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REVISTA EXAME

Nasce a gestão riponga


Para atacar o excesso de hierarquia, começa a entrar na moda um sistema
de gestão que preconiza áreas sem chefes e o fim dos cargos. Se dá certo, é
outra história.
Por Patricia Valle
7 ago 2014, 13h24

Sede da Zappos, em Las Vegas: os funcionários decidem como vão trabalhar (Tiffany Brown/Redux/Latinstock)

São Paulo – De tempos em tempos, surgem nas empresas, ou entre os gurus de gestão, ideias
novas sobre como resolver um problema antigo: organizar a estrutura de trabalho das
companhias e torná-las mais produtivas.
Trabalhar só quatro dias por semana, ou três, trabalhar de casa, ter bônus agressivos, acabar com
os bônus agressivos, e por aí vai — tudo isso já foi testado, aprovado e rejeitado por milhares
de empresas na última década, sem que se possa inferir, a partir daí, o que é certo e o que é
errado. Mas, recentemente, a turma decidiu radicalizar.
Começa a ganhar espaço um método de gestão que propõe que as empresas acabem com tarefas
individuais, chefes e até mesmo a noção de que um sujeito tem um “cargo”.
Por esse sistema, os departamentos funcionariam como grupos colaborativos, em que todos têm
um objetivo comum e trabalham para alcançá-lo. Tudo muito bonito, mas com nome feio —
“holocracia”, algo como “o poder do todo”.
Deu para entender? Parece coisa de hippie? Não está levando esta reportagem a sério? A
verdade é que multinacionais como a gigante de tecnologia IBM e grandes grupos brasileiros,
como a Odebrecht, estão adotando sistemas parecidos.
Na prática, o modelo funciona assim: em vez de o diretor ou gerente de uma área receber um
novo projeto, distribuir as tarefas entre seus funcionários e depois cobrar os resultados, é o
próprio grupo de funcionários que recebe o projeto diretamente e decide como vai trabalhar.
Essas empresas são muito menos hierárquicas. No lugar de vice-presidentes, diretores e
gerentes, há um corpo executivo, que define a estratégia da companhia e seus projetos, e uma
série de áreas — marketing, vendas, produção, tecnologia etc. —, que se auto-organizam para
entregar o prometido no prazo combinado.
As origens desse sistema remontam ao início da década passada, quando empresas de tecnologia
buscavam uma forma de tornar mais ágil o desenvolvimento de softwares. A maioria das áreas
funcionava no sistema tradicional, com chefes, cargos e metas individuais, mas os
departamentos técnicos passaram a se autogerenciar.
Isso aconteceu depois que consultores e executivos do setor de tecnologia detectaram que havia
um ganho de produtividade quando as áreas técnicas se organizavam sozinhas — gerentes e
diretores nem sempre conheciam todos os detalhes técnicos da produção e acabavam atrasando
os projetos.
“Um projeto que, hoje, leva três semanas para ser entregue chegava a demorar meses porque
todo o planejamento precisava ser aprovado pelos chefes”, diz Haroldo Kerry, vice-presidente
de tecnologia da Spring Mobile Solutions, empresa que desenvolve aplicativos móveis e adota o
modelo desde 2010.
Recentemente, alguns especialistas em gestão passaram a defender a ideia de que esse sistema
poderia funcionar em qualquer empresa e em qualquer área — e algumas companhias
tradicionais começaram a testá-lo.
O principal exemplo é a empresa americana de comércio eletrônico Zappos, que tem 1 500
funcionários e começou a adotar a holocracia em agosto do ano passado em todos os
departamentos. Tony Hsieh, presidente da empresa, já afirmou que a “inspiração” veio do livro
Triunfo da Cidade, do economista Edward Glaeser, da Universidade Harvard.
Uma das conclusões da obra é que as cidades que dobram de tamanho tendem a ficar 15% mais
produtivas, porque recebem profissionais mais qualificados e grandes empresas. Já as
companhias se tornam mais ineficientes quando crescem, porque, em geral, ficam mais
burocráticas.
“Quando crescemos, percebemos que os funcionários estavam perdendo a capacidade de tomar
decisões com rapidez, o que poderia prejudicar muito o negócio. Com esse novo sistema de
gestão, ganhamos a mesma velocidade que tínhamos quando éramos menores”, diz Kelly
Wolske, que trabalha na área de inovação da Zappos (e não tem um cargo definido, como
manda o modelo).
É interessante na teoria, mas, na vida real, empresas não são cidades, e grandes companhias não
funcionam como startups. Faz menos de um ano que a Zappos adotou a holocracia, então é
cedo para tirar conclusões, mas, ainda que dê certo, ninguém sabe se terá bons resultados em
companhias de outros setores.
Uma coisa é implantar esse sistema em áreas técnicas, em que um chefe não especialista pode,
de fato, atrapalhar o trabalho. Será que funciona na área de vendas? É possível motivar
vendedores sem pagar comissão individual? E como fica a meritocracia? Dá para avaliar os
profissionais e pagar mais a quem se destaca?
Em termos mais amplos, se a empresa precisa mudar de direção rapidamente para enfrentar uma
crise, por exemplo, os grupos são capazes de tomar decisões estratégicas de forma eficaz? Por
enquanto, não há respostas.
O que existe — e esta tem sido a motivação para adotar modelos alternativos de gestão — é
uma insatisfação com a estrutura tradicional das empresas.
Uma pesquisa realizada a pedido de EXAME pela consultoria de gestão americana Exago com
86 executivos de grandes empresas no Brasil mostra que 75% dos entrevistados acham que
mudanças no sistema de trabalho são essenciais para tornar sua companhia mais competitiva.
Além disso, para 63% deles, a estrutura hierárquica das áreas cria obstáculos à produtividade.
“A holocracia é uma resposta ao desejo de muitos profissionais de tornar sua empresa mais ágil
e inovadora. Mas não é uma panaceia. Colocar esse sistema em prática requer muito trabalho, e
pode funcionar em algumas estruturas e não em outras”, diz Peter Skarzynski, sócio da
consultoria americana ITC, especializada em processos de gestão.
Hoje, o que a maioria das empresas tem feito é adotar modelos intermediários entre a hierarquia
tradicional e a holocracia. No Brasil, é o caso do grupo Odebrecht.
Como atua em 15 setores, de engenharia a construção de imóveis residenciais, a companhia
decidiu estruturar seus principais negócios e áreas de suporte como se fossem pequenas
empresas, que funcionam de forma independente da holding. Há 350 dessas empresas, e cada
uma tem um executivo responsável por geri-la, independentemente da holding.
O objetivo, segundo a Odebrecht, é que o conglomerado seja formado por empresas ágeis, como
pequenos negócios — uma filosofia que existe há décadas. Grupos com certa autonomia para
criar, respondendo a um chefe, que responde a outro chefe, e por aí adiante. Talvez seja esse o
meio-termo que vai sobreviver quando a modinha da gestão riponga passar.

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