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Clínica médica - Neurologia - Paulo Henrique Ferreira Bertolucci, Marcelo

Masruha Rodrigues
ASPECTOS GERAIS PARA O DIAGNÓSTICO DAS CEFALEIAS
Anamnese
Início (quando e como), caráter (pulsátil, em aperto, em pressão, em peso, surda), localização e irradiação,
intensidade, duração, frequência, fatores desencadeantes, de melhora, piora e acompanhantes. Em
mulheres, verificar se há relação com o ciclo menstrual. Averiguar tratamento utilizado para as crises e sua
efetividade. Obter história familiar de cefaleia. Verificar a presença de comorbidades da enxaqueca:
depressão, transtornos de ansiedade, epilepsia, distúrbios do sono. Identificar possível abuso de
analgésicos e determinar a frequência de utilização de bebidas cafeínadas. A determinação do padrão
evolutivo é fundamental para o diagnóstico (ver a seguir).

• Cefaleia aguda emergente: ocorre em pacientes sem história prévia de cefaleia. Pode indicar uma
cefaleia primária em apresentação inicial, ou tratar-se de cefaleia secundária.
• Cefaleia aguda recorrente: é típica de cefaleias primárias, por exemplo, a enxaqueca.
• Cefaleia crônica não progressiva: embora raramente possa indicar uma causa ominosa, na maioria das
vezes, trata-se de enxaqueca crônica.
• Cefaleia crônica progressiva: a princípio, deve ser encarada como ominosa, sendo necessário descartar
causas secundária
Exame físico
Nunca negligenciar o exame físico, mesmo que a história seja típica de enxaqueca. Especial atenção deve
ser dada aos seguintes itens: pressão arterial, temperatura, palpação do crânio e das articulações
temporomandibulares (avaliação estática e dinâmica), percussão dos seios da face, inspeção da cavidade
oral (afecções dentárias e periodontais são causas de dores irradiadas), otoscopia e percussão das
mastoides. Realizar exame neurológico com especial atenção para o fundo de olho (observar pulso
venoso), movimentação ocular extrínseca e sinais de irritação meníngea.
Enxaqueca
A enxaqueca ou migrânea é um distúrbio neurobiológico com base genética. Pode estar associada a
alterações do sistema nervoso e ativação do sistema trigeminovascular. É caracterizada por ataques de
cefaleia e sinais e/ou sintomas psíquicos, clínicos e neurológicos. O quadro varia em frequência, duração e
incapacitação conforme cada paciente e entre os ataques. Cerca de 80% dos pacientes apresentam a
enxaqueca sem aura, e quase 20%, a enxaqueca com aura, que pode também se associar a crises sem aura.
A aura da enxaqueca pode ser típica (5 a 60 minutos de duração), abrupta (durar menos de 5 minutos) ou
prolongada (durar mais de 60 minutos). Embora o termo possa sugerir uma ocorrência temporalmente
precedente à dor, a aura na enxaqueca não deve ser entendida assim, pois se trata de um distúrbio
idiopático, recorrente, manifestado por crises de sintomas neurológicos localizáveis no córtex cerebral ou
tronco encefálico, em geral evoluindo de forma gradual em 5 a 20 minutos e, usualmente, durando menos
de 60 minutos. Cefaleia, náusea e/ou fotofobia em geral se seguem aos sintomas neurológicos da aura,
imediatamente ou após um intervalo livre inferior a uma hora. A cefaleia persiste por 4 a 72 horas, mas
pode – o que é menos comum – estar completamente ausente.
O fenômeno da depressão alastrante de Leão tem sido associado aos mecanismos que, teoricamente,
podem explicar diversos aspectos da síndrome enxaquecosa, principalmente da aura. Há evidências para
não se afirmar mais que há vasodilatação, com aumento do fluxo sanguíneo cerebral, para que ocorra a
fase de dor. A observação clínica da aura, nas crises de enxaqueca, cujos sintomas progridem respeitando
mais a sequência de envolvimento parenquimatoso cerebral (isto é, sintoma visual, seguido de sintoma
sensitivo e finalmente de déficit motor) do que os territórios das artérias cerebrais, também colabora com
a hipótese neuronal e da associação com o fenômeno da depressão.
O aparecimento da dor latejante ou pulsátil, em localização unilateral alternante, foi anatomicamente mais
bem entendido implicando--se a inflamação neurogênica no sistema trigeminovascular. As náuseas
durante a crise, sentidas por 80% dos pacientes, e o vômito que ocorre em cerca de 50%, podem ser
decorrentes da estase gástrica, da maior sensibilidade dopaminérgica e também da proximidade do núcleo
do trigêmeo ao trato solitário.
A hiperperceptividade cortical aos estímulos ambientais, como fotofobia, fonofobia, osmofobia e
cinesiofobia, é frequentemente relatada pelos pacientes durante a crise de enxaqueca. Há evidências
recentes de hiperexcitabilidade cortical nos enxaquecosos, quando submetidos à estimulação
magnetoencefalográfica. A queda dos níveis de progesterona durante o ciclo menstrual também pode
levar abaixo limiar cortical ao estímulo magnetoencefalográfico por pulso condicionado, como ocorre com
os benzodiazepínicos, colaborando para que a manifestação da enxaqueca fique mais ligada ao sexo
feminino e varie em suas diferentes situações hormonais. A inadequada modulação opioide, levando
abaixo estoque de neurotransmissores catecolaminérgicos nas sinapses autonômicas (empty neuron
theory) foi aventada no passado.

Princípios gerais, tratamento e cuidados com quem sofre de enxaqueca


• Estabelecer o diagnóstico;
• educar os sofredores de enxaqueca sobre sua condição;
• discutir as bases racionais do tratamento para cada paciente em particular;
• orientar como e quando usar os medicamentos e quais eventos adversos prováveis;
• auxiliar o paciente a estabelecer uma expectativa realista;
• envolver o paciente nos cuidados necessários, estimulando o uso de um diário capaz de mostrar
desencadeantes, frequência, intensidade da dor e resposta ao tratamento;
• encorajar o paciente a identificar e evitar os desencadeantes observados;
• escolher o tratamento, baseado na frequência e intensidade das crises, no grau de incapacidade e dos
sintomas associados, como náusea e vômitos;
• criar um plano de manejo formal e individual, considerando a preferência, a resposta e tolerância aos
tratamentos prévios;
• alertar sobre o crescente uso de medicação abortiva de crise, que pode levar a cefaleia por uso excessivo
de medicação sintomática;
• identificar condições coexistentes como cardiopatias, gastropatias, nefropatias, gravidez e hipertensão
descontrolada, pois podem orientar e limitar as escolhas terapêuticas.

Usar triptanos ou diidroergotamina (DHE) nos pacientes que têm crises de dor com intensidade moderada
ou incapacitante (fortes). Anti-inflamatórios não esteroides, analgésicos combinados com cafeína e a
combinação com isometepteno podem ser opções em crises moderadas. Deve-se selecionar a via não oral
nos pacientes muito nauseados ou vomitando, e não restringir antieméticos a pacientes vomitando ou com
muita náusea. Importante é limitar o uso excessivo de analgésicos para duas vezes por semana a fim de
prevenir a “cefaleia rebote”, ou seja, a cefaleia que resulta do uso excessivo de medicações abortivas de
crise.
As medicações indicadas para o tratamento agudo da enxaqueca, de acordo com a intensidade da crise,
encontram-se sumarizadas na Tabela 11.7.
A eficácia e os eventos adversos relacionados a essas medicações estão na Tabela 11.8.
Os triptanos são medicações agonistas de receptores serotoninérgicos, assim como a serotonina, também
chamada de 5-hidroxitriptamina, e daí vêm o nome dessas moléculas. A dose a ser utilizada em cada crise é
uma unidade de cada apresentação disponível.
Os triptanos são contraindicados aos pacientes com qualquer insuficiência arterial, por exemplo, periférica,
cerebral ou coronariana, assim como nos quadros de isquemia ou infarto do miocárdio e qualquer tipo de
angina e claudicação. Também são contraindicados nas seguintes situações: nos quadros de hipertensão
arterial não controlada, em pacientes sob tratamento com inibidores da monoaminoxidase, inibidores
seletivos da recaptação da serotonina ou lítio, quando houver uso de ergóticos 24 horas antes, nos
pacientes enxaquecosos com aura prolongada, hemiplégica e basilar, e na gravidez e amamentação.

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