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Das Humanidades, porque tudo o que diga respeito à questão e à história da verdade
na sua relação com a questão do homem e do direito do homem deve ter o seu lugar de
discussão incondicional, o seu local de trabalho, na universidade e, aí, nas Humanidades.
Porque é aí que se tem acesso a um novo espaço público transformado pelas técnicas de
comunicação, informação, arquivo e produção de saber. Mas Derrida também alarga o
conceito de Humanidades, deixando de lado o conceito conservador e humanista ao qual se
usa associar o Humanismo e os seus cânones antigos para incluir o direito, as teorias da
tradução, aquilo a que se chama “theory” na cultura anglo‐saxónica, ou seja, teoria literária,
filosofia, antropologia, psicanálise, etc, e, em todos esses lugares, as práticas
desconstrutivistas.
Derrida diz‐nos que esta Universidade sem condição deveria partir de uma resistência
incondicional de tudo questionar – o que levaria a uma oposição a um grande número de
poderes, de Estado, económicos, ideológicos, religiosos, culturais, etc. – onde nada pudesse
ser isento de ser posto em questão, nem sequer a ideia de democracia, a ideia de crítica
teórica, e do pensamento como “questionar”.
Mas porque ligar a Universidade à Profissão? Porque, através da história do trabalho –
nas suas varáveis de ofício, profissão, professor – o autor deseja associar a universidade sem
condição a um penhor, um compromisso, a uma profissão de fé, Na universidade esta
“condição” articula a fé com o saber.
A ideia base na Profissão é a ideia de crença, de professar, é a ideia de fé, fé na
responsabilidade ética. A fé aqui é o sinónimo da confiança no outro, confiança que todos nós
devemos ter. É crer no outro sob palavra. Não é uma fé dogmática, mas é a fé no outro que é
outro, é a condição da relação social, sendo que esta condição da relação social é também a
condição da própria Humanidade.
Derrida diz‐nos que a profissão tem na sua origem esta ideia de professar, este
compromisso sem papel, este mero compromisso na palavra dada ao outro. A profissão
pressupõe uma espécie de juramento, de confiança, um juramento na competência, na
responsabilidade, no exercício desse saber. Profissão é saber e um compromisso incondicional
que a profissão implica, lembrando‐nos o princípio de responsabilidade, o ético, o justo que
subjaz, inspira, que dita, ou deve ditar o exercício de qualquer profissão.
Professar é, pois, comprometer‐se declarando‐se, dando‐se por, prometendo ser isto
ou aquilo; não somente ser isto ou aquilo, mas comprometer‐se a sê‐lo.
Derrida faz algumas considerações sobre o trabalho, alertando para o facto de que
nem toda a acção, nem toda a actividade é trabalho1 e que é necessário distinguir entre
1
P. 45.
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trabalho social em geral, ofício e profissão. Geralmente, fala‐se por excelência da profissão de
médico, advogado, etc., como se a profissão implicasse o comprometimento de uma
responsabilidade livremente declarada e como que sob juramento, ou seja, professada: no
fundo, um compromisso a manter, a declaração de responsabilidade. Cabem então aqui, neste
seu discurso, todas as profissões: as mais antigas e as mais recentes. A profissão de gestor
cultural, de gestor do património cultural, de gestor de bens históricos, de museólogos. A estas
profissões, tal como às outras, assiste obrigatoriamente a dualidade do profissional ser um ser
humano indissociável do profissional. Não pode haver lugar a um ser que ao assumir‐se como
profissional “dispa” a pele da sua humanidade.
A ideia de profissão supõe também que, para lá do saber, do saber‐fazer e da
competência, um compromisso, uma liberdade, uma responsabilidade ajuramentada, uma fé
jurada, obrigam o sujeito a prestar contas diante de uma instância a definir2.
O autor utiliza frequentemente uma frase Como se, diz, o fim do trabalho estivesse na
origem do mundo. E dá‐lhe diversos sentidos. O “como se” traduz uma dimensão de ficção,
uma dimensão de virtualização do próprio princípio incondicional. Ele não existe como tal, ele
não é real, ele não se traduz, não se trai linguisticamente ou discursivamente, ele está
presente como um espírito (ver “Spectres de Marx” do mesmo autor), como um espírito da
justiça, como um espírito da invenção, da melhoria com uma insatisfação de tudo isto.
Ninguém pode dizer, “eu sou responsável”, “eu sou humano”, “eu sou ético”, “eu sou um bom
profissional”, porque, sê‐lo é desejar sê‐lo a cada instante.
Mas o conceito de trabalho está impregnado de sentido, de história e de equívocos, e é difícil
pensá‐lo para além do bem e de mal, pois está associado à vida, à produção, à história, ao
bem, à liberdade, mas também ao mal, ao sofrimento à servidão3.
Derrida utiliza a expressão “fim do trabalho” emprestada de um livro de Jeremy Rifkin, e sobre
o que este chama a “terceira revolução industrial”, que “tanto poderia ser utilizada para o bem
como para o mal”, na medida em que as novas tecnologias da informação, tanto podem ser
utilizadas para libertar, ou, antes pelo contrário, desestabilizar a própria civilização. Rifkin
acrescenta ainda que cada vez será preciso menos trabalhadores para produzir bens e serviços
destinados à produção do planeta e que o fim do trabalho tem a ver com as inovações
tecnológicas e com o economicismo que nos empurram para os começos de um mundo sem
trabalhadores, ou quase4.
Concorde‐se ou não com este discurso, Derrida atenta que algo de grave, de facto, está a
acontecer ao que se chama “trabalho, teletrabalho, trabalho virtual”, bem como àquilo que
2
P. 47.
3
Cf. p. 51.
4
Cf. pp. 52‐53.
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5
Cf. p. 53.
6
Cf. pp. 53‐54.
7
Derrida menciona que as responsabilidades a tomar perante esta situação que Rifkin menciona
terão de ser sujeitas a exame: linguagem cristã da fraternidade, sentido para a vida, etc., p. 57.
8
P. 73.
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P. 79.
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