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Abstract: The creation of IPHAN (Service of National Historic and Artistic Heritage), in
1937, reflects the concern of the Estado Novo in maintain the national unity fragmented by
the federalist and oligarchy inheritance. In view of the above, this work will seek analyze
the institution in the search for the genesis of the brasilidade and the paradox existing in
the performance of intellectuals modernist in its creation.
Introdução
1
Acadêmica do curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Juiz de
Fora.
herança federalista e oligárquica, fundamentadas nos regionalismos. A criação do SPHAN,
Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (atual IPHAN), em 1937, reflete esta
preocupação, pois seu objetivo era eleger um acervo que representasse a tradição brasileira
e a imagem do passado no imaginário da nação, criando, desta forma, um ideal de
brasilidade.
Diante do exposto, este trabalho dedica-se à análise da criação do SPHAN,
abordando temas como a identidade nacional, a luta contra o liberalismo e o paradoxo
gerado pela participação de intelectuais modernistas, cuja característica era a ruptura com o
passado, mas que atuaram na criação do referido órgão responsável pela preservação de
uma cultura europeizada.
Como afirma Fausto2, O Estado Novo pretendia realizar a procura pelas raízes
brasileiras no intuito de promover a integração nacional, eliminando, desta forma, a
fragmentação dos estados brasileiros dominados pelo latifúndio e pelas oligarquias.
O projeto varguista de Estado visava agrupar as camadas sociais através da unidade
produzida pela palavra nação. Sob o ponto de vista do regime, o trabalhador poderia
realizar suas atividades acreditando na proteção do governo, promotor da justiça social, e
ao mesmo tempo, deveria acalorar-se com a convicção de que trabalhava para o bem do
Brasil. O nacionalismo procurava superar o regionalismo e valorizar a industrialização,
criando, assim, um país novo e dinâmico.3
A idéia de nação era a base para a formação de um Brasil unificado, forte e
competitivo frente à concorrência internacional. Cada membro da nação deveria trabalhar
em prol de um único Brasil e não mais das oligarquias regionais.
De acordo com Velloso4, os efeitos críticos do pós-guerra eram sentidos na década
de 1920, fazendo com que o ideal cosmopolita de desenvolvimento desse lugar ao credo
2
FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. São Paulo: Edusp, 2002. p. 208.
3
LOPEZ, Luiz Roberto. República. São Paulo: Contexto, 1997. p. 51.
4
VELLOSO, Mônica Pimenta. Os Intelectuais e a política cultural do Estado Novo. In : FERREIRA,
Jorge e DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (Org.). O Brasil Republicano: O Tempo do Nacional-
Estatismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 148. (2)
nacionalista. Os intelectuais, por conseguinte, passaram a se concentrar na busca pelas
raízes brasileiras, julgando-se os indivíduos mais aptos a conhecer o Brasil, na intenção de,
através da arte, atingir a realidade da cultura nacional.
Com o mundo em crise após o término da Primeira Guerra Mundial, o Brasil e o
restante da América passam a representar a fonte inspiradora de toda uma cultura e os
parâmetros científicos europeus tornam-se ultrapassados. Os modelos de desenvolvimento
são substituídos por expressões culturais dignas de serem conhecidas. A Europa deixa de
ser o exemplo de civilização para o mundo, o que desperta nas pessoas o interesse pelo
conhecimento de outras culturas vistas como expressão do “novo”. Artistas e intelectuais da
Europa passaram a viajar para o Brasil buscando inspiração na nossa cultura.5
O período do Estado Novo é especialmente abastado para a análise da relação entre
intelectuais e Estado, uma vez que neste período ocorre a inclusão desse grupo social na
organização política-ideológica do regime.6
A partir da década de 1930, os intelectuais brasileiros passam a direcionar sua
atuação para o âmbito do Estado, identificando-o como o representante da idéia de nação,
capaz de garantir a ordem, a organização e a unidade em detrimento de um país que se
encontrava conflituoso e fragmentado.7 Na verdade, os intelectuais eram capazes de
transmitir as manifestações culturais do país criando uma identidade nacional como fica
claro na passagem abaixo:
5
VELLOSO, Mônica Pimenta. O Modernismo e a questão nacional. In: FERREIRA, Jorge e
DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (Org.). O Brasil Republicano: O Tempo do Liberalismo Excludente.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. p. 372. (1)
6
VELLOSO, Mônica Pimenta, op. cit., p. 149. (2)
7
Idem, 2003. p. 148.
8
AMARAL, Adriana Facina Gurgel. Uma Enciclopédia à Brasileira: O Projeto Ilustrado de Mário
de Andrade. Dissertação de Mestrado. Departamento de História da PUC-Rio, 1997. p. 3
Zago9, com a dimensão territorial brasileira e a força dos regionalismos era preciso criar
elementos em torno de interesses comuns. Os intelectuais teriam, portanto, a missão de
criar no imaginário social a força de uma cultura que representasse a coletividade, gerando
o ideário de amor à pátria. Desta forma, o indivíduo se enquadraria na condição de cidadão
brasileiro e deveria lutar pela nação como um todo, eliminando, por conseguinte, a
fragmentação gerada pelo federalismo.
Obviamente, a aspiração varguista de unificação do país não gerou satisfação por
parte dos estados mais desenvolvidos e acabou culminando em revoltas a favor do retorno
das oligarquias regionais, todavia, o nacionalismo era o meio pelo qual a unidade poderia
ser alcançada. Conforme relata Bourdieu10, os símbolos possuem o poder de confirmar ou
transformar a visão do mundo, agindo desta forma sobre a ação sobre o mundo; o efeito do
poder simbólico só é eficaz se ele não for percebido como arbitrário, sendo esta uma forma
transfigurada de outras formas de poder.
Portanto, podemos entender o nacionalismo como uma forma de centralizar o poder
nas mãos do Estado, sem que isso seja feito de forma despótica. Na verdade, o governo
oferece proteção aos cidadãos, que em contrapartida, só precisam trabalhar em prol da
nação brasileira. E a conquista deste nacionalismo era feita através do investimento na
cultura e na criação de símbolos. Haja vista os intelectuais, que faziam uso indistintamente
do simbolismo, entendido nesse sentido como a arte, e através dela cunhavam a identidade
cultural nacional a favor do desenvolvimento país.
9
ZAGO, Denise. Nacionalismo e Nacionalização no Brasil. Disponível em:
http://www.semina.clio.pro.br/4-1-2006/Denise%20Zago.pdf. p. 4
10
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007. p.14.
11
VELLOSO, Mônica Pimenta. op cit p. 372. (1)
A intenção dos intelectuais modernistas era a reformulação cultural do Brasil,
afastando-se da europeização nas artes e nos costumes, dando maior ênfase à brasilidade,
através da manifestação do próprio povo brasileiro, sem a importação de hábitos de países
estrangeiros.12
No processo de nutrir sentimentos de identidade nacional, nascem políticas de
constituição do patrimônio histórico e cultural do Brasil.13 Como já dito anteriormente, os
símbolos são relevantes para afirmação e identificação de um povo como nação.
Mário de Andrade, membro do modernismo brasileiro, realiza pesquisas no norte e
nordeste do país, viaja para Minas, e em seus trabalhos aborda a produção das diversas
culturas do país. Em 1936, na condição de diretor do Departamento de Cultura de São
Paulo, realiza um anteprojeto que deu base a criação do Serviço de Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (SPHAN), em 1937.14
O SPHAN, que passa a ter a denominação de IPHAN, em 1970, foi criado pelo
decreto-lei n° 25 de 30 de novembro de 1937 e é o órgão responsável pela identificação,
documentação e promoção do patrimônio cultural brasileiro.15 O órgão deveria organizar
através da fiscalização e proteção o conjunto de bens móveis e imóveis existentes no Brasil
considerados exemplares da história com inestimável valor arqueológico, bibliográfico e
artístico.
Como fica claro na explanação de Andrade16, o Estado getulista reorganizou-se após
os movimentos revolucionários no princípio dos anos 30, e a nova Constituição de 1934
atribuiu deveres ao governo de “proteger os objetos de interesse histórico e o patrimônio
artístico do país”. Essa conjuntura favoreceu a reapresentação de projetos de leis
disciplinando a defesa do patrimônio cultural.
12
WITOSLAWSKI, Henrique. Representações da Brasilidade.O Corpo como símbolo para o
modernismo e para o varguismo (1920-1945). Temas e Matizes n° 07, 2005. Disponível em: http://e-
revista.unioeste.br/index.php/temasematizes/article/viewPDFInterstitial/36/24. p. 76.
13
CANANI, Aline Sapiezinskas Krás Borges. Herança, sacralidade e poder: sobre as diferentes
categorias do patrimônio histórico e cultural no Brasil. Horiz. antropol., Jan./June 2005, vol.11, no.23. p.
169.
14
BORGES, Célia. Patrimônio e memória social: a formação da política de preservação de bens
históricos no Brasil e a construção do imaginário coletivo. In: Locus: revista de história. Juiz de Fora: Núcleo
de História Regional/Editora UFJF, 199.v.5, n.2. p. 114 - 115.
15
CERRI, Rosilene, GONÇALVES, Yacy-Ara Froner. A Preservação Cultural no Contexto Nacional.
Disponível em: www.propp.ufu.br/revistaeletronica. p. 3.
16
ANDRADE, Antonio Luis Dias. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. IPHAN,
São Paulo, 1997. p. 2
A criação do IPHAN reflete todo o contexto de formação da identidade nacional,
através da elaboração de uma coleção nacional que representa a real história cultural
brasileira. Esse conjunto de elementos, que compõem o patrimônio nacional, é formado
por: formas de expressão, modos de criar, fazer e viver, criações científicas, artísticas e
tecnológicas, obras, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações
artístico-culturais, conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,
arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.17
A participação de membros do modernismo no novo órgão getulista é alvo de
discussões, tendo em vista que a política contrária às culturas importadas podia ser
confundida com o engajamento pela preservação de uma arte tipicamente européia.
“O trabalho de Mário de Andrade, num esforço para abranger tudo o que diz
respeito á produção artística e cultural brasileira, incluindo os eventos que são do
interesse da antropologia social, marca o começo dos debates sobre a
preservação do patrimônio cultural e artístico no Brasil. Interessante observar
que a discussão do patrimônio no Brasil surgiu por parte dos mesmos intelectuais
que estavam envolvidos no movimento modernista, caracterizado pela vontade de
renovação, de desapego ao passado e pela construção de uma arte, música e
literatura totalmente nova, moderna e tipicamente brasileira.”18
17
Idem, 1997. p. 6.
18
CANANI, Aline Sapiezinskas Krás Borges. op. cit. p. 170.
Com a dificuldade de importação de materiais e técnicas construtivas, o Barroco,
principalmente em Minas Gerais, possui características peculiares, uma vez que muitos
artistas tiveram que utilizar materiais da própria região para desenvolver seus trabalhos. A
pedra-sabão foi amplamente utilizada nas esculturas. O barroco mineiro criou uma
aproximação da população, da arte e da religião, desenvolvendo uma arte singular.
O momento político-intelectual de criação do SPHAN, segundo Cavalcanti, reflete
que o Brasil viveu naquele momento o paradoxo de ser o único país no qual membros de
uma só corrente, a modernista, são, ao mesmo tempo, ideários de novas possibilidades
artísticas e promotores da proteção do passado cultural.19
Borges20 argumenta que os modernistas voltaram para o passado brasileiro,
procurando nas raízes a sua identidade. A modernização do país exigia a atualização de sua
história, e em meio a um surto nacionalista, o passado brasileiro foi reinterpretado e
exaltado como digno de ser preservado como elo com o futuro. “Buscava-se resgatar nossa
identidade para que a modernidade no Brasil estivesse ancorada naquilo que poderia
constituir o “genuinamente nacional”.
Na medida em que estabelecem o passado e o futuro no mesmo patamar de
importância, os modernistas colocam o Estado em uma atmosfera nitidamente
evolucionista. O SPHAN, em sua forma autocrática, passou a definir o que viria a ser
patrimônio nacional, e assim como todo e qualquer órgão estado-novista, era
ultracentralizador. O discurso também era o mesmo: o Estado deveria ser o mantenedor da
proteção nacional, assim como de seus bens históricos e artísticos.
Considerações Finais
19
DÓRIA, Carlos Alberto. Cultura, Brasil e Estado Novo. A política cultural de Getúlio Vargas, que
se matou em 1945, ainda incomoda os intelectuais. Disponível em http://pphp.uol.com.br/tropico/html/textos.
20
BORGES, Célia. op cit., p.114.
participação de membros de várias correntes garantia o aumento da aprovação da máquina
estatal e a permanência da unidade nacional.
A criação do IPHAN reflete a tentativa de criar a unificação dos estados brasileiros,
fragmentados pela herança oligárquica federalista. A existência de bens considerados
inestimáveis para a nação proporciona a percepção de que todos faziam parte de um mesmo
país, e isso aumentava a força gerada em prol do desenvolvimento do Brasil. A brasilidade
é construída em torno da compreensão de que tanto a cidade de Ouro Preto, localizada em
Minas Gerais, como o Museu do Ipiranga, na cidade de São Paulo, eram bens com valor
inestimável para a nação como um todo.
A participação de intelectuais do modernismo na elaboração de um órgão cuja
função era preservar elementos da cultura brasileira é alvo de discussões. O que se
questiona é que os modernistas almejavam a constituição de uma cultura plenamente
brasileira, com a negação ao estrangeirismo. Todavia, a preservação se dava em torno de
uma cultura com claras influências européias, como a arte barroca, por exemplo. O
Movimento Moderno negava o passado, na tentativa de buscar uma arte totalmente nova.
Contudo, os modernistas viam na arte do Brasil, uma reinterpretação da arte
européia, e não apenas uma cópia, sendo esta, desenvolvida com particularidades
propriamente brasileiras. A reafirmação do passado fazia a conexão com o futuro e criava
uma cultura genuinamente brasileira. Assim, o velho e o novo unificavam a identidade
nacional em prol do evolucionismo do país.
Referências bibliográficas
DÓRIA, Carlos Alberto. Cultura, Brasil e Estado Novo. A política cultural de Getúlio
Vargas, que se matou em 1945, ainda incomoda os intelectuais. Disponível em
http://pphp.uol.com.br/tropico/html/textos.