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SBC – Proceedings of SBGames 2013 Art & Design Track – Short Papers

O Marco Artístico do Game por meio da


Linguagem Híbrida de Okami

Julia Stateri
Instituto de Artes
UNICAMP
Campinas, Brasil
julia@oficinaludica.com.br

Abstract—This short paper offers a vision about the intelectual intrínseca, e sempre haverá adições vazias à
videogame Okami, while proposes it’s analysis as a product of crescente biblioteca do entretenimento interativo. Entretanto,
hybrid language trough Charles Sanders Pierce semiotics. para o autor, com uma frequência cada vez maior, são lançados
títulos que oferecem muito mais à nossa fruição do que apontar
Keywords—hybrid; language; semiotics; comunication; e atirar [1].
Tal pensamento traz uma reflexão um tanto breve e
I. INTRODUÇÃO
julgamento igualmente fugaz, influenciado pela opinião
pública perante um game extremamente agradável em se
Caracterizada por suas precursoras de eras passadas, tratando de seu visual e jogabilidade. Tal julgamento não
quando Arte e Comunicação não apenas se tocavam, mas poderia ser atribuído à Okami - ou à qualquer outra obra gamer
permeavam-se holisticamente, a linguagem híbrida tornou- que se pretenda analisar – sem se considerar como estas obras
se fonte de importantes estudos contemporâneos. Haja visto surgem no evanescente e hipermidiático meio virtual e como
o exemplo do título elaborado por Lucia Santaella “Matrizes são consumidas, tornando coautores e intérpretes um sem
da Linguagem e Pensamento” . É com o olhar na história da número de jogadores, independentemente de suas experiências
cultura, atendando para os hieróglifos egípcios, para os artísticas prévias, sua formação ou posição social (lembrando
ideogramas orientais e para a escrita suméria - antecessora que, não raro, as obras artísticas consideradas como patrimônio
do nosso alfabeto ocidental – que podemos nos voltar para a da humanidade estão disponíveis à uma determinada classe
análise da produção contemporânea. O game (1) Okami, social disposta a se relacionar com estas em função de fatores
baseado na conjunção de mitos japoneses, arte pictórica e que vão da simples fruição ao status).
música fundamentadas em raízes tradicionais, parte deste Certamente, o game é hoje mais do que foi no passado.
mesmo princípio podendo assim ser compreendido por Então onde Okami se encaixa? Foram levantadas dúvidas sobre
observações de sua composição matricial como (2) obra Okami ser realmente um jogo, uma imitação de uma obra de
híbrida verbo-visual-sonora. A este, relacionaremos (3) os arte ou um simulador de pintura, com respostas inconclusivas
conceitos de primeiridade, secundidade e terceiridade, quando da época de seu lançamento [2]. Como muitos jogos
partindo do contato estabelecido entre game e jogador. que o precederam, Okami é uma obra hipermidiática –
enquanto fruto da união de informações textuais, sonoras e
II. SOBRE OKAMI imagéticas num ambiente de acesso do usuário/jogador para
Desenvolvido pelo Clover Studio, publicado pela que faça desse seu labirinto a explorar, para saciar seu desejo
CAPCOM, lançado em abril de 2006 no Japão e em setembro desbravador – bastante aprazível. O que, entretanto, o
do mesmo ano na América do Norte, o jogo Okami logo se diferenciaria de tantos outros títulos da mesma categoria será
destacou dentre as demais produções comerciais, aclamado investigado no decorrer deste breve estudo.
como a prova cabal de que o videogame deva ser reconhecido Para que se compreenda a análise discorrida sobre o objeto,
como a oitava arte – considerando que o cinema teria há que se fazer uma descrição de sua mecânica de
conquistado a posição de sétima arte dados os debates e funcionamento, bem como explicitar sua linguagem visual e a
enfrentamentos passados entre vanguardistas e tradicionalistas. influência desta sobre a orientação do jogador. Para tal, bem
como para a apresentação de demais considerações acerca do
Para Eddie Inzauto, o videogame já se desenvolveu como
uma forma de arte tão legítima quanto uma sinfonia, uma obra concreto e do mecânico sobre o qual foi composto o elemento
literária, uma estátua ou uma pintura. Claro, nem todos os vivo do jogo enquanto acontecimento que depende do jogador,
títulos carregariam o mesmo peso em termos de significação é necessária a paciência e compreensão do leitor e intérprete
deste trabalho.

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O jogo se inicia com a apresentação de um ato introdutório minúsculo guerreiro e artista errante. Quando Issun fala à
sob a forma narrativa do contador de histórias, figura universal protagonista, seu texto ultrapassa o avatar desta para falar ao
surgida das culturas de tradição oral e presente ainda hoje. jogador que a controla. É através deste diálogo, gerado entre as
Enquanto o narrador/contador desvela a história inicial ao falas de Issun e as ações da protagonista ou do jogador a
jogador, esta é visualmente constituída perante aquele – no controla-la, que se torna possível tomar conhecimento dos
papel primário de audiência – sob a forma de um teatro de controles essenciais ao prosseguimento da narrativa jogável de
sombras. Okami. Issun informa, o jogador responde agindo dentro do
que lhe é esperado pelas regras do jogo, mesmo no que diz
A protagonista heroica, uma arquetípica Deusa-Mãe respeito às “técnicas dos pincéis celestiais”: pressionando
encarnada no corpo de uma loba branca é a própria determinados botões do joystick, somos capazes de inscrever o
representação da luz, da bondade e da justiça; enquanto o vilão, mundo tridimensional proposto numa superfície desenrolada
Oroki, uma hidra de múltiplas cabeças, representa a maldade e que remete a um pergaminho ou, mais provavelmente, papel de
as sombras. Nessa analogia teatral, Okami-Amaterasu, deusa arroz. Sobre esta superfície – que em termos de navegação
do sol, sacrifica sua existência material para ajudar um herói contém uma cena tridimensional congelada inscrita numa
humano a destruir Oroki, findando o prelúdio das sombras e janela sépia – podemos desenhar formas específicas que
iniciando a história da qual o jogador fará parte, - após
desencadearão alterações pré-estabelecidas ao cenário e aos
vislumbrar alguns dos poderes aos quais terá acesso e controle elementos compositores do jogo.
através de sua personagem – enquanto desbravador do labirinto
do game. As cenas, agora coloridas, mostram uma construção Para adquirir o domínio sobre as “técnicas dos pincéis
da história respeitando agora a temporalidade do jogador. Uma celestiais” que tornam a protagonista capaz dos mais variados
figura misteriosa, buscando poder, retira de sua guarda a feitos, é necessário libertar deuses há muito aprisionados em
espada do herói passado que selava o mal de Oroki num constelações incompletas escondidas em localizações
domínio distante. Como resultado, Oroki faz-se liberto para específicas. É através do pincel de Okami que se torna possível
espalhar suas sombras uma vez mais pelo mundo do jogo. A completar tais constelações e conquistar habilidades que
aventura do jogador começa, de fato, quando este ganha o tornarão passível de interação toda uma gama de elementos do
controle da reencarnação de Okami trazida à vida pelo espírito cenário. Ao colecionar estas técnicas o jogador prossegue na
guardião da cerejeira protetora localizada no topo do vilarejo narrativa, descobrindo minúcias e segredos, enfrentando
foco do terror propagado por Oroki, pois ali, a cada lua cheia, o dificuldades progressivas.
monstro exigia o sacrifício de uma vítima para saciar sua sede
de sangue. III. A MATRIZ VERBO-VISUAL-SONORA EM OKAMI
Uma vez integrado cognitivamente ao contexto proposto Vimos, rapidamente, o contexto do game Okami para que
pelo jogo e de posse do controle de Okami, o jogador deverá seja possível seguir no estudo de suas instâncias híbridas.
apreender os comandos necessários para transitar com Espera-se que através da descrição de sua composição e
desenvoltura no conteúdo proposto pelo ambiente virtual, jogabilidade torne-se passível ao leitor fazer jugo deste objeto
impulsionando a narrativa programada adiante. segundo a análise descrita adiante.
Tendo investido numa introdução marcante, os produtores Existem grandes reservas, em especial por parte dos
deste game optaram assertivamente por transmitir as historiadores na área de artes e acadêmicos, na assunção do
informações uteis ao jogador através de um pressuposto criado game pela sua faceta artística. Recordemos, antes de mais nada,
por Jordan Mechner para os jogos narrativos: “Do it, Don‟t que o mesmo comportamento resignado deu-se quando do
View It” – ou “Não veja, faça!” [3]. surgimento da fotografia e de seu desdobramento na
A despeito da movimentação básica da personagem (andar cinematografia, ambos considerados atualmente como adventos
para frente, dar meia volta, pular, etc.), adquirida intuitiva e de exemplares e inovadoras linguagens. Não por isso, espera-se
empiricamente pelo jogador (em especial aquele familiarizado que todo e qualquer game (ou fotografia, ou filme) seja visto
com outros títulos) ao experimentar o controle direcional do como uma obra dirigida ao exercício da fruição artística. Tal
joystick, bem como seus botões, Mechner defende que a pensamento seria totalmente despropositado.
experiência do jogador, tal qual sua capacidade de apreensão, É visto nos games mais recentes uma grande referenciação
serão melhor desenvolvidas e estimuladas, respectivamente, se à linguagem cinematográfica. Como expressões de linguagens
a este for oferecida a oportunidade de participar da ação em híbridas, ambas as mídias possuem elementos estruturais de
lugar de apenas observá-la acontecer. mesma ordem: roteiro, trilha sonora, imagens em movimento.
Partindo deste método, em lugar de ler ou assistir à Dado que os próprios jogos de videogame são vistos como
apresentação de um tutorial explicativo, é ao jogar que se torna ferramentas para se contar histórias, não raro, consideradas
possível para o jogador a tomada de um conhecimento que traz mais efetivas que o próprio filme. Somos levados à discussão
os passos necessários à derrota definitiva de Oroki. Tarefa que dos videogames em termos de narrativa. Para Janet Murray, o
envolve sucessivos desafios e obstáculos a serem superados. meio digital é adequado ao ato de contar histórias por ser
composto proceduralmente – comportamentos baseados em
A protagonista Okami, por ser uma loba, não fala (ainda regras pré-estabelecidas – e oferecer um ambiente
que animais falantes sejam comuns nas produções infanto- participativo. Como o jogador atua sobre uma proposta que
juvenis ou humorísticas). Assim, para representar as reflexões inclui imagens que se movem, texto, áudio, figuras bi ou
de uma personagem capaz de imbuir cumplicidade ao jogador tridimensionais, o que se oferece para fundamentar o narrativa
no oferecimento de uma figura dialógica, surge Issun: um

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é bastante tentador em comparação à mídia tradicional escrita, Complementando a interface de navegação e jogabilidade
por exemplo [4]. de Okami é possível ter acesso ao inventário com itens, armas e
informações textuais que são atualizadas no decorrer do jogo.
O game, como visto, depende da participação do jogador Tais textos, de caráter enciclopédico, podem ser usados pelo
para acontecer e, portanto, comprimir o potencial previsto pelo jogador para rever passagens do jogo registradas a partir de
conjunto de seus blocos de scripts e recursos procedurais. Sem suas ações sob a forma traduzida em signo simbólico. Por se
essa participação, a narrativa não se desenrola e não será, tão tratar de um jogo extenso, tal índice assume a importância de
pouco, interpretada. Partindo de tal princípio e com as extensão da memória do jogador. Informações sobre os pincéis
peculiaridades aqui descritas, a tendência do game é a de celestiais adquiridos e as formas gestuais que devem ser
abandonar aos poucos os referenciais das narrativas lineares, replicadas para coloca-los em funcionamento no ambiente a
partindo para a construção de uma nova linguagem baseada na que se destinam também são passíveis de pesquisa na interface
experiência proporcionada pelo ato de jogar. em leque, que em suas dobras guarda as variadas peças
Sendo, como é, a arte definida pela significação do objeto adquiridas pelo jogador.
artístico estabelecido como tal graças a um discurso quase Vale salientar que são os gestos, caracterizados em todo
sempre alinhado a uma política ou ideologia, Okami pode ter decorrer do roteiro de jogo, que impulsionam o jogador rumo a
se estabelecido no senso comum como um objeto artístico
novos desafios. O gesto virtual, bem como sua pincelada, são
sobre postulados bastante enganosos. Visualmente Okami é um indícios da relação entre jogador, programa e interface. Uma
jogo aprazível. Apesar de ser inteiramente modelado em 3D, tríade que precisa estar em perfeito equilíbrio e harmonia para
seus objetos poligonais receberam, em suas superfícies, que a experiência de jogo possa tornar-se possível e funcional.
texturas e acabamentos que tornaram-nos extremamente
semelhantes às tradicionais pinturas sumi-ê japonesas. Sendo o Embora o roteiro programático, a engenharia do código
sumi-ê uma conhecida técnica artística, teria sido a crítica fonte, defina os ritmos de passagem do tempo (como o nascer
levada a crer no potencial artístico de Okami apenas pela sua do Sol e o anoitecer), através do gesto que indicia a pincelada
incontestável beleza? Não é nosso intuito conhecer a resposta circular (para o Sol) ou semi-circular (para a Lua) o jogador
que condenaria ou consagraria academicamente a opinião pode impor o seu próprio ritmo. Tal passagem de tempo,
pública, pois mais do que saber porque Okami recebeu ovações sentido de ritmo, podem ser considerados como a manifestação
tanto de jogadores quanto de formadores de opinião interessa- da matriz sonora no hibridismo verbo-visual-sonoro. A
nos a investigação e compreensão deste enquanto objeto mudança no ritmo está duplamente ligada à matriz sonora na
híbrido e hipermidiático em sua estrutura linguística. medida em que a trilha sonora e os efeitos de som são alterados
em função das quebras na temporalidade e na espacialidade do
Sua interface existe enquanto parte de um sistema de ambiente de jogo [6]. Quando é dia no mundo proposto em
navegação que conduz o jogador ao desenvolvimento previsto Okami, a trilha sonora é suscetível às viagens realizadas pela
proceduralmente nas rotinas programáticas e no roteiro protagonista. Cada localidade, seja um espaço aberto, onde se
narrativo. Existe, acima de tudo, para decorrer na experiência está sujeito ao ataque de inimigos, ou no interior de cidades
do jogar, na permissividade da ação. Quase todos os elementos protegidas por muralhas fortificadas, existe um senso de
existentes na interface proposta por Okami são passíveis de harmonia rítmica.
sofrerem algum tipo de ação. O mundo é uma tela vasta
aguardando a ação investigativa do pincel controlado pelo Apresentados como áreas abertas de natureza selvagem, os
jogador. espaços por onde transita Okami em suas viagens e missões
podem mostrar planícies, praias ou florestas. Estes espaços
O budismo teve grande influência sobre a arte japonesa. Os oferecem desafiantes inimigos em movimento e fronteiras
templos xintoístas (ainda hoje, principal religião no Japão) amaldiçoadas por energia maligna. Ao tocar num inimigo,
transmitiam austeridade e funcionalidade. A arte japonesa penetrar sombras malditas ou passar por um portal mal
voltou sua atenção ao belo e delicado com base no simbolismo assombrado, Okami causa uma ruptura no andamento da trilha
budista [5]. Tal atenção meticulosa aos detalhes pode explicar sonora e um rasgo no espaço exploratório do jogador, sendo
o cuidado com que se planejou o mundo proposto por Okami, conduzida a um campo de batalha cuja existência é limitada ao
bem como o porquê deste mundo - apesar de existir unicamente tempo de duração do embate contra os oponentes que surgem.
no ambiente virtual e graças a um conjunto de processos que se
O ritmo é intensificado tanto pelo som quanto pela
complementam – se apresentar de maneira tão movimentação. Após a superação do frenético enfrentamento,
convincentemente vivaz. Se o pincel do jogador fizer soprar o o andamento e a espacialidade anteriores são reestabelecidos.
vento é com um prazer que se assemelha em muito ao da
fruição artística que ele poderá constatar que folhas e O acesso ao recurso de pintar sobre a cena tridimensional
bandeirolas se agitam graças à sua intervenção, ainda que congelada pelo jogador, pode ser visto como outro exemplo da
prevista, naquele mundo tão rico. quebra com o ritmo. Por meio de determinado comando através
do joystick contemplamos a mudança no recurso imagético do
Se nas pinturas japonesas conseguimos perceber o jogo – a cena é congelada e adquire tons de sépia, desenrolada
sentimento do artista pela expressividade de suas pinceladas, só como que de um pergaminho ou papel de suporte sobre uma
podemos transpor esta percepção ao analisarmos a atual mídia mesa onde podemos ver o nanquim (recurso que precisamos
dos videogames, especialmente quando o Japão age como o adquirir durante o jogo) e o pincel controlado pelo jogador. A
catalizador que alavanca a qualidade e a diversidade tanto própria Okami está na cena congelada, o que deixa no jogador
visual como narrativa neste setor. a sensação de ser ele a entidade celestial que auxilia a
protagonista em suas missões. Valendo-se, ainda, da música

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para delimitar o instante da ação sobre o espaço, o jogador age num terreno que o jogador procura ignorar no momento de sua
sobre o ritmo graças à programação do roteiro enquanto experiência – o código e as leis procedurais – é inevitável que
código. se faça uso do raciocínio lógico em seu favor enquanto o
jogador arquiteta estratégias com base nas regras propostas
No que diz respeito à trilha sonora, propriamente dita, para superar desafios e prosseguir no jogar: entrar
enquanto matriz sonora, há que se observar que uma voluntariamente em batalhas para subir o nível de seu
reestruturação harmônica foi realizada sob a forma de uma personagem e torna-lo mais forte, buscar desafios propostos
releitura das músicas tradicionais japonesas. Os instrumentos por outros personagens do ambiente para conseguir itens que
tradicionais encontram-se presentes, ou, melhor dizendo, seus serão uteis mais adiante; estas são expressões de um jogador
reflexos sintetizados fielmente graças aos avançados recursos que já toma decisões com base na lógica proposta pelo jogo.
da indústria fonográfica contemporânea. Nessa musicalidade
arquitetada para impulsionar o jogador e climatizar a narrativa É num pequeno segmento temporal que o jogador transita
apreciada, ainda que fundamentada em composições entre as relações de divisão triádica, pois assim são os signos:
tradicionais, fazem-se presentes referências à música antes que possamos nos dar conta, já nos vemos a interpretá-los
eletrônica, ao Break e ao Hip-Hop (considerado pelos seus e, portanto, quando começarmos a pensar segundo referências
apreciadores como um estilo de vida, o Hip-Hop consiste numa passadas e compor um pensamento lógico, estaremos
subcultura que engloba diversos estilos musicais, experimentando o exercício da terceiridade.
representações artísticas, literárias e plásticas - quase sempre
ligadas a protestos sociais). CONCLUSÃO
Graças às informações reunidas neste estudo e às
IV. PRIMEIRIDADE, SECUNDIDADE E TERCEIRIDADE associações realizadas aos conceitos expostos por diversos
É apenas pelo ato de jogar que todos os esforços aqui autores, fomos capazes de compreender o jogo eletrônico
descritos podem ser compreendidos. A única maneira de Okami como o perfeito exemplo de um produto oriundo da
apreciar um jogo, em sua completude, é jogá-lo. Do contrário linguagem híbrida. Okami nasce da tentativa de buscar um
ele não passa de um conjunto de regras, sem expressão e sem discurso e uma linguagem que sejam próprios do próprio ato de
significação. Para que se possa jogar, entretanto, deve existir jogar, da própria vontade do jogador de exercer sua autonomia
um determinado sentimento de euforia, denominado por Roger dentro do jogo ainda que esta seja prevista programaticamente.
Caillois de Paidia [7]. Tal sentimento, que deve ser As minúcias e atenções extremadas aos detalhes passíveis de
primordialmente libertário e ligado à capacidade de reação tanto em termos de interface quando de comunicação
improvisação, coexiste com a necessidade da imposição de subjetiva entre narrativa e intérprete, fazem de Okami um
dificuldade que o mesmo denomina Ludus. Sob a lente da marco pela sua importância como elemento de transição. Se
semiótica, podemos fazer a associação entre os momentos este não puder ser considerado, ainda, como obra de vanguarda
vivenciados para que se dê o acontecimento do jogo e a relação na definição de uma linguagem que comunique e possibilite
de divisão triádica proposta por Peirce [8]. formar a arte através do ato de jogar, pode, com certeza, ser
considerado como a bússola que aponta um rumo para o qual
Segundo Teixeira Coelho Netto, a primeiridade recobre o podemos nos voltar ao buscar a evolução de uma linguagem
nível do sensível e do qualitativo, abrangendo ao ícone, o que ainda não encontrou sua plenitude.
qualissigno e o rema. Já a secundidade diz respeito ao nível da
experiência, como é o caso do índice – que remete diretamente
à ação, do sinsigno e do dicissigno. Enquanto a terceiridade faz REFERÊNCIAS
referência ao pensamento lógico, ao julgamento da razão, [1] E. R. Inzauto. “Okami: A Lesson in „Games As Art‟”, in GameWad,
englobando símbolo, legissigno e argumento [9]. 2007. Disponível em: <http://www.gamewad.com/-font-color-green-
okami-a-lesson-in-games-as-art-font--3960-p.html> Acesso em: 08 jul.
Assim, para que o game possa existir em função de seu 2013, 19:26.
propósito, para além do código que o cria enquanto conjunto de [2] C. Thompson. “The Game of Art”, in Wired, 2006. Disponível em:
regras e objeto que virá a ser, deve existir um jogador – como <http://www.wired.com/culture/design/commentary/games/2006/10/719
intérprete – que deverá dispor de uma necessidade e da 86> Acesso em: 08 jul. 2013, 19:54.
intensão de jogar. Munido desta predisposição, o jogador faz [3] J. Mechner. “Do It, Don‟t View It!” in P. Harrigan, N. Wardrip-Fruin.
Second Person: Role-Playing and Story in Games and Playable Media.
seu primeiro contato com o jogo, sem nada esperar deste além Massachusetts: MIT Press, pp. 152-173, 2007.
da fruição do próprio jogar – neste caso ligada à diversão, ou [4] J. Murray. “From Game-Story to Cyberdrama.” In: P. Harrigan, N.
ao direcionamento da euforia do Paidia a partir de regras que Wardrip-Fruin. First Person: New Media as Story, Performance, and
devem se assemelhar a ações intuitivas. Estas regras, Game. Massachusetts: MIT Press, pp. 272 – 285, 2004.
entretanto, não poderiam ser consideradas intuitivas na medida [5] D. F. Hadland. Mitos e Lendas do Japão. São Paulo: Landy Editora,
em que o jogador deve dispor de seu repertório anterior para 2006.
saber o que é esperado dele no ambiente de jogo: mover-se [6] L. Santaella. Matrizes da Linguagem e Pensamento: Sonora Visual
pressionando o botão direcional do joystick, atacar outras Verbal. São Paulo: Editora Iluminuras, 2005.
criaturas ou defender-se do ataque dessas, explorar o mundo [7] CAILLOIS, Roger. Los Juegos Y Los Hombres: La Máscara Y El
que se desvela a medida que são galgados os passos e as Vértigo. México: Fondo de Cultura Econômica, 1994.
descobertas narrativas, por exemplo. Nesta etapa da [8] PEIRCE, Charles S. Semiótica. São Paulo: Perspectiva, pp.48, 2003.
experiência de jogo, o que se vivencia já é indiciado, já remete [9] J. T. C. Netto. Semiótica, informação e comunicação. São Paulo:
Perspectiva, pp.61, 2003.
à secundidade e, embora as verdadeiras regras do jogo existam

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