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liberdade de informação
Por Adriano Adoryan em 02/05/2016 na edição 901
Você que está preocupado em ver séries no Netflix ou em jogar on line por horas, saiba
que o assunto é bem mais sério do que isto!
A última revolução seria aquela da mudança da posse, para o acesso. Para que ter uma
biblioteca digital em casa se seria possível hospedar tudo na nuvem e acessar a qualquer
momento? Wikipedia, Gmail, Spotify, Netflix, Pandora, Office 360, DropBox, iCloud…
Com maiores velocidades de acesso, não era mais preciso possuir, apenas conectar.
Por outro lado, quanto maior a velocidade disponível, maior a quantidade de dados que
pode ser trafegada. Então, se eu desejo usar minha internet para, além de trocar emails,
falar em áudio e vídeo com minha família, ou jogar on line, ou manter todas as minhas
fotos na nuvem… bom, para isso eu vou precisar de mais velocidade, pois a quantidade
de dados a trafegar será maior.
Comportamento on line
O internauta da década de 1990, trocava emails 1 ou 2 vezes por dia, acessava algum
portal de notícias para ler textos e eventualmente via fotos on line. No início dos anos
2000 esse mesmo internauta via imagens em abundância, compartilhava grandes
arquivos em programas P2P (peer to peer) como Kazaa (principalmente álbuns musicais)
e participava de salas de bate papo. Em 2005 os sites já disponibilizavam bibliotecas de
áudio e vídeo para streaming e haviam experiências regulares de transmissões de vídeo
em tempo real. Naquele mesmo ano surgiu oYou Tube criado por 2 estudantes para
receber produções pessoais e deixa-las disponíveis na Internet para qualquer um. Em
2011 a Netflix, que surgiu como uma locadora virtual, contava com 23 milhões de
assinantes para seu serviço de streaming de vídeos em território norteamericano. A turma
da geração Z, passa mais de 3 horas por dia assistindo videos on line. Pesquisa realizada
em 2015 pela Ericsson ConsumerLab, centro de pesquisas da dedicado a estudar o
comportamento dos consumidores na internet e demais tecnologias de comunicação, fala
de uma geração de nativos do streaming.
Today, 20 percent of 16–19 year olds say they watch more than 3 hours of YouTube daily,
compared to only 7 percent in 2011. The original internet generation does not follow this
behavior and only 9 percent of today’s 30–34 year olds watch 3 hours or more of YouTube daily.
Today’s teens are now streaming natives. In fact, 46 percent of them spend an hour or more on
YouTube every day. (fonte: 10 hot consumer trends for 2016)
Essa mudança nos hábitos de consumo somente foi possível pelo incremento da
velocidade de acesso das redes, que permitiam entregar mais dados no mesmo intervalo
de tempo. Ou seja, quem contrata mais velocidade de acesso o faz para poder trafegar
maiores volumes de dados.
– Telefonia fixa;
– Telefonia móvel e;
– TV por assinatura
Na telefonia móvel a franquia de dados sempre foi a regra. A telefonia fixa cede cada vez
mais lugar à telefonia móvel e aos aplicativos de comunicação. E na TV por assinatura,
depois de uma década de crescimento, houve a primeira redução de assinantes no Brasil.
Nos EUA, há alguns anos isto já acontece num movimento chamado de cord cutters, que
é a redução dos pacotes ou cancelamento das assinaturas de TV em troca de banda
larga e a assinatura de serviços on line de áudio e vídeo, sendo o Netflix o mais
conhecido (nos EUA, correspondem a 35% de todo o tráfego de Internet). Ou seja, todos os
negócios estão perdendo assinantes, menos o de Internet, que está recebendo esse
novo tráfego
…Estudo realizado nos Estados Unidos constatou que Netflix e YouTube correspondem a quase
50% de todo o tráfego de internet do país em horário de pico. (…) Nas plataformas móveis o
YouTube é líder, com 19,75%, seguido pelo Facebook com 19,05%. Nesse período, o tráfego via
dispositivos móveis da rede social disparou 200%. (fonte: Olhar Digital)
Para as empresas de telecomunicações, que são as donas dos canais de distribuição, as
redes, quanto menos tráfego houver, mais clientes podem atender e com mais
velocidade (imagina você pegando a estrada vazia ou numa saída de feriado, é a mesma
relação). Então o modelo dos últimos 20 anos é o da empresa que cobra pela promessa
de entregar uma determinada velocidade, mas que depende de uma espécie de rodízio
dos clientes, deixando a via livre para a promessa se concretizar. E como a vida da
sociedade da informação é cada vez mais conectada, essas redes são muito mais
concorridas hoje do que há alguns anos. Isso significa que, para continuar cumprindo a
promessa das velocidades contratadas (que te permitem trafegar ainda mais dados), as
empresas precisam ampliar a capacidade de suas redes (abrir novas vias na estrada), ou
seja fazer investimentos.
A conta desse negócio de construção de redes de dados não está mais fechando. Daí a
mudança, até agora silenciosa, nos contratos, incluindo pedágios para quem é mais
conectado, ou seja, a criação das franquias de dados.
Neutralidade de rede
Neutralidade de rede significa que não pode haver nenhum tipo de discriminação do
tráfego rodando numa rede de dados. Tanto quanto à origem do dado (sita a, b, c…)
como também ao tipo de dado (texto, áudio, vídeo, imagens…). Assim, uma rede de
dados de determinado provedor não pode priorizar a entrega de vídeo, sobre um email,
nem cobrar um valor diferente pelo acesso ao Netflix ou a Globo.com. Para a empresa
que oferece esta infraestrutura, todos são iguais. Não existe fila preferencial nem tarifa
diferenciada.
O acesso à Internet permitiu mudanças tão profundas em nossa sociedade que tornou-
se direito humano. Occupy Wall Street, Primavera Árabe, Jornadas de Junho, Partidos Pirata.
Os últimos anos testemunharam manifestações, organizações populares em diversos
países, com diferentes pautas, graças ao uso irrestrito da Internet.
Twitter, Facebook, YouTube, AirBnB, Uber, Amazon, Spotify, Dropbox, Kan Academy,
Netflix… a lista de empresas, ferramentas e serviços que surgiram com o avanço da
Internet é interminável, tornando nossa vida cada vez mais conectada e criando
oportunidades e ameaças cotidianamente ao mundo dos negócios e às estruturas de
poder.
E onde entra a questão da franquia de dados? Para além do seu direito econômico de
consumidor em assistir livremente a vídeos ou jogar on line o excedente da franquia
poderá tornar economicamente mais interessante desligar o YouTube e turbinar o pacote
de TV por assinatura. Mas na TV não estão os youtubers, os vídeos independentes
compartilhados nas redes sociais, a Mídia Ninja, a Khan Academy, o e-Aulas USP nem
todas as outras fontes independentes de conteúdo.
Então, estabelecer franquias de dados não é simplesmente uma questão comercial de
penalizar quem consome acima da média ou de dar uma sobrevida a um negócio em
crise. Trata-se de um cerceamento de liberdade, tanto no acesso à informação, quanto
de sua expressão. Trata-se, portanto do cerceamento da própria democracia, não
apenas enquanto sistema político, mas enquanto oferta de oportunidades de
transformação de vidas. É o cerceamento do jovem pobre da periferia no acesso ao
conhecimento que pode inclui-lo. O cerceamento da população em questionar os
discursos oficiais. O cerceamento dos fornecedores em negociar diretamente com seus
clientes, sem atravessadores. O cerceamento em uma vida digital, baseada no acesso a
serviços.