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MARIA DE LOURDES ROSSI REMENCHE

Londrina
2003

MARIA DE LOURDES ROSSI REMENCHE


AS CRIAÇÕES METAFÓRICAS NA GÍRIA DO
SISTEMA
PENITENCIÁRIO DO PARANÁ
Dissertação apresentada ao Curso de
Pós-Graduação em Estudos da
Linguagem, da Universidade Estadual de
Londrina, como requisito parcial à
obtenção do título de Mestre.
Orientadora: Profª Drª Vanderci de
Andrade Aguilera.
Londrina
2003

MARIA DE LOURDES ROSSI REMENCHE

Vícios
BAGULHO (maconha): AF traz na entrada 1 como semente de uva e de
outros
frutos, contida no bago; na entrada 8 como forma vulgar para maconha. É
uma
metáfora criada a partir da analogia com a aparência da semente e da cor
amarronzada da maconha quando preparada em pequenas porções para
serem
comercializadas. Vale lembrar, ainda, que as mercadorias, fruto de roubos e
furtos,
também são chamadas de bagulho.
BALINHA (porção destinada a fazer cigarro de maconha): Substantivo

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formado a
partir de bala + inha, SG traz como vocábulo usado apenas nos presídios
para as
pequenas quantidades de maconha vendida. É uma metáfora baseada na
analogia
com a aparência da bala, pois essas balinhas normalmente possuem o
mesmo
formato e tamanho de uma bala normal e são embrulhadas com papel ou
plástico.
Funciona como uma extensão do significado de bala.
BOTINHA (cigarro com filtro): SG não traz esse vocábulo, já AF identifica
apenas
como bota de cano curto para senhoras e crianças. Temos neste exemplo
uma
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metáfora construída pela similaridade da bota cobrir apenas um pedaço da
perna,
deixando o restante à mostra. O filtro do cigarro, normalmente de cor mais
acentuada, vai até certa altura, como a bota, o restante do cigarro terá uma
cor
diferente (normalmente branco), como acontece com a bota. Um outro ponto
em
comum é a proteção, pois tanto o filtro do cigarro quanto à bota são
elementos que
fornecem uma maior proteção. Esta protege os pés e uma parte da canela,
enquanto
aquele protege os lábios e o paladar.
BRANCA (cocaína): É uma metáfora a partir de uma analogia direta com a
cor da
cocaína, sempre branca.
BRIZOLA (cocaína): SG usa a definição gíria, mas faz uma ressalva, pois
restringe a
utilização do termo aos policiais. Esta lexia passou a ser utilizada na década
de 80
depois de um grande escândalo, de ampla repercussão na mídia nacional,
envolvendo a filha do então governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola,
presa por
porte ilegal de cocaína. No Sistema Penitenciário, essa criação
antropomórfica
aparece, ainda, com variação fonética, brise e brisa.
CAIÇARA (fumo de corda): Os internos do Sistema Penitenciário que

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possuem
pouco dinheiro, mas não conseguem abandonar o vício do cigarro, optam
pelo fumo
de corda, que é comprado em pequenas embalagens de 100 gr e que já
vem
fatiado. Durante muitos anos uma das marcas mais comuns era o Fumo de
Corda
Caiçara. Hoje essa marca já não existe mais, porém o nome continua, trata-
se de
uma metonímia em que se utiliza a marca pelo produto.
CARETA (cigarro): AF traz esse vocábulo na entrada 5 como gíria brasileira,
mas no
sentido de pessoa que não faz uso de drogas, não fazendo referência a
cigarro. Já
SG na entrada 2 identifica-o como cigarro. É uma metáfora que faz analogia
com a
definição de AF, se pensarmos que o cigarro é uma droga socialmente
aceita e seu
usuário não é condenado pelo uso, enquadrando-se como um não usuário
de droga,
portanto dentro da lei.
CHOCA (bebida alcoólica fermentada feita dentro da cadeia): AF define
como um
tipo de jogo de bola, que não tem relação de sentido com o usado nas
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penitenciárias. É uma metáfora calcada no fato de essa bebida ser feita à
base de
arroz e de casca de legumes que ficam durante muitos dias fermentando em
um
recipiente tampado. Essa bebida possui cheiro e aparência desagradável. O
termo
faz menção ao ovo choco, ou seja, podre, além de ter um caráter pejorativo
revelador do valor negativo da bebida de baixa qualidade.
COFRE (pessoa que carrega objetos no ânus): Para AF esse substantivo
designa
uma espécie de caixa onde se guarda jóias, dinheiro, documentos ou
objetos de
valor. É uma metáfora criada a partir da reificação, com base na analogia de
que
tanto o cofre, assim como as pessoas, possuírem em compartimentos
internos, de

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difícil acesso, objetos valorizados, no caso do Sistema Penitenciário,


drogas,
dinheiro, armas e celulares. Nesta criação metafórica, o objeto cofre e as
pessoas
são colocadas num mesmo plano, tendo os dois a mesma utilidade.
COISA (maconha): AF, na entrada 12, traz como brasileirismo característico
da
Paraíba para baseado. É uma metáfora que utiliza uma palavra de conteúdo
semântico genérico que pode nomear qualquer ser ou objeto no universo,
mas que
dentro do Sistema Penitenciário é usada para algo que é proibido e que não
deve
ser usado, nem mencionado, realçando a idéia de proibição do
entorpecente.
CORNETA (pequeno canudo para aspirar cocaína): AF não identifica esse
vocábulo
com o seu sentido gírio, apenas com seu sentido usual de instrumento
musical.
Neste caso temos uma metáfora in absentia através de uma analogia entre
o
formato da corneta e do canudo, ambos finos e compridos.
CORRIDINHA (ato de aspirar cocaína): Derivada da palavra corrida mais o
acréscimo do sufixo –inha, é uma metáfora criada a partir da analogia com o
fato da
cocaína ser colocada em fileiras e no momento de sua sucção, que é feita
com finos
canudos de papel, o pó vir rapidamente lembrando uma corrida.
CRIVO (cigarro com filtro): Embora os dicionários analisados registrem o
termo, o
sentido será diferente. Em SG temos o sentido de aprovação, em AF
aparece como
um tipo de peneira de arame. É uma metonímia em que se emprega uma
palavra no
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lugar de outra que ela sugere, isto é, utiliza-se o crivo/filtro/peneira numa
relação de
dependência com o cigarro, que contém um filtro para conter as impurezas
do fumo.
DAR UM TAPA NA CARA (fumar maconha/puxar um baseado): É uma
metáfora que
faz uma analogia com o estado em que o indivíduo fica após receber um

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tapa
violento no rosto, em que momentaneamente se perde o sentido, com a
sensação
alucinógena provocada pelo uso da maconha.
DEZESSEIS (viciado): AF define como numeral cardinal. É uma metonímia
que
acontece através do empréstimo do código penal no qual o artigo 16
enquadra o
usuário de entorpecentes, cria-se, dessa forma, uma reificação, utilizando o
número
da infração cometida pelo próprio indivíduo.
DOZE (traficante): Esta criação também se dá a partir do empréstimo do
Código
Penal em que se utiliza o artigo 12, que qualifica o tráfico, para referir-se à
pessoa
que cometeu este ato delituoso, através de uma reificação.
DICHAVAR (ato de desmanchar torrão de maconha): Este termo consta
apenas de
SG como um termo típico dos grafiteiros, com o sentido de dispersar o
grupo quando
pegos em flagrante. Temos aqui uma aproximação fonética com o verbo
desmanchar > dismanchar > dichavar. Parece, ainda, relacionar-se com
chave e sua
função de abrir compartimentos, cofres, pois a ação de se desmanchar um
tablete
de maconha se aproxima de abrir em pequenas partes.
ESTAR DE CARA LIMPA (pessoas que não estão sob o efeito das drogas):
É uma
expressão metafórica, pois faz uma referência ao indivíduo com o rosto
limpo, ou
seja, sem resíduos ou sujeiras, uma pessoa apresentável, aceitável, o
mesmo
acontecendo com quem não utilizou drogas, estando em condições
apresentáveis.
FARINHA (COCAÍNA): AF não apresenta o sentido gírio, mas define o termo
como
pó a que se reduzem os cereais moídos. A metáfora ocorre neste termo a
partir da
analogia com a cor, normalmente branca, da farinha e com sua consistência
fina.
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FICAR NOBRE (perder a razão devido ao efeito da droga/cocaína): Esta


expressão
não consta dos dicionários consultados. A metáfora criada aqui se baseia na
valorização da droga nas penitenciárias, objeto de desejo e restrita somente
aos que
podem pagar, logo o indivíduo que utiliza drogas está acima da grande
maioria que
possui o desejo de usá-la, mas sem condições de adquiri-la, tornando-se
membro
de uma elite privilegiada, os que podem pagar pela droga, assim como os
nobres na
nossa sociedade. Outra possibilidade também seria a ilusão de poder, de
nobreza
que a droga proporciona, fazendo com que seus usuários superem, nesses
momentos, todas as suas deficiências e sua insatisfação com a vida.
FINO (cigarro de maconha): SG traz a forma diminutiva fininho(4) como
cigarrinho de
maconha, já AF define como um adjetivo, característica de tudo que não
seja grosso,
mas delgado. Temos neste termo uma derivação imprópria em que um
termo
utilizado usualmente como adjetivo passa a substantivo, além de uma
sinédoque em
que a aparência e a característica substitui o nome do objeto, pois os
cigarros de
maconha geralmente são bem finos.
FISSURA (desejo incontrolável de consumir droga): SG define como
denúncia, já AF
traz na entrada 5. Gíria brasileira com sentido de ânsia, sofreguidão. Esse
mesmo
autor menciona ainda o termo fissurado como desejo incontrolável de
consumir
droga. As duas referências estão ligadas ao sentido encontrado nas
penitenciárias,
porque o desejo incontrolável de consumir a droga leva à sofreguidão, ao
desespero, levando muitos indivíduos a roubarem e matarem para conseguir
o
entorpecente. Embora AF só se refira à etimologia latina, este termo pode
estar
relacionado ao item lexical fressura (conjunto de vísceras mais grossas de
alguns

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animais) e com a sensação desagradável que essas vísceras em


movimento podem
causar. De fressura > fissura, temos uma dissimilação com o a lçamento do
e> i.
GIZ (cigarro): SG utiliza a mesma definição da penitenciária, já AF assinala
no seu
verbete 2. como lápis ou bastonete feito com carbono. Esta criação
apresenta uma
sinédoque em que, novamente, traços característicos, como forma e cor do
giz,
substituem o nome do objeto.
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GRANELEIRA (mulher que traz drogas na vagina): AF define esse
substantivo como
veículo que transporta cargas a granel. Essa metáfora foi construída a partir
da
reificação, com base na analogia de que tanto o veículo, assim como a
mulher,
transportam cargas em compartimentos internos, ou seja, o objeto e a
mulher são
colocados no mesmo plano, pois os dois têm a mesma utilidade.
GRINFA (seringa): AF traz o vocábulo grinfar (soltar a voz) e grinfo
(namorar/crioulo). Cabello (1991:22), nos seus estudos sobre gíria, cita
grinfa como
forma aglutinada de grã-fina. A criação metafórica se dá a partir da analogia
com o
termo grã-fina, ou seja, a seringa carrega os mais valorizados
entorpecentes, as
drogas injetáveis, que podem proporcionar a sensação de prazer e poder,
além de
ser utilizada para o consumo das drogas mais caras que somente quem tem
uma
certa condição financeira pode adquirir.
NARIZINHO (cocaína/ato de cheirar cocaína): Este termo é formado a partir
do
acréscimo do sufixo –inho ao vocábulo nariz. Trata-se de uma sinédoque
em que se
toma o concreto pelo abstrato, isto é, utiliza-se o órgão do olfato, as narinas,
pela
ação que ele pode realizar, o ato de aspirar, no caso a cocaína.
POEIRA (cocaína): AF na entrada 5 traz como gíria vulgar, a significação de

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pó. É
uma metáfora criada a partir da analogia com o fato de a cocaína e a poeira
serem
espécies de pó, embora de cores diferentes, mas com a mesma
consistência firme.
TALQUINHO (cocaína): Palavra formada a partir de talco + o sufixo
diminutivo –inho.
AF define como um produto feito do mineral ortorrômbico pulverizado, e que
se usa
medicinal ou higienicamente sobre a pele. A criação metafórica neste termo
se dá a
partir da analogia com a cor e consistência desse produto, sempre um pó
branco e
fino, muito semelhante à cocaína.
TIJOLO (tablete de maconha): AF define como produto cerâmico,
avermelhado,
geralmente em forma de paralelepípedo, muito usado em construções. É
uma
metáfora criada a partir da semelhança com a forma, e até mesmo com a
cor,
marrom, entre o tijolo e a forma como a maconha é embalada para
transporte.
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5.2.2. Violência
AGÁ (simular, fingir, dar cobertura): AF define como o nome da letra H. Essa
letra
não possui som, o que dificulta/engana o seu emprego adequadamente. É
uma
metáfora que faz analogia com o fato de um agá significar enganar,
dissimular uma
coisa que você não tem, assim como a letra H que não tem som. Pode
ainda ser o
resultado de uma associação fônica do nome da letra com alguns dos
componentes
fônicos da palavra enganar > enganá > engá > agá.
BERRO (revólver): Termo constante dos dicionários consultados, AF
observa na
entrada 4 que é uma gíria brasileira. É uma sinédoque em que se toma o
abstrato
pelo concreto, e até o efeito pela causa, pois é usado por uma
menção/aproximação

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do som explosivo e estridente produzido pelo revólver para nomeá-lo.


BICUDA (estoque/faca): Esta lexia é encontrada em SG com o mesmo
sentido do
Sistema Penitenciário. Já AF traz o termo, mas não menciona essa
significação.
Para a criação dessa metáfora, que vai do abstrato ao concreto, existe uma
base
representada pela característica da faca ser pontiaguda/bicuda.
BOTA-FORA (advogado): SG traz como despedida, enquanto que AF define
como
ato ou festa para despedida de pessoas. Nesse substantivo composto por
justaposição, ocorre uma metáfora que se baseia não só em uma analogia
com as
idéias apresentadas nos dicionários consultados, mas também com o fato
de o
advogado ser o responsável por livrar o condenado da prisão, ou seja,
colocá-lo fora
da prisão, levando-o a se despedir dos companheiros.
CABRITO (carro roubado): SG traz a variante cabrita para menina, enquanto
AF na
entrada 1 pequeno bode. É uma metáfora zoomórfica em que se transfere
um nome
de um animal característico das regiões nordestinas e que, na maioria das
vezes,
não recebe uma marca que identifique seu dono. As conseqüências disso é
que se
ele for roubado dificilmente será encontrado, o mesmo acontecendo com os
carros
roubados que em grande parte têm os chassis remarcados, dificultando a
identificação.
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CANO (revólver): SG define como revólver, mas somente entre policiais,
enquanto
que AF define na entrada 3 como tubo de armas de fogo por onde sai o
projétil.
Ocorre uma sinédoque em que se toma a parte pelo todo, ou seja, o cano
constituise
em uma parte do revólver, mas vai nomear o todo.
CAPA-PRETA (juiz): A reificação ocorre a partir de uma analogia entre a
roupa
usada pelos juízes nos julgamentos e sua profissão. Caracteriza-se em uma

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sinédoque que se baseia na parte pelo todo na qual o nome de uma parte
da roupa
substitui o próprio ser. Vale observar, ainda, que capa-preta, embora não
conste de
dicionários, é usado em muitos municípios do interior, especialmente no
estado de
São Paulo, para designar demônio. Os juízes responsáveis por dar a
sentença
condenatória representam, para os condenados, os homens maus, ou seja
demônios, pois retiram-lhes um bem precioso, a liberdade.
CASCÃO (guarda ruim): AF na entrada 1 traz como casca grossa, na
acepção 5
como crosta de sujidade na pele do corpo. É uma metáfora que explora a
reificação,
baseada na idéia de que o guarda ruim é sujeira. O termo é usado nas
penitenciárias para designar os funcionários da área de segurança que não
colaboram com os esquemas de tráfico e fugas, nem faz favores em troca
de
suborno. A partir de uma extensão de significado, pois, quem é sujeira é
porque
contraria o mundo do crime, ‘suja’ as intenções dos infratores e,
conseqüentemente,
é cascão.
CENTO E SETENTA E UM (faroleiro, malandro, pessoa que argumenta
bem): O
conhecimento das leis faz parte do cotidiano dos que convivem numa
penitenciária,
tanto pelos funcionários, quanto pelos que estão ali por determinação legal.
Esta
criação se caracteriza como um empréstimo do código Penal que, em seu
artigo
171, classifica o estelionato, crime em que se engana/ludibria as pessoas,
abusando
da boa fé alheia. Normalmente os indivíduos que cometem esse crime
argumentam
bem, são loquazes e muito simpáticos. É uma espécie de metonímia em que
se usa
o número do artigo do delito, pelo sujeito que o cometeu, através de uma
reificação
estabelece-se uma relação por dependência de idéia.
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CHACOALHAR (atirar em alguém): SG define como irritar. AF na entrada 2.


dá como
gíria com sentido de aborrecer, importunar. É uma metáfora baseada na
analogia
que, quando se ‘chacoalha’ alguma coisa, coloca-a em movimento, agita-a,
tirando-a
de seu estado de repouso. Atirar em alguém é agitar, movimentar,
especialmente no
momento em que o corpo recebe o projétil, pois sofre um solavanco bem
parecido
com um chacoalhão.
CHICO DOCE (pedaço de madeira improvisado): Segundo SG é um pau
usado para
espancar menores. Este termo revela a violência e a forma como é tratada a
maioria
dos menores infratores nas casas de correção. Temos a antropomorfização
desse
tipo de arma e o adjetivo doce conota um tom jocoso ao cacetete, visto que
normalmente se dá doce a uma criança. As que vivem na rua, nos centros
reformatórios, no entanto, recebem violência e desrespeito
CHORRO (batedor de carteira): SG traz como roubo. AF identifica apenas
como
onomatopéia representando jorro. É uma metáfora criada a partir da
apócope das
sílabas finais de chorrilho, oriunda do espanhol chorrillo, definida por AF
como uma
seqüência rápida e contínua. Esta criação se dá pela semelhança das
ações, pois o
batedor de carteira deve ser rápido e natural, não despertando na vítima
nenhuma
reação ou suspeita.
COFRE (pessoa que transporta objetos no ânus): AF, na entrada 1, traz
com sentido
de caixa onde se guarda jóias, ouro ou objetos de valor. É uma metonímia
que
explora a reificação a partir de uma relação de dependência de idéias.
Através da
semelhança do orifício anal e do espaço do canal do reto com o espaço
desse tipo
de caixa, ambos de abertura comple xa e que necessitam de alguém apto
para abrilos.

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COLAR O BRINCO (tapa na cara/orelha): É uma espécie de sinédoque em


que se
toma o resultado “colar o brinco “ pela ação “ dar um tapa na cara/orelha de
alguém”.
Este termo evidencia a forma jocosa como os atos violentos são encarados
nesse
ambiente.
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CORUJANDO (observar): É uma metáfora zoomórfica criada a partir de uma
derivação sufixal em que se acrescentou ao substantivo coruja a desinência
verbal
formadora de gerúndio -ndo. A criação se deu pela semelha nça de atitude
das
espécies de aves estrigiformes, mais conhecidas como corujas, que
possuem
hábitos noturnos e, aparentemente, estão em posição atenta, observando
tudo que
está a sua volta. O mesmo acontecendo com quem fica corujando, ou seja,
observando, à espreita de qualquer novidade ou informação para repassar
aos
companheiros no ato do crime.
DAR MIO/MILHO (matar/ ficar em lugar visado e ir preso): É uma lexia
composta,
uma metáfora baseada no conhecimento de mundo dos internos, que em
sua
grande maioria são oriundos da zona rural. No campo, quando se pretende
capturar
uma galinha para o abate, joga-se milho no terreiro e toda a criação corre
para se
alimentar, facilitando, dessa forma, a captura da ave. A mesma imagem
pode ser
projetada para as praças das cidades, onde turistas e moradores dão milho
aos
pombos, atraindo um grande número de aves. Dentro das penitenciárias, a
expressão dar milho significa ficar em evidência, chamar a atenção, assim
como
quem dá milho para os animais, pois também está chamando a atenção
para si, o
que pode acabar em prisão.
DAR UM GUENTO (tomar de assalto): É uma lexia composta metafórica
criada a

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partir do verbo agüentar que AF traz na entrada 7 como manter-se,


conservar-se,
sustentar-se, isto é, tomar de assalto; é uma forma de buscar o sustento,
manter-se,
pois o assalto é uma das formas de arrecadação financeira.
DRAGA (arma de fogo): SG trabalha o sentido utilizado na penitenciária, AF
não
identifica o sentido, nem nada próximo. É uma forma apocopada de dragão
que
também aparece no glossário com sentido de isqueiro. É uma metáfora
baseada na
analogia com o fato de o dragão, ser mitológico, soltar fogo por orifícios, no
caso as
narinas. A arma de fogo também solta “fogo”, mas pelo cano do revólver,
que
também se caracteriza como um orifício.
ENQUADRAR (tirar satisfação, acuar, ameaçar): SG define como 1. chamar
à
ordem; 2. entre funks, apontar a arma; já AF menciona na entrada 5 como
gíria
87
brasileira na definição de castigar, punir; e na 7. com o sentido de render
para
averiguação. É uma metáfora que faz uma analogia com ‘colocar num
quadro’, na
melhor posição, ângulo, ou seja, enquadrar alguém significa colocá-lo no
seu devido
lugar para não importunar. Este termo é característico da linguagem dos
policiais
que o utilizam como sinônimo para incorrer em determinado artigo, por
exemplo, o
assaltante está enquadrado (incurso) no artigo 157.
ESCRAVO (agente penitenciário/carcereiro): AF define na entrada 6 com
aquele que
está inteiramente sujeito a outrem, ou a alguma coisa cativo. É uma
metáfora que
faz uma analogia com o fato de o agente penitenciário estar a serviço do
detento,
levando-o para tomar sol, servindo-lhe a refeição, levando-o para o trabalho,
fazendo as compras que eles precisam entre outras atividades, com o fato
de o

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escravo estar a serviço de um senhor realizando todos os seus desejos.


Além disso,
é também uma forma de menosprezar o guarda, colocando-o como um
inferior.
ESPIANTAR (furtar se aproveitando do descuido): AF traz espiantador como
gíria
brasileira para ladrão que furta o que está exposto, à mostra e corre. É uma
metáfora que faz analogia com o fato desse tipo de ladrão, antes de cometer
o furto,
espiar/espionar, ou seja, observar disfarçadamente o comportamento e as
pessoas
responsáveis pela mercadoria e só cometer o delito quando essas pessoas
estiverem distraídas.
ESPIM (faca improvisada): AF traz como adjetivo em desuso o sentido de
espinhoso. Constata-se que a metáfora foi criada a partir do adjetivo,
através da
analogia com a forma pontiaguda do espinho e da faca improvisada.
ESTAR BRANCO (não tem ninguém na área/está tudo sob controle): É uma
lexia
composta baseada na significação da cor branca representativa da paz e da
harmonia. Dessa forma, quando se diz, dentro das penitenciárias, que está
tudo
branco, é porque não há problema (ou guarda por perto), estando tudo
tranqüilo
para dar prosseguimento a ação proibida nas penitenciárias, como por
exemplo,
fugas, surras, estupros, uso de drogas, etc..
88
FAZER (matar): SG define como 1. roubar; 2. entre homossexuais, manter
relações
sexuais, etc. Já em AF consta 58 sentidos, mas ele não menciona o
encontrado no
Sistema Penitenciário. É uma metáfora constituída por um verbo vicário, ou
seja, um
verbo que faz as vezes, toma o lugar de muitos outros verbos.
FREIO DE CAMBURÃO (ladrão conhecido da polícia/toxicômano): É uma
reificação
em que a criação metafórica se dá a partir da analogia entre o fato de que
quando a
polícia vê um ladrão conhecido, automaticamente tenta capturá-lo, se estiver
motorizada, vai frear a viatura. Esse ladrão, portanto, não é bem visto pelos

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companheiros porque atrai a atenção dos policiais, podendo levar a uma


perseguição.
FUNÇA (agente penitenciário/carcereiro): AF traz o vocábulo funca: SP.Pop.
1
Pessoa ou coisa de pouco préstimo; 2 mau, ruim. Buscando a economia
vocabular,
além da diferenciação da linguagem, este termo é a redução do vocábulo
funcionário.
GADO (mulher ou pessoa tola/ladrão rápido): Na entrada 3, AF define como
termo
chulo usado para denominar prostitutas, ou seja, uma mulher que troca de
parceiros
rapidamente. Houve nesse caso uma extensão de sentido, em um primeiro
momento
uma desvalorização da mulher, comparando-a ao gado que não tem
vontade
própria, é conduzido e nasce para servir e alimentar o homem. Em relação
ao
ladrão, ocorre uma analogia baseada na rápida troca de parceiros pela
prostituta,
com a rapidez da ação do ladrão, é uma metáfora zoomórfica que os
aproxima e
coloca-os no mesmo plano.
GAMBÉ (polícia militar): SG identifica a lexia com este sentido. É uma
palavra de
difícil interpretação que pode se caracterizar como uma criação
onomatopaica, na
qual se faz uma analogia com o som estridente da sirene do carro policial
gambá+é
(som característico da sirene dos carros da PM). Uma outra hipótese seria o
zoomorfismo através da analogia entre o gambá, animal que para se
defender exala
um cheiro desagradável, e o policial militar, que também desperta o mesmo
asco e
sensação desagradável aos infratores da lei.
89
GANSO (pessoa ruim, que fica olhando/encarando o outro): SG define: 1.
Entre
policiais, informante; 2. Pessoa feia. AF traz apenas como um tipo de ave
anseriforme. Constata-se que o sentido utilizado nas penitenciárias se
aproxima do

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usado por SG, já que o informante é aquele que descobriu ou observou


alguma
coisa e pode contar aos policiais. É uma metáfora zoomórfica em que se
utiliza as
características do ganso, animal de pescoço longo, aproveitado em muitas
propriedades rurais como vigia, pois produz um som característico quando
avista
qualquer elemento estranho, além de elevar a cabeça e fixar o olhar em
determinada
direção quando caminha. É também um animal conhecido pela forma
agressiva com
que defende seu território, sempre disposto a atacar.
GERAL (revista completa nas celas): AF traz como adjetivo no sentido de
genérico,
comum à maior parte. É uma metáfora criada a partir de uma derivação
imprópria
em que o termo se transforma em um substantivo e passa a significar uma
revista,
porém mantém a significação de maior parte, já que a geral é uma revista
minuciosa,
que analisa dos menores aos maiores objetos dentro da cela, inclusive as
paredes.
GRAMPO (algemas): SG dá o sentido de 1.beijo, 2.prisão, 3. gravação de
conversa
por telefone; não fazendo menção ao sentido giriático encontrado nas
penitenciárias.
A criação metafórica deu-se a partir do uso apresentado por AF que define
essa
lexia como “peça de metal que segura e liga duas pedras em uma
construção”. Se
estendermos para um sentido mais genérico, grampo é tudo que liga duas
coisas/objetos. As algemas, também, ligam duas mãos, prendendo,
impossibilitando
o movimento.
IR PARA O PIANO (ser torturado, interrogado): É uma metáfora baseada no
fato de
a pessoa que passa por um interrogatório, ser submetida a um exame de
dactiloscopia, processo de identificação em que se pressionam as pontas
dos dedos
sobre uma almofada de tinta para a coleta das impressões digitais dos
suspeitos.

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Esse movimento lembra o movimento das mãos no toque do piano,


originando daí a
expressão metafórica através de uma semelhança de movimentos.
JACARÉ (serra): SG observa que este termo é usado apenas nos presídios
para
designar o indivíduo que assalta os próprios colegas nas celas. AF define
como
90
designação comum a todos os répteis crocodilianos da família dos
aligatorídeos,
além de, na entrada 12. como termo característico da Bahia, como uma
espécie de
facão sertanejo. É uma metáfora zoomórfica que faz analogia com os dentes
pontiagudos do jacaré, com os dentes da serra que têm formato muito
semelhante.
JOANINHA (carro de polícia tipo fusca): Os dois dicionários trazem o sentido
encontrado nas penitenciárias, AF observa na entrada 4 que se trata de uma
gíria
brasileira. É uma metáfora zoomórfica criada através da analogia com a
aparência
entre a forma arredondada do carro que possui sirenes vermelhas, muito
semelhante
ao inseto conhecido como joaninha, que possui uma carapaça arredondada
com
manchas vermelhas. Além disso conota um disfemismo pelo descaso com a
potência e modelo do veículo.
LAMBRETA (pedaço de papel colocado no meio do dedo de quem dorme,
ao qual
se ateia fogo): AF utiliza apenas a definição usual de motoneta. É uma
metáfora
criada a partir da analogia com o escapamento das lambretas mais antigas,
que
normalmente é barulhento, além de soltar muitas faíscas. A lambreta nas
penitenciárias traz dois semas comuns aos do veículo: o barulho e o fogo. O
barulho,
isto é, os gritos produzidos pela vítima da brincadeira que se assusta, e o
fogo
produzido pela queima do papel colocado entre os dedos da vítima.
LAMPIANA (faca): Metáfora criada a partir antropomorfização do substantivo
masculino lampião+-ana, uma analogia a Lampião, cangaceiro célebre da
região

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nordestina, também conhecido como rei do cangaço, que carregava muitas


facas e
era temido pela destreza com que manuseava suas facas, além da violência
de suas
ações.
LARANJA (aquele que assume a culpa no lugar do outro): AF define como
pessoa
ingênua, simples ou sem importância. Na entrada 2, SG traz como pessoa
que
substitui outra em muitas situações. Essa reificação surgiu no final da
década de 70
com as chamadas “pirâmides”, jogo no qual havia uma pessoa que era
chamada de
“limão” que deveria aliciar dez pessoas para o jogo, fazendo pagamentos
para que
os “limões” recebessem. Isso acontecia sistematicamente, pois para alguém
receber,
alguém deveria pagar. As pessoas que faziam o pagamento eram
chamadas de
91
“laranja” e dificilmente obtinham seu dinheiro de volta, isto é, eram as
pessoas que
pagavam e não recebiam o seu dinheiro de volta. Esse vocábulo está
relacionado à
violência devido ao fato de o laranja, nas penitenciárias, estar sempre
acobertando
algum tipo de crime, seja tráfico, assassinato, violência sexual, roubo, entre
outros.
LATRÔ (pessoa que mata para roubar): É uma forma apocopada de
latrocida,
palavra típica do jargão jurídico, embora não conste do Código Penal. Na
sua
criação ocorre a queda das duas sílabas finais e deslocamento do acento,
ou seja,
um hiperbibasmo por sístole. Caracteriza-se em uma espécie de metonímia
em que
se usa o a designação do crime (assalto seguido de morte) pelo próprio
autor em
uma relação de contigüidade/dependência. Neste termo ocorre, ainda, uma
adaptação para o nível de linguagem, pois a matéria fônica do termo
latrocida não

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cabe no mundo marginal do falante, sendo reduzida, portanto, a uma


oxítona, o que
proporciona uma maior agilidade à lexia.
MANCOSO (pessoa que não age certo/alcagüete): Este termo é de origem
francesa
manquer, que significa faltar. É uma derivação sufixal a partir do adjetivo
manco em
que se acrescenta o sufixo –oso, que tem sentido de muito, cheio. SG
apresenta o
termo mancar com sentido de desrespeitar compromisso. Temos aqui uma
metáfora
que faz analogia com o fato de manco caracterizar uma pessoa que
caminha com
dificuldade, denotando uma desarmonia, isto é, está fora do padrão
considerado
normal com a atitude considerada inadequada no Sistema Penitenciário.
MANJATEMPO (pessoa que se preocupa com a vida dos outros): É uma
composição por justaposição em que se une a gíria manjar (AF: observar,
espionar,
informar) + o substantivo tempo, dando a idéia de que a pessoa passa todo
o tempo
observando, espionando a vida alheia. É uma criação sinedóquica em que
se toma o
abstrato pelo concreto, ou seja, a ação pela pessoa que a realiza.
MÁQUINA (revólver): SG traz na entrada 3 essa significação, enquanto que
AF trará
apenas na entrada 11., observando que se trata de uma forma giriática.
Temos uma
sinédoque em que se toma a parte pelo todo, neste caso mais propriamente,
o
genérico pelo específico, pois a máquina se constitui em uma parte do
revólver.
92
MOCOZAR (esconder): SG traz a redução mocó como esconderijo. AF
menciona a
lexia mocozear (mocó + ear) – Bras. RJ – gíria- pôr em lugar de recato,
esconder.
Em AF encontra-se, ainda, mocozal: (mocó+zal) Brás. NE – lugar onde se
vêem
altas paredes de rochas cheias de buracos nos quais vivem mocós. É uma
metáfora

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baseada na analogia com o fato do mocó, roedor carnívoro, viver escondido


no meio
das rochas com esconder algo que não deve se encontrado, como por
exemplo, o
produto de um roubo, ou mesmo porções de droga dentro da penitenciária.
Aparece
ainda, na cadeia, a variante fonética muguear com a mesma significação.
MULA (pessoa que carrega tóxicos): AF define como a fêmea do mulo. É
uma
metáfora zoomórfica que faz uma analogia com a utilidade da mula como
animal de
carga, o mula no Sistema Penitenciário funciona como um animal de carga,
encarregado de trazer uma encomenda, normalmente substâncias
entorpecentes,
tanto para uso de quem encomenda, quanto para comércio dentro das
unidades
penitenciárias.
PEGAR O VERDE (fugir): Esta expressão nasceu na Colônia Penal Agrícola
(CPA),
onde os detentos, por estarem em regime semi-aberto, possuem maior
liberdade, o
que propicia um número maior de fugas. Acrescente-se que esse tipo de
estabelecimento prisional localiza-se na zona rural, cercado de plantações e
bosques, isto é, verde por todos os lados. No entanto, houve uma extensão
do
significado, em que essa expressão passa a ser usada também nas
penitenciárias
de regime fechado e que ficam na zona urbana. Pegar o verde remete-nos,
ainda, à
idéia de liberdade proporcionada pela idéia de contato com a natureza
representada
pelo vocábulo verde.
PÉ-PRETO (soldado/PM): É uma criação sinedóquica que toma a parte pelo
todo,
através de uma composição por justaposição, com valor disfêmico, que
procura
desvalorizar o policial a partir de o pé ser a parte do corpo mais próxima ao
chão,
isto é, da sujeira, além da cor escura, preta, indicando indivíduo sujo.
PÉ-DE-PORCO (agente penitenciário/guarda de cadeia): É uma metáfora
criada a

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partir da metáfora zoomórfica porco utilizada dentro do Sistema


Penitenciário para
designar o guarda prisional, relacionando-o a uma pessoa suja, no sentido
de ruim,
93
que pode causar mal. Uma outra possibilidade seria através de uma criação
sinedóquica baseada em uma relação de parte pelo todo, isto é, utiliza-se a
pior
parte do porco, a que está em contato direto com a sujeira, o estrume, para
designálo.
PERDIGÃO (preso que trabalha como guarda): AF define como o macho da
perdiz,
contudo esse vocábulo é derivado do adjetivo perdigueiro, espécie de cão
de
estatura variável, focinho curto, orelhas grandes e com marcada aptidão
para a
caça, em especial a de perdizes. É uma metáfora zoomórfica criada a partir
do fato
de que esse tipo de preso deveria proteger os outros internos, assim como o
perdigão protege a perdiz, no entanto, ele vigia, caça e entrega os
companheiros,
como um cão perdigueiro em relação às perdizes.
PESCOÇO (olheiro/pessoa que cuida da vida dos outros): AF define na
entrada 1
como a parte do corpo que liga a cabeça ao tronco. Trata-se de uma
sinédoque
baseada numa relação de coexistência, alargando a significação normal
dessa
palavra em que se toma a parte pelo todo. Remete-nos, ainda, à gíria
ganso,
também usada no Sistema Penitenciário, utilizada para nomear as pessoa
que
cuidam da vida alheia, numa menção ao pescoço do animal.
PORCO (agente penitenciário/guarda de cadeia): AF na entrada 4 traz com
o
significado de indivíduo sujo, imundo; na 5 como diabo. É uma metáfora
zoomórfica
em que se transfere para a pessoa responsável por proibir, negar, fiscalizar
e trancar
os detentos as características negativas de um animal. O uso da entrada 5
reflete

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como é visto esse guarda, um ser relacionado a tudo que for mal.
QUEBRAR A PERNA (prometer algo e não cumprir): AF traz apenas o verbo
quebrar
na entrada 2 como partir, romper; na 5 como infringir, violar, transgredir. É
uma
expressão sinedóquica que explora uma extensão do sentido vocabular,
baseada
em uma relação de vizinhança para alargar o sentido normal dessas
palavras a partir
da tomada de algo concreto, quebrar a perna, por algo abstrato, não cumprir
um
trato.
94
RATO DE XADREZ (preso que rouba as celas dos colegas): AF define
apenas rato,
na entrada 4, como ladrão. Trata-se de uma metáfora zoomórfica que se
baseia no
fato de esse tipo de animal se alimentar de restos e ser extremamente
ávido,
roubando na primeira oportunidade que surge. Além disso trata -se de uma
forma
disfêmica que retrata o desprezo pelo indivíduo capaz de roubar os
companheiros
do grupo, fato imperdoável e que pode levar até à morte no Sistema
Penitenciário.
RIPADO (condenado/vítima): É uma derivação sufixal de ripa (AF: pedaço
de
madeira comprido e estreito). SG traz ripar com sentido de bater/matar. É
uma
metonímia que explora a reificação, empregando uma palavra no lugar de
outra que
sugere, utilizando a designação do instrumento, pedaço de madeira, que na
mão de
alguns indivíduos pode se transformar em uma arma, pela vítima da ação
violenta.
RITA (colher afiada que serve como faca de cozinha): Neste termo ocorre
uma
antropomorfização, uma espécie de metonímia em que se emprega um
nome
feminino baseado em uma relação de dependência, criada a partir do fato
de a

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mulher normalmente cuidar da cozinha. Temos então um objeto inofensivo


(colher,
objeto para tomar alimentos líquidos) transformado em utensílio de cozinha
(faca,
para cortar alimentos sólidos). Eventualmente, e dependendo das
circunstâncias
poderá ser usada como arma.
SAMANGO (Policial Militar): SG define com polícia militar. AF, na entrada 1
traz
como expressão típica do N e NE com sentido de indolente/preguiçoso, na
entrada 3
cita como gíria brasileira no sentido de policial/tira. Este termo caracteriza-se
como
uma criação sinedóquica em que se usa uma característica depreciativa
para
caracterizar o algoz, responsável pela prisão dessas pessoas. Nas
entrevistas,
apareceram, ainda, a variante mango em que ocorre a aférese da sílaba
inicial,
mantendo o mesmo tom jocoso e depreciativo. Este termo pode estar
relacionado,
ainda, a ximango, que vem do guarani e AF traz com sentido de gavião, ave
de
rapina, utilizada para caça e conhecida pela visão aguçada. Na sua
evolução
fonética ocorreu uma despalatalização de ?>s, além da assimilação de i>a.
SAPO (cadeado): SG define como adjetivo para pessoas gordas. AF utiliza
como
designação comum para anfíbios anuros. É uma metáfora zoomórfica,
baseada na
95
semelhança entre o formato da boca do sapo com o mecanismo de trava do
cadeado. Essa criação não é recente, vem da Umbanda e consta inclusive
em
músicas populares, em que amarrar o nome de alguém na boca do sapo é o
mesmo
que fechar todas as portas ou possibilidades de felicidade, até mesmo,
podendo
levá-la à morte. Os cadeados que fecham as portas das prisões tiram a
esperança
de felicidade que a liberdade proporciona ao homem, trazendo desgraças e

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sofrimento, amarrando a vida dessas pessoas.


SEGURO (cela separada, privada do convívio com os outros internos): AF
traz como
adjetivo com valor de livre de perigo, protegido firme. Ë uma metonímia
criada a
partir de uma derivação imprópria em que o adjetivo passou a ser
empregado como
substantivo devido a uma relação de dependência de idéia, empregou-se
seguro,
por cela separada, ou seja, uma característica acaba por designar o próprio
lugar.
SUKITA (aquele que assume a culpa no lugar do outro): É uma metonímia
criada a
partir da metáfora laranja. É uma reificação que se baseia no fato de a
sukita ser um
refrigerante popular a base de suco de laranja.
TATU (buraco/túnel para fuga): SG observa que nos presídios esse termo é
usado
para definir o preso que cava túnel para fuga em massa, enquanto AF define
como
designação comum aos mamíferos desdentados da família dos
dasipodídeos.
Novamente o zoomorfismo se faz presente e essas duas definições estão
intimamente ligadas ao sentido encontrado no Sistema Penitenciário, pois
ocorre
uma analogia com o fato de o tatu, animal citado por AF, fazer buracos e
túneis na
terra. É uma espécie de metonímia que estabelece uma relação do agente
pelo seu
produto.
TERESA/Drª TERESA (corda feita de lençol): AF traz como meias
enroladas, neste
termo há uma antropomorfização a partir da analogia com o fato da teresa
ser muito
parecida com uma trança, tipo de penteado feminino. É uma metonímia que
estabelece uma relação de símbolo, penteado essencialmente feminino,
pela coisa
simbolizada.
96
TRANCA (castigo, isolamento): SG traz como vocábulo característico dos
presídios,

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com sentido de cela. AF, na entrada 2, define como qualquer dispositivo de


segurança que se adapta às portas. É uma sinédoque que exprime uma
extensão do
sentido vocabular de tranca, baseada numa relação de vizinhança, toma-se
a parte
(tranca/fechadura) pelo todo (a cela em que o indivíduo fica isolado na ala
de castigo
e que possui uma fechadura/tranca por fora.
TRANSPORTE/BLINDADO (pessoa que transporta objeto no ânus): É uma
metonímia que explora a reificação a partir da semelhança entre o carro
blindado,
veículo a prova de balas que transporta valores, com o indivíduo que
transporta
objetos no ânus, lugar que dificulta a vistoria. Graças a esses indivíduos, os
internos
do Sistema Penitenciário conseguem introduzir nas penitenciárias, objetos
como
celulares, armas, drogas, entre outros.
TRÊS OITÃO (revólver): É uma sinédoque em que se utiliza a parte pelo
todo, ou
seja, utiliza-se o calibre trinta e oito do revólver pelo próprio revólver. Faz-se
importante observar o uso do sufixo –ão responsável por conotar a força e o
poder
desse tipo de arma.
TRETA (briga/problema): SG define como mutreta, confusão. Neste termo
ocorre
uma redução do vocábulo mutreta com a aférese da sílaba inicial mu- em
que a lexia
mantém o mesmo valor semântico.
VACA (sirene): Com este sentido não consta de nenhum dos dicionários
consultados, SG utiliza-o para referir-se a mulheres sem classe, prostitutas,
enquanto que AF define como a fêmea do boi. É uma metáfora zoomórfica
que faz
uma analogia entre o som da sirene e o produzido pela vaca, atribuindo a
um objeto
um som característico de um animal, em uma relação fonética não muito
evidente.
XIS (cela/xadrez): AF define apenas como o nome da letra X. É uma
sinédoque que
oferece uma extensão de sentido vocabular, alargando o sentido a partir de
uma

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relação de coexistência em que se toma uma parte da palavra, a letra X,


pela
significação da palavra xadrez, que se inicia por essa letra.
97
5.2.3 Sexo
CAVALA (mulher bonita e grande): AF traz como uma espécie de peixe. É
uma
invencionice criada a partir do vocábulo cavalo, animal mamífero, grande e,
na
maioria das vezes, elegante. É uma metáfora zoomórfica criada a partir
dessas
características do cavalo que são transferidas para a mulher.
COME-QUIETO (pano/lençol que envolve a cama): SG apresenta o sentido
de
divisão de lençol para relacionamento homossexual É uma prosopopéia
formada a
partir da composição por justaposição do verbo comer com o adjetivo quieto,
possuindo uma forte conotação sexual. O primeiro termo faz alusão ao ato
sexual e
o segundo reflete o modo como esse ato deve ocorrer, em silêncio, pois,
nas
penitenciárias as relações homossexuais são proibidas, embora elas
ocorram
freqüentemente, e, muitas vezes, de forma imposta e violenta.
DORMIR NO BRAÇO (manter relações homossexuais): É uma expressão
metafórica
reveladora do comportamento carcerário, pois o indivíduo que dorme junto a
outro
homem, abraçado, é porque aceita os carinhos e conseqüentemente
mantém
relações homossexuais com o parceiro. O vocábulo braço pode referirse/
representar, ainda, ao/o órgão sexual masculino, numa clara alusão à
relação
homossexual.
DUQUECATORZE (estuprador de homem): É uma metáfora criada a partir
da
analogia com o Código Penal – artigo 214 que caracteriza o atentado
violento ao
pudor, essa criação metafórica se deu através da composição do vocábulo
duque,
que designa o segundo grupo do jogo do bicho, mais o numeral catorze. É

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interessante observar que não é utilizado o artigo referente ao estupro, por


se tratar
de um homem esse ato é caracterizado por eles como uma ação de
violência aos
bons costumes.
DUQUETREZE (estuprador): É uma metáfora criada a partir da analogia
com o
Código Penal – artigo 213 que caracteriza o estupro. Essa metáfora formou-
se
98
através da composição por justaposição do vocábulo duque, que é o
segundo grupo
do jogo do bicho, mais o numeral cardinal 13.
FRANCHÃO/FRANCHONE (elemento amasiado com travesti, o parceiro
ativo): AF
traz como adjetivo com sentido de mal-encarado, repulsivo, feio; apresenta,
ainda, a
variante franchinote com sentido de peralta, janota. SG traz a variante
franchona que
é usada entre homossexuais com sentido de homossexual feminino. É uma
criação
metafórica a partir de uma derivação imprópria desse adjetivo que passa a
ser
substantivo, a partir da analogia com o fato de que a relação homossexual
assumida
ser extremamente criticada e satirizada. O que causa estranhamento é que
a relação
sexual, ou até mesmo o estupro, não o é, pois essas ações representam
apenas
uma necessidade biológica, enquanto que na relação duradoura
representada pelo
amasiamento pressupõe-se um envolvimento emocional que não é bem
visto, nem
aceito pelo meio carcerário.
MÃE/MAEZONA (homem que faz o papel de mulher (parceiro passivo) de
um só
elemento): AF traz na entrada 1 com sentido de mulher, na 2 com sentido de
pessoa
muito dedicada e boa. Essa criação metafórica se deu a partir da
semelhança de
comportamento entre o parceiro que assume o papel feminino, lavando,

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cozinhando
e satisfazendo os desejos sexuais do parceiro, além da fidelidade, com o
comportamento de uma mãe, que ama e cuida dos filhos com desvelo e
carinho,
sempre pronta para apoiar e amar. Esse tipo de comportamento é gerado,
muitas
vezes, pelo vício, pois o indivíduo usa cigarro ou drogas e não tem como se
manter,
isso o leva a arrumar um parceiro que lhe dê assistência financeira, além de
proteção física em troca de favores sexuais.
MARICONA (homossexual não assumido, que tem mulher e filhos fora da
cadeia):
AF define como homossexual efeminado e idoso. No espanhol temos o
vocábulo
coloquial maricón com sentido de bicha, veado. Dentro do Sistema
Penitenciário,
trata-se de uma criação disfêmica, pois o maricona tem comportamento
masculino,
não assumindo publicamente sua relação homossexual, nem admitindo
comentários
irônicos a respeito do assunto.
99
PENOSA (mulher que sai com muitos homens/galinha): É uma derivação
sufixal a
partir de pena + o sufixo –osa. AF define como a ave galinha, especialmente
as
magras. Essa criação se dá a partir do emprego figurativo de galinha, usado
para
mulher ou homem volúvel que se entrega com facilidade. No vocábulo
penosa, há
uma analogia com esse termo, ocorrendo uma criação sinedóquica a partir
de uma
relação de contigüidade em que se emprega a parte, penas, pelo todo,
galinha,
caracterizando-se em um zoomorfismo.
PERSEGUIDA (vagina): SG traz na entrada 3 o sentido de vagina. AF traz
com Bras.
PB, chulo, a vulva. É uma metáfora baseada no fato de o órgão sexual
feminino ser
um dos elementos que despertam maior desejo.
PIÁ (homossexual que não comercializa o corpo, mas mantém relações

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sexuais
voluntariamente): Expressão que vem do tupi piá, com sentido de entranhas,
coração. AF traz na entrada 1 como índio jovem e na 3 como menino. SG
define
como garoto. É uma metáfora criada a partir da analogia entre a delicadeza
e
aquiescência do menino que se deixa dominar e a do detento que aceita o
relacionamento. Este indivíduo age dessa forma por inúmeras razões, seja
porque
gosta da relação homossexual, seja por buscar proteção, mantendo um
único
parceiro sexual.
PUTO (homossexual, que comercializa o corpo espontaneamente): AF traz
na
entrada 1 como adjetivo chulo com sentido de homossexual, na 2 indivíduo
devasso,
corrompido. Este termo veio do latim puttu, por putu, menino, sentido que
mantém
ainda no português lusitano. SG também define como homossexual. É uma
metáfora
criada a partir da analogia com puta, termo latino putta, por puta, menina,
que é
utilizado para as mulheres libertinas que comercializam o próprio corpo.
SOCA-PORVA (manter relações sexuais): É uma composição por
justaposição do
verbo socar + o substantivo pólvora. É uma criação metafórica disfêmica
que ocorre
pela analogia entre o ato de carregar os mosquetes, arma de fogo antiga,
com o
feitio da espingarda, porém mais pesada e que era carregada manualmente
pela
introdução, em seu cano, de pólvora, chumbo, os quais são comprimidos
por uma
vareta, com o ato de introdução do pênis na vagina feminina, isto é, o ato
sexual.
100
TREME-TREME (motel): AF traz como um tipo de peixe. SG, na entrada 1,
dá com
sentido de sovina e na 2 como edifício de má fama. É uma metonímia em
que se
emprega um nome no lugar de outro sugerido, ou seja, ocorre uma relação

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de
dependência. Essa criação se dá a partir do processo de composição por
justaposição, fazendo analogia com o movimento da cama, objeto que tem
em todos
os quartos de um motel, no momento da relação sexual com o próprio motel,
lugar
onde os casais vão com o objetivo de manter relações sexuais.

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