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E.T.

, saudações 29/09/2019 10'42

EDIÇÃO 134 | NOVEMBRO_2017

questões alienígenas

E.T., SAUDAÇÕES
Corremos riscos ao tentar contato com os extraterrestres?
STEVEN JOHNSON

Os sinais enviados da Terra para outras civilizações da Via Láctea são motivo de preocupação para alguns: e se eles
tiverem como resposta um raio da morte ou um exército de ocupação? IMAGEM: BETTMANN_GETTYIMAGES

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o dia 16 de novembro de 1974, astrônomos, autoridades do
governo e outros dignitários se reuniram a noroeste de San
Juan, a capital de Porto Rico. O observatório de Arecibo, à
época o maior radiotelescópio do mundo, seria reaberto. Encaixada
na selva, a estrutura gigantesca – uma antena de concreto e alumínio
com diâmetro equivalente à altura da Torre Eiffel – fora reformada
para melhorar sua resistência aos furacões e multiplicar por dez a
precisão de suas imagens.

Para celebrar o evento, os astrônomos capacitaram a máquina, que


captava emissões do cosmos, para emitir, pelo menos por alguns
instantes, comunicações interestelares. Feitos os discursos, sentaram-
se todos em silêncio; no calor pegajoso da tarde, um sistema de alto-
falantes repercutiu por quase três minutos uma alternância de duas
notas. O padrão era indecifrável, mas muita gente chorou.

Os 168 segundos de som – conhecidos como a mensagem de Arecibo


– foram concebidos por Frank Drake, o astrônomo que dirigia a
organização responsável pelo observatório. Era o primeiro recado
intencional de um ser humano endereçado a outro sistema solar. A

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mensagem fora traduzida em sons a fim de que os convidados


testemunhassem algo, mas o verdadeiro veículo foi um pulso
silencioso e invisível de ondas de rádio, viajando à velocidade da luz.

A maioria dos presentes reconheceu na transmissão uma prova de


esperança, uma mensagem na garrafa lançada às profundezas
oceânicas do espaço. Poucos dias depois, no entanto, Martin Ryle, o
astrônomo real britânico, condenou com unhas e dentes a iniciativa:
avisar que existíamos nos expunha ao risco de uma catástrofe. E
exigiu que a União Astronômica Internacional reprovasse a
mensagem de Drake e proibisse qualquer tentativa de comunicação.

H
oje, passadas quatro décadas, ainda não sabemos se os temores
de Ryle se justificavam: a mensagem de Arecibo se encontra a
muitos anos-luz de seu destino, um aglomerado com cerca de
300 mil estrelas conhecido como M13. No verão do hemisfério Norte,
é possível enxergar a constelação de Hércules – são 21 estrelas que
parecem desenhar um homem de braços estendidos, talvez ajoelhado.
Se percorrêssemos os 400 trilhões de quilômetros que nos separam
dessas estrelas, mesmo depois de deixar muito para trás nosso
sistema solar, só teríamos completado uma fração mínima do
caminho até o M13. Mas, se de algum modo pudéssemos ligar um
aparelho de radio-amador e sintonizá-lo na frequência de 2 380 MHz,
conseguiríamos captar a mensagem em pleno voo: uma longa série de
pulsos rítmicos, mais precisamente em número de 1 679, com uma
estrutura clara e repetitiva, logo identificável como produto da vida
inteligente.

São escassas as iniciativas de comunicação com formas de vida


externas ao planeta. A mais famosa – um disco audiovisual folheado

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a ouro, com saudações multilíngues e outros produtos da civilização


– está a bordo da Voyager I, que só ultrapassou os limites do nosso
sistema solar há poucos anos, viajando à velocidade relativamente
arrastada de 38 mil quilômetros por hora. Em contraste, ao final dos
três minutos de transmissão da mensagem de Arecibo, seus pulsos
iniciais já alcançavam a órbita de Marte. A mensagem inteira saiu do
sistema solar em menos de um dia.

É verdade que alguns sinais emanados pela atividade humana já


chegaram mais longe graças à vazão incidental de transmissões de
rádio e televisão. Este é um dos pontos-chave do romance Contato, de
Carl Sagan, em que uma civilização alienígena detecta a existência de
seres humanos por meio das transmissões televisivas dos Jogos
Olímpicos de Berlim, com direito a trechos do discurso de Hitler.
Esses sinais – imagens granuladas de Jesse Owens, programas
infantis e audiências do senador McCarthy – já foram parar muito
mais longe que os pulsos de Arecibo. Mas ao longo dos quarenta anos
transcorridos desde que Drake transmitiu sua mensagem, só pouco
mais de uma dúzia de mensagens intencionais foram enviadas às
estrelas, entre elas uma transmissão dos Beatles cantando Across the
Universe. (E só nos resta esperar que os alienígenas, caso existam,
ouçam os Beatles antes de Hitler.)

Na era dos radiotelescópios, os cientistas têm investido muito mais na


procura de sinais de outras formas de vida. O próprio Drake é mais
conhecido por ter iniciado a busca de inteligência extraterrestre – ou
Seti, acrônimo de Search for Extraterrestrial Intelligence –, há pouco
menos de sessenta anos, quando examinou duas estrelas na tentativa
de descobrir ondas de rádio estruturadas. Hoje, o Instituto Seti,
organismo sem fins lucrativos, supervisiona uma rede de telescópios
e computadores sempre à cata de sinais de inteligência vindos das
profundezas do espaço. Um novo projeto, o Breakthrough Listen, em

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moldes semelhantes ao Seti e financiado por 100 milhões de dólares


doados pelo bilionário russo Yuri Milner, promete um aumento
substancial de nossa capacidade de detectar sinais de vida inteligente.
Contamos com mais caixas de correio interestelares do que em
qualquer outro momento, à espera da primeira carta. No entanto, até
data bem recente, demonstrávamos pouco interesse em enviar
correspondência produzida de próprio punho.

Essa fase de relativo silêncio pode estar com os dias contados. Um


grupo recém-formado, conhecido como Meti (de Messaging
Extraterrestrial Intelligence, mensagens para inteligência extraterrestre),
comandado por um cientista que já esteve envolvido no Seti, Douglas
Vakoch, está planejando uma série contínua de mensagens a partir de
2018. E o Breakthrough Listen também se comprometeu a apoiar um
programa paralelo, o Breakthrough Message, para a criação das
mensagens que transmitiremos às estrelas. Esses planos, porém,
encontram certa resistência. Luminares como Elon Musk e Stephen
Hawking advertem que o melhor caminho para abordar a questão da
vida extraterrestre talvez não seja por aí, na base de fazer amizade.
Uma civilização alienígena adiantada pode muito bem responder com
a afabilidade demonstrada por Hernán Cortés diante dos astecas.

Se acreditarmos que essas transmissões têm chance de contatar uma


inteligência extraterrestre, a decisão de enviá-las deve ser encarada
como uma das mais importantes escolhas que faremos como espécie.
Preferimos uma postura introvertida, amontoando-nos atrás da porta
enquanto tentamos captar sinais de vida fora da Terra? Ou optamos
por uma atitude extrovertida, tomando a iniciativa de puxar
conversa?

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o esplendor desmobilizado do Forte Mason, ao norte de São
Francisco, fica o Interval, um bar e espaço de eventos gerido
pela Long Now Foundation, a Fundação Longo Agora, criada
pelo escritor e ambientalista Stewart Brand e o músico Brian Eno,
entre outros. Com o objetivo de discutir ideias associadas a prazos
muito longos, seu plano mais conhecido talvez seja criar um relógio
mecânico que marque o tempo por 10 mil anos.

O Interval se mostrou um cenário adequado para conhecer Doug


Vakoch, seja porque a Long Now vem assessorando o Meti, seja
porque o conceito de mensagens interestelares é o epítome da tomada
de decisões a longuíssimo prazo: é possível que o envio de
mensagens para o espaço não gere resultados significativos nos
próximos mil anos, ou 100 mil.

Perguntei a Vakoch como ele chegara à sua vocação. “Eu gostava de


ciência, mas não conseguia me decidir por uma”, ele disse. Depois de
algum tempo, ele soube que existia um campo novo, a exobiologia
(ou astrobiologia), que especulava sobre as formas que a vida poderia
assumir em outros planetas. Os exobiólogos precisam ser versados na
astrofísica de estrelas e planetas; nas reações químicas que podem
capturar e armazenar energia nesses organismos hipotéticos; na
climatologia que explique os sistemas meteorológicos dos planetas
potencialmente compatíveis com a vida; e nas formas biológicas com
potencial de evoluir nesses ambientes. A exobiologia dispensava
Vakoch de se fixar em apenas uma área: “Quando se cogita sobre a
vida fora da Terra, transita-se por todas as disciplinas.”

Desde a escola secundária, na década de 70, ele já pensava em modos


de comunicação com um organismo evoluído em outro planeta,
questão que inspirou um campo relativamente obscuro da
exobiologia, a exossemiótica. Àquela época, a radioastronomia já
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havia se desenvolvido o bastante para permitir que a exossemiótica,


então um refinado exercício intelectual, pudesse ter alguma aplicação.
Ainda na escola, Vakoch finalizou um projeto extracurricular que
envolvia línguas interestelares; e continuou a explorar esse campo ao
longo dos estudos superiores, concluídos com um diploma de religião
comparada. “A questão que sempre me atraiu e me manteve
interessado é o desafio de criar uma mensagem compreensível”, ele
disse. Depois da graduação, completou um curso de psicologia
clínica, que a seu ver poderia ajudá-lo a entender melhor a mente de
algum organismo desconhecido em outro ponto do universo. E, se a
paixão exossemiótica o conduzisse a um beco sem saída em termos
profissionais, ele poderia atuar como psicólogo.

Enquanto Vakoch cursava sua pós-graduação, o Seti, até então um


programa da Nasa sustentado por fundos governamentais, se
convertia em uma organização independente sem fins lucrativos,
bancada em parte por novas fortunas surgidas no setor de tecnologia.
Vakoch se mudou para a Califórnia e entrou para o Seti em 1999. Nos
anos seguintes, ele e outros cientistas começaram a explicitar a
intenção de também enviar mensagens: a abordagem “passiva” era
essencial, mas um Seti “ativo” aumentaria a probabilidade de contato.
Temendo pôr em risco suas fontes de financiamento, o conselho
diretor resistia. Ao cabo de algum tempo, Vakoch decidiu formar
uma organização internacional própria, o Meti, com uma equipe
multidisciplinar da qual fazem parte o ex-historiador-chefe da Nasa,
Steven J. Dick, a historiadora da ciência de origem francesa Florence
Raulin-Cerceau, o ecologista indiano Abhik Gupta e o antropólogo
canadense Jerome H. Barkow.

A retomada do interesse em enviar mensagens foi aguçada pela


descoberta de novos planetas. Hoje sabemos que o universo está
repleto de planetas que ocupam a zona teoricamente habitável

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apelidada pelos exobiólogos de “Zona Cachinhos de Ouro”, numa


referência à história infantil da menina que se perde na floresta e vai
parar na casa de uma família de ursos: nem frios nem quentes
demais, com a temperatura superficial “no ponto certo” para a
existência de água em estado líquido. No início da carreira de Drake,
na década de 50, nenhum planeta havia sido observado fora do nosso
sistema solar. “Hoje sabemos que praticamente toda estrela é rodeada
de planetas”, Vakoch afirma, e acrescenta que “talvez um quinto
dessas estrelas possuam planetas potencialmente habitáveis.”

Quando Frank Drake e Carl Sagan cogitavam as primeiras


transmissões para o espaço, na década de 60, eles propunham uma
abordagem equivalente à proverbial mensagem na garrafa. Se, hoje,
não conhecemos os endereços exatos dos planetas onde a vida é
provável, já identificamos CEPs bastante promissores. O
descobrimento recente dos planetas de Trappist-1, três dos quais
potencialmente habitáveis, produziu grande animação, inclusive
porque esses planetas, em termos relativos, ficam muito perto daqui,
a apenas 40 anos-luz de distância. Se por acaso a mensagem de
Arecibo encontrar uma civilização avançada no aglomerado M13, só
iremos receber uma resposta dentro de no mínimo 50 mil anos. No
entanto, uma mensagem encaminhada diretamente ao sistema de
Trappist-1 pode nos valer uma resposta ainda antes do final do
século.

F
rank Drake, hoje com 87 anos, vive com a mulher numa floresta
de sequoias ao sul de São Francisco. O acesso à sua casa
contorna uma sequoia com mais de 2 metros de diâmetro.
Assim que desci do carro, pensei no longo agora: o homem que
manda mensagens com um trânsito potencial de 50 mil anos vive

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cercado de árvores que devem ter brotado pelo menos há mil anos.

Quando começamos a conversar sobre Arecibo, Drake, aposentado


havia mais de uma década, incendiou-se com a lembrança. “Íamos
inaugurar aquele colosso e me pediram para organizar uma
cerimônia grandiosa”, ele contou. “Bem, para tanto era preciso um
momento memorável. E o que poderíamos fazer de mais espetacular?
Mandar uma mensagem!”

Mas como se dirigir a uma forma de vida que pode ou não existir, e
sobre a qual só se sabe que teria evoluído em algum ponto da Via
Láctea? O primeiro passo é explicar como sua mensagem deve ser
lida, o que em exossemiótica se conhece por primer, “cartilha”. Na
Terra, você aponta para uma vaca e diz “vaca”. As placas que a Nasa
enviou para o espaço a bordo da Pioneer e da Voyager, por serem
objetos físicos, podiam conter informações visuais, o que permitiria a
conexão entre as palavras e os objetos a que se referem. Você desenha
uma vaca, escreve ao lado a palavra “vaca” e aos poucos uma
linguagem se esboça. Objetos físicos, no entanto, não têm como se
deslocar a uma velocidade que os transporte a um destinatário
potencial numa escala de tempo praticável. Para chegar ao outro lado
da Via Láctea, será necessário recorrer a ondas eletromagnéticas.

Como, porém, apontar para alguma coisa com uma onda de rádio?
Mesmo que você inventasse um modo de indicar a imagem de uma
vaca usando sinais eletromagnéticos, os alienígenas não terão vacas
em seu mundo, e o mais provável é que a referência não lhes diga
nada. Assim, você precisa pensar muito para encontrar algo que
nossos hipotéticos amigos do sistema de Trappist-1 possam ter em
comum conosco. Se a civilização deles for avançada a ponto de
reconhecer dados estruturados em ondas de rádio, eles devem
compartilhar conosco muitos conceitos científicos e tecnológicos. Se

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forem capazes de receber nossa mensagem, isto significa que sabem


detectar perturbações estruturadas no espectro eletromagnético, o
que significa um razoável entendimento do que seja o espectro
eletromagnético.

O segredo, então, é simplesmente iniciar a conversa. Drake supôs que


alienígenas inteligentes possuiriam o conceito dos números naturais:
1, 3, 10 etc. E, se conhecem os números, é bem provável que dominem
o resto do que conhecemos como aritmética ou matemática básica:
soma, subtração, multiplicação, divisão. Se conhecem a multiplicação
e a divisão, hão de entender o conceito de números primos – o
número primo é aquele que só é divisível por si mesmo e por 1. (Em
Contato, a mensagem alienígena interceptada na Terra começa com
uma longa sequência de números primos: 1, 2, 3, 5, 7, 11, 13, 17, 19,
23…) Muitos objetos no espaço, como os pulsares, emitem sinais de
rádio com certa periodicidade: clarões de atividade magnética que
surgem e desaparecem a intervalos regulares. Os números primos,
contudo, são um sinal que indica vida inteligente. “A natureza nunca
emprega números primos”, diz Drake. “Mas os matemáticos sim.”

A mensagem de Arecibo criada por Drake utilizava um parente


próximo dos números primos. Ele decidiu enviar exatamente 1 679
pulsos, porque 1 679 é um número semiprimo: só pode ser formado
pela multiplicação de dois números primos, no caso 73 e 23. Drake
usou esse expediente matemático para transformar seus pulsos de
energia eletromagnética num sistema visual. Para simplificar sua
abordagem, imagine que você receba uma mensagem composta por
dez letras x e cinco letras o: xoxoxxxxoxxoxox. Você percebe que o
número 15 é um semiprimo, e organiza os números numa grade de 3
por 5, deixando as letras o (ou zeros) como espaços em branco. O
resultado é o seguinte:

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x x x

xxx x

x x x

Se você for um falante do inglês, poderá reconhecer uma saudação, a


palavra hi, mapeada apenas com o uso de uma linguagem binária de
estados ligado-desligado. E Drake adotou a mesma abordagem, só
que usando um semiprimo muito maior, que exigiu uma grade de 23
por 73 para enviar uma mensagem bem mais complexa. Como seus
correspondentes imaginários em M13 podem não entender as línguas
humanas, Drake preencheu a grade com uma combinação de
referentes matemáticos e visuais. O alto da grade contém os números
de 1 a 10 em código binário – anunciando aos alienígenas que, dali em
diante, os números seriam representados com esses símbolos.

Depois de estabelecer uma forma de contar, Drake associou o


conceito desses números a referências que os habitantes de M13
devem ter em comum conosco. Para essa etapa, codificou os números
atômicos de cinco elementos: hidrogênio, carbono, nitrogênio,
oxigênio e fósforo, os blocos constituintes do dna. Outras partes da
mensagem tinham uma orientação mais visual. Drake usou os pulsos
ligado-desligado do sinal de rádio para “desenhar” a imagem
pixelada de um corpo humano. Incluiu ainda um esboço do nosso
sistema solar e do próprio telescópio de Arecibo. E a mensagem dizia:
“É assim que contamos; somos feitos disso; é daqui que viemos; esta é
a nossa aparência; e esta é a tecnologia que usamos para lhes enviar a
presente mensagem.”

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or mais inventiva que fosse a exossemiótica de Drake em 1974,
a mensagem de Arecibo era, em última instância, muito mais
uma prova de conceito que uma tentativa autêntica de contato,
como Drake é o primeiro a admitir. Antes de mais nada, os 25 mil
anos-luz que nos separam do aglomerado M13 levantam uma dúvida
legítima quanto à mera possibilidade de ainda existirem seres
humanos – ou reconhecivelmente humanos – no momento em que a
resposta chegar. A escolha do ponto de destino da mensagem foi
arbitrária. Já o projeto Meti pretende visar planetas próximos em
zonas habitáveis.

Um dos mais recentes planetas incluídos nessa lista está na órbita da


estrela Gliese 411, uma anã vermelha situada a 8 anos-luz da Terra.
Num fim de tarde de primavera nas montanhas de Oakland,
enquanto nosso próprio sol se punha por trás da ponte Golden Gate,
Vakoch e eu nos encontramos num dos observatórios do Chabot
Space & Science Center para dar uma olhada na Gliese 411. A meia-
lua alta no céu reduzia nossa visibilidade, porém não a ponto de me
privar a visão do tênue brilho cor de tangerina da estrela, um ponto
isolado de luz borrada que percorreu quase 80 trilhões de
quilômetros pelo universo até pousar na minha retina. Mesmo com a
potência do telescópio de Oakland, não havia meio de localizar algum
planeta orbitando a anã vermelha. Ainda assim, em fevereiro deste
ano, no topo do vulcão extinto Mauna Kea, no Havaí, uma equipe de
astrônomos munidos do telescópio Keck I anunciou que detectara, na
órbita de Gliese, uma “superterra”, um planeta rochoso e quente
maior do que o nosso.

O grupo Meti aspira a um desempenho superior ao da mensagem de


Arecibo não só mirando planetas específicos, como essa superterra ao
redor de Gliese, mas reformulando a própria natureza da mensagem.
“A concepção original de Drake se baseia na hipótese de que toda
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vida inteligente é dotada de visão”, disse Vakoch. Diagramas visuais


– formados por grades de semiprimos ou gravados em placas de
metal – nos parecem uma forma quase obrigatória de codificar os
dados a transmitir, já que os humanos, por acaso, são dotados de um
sentido visual de acuidade fora do comum. No entanto, pode ser que
os alienígenas tenham seguido um rumo evolutivo diferente,
construindo uma civilização tecnologicamente avançada com base
numa inteligência apoiada em outro sentido: a audição, por exemplo,
ou alguma outra maneira de distinguir o mundo ao redor, para a qual
sequer existe equivalente entre os terráqueos.

Como costuma ocorrer nas discussões dos programas Seti e Meti, a


questão das mensagens visuais nos leva a uma reflexão mais
profunda, neste caso sobre a conexão entre inteligência e acuidade
visual. Não por acaso, por tantas vezes os olhos tiveram um
desenvolvimento independente ao longo da vida na Terra, já que a
luz transmite informação de forma muito mais rápida que qualquer
outro canal. E essa vantagem na velocidade de transmissão pode
muito bem se aplicar a outros planetas da zona habitável, mesmo
situados do outro lado da Via Láctea. Assim, parece plausível que
outras criaturas inteligentes também tenham evoluído com alguma
espécie de sistema visual.

No entanto, mais universal que a visão seria a experiência do tempo.


A obra de Hans Freudenthal, Lincos: Design of a Language for Cosmic
Intercourse [Lincos: Criação de uma Língua para Relações Cósmicas], um
livro seminal de exossemiótica publicado mais de meio século atrás,
atribuía um peso imenso a sinais temporais em seu estágio de
“cartilha”. Vakoch e seus colaboradores recorreram à linguagem de
Freudenthal em seus primeiros esboços de mensagem. Em Lincos –
abreviação do latim lingua cosmica –, a duração é usada como bloco
constitutivo fundamental. Um pulso de certa duração (digamos, em

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termos humanos, um segundo) é seguido por uma série de pulsos que


significa a “palavra” usada para um; um pulso com a duração de seis
segundos é seguido pela “palavra” seis. As palavras usadas para
descrever as propriedades matemáticas básicas podem ser formadas
pela combinação de pulsos de diferentes durações. A propriedade da
adição, por exemplo, pode ser demonstrada pelo envio das
“palavras” três e seis e, em seguida, um pulso com a duração de nove
segundos. “É uma forma de indicar objetos sem nada à nossa frente”,
explica Vakoch.

Outros entusiastas do envio de mensagens acham que não precisamos


nos preocupar com cartilhas ou referentes comuns. “Não faz sentido
transmitir relações matemáticas, o valor do número pi, números
primos ou a sequência de Fibonacci”, declarou o astrônomo-chefe do
Seti, Seth Shostak, num livro de 2009. “Se a ideia é emitir uma
mensagem da Terra, proponho simplesmente conectar os servidores
do Google ao transmissor. Mandar toda a World Wide Web para os
alienígenas levaria mais ou menos seis meses; se usarmos lasers
infravermelhos, podemos encurtar esse tempo para não mais que dois
dias.” Shostak acredita que a simples enormidade dos dados
transmitidos capacitaria os alienígenas a decifrá-los. Existe um
precedente para essa ideia na história dos arqueólogos estudiosos de
línguas mortas: o código mais difícil de decifrar é sempre o que
possui menos fragmentos.

Transmitir a totalidade do Google seria uma continuação lógica da


mensagem de Drake em 1974, se não em termos de codificação, pelo
menos no que diz respeito ao conteúdo. “O problema da mensagem
de Arecibo é que, num certo sentido, ela é breve, mas sua pretensão é
enciclopédica”, Vakoch disse enquanto esperávamos o céu escurecer
acima das montanhas de Oakland. “E uma das hipóteses que estamos
considerando para a nossa transmissão é o extremo oposto. Não

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seremos enciclopédicos, e sim seletivos. Em vez de propor esse


mergulho num imenso mar de dados digitais, tentar obter uma
solução elegante. Parte do processo é decidir quais são os conceitos
mais fundamentais de que precisamos.” Existe algo de provocativo na
questão com que Vakoch se debate aqui: de todas as muitas
manifestações das nossas realizações como espécie, qual é a
mensagem mais simples que podemos criar para dizer que somos
interessantes, merecedores de uma resposta interestelar?

Para os críticos do Meti, porém, o que deveria estar nos preocupando


é a forma que a resposta pode assumir: um raio da morte, ou um
exército de ocupação.

A
ntes de Doug Vakoch dar entrada nos papéis para fundar a
organização sem fins lucrativos Meti International, em julho de
2015, uma dúzia de luminares de ciência e tecnologia, entre eles
Elon Musk, da SpaceX, assinou uma declaração opondo-se
categoricamente ao projeto, pelo menos sem um debate em escala
planetária. “Enviar sinais para outras civilizações da Via Láctea causa
preocupação a todos os habitantes da Terra, tanto em relação à
mensagem quanto às consequências desse contato. Antes de mais
nada, urge ocorrer, em escala mundial, uma discussão científica,
política e humanitária.”

Um dos signatários foi David Brin, astrônomo e escritor de ficção


científica que vem conduzindo uma série de discussões vivas mas
cordiais com Vakoch. “Simplesmente não acredito que alguém deva
submeter nossos filhos a um fato consumado com base em hipóteses e
suposições que jamais foram postas à prova nem submetidas à
revisão crítica entre pares”, disse, durante uma conversa por Skype –

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ele estava em seu escritório, no sul da Califórnia. “Se você quer fazer
alguma coisa que vai mudar alguns dos parâmetros observáveis
fundamentais do nosso sistema solar, que tal promover uma
avaliação prévia do impacto ambiental?”

O movimento anti-Meti se escora numa probabilidade estatística


sombria: se um dia conseguirmos entrar em contato com outra forma
de vida inteligente, então, quase por definição, nossos novos amigos
serão bem mais avançados do que nós. A melhor maneira de entender
esse argumento é considerar, numa base percentual, o quanto na
verdade nossa civilização de alta tecnologia é jovem. Só começamos a
emitir sinais estruturados de rádio da Terra mais ou menos nos
últimos 100 anos. Se o universo tiver exatamente 14 bilhões de anos
de idade, então nosso planeta terá levado 13 999 999 900 anos para
dominar a comunicação pelo rádio. A probabilidade de nossa
mensagem chegar a uma sociedade que venha usando o rádio por um
período de tempo mais curto, ou mesmo similar, é absurdamente
pequena. Imagine outro planeta cujo ritmo evolutivo seja apenas um
décimo de 1% diferente do nosso: se estiverem mais avançados, já
estarão usando o rádio (e as tecnologias que o sucederam) há 14
milhões de anos. Claro que, dependendo de onde vivam no universo,
seus sinais podem levar milhões de anos para chegar a nós. Mas
mesmo considerando essa demora na transmissão, o mais provável,
no caso de captarmos um sinal de outra galáxia, é que nos vejamos
em conversa com uma civilização mais avançada.

Foi essa assimetria que convenceu tantos de que o Meti não é uma
boa ideia. A história da exploração colonial aqui na Terra pesa para os
críticos do Meti. Stephen Hawking, por exemplo, fez a seguinte
observação numa série de documentários de 2010: “Se alienígenas
viessem nos visitar, o resultado seria similar ao desembarque de
Colombo, que não deu nada certo para os nativos do continente.” E

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David Brin faz eco à crítica de Hawking: “Todos os casos que


conhecemos de contato entre uma cultura tecnologicamente mais
adiantada e uma de menor avanço resultaram, no mínimo, em muito
sofrimento.”

Os defensores do Meti rebatem as críticas. Primeiro, o cavalo já saiu


da cocheira, uma vez que há décadas deixamos “vazar” ondas de
rádio na forma de transmissões de tevê – tanto de telejornais quanto
de indigentes programas infantis – e, como outras civilizações podem
ser muito mais adiantadas que a nossa e, assim, capazes de detectar
até os sinais mais fracos, parece provável que sejamos visíveis para
alguns extraterrestres. “Pode ser que haja muito mais civilizações no
universo e que existam habitantes inclusive em planetas próximos,
mas até agora eles se limitam a nos observar”, afirma Vakoch. “É
como se vivêssemos em algum zoológico galáctico, e eles nos vissem
como zebras conversando umas com as outras. E se num dado
momento uma dessas zebras se vira para você e, com os cascos,
começa a riscar a sequência dos números primos? Você vai se
relacionar com ela de outra maneira!”

Brin considera perigoso esse argumento por subestimar a diferença


de uma transmissão Meti, com alta potência e alvo definido, do
extravasamento passivo de sinais de rádio e tevê muito mais difíceis
de detectar. “Imagine o seguinte: você quer se comunicar com um
acampamento de escoteiros do outro lado do lago, daí se ajoelha na
margem e começa a bater na água em código Morse”, ele diz. “Se
forem escoteiros de espetacular competência tecnológica, e se por
acaso também estiverem olhando na sua direção, podem construir
instrumentos para filtrar e tornar mais claros seus sinais. Então você
pega o seu ponteiro laser e aponta para o cais do lago do lado deles. E
é exatamente esta a diferença de ordem de grandeza entre captar
reprises de I Love Lucy da década de 80, quando chegamos ao auge do

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ruído nas telecomunicações, e a transmissão que esses caras querem


fazer.”

Os defensores do Meti também afirmam que uma invasão ao estilo


dos klingons, de Jornada nas Estrelas, é altamente implausível, tendo
em vista as distâncias envolvidas. Se as civilizações avançadas fossem
capazes de se transportar galáxia afora à velocidade da luz, já
teríamos esbarrado com elas. A situação mais provável é que apenas
as comunicações possam viajar tão depressa, de modo que, na
verdade, a presença malévola em algum planeta distante só poderá
responder nos mandando sua versão de mensagens de ódio. Os
críticos do projeto, porém, não veem fundamento nessa sensação de
segurança. Num artigo para a revista Scientific American, o ex-
presidente do conselho do Instituto Seti, John Gertz, afirma que “uma
civilização mal-intencionada e apenas um pouco mais desenvolvida
do que a nossa pode estar apta a aniquilar a Terra, lançando um
pequeno projétil com uma toxina autorreplicável ou máquinas
microscópicas habilitadas a se reproduzir e consumir toda a matéria
do planeta; ou um míssil viajando a uma porcentagem apreciável da
velocidade da luz; ou então algum armamento que nem sequer
imaginamos.”

Para Brin, nosso progresso tecnológico pode sinalizar o estágio de


uma civilização mais adiantada em termos de combate interestelar: “É
possível que, dentro de apenas cinquenta anos, possamos criar um
foguete de antimatéria apto a transportar um projétil substancial de
vários quilogramas, à metade da velocidade da luz, com a trajetória
calculada para interceptar a órbita de um planeta a 10 anos-luz de
distância.” E esses poucos quilos bastariam, numa colisão a tal
velocidade, para produzir uma explosão muito maior que as
detonações combinadas de Hiroshima e Nagasaki. “E se nós seremos
capazes disso daqui a cinquenta anos, imagine o que outros poderão

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fazer, e isso sem desobedecer a Einstein ou às leis da física.”

O mais interessante é que o próprio Frank Drake não apoia os


esforços do Meti, embora não tema os hipotéticos conquistadores
interestelares de que falam Hawking e Musk. “O tempo todo
mandamos mensagens, a troco de nada”, ele diz. “Já existe uma
imensa concha de sinais à nossa volta, com um diâmetro de 80 anos-
luz. Uma civilização só um pouco mais avançada que a nossa há de
estar habilitada a captar tudo isso. A questão, portanto, é que já
estamos emitindo copiosas informações sobre nós.” Drake acredita
que o mesmo deva acontecer com qualquer civilização adiantada em
outro planeta, de modo que cientistas como Vakoch deveriam se
dedicar a captar esses sinais, em vez de se preocupar com uma
resposta. O Meti irá consumir recursos, diz Drake, que seriam “muito
mais bem gastos na captação, e não no envio”.

O
s críticos do Meti, é claro, podem estar certos quanto à
assustadora sofisticação dessas outras civilizações,
presumivelmente mais antigas que a nossa; podem estar
enganados, porém, quanto à provável natureza da resposta delas.
Sim, elas talvez possam disparar projéteis do outro lado da galáxia a
um quarto da velocidade da luz. Mas sua longevidade também
sugere que descobriram como evitar a autodestruição em escala
planetária. Como afirmou Steven Pinker, os humanos vêm se
tornando cada vez menos violentos ao longo dos últimos 500 anos; as
mortes per capita ocasionadas por conflitos militares chegaram
provavelmente ao número mais baixo de todos os tempos. Não será
esse um padrão recorrente em todo o universo, desdobrando-se numa
escala de tempo muito maior – quanto mais antiga uma civilização,
menos belicosa ela se torna? E, nesse caso, se conseguirmos mandar

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uma mensagem aos extraterrestres, talvez de fato eles venham a nós


em paz.

Esse tipo de questão nos conduz inevitavelmente aos dois exercícios


intelectuais fundamentais em que se basearam o Seti e o Meti: o
Paradoxo de Fermi e a Equação de Drake. O paradoxo, formulado
pelo físico italiano e prêmio Nobel Enrico Fermi, parte da hipótese de
que o universo contém um número inconcebivelmente grande de
estrelas, das quais uma porcentagem significativa tem planetas em
sua órbita na faixa considerada habitável. Se vida inteligente emergir
numa fração ínfima desses planetas, o universo fervilharia de
civilizações adiantadas. Ainda assim, até os dias de hoje, não vimos
indício dessas civilizações, mesmo depois de várias décadas
esquadrinhando os céus com as pesquisas do Instituto Seti. A
pergunta de Fermi, surgida, ao que parece, num almoço em Los
Alamos, no início dos anos 50, era simples: “Onde está todo mundo?”

A Equação de Drake tenta responder a esta pergunta e data de um


dos grandes encontros acadêmicos de toda a história da astronomia:
uma conferência realizada em 1961 no Observatório Nacional de
Radioastronomia, em Green Bank, na Virginia Ocidental, reunindo
Frank Drake, Carl Sagan, então com 26 anos, e o estudioso dos
golfinhos (e mais tarde psiconauta) John Lilly, entre outros. Durante o
encontro, Drake falou de suas reflexões sobre o Paradoxo de Fermi,
formuladas como uma equação. Se começássemos a esquadrinhar o
cosmos em busca de sinais de vida inteligente, Drake perguntava,
qual seria a probabilidade de realmente detectar alguma coisa? A
equação não gera uma resposta clara, porque o valor de quase todas
as variáveis, desconhecido à época, continua em grande parte
desconhecido meio século mais tarde. Mas ainda assim a equação
teve um efeito esclarecedor. Em forma matemática, seu enunciado é o
seguinte:

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N = R* x fp x ne x fl x fi x fc x L

N representa o número de civilizações existentes e capazes de


comunicação na Via Láctea. A variável inicial, R*, corresponde à taxa
(R, de rate) de formação de estrelas na galáxia, o que daria o número
total de sóis em potencial que poderiam sustentar a vida. E as
variáveis que se seguem servem como uma espécie de sequência
imbricada de filtros: dado esse número de estrelas existentes na Via
Láctea, que fração (f) delas pode ter planetas (p), e qual número (n)
destes possuirão condições ambientais (e, de environment) de
sustentar a vida? Desses planetas potencialmente hospitaleiros, em
qual fração a vida (l, de life) chega de fato a emergir, que fração dessa
vida evolui até a inteligência (i), e qual fração dessa vida inteligente
acaba redundando numa civilização (c) capaz de emitir sinais
detectáveis para o espaço? Ao final da equação, Drake colocou a
variável crucial L, que exprime a duração (length) média do tempo em
que essas civilizações emitem sinais assim.

O que torna a Equação de Drake tão fascinante é, em parte, a maneira


como obriga a mente a lidar com tantas disciplinas diferentes num
mesmo arcabouço. À medida que você se desloca da esquerda para a
direita, vai transitando da astrofísica para a bioquímica, daí para a
teoria da evolução e para a ciência cognitiva, até chegar às teorias do
desenvolvimento tecnológico. E o valor arbitrado para cada uma das
variáveis da Equação de Drake acaba por revelar toda uma visão de
mundo: você pode achar que a vida é rara, mas que quando emerge
geralmente resulta em vida inteligente; ou pode achar que a vida
microbiana é praticamente onipresente no cosmos, mas que quase
nunca se formam organismos mais complexos. A equação pode
evidentemente levar a resultados muito diversos, dependendo dos
valores atribuídos a cada variável.

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O valor mais provocativo é o último: L, a duração média de uma


civilização apta a transmitir sinais de rádio. Ninguém precisa ser uma
Poliana para estimar um valor de L relativamente alto. É só acreditar
que as civilizações podem se tornar autossustentáveis e sobreviver
milhões de anos. E basta que uma em cada mil formas de vida
inteligente redunde numa civilização que dure 1 milhão de anos para
o valor de L sofrer um aumento significativo. Agora, se você atribuir
um valor baixo a L, isso implicará uma nova pergunta: Por que ele se
mantém baixo assim? Será que civilizações tecnológicas surgem e
desaparecem a todo momento na Via Láctea, como vaga-lumes
espalhados pelo espaço? É porque esgotam seus recursos? Porque
promovem sua própria destruição?

Desde que Drake formulou sua equação em 1961, dois


desenvolvimentos cruciais mudaram nossa visão do problema.
Primeiro, os valores do lado esquerdo da equação (representando o
número de estrelas com planetas potencialmente habitáveis) tiveram
um crescimento de várias ordens de grandeza. E, segundo, faz
décadas que tentamos captar sinais de rádio e nunca ouvimos nada.
Como diz Brin: “Alguma coisa vem mantendo baixo o resultado da
Equação de Drake. E não há discordância quanto a isso entre os
participantes da discussão em torno do Seti; todos concordam, mas
ninguém sabe qual dos elementos da panóplia da equação é o
responsável por esse efeito.”

Se os valores do lado esquerdo não param de crescer, a questão é


saber quais variáveis do lado direito são os filtros decisivos. Como diz
Brin, queremos que o filtro esteja atrás de nós, e não na única
variável, L, que ainda se encontra em nosso futuro. Queremos que o
surgimento da vida inteligente seja absurdamente raro; se o contrário
for verdade, e a vida inteligente for abundante na Via Láctea, então os
valores de L só podem ser baixos, medidos talvez em séculos e nem

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mesmo em milênios. Neste caso, a adoção de um estilo de vida


tecnologicamente adiantado poderia ser praticamente simultânea à
extinção. Primeiro você inventa o rádio, depois cria tecnologias com
potencial de destruir toda a vida em seu planeta e pouco depois
aperta o botão e sua civilização se apaga.

A questão do valor de L explica por que tantos opositores do Meti –


como Musk e Hawking – também se preocupam com outras ameaças
capazes de produzir nossa extinção: computadores superinteligentes,
robôs nanoscópicos fora de controle, armas nucleares, asteroides.
Num universo em que o valor de L é baixo, a aniquilação em escala
planetária é uma possibilidade iminente. Mesmo que só uma fração
ínfima das civilizações alienígenas se mostre inclinada a disparar um
pequeno projétil contra nós à metade da velocidade da luz, valerá a
pena enviar uma mensagem se houver a mínima probabilidade de
uma resposta que resulte na destruição total da vida na Terra?

Existem outras explicações, mais benévolas, para o Paradoxo de


Fermi. O próprio Drake mostra-se pessimista em relação ao valor de
L, mas não por razões distópicas. “É que estamos melhorando quanto
ao uso da tecnologia”, ele explica. As descendentes atuais das antigas
torres de transmissão de tevê e rádio – emissoras involuntárias de
Elvis para as estrelas – são muito mais eficazes no uso de energia, e os
sinais que ainda “extravasam” da Terra são significativamente mais
fracos que na década de 50. Na verdade, compartilhamos uma
quantidade cada vez maior de informações via fibra óptica e outros
meios terrestres, que não vazam para além da nossa atmosfera. É
possível que as sociedades tecnologicamente avançadas de fato se
comportem como vaga-lumes, não por serem autodestrutivas: apenas
dão preferência à comunicação a cabo.

Para alguns críticos do Meti, porém, mesmo uma interpretação menos

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apocalíptica do Paradoxo de Fermi ainda sugere cautela. É possível


que as civilizações avançadas tendam a chegar a um ponto a partir do
qual escolham não transmitir sinais detectáveis por seus vizinhos da
Via Láctea. “É a outra resposta para o Paradoxo de Fermi”, Vakoch
diz com um sorriso. “Existe um Stephen Hawking em cada planeta, e
é por isso que não captamos nada do que vem deles.”

E
m sua casa na Califórnia, em meio às sequoias, Frank Drake
guarda uma versão da mensagem de Arecibo codificada num
formato bem diferente dos pulsos de rádio: um vitral colorido,
na sala de estar, uma grade de pixels num fundo azul cerúleo que
quase lembra o jogo Space Invaders. Existe algo na questão do Meti
que força a mente a se estender para além de seus limites habituais.
Você precisa imaginar alguma forma radicalmente diversa de
inteligência, usando apenas sua inteligência humana. Você precisa
imaginar escalas de tempo em que uma decisão tomada em 2017 pode
desencadear consequências momentosas 10 mil anos no futuro. A
mera enormidade dessas consequências já desafia nossas medidas
habituais de causa e efeito. Independentemente de achar que os
alienígenas sejam guerreiros ou mestres zen, se acreditar que o Meti
tem uma chance razoável de estabelecer contato com outro organismo
inteligente em algum ponto da Via Láctea, você precisa aceitar que
talvez dependa desse pequeno grupo de astrônomos, autores de
ficção científica e patronos bilionários – às voltas com discussões
sobre números semiprimos e a ubiquidade da inteligência visual –, a
decisão que pode vir a ser a mais transformadora de toda a história
da civilização humana.

O que nos traz de volta a uma questão muito mais terrena, embora
não menos complicada: quem toma as decisões? Ao cabo de muitos

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anos de discussão, a comunidade do Seti chegou a um acordo quanto


ao procedimento que cientistas e organismos governamentais devem
seguir caso as pesquisas esbarrem de fato com um sinal inteligível
vindo do espaço. Esses protocolos recomendam especificamente “não
mandar qualquer resposta a um sinal ou outro indício de inteligência
extraterrestre até que se façam as consultas internacionais
apropriadas”. Mas ainda não existe um conjunto equivalente de
diretrizes regendo nossas próprias emissões interestelares.

Uma das participantes do debate em torno do Meti, Kathryn


Denning, antropóloga da Universidade York, em Toronto, afirma que
nossas decisões quanto ao contato extraterrestre são mais políticas
que científicas. “Se eu precisasse tomar uma posição, diria que acho
essencial uma consulta ampla relativa ao Meti, e que respeito muito
os esforços nesse sentido”, ela diz. “Por mais consultas que se façam,
é inevitável uma discordância quanto a recomendar a transmissão, e
não acho que nesse tipo de situação a decisão possa vir de uma
eleição majoritária, ou mesmo por maioria qualificada… Assim, isso
sempre nos remete à mesma pergunta: É correto que algumas pessoas
transmitam mensagens com esse alcance, contrariando a vontade de
outros?”

Num certo sentido, o debate em torno do Meti corre em paralelo a


outras decisões que podem afetar nossa existência e que precisaremos
enfrentar nas próximas décadas, à medida que avança nossa
capacidade científica e tecnológica. Devemos criar máquinas tão
inteligentes a ponto de nossa capacidade intelectual não entender
mais seu funcionamento? Devemos procurar uma “cura” para a
morte, como propõem tantos especialistas em tecnologia? Como o
Meti, estas decisões figuram entre as potencialmente mais
momentosas que os seres humanos jamais terão tomado; ainda assim,
é ínfimo o número de pessoas que participam ativamente nessas

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decisões – ou sequer têm conhecimento de que tais decisões estão


sendo tomadas.

“Precisamos repensar o processo da mensagem, de modo a enviar


mensagens gradativamente mais inclusivas”, diz Vakoch.

Qualquer mensagem inicial haverá de ser muito limitada, muito


incompleta. Mas é assim mesmo. Deveríamos imaginar meios de
tornar a próxima remessa melhor e mais abrangente. Em termos
ideais, precisamos incorporar tanto a especialização técnica – as
pessoas que vêm refletindo sobre essas questões num espectro
variado de disciplinas – quanto a opinião de leigos. Tendemos a agir
de forma a excluir uma das duas. Apurar a opinião dos leigos de
modo a transformar o conteúdo das mensagens é fazer uma pesquisa
sobre o tipo de coisas que as pessoas gostariam de dizer. É importante
saber quais os temas gerais sobre os quais as pessoas gostariam de
falar, e depois traduzi-los numa mensagem em Lincos.

Quando perguntei a Denning qual a posição dela quanto ao Meti, ela


me respondeu: “Só posso responder a essa pergunta com outra: Por
que você está me fazendo essa pergunta? Por que a minha opinião
deve ter mais peso que a de uma menina de 6 anos vivendo na
Namíbia? Tanto eu como ela seremos igualmente afetadas pelo
resultado, na verdade ela mais que eu, pois a probabilidade de
morrer antes que ocorra alguma consequência da transmissão é um
pouco maior para mim – supondo que ela vá ter acesso a água limpa
e cuidados de saúde decentes, e não morra ainda muito jovem em
alguma guerra.” E continuou: “Creio que o debate sobre o Meti pode
ser um desses raros casos em que o conhecimento científico é
altamente relevante para a discussão, mas sua conexão com as
decisões mais óbvias é no máximo tênue, pois em última análise tudo
depende de quanto risco a população da Terra se dispõe a tolerar… E

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por que exatamente deve caber apenas aos astrônomos, cosmólogos,


físicos, antropólogos, psicólogos, sociólogos, biólogos, escritores de
ficção científica ou qualquer outra pessoa (em qualquer ordem), a
decisão sobre qual deve ser esse grau de tolerância?”

Enfrentar a questão do Meti sugere, ao menos para mim, que o único


invento de que a sociedade humana necessita é mais conceitual que
tecnológico. Precisamos definir uma categoria especial de decisões
que podem gerar um risco potencial de extinção. Novas tecnologias
(como computadores superinteligentes) ou intervenções (como o
Meti) que envolvam um risco ainda que mínimo de causar a extinção
humana demandam uma forma inédita de supervisão global. E parte
desse processo deve acarretar, como sugere Denning, a definição de
alguma medida da tolerância ao risco em escala planetária. Sem ela,
por falta de outras regras, a agenda será sempre definida pelos
jogadores, e o restante de nós terá de viver com as consequências das
apostas deles.

Em 2017, a ideia da supervisão global de qualquer atividade, por mais


que comprometa nossa existência, pode soar ingênua. As tecnologias
também podem ser inevitáveis, e talvez só possamos aplicar-lhes
algum freio por pouco tempo: se o contato com alienígenas é
tecnicamente possível, então alguém, em algum lugar, há de fazê-lo
muito em breve. É raro o precedente histórico de humanos que
escolhem renunciar a alguma nova tecnologia – ou preferem não
entrar em contato com outra sociedade – devido a alguma ameaça
que talvez nem chegue ao longo de várias gerações. Mas pode estar
na hora de tomar algum partido. E este é um dos benefícios
inesperados do debate em torno do Meti, seja qual for a posição que
se escolha. Pensar sobre o tipo de civilização com a qual podemos
dialogar acaba por nos fazer pensar ainda mais sobre o tipo de
civilização que desejamos.

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Terminando minha conversa com Frank Drake, retornei à questão do


silêncio crescente do planeta: tantos sinais menos eficazes de rádio e
televisão sucedidos pelas transmissões indetectáveis da era da
internet. Talvez este seja o argumento de longo prazo a favor do
envio de mensagens, sugeri; mesmo que não cheguem antes do fim
das nossas vidas, teremos criado um sinal que pode tornar possível
uma conexão interestelar daqui a milhares de anos.

Drake se inclinou e aquiesceu. “E isso nos propõe uma questão


interessante e não científica: Serão altruístas as civilizações
extraterrestres? Será que reconhecem esse problema, e criaram um
farol em benefício dos outros habitantes do universo? Para mim, a
questão é na verdade darwiniana. Acho que a evo-lução favorece as
sociedades altruístas. E por isso meu palpite é que sim. Acho que
cada civilização pode ter criado um sinal bem nítido e potente.” Dado
o tempo de trânsito através do universo, este sinal pode muito bem
durar mais que a nossa espécie, caso em que pode servir, em última
instância, como memorial e como mensagem – uma versão
interestelar das grandes pirâmides do Egito: a prova de que um
organismo tecnologicamente avançado se desenvolveu neste planeta,
seja qual for seu destino final.

Enquanto eu contemplava a mensagem de Arecibo no vitral da casa


de Drake, no meio do bosque de sequoias, pareceu-me que uma
civilização altruísta – desejosa de chegar ao outro lado do cosmos em
paz – é algo a que deveríamos aspirar, a despeito do potencial de
risco. Queremos ser o tipo de civilização que prega tábuas nas janelas
e finge não haver ninguém em casa, por medo de alguma ameaça
desconhecida que paire no céu escuro? Ou queremos ser um farol?

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