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CAPÍTULO I – INTRODUÇÃO
Qualquer Estado envolve uma estrutura institucional do poder, no sentido em que tem de dispor
de dispor de regras, ou normas jurídicas, em que assenta o seu ordenamento.2
Porém, só a partir do século XVIII surge a Constituição como um conjunto de regras jurídicas
definidoras das relações do poder político. Surge então o constitucionalismo moderno.
1
Jorge Miranda, in “Manual de Direito Constitucional”, tomo I, 3ª edição, Coimbra Editora, 1997, pág. 13.
2
Jorge Miranda, in “Manual de Direito Constitucional”, tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pág. 7.
3
Miranda, tomo II, 1996, pág. 7.
1
Constitucionalismo é a teoria (ou ideologia) que ergue o princípio do governo limitado
indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante em dimensão estruturante da
organização político-social de uma comunidade.4
4
José Joaquim Gomes Canotilho, in “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, 4ª edição, Almedina,
Coimbra, 2000, pág. 51.
5
Canotilho, 2000, pág. 51.
6
Pedro Lenza, in “Direito Constitucional Esquematizado”, 12ª edição, Editora Saraiva, São Paulo, 2008, pág. 1,
citando José Afonso da Silva, in “Curso de direito constitucional positivo”, pág. 36.
2
Em Roma, os denominados interditos pretendiam garantir os direitos individuais contra o arbítrio
e a prepotência dos governantes. O Estado romano, embora essencialmente municipal,
consagrava direitos básicos ao cidadão romano, nomeadamente o direito de eleger os seus
representantes e de acesso às magistraturas, o direito de casamento legítimo e o direito de
celebração de actos jurídicos.
Na Idade Média o monarca tinha um poder absoluto, embora segundo a doutrina do pactum
subjectionis, o governo teria de ser exercido com equidade, existindo ainda regras fundamentais
do reino, especialmente as referentes à sucessão e indisponibilidade do domínio real. Existiam,
porém, forais, pactos e cartas de franquia que concediam direitos especiais a determinadas
pessoas ou aos habitantes de certas localidades. Com o cristianismo acentuou-se o valor da
pessoa humana (criada à semelhança de Deus), implicando a igualdade de todas as pessoas
perante Deus, constituindo forte abalo ao poder imperial romano ao contestar o carácter sagrado
do imperador.
Uma das principais manifestações de limitação do exercício do poder político pelo Rei surgiu em
Inglaterra com a Magna Carta, de 15 de Junho de 1215.7 A Magna Carta resultou da rebelião da
aristocracia contra o Rei em resultado do fracasso deste na guerra de reconquista de territórios
perdidos para os franceses, com consequente agravamento da situação da aristocracia inglesa, e
por ingerência com a Igreja. Nos termos do seu art. 39º “Nenhum homem livre será preso,
aprisionado ou privado de uma propriedade, ou tornado fora-da-lei, ou exilado, ou de maneira
alguma destruído, nem agiremos contra ele ou mandaremos alguém contra ele, a não ser por
julgamento legal dos seus pares, ou pela lei da terra” e, de acordo com o art. 40º, “A ninguém
venderemos, a ninguém recusaremos ou atrasaremos, direito ou justiça”.
Petition of Right, de 7 de Junho de 1628, foi aprovada por ambas as câmaras do Parlamento
inglês em reacção à decisão do rei Carlos I de cobrar impostos não aprovados pelo parlamento e
aquartelamento forçado dos soldados em casas particulares, para suportar o esforço com a guerra
dos trinta anos. A principal consequência da Petition of Right foi a proibição do rei cobrar
7
Anteriormente já Carta de Liberdades de Henrique I, outorgada em 1100, submetia o rei a determinadas regras no
tratamento de oficiais da igreja e nobres, concedendo assim determinadas liberdades civis à igreja e à nobreza
inglesa.
3
impostos que não tivessem sido aprovados pelo Parlamento e a proibição da prisão sem justa
causa. À Petition of Right sucedeu o Bill of Rights de 1689, lei do Parlamento inglês que impôs
que as leis emanassem apenas do Parlamento.
8
Art.1.º Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As destinações sociais só podem fundamentar-se na
utilidade comum.
Art. 2.º A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem.
Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão.
Art. 3.º O princípio de toda a soberania reside, essencialmente, na nação. Nenhum corpo, nenhum indivíduo pode
exercer autoridade que dela não emane expressamente.
Art. 4.º A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo: assim, o exercício dos direitos
naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo
dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela lei.
Art. 5.º A lei não proíbe senão as acções nocivas à sociedade. Tudo que não é vedado pela lei não pode ser obstado e
ninguém pode ser constrangido a fazer o que ela não ordene.
Art. 6.º A lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de concorrer, pessoalmente ou através
de mandatários, para a sua formação. Ela deve ser a mesma para todos, seja para proteger, seja para punir. Todos os
cidadãos são iguais a seus olhos e igualmente admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos,
segundo a sua capacidade e sem outra distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos.
Art. 7.º Ninguém pode ser acusado, preso ou detido senão nos casos determinados pela lei e de acordo com as
formas por esta prescritas. Os que solicitam, expedem, executam ou mandam executar ordens arbitrárias devem ser
punidos; mas qualquer cidadão convocado ou detido em virtude da lei deve obedecer imediatamente, caso contrário
torna-se culpado de resistência.
Art. 8.º A lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão
por força de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e legalmente aplicada.
Art. 9.º Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o
rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei.
Art. 10.º Ninguém pode ser molestado por suas opiniões, incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação
não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei.
Art. 11.º A livre comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem; todo cidadão
pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos
previstos na lei.
Art. 12.º A garantia dos direitos do homem e do cidadão necessita de uma força pública; esta força é, pois, instituída
para fruição por todos, e não para utilidade particular daqueles a quem é confiada.
Art. 13.º Para a manutenção da força pública e para as despesas de administração é indispensável uma contribuição
comum que deve ser dividida entre os cidadãos de acordo com suas possibilidades.
Art. 14.º Todos os cidadãos têm direito de verificar, por si ou pelos seus representantes, da necessidade da
contribuição pública, de consenti-la livremente, de observar o seu emprego e de lhe fixar a repartição, a colecta, a
cobrança e a duração.
Art. 15.º A sociedade tem o direito de pedir contas a todo agente público pela sua administração.
Art. 16.º Qualquer sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos
poderes não tem Constituição.
Art. 17.º Como a propriedade é um direito inviolável e sagrado, ninguém dela pode ser privado, a não ser quando a
necessidade pública legalmente comprovada o exigir e sob condição de justa e prévia indemnização.
4
2. A posição da Constituição na Ordem Jurídica timorense
Os seja, formalmente é Constituição o conjunto de normas que revestem força jurídica superior
às demais normas jurídicas.11
Assim, nos termos do art. 2º, nº 3, da Lei nº 10/2003, de 10 de Dezembro, que enumera as fontes
de direito nacionais, a Constituição da República ocupa o primeiro lugar nas mesmas.
Esta ideia tem expressão no art. 2º da Constituição, ao consagrar no seu nº 2 que o Estado
subordina-se à Constituição e às leis (expressão do Estado de direito democrático consagrado no
art. 1º, nº 1, da Constituição), esclarecendo de seguida que as leis e os demais actos do Estado e
do poder local só são válidos se forem conformes com a Constituição (nº 3 do art. 2º).
3. O Estado Constitucional
9
Miranda, tomo II, 1996, pág. 11.
10
Miranda, tomo II, 1996, pág. 11.
11
A Constituição enquanto texto constitucional é designada por Jorge Miranda de Constituição em sentido
instrumental (ibidem, pág. 12).
5
Na sequência das constituições francesa e norte-americana, hoje todos os Estados estão
estruturados constitucionalmente, no sentido em que dispõem de uma Constituição que
estabelece a estrutura política do Estado e os limites ao poder do mesmo.
Porém, ele deve estrutura-se como um Estado de direito democrático (art. 1º, nº 1, da
Constituição), ou seja, uma ordem de domínio legitimada pelo povo.12
O Estado Constitucional, mais do que uma mera organização das instituições do poder, traduz
ideias programáticas de defesa dos direitos fundamentais e de prossecução do interesse geral,
emanadas da filosofia política do iluminismo do século XVIII, consagradas no texto
constitucional.14
12
Canotilho, 2000, pág. 98.
13
Miranda, tomo I, 1997, pág. 83, e tomo II, 1996, pág. 17.
14
“Sendo o Estado comunidade e poder, a Constituição material nunca é apenas Constituição política, confinada à
organização política. É Também Constituição social, estatuto da comunidade perante o poder ou da sociedade
politicamente conformada. Estatuto jurídico do Estado significa sempre estatuto do poder político e estatuto da
sociedade – quer dizer, dos indivíduos e dos grupos que a compõem – posta em dialéctica com o poder e por ele
unificada. E, sendo Constituição do Estado (em si) e Constituição do Direito do Estado, necessariamente abarca
tanto o poder quanto a sociedade sujeita a esse Direito” (Miranda, tomo II, 1996, pág. 21).
6
CAPÍTULO II - A CONSTITUIÇÃO
Embora se verifique a existência de textos constitucionais escritos, como a Magna Carta, estes
são simples contratos resultantes de interesses pontuais que determinaram à data a necessidade
de limitações ao poder do rei, mas não constituem em si uma constituição conforme definida
supra (estatuto jurídico-político do Estado, resultado do poder constituinte material, como poder
do Estado de se dotar de tal estatuto, de se auto-regulamentar).
Uma outra característica própria deste tipo de predominância do costume como fonte do direito
constitucional traduz-se no facto de a constituição não assumir a forma escrita. Contudo, como já
se viu, existem inúmeros textos constitucionais ingleses, que pontualmente foram limitando em
específicos aspectos os poderes do rei.
“Tais leis não se ligam, contudo, sistematicamente, não se qualificam formalmente como
constitucionais e não possuem, enquanto tais, uma força jurídica específica, como acontece nos
países com constituição escrita ou formal”. Constituição predominantemente consuetudinária, a
Constituição britânica apresenta-se ainda, pela natureza das coisas, como Constituição cuja
15
Miranda, tomo I, 1997, págs. 122 a 196.
7
modificação se faz, a todo o tempo, pelo Parlamento, sem necessidade de um processo
diferenciado do processo de exercício da função legislativa. É o que os juristas ingleses chamam
uma Constituição flexível – em contraste com as restantes Constituições ditas rígidas”.16
Sistema com Constituição escrita, cujo núcleo fundamental não pode ser em princípio alterado18
(Constituição rígida), sendo porém a mesma adaptada à evolução histórica da sociedade, através
de sucessivos aditamentos e sobretudo através da sua interpretação pelos tribunais.
16
Miranda, tomo I, 1997, págs. 129 e 130.
17
Miranda, tomo I, 1997, págs. 129 e 130.
18
A alteração da Constituição depende de um sistema complexo com a participação dos Estados Federados, o que
torna muito difícil a mesma.
8
A primeira Constituição francesa nasce da revolução de 1789, contrariamente ao que sucedeu
nos dois exemplos anteriores (a Constituição americana tem raiz não na revolução mas nos
acordos celebrados com a potência colonial inglesa anteriormente; foi precisamente o
incumprimento de tais acordos que despoletou a revolução americana).
Esta génese revolucionária leva à criação de uma concepção do Estado completamente nova,
influenciada pelo pensamento do iluminismo preponderante na altura. Verifica-se um corte
radical com a tradição e a eleição de um novo modelo político-social assente numa nova filosofia
do Estado e do direito. Este período é caracterizado por uma grande instabilidade constitucional,
sendo frequentes as substituições da Constituição vigente sempre que a mesma não se mostrava
adequada, por outra nova, sempre com base em pensamentos jurídico-filosóficos dominantes.
A Constituição, em França, é essencialmente lei, lei escrita ao serviço dos direitos e liberdades e
da separação dos poderes, acreditando-se que, sendo a lei escrita, mais patente se tornarão as
suas violações e, assim, se dissuadirão os governantes de as cometer.19
É excluída qualquer tipo de relevância ao costume. Por outro lado, os tribunais nenhuma
interferência têm na apreciação da constitucionalidade das normas, a qual é remetida para uma
entidade judicial própria.
A ideia base do constitucionalismo soviético é que o poder assenta nos sovietes (conselhos de
operários, soldados, camponeses e marinheiros) e é exercido através do partido comunista que
assumiu como sua a ideologia marxista-leninista.
19
Miranda, tomo I, 1997, pág. 167.
9
A especificidade do constitucionalismo soviético radica no domínio de todo o poder pelo partido
comunista (o partido, depois de permitir ao proletariado a conquista do poder, exerce o poder em
seu nome).20
O poder é, assim, exercido pelo partido e não pelos órgãos do Estado, e o verdadeiro chefe
político é o Secretário-Geral do Partido e não o Presidente do Soviete Supremo ou o Presidente
do Conselho de Ministros. Juridicamente os actos políticos provêm dos órgãos do Estado, mas
politicamente as decisões mais importantes são sempre tomadas pelos órgãos do partido.
a) Quanto ao conteúdo
20
A democracia socialista é uma democracia dirigida, dirigida pelo Partido e pelo Estado no interesse do
desenvolvimento do socialismo e da construção do comunismo (Miranda, tomo I, 1997, pág. 186).
21
Existem ainda outras classificações, variando segundo os autores, mas estas são as essenciais.
10
Constituição material: em sentido amplo, identifica-se com a organização total do Estado, com
regime político; em sentido estrito, designa as normas escritas ou costumeiras, inseridas ou não
num documento escrito, que regulam a estrutura do Estado, a organização de seus órgãos e os
direitos fundamentais.
Constituição formal: é o peculiar modo de existir do Estado, reduzido, sob forma escrita, a um
documento solenemente estabelecido pelo poder constituinte e somente modificável por
processos e formalidades especiais nela própria estabelecida.
b) Quanto à forma
Não escrita: é a que cujas normas não constam de um documento único e solene, baseando-se
nos costumes, na jurisprudência e em convenções e em textos constitucionais esparsos. Ex.
Constituição inglesa.
Histórica ou costumeira: é a resultante de lenta formação histórica, do lento evoluir das tradições,
dos fatos sociopolíticos, que se cristalizam como normas fundamentais da organização de
determinado Estado.
d) Quanto à origem
11
Outorgadas: são as elaboradas e estabelecidas sem a participação do povo, aquelas que o
governante por si ou por interposta pessoa ou instituição, outorga, impõe, concede ao povo.
e) Quanto a estabilidade
Flexível: é a que pode ser livremente modificada pelo legislador segundo o mesmo processo de
elaboração das leis ordinárias.
12
Os princípios constitucionais são o núcleo da Constituição em sentido material, a ideia do Estado
moderadora do regime ou da decisão constituinte.
A Constituição Brasileira:
Tal como a Constituição nacional, também a Constituição Brasileira de 1988 trata em primeiro
os direitos fundamentais, com prioridade sobre as demais matérias.
O Brasil assume-se como uma federação de Estados, sendo o regime político presidencialista,
embora controlado ou fiscalizado (tratou-se de um compromisso com a corrente maioritária na
Assembleia Constituinte, que tinha pendor parlamentarista). O sistema assenta no princípio da
separação de poderes, assente em três poderes. O Congresso é uma câmara bicameral (a Câmara
dos Deputados e o Senado).
A Constituição Portuguesa:
A Constituição Portuguesa de 1976 resultou da revolução de 25 de Abril de 1974, que teve, entre
outros, como ponto de referência a Declaração Universal dos Direitos do Homem.
22
Miranda, tomo II, 1996, pág. 241.
23
Veja-se Miranda, tomo II, 1996, págs. 221 a 238 e 324 a 411.
13
O tratamento dos direitos fundamentais assenta na afirmação simultânea dos direitos, liberdades
e garantias e dos direitos económicos, sociais e culturais, com predominância dos primeiros
sobre os segundos, como é característico do Estado Social de Direito.24
24
Miranda, tomo II, 1996, pág. 351.
14
e) Sistemas de governo assentes em três órgãos de poder político (presidente da República,
Assembleia e Governo). É acentuado o parlamentarismo em Cabo-Verde, presidencialismo em
Moçambique, Angola e Guiné-Bissau, e semi-presidencialismo em São Tomé e Príncipe.
f) Consagração da criação de autarquias locais;
g) Consagração de órgãos próprios independentes de fiscalização da constitucionalidade das leis.
15
16
CAPÍTULO III – ELABORAÇÃO DA NORMA CONSTITUCIONAL
A Assembleia Constituinte foi composta por 88 Deputados, eleitos por sufrágio directo e
universal, em 30 de Agosto de 2001.
17
Regulamento da UNTAET nº 2/2001, de 26 de Fevereiro, regulamentou as eleições para a
Assembleia Constituinte, optando por um sistema misto que combinava um círculo eleitoral
nacional com 75 deputados eleitos por um método de representação proporcional, chamados
“representantes nacionais”, e 13 círculos distritais uninominais elegendo um deputado por cada
distrito administrativo de acordo com o sistema maioritário, denominados “representantes
distritais”.
A Assembleia Constituinte tinha por função laborar e aprovar uma Constituição, tomando em
devida consideração os relatórios das comissões constitucionais.
25
Fonte: http://timor-leste.gov.tl
26
José Joaquim Gomes Canotilho, in “Direito Constitucional”, 6ª ed. revista, Almedina, Coimbra, 1993, pág. 98.
27
Alexandre de Moraes, in “Direito Constitucional”, 23ª ed. atualizada, Editora Atlas, São Paulo, 2008, pág. 26.
18
Assim, o poder constituinte é um poder inicial (porque não existe, antes dele, nem de facto nem
de direito, qualquer outro poder), autónomo (a ele e só a ele compete decidir se, como e quando,
deve “dar-se” uma constituição à Nação) e omnipotente ou incondicionado (o poder constituinte
não está subordinado a qualquer regra de forma ou de fundo).28
O poder constituinte originário implica sempre uma situação de ruptura com a ordem jurídico-
constitucional anterior, seja pela constituição do novo Estado, seja por uma convulsão
revolucionária. Surge como uma vontade popular de mudança relativamente a uma ordem
vigente. O poder constituinte originário é aquele que instaura uma nova ordem jurídica,
rompendo por completo com a ordem jurídica precedente.29
Sendo um poder ilimitado e incondicionado é dentro da própria vontade popular que o poder
constituinte originário vai encontrar os seus limites. Aqui pode desempenhar o seu papel a
ciência política e a sociologia política. Em Timor-Leste a relevância da vontade popular foi
manifestada através da criação das comissões constitucionais supra referidas.
28
Moraes, 2008, pág. 26
29
Lenza, 2008, pág. 84.
30
Miranda, tomo II, 1996, pág. 107-108.
19
midade do poder constituinte não é a mera posse do poder, mas a concordância ou conformidade
do acto constituinte com as “ideias de justiça” radicadas na comunidade”.31
O Poder Constituinte derivado está inserido na própria Constituição, pois decorre de uma regra
jurídica de autenticidade constitucional, portanto, conhece limitações constitucionais expressas e
implícitas e é passível de controle de constitucionalidade.33
Diz-se poder constituinte derivado porque resulta da própria Constituição, na sua versão vigente
à data do exercício de tal poder. Daí que o poder constituinte derivado só possa ser exercido nas
condições previstas na própria Constituição e com os limites por ela impostos.
Nenhuma Constituição deixa de prever a sua própria revisão, seja de forma expressa ou pelo
menos tacitamente.
31
Canotilho, 1993, pág. 111.
32
Canotilho, 1993, pág. 106.
33
Moraes, 2008, pág. 29.
34
Canotilho, 1993, pág. 95.
20
Trata-se aqui de analisar a forma de expressão do poder constituinte originário.
Segundo Alexandre de Moraes “são duas as formas básicas de expressão do Poder Constituinte:
outorga e assembleia nacional constituinte/convenção”.35
Não significa isto que tais constituições não possam conter igualmente as características
fundamentais do constitucionalismo moderno, nomeadamente a consagração de direitos
fundamentais do cidadão e a limitação de poderes dos órgãos do Estado.
O que distingue este tipo de constituições é a forma da sua elaboração e não o seu conteúdo. No
dizer de Gomes Canotilho, “O rei sujeitava-se aos esquemas constitucionais, mas reservava para
si o direito de dar a constituição aos súbditos”.37 A outorga é o estabelecimento da Constituição
por declaração unilateral do agente revolucionário, que autolimita seu poder.38
Pode ainda existir uma forma mista de criação da Constituição, resultante da articulação de dois
princípios diversos: o princípio monárquico e o princípio democrático. São as chamadas
35
Moraes, 2008, pág. 28.
36
O Estado Português criou um Estatuto especial para o território de Timor-Leste, por anexo à Lei nº 7/75, de 17 de
Julho, mas que não se pode considerar uma constituição. A Fretilin não chegou a outorgar nenhuma Constituição
formal para o Estado independente de Timor-Leste, na sequência da declaração de independência de 28-11-1975,
mas pode entende-se que com a declaração de independência foi outorgada uma constituição com os princípios
básicos do Estado independente.
É o seguinte o Texto da Declaração Unilateral da Independência de Timor-Leste, proclamada pela FRETILIN e lida
por Xavier do Amaral:
“Encarnando a aspiração suprema do povo de Timor-Leste e para salvaguarda dos seus mais legítimos direitos e
interesses como nação soberana, o Comité Central da FRENTE REVOLUCIONÁRIA DE TIMOR LESTE
INDEPENDENTE – FRETILIN – decreta e eu proclamo, unilateralmente a independência de Timor Leste que passa
a ser, a partir das 00H00 de hoje, a República Democrática de Timor-Leste, anti-colonialista e anti-imperialista”.
37
Canotilho, 1993, pág. 122.
38
Alexandre de Moraes, in “Direito Constitucional”, 13ª ed. atualizada, Editora Atlas, São Paulo, 2003, pág. 57.
21
constituições dualistas ou pactuadas, através das quais se efectiva um compromisso entre o rei e
assembleia representativa.39
5. Revisão da Constituição
39
Canotilho, 1993, pág. 122.
40
Canotilho, 1993, pág. 106.
41
Moraes, 2003, pág. 28.
42
Canotilho, 1993, pág. 121.
22
A revisão da Constituição resulta de um Poder Constituinte derivado, porque inserido na própria
Constituição, e decorre de uma regra jurídica de autenticidade constitucional, portanto, conhece
limitações constitucionais expressas e implícitas e é passível de controle de
43
constitucionalidade.
b) O órgão de revisão é o órgão legislativo, mas a revisão exige a participação directa do povo.
Aqui a revisão constitucional continua a pertencer ao órgão legislativo, mas as modificações
43
Moraes, 2003, pág. 28.
44
Miranda, tomo II, 1996, pág. 148.
45
Canotilho, 1993, pág. 1123.
46
Citado por Gomes Canotilho, 1993, pág. 1124.
47
Canotilho, 1993, págs. 1125-1128.
48
Na Constituição da RDTL o poder de revisão constitucional pertence ao Parlamento Nacional (art. 154º, nº 1 e 2).
23
constitucionais carecem de aprovação popular através de referendum, preventivo ou sucessivo,
facultativo ou obrigatório.
Este limite costuma ser justificado pela necessidade de assegurar uma certa estabilidade às
instituições constitucionais.50
A fim de se evitar que o legislador ordinário tenha a constituição à sua completa disposição,
estabelecem-se requisitos tendentes a impedir que as maiorias parlamentares no poder assumam
poderes de revisão para moldar a constituição de acordo com os seus interesses.51
V. Limites circunstanciais
49
A Constituição da RDTL só pode ser revista por maioria de dois terços dos deputados do Parlamento Nacional em
efectividade de funções (art. 155º, nº 1).
50
A Constituição da RDTL só pode ser revista decorridos seis anos sobre a data da entrada em vigor da Constituição
originária ou sobre a data da publicação da última revisão (art. 155º, nº 2 e 3).
51
Fora da limitação temporal referida, a Constituição será revista apenas a solicitação de quatro quintos dos
deputados em efectividade de funções (art. 155º, nº 4).
52
A Constituição da RDTL não pode ser revista durante o período em que vigore o estado de sítio ou de emergência
(art. 157º).
24
6. As Cláusulas Pétreas
Trata-se de normas ou princípios constitucionais que a própria Constituição prevê que não
possam ser alteradas numa revisão constitucional. Trata-se de uma manifestação da prevalência
do Poder Constituinte originário relativamente ao Poder Constituinte derivado.
Para Jorge Miranda, “O problema dos limites materiais da revisão reconduz-se, no fundo, ao
traçar de fronteiras entre o que vem a ser a função própria de uma revisão e o que seria já
convolação em Constituição diferente”.54
Outras vezes, as constituições não contêm quaisquer preceitos limitativos do poder de revisão,
mas entende-se que há limites não articulados ou tácitos, vinculativos do poder de revisão. Esses
limites podem ainda desdobrar-se em limites textuais implícitos, deduzidos do próprio texto
constitucional, e limites tácitos imanentes numa ordem de valores pré-positiva, vinculativa da
ordem constitucional concreta.
Consideram-se limites absolutos de revisão todos os limites da constituição que não podem ser
superados pelo exercício de um poder de revisão; serão simples limites relativos aqueles limites
que se destinam a condicionar o exercício do poder de revisão, mas não a impedir a
53
Os limites materiais encontram-se enunciados no art. 156º da Constituição.
54
Miranda, 1996, tomo II, pág. 199.
55
Canotilho, 1993, págs. 1129-1132.
25
modificabilidade das normas constitucionais, desde que cumpridas as condições agravadas
estabelecidas por esses limites.
A existência de limites absolutos é, porém, contestada por alguns autores, com base na
possibilidade de o legislador de revisão poder sempre ultrapassar esses limites mediante a técnica
da dupla revisão. Num primeiro momento, a revisão incidiria sobre as próprias normas de
revisão, eliminando ou alterando esses limites; num segundo momento, a revisão far-se-ia de
acordo com as leis constitucionais que alteraram as normas de revisão. Desta forma, as
disposições consideradas intangíveis pela constituição adquiririam um carácter mutável, em
virtude da eliminação da cláusula de intangibilidade operada pela revisão constitucional”.56
Já para Jorge Miranda, não é admissível a revisão constitucional, mesmo com recurso ao
mecanismo da dupla revisão, relativamente às cláusulas referentes aos limites dos próprio poder
constituinte originário. Mas já admissível a alteração mediante tal mecanismo relativamente aos
restantes limites.57
56
Gomes Canotilho afasta, porém, esta possibilidade.
Em Portugal a técnica da dupla revisão foi usada, por exemplo, com a Constituição Portuguesa de 1976, eliminando-
se algumas normas de limitação da revisão constitucional.
57
Miranda, tomo II, 1996, pág. 207.
26
CAPÍTULO IV – PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA CONSTITUIÇÃO
O termo República está aqui utilizado no sentido de colectividade política, de sociedade política
ou de comunidade política, enfim, de res publica”.61
Salienta ainda Gomes Canotilho que se tal definição exprime um Estado organizado e regido por
leis. Por outro lado, exprime ainda o exercício de poder não pessoalizado.62
58
Canotilho, 1993, pág. 345.
59
Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, coordenação de Pedro Carlos Bacelar de
Vasconcelos, edição de Direitos Humanos-Centro de Investigação Interdisciplinar, Escola de Direito da
Universidade do Minho, Campus de Gualtar, Braga, pág. 19.
60
Canotilho, 1993, pág. 484.
“Logo aqui se revela que Constituição se apresenta como lei fundamental da comunidade ou lei-quadro fundamental
da República, globalmente considerada, e não apenas como estatuto organizatório do Estado” (Gomes Canotilho e
Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4ª ed. revista, Coimbra Editora, 2007, pág.
197.
61
Canotilho e Moreira, 2007, pág. 197.
62
Por contraposição ao regime monárquico.
27
Para Gomes Canotilho e Vital Moreira, “As bases da República são a dignidade da pessoa
humana e a vontade popular”.63
63
Canotilho e Moreira, 2007, pág. 198.
64
Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, pág. 20.
65
Canotilho e Moreira, 2007, pág. 197.
66
Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, pág. 22.
28
Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Do princípio da constitucionalidade em geral e da
constitucionalidade do Estado em particular decorre necessariamente o princípio da
constitucionalidade da acção do Estado e de quaisquer outras entidades públicas”.67
A cidadania encontra consagrada no art. 3º. “A cidadania pode ser definida como o vínculo
jurídico que traduz a pertença de um indivíduo a uma comunidade política. Para os seus titulares,
a cidadania representa, além de um importante alicerce de identidade, o estatuto jurídico
fundamental e primário, a matriz de que decorrem os seus direitos e deveres. A cidadania é,
simultaneamente, um status e o direito de participar na vida jurídica e política que o Estado
propicia e de beneficiar da defesa e da promoção de direitos que o Estado concede. Para os
Estados, a delimitação do universo dos seus cidadãos (o seu povo) constitui uma prerrogativa
fundamental, expressão da sua soberania e matéria do seu domínio reservado, ainda que o direito
internacional imponha algumas condições (como a do caráter efetivo dos laços existentes entre o
indivíduo e o Estado) sem as quais o vínculo, conquanto estabelecido a nível interno, não será
oponível aos demais Estados nem poderá ser invocado na esfera internacional”.68
O direito de cidadania está consagrado no 15º da Declaração Universal dos Direitos do Homem
(“Todo o cidadão tem direito a uma nacionalidade”). A cidadania nacional encontra-se
regulamentada na Lei nº 9/2002, de 20 de Outubro.
O território, princípio consagrado no art. 4º, “delimita o espaço físico dentro do qual o Estado
exerce plenamente o seu poder, constituindo, nessa medida, um pressuposto material do
exercício válido, efetivo e exclusivo da soberania e uma condição da independência política e
económica relativamente a outros Estados”.69
67
Ob. cit., pág. 217.
68
Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, pág. 25.
69
Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, pág. 29.
70
Sobre a definição da zona marítima nacional a Lei 7/2002, de 24 de Agosto, de acordo com a Convenção das
Nações Unidas de direito do mar de 1982 (convenção de Montego Bay). Assim, nos termos do art. 5º, “O limite
29
Os objectivos do Estado encontram-se enunciados no art. 6º. Timor-Leste, enquanto Estado
constitucional, está vinculado, quanto aos meios e quanto aos fins à própria Constituição.71
“O Estado está vinculado à realização dos objetivos estabelecidos na Constituição, por força de
se assumir como Estado constitucional, isto é, um Estado subordinado ao disposto na
Constituição (art. 2°, n° 2). A obrigação do Estado é completa, no sentido de que o Estado deve
não só empregar todos os meios adequados como ainda assegurar que os fins sejam efetivamente
realizados”.72
Trata-se de norma programática, que delimita e obriga o Estado na sua actividade legislativa e
administrativa, mas dela não se extraem directamente direito subjectivos dos cidadãos. A única
consequência da sua violação será a inconstitucionalidade por omissão.
exterior do mar territorial de Timor-Leste é definido por uma linha em que cada um dos pontos se situa a uma
distância de doze milhas náuticas do ponto mais próximo da linha de base”, ou seja, veio fixar-se como mar
territorial o mar adjavente à costa até 12 milhas marítimas (conforme o art. 3º da Convenção), havendo ainda uma
zona contígua ao mar territorial, até ao limite de 24 milhas, nos termos do art. 6º da Lei, a contar da linha de base do
mar territorial, onde o Estado pode tomar medidas de fiscalização e prevenção, nos termos do art. 10º, nº 2 da Lei
(conforme o art. 33º da Convenção). Para além disso existe a zona económica exclusiva, a área marinha situada para
além do mar territorial e a este adjacente, até 200 milhas marítimas a contar do ponto mais próximo da linha de base,
nos termos do art. 7º da Lei, que conferem direitos de fruição exclusiva, nomeadamente dos recursos naturais aí
existentes, de harmonia com o disposto no art. 56º da Convenção. A plataforma continental, definida no art. 8º da
Lei, é semelhante à zona económica exclusiva e refere-se aos fundos marínhos (arts. 76º e 77º da Convenção),
fundamentando nomeadamente a prospecção de petróleo na zona referida.
71
Canotilho e Moreira, 2007, pág. 275.
72
Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, pág. 36.
73
Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, pág. 39.
30
Segundo Gomes Canotilho, “O sufrágio universal é considerado quase como a ratio essendi da
República”.74
74
Canotilho, 1993, pág. 313.
75
Canotilho e Moreira, 2007, pág. 285.
76
Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, pág. 43.
31
Revela-se aqui a importância que o legislador constituinte atribuiu ao próprio Eatdo na relações
internacionais, onde se assiste a uma cada vez maior interdependência entre os Estados, bem
como um incremento do sistema normativo internacional.
Para Vital Moreira e Gomes Canotilho, “O nº 1 contém, na sua maior parte, princípios gerais de
direito internacional comum que regem as relações internacionais e que, mesmo no silêncio da
Constituição, já vinculariam o Estado”. A norma “estabelece de forma inequívoca e reforça, com
a autoridade da Lei fundamental, os mesmos princípios”.77
Nesta sequência, estabelece o art. 10º, nº 1, a solidariedade com a luta dos povos pela libertação
nacional.
“Por solidariedade, neste contexto, crê-se dever entender-se o empenhamento ativo do Estado
com a luta de outros povos que ainda não atingiram a autodeterminação a que aspiram.
“… já no n.° 2 deste mesmo artigo a Constituição traduz esta solidariedade num compromisso
concreto com as vítimas daquela luta.
“Da localização sistemática desta norma sobre asilo e do próprio enunciado do artigo resulta que
o direito de asilo não é um direito fundamental das vítimas de perseguição, mas apenas uma
concessão do Estado, que vincula as autoridades públicas, mas não atribui um direito subjetivo
fundamental às vítimas de perseguição”.79
77
Canotilho e Moreira, 2007, pág. 239-240.
78
Canotilho e Moreira, 2007, págs. 240 e 241.
79
Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, págs. 54-55.
32
Este preceito deve ser interpretado “não só no sentido do reconhecimento do direito à inssureição
como direito de resistência colectiva activamente exercida, mas também no sentido de legitimar
o apoio … aos povos que lutam contra a oporessão”.80
80
Canotilho e Moreira, 2007, pág. 242.
81
Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, 2007, pág. 255, teoria da adopção.
82
Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, págs. 54-55.
83
Direito Internacional Público.
33
jurídica das colectividades, acabam por adquirir sentido normativo no plano do direito
internacional (por ex: princípio da boa-fé, cláusula rebus sic stantibus84, princípio do abuso de
direito, princípio da legitima defesa)”.85
Como já se referiu anteriormente, “a exaltação [no art. 11º] das ações heroicas dos fundadores e
a legitimação da desordem revolucionária donde emergiu a nova ordem jurídico-constitucional
pertencem a uma tradição comum ao movimento constitucional moderno”.86 Dele nasce o poder
constituinte originário.
Não obstante o disposto no art. 11º, nº 2, o art. 12º consagra a laicidade do Estado timorense.
Este artigo deve ser interpretado em articulação com o art. 45.°, onde explicitamente é
consagrado o princípio da separação entre as confissões religiosas e o Estado.87
Nos termos do art. 13º, nº 1, “O tétum e o português são as línguas oficiais da República
Democrática de Timor-Leste”.88
Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Esta norma constitui uma imposição no sentido de,
em cerimónias do Estado ou em missões oficiais dos titulares dos órgãos de soberania do
Estado”, ser utilizada uma das línguas oficiais.89
84
Rebus sic stantibus é uma expressão latina que significa “estando as coisas assim” ou “enquanto as coisas estão
assim”. A cláusula rebus sic stantibus consagra princípio de que uma convenção pode ser ajustada a uma nova
realidade, ou uma situação imprevista.
85
Canotilho e Moreira, 2007, págs. 254-255.
86
Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, págs. 58.
87
Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, págs. 59.
88
O padrão ortográfico da língua tétum desenvolvido pelo Instituto Nacional de Linguística (INL) foi aprovado pelo
Decreto do Governo n° 1/2004, de 14 de Abril.
89
Canotilho e Moreira, 2007, pág. 292.
34
Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Os símbolos nacionais, antes de serem símbolos do
Estado, são símbolos da colectividade política (da República, no sentido do art. 1º). São valores
de referência de toda a colectividade, de comunhão cultural e ideológica, de identificação e de
distinção. Assumem, assim, alto relevo sob o ponto de vista constitucional”.90
90
Canotilho e Moreira, 2007, pág. 291 (Quando, no artigo [14°], se fala de “Bandeira Nacional” e de “Hino
Nacional”, o adjectivo nacional aponta para o conceito de Nação como sinónimo de povo “fomado e determinado
historicamente”, isto é, “portador de historicidade existencial”).
35
36
Direito Constitucional II
Para Gomes Canotilho, “o conceito de Estado é assumido como uma forma histórica de um
ordenamento jurídico geral cujas características ou elementos constitutivos [são] os seguintes:
(1) - territorialidade, isto é, a existência de um território concebido como “espaço da soberania
estadual”; (2) - população, ou seja, a existência de um “povo” ou comunidade historicamente
definida; (3) -politicidade: prossecução de fins definidos e individualizados em termos políticos.
A organização política do Estado era, por sua vez, uma parte fundamental (“parte orgânica”) da
Constituição”.91
Num sentido amplo, o Estado abrange “todo o complexo de entidades públicas, isto é, aquelas
dotadas, entre outras coisas, de poder de autoridade -, e neste sentido se pode dizer por exemplo
que o Estado abrange não apenas o Estado central, mas também os [órgão de poder local].
Noutros casos, tem um sentido menos amplo, excluindo precisamente as outras entidades
públicas territoriais. Noutros casos ainda tem um sentido ainda mais restrito, abrangendo apenas
o Estado-pessoa-colectiva representada pelo Governo e excluindo todas as outras entidades
públicas”.92 No art. 1º da Constituição “o Estado designa a organização política da sociedade
constitucionalmente institucionalizada”.93
91
Canotilho, 1993, págs. 14-15.
92
Canotilho e Moreira, 2007, pág. 204.
93
Canotilho e Moreira, 2007, pág. 204.
37
Jorge Miranda considera que o Estado tem as seguintes características: (a) complexidade de
organização e actuação; (b) institucionalização; (c) coercibilidade e autonomização do poder
político; e (d) sedentariedade.94
- Soberania: poder supremo e aparentemente ilimitado para vencer qualquer resistência interna à
sua acção e para afirmar a sus independência perante outros Estados.95
94
Miranda, tomo I, 1997, pág. 47.
95
Miranda, tomo I, 1997, págs. 64-65.
38
2. Princípios constitucionais
A Constituição (art. 1º, nº 1) define o Estado timorense como “um Estado de direito
democrático”.
Segundo Gomes Canotilho, o princípio do Estado de direito pressupõe por sua vez os seguintes
princípios:
“Estes princípios apontam sobretudo para a necessidade de uma conformação formal e material
dos actos legislativos, postulando uma teoria da legislação, preocupada em racionalizar e
96
Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, págs. 19.
97
Canotilho, 1993, pág. 371.
39
optimizar os princípios jurídicos de legislação inerentes ao Estado de direito. A ideia de
segurança jurídica reconduz-se a dois princípios materiais concretizadores do princípio geral de
segurança: princípio da determinabilidade de leis expresso na exigência de leis claras e densas e
o princípio da protecção da confiança, traduzido na exigência de leis tendencialmente estáveis,
ou, pelo menos, não lesivas da previsibilidade e calculabilidade dos cidadãos relativamente aos
seus efeitos jurídicos”.98
98
Canotilho, 1993, págs. 371-372.
99
Canotilho, 1993, págs. 382-384.
100
Canotilho, 1993, págs. 385-388.
40
normas jurídicas, o relacionamento em pé de igualdade com os demais Estados membros da
comunidade internacional.
- Funções de Estado de segunda ordem, como a política de “intervenção” e “estímulo” com o fim
de criar instrumentos de “integração” necessários à organização capitalista da economia (art. 6º,
al. d)); e
101
Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, págs. 20.
41
mercado»; são instrumentos de transformação e modernização das estruturas económicas e
sociais” (art. 6º, als. e), f), g), i) e j)).102
Promover a “edificação de uma sociedade com base na justiça social, criando o bem-estar
material e espiritual dos cidadãos”, sintetiza os objetivos do Estado da proteção da liberdade
individual e a garantia dos direitos de participação política, os quais só “realizáveis no quadro de
valores de uma sociedade solidária, atenta à criação das condições materiais indispensáveis ao
desenvolvimento económico, à melhoria das condições de vida, à igualdade de oportunidades no
acesso à educação, à saúde, e à segurança social”.103
102
Canotilho, 1993, págs. 474.
103
Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, pág. 37.
42
CAPÍTULO II - ORGANIZAÇÃO DO PODER POLÍTICO
1. Princípios Gerais
Nos termos do art. 67º da Constituição, “São órgãos de soberania o Presidente da República, o
Parlamento Nacional, o Governo e os Tribunais.”
104
Canotilho, 1993, págs. 73.
105
Moraes, 2003, pág. 369.
43
(checks and balances) é uma das suas principais garantias. Por outro lado, a separação de
poderes impõe constitucionalmente a legitimidade democrática (direta e indireta) da ação dos
órgãos de soberania, como sucede diretamente com o Parlamento ou o Presidente da República e,
indiretamente, com o Governo que responde perante o PN e o PR. No caso dos tribunais, a
legitimidade da sua ação é de outra forma garantida pela Constituição, por exemplo, impondo
especiais garantias de independência, que todos os demais poderes deverão respeitar. A
legitimidade própria de cada um dos órgãos de soberania é o fundamento para o seu controlo
mútuo (checks and balances) – razão pela qual, além de estrita separação, este é também um
princípio de interdependência de poderes”.106
Citando, de novo Alexandre de Moraes, “Não existirá, pois, um Estado democrático de direito,
sem que haja Poderes de Estado e Instituições, independentes e harmônicos entre si, bem como
previsão de direitos fundamentais e instrumentos que possibilitem a fiscalização e a perpetuidade
106
Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, pág. 243.
107
Moraes, 2003, pág. 373.
108
Canotilho, 1993, pág. 73.
44
desses requisitos. Todos estes temas são de tal modo ligados que a derrocada de um, fatalmente,
acarretará a supressão dos demais, com o retorno do arbítrio e da ditadura”.109
No que respeita à forma de organização do poder político pode-se caraterizar o regime político
consagrado na Constituição como semi-presidencial, ou regime misto parlamentar presidencial,
“onde são visíveis elementos caracterizadores do regime parlamentar e dimensões próprias da
forma de governo presidencialista”.110
a) Autonomia do Governo
“Tal como no regime parlamentar, onde existe um conselho de ministros, presidido por chefe de
governo, com autonomia institucional e competência própria, e ao contrário do regime
presidencialista puro, em que os «secretários de Estado» não formam um corpo autónomo, sendo
meros executantes do Presidente da República, a [Constituição da RDTL] estabelece a existência
de um Governo dirigido por um Primeiro-Ministro como órgão de soberania institucionalmente
autónomo” (arts. 103º a 105º).
b) Responsabilidade ministerial
109
Moraes, 2003, pág. 374.
“Sendo a lei “fonte do direito”, “instrumento principal de dominação” e “prerrogativa máxima do poder soberano”,
indiscutível a necessidade de se prever a existência de um órgão estatal para sua realização. Órgão este independente
e autônomo, a fim de realizar seu mister sem ingerências indevidas de outros órgãos estatais. Para tanto, consagrou-
se a separação das funções do Estado mediante critérios funcionais” (Moraes, 2003, pág. 419).
110
Canotilho, 1993, pág. 582.
111
Canotilho, 1993, págs. 583-585.
45
Traços do regime presidencial:
“Tal como acontece nos sistemas presidencialistas, o PR é eleito através de sufrágio universal,
directo e secreto dos cidadãos [timorenses (art. 76º, nº 1)]. Não se estabelece, pois, uma
legitimidade indirecta do PR derivada da sua eleição pelas câmaras como acontece nos regimes
parlamentares republicanos.
“Embora o PR não disponha de iniciativa legislativa, pode opor-se através do veto, como
acontece nos regimes presidenciais, às leis” votadas pelo PN (cfr. art. 88º, nº 1).
“Um regime presidencial caracteriza-se pela existência de poderes de direcção política por parte
do presidente da república, diferentemente do que acontece com um presidente da república em
regime parlamentar. O que rigorosamente imprime uma dimensão presidencialista ao regime é:
(i) o conjunto de poderes institucionais conferidos ao PR e inexistente nos regimes
parlamentares; (ii) a existência de poderes próprios de um indirizzo político activo; (iii) a
desnecessidade, como corolário da natureza activa dos poderes próprios, da referenda ministerial
… (nos regimes parlamentares a regra é, pelo contrário, a necessidade de referenda ministerial)”.
2. Poder Legislativo
46
termos deste artigo, “o órgão de soberania da República Democrática de Timor-Leste,
representativo de todos os cidadãos timorenses”.112
Conforme resulta do art. 92º da Constituição, o Parlamento Nacional (titular do poder legislativo
segundo o princípio da separação de poderes) não tem apenas funções legislativas, competindo-
lhe igualmente a função de fiscalização e a função de decisão política.
“O Parlamento assume, para o pleno cumprimento destas funções, um conjunto de poderes que
os arts. 95.° a 98.° melhor especificam: poder orçamental; poder de revisão constitucional; poder
exclusivo para legislar sobre as matérias mais sensíveis – como a delimitação do território, a
nacionalidade, direitos, liberdades e garantias – e poder de colaborar com o Governo na
regulação de outras, através do mecanismo de autorização legislativa; e poderes amplos de
controlo da ação de outros órgãos, em particular, do Governo e da Administração”.113
112
Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, pág. 308.
113
Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, págs. 308-309.
114
Canotilho, 1993, pág. 704.
115
Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, pág. 318.
47
Segundo Gomes Canotilho, “No momento actual de progressiva ampliação da competência
legislativa do executivo, o problema da reserva da lei ganha sentido se quisermos acentuar não
tanto a divisão dos poderes (hoje substancialmente atenuada face à institucionalização da prática
dos decretos-leis) ou a função dos parlamentos como simples órgãos de controlo político ou de
ratificação da legislação governamental, ou ainda a redução das leis parlamentares à fixação
racionalizadora e estabilizadora de uma ordem estadual (reserva de lei informada pela ideia de
Estado de direito), mas sim a legitimidade democrática das assembleias representativas, expressa
na consagração constitucional da preferência e reserva de lei formal para a regulamentação de
certas matérias”.116\
Hegel, ao conceber o poder legislativo como o poder de organizar o universal, considera a lei
como expressão do geral e os actos do executivo como expressão do particular. “Quando se tem
de distinguir entre aquilo que é objecto de legislação geral e aquilo que pertence ao domínio das
autoridades administrativas e da regulamentação governamental, pode essa distinção geral
assentar em que na primeira se encontra o que, pelo seu conteúdo, é inteiramente universal. No
segundo encontram-se, ao contrário, o particular da modalidade de execução”.118
116
Canotilho, 1993, págs. 704-705.
117
Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, págs. 320-321.
118
Hegel, Princípios da Filosofia do Direito, Lisboa, 1959, pág. 309, citado por Canotilho, 1993, pág. 695.
48
3. O Governo
Embora a Constituição não faça qualquer referência ao poder legislativo do Governo, com
excepção da matéria da sua exclusiva competência (art. 115º), certo é que os Decretos Lei do
119
Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, pág. 343.
120
Canotilho, 1993, pág. 745.
121
Canotilho, 1993, págs. 745-746.
122
Canotilho, 1993, pág. 746.
49
Governo foram elencados entre as fontes nacionais de direito no art. 5º, nº 2, al. d), da Lei nº
1/2002, de 7 de Agosto.
No entanto, este facto, associado à circunstância de não existir nenhuma norma que atribua ao
Governo competência legislativa residual, ou concorrente, significa que o Governo não pode
legislar fora do âmbito expressamente previsto no art. 115º, o que reforça de forma clara a
competência legislativa do Parlamento Nacional, em detrimento do Governo.
4. A Presidência da República
Ao Presidente da República são atribuídos poderes próprios (numa linha mista de regimes
presidencialistas e de governos dualistas) e poderes partilhados (numa orientação próxima de
regimes parlamentares republicanos).
Os poderes próprios (por vezes chamados «institucionais») são aqueles que o Presidente da
República é autorizado pela Constituição a praticar, só e pessoalmente, mesmo quando se
verifiquem algumas exigências constitucionais (pareceres, consultas): dissolução da Assembleia
da República (art. 86º, al. f)),; nomeação do Primeiro-Ministro (art. 85º, al. d)) e demissão do
Governo (arts. 86º, al. g); etc..
Particularmente relevantes são as funções atribuídas ao Presidente em tempos de crise (art. art.
85º, als. g) e h)).
123
Canotilho, 1993, págs. 729-730.
50
O Conselho de Estado é um órgão constitucional auxiliar, pois ele é configurado
constitucionalmente como “órgão de consulta política do Presidente da República” (art. 90º).
51