Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
ANGÚSTIA - TCHECOV
A quem confiarei a minha dor?
— Lobisomem! este é o teu caminho?… ouve gritar lona, logo depois dos
primeiros passos, na massa negra que sobe e desce. Para onde o diabo te leva?
Toma à direita!
O oficial se zanga:
— Tu não sabes conduzir?… Toma à direita! Um cocheiro particular
pragueja; um pedestre que, ao atravessar a rua, bateu com o ombro no focinho
do cavalo, lança um olhar furioso em lona e agita o braço, lona, como se
estivesse sentado sobre agulhas, vira-se e revira no seu banco, atira os cotovelos
para a direita e para a esquerda, pisca como um homem cegado pelo vapor, e
tem o ar de não compreender onde está e porque está ali.
— Que pernas de pau! zomba o oficial; dir-se-ia que apostaram para ver
quem melhor se atira para cima de você ou debaixo do cavalo!
Iona se volta para o seu freguês e move os lábios …
Queria dizer qualquer coisa, mas da sua garganta não sai senão um ronco.
— Que é? pergunta o oficial.
Um sorriso torce a boca de Iona, êle faz um esforço com a garganta, e diz
com voz rouca:
— O meu filho, "barine"… (1) morreu esta semana.
— Hein?… De que morreu ele? lona se volta para o oficial e diz:
— Que sei eu ?… De febre alta, provavelmente… Ficou três dias no
hospital e morreu. Louvado seja Deus!
— Olha para a frente, diabo! grita uma voz na escuridão. Não enxergas?
Cachorro! Abre os olhos!
— Corre, corre, disse o oficial, ou não chegaremos hoje… Toca mais
depressa!
O cocheiro estende de novo o pescoço, se levanta, e, desajeitadamente,
agita o chicote. Várias vezes se volta para o oficial, mas o oficial está com os
olhos fechados e não parece querer escutá-lo.
Tendo deixado o freguês no bairro de Viborg, lona pára perto de um
"traktir", (2) deixa-se cair sobre o seu banco e não faz mais nenhum
movimento. A neve, caindo, torna a branquear o seu cavalo… Passa-se uma
hora. Uma outra.
3
Iona encontra um "dvôrnik" (4) com um jacá e se decide a falar com êle.
— Amigo, pergunta-lhe, que horas são?
— Já passa de nove horas… Por que paras aqui? diz-lhe o "dvôrnik".
Vamos, dá o fora!
lona dá alguns passos, cai em si e se entrega à sua mágoa… Para que
dirigir-se a alguém? É tempo perdido.
Em menos de cinco minutos, endireita-se, levanta a cabeça como se
sentisse uma dor aguda e puxa as rédeas. .. Não pode mais… "À posta, diz de
si para si, à posta!"
O cavalo, como se compreendesse, começa a trotar. No fim duma hora e
meia, lona está sentado num grande fogão sujo. Pessoas em torno dele roncam
sobre capotes, no chão, em bancos. Bafo irresistível… lona observa as pessoas
que dormem, coça a cabeça e se arrepende de ter voltado tão cedo.
"Não ganhei nem sequer para a minha aveia, pensa ele; aí está porque me
aborreço!… Um homem que faz o que tem que fazer, quando come bem e o
seu cavalo igualmente, está sempre tranquilo."
Um jovem cocheiro se levanta num canto, resmunga meio adormecido e
se estende para apanhar um balde de água.
— Tens sede?
— Sim, tenho sede!
— Bravo, à tua saúde!… Sabes, irmão, que o meu filho morreu esta
semana no hospital? Não imaginas que história!
Iona procura ver que efeitos produziram as suas palavras, mas não vê
nada… O jovem cocheiro cobriu a cabeça e tornou a dormir. lona suspira e
coça a cabeça. Tanta era a sede do jovem cocheiro, quanta a sua vontade de
falar. Vai fazer uma semana que seu filho morreu e ele ainda não pôde contá-
lo, tranquilamente a ninguém. Era preciso contá-lo com ordem, pausadamente;
contar como seu filho caiu doente; como sofreu; o que ele disse antes de morrer
e como ele morreu… Era preciso contar o seu enterro e a viagem que fez ao
hospital para receber a roupa que ele deixou. Tem ainda na cidade uma filha, a
Anissia; também era preciso falar dela. Oh!, de quantas coisas lona poderia falar
agora! Quem quer que o escutasse, suspiraria, choraria e haveria de lastimá-lo.
6
Contar tudo isso a mulheres seria melhor ainda; elas são muito estúpidas, mas
não são precisas mais que duas palavras para fazê-las chorar.
"É preciso que eu vá ver o meu cavalo, disse de si para si. Terás muito
tempo para dormir, vai! Não tenhas medo, dormirás bastante!…"
lona se veste e se dirige para a estrebaria.
Pensa na aveia, no feno, no tempo que está fazendo.
Pensar no filho, quando está só, não é possível. Poderia falar dele a
alguém, mas pensar nele, quando só, e, representá-lo em vida, é terrivelmente
penoso.
— Estás comendo? pergunta ele ao cavalo, ao ver os seus olhos, que
brilham. Vamos, come, come! Já que não ganhamos para a nossa aveia,
comamos feno… Sim!… Eu já estou muito velho para trabalhar como
cocheiro… O meu filho, isso lhe ia bem, mas não a mim. Ele era um verdadeiro
cocheiro!. .. Bastava-lhe viver…
Iona se cala algum tempo e recomeça:
— Sim, meu velho cavalo; é assim, — mais Kuzma Ionyteh!… Ele quis
deixar-nos pra trás. A doença agarrou-o assim, de repente, e êle morreu sem
razão.’. "Escuta, suponhamos que tenhas um potro, que sejas a sua mãe, e que,
de repente, o teu potro te deixe pra trás; não seria uma desgraça?…"
O cavalo come, escuta e resfolega sobre as mãos do dono.
Iona se comove e lhe conta tudo.