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Especial
Frederico Mazzucchelli
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pé
Índice
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Apresentação
Eduardo Fagnani e Thomas Conti
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Nem sempre foi assim!
Frederico Mazzucchelli
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A Grande Depressão dos
Anos 1930 e a Crise Atual:
Contrapontos e Reflexões
Frederico Mazzucchelli
apresentação
[ revista política social e desenvolvimento #06 ]
Professor do
Instituto de Economia
da Unicamp, pesquisador
do Centro de Estudos
Sindicais e do Trabalho
Eduardo Fagnani (Cesit) e coordenador da
rede Plataforma Política
Social - Agenda para o
Desenvolvimento
Mestrando em
desenvolvimento
econômico pelo
Esta edição especial da Revista Política Social e Desenvolvimento traz dois artigos
do professor Frederico Mazzucchelli. Nos dias atuais, apesar de observarmos o
ethos neoliberal rechaçando qualquer alternativa à dominância dos mercados e
uma incipiente capacidade de mobilização da sociedade, a preocupação do autor
é mostrar como esse tempo foi construído, qual foi o movimento que nos trouxe até
essa mentalidade específica com a qual nos defrontamos hoje.
Como diz o título do primeiro artigo desta edição, parafreseando Tony Judt, “Nem
sempre foi assim!”, e em mais de um sentido. O caótico período que vai do início
do século 20, passando pelas duas Guerras Mundiais e a crise de 29, certamente
foram tempos muito piores do que o que vivemos hoje, tempos de crise, desemprego e
violência em massa. Entretanto, daqueles tempos emergiu também, após a Segunda
Guerra Mundial, a necessidade de regular o sistema econômico de modo a atenuar as
mazelas gestadas pelo mercado autorregulado. As respostas keynesianas à incerteza
e à catástrofe promoveram um longo período de crescimento com ganhos salariais
e redução das desigualdades, algo também sem paralelo na história do capitalismo.
Esse desenvolvimento histórico esteve longe de ser linear, e o artigo que inicia esta
edição mostra justamente os percalços históricos pelos quais passaram diversos
países, do início do século 20 até o fim dos Anos Dourados.
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ordem liberal burguesa, comandada de com Bismarck (1871) - foram os dos EUA
maneira inquestionável pela Inglaterra, e da Alemanha. A diferença é que estes
e que tinha no padrão-ouro e no livre- países se industrializaram colhendo os
câmbio suas âncoras principais. Esse frutos da Segunda Revolução Industrial
foi o período em que o Marx escreveu - do aço, da química, da eletricidade, do
“O Capital”. “O Capital” (na verdade, motor a combustão. A partir de então,
seu primeiro volume) foi publicado em montaram complexos empresariais mais
1867, no auge da era vitoriana (1837- avançados, quer no âmbito tecnológico,
1901). A Inglaterra era então considera- financeiro, de escalas ou organização
da “the workshop of the world”, a ofici- produtiva. A Inglaterra, gradativamente,
na do mundo. A partir da Revolução foi perdendo espaço na arena da concor-
Industrial, a Inglaterra montou seu rência manufatureira internacional. Não
império, desenvolveu a sua marinha, e que a Inglaterra fosse fraca; ao contrário,
converteu a City no coração das finan- ela era forte, pela força da sua Marinha,
ças internacionais. Essa ordem liberal, pela excelência de sua moeda (que era a
comandada pela Inglaterra, é descrita moeda internacional) e pela extensão de
de modo primoroso no livro “Processo seu Império.
de Industrialização – Do Capitalismo
Originário ao Atrasado”, de autoria do É neste ambiente que se situa o livro de
meu fraternal amigo Carlos Alonso Ken Follett. Ele aponta claramente para
Barbosa de Oliveira. a pujança dos EUA e para as pretensões
dos alemães (sobretudo da elite militar
Essa ordem comandada pela Inglaterra de extração prussiana), que reivindica-
sacudiu o mundo. Marx, ao observar as vam o seu “justo espaço” no tabuleiro
façanhas materiais do capitalismo, não político europeu. É curioso que um dos
hesitou em apontar seu caráter revolu- grandes problemas do mundo no século
cionário, em contraposição à mediocri- XX foi, sempre, o do destino que deveria
dade dos regimes anteriores de produ- caber à Alemanha. Foi assim na Primeira
ção. Do ponto de vista social, o que se Guerra Mundial, na Segunda Guerra
assistiu foi a crescente incorporação das Mundial e na própria Guerra Fria. Não
massas ao processo produtivo, a ruptu- há como negar: a Alemanha esteve,
ra das estruturas arcaicas e autárquicas invariavelmente, no centro das grandes
de produção e de vida, e a formação de convulsões políticas do século XX. Ao
um mercado mundial. Isso, ao mesmo mesmo tempo, tem-se a massacrante
tempo, permitiu que, paralelamente à superioridade econômica dos EUA.
Inglaterra, outros países avançassem
rumo à industrialização. Os EUA, entre a Guerra de Secessão e
o início do século XX, promoveram - do
Os casos mais notórios - passada à ponto de vista material - o maior salto
Guerra de Secessão (1861-1865) e promo- que a humanidade já conheceu. Foi o
vida a unificação dos Estados germânicos período da extraordinária expansão
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das ferrovias e do crescimento vigoroso foram se tornando cada vez mais estrei-
das indústrias associadas à nova revo- tos. Em decorrência, os riscos de “conta-
lução industrial (siderurgia e petróleo, minação”, decorrentes de conflitos
em particular) e, também, das grandes secundários, se ampliaram considera-
bandalheiras (os famosos robber barons velmente (basta lembrar que a eclosão
foram protagonistas cruciais desta da Primeira Guerra decorreu de um
época). Mais ainda, no início do século ultimato do Império Austro Húngaro à
XX, começaram a se montar - com o Sérvia). A Primeira Guerra foi, rigorosa-
apoio do crédito - as bases do consumis- mente falando, um conflito entre impé-
mo norte-americano. rios (imperialista, se preferirem). As
velhas potências imperiais da Inglaterra,
Este é um período, portanto, de França e Rússia foram incapazes de
grandes transformações nos EUA e na absorver, pacificamente, as pretensões
Alemanha. Ao mesmo tempo, havia um - também imperiais - da Alemanha.
equilíbrio aparente na ordem interna- Esta já era uma nação economicamen-
cional. Equilíbrio que se manifestava na te mais forte que a Inglaterra, a França
crença que a velha diplomacia europeia ou a Rússia, e que almejava uma posição
seria capaz de resolver os potenciais política no cenário europeu, compatível
conflitos, e na convicção de que a Belle com sua grandeza material.
Époque do início do século XX esta-
ria inaugurando uma era de progresso A Primeira Guerra Mundial foi uma
ininterrupto no mundo ocidental. Para experiência absolutamente trágica. Meu
muitos, que acreditavam na estabilida- pai lutou a Primeira Guerra, e dele ouvi
de da ordem internacional, a eclosão algumas coisas horríveis (os homens nas
da Primeira Guerra foi um raio em céu trincheiras, por exemplo, em busca de
azul... ratos para aplacar a fome...). Foi uma
experiência dramática, que envolveu o
Nuvens negras I (Primeira Guerra conjunto da sociedade. Este foi um fato
Mundial) novo. A experiência mais recente havia
O equilíbrio, contudo, era apenas sido a da Guerra Franco-Prussiana de
aparente. As transformações – sobretu- 1871, quando a Alemanha derrotou a
do na Alemanha – haviam desencadea- França. Esta última, contudo, foi uma
do ambições políticas de difícil manejo. guerra que não mobilizou toda a socie-
O sistema de alianças montado (com a dade, e que teve um desfecho rápido.
Inglaterra, a França e o Império Russo, O mesmo se esperava quando eclodiu
de um lado, e o Império Germânico, o a Primeira Guerra: todos foram orgu-
Império Austro-Húngaro, o decadente lhosos para os campos de batalha, com
Império Otomano e a Itália, de outro) suas bandeiras, entoando cânticos (“It’s
terminou engessando as opções políti- a long way to Tipperary / It’s a long way
cas. Os raios de manobra da diplomacia to go ...”), na expectativa de que a guerra,
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por força de sua massacrante suprema- dominação colonial, com povos intei-
cia econômica. ros submetidos aos desígnios “civiliza-
tórios” das nações imperiais. Nem era
Se os EUA foram incapazes de exercer possível ocultar a discriminação sobre
a liderança nas relações internacionais, a os negros, mestiços e asiáticos. Datam
Inglaterra e a França, de sua parte, tute- desta época os estudos sobre a eugenia,
laram a Liga das Nações. E o fizeram em com vistas à seleção e depuração racial.
consonância a seus objetivos imperiais. É certo que muitos se levantaram contra
Mas, como viveram os homens ao largo a rigidez e o cinismo da moral vitoriana.
deste período? Quais eram seus propó- Muitos se organizaram contra as formas
sitos, suas ambições e suas expectativas? descaradas de exploração econômica.
Na Belle Époque viveram fascinados Muitas mulheres passaram a desafiar
pelo progresso, na esperança que uma os cânones estabelecidos e passaram a
nova era de conquistas materiais havia reivindicar o direito ao voto (as cenas da
sido inaugurada. O entusiasmo com a sufragista Emily Davison lançando-se à
exposição de Paris, em 1900, quando morte sob as patas de um cavalo do rei
foram apresentadas ao mundo impor- George V, em 1913, são impactantes).
tantes inovações (como a luz elétrica, por Muitos povos passaram a sonhar com a
exemplo), suscitou em muitos a expec- emancipação. Ainda havia, contudo, um
tativa de que as transformações vigentes longo caminho a percorrer antes que
conduziriam a humanidade a um novo as conquistas por uma sociedade mais
patamar de realizações. O advento da justa e aberta se materializassem.
sociedade de massas não podia ocultar, O choque entre os impérios, como já
entretanto, a dura realidade das desi- observei, levou à guerra. A humanidade
gualdades sociais. O desemprego e a passou a viver, então, sob o horror e o
exploração ainda não eram entendidos medo. Após a violência e a insensatez do
- a não ser na análise pioneira e contun- conflito mundial, forjou-se a expectativa
dente de Marx - como uma patologia de que os homens e as nações, finalmente,
social, como uma consequência funesta reencontrariam o caminho da compre-
do funcionamento do capitalismo. Eram ensão e da solidariedade. Falei anterior-
percebidos como uma decorrência do mente que era este o desejo de Woodrow
destino ou da falta de aptidão indivi- Wilson e de Keynes. Desgraçadamente,
dual das pessoas para uma vida mais não foi este o caminho escolhido. Os
digna. Nem era possível ocultar a opres- EUA entronizaram o love of money
são sobre as mulheres e, menos ainda, como o altar dos homens. Ao mesmo
sobre os homossexuais (lembrem-se que tempo em que se lançaram à busca
Oscar Wilde, por expressar suas prefe- frenética dos lucros, da especulação e do
rências sexuais, foi condenado, em 1902, consumo, os norte-americanos assisti-
a dois anos de trabalhos forçados). Tão ram, nos anos 1920, às ações truculentas
pouco era possível ocultar a realidade da da Ku Klux Klan, às perseguições contra
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em guerra contra a Alemanha e a Itália. 1914-18. Basta recordar que ela deixou
Durante três anos e meio, os Aliados e o mais de 50 milhões de mortos! Não é
Eixo se envolveram em uma sucessão de necessário entrar em detalhes sobre os
batalhas fatídicas, em que as mortes se horrores dos bombardeios às cidades
contavam aos milhares, e até centenas de vitimando crianças e idosos, da matan-
milhares. Apenas a aniquilação total do ça organizada dos judeus, das sangrentas
oponente poderia por um fim às hostili- batalhas de Leningrado e Stalingrado,
dades. Assim como ocorreu na Primeira dos enforcamentos, execuções sumárias,
Guerra, a entrada dos EUA no confli- perseguições, torturas, estupros e trai-
to foi decisiva para definir o rumo dos ções, das mortes nas ilhas do Pacífico ou
acontecimentos. Não é uma simplifica- das bombas sobre Hiroshima e Nagasaki.
ção descabida afirmar que foram a tenaz A Segunda Guerra foi, talvez, a experi-
resistência soviética (com mais de vinte ência mais vergonhosa que a humani-
milhões de mortos!) e o imenso poderio dade já conheceu. Suas marcas e feridas
da fábrica de produção norte-america- se projetaram no tempo e, ainda hoje,
na os fatores cruciais para a derrota do permanecem cravadas nos corações
nazismo. Após a dificílima vitória em daqueles que viveram um pesadelo tão
Stalingrado (fevereiro de 1943), a URSS dramático e terrível.
começou sua marcha implacável rumo a
Berlim. Com o desembarque aliado na A Guerra Fria e a Golden Age
Normandia, em junho de 1944, a sorte da A Grande Depressão e a Segunda
Alemanha foi selada. Sitiados ao leste e a Guerra, pela profundidade e extensão
oeste, e bombardeados impiedosamen- de sua violência, lançaram, contudo, um
te pelos ares, os alemães foram sendo alerta aos homens. Não era mais possí-
progressivamente asfixiados e destroça- vel repetir tamanho desatino. Não era
dos. Em maio de 1945 se renderam. Em mais concebível que homens e mulhe-
agosto do mesmo ano, o Japão capitulou. res permanecessem indefesos frente
Faço aqui um breve parêntese, para aos ventos do mercado. Tão pouco era
retornar à observação inicial de Judt de admissível que as relações internacio-
que “nem sempre foi assim”. É verdade! nais se resolvessem pela força bruta das
Como podem perceber, houve momen- armas, sobretudo em face da existência
tos, ao longo da trajetória do século XX, dos artefatos nucleares (também em
em que as coisas foram muito piores! Na poder da URSS a partir de 1949). Com
verdade, momentos em que a humani- a derrota do nazismo e do militarismo
dade viveu dramas muito mais penosos japonês, o mundo foi dividido em duas
do que a atual busca obsessiva e irrefle- grandes zonas de influência comanda-
tida pela riqueza material. A Segunda das pelos EUA e pela URSS. A Guerra
Guerra Mundial foi um conflito ainda Fria, que daí resultou, foi antes um fator
mais sangrento que a Grande Guerra de de estabilidade do que de instabilidade
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nas relações políticas mundiais. Havia o pacto tácito de não agressão entre as
o acordo tácito entre as duas grandes duas superpotências. Os EUA e a URSS,
superpotências de que a violência seria se quiserem, agiram como dois grandes
exercida apenas no âmbito das respec- coronéis do sertão: cada qual coman-
tivas zonas de influência. Foi a política dava suas terras a seu modo, e ambos
dos “pastos demarcados”, para usar uma evitavam o conflito entre suas tropas (o
expressão de Guimarães Rosa. Os EUA que, certamente, seria fatal para ambos).
patrocinaram intervenções e golpes
militares em seus “domínios” (no Brasil, O fato é que a Europa e o Japão passa-
por exemplo), e a URSS promoveu inva- ram a gozar de uma estabilidade que há
sões na Europa do Leste (Hungria e muito não conheciam. Resguardados
Tchecoslováquia). As tensões maiores sob o manto protetor dos EUA, lança-
ocorreram na Guerra da Coreia (1950- ram-se às tarefas de reconstrução no
1953), quando soldados norte-ameri- pós-guerra e em pouco tempo – com o
canos e chineses se enfrentaram nos apoio explícito do Estado – moderni-
campos de batalha, e, sobretudo, na zaram as respectivas estruturas indus-
crise dos mísseis de Cuba. Neste último triais. Já na década de 1960 os oligo-
caso, a possibilidade de a URSS insta- pólios japoneses e europeus passaram
lar bases de lançamento de mísseis ao a concorrer em pé de igualdade com as
lado da costa norte-americana repre- grandes corporações norte-americanas
sentava uma ameaça que comprometia nos mercados mundiais.
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O ponto a ser destacado para o propó- suas vidas, mas não havia um mercado
sito de nossa discussão é que se criaram voraz a espreitá-los na saída dos cursos
as condições políticas e econômicas para secundários ou universitários. O moinho
o funcionamento ordenado e disciplina- satânico da concorrência (para usar a
do do capitalismo. Havia controle sobre expressão de Polanyi) não os aguardava
os fluxos internacionais de capital; havia para mutilar seus sonhos e devorar seus
o direcionamento do sistema de crédito espíritos. Todos sabiam que o talento
para a acumulação produtiva; havia a e o esforço pessoal, de alguma forma,
participação efetiva do Estado na regu- seriam recompensados. Não havia o
lação das relações econômicas; havia desespero pela busca do emprego; eles
um clima de colaboração entre empre- existiam. Não havia angústia em relação
sários e sindicatos; havia compromis- ao futuro; as perspectivas eram promis-
sos inarredáveis com a ampliação e a soras. Não havia a insegurança quanto
consolidação do Welfare State e havia à saúde ou planos milimétricos para
uma defesa comum – quer dos parti- a velhice; havia a proteção do Welfare
dos mais à esquerda ou à direita – com State. A geração do pós-guerra foi educa-
a busca de níveis máximos de ocupação. da, assim, em um contexto de maior
Se quiserem um exemplo, na década de segurança. Isto permitiu que forjassem
1960 a taxa de desemprego na Alemanha uma visão mais abrangente e crítica
e no Japão foi sempre inferior a 2%. Mas do mundo. Os jovens não eram meros
o mesmo ocorreu nos demais países. átomos isolados expostos aos ventos da
Cresceu a produtividade, cresceram concorrência, mas sim seres dotados
os salários reais, cresceram os lucros, de vitalidade, com esperança em um
aumentou a oferta de empregos, melho- futuro que imaginavam cada vez mais
raram as condições de saúde, educação justo e livre. Eram seres essencialmente
e trabalho, ampliaram-se os direitos dos sociais e transformadores! Não poderia
cidadãos, a inflação permaneceu baixís- haver contraste maior com o desalento
sima e não houve qualquer desequilíbrio da Grande Depressão, com o horror da
estrutural nas contas públicas (os gastos guerra ou com a mesquinhez alienan-
públicos cresciam, mas as receitas públi- te dos tempos atuais. Na letra de Anos
cas também, por conta do crescimen- Dourados (composta em parceria com
to econômico e do aumento da base de Tom Jobim), Chico Buarque escreve que
tributação). A Golden Age se estendeu, “na fotografia estamos felizes (...) mas
grosso modo, de 1947 a 1973. quando me lembro são anos dourados”.
Esta frase tem duplo sentido: desde uma
Voltemos, então, a Tony Judt: nem perspectiva estritamente individual ela
sempre foi assim! Os jovens do pós- representa a singela lembrança nostálgi-
guerra foram educados e criados em um ca de um tempo encantador que se foi, e
ambiente em que os nexos de solidarie- que não volta mais. Em uma perspecti-
dade social eram muito mais sólidos. É va mais ampla, contudo, ela indica uma
claro que todos se preocupavam com
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O outro ponto que desejo sublinhar é o coronéis do sertão, a que antes me referi,
arrefecimento da Guerra Fria. Esta havia baixaram, então, o tom de suas amea-
sido um elemento unificador dos países ças. Os pastos já estavam demarcados e
capitalistas. Desde 1947 os EUA e a URSS não havia razão para o estranhamento
haviam dividido o mundo em duas gran- hostil. Afinal, eram os dois muito pare-
des áreas de influência. O bloqueio de cidos: a URSS assistiu impávida à escala-
Berlim por Stalin (1948-1949), a conquis- da da Guerra do Vietnã (como assistiria,
ta do poder por Mao Tsé Tung (1949), a mais tarde, ao sangrento golpe militar
invasão da Hungria (1954), o lançamento no Chile, em 1973), assim como os EUA
do Sputnik (1957), a Revolução Cubana observaram apenas à distância a inva-
(1959), o voo pioneiro de Yuri Gagarin são da Tchecoslováquia (1968). Quando
(1961), a construção do Muro de Berlim Nixon, em 1971, anunciou ao mundo as
(1961) e a crise dos mísseis de Cuba visitas à China e à URSS – dando início à
(1962) foram eventos que assustaram o détente – tornou-se claro que as relações
Ocidente. Por mais de duas décadas o internacionais haviam ingressado em
espectro da “ameaça comunista” pairou uma nova fase. O que importa desacatar,
sobre os países capitalistas, e induziu para os fins de nosso argumento, é que a
os EUA a patrocinarem uma sucessão Guerra Fria deixou de ser um elemento
de intervenções e golpes militares pelo unificador no âmbito dos países capita-
mundo afora. Na perspectiva norte-ame- listas. Se estes - como antes observei - já
ricana, era fundamental que a Europa e o se encontravam divididos nas questões
Japão exibissem capitalismos triunfantes econômicas (moeda internacional, taxas
de modo a neutralizar o “vírus” comu- de câmbio, protecionismo), a política
nista. Foi por isso que reviram o proje- mundial não representava mais o seu
to punitivo para a Alemanha e para o elo de união. Não havia mais o “inimi-
Japão, lançaram o Plano Marshall, apoia- go comum” a ser combatido. Cada país
ram a integração europeia, abriram seus deveria formular sua linha específica de
mercados, toleraram o protecionismo de atuação nas questões internacionais, a
seus parceiros, arcaram com os custos da partir do pressuposto que o alinhamen-
defesa ocidental e estabeleceram alianças to automático aos EUA (e, portanto, a
estratégicas nos organismos internacio- contraposição à URSS) deixara de ser o
nais. Sob o manto protetor dos EUA, a ponto de partida comum na definição
Europa e o Japão alcançaram um desem- das opções estratégicas.
penho extraordinário nas duas décadas
que se seguiram à guerra. O declínio endógeno da taxa de
acumulação, o questionamento à centra-
Em fins dos anos 1960, contudo, as lidade do dólar, a insatisfação norte-a-
relações entre os EUA e a URSS entraram mericana em relação ao protecionismo
em fase de distensão. O acirramento dos de seus pares, os protestos quanto às
ânimos tornara-se - politica e financeira- normas de sociabilidade vigentes nos
mente - penoso para ambos os lados. Os países capitalistas (família, hierarquias
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sociedade que ambos sonharam. Nela, ação racional da mão visível do Estado.
o grilhão da necessidade não aprisiona- Os homens não nasceram para se
ria mais aos homens. O imenso poten- enfrentar como cães no terreno sórdi-
cial produtivo e tecnológico desenvol- do da concorrência desimpedida. Como
vido no último século permite que se lembra Gilles Dostaler em sua magnífi-
imagine um futuro em que as carências ca interpretação de Keynes (Keynes et
mais gritantes sejam minoradas, ou ses Combats; Keynes and his Battles, na
até mesmo suprimidas. Um futuro em versão em língua inglesa), os homens
que o acesso universal à educação e à foram enviados à Terra para usufruir
saúde, a proteção na velhice e a garan- a beleza, o conhecimento, a amizade
tia de empregos permita que os homens e o amor. É esse o espírito que deveria
vivam sem sobressaltos. Para que isto se nortear nossas ações.
torne possível, é essencial regulamentar
as finanças e orientar os investimentos,
o que somente será possível através da
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Estado, o quadro pudesse ser revertido. biênio 1934-35 - não pode ser negligen-
ciada. Mais ainda: por terem resultado
Foi somente na Alemanha de Hitler - de uma percepção teórica inovadora –
e, em menor medida, na Suécia - que a contraposta ao credo deflacionário do
política fiscal (no caso, a expansão dos saber convencional -, indicaram moda-
gastos públicos) foi utilizada como um lidades de atuação que seriam utilizadas
mecanismo intencional e explícito de no futuro. O caráter inovador da experi-
estímulo às atividades econômicas. No ência sueca é tão maior quando se cons-
caso da Alemanha, os resultados foram tata que, em 1936, Roosevelt ainda era
espetaculares: entre 1932 e 1936, o cres- adepto dos orçamentos equilibrados, a
cimento real do produto foi da ordem Inglaterra cultuava reverências monó-
de 40%. O contingente de desemprega- tonas à prudência fiscal, e a França (até
dos, cerca de 5,6 milhões em 1932, caiu setembro) permanecia fervorosamente
para 1,6 milhão em 1936, e 430 mil em atada às regras rígidas do padrão-ouro.
1938. Na avaliação de Bleaney3 (1985:
72), a experiência alemã sob o nazis- As necessidades da guerra, obviamen-
mo configurou o “mais bem-sucedido te, sepultaram os pruridos em relação à
exemplo de uma resposta keynesiana ortodoxia fiscal. O financiamento dos
à depressão”. É claro que o sucesso dos gastos militares resultou na brutal eleva-
nazistas na assombrosa recuperação da ção da dívida pública (nos EUA, a título
economia alemã esteve umbilicalmente de exemplo, o estoque da dívida cresceu
ligado ao controle despótico exercido cerca de 400% entre 1940 e 1945) e na
sobre a economia e a sociedade, mas não expansão monetária. As pressões infla-
há como negar o papel crucial exercido cionárias, inevitáveis em um contex-
pelos gastos comandados pelo Estado. to atípico de desequilíbrios de oferta,
Na Suécia, sob a inspiração teórica dos aumento da liquidez e elevação agregada
trabalhos de Gunnar Myrdal, os social- do poder de compra, foram contornadas
democratas (em coalizão com os agrá- – com maior ou menor sucesso - através
rios) recorreram intencionalmente do racionamento, do controle de preços,
aos gastos governamentais e ao déficit das limitações ao crédito e da tributa-
público como armas (circunstanciais) ção seletiva. O crescimento do produto
de combate à depressão. Os resultados foi extraordinário, sobretudo nos países
foram auspiciosos: a produção industrial que não tiveram seus territórios invadi-
cresceu cerca de 50% entre 1932 e 1936, e dos: entre 1939 e 1943, a variação real
a taxa de desemprego se reduziu em cerca do PIB na Inglaterra foi superior a 25%.
de 40%. Ainda que os gastos públicos – Nos EUA a expansão foi ainda maior,
ao contrário da Alemanha – não tenham alcançando a excepcional cifra de 72%
sido os principais responsáveis pela no período 1939-1944. O desemprego,
recuperação (comandada, no caso, pelos em consequência, se reduziu de maneira
investimentos privados e pelas exporta- impensável nos tempos de paz: em 1939
ções), sua importância – sobretudo no havia 1,5 milhão de desempregados na
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* Os dados referentes à dívida alemã estão subestimados, em virtude da não inclusão das MEFO
bills. Fontes: PIB: Maddison (1991); Desemprego: Mitchell (1992; 1993); Overy (1996); Barkai
(1990); Stein (1994).
Fonte: FMI
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Fonte: FMI
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na defesa da República e na promoção de 1933, Hitler desde logo percebeu que era
um programa emergencial de combate à fundamental alterar o rumo dos aconteci-
depressão. O sistemático avanço da vota- mentos. Paralelamente ao esmagamento
ção conseguida pelos comunistas entre dos sindicatos e à perseguição cruel aos
1924 e 1932 (saltando de 9,0% para 17,0%) comunistas e socialdemocratas, empreen-
pode ter ensejado a falsa percepção de que deu uma cruzada destinada a reabilitar a
estes se converteriam no principal polo economia alemã. A “Batalha do Emprego”
de aglutinação na resistência ao nacional foi travada através da mobilização dos
socialismo (NSDAP). Este foi um erro recursos do Reichsbank, do enquadra-
palmar, já que, nas duas eleições de 1932, mento do fragilizado sistema bancário
a soma dos votos obtidos pela socialde- privado alemão, da criação de moeda
mocracia e pelas forças do centro (36,3% privada com garantia oficial (MEFO bills)
em julho e 35,2% em novembro), foi equi- e da utilização das receitas do Tesouro, de
valente à alcançada pelos nazistas (37,% e modo a promover a expansão dos gastos
33,1%). A pretensão dos comunistas em públicos. Somente a partir de 1936, uma
liderar a oposição ao nazismo terminou vez consolidada a recuperação, é que os
por facilitar os planos de Hitler. De outra
parte, como já mencionado, a recusa dos
socialdemocratas em subscrever o plano
de expansão dos gastos públicos (WTB) “Ao contrário do New
elaborado pelos sindicatos, jogou por
terra uma possibilidade efetiva de mitigar Deal, da experiência sueca,
os efeitos devastadores da depressão. A
ilusão de que o “ciclo de negócios” deveria
das iniciativas dos ingleses
seguir seu curso normal, somada à para-
noia de que a ampliação do déficit público
ou dos franceses - que trans-
pudesse ressuscitar o fantasma da hiperin- correram em um ambiente
flação, gerou – na social democracia alemã
- um imobilismo político e propositivo, de preservação dos rituais
inadmissível nas terríveis condições que o
país atravessava. O enfrentamento da crise democráticos – a resposta
exigia soluções enérgicas, mas os social-
democratas aparentemente permanece- nazista à crise foi imen-
ram aferrados à ingênua e tosca esperança
de que, em algum momento no tempo,
samente beneficiada pela
as condições estariam maduras para a
implantação do socialismo na Alemanha.
implantação de um regime
Ao ser escolhido por Hindenburg para de terror.”
chefiar o governo alemão em janeiro de
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[ revista política social e desenvolvimento #06 ]
gastos militares passaram a ocupar posição comércio exterior, a captação dos recursos
determinante na composição do dispêndio e o direcionamento dos gastos. O aspecto
público. O êxito do programa empreendi- a ser destacado, contudo, é que – munido
do, já se observou, foi inegável. Mais ainda, de poderes ditatoriais – Hitler empreen-
ao reduzir dramaticamente o desempre- deu uma bem-sucedida ruptura com os
go, Hitler obteve – apesar do fechamento cânones da gestão convencional da polí-
dos sindicatos - a simpatia de milhões de tica econômica, conseguindo reerguer a
trabalhadores: os deserdados do merca- economia alemã dos dramas da depres-
do converteram-se nos Soldados da Nova são. Com o final da guerra, as lideranças
Ordem; ao garantir a preservação do poder ocidentais perceberam que algumas de
de compra dos agricultores (29% da popu- suas iniciativas – desde que dissociadas de
lação economicamente ativa em 1933), sua forma opressiva de execução - pode-
sedimentou sua base de sustentação no riam ser úteis, e até mesmo necessárias,
campo; ao garantir encomendas à indústria na recuperação e expansão das economias
e reanimar a demanda agregada, contou nacionais. Foi assim, por exemplo, com o
com o entusiasmo de setores empresariais controle de preços na própria Alemanha,
relevantes; ao salvar os bancos da estati- com o comércio exterior no âmbito da
zação pretendida por Gottfried Feder (o União Europeia de Pagamentos (evocan-
teórico nazista que denunciava a “escravi- do os “contratos de compensação” de
dão dos juros”), submeteu-os às priorida- Schacht) e com a montagem dos vigoro-
des do nacional-socialismo; ao assassinar sos sistemas públicos de financiamento
– na Noite das Facas Longas - as lideranças na Europa e no Japão.
das SAs (Ernst Röhm), conseguiu a obedi-
ência do Exército. Hitler obteve, desta EUA
maneira, uma vasta base social de apoio a A resposta do New Deal foi de natu-
suas políticas. reza distinta. Os EUA não foram o palco
É certo que a economia, no estado nacio- um acordo social tão amplo como o que
nal socialista, foi convertida em um ramo observou na Suécia, e nem a economia
da política, e esta na expressão da vonta- norte-americana foi escravizada pela polí-
de do Führer. Ao contrário do New Deal, tica, como na Alemanha nazista. Na verda-
da experiência sueca, das iniciativas dos de, Roosevelt teve que se mover em águas
ingleses ou dos franceses - que transcorre- turvas, enfrentando a todo instante a guer-
ram em um ambiente de preservação dos rilha republicana, a resistência do mundo
rituais democráticos – a resposta nazis- dos negócios, os obstáculos políticos e as
ta à crise foi imensamente beneficiada decisões (nem sempre sábias) da Suprema
pela implantação de um regime de terror. Corte. Mais do que um experimento
Somente através da violência do Estado econômico, o New Deal foi, acima de tudo,
foi possível estabelecer um sistema férreo uma construção política no seio de uma
de controles sobre os salários, os preços, o nação marcadamente conservadora. A
violência da depressão nos EUA encontrou
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[ revista política social e desenvolvimento #06 ]
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[ revista política social e desenvolvimento #06 ]
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[ revista política social e desenvolvimento #06 ]
Isto se explica pela recusa dos ingleses foi prontamente abortado pela depres-
em praticarem uma política fiscal expan- são mundial e o país ingressaria em uma
sionista. Ao longo dos anos 1930 os orça- desoladora rota de estagnação. Basta um
mentos permaneceram rigorosamente dado para ilustrar a decadência francesa
equilibrados. A força da City e do Treasury nos anos trinta: nos seis anos que trans-
View eram por demais evidentes na correram entre 1930 e 1935, o crescimen-
Inglaterra, e inibiram quaisquer iniciativas to do PIB foi negativo em cinco deles (a
mais ousadas em termos da política fiscal. exceção foi 1933). Por detrás deste resul-
Os lideres trabalhistas britânicos (Ramsay tado encontra-se a devoção dos franceses
Mac Donald e Philip Snowden), no poder ao ouro. Defender a paridade tornou-se
desde junho de 1929, converteram-se em sinônimo de defesa da nação. Nada que
defensores e executores das sound finances pudesse ameaçar a paridade sagrada pode-
recomendadas pelos círculos conservado- ria ser sequer cogitado. O equilíbrio orça-
res. De nada adiantaram as pregações de mentário, em decorrência, tornou-se a
Keynes em 1929, 1931 e 1933, ou a pres- pièce de résistence da gestão econômica
são dos sindicatos e de outros proemi- do país. O déficit público seria a antes-
nentes trabalhistas (Ernst Bevin) em prol sala da tão temida inflação, e esta poria
da expansão dos gastos públicos. Alguns, por terra a paridade consagrada em 1928.
inconformados com a timidez das políti- Reversivamente, a desvalorização – no
cas de combate ao desemprego, rompe- entendimento dos franceses – resultaria na
ram com o Partido Trabalhista - como inflação, o demônio a ser exorcizado. Esta
Oswald Mosley, que em 1932 fundou o concepção estreita e simplista – sobretudo
Partido Fascista da Inglaterra. A força em um contexto de depressão e deflação
do establishment impediu que se forjas- – não foi partilhada, apenas, pelos círcu-
se a aliança Lib-Lab (Liberals e Labor), a los conservadores. Também a esquerda
única que teria condições de levar adiante (à maneira da socialdemocracia alemã de
um programa consistente de redução do Hilferding) aferrou-se ao dogma dos orça-
desemprego. Com as lideranças trabalhis- mentos equilibrados e à defesa da pari-
tas emasculadas, a reação britânica à crise dade cambial. Na observação de Kemp10,
foi limitada, com a precaução se sobrepon- “um sólido bloco, dos diretores do Banco
do à inovação. da França ao Comitê Central do Partido
Comunista, clamava pela preservação da
O caso da França foi mais melancólico. paridade de 1928”.
Desde a implantação do Franc Poincaré
em dezembro de 1926, a nação perma- Em setembro de 1931 a Inglaterra desva-
neceu fervorosamente atada ao ouro. Em lorizou a libra, e já em março de 1933
junho de 1928 deu-se a desvalorização teve início a desvalorização do dólar. O
formal do franco frente ao dólar e à libra, franco, em consequência, se valorizou.
o que fazia supor que as condições econô- Com a valorização do franco, as expor-
micas tornar-se-iam mais promissoras. Tal tações francesas, que já vinham de uma
não foi o caso: o crescimento de 1928-9 modesta trajetória de queda desde 1927,
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[ revista política social e desenvolvimento #06 ]
políticas da Suécia, por exemplo, eram resolvessem pela força bruta das armas.
distintas das prevalecentes na França. Em Este foi um sentimento comum, que
consequência, o Acordo de Matignon percorreu todo o Ocidente. A luta contra o
jamais poderia ter tido o alcance e a trans- nazismo e o militarismo japonês acendeu
cendência do Acordo de Saltsjöbaden. Da a esperança de que a democracia política,
mesma forma, a prevalência da City no a proteção aos cidadãos e o funcionamen-
espectro político da Inglaterra jamais teria to ordenado das economias deveria pautar
permitido a tutela do setor bancário, à a organização das nações. As propostas
maneira do que se observou na Alemanha. de Lord Beveridge (Full Employment in
Hitler criou condições políticas que favo- a Free Society) para a implantação do
receram a expansão contínua dos gastos Welfare State na Inglaterra, ou as sugestões
públicos, o que não ocorreu na Inglaterra, de Keynes para a constituição de uma nova
na França e nem mesmo nos EUA. Havia, ordem monetária internacional foram,
nestes países, poderosos grupos de inte- inclusive, anteriores ao final da guerra. Elas
resse que defendiam encarniçadamente exprimiam um estado de espírito latente
o equilíbrio orçamentário. Os programas e difundido. A luta heroica da resistência
do New Deal, de sua parte, introduzidos na França e na Itália, da mesma forma,
em meio a disputas acirradas nos EUA, não objetivou apenas a derrota militar do
seriam impensáveis no contexto atrasado nazismo e do fascismo, mas, também, a
da França, onde as pequenas empresas e criação de condições para a formação de
as pequenas propriedades rurais eram a sociedades mais justas. Em todos os países
norma da vida social. O que se assistiu, do Ocidente forjou-se a convicção de que
assim, foi a um conjunto de ações inde- o final da guerra abriria um novo capítulo,
pendentes e descoordenadas, exercidas de prosperidade e justiça social, no âmbito
em meio às variadas limitações políticas das nações.
locais, em um ambiente internacional cada
vez mais carregado pela ameaça da guerra. É claro que as tarefas imediatas de recons-
trução eram dramáticas e imperiosas, e
Os desdobramentos da Segunda Guerra que havia, ainda, um penoso caminho a ser
criaram as condições para uma radi- percorrido. Os desafios eram enormes: se o
cal reversão do quadro político, tanto final do prolongado conflito foi um alívio,
em âmbito mundial como no plano das a dura realidade da escassez de alimentos,
nações. A guerra, na verdade, criou novos do racionamento de carvão, da destruição
consensos e sepultou vários mitos. Após das habitações, do colapso dos transportes,
os longos anos de depressão e da trágica das perseguições, do drama dos refugiados
experiência do conflito mundial, não era e das desgraças vividas – esta dura realida-
mais admissível que os homens perma- de ainda inibia o aflorar da esperança. Nas
necessem indefesos frente aos ventos do palavras de Lowe11, “a história da Europa
mercado, subjugados por ditaduras impie- no imediato pós-guerra (...) não a é da
dosas, ou que as relações internacionais se reconstrução e reabilitação – ela é, antes
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de Washington: não por acaso, em maio de entre os EUA e o Japão: este deixou de ser
1947 os comunistas foram excluídos das visto como um inimigo derrotado e passou
coligações de poder na Itália e na França. A a ser considerado como o principal aliado
sucessão dos fatos em 1948-9 deu contor- estratégico dos interesses norte-america-
nos finais à Guerra Fria e firmou a base nos no Pacífico13.
política sobre a qual deveria se assentar a
recuperação econômica da Europa e do As implicações da nova configuração
Japão: em fevereiro de 1948 os comunistas política internacional foram decisivas. O
tomaram o poder na Tchecoslováquia; em ambiente tornou-se propício à formação de
junho de 1948 teve início o bloqueio de coalizões políticas reformistas em âmbito
Berlim (se estendendo até maio de 1949); dos distintos países. Forjou-se um amplo
em 1948 começaram os desembolsos do campo de entendimento do qual partici-
Plano Marshall e os países passaram a param democratas cristãos (Alemanha
exibir índices razoáveis de crescimento da e Itália), social democratas (Alemanha
produção industrial; em março de 1949 e Suécia), socialistas (Itália), gaullis-
foi formalizada a criação da OTAN; em tas e não gaullistas (França), trabalhis-
agosto do mesmo ano a URSS anunciou a tas e conservadores (Inglaterra), liberais
posse da bomba atômica; em setembro de democratas (Japão), democratas e repu-
1949 deu-se a criação formal da República blicanos (Estados Unidos), e até mesmo
Federal da Alemanha, e em outubro as os comunistas (França e Itália). Talvez o
forças de Mao Tsé Tung tomaram o poder ponto central das referidas coalizões foi a
na China. Por fim, a eclosão da Guerra da convicção – por todos partilhada – de que
Coreia, em junho de 1950, alterou defini- era necessário domesticar o funcionamen-
tivamente os termos do relacionamento to do capitalismo. Liberto da regulação e
do controle público, o capitalismo havia
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[ revista política social e desenvolvimento #06 ]
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[ revista política social e desenvolvimento #06 ]
Missão Dodge enviada ao Japão no ano com a introdução do Plano Monnet, entre
anterior, e impulsionou as exportações para 1947 e 1952. Através do controle público
os EUA. Através da atuação discricionária sobre o crédito foi possível estimular os
do Ministério da Indústria e do Comércio ramos industriais eleitos pelo planejamen-
Exterior (MITI), a entrada do capital to central como estratégicos em termos do
estrangeiro foi rigorosamente disciplinada, desenvolvimento nacional. A normaliza-
e estabelecidos critérios seletivos para as ção das relações econômicas com o pode-
importações. O Banco do Japão, ao mesmo roso vizinho alemão deu-se com a criação
tempo, se incumbiu de prover recursos aos da Comunidade Europeia do Carvão e
bancos privados, fortalecendo a posição do Aço em 1952, um cartel europeu que
dos grandes blocos de capital (keiretzu). estabeleceu metas de produção e acesso
Os investimentos foram direcionados para comum às duas matérias-primas essen-
os setores considerados prioritários, e em ciais da indústria. A legião de pequenas
1966 o Japão se afirmou como a segunda e médias empresas não foi abandonada
economia capitalista mundial. Na França, à própria sorte, já que a política adapta-
um país onde a norma eram os pequenos tiva de “apoio aos grandes e proteção aos
estabelecimentos, a modernização veio pequenos” foi uma marca característica da
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[ revista política social e desenvolvimento #06 ]
gestão econômica do país. Na Itália, onde nos anos 1970. Quando confrontada com
42% da população ativa ainda se encon- o quadro atual da submissão passiva aos
trava na agricultura em 1954, a expansão desígnios das finanças, a experiência do
capitalista concentrou-se no norte (Turim pós-guerra revela-se não apenas surpreen-
e Milão, basicamente). A descoberta dos dente, mas, também, uma possibilidade já
depósitos de gás natural no Vale do Pó, hoje praticamente inalcançável.
a construção de hidroelétricas, os inves-
timentos públicos da IRI – Instituto per As reações possíveis à crise atual: uma
la Ricostruzione Industriale e da ENI – breve digressão
Enti Nazionale Idrocarburi, os avanços A violência da crise inaugurada em
da indústria automobilística local (Fiat), 2007-8 não pode ser subestimada. Como
a atuação inovadora de grandes empresas já se observou, foi apenas em decorrência
(Pirelli e Olivetti), os investimentos estran- do socorro do Estado que ela não se trans-
geiros, o turismo e a integração europeia - figurou em uma depressão profunda. Em
deram um novo alento ao capitalismo local tese, a profundidade da crise deveria ter
e redefiniram o facies até então acanhado ensejado reações mais contundentes. Seria
da sociedade italiana. previsível que houvesse uma aglutina-
O grande acordo social do pós-guerra ção de forças políticas em escala mundial
foi coroado com a exuberante expansão exigindo uma reestruturação no modo de
econômica. O crescimento fez-se acom- funcionamento da economia. Em particu-
panhar da elevação da produtividade e lar, a necessidade de restaurar a regulamen-
dos salários reais, da perceptível melhoria tação do sistema financeiro apareceu como
das condições de vida das populações, da uma necessidade imperiosa. Ouviram-se,
difusão dos programas de proteção social, por todo o mundo, vozes influentes em
da sustentação de baixos níveis de desem- âmbito da reflexão acadêmica, da impren-
prego e da ausência de flutuações pronun- sa, dos organismos internacionais, dos
ciadas da atividade econômica. Mesmo em partidos políticos, e até mesmo dos círcu-
meio às diferenças nas trajetórias nacio- los íntimos de poder, denunciando os
nais houve um consenso político maior, “excessos” cometidos pelas finanças desre-
do qual participaram todas as correntes de guladas. Todas apontavam para a urgência
opinião em todos os países, de que era, sim, em retornar ao regime de disciplina para o
possível – e, ademais, necessário - discipli- mundo das finanças. O alentado relatório
nar o funcionamento do capitalismo de da Financial Crisis Inquiry Commission
modo a alcançar o objetivo estratégico do chegou a afirmar, em letras garrafais, que
pleno emprego e do bem-estar social. As “as falhas generalizadas na regulamenta-
atribulações econômicas internacionais, e ção financeira e na supervisão demons-
a própria mudança dos rumos da Guerra traram-se devastadoras para a estabilidade
Fria, fizeram com que o grande acordo do dos mercados financeiros nacionais”17. Era
pós-guerra fosse progressivamente desfeito plausível que esta discussão avançasse.
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[ revista política social e desenvolvimento #06 ]
Entretanto, os avanços têm sido exces- a alcançar o pleno emprego e o bem estar
sivamente tímidos. A dominação das social. A concentração dos efeitos dissol-
finanças parece ser mais profunda, e não ventes da crise atual nas economias mais
se observam no horizonte atores políticos débeis parece, assim, legitimar as políticas
suficientemente fortes e relevantes para acomodatícias nos países centrais.
forçar mudanças essenciais em seu modo
de funcionamento. Tudo parece indicar Existem certas determinações estru-
que a reconhecida perda de prestígio de turais que apontam nesta direção. Em
Walt Street não se traduziu na correlata primeiro lugar, cabe destacar que a indús-
perda de poder político. O aporte de recur- tria e a agricultura não são mais as mesmas.
sos públicos salvou as instituições finan- Em relação a esta última, sua importância
ceiras, impediu o aprofundamento crise, na estrutura econômica, social e política
mas serviu, também, para neutralizar as do núcleo central do capitalismo é hoje
críticas. Passada a tormenta inicial, veio a notoriamente reduzida. Amparada por
acomodação. É certo que as taxas de cres- subsídios e tarifas protecionistas, sua parti-
cimento do produto são medíocres, que cipação no emprego é irrisória. Tão pouco
o desemprego se elevou, e que as condi- ela parece ter sido afetada de maneira mais
ções para uma retomada consistente ainda profunda pela crise. Quanto à indústria, a
estão distantes. Mas nada disso parece migração para as regiões onde os custos de
suscitar uma mobilização efetiva destinada produção são mais baixos alterou sensi-
a alterar o modo de ser do regime econô- velmente seu posicionamento no quadro
mico. Nada equivalente às respostas dos nacional. Belluzzo & Almeida18 observam
anos 1930 ou ao consenso do pós-guerra que a “mudança na configuração espacial
se observa nas atuais circunstâncias. da indústria (...) [foi] acompanhada de um
grande esforço das corporações transna-
Uma razão - já assinalada - para este cionais para concentrar suas estratégias
desfecho, é que a intensidade da crise foi na atividade principal (core business)”. A
sentida de maneira mais dramática na China e o complexo asiático, na verda-
periferia europeia, e não no núcleo das de, converteram-se na nova oficina do
economias centrais. Uma crise profun- mundo. A “‘exteriorização’ dos segmen-
da na Grécia, Portugal, Espanha, Irlanda, tos produtores de peças, componentes
Islândia ou Chipre tem implicações obvia- e bens finais sob o comando ‘inteligen-
mente distintas de uma crise nos EUA, te’ da chamada ‘empresa integradora’”, a
Alemanha, Inglaterra, França ou Japão. que os autores fazem referência, resultou
Não foi assim nos anos 1930, quando a crise não apenas na redução dos custos e no
atingiu em cheio as economias centrais, aumento da eficiência, mas também no
e também não foi assim no pós-guerra, esvaziamento dos parques produtivos
quando todos os países ocidentais envolvi- nacionais. Se forem excetuadas as indús-
dos no conflito se empenharam na tenta- trias associadas à tecnologia de informa-
tiva de disciplinar as finanças e de impul- ção e comunicações, a química e farma-
sionar a acumulação produtiva, de modo cêutica, os segmentos ligados à defesa e a
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[ revista política social e desenvolvimento #06 ]
“inteligência das empresas integradoras”, a credo liberal, suas ações alimentam a cons-
indústria mundial se acha, hoje, localizada trução dos temas de mobilização e atuação
na Ásia. É lá que se encontra a vanguarda política. Os temas são particulares, eleitos
da produção automobilística, da siderur- a partir de aspirações de parcelas da socie-
gia, da eletrônica, da construção naval, e dade. Seu somatório passa a definir o que
de uma série de outros setores. seria a correção do comportamento polí-
tico. Nesta operação, o que é politicamen-
As consequências deste processo não são te correto é, também, politicamente frag-
triviais. Uma de suas dimensões cruciais é mentado. Os temas são específicos, e daí
a exportação de empregos e a decorrente
debilitação dos sindicatos industriais, cuja
vocalização política tornou-se mais tíbia.
As grandes corporações industriais, de sua
parte, não apenas estreitaram suas relações “A ausência de atores polí-
com a Ásia – o que, por si só, torna-as soli-
dárias à livre movimentação dos capitais -, ticos capazes de se contrapor
como submeteram a gestão de seus exce-
dentes financeiros a critérios e práticas não à dominação das finanças
necessariamente distintos da lógica das
finanças desregulamentadas. Isso signifi-
se projeta na própria socie-
ca que sua adesão à disciplina financeira dade. Uma característica
tende a ser, no mínimo, cautelosa.
A ausência de atores políticos capazes
marcante das sociedades
de se contrapor à dominação das finan- de massa contemporâneas
ças se projeta na própria sociedade. Uma
característica marcante das sociedades de é o esmagamento da razão.
massa contemporâneas é o esmagamento
da razão. Na luta incessante pela sobrevi- Na luta incessante pela
vência, a percepção que os indivíduos têm
das conexões internas do mundo que os
sobrevivência, a percep-
circunda é severamente limitada. Quem ção que os indivíduos têm
supostamente orienta suas ações racionais
é mídia. É ela que age como o centro nervo- das conexões internas do
so produtor de ideias, valores e consen-
sos. Suas articulações com as estruturas mundo que os circunda é
de dominação e poder são por demais
evidentes e dispensam maiores considera-
severamente limitada.”
ções. Sob o disfarce da informação, a mídia
se ocupa, também, da formação da agenda
política. Além da propagação diária do
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[ revista política social e desenvolvimento #06 ]
resultam lutas apenas específicas. dos anos 1970, mudou o patamar das taxas
de desemprego no centro capitalista: nos
Dessa forma, o sentimento de cidadania EUA, a título de exemplo, a taxa média
tende a ser afirmado em resposta a deman- de desemprego nos anos 1960 foi inferior
das fragmentadas. A legalização do aborto, a 5,0%. Em outras palavras: as sociedades
a defesa do casamento gay, a proteção aos avançadas de há muito convivem com um
animais, a garantia aos ciclistas, a preser- nível mais elevado de desocupação, o que
vação da natureza, a causa indígena, a não traz maiores transtornos políticos e
descriminalização da maconha, o combate nem suscita reações mais exaltadas.
à violência policial, o direito das minorias
raciais, o clamor pela transparência e o No que se refere à periferia - submetida
repúdio à corrupção – são bandeiras meri- às políticas de austeridade –, o quadro é
tórias, que devolvem aos cidadãos isolados desolador. A aventura da adesão ao euro
e desprotegidos a sensação de pertinência cobra hoje um preço amargo. Suas popula-
cívica. A questão não está, propriamente, ções estão desprotegidas, humilhadas pela
no conteúdo das demandas, mas sim no lógica do corte dos gastos públicos e pela
exercício particular de sua execução. As contração do crédito privado. Seu futuro
demandas são tópicas e pontuais e, via de é incerto, e a possibilidade de substituição
regra, não estão inscritas em um projeto dos governos empenhados em promover
abrangente. Existe, assim, uma tendên- a austeridade por forças nacionalistas da
cia à formação de guetos monotemáticos extrema-direita não pode ser descartada.
reivindicatórios (não necessariamente
progressistas), incapazes de compreender Em conclusão, as circunstâncias no
a totalidade que os circunda, e de lutar por centro capitalista - perda de importância
transformações mais profundas na estru- da agricultura, mudanças na morfologia
tura da vida social. da grande empresa industrial, enfraque-
cimento dos sindicatos, fragmentação
As vítimas, de sua parte, não têm capaci- das demandas sociais, concentração dos
dade de mobilização política. Aqueles que efeitos da crise nos estratos inferiorizados
sofrem os efeitos da crise nos países capi- da escala social – e a projeção das agruras
talistas centrais – já se mencionou – são, para a periferia europeia favorecem a reite-
acima de tudo, os imigrantes, os jovens e os ração de políticas estritamente acomodatí-
cronicamente despossuídos. É duvidoso, cias. A luta pelo pleno emprego e o bem
contudo, que os porto-riquenhos ou mexi- estar social tornou-se uma reminiscência
canos nos EUA, os turcos na Alemanha, do passado. Mais que uma quimera, ela
os argelinos na França ou os jamaicanos transformou-se numa heresia.
na Inglaterra tenham qualquer capacidade
de articulação política. Antes o contrário:
passam a ser estigmatizados e responsabi-
lizados pelo estreitamento das oportunida- NOTAS
des de emprego. Ademais, desde meados 1. F. Mazzucchelli, :“A Crise em Perspectiva: 1929 e
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[ revista política social e desenvolvimento #06 ]
2008”. Novos Estudos Cebrap, Novembro 2008. O resultado foi o aprofundamento da depressão, sobre-
tudo após as quebras bancárias de meados de 1931. Em
2. Antes da ascensão do nazismo em 1933, Rudolf 1932 o desemprego atingiu um terço da força de trabalho,
Hilferding - o renomado economista marxista da Social sem que fossem alcançados os almejados superávits fiscal
Democracia Alemã – ao repudiar de modo veemente e externo. Ver F. Mazzucchelli, “Os Anos de Chumbo –
um plano de expansão dos gastos públicos elaborado Economia e Política Internacional no Entreguerras”.
pelos sindicatos (Plano WTB), dogmaticamente asse- Campinas: Editora Unesp & Edições Facamp, 2009, pp.
verou que “se [os formuladores do Plano] pensam que 157-177. Como se vê, as más lições são sempre úteis,
podem mitigar uma depressão através de obras públi- sobretudo quando se trata de recomendá-las aos vizinhos
cas, eles simplesmente estão demonstrando que não são mais pobres!
marxistas (...)”. Ver S. Berman, “The Primacy of Politics –
Social Democracy and the Making of Europe’s Twentieth 9. H.W. Arndt, “The Economic Lessons of the
Century”. Cambridge University Press, 2006, pp.112-4. Nineteen-Thirties”. London: Frank Cass and Company
Limited, 1972, pp. 209; 219.
3. M. Bleaney, “The Rise and Fall of Keynesian
Economics”. New York: St. Martin’s Press, 1985, p.72. 10. T. Kemp, “The French Economy 1913-39 – The
History of a Decline”. Londres: Longman, 1972, p.103.
4. T. Judt, “Pós-Guerra – História da Europa Desde
1945”. Lisboa: Edições 70, 2005, pp.418-9. 11. K.Lowe, “Savage Continent – Europe in the
Aftermath of World War II”. New York: St.Martin’s Press,
5. L.G.M. Belluzzo, “Os Antecedentes da Tormenta – 2012, p.xvii.
Origens da Crise Global”. Campinas: Editora Unesp &
Edições Facamp, 2009, p.101. 12. W.Laqueur, “Europe Since Hitler – The Rebirth of
Europe”. Penguin Books, 1972, p.42.
6. L.G.M. Belluzzo, “Salve-se Quem Puder”. Carta
Capital, 30/11/11. 13. F. Mazzucchelli, “Os Dias de Sol – A Trajetória do
Capitalismo no Pós-Guerra”. Campinas: Facamp Editora,
7. Valor 04/04/13, p.14: ‘Aperto no crédito continua e 2013, p.60.14.
dizima PMEs na Espanha’.
14. Ver Belluzzo (2009: 75-6; 155-6; 283).
8. Cabe aqui uma breve referência à Alemanha, hoje
a principal defensora das políticas de austeridade para 15. Em uma caricatura da época, Lord Beveridge
a periferia europeia. Com o Plano Dawes de 1924, a aparece brandindo sua espada contra os referidos “gigan-
Alemanha - em troca de um empréstimo emergencial tes”, por ele considerados os maiores males da Inglaterra.
- viu-se obrigada a abandonar a gestão soberana de sua Ver M. Lynch, “Britain 1945-2007”. London: Hodder
política econômica: as contas públicas e as contas exter- Education, 2008: 9.
nas passaram a ser monitoradas pelo Agente Geral de
Reparações enviado a Berlim, e o Reichsbank foi subme- 16. Acrônimo resultante da fusão dos nomes de R.A.
tido a uma gestão partilhada. O objetivo do Plano era o Butler (Conservador, Ministro da Fazenda entre 1951-
de, através do corte dos gastos públicos e da contenção 5) e H.Gaitskell (Trabalhista, Ministro da Fazenda entre
da demanda agregada, alcançar o superávit fiscal e o 1950-1), destinado a ilustrar a semelhança essencial da
saldo comercial externo destinados a cumprir o paga- política econômica conduzida pelos dois partidos no
mento das reparações fixadas em Versailles. O Plano, pós-guerra.
contudo, foi elaborado em uma conjuntura internacional
17. “The Financial Crisis Inquiry Report – Final
de abundante liquidez, e os títulos alemães logo passa-
Report of the National Commission on the Causes of the
ram a despertar o apetite dos investidores internacio-
Financial and Economic Crisis in the United States”. New
nais (sobretudo norte-americanos), ansiosos por yields
York: Public Affairs, p.xviii.
generosos. A Alemanha foi inundada por empréstimos
externos e, entre 1924 e 1928, navegou em águas aparen- 18. L.G.M. Belluzzo & J.S.G. Almeida, “A Indústria
temente tranquilas. Quando - no final de 1928 - houve Brasileira e as Cadeias Globais”. Carta Capital, 27/02/13,
a reversão no fluxo de empréstimos, os compromissos p.28.
internacionais tornaram-se insuportáveis. Brüning, atra-
vés de uma sucessão de decretos deflacionários (corte
de salários, demissões, elevação de impostos), procurou
gerar o ansiado superávit nas contas públicas e externas.
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