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MATERIAL DIDÁTICO

Turma: CP9 MATERIAL/DISCIPLINA: Língua Portuguesa DATA:

PROFESSORA: MARIANA SAMPAIO ALUNO:

Figuras de linguagem A metáfora consiste em utilizar uma palavra ou uma


São recursos que tornam as mensagens que emitimos expressão em lugar de outra, sem que haja uma relação
mais expressivas. Subdividem-se em figuras de som, real, mas em virtude da circunstância de que o nosso
figuras de palavras, figuras de pensamento e figuras de espírito as associa e depreende entre elas certas
construção. semelhanças.
Classificação das figuras de linguagem É importante notar que a metáfora tem um
Observe: caráter subjetivo e momentâneo; se a metáfora se
1) Fernanda acordou às sete horas, Renata às nove cristalizar, deixará de ser metáfora e passará a ser
horas, Paula às dez e meia. catacrese (é o que ocorre, por exemplo, com "pé de
2) "Quando Deus fecha uma porta, abre uma janela." alface", "perna da mesa", "braço da cadeira").
3) Seus olhos eram luzes brilhantes. Obs.: toda metáfora é uma espécie
Nos exemplos acima, temos três tipos distintos de de comparação implícita, em que o elemento
figuras de linguagem: comparativo não aparece.
Exemplo 1: há o uso de uma construção sintética ao Observe a gradação no processo metafórico abaixo:
deixar subentendido, na segunda e na terceira frase, Seus olhos são como luzes brilhantes.
um termo citado anteriormente - o verbo acordar. O exemplo acima mostra uma comparação evidente,
Repare que a segunda e a última frase do primeiro através do emprego da palavra como.
exemplo devem ser entendidas da seguinte forma: Observe agora:
"Renata acordou às nove horas, Paula acordou às dez Seus olhos são luzes brilhantes.
e meia. Dessa forma, temos uma figura de Nesse exemplo não há mais uma comparação (note a
construção ou de sintaxe. ausência da partícula comparativa), e sim um símile,
Exemplo 2: a ideia principal do ditado reside num jogo ou seja, qualidade do que é semelhante.
conceitual entre as palavras fecha e abre, que possuem Por fim, no exemplo:
significados opostos. Temos, assim, uma figura de As luzes brilhantes olhavam-me.
pensamento. Há substituição da palavra olhos por luzes brilhantes.
Exemplo 3: a força expressiva da frase está na Essa  é a verdadeira metáfora.
associação entre os elementos olhos e luzes Observe outros exemplos:
brilhantes. Essa associação nos permite uma 1) "Meu pensamento é um rio subterrâneo."
transferência de significados a ponto de (Fernando Pessoa)
usarmos "olhos" por "luzes brilhantes". Temos, Nesse caso, a metáfora é possível na medida em que o
então, uma figura de palavra. poeta estabelece relações de semelhança entre um rio
Figura de palavra subterrâneo e seu pensamento (pode estar relacionando
A figura de palavra consiste na substituição de uma a fluidez, a profundidade, a inatingibilidade, etc.).
palavra por outra, isto é, no 2) Minha alma é uma estrada de terra que leva a lugar
emprego figurado, simbólico, seja por uma relação algum.
muito próxima (contiguidade), seja por uma Uma estrada de terra que leva a lugar algum é, na
associação, uma comparação, uma similaridade. Esses frase acima, uma metáfora. Por trás do uso dessa
dois conceitos básicos - contiguidade e similaridade - expressão que indica uma alma rústica e abandonada
permitem-nos reconhecer dois tipos de figuras de (e angustiadamente inútil), há uma comparação
palavras: a metáfora e a metonímia. subentendida: Minha alma é tão rústica, abandonada (e
Metáfora inútil) quanto uma estrada de terra que leva a lugar
algum.

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Metonímia 11 -  Singular pelo plural:


A metonímia consiste em empregar um termo no lugar A mulher foi chamada para ir às ruas na luta por seus
de outro, havendo entre ambos estreita afinidade ou direitos. (= As mulheres foram chamadas, não apenas
relação de sentido. Observe os exemplos abaixo: uma mulher.)
1 - Autor pela obra:
Gosto de ler Machado de Assis. (= Gosto de ler 12 - Marca pelo produto:
a obra literária de Machado de Assis.) Minha filha adora danone. (= Minha filha adora o
iogurte que é da marca danone.)
2 - Inventor pelo invento:
Édson ilumina o mundo. (= As lâmpadas iluminam o 13 - Espécie pelo indivíduo:
mundo.) O homem foi à Lua. (= Alguns astronautas foram à
Lua.)
3 - Símbolo pelo objeto simbolizado:
Não te afastes da cruz. (= Não te afastes da religião.) 14 - Símbolo pela coisa simbolizada:
A balança penderá para teu lado. (= A justiça ficará
4 - Lugar pelo produto do lugar: do teu lado.)
Fumei um saboroso havana. (= Fumei um Saiba que:
saboroso charuto.) Atualmente, não se faz mais a distinção entre
metonímia e sinédoque (emprego de um termo em
5 - Efeito pela causa: lugar de outro), havendo entre ambos relação de
Sócrates bebeu a  morte. (= Sócrates tomou veneno.) extensão. Por ser mais abrangente, o conceito de
metonímia prevalece sobre o de sinédoque
6 - Causa pelo efeito: Catacrese
Moro no campo e como do meu trabalho. (= Moro no Trata-se de uma metáfora que, dado seu uso contínuo,
campo e como o alimento que produzo.) cristalizou-se. A catacrese costuma ocorrer quando,
por falta de um termo específico para designar um
7 - Continente pelo conteúdo: conceito, toma-se outro "emprestado".
Bebeu o cálice todo. (= Bebeu todo o líquido que Assim, passamos a empregar algumas palavras fora de
estava no cálice.) seu sentido original. Exemplos:
"asa da xícara"
8 - Instrumento pela pessoa que utiliza: "maçã do rosto"
Os microfones foram atrás dos jogadores. (= "braço da cadeira"
Os repórteres foram atrás dos jogadores.) "batata da perna"
"pé da mesa"
9 - Parte pelo todo: "coroa do abacaxi"
Várias pernas passavam apressadamente. (= Perífrase
Várias pessoas passavam apressadamente.) Trata-se de uma expressão que designa um ser através
de alguma de suas características ou atributos, ou de
10 -  Gênero pela espécie: um fato que o celebrizou. Veja o exemplo:
Os mortais pensam e sofrem nesse mundo. (= A Cidade Maravilhosa (= Rio de Janeiro) continua
Os homens pensam e sofrem nesse mundo.) atraindo visitantes do mundo todo.

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Obs.: quando a perífrase indica uma pessoa, recebe o "Desceu aos pântanos com os tapires; subiu aos Andes
nome de antonomásia. com os condores." (Castro Alves)
Exemplos: Felicidade e tristeza tomaram conta de sua alma.
O Divino Mestre (= Jesus Cristo) passou a vida Paradoxo
praticando o bem. Consiste numa proposição aparentemente absurda,
O Poeta dos Escravos (= Castro Alves) morreu muito resultante da união de ideias contraditórias. Veja o
jovem. exemplo:
O Poeta da Vila (= Noel Rosa) compôs lindas canções. Na reunião, o funcionário afirmou que o operário
Sinestesia quanto mais trabalha mais tem dificuldades
Consiste em mesclar, numa mesma expressão, as econômicas.
sensações percebidas por diferentes órgãos do sentido. Eufemismo
Exemplos: Consiste em empregar uma expressão mais suave,
Um grito áspero revelava tudo o que sentia. (grito = mais nobre ou menos agressiva, para comunicar
auditivo; áspero = tátil) alguma coisa áspera, desagradável ou chocante.
No silêncio negro do seu quarto, aguardava os Exemplos:
acontecimentos. (silêncio = auditivo; negro = visual) Depois de muito sofrimento, entregou a alma ao
Figuras de pensamento Senhor. (= morreu)
Dentre as figuras de pensamento, as mais comuns são: O prefeito ficou rico por meios ilícitos. (= roubou)
Antítese Fernando faltou com a verdade. (= mentiu)
Consiste na utilização de dois termos Ironia
que contrastam entre si. Ocorre quando há uma Consiste em dizer o contrário do que se pretende ou
aproximação de palavras ou expressões de sentidos em satirizar, questionar certo tipo de pensamento com
opostos. a intenção de ridicularizá-lo, ou ainda em  ressaltar
O contraste que se estabelece serve, essencialmente, algum aspecto passível de crítica.
para dar uma ênfase aos conceitos envolvidos que não A ironia deve ser muito bem construída para que
se conseguiria com a exposição isolada dos mesmos. cumpra a sua finalidade; mal construída, pode passar
Observe os exemplos: uma ideia exatamente oposta à desejada pelo emissor.
"O mito é o nada que é tudo." (Fernando Pessoa) Veja os exemplos abaixo:
Prosopopeia ou personificação Como você foi bem na última prova, não tirou nem a
Consiste em atribuir ações ou qualidades de seres nota mínima!
animados a seres inanimados, ou características Parece um anjinho aquele menino, briga com todos
humanas a seres não humanos. que estão por perto.
Observe os exemplos: Hipérbole
As pedras andam vagarosamente. É a expressão intencionalmente exagerada com o
O livro é um mudo que fala, um surdo que ouve, um intuito de realçar uma ideia. Exemplos:
cego que guia. Faria isso milhões de vezes se fosse preciso.
A floresta gesticulava nervosamente diante da serra. "Rios te correrão dos olhos, se chorares." (Olavo
O vento fazia promessas suaves a quem o escutasse. Bilac)
Chora, violão. Apóstrofe
Consiste na "invocação" de alguém ou de alguma
O corpo é grande e a alma é pequena. coisa personificada, de acordo com o objetivo do
"Quando um muro separa, uma ponte une." discurso que pode ser poético, sagrado ou profano.

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Caracteriza-se pelo chamamento do receptor da por elementos gramaticais presentes na própria oração,
mensagem, seja ele imaginário ou não. A introdução quanto pelo contexto. Exemplos:
da apóstrofe interrompe a linha de pensamento do 1) A cada um o que é seu. (Deve se dar a cada um o
discurso, destacando-se assim a entidade a que se que é seu.)
dirige e a ideia que se pretende pôr em evidência com 2) Tenho duas filhas, um filho e amo todos da mesma
tal invocação.  maneira. (Nesse exemplo, as desinências verbais
Realiza-se por meio do vocativo. Exemplos: de tenho e amo permitem-nos a identificação do
Moça, que fazes aí parada? sujeito em elipse "eu".)
"Pai Nosso, que estais no céu..." 3) Regina estava atrasada. Preferiu ir direto para o
"Liberdade, Liberdade, trabalho. (Ela, Regina, preferiu ir direto para o
Abre as asas sobre nós, trabalho, pois estava atrasada.)
Das lutas, na tempestade, 4) As rosas florescem em maio, as margaridas em
Dá que ouçamos tua voz..." (Osório Duque Estrada) agosto. (As margaridas florescem em agosto.)
Gradação Zeugma
Consiste em dispor as ideias por meio de palavras, Zeugma é uma forma de elipse. Ocorre quando é feita
sinônimas ou não, em ordem crescente ou a omissão de um termo já mencionado anteriormente.
decrescente. Exemplos:
Quando a progressão é ascendente, temos o clímax; Ele gosta de geografia; eu, de português.
quando é descendente, o anticlímax. Observe este Na casa dela só havia móveis antigos; na minha, só
exemplo: móveis modernos.
Havia o céu, havia a terra, muita gente e mais Joana Ela gosta de natação; eu, de vôlei.
com seus olhos claros e brincalhões... No céu há estrelas; na terra, você.
O objetivo do narrador é mostrar a expressividade dos Silepse
olhos de Joana. Para chegar a esse detalhe, ele se A silepse é a concordância que se faz com o termo
refere ao céu, à terra, às pessoas e, finalmente, a Joana que não está expresso no texto, mas sim com a ideia
e seus olhos. que ele representa. É uma concordância anormal,
Nota-se que o pensamento foi expresso em ordem psicológica, espiritual, latente, porque se faz com um
decrescente de intensidade. Outros exemplos: termo oculto, facilmente subentendido. Há três tipos de
"Vive só para mim, só para a minha vida, só para meu silepse: de gênero, número e pessoa.
amor". (Olavo Bilac) Silepse de gênero
"O trigo... nasceu, cresceu, espigou, amadureceu, Os gêneros são masculino e feminino. Ocorre a silepse
colheu-se." (Padre Antônio Vieira) de gênero quando a concordância se faz com
a ideia que o termo comporta. Exemplos:
Figuras de construção ou sintáticas 1) A bonita Porto Velho sofreu mais uma vez com o
As figuras de construção ocorrem quando desejamos calor intenso.
atribuir maior expressividade ao significado. Assim, Nesse caso, o adjetivo bonita não está concordando
a lógica da frase é substituída pela maior com o termo Porto Velho, que gramaticalmente
expressividade que se dá ao sentido. pertence ao gênero masculino, mas com a ideia contida
Elipse no termo (a cidade de Porto Velho).
Consiste na omissão de um ou mais termos numa
oração que podem ser facilmente identificados, tanto 2) Vossa excelência está preocupado.
Nesse exemplo, o adjetivo preocupado concorda com

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o sexo da pessoa, que nesse caso é masculino, e não No período composto por coordenação, podemos ter
com o termo Vossa excelência. orações sindéticas ou assindéticas.
Silepse de número A oração coordenada ligada por uma conjunção
Os números são singular e plural. A silepse de número (conectivo) é sindética; a oração que não apresenta
ocorre quando o verbo da oração não concorda conectivo é assindética.
gramaticalmente com o sujeito da oração, mas com a Recordado esse conceito, podemos definir as duas
ideia que nele está contida. Exemplos: figuras de construção:
A procissão saiu. Andaram por todas as ruas da Polissíndeto
cidade de Salvador. É uma figura caracterizada pela repetição enfática dos
Como vai a turma? Estão bem? conectivos. Observe os exemplos:
O povo corria por todos os lados e gritavam muito "Falta-lhe o solo aos pés: recua e corre, vacila e grita,
alto. luta e ensanguenta, e rola, e tomba, e se
Note que nos exemplos acima, os espedaça, e morre." (Olavo Bilac)
verbos andaram, estão e gritavam não concordam "Deus criou o sol e a lua e as estrelas. E fez o
gramaticalmente com os sujeitos das orações (que se homem e deu-lhe inteligência e fê-lo chefe da
encontram no singular, procissão, turma e povo, natureza."
respectivamente), mas com a ideia de pluralidade que Assíndeto
neles está contida. Procissão, turma e povo dão a ideia É uma figura caracterizada pela ausência,
de muita gente, por isso que os verbos estão no plural. pela omissão das conjunções coordenativas,
Silepse de pessoa resultando no uso de orações coordenadas
Três são as pessoas gramaticais: a primeira, a segunda assindéticas.Exemplos:
e a terceira. A silepse de pessoa ocorre quando há um Tens casa, tens roupa, tens amor, tens família.
desvio de concordância. O verbo, mais uma vez, "Vim, vi, venci." (Júlio César)
não concorda com o sujeito da oração, mas sim com Pleonasmo
a pessoa que está inscrita no sujeito. Exemplos: Consiste na repetição de um termo ou ideia, com as
O que não compreendo é como mesmas palavras ou não. A finalidade do pleonasmo é
os brasileiros persistamos em aceitar essa situação. realçar a ideia, torná-la mais expressiva. Veja este
Os agricultores temos orgulho de nosso trabalho. exemplo:
"Dizem que os cariocas somos poucos dados aos O problema da violência, é necessário resolvê-lo logo.
jardins públicos." (Machado de Assis) Nesta oração, os termos "o problema da
Observe que os violência" e "lo" exercem a mesma função sintática:
verbos persistamos, temos e somos não concordam objeto direto. Assim, temos um pleonasmo do objeto
gramaticalmente com os seus sujeitos direto, sendo o pronome "lo" classsificado como
(brasileiros, agricultores e cariocas que estão na objeto direto pleonástico. Outro exemplo:
terceira pessoa), mas com a ideia que neles está Aos funcionários, não lhes interessam tais medidas.
contida (nós, os brasileiros, os agricultores e os Aos funcionários, lhes = Objeto Indireto
cariocas). Nesse caso, há um pleonasmo do objeto indireto, e o
Polissíndeto / Assíndeto pronome "lhes" exerce a função de objeto indireto
Para estudarmos essas duas figuras de construção, é pleonástico. Exemplos:
necessário recordar um conceito estudado em sintaxe "Vi, claramente visto, o lumo vivo." (Luís de
sobre período composto. Camões)

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"Ó mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Anacoluto


Portugal." (Fernando Pessoa) Consiste na  mudança da construção sintática no
meio da frase, ficando alguns termos desligados do
"E rir meu riso." (Vinícius de Moraes) resto do período. Veja o exemplo:
Esses alunos da escola, não se pode duvidar deles.
"O bicho não era um cão, A expressão "esses alunos da escola" deveria exercer
a função de sujeito. No entanto, há uma interrupção da
Não era um gato, frase e essa expressão fica à parte, não exercendo
nenhuma função sintática. O anacoluto também é
Não era um rato. chamado de "frase quebrada", pois corresponde a uma
interrupção na sequência lógica do pensamento.
O bicho, meu Deus, era um homem." (Manuel Exemplos:
Bandeira) O Alexandre, as coisas não lhe estão indo muito bem.
Observação: o pleonasmo só tem razão de ser quando A velha hipocrisia, recordo-me dela com vergonha.
confere mais vigor à frase; caso contrário, torna-se um (Camilo Castelo Branco)
pleonasmo vicioso. Exemplos: Obs.: o  anacoluto deve ser usado com finalidade
Vi aquela cena com meus próprios olhos. expressiva em casos muito especiais. Em geral, deve-
Vamos subir para cima. se evitá-lo.
Anáfora Hipérbato / Inversão
É a repetição de uma ou mais palavras no início de É a inversão da estrutura frásica, isto é, a inversão da
várias frases, criando assim, um efeito de reforço e de ordem direta dos termos da oração. Exemplos:
coerência. São como cristais as palavras. (Na ordem direta seria:
Pela repetição, a palavra ou expressão em causa é As palavras são como cristais.)
posta em destaque, permitindo ao escritor valorizar Dos meus problemas cuido eu! (Na ordem direta seria:
determinado elemento textual. Eu cuido dos meus problemas.)
Os termos anafóricos podem muitas vezes ser Figuras de som
substituídos por pronomes relativos. Assim, observe Aliteração
o exemplo abaixo: Consiste na repetição de consoantes como recurso
Encontrei um amigo ontem. Ele disse-me que te para intensificação do ritmo ou como efeito sonoro
conhecia. significativo. Exemplos:
O termo ele é um termo anafórico, já que se refere Três pratos de trigo para três tigres tristes.
a um amigo anteriormente referido. Observe outro
exemplo: O rato roeu a roupa do rei de Roma.
"Se você gritasse
Se você gemesse, "Vozes veladas, veludosas vozes,
Se você tocasse
a valsa vienense Volúpias dos violões, vozes veladas
Se você dormisse,
Se você cansasse, Vagam nos velhos vórtices velozes
Se você morresse...
Mas você não morre, Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas." Cruz e Souza
Você é duro José!" (Carlos Drummond de Andrade) (Aliteração em "v")

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Assonância Custa ser irmão,


Consiste na repetição ordenada de sons vocálicos custa abandonar nossos privilégios
idênticos. Exemplos: e traçar a planta
"Sou um mulato nato no sentido lato da justa igualdade.
mulato democrático do litoral." Somos desiguais
Onomatopeia e queremos ser
Ocorre quando se tentam reproduzir na forma de sempre desiguais.
palavras os sons da realidade. E queremos ser
Exemplos: bonzinhos benévolos
Os sinos faziam blem, blem, blem, blem. comedidamente
Miau, miau. (Som emitido pelo gato) sociologicamente
Tic-tac, tic-tac fazia o relógio da sala de jantar. mui bem comportados.
Cócórócócó, fez o galo às seis da manhã. Mas, favela, ciao,
que este nosso papo
TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO: está ficando tão desagradável.
FAVELÁRIO NACIONAL vês que perdi o tom e a empáfia do começo?
...
Carlos Drummond de Andrade
(ANDRADE, Carlos Drummond de, Corpo. Rio de
Quem sou eu para te cantar, favela, Janeiro: Record, 1984)
Que cantas em mim e para ninguém
a noite inteira de sexta-feira
e a noite inteira de sábado 1. Nos versos abaixo, percebe-se que foram utilizadas
E nos desconheces, como igualmente não te figuras de linguagem, enfatizando o sentimento do eu-
conhecemos? lírico. Porém, há uma opção em que não se verifica
Sei apenas do teu mau cheiro: esse fato. Assinale-a.
Baixou em mim na viração, a) “Baixou em mim na viração / direto, rápido,
direto, rápido, telegrama nasal telegrama nasal”
anunciando morte... melhor, tua vida. b) “Medo: não de tua lâmina nem de teu revólver”
... c) “Aqui só vive gente, bicho nenhum”
Aqui só vive gente, bicho nenhum d) “Favela, erisipela, mal-do-monte”
tem essa coragem.
... TEXTO PARA AS PRÓXIMAS 8 QUESTÕES:
Tenho medo. Medo de ti, sem te conhecer, FELICIDADE CLANDESTINA
Medo só de te sentir, encravada Clarice Lispector
Favela, erisipela, mal-do-monte
Na coxa flava do Rio de Janeiro.
Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos
Medo: não de tua lâmina nem de teu revólver excessivamente crespos, meio arruivados. Tinha um
nem de tua manha nem de teu olhar. busto enorme, enquanto nós todas ainda éramos
Medo de que sintas como sou culpado achatadas. Como se não bastasse, enchia os dois bolsos
e culpados somos de pouca ou nenhuma irmandade. da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o

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que qualquer criança devoradora de histórias gostaria Mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da
de ter: um pai dono de livraria. filha do dono de livraria era tranquilo e diabólico. No
Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para dia seguinte lá estava eu à porta de sua casa, com um
aniversário, em vez de pelo menos um livrinho barato, sorriso e o coração batendo. Para ouvir a resposta
ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja do calma: o livro ainda não estava em seu poder, que eu
pai. Ainda por cima era de paisagem do Recife mesmo, voltasse no dia seguinte. Mal sabia eu como mais
onde morávamos, com suas pontes mais do que vistas. tarde, no decorrer da vida, o drama do “dia seguinte”
Atrás escrevia com letra bordadíssima palavras como com ela ia se repetir com meu coração batendo.
“data natalícia” e “saudade”. E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia
Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era que era tempo indefinido, enquanto o fel não
pura vingança, chupando balas com barulho. Como escorresse todo de seu corpo grosso. Eu já começara a
essa menina devia nos odiar, nós que éramos adivinhar que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes
imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de adivinho. Mas, adivinhando-me mesmo, às vezes
cabelos livres. Comigo exerceu com calma ferocidade aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja
o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem notava precisando danadamente que eu sofra.
as humilhações a que ela me submetia: continuava a Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa, sem
implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia. faltar um dia sequer. Às vezes ela dizia: pois o livro
Até que veio para ela o magno dia de começar a esteve comigo ontem de tarde, mas você só veio de
exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como manhã, de modo que o emprestei a outra menina. E eu,
casualmente, informou-me que possuía As reinações que não era dada a olheiras, sentia as olheiras se
de Narizinho, de Monteiro Lobato. cavando sob os meus olhos espantados.
Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa,
ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E ouvindo humilde e silenciosa a sua recusa, apareceu
completamente acima de minhas posses. Disse-me que sua mãe. Ela devia estar estranhando a aparição muda
eu passasse pela sua casa no dia seguinte e que ela o e diária daquela menina à porta de sua casa. Pediu
emprestaria. explicações a nós duas. Houve uma confusão
Até o dia seguinte eu me transformei na própria silenciosa, entrecortada de palavras pouco elucidativas.
esperança da alegria: eu não vivia, eu nadava devagar A senhora achava cada vez mais estranho o fato de não
num mar suave, as ondas me levavam e me traziam. estar entendendo. Até que essa mãe boa entendeu.
No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Voltou-se para a filha e com enorme surpresa
Ela não morava num sobrado como eu, e sim numa exclamou: mas este livro nunca saiu daqui de casa e
casa. Não me mandou entrar. Olhando bem para meus você nem quis ler!
olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra E o pior para essa mulher não era a descoberta do que
menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá- acontecia. Devia ser a descoberta horrorizada da filha
lo. Boquiaberta, saí devagar, mas em breve a esperança que tinha. Ela nos espiava em silêncio: a potência de
de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a perversidade de sua filha desconhecida e a menina
andar pulando, que era o meu modo estranho de andar loura em pé à porta, exausta, ao vento das ruas de
pelas ruas de Recife. Dessa vez nem caí: guiava-me a Recife. Foi então que, finalmente se refazendo, disse
promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias firme e calma para a filha: você vai emprestar o livro
seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira, o agora mesmo. E para mim: “E você fica com o livro
amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas por quanto tempo quiser.” Entendem? Valia mais do
ruas como sempre e não caí nenhuma vez. que me dar o livro: “pelo tempo que eu quisesse” é

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tudo o que uma pessoa, grande ou pequena, pode ter a 3. Assinale a passagem em que a autora, apesar do
ousadia de querer. uso expressivo do termo, comete, de acordo com a
Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e norma culta, um DESVIO de regência.
assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse a) (...) era um livro para se ficar vivendo com ele,
nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como comendo-o, dormindo-o.
sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o b) (...) continuava a implorar-lhe emprestados os
livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra livros que ela não lia.
o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, c) (...) e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo.
também pouco importa. Meu peito estava quente, meu d) Horas depois abri-o, li algumas linhas
coração pensativo. maravilhosas, fechei-o de novo (...)
Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não e) (...) balançando-me com o livro aberto no colo, sem
o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas tocá-lo, em êxtase puríssimo.
depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o
de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo 4. Assinale a opção em que se analisou
comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde ERRONEAMENTE a oração sublinhada.
guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns a) Mal sabia eu como mais tarde, no decorrer da vida,
instantes. Criava as mais falsas dificuldades para o drama do “dia seguinte” com ela ia se repetir (...) –
aquela coisa clandestina que era a felicidade. A conformidade.
felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece b) (...) e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo
que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... – finalidade.
Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha c) Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia
delicada. emprestado o livro a outra menina (...) – tempo.
Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o d) (...) mas você só veio de manhã, de modo que o
livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo. emprestei a outra menina. – consequência.
Não era mais uma menina com um livro: era uma e) Até que essa mãe boa entendeu. – tempo.
mulher com o seu amante.
5. Uma situação de crase FACULTATIVA aparece
Com base no texto acima, responda à(s) questão(ões) na opção:
a seguir. a) (...) lá estava eu à porta de sua casa (...)
b) Às vezes ela dizia: pois o livro esteve comigo ontem
de tarde (...)
2. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu c) (...) perversidade de sua filha desconhecida e a
sadismo. Nessa passagem a figura de estilo que menina loura em pé à porta (...)
aparece sublinhada é d) Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia
a) catacrese. sequer.
b) oximoro. e) Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia
c) metonímia. emprestado o livro a outra menina (...)
d) hipérbole.
e) metáfora. 6. Nas passagens que se seguem poderia haver uma
vírgula, dependendo da ênfase ou do ritmo da frase,
EXCETO em:

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a) Até o dia seguinte eu me transformei na própria c) Mas que talento tinha para a crueldade.
esperança da alegria (...) d) Comigo exerceu com calma ferocidade o seu
b) No dia seguinte fui à sua casa, literalmente sadismo.
correndo. e) Como casualmente, informou-me que possuía ‘As
c) Ainda por cima era de paisagem do Recife mesmo, reinações de Narizinho’, de Monteiro Lobato.
onde morávamos, com suas pontes mais do que vistas.
d) Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o TEXTO PARA AS PRÓXIMAS 2 QUESTÕES:
livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo. Leia o texto abaixo e responda à(s) questão(ões).
e) Mas possuía o que qualquer criança devoradora de
histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria. A PIPOCA
Rubem Alves
7. Nas passagens que se seguem o pronome oblíquo
cumpre a mesma função sintática, EXCETO em: A culinária me fascina. De vez em quando eu até me
a) (...) eu nem notava as humilhações a que ela me até atrevo a cozinhar. Mas o fato é que sou mais
submetia (...) competente com as palavras que com as panelas. Por
b) (...) eu nadava devagar num mar suave, as ondas isso tenho mais escrito sobre comidas que cozinhado.
me levavam e me traziam. Dedico-me a algo que poderia ter o nome de “culinária
c) Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro literária”. Já escrevi sobre as mais variadas entidades
(...) do mundo da cozinha: cebolas, ora-pro-nóbis,
d) Como casualmente, informou-me que possuía As picadinho de carne com tomate feijão e arroz,
reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato. bacalhoada, suflês, sopas, churrascos. Cheguei mesmo
e) (...) o amor pelo mundo me esperava, andei pulando a dedicar metade de um livro poético-filosófico a uma
pelas ruas como sempre (...) meditação sobre o filme A festa de Babette, que é uma
celebração da comida como ritual de feitiçaria.
8. Assinale a opção em que a expressão sublinhada Sabedor das minhas limitações e competências, nunca
NÃO é o sujeito da oração. escrevi como chef. Escrevi como filósofo, poeta,
a) Como contar o que se seguiu? psicanalista e teólogo – porque a culinária estimula
b) Até que veio para ela o magno dia de começar a todas essas funções do pensamento.
exercer sobre mim uma tortura chinesa. As comidas, para mim, são entidades oníricas.
c) Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro Provocam a minha capacidade de sonhar. Nunca
(...) imaginei, entretanto, que chegaria um dia em que a
d) No dia seguinte lá estava eu à porta de sua casa, pipoca iria me fazer sonhar. Pois foi precisamente isso
com um sorriso e o coração (...) que aconteceu. A pipoca, milho mirrado, grãos
e) Houve uma confusão silenciosa, entrecortada de redondos e duros, me pareceu uma simples
palavras (...) molecagem, brincadeira deliciosa, sem dimensões
metafísicas ou psicanalíticas. Entretanto, dias atrás,
9. Assinale a opção em que o processo de formação conversando com uma paciente, ela mencionou a
da palavra sublinhada é diferente dos demais. pipoca. E algo inesperado na minha mente aconteceu.
a) Mas possuía o que qualquer criança devoradora de Minhas ideias começaram a estourar como pipoca.
histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria. Percebi, então, a relação metafórica entre a pipoca e o
b) Até que veio para ela o magno dia de começar a ato de pensar. Um bom pensamento nasce como uma
exercer sobre mim uma tortura chinesa. pipoca que estoura, de forma inesperada e

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imprevisível. A pipoca se revelou a mim, então, como ser aquilo que acontece depois do estouro. O milho da
um extraordinário objeto poético. Poético porque, ao pipoca somos nós: duros, Quebra-Dentes, impróprios
pensar nelas, as pipocas, meu pensamento se pôs a dar para comer, pelo poder do fogo podemos,
estouros e pulos como aqueles das pipocas dentro de repentinamente, nos transformar em outra coisa −
uma panela. voltar a ser crianças!
Lembrei-me do sentido religioso da pipoca. A pipoca Mas a transformação só acontece pelo poder do fogo.
tem sentido religioso? Pois tem. Para os cristãos, Milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a
religiosos são o pão e o vinho, que simbolizam o corpo ser milho de pipoca, para sempre. Assim acontece com
e o sangue de Cristo, a mistura de vida e alegria a gente. As grandes transformações acontecem quando
(porque vida, só vida, sem alegria, não é vida...). Pão e passamos pelo fogo. Quem não passa pelo fogo fica do
vinho devem ser bebidos juntos. Vida e alegria devem mesmo jeito, a vida inteira. São pessoas de uma
existir juntas. Lembrei-me, então, de lição que aprendi mesmice e dureza assombrosas. Só que elas não
com a Mãe Stella, sábia poderosa do candomblé percebem. Acham que o seu jeito de ser é o melhor
baiano: que a pipoca é a comida sagrada do jeito de ser. Mas, de repente, vem o fogo. O fogo é
candomblé... quando a vida nos lança numa situação que nunca
A pipoca é um milho mirrado, subdesenvolvido. Fosse imaginamos. Dor. Pode ser fogo de fora: perder um
eu agricultor ignorante, e se no meio dos meus milhos amor, perder um filho, ficar doente, perder um
graúdos aparecessem aquelas espigas nanicas, eu emprego, ficar pobre. Pode ser fogo de dentro. Pânico,
ficaria bravo e trataria de me livrar delas. Pois o fato é medo, ansiedade, depressão – sofrimentos cujas causas
que, sob o ponto de vista do tamanho, os milhos da ignoramos. Há sempre o recurso aos remédios. Apagar
pipoca não podem competir com os milhos normais. o fogo. Sem fogo o sofrimento diminui. E com isso a
Não sei como isso aconteceu, mas o fato é que houve possibilidade da grande transformação.
alguém que teve a ideia de debulhar as espigas e Imagino que a pobre pipoca, fechada dentro da panela,
colocá-las numa panela sobre o fogo, esperando que lá dentro ficando cada vez mais quente, pense que sua
assim os grãos amolecessem e pudessem ser comidos. hora chegou: vai morrer. De dentro de sua casca dura,
Havendo fracassado a experiência com água, tentou a fechada em si mesma, ela não pode imaginar destino
gordura. O que aconteceu, ninguém jamais poderia ter diferente. Não pode imaginar a transformação que está
imaginado. Repentinamente os grãos começaram a sendo preparada. A pipoca não imagina aquilo de que
estourar, saltavam da panela com uma enorme ela é capaz. Aí, sem aviso prévio, pelo poder do fogo,
barulheira. Mas o extraordinário era o que acontecia a grande transformação acontece: pum! − e ela aparece
com eles: os grãos duros Quebra-Dentes se como uma outra coisa, completamente diferente, que
transformavam em flores brancas e macias que até as ela mesma nunca havia sonhado. É a lagarta rastejante
crianças podiam comer. O estouro das pipocas se e feia que surge do casulo como borboleta voante.
transformou, então, de uma simples operação culinária, Na simbologia cristã o milagre do milho de pipoca está
em uma festa, brincadeira, molecagem, para os risos de representado pela morte e ressurreição de Cristo: a
todos, especialmente as crianças. É muito divertido ver ressurreição é o estouro do milho de pipoca. É preciso
o estouro das pipocas! deixar de ser de um jeito para ser de outro. “Morre e
E o que é que isso tem a ver com o candomblé? É que transforma-te!” − dizia Goethe.
a transformação do milho duro em pipoca macia é Em Minas, todo mundo sabe o que é piruá. Falando
símbolo da grande transformação porque devem passar sobre os piruás com os paulistas descobri que eles
os homens para que eles venham a ser o que devem ignoram o que seja. Alguns, inclusive, acharam que era
ser. O milho da pipoca não é o que deve ser. Ele deve gozação minha, que piruá é palavra inexistente.

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Cheguei a ser forçado a me valer do Aurélio para c) Terminado o estouro alegre da pipoca, no fundo da
confirmar o meu conhecimento da língua. Piruá é o panela ficam os piruás que não servem para nada.
milho de pipoca que se recusa a estourar. Meu amigo d) Alguns, inclusive, acharam que era gozação minha,
William, extraordinário professor-pesquisador da que piruá é palavra inexistente. Cheguei
Unicamp, especializou-se em milhos, e desvendou a ser forçado a me valer do Aurélio para confirmar o
cientificamente o assombro do estouro da pipoca. Com meu conhecimento da língua.
certeza ele tem uma explicação científica para os e) Imagino que a pobre pipoca, fechada dentro da
piruás. Mas, no mundo da poesia as explicações panela, lá dentro ficando cada vez mais quente, pense
científicas não valem. Por exemplo: em Minas “piruá” que sua hora chegou: vai morrer.
é o nome que se dá às mulheres que não conseguiram
casar. Minha prima, passada dos quarenta, lamentava: 11. No que diz respeito ao mecanismo de coesão
“Fiquei piruá!” Mas acho que o poder metafórico dos utilizado, a expressão sublinhada NÃO está indicada
piruás é muito maior. Piruás são aquelas pessoas que, corretamente na opção:
por mais que o fogo esquente, se recusam a mudar. a) As comidas, para mim, são entidades oníricas.
Elas acham que não pode existir coisa mais Provocam a minha capacidade de sonhar. Nunca
maravilhosa do que o jeito delas serem. Ignoram o dito imaginei, entretanto, que chegaria um dia em que a
de Jesus: “Quem preservar a sua vida perdê-la-á.” A pipoca iria me fazer sonhar. Pois foi precisamente isso
sua presunção e o seu medo são a dura casca do milho que aconteceu. – A pipoca iria fazê-lo sonhar.
que não estoura. O destino delas é triste. Vão ficar b) Não sei como isso aconteceu, mas o fato é que
duras a vida inteira. Não vão se transformar na flor houve alguém que teve a ideia de debulhar as espigas
branca macia. Não vão dar alegria para ninguém. e colocá-las numa panela sobre o fogo, esperando que
Terminado o estouro alegre da pipoca, no fundo da assim os grãos amolecessem e pudessem ser comidos.
panela ficam os piruás que não servem para nada. Seu – espigas.
destino é o lixo. Quanto às pipocas que estouraram, c) Dor. Pode ser fogo de fora: perder um amor, perder
são adultos que voltaram a ser crianças e que sabem um filho, ficar doente, perder um emprego, ficar
que a vida é uma grande brincadeira... pobre. Pode ser fogo de dentro. Pânico, medo,
ansiedade, depressão − sofrimentos cujas causas
Disponível em ignoramos. – causas do sofrimento.
http://www.releituras.com/rubemalves_pipoca.asp. d) Fosse eu agricultor ignorante, e se no meio dos
Acessado em 31 de mai. 2016. meus milhos graúdos aparecessem aquelas espigas
nanicas, eu ficaria bravo e trataria de me livrar delas.
– das espigas nanicas.
Obs.: O texto foi adaptado às regras do Novo Acordo e) Em Minas, todo mundo sabe o que é piruá. Falando
Ortográfico. sobre os piruás com os paulistas descobri que eles
ignoram o que seja. Alguns, inclusive, acharam que
10. O autor faz uso, de uma figura de linguagem, a era gozação minha, que piruá é palavra inexistente. –
metonímia, na passagem: os piruás.
a) (...) ao pensar nelas, as pipocas, meu pensamento se
pôs a dar estouros e pulos como aqueles das pipocas TEXTO PARA AS PRÓXIMAS 3 QUESTÕES:
dentro de uma panela. O homem deve reencontrar o Paraíso...
b) Um bom pensamento nasce como uma pipoca que Rubem Alves
estoura, de forma inesperada e imprevisível.

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Era uma família grande, todos amigos. Viviam entendiam a pergunta, que não lhes importava para
como todos nós: moscas presas na enorme teia de onde se estava indo.
aranha que é a vida da cidade. Todos os dias a aranha Se os barcos se fazem com ciência, a
que é a vida da cidade. Todos os dias a aranha lhes navegação faz-se com sonhos. Infelizmente a ciência,
arrancava um pedaço. Ficaram cansados. Resolveram utilíssima, especialista em saber como as coisas
mudar de vida: um sonho louco: navegar! Um barco, o funcionam, tudo ignora sobre o coração humano. É
mar, o céu, as estrelas, os horizontes sem fim: preciso sonhar para se decidir sobre o destino da
liberdade. Venderam o que tinham, compraram um navegação. Mas o coração humano, lugar dos sonhos,
barco capaz de atravessar mares e sobreviver ao contrário da ciência, é coisa preciosa. Disse certo
tempestades. poeta: Viver não é preciso. Primeiro vem o impreciso
Mas para navegar não basta sonhar. É preciso desejo. Primeiro vem o impreciso desejo de navegar.
saber. São muitos os saberes necessários para se Só depois vem a precisa ciência de navegar.
navegar. Puseram-se então a estudar cada um aquilo Naus e navegação têm sido uma das mais
que teria de fazer no barco: manutenção do casco, poderosas imagens na mente dos poetas. Ezra Pound
instrumentos de navegação, astronomia, meteorologia, inicia seus Cânticos dizendo: E pois com a nau no
as velas, as cordas, as polias e roldanas, os mastros, o mar/ assestamos a quilho contra as vagas... Cecília
leme, os parafusos, o motor, o radar, o rádio, as Meireles: Foi, desde sempre, o mar! A solidez da
ligações elétricas, os mares, os mapas... Disse cero o terra, monótona/ parece-nos fraca ilusão! Queremos a
poeta: Navegar é preciso, a ciência da navegação é ilusão do grande mar / multiplicada em suas malhas
saber preciso, exige aparelhos, números e medições. de perigo. E Nietzsche: Amareis a terra de vossos
Barcos se fazem com precisão, astronomia se aprende filhos, terra não descoberta, no mar mais distante.
com o rigor da geometria, velas se fazem com saberes Que as vossas velas não se cansem de procurar esta
exatos sobre tecidos, cordas e ventos, instrumentos de terra! O nosso leme nos conduz para a terra dos
navegação não informam mais ou menos. Assim, eles nossos filhos... Viver é navegar no grande mar!
se tornaram cientistas, especialistas, cada um na sua – Não só os poetas: C. Wright Mills, um
juntos para navegar. sociólogo sábio, comparou a nossa civilização a uma
Chegou então o momento de grande decisão – galera que navega pelos mares. Nos porões estão os
para onde navegar. Um sugeria as geleiras do sul do remadores. Remam com precisão cada vez maior. A
Chile, outro os canais dos fiordes da Noruega, um cada novo dia recebem novos, mais perfeitos. O ritmo
outro queria conhecer os exóticos mares e praias das da remadas acelera. Sabem tudo sobre a ciência do
ilhas do Pacífico, e houve mesmo quem quisesse remar. A galera navega cada vez mais rápido. Mas,
navegar nas rotas de Colombo. E foi então que perguntados sobre o porto do destino, respondem os
compreenderam que, quando o assunto era a escolha remadores: O porto não nos importa. O que importada
do destino, as ciências que conheciam para nada é a velocidade com que navegamos.
serviam. C Wright Mills usou esta metáfora para
De nada valiam, tabelas, gráficos, estatísticas. descrever a nossa civilização por meio duma imagem
Os computadores, coitados, chamados a dar seu plástica: multiplicam-se os meios técnicos e científicos
palpite, ficaram em silêncio. Os computadores não têm ao nosso dispor, que fazem com que as mudanças
preferências – falta-lhes essa sutil capacidade de sejam cada vez mais rápidas; mas não temos ideia
gostar, que é a essência da vida humana. Perguntados alguma de para onde navegamos. Para onde?
sobre o porto de sua escolha, disseram que não Somente um navegador louco ou perdido navegaria
sem ter ideia do para onde. Em relação à vida da

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sociedade, ela contém a busca de uma utopia. Utopia, É necessário ensinar os precisos saberes da
na linguagem comum, é usada como sonho impossível navegação enquanto ciência. Mas é necessário apontar
de ser realizado. Mas não é isso. Utopia é um ponto com imprecisos sinais para os destinos da navegação:
inatingível que indica uma direção. A terra dos filhos dos meus filhos, no mar distante...
Mário Quintana explicou a utopia com um Na verdade, a ordem verdadeira é a inversa. Primeiro,
verso: Se as coisas são inatingíveis... ora!/ não é um os homens sonham com navegar. Depois aprendem a
motivo para não querê-las... Que tristes os caminho, ciência da navegação. É inútil ensinar a ciência da
se não fora/ A mágica presença das estrelas! Karl navegação a quem mora nas montanhas.
Mannheim, outro sociólogo sábio que poucos leem, já O meu sonho para a educação foi dito por
na década de 1920 diagnosticava a doença da nossa Bachelard: O universo tem um destino de felicidade. O
civilização: Não temos consciência de direções, não homem deve reencontrar o Paraíso. O paraíso é o
escolhemos direções. Faltam-nos estrelas que nos jardim, lugar de felicidade, prazeres e alegrias para os
indiquem o destino. homens e mulheres. Mas há um pesadelo que me
Hoje, ele dizia, as únicas perguntas que são atormenta: o deserto. Houve um momento em que se
feitas, determinadas pelo pragmatismo da tecnologia (o viu, por entre as estrelas, um brilho chamado
importante é produzir o objeto) e pelo objetivismo da progresso. Está na bandeira nacional... E, quilha
ciência (o importante é saber como funciona), são: contra as vagas, a galera navega em direção ao
Como posso fazer tal coisa? Como posso resolver este progresso, a uma velocidade cada vez maior, e
problema concreto em particular? E conclui: E em ninguém questiona a direção. E é assim que as
todas essas perguntas sentimos o eco intimista: não florestas são destruídas, os rios se transformam em
preciso de me preocupar com o todo, ele tomará conta esgotos de fezes e veneno, o ar se enche de gases, os
de si mesmo. campos se cobrem de lixo – e tudo ficou feio e triste.
Em nossas escolas é isso que se ensina: a Sugiro aos educadores que pensem menos nas
precisa ciência da navegação, sem que os estudantes tecnologias do ensino – psicologias e quinquilharias –
sejam levados a sonhar com as estrelas. A nau navega e tratem de sonhar, com os seus alunos, sonhos de um
veloz e sem rumo. Nas universidades, essa doença Paraíso.
assume a forma de peste epidêmica: cada especialista
se dedica com paixão e competência, a fazer pesquisas Obs.: O texto foi adaptado às regras do Novo Acordo
sobre o seu parafuso, sua polia, sua vela, seu mastro. Ortográfico.
Dizem que seu dever é produzir conhecimento.
Se forem bem-sucedidas, suas pesquisas serão 12. Ficaram cansados. Resolveram mudar de vida:
publicadas em revistas internacionais. Quando se lhes um sonho louco: navegar! Um barco, o mar, o céu, as
pergunta: Para onde seu barco está navegando?, eles estrelas, os horizontes sem fim: liberdade. Venderam o
respondem: Isso não é científico. Os sonhos não são que tinham compraram um barco capaz de atravessa
objetos de conhecimento científico. mares e sobreviver a tempestades.
E assim ficam os homens comuns abandonados
por aqueles que, por conhecerem mares e estrelas, lhes No que diz respeito ao mecanismo de coesão textual,
poderiam mostrar o rumo. Não posso pensar a missão quanto à retomada, o recurso que predomina na
das escolas, começando com as crianças e continuando passagem acima é
com os cientistas, como outra que não a da realização a) a repetição propriamente dita.
do dito poeta: Navegar é preciso. Viver não é preciso. b) a hiperonímia.
c) a sinonímia.

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d) o paralelismo. Passeio à Infância


e) a elipse.
Primeiro vamos lá embaixo no córrego;
13. A partir da análise da função que os mecanismos pegaremos dois pequenos carás dourados. E como faz
coesivos exercem na construção do texto, assinale a calor, veja, os lagostins saem da toca. Quer ir de
opção INCORRETA. batelão, na ilha, comer ingás? Ou vamos ficar bestando
a) Assim, eles se tornaram cientistas, especialistas, nessa areia onde o sol dourado atravessa a água rasa?
cada um na sua (...). O termo destacado caracteriza-se Não catemos pedrinhas redondas para atiradeira,
como uma coesão sequencial, indicando conclusão em porque é urgente subir no morro; os sanhaços estão
relação ao que foi dito na oração anterior. bicando os cajus maduros. É janeiro, grande mês de
b) Perguntados sobre o porto de sua escolha, disseram janeiro!
que não entendiam a pergunta (...). A palavra Podemos cortar folhas de pita, ir para o outro
destacada é um pronome relativo que dá sequência ao lado do morro e descer escorregando no capim até a
texto. beira do açude. Com dois paus de pita, faremos uma
c) Primeiro vem o impreciso desejo (...). Só depois vem balsa, e, como o carnaval é só no mês que vem, vamos
a precisa ciência de navegar. Os termos destacados apanhar tabatinga para fazer formas de máscaras. Ou
assinalam sequências temporais relacionadas à então vamos jogar bola-preta: do outro lado do jardim
organização textual. tem um pé de saboneteira.
d) Sugiro aos educadores que pensem menos nas Se quiser, vamos. Converta-se, bela mulher
tecnologias do ensino – psicologias e quinquilharias – estranha, numa simples menina de pernas magras e
(...). Os termos destacados estabelecem uma coesão vamos passear nessa infância de uma terra longe. É
referencial, ou melhor, ele retorna a expressão verdade que jamais comeu angu de fundo de panela?
tecnologias do ensino. Bem pouca coisa eu sei: mas tudo que sei lhe
e) Resolveram mudar de vida: um sonho louco: ensino. Estaremos debaixo da goiabeira; eu cortarei
navegar. Há um termo elíptico no fragmento que uma forquilha com o canivete. Mas não consigo
estabelece uma coesão referencial, isto é, o termo imaginá-la assim; talvez se na praia ainda houver
elíptico retorna aos integrantes da família. pitangueiras... Havia pitangueiras na praia? Tenho uma
ideia vaga de pitangueiras junto à praia. Iremos catar
14. Ao se analisar sintaticamente a oração sublinhada, conchas cor-de-rosa e búzios crespos, ou armar o
cometeu-se um erro, que aparece na alternativa. alçapão junto do brejo para pegar papa-capim. Quer?
a) É necessário ensinar os precisos saberes da Agora devem ser três horas da tarde, as galinhas lá fora
navegação enquanto ciência. (predicativo) estão cacarejando de sono, você gosta de fruta-pão
b) Chegou então o momento da grande decisão – para assada com manteiga? Eu lhe vou aipim ainda quente
onde navegar. (aposto) com melado. Talvez você fosse como aquela menina
c) ‘Navegar é preciso. Viver não é preciso’. (sujeito) rica, de fora, que achou horrível nosso pobre doce de
d) É inútil ensinar a ciência da navegação a quem abóbora e coco.
mora nas montanhas... (objeto indireto) Mas eu a levarei para a beira do ribeirão, na
e) (...) compraram um barco capaz de atravessar sombra fria do bambual; ali pescarei piaus. Há
mares e sobreviver tempestades. (complemento rolinhas. Ou então ir descendo o rio numa canoa bem
nominal) devagar e de repente dar um galope na correnteza,
passando rente às pedras, como se a canoa fosse um
TEXTO PARA AS PRÓXIMAS 2 QUESTÕES: cavalo solto. Ou nadar mar afora até não poder mais e

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depois virar e ficar olhando as nuvens brancas. Bem onde ouvi um silvo de cobra, e eu quisera tanto dormir.
pouca coisa eu sei; os outros meninos riram de mim Tanto dormir! Preciso de um sossego de beira de rio,
porque cortei uma iba de assa-peixe. Lembro-me que com remanso, com cigarras. Mas você é como se
vi o ladrão morrer afogado com os soldados de canoa houvesse demasiadas cigarras cantando numa pobre
dando tiros, e havia uma mulher do outro lado do rio tarde de homem.
gritando.
Mas como eu poderia, mulher estranha, Julho, 1945
convertê-la em menina para subir comigo pela
capoeira? Uma vez vi uma urutu junto de um tronco Crônica extraída do livro 200 crônicas escolhidas, de
queimado; e me lembro de muitas meninas. Tinha uma Rubem Braga
que para mim uma adoração. Ah, paixão da infância,
paixão que não amarga. Assim eu queria gostar de 15. A possibilidade da presença de um acento grave
você, mulher estranha que ora venho conhecer, homem ocorre na opção:
maduro. Homem maduro, ido e vivido; mas quando a a) Podemos cortar folhas de pita, ir para o outro lado
olhei, você estava distraída, meus olhos eram outra vez do morro e descer escorregando no capim até a beira
daquele menino feio do segundo ano primário que do açude.
quase não tinha coragem de olhar a menina um pouco b) Mas eu a levarei para a beira do ribeirão, na
mais alta da ponta direita do banco. sombra fria do bambual; ali pescarei piaus.
Adoração de infância. Ao menos você conhece c) Ou nadar mar afora até não poder mais e depois
um passarinho chamado saíra? É um passarinho virar e ficar olhando as nuvens brancas.
miúdo: imagine uma saíra grande que de súbito d) (...) olhos daquele menino feio do segundo ano
aparecesse a um menino que só tivesse visto coleiros e primário que quase não tinha coragem de olhar a
curiós, ou pobres cambaxirras. Imagine um arco-íris menina um pouco mais alta da ponta direita do banco.
visto na mais remota infância, sobre os morros e o rio. e) O menino da roça que pela primeira vez vê as algas
O menino da roça que pela primeira vez vê as algas do do mar se balançando sob a onda clara, junto da
mar se balançando sob a onda clara, junto da pedra. pedra.
Ardente da mais pura paixão de beleza é a
adoração da infância. Na minha adolescência você 16. Assinale a opção em que a oração sublinhada
seria uma tortura. Quero levá-la para a meninice. Bem NÃO se classifica como subordinada adverbial.
pouca coisa eu sei; uma vez na fazenda rira: ele não a) (...) os outros meninos riram de mim porque cortei
sabe nem passar um barbicacho! Mas o que sei lhe uma iba de assa-peixe.
ensino; são pequenas coisas do mato e da água, são b) Com dois paus de pita, faremos uma balsa, e, como
humildes coisas, e você é tão bela e estranha! o carnaval é no mês que vem, vamos apanhar
Inutilmente tento convertê-la em menina de pernas tabatinga para fazer formas de máscaras.
magras, o joelho ralado, um pouco de lama seca do c) Ou vamos ficar bestando nessa areia onde o sol
brejo no meio dos dedos dos pés. dourado atravessa a água rasa?
Linda como a areia que a onda ondeou. Saíra d) Talvez você fosse como aquela menina rica, de fora,
grande! Na adolescência e torturaria; mas sou um que achou horrível nosso pobre doce de abóbora e
homem maduro. Ainda assim às vezes é como um coco.
bando de sanhaços bicando os cajus de meu cajueiro, e) Ou nada mar afora até não poder mais e depois
um cardume de peixes dourados avançando, saltando virar e ficar olhando as nuvens brancas.
ao sol, na piracema; um bambual com sombra fria,

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TEXTO PARA AS PRÓXIMAS 3 QUESTÕES: O que me pareceu, é que o burro fazia exame
Um caso de burro de consciência. Indiferente aos curiosos, como ao
Machado de Assis capim e à água, tinha no olhar a expressão dos
meditativos. Era um trabalho interior e profundo. Este
Quinta-feira à tarde, pouco mais de três horas, remoque popular: por pensar morreu um burro mostra
vi uma coisa tão interessante, que determinei logo de que o fenômeno foi mal entendido dos que a princípio
começar por ela esta crônica. Agora, porém, no o viram; o pensamento não é a causa da morte, a morte
momento de pegar na pena, receio achar no leitor é que o torna necessário. Quanto à matéria do
menor gosto que eu para um espetáculo, que lhe pensamento, não há dúvidas que é o exame da
parecerá vulgar, e porventura torpe. Releve a consciência. Agora, qual foi o exame da consciência
importância; os gostos não são iguais. daquele burro, é o que presumo ter lido no escasso
Entre a grade do jardim da Praça Quinze de tempo que ali gastei. Sou outro Champollion,
Novembro e o lugar onde era o antigo passadiço, ao pé porventura maior; não decifrei palavras escritas, mas
dos trilhos de bondes, estava um burro deitado. O lugar ideias íntimas de criatura que não podia exprimi-las
não era próprio para remanso de burros, donde concluí verbalmente.
que não estaria deitado, mas caído. Instantes depois, E diria o burro consigo:
vimos (eu ia com um amigo), vimos o burro levantar a “Por mais que vasculhe a consciência, não acho
cabeça e meio corpo. Os ossos furavam-lhe a pele, os pecado que mereça remorso. Não furtei, não menti,
olhos meio mortos fechavam-se de quando em quando. não matei, não caluniei, não ofendi nenhuma pessoa.
O infeliz cabeceava, mais tão frouxamente, que parecia Em toda a minha vida, se dei três coices, foi o mais,
estar próximo do fim. isso mesmo antes haver aprendido maneiras de cidade
Diante do animal havia algum capim espalhado e de saber o destino do verdadeiro burro, que é apanhar
e uma lata com água. Logo, não foi abandonado e calar. Quando ao zurro, usei dele como linguagem.
inteiramente; alguma piedade houve no dono ou quem Ultimamente é que percebi que me não entendiam, e
quer que seja que o deixou na praça, com essa última continuei a zurrar por ser costume velho, não com
refeição à vista. Não foi pequena ação. Se o autor dela ideia de agravar ninguém. Nunca dei com homem no
é homem que leia crônicas, e acaso ler esta, receba chão. Quando passei do tílburi ao bonde, houve
daqui um aperto de mão. O burro não comeu do capim, algumas vezes homem morto ou pisado na rua, mas a
nem bebeu da água; estava já para outros capins e prova de que a culpa não era minha, é que nunca segui
outras águas, em campos mais largos e eternos. Meia o cocheiro na fuga; deixava-me estar aguardando
dúzia de curiosos tinha parado ao pé do animal. Um autoridade.”
deles, menino de dez anos, empunhava uma vara, e se “Passando à ordem mais elevada de ações, não
não sentia o desejo de dar com ela na anca do burro acho em mim a menor lembrança de haver pensado
para espertá-lo, então eu não sei conhecer meninos, sequer na perturbação da paz pública. Além de ser a
porque ele não estava do lado do pescoço, mas minha índole contrária a arruaças, a própria reflexão
justamente do lado da anca. Diga-se a verdade; não o me diz que, não havendo nenhuma revolução
fez – ao menos enquanto ali estive, que foram poucos declarado os direitos do burro, tais direitos não
minutos. Esses poucos minutos, porém, valeram por existem. Nenhum golpe de estado foi dado em favor
uma hora ou duas. Se há justiça na Terra valerão por dele; nenhuma coroa os obrigou. Monarquia,
um século, tal foi a descoberta que me pareceu fazer, e democracia, oligarquia, nenhuma forma de governo,
aqui deixo recomendada aos estudiosos. teve em conta os interesses da minha espécie.
Qualquer que seja o regime, ronca o pau. O pau é a

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minha instituição um pouco temperada pela teima que


é, em resumo, o meu único defeito. Quando não
teimava, mordia o freio dando assim um bonito 17. Observando os recursos estilísticos empregados
exemplo de submissão e conformidade. Nunca no texto, há eufemismo em:
perguntei por sóis nem chuvas; bastava sentir o freguês a) “O burro não comeu do capim, nem bebeu da água;
no tílburi ou o apito do bonde, para sair logo. Até aqui estava já para outros capins e outras águas, em campos
os males que não fiz; vejamos os bens que pratiquei.” mais largos e eternos”.
“A mais de uma aventura amorosa terei b) “O que me pareceu, é que o burro fazia exame de
servido, levando depressa o tílburi e o namorado à casa consciência. Indiferente aos curiosos, como ao capim e
da namorada – ou simplesmente empacando em lugar à água, tinha no olhar a expressão dos meditativos.”
onde o moço que ia ao bonde podia mirar a moça que c) “[...] por pensar morreu um burro mostra que o
estava na janela. Não poucos devedores terei fenômeno foi mal entendido dos que a princípio o
conduzido para longe de um credor importuno. Ensinei viram; o pensamento não é a causa da morte, a morte é
filosofia a muita gente, esta filosofia que consiste na que o torna necessário.”
gravidade do porte e na quietação dos sentidos. d) “Dois meninos, parados, contemplavam o cadáver,
Quando algum homem, desses que chamam patuscos, espetáculo repugnante; mas a infância, corno a ciência,
queria fazer rir os amigos, fui sempre em auxílio deles, é curiosa sem asco.”
deixando que me dessem tapas e punhadas na cara. Em e) “[...] força é dizer que, se ele não inventou a
fim…” pólvora, também não inventou a dinamite.”
Não percebi o resto, e fui andando, não menos
alvoroçado que pesaroso. Contente da descoberta, não 18. “Por mais que vasculhe a consciência, não acho
podia furtar-me à tristeza de ver que um burro tão bom pecado que mereça remorso.”
pensador ia morrer. A consideração, porém, de que
todos os burros devem ter os mesmos dotes principais, Assinale a opção em que a oração reduzida DESFAZ
fez-me ver que os que ficavam não seriam menos o sentido de oposição do período acima.
exemplares do que esse. Por que se não investigará a) Malgrado vasculhar a consciência, não acho pecado
mais profundamente o moral do burro? Da abelha já se que mereça remorso.
escreveu que é superior ao homem, e da formiga b) Mesmo vasculhando a consciência, não acho pecado
também, coletivamente falando, isto é, que as suas que mereça remorso.
instituições políticas são superiores às nossas, mais c) Em vasculhando a consciência, não acho pecado que
racionais. Por que não sucederá o mesmo ao burro, que mereça remorso.
é maior? d) A despeito de vasculhar a consciência, não acho
Sexta-feira, passando pela Praça Quinze de pecado que mereça remorso.
Novembro, achei o animal já morto. e) Não obstante vasculhar a consciência, não acho
Dois meninos, parados, contemplavam o pecado que mereça remorso.
cadáver, espetáculo repugnante; mas a infância, como
a ciência, é curiosa sem asco. De tarde já não havia 19. Assinale a opção em que o acento grave
cadáver nem nada. Assim passam os trabalhos deste indicativo de crase NÃO é colocado por uma situação
mundo. Sem exagerar o mérito do finado, força é dizer de regência.
que, se ele não inventou a pólvora, também não a) “Quinta-feira à tarde, pouco mais de três horas, vi
inventou a dinamite. Já é alguma coisa neste final de uma coisa tão interessante, que determinei logo de
século. Requiescat in pace. começar por ela esta crônica.”

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b) “Indiferente aos curiosos, co,o ao capim e à água, fascinante de graça, tão irresistível, tão colorida e tão
tinha no olhar a expressão dos meditativos.” pura que todos limpassem seu coração com lágrimas
c) “[...] levando depressa o tílburi e o namorado à casa de alegria; que o comissário do distrito, depois de ler
da namorada.” minha história, mandasse soltar aqueles bêbados e
d) “[...] não podia furtar-me à tristeza de ver que um também aquelas pobres
burro tão bom pensador ia morrer.” mulheres colhidas na calçada e lhes dissesse – "por
e) “Passando à ordem mais elevada de ações, não acho favor, se comportem, que diabo! Eu não gosto de
em mim a menor lembrança de haver pensado sequer prender ninguém!" E que assim todos tratassem
na perturbação da paz pública.” melhor seus empregados, seus dependentes e seus
semelhantes em alegre e espontânea homenagem à
TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO: minha história.
Meu ideal seria escrever... E que ela aos poucos se espalhasse pelo mundo
Rubem Braga e fosse contada de mil maneiras, e fosse atribuída a um
persa, na Nigéria, a um australiano, em Dublin, a um
Meu ideal seria escrever uma história tão japonês em Chicago – mas que em todas as línguas ela
engraçada que aquela moça que está doente naquela guardasse a sua frescura, a sua pureza, o seu encanto
casa cinzenta quando lesse minha história no jornal surpreendente; e que no fundo de uma aldeia da China,
risse, risse tanto que chegasse a chorar e dissesse – "ai um chinês muito pobre, muito sábio e muito velho
meu Deus, que história mais engraçada!". E então a dissesse: "Nunca ouvi uma história assim tão
contasse para a cozinheira e telefonasse para duas ou engraçada e tão boa em toda a minha vida; valeu a
três amigas para contar a história; e todos a quem ela pena ter vivido até hoje para ouvi-la; essa história não
contasse rissem muito e ficassem alegremente pode ter sido inventada por nenhum homem, foi com
espantados de vê-la tão alegre. Ah, que minha história certeza algum anjo tagarela que a contou aos ouvidos
fosse como um raio de sol, irresistivelmente louro, de um santo que dormia, e que ele pensou que já
quente, vivo, em sua vida de moça reclusa, enlutada, estivesse morto; sim, deve ser uma história do céu que
doente. Que ela mesma ficasse admirada ouvindo o se filtrou por acaso até nosso
próprio riso, e depois repetisse para si própria – "mas conhecimento; é divina."
essa história é mesmo muito engraçada!". E quando todos me perguntassem – "mas de
Que um casal que estivesse em casa mal- onde é que você tirou essa história?" – eu responderia
humorado, o marido bastante aborrecido com a que ela não é minha, que eu a ouvi por acaso na rua, de
mulher, a mulher bastante irritada com o marido, que um desconhecido que a contava a outro desconhecido,
esse casal também fosse atingido pela minha história. e que por sinal começara a contar assim: "Ontem ouvi
O marido a leria e começaria a rir, o que aumentaria a um sujeito contar uma história..."
irritação da mulher. Mas depois que esta, apesar de sua E eu esconderia completamente a humilde
má vontade, tomasse conhecimento da história, ela verdade: que eu inventei toda a minha história em um
também risse muito, e ficassem os dois rindo sem só segundo, quando pensei na tristeza daquela moça
poder olhar um para cara do outro sem rir mais; e que que está doente, que sempre está doente e sempre está
um, ouvindo aquele riso do outro, se lembrasse do de luto e sozinha naquela pequena casa cinzenta de
alegre tempo de namoro, e reencontrassem os dois a meu bairro.
alegria perdida de estarem juntos.
Que nas cadeias, nos hospitais, em todas as
salas de espera a minha história chegasse – e tão

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Fonte: As cem melhores crônicas brasileiras/ Joaquim


Ferreira dos Santos, organização e introdução. - Rio de
Janeiro: Objetiva, 2007.

Com base no texto, responda às questões que se


seguem.

20. O cronista emprega a linguagem conotativa em


vários momentos da narrativa. Assinale a alternativa
em que isso NÃO ocorre.
a) [...] que todos limpassem seu coração com lágrimas
de alegria [...].
b) [...] que esse casal também fosse atingido pela
minha história [...].
c) – mas que em todas as línguas ela guardasse a sua
frescura [...].
d) [...] um chinês muito pobre, muito sábio e muito
velho dissesse [...].
e) Ah, que minha história fosse como um raio de sol,
irresistivelmente louro, quente, vivo, em sua vida de
moça reclusa, enlutada, doente.

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