essência delas era tirada. O rapaz sorriu. Era fácil
demais. Mais viriam logo, mas não importava. Deixou-se
relaxar, caiu de bruços no gramado. Sorriu mais uma vez.
Sorriu porque, obviamente, ele era muito bom para se
deixar vencer por meros minions. Tudo nele refletia essa
potência que emanava dele. Seu nome não era importante.
Ele tinha cabelos negros bagunçados e óculos escuros, que
ganhara de um de seus amigos. Óculos os quais prezava
como uma preciosa memória da vida que deixara para trás.
Mastigava algo.
Estava cansado dali. Já deviam ter saído daquela terra
há muito tempo, mas seus colegas eram devagares demais
para alcançar os objetivos. Ele faria a sua parte, quando
fosse a hora. Até lá, era sobreviver e... esperar.
Examinou o terreno ao seu redor. Estava em uma
clareira, de um bosque relativamente aberto. Não era como
as matas cerradas. Ele podia ver o céu com nitidez, assim
como as criaturas no céu o poderiam ver.
Pois bem.
Onde seu parceiro estaria? Estava cumprindo a parte
dele nesta terra, assim logo poderia fazer a sua. Cansado,
cansado. Já estavam naquele lugar havia uma semana.
Barulho na mata. Rajadas de vento. Logo mais minions
estariam por ali. Ficou alerta, pegou as suas adagas, sorriu
mais uma vez. Havia transformado a matança daquelas
criaturas em algum tipo de esporte. Era algo para se distrair
da mesmice.
Usando suas lâminas como apoio, escalou uma das
árvores. Convenientemente, eram grossas e permitiam a
tarefa. Logo estando sobre a copa da árvore, identificou a
presença de um deles. Vem pra cima, amiguinho. Uma
rajada, sentiu o vento chegando. Logo um arranhão
formava-se no canto do rosto, e ele riu de surpresa.
Conseguiu atingi-lo, no final das contas.
Logo estaria de volta, mas dessa vez a criatura não
teria tanta sorte. O rapaz estava mais atento dessa vez, e a
criatura caiu em sua armadilha.
Heh.
Passou o dedo no rosto, para sentir o pequeno filete de
sangue que surgia. Ajeitou os óculos no rosto e observou o
céu. Para sua surpresa, sentia a presença de muitos.
Haviam chegado discretamente.
Espertinhos.
Desceu da copa da árvore, e correu. Correu,
procurando alguma clareira ou local mais espaçoso, aberto,
aonde teria mais espaço para o confronto que iria tomar
parte.
Não estava preocupado, apesar do número deles.
Poderia contabilizar algo como uma centena, mais ou
menos. Apesar disso, uma ajuda cairia bem. Onde estaria o
seu parceiro, era algo que só poderia ponderar. Já devia ter
chegado no ponto de encontro há horas. Tanto que o rapaz
havia saído para dar uma volta, e assim dera de encontro
com as criaturas. Haviam aqueles seres capturado seu
amigo? Pouco provável, ele era muito bom para deixar ser
derrotado. Era melhor que o próprio rapaz naquilo o que
fazia.
Logo se esquivou para uma clareira, dessa vez grande
o suficiente para comportar seus movimentos. Apesar disso,
as copas bloqueavam sua visão do céu, o que era mais
prático. Impediria as criaturas de avançarem em um
número massivo simultaneamente. Um pouco de cada vez,
e estariam no papo.
Os primeiros surgiam, e ele ainda estava confiante.
Aproveitando-se da localização, jogou as adagas para o
céu, e ouviu os ganidos. Sucesso. Em uma manobra
evasiva, as recuperou. Rápido. Mais estavam se
aproximando, então usou uma combinação de chutes e
cortes para lhes dar dano. Alguns conseguiram lhe arranhar
na perna ante a manobra arriscada, mas não havia motivos
para preocupação. Cortes poderiam ser facilmente
remediados, se necessário.
Sentiu um passando perigosamente perto à sua
garganta, e o derrubou rápido com uma cotovelada seguido
de corte. Apesar de rápidos, eram frágeis. Muito frágeis.
Logo, mais cinco estavam ao seu redor. Lembrando-se
dos videogames que costumava jogar, cortou em círculo,
dando uma pirueta enquanto estendia as lâminas. Manobra
efetiva, acertara os pontos críticos e causou dano massivo!
Surgiam do céu, mais. Estavam aparecendo em uma
quantidade maior do que conseguia derrubar, e sua
confiança já vacilava. Merda, eles nunca paravam de
aparecer?
Uma súbita idéia formou-se em sua mente, e não
tardou-se a realizar. Enquanto derrubava mais alguns
minions, outro dele apareceu. Mais um rapaz precisamente
igual ao que lutava se juntou a luta. Óculos escuros,
cabelos bagunçados, algo na boca e sorriso descolado. Isso
garantiria a sua vitória, ele sabia disso. Não teria como ele
aparecer sem ter ganhado a luta.
Ambos, cada um empunhando um par de facas
perfeitamente igual, massacraram minion por minion dos
que surgiam. Um deles já era bom, dois era melhor. Pensou
em fazer mais um aparecer, mas achou melhor não. Isso
daria trabalho demais, lutar a mesma luta três vezes.
Corte, arranhão, chute, soco, cotovelada, joelhada,
pisada, corte, apunhalada, esfaqueamento, morte, colisão,
batida. Duplamente.
Assim que todos os seres foram derrubados, acenou
em direção ao outro ele. Estava na hora de completar o
loop.
Feito isso, pegou do bolso um pequeno artefato. Era
algo semelhante a uma ampulheta, que guardava como um
amuleto, e certamente era o mais útil de seus pertences.
Ela tinha pequenos adornos, que brilhava ante as pequenas
frestas de luz solar que irradiavam da copa das árvores.
Girou a ampulheta entre os dedos, idealizando o momento
passado, e assim se fez.
Viu a exata mesma clareira à sua volta. O mesmo sol
entrando em pequenas frestas, o mesmo gramado pisado.
A diferença é que o outro ele estava lutando contra
diversos seres escuros. Estava na hora de tomar a sua
segunda parte na luta.
Na verdade, ao girar a ampulheta, o rapaz voltou no
tempo. Mais precisamente, para alguns minutos no
passado, quando a luta ainda acontecia. Então, juntou-se a
luta que o seu eu-passado travava, sendo assim o segundo
“ele” que aparecia. O seu eu passado sorriu, sabendo que a
vitória estaria garantida.
Após o término da luta. Seu eu passado acenou e
sacou a ampulheta, completando o loop temporal. Este eu
passado voltaria ao passado aonde tomaria seu lugar.
Viagens no tempo são de fato confusas quando você
não tem as manhas.
Mas, obviamente, o rapaz as tinha. Já havia se
acostumado às confusões que tinha de se enfrentar quando
se manipulava o tempo. De fato, achava que, de seus
amigos, era o que tinha ficado com a habilidade mais útil, e
a mais divertida. Confusa no começo, sem dúvida, mas, a
partir do momento em que se entende que você nunca
mais vai poder fazer merda, a coisa muda de figura.
Esse era o motivo de sua confiança. Era impossível ter
tudo estragado quando se era um viajante no tempo, pois
seus eus passados e futuros estariam lá para remediar a
situação. Se uma luta estava difícil, mais eus apareceriam
para auxiliar. A única coisa que deveria tomar cuidado é se
lembrar de voltar depois e ajudar os outros eus. Era uma
relação de simbiose, com múltiplas versões deles, na qual
os outros sempre se ajudavam para concretizar os planos. E
isso jamais daria errado.
Preocupação, jamais.
Pôs-se a caminhar pelo bosque. Sentiu uma sensação
boa. Aquilo poderia significar que as criaturas parariam de
vir, por um tempo. Talvez tivessem aprendido a lição e não
mais dariam uma mordida maior que a boca. Porque,
obviamente, ele era muito bom. Fato imutável, obrigado.
Após um pouco de caminhada, chegou ao lugar aonde
havia marcado de se encontrar com seu parceiro. Sentou
no ponto de encontro e checou o seu relógio, que não
marcava as horas. Tinham mais meia-hora para acabar o
que tinha sido planejado. Estava perdendo a paciência.
Conveniente. Não precisou de muito mais espera, seu
parceiro atrasado logo estava caminhando em sua direção,
vindo do bosque oposto. Usava um par de óculos e tinha
cabelos escuros e curtos, ligeiramente espetados para
todos os cantos. Seus olhos eram quase invisíveis, devido
ao reflexo dos óculos. Isso sempre incomodou o rapaz.
Trazia um pequeno artefato em mãos, e parecia pensativo.
Ao ver o rapaz sentado, acenou.
– Demorou, hein. Mais um pouco e teríamos explodido
junto com esse planeta – o rapaz de óculos escuros disse
– Relaxa, Clay – o parceiro respondeu – Já tenho tudo
do que precisamos aqui.
– David, ainda vamos morrer por sua causa. – disse
Clay, o rapaz, mas sorrindo.
David ergueu o objeto em suas mãos, Ótimo, era tudo
o que precisavam. Levantando-se, Clay pediu para
examinar o objeto que ele trouxera. Era um coração, um
coração animal ainda pulsante. Vermelho e musculoso. Ew.
David estava observando atentamente uma árvore,
que nada tinha de especial. Ou era o que parecia. Logo ao
ser tocada pelas mãos do garoto, seu tronco começou a
ruir, revelando uma cavidade. David entrou, como de
costume. Clay seguiu, logo atrás.
Terminou de cair. Não foi um impacto doloroso, visto
que o chão aonde pousara era surpreendentemente macio.
Olhou ao seu redor.
Estava uma espécie de caverna, porcamente
iluminada por algumas tochas. Nada demais, se não fosse o
fato de um enorme maquinário (que Clay carinhosamente
apelidava de “trambolho dimensional”) estar localizado no
meio dela. E então, chegara a sua parte.
Pegou o coração trazido por David. Examinando-o
cuidadosamente, encarou o maquinário. Parecia ser movido
a vapor, vários tubos saíam de suas extremidades,
marcadores de pressão, e alguns controles. Um buraco se
localizava em seu meio. Inseriu o coração no buraco e,
utilizando seus conhecimentos (cuja extensão é grande
demais para caber nessa história), calibrou o maquinário.
Estavam prontos para ir. David sorriu, e disse:
– Pronto para encontrar o resto do pessoal?
– Mal posso esperar.

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