Você está na página 1de 5

27/07/2019 Dizer o Direito: A importação de sementes de maconha é crime?

A importação de sementes de maconha é crime?


terça-feira, 13 de novembro de 2018

Imagine a seguinte situação hipotética:


João, por meio de um site da internet, importou da Holanda para o Brasil 26
frutos aquênios, popularmente conhecidos como “sementes” de maconha
(cannabis sativa linneu).
Quando as sementes chegaram ao Brasil, via postal, o pacote foi inspecionado
pelo setor de Alfândega da Receita Federal no aeroporto, que descobriu seu
conteúdo por meio da máquina de raio-X e avisou a Polícia Federal.
Diante disso, João foi denunciado pelo MPF pela prática de tráfico
transnacional de drogas (art. 33 c/c art. 40, I, ambos da Lei nº 11.343/2006).
O Procurador da República argumentou que, pela grande quantidade de
sementes encomendadas e pela própria palavra do denunciado, restou
demonstrado que ele pretendia iniciar uma plantação de cannabis
sativa(maconha) em seu quintal.

A questão chegou até o STF. Houve crime?


NÃO. O STF entende que não há crime na importação de sementes de
maconha.
Vamos entender com calma.

O que é considerado “droga” para fins penais?


O parágrafo único do art. 1º da Lei nº 11.343/2006 prevê que, para uma
substância ser considerada como "droga", é necessário que possa causar
dependência, sendo isso definido em uma lista a ser elencada em lei ou ato do
Poder Executivo federal. Veja:

Art. 1º (...) Parágrafo único. Para fins desta Lei, consideram-se como
drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência,
assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas
periodicamente pelo Poder Executivo da União.

O art. 66 da mesma Lei complementa esta regra:

Art. 66. Para fins do disposto no parágrafo único do art. 1º desta Lei,
até que seja atualizada a terminologia da lista mencionada no
preceito, denominam-se drogas substâncias entorpecentes,
psicotrópicas, precursoras e outras sob controle especial, da Portaria
SVS/MS nº 344, de 12 de maio de 1998.

Assim, o conceito é técnico-jurídico e só será considerada droga o que a lei


(em sentido amplo) assim reconhecer como tal. Mesmo que determinada
substância cause dependência física ou psíquica, se ela não estiver prevista no
rol das substâncias legalmente proibidas, ela não será tratada como droga
para fins de incidência da Lei nº 11.343/2006 (ex: álcool).

https://www.dizerodireito.com.br/2018/11/a-importacao-de-sementes-de-maconha-e.html 1/5
27/07/2019 Dizer o Direito: A importação de sementes de maconha é crime?

Este rol existe? Onde ele está previsto?


O rol das substâncias que são consideradas como “droga”, para fins penais,
continua previsto na Portaria SVS/MS nº 344/1998, considerando que ainda
não foi editada uma nova lista.
Perceba, portanto, que estamos diante de uma norma penal em branco
heterogênea (em sentido estrito ou heteróloga). Isso porque o complemento
do que é considerado droga é fornecido por um ato normativo elaborado por
órgão diverso daquele que editou a Lei. A Lei nº 11.343/2006 foi editada pelo
Congresso Nacional e o seu complemento é dado por uma portaria, editada
pela ANVISA, autarquia ligada ao Poder Executivo.

Tetrahidrocanabinol (THC)
Tetrahidrocanabinol, também conhecido como THC, é uma substância
psicoativa encontrada na planta Cannabis Sativa, mais popularmente
conhecida como maconha.
A quantidade de THC na maconha pode variar de acordo com uma série de
fatores, como o tipo de solo, a estação do ano, a época em que foi colhida, o
tempo de colheita e consumo etc.
A THC é prevista expressamente como droga na Portaria SVS/MS nº
344/1998, da ANVISA.

Sementes de maconha não têm THC


Os frutos aquênios da cannabis sativa linneu não apresentam na sua
composição o THC.
A planta da cannabis sativa linneu está prevista na lista “E” da Portaria
SVS/MS 344/1998.
Ocorre que essa Portaria prevê apenas a planta como sendo droga (e não a
sua semente).
Assim, a semente de maconha não pode ser considerada droga.

O § 1º do art. 33 da LD prevê que também é crime a importação de


“matéria-prima” ou “insumo” destinado à preparação de drogas. A
semente de maconha poderia ser considerada como “matéria-prima”
ou “insumo” destinado à preparação de drogas?
Também não.
A semente de maconha não pode ser considerada matéria-prima ou insumo
destinado à preparação de drogas. Isso porque ela não é um “ingrediente”
para a confecção de drogas. Não se faz droga misturando a semente de
maconha com qualquer coisa. Dito de outro modo: não se prepara droga com
semente de maconha. Isso porque a semente de maconha não tem substância
psicoativa (ela não tem nada em sua composição que atue no sistema nervoso
central gerando euforia, mudança de humor, prazer etc.).
Em seu voto, o Ministro Gilmar Mendes assentou:

“Na doutrina, afirma-se que a matéria-prima, conforme Vicente Greco


Filho e João Daniel Rassi, é a substância de que podem ser extraídos ou
produzidos os entorpecentes que causem dependência física ou psíquica
(GRECO FILHO, Vicente; RASSI, João Daniel. Lei de drogas anotada. 3ª
edição. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 99). Ou seja, a matéria-prima ou
insumo devem ter condições e qualidades químicas para, mediante

https://www.dizerodireito.com.br/2018/11/a-importacao-de-sementes-de-maconha-e.html 2/5
27/07/2019 Dizer o Direito: A importação de sementes de maconha é crime?

transformação ou adição, por exemplo, produzirem a droga ilícita, o que


não é o caso das sementes da planta Cannabis sativa, que não possuem
a substância psicoativa (THC)”.

Desse modo, a semente da cannabis sativa não é, em si, droga (não está
listada na Portaria) e também não pode ser considerada matéria-prima ou
insumo destinado à preparação de droga ilícita.

Mas é possível que o indivíduo plante a semente de maconha e que daí


nasça a planta da cannabis sativa linneu... A planta tem THC
(substância psicoativa proibida)...
É verdade. Pode ser que o indivíduo germine a semente, que isso vire uma
muda, que ele cultive a muda e que se torne a planta da maconha.
No entanto, a mera importação da semente não é crime algum porque
configuraria, no máximo, mero ato preparatório da figura típica prevista no §
1º do art. 28 da Lei nº 11.343/2006:

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou


trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou
em desacordo com determinação legal ou regulamentar será
submetido às seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso
educativo.
§ 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo
pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de
pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar
dependência física ou psíquica.
(...)

Nem chega a ser, portanto, ato executório do § 1º do art. 28 porque o agente


não iniciou a semeadura ou o cultivo.

A importação das sementes não poderia configurar a tentativa da


prática do crime do art. 28, § 1º da Lei nº 11.343/2006?
Particularmente, penso que não. Isso porque, como já dito, o agente não
iniciou nenhuma conduta executória dos verbos previstos no tipo penal
(semear, cultivar ou colher).
No entanto, ainda que se considere que se iniciou a execução e que ele não se
consumou por circunstâncias alheias à vontade do agente, não há razão para a
instauração de processo penal.
O preceito secundário do art. 28 da LD prevê como sanções penais:
I - advertência sobre os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

Logo, como não é prevista pena privativa de liberdade para esta conduta, é
inviável a aplicação da regra da tentativa do art. 14, II, do CP.

https://www.dizerodireito.com.br/2018/11/a-importacao-de-sementes-de-maconha-e.html 3/5
27/07/2019 Dizer o Direito: A importação de sementes de maconha é crime?

A conduta pode ser considerada contrabando (art. 334-A do CP)?


Existe divergência sobre o tema.
O contrabando consiste na importação de mercadoria proibida (art. 334-A do
CP).
A importação de sementes desprovidas de inscrição no Registro Nacional de
Cultivares é proibida pelo art. 34 da Lei nº 10.711/2003:

Art. 34. Somente poderão ser importadas sementes ou mudas de


cultivares inscritas no Registro Nacional de Cultivares.

A semente de cannabis sativa não consta da lista do Registro Nacional de


Cultivares (RNC), não podendo, portanto, ser importada, salvo para
tratamentos de saúde (Portaria RDC/ANVISA nº 66/2016).
No entanto, há vários julgados que defendem que não se deve condenar o réu
porque não há, neste caso, lesão ao bem jurídico tutelado pela norma prevista
no art. 334-A do Código Penal. Isso porque, dada a pequena quantidade e a
natureza das sementes, considera-se que não há ofensa aos bens jurídicos
protegidos pelo delito de contrabando (proteção da saúde, da moralidade
administrativa e da ordem pública). Esse é o entendimento que prevalece, por
exemplo, no TRF3: HC 67576 - 0010869-41.2016.4.03.0000, Rel. Juiz
Convocado Ricardo Nascimento, julgado em 26/07/2016.

Em suma:
Não configura crime a importação de pequena quantidade de
sementes de maconha.
STF. 2ª Turma. HC 144161/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em
11/9/2018 (Info 915).

Posição do MPF
A 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal possui o
entendimento de que:
• a importação de pequena quantidade de sementes de maconha não
configura o crime do art. 33, § 1º nem o delito do art. 28, § 1º, ambos da Lei
nº 11.343/2006;
• esta conduta, em tese, amolda-se ao crime de contrabando (art. 334-A do
CP);
• a importação de pequena quantidade de sementes de maconha para o
plantio destinado ao consumo próprio induz à mínima ofensividade da conduta,
à ausência de periculosidade da ação e o ínfimo grau de reprovabilidade do
comportamento, razões que comportam a aplicação do princípio da
insignificância à hipótese.
• assim, a conduta é tipificada como contrabando, mas deve-se aplicar o
princípio da insignificância, razão pela qual é correta a decisão do Procurador
da República que não denuncia o indiciado nestes casos.

Foi o que decidiu a 2ª CCR, em 09/11/2018, no processo nº 0001111-


51.2018.4.03.6181, Relatora Subprocuradora Geral da República Luiza Cristina
Fonseca Frischeisen.

https://www.dizerodireito.com.br/2018/11/a-importacao-de-sementes-de-maconha-e.html 4/5
27/07/2019 Dizer o Direito: A importação de sementes de maconha é crime?

No mesmo sentido é o entendimento do Conselho Institucional do Ministério


Público Federal – CIMPF: a importação de sementes de maconha pela via
postal, em pequenas quantidades, não deve gerar denúncia, ante a
configuração da prática do delito descrito no art. 334-A, do CP, e, neste, a
incidência do princípio da insignificância (procedimentos 0008476-
98.2014.4.03.6181 e 0002458-64.2015.4.03.6104).

Qual é a posição do STJ sobre o tema?


O STJ está dividido, por enquanto:

A importação de pequenas quantidade de sementes de maconha configura


tráfico de drogas?
5ª Turma: SIM 6ª Turma: NÃO
A importação clandestina de sementes Tratando-se de pequena quantidade
de cannabis sativa linneu (maconha) de sementes e inexistindo expressa
configura o tipo penal descrito no art. previsão normativa que criminaliza,
33, § 1º, I, da Lei nº 11.343/2006. entre as condutas do art. 28 da Lei de
Não é possível aplicar o princípio da Drogas, a importação de pequena
insignificância. quantidade de matéria prima ou
STJ. 5ª Turma. REsp 1723739/SP, Rel. insumo destinado à preparação de
Min. Jorge Mussi, julgado em droga para consumo pessoal, forçoso
23/10/2018. reconhecer a atipicidade do fato.
STJ. 6ª Turma. AgRg no AgInt no REsp
1616707/CE, Rel. Min. Antonio
Saldanha Palheiro, julgado em
26/06/2018.

https://www.dizerodireito.com.br/2018/11/a-importacao-de-sementes-de-maconha-e.html 5/5

Você também pode gostar