Norma de sobredireito A antiga Lei de Introdução ao Código Civil é o Decreto-lei
4.657, de 1942, conhecida anteriormente nos meios jurídicos pelas iniciais LICC. Trata- se de uma norma de sobredireito, ou seja, de uma norma jurídica que visa a regulamentar outras normas (leis sobre leis ou lex legum). O seu estudo sempre foi comum na disciplina de Direito Civil ou de Introdução ao Direito Privado, pela sua posição topográfica preliminar frente ao Código Civil de 1916. A tradição inicialmente foi mantida com o Código Civil de 2002, podendo a citada norma ser encontrada, de forma inaugural, nos comentários à atual codificação privada. Aplica-se tanto ao direito privado quanto ao direito público Porém, apesar desse seu posicionamento metodológico, a verdade é que a antiga LICC não constituía uma norma exclusiva do Direito Privado. Por isso, e por bem, a recente Lei 12.376, de 30 de dezembro de 2010, alterou o seu nome de Lei de Introdução ao Código Civil para Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Isso porque, atualmente, a norma mais se aplica aos outros ramos do Direito do que ao próprio Direito Civil. Em outras palavras, o seu conteúdo interessa mais à Teoria Geral do Direito do que ao Direito Civil propriamente dito. Lei de introdução _ tradição jurídica oriunda do direito francês A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, aliás, representa uma manifestação da tradição jurídica ocidental, oriunda do Direito francês. Conteúdo Como se pode verificar, a LINDB é um verdadeiro código de normas coordenador do direito e que contém as diretrizes básicas da ordem jurídica, exercendo a função de lei geral, especialmente por regular a vigência e a eficácia das normas jurídicas (arts. 1.º e 2.º), garantir a sua eficácia e inadmitir o erro de direito ou o desconhecimento da lei (art. 3.º), estabelecer os mecanismos de integração do ordenamento jurídico em caso de lacunas (art. 4.º), fornecer critérios interpretativos (de hermenêutica) das normas em geral (art. 5.º), e, finalmente, por orientar a solução de conflito de normas no tempo (art. 6.º) e no espaço (arts. 7.º a 19). Validade da norma _ conceito A validade da norma jurídica está ligada à ideia de conformidade e legalidade, ou seja, à noção de que a norma foi produzida por autoridade legítima, competente para tratar da matéria objeto da lei, respeitados os trâmites legais preestabelecidos e em conformidade com as prescrições constitucionais. Está, portanto, ligada ao cumprimento dos requisitos de criação da norma. Nessa qualidade, a validade pode ser dividida em validade material (quando disser respeito ao conteúdo regulado) e validade formal (quando se tratar de competência de quem a elaborou ou da observância dos trâmites legais – processo legislativo). Vigência da norma _ conceito A vigência da norma jurídica, por sua vez, diz respeito não à norma em si, mas à sua aptidão (capacidade) de produzir efeitos. A vigência, portanto, é o período de tempo em que a norma jurídica está legalmente autorizada a irradiar seus efeitos. É o período em que a norma opera seus efeitos vinculativos e pode ser invocada por qualquer interessado para que produza os efeitos que lhe são esperados. Diferença entre vigência e validade A vigência e a validade de uma norma podem ou não se confundir. Uma norma pode ser válida, já devidamente aprovada, e ter sua vigência postergada para momento futuro. Ou então, uma norma revogada (não mais válida) pode muito bem continuar vigente para as relações jurídicas estabelecidas e consolidadas antes da sua revogação. Eficácia da norma _ conceito Finalmente, a eficácia vem a ser a característica da norma de efetivamente produzir os seus efeitos esperados. Diz respeito à força de seu comando sobre os destinatários, à possibilidade de ser invocada e aplicada no caso concreto. Para que se possa falar em eficácia, a norma deve ser observada e respeitada pela sociedade ou ser aplicada pela autoridade competente (por exemplo: Poder Judiciário). Uma norma válida e vigente pode não produzir efeito algum se for ignorada pela sociedade, tornando-se "letra morta". Para que uma norma seja eficaz, ela deve ser respeitada e observada pelos seus destinatários e, para que isso ocorra, é preciso que a norma esteja de acordo com os padrões e valores vigentes na sociedade que se pretende regular. A eficácia está, assim, ligada à adequação da norma à realidade social sobre a qual pretende produzir seus efeitos. "Quando o direito ignora a realidade, a realidade se vinga ignorando o direito" (Georges Ripert). Normas da LINDB que disciplinam o direito intertemporal A LINDB disciplina em seus artigos iniciais (arts. 1.º, 2.º e 6.º) o direito intertemporal, demarcando o início da vigência das normas, o momento em que estas passam a ter eficácia, produzindo efeitos, além de estabelecer os critérios de solução de conflitos de leis no tempo. Início de vigência das leis De acordo com o art. 1.º da LINDB, as leis, em todo território nacional, começam a vigorar 45 (quarenta e cinco) dias depois de sua publicação, salvo disposição expressa em sentido contrário. Após o regular processo legislativo de elaboração e criação da norma, para que a mesma adquira obrigatoriedade e autoridade, deve ser sancionada pelo Chefe de Estado e em seguida publicada no Diário Oficial. A publicação é o ato que confere publicidade à norma, ou seja, que a torna conhecida por todos em seu território. Vacatio legis _ conceito O intervalo entre a publicação da norma e o início da sua vigência é denominado vacatio legis (vacância da lei). A vacatio legis é, dessa forma, o período de tempo (prazo) entre a introdução da norma no mundo jurídico (criação) e o início da sua obrigatoriedade (vigência) e varia de acordo com o interesse do legislador, tendo em vista a finalidade da norma. Prazos especiais de vacatio legis Todavia, há casos em que a própria norma estabelece prazo de vacatio legis diferente, que pode ser maior ou menor que o prazo legal (45 dias) ou até mesmo não existir, hipótese em que a norma passa a viger de imediato, a partir da sua publicação. Como exemplo, podemos citar o caso da Lei de Licitações (Lei 8.666/1993) que passou a viger a partir da sua publicação, ou o caso do Código Civil de 2002, que entrou em vigor somente 1 (um) ano após a data de sua publicação. Todavia, se dada norma jurídica nada mencionar, o seu prazo para passar a vigorar é de 45 dias, conforme regra geral estabelecida pela LINDB. Vacatio Legis _ forma de cômputo O prazo de vacatio legis deve ser computado de acordo com o que determina o § 1º do art. 8º da Lei Complementar nº 95/98 . Assim, a contagem do prazo para a entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á incluindo a data da publicação e o último dia do prazo, vindo a lei entrar em vigor no dia subsequente à consumação prazal. Afasta-se, pois, em linha de princípio, da regra geral do Direito Civil, expressa no art. 132 do Código Civil. Contudo, não se pode olvidar que determinados Diplomas Legais, indevidamente, terminam fixando prazos de vacatio legis em meses ou em anos. Eloquente é o exemplo do Código de Processo Civil de 2015, cujo art. 1.045 reza: “este Código entra em vigor após decorrido um ano da data de sua publicação oficial”. Em casos tais, em razão da impossibilidade de utilização do critério assinalado no aludido dispositivo Legal (§ 1º do art. 8º da Lei Complementar nº 95/98), que é baseado em um cálculo do número de dias, a melhor solução é invocar o comando do art. 132 da Codificação de 2002, contando-se o período vacante (fixado em mês ou em ano) de data a data. Vacatio legis _ encerramento em sábados, domingos ou feriados Acresça-se não importar que o prazo termine em sábados, domingos e feriados, na medida em que, mesmo em tais dias, a norma legal continua a ser obrigatória.
Importância dos prazos I. Termo e prazo. A importância da fixação dos termos
inicial e final resulta na contagem dos prazos. O art. 132 define a forma de contagem dos prazos no Código Civil. O prazo é o tempo que medeia entre o termo inicial e final, o qual se revela essencial para inúmeras situações previstas no sistema jurídico. As obrigações com prazo certo, as obrigações periódicas, a consumação da usucapião, são exemplos sobre a importância da contagem dos prazos. Na seara obrigacional o transcurso do prazo determina consequências relativas à mora, à inexecução total ou imperfeita das obrigações; na seara dos direitos reais acaba por ser elemento essencial na aquisição do direito de propriedade (usucapião). Forma de contagem dos prazos no CC II. Forma de contagem dos prazos. A forma de contagem prevista no art. 132 é autoexplicativa e reflete orientação que já vingava no CC/1916, após a reforma introduzida pela Lei 810/1949. A orientação atual acaba por eliminar a diferença de contagem do art. 132, § 3º, pelo qual os prazos em meses e anos sempre incidirão no mesmo dia do período posterior, para evitar confusão na contagem do prazo. O art. 132 do Código brasileiro acolheu apenas a primeira lição do direito romano, pois excluiu o dia de início da posse para o cômputo do prazo (dies a quo non computator in termino). Como exige que o prazo seja contado em dias, e não em horas, as frações do dia devem ser excluídas (Baudry-Lacantinerie/Tissier, Traité Théorique et Pratique de Droit Civil – De la Prescription, cit., p. 331). Trata-se de regra formulada por Dumoulin, como meio de computar apenas os dias inteiros. Quanto ao cômputo final do prazo, nosso sistema não seguiu o modelo romano, já que exige o término efetivo do dia, não bastando apenas seu início; regra acolhida integralmente pelo art. 2.229 do Código francês: “Elle est acquise lorsque le dernier jour est accompli”. Entretanto, se o último dia cair em feriado ou domingo, considerar-se-á prorrogado o prazo para o dia útil seguinte, cujo entendimento já havia sido fixado pelo STF, em que pese as redações atuais (art. 132, § 1º, do CC brasileiro e art. 224, § 1º, do CPC/2015): “Princípio geral a ser obedecido: se o termo final de prazo recair em dia não útil, prorrogar-se-á até o primeiro dia útil seguinte, mesmo que seja de decadência dito prazo” (STF, ERE 86.741-4/BA, Tribunal Pleno, rel. Min. Oscar Corrêa, Juriscível 137/96). A legislação material em vigor não segue a distinção realizada pelos romanos entre tempus utiles e tempus continuam. Os feriados e dias de recesso, desde que antes do termo de vencimento, sempre são incluídos no cálculo do prazo. O mesmo não ocorre em relação à legislação processual. Segundo o art. 219, caput do CPC/2015, “na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis” (o parágrafo único desse dispositivo destaca que a regra aplica-se apenas a prazos processuais). Forma de contagem dos prazos no CPC I. Contagem dos prazos. Regra geral. Como regra, os prazos processuais 1.º) têm início no primeiro dia útil seguinte ao da publicação (§ 3.º do art. 224 do CPC/2015), assim considerado o primeiro dia útil seguinte ao da disponibilização da informação no Diário da Justiça (§ 2.º do art. 224 do CPC/2015); 2.º) contam-se “excluindo o dia do começo e incluindo o dia do vencimento” (art. 224, caput, do CPC/2015); 3.º) correm somente em dias úteis (cf. art. 219 do CPC/2015). Início de vigência do CC Esclarecendo, a lei passa por três fases fundamentais para que tenha validade e eficácia as de elaboração, promulgação e publicação. Depois vem o prazo de vacância, geralmente previsto na própria norma. Isso ocorreu com o Código Civil de 2002, com a previsão do prazo de um ano a partir da publicação (art. 2.044 do CC/2002). De acordo com o entendimento majoritário, inclusive da. jurisprudência nacional, a atual codificação privada entrou em vigor no dia 11 de janeiro de 2003, levando-se em conta a contagem dia a dia. Vacatio legis _ objetivo A vacatio legis é, outrossim, um prazo que o legislador confere para que se faça a divulgação da norma, bem como para que os seus destinatários ou interessados possam estudá-la e assimilar as implicações que serão introduzidas, além de fazer as adaptações necessárias ao seu cumprimento. Eduardo Espínola explica que esse período de espera é uma prudente precaução do legislador que visa preparar aqueles que à nova lei devem obediência, ou aos quais incumbe executá-la e fazer cumprir, para que com ela (lei) se familiarizem e se ajustem (A Lei de Introdução ao Código Civil. 3. ed., Rio de Janeiro: Editora Renovar, 1999. v. 1. p. 40). Vacatio legis _ lei válida sem vigência Durante o período da vacatio legis, a norma publicada, apesar de válida, não está vigente, na medida em que não produz efeitos jurídicos concretos. Nesse intervalo de vacância, vigora, ainda que revogada ou alterada, a norma ou o regramento até então existente, que subsiste até que a lei nova passe a irradiar efeitos, situação que só se concretiza com o fim da vacatio legis. Vacatio legis _ território estrangeiro Quando se tratar dos efeitos de lei brasileira em território estrangeiro, como nos casos das embaixadas, consulados, ministérios e escritórios situados no exterior, estabelece o art. 1.º, § 1.º, da LINDB que a lei entrará em vigor 3 (três) meses após a sua publicação. Dessa forma, a não ser que a norma publicada fixe prazo menor de forma específica para a vigência no exterior, o prazo considerado será o do § 1.º ou, quando a vacatio legis for superior a um trimestre, o que a lei estabelecer, pois não é razoável que determinada lei produza efeitos no exterior antes do que no próprio território nacional. Vacatio legis _ correção da legislação Além disso, se durante a vacatio legis for necessário efetuar correções, por erros ou inconsistências no texto da lei publicada, far- se-á necessária nova publicação da lei com os ajustes pertinentes, reiniciando dessa nova publicação o intervalo de vacância (art. 1.º, § 3.º, da LINDB). Por outro lado, se correções ao texto forem necessárias após a entrada em vigor da lei, ou seja, após o término da vacatio legis, as alterações serão consideradas lei nova (art. 1.º, § 4.º, da LINDB) e submetidas ao procedimento comum do art. 1.º. Início de vigência de atos normativos administrativos Vale ressaltar que os atos normativos administrativos (decretos, resoluções, portanas, instruções normativas, regimentos, regulamentos etc.) entram em vigor na data de sua publicação no órgão oficial de imprensa, conforme determina o art. 5º do Decreto nº 572, de 12 de julho de 1890, não se lhes aplicando a regra geral da Lei Introdutória. Princípio da continuidade das leis Iniciada a sua vigência, nos termos do art. 2.º da LINDB, a lei produzirá efeitos até que outra a modifique ou revogue ou, ainda, bem menos comum, quando a própria norma trouxer expresso o seu prazo de validade, na hipótese de vigência temporária (autorrevogação). Sendo assim, temos que a lei, em regra, tende a se perpetuar no tempo (princípio da continuidade), irradiando seus efeitos até que surja força nova contrária à sua existência, capaz de conter, total ou parcialmente, seus efeitos. Revogação, ab-rogação e derrogação _ conceitos Revogar é o ato de tornar uma norma sem efeito, retirando a sua obrigatoriedade. Denomina-se ab-rogação a revogação total da norma (sua exclusão ou substituição integral por outra nova) e derrogação a revogação parcial. Revogação expressa ou tácita _ conceitos De acordo com os critérios de solução de conflito de normas no tempo, estabelecidos pelo art. 2.º, § 1.º, da LINDB, uma norma será considerada revogada sempre que lei posterior, de forma expressa, assim a declarar, ou quando seu conteúdo se mostrar incompatível com o da lei nova ou, ainda, quando a nova lei regular a mesma matéria tratada na lei anterior. No primeiro caso, como o próprio texto de lei sugere, trata-se de revogação expressa, inserida no corpo da lei nova. Já nas outras duas hipóteses, a revogação é tácita e decorre de uma análise interpretativa das normas. A revogação expressa da norma ou de parte dela é claramente a forma mais segura de encerrar a sua vigência, pois evita dúvidas ou obscuridades a respeito do que foi efetivamente retirado do mundo jurídico pelo legislador. A revogação tácita é sempre mais complicada, pois depende da interpretação do aplicador do direito a respeito das normas incompatíveis ou conflitantes, conforme os critérios de solução de antinomia. Exemplo de revogação Inicialmente, imagine-se o caso do Código Civil de 2002, que dispôs expressamente e de forma completa sobre o condomínio edilício, entre os seus arts. 1.331 a 1.358. Por tal tratamento, deve ser tida como revogada a Lei 4.591/1964, naquilo que regulava o assunto (arts. 1.º a 27). Trata-se de aplicação da segunda parte do art. 2.º, § 1.º, da Lei de Introdução, o que vem sendo confirmado pela jurisprudência nacional (STJ, REsp 746.589/RS, Quarta Turma, Rel. Min. Aldir Guimarães Passarinho Junior, j. 15.08.2006, DJU 18.09.2006, p. 327). Relação entre norma geral e especial Por sua vez, a lei nova que introduzir disposições gerais ou especiais não conflitantes com as da lei antiga, não a revoga nem a modifica, ainda que tratem da mesma matéria (art. 2.º, § 2.º, da LINDB). Nessa situação, o que se exige para que não haja revogação é que a nova lei seja suplementar, complementar ou até subsidiária à lei antiga, não se enquadrando em nenhuma das hipóteses do parágrafo primeiro do citado artigo. Exemplo de relação entre norma geral e especialComo segundo exemplo temos a incidência do art. 2.º, § 2.º, da Lei de Introdução na seguinte conclusão: o Código Civil dispôs de forma especial sobre a locação (arts. 565 a 578), não prejudicando a lei especial anterior que dispunha sobre a locação imobiliária, permanecendo esta incólume (Lei 8.245/1991). Tanto isso é verdade que foi introduzida na codificação material uma norma de direito intertemporal, prevendo que a locação de prédio urbano que esteja sujeita à lei especial, por esta continua a ser regida (art. 2.036 do CC/2002). Repristinação Uma vez revogada, a lei perde sua vigência e deixa de produzir seus efeitos, que não se restauram mesmo tendo a lei revogadora perdido sua validade (art. 2.º, § 3.º, da LINDB). De fato, a LINDB não autoriza o fenômeno da restauração automática das leis (repristinação), condicionando tal possibilidade à previsão expressa na lei que revoga a lei revocatória. Assim sendo, a lei antiga não será ressuscitada ou revalidada pelo extermínio da lei que a revogou a não ser que haja disposição expressa nesse sentido.