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01/10/2019 Artigo: O Brasil do século 21 – A aliança preferencial com os EUA e o acordo de livre comércio com a UE

Artigo: O Brasil do século 21 – A aliança preferencial com


os EUA e o acordo de livre comércio com a UE
02/08/2019 às 13h13 - Por Carlos Frederico Pereira da Silva Gama

Jair Bolsonaro e Donald Trump. Foto: Isac Nóbrega/PR

Em Agosto de 2019, o Brasil acaba de obter o status de “aliado preferencial não-membro da OTAN” dos Estados
Unidos. Pouco antes do anúncio da parceria feito por Donald Trump, o MERCOSUL fechou um acordo de livre
comércio com a União Europeia, negociação que se iniciou em 1995. Esses são, até o momento, as duas
grandes realizações da política externa de Jair Bolsonaro.

Como o SRzd adiantou em primeira mão em Março, a visita presidencial de Bolsonaro aos Estados Unidos
(https://www.srzd.com/geral/reaproximacao-brasil-estados-unidos-viagem-jair-bolsonaro/) visava a obtenção
do status de aliado preferencial. Ao mesmo tempo, o recém-empossado presidente visava ampliar suas opções
no campo comercial – uma promessa de campanha.

"O Brasil abriu o século 21 como um dos países emergentes


mais promissores.
"
Analisadas em conjunto, os acordos com Estados Unidos e União Europeia representam uma forte guinada no
plano externo – que, ao longo do século, viu o Brasil em busca de opções emergentes.

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01/10/2019 Artigo: O Brasil do século 21 – A aliança preferencial com os EUA e o acordo de livre comércio com a UE

O Brasil abriu o século 21 como um dos países emergentes mais promissores. Após a estabilização da
economia em meados da década de 90 com o Plano Real, o país governado por Fernando Henrique Cardoso
viveu, por meia década, uma combinação virtuosa: crescimento econômico acima da média mundial com
inclusão social vigorosa. O Brasil se tornou um dos maiores destinos de investimento externo direto e viveu
picos de produtividade nos setores da sua economia. Uma crise globalizada no m do século desacelerou o
crescimento, mas o padrão foi retomado no começo de uma nova década, já no governo de Luiz Inácio Lula da
Silva.

Uma década de subida global dos preços das commodities acelerou o crescimento dos emergentes. A União
Europeia lidava com os custos da ampliação comunitária após a introdução do Euro e o Tratado de Nice. Os
Estados Unidos de George W. Bush experimentavam uma recessão junto com guerras simultâneas no Oriente
Médio (Iraque) e Ásia Menor (Afeganistão). Foi nesse contexto que a Goldman Sachs incluiu o Brasil nas
principais economias do futuro (junto a China, Rússia e Índia).

"Nos primeiros 10 anos do novo século o Brasil reduziu


signi cativamente a desigualdade social, além de
quebrar recordes tanto em sua balança de investimentos
quanto na balança comercial.
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Nos primeiros 10 anos do novo século o Brasil reduziu signi cativamente a desigualdade social, além de
quebrar recordes tanto em sua balança de investimentos quanto na balança comercial. Na esteira da
prosperidade desconhecida vieram manifestações de poder suave. O país buscou um novo status no plano
internacional, condizente com suas transformações. No plano regional, isso se traduziu numa busca por
liderança (em contraste com o declínio argentino, em contrapartida à ascensão venezuelana sob Hugo Chávez).
Em chave global, o Brasil intensi cou investimentos diplomáticos na África e Oriente Médio, cujas contribuições
para o intercâmbio comercial brasileiro cresciam.

Quando o planeta foi sacudido pela crise econômica mais grave desde a Grande Depressão, o Brasil tinha como
principal parceiro comercial e investidor um colega emergente, a China – cuja economia rapidamente crescera
nas décadas globalizadas. A ascensão chinesa deslocou simultaneamente os EUA e a UE dos papéis de
maiores parceiros do Brasil. A China também se bene ciou do crescente enfraquecimento do MERCOSUL após
a debacle da economia argentina em 2001.

"De volta aos braços de parceiros tradicionais, o país


governado por Jair Bolsonaro retoma de nições de
outras eras na política exterior.
"
10 anos após a crise de 2008, o Brasil acaba de se tornar aliado preferencial dos Estados Unidos governados
por Donald Trump – objetivo central da visita presidencial de Bolsonaro em Março. Revivido como bloco
comercial, o MERCOSUL acaba de fechar um acordo de livre comércio com a União Europeia. De volta aos

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01/10/2019 Artigo: O Brasil do século 21 – A aliança preferencial com os EUA e o acordo de livre comércio com a UE

braços de parceiros tradicionais, o país governado por Jair Bolsonaro retoma de nições de outras eras na
política exterior. Em busca de reputação como parte do “Ocidente”, o Brasil se afasta da órbita chinesa e dos
demais emergentes.

Essa guinada notável tem componentes tanto domésticos quanto internacionais. A crise de 2008 foi
especialmente dura com os países emergentes. O m da euforia das commodities foi seguido por súbita
retração do investimento externo (em busca de minimizar riscos) e renovado protecionismo. Um fator adicional
ampli cou as di culdades emergentes: o preço do petróleo despencou após uma década de recordes, o que
impactou especialmente economias do Oriente Médio e norte da África.

Em 2009 o Brasil viveu o primeiro ano de crescimento negativo após o Real. Outros anos “perdidos” viriam entre
2014 e 2018 – uma sequência recessiva que não foi vivida desde a Grande Depressão. O estancamento da
inclusão social (viabilizada pelo excedente de crescimento econômico) foi o pano de fundo da crise política que
levou ao impeachment presidencial de Dilma Rousseff em 2016.

"Como resultado dessas transformações nas fronteiras


entre os âmbitos nacional e global, o Brasil de 2019 é, ao
mesmo tempo, mais parecido com o de períodos
anteriores à Constituição de 1988 mas também
indissociável da crise de 2008 e seus efeitos
contemporâneos nos países emergentes.
"
Entre os fatores domésticos podemos elencar a estagnação da produtividade nacional (combinada com uma
longa desindustrialização, que se acelerou durante o boom das commodities). A crescente ociosidade da
indústria deslocou o eixo do crescimento rumo ao agronegócio, impactando relações regionais. Ao mesmo
tempo, nova geração de brasileiros com crescente quali cação universitária e grande conexão com um mundo
globalizado que seus pais pouco conheceram buscava lugar ao sol. Na esteira de 2008 o planeta foi sacudido
por manifestações que questionaram a política tradicional. Inicialmente elencados entre as “novas classes
médias” do Brasil emergente, os jovens externaram sua contestação num crescente que culminou nas jornadas
de Junho de 2013. Nesse momento, a economia iniciava movimento rumo à recessão. O ciclo virtuoso das eras
FHC e Lula chegava ao m.

O desgaste do sistema político formal evidenciado pelas Jornadas foi ampliado com o protagonismo do
Judiciário – iniciado com o julgamento do Mensalão, consolidado com o impeachment de Dilma, culminando
na Operação Lava Jato. Logo a seguir, outra elite política da República voltava à cena. Os militares pleitearam
lugar de destaque, primeiro na burocracia estatal, em seguida nas urnas.

Como resultado dessas transformações nas fronteiras entre os âmbitos nacional e global, o Brasil de 2019 é,
ao mesmo tempo, mais parecido com o de períodos anteriores à Constituição de 1988 mas também
indissociável da crise de 2008 e seus efeitos contemporâneos nos países emergentes.

A política externa de Bolsonaro foi prenunciada no programa de governo do seu partido PSL – que apontava
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Jair Bolsonaro e Donald Trump. Foto: Alan Santos/PR

como parceiros preferenciais países como Estados Unidos, Itália e Israel. Três elementos chamam a atenção
para o conteúdo das parcerias almejadas. Em primeiro lugar, as áreas temáticas enfatizadas. A ênfase ora recai
sobre o comércio (numa perspectiva liberal), ora sobre questões estratégicas (mais próximas de uma
abordagem realista tradicional). O Brasil de Bolsonaro busca acordos de livre comércio com países membros
da OCDE. Sua leitura das instituições regionais é informada por uma visão mercantil. Inicialmente desprezado
pela equipe ministerial, o MERCOSUL foi “reabilitado” via ênfase comercial (após suspender a Venezuela de
Nicolás Maduro). Essa postura foi decisiva para lograr o entendimento com a UE, após duas décadas de
negociações.

Para tal, colaborou a busca dos europeus por parceiros con áveis, num mundo em que as maiores economias
(EUA e China) estão em choque no plano comercial. Recentemente, a UE fechou um acordo de livre comércio
com o Japão, criando um mercado de 700 milhões de pessoas. O aporte do MERCOSUL (ênfase na área
agrícola) amplia opções disponíveis para a Europa, bem como abre oportunidades de exportar bens industriais
e serviços, duramente impactados pela concorrência chinesa em outras regiões. O enfraquecimento político do
MERCOSUL (visível na crise venezuelana e também na crise em curso no Paraguai) e a desindustrialização
prolongada no Cone Sul trouxeram à tona interesses coincidentes entre as principais lideranças europeias e o
agronegócio mercosulino.

"A ênfase liberal dessa parte da política externa de


Bolsonaro encontra correspondência, no plano
doméstico, no programa de privatizações em curso e em
tentativas de reduzir o dispêndio público.
"
O Brasil de 2019 se torna uma peça importante no xadrez da economia global. Por um lado cobiçado pela
Europa, por outro lado cortejado pelos EUA paulatinamente contestados, com poucos aliados. O padrão de
negociações de Trump (busca de ganhos relativos em disputas comerciais e redução dos investimentos em
bens globais) enfraqueceu o multilateralismo, jogou incerteza sobre a ordem. Se aproximar do Brasil satisfaz a
busca de Trump por alianças estratégico-comerciais nas Américas (que já incluem a limitação do NAFTA e a
entrada da Colômbia na OTAN). A retomada da parceria comercial em novos termos é uma resposta à
ascensão chinesa. A aliança estratégica (ensaiada no breve governo Michel Temer) consolida um eixo
continental em oposição à Venezuela de Maduro.

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Pelo lado brasileiro, o status de aliado preferencial constitui velho pleito de sua diplomacia, desde os tempos de
Rio Branco. Além da pronunciada in uência cultural dos EUA, a indústria brasileira aguarda um aporte de
investimentos que os investidores domésticos e o governo, no momento, não se veem em condições de prover.
A ênfase liberal dessa parte da política externa de Bolsonaro encontra correspondência, no plano doméstico, no
programa de privatizações em curso e em tentativas de reduzir o dispêndio público.

Um segundo elemento é a presença de lideranças populistas que se identi cam com a direita. Trump,
Bolsonaro, Benjamin Netanyahu, Matteo Salvini exempli cam uma tendência da política global pós-2008. Uma
combinação de personalidades midiáticas, retórica de força, nostalgia pré-crise e desapreço por mediações
institucionais – coquetel explosivo, com efeitos desconhecidos.

Por m, o afastamento do Brasil dos emergentes é sinal particular de fenômeno amplo. A propalada chegada
dos emergentes ao topo da economia global seria, de acordo com expectativas criadas antes de 2008, fator
decisivo para a transformação da própria ordem internacional (incluídas as instituições internacionais). Após
uma década, o ritmo de transformação da ordem merece revisão. Mesmo sob intensa competição e
contestação, EUA e Europa buscam manter suas respectivas estaturas. As instituições internacionais do pós-
Segunda Guerra se mostraram, por um lado, mais resilientes do que seus criadores imaginaram. Por outro lado,
a corrosão do populismo se junta aos efeitos da crise de 2008 como fatores que diminuem a e ciência e
representatividade das mesmas.

"O populismo de Bolsonaro o afasta das lideranças da UE.


O apoio a políticas de Trump (como o rechaço a regimes
internacionais de proteção ao meio ambiente) di culta
implementar o acordo de livre comércio.
"
Frustrado o intento de lograr um novo patamar no sistema internacional, o Brasil de 2019 se tornou um alvo em
uma intensa disputa. A ascensão da China prossegue. A reação dos Estados Unidos de Trump se acentua. A
tentativa da União Europeia operar como via média normativa se intensi ca.

Há grande di culdade para encontrar pontos de equilíbrio em meio a essas dinâmicas. O populismo de
Bolsonaro o afasta das lideranças da UE. O apoio a políticas de Trump (como o rechaço a regimes
internacionais de proteção ao meio ambiente) di culta implementar o acordo de livre comércio. A Venezuela é
outra questão que separa o Brasil dos europeus. A aliança com os EUA diminui margens de ação do Brasil na
OMC e outros foros internacionais. O aporte de investimentos chineses é decisivo para impedir que a economia
brasileira retome padrões recessivos. A alternância de posturas liberais e realistas no plano externo confunde
interlocutores e multiplica inseguranças.

Não é surpreendente que a política externa de Bolsonaro seja marcada pela oscilação. O status do Brasil num
mundo em transformação permanece em suspenso – entre possibilidades insatisfeitas do passado recente e
nostalgias do século 20, quando ainda era considerado o “país do futuro”.

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*Carlos Frederico Pereira da Silva Gama é professor de Relações Internacionais, Universidade Federal do
Tocantins (UFT). Professor Visitante, Al Akhawayn University in Ifrane (Marrocos).

Donald Trump (https://www.srzd.com/tag/donald-trump) Jair Bolsonaro (https://www.srzd.com/tag/jair-bolsonaro)

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