Você está na página 1de 24

Análise comparativa entre ciclos Otto real e ideal

Dr. Rafael de Camargo Catapan*


Jaisson Vidal**

RESUMO

Este trabalho apresenta uma abordagem sobre a representação do ciclo Otto de duas formas,
uma delas considerando como fluido ativo o ar, e outra considerando o fluido ativo ar +
combustível. O ciclo padrão a ar é uma representação simplificada do processo real, que tem
por objetivo facilitar o estudo do ciclo, impondo algumas hipóteses simplificadoras, porém
tendo uma semelhança com o ciclo real, podendo assim aplicar o estudo da termodinâmica. O
ciclo real por sua vez, apresentado neste trabalho, representa o ciclo com ar + combustível
como fluido ativo, considera-se também que a razão entre os calores específicos variam com
a temperatura, uma consideração muito importante para os ciclos, uma vez que no ciclo ideal
a ar considera-se que a razão dos calores específicos são constantes. Os cálculos iterativos
foram desenvolvidos em rotinas computacionais, bem como diagramas representativos P x v
(pressão x volume específico) e T x s (temperatura x entropia específica), que por sua vez são
comparados, entre os ciclos real e ideal.

Palavras-chave: Ciclo Otto, Termodinâmica, Combustão.

1 Introdução

1.1 Ciclo Otto

O funcionamento de um motor de combustão interna envolve uma série de fenômenos


termodinâmicos, como combustão, variações de pressão e altas temperaturas, que se repetem
periodicamente, dando origem aos ciclos. Os ciclos termodinâmicos realizados no interior da
câmara de combustão pode ser melhor visualizado quando plotados no diagrama pressão x
volume (P - v), ou no diagrama temperatura x entropia (T - s).
Os processos no ciclo Otto são descritos pelas seguintes etapas abaixo:
● Processo 1 - 2 (Compressão Isentrópica): O processo inicial é de compressão, onde o
fluido ativo é comprimido ao entrar na câmara de combustão, a compressão é feita por
hipótese sob entropia constante, ou seja, P .v k = cte , onde k é a razão entre os calores
específicos do fluido ativo ( C p e C v ).
● Processo 2 - 3 (Combustão): O processo em questão trata-se da combustão no interior
da câmara, ou adição de calor, quando tratamos de ciclos idealizados a ar. Nesta etapa
o combustível é oxidado, liberando assim assim grande energia para o sistema,

* ​Professor Doutor no Programa de Pós Graduação em Engenharia e Ciências Mecânicas - UFSC


** Discente no curso de Mestrado em Engenharia e Ciência Mecânicas - UFSC
UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina
Programa de Pós Graduação em Engenharia e Ciências Mecânicas

elevando o sistema a altas pressões e temperaturas. O processo de combustão é um


processo que ocorre de forma muito rápida, e por hipótese é considerado a volume
constante.
● Processo 3 - 4 (Expansão Isentrópica): Nesta etapa do processo ocorre uma abrupta
mudança de volume, ou seja, a energia liberada na combustão, agora é utilizada para
gerar trabalho, e dar movimento ao eixo. Similar ao processo 1 - 2, esta etapa também
ocorre a entropia constante.
● Processo 4 - 1 (Descarga dos Gases): Nesta etapa do processo ocorre a abertura das
válvulas de escape, onde há a retirada dos resíduos, e renova-se a mistura para um
novo processo do ciclo.

A Figura 01 abaixo, mostra os diagramas P - v e T - s, onde as etapas mencionadas


acima encontram-se numeradas para um melhor entendimento, e as setas em vermelho
representam as trocas de calor que ocorrem nos processos:

Figura 01: Diagramas P - v, e T - s de um ciclo Otto

Fonte: Adaptado de SONTAG, 2013.

2
UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina
Programa de Pós Graduação em Engenharia e Ciências Mecânicas

1.2 Dados do ciclo estudado

Neste trabalho aborda-se um estudo acerca de um motor ciclo Otto de 04 tempos, 04


cilindros, onde a temperatura no início do processo de compressão é de 30º C (303 K), e a
pressão inicial é de 0,96 kgf/cm² (94,14 kPa). A taxa de compressão do motor é de 10, e
volume de cada cilindro é de 500 cm³.
Faz-se duas abordagens no trabalho, uma considerando a ar como fluido ativo, e outra
considerando a combustão de Iso-Octano com uma razão de equivalência Φ = 1 ,
considerando uma fração residual de gases de 2%.
Diante desses dados uma rotina computacional foi implementada para aquisição dos
dados, calculando assim o trabalho dos ciclos (real e ideal), a eficiência térmica dos ciclos, o
consumo de combustível [kg/h] a 5000 rpm, potência indicada, e posteriormente é feita uma
comparação entre os ciclos real e ideal, onde essa comparação é dada graficamente e por
meio de números envolvendo pressões e temperaturas, principalmente antes e depois da
combustão.

2 Abordagem do Ciclo Otto Ideal

Primeiramente faz-se a análise do ciclo ideal, considerando o fluido ativo como ar, e
admitindo algumas hipóteses mencionadas a seguir:

● O fluido ativo ar é considerado um gás ideal;


● O fluido não se renova, ou seja, não há escape. Desta forma a primeira lei de
termodinâmica pode ser utilizada para o volume de controle;
● Os processos de compressão e expansão são isentrópicos, ou seja, adiabáticos com
P .v k = cte ;
● A razão entre os calores específicos do ar é mantida constante, ou seja, k = 1,4;
● A combustão, ou adição de calor, é estimada de acordo com o PCI (Poder calorífico
inferior) do Iso-Octano, que é o combustível utilizado no ciclo real;

3
UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina
Programa de Pós Graduação em Engenharia e Ciências Mecânicas

Desta forma, inicia-se com o cálculo com a eficiência do ciclo, considerando a razão
de compressão rc = 10 :

1
ηT = 1 − rck−1
; onde k =1,4


η T = 60, 2%
O volume no ponto 01 é dada por:

P v = RT (1)
Onde:
R = 0, 2870 kJ/kg.K
P = 94, 14 kP a
T = 303 K

v = 0, 924 m³/kg

Como a razão de compressão é dada, pode-se calcular o volume e a pressão no ponto


v1
02, sabendo que rc = v2
:

P .v k = cte (2)
P 2 = 2364, 7 kP a
v 2 = 0, 0924 m³/kg

A temperatura no ponto 02 é dada pela expressão dos gases ideais P v = RT , assim:

T 2 = 761, 32 K

O processo 2 - 3, trata-se de um processo de adição de calor, como este ciclo é


representado de forma ideal, com fluido ativo sendo o ar, consideramos uma adição de calor
no processo estimado por meio do PCI do Iso-Octano que tem um valor tabelado de seu

4
UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina
Programa de Pós Graduação em Engenharia e Ciências Mecânicas

poder calorífico, PCI = 44.791 kJ/kg (TURNS). Assim sabendo que a massa molar do C 8 H 18
(Iso-Octano) é igual a 114,23 g/mol, o calor inserido no ciclo é dado por:

q in = 2560, 82 kJ/kg

Assim, a temperatura no ponto 03 é dada por:

q in
T3 = Cv
+ T2

Onde:
C v = 0, 718 kJ/kg.K
T 3 ≈ 4327 K

Logo, a pressão no ponto 03 é facilmente obtida pela expressão dos gases ideais:

P 3 ≈ 13463 kP a

Conhecendo os valores do ponto 03, calculados anteriormente, pode-se calcular os


valores do ponto 04, sabendo que o processo 3-4 ocorre de forma isentrópica:

P .v k = cte
P 4 ≈ 614 kP a

T 4 ≈ 1980 K

Os valores das entropias associadas aos processos do ciclo ideal foram calculadas em
rotinas computacionais de acordo com a expressão para entropia dos gases ideais, com
calores específicos constantes:

T
s2 − s1 = C v,médio .ln( T 2 ) + R.ln
1
( )
v2
v1 (3)

5
UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina
Programa de Pós Graduação em Engenharia e Ciências Mecânicas

Assim, as entropias específicas do ciclo ideal são:

s1 = s2 = 6, 86926 kJ/kg.K
s3 = s4 = 8, 52160 kJ/kg.K

As entropias nos processos de combustão e descarga dos gases variam com a


temperatura, e são mostradas nos diagramas comparativos a frente, bem como o trabalho
relacionado ao ciclo ideal.

3 Abordagem do Ciclo Otto Real

A abordagem utilizada para o ciclo real é diferenciada do ciclo ideal, pois agora o
fluido ativo trata-se de uma mistura de ar + combustível, onde as seguintes hipóteses são
levadas em consideração:

● O fluido ativo é uma mistura de ar + combustível;


● Uma fração residual de 2% deve ser levada em consideração, sendo a quantidade de
resíduos que permanecem na câmara de combustão, devido ao pequeno espaço
reservado para abertura e fechamento das válvulas de admissão e escape;
● Os processos de compressão e expansão são isentrópicos, ou seja, adiabáticos com
P .v k = cte ;
● A razão entre os calores específicos da mistura varia com a temperatura, ao contrário
do processo ideal, onde se mantinha constante;
● A razão de equivalência da reação é Φ = 1 ;
● Os gases residuais são considerados somente como CO2 , H 2 O, N 2 ;
● A mistura de gases após a combustão é considerada congelada, ou seja, sem
dissociação química dos elementos;
● A combustão ocorre a volume constante;

6
UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina
Programa de Pós Graduação em Engenharia e Ciências Mecânicas

3.1 Processo 1-2 (Compressão Isentrópica)

O início da análise se dá pelo balanceamento da equação da reação química do


Iso-Octano com AR padrão, considerando uma mistura estequiométrica, teremos:

y
C 8 H 18 + a(O2 + 3, 76 N 2 ) ⇒ xCO2 + 2 H 2 O + a 3, 76 N 2

y
x+ 4
a= Φ
= 12, 5 , onde x = 8 e y = 18

C 8 H 18 + 12, 5(O2 + 3, 76 N 2 ) ⇒ 8CO2 + 9H 2 O + 47 N 2 (4)

Nesta abordagem do ciclo real, a razão dos calores específicos varia com a
temperatura, e como no Processo 1-2 (Compressão Isentrópica) temos uma mistura de
combustível + Ar + 2% de gases residuais ( CO2 , H 2 O, N 2 ), deve-se calcular os calores
específicos da mistura, de acordo com a equação abaixo:

n
cp,mix = ∑ y i cp,i [kJ/kg.K] (5)
i=1

Onde:
y i = fração mássica do elemento “i”;
cp,i = calor específico do elemento “i” [kJ/kg.K];

cp,mix = calor específico da mistura [kJ/kg.K].

A fração mássica, y i , é dada por:

mi
yi = mtotal
(6)

Onde:
mi = massa do elemento [g]

7
UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina
Programa de Pós Graduação em Engenharia e Ciências Mecânicas

mtotal = massa total da mistura [g]

Logo, o calor específico a volume constante cv é dado por:

cv = cp − R (7)

Onde:
cp = calor específico a pressão constante [kJ/kg.K]
R = constante do gás [kJ/kg.K]

O calor específico a volume constante da mistura, cv, mix é dado por:

cv, mix = cp, mix − Rmix (8)

Onde:
cp, mix = calor específico da mistura (Eq. 05) [kJ/kg.K];

Rmix = constante da mistura de gases.

A constante da mistura dos gases é dada por:

Ru
Rmix = Mm
[kJ/kg.K] (9)

Onde:
Ru = constante universal dos gases (8,314 kJ/kmol.K);
M m = massa molecular da mistura [kg/kmol].

Diante disso pode-se calcular as frações mássica de cada elemento da mistura, no


processo 1-2 de compressão isentrópica, levando em conta os 2% de gases residuais. Abaixo
encontram-se as frações mássicas calculadas a partir da equação (6):
Mistura nova:
● y C 8 H 18 = 0, 06239 ;

8
UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina
Programa de Pós Graduação em Engenharia e Ciências Mecânicas

● y N = 0, 71913 ;
2

● y O = 0, 21847 ;
2

Gases residuais:
● y 2%, C O = 0, 0038462 ;
2

● y 2%, H = 0, 0017712 ;
2O

● y 2%, N = 0, 0143826 ;
2

Assim, utilizando-se da equação (5), pode-se chegar ao valor de calor específico a


pressão constante da mistura, inicialmente a 300 K, considerando os calores específicos a
pressão constante dos elementos a temperatura ambiente, listados abaixo:

● C 8 H 18 = 1, 711 [kJ/kg.K];
● N 2 = 1, 042 [kJ/kg.K];
● O2 = 0, 922 [kJ/kg.K];
● CO2 = 0, 842 [kJ/kg.K];
● H 2 O = 1, 872 [kJ/kg.K] .

Antes de inserir os valores de calor específico de cada elemento na equação (5), faz-se
necessário o cálculo dos calores específicos de cada elemento variando com a temperatura,
essa rotina é implementada utilizando do polinômio descrito pela equação (10) para calores
específicos em função da temperatura (SONTAG, 2013):

C p,0 = C 0 + C 1 θ + C 2 θ2 + C 3 θ3 [kJ/kg.K] (10)

Onde θ = T [K]/1000

Vale ressaltar que o polinômio descrito acima é válido somente para uma faixa de
temperatura 250 K a 1200 K, porém na compressão isentrópica a temperatura não atinge tal
valor máximo.

9
UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina
Programa de Pós Graduação em Engenharia e Ciências Mecânicas

Os coeficientes para cada elemento presente na compressão isentrópica, é dado pela


Tabela 01 abaixo (SONTAG, 2013):

Tabela 01: Coeficientes para cálculo de calor específico em função da temperatura.


Coeficientes Constantes

Fórmula C0 C1 C2 C3 R [kJ/kg.K]

C 8 H 18 -0,053 6,75 -3,67 0,775 0,07279

N2 1,11 -0,48 0,96 -0,42 0,2968

O2 0,88 -0,0001 0,54 -0,33 0,2598

C O2 0,45 1,67 -1,27 0,39 0,1889

H 2O 1,79 0,107 0,586 -0,2 0,4615


Fonte: Adaptado de SONTAG, 2013.

Assim, para uma temperatura inicial de 300 K, considerando a mistura de Iso-Octano


+ Ar + 2% de resíduos, o calor específico a pressão constante da mistura, cp,mix , fica:

cp,mix = 1, 073 [kJ/kg.K] (À 300 K)

Logo pela equação (9), obtém-se a constante da mistura, Rmix :

Rmix = 0, 275 [kJ/kg.K]

De forma análoga, pela equação (8), calcula-se o calor específico a volume constante
da mistura, cv, mix :

cv, mix = 0, 7952 [kJ/kg.K]

10
UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina
Programa de Pós Graduação em Engenharia e Ciências Mecânicas

Desta forma, sabendo que a razão dos calores específicos da mistura é dada por
cp,mix
k mix = cv,mix
, tem-se a razão k mix , à 300 K, à 94,14 kPa de pressão:

k mix = 1, 3492

Para a entropia no início do processo 1-2 da compressão isentrópica, pode-se obter de


forma análoga ao calor específico a pressão constante, pela equação (11) abaixo:

n
s0mix = ∑ y i s0i [kJ/kg.K] (11)
i=1

Onde:
y i = fração mássica do elemento;
s0i = entropia de referência do elemento, à temperatura e pressão ambiente [kJ/kg.K].

Para os elementos presentes na compressão isentrópica 1-2, as entropias de referência


são dadas:

● s0C = 4, 059 [kJ/kg.K]


8 H 18

● s0CO = 4, 8631 [kJ/kg.K]


2

● s0N = 6, 8463 [kJ/kg.K]


2

● s0H = 10, 4936 [kJ/kg.K]


2O

● s0O = 6, 4168 [kJ/kg.K]


2

Assim, aplicando as entropias de referência com a respectiva fração mássica de cada


elemento na equação (11), tem-se a entropia da mistura no processo de compressão 1-2, onde
permanece constante, se tratando de uma compressão isentrópica:

11
UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina
Programa de Pós Graduação em Engenharia e Ciências Mecânicas

s0mix = 6, 714257 [kJ/kg.K]

Lembrando que esse valor permanece constante até o final do processo 1-2 de
compressão, assim inicia-se o processo 2-3 de combustão com este valor de entropia inicial.
Assim, sabendo dos valores iniciais, e sabendo que o processo de compressão 1-2
obedece a equação (2) da expressão isentrópica P .v k = cte , pode-se chegar nos valores do
ponto 2, ou seja, o final da compressão isentrópica:

Ponto 1:
● P 1 = 94, 14 kP a ;
● v 1 = 0, 924 m³/kg ;
● T 1 = 303 K ;
● s1, mix = 6, 714257 kJ/kg.K ;

● k 1, mix = 1, 3492 .

Ponto 2:
● P 2 = 1938, 67 kP a ;
● v 2 = 0, 0924 m³/kg ;
● T 2 = 670 K ;
● s2, mix = 6, 714257 kJ/kg.K ;
● k 2, mix = 1, 2978 .

3.2 Processo 2-3 (Combustão a volume constante)

O processo abordado agora é um processo que ocorre a volume constante, momento


em que a mistura presente na câmara entra em combustão, para calcularmos a temperatura
final deste processo, ou seja, a temperatura no ponto 3, utiliza-se a equação (12), onde
aplicando a primeira lei da termodinâmica pode-se calcular a temperatura de chama
adiabática da combustão (TURNS, 2013):

∑ N i hi − ∑ N i hi − Ru (N reagentes .T inicial − N produtos T adiabática ) = 0 (12)


reag prod

12
UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina
Programa de Pós Graduação em Engenharia e Ciências Mecânicas

Onde:

∑ N i hi = somatório das entalpias dos reagentes [kJ];


reag

∑ N i hi = somatório das entalpias dos produtos [kJ];


prod

Ru = constante universal dos gases (8,314 kJ/kmol);


T inicial = temperatura inicial [K];
T adiabática = temperatura adiabática ou final [K];
N i = número de mols (reagentes ou produtos).

Assim, utilizando as equações (4) e (12) obtemos a temperatura no ponto 3, ou seja, a


temperatura adiabática de chama da combustão do Iso-octano com Ar padrão, dada por:

T adiabática ≈ 3157 K

Sabendo dos valores iniciais obtidos ao final do processo anterior (1-2), e que a
combustão ocorre de maneira isocórica, ou seja, a volume constante, pode-se de forma
iterativa chegar aos valores de pressão e entropia final do processo 2-3, dados por:

​Ponto 2:
● P 2 = 1938, 67 kP a ;
● v 2 = 0, 0924 m³/kg ;
● T 2 = 670 K ;
● s2, mix = 6, 714257 kJ/kg.K .

Ponto 3:
● P 3 ≈ 9135 kP a ;
● v 3 = 0, 0924 m³/kg ;
● T 3 = 3157 K ;
● s3, mix = 8, 194602 kJ/kg.K .

13
UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina
Programa de Pós Graduação em Engenharia e Ciências Mecânicas

3.3 Processo 3-4 (Expansão Isentrópica)

De maneira análoga ao processo 1-2 de compressão, o processo 3-4 de expansão


também ocorre de maneira isentrópica, sendo o processo onde o trabalho realizado pelas
forças de pressão liberados na combustão agem sobre o pistão. Vale ressaltar que os
elementos contidos nessa expansão são mantidos por hipótese, congelados, ou seja, não há
dissociação química dos elementos dos produtos descritos na equação (4).
O cálculo iterativo é feito de maneira análoga ao processo 1-2, como dito
anteriormente, neste caso a expansão ocorre com as seguintes frações mássicas:

Gases da expansão (congelados):


● y C O = 0, 19231 ;
2

● yH = 0, 08856 ;
2O

● y N = 0, 71913 .
2

Diferente do cálculo para o calor específico no processo 1-2, onde utilizou-se da


equação (10), agora utiliza-se a equação (13) para a rotina computacional, descrita pelo
polinômio abaixo (TURNS,2013), o fato para utilizar outro polinômio é a faixa de
temperatura restrita pelo polinômio da equação (10) de no máximo 1200 K, sendo que para a
equação abaixo tem-se uma faixa 1000 K até 5000 K:

cp = Ru (a1 + a2 T + a3 T 2 + a4 T 3 + a5 T 4 )/M i [kJ/kg.K] (13)

Onde:
Ru = 8, 314 kJ/kmol.K ;
M i = massa molar do elemento [kg/kmol];
T = temperatura [K].

14
UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina
Programa de Pós Graduação em Engenharia e Ciências Mecânicas

Os coeficientes para utilizar o polinômio é dado para cada elemento da expansão,


expressos na Tabela 02 abaixo (TURNS, 2013):

Tabela 02: Coeficientes para cálculo de calor específico em função da temperatura.


Coeficientes CO2 H 2O N2

a1 4,453623 2,672145 2,92664

a2 0,003140168 0,003056293 0,001487977

a3 -1,27841 E-06 -8,73026 E-07 -5,68476 E-07

a4 2,394 E-10 1,201 E-10 1,0097 E-10

a5 -1,66903 E-14 -6,39162 E-15 -6,75335 E-15

Massa molar 44,01 18,015 28,013

R [kJ/kg.K] 0,1889 0,4615 0,2968


Fonte: Adaptado de TURNS, 2013.

Assim, sabendo dos valores iniciais (valores finais do ponto 3), e sabendo que o
processo de expansão 3-4 obedece a equação (2) da expressão isentrópica P .v k = cte ,
pode-se chegar nos valores do ponto 4, por meio de rotinas computacionais, ou seja, no final
da expansão isentrópica:

Ponto 3:
● P 3 ≈ 9135 kP a ;
● v 3 = 0, 0924 m³/kg ;
● T 3 = 3157 K ;
● s3, mix = 8, 194602 kJ/kg.K ;

● k 3, mix = 1, 24 .

Ponto 4:
● P 2 = 506, 43 kP a ;
● v 2 = 0, 924 m³/kg ;
● T 4 = 720 K ;
● s4, mix = 8, 194602 kJ/kg.K ;

15
UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina
Programa de Pós Graduação em Engenharia e Ciências Mecânicas

● k 4, mix = 1, 31 .

3.4 Processo 4-1 (Descarga dos Gases)

O processo em questão trata-se de uma etapa que ocorre de maneira isocórica, ou seja,
a volume constante, onde os gases decorrentes da combustão são descarregados para fora da
câmara de combustão, para desta forma renovar o fluido e iniciar um novo ciclo.
Nesta etapa sabe-se dos valores finais do ponto anterior (Ponto 4), que agora assumem
os valores iniciais do processo de descarga dos gases 4-1, onde o sistema volta para o estado
inicial, sendo assim:

​Ponto 4:
● P 4 = 506, 43 kP a ;
● v 4 = 0, 924 m³/kg ;
● T 4 = 720 K ;
● s4, mix = 8, 194602 kJ/kg.K .

Ponto 1:
● P 1 ≈ 94, 14 kP a ;
● v 1 = 0, 924 m³/kg ;
● T 1 = 303 K ;
● s1, mix = 6, 714257 kJ/kg.K .

A entropia específica nos processos 4-1 e 2-3 foram implementadas nas rotinas
computacionais de acordo com a equação (14), que expressa a variação de entropia entre um
ponto e outro, onde os intervalos entre os pontos foram frações pequenas entre a temperatura
inicial e final de cada processo (ÇENGEL, 2006):

s2 − s1 = cv, médio ln ( ) + Rln ( ) [kJ/kg.K]


T2
T1
v2
v1 (14)

16
UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina
Programa de Pós Graduação em Engenharia e Ciências Mecânicas

4 Comparação entre o ciclo real e ideal

Nesta etapa compara-se os afastamentos numéricos quando sobrepomos os valores do


ciclo real e ideal, o fato de haver esse afastamento do real para o ideal se dá ao fato de que no
ciclo ideal o fluido de trabalho é o ar, e com razão entre seus calores específicos constante o
que gera uma certa disparidade quando comparamos ao ciclo real com a razão de calores
específicos variáveis a medida que a temperatura aumenta ou diminui.

4.1 Comparação da razão dos calores específicos

Como mencionado acima a variação da razão k , dos calores específicos com a


temperatura tem grande impacto na eficiência do ciclo. Quando consideramos somente ar
como fluido de trabalho, os valores de k diferem expressivamente quando comparados a uma
mistura de combustível + ar. O gráfico da Figura 02 abaixo mostra essa diferença, onde
expressa a razão dos calores específicos do ar e de uma mistura de Iso-Octano + ar:

Figura 02: Razão entre os calores específicos do Ar e do Iso-Octano.

Fonte: Própria.

17
UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina
Programa de Pós Graduação em Engenharia e Ciências Mecânicas

Observa-se que a razão dos calores específicos do Ar inicia em 1,4, à 300 K e a


medida que a temperatura aumenta ele decresce de forma expressiva. De forma análoga
acontece para o Iso-Octano, que inicia em torno de 1,05 e decresce, a medida que a
temperatura aumenta. Com isso comprova-se a primeira disparidade entre o ciclo real e o
ciclo ideal.

4.2 Comparação entre as eficiências térmicas

A eficiência térmica do ciclo real é dada por:

T1
η T ,real = 1 − T2
∴ η T ,real = 54, 8%

A eficiência do ciclo ideal é dada por:

T1
η T ,ideal = 1 − T2
∴ η T ,ideal = 60, 2%

Como esperado, a eficiência do ciclo ideal é superior à eficiência do ciclo real, devido
às hipóteses assumidas e discutidas anteriormente.

4.3 Comparação entre os trabalhos específicos

O trabalho específico real é dado por:

wc,real = η T ,real .q in ∴ wc, real = 1403, 33 kJ/kg

Já o trabalho específico ideal é dado por:

wc,ideal = η T ,ideal .q in ∴ wc,ideal = 1541, 61 kJ/kg

18
UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina
Programa de Pós Graduação em Engenharia e Ciências Mecânicas

4.4 Comparação entre os trabalhos dos ciclos

O trabalho real do ciclo é dado por:

W c,real = m.wc,real ∴ W c,real = 3, 367 kJ

O trabalho ideal do ciclo é dado por:

W c,ideal = m.wc,ideal ∴ W c,ideal = 3, 70 kJ

Novamente como esperado, o trabalho tem seu valor máximo no ciclo ideal.

4.5 Comparação entre as pressões médias dos ciclos

A pressão média do ciclo real pode ser expressa por:

W c, real
P mc, real = Vd
∴ P mc, real = 1683, 5 kP a

A pressão média do ciclo ideal é dada por:

W c,ideal
P mc, ideal = Vd
∴ P mc, ideal = 1850 kP a

4.6 Comparação entre as potências dos ciclos a 5000 rpm

A potência do ciclo real pode ser expressa por:

N c, real = W c, real . nx . 1
0,736
∴ N c, real ≈ 190 CV

19
UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina
Programa de Pós Graduação em Engenharia e Ciências Mecânicas

A potência do ciclo ideal pode ser expressa por:

N c, ideal = W c, ideal . nx . 1
0,736
∴ N c, ideal ≈ 210 CV

Onde x = 2, sendo o fator de multiplicação para motores 4 tempos, e n a rotação.

4.7 Comparação gráfica entre os ciclos

As rotinas computacionais puderam gerar gráficos dos ciclos, onde pode-se perceber
as diferenças calculadas até o momento, tais como pressão, temperatura, e eficiência. A
seguir, a Figura 03 mostra o diagrama P − v (pressão x volume específico) dos ciclos:

Figura 03: Diagrama P-v ciclo otto real e ideal.

Fonte: Própria.

20
UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina
Programa de Pós Graduação em Engenharia e Ciências Mecânicas

Pode-se perceber um aumento expressivo da temperatura e pressão no ponto 3 do


ciclo ideal, quando comparado ao ciclo real, estes fatores refletem diretamente nos cálculos
do trabalho de ciclo feitos anteriormente, uma vez que a área do ciclo ideal é maior que a área
do ciclo real, tendo assim uma maior eficiência.
O diagrama abaixo mostrado na Figura 04 mostra o disposição gráfica dos ciclos em
um diagrama T-s (temperatura x entropia específica):

Figura 04: Diagrama T-s ciclo Otto real e ideal

Fonte: Própria.

No diagrama T-s acima verifica-se os valores calculados, onde a temperatura 3 (final


da combustão) do ciclo real é nitidamente menor que a temperatura do ciclo ideal
representado pela linha contínua.

21
UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina
Programa de Pós Graduação em Engenharia e Ciências Mecânicas

4.8 Consumo de combustível

O consumo de combustível pode ser avaliado aliado à potência efetiva do ciclo, onde
obtém-se o consumo específico (BRUNETTI, 2012), dado pela equação (15) :

632
Ce = P CI.η
[kg/CV .h] (15)

Onde:
PCI = poder calorífico inferior do combustível [kcal/kg]
η = eficiência do ciclo

Diante da expressão fornecida pela equação (15), podemos calcular o consumo de


combustível em [kg/h], multiplicando o consumo específico acima pela sua respectiva
potência, assim a equação (16) nos dá o consumo de combustível:

C onsumo = C e .N T [kg/h]
Onde:
C e = consumo específ ico [kg/CV .h]
N T = potência ef etiva [CV ]

Desta forma, finalizando, podemos calcular o consumo de combustível a 5000 rpm


para o ciclo Otto estudado neste trabalho, considerando um motor de 4 tempos, poder
calorífico do Iso-Octano a 10590,344 kcal/kg, potência efetiva do ciclo real a 190 CV, e todas
as hipóteses e considerações feitas ao longo do texto, tem-se:

632
C onsumo = 10590,344.0,548
.190


C onsumo ≈ 20, 00 [kg/h]

22
UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina
Programa de Pós Graduação em Engenharia e Ciências Mecânicas

5 Considerações finais

Ao longo de todas as rotinas computacionais implementadas para a comparação


destes ciclos (real e ideal) pode-se perceber o quanto alguns valores se afastam da realidade
devido a simples hipóteses impostas para simplificação do problema.
Embora o ciclo adotado para simulação do ciclo real esteja com algumas hipóteses
simplificadoras, é uma aproximação extremamente válida e satisfatória para o estudo dos
processos reais que ocorrem durante o ciclo termodinâmico.
A superposição dos diagramas p-v e T-s mostraram-se eficientes para mostrar de
forma clara as diferenças de temperatura e pressão entre o ciclo ideal e o ciclo real, onde o
ciclo ideal torna-se extremamente mais eficiente, devido ao fato de admitir-se as hipóteses de
calores específicos constantes, e não variáveis como foi o caso do ciclo real.
As rotinas computacionais se mostraram muito eficientes e flexíveis, podendo ser
alteradas para problemas similares com outras hipóteses simplificadoras, como por exemplo,
admitir a dissociação química dos produtos de combustão, uma vez que neste ciclo real
apenas congelou-se os produtos, mantendo-os constantes em CO2 , H 2 O, e N 2 .

23
UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina
Programa de Pós Graduação em Engenharia e Ciências Mecânicas

6 Referências Bibliográficas

BRUNETTI, F. ​Motores de Combustão Interna - Volume 1. ​São Paulo, 2012. Editora


Blucher.
TURNS, Stephen R. ​Introdução à Combustão - Conceitos e Aplicações. ​Porto Alegre,
2013. Editora AMGH, 3º Edição.
ÇENGEL, Yunus A. ​Termodinâmica. ​São paulo, 2006. Editora: McGraw-Hill. 5º Edição.
SONTAG, Richard E. ​Fundamentos da Termodinâmica. ​São Paulo, 2013. Editora Blucher.
8º Edição.

24

Você também pode gostar