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Capitulo 18 0 gestaltismo e 0 reforno a experiencia psicologica Marcia Moraes No século XIX, as pesquisas em psicologia eram marcadas pela tese de que a experiéncia psicolégica ~ fosse ela mnémica ou perceptiva—deveria ser analisada a partir de sua relacao com 0 mundo fisico, definido de um ponto de vista mecanicista. O mundo fisico sobre o qual se erguia o terreno Ga experiéncia era afirmado como campo da extensio ¢ do movimento, do qual estavam exclufdas quaisquer caracteristicas de sentido, valor ou ordem. Tratava-se de um mundo definido por relagdes mecanicas que em nada se assemelhavam ao que nds, sujeitos ingénuos, experimentamos em nossa percepeo ordindria. Através de nossa experiéncia perceptiva vemos um mundo pleno de sentido, de valor, ce orclem, O desafio da psicologia no século XIX era encontrar parémetros que permitissem uma investigaco experimental da experiéncia psicologica. O que estava em jogo nessa investigacao era a definigao da experiéncia como uma parte do mundo fisico, entre outras questées. Nesse referencial, duas nogdes eram fundamentais: de um lado, a nogio de sensacao e, de outro lado, « hipétese da constincia, Na psicologia do século XIX, a nogio de sensacio era entendida como o substrato de toda ¢ qualquer experiéncia psicoldgica. A sensacio era vista como um acontecimento fisiologico provocado pelo estimuio fisico. Desse modo, a sensagao € ao mesmo tempo fisica — porque provocada por um excitante externo ~, fisiolé — porque dessa excitago resulta uma modificagao do corpo -, ¢ psicolégica = porque a experiéncia psicolégica tem na sensago o seu fundamento. A sensacao é, portanto, um conceito-chave para o estabelecimento da relacio entre a experiéncia 0 mundo fisico, Na medida em que é um acontecimento fisiolégico, a sensagao demarca que o vinculo entre 0 percebido ¢ 0 dado objetivo se faz apenas por intermédio do organismo fisiolégico. De fato, 301 © organismo fisiolégico marca no sé uma naturalizagao da questio da experiéncia, seno também uma possibilidade de dar conta cientificamente A risk mecanicina do séewlo XVI inaugura importante Aistingio, que sera retomada pela picologia dois séculos depois Taare da ditingdo entte & senladcira realidade o contd dapereepsie. Dito de outs moda sercadira waldade na we dentifcs com o conteiido da percepsi0, ma decarre do exercicio de um Cilculo. Asim, para se conhece vetdadeira realidade € neces reduzie as ihsBes da experienc teravel usual a fim de 4 chegar so conhecimenta matematieo, responsivel pelo conhecimento da vetdadeira ralidade, A fisica de Gallew € considerada um marco epstemoligico fundamental para 0 tabeleemento desta dingo, da relacio entre os dois dominios de conhecimento separados desde a Fisica be GALILEU, a experiéncia ea realidade objetiva. A hipétese da constancia resume o principio acima descrito, ao alirmar que a excitabil elemento nervoso é invariante com relagao a um certo lade de um cexcitante, A sensagao situa-se, assim, no entroncamento da psicologia com a fisica e a fsiologia. Isso porque a sensago, como qualidade subjetiva, é concomitante a uma excitagio nervosa que, por sua vez, éresultante da exposigio do organismo fisioldgico aos acontecimentos fisicos excitantes. Além disso, a sensacio esta ligada apenas a uma excitagao local, 0 que significa dizer que a excitacio fisiolégica em um elemento nervaso no é modiificada pelo que se passa nos elementos vizinhos, 0 declinio da nocdo de sensacao No final do século XIX, ou-se na psicologia um movimento centrado na tese de que o estudo da experiéncia deveria incidir sobre algo mais do que as sensagiies. Bcerto que esta tese jé estava presente nos trabalhos de Wundt, em particular naqueles dedicados & psicologia dos povos. No entanto, no final do século XIX ¢ inicio do século XX, uma polémica marea 0 campo da psicologia: aquela que consistia na distingio entre atos e contetidos da cexperiéncia. Ainda que reconhecendo os limites da sensaco para a definigao da experiéncia psicol6gica, Wundt admitia sera sensago tum contetido da experiéncia. Diferentemente deste enfoque, Franz BRENTANO afirmava uma distingao entre os atos ¢ os contetidos da experiéncia, Para ele os contetidos nao seriam psiquicos, mas fisicos. A psicologia deveria investigar nao 0 contetido da experiéncia, nfo as representagdes, mas sim o ato de representa, A distingZo entre ato € contetido tornou-se fundamental para a ‘compreensio da experiéncia psicol6gica. A Escola de Wurzburgo, no inicio do século XX, sob a influéncia de Brentano, afirmava a existéncia do pensamento 302 Fraasz Buntavo. (1858-1917, sof slemio dedicou pare 4 vida a0 scenic, fe qual deizou no anc fe 1873, No periodo fe 1866 ate 1873 foi peso de losin er Wurzburg. Em 1874 tomouse professor de Blosofa en Viena. Nese meamo ano pu lio seu fro er (Adelie de pec de cee) sem imagem, passivel de ser estudado através da introspecco experimental ‘Afirmar a existéncia de um pensamento sem imagem era irde encontro a toda tradico da psicologia do contetico que acreditava que o pensamento, assim como a experiéncia psicoldgica, era em maior ou menor medida herdeiro da sensacio. Foi no contexto dessa distincZo entre ato € conteiido que a nogio de estrutura comegou a se desenhar como uma chave para o estudo da experiéncia, promovendo um deslocamento no campo das pesquisas: jé ma se tratava de definir a experiéneia através das sensagies, mas sim de sublinhar a importancia das relagées entre as sensagies. Esse deslocamento do foco de atenco das pesquisas é fundamental para que possamos compreender 0 alcance das pesquisas propostas pelo gestaltismo. Na Austria, von EHRENFELS chamava atencao Gyno EARENA para uma caracteristica da experiéncia perceptiva, if {189%1992 i dicipulo negligenciada nas pesquisas centradas na nogao de sensagio. Tomemos, por exemplo, uma melodia (A). bs podemos transpé-Ia para outro tom, formando uma melodia (B). Nessa transposigao de (A) para (B), todas

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