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S O B R E ( H T T P S : / / R E V I S TA C U L T . U O L . C O M . B R / H O M E / S O B R E / )
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Na verdade, não sei bem se vou falar sobre Derrida. Talvez seja melhor confessar logo
que vou falar sob Derrida. Vou falar de baixo. Um pouco como a perspectiva que
Francis Ponge usa para falar das samambaias em “Rhum des fougères” (de 1942): “De
baixo das samambaias e seus belos brotinhos terei uma perspectiva do Brasil?” De
baixo das plantas terei uma perspectiva de Derrida?
O vegetal é uma análise em ato, uma dialética original no espaço. Progressão por
divisão do ato precedente. A expressão dos animais é oral, ou mimetizada por gestos
que apagam uns aos outros. A expressão dos vegetais é escrita, uma vez por todas.
Não há como voltar atrás, arrependimentos e emendas não são possíveis: para se
corrigir, é preciso acrescentar. Corrigir um texto escrito, e lançado, por apêndices, e
assim por diante.
Pensar a temporalidade do vegetal obriga a pensar que o tempo vegetal é pura duração
(durée) na mesma medida em que é movimento. O vegetal se move na mesma medida
em que vive e cresce. O movimento é a própria vida, do crescimento. Desde o
momento em que o grão se abre (explode) até a queda do fruto, o vegetal se moveu e
viveu no tempo. Em alguns casos, esse tempo se mede em semanas ou meses (em
flores sazonais). Em outros, em séculos (1800 anos, no caso de uma sequoia). À
medida que cresce e se movimenta, o vegetal se transforma e se complexifica, das
samambaias às orquídeas.
Não se trata apenas de lutar para proteger as florestas e as árvores, embora isso seja
necessário (como fez Julia Butterfly Hill, que viveu no topo de uma sequoia de 1500
anos por 783 dias, para protegê-la do abate; assim como fez Chico Mendes). Trata-se
de mudar nossa atitude diante de outras formas de vida, para saber viver em conjunto,
“vivre ensemble”, “living together”, como propôs Derrida numa conferência na UC
Santa Barbara (2003). “Vivre ensemble” não significa abrir mão das diferenças, nem
da diferença ontológica, nem da diferença em relação ao outro. Significa, mais do que
esquecer-se da diferença, superar a indiferença.
Para nos liberarmos, liberemos a flor. Mudemos de opinião quanto a ela. Fora desse
invólucro: o conceito em que ela se tornou. Por meio de alguma revolução devolutiva,
devolvamo-la, salva de toda definição, ao que ela é. Mas o quê então? –
Evidentemente isto: um conceptáculo.
Assim, por (a)colher as flores da retórica, a palavra poética é um saber de cor (par
coeur), como afirma Derrida (“Che cos’è la poesia?”) um saber de coração, que mais
que nunca é necessário, em tempos de violência, intolerância e indiferença. Nesses
tempos em que a humanidade defunta vai preparando seu próprio velório, é bom
lembrarmos de trazer as flores. Esperando que ainda haja flores. E rosas. Pois as
rosas, que tudo sabem, inclusive sobre perder a cabeça, nada perguntam. Assim reza a
rosa de Angelus Silesius, que trago para decorar os 50 anos de desconstrução,
traduzida num desvio de Babel:
Die Ros’ ist ohn warumb,
Ao fim do fim, tenho que admitir que as reflexões que apresentei estão apenas
brotando, crescendo em várias direções, como uma “dialética original no espaço”.
Entre outras coisas, acredito que pensar o vegetal, que logo somos, pode nos ajudar a
questionar o modelo baseado no indivíduo (sustentado pelo cogito), que é o modelo
animal, para um modelo de pensar baseado no divíduo – na dividuação do vegetal. Pois
lá onde o animal quer se recolher em si mesmo (em último limite, no humano, no
egoísmo, na acumulação), o vegetal quer dividir[-se], quer integrar-se, quer frutificar
em direção ao futuro comum [avenir]. O ato essencial do vegetal é o dom, no sentido
de doação (le don). E seu modo de viver é o “vivre ensemble”, “living together” se
quisermos remeter, novamente, a Derrida. Há uma palavra inglesa que traduz bem
isso, e que é também intraduzível: togetherness. O vegetal nos leva a pensar que há
uma ética que se baseia mais em dividir mais que em reter, em acolher mais do que
em escolher, em ofertar mais do que em apartar. Uma ética da generosidade, que é,
em última instância, uma ética da hospitalidade. Mais não digo, senão: “olhai os lírios
do campo…”
Nota bene: Devo este texto ao Filipe Ceppas, e também às conversas com Evando
Nascimento (não tanto pelas flores), cujo livro Derrida e literatura me foi sempre
imprescindível. Sobre a relação entre as plantas e a literatura, remeto a Plant Theory,
de Jeffrey T. Nealon. Ainda, sobre o modo de ser vegetal, remeto ao belo livro
Sensibilidad e inteligencia en el mundo vegetal, de Stefano Mancuso e Alessandra Viola.
D E I X E O S E U CO M E N TÁ R I O
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