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UNIP – UNIVERSIDADE PAULISTA

EDEZIO RODRIGUES DE MORAIS

PARTICIPAÇÃO POLÍTICA E DEMOCRACIA: AS NOVAS ESQUERDAS

BIRITIBA MIRIM – SP
2019
EDEZIO RODRIGUES DE MORAIS

PARTICIPAÇÃO POLÍTICA E DEMOCRACIA:


AS NOVAS ESQUERDAS

Trabalho de conclusão de curso


para obtenção do título de
graduação em Sociologia
apresentado à Universidade
Paulista – UNIP.

Orientador: Prof. Dr. Adilson


Rodrigues Camacho

BIRITIBA MIRIM – SP
2019
CIP – Catalogação na Publicação

Morais, Edezio Rodrigues


Participação Política e Democracia: as Novas Esquerdas / Edezio
Rodrigues Morais. – 2019.
26 f.

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) apresentado ao Instituto


de Ciências Socias e Comunicação da Universidade Paulista,
Biritiba-Mirim, 2019.
Área de Concentração: Sociologia.
Orientador: Prof. Dr. Adilson Rodrigues Camacho

1. Participação Política. 2. Democracia. 3. Novas Esquerdas. 4.


Neoliberalismo. 5. Movimentos Sociais. I. Camacho, Adilson Rodrigues
(orientador). II. Título.

Elaborada pelo Sistema de Geração Automática de Ficha Catalográfica da Universidade Paulista


com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).
EDEZIO RODRIGUES DE MORAIS

PARTICIPAÇÃO POLÍTICA E DEMOCRACIA:


AS NOVAS ESQUERDAS

Trabalho de conclusão de curso


para obtenção do título de
graduação em Sociologia
apresentado à Universidade
Paulista – UNIP.

Aprovado em:

BANCA EXAMINADORA

____________________/__/____
Prof. Dr. Adilson R. Camacho
Universidade Paulista - UNIP

____________________/__/____
Prof. ___________________
Universidade Paulista – UNIP

____________________/__/____
Prof. ___________________
Universidade Paulista – UNIP
RESUMO

O objetivo do presente trabalho é apresentar os resultados dos estudos realizados a


respeito das Novas Esquerdas cujas propostas ganharam força na política
contemporânea e agora se confrontam diretamente com a Direita nos processos
eleitorais. O objetivo fundamental do trabalho é divulgar e tornar conhecidos os temas
da Nova Esquerda, que além do ativismo social e da abordagem das questões atuais
da cultura ocidental, discute e assume posições sobre a economia política oferecendo
respostas ao caráter excludente do neoliberalismo. A dúvida investigada foi verificar
se as Novas Esquerdas possuem uma fundamentação teórica ou são apenas uma
manifestação espontânea e sem bases na política contemporânea. As teorias que
serviram de base para orientar essa pesquisa foram extraídas das obras dos
pensadores de referência das Novas Esquerdas cujos conteúdos possuem relação
direta a estes movimentos políticos e sociais: Jürgen Habermas, Anthony Giddens,
Perry Anderson, Antonio Negris, Michael Hardt, Norberto Bobbio, Hilary Wainwright e
Assar Lindbeck. Vislumbrando as propostas das Novas Esquerdas no Brasil, o autor
escolhido foi Celso Furtado considerando-se que sua teoria e política econômica
inspiraram tais movimentos no caso brasileiro. A metodologia empregada foi a revisão
bibliográfica dos autores citados. A principal dificuldade encontrada no processo de
investigação e análise das Novas Esquerdas foi descobrir autores brasileiros que
abordem a fundamentação teórica desses movimentos políticos e sociais sem deixar
de relacioná-los a herança ideológica da velha esquerda marxista.

Palavras-chave: Capitalismo. Estado. Movimentos Sociais. Terceira via. Império.


ABSTRACT

The aim of this paper is to present the results of the studies about the New Left whose
proposals have gained strength in contemporary politics and now confront directly with
the Right in the electoral processes. The main objective of the work is to promote and
make known the themes of the New Left, which, in addition to social activism and the
approach to contemporary issues of Western culture, discusses and assumes
positions on political economy, offering answers to the exclusionary character of
neoliberalism. The doubt investigated was to verify if the New Left have a theoretical
foundation or are only a spontaneous and unfounded manifestation in contemporary
politics. The theories that served as the basis for this research were drawn from the
works of the New Left thinkers whose contents are directly related to these political
and social moviments: Jürgen Habermas, Anthony Giddens, Perry Anderson, Antonio
Negris, Michael Hardt, Norberto Bobbio, Hilary Wainwright and Assar Lindbeck.
Glimpsing the proposals of the New Left in Brazil, the author chosen was Celso Furtado
considering that his theory and economic policy inspired such movements in the
Brazilian case. The methodology used was the bibliographic review of the cited
authors. The main difficulty encountered in the process of investigation and analysis
of the New Left was to discover Brazilian authors who approach the theoretical basis
of these political and social movements, without relating them to the ideological
heritage of the old Marxist left.

Keywords: Capitalism. State. Social movements. Third way. Empire.


SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 8

2 INTERPRETAR, COMPREENDER E EXAMINAR 11


AS IDEIAS DAS NOVAS ESQUERDAS

2.1 Crítica à alocação de recursos para os setores 11


de produção

2.2 Os capitalistas não se preocupam com a 12


qualidade de vida

2.3 Enfoque nos cenários microeconômicos 13

2.4 Interação entre os fatores econômicos e 13


políticos

2.5 O Estado e a estrutura da esfera pública 14

2.6 Em que campo da política a Nova Esquerda 16


existe?

2.7 A Nova Esquerda como resposta a superação 17


do Neoliberalismo

2.8 Dificuldades da Nova Esquerda na Europa 17


Ocidental

2.9 Denunciando um Império Contemporâneo 18

3 CELSO FURTADO E A NOVA ESQUERDA 20


BRASILEIRA

4 AS NOVAS ESQUERDAS NO BRASIL E NA 21


AMÉRICA LATINA

4.1 O discurso da direita vence a Nova Esquerda 22


no Brasil

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 25

6 REFERÊNCIAS 26
8

1 INTRODUÇÃO

O ano de 1968 jamais será esquecido, mesmo por quem não o viveu. Até hoje
vivemos os reflexos das mudanças permanentes em decorrência das manifestações de
rua ocorridas naquele ano na maioria dos países ocidentais.
Nas ruas de Paris, na França, em maio de 1968 convoca-se uma greve geral
através da qual os trabalhadores e os estudantes ao lado dos intelectuais, dentre eles
o filósofo Jean Paul Sartre, pediam uma nova forma de governar a França e mudanças
nas relações econômicas tornando-as mais humanas e solidárias.
Nos Estados Unidos, os protestos de 1968 foram dirigidos inicialmente contra a
Guerra do Vietnã, um conflito responsável pelo desaparecimento e a mutilação, tanto
física como mental, de milhares de jovens estadunidenses. A maior potência militar, no
entanto, enfrentaria no mesmo ano protestos por razões internas que afetavam a
consciência da nação. As tensões raciais, entre negros e brancos, haviam chegado ao
seu limite, principalmente nos estados segregacionistas do sul dos Estados Unidos,
onde haviam espaços públicos e privados separados. O pastor e ativista político Martin
Luther King ganhou destaque internacional por denunciar a situação política e social
dos negros e dos pobres – brancos e latinos - através de campanhas de não violência,
seguindo os passos do líder indiano Mahatma Gandhi. King foi assassinado em 04 de
abril de 1968, mas suas lutas pelos direitos e liberdades civis continuam até hoje,
incrementadas pelo feminismo e pelo combate as armas nucleares e biológicas,
chegando à eleição do presidente norte-americano Barack Obama.
O ano de 1968 será lembrado também por movimentos populares contra as
ditaduras, clamando pelo fim da repressão e o retorno as liberdades democráticas. Na
Espanha franquista, na Polônia e Tchecoslováquia comunistas, bem como no Brasil
dos militares, o povo saiu as ruas contra as prisões e as arbitrariedades cometidas por
seus governos. No Brasil, a Passeata dos Cem Mil, ocorrida em 26 de junho de 1968,
com a participação de estudantes, artistas, intelectuais e importantes instituições do
país, dentre elas a Igreja Católica, pedia a libertação de presos políticos, o fim da
censura e a restauração das liberdades democráticas. O presidente Costa e Silva não
aceitou as reivindicações e junto com seu Conselho de Segurança Nacional editou o
Ato Institucional nº. 5, no dia 13 de dezembro de 1968. Assim se encerrava no Brasil o
ano de 1968, com a inauguração dos chamados “Anos de Chumbo”, nos quais os
9

militares, autorizados pelo AI-5, criaram um regime ditatorial de exceção, suspendendo


até a garantia constitucional de habeas corpus.
É nesse ano e nesses contextos que vão se tornar públicas a existência de
Novas Esquerdas distintas das concepções professadas pelos partidos comunistas e o
chamado “campo socialista” tão em voga na época. A partir dessas manifestações,
diferentes pensadores das áreas política, econômica, social e cultural se voltarão para
as Novas Esquerdas buscando explicar teoricamente esses movimentos, ao mesmo
tempo que oferecem um embasamento científico que permitirá a sua perpetuação no
decorrer do tempo. Os acontecimentos de 1968 são considerados por alguns
historiadores e filósofos como as ações revolucionárias mais importantes do século XX,
ajudando a reescrever a política e a sociedade contemporâneas.
No decorrer das décadas de 70 e 80 os temas políticos e culturais das Novas
Esquerdas vão perdendo força, até porque muitas sociedades ocidentais acabaram por
incorporar parte de suas propostas, como a igualdade racial, o respeito aos direitos da
mulher, a limitação da produção de armas nucleares e a proibição do uso de armas
biológicas. No dia 30 de abril de 1975, a Guerra do Vietnã chegou ao fim com a derrota
dos Estados Unidos e a reunificação do país asiático sob um governo de orientação
comunista.
Nesse período cronológico há um acirramento e posteriormente um maior
diálogo entre as duas grandes potências nucleares mundiais, os Estados Unidos da
América (EUA) e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). O marxismo
se torna uma ferramenta de análise da realidade utilizado por diferentes pensadores.
As Novas Esquerdas ressurgirão após o desaparecimento da União Soviética e
do “campo socialista” no natal de 1991. O ressurgimento das Novas Esquerdas no
decorrer da década de 90 é uma contraposição ao neoliberalismo. Esse sistema
econômico estruturado no decorrer do século XX, aplicado pela primeira vez no Chile
no início da ditadura de Augusto Pinochet, aproveitará a derrocada da União Soviética
e dos países do Leste Europeu para decretar o “fim da história” e estabelecer que a
partir daquele momento o neoliberalismo era um “pensamento único” sustentado pelo
poderio econômico, militar e político dos Estados Unidos. O neoliberalismo como
sistema econômico é altamente excludente, ou seja, aumenta as desigualdades sociais
e a pobreza, tendo como efeito colateral uma maior concentração do poder econômico
numa reduzida parcela da população. A exclusão econômica ensejou a criação de
movimentos sociais, muitos deles retomaram os temas políticos, econômicos e culturais
10

das Novas Esquerdas consolidados em 1968. O neoliberalismo tinha colocado as


esquerdas na defensiva e as Novas Esquerdas ressurgiam de dentro do sistema
econômico excludente para se contrapor com suas ideias e base social ao pensamento
conservador.
As Novas Esquerdas vão aproveitar suas experiências populares e sociais
fundamentadas em suas ideias políticas para se tornar uma alternativa das esquerdas
abrigadas nos movimentos sociais e nos partidos. Assim, as Novas Esquerdas retomam
sua trajetória histórica na política contemporânea para responder de forma efetiva e
séria aos desafios políticos, econômicos e teóricos apresentados pela nova direita ao
projeto da esquerda tradicional.
11

2 INTERPRETAR, COMPREENDER E EXAMINAR AS IDEIAS DAS NOVAS


ESQUERDAS

Os representantes das Novas Esquerdas fazem questão de reafirmar em seus


documentos de divulgação os problemas históricos enfrentados pelas sociedades
capitalistas. Entretanto, esses mesmos representantes não ficam somente no campo
da crítica, mas se esforçam por desenvolver propostas para a criação de um sistema
econômico diferente do capitalista.
A primeira crítica das Novas Esquerdas ao sistema capitalista se refere a teoria
tradicional da distribuição da renda, da riqueza e do poder econômico na sociedade.
Segundo os novos esquerdistas a distribuição de renda no sistema capitalista tem
natureza “estática”, ou seja, determinado principalmente pelos produtos marginais dos
fatores de produção e pela propriedade dos mesmos na sociedade: mão-de-obra,
“capital humano”, capital físico e ativos financeiros.
Lindbeck (1979, p. 37), no entanto, vê semelhanças entre as sugestões
envolvidas nas críticas da Nova Esquerda à análise da produtividade marginal adotada
atualmente:

Parece, contudo, que a ênfase das obras da Nova Esquerda está mais nos
arranjos institucionais e no papel das noções da “distribuição do poder” e da
“luta de classes” ao explicar a distribuição de renda. Entre os autores da Nova
Esquerda com treinamento formal na teoria econômica parece haver também
um interesse nas teorias macroeconômicas alternativas da distribuição
associadas com críticos das teorias da produtividade marginal tais como Joan
Robinson e Nicholas Kaldor.

Os economistas neo-esquerdistas destacam que os capitalistas não consideram


os processos socioeconômicos “dinâmicos” nos quais a produtividade dos
trabalhadores é alterada por fatores como: ensino, treinamento no emprego e influência
de todo o ambiente sobre o indivíduo. Outra questão destacada, é que os economistas
capitalistas têm negligenciado o desenvolvimento da distribuição do capital no tempo,
citando como exemplo, a manutenção do poder econômico concentrado nas mãos dos
mesmos grupos de indivíduos através dos sistemas de heranças.

2.1 Crítica à alocação de recursos para os setores de produção

A forma como os economistas capitalistas alocam recursos para os diversos


setores de produção após uma análise por demais superficial das preferências das
12

famílias também é questionado. A análise econômica não se preocupa em investigar a


formação das preferências para utilizar tais informações nas suas decisões. Os
economistas capitalistas tem pouco interesse inclusive sobre os efeitos da publicidade
e das relações interpessoais sobre a formação das preferências, deixando esses
conhecimentos aos cuidados dos publicitários. A Nova Esquerda propõe que o estudo
da formação das preferências deve ter um enfoque nas teorias sobre o “domínio da
burguesia” e a “manipulação” das instituições. Quando se trata de preferências até
movimentos políticos, como a Nova Esquerda, podem ser alvo desses estudos:

Muitos cientistas sociais desejam presumivelmente estudos mais flexíveis e de


“mente aberta” dos mecanismos extremamente complexos, pelos quais os
valores e preferências são formados e alterados nas sociedades dos dias
atuais. As atividades das grandes corporações, dos grupos dominantes dos
donos de propriedades, do estabelecimento militar, e dos líderes políticos
podem, naturalmente, ser assuntos importantes desses estudos – juntamente
com estudos do papel dos líderes dos sindicatos trabalhistas, grupos
minoritários e vários grupos de protestos, inclusive o próprio movimento da
Nova Esquerda. (LINDBECK, 1979, p. 38).

Sem o estudo da formação das preferências, o conhecimento científico é


substituído pela mera especulação.

2.2 Os capitalistas não se preocupam com a qualidade de vida

A Nova Esquerda critica a falta de atenção dos economistas capitalistas aos


problemas da qualidade de vida. Os neoesquerdistas denunciam que os economistas
capitalistas concentram suas preocupações à quantidade e a composição da produção
das utilidades e dos serviços. O centro das análises desses economistas está na
satisfação das preferências por artigos de consumo, pelo tempo de lazer, deixando de
lado outros problemas como condições de trabalho, os modos de tomadas das
decisões, a qualidade do meio ambiente, ou seja, todos os problemas relacionados com
as “exterioridades” da produção e do consumo.
Na verdade, esses profissionais estão a serviço da “obsessão” dos capitalistas
pela acumulação de capital e a expansão “ilimitada” da produção, desconsiderando os
outros valores da sociedade:

A deterioração do meio ambiente, a alienação no trabalho e a negligência dos


serviços coletivos são consideradas como características inevitáveis da
sociedade capitalista; diz-se que os lucros e o PNB aumentados são os índices
dominantes e os incentivos para o “desenvolvimento” capitalista. (LINDBECK,
1979, p. 39).
13

A deterioração ambiental é explicada pelos economistas como resultado dos


chamados fatores “externos”, assim os recursos não são bem alocados quando
empresas individualmente e o consumo das famílias individualmente tem impacto no
processo de produção de outras empresas ou no bem-estar de outras famílias. A
grande acusação dos neoesquerdistas é que no capitalismo o meio ambiente se tornou
um “artigo de luxo”, por essa razão as pessoas não dedicam uma alta prioridade a ele
até que seu padrão de vida em termos de consumo de mercadorias tenha atingido um
nível superior ao atual. Esse pensamento consumista, denunciam as Novas Esquerdas,
fez com que a poluição do ar, da água e da terra crescesse assustadoramente
principalmente nos países com baixos padrões de vida. A evolução desse processo
degratativo transformou o problema ambiental num tema de âmbito internacional.

2.3 Enfoque nos cenários microeconômicos

Outro questionamento proposto se refere a preferência dos economistas


capitalistas em atuarem nos cenários microeconômicos ao invés de oferecerem
propostas de soluções macroeconômicas. Eles buscam “mudanças marginais” no
sistema econômico por meio do estudo dos efeitos das mudanças de pequenos
parâmetros, passíveis de análise pelo cálculo diferencial, ao invés de discutirem as
grandes mudanças qualitativas:

Em outras palavras, os economistas são criticados por limitarem seus estudos


principalmente ao “ótimo local”, nas vizinhanças da posição inicial, em vez de
perguntarem se pode haver alguma posição “ótima total” superior numa
sociedade organizada de maneira bastante diferente daquelas que
conhecemos. (LINDBECK, 1979, p. 40).

Em contraposição aos capitalistas, a Nova Esquerda insiste na necessidade do


estudo dos grandes processos e transformações históricas dos sistemas quando suas
“contradições” inerentes se tornam poderosas demais.

2.4 Interação entre os fatores econômicos e políticos

Ainda no campo da economia política, os neoesquerdistas questionam os


capitalistas por não terem se atentado aos problemas da interação entre os fatores
econômicos e políticos. Os economistas tem evitado os problemas da distribuição do
14

poder na economia aliado as suas implicações tanto na política interna como externa.
Eles tendem a sugerir, para a aceitação geral, que há um certo tipo de “equilíbrio social”
e de “harmonia” na sociedade, ocultando outros fenômenos como os conflitos de
classes, lutas por poderes individuais, grupais e classistas. A aplicação de modelos de
equilíbrio na análise econômica é considerada pelos neoesquerdistas como uma forma
de evitar problemas de conflitos e “desarmonia”. Nesse mesmo bojo é condenada a
criação de instituições políticas dedicadas a manterem a exploração capitalista dos
trabalhadores e o domínio da burguesia a fim de preservarem a estrutura básica de
poder da sociedade.

2.5 O Estado e a estrutura da esfera pública

Quando querem tratar dos problemas referentes ao Estado e a estrutura da


esfera pública os militantes das Novas Esquerdas recorrem ao pensador Jürgen
Habermas. No início da década de 80, Habermas apresentou seus estudos sobre a
mudança estrutural da esfera pública investigada como uma categoria da sociedade
burguesa. De acordo com esses estudos, o setor privado vem se entrelaçando de
maneira progressiva com a esfera pública:

A esfera pública burguesa desenvolve-se no campo de tensões entre Estado e


sociedade, mas de modo tal que ela mesma se torna parte do setor privado. A
separação radical entre ambas as esferas, na qual se fundamenta a esfera
pública burguesa, significa inicialmente apenas o desmantelamento dos
momentos de reprodução social e de poder político conjugados na tipologia
das formas de dominação da Idade Média avançada. (HABERMAS, 2003, p.
169).

O surgimento da autoridade administrativa é explicado por Habermas como


resultado da implosão das limitações da dominação feudal. Ele destaca, ainda, que a
sociedade como esfera privada só é questionada quando as próprias forças sociais
adquirem competência de autoridade pública. A longo prazo a intervenção do Estado
na esfera social acarreta a transferência de atividades eminentemente públicas para o
setor privado. A passagem de responsabilidades públicas aos setores privados está
vinculada a substituição do poder público pelo poder social. A proposta de Habermas,
adotada pelas Novas Esquerdas, propõe a socialização do Estado ao mesmo tempo
em que acontece a estatização progressiva da sociedade, destruindo aos poucos a
base da esfera pública burguesa; cujo maior símbolo é a separação entre Estado e
sociedade:
15

Entre ambos e ao mesmo tempo, a partir de ambos, surge uma esfera social
repolitizada, que escapa à distinção entre “público” e “privado”. Ela também
dissolve aquela parte específica do setor privado em que as pessoas privadas
reunidas num público regulam entre si as questões gerais de seu intercâmbio,
ou seja, a esfera pública em sua configuração liberal. (HABERMAS, 2003, p.
170).

Dessa forma, a esfera pública se decompõe a partir da mudança estrutural das


relações entre a esfera pública e o setor privado. A história econômica comprova que
só quando novas funções são atribuídas ao Estado é que a barreira entre ele e a
sociedade começa a balançar. As grandes massas, quando tem sua pressão admitida
como participante dos processos de decisão, transformam os antagonismos
econômicos em conflitos políticos. Como resultado dessas ações, as intervenções do
Estado vão em parte ao encontro dos interesses dos economicamente mais fracos, mas
também podem repeli-los numa reação contrária aos interesses populares. As
intervenções do Estado, segundo Habermas, mesmo contrárias aos interesses
“dominantes” almejam a manutenção de um equilíbrio do sistema que não possa mais
ser assegurado através do livre mercado. À primeira vista foram precisamente as lutas
das forças democráticas contra o capitalismo a responsável pela continuidade da
existência do sistema. Essas lutas tornaram suportáveis as condições de vida do
trabalhador e ao mesmo tempo mantiveram abertos os mercados de ofertas dos
produtos acabados, impedindo a implosão do capitalismo, devido a distribuição cada
vez mais desigual das rendas. Tratam-se dos poderes contravalentes, ou seja, a
compensação dos poderes por um sistema de contravalências entre eles. A
compensação de poderes no capitalismo explica a tendência à concentração de capital
e o crescimento do intervencionismo estatal:

(...) o Estado não só amplia as suas atividades dentro das antigas funções, mas
que, sobretudo, ele conquistou uma série de novas funções adicionais. Ao lado
das tradicionais funções de guardar a ordem, que, no plano interno, o Estado
assumiria através da polícia, da justiça e de uma política de impostos aplicada
muito cuidadosamente, e que, no plano externo, apoiado nas forças armadas,
ele assumia até na época liberal, surgem agora funções de estruturação.
(HABERMAS, 2003, p. 175).

No decorrer do século XX e ainda no século XXI, a esfera pública assumirá as


tarefas de Estado-social.
O Estado-social no neoliberalismo e atualmente no pós-neoliberalismo possui
duas funções essenciais à manutenção do capitalismo. Os neoesquerdistas apontam
como primeira função do Estado-social proteger, indenizar e compensar os grupos
sociais mais fracos economicamente, promovendo a redistribuição da renda, algo que
16

o capitalismo sozinho não consegue fazer por ser um sistema concentrador. A segunda
função do Estado-social visa ser uma válvula de escape das massas marginalizadas.
A redistribuição de renda tem como objetivo maior prevenir, a longo prazo, modificações
da estrutura social contrárias aos interesses do setor privado, dirigindo-as para uma
política da classe média.
O poder de influenciar investimentos privados e de regulamentar os
investimentos públicos exige a intervenção estatal porque depende de um controle e
de um equilíbrio de todo o ciclo econômico. Atualmente o Estado conjuga atividades
administrativas com a prestação de serviços antes exclusivos da iniciativa privada. A
prestação de serviços se dá pela concessão de tarefas públicas para o setor privado,
pela coordenação de atividades econômicas privadas através de planos de metas, ou,
o Estado se tornando ativo como produtor e distribuidor. O crescimento econômico
obriga o Estado a ampliar o setor dos serviços públicos, já que eles são fatores efetivos
na alteração entre a relação de custos privados e custos sociais. Como nos ensina
Habermas (2003, p. 176): “Ao lado dos custos públicos da produção privada, surgem,
proporcionalmente ao crescente poder de compra das grandes massas, custos públicos
do consumo privado.”

2.6 Em que campo da política a Nova Esquerda existe?

Outra questão a ser respondida é: em que campo da política a Nova Esquerda


existe? Essa pergunta é pertinente porque nos últimos anos, vários agentes formadores
de opinião têm repetido que a distinção entre direita e esquerda não existe mais.
Decretaram o fim de uma divisão existente a mais de dois séculos e que se iniciou na
Revolução Francesa para separar o universo político em dois campos opostos. Para
responder a essa questão, as Novas Esquerdas recorrem ao pensador político Norberto
Bobbio. Os neoesquerdistas se colocam no campo da esquerda, porque concordam
com a definição de esquerda dada por Bobbio (2011, p. 115):

Tais premissas são importantes e necessárias, pois, quando se diz que a


esquerda é igualitária, e a direita inigualitária, não se quer realmente dizer que
para ser de esquerda é preciso proclamar o princípio de que todos os homens
devem ser iguais em tudo, independentemente de qualquer critério
discriminador, porque esta seria não só uma visão utópica para a qual, é
preciso reconhecer, se inclina mais a esquerda do que a direita, ou talvez
apenas a esquerda mas, pior do que isso, uma pura declaração de intenções
a qual não parece ser possível dar um sentido razoável. Em outras palavras,
17

afirmar que a esquerda é igualitária não quer dizer que ela é também
igualitarista.

Para Bobbio, a esquerda tem uma maior sensibilidade para diminuir as


desigualdades, mas isso não quer dizer que a direita quer conservar todas as
desigualdades, ela somente é mais inigualitária.

2.7 A Nova Esquerda como resposta a superação do Neoliberalismo

É baseada nessas premissas que a Nova Esquerda se opõe ao Neoliberalismo


e se constitui numa resposta a superação deste sistema econômico. Os movimentos
sociais da Nova Esquerda pressionam para que certas questões entrem na agenda
pública baseados em suas experiências de novos mecanismos políticos, econômicos e
sociais através dos quais tais questões, puderam ser percebidas na prática. Abordando
a oposição da Nova Esquerda ao Neoliberalismo, Wainwright (1998, p. 131), destaca:

Os movimentos sociais democráticos e sindicais recentes ilustraram a


necessidade e a possibilidade de novos mecanismos políticos e econômicos
de duas formas. Em primeiro lugar, inspiraram e pressionaram para a obtenção
de verbas públicas para a criação de novas espécies de instituições que, com
apoio político pudessem tratar das falhas do mercado. (…) Em segundo lugar,
o estilo de organização dos novos movimentos exerce uma pressão contrária
às disciplinas do mercado.

A Nova Esquerda é contra o mercado neoliberal, porque ele é apresentado por


seus defensores como único determinante das oportunidades de vida e futuro de uma
comunidade.

2.8 Dificuldades da Nova Esquerda na Europa Ocidental

Mas nem tudo são flores na história da Nova Esquerda. A experiência da Nova
Esquerda na Suécia acabou se desintegrando e os conservadores conseguiram voltar
ao poder depois de quase 70 anos:

No Norte, a tentativa sueca de uma “Terceira Via” se desintegrou, e o Partido


Socialdemocrata perdeu o poder em 1991, para o primeiro governo de
liderança conservadora desde os anos 20; no verão de 1994, os
desempregados correspondiam a cerca de 14% da força de trabalho – entre os
mais altos índices da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento
Econômico (OECD). (ANDERSON, 1996, p. 14).
18

No estudo organizado por Perry Anderson e Patrick Camiller, nas últimas


décadas os partidos da Europa Ocidental que adotam propostas da Nova Esquerda em
suas ações estão sofrendo problemas para se manter no poder ou voltar a ele. Essa
realidade se apresenta na França, Itália, Espanha, Alemanha, Grã-Bretanha, Suécia,
Noruega e Dinamarca. As principais reclamações dos povos desses países é a
diminuição do bem-estar e o desemprego. Importante lembrar que a maioria desses
países viveu sobre o poder de um Estado de bem-estar social e com pleno emprego
por décadas, dentro de um sistema econômico capitalista.
Tal situação na Europa Ocidental deve-se também ao fato de lá atuarem os
maiores críticos da Nova Esquerda também tratada como “Terceira Via”. Os críticos
veêm a Nova Esquerda como uma grande mistura de ideias políticas já conhecidas e
como tal um movimento carente de qualquer conteúdo distinguível. Os que procuram
justificá-la apresentam três afirmações sobre a “Terceira Via”: ela faz uma análise
coerente da importância decrescente da “velha esquerda”; ela proporciona uma base
eficaz para a reconstrução do sucesso dos partidos social-democratas; e tem uma
estratégia plausível para lidar com questões da era pós-Guerra Fria. Em contraponto,
os seus críticos europeus ocidentais fazem questão de ressaltar:

Na verdade, a terceira via da virada do século foi, de certa forma, superior a


sua contraparte mais recente. A visão atual da política da terceira via tenta
reduzir a intervenção do mercado frente à natureza turbulenta da economia
mundial, inquestionavelmente o oposto do que precisamos, enquanto nas
áreas do crime e da educação ela tem uma opinião inaceitavelmente
autoritária. (GIDDENS, 2001, p. 23).

2.9 Denunciando um Império Contemporâneo

A última e grande cruzada da Nova Esquerda é denunciar a existência de um


Império contemporâneo. O professor de literatura Michael Hardt e o cientista social e
filósofo Antonio Negri realizaram pesquisas sobre a globalização irresistível e
irreversível de trocas econômicas e culturais. Uma ordem global surgiu com o mercado
global e com circuitos globais de produção trazendo uma nova lógica e estrutura de
comando, encarada como uma nova forma de supremacia. Hardt e Negri (2012, p. 11)
afirmam: “O império é a substância política que, de fato regula essas permutas globais,
o poder supremo que governa o mundo.” Eles repetem, e depois esmiúçam criticamente
a afirmação de que a globalização da produção e da permuta capitalistas são prova da
19

independência das relações econômicas frente aos controles políticos, declinando a


soberania política. Para os autores, o Império carrega em si o germe da revolução com
maior potencial que os regimes modernos de poder que o antecederam. Por isso, a
Nova Esquerda encontra em Hardt e Negri sua fundamentação teórica na abordagem
do problema do imperialismo contemporâneo. Os neoesquerdistas concordam com os
autores quando eles afirmam:

O poder imperial já não pode resolver o conflito de forças sociais pelo esquema
mediador que substitui os termos do conflito. Os conflitos sociais que
constituem o político confrontam-se diretamente, sem qualquer espécie de
mediação. Esta é a principal novidade da situação imperial. (HARDT & NEGRI,
2012, p. 417).

Eles acreditam que o Império contemporâneo possui uma alternativa na grande


massa de explorados e subjugados, que se opõe diretamente ao Império, sem
mediadores. É essa grande massa de explorados e subjugados que formam e
participam dos movimentos sociais das Novas Esquerdas por todo o mundo.
20

3 CELSO FURTADO E A NOVA ESQUERDA BRASILEIRA

Os movimentos sociais e os partidos políticos considerados a cabeça e o corpo


da Nova Esquerda no Brasil inspiram suas teorias sociais no pensamento do sociólogo
Florestan Fernandes, mas no campo econômico o pensador preferido é Celso Furtado.
Esse economista se diferencia da grande maioria porque não utilizou o instrumental
marxista para produzir suas análises e suas propostas de desenvolvimento voltados ao
Brasil. Furtado entende que o principal problema econômico do Brasil é o impacto
negativo no plano social. O sistema de linha de produção adotada no início do século
XX foi substituído pela organização em equipes, a flexibilização do processo de
produção teve como efeito colateral a redução da capacidade dos assalariados se
organizarem em poder sindical. A partir dessa constatação, o economista analisa a
definição da produção de bens de consumo:

Alcançamos, assim, o âmago do problema decorrente do avanço tecnológico.


A orientação assumida por este traduz a necessidade de diversificar o consumo
dos países de elevado nível de vida. As inovações nas técnicas de marketing
passaram a ter importância crescente. A sofisticação dos padrões de consumo
dos países ricos tende a comandar a evolução tecnológica. Só assim se explica
o desperdício frenético de bens descartados como obsoletos e as brutais
agressões na fronteira ecológica. (FURTADO, 2002, p. 41) .

A globalização é um imperativo tecnológico do qual o Brasil não pode escapar,


o país tem de acompanhar as outras economias num processo de unificação de
decisões estratégicas, reduzindo o espaço de manobra restante.
Celso Furtado (2002, p. 42) nos dá um alerta ainda válido:

O Brasil é um país marcado por profundas disparidades sociais superpostas a


desigualdades regionais de níveis de desenvolvimento, portanto frágil em um
mundo dominado por empresas transnacionais que tiram partido dessas
desigualdades.

Para o economista brasileiro, o maior desafio do país está em reverter o


processo de concentração de renda, “o que somente será feito mediante uma grande
mobilização social” (FURTADO, 2002, p. 42).
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4 AS NOVAS ESQUERDAS NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA

As Novas Esquerdas na América Latina conseguiram fazer suas propostas


chegarem ao poder através das vitórias eleitorais de novas lideranças políticas à
esquerda. O sucesso eleitoral dessas novas lideranças pode ser explicado em parte
pela decepção dos povos da América Latina no decorrer dos anos pelo fracasso da
utopia da globalização e pelas novas políticas neoliberais. Além disso, a virada
democrática representada por essas eleições é uma forte reação aos governos
anteriores que realizaram reformas de livre mercado e se submeteram a vontade dos
Estados Unidos em relação a diversas questões.
A tendência a uma Nova Esquerda na América Latina começou com as eleições
de Hugo Chávez em 1998, na Venezuela, Luiz Inácio Lula da Silva, no Brasil, em 2002,
Nestor Kirshner na Argentina e Tabaré Vasquez no Uruguai. O processo foi
aprofundado com a eleição, para presidente da Bolívia, do líder índigena Evo Morales,
no final de 2005, e da militante socialista chilena Michele Bachelet, no início de 2006,
nesse mesmo ano foram eleitos presidentes Daniel Ortega, na Nicaraguá, e Rafael
Correa, no Equador.
A Nova Esquerda da América Latina é marcada por grande diversidade de
tendências e propostas, cujas raízes são buscadas na história do continente. As
oligarquias que antes ocupavam o poder denunciavam as Novas Esquerdas como
ameaças a democracia na região, mas nunca antes a democracia esteve tão fortalecida
na América Latina no final da década de 90 e primeiro decênio do século XXI.
Essas mesmas oligarquias foram fortalecidas e conseguiram retornar ao poder
graças a eleição a presidente do republicano Donald Trump nos Estados Unidos. Trump
é um conservador com posições próximas a extrema direita. O impacto dessa eleição
nos Estados Unidos, inesperada para muitos analistas políticos que viam como certa a
eleição da democrata Hillary Clinton, acabaram provocando reflexos nas eleições
subsequentes nos países da América Latina e Caribe sendo determinante na volta ao
poder da chamada direita e até mesmo da extrema direita.
Outro aspecto que favoreceu a direita e permitiu seu retorno ao poder foi o
discurso de anticorrupção pregado por seus candidatos. As Novas Esquerdas, em
alguns casos, para se perpetuarem no poder, acabaram se associando as empresas
detentoras de contratos com o governo para obter recursos destinados aos caixas não
oficiais dos seus partidos usufruindo posteriormente desses valores em suas
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campanhas eleitorais com o claro objetivo de influenciar a escolha dos eleitores por um
meio de um verdadeiro abuso econômico.
Além disso, também utilizaram as empresas estatais como meio de obter
recursos através da indicação de diretores que controlavam contratos vultosos e
conseguiam vantagens financeiras na forma de suborno.

4.1 O discurso da direita vence a Nova Esquerda no Brasil

A grande experiência da Nova Esquerda no Brasil foram os 14 anos de governo


do Partido dos Trabalhadores (PT).
Durante esse período o Brasil acompanhou a inclusão das pautas, na agenda
política estatal, dos movimentos sociais dedicados as mulheres, aos negros e aos
LGBT. Essa inclusão serviu de motivo para que a direita, aproveitando-se do
conservadorismo cristão da sociedade brasileira, iniciasse um processo de crítica ao
favorecimento e ao uso de recursos estatais para o atendimento dos interesses desses
movimentos em detrimento ao respeito aos chamados “valores tradicionais”. Isso foi
minando aos poucos o discurso progressista da Nova Esquerda em favorecimento do
discurso conservador de matriz cristã.
Uma prova recente da exploração do conservadorismo da sociedade brasileira
foi a discussão, no período eleitoral, sobre a cartilha contra a homofobia nas escolas,
apelidada de “kit gay”, favorecendo a candidatura de extrema direita e fortalecendo o
movimento Escola sem Partido.
Antes das eleições, durante o processo de impeachment da presidente Dilma
Rousseff, especialmente no dia 13 de março de 2016, as direitas deram mostra de que
as Novas Esquerdas não tinham exclusividade das ruas como palco das lutas políticas.
Para piorar a situação, as denúncias de corrupção envolvendo importante nomes
das Novas Esquerdas acabaram por reduzir a capacidade de interlocução com a
população, inclusive com os trabalhadores. As mídias sociais são influenciadoras
sociais formando a consciência, principalmente dos jovens, na forma de contestar o
modelo econômico brasileiro e foram as maiores responsáveis pela divulgação desses
fatos.
Tais embates revelam ao mesmo tempo um povo novo, mas sem deixar de
representar o que é velho, como explica Ribeiro (1995, p. 19-20):
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Nessa confluência, que se dá sob a regência dos portugueses, matrizes raciais


dispares, tradições culturais distintas, formações sociais defasadas se
enfrentam e se fundem para dar lugar a um povo novo (Ribeiro, 1970), um novo
modelo de estruturação societária. Novo porque surge como uma etnia
nacional, diferenciada culturalmente de suas matrizes formadoras. Fortemente
mestiçada, dinamizada por uma cultura sincrética e singularização pela
redefinição de traços culturais dela oriundos [...]. Velho, porém, porque se
viabiliza como um proletariado externo. Quer dizer, um implante ultramarino da
expansão europeia que não existe para si mesmo, mas para gerar lucros
exportáveis pelo exercício da função de provedor colonial de bens para o
mercado mundial, através do desgaste da população que recruta no país ou
importa.

A Nova Esquerda, brasileira e latino-americana, cometeu o grande erro de


desprezar o imperialismo porque a agenda política e econômica desse poderio vem
toda de fora, preocupando-se prioritariamente com os problemas internos do país. Gullo
(2014, p. 38) destrincha as estratégias imperialistas dos Estados centrais, dentre eles
os Estados Unidos:
Tanto as estratégias de geração de ideologias, de formação de elites e de
difusão ideológica realizadas pelas estruturas de poder hegemônico e as
grandes potências têm como objetivo fundamental conseguir a subordinação
ideológico-cultural dos Estados periféricos. Mediante a subordinação
ideológica, os Estados centrais substituem, para a conquista de seus objetivos,
o uso ou a ameaça da força pela sedução e persuasão [...].

Esse erro fez a Nova Esquerda acreditar que soberania nacional é um tema
nacionalista e do passado. A direita, por sua vez, se utiliza dos conceitos propalados
pelo imperialismo para formar consciências e conquistar votos. A meritocracia é um
conceito que se sobrepõem a uma proposta de distribuição de renda como o Bolsa
Família. A população é convencida pelos políticos de direita de que pelo esforço, pelos
próprios méritos é possível sair das condições sociais e econômicas desfavoráveis.
Com a tomada do poder pela direita agravou-se o ataque às conquistas sociais
proporcionadas pela Nova Esquerda.
Outro discurso disseminado pela direita refere-se a visão de que o indivíduo deve
estar em primeiro lugar na sociedade, quanto menos a presença do Estado na vida do
cidadão, mais espaço ele terá para empreender. Afinal, na visão ideológica de direita,
a iniciativa privada é a única forma de geração de emprego e renda e, sem ela, não
haverá desenvolvimento social. Por essa razão, condena-se o Estado de bem-estar
social defendido pela Nova Esquerda porque a direita alega que ele cria cidadãos
mimados, sem iniciativa própria, sustentado pela caridade pública, que usufruem dos
recursos destinados a nação pelos que trabalham e pagam impostos.
Nesse mesmo espectro, a violência não é fruto da desigualdade social, mas da
vontade própria daqueles que não querem trabalhar, portanto, cada indivíduo deve
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assumir a responsabilidade pelos seus atos, justificando a redução maioridade penal


como se os jovens fossem violentos por uma decisão pessoal sem influência do meio
e das condições em que vivem.
Para justificar suas ações favoráveis ao capital com perdas para o trabalhador,
a direita utiliza o discurso de que os direitos trabalhistas diminuem o lucro, por
decorrência os empresários não tem como ampliar sua produção e não podem gerar
empregos. A solução é terceirizar o trabalho e tornar flexível as leis trabalhistas para
que haja o crescimento econômico do país. A partir dessa lógica, os trabalhadores são
os culpados pelo desemprego no Brasil e precisam compreender que só abrindo a mão
dos seus direitos garantirão seus empregos. Da mesma forma, os aposentados são um
peso para os orçamentos públicos então devem se aposentar mais tarde, porque assim
o tempo de vida será menor e o governo terá de gastar por menos tempo com eles.
O maior pecado da Nova Esquerda no Brasil foi, quando esteve no poder, não
ter alterado os fundamentos da economia brasileira. O Partido dos Trabalhadores fez
uma condução econômica conservadora por causa dos acordos que tinha com a direita,
obrigando-se a adotar suas práticas.
Outra grande falha foi ter se concentrado demais nas temáticas como lutas de
gênero, do feminismo, do ambientalismo, dentre outras. Embora elas sejam
fundamentais para a ampliação dos direitos humanos nos país e promover uma
inclusão social desses grupos, o problema é que se compartimentalizaram demais os
assuntos políticos. Assim, só uma mulher pode falar de feminismo, a questão de gênero
pertence aos militantes LGBT, o debate ambiental é dos ambientalistas, a educação só
pode ser discutida por educadores, porque só eles entendem os conteúdos temáticos
de cada um. É preciso democratizar essas discussões, elas têm de sair dos grupos e
passarem a ser da sociedade.
A Nova Esquerda, no entanto, é a maior incentivadora desse tipo de
especialização de discurso por grupos. Até porque ela retomou e ampliou o
autopoliciamento da linguagem, o famoso “politicamente correto”, dependendo da
forma como um tema é abordado é tratado como homofobia ou machismo. A
especialização das temáticas torna-se uma barreira para a articulação entre elas e
impede uma visão totalizante desses problemas.
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A doutora em Educação professora Maria Lúcia Miranda Afonso (2000 apud


FERREIRA, 2000, p. 21), aborda a dicotomia vivida por todas as pessoas no mundo
pós-moderno, essa constatação se aplica também ao campo político:

Aprendemos hoje que muitas faces diferentes fazem parte de nossa


constituição humana em permanente diálogo e negociação. Sim, o homem é o
lobo do homem... o homem é o cordeiro do homem... e o homem é a montanha
do homem... e o homem é o vale do homem... e o homem é a flor do homem...
e o homem é a semente do homem... e o homem é a canção do homem... e o
homem é o silêncio do homem [...].

A Nova Esquerda não é uma utopia, como este trabalho pôde demonstrar no
longo caminho que percorreu respondendo às principais questões inerentes a um
movimento político com fundamentação teórica e realização prática.
Embora as agremiações políticas que defendem suas propostas estejam
passando por crise na Europa Ocidental, na América Latina e no Brasil, os movimentos
sociais das Novas Esquerdas buscam retomar seus espaços nos processos decisórios.
As manifestações de junho de 2013 no Brasil demonstram que esse fenômeno
também amadureceu no Brasil e os movimentos sociais ligados as Novas Esquerdas
pautarão ainda por um bom tempo a agenda do país. Por outro lado, as direitas
aprenderam também a ir às ruas e defenderem sua agenda política e econômica,
produzindo uma diversidade de discursos e propostas. Tudo isso é positivo, demonstra
que estamos aprendendo a viver na sociedade de forma democrática.
A tão esperada mobilização social profetizada por Celso Furtado dois anos antes
de seu falecimento aparenta ser agora uma realidade permanente que, quem sabe,
poderá reverter o processo de concentração de renda, mal denunciado por esse grande
economista como o responsável pelas desigualdades do povo brasileiro e a pobreza no
país.
A Nova Esquerda enquanto esteve no poder não conseguiu superar a estrutura
econômica brasileira que serve de complemento ao comércio internacional, deixando
de produzir um novo patamar civilizacional. Ela também não conseguiu a unidade entre
os diferentes grupos que a compõem para o combate aos seus inimigos políticos e
econômicos. O Brasil e outros países da América Latina continuam copiando o modelo
econômico dos países centrais e as Novas Esquerdas permanecem fragmentadas
politicamente e não se permitem avançar ideologicamente.
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6 REFERÊNCIAS

ANDERSON, Perry; CAMILLER, Patrick (Org.). Um mapa da esquerda na Europa


Ocidental. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.

BOBBIO, Norberto. Direita e Esquerda: razões e significados de uma distinção política.


3. ed. São Paulo: Unesp, 2011.

FERREIRA, Rodrigo Mendes. Individuação e socialização em Jürgen Habermas:


um estudo sobre a formação discursiva da vontade. São Paulo: Annablume; Belo
Horizonte: Unicentro Newton Paiva, 2000.

GIDDENS, Anthony. A terceira via e seus críticos. Rio de Janeiro: Record, 2001.

GULLO, Marcello. A insubordinação fundadora: breve história da construção do


poder das nações. Florianópolis: Insular, 2014.

HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública. Rio de Janeiro: Tempo


Brasileiro, 2003.

HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. Império. 10. ed. Rio de Janeiro: Record, 2012.

LINDBECK, Assar. A Economia Política da Nova Esquerda. Rio de Janeiro: Paz e


Terra, 1979.

RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro. São Paulo: Cia das Letras, 1995.

WAINWRIGHT, Hilary. Uma resposta ao neoliberalismo: argumentos para uma nova


esquerda. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

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