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Bolellm/CESP v.U «ts. jall./jltn.

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enviadas por Anadi6mena, BRÉAL, Michel. Ensaio de


desde Delos.
Com o fogo simb611co Semântica: ciência das
(autoconhecimento), os traba- significações.
lhadores concentrados no Trad.: Arda Ferrés et aI. Coorde-
Mussulo (protegidos por forças nação e revisão técnica da
divinas) podem voltar para os tradução: Eduardo Guimarães
musseques de Luanda, es-
São Paulo: EDUC I Pontes Edito-
praiando sua nova maneira de
ser. Era Abril de 1974 - e tudo res, 1992.
acaba por ser transformado
pela forja maravilhosa. Uma l-A obra:
forja angolana, entre muitas Mesmo considerando que a
outras espalhadas pelo mundo, AntigOidade não tenha sido
já que o fogo parte de Delos alheia às questões do signifi-
para todos os lugares onde cado, foi somente no Séc. XIX
Hefestos é cultuado. que a Semântica se estabele-
H á e m O signo do fogo, ceu como um ramo IingOlstico
como se vê, marcado sentido diferente da Etimologia, esta
de universalidade (como pode ocupada basicamente com a
ser depreendido pelo recurso origem das palavras. Houve
ao repert6rio clássico), que fases diferentes nos estudos
dialoga com situações pr6prias empreendidos nesse século,
de Angola. É esse particular mas pautaram-se todas por
que provavelmente levou o uma orientação hlst6rica. Na
narrador a reintroduzir concepção de Reisig (1825),
Hefestos, um deus da periferia por exemplo, havia leis que
do Olimpo. Como na forja do governavam o desenvolvimen-
artesão divino, a escrita de to do significado e seu estudo
Boaventura Cardoso modela constitula o objeto da Sema-
repert6rios vários, levando o siologia que, ao lado da Etimo-
"fogo da fala" (Utulo de uma de logia e da Sintaxe, compunha a
suas coletâneas de contos) ao gramática das IInguas. Numa
romance. Se na tradição de visão clássica da matéria,
seu pais, as est6rlas eram admitia-se para o sentido uma
contadas à beira da fogueira, a trajet6ria determinada por
escrita de seu romance - a causas externas independen-
partir dessa base genética - tes do falante. Por volta de
procura ir além. Como diz o 1883, Bréal publicou um artigo
narrador no parágrafo finai de - "Les Lois Intellectuelles du
O signo do fogo: "E então Langage", in Annuaire de
Tutuxa e Clfmene vieram na I'Association de Études
praça. E viemos também n6s, Grecques - em que pressupu-
eu e n6s, Alfa e Omega, vem nha ser a ciência das significa-
Hefestos e, festivos, saltamos ções inteiramente nova, de
a fogueira". domlnio não explorado, e
Benjamim Abdala Júnior decidiu denominá-Ia Semân-
tica.

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BolelimlCESP v.u 11.15, jall.Ij"". 1993

A "nova" ciência tinha como preside às mudanças da


objeto estudar as mudanças de linguagem, relegando quais-
significado, de conformidade quer outras causas que ele
com algumas linhas, às quais considerava secundárias.
Bréal chamou de leis Intelec- Com o advento da LingOfs-
tuais da linguagem. tica Moderna, a obra de Bréal
Assim apresentado, o foi temporariamente esquecida
Ensaio de Semântica que abri- e considerada apenas como
ga o pensamento brealino seria mais uma obra de história das
apenas uma continuação da palavras.
proposta de Reisig, vale dizer, As dicotomias estabeleci-
as mudanças de significado das por Saussure - diacronial
classificam-se segundo crité- sincronia, Iingua/fala - abriram
rios lógicos, sociais, psicoló- o caminho para uma nova con-
gicos, etc., excluindo, ou pele cepção da semântica, que cer-
menos, minimizando a inten- tamente não comportava a
ção do falante de provocá-Ias; visão dos estudos preceden-
seria, com certeza, apenas tes, sobretudo porque se
mais uma análise de cunho passou do enfoque da palavra
histórico. isolada ao da palavra no
a grande mérito de Bréal, sistema. a curso de LingOfs-
ainda que tenha adotado uma tica Geral tornou-se o marco
visão acentuadamente histori- entre o que se fez e o que
cista, é apresentar - e neste poderia ser feito nos estudos
particular é inovador - a semânticos. Balizada nos seus
posição do falante agindo preceitos, a pesquisa IingOfs-
diretamente sobre as mudan- tica alcançou, nas últimas
ças de sentido e capaz de décadas, resultados notáveis.
nelas interferir. Há de se convir, no entanto,
a Ensaio de Semântica, que que, centrada nas questões da
compreende três partes nas Iingua, a investigaç~o IIngOls-
quais se distribuem vinte e seis tica bem mais recentemente é
capltulos, apresenta ainda que passou ao âmbito das
quatro pequenos ensaios que questões da fala.
lhe foram anexados pelo Autor. É importante ressaltar: na
Questões importantes para fala situam-se pontos-chave
a teoria semântica têm, em das mudanças de significado,
vários aspectos, tratamento da produção de sentido, senti-
surpreendentemente moderno, do que não se faz exclusiva-
como é o caso da matéria mente no sistema, mas se
relacionada com a transferên- exerce através do sujeito e da
cia do sentido. História.
Mesmo que muitas observa- Eis um motivo suficiente
ções não possam chegar a para a leitura de Bréal.
qualquer sistematização, é
importante notar que Bréal não II - A tradução:
descarta, ao longo dos capltu- Numa feliz iniciativa do
los, a vontade humana que OLlIELlUnicamp, veio a

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Bolellm/CESP v.U n.15, jan.ljun.1993

público, no ano passado, a estudiosos uma obra notável


primeira tradução, para o que, mesmo não tendo os seus
português, do Essal de preceitos inteiramente acolhi-
Sémantlqu8, de Michel Bréal, dos pela LingOlstica Moderna,
editado na França em 1897. há de ser, como afirma o Pro-
A tradução tem o grande fessor Eduardo Guimarães, um
mérito de possibilitar um ponto de apoio para algumas
reconhecimento das propostas das questões discutidas hoje.
de Bréal, esquecidas por
décadas, e que poderão, de Clara Grlmaldi Eleazaro
alguma forma, subsidiar a
pesquisa semântica atual. O
trabalho se enriquece com o Temas portugueses e
excelente ensaio do Prof. brasileiros. TRIGUEIROS,
Eduardo Guimarães, feito à
guisa de apresentação. t.uís Forjaz & DUARTE,
Quanto à tradução em si, Lélia Parreira (org).
vale observar: na obra originai Usboa: Ministério da Educação,
apresentam-se, como ilustra- Instituto de Cultura e Lfngua Por-
ção, expressões e citações tuguesa, 1992.
latinas e gregas, nem sempre
acompanhadas da respectiva Dlflcll trabalho de seleção o
tradução, o que parece normal, realizado pelos organizadores
tendo em vista o predomlnlo desta excelente coletânea de
das IInguas clássicas na temas portugueses e brasilei-
cultura da época. ros, idealizada pelo ex-
Admita-se, porém, que é Presidente do Instituto de
bem outra a situação de hoje e Cultura e Lfngua Portuguesa,
não são muitos aqueles que, professor Doutor Fernando
sem dificuldade, poderão Crist6vio. No universo amplo e
perceber o significado dos variado das publicações
exemplos cléssicos citados, os relativas aos dois palses, de
quais, na maioria, têm impor- autoria portuguesa e brasi- r
tãncia capital para a completa leira, imposslvel a abrangência
apreensão do texto. desejada e a não Interferência
Como os tradutores se da subjetividade.
preocuparam, inclusive, com a
tradução de exemplos do Uma Antologia é sempre,
francês, Irngua moderna que de certo modo - observa na
muitos dominam, seria interes- Introduçio o organizador da
sa nte e proveitoso q ue se parte portuguesa dedicada a
fizesse também a tradução das temas brasileiros - obra
ilustrações greco-Iatlnas numa subjectiva que expõe o autor
seguramente pr6xima edição a inevitáveis criticas. Neste
do trabalho. caso admito que o risco seja
A "lacuna não desmerece a bem menor, pois uma fina-
tradução. O importante, decer- lidade expressa esteve na
to, foi trazer ao alcance dos sua origem como atrás se

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